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2º Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação – 11 abril 2015 Tratando de acesso à internet, estamos falando de direito fundamental, como já reconheceu a Comissão de Direitos Humanos da ONU há quase 5 anos e o Net Mundial, ocorrido em abril de 2014 no Brasil, a fim de preservar o carácter global e aberto da Internet como motor para acelerar o progresso rumo ao desenvolvimento. Sendo assim, com muita razão o último Fórum Social Mundial, ocorrido no final de março deste ano em Tunis, teve como um dos resultados a Carta Mundial da Mídia Livre, reconhecendo o acesso à internet como um direito fundamental e defendendo: a) a governança democrática da internet, b) a neutralidade da rede, c) a garantia da privacidade e liberdade de expressão, d) a universalização da infraestrutura necessária para a garantia do acesso aos meios de comunicação e à internet. O reconhecimento institucional numa perspectiva mundial do acesso à internet e à sua respectiva infraestrutura como um bem comum e um direito fundamental é um ganho extraordinário, na medida em que a internet não pode estar dividida em esquemas nacionais, pois a interconexão entre as infraestruturas e um sistema internacional de funcionamento é que propiciam o caráter aberto da rede e a ampliação do direito à comunicação. Por outro lado, é importante que as normas de governança da internet de cada país estabeleçam os direitos dos usuários e os limites para a exploração comercial e uso das redes pelos agentes econômicos e governos, de modo a compatibilizar as normas de governança com os direitos do consumidor e com a preservação de ambiente concorrencial, das diferenças culturais regionais, sociais, econômicas e políticas de cada nação. Essa perspectiva, então, traz implicações diretas para os formuladores de políticas públicas e órgãos reguladores, assim como para os agentes privados que exploram no setor. Nesse sentido, podemos nos orgulhar de estarmos um passo à frente de muitos países, pois, além de termos o Comitê Gestor da Internet – órgão multirepresentativo envolvido na governança da internet, conseguimos à

Internet - Direito Fundamental - 2ºENDC BH - 11 abr 2015

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2º Encontro Nacional pelo Direito à Comunicação – 11 abril 2015 Tratando de acesso à internet, estamos falando de direito fundamental, como

já reconheceu a Comissão de Direitos Humanos da ONU há quase 5 anos e

o Net Mundial, ocorrido em abril de 2014 no Brasil, a fim de preservar o

carácter global e aberto da Internet como motor para acelerar o progresso

rumo ao desenvolvimento.

Sendo assim, com muita razão o último Fórum Social Mundial, ocorrido no

final de março deste ano em Tunis, teve como um dos resultados a Carta

Mundial da Mídia Livre, reconhecendo o acesso à internet como um direito

fundamental e defendendo:

a) a governança democrática da internet,

b) a neutralidade da rede,

c) a garantia da privacidade e liberdade de expressão,

d) a universalização da infraestrutura necessária para a garantia do

acesso aos meios de comunicação e à internet.

O reconhecimento institucional numa perspectiva mundial do acesso à

internet e à sua respectiva infraestrutura como um bem comum e um direito

fundamental é um ganho extraordinário, na medida em que a internet não

pode estar dividida em esquemas nacionais, pois a interconexão entre as

infraestruturas e um sistema internacional de funcionamento é que propiciam

o caráter aberto da rede e a ampliação do direito à comunicação.

Por outro lado, é importante que as normas de governança da internet de

cada país estabeleçam os direitos dos usuários e os limites para a

exploração comercial e uso das redes pelos agentes econômicos e governos,

de modo a compatibilizar as normas de governança com os direitos do

consumidor e com a preservação de ambiente concorrencial, das diferenças

culturais regionais, sociais, econômicas e políticas de cada nação.

Essa perspectiva, então, traz implicações diretas para os formuladores de

políticas públicas e órgãos reguladores, assim como para os agentes

privados que exploram no setor.

Nesse sentido, podemos nos orgulhar de estarmos um passo à frente de

muitos países, pois, além de termos o Comitê Gestor da Internet – órgão

multirepresentativo envolvido na governança da internet, conseguimos à

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duras penas a aprovação do Marco Civil da Internet em abril de 2014, sendo

que de seu texto consta o objetivo expresso do “direito ao acesso à internet a

todos” (art. 4º) e o reconhecimento deste acesso como essencial para o

exercício da cidadania” (art. 7º).

Sendo assim e considerando que a internet se desenvolve sobre camadas:

a) a da infraestrutura de telecomunicações;

b) a da arquitetura das redes de acesso à internet e

c) a de aplicações e conteúdos,

temos de reconhecer a complexidade desse sistema e suas dificuldades para

que a sociedade civil possa fazer valer seus direitos frente aos interesses

econômicos privados dos grandes agentes econômicos, que cada vez se

concentram mais de forma vertical, associando-se para explorar a

infraestrutura de telecomunicações e comercializar serviços de acesso à

internet e fornecimento de aplicações e conteúdos, com o objetivo de impedir

a concorrência efetiva e manter altos preços de forma cartelizada, colocando

em risco o caráter democrático da rede.

Essa disputa ocorre em pelos menos três frentes – telecomunicações, acesso

à internet, que é serviço de valor adicionado (art. 61, da LGT e Norma 04/95

do Ministério das Comunicações) e, portanto, está fora da atribuição da

ANATEL, e comercialização de aplicações e conteúdos, também fora do

campo de atuação da ANATEL.

E a disputa é dura, pois, ao tratar de internet, estamos tratando de um

conjunto de novos meios de produção sujeitos ao poder econômico de

apropriação pelos agentes econômicos, com vistas a ampliar o máximo

possível a mais valia sobre este novo modo de produção.

Marx já nos ensinou no final dos anos 1800, que a natureza do sistema

capitalista é o capital subordinar a seu interesse todo segmento produtivo.

Nos ensinou mais: que o resultado do desenvolvimento das relações sociais

nesse contexto dão forma a estrutura econômica da sociedade, que é a base

objetiva sobre a qual se levanta a superestrutura jurídica e política e à qual

correspondem determinadas formas de consciência social.

Ou seja, “o modo de produção da vida material condiciona o processo da vida

social, política e espiritual em geral. Não é a consciência do homem que

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determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que determina a

sua consciência”.

É com base nesta realidade que temos de nos posicionar diante das disputas

hoje em curso, estando entre as principais a interpretação quanto à

abrangência do direito à neutralidade da rede, expresso nos arts. 3º e 9º, do

Marco Civil da Internet, e a regulamentação das hipóteses em que os

agentes econômicos estão autorizados a quebrar a neutralidade.

Isto porque é a neutralidade – conceito jurídico forrado de aspectos técnicos

para a aferição de seu cumprimento – que garante o tratamento isonômico,

não discriminatório e sem degradação do tráfego dos dados lançados nas

redes, deixando-se de lado questões comerciais, econômicas, políticas,

religiosas etc ...

Nesses processos que estão em curso, é preciso conquistar mecanismos

regulatórios que possibilitem a socialização dos ganhos econômicos vultosos

que a internet proporciona, inclusive e especialmente pelo USO DOS DADOS

PESSOAIS, ameaçando a privacidade.

É preciso evitar que a internet se torne um espaço que se presta

essencialmente a relações comerciais dominadas por grandes grupos

econômicos, que cada vez mais se concentram, pondo em risco o poder de

escolha dos usuários, o acesso livre à informação e à cultura e à liberdade de

expressão.

Por isso devemos estar atentos para as armadilhas perigosas que quero

nomear aqui de forma bem clara, pois o mercado as apresenta como um

benefício para o usuário da internet. São elas:

1 – Centrar as políticas públicas de ampliação da infraestrutura de

telecomunicações nas tecnologias móveis e de forma completamente

desvinculada do regime público; é o regime público que possibilita

investimentos públicos em infraestrutura (utilização do Fundo de

Universalização dos Serviços de Telecomunicações – FUST) e a imposição

de metas de investimento pelas empresas, a fim de universalizar o acesso

levando a infraestrutura a todas as regiões e localidades do país, bem como

o poder do Estado de garantir parte da capacidade das novas redes para a

implantação de políticas públicas de inclusão digital.

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Quanto a este ponto, dezenas de entidades estão reunidas na Campanha

Banda Larga é um Direito Seu já há mais de 4 anos, com proposta

apresentada oficialmente ao Ministério das Comunicações, propondo que a

regulação se dê em camadas e buscando o cumprimento do art. 65, § 1º, da

LGT, que estabelece que os serviços essenciais não podem ser prestados

apenas em regime privado como vem acontecendo. A LGT estabelece no art.

18, inc. I, atribuição legal para que o Poder Executivo estenda o regime

público para os serviços essenciais.

A proposta da Campanha se apoia também no Plano Nacional de Banda

Larga, instituído pelo Decreto 7.175/2010, que recuperou a Telebras,

atribuindo a ela no art. 4º, uma série de funções voltadas para impulsionar a

distribuição democrática da infraestrutura por todo o país, de modo a garantir

o acesso à internet para todos os brasileiros.

A proposta se refere também às redes públicas hoje associadas aos

contratos de concessão da telefonia fixa. São redes de transporte e acesso

com valor estimado pela ANATEL de R$ 71 bilhões e que, com base em nova

tecnologia – o GFAST, podem ser associadas a novas redes de fibra ótica

para prover banda larga em alta capacidade.

2 – Os abusivos planos limitados, com franquias pífias e acessos gratuitos a

determinados aplicativos e bloqueio à todo o resto da internet, impedindo o

pleno exercício da cidadania, uma vez que há diversos serviços públicos hoje

que só se pode utilizar pela internet (ex: processos judiciais digitais, obtenção

de certidões forenses, entre outros).

O Marco Civil é muito claro quando estabelece que o acesso à internet é

essencial e que a interrupção do fornecimento deste serviço só pode se dar

por falta de pagamento.

Sei que num país com as características sócio-econômicas como do Brasil, é

um desafio falar contra os acessos gratuitos ou projetos como o internet.org

de MarK Zuckerberg, que vem sendo implantado em diversos países pobres

(último acordo foi assinado ontem com o Panamá), de expandir o acesso à

internet pela tecnologia móvel.

Entretanto, é nosso dever alertar para o caráter discriminatório desses planos

de negócios, cujo resultado é claramente a criação de castas de

consumidores, sendo que quem tem mais dinheiro contrata acessos

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ilimitados e na rede fixa e os consumidores de baixa renda ficam sujeitos a

planos limitados e navegação restrita, que não pode ser considerada acesso

à internet, sem possibilidade de exercer plenamente a cidadania e de exercer

plenamente o direito de escolha, cultura e liberdade de expressão.

Nós conseguimos escapar do discurso tacanho durante todo o processo de

aprovação do MCI de que esta lei seria uma forma de o Estado cercear a

liberdade na internet, e conseguimos demonstrar que a internet é um espaço

novo que desperta grandes interesses econômicos e políticos, em razão do

que são necessárias regras para proteger os interesses públicos

relacionados e a democracia.

Precisamos agora lutar para que as tratativas anunciadas ontem no Panamá

pela Presidenta Dilma e Marck Zuckerberg não progridam, pois os resultados

econômicos e sociais para o país seriam desastrosos.

Não podemos ficar sujeitos a essa nova versão de colonização. É disto que

se trata. Os agentes econômicos estão correndo para se apropriar da

internet, com riscos concretos de aniquilamento das pequenas empresas,

inovação e dos direitos dos consumidores, e nós precisamos reagir

urgentemente.

Precisamos ter presente o que os agentes econômicos não se cansam de

repetir quando clamamos por melhorias na qualidade do serviço: NÃO TEM

ALMOÇO GRÁTIS.

E o preço de termos acessos gratuitos e planos como o internet.org do

facebook é muito caro: é o desrespeito às garantias de privacidade, direito

de escolha e liberdade de expressão.

Obrigada.