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VIVA-RIO PROJETO RECOMEÇAR
NOVA FRIBURGO
CURSO DE AMBIENTAÇÃO PARA BRIGADISTAS DA ORDEM URBANA – NOVA
FRIBURGO
Cristina Veneu – Assessora de Educação Permanente Viva Comunidade Tatiane Aparecida Moreira da Silva – Professora responsável convidada
Nova Friburgo Julho 2011
APRESENTAÇÃO
Este curso é um dispositivo de preparação de brigadistas da Ordem
Urbana de Nova Friburgo.
O módulo atual está estruturado no formato de dois dias. O 1º dia
possui carga horária de 8 horas, composto por temáticas relacionadas a
conceituações importantes para que o brigadista possa atuar com seu objeto
de trabalho, a familia. O segundo dia está estruturado em 7 horas, com
enfoque na abordagem de temáticas que fortaleçam o trabalho em equipe e as
práticas educativas em saúde.
Partindo-se desta proposta, espera-se que os brigadistas desenvolvam
as seguintes competências ao término do curso:
Refletir sobre a abordagem familiar, coletiva e de grupos;
Construir conceitos e praticas de intersetorialidade e integralidade;
Assumir responsabilidade social e sanitária;
Atuar com postura ética, humanista e democrática;
Alisar os determinantes biopsicossociais do processo saúde-doença;
Construir o perfil sócio-demográfico da população;
Mapear e realizar territorialização da região;
Desenvolver e realizar visitas domiciliares;
Desenvolver práticas orientadas pela educação em saúde.
Um importante trabalho nos espera e contamos com cada um de vocês,
brigadistas, para desenvolvermos um trabalho que possibilite à população de
Nova Friburgo uma saúde de qualidade, além da perspectiva de ausência de
doença, com ética, respeito à autonomia dos sujeitos e suas necessidades,
possibilitando acesso à saúde pelas famílias que estarão sob nossa
responsabilidade.
Cristina Veneu e Tatiane Moreira
CRONOGRAMA
DIA 06/07 OBJETIVOS ATIVIDADES TEMPO
Apresentação Dinâmica de grupo 08:00 as 08:30
Conceituação:
- Saúde/doença
-Divisão em dois grupos. Um grupo representa problematização sobre saúde e o outro grupo sobre doença. 08:30 às 10:00
Intervalo 10:00 às 10:15
Conceituação:
- Risco, normalidade,
vulnerabilidade;
Determinantes sociais;
Leitura e discussão do texto 1: Saúde e doença: dois fenômenos da vida.
10:15 às 11:00
MANHÃ
Conceituação:
- Família.
- Dramatização sobre família.
- Leitura do texto 2: Família, o mais novo cliente.
- Apresentação final sobre os diversos tipos de família.
11:00 às 12:30
Almoço 12:30 às 13:30
Territorialização Dividir em duas equipes e cada uma escreverá os principais problemas e potencialidades de saúde onde
moram. Identificação de riscos e vulnerabilidades.
Leitura do texto 3: Territorialização em Saúde.
13:30 às 15:00
Intervalo 15:00 às 15:15
TARDE
Mapeamento Resgatar e apresentar a vivência de reconhecimento do território (visita ao bairro três irmãos) e mapeá-lo. 15:15 às 17:00
DIA07/07
Visita Domiciliária Dramatização de uma visita domiciliária de um brigadista da saúde.
Leitura do texto 4: Visita Domiciliária
08:00 às 10:00
Intervalo 10:00 às 10:15
MANHA
Trabalho em equipe Dinâmica de trabalho em equipe.
Discussão sobre grupo e equipe
10:15 às 12:00
Almoço 12:00 às 13:00
Educação em Saúde Construção de práticas educativas em saúde pautadas na realidade local.
Discussão da prática educativa planejada.
13:00 às 14:30 TARDE
Construção de Mapa social Construção em dois grupos do mapa social com base na territorialização. 14:30 às 16:00
Texto 1 Saúde e Doença: dois fenômenos da vida
BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Curso de formação de facilitadores de educação permanente em saúde: unidades de aprendizagem - análise do contexto da gestão e das práticas de saúde. / Brasil. Ministério da Saúde. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2005.
Texto 2 Família, o mais novo cliente
JEZUINO, A. L. Familia o mais novo cliente. In: Escola de Formação Técnica em Saúde Enfª Izabel dos Santos. (Org.). Curso Técnico em Enfermagem: Promovendo a Saúde. 1ª ed. Rio de Janeiro: EFTS, 2000, v. 01, p. 61-64.
Desde a origem do homem até os dias atuais, a família passa por processos de mudanças contínuos, apresentando estruturas e funções que atendam as necessidades
pessoais e sociais de cada um de seus membros.
Há pouco tempo no Brasil, as políticas públicas eram voltadas para populações
de risco, com ressalva para o menino de rua e da rua, a gravidez na adolescência, o
portador de necessidades especiais 1e o idoso, deslocando do contexto da família, sem
considerar as relações que perpassam no meio intra e extra familiar. Contudo, a família
representa em qualquer parte do planeta Terra a célula da sociedade.
Atualmente a família é de grande relevância para implementação de políticas
públicas. Isto pode ser percebido nas políticas públicas de saúde e de assistência
social, que introduzem serviços voltados especificamente a esse número. A Lei
Orgânica de Assistência Social (LOAS2) considera como objetivo a proteção a família e
a determina como foco principal de atenção na Política Nacional de Assistência Social
(PNAS3). Na saúde, temos o Programa de Saúde da Família (PSF) voltado para
famílias no seu contexto social com delimitação por determinada área ou micro-área.
A implantação do PSF, no ano de 1994, reforça a necessidade de entender este
grupo singular como multiplicador das idéias do cuidado, ou seja, ela passa objeto de
assistência/cuidado para sujeito promotor de saúde.
1
O termo "portador de necessidades educativas especiais" diferentemente de outras nomenclaturas utilizadas
anteriormente, pretende destacar a importância da inclusão das pessoas que, por algum motivo (deficiência visual, auditiva, física, retardo mental, dentre outros), necessitam de cuidados especiais. 2 LOAS nº 8742 de Dezembro de 1993. 3 PNAS, resolução 145 de 15 de outubro de 2004.
O PSF enquanto estratégia desloca o foco da assistência centrada no hospital, no individuo, na livre demanda, na cura e no uso de insumos de alta tecnologia, para
assistência que vê o individuo dentro de um contexto social, voltando o olhar dos
profissionais de saúde para família e comunidade. Esta nova forma de olhar o individuo
em sua totalidade, requer organização dos serviços nos três níveis de assistência,
promove a integração entre os profissionais de saúde e usuários através da criação do
vínculo, e da co-responsabilidade, buscando a excelência e qualidade de vida, que é
expressa na transformação do quadro epidemiológico.
Desta forma, o Ministério da Saúde propõe, para implementação deste novo
modelo, a transformação das Unidades Básicas de Saúde existentes em Unidades de
Família, de modo que estas resolvam aproximadamente 85% dos problemas de saúde
nas áreas adscritas4 já existentes de forma mais abrangente. A novidade é que o setor
saúde passe a buscar novos parceiros para resolução dos problemas locais, como por
exemplo: educação, saneamento, meio ambiente, ação social, esporte e lazer, etc.,
desvinculando a concepção da simples ausência de patologia.
Pretende-se com essa estratégia diminuir o fluxo dos usuários para os níveis
mais especializados, "desafogando" os hospitais, melhorando a utilização dos recursos
existentes, garantindo o acesso de todos aos procedimentos mais complexos.
Para reverter a forma atual de prestação de assistência a saúde, foi estabelecido
pelo Ministério da Saúde que cada Unidade do PSF fosse composta por uma equipe
básica de um médico da família, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e cinco ou
seis agentes comunitários de saúde. É uma equipe interdisciplinar5, na qual todos os
saberes são respeitados, e onde o saber popular alia-se ao saber cientifico, resultando
no planejamento participativo buscando atender às necessidades locais.
Esta equipe deverá conhecer a realidade das famílias (características
socioeconômicas, demográficas e epidemiológicas), identificar problemas de saúde
e/ou situações de risco, elaborar planejamento local, prestar assistência integral,
4
População adscrita - famílias cadastradas, que juntas formam uma população que será vinculada à unidade básica
de saúde. 5 Equipe interdisciplinar - equipe composta por profissionais com diferentes formações que completam seus saberes visando um objetivo de trabalho em comum.
desenvolver ações educativas e promover ações intersetoriais para o enfrentamento dos problemas identificados. Cada equipe responsabiliza pelo acompanhamento de
1000 famílias (2.400 a 4.500 pessoas) de uma determinada área.
Tendo como enfoque principal o processo de municipalização desencadeado em
1998 com a implantação legal do Sistema Único de Saúde, o Ministério da Saúde
(1999), vem estimulando financeiramente a implementação, por acreditar que a
estratégia do PSF reverte dos seguintes ganhos o município:
• Melhoria dos indicadores das populações atendidas;
• Impacto na organização dos serviços locais reduzindo o número elevado de
internações e alto índice de abandono do tratamento ambulatorial;
• Estabelecimento de vínculo de responsabilidade entre as famílias e os
profissionais de saúde, favorecendo o tratamento/cura das doenças
identificadas;
• Melhor organização dos sistemas locais de informações em saúde;
• Diminuição dos números de exames complementares de encaminhamento de
urgência/emergência e especialidades, de internações hospitalares por
causas clínicas.
Entendemos que para materializar esta estratégia faz-se necessário que os gestores e equipes reflitam sobre algumas concepções de família desenhadas ao longo
do seu desenvolvimento histórico social. Neste sentido, vale citar a concepção de
PATRÍCIO (1994: 97) que baseando-se na concepção de "outros autores", como ele
próprio nos diz, conceitua a família como: "um sistema interpessoal formado por
pessoas que integram por vários motivos, tais como afetividade e reprodução, dentro de
um processo histórico de vida, mesmo sem habitar o mesmo espaço físico."
O Sistema de Informação de Atenção Básica (SIAB), sistema alimentado pelas
equipes de saúde da família, considera família como: conjunto de pessoa ligada por
laços de parentesco, dependência doméstica ou normas de convivência que residam na
mesma unidade domiciliar. Inclui empregado doméstico que reside no domicilio,
pensionista e agregados "(Ministério da Saúde, 1998). 32
A família6 vem desenvolvendo-se como instituição social tendo uma estrutura determinada e funções que suprem as necessidades pessoais e sociais de
cada um de seus membros. Ao longo dos anos esta vem se modificando na medida em
que a sociedade também o faz, contudo suas funções básicas sempre têm sido entre
outras coisas a satisfação das necessidades afetivas dos seus membros e a educação
dos seus filhos.
A família7 de hoje, que teve um passado, mas que desponta para amanhã,
foi analisada por MEDINA (1997) e classificada em dois modelos: o tradicional e o em
transição.
O primeiro "tem raízes no passado distante e ainda é presente". A
instituição casamento reapresenta a união de duas famílias, não sendo uma decisão
apenas do casal, passando por etapas que vão do namoro a lua-de-mel, tendo funções
bem definidas para o homem e para a mulher. Os homens são responsáveis pelo
sustento da família, devendo ser experiente sexualmente a fim de garantir a reprodução e
com isto a hereditariedade.
A mulher neste contexto exerce a função primordial de esposa para o
marido e mãe para os filhos. Acreditamos que neste modelo tradicional a segregação
do gênero cria dois mundos, o masculino com todos os direitos e o feminino com a
submissão.
No segundo modelo, a família em transcrição, ocorre à alteração da posição da
mulher8 e consequentemente, impõe mudanças na condição do homem dentro da
estrutura familiar. Essa transição vem ocorrendo, e a luta pela manutenção da posição
antiga, em que o homem era o senhor absoluto, estabelece áreas de conflitos.
Ramos (1998) diz que conforme a apresentação da estrutura familiar defini-se a
assistência a ser oferecida. Entendemos que para o autor a estrutura familiar pode ser
classificada de acordo com as pessoas que compõem, pois este classifica, a família de
6 7
Que diferença você identifica nestas duas definições de família. Procure pesquisar o conceito de família em outras culturas, como as de origem oriental e mesmo a cultura de
nossos povos indígenas. 8 Segundo o IBGE, em 1991, 18 em cada se lares brasileiros eram chefiados por mulheres. No Censo de 2000, a proporção chegou a 1 em cada 4 domicílios. O Rio de Janeiro é o segundo Estado em mulheres chefes, com 31,2% de suas 4.492.000 residências. (Jornal O GLOBO, 15/12/02).
nuclear, quando composta do casal mais os filhos; de extensa, casal, filhos, avós, e netos; e ampliada, mista ou tradicional se além dos membros da família extensa estiver
acrescida de cunhados, primos, conhecidos, etc.
Enfim, um conceito sobre família9 que tenha um caráter universal é difícil de ser
elaborado, alerta HUERTA (1998), uma vez que esta adota formas e dimensões tão
diferentes em cada sociedade que dificulta discernir com clareza os elementos que
possam ser comuns a todas.
Texto 3 Territorialização em Saúde
GONDIM, G. M. M, MONKEN, M. Territorialização em Saúde. Disponível em: www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/tersau.html Acesso em: 09/02/2011
Localizar significa mostrar o lugar. Quer dizer, além disto, reparar no lugar. Ambas as coisas, mostrar o lugar e reparar no lugar, são os passos preparatórios de
uma localização. Mas é muita ousadia que nos conformemos com os passos
preparatórios. A localização termina, como corresponde a todo método intelectual, na
interrogação que pergunta pela situação do lugar. (Heidegger,1998)
Ao se buscar definir a 'territorialização em saúde', precede explicitar a
historicidade dos conceitos de território e territorialidade, suas significações e as formas
de apropriação no campo da saúde pública e da saúde coletiva. Pretende-se com isso,
situar os diferentes usos do termo territorialização (teórico, prático e metodológico) pelo
setor saúde, destacando sua importância no cenário atual da reorganização da
atenção, da rede de serviços e das práticas sanitárias locais.
O termo território origina-se do latim territorium, que deriva de terra e que nos
tratados de agrimensura aparece com o significado de 'pedaço de terra apropriada'. Em
uma acepção mais antiga pode significar uma porção delimitada da superfície terrestre.
Nasce com dupla conotação, material e simbólica, dado que etimologicamente aparece
muito próximo de terra-territorium quanto de terreo-territor (terror, aterrorizar). Tem
relação com dominação (jurídico-política) da terra e com a inspiração do medo, do
terror - em especial para aqueles que, subjugados à dominação, tornam-se alijados da
terra ou são impedidos de entrar no 'territorium'. Por extensão, pode-se também dizer
que, para aqueles que têm o privilégio de usufruí-lo, o território inspira a identificação
(positiva) e a efetiva 'apropriação' (Haesbaert, 1997, 2005; Souza & Pedon, 2007).
A concepção de território que mais atende às necessidades de análise das ciências
sociais e humanas é a sóciopolítica. Só é possível falar em demarcação ou delimitação
em contextos nos quais exista uma pluralidade de agentes (Nunes, 2006). Portanto, a
noção de território é decorrência da vida em sociedade, ou ainda, "os territórios [...] são
no fundo, antes ralações sociais projetadas no espaço, que espaços concretos" (Souza,
1995, p.87).
Em uma sociedade política os indivíduos se articulam por meio de relações
reguladas e possui princípios mínimos de organização. Essa organização só se
viabiliza quando existe um poder habilitado a coordenar todos aqueles que se
encontram em um determinado espaço. Por isso, quando se analisam os coletivos
humanos ao longo da história, só se destaca a noção de território a partir das primeiras
sociedades políticas. Com isso, corrobora-se a hipótese de que um elemento
indissociável da noção de poder é o território, dado que não há organização sem poder
(Nunes, 2006).
Raffestin (1993) entende o território como todo e qualquer espaço caracterizado
pela presença de um poder, ou ainda, "um espaço definido e delimitado por e a partir de
relações de poder" (p. 54). E ainda, o poder "surge por ocasião da relação", e "toda
relação é ponto de surgimento do poder" (p.54). Quando coexistem em um mesmo
espaço várias relações de poder dá-se o nome de 'territorialidades', de modo que uma
área que abriga várias territorialidades pode ser considerada vários territórios.
A territorialidade para Robert Sack (1986) é uma estratégia dos indivíduos ou grupo
social para influenciar ou controlar pessoas, recursos, fenômenos e relações,
delimitando e efetivando o controle sobre uma área. A territorialidade resulta das
relações políticas, econômicas e culturais, e assume diferentes configurações, criando
heterogeneidades espacial, paisagística e cultural - é uma expressão geográfica do
exercício do poder em uma determinada área e esta área é o território.
O território configura-se no espaço, a partir de uma ação conduzida por um ator
sintagmático - aquele que realiza um programa, em qualquer nível da realidade. Ao se
apropriar de um espaço, de forma concreta ou abstrata, "[...] o ator 'territorializa' o
espaço" (Raffestin, 1993, p.143). Significa que o território materializa as articulações
estruturais e conjunturais a que os indivíduos ou os grupos sociais estão submetidos
num determinado tempo histórico, tornando-se intimamente correlacionado ao contexto
e ao modo de produção vigentes. esse aspecto processual de formação do território
constitui a 'territorialização' (Gil, 2004).
O processo de territorialização pode ser entendido como um movimento
historicamente determinado pela expansão do modo de produção capitalista e seus
aspectos culturais. Dessa forma, caracteriza-se como um dos produtos socioespaciais
das contradições sociais sob a tríade economia, política e cultura (EPC), que determina
as diferentes territorialidades no tempo e no espaço - as desterritorialidades e as re
territorialidades. Por isso, a perda ou a constituição dos territórios nasce no interior da
própria territorialização e do próprio território. Ou seja, os territórios encontram-se em
permanente movimento de construção, desconstrução e re construção (Saquet, 2003).
A constituição dos territórios na contemporaneidade se expressa segundo Santos
(1996), com base em dois movimentos: das horizontalidades e das verticalidades. As
horizontalidades serão os domínios de contigüidades, constituídos por uma
continuidade territorial, enquanto as verticalidades seriam formadas por pontos
distantes uns dos outros, resultado de uma interdependência hierárquica dos territórios,
conseqüente do processo de globalização econômica. As intensas mudanças
econômicas e políticas, decorrentes das verticalidades - mundialização do capital e o
modelo neoliberal de organização do Estado - trouxeram impactos negativos sem
precedentes na organização dos territórios, nas estruturas produtivas e sociais dos
países em desenvolvimento, desenhando um cenário de profundas desigualdades
sociais, com a exclusão de parcela significativa da população ao direito à vida e à
cidade (Tavares & Fiori, 1993; Antunes & Alves, 2004).
No setor saúde os territórios estruturam-se por meio de horizontalidades que se
constituem em uma rede de serviços que deve ser ofertada pelo Estado a todo e
qualquer cidadão como direito de cidadania. Sua organização e operacionalização no
espaço geográfico nacional pautam-se pelo pacto federativo e por instrumentos
normativos, que asseguram os princípios e as diretrizes do Sistema de Saúde, definidos
pela Constituição Federal de 1988. Não obstante os avanços na saúde nos últimos 20
anos, alicerçados em bases teóricas sólidas da Reforma Sanitária, o setor padece de
problemas organizacionais, gerenciais e operacionais, demandando uma nova
reorganização de seu processo de trabalho e de suas estruturas gerenciais nas três
esferas de gestão do sistema, de modo a enfrentar as desigualdades e iniqüidades
sociais em saúde, delineadas pela tríade econômico -política globalização,
mundialização e neoliberalismo.
No cenário da crise de legitimidade do Estado, o ponto de partida para a re-
organização do sistema local de saúde brasileiro foi redesenhar suas bases territoriais
para assegurar a universalidade do acesso, a integralidade do cuidado e a eqüidade da
atenção. Nesse contexto, a territorialização em saúde se coloca como uma metodologia
capaz de operar mudanças no modelo assistencial e nas práticas sanitárias vigentes,
desenhando novas configurações loco-regional, baseando-se no reconhecimento e
esquadrinhamento do território segundo a lógica das relações entre ambiente,
condições de vida, situação de saúde e acesso às ações e serviços de saúde (Teixeira
et al., 1998).
Para alguns autores, a territorialização nada mais é do que um processo de "habitar
um território" (Kastrup, 2001, p. 215). O ato de habitar traz como resultado a
corporificação de sabres e práticas. Para habitar um território é necessário explorá-lo,
torná-lo seu, ser sensível às suas questões, ser capaz de movimentar-se por ele com
alegria e descoberta, detectando as alterações de paisagem e colocando em relação
fluxos diversos - não só cognitivos, não só técnicos, não só racionais - mas políticos,
comunicativos, afetivos e interativos no sentido concreto, detectável na realidade.
(Ceccim, 2005b). Essa abordagem remete, fundamentalmente, à importância da
territorialização para os processos formativos em saúde com foco na aprendizagem
significativa e nos contextos de vida do cotidiano.
Entende-se, portanto, que o território da saúde não é só físico ou geográfico: é o
trabalho ou a localidade. "O território é de inscrição de sentidos no trabalho, por meio
do trabalho, para o trabalho" (Ceccim, 2005a, p.983). Os territórios estruturam habitus, e
não são simples e nem dependem de um simples ato de vontade sua transformação
que inclui a luta pelo amplo direito à saúde. A tarefa de confrontar a força de captura
das racionalidades médico-hegemônica e gerencial hegemônica requer impor a
necessidade de singularização da atenção e do cuidado e a convocação
permanentemente dos limites dos territórios (Rovere, 2005).
Encontra-se em jogo um processo de territorialização: construção da integralidade;
da humanização e da qualidade na atenção e na gestão em saúde; um sistema e
serviços capazes de acolher o outro; responsabilidade para com os impactos das
práticas adotadas; efetividade dos projetos terapêuticos e afirmação da vida pelo
desenvolvimento da autodeterminação dos sujeitos (usuários, população e profissionais
de saúde) para levar a vida com saúde. Essa territorialização não se limita à dimensão
técnico-científica do diagnóstico e da terapêutica ou do trabalho em saúde, mas se
amplia à re orientação de saberes e práticas no campo da saúde, que envolve
desterritorializar os atuais saberes hegemônicos e práticas vigentes (Ceccim, 2005a).
A territorialização pode expressar também pactuação no que tange à delimitação de
unidades fundamentais de referência, onde devem se estruturar as funções
relacionadas ao conjunto da atenção à saúde. Envolve a organização e gestão do
sistema, a alocação de recursos e a articulação das bases de oferta de serviços por
meio de fluxos de referência intermunicipais. Como processo de delineamento de
arranjos espaciais, da interação de atores, organizações e recursos, resulta de um
movimento que estabelece as linhas e os vínculos de estruturação do campo relacional
subjacente à dinâmica da realidade sanitária do SUS no nível local. Essas diferentes
configurações espaciais podem dar origem a diferentes padrões de interdependência
entre lugares, atores, instituições, processos e fluxos, preconizados no Pacto de Gestão
do SUS (Fleury & Ouverney, 2007).
A saúde pública recorre a territorialização de informações, há alguns anos, como
ferramenta para localização de eventos de saúde-doença, de unidades de saúde e
demarcação de áreas de atuação. Essa forma restrita de territorialização é vista com
algumas restrições, principalmente entre os geógrafos. Alegam ser um equívoco falar
em territorialização da saúde, pois seria uma tautologia já que o território usado é algo
que se impõe a tudo e a todos, e que todas as coisas estão necessariamente
territorializadas. Essa crítica é bem- vinda, enriquece o debate teórico e revela os usos
limitados da metodologia, constituindo-se apenas como análise de informações geradas
pelo setor saúde e simples espacialização e distribuição de doenças, doentes e
serviços circunscritos à atuação do Estado (Souza, 2004).
Uma proposta transformadora de saberes e práticas locais concebe a
territorialização de forma ampla - um processo de habitar e vivenciar um território; uma
técnica e um método de obtenção e análise de informações sobre as condições de vida e
saúde de populações; um instrumento para se entender os contextos de uso do
território em todos os níveis das atividades humanas (econômicos, sociais, culturais,
políticos etc.), viabilizando o "território como uma categoria de análise social" (Souza,
2004, p. 70); um caminho metodológico de aproximação e análise sucessivas da
realidade para a produção social da saúde.
Nessa perspectiva, a territorialização se articula fortemente com o planejamento
estratégico situacional (PES), e juntos, se constituem como suporte teórico e prático da
vigilância em saúde. O PES, proposto por Matus (1993), coloca-se no campo da saúde
como possibilidade de subsidiar uma prática concreta em qualquer dimensão da
realidade social e histórica. Contempla a formulação de políticas, o pensar e agir
estratégicos e a programação dentro de um esquema teórico-metodológico de
planificação situacional para o desenvolvimento dos Sistemas Locais de Saúde. Tem
por base a teoria da produção social, na qual a realidade é indivisível, e tudo o que
existe em sociedade é produzido pelo homem. A análise social do território deve
contribuir para construir identidades; revelar subjetividades; coletar informações;
identificar problemas, necessidades e positividades dos lugares; tomar decisão e definir
estratégias de ação nas múltiplas dimensões do processo de saúde-doença-cuidado.
Os diagnósticos de condições de vida e situação de saúde devem relacionar-se
tecnicamente ao trinômio estratégico 'informação-decisão-ação' (Teixeira et al., 1998).
A proposta da territorialização, com toda crítica que ainda perdura nos campos da
saúde coletiva e da geografia por sua apropriação tecnicista e prática objetivante,
coloca-se como estratégia central para consolidação do SUS, seja para a
reorganização do processo de trabalho em saúde, seja para a reconfiguração do
Modelo de Atenção. Como método e expressão geográfica de intencionalidades
humanas, permite a gestores, instituições, profissionais e usuários do SUS
compreender a dinâmica espacial dos lugares e de populações; os múltiplos fluxos que animam os territórios e; as diversas paisagens que emolduram o espaço da vida cotidiana. Sobretudo, pode revelar como os sujeitos (individual e coletivo) produzem e reproduzem socialmente suas condições de existência - o trabalho, a moradia, a alimentação, o lazer, as relações sociais, a saúde e a qualidade de vida, desvelando as desigualdades sociais e as iniqüidades em saúde.
Texto 4: Visita domiciliar
Baseado em: ALBUQUERQUE, A. B. B, BOSI, M. L. M. Visita domiciliar no âmbito da Estratégia Saúde da Família: percepções de usuários no Município de Fortaleza, Ceará, Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 25(5):1103-1112, mai, 2009
A Estratégia de Saúde da Família utiliza a visita domiciliar como tecnologia de
interação no cuidado à saúde, sendo um instrumento de intervenção utilizado pelas
equipes de saúde como meio de inserção e de conhecimento da realidade de vida da
população, favorece o estabelecimento de vínculos com a mesma e a compreensão de
aspectos importantes da dinâmica das relações familiares. A atenção às famílias e à
comunidade é o objetivo central da visita domiciliar, sendo entendidas, família e
comunidade, como entidades influenciadoras no processo de adoecer dos indivíduos,
os quais são regidos pelas relações que estabelecem nos contextos em que estão
inseridos. Compreender o contexto de vida dos usuários dos serviços de saúde e suas
relações familiares deve visar ao impacto nas formas de atuação dos profissionais,
permitindo novas demarcações conceituais e, conseqüentemente, o planejamento das
ações considerando o modo de vida e os recursos de que as famílias dispõem.
Todavia, os problemas decorrentes de seu emprego, como uma técnica que,
mobilizam questões que envolvem, por um lado, aspectos culturais dos
usuários/famílias e de outro a formação dos trabalhadores e seu preparo para adentrar
no domicílio das famílias convergem para uma dualidade criada no domicílio, tornando-
se este, ao mesmo tempo um espaço privado e público respectivamente, situação esta
que, tanto nos primórdios da saúde pública, tanto quanto, nos projetos de medicina
comunitária dos anos setenta, do século passado, foram foco de preocupação. Esta
preocupação permanece nos dias de hoje, já que continuamos adentrando os
domicílios em nossas visitas domiciliares. Devemos ter o cuidado de não invadir a vida
das pessoas a ponto de colonizar os hábitos de vida à partir de nosso olhar.
39
O conceito de autonomia das pessoas deve balizar as visitas domiciliares, entretanto muito pode ser feito nesse momento pela equipe. Podemos utilizar as visitas
domiciliares como instrumento de vigilância a saúde, onde a observação é uma grande
aliada.
Por meio da visita domiciliar, é possível:
• Identificar os moradores, por faixa etária, sexo e raça, ressaltando situações
como gravidez, desnutrição, pessoas com deficiência etc.;
• Conhecer as condições de moradia e de seu entorno, de trabalho, os hábitos,
as crenças e os costumes;
• Conhecer os principais problemas de saúde dos moradores da comunidade;
• Perceber quais as orientações que as pessoas mais precisam ter para cuidar
melhor da sua saúde e melhorar sua qualidade de vida;
• Ajudar as pessoas a refletir sobre os hábitos prejudiciais à saúde;
• Identificar as famílias que necessitam de acompanhamento mais frequente ou
especial;
• Divulgar e explicar o funcionamento do serviço de saúde e quais as atividades
disponíveis;
• Desenvolver ações que busquem a integração entre a equipe de saúde e a
população do território de abrangência da unidade de saúde;
• Ensinar medidas de prevenção de doenças e promoção à saúde, como os
cuidados de higiene com o corpo, no preparo dos alimentos, com a água de beber e
com a casa, incluindo o seu entorno;
• Orientar a população quanto ao uso correto dos medicamentos e a verificação
da validade deles;
• Alertar quanto aos cuidados especiais com puérperas, recém-nascidos, idosos,
acamados e pessoas portadoras de deficiências;
• Registrar adequadamente as atividades realizadas, assim como outros dados
relevantes, para os sistemas nacionais de informação disponíveis para o âmbito da
Atenção Primária à Saúde;
• Realizar consultas clínicas e procedimentos.
40
Toda visita deve ser realizada tendo como base o planejamento da equipe, pautado na identificação das necessidades de cada família. Pode ser que seja
identificada uma situação de risco e isso demandará a realização de outras visitas com
maior frequência. Após a realização da visita, você deve verificar se o objetivo dela foi
alcançado e se foram dadas e colhidas as informações necessárias. Vale ressaltar que
todos os profissionais da equipe realizam visitas domiciliares, sempre com a presença
do agente comunitário de saúde, que pode ajudar a mediar situações, caminhar no
território com maior mobilidade, ser uma outra fonte de escuta da situação. Realizar
visitas domiciliares é um passo importante para concretização da integralidade e não
deve ser uma atividade relegada a segundo plano.