5

Click here to load reader

Fosfoetanolamina - LIMINAR -Juizado Especial Federal de São Paulo

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Fosfoetanolamina - LIMINAR -Juizado Especial Federal de São Paulo

PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

1ª Subseção Judiciária do Estado de São Paulo

Av. Paulista, 1345 - Bela Vista - CEP 01311-200

São Paulo/SP Fone: (11) 2927-0150

TERMO Nr: 6301019435/2016

PROCESSO Nr: 0001024-94.2016.4.03.6301 AUTUADO EM 12/01/2016

ASSUNTO: 010404 - SAÚDE - SERVIÇOS

CLASSE: 1 - PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

AUTOR: ANTONIO ESTEVAM SOARES

ADVOGADO(A)/DEFENSOR(A) PÚBLICO(A): SP292747 - FABIO MOTTA

RÉU: UNIAO FEDERAL (AGU) E OUTROS

ADVOGADO(A): SP999999 - SEM ADVOGADO

DISTRIBUIÇÃO POR SORTEIO EM 19/01/2016 13:01:14

DATA: 29/01/2016

DECISÃO

Trata-se de ação ajuizada por ANTÔNIO ESTEVAM SOARES, objetivando, em síntese, compelir

solidariamente a UNIÃO FEDERAL, o ESTADO DE SÃO PAULO, o MUNICÍPIO DE SÃO PAULO e a

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – CAMPUS SÃO CARLOS, a fornecer-lhe, em sede de antecipação dos

efeitos da tutela, a substância Fosfoetanolamina Sintética como forma de tratamento alternativo para o seu

quadro clínico – neoplasia maligna de orofaringe (CID 10: C-10) e carcinoma espinocelular grau II histológico,

infiltrando tecido conjuntivo denso (fl.s 8/9 do anexo 2)

Afirma o autor que foi diagnosticado com a doença em 09/11/2012, tendo realizado tratamento de

quimioterapia com carboplatina e taxol até junho/2015 (fl. 5 do anexo 2), bem como radioterapia entre

04/02/2013 a 04/04/2013 (fl. 10 do anexo 2), os quais não foram suficientes para o tratamento da neoplasia que

acomete o autor.

É o breve relatório para efeito de exame da tutela pretendida.

DECIDO.

Para a concessão da antecipação da tutela jurisdicional devem concorrer os seguintes pressupostos

legais, insculpidos no artigo 273 do Código de Processo Civil: presença da prova inequívoca, suficiente a

demonstrar a verossimilhança da alegação e a existência de risco de irreparabilidade ou de difícil reparação do

direito, ou ainda, a existência do abuso de direito de defesa do réu.

O autor, pessoa de 38 anos de idade, encontra-se em tratamento desde 2012. De acordo com os

exames de tomografia computadorizada do pescoço, de 13/08/2015 (fl. 6 do anexo 2), e de ultrassonografia da

região cervical, de 16/11/2015 (fl. 7 do anexo 2), mesmo após os tratamentos com radioterapia e quimioterapia,

não houve regressão da sua enfermidade.

Assevera que, através dos meios de comunicação, teve conhecimento da existência de tratamento

experimental com a substância Fosfoetanolamina Sintética na USP – São Carlos.

2016/630100089166-65035-JEF

Assinado digitalmente por: JOALDO KAROLMENIG DE LIMA CAVALCANTI:10464Documento Nº: 2016/630100089166-65035Consulte autenticidade em: http://web.trf3.jus.br/autenticacaojef

Page 2: Fosfoetanolamina - LIMINAR -Juizado Especial Federal de São Paulo

Tal substância, produzida pela primeira vez no Instituto de Química da USP de São Carlos, tem

a função de auxiliar o tratamento do câncer.

Durante anos, mesmo sem o registro da ANVISA, a substância foi produzida e distribuída

gratuitamente, com diversos relatos de pacientes que obtiveram melhora e até a cura de suas enfermidades.

O pesquisador da USP Renato Meneguelo, elaborou tese de mestrado registrando que, nos

estudos feitos em camundongos, ocorreu significativa redução da carga tumoral mostrando inibição da

capacidade de crescimento e metastatização, conforme trecho a seguir transcrito:

A fosfoetanolamina sintética é uma molécula fosforilada artificialmente, com síntese inédita realizada pela primeira vez pelo nosso grupo, diferindo-se das moléculas atuais pelo seu nível de absorção de aproximadamente 90%, com diversas propriedades antiinflamatórias e apoptóticas. O objetivo principal desse estudo e avaliar os efeitos antitumorais "in vitro" e "in vivo" da fosfoetanolamina sintética em células de melanoma B16F10 implantados em camundongos Balb-c. Foram utilizados grupos de 60 camundongos Balb-c, fêmeas com aproximadamente 20 g, tratados com água e ração "ad libidum". A atividade citotóxica do composto foi testada em linhagens tumorais pelo método colorimétrico MTT, e determinada à concentração inibitória (IC50%), sua toxicidade foi também testada em linfócitos T normais, em ensaios de proliferação celular, estimulados por mitógeno. Os animais portadores de tumores foram tratados após o 14º dia do implante tumoral com solução aquosa (i.p) de fosfoetanolamina sintética e o grupo controle recebeu solução salina, e foram avaliados os seguintes parâmetros: volume tumoral, área e número de metástases em órgãos internos. Foi também realizada a comparação da fosfoetanolamina sintética em relação aos quimioterápicos comerciais Taxol e Etoposideo separados nas diferentes fases do ciclo celular. Os resultados do tratamento com a fosfoetanolamina sintética "in vitro" mostraram que o composto induz citotoxicidade seletiva para as células tumorais com IC50% de 1.69 ug/ml sem afetar a capacidade proliferativa de células normais. Os animais portadores de tumores dorsais de melanoma B16F10 apresentaram significativa redução carga tumoral, mostrando inibição da capacidade de crescimento e a metastatização. A avaliação hematológica não demonstrou alterações relevantes após a administração da fosfoetanolamina sintética pela via intraperitoneal nos animais portadores de melanoma. Conclui-se que a fosfoetanolamina sintética diminuiu significativamente o tamanho de tumores de forma seletiva, sem alterações em células normais, com vantagem em relação aos quimioterápicos comerciais, pois a mesma não apresentou os terríveis efeitos colaterias dos mesmos. Neste trabalho ficou evidente a capacidade inibitória da fosfoetanolamina sintética na inibição da progressão e disseminação das células tumorais. (grifo nosso) http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/82/82131/tde-12022008-135651/pt-br.php

No entanto, em que pese o avanço dos estudos em camundongos, em junho de 2014, foi

suspensa a produção e distribuição da fosfoetanolamina sintética, enquanto o uso da reportada droga não for

liberado pelos órgãos competentes.

Segundo Gilberto Orivaldo Chierice, químico da USP que desenvolveu a Fosfoetanolamina Sintética (ou fosfoamina), trata-se de “uma substância idêntica à produzida pelo nosso organismo, só que em um alto nível de pureza e em grandes concentrações” (o que corrobora com a afirmação de que não provoca efeitos colaterais), sendo uma droga de baixíssimo custo de produção – R$ 0,10 por cápsula - (conforme matéria veiculada no site G1 da Globo.com, em 26/08/2015 - http://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2015/08/pesquisador-acredita-que-substancia-desenvolvida-na-usp-cura-o-cancer.html).

2016/630100089166-65035-JEF

Assinado digitalmente por: JOALDO KAROLMENIG DE LIMA CAVALCANTI:10464Documento Nº: 2016/630100089166-65035Consulte autenticidade em: http://web.trf3.jus.br/autenticacaojef

Page 3: Fosfoetanolamina - LIMINAR -Juizado Especial Federal de São Paulo

Em que pese a falta de registro da droga perante a ANVISA, tal fato não constitui óbice ao seu

fornecimento, nos termos das razões expostas pelo Desembargador Ricardo Dip (TJ/SP):

A questão de relevância, na espécie, tal se adiantou, é de fornecimento de

medicação, no caso o fármaco Keppra, cujo principio ativo é o levetiracetam, de

reconhecida forte eficácia anticonvulsivante – que ainda não ostenta registro na

Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Consta entretanto que essa medicação

foi aprovada para tratamento de epilepsia, tanto pela norte -americana Food and

Drugs Administration, quanto pela agência similar da União Européia. A falta de

registro de um medicamento ou registro de seu uso restrito junto à Agência

Nacional de Vigilância Sanitária não são causa de interdição absoluta do uso

desse fármaco no Brasil (Agravo de Instrumento n.º 0588340-14.2010.8.26.1000)

No caso em tela, não há receita médica prescrevendo o uso da substância (é importante lembrar

que muitos médicos têm receio de prescrever o uso da fosfoetanolamina, visto que não há registro da droga na

ANVISA). Entretanto, a despeito dessa situação (circunstância que deve ser flexibilizada diante do receio acima

mencionado), já se admite o uso de medicamentos a partir de relatos de melhora produzidos em outros

pacientes, como tem acontecido, por exemplo, com o uso de substâncias derivadas da cannabis sativa,

popularmente conhecida como maconha, para tratamento de epiléticos. Neste sentido, foi decidido pelo TJ de

SP, no Agravo de Instrumento n.º 2177071-67.2014.8.26.0000, proveniente da Comarca de São Carlos:

(...) É fato que não há prescrição médica ao uso da substância manipulada pelo

IQSC-USP. A despeito essa situação, observa-se tendência atual de se autorizar a

ministração de medicamentos, a partir de relatos de melhora produzidos pelos

pacientes, especialmente quando se trate de tratamento de dores e convulsões.

Com efeito, noticias recentes vêm demonstrando o uso de substâncias derivadas

da cannabis sativa, popularmente conhecida como maconha, para tratamento de

crises de epilepsia. Sabido, também, que a cannabis sativa ainda não é registrada

na ANVISA como droga para uso medicinal, inclusive podendo configurar crime

apenas o fato da compra do produto visando a proteção de um bem maior, que é

a vida. Nesse sentido, ver a decisão proferida no processo n.º 24632-

22.2014.4.01.3400, da 3ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal.

Mutatis mutandis, é o que ocorre com a substância fosfoetanolamina sintética

requerida pelo agravado que simplesmente clama pelo direito de viver com

dignidade humana, livrando-se tanto quanto possível das fortes dores que o

acometem (...)

Dessa forma, apesar de ainda não haver estudo conclusivo a respeito da fosfoetanolamina, bem

como não haver o registro da reportada substância na ANVISA, não se pode negar que existem relatos de

2016/630100089166-65035-JEF

Assinado digitalmente por: JOALDO KAROLMENIG DE LIMA CAVALCANTI:10464Documento Nº: 2016/630100089166-65035Consulte autenticidade em: http://web.trf3.jus.br/autenticacaojef

Page 4: Fosfoetanolamina - LIMINAR -Juizado Especial Federal de São Paulo

reações benéficas daqueles que dela fizeram uso.

De outro lado, a própria Lei 6.360/76, que dispõe sobre a Vigilância Sanitária, dispensa, em seu

artigo 24 a necessidade de registro:

Art. 24. Estão isentos de registro os medicamentos novos, destinados

exclusivamente a uso experimental, sob controle médico, podendo, inclusive, ser

importados mediante expressa autorização do Ministério da Saúde.

Portanto, ainda que em princípio não seja indicado o fornecimento de medicamentos que não

possuam registro, em situações excepcionais, como ocorre nos autos em razão da progressão da doença a

despeito do tratamento que está sendo realizado, tem-se relativizado tal restrição.

Ressalto que o próprio STF, na relatoria do Ministro Edson Fachin, deferiu liminar suspendendo

decisão da Presidência do TJ de SP, que determinou o sobrestamento das liminares concedidas a respeito do

fornecimento da fosfoetanomina sintética (PET 5858).

Nesse contexto, a simples leitura da Constituição Federal com base na “dignidade da pessoa

humana” e no “direito à vida”, nos permite garantir o fornecimento da droga à autora, vez que, tais garantias

não são meros exercícios de retórica, podendo-se impor ao Estado o dever de garanti-las de diversas formas.

Além do mais, aliando os já mencionados direitos fundamentais à vida, à saúde e à dignidade da

pessoa humana, há ainda que se mencionar a teoria denominada "Right to Try" (Direito de Tentar), que

consiste em um novo movimento para fazer com que drogas experimentais sejam disponibilizadas para os

doentes sem resposta ao tratamento convencional.

No caso específico da parte autora, a concepção deduzida da teoria do “Direito de Tentar” ganha

contornos ainda mais concretos, considerando a indicação documental sobre as tentativas de utilização de

tratamento com radioterapia e quimioterapia, ambas concluídas, sem que houvesse redução do quadro clínico

da neoplasia maligna que acomete o autor.

É importante mencionar, outrossim, que começa a crescer na doutrina e na jurisprudência a

aplicação do direito fundamental de disposição do próprio corpo e do respeito à autonomia de vontade, teses

que são favoráveis à parte autora e que devem ser levadas em consideração quando do exame da tutela

antecipada.

Por fim, calha salientar que o exame da questão do uso da droga fosfoetanolamina não está sendo

feito de forma genérica, mas sim levando em consideração o caso concreto posto sob o crivo do Poder

Judiciário: grave estado de saúde da parte autora, conjugado com a progressão da doença mesmo com a

utilização dos tratamentos convencionalmente dispendidos.

Portanto, o Poder Judiciário não está atuando indevidamente na seara médica, mas sim garantindo

o direito à vida, que é o mais fundamental de todos os direitos (como diz a doutrina), condição sine qua non

para o exercício dos demais.

Ora, diante do quadro acima mencionado, o Estado tem o dever (levando em conta a dimensão

subjetiva dos direitos fundamentais e de acordo com o status positivus de Jellinek) de realizar a prestação

2016/630100089166-65035-JEF

Assinado digitalmente por: JOALDO KAROLMENIG DE LIMA CAVALCANTI:10464Documento Nº: 2016/630100089166-65035Consulte autenticidade em: http://web.trf3.jus.br/autenticacaojef

Page 5: Fosfoetanolamina - LIMINAR -Juizado Especial Federal de São Paulo

positiva que possibilite a satisfação da necessidade de saúde (direito de todos e dever do Estado, com caráter

universal) da parte autora, nem que a necessidade seja suprida apenas no plano psíquico, por gerar na parte

autora e em sua família a conformação diante da morte, tendo em vista que foram utilizados todos os meios

disponíveis e razoáveis para a manutenção da vida.

Por fim, é oportuno mencionar que a dispensação da fosfoetanolamina não gerará custo

desproporcional ao Sistema de Saúde, visto que o valor de produção da droga, como vem sendo divulgado pela

mídia nacional (matéria jornalística do G1 da Globo.com já mencionada anteriormente), é baixo.

Assim, superado o entendimento anteriormente adotado por este Juízo, acerca da

necessidade de prescrição médica da substância requerida, constato estarem presentes os requisitos

autorizadores do deferimento da tutela antecipada ora pleiteada - o fumus boni iuris , consubstanciado no dever

constitucional do Estado de promover a Saúde e o periculum in mora , consistente na progressão da doença do

autor.

<#Ante o exposto, DEFIRO A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL requerida,

para o fim de determinar que a USP de São Carlos disponibilize a substância fosfoetanolamina sintética, no

prazo máximo de 10 dias, para que seja feito o tratamento alternativo e complementar, em quantidade

suficiente para garantir tratamento do autor (quantidade que deverá ser indicada pela USP São Carlos,

Departamento de Química), sob pena de multa diária de R$ 200,00.

O Estado de São Paulo será o responsável pelo custeio da droga fosfoetanolamina sintética à

parte autora.

A parte autora ficará responsável por retirar a droga na USP de São Carlos.

Nos termos do enunciado nº 02 da 1º Jornada de Direito da Saúde promovida pelo CNJ, a parte

autora deverá apresentar novo Relatório Médico circunstanciado no prazo de 4 (quatro) meses

(renovação periódica do relatório médico).

Ante o caráter multiplicador do fornecimento da fosfoetanolamina, Oficie-se ao Ministério

Público Federal e à Defensoria Pública da União para que tomem ciência dos fatos e adotem, eventualmente, as

providências que entenderem cabíveis no âmbito da tutela coletiva.

Intimem-se. Cumpra-se com URGÊNCIA.#>

JOALDO KAROLMENIG DE LIMA CAVALCANTIJuiz(a) Federal

2016/630100089166-65035-JEF

Assinado digitalmente por: JOALDO KAROLMENIG DE LIMA CAVALCANTI:10464Documento Nº: 2016/630100089166-65035Consulte autenticidade em: http://web.trf3.jus.br/autenticacaojef