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Paulo Mascarenhas MANUAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL Salvador 2010

Manual de Direito Constitucional Paulo Mascarenhas

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  1. 1. Paulo Mascarenhas MANUAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL Salvador 2010
  2. 2. 4 Para os meus alunos, grandes responsveis por este trabalho, com carinho.
  3. 3. 5 INDICE 1 DIREITO CONSTITUCIONAL: ORIGEM E CONCEITO 1.1 FONTES DO DIREITO CONSTITUCIONAL 1.2 O SENTIDO DE CONSTITUIO 1.3 HISTRICO 1.4 CONSTITUCIONALISMO 1.5 CONSTITUCIONALISMO MODERNO E CONTEMPORNEO 1.6 TIPOLOGIA 1.7 CLASSIFICAO DOS TIPOS CONSTITUCIONAIS 2 O SISTEMA CONSTITUCIONAL 2.1 ESTRUTURA NORMATIVA 3 TEORIA DA NORMA CONSTITUCIONAL 4 HERMENUTICA E INTERPRETAO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS 4.1 PRINCPIOS DE HERMENUTICA CONSTITUCIONAL A) PRINCPIO DA SUPREMACIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS B) PRINCPIO DA UNIDADE DA CONSTITUIO C) PRINCPIO DA IMPERATIVIDADE (OU DA MXIMA EFETIVIDADE) DA NORMA CONSTITUCIONAL D) PRINCPIO DA SIMETRIA CONSTITUCIONAL E) PRINCPIO DA PRESUNO DE CONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS 4.2 INTERPRETAO DA CONSTITUIO 4.2.1 FORMAS DE INTERPRETAO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS 4.3 FONTE DE INTERPRETAO CONSTITUCIONAL a) INTERPRETAO AUTNTICA b) INTERPRETAO DOUTRINRIA c) INTERPRETAO JUDICIAL
  4. 4. 6 4.4 MTODOS CLSSICOS DE INTERPRETAO CONSTITUCIONAL a) DA INTERPRETAO LGICA OU RACIONAL b) DA INTERPRETAO SISTEMTICA c) DA INTERPRETAO HISTRICA d) DA INTERPRETAO SOCIOLGICA OU TELEOLGICA 5 A NORMA CONSTITUCIONAL NO TEMPO E A SUA APLICAO 5.1 A RECEPAO 5.2 A REPRISTINAO 5.3 A DESCONSTITUCIONALIZAO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS 6 O PREMBULO CONSTITUCIONAL O PREMBULO DA CONSTITUIO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988 7 A EVOLUO CONSTITUCIONAL BRASILEIRA A CONSTITUIO DE 1824 A PRIMEIRA REPBLICA E A CONSTITUIO DE 1891 A REVOLUO DE 1930 E A CONSTITUIO DE 1934 O ESTADO NOVO E A CONSTITUIO DE 1937 A DEMOCRACIA E A CONSTITUIO DE 1946 O REGIME MILITAR E A CONSTITUIO DE 1967; A EMENDA CONSTITUCIONAL DE 1969 A CONSTITUIO PROMULGADA DE 1988 8 O PODER CONSTITUINTE 8.1 DOS TITULARES DO PODER CONSTITUINTE 8.2 ESPCIES DE PODER CONSTITUINTE 8.2.1 PODER CONSTITUINTE ORIGINRIO 8.2.2 PODER CONSTITUINTE DERIVADO
  5. 5. 7 9 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 9.1 ORIGEM 9.2 CONCEITUAO 9.3 NATUREZA JURDICA 9.4 CARACTERSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 9.5 CLASSIFICAO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 10 OS PRINCPIOS FUNDAMENTAIS 10.1 FUNDAMENTOS I A SOBERANIA: II A CIDADANIA; III A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: IV - OS VALORES SOCIAIS DO TRABALHO E DA LIVRE INICIATIVA: V - O PLURALISMO POLTICO: 10.2 DA TRIPARTIO DOS PODERES 10.3 DOS OBJETIVOS FUNDAMENTAIS DA REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL 10.4 DOS PRINCPIOS DA REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL NA ORDEM INTERNACIONAL 11 OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS E COLETIVOS 11.1 DOS DESTINATRIOS DA PROTEO CONSTITUCIONAL 11.2 DO DIREITO VIDA 11.3 DA IGUALDADE 11.4 DA IGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES 11.5 PRINCPIO DA LEGALIDADE 11.6 DA VEDAO DA TORTURA E A TRATAMENTO DESUMANO OU DEGRADANTE 11.7 DA LIBERDADE DE MANIFESTAO DO PENSAMENTO 11.8 DO DIREITO DE RESPOSTA E INDENIZAO 11.9 DA INVIOLABILIDADE LIBERDADE DE CREDO 11.10 DA PRESTAO DE ASSISTNCIA RELIGIOSA 11.11 DA LIBERDADE DE EXPRESSO
  6. 6. 8 11.12 DA INVIOLABILIDADE DA INTIMIDADE, DA VIDA PRIVADA, DA HONRA E DA IMAGEM 11.13 DA INVIOLABILIDADE DA CASA 11.14 DA INVIOLABILIDADE DAS CORRESPONDNCIAS E DAS COMUNICAES TELEGRFICAS, DE DADOS E TELEFNICAS 11.15 DO LIVRE EXERCCIO DE QUALQUER TRABALHO 11.16 DO SIGILO DA FONTE 11.17 DA LIBERDADE DE LOCOMOO 11.18 DO DIREITO DE REUNIO PACFICA 11.19 DA LIBERDADE DE ASSOCIAO 11.20 DO DIREITO DE PROPRIEDADE E SUAS LIMITAES 11.21 DO DIREITO AUTORAL 11.22 DO DIREITO DE HERANA E DA SUCESSO 11.23 DA DEFESA DO CONSUMIDOR 11.24 DO DIREITO DE RECEBER INFORMAES DOS RGOS PBLICOS 11.25 DO DIREITO DE PETIO E DE OBTENO DE CERTIDES 11.26 DO PRINCPIO DA LEGALIDADE 11.27 DO DIREITO ADQUIRIDO, DO ATO JURDICO PERFEITO E DA COISA JULGADA 11.28 DA VEDAO AO JUZO OU TRIBUNAL DE EXCEO 11.29 DO JRI POPULAR 11.30 DO PRINCPIO DA ANTERIORIDADE LEGAL 11.31 DA IRRETROATIVIDADE DA LEI 11.32 DA VEDAO S DISCRIMINAES AOS DIREITOS E LIBERDADES FUNDAMENTAIS 11.33 DA CRIMINALIZAO DA PRTICA DO RACISMO 11.34 DOS CRIMES INAFIANVEIS E HEDIONDOS 11.35 DO PRINCPIO DA PERSONALIZAO E DA INDIVIDUALIZAO DAS PENAS 11.36 DA EXTRADIO 11.37 DO PRINCPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL
  7. 7. 9 11.38 DO CONTRADITRIO E DA AMPLA DEFESA 11.39 DA INADMISSIBILIDADE DAS PROVAS OBTIDAS POR MEIOS ILCITOS 11.40 DA PRESUNO DE INOCNCIA 11.41 DA ASSISTNCIA JUDICIRIA GRATUITA 11.42 DO ERRO JUDICIRIO 11.43 DA GRATUIDADE DE CERTIDES E DE AES CONSTITUCIONAIS 11.44 DA RAZOABILIDADE DA DURAO DO PROCESSO 12 TUTELA CONSTITUCIONAL DAS LIBERDADES 12.1 DA AO CIVIL PBLICA 12.2 DO DIREITO DE PETIO 12.3 DA AO POPULAR 12.4 HABEAS CORPUS 12.5 DO MANDADO DE SEGURANA 12.6 DO MANDADO DE SEGURANA COLETIVO 12.7 DO MANDADO DE INJUNO 12.8 DO HABEAS DATA 13 DOS DIREITOS SOCIAIS 13.1 DOS DIREITOS DOS TRABALHADORES URBANOS E RURAIS 13.2 DA PROTEO CONTRA DESPEDIDA ARBITRRIA, SEGURO DESEMPREGO E DO FGTS 13.3 DO SALRIO, DA SUA IRREDUTIBILIDADE E DA SUA PROTEO 13.4 .DO PISO SALARIAL 13.5 DA IRREDUTUBILIDADE DO SALRIO 13.6 DO 13 SALRIO 13.7 DA RETENO DOLOSA DO SALRIO 13.8 DA JORNADA DE OITO HORAS, DA REMUNERAO DO SERVIO EXTRAORDINRIO, DAS FRIAS ANUAIS, DO AVISO PRVIO, DOS ADICIONAIS DE INSALIBRIDADE E PERICULOSIDADE, E OUTROS DIREITOS. 13.9 DA LIBERDADE DE ASSOCIAO PROFISSIONAL E SINDICAL
  8. 8. 10 13.10 DO DIREITO DE GREVE 13.11 DA PARTICIPAO NOS COLEGIADOS DOS RGOS PBLICOS 13.12 DA ELEIO DE REPRESENTANTES EM EMPRESA COM MAIS DE 200 EMPREGADOS 14 DA NACIONALIDADE 14.1 DA LNGUA E DOS SMBOLOS DA REPBLICA 15 DOS DIREITOS POLTICOS 15.1 CONDIES DE ELEGIBILIDADE E CAUSAS DE INELEGIBILIDADE 15.2 DA AO DE IMPUGNAO DE MANDATO ELETIVO 15.3 DA PERDA E SUSPENSO DOS DIREITOS POLTICOS 15.4 DO PRINCPIO DA ANUALIDADE DA LEI ELEITORAL 15.5 NATUREZA JURDICA 15.6 DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDRIO E DO ACESSO GRATUITO A REDE DE RDIO E TELEVISO 16 DA ORGANIZAO DO ESTADO 16.1 DOS TIPOS DE ESTADO 16.2 DA ORGANIZAO POLTICO-ADMINISTRATIVA DO BRASIL 16.2.1 DA UNIO 16.2.2 DOS ESTADOS-MEMBROS 16.2.3 DOS MUNICPIOS 16.2.4 DO DISTRITO FEDERAL 16.2.5 DOS TERRITRIOS 16.3 DA FORMAO DOS ESTADOS 16.4 DA FORMAO DOS MUNICPIOS 16.5 DA INTERVENO FEDERAL 17 DA ADMINISTRAO PBLICA
  9. 9. 11 17.1 PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAO PBLICA (OU DO DIREITO ADMINISTRATIVO) 17. 2 DOS AGENTES PBLICOS 17.2.1 DOS SERVIDORES PBLICOS 18 DA ORGANIZAO DOS PODERES (Ttulo IV, CF) 18.1 O PODER LEGISLATIVO 18.1.1 O CONGRESSO NACIONAL (art. 44 a 50) 18.1.1.1 CMARA DOS DEPUTADOS (art. 51) 18.1.1.2 O SENADO FEDERAL (art. 52) 18.1.1.3 A FUNO FISCALIZADORA DO PODER LEGISLATIVO 18.1.1.4 DAS COMISSES PARLAMENTARES (art. 58. CF). 18.1.2 DO PROCESSO LEGISLATIVO 18.1.2.1 DA EMENDA CONSTITUCIONAL 18.1.2.2 DA LEI COMPLEMENTAR 18.1.2.3 DA LEI ORDINRIA 18.1.2.4 DA LEI DELEGADA 18.1.2.5 DA MEDIDA PROVISRIA 18.1.2.6 DO DECRETO LEGISLATIVO 18.1.2.7 DA RESOLUO 18.2 DO PODER EXECUTIVO 18.2.1 DO CONSELHO DA REPBLICA 18.2.2 CONSELHO DE DEFESA NACIONAL 18.3 DO PODER JUDICIRIO 18.3.1 GARANTIAS DO PODER JUDICIRIO 18.3.2 DA ESTRUTURA DO PODER JUDICIRIO 18.3.2.1 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 18.3.2.2 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIA (CF, art. 103-B)
  10. 10. 12 18.3.2.3 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA 18.3.2.4 DA JUSTIA FEDERAL COMUM 18.3.2.5 DA JUSTIA FEDERAL ESPECIALIZADA 18.3.2.5.1 DA JUSTIA DO TRABALHO 18.3.2.5.2 DA JUSTIA ELEITORAL 18.3.2.5.3 DA JUSTIA MILITAR 18.3.2.6 DA JUSTIA ESTADUAL 19 DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 19.1 DO CONTROLE PREVENTIVO 19.2 DO CONTROLE REPRESSIVO 19.2.1 CONTROLE REPRESSIVO PELO PODER JUDICIRIO 19.2.1.1 DO CONTROLE DIFUSO 19.2.1.2 DO CONTROLE CONCENTRADO 19.2.1.2.1 DA AO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 19.2.1-2-2 DA MEDIDA CAUTELAR EM AO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 19.2.1.2.3 DA AO DECLARATRIA DE CONSTITUCIONALIDADE 19.2.1.2.4 ARGIO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 20 DAS FUNES ESSENCIAIS JUSTIA 20.1 DO MINISTRIO PBLICO 20.1.1 MINISTRIO PBLICO DA UNIO 20.1.2 MINISTRIO PBLICO DOS ESTADOS 20.1.3 PRINCPIOS DO MINISTRIO PBLICO 20.1.4 FUNES DO MINISTRIO PBLICO 20.1.5 DAS VEDAES CONSTITUCIONAIS 20.1.6 DO CONSELHO NACIONAL DO MINISTRIO PBLICO (CF, art. 130-A)
  11. 11. 13 20.2 DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIO 20.3 DA ADVOCACIA 20.4 DA DEFENSORIA PBLICA 21 A DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIES DEMOCRTICAS O ESTADO DE DEFESA E O ESTADO DE STIO 21.1 O ESTADO DE DEFESA 21.2 O ESTADO DE STIO 21. 3 DAS FORAS ARMADAS 21.3.1 DISPOSIES GERAIS 21.4 DA SEGURANA PBLICA 21.4 1 DAS POLCIAS DA UNIO 21.4.1.1 POLCIA FEDERAL 21.4.1.2 POLCIA RODOVIRIA FEDERAL 21.4.1.3 POLCIA FERROVIRIA FEDERAL 21.4.2 DAS POLCIAS ESTADUAIS 21.4.3 DAS GUARDAS MUNICIPAIS 22 DA ORDEM ECONMICA E FINANCEIRA 22.1 DOS PRINCPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ECONMICA 22.2 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA ORDEM ECONMICA 22.3 PRINCPIOS DA ORDEM ECONMICA 22.4 INTERVENO ESTATAL NA ECONOMIA 22.5 MONOPLIOS DA UNIO 22.6 DA POLTICA URBANA 22.7 DA POLTICA AGRCOLA E FUNDIRIA E DA REFORMA AGRRIA 22.7.1 DA FUNO SOCIAL DA PROPRIEDADE 22.7.2 DO PLANEJAMENTO AGRCOLA 22.7.3 DA REFORMA AGRRIA
  12. 12. 14 23 O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL 23.1 CONSIDERAES GERAIS 24 ORDEM SOCIAL 24.1 A ORDEM SOCIAL NA CONSTITUIO 24.1.1 CONSIDERAES GERAIS 24.2 SEGURIDADE SOCIAL 24.3 DA SADE 24.4 DA PREVIDNCIA SOCIAL 24.5 DA ASSISTNCIA SOCIAL 24.6 DA EDUCAO 24.7 DA CULTURA 24.8 DO DESPORTO 24.9 DA CINCIA E TECNOLOGIA 24.10 DA COMUNICAO SOCIAL 24.11 DO MEIO AMBIENTE 24.12 DA FAMLIA 24.13 DA CRIANA, DO ADOLESCENTE E DO IDOSO 24.14 DOS NDIOS ANEXOS I - LEGISLAO I.a AAO CIVIL PBLICA I.b AAO POPULAR I.c HABEAS DATA I.d HABEAS CORPUS I.e MANDADO DE SEGURANA I.f MANDADO DE SEGURANA II MODELOS
  13. 13. 15 II.a AAO CIVIL PBLICA II.b - AAO POPULAR II.c - HABEAS DATA II.d - HABEAS CORPUS II.e MANDADO DE INJUNAO II.f MANDADO DE SEGURANA II.g MANDADO DE SEGURANA BIBLIOGRAFIA
  14. 14. 16 DIREITO CONSTITUCIONAL 1 DIREITO CONSTITUCIONAL: ORIGEM E CONCEITO Conceito Ramo do Direito Pblico que estuda os princpios indispensveis organizao do Estado, distribuio dos poderes, os rgos pblicos e os direitos individuais e coletivos. Origem O Direito Constitucional, enquanto ramo do Direito que estuda os princpios necessrios e indispensveis estruturao da vida do Estado, teve como origem a Assemblia Nacional Constituinte da Frana de 26/09/1791, que determinou a obrigatoriedade do ensino da Constituio para os estudantes franceses. A expresso Direito Constitucional, contudo, somente surgiu em 1797, em Milo, norte da Itlia. VOLTAR 1.1 FONTES DO DIREITO CONSTITUCIONAL As fontes do Direito Constitucional podem ser divididas em fontes imediatas e fontes mediatas. Como fontes imediatas temos a prpria Constituio poltica, fonte primria do Direito Constitucional, que estabelece as diretrizes polticas e organizacionais de uma sociedade podendo esta ser escrita como verbi gratia, a Constituio brasileira ou no escrita como a Constituio inglesa, e as leis constitucionais esparsas, escritas ou no estas nos pases que adotam o common law. Como fontes mediatas temos o Direito Natural, a doutrina, a jurisprudncia e os costumes e tradies do povo, da sociedade. VOLTAR 1.2 O SENTIDO DE CONSTITUIO Em sentido geral, amplo, constituio a estrutura fundamental ou a maneira de ser de qualquer coisa. Em teoria poltica e direito, Constituio, em letra maiscula, refere-se a Estado, podendo ser empregada em sentido amplo ou restrito. Em sentido amplo, genrico, a prpria organizao estatal. Todos os pases possuem suas Constituies, que lhes so prprias. Em sentido restrito, define-se a Constituio como o conjunto de normas jurdicas necessrias e bsicas estruturao de uma sociedade poltica, geralmente agrupadas em uma nica Lei Fundamental.
  15. 15. 17 Para Ferdinand Lassale (1825-1864) 1 , advogado na antiga Prssia, as questes constitucionais no so jurdicas, mas polticas, onde os fatores reais do poder formam a chamada Constituio real do pas. Para Lassalle, o poder da fora seria sempre superior ao poder das normas jurdicas, situao em que a normatividade submetida realidade ftica. Isso significaria a negao da Constituio jurdica, que teria unicamente a funo de justificar as relaes de poder dominantes. Hesse2 , traduzido entre ns por Gilmar Ferreira Mendes, se contrape s concepes de Lassalle demonstrando que o desfecho entre os fatores reais de poder e a Constituio no implica necessariamente na derrota desta ltima. Para Hesse, existem pressupostos realizveis que permitem assegurar sua fora normativa, e que apenas quando esses pressupostos no sejam satisfeitos que as questes jurdicas podem se converter em questes de poder. O primeiro desses pressupostos a vontade de Constituio. A Constituio transforma-se em fora ativa se existir a disposio de orientar a prpria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se fizerem-se presentes, na conscincia geral (especialmente na conscincia dos principais responsveis pela ordem constitucional), no s a vontade de poder, mas tambm a vontade de Constituio. E conclui Hesse, que a fora normativa da Constituio no est assegurada de plano, configurando misso que somente em determinadas condies poder ser realizada de forma excelente. Para ele, compete ao direito constitucional realar, despertar e preservar a vontade de Constituio, que, indubitavelmente, constitui a maior garantia de sua fora normativa. Hans Kelsen, formulador e principal defensor da Teoria Pura do Direito, fundador da Escola Normativista, tambm chamada Escola de Viena, contraps-se a Lassalle e a Hesse. Para Kelsen, o direito deve ser examinado como ele de fato o , isento de juzos valorativos, e no como deveria ser. Vale dizer, o direito tem de ser despido de todo seu contedo valorativo, e que necessita existir uma respeitabilidade entre o conjunto hierarquizado das normas, que contm na Constituio seu pice. Segundo Kelsen 3 , o ordenamento jurdico no , portanto, um sistema jurdico de normas igualmente ordenadas, colocadas lado a lado, mas um ordenamento escalonado de vrias camadas de normas jurdicas. VOLTAR 1.3 HISTRICO At meados do sculo XVIII, as Constituies eram costumeiras, baseadas nas tradies, hbitos e costumes do povo, e, tambm, baseadas em leis e documentos esparsos, como por exemplo, a Magna Carta inglesa, de Joo Sem Terra, de 1215, que consubstanciou o acordo entre o Rei e o baronato revoltado com os amplssimos poderes do Monarca sobre tudo e sobre todos. Posteriormente, em 1689, na mesma Inglaterra, para, uma vez mais, estabelecer limites aos poderes do Monarca, foi editada a Bill of Rights. A idia de Constituio veio a ganhar fora quando foi associada s concepes iluministas, com o liberalismo poltico representando a ideologia revolucionria do sculo XVIII. O triunfo das idias liberais d-se com as Revolues dos sculos XVII, na Inglaterra, e XVIII, nos Estados Unidos e na Frana, quando se afirmam os direitos fundamentais e a no-interveno arbitrria do Estado. A partir da segunda metade do sculo XVIII, inspirado na filosofia scio- contratualista existente especialmente durante os sculos XVI a XVIII, compreendeu-se a 1 LASSALLE, Ferdinand. A Essncia da Constituio. Rio de Janeiro: Lmen Jris, 1998. 2 HESSE, Konrad. A Fora Normativa da Constituio. Porto Alegre: Safe, 1991. 3 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Revista dos Tribunais, So Paulo, p. 103, 2003,
  16. 16. 18 necessidade da elaborao de uma Constituio escrita, baseada no pacto social, de maneira que ela significasse uma verdadeira expresso contratual da sociedade, devendo, por isso, ser clara, objetiva, racional e firme, de modo a representar um princpio de maior proteo contra possveis e provveis deformaes de carter autoritrio, arbitrrio. A primeira Constituio escrita, criada pelo Poder Constituinte e em termos similares aos que atualmente so conhecidos, surgiu em 1787, nos Estados Unidos, tendo por base a teoria do contrato social. bem de ver, contudo, que antes da revoluo americana, e, por conseguinte, bem antes dessa primeira Constituio escrita, todas as treze colnias americanas j tinham as suas cartas constitucionais. Com a independncia dessas colnias, depois transformadas em Estados soberanos, foram publicados documentos formais como a Declarao de Direito do Estado da Virgnia, de 12/06/1776, e a de Massachussets, em 1780, tomada como principal modelo da Constituio Federal americana. Depois disso, a Constituio se tornaria uma instituio poltica que tinha por objetivo a delimitao do Poder, sendo que esta delimitao se operava, de maneira extrnseca pela garantia dos direitos naturais, e de maneira intrnseca, como decorrncia da adoo do princpio da separao de poderes, conforme explicitado pela Declarao dos Direitos do Homem, de 1789. Segundo Norberto Bobbio, o Estado moderno, liberal e democrtico surgiu da reao contra o Estado absoluto.4 Para Bobbio, o problema fundamental do Estado constitucional moderno, que se desenvolve como uma anttese do Estado absoluto, o dos limites do poder estatal. VOLTAR 1.4 CONSTITUCIONALISMO Conceito o estudo dos meios utilizados no processo da evoluo constitucional ao longo dos tempos. 1.5 CONSTITUCIONALISMO MODERNO E CONTEMPORNEO O constitucionalismo moderno tem as suas origens nas revolues inglesa de 1688, americana de 1776, e francesa de 1789, embora o seu embrio possa ser encontrado na Magna Carta de Joo Sem Terra, na Inglaterra, de 1215, posto que nela j se encontravam presentes alguns dos elementos essenciais do moderno constitucionalismo, quais sejam a limitao do poder do Estado e a garantia de alguns dos direitos fundamentais da pessoa humana. O constitucionalismo moderno, cujo nascimento coincidiu com o nascimento do Estado Liberal, decorreu, assim, da idia e da necessidade de submeter o Estado ao Direito, limitando as suas funes, estabelecendo a segurana nas relaes jurdicas e garantindo a proteo do indivduo contra o Estado. que o Estado, antes das revolues a que nos referimos, era absoluto. O soberano tudo podia e no se subordinava a ningum. partir das constituies modernas o estado, e, consequentemente, o soberano, vem-se submetidos constituio e ao princpio da separao dos poderes 4 BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no Pensamento de Emanuel Kant. Braslia: UNB, 1997, p. 15.
  17. 17. 19 Para J.J.Gomes Canotilho, trs seriam as caractersticas principais do constitucionalismo moderno: I a ordenao jurdico-poltica estampada em documento escrito; II a declarao de direitos fundamentais e seu modo de garantia; III a organizao do poder poltico segundo esquemas tendentes a torn-lo limitado e moderado5 . VOLTAR 1.6 TIPOLOGIA Os tipos constitucionais diferem, pois existem Constituies sem qualquer preocupao com a liberdade e com os direitos individuais dos cidados, como, por exemplo, as Constituies dos pases totalitrios, verbi gratia a da China e a da ilha de Cuba, enquanto outras existem que priorizam os direitos individuais, dentre as quais a nossa Constituio. VOLTAR 1.7 CLASSIFICAO DOS TIPOS CONSTITUCIONAIS Quanto ao contedo: material e formal Constituio material o conjunto de regras constitucionais esparsas, codificadas ou no em um nico documento. J a Constituio, no seu conceito formal, consubstancia-se em um contedo normativo expresso, estabelecido pelo poder constituinte originrio em um documento solene que contm um conjunto de regras jurdicas estruturais e organizadoras dos rgos supremos do Estado. A diferena entre sentido material e sentido formal da Constituio que nesta temos a existncia estatal reduzida sua expresso jurdica formalizada atravs da codificao solene das normas constitucionais. Quanto forma: escrita e no escrita Constituio escrita o conjunto de regras codificado e sistematizado em um nico documento para fixar-se a organizao fundamental.6 Caracteriza-se por ser a lei fundamental de um povo, colocada no pice da pirmide das normas legais, dotada de coercibilidade. Todas as Constituies brasileiras foram escritas, desde a Carta Imperial at a Constituio de 1988. Constituio no escrita o conjunto de normas constitucionais esparsas, baseado nos costumes, na jurisprudncia e em convenes. Exemplo: Constituio inglesa. VOLTAR Quanto forma de elaborao: dogmticas e histricas Constituio dogmtica aquela que se nos apresentada de forma escrita e sistematizada, por um rgo constituinte, a partir de princpios e idias fundamentais da teoria poltica e do direito dominante em uma determinada sociedade. 5 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituio. Coimbra: Almedina, 2002, pp.56. 6 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. So Paulo: Atlas, 2001. p. 36.
  18. 18. 20 Constituio histrica aquela que resulta da histria, dos costumes e da tradio de um povo. Quanto origem: promulgadas (democrticas e populares) e outorgadas A Constituio promulgada, tambm chamada de democrtica ou popular, aquela fruto do trabalho de uma Assemblia Nacional Constituinte, eleita pelo povo com a finalidade da sua elaborao. Exemplos: Constituies brasileiras de 1891, 1934, 1946 e 1988. Constituio outorgada aquela estabelecida atravs da imposio do poder, do governante, sem a participao popular. Exemplos: Constituies brasileiras de 1824, 1937, 1967 e a Emenda Constitucional de 1969. Quanto estabilidade: imutveis, rgidas, flexveis e semi-rgidas Constituio imutvel aquela onde vedada qualquer modificao. Essa imutabilidade pode ser, em alguns casos, relativa, quando prev a assim chamada limitao temporal, consistente em um prazo em que no se admitir qualquer alterao do legislador constituinte reformador. Constituio rgida aquela escrita, mas que pode ser alterada atravs de um processo legislativo mais solene e com maior grau de dificuldade do que aquele normalmente utilizado em outras espcies normativas. Exemplo: Constituio brasileira de 1988 (Ver artigo 60 Emendas Constituio). Constituio flexvel aquela em regra no escrita e que pode ser alterada pelo processo legislativo ordinrio, sem qualquer outra exigncia ou solenidade. Constituio semi-rgida ou semiflexvel aquela que pode ter algumas de suas regras alteradas pelo processo legislativo ordinrio, enquanto outras somente podem s-las por um processo legislativo mais solene e com maior grau de dificuldade. Alexandre de Moraes entende que a Constituio brasileira de 1988 super- rgida, porque em regra poder ser alterada por um processo legislativo diferenciado, mas, excepcionalmente, em alguns pontos imutvel (CF, art. 60, 4o clusulas ptreas).7 Quanto sua extenso e finalidade: analticas (dirigentes) e sintticas (negativas, garantias) Constituio analtica aquela que examina e regulamenta todos os assuntos relevantes formao, destinao e funcionamento do Estado. tambm chamada de Constituio dirigente porque define fins e programa de ao futura. Exemplo: Constituio brasileira de 1988. Constituio sinttica aquela que prev somente os princpios e as normas gerais de organizao do Estado e a limitao do seu poder atravs da fixao de direitos e garantias fundamentais para o cidado. Exemplo: a Constituio dos EUA. A Constituio brasileira , destarte, formal, escrita, dogmtica, promulgada, rgida e analtica. VOLTAR 7 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. So Paulo: Atlas, 2001. p. 37.
  19. 19. 21 2 O SISTEMA CONSTITUCIONAL Duas so as acepes de sistema constitucional admitidos pela doutrina: o sistema externo ou extrnseco, e o sistema interno ou intrnseco. O sistema extrnseco refere-se ao trabalho intelectual, cujo resultado forma um conjunto de conhecimentos logicamente classificados, ou, na lio de Kant, em Crtica da razo pura: entendo por sistema a unidade dos diversos conhecimentos debaixo de uma idia. Os requisitos do sistema extrnseco ou externo so de natureza puramente formal. O sistema intrnseco ou interno cuida do conhecimento do objeto, da sua sistematizao, da sua estruturao jurdica. A Constituio escrita sistematizada atravs de um conjunto de normas referentes s mais diversas matrias e finalidades buscadas pelo legislador constituinte. Tais normas, autnticas regras jurdicas, so agrupadas em ttulos, captulos e sees, formando um todo que se convencionou chamar de elementos constitucionais do Estado. VOLTAR 2.1 ESTRUTURA NORMATIVA Para Jos Afonso da Silva8 as Constituies contemporneas, em sua estrutura normativa, revelam cinco categorias de elementos destacveis: orgnicos; limitativos; scio- ideolgicos; de estabilizao constitucional; e, finalmente, formais de aplicabilidade. Elementos orgnicos: so aqueles contidos em normas jurdicas que regulam a estrutura e o funcionamento do poder estatal, sendo, portanto, fundamentais existncia do Estado. Na atual Constituio brasileira, tais elementos podem ser encontrados nos Ttulos III (Da Organizao do Estado), no Ttulo IV (Da Organizao dos Poderes e do Sistema de Governo), no Ttulo V, Captulos II e III (Das Foras Armadas e da Segurana Pblica), e no Ttulo VI (Da Tributao e do Oramento); Elementos limitativos: so aqueles que tm origem no liberalismo clssico, que busca estabelecer limites ao do Estado, assegurando um Estado de Direito onde os direitos individuais e coletivos devem estar presentes no texto constitucional. Na atual Constituio brasileira podemos encontrar esses elementos limitativos ao longo do Ttulo II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), exceo do Captulo II, que trata dos direitos sociais; Elementos scio-ideolgicos: no existiam nas primeiras Constituies escritas, porque elas tratavam exclusivamente da limitao ingerncia estatal. Tais elementos revelam a emergncia de um Estado Social, mais intervencionista que o velho Estado Liberal. O surgimento e emergncia do assim chamado Estado Social trazem como conseqncia governos de cunho intervencionista, cuja atividade governamental busca garantir a promoo dos direitos sociais voltados aos menos favorecidos, com aumento dos gastos pblicos e com o conseqente endividamento pblico. Na Constituio brasileira em vigor, vislumbramos os elementos scio- ideolgicos no Captulo II, do Ttulo II (Dos Direitos Sociais), e, tambm, nos Ttulos VII e VIII (Da Ordem Econmica Financeira e Da Ordem Social); Elementos de Estabilizao Constitucional: so aqueles que trazem nsitos a necessidade da proteo do texto constitucional, e, por isso mesmo, destinam-se defesa da 8 SILVA, Jos Afonso. Curso de direito constitucional positivo. So Paulo: Malheiros, 1992.
  20. 20. 22 Constituio e soluo de conflitos constitucionais, garantindo os meios de efetivao e continuidade da norma constitucional. Na Constituio brasileira de 1988 encontramos esses elementos nos arts. 102, I, a, e 103 (relativos jurisdio constitucional), nos arts. 34 a 36 (Da Interveno nos Estados e Municpios), nos arts. 59, I, e 60 (referentes ao processo de emendas Constituio), e no Ttulo V, Captulo I (Do Estado de Defesa e do Estado de Stio); Elementos Formais de Aplicabilidade: so aqueles que dizem respeito formao das regras de aplicao das normas constitucionais. So, assim, elementos de aplicabilidade os artigos 1o ao 4o , que revelam princpios fundamentais da Constituio, assim tambm as disposies constitucionais transitrias. Tambm devemos considerar como elemento de aplicabilidade o 1o , do art. 5o , onde est disposto que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tm aplicao imediata. Finalmente, encontramos no artigo 24 as regras para aplicao do federalismo cooperativo, que tambm representam elementos formais de aplicabilidade. VOLTAR
  21. 21. 23 3 TEORIA DA NORMA CONSTITUCIONAL A teoria da norma constitucional cuida do estudo da aplicabilidade das normas constitucionais. Jos Afonso da Silva o autor mais aclamado e acatado em se tratando da classificao das normas em relao a sua aplicabilidade. Para o Mestre paulistano as normas constitucionais dividem-se em normas constitucionais de eficcia plena, contida e limitada9 . Normas constitucionais de eficcia plena so aquelas que, desde a entrada em vigor da Constituio, produzem ou tm possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situaes, que o legislador constituinte, direta e normativamente, quis regular.10 So, portanto, normas que no necessitam de regulamentao, sendo auto- aplicveis ou auto-executveis, como por exemplo, os remdios constitucionais: mandado de segurana, habeas corpus, mandado de injuno, habeas data. J as normas constitucionais de eficcia contida so aquelas que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos a determinada matria, mas deixou margem atuao restritiva por parte da competncia discricionria do poder pblico, nos termos que a lei estabelecer ou nos termos de conceitos gerais nela enunciados11 . Vale dizer, a matria constitucional foi devidamente regulada, mas a sua aplicao est condicionada a prvia existncia de outra lei especfica que a discipline, assim previsto expressamente. Exemplo: Art. 5o , XIII: livre o exerccio de qualquer trabalho, ofcio ou profisso, atendidas as qualificaes profissionais que a lei estabelecer. Normas constitucionais de eficcia limitada so aquelas que apresentam aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque somente incidem totalmente sobre esses interesses aps uma normatividade ulterior que lhe desenvolva a aplicabilidade. Isto quer dizer que esse tipo de norma constitucional, para entrar em vigor, vale dizer, para ter aplicabilidade prtica, depende de uma lei posterior que a regulamente. Ao lado da classificao de Jos Afonso da Silva, adotada pela maioria dos nossos doutrinadores, temos as chamadas normas programticas, que no tm aplicao ou execuo imediata, mas se constituem em comandos-regras, pois explicitam comandos-valor. Jorge Miranda12 , mestre portugus da Universidade de Coimbra, diz que as normas programticas conferem elasticidade ao ordenamento constitucional; tm como destinatrio primacial embora no nico o legislador, a cuja opo fica a ponderao do tempo e dos meios em que vm a ser revestidas de plena eficcia (e nisso consiste a discricionariedade); no consentem que os cidados ou quaisquer cidados as invoquem j (ou imediatamente aps a entrada em vigor da Constituio), pedindo aos tribunais o seu cumprimento s por si, pelo que pode haver quem afirme que os direitos que delas constam, mxime os direitos sociais, tm mais natureza de 9 SILVA, Jos Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais.Revista dos Tribunais, So Paulo, p. 89-91, 1998. 10 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. So Paulo: Atlas, 2001. p. 39. 11 Ibid., p. 39. 12 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 1997. v. 4.
  22. 22. 24 expectativas que de verdadeiros direitos subjectivos; aparecem, muitas vezes, acompanhadas de conceitos indeterminados ou parcialmente indeterminados. Assim, na prtica, verificamos que as normas programticas so aquelas que no regulam diretamente interesses ou direitos nelas consagrados, mas, ao contrrio, limitam-se a traar preceitos que devem ser cumpridos pelo Poder Pblico. Trcio Sampaio Ferraz Jr.13 , afirma que a eficcia tcnica, neste caso, limitada. E a eficcia social depende da prpria evoluo das situaes de fato. Da resulta uma aplicabilidade dependente. So exemplos de normas programticas os arts. 21, IX, 23, 170, 205, 211, 215 e 218, da Constituio Federal. VOLTAR 13 FERRAZ JR., Trcio Sampaio. Interpretao e estudos da Constituio de 1988. So Paulo: Atlas, 1990.
  23. 23. 25 4 HERMENUTICA E INTERPRETAO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS A hermenutica constitucional tem por objetivo o estudo das tcnicas de interpretao da Constituio, fornecendo os princpios bsicos segundo os quais os operadores do Direito devem apreender o sentido das normas constitucionais. A interpretao constitucional, por outro lado, consiste no desvendar do significado da norma, com vistas aplicao em um determinado caso concreto. 4.1 PRINCPIOS DE HERMENUTICA CONSTITUCIONAL A hermenutica estabelece princpios para se interpretar as regras constitucionais, que so os seguintes: a) princpio da Supremacia da Constituio; b) princpio da Unidade da Constituio; c) princpio da Imperatividade da Norma Constitucional; d) princpio da Simetria Constitucional; e) princpio da Presuno de Constitucionalidade das Normas Infraconstitucionais. a) Princpio da Supremacia das Normas Constitucionais As normas constitucionais so, sempre, superiores s demais normas no constitucionais, ou infraconstitucionais. A norma no constitucional, ou inferior, somente se torna vlida na medida em que feita em estrita obedincia ao procedimento legislativo que lhe adequado e que, tambm, preserva o fundamento bsico da supremacia das normas constitucionais que no admite a existncia de normas jurdicas conflitantes. Isto que dizer que, sob o ponto de vista normativo, a Constituio representa o pice de uma figura piramidal de hierarquizao da norma jurdica. Em outras palavras, a Constituio seria um conjunto de normas jurdicas superiores que determina a criao de todas as demais regras que integram o ordenamento jurdico estatal. Segundo Kelsen 14 , o ordenamento jurdico no , portanto, um sistema jurdico de normas igualmente ordenadas, colocadas lado a lado, mas um ordenamento escalonado de vrias camadas de normas jurdicas. b) Princpio da Unidade da Constituio As normas constitucionais devem ser interpretadas de modo a se evitar qualquer tipo de contradio entre si.15 Isto porque a Constituio no um aglomerado de normas constitucionais isoladas, mas, ao contrrio disso, forma um sistema orgnico, no qual cada parte tem de ser compreendida luz das demais.16 J.J. Gomes Canotilho ensina que este princpio obriga o intrprete a considerar a Constituio na sua globalidade e a procurar harmonizar os espaos de tenso existentes entre as normas constitucionais a concretizar.17 14 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Revista dos Tribunais, So Paulo, p. 103, 2003, 15 ZIMMERMANN, Augusto. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Lmen Juris, 2002. p. 138. 16 SARMENTO, Daniel. A ponderao de interesses na Constituio Federal. RJ: Lmen Juris, 2002. p. 100. 17 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituio. Coimbra: Almedina, 1997. p.232.
  24. 24. 26 por meio dessa viso unitria que fica consagrada a interdependncia entre as normas constitucionais. c) Princpio da Imperatividade (ou da Mxima Efetividade) da Norma Constitucional Sendo a norma constitucional de ordem pblica e de carter imperativo, emanada que da vontade popular, o intrprete deve lhe conferir o mximo de efetividade no momento de sua aplicao. Para Rui Barbosa (apud Zimmermann, 2002), a hermenutica da norma constitucional devia ser o mais ampla possvel, pois para ele nas questes de liberdade, na inteligncia das garantias constitucionais, no cabe a hermenutica restritiva.18 d) Princpio da Simetria Constitucional Este princpio postula que haja uma relao simtrica entre as normas jurdicas da Constituio Federal e as regras estabelecidas nas Constituies Estaduais, e mesmo Municipais. Isto quer dizer que no sistema federativo, ainda que os Estados-Membros e os Municpios tenham capacidade de auto-organizar-se, esta auto-organizao se sujeita aos limites estabelecidos pela prpria Constituio Federal. Assim, pelo princpio da simetria, os Estados-Membros se organizam obedecendo ao mesmo modelo constitucional adotado pela Unio. Por este princpio, por exemplo, as unidades federativas devem estruturar seus governos de acordo com o princpio da separao de poderes. e) Princpio da Presuno de Constitucionalidade das Normas Infraconstitucionais Segundo este princpio, todas as normas jurdicas infraconstitucionais possuem a presuno de constitucionalidade at que o controle judicial se manifeste em contrrio. Trata-se, portanto, da presuno juris tantum, posto que a norma infraconstitucional possui eficcia jurdica at que se prove o contrrio. Este princpio decorre do prprio Estado de Direito, da separao de Poderes, pois a prpria Constituio que delega poderes ao Poder Legislativo para editar normas ordinrias, infraconstitucionais, que lhe do plena operatividade, e o Legislativo assim o faz na convico de que est a respeitar a Constituio, na presuno de que as leis que elaborou e que foram promulgadas so, efetivamente, constitucionais, devendo a quem argi a sua inconstitucionalidade perante o Poder Judicirio provar o vcio que alega, e a declarao de inconstitucionalidade das normas ordinrias somente deve ocorrer quando afastada toda e qualquer dvida quanto sua incompatibilidade com a Constituio. VOLTAR 18 BARBOSA, Rui. Comentrios Constituio Federal Brasileira. So Paulo: Saraiva, 1993, p. 495, 506 e 516, v.5.
  25. 25. 27 4.2 INTERPRETAO DA CONSTITUIO No entendimento clssico de Savigny, interpretao a reconstruo do contedo da lei, sua elucidao, de modo a operar-se uma restituio de sentido ao texto viciado ou obscuro. Noutras palavras, trata-se de operao lgica, de carter tcnico, atravs do qual busca-se investigar o sentido exato da norma jurdica imprecisa ou no muito clara. Para Felice Battaglia, jurista italiano, o momento da interpretao vincula a norma geral s conexes concretas, conduz do abstrato ao concreto, insere a realidade no esquema19 . Reis Friede adverte que os problemas de interpretao constitucional, em certa medida, so mais amplos e complexos do que aqueles afetos lei comum, at porque, sob certa tica, tambm repercutem sobre todo o ordenamento jurdico.20 VOLTAR 4.2.1 FORMAS DE INTERPRETAO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS Todos os cidados tm o direito de buscar interpretar a Constituio, as normas constitucionais. O Poder Legislativo o faz quando elabora uma lei complementar Constituio ou mesmo quando estabelece regras para as suas futuras interpretaes. O Poder Judicirio, por seu turno, interpreta a norma constitucional quando, instado por uma Ao Direta de Inconstitucionalidade ADIN ou mesmo por uma Ao Declaratria de Constitucionalidade ADC , emite uma deciso. VOLTAR 4.3 FONTE DE INTERPRETAO CONSTITUCIONAL a) Interpretao autntica Ocorre quando o legislador constituinte interpreta as normas constitucionais por ele mesmo elaboradas. Nesta interpretao, o legislador constituinte busca extrair o verdadeiro significado da norma jurdica, revelando-nos o mbito de sua atuao (Zimmermann, 2002, p.142). b) Interpretao Doutrinria aquela levada a efeito pelos estudiosos do Direito Constitucional. Segundo Paulo Bonavides, a interpretao doutrinria aquela que deriva da doutrina, dos doutores, dos mestres e teoristas do direito, dos que, mediante obras, pareceres, estudos e ensaios jurdicos intentam precisar, a uma nova luz, o contedo e os fins da norma, ou abrir- lhe caminhos de aplicao a situaes inditas ou de todo imprevistas.21 19 BATTAGLIA, Felice. Curso de filosofia del derecho. Madrid, 1951. p. 151. v. 2. 20 FRIEDE, Reis. Lies Objetivas de direito constitucional. So Paulo: Saraiva, 1999. p. 73. 21 BONAVIDES, Paulo. Direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 270.
  26. 26. 28 c) Interpretao Judicial aquela emanada pelo magistrado, na aplicao da norma legal. Desta interpretao surgem decises de efeitos prticos e definitivos, quer para a sociedade como um todo, como, por exemplo, no caso de controle judicial da norma constitucional in abstracto, atravs de uma ao direta de inconstitucionalidade, ou apenas para as pessoas submetidas ao processo jurisdicional concreto, incidental. VOLTAR 4.4 MTODOS CLSSICOS DE INTERPRETAO CONSTITUCIONAL So as diferentes possibilidades de se analisar as normas constitucionais dentro de um plano metodolgico. a) Da Interpretao Gramatical (ou literal) Meio atravs do qual busca-se aferir o significado literal da norma jurdica por meio de uma interpretao que leve em considerao o exame das palavras e das regras gramaticais vigentes poca da elaborao do texto legal. meio fundamental como etapa preliminar a toda interpretao jurdica, no devendo ser utilizado unicamente, contudo, como meio de interpretao. O Juiz Black, da Suprema Corte dos Estados Unidos, foi um dos principais defensores da interpretao literal, dizendo que tal meio de interpretao visava restringir o apetite de alguns juzes em extrapolar os limites constitucionais e impor suas prprias preferncias, utilizando-se de argumentos retirados do direito natural ou do devido processo legal.22 b) Da Interpretao Lgica ou Racional aquela que, na lio de Paulo Bonavides, sobre examinar a lei em conexidade com as demais leis, investiga-lhe tambm as condies e os fundamentos de sua origem e elaborao, de modo a determinar a ratio ou mens do legislador. Busca, portanto reconstruir o pensamento ou inteno de quem legislou, de modo a alcanar depois a precisa vontade da lei.23 Esse mtodo est sintetizado pela locuo inteno do legislador, subdividindo- se em cinco: Mens legis busca verificar o que o legislador realmente disse, independentemente de suas intenes; Mens legislatori busca verificar, ao contrrio do anterior, o que o legislador quis efetivamente dizer, independentemente do que acabou efetivamente dizendo; Ocasio legis conjunto de circunstncias que determinaram a criao da lei; 22 ZIMMERMANN, 2002, p. 144. 23 BONAVIDES, 1986, p. 272.
  27. 27. 29 O argumento a contrario sensu componente da interpretao lgica que utiliza o fato de que a lei sempre faculta a concluso pela excluso, dada a regra hermenutica que afirma que as excees devem vir sempre expressas; e, por fim, O argumento a fortiori pode ser resumido pela mxima do Direito segundo a qual quem pode o mais pode o menos. Este mtodo de interpretao deve ser utilizado imediatamente aps a interpretao gramatical ou literal, independentemente da aparente soluo definitiva que esta possa ter sugerido ao intrprete. c) Da Interpretao Sistemtica As normas jurdicas esto dispostas em captulos, ttulos, livros e artigos, onde se encontram indicados o assunto e, conseqentemente, o direito tutelado. A interpretao sistemtica, assim, consiste no propsito de resolver eventuais conflitos de normas jurdicas, examinando-as sob a tica de sua localizao junto ao direito que tutela.24 Com este mtodo devemos interpretar a norma constitucional vendo-o como um todo lgico e harmnico. Destarte, a interpretao da Constituio deve ser feita de modo a se permitir que as normas constitucionais sejam compatveis entre si.25 d) Da Interpretao Histrica Mtodo atravs do qual o intrprete busca o conhecimento evolutivo (histrico) da ambincia em que se originou a lei e da linguagem utilizada na redao do texto legal, de modo a se chegar essncia do dispositivo normativo, o verdadeiro significado da lei. e) Da Interpretao Sociolgica ou Teleolgica Busca interpretar as leis com vistas a sua melhor aplicao na sociedade. Este tipo de interpretao, no dizer de Zimmermann, permite a alterao da ratio legis, possibilitando ao intrprete conferir um novo sentido norma, contrapondo-se ao sentido original da mesma e otimizando o cumprimento da sua finalidade. Afirma, com propriedade, o Professor Reis Friede que por esta razo, deve ser sempre observado em ltimo lugar, evitando os elevados riscos de que o intrprete acabe por se confundir com o prprio legislador, criando normas jurdicas onde no existam ou, no mnimo, deturpando o verdadeiro significado das j existentes. 26 VOLTAR 24 FRIEDE, Reis. Cincia do direito, norma, interpretao e hermenutica jurdica. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 158. 25 ZIMMERMANN, 2002, p. 146. 26 FRIEDE, op.cit., p. 159.
  28. 28. 30 5 A NORMA CONSTITUCIONAL NO TEMPO E A SUA APLICAO Com os anos, a norma constitucional, como qualquer norma jurdica, pode ser alterada ou mesmo substituda por outra. O surgimento de nova norma constitucional pode levar, mas no leva, necessariamente, revogao da legislao anterior. Tal fato gera trs fenmenos jurdicos distintos que dizem respeito aplicabilidade das novas normas constitucionais no tempo, em contraponto s normas constitucionais anteriores sua existncia: a recepo, a repristinao e a desconstitucionalizao. 5.1 A RECEPO por esse fenmeno jurdico a norma jurdica infraconstitucional entendida como compatvel com o novo texto constitucional, condicionada a sua interpretao e o seu significado aos novos parmetros estabelecidos pela nova ordem constitucional. Destarte, diz-se que a norma foi recepcionada pela nova Constituio, vale dizer, que foi acolhida e incorporada nova ordem constitucional porque compatvel com os termos da nova Constituio. Essa recepo vem ao encontro do princpio da segurana jurdica e mesmo da economia legislativa, uma vez que inexiste razo tcnico-jurdica para a retirada da norma infraconstitucional em perfeita harmonia com o novo ordenamento constitucional. 5.2 A REPRISTINAO por esse outro fenmeno jurdico, uma norma infraconstitucional anteriormente revogada, de maneira tcita, pela anterior ordem jurdica, restaurada pela nova ordem constitucional. Significa, pois, a revalidao de uma norma revogada pela Constituio mas que se apresenta compatvel com a nova Carta Constitucional. A repristinao, por razes de segurana jurdica, somente admissvel em nosso sistema jurdico se e quando expressamente prevista e autorizada. 5.3 A DESCONSTITUCIONALIZAO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS fenmeno ainda no inteiramente absorvido pela doutrina, contestado mesmo por uma grande parte dos doutrinadores, segundo o qual algumas normas da Constituio anterior permaneceriam vigentes sob a forma de lei ordinria. Ocorre quando a nova ordem constitucional se queda silente sobre algumas normas constantes da Constituio anterior, deixando de revog-la, tcita ou expressamente, permitindo, assim, que continue a viger como lei infraconstitucional. Os que no admitem esse fenmeno da desconstitucionalizao alegam, com razo ao nosso sentir, que o efeito mais forte e visvel de uma nova Constituio , exatamente, o de revogar a anterior, o que ocorre de forma integral, plena. Assim, todas as normas constitucionais da Constituio anterior so revogadas plenamente pelo novel ordem constitucional, no podendo ser absorvidas de nenhuma forma. VOLTAR
  29. 29. 31 6 O PREMBULO CONSTITUCIONAL A sua utilidade consiste em esclarecer o sentido ideolgico da Constituio escrita que se examina, traduzindo-se, assim, em autntico subsdio hermenutica constitucional, pois, traz em si, de forma sinttica, os anseios e aspiraes do legislador constituinte. Julian Barraquero27 , constitucionalista argentino, diz que o prembulo constitucional uma espcie de resumo da Constituio, em que se consignam de uma maneira geral os princpios que lhe servem de norma. a melhor chave para interpretar uma constituio porque explica os motivos e fins que teve em vista ao formul-la. Entre ns, Luiz Pinto Ferreira considera o prembulo constitucional como parte integrante da Constituio, porque, segundo ele, revelaria a verdadeira inteno do legislador 28 . O professor e doutrinador Paulino Jacques tem entendimento diferente ao acima esposado, pois considera o prembulo constitucional um mero princpio constitucional, e no como norma jurdica, pois, segundo o Mestre, ningum poder ingressar em juzo com ao fundada, nica e exclusivamente, no prembulo, que no contm normas jurdicas, mas princpios que no autorizam a ao judiciaI. VOLTAR O PREMBULO DA CONSTITUIO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988 O prembulo da nossa Constituio Federal de 1988 revela o anseio do legislador constituinte brasileiro na construo de valores democrticos e pluralistas do liberalismo poltico e a vontade de que o Estado venha promover o bem-estar geral, numa perspectiva que seria mais propriamente a do intervencionismo estatal de natureza social-democrtica 29 . Assim que o prembulo da nossa Constituio Federal revela e consagra os princpios do Estado Democrtico de Direito dentro de uma viso de governo representativo, da consagrao dos direitos individuais, e dos mecanismos jurdicos de aumento dos direitos e garantias sociais: Prembulo Ns, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assemblia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrtico, destinado a assegurar o exerccio dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurana, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justia como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a soluo pacfica das controvrsias, promulgamos, sob a proteo de Deus, a seguinte Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Registre-se que a Constituio no pode ser interpretada ou aplicada de forma contrria ao seu esprito, de forma contrria ao texto expresso no seu prembulo. VOLTAR 27 Espiritu y pratica de la constitucin argentina, p. 53. 28 ZIMMERMANN, 2002, p. 71 29 ZIMMERMANN, 2002, p.154.
  30. 30. 32 7 A EVOLUO CONSTITUCIONAL BRASILEIRA A Constituio de 1824 Com a Proclamao da Independncia do Brasil, em 7 de setembro de 1822, surgiu a necessidade da estruturao de um poder centralizador para o Imprio que emergia, de modo a manter a unidade nacional. Na discusso de idias acerca da melhor forma poltica para a nova Nao, dois grupos polticos se destacaram com idias e propostas diametralmente opostas. Esses grupos, que antes marcharam unidos na luta pela independncia do Brasil, divergiam quanto aos destinos do Pas. O grupo encabeado por Jos Bonifcio de Andrada e Silva, de tendncia mais conservadora, propunha um governo forte, centralizador no seu aspecto administrativo, onde o monarca era o Chefe de Estado e, ao mesmo tempo, Chefe de Governo, enquanto o grupo mais liberal, encabeado por Gonalves Ledo, defendia a monarquia constitucional representativa, onde o Parlamento seria o poder mais forte e importante, e propunha, ainda, a liberdade de expresso, de iniciativa, a descentralizao administrativa e a ampla autonomia das provncias. Vencendo a disputa, Bonifcio inicia uma perseguio a Gonalves Ledo e maonaria por ele liderada. Ledo foi obrigado a refugiar-se em Buenos Aires. Em meio a essa crise acontece a coroao de D. Pedro I, aclamado como o Imperador e Defensor Perptuo do Brasil, ainda em 1822. Dom Pedro I chegou a convocar uma Assemblia Constituinte para discutir a primeira Constituio do Brasil, onde a proposta federativa foi discutida exausto, mas, considerando que os constituintes de 1823 estavam criando uma Constituio que no era do seu agrado, restringindo os seus poderes e deixando de propor a criao do Poder Moderador, como queria, o monarca determinou a dissoluo, fora, da Assemblia Constituinte, passando para a histria como o primeiro e nico dos mandatrios brasileiros a cometer tal ato de fora. Assim, em 1824, no ano seguinte, portanto, o Imperador outorgou uma Constituio para o Pas, criando mecanismos polticos-institucionais que representaram o triunfo da centralizao proposta por Jos Bonifcio sobre o anseio federativo de Ledo. Essa Constituio Imperial de 1824 teve forte influncia da Constituio da Frana de 1814, e iniciou o hbito de se fazer Constituies analticas. A Constituio outorgada de 1824, consagrando o unitarismo, dividiu o Pas em vinte provncias inteiramente subordinadas ao poder central, e dirigidas por Presidentes escolhidos e nomeados pelo Imperador, demissveis ad nutum. Criou, ademais, os chamados Conselhos Gerais das Provncias, embrio do que viria ser mais tarde o Poder Legislativo, s que com pouqussimas atribuies. Por essa Constituio todo o aparelho poltico estava voltado para o Poder Moderador, controlado unicamente pelo Imperador. Assim, Dom Pedro I no somente reinava, mas tambm governava, e acumulava os Poderes Executivo e Moderador, o que veio a trazer, como esperado, a concentrao excessiva de poder pelo Monarca. No segundo reinado, j com o Imperador Dom Pedro II, o Brasil viveu a sua primeira experincia parlamentarista, de origem costumeira, uma vez que no estava prevista na Constituio Imperial. Dom Pedro II, ao contrrio de seu pai, jamais usou o Poder Moderador de forma abusiva. Com o golpe militar de 15 de novembro de 1889, comandado por Deodoro da Fonseca, Ministro da Guerra de Pedro II, surge a Repblica Federativa do Brasil. VOLTAR
  31. 31. 33 A Primeira Repblica e a Constituio de 1891 A Repblica foi instaurada no Pas muito mais pela necessidade da implantao do federalismo do que por oposio forma monrquica do governo de Pedro II, mesmo porque este era respeitado pela sua inteligncia, pela sua moderao e pela sua honestidade. Dom Pedro II morreu pobre, conquanto tenha governado o Pas por mais de cinqenta (50) anos. E a prova desta assertiva est no Decreto Republicano de 15/11/1889, elaborado por Rui Barbosa, que logo no seu primeiro artigo assim dispunha: Art. 1o As Provncias do Brasil, reunidas pelo lao da federao, ficam constituindo os Estados Unidos do Brasil. E no seu artigo 2 dispunha que As antigas Provncias sero consideradas Estados. A nossa Federao teve como modelo a Constituio americana de 1787, caracterizando-se por ser um federalismo dualista e estabelecendo a igualdade jurdica entre todos os novos Estados-membros. Para Rui Barbosa, a adoo do modelo federativo americano se impunha para dar feio liberal nova Constituio Republicana. Segundo esse ilustre jurista baiano fora dela s teramos a democracia helvtica, intransplantvel para estados vastos, e os ensaios efmeros da Frana, tipo infeliz, alm do oposto s condies de um pas naturalmente federativo como o nosso.30 Atravs do Decreto n 78-B, de 21/12/1889, o Governo Provisrio convocou uma Assemblia Constituinte para ser instalada no dia 15/11/1890. Este mesmo Governo Provisrio, antes mesmo de convocar uma Assemblia Constituinte, j havia nomeado, atravs do Decreto n 29, uma Comisso formada de cinco membros para elaborar um anteprojeto para servir de base aos debates da referida Assemblia, sendo, pois, o seu ponto de partida. Aps receber o anteprojeto da Comisso dos cinco, o Governo Provisrio decidiu que Rui Barbosa deveria retoc-lo antes de ser apreciado pela Assemblia Constituinte. Em 15 de novembro de 1890 comearam as sesses da Assemblia Constituinte, e em 22/11/1890 procedeu-se escolha de uma comisso de 21 deputados e senadores, um de cada Estado e um do Distrito Federal, para que emitissem parecer sobre o Projeto do Governo Provisrio, devidamente retocado por Rui. O parecer dessa Comisso foi apresentado em 10/12/1890, e os debates duraram at 23/02/1891, sendo no dia imediatamente seguinte, vale dizer, 24/02/1891, promulgada a Constituio Republicana, de cunho liberal e sinttica, com 91 artigos e 8 disposies transitrias. A primeira Constituio Republicana brasileira foi promulgada em 1891, e representou uma ruptura com a antiga ordem poltica imperial, porque, confirmando o federalismo dual, concedeu autonomia aos estados, s antigas provncias, consagrou a tripartio dos poderes proposta por Montesquieu, desconheceu privilgios, separou o Estado da Igreja, garantiu o direito de propriedade, e muitos direitos e garantias fundamentais, dentre os quais o habeas corpus, a livre manifestao de pensamento, a inviolabilidade do domiclio, a liberdade de associao, etc. Segundo o historiador Jos Maria Bello, na sua obra Histria da Repblica, Com a Constituinte de 1891, realizava o Brasil, enfim, os seus sonhos republicanos e federalistas. O projeto apresentado pelo Governo modelava-se pela Constituio dos Estados Unidos. Vivas eram as influncias argentinas, e muito mais atenuadas as da Confederao sua. Em vez dos doutrinadores franceses e ingleses de outrora, os publicistas norte-americanos. Como os homens de 1824, os de 1891 acreditavam 30 BARBOSA, Rui. Cartas da Inglaterra. So Paulo: Saraiva, 1929, p. 167.
  32. 32. 34 religiosamente nas frmulas do liberalismo poltico. Embutia-se o Brasil no molde norte-americano, como, outrora, o tinham enquadrado no constitucionalismo francs. Da extrema centralizao para o mais largo federalismo, eis o salto que ele ia dar.31 De se lamentar que a 1a Constituio Republicana brasileira, de feio nitidamente liberal e democrtica, tenha sido to desrespeitada pelos presidentes da poca, a comear por Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, respectivamente, primeiro e segundo presidentes do Brasil. O primeiro inaugurou a dissoluo do Congresso Nacional, e decretou estado de stio. O segundo, igualmente militar, tambm desrespeitou a Constituio, uma vez que, na condio de vice-presidente de Deodoro, e com a sua morte, deveria ter convocado eleies presidenciais, como determinava a Constituio, mas, em vez disso, optou por assumir, ao arrepio da Lei, o cargo de Presidente at o fim do que seria o mandato de Deodoro. Os demais presidentes que se lhe seguiram Prudente de Moraes (15/11/1894 a 15/11/1898), Campos Salles (15/11/1898 a 15/11/1902), Rodrigues Alves (15/11/1902 a 15/11/1906), Affonso Penna (15/11/1906 a 15/11/1910), Hermes da Fonseca (15/11/1910 a 15/11/1914), Wenceslau Braz (15/11/1914 a 15/11/1918), Delfim Moreira (15/11/1918 a 28/07/1919), Epitcio Pessoa (28/07/1919 a 15/11/1922), Arthur Bernardes (15/11/1922 a 15/11/1926) e Washington Lus (15/11/1926 a 24/10/1930) tambm agiram de forma ditatorial, uns mais, outros menos. Para Augusto Zimmermman32 o domnio presidencial, em no raros momentos, transformava o chefe do Executivo em um ditador de fato. Os polticos de Minas Gerais e So Paulo, aliando-se para a finalidade de elegerem os seus candidatos presidncia da repblica, assumiram rapidamente a liderana do Pas, submetendo a nao vontade destas oligarquias regionais. Assim, aos poucos, os ideais e a eficcia jurdica da Carta Constitucional de 1891 foi ruindo, e o federalismo, na prtica, ficou desmoralizado. Em 1926 foi efetuada uma reforma constitucional, de modo a tentar amenizar as inmeras contestaes sociais que assolavam o Pas, mas sem xito, mesmo porque algumas das reformas introduzidas tinham contedo claramente autoritrio e centralizador, pois que restringia a competncia da justia federal e limitava a garantia do habeas corpus to somente aos casos de priso ou de ameaa de constrangimento ilegal liberdade de locomoo, dentre outras limitaes. A revoluo de 1930 colocou fim assim chamada Repblica Velha, e, com ela, a Constituio de 1891. VOLTAR A Revoluo de 1930 e a Constituio de 1934 Quando, em 1930, o Presidente Washington Lus escolheu mais um paulista, Jlio Prestes, para suced-lo, a oligarquia mineira se rebelou entendendo ter sido desrespeitada a chamada poltica do caf com leite, resultante do constante rodzio de presidentes paulistas o caf , e mineiros o leite , juntando-se aos fluminenses, gachos e a polticos de outros estados do Nordeste, formando a famosa Aliana Liberal em torno da candidatura de Getlio Vargas, gacho, ex-Ministro da Fazenda de Washington Lus. 31 BELLO, Jos Maria. Histria da Repblica. So Paulo: Cia Editora Nacional, 1954, p. 83. 32 ZIMMERMANN, 2002, p. 168.
  33. 33. 35 Com a derrota da Aliana Liberal e com a continuao da desordem no Pas agravada pela grave situao econmica, jovens tenentes e jovens dissidentes da oligarquia dominante partiram para a luta armada, e, em 3 de novembro de 1930, Getlio Vargas e os seus jovens tenentes marcharam sobre o Rio de Janeiro, assumindo o poder uma Junta Pacificadora, que ento j havia derrubado o Presidente Washington Lus. Atravs de um Decreto, editado em 11/11/1930, Getlio Vargas passou a exercer os poderes Executivo e Legislativo, dissolvendo o Congresso Nacional, as Assemblias Legislativas Estaduais e as Cmaras Municipais, acabando de vez com os ltimos resqucios da incipiente democracia brasileira. Todos os governadores de estado foram afastados e substitudos por interventores federais, recrutados, na sua maioria, dentre os tenentes que apoiaram o Golpe de Estado, e que obedeciam cegamente as ordens de Getlio Vargas. Depois de mais de um ano e meio da revoluo, estando o Brasil administrado ainda sob mtodos arbitrrios e antidemocrticos, comearam a surgir focos de resistncia e rebeldia a partir de So Paulo, em favor da sua redemocratizao. Surge da a Revoluo Constitucionalista, de pequena e efmera existncia, sufocada que foi pelas tropas leais ao Governo. Mesmo tendo sido um fiasco do ponto de vista militar, a Revoluo Constitucionalista foi um sucesso do ponto de vista poltico, pois forou Getlio a consentir na elaborao de uma nova Constituio para o Pas, em 1933, e que marcaria o retorno do Brasil normalidade democrtica. A nova Constituio, a segunda Constituio da Repblica, promulgada em 16/07/1934, era analtica, contendo mais do dobro das disposies presentes na de 1891. Foi ela fortemente influenciada pela Constituio de Weimar, alem, e pelo fascismo, conquanto trouxesse, poca, um grande avano do Pas para o chamado Estado Social. Por esta Constituio foi introduzido no Brasil o voto para as mulheres, a obrigatoriedade e gratuidade do ensino primrio, a criao do mandado de segurana, a instituio do salrio-mnimo, a criao da Justia do Trabalho, as frias anuais remuneradas, dentre outras. Noutra linha, a Constituio de 1934 autorizou a Unio a monopolizar as riquezas do subsolo o petrleo, o ouro , das guas e da energia hidrulica, e na economia visava a monopolizar, de forma progressiva, os Bancos de depsito, amparar e estimular a produo e estabelecer novas condies de trabalho. Concedeu, ainda, autonomia aos Municpios como instrumento de descentralizao e democratizao do Estado. O mestre Paulo Bonavides, a respeito desta nova Constituio, assim se pronunciou: A Carta de 1934 uma colcha de retalhos, em que pese seu brilhantismo jurdico e sua lio histrica. Princpios antagnicos (formulados antagonicamente, inclusive) so postos de lado. Eles marcam duas tendncias claramente definidas, dois projetos polticos diversos. Um deles haveria de prevalecer. O que efetivamente aconteceu: sobreveio a ditadura getulista a partir de 1937. O texto de 1934 est marcado de indecises e ambigidades. No possvel delinear a partir dele um projeto poltico hegemnico para o pas. Essa hegemonia ento questo de vida ou morte. Se ela no pode ser resolvida no plenrio, teve de s-lo com a ajuda das articulaes de bastidores e das falsificaes histricas para no dizer com a fora das armas. A Constituio de 1937 o registro definitivo da derrocada da tendncia liberal.33 Getlio Vargas, conquanto tivesse reduzido gravemente os direitos individuais dos cidados, do ponto de vista poltico, como um presidente-ditador legou inmeras 33 BONAVIDES, Paulo. Poltica e Constituio: os caminhos da democracia. Rio de Janeiro: Forense, 1985. p. 320-321.
  34. 34. 36 conquistas sociais para os trabalhadores, ainda que de forma ditatorial, reforando, assim, o seu desprezo pela democracia e, ao mesmo tempo, a imagem paternalista e personificadora do Poder Estatal. Assim, a outorga dos direitos sociais, que no foram introduzidos graas luta poltica, mas por obra e vontade do ditador, acabou por gerar o saudosismo popular para com as ditaduras; fenmeno reforado com o regime militar.34 VOLTAR O Estado Novo e a Constituio de 1937 Em 10/11/1937, o Presidente Getlio Vargas, dando um autogolpe, outorgou uma nova Constituio ao Pas, de feio nitidamente ditatorial, inteiramente redigida pelo ex- Deputado Federal por Minas Gerais Francisco Campos. Essa Constituio de 1937 ficou conhecida como Carta Polaca, em virtude da grande semelhana que guardava com a fascista Constituio da Polnia, de 1935, outorgada pelo Marechal Pilsudsky. O presidente/ditador interveio nos estados-membros afastando todos os governadores e designando, em seus lugares, interventores nomeados, escolhidos, na sua maioria, entre os tenentes do exrcito que o ajudaram a derrotar a Aliana Liberal, em 1930, e que apoiaram o seu autogolpe. A Constituio outorgada de 1937, a Polaca, carecia de vrios dispositivos de garantia dos direitos fundamentais, como, por exemplo, o mandado de segurana e o direito de manifestao de pensamento. E, pior, foi instituda a pena de morte para crimes polticos e homicdios considerados mais graves. Como se isso no bastasse, foi suprimido o nome de Deus do prembulo; conferiu amplos poderes ao Presidente da Repblica; ampliou o prazo do mandato presidencial, criou o estado de emergncia para a restrio temporria das garantias individuais; estabeleceu o plebiscito para aprovao da Constituio outorgada (que acabaria no sendo realizado); dissolveu o Congresso Nacional e as Assemblias estaduais; restringiu as prerrogativas do novo Congresso a ser instalado (e que nunca o foi), e a autonomia do Poder Judicirio; mudou o nome do Senado para Conselho Federal; eliminou a autonomia dos Estados-Membros. Segundo Pinto Ferreira, a Constituio Federal de 1937 nunca foi verdadeiramente cumprida. Para ele, dissolvidos os rgos do Poder Legislativo, tanto da Unio como dos Estados- Membros, dominou a vontade desptica do presidente, transformado em caudilho, maneira do caudilhismo dominante nas Repblicas latino-americanas. Os Estados- Membros viveram sob o regime da interveno federal, os interventores sendo na verdade delegados do presidente. As liberdades de imprensa e de opinio foram amordaadas e tambm dissolvidos os partidos polticos.35 VOLTAR A democracia e a Constituio de 1946 A derrota da aliana nazi-fascista, envolvendo a Alemanha e a Itlia, na Segunda Guerra, que inicialmente era simptica ao ento ditador brasileiro fez com que crescessem as presses internas para a reconquista das liberdades democrticas, criando um clima verdadeiramente hostil ao presidente/ditador Getlio Vargas. 34 ZIMMERMMAN, 2002, p. 173-174. 35 PINTO FERREIRA. Curso de direito constitucional. So Paulo: Saraiva, 1996. p. 57.
  35. 35. 37 Submetido presso de juristas, intelectuais e de parcela da populao, Getlio v-se obrigado a fazer emendas Constituio outorgada em 1937, abrindo, ainda que timidamente, o regime. Assim que editou a Lei Constitucional n 9, em fevereiro de 1945, contendo vrias emendas Constituio, sendo a mais importante delas a que fixava eleies diretas para o ms de dezembro do mesmo ano. Demais disso, em abril de 1945 concedeu liberdade aos presos polticos, dentre eles Luis Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperana, presidente do proscrito Partido Comunista Brasileiro PCB , que, em uma jogada poltica uniu-se ao seu algoz, durante a campanha eleitoral, em um movimento denominado queremista que tinha por objetivo manter o Presidente Vargas no poder. Em 29 de outubro de 1945, antes mesmo das eleies, e quatro dias aps a nomeao do seu irmo Benjamim Vargas para chefe de polcia do Rio de Janeiro, ento Distrito Federal, Getlio Vargas era deposto pelos militares, chefiados pelos Generais Eurico Gaspar Dutra e Ges Monteiro, assumindo provisoriamente o governo o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Jos Linhares. A queda de Vargas levou ao incio da elaborao de uma nova Constituio, democrtica, em lugar da outorgada, com vezo autoritrio. Em 12 de novembro de 1945, atravs da Lei Constitucional n 13, foram dados poderes constitucionais ao Parlamento que seria, como o foi, eleito em 2 de dezembro de 1945, para a elaborao de uma nova Constituio. Dois meses depois, em fevereiro de 1946, os constituintes iniciaram os trabalhos de elaborao da nova Constituio que somente ficaria pronta em setembro de 1946, cerca de sete meses depois. Essa nova Constituio procurou conciliar os princpios de liberdade e justia social, garantindo os direitos dos trabalhadores conquistados durante o estado Novo, e coibindo abusos do poder econmico. A Constituio promulgada de 1946 foi, na opinio de vrios juristas, dentre eles Celso Ribeiro Bastos, a mais municipalista que tivemos. Foram muitos os constituintes que se bateram pela causa. Lembremos aqui, exemplificativamente, de Ataliba Nogueira, grande combatedor do ideal municipalista. Procurou-se, enfim, dar uma competncia certa e irrestringvel ao Municpio centrada na idia da autonomia em torno de seu peculiar interesse.36 A nova Constituio restabeleceu o princpio da separao e harmonia dos poderes, o cargo de Vice-Presidente da Repblica, integrou a Justia do Trabalho no mbito do Poder Judicirio, proibiu a organizao, registro ou funcionamento de qualquer partido poltico ou associao cujo programa de ao contrariasse o regime democrtico, como por exemplo, o Partido Comunista Brasileiro PCB , reconheceu o direito de greve, dentre outros. Essa Constituio de 1946 sofreu apenas trs emendas, e levou a Nao a viver de forma democrtica, inclusive com a eleio do antigo ditador Getlio Vargas para o quadrinio 1951/1955 com 3.849.040 (trs milhes oitocentos e quarenta e nove mil e quarenta) votos, tendo como seu vive o Doutor Caf Filho. Em 24/08/1954 Getlio comete suicdio assumindo o seu vice at 08/11/1955, quando se afastou por problemas de sade. O Presidente da Cmara, Carlos Luz, ocupou a Presidncia por trs dias (08 a 11/11/1954) quando foi afastado por um dispositivo militar e impedido de assumir o cargo por determinao do Congresso Nacional (motivo: o Sr. Carlos Luz no queria dar posse ao Presidente eleito naquele ano Juscelino Kubitschek). Em seu lugar assumiu o Vice Presidente 36 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. So Paulo: Saraiva, 1999. p. 56.
  36. 36. 38 do Senado Nereu Ramos que empossou o Presidente eleito em 31/01/1956 e que cumpriu mandato at 31/01/1961. Jnio da Silva Quadros, Presidente eleito em 15/11/1960, assumiu em 31/01/1961 governando at 25/08/1961, quando, tentando aplicar um autogolpe, renunciou Presidncia, e levou o Pas a uma crise institucional que culminou com a implantao do regime parlamentarista. As Foras Armadas e setores conservadores da Repblica no queriam que o Vice-Presidente Joo Goulart assumisse a Presidncia, ao argumento de que ele era esquerdista e discpulo de Getlio Vargas, criando, assim, uma grave crise institucional. O vice-presidente, quando da renncia de Jnio Quadros, encontrava-se em viagem diplomtica China, e os militares tentaram impedir o seu retorno ao Pas para assumir a Presidncia. Contra essa tentativa de golpe de estado levantou-se a populao, estimulada pela cadeia da legalidade, criada pelo governador Leonel Brizola, do Rio Grande do Sul, que defendia a posse do Presidente e a normalidade democrtica. Para resolver esse impasse, editou-se a Emenda Constitucional n 4, de 2 de setembro de 1961, instituindo o regime parlamentarista, sendo escolhido como Primeiro- Ministro o ento deputado federal por Minas Gerais, Tancredo Neves. O parlamentarismo foi, assim, a sada encontrada e aceita pelas partes para que o Presidente Joo Goulart pudesse assumir o poder central. Assumindo o governo, Jango apelido de Joo Goulart , com excepcional maestria, conseguiu convocar um plebiscito logo para o ano imediatamente seguinte para que o povo decidisse soberanamente sobre o regime de governo, se parlamentarista ou presidencialista, vencendo este ltimo, que culminou com a edio da Emenda Constitucional n 6, de 23 de janeiro de 1963, trazendo de volta o velho presidencialismo. Em 31 de maro de 1964, os militares insatisfeitos com o governo nacionalista de Jango que, dentre outras coisas, nacionalizou a explorao do petrleo e estatizou instituies financeiras coadjuvados pela velha oligarquia poltica de Minas Gerais e So Paulo, alm de polticos oportunistas, deram um golpe de estado e afastaram o Presidente Joo Goulart. Os militares, no dia 1o de abril, vale dizer, no dia seguinte ao golpe, assumiram o poder e impuseram o Ato Institucional n 1, institucionalizando o Regime Militar de forma a ordenar os plenos poderes constituintes que passaram a possuir, e fortalecendo o Poder Executivo centralizando a administrao. Era a primeira de uma srie de medidas arbitrrias. Para dar foros de legalidade situao, de forma subserviente e covarde, o ento Presidente do Senado Federal Auro de Moura Andrade, mesmo sabedor que Jango encontrava-se em territrio brasileiro, mais precisamente no Rio Grande do Sul, de onde pretendia reagir ao golpe, no dia 2 de abril de 1964, declarou a vacncia do cargo, ao argumento de que o Presidente teria deixado espontaneamente o Pas. Deu-se incio, a partir de ento, a mais uma ditadura, com a supresso das liberdades, j agora sob o jugo dos militares. VOLTAR O Regime Militar e a Constituio de 1967; a Emenda Constitucional de 1969 O regime militar, atravs da Constituio outorgada de 1967, e da Emenda Constitucional n 1, de 1967, na prtica uma nova Constituio, governou por mais de vinte e cinco anos, concentrando de forma excessiva os poderes, transformando os governadores de estado e os prefeitos em verdadeiros fantoches, manipulados pelo Poder Central.
  37. 37. 39 Os militares golpistas reduziram as liberdades individuais e coletivas, suspenderam direitos e garantias constitucionais, e passaram a governar atravs dos execrveis Decretos-lei, usurpando a competncia do Poder Legislativo. Em 13 de dezembro de 1968 foi promulgado o Ato Institucional n 5, o famigerado AI-5, que concedeu uma gama extraordinria de poderes ao Presidente da Repblica, inclusive os de decretar o fechamento do Congresso Nacional, das Assemblias Legislativas e das Cmaras Municipais, cassar os mandatos dos parlamentares e suspender os direitos polticos de qualquer pessoa por dez anos. Com essa medida, o Poder Executivo usurpava, de uma vez por todas, os poderes do Legislativo. Alm disso, esse AI-5 suspendia, tambm, as garantias da magistratura, como a vitaliciedade e a inamovibilidade, assim como as garantias do funcionalismo em geral, tal como a estabilidade, e, usurpando poderes do Judicirio, suspendeu o instituto do habeas corpus nos casos de crimes polticos contra a segurana nacional, a economia popular e ordem econmica, alm de subtrair do Judicirio a competncia para apreciar qualquer ato praticado com fundamento nele, AI-5. No perodo do governo do General Ernesto Geisel, penltimo dos governos militares, foram baixados os assim chamados pacotes de abril/1977 e julho/1978. No primeiro pacote de medidas foram editadas, pelo Executivo, catorze emendas Constituio e seis decretos-lei, trazendo as seguintes medidas: diminuio do quorum para emenda constitucional (de 2/3 para maioria absoluta de cada uma das casas legislativas); criao dos chamados senadores binicos, escolhidos indiretamente pelas Assemblias Legislativas estaduais (tinha o objetivo de dar maioria ao Governo no Senado); prorrogao do mandato de Geisel de 4 anos para 6 anos, dentre outros. J no segundo pacote, o de julho/1978, revogaram o AI-5 e a suspenso dos direitos polticos, e reduziram-se alguns dos poderes do Presidente/ditador, como por exemplo, o de decretar o recesso legislativo. J no governo do General Joo Batista de Oliveira Figueiredo, o ltimo do ciclo militar, a populao foi s ruas para exigir a redemocratizao do Pas, com os clebres e concorridos comcios pelas Diretas j, que somente aconteceria anos depois. O Congresso elegeu, de forma indireta, como ltimo presidente daquele triste perodo, o Dr. Tancredo Neves, tendo como seu vice o Sr. Jos Sarney, poltico governista, filiado ao partido oficial, mas, que na ltima hora, vislumbrando a derrocada do regime, bandeou-se para a oposio, derrotando, na oportunidade, a chapa governista integrada por Paulo Maluf e Nelson Marquezan. O Presidente Tancredo Neves no chegou a ser diplomado em razo da sua morte, tendo assumido a Presidncia o Sr. Jos Sarney, que, cumprindo os compromissos de Neves, convocou uma Assemblia Nacional Constituinte. VOLTAR A Constituio promulgada de 1988 A nova Constituio brasileira teve como fonte de inspirao a Constituio portuguesa de 1976, fortemente influenciada pelo Mestre constitucionalista J. J. Gomes Canotilho. O novo texto constitucional proclamou os direitos individuais e sociais; fortaleceu o Poder Legislativo, conquanto tenha permitido a chamada medida provisria ato normativo com fora de lei , instituto que veio a substituir os famigerados Decretos-lei, o que vem permitindo aos sucessivos governos a usurpao de competncia do poder de legislar; aprimorou o sistema democrtico atravs do incremento da democracia semidireta (o
  38. 38. 40 plebiscito, o referendo e a iniciativa popular); alm de trazer inegveis e incontveis avanos no reconhecimento dos direitos e garantias individuais e coletivos. Para os seus crticos, as superposies e o detalhismo minucioso, prolixo e casustico, so imprprios para um documento desta natureza.37 Acrescenta, ainda, o autor acima citado, que o assdio dos lobbies, dos grupos de presso de toda ordem, geraram um texto com inmeras esquizofrenias ideolgicas e demasiadamente corporativo. Avalia, contudo, que as crticas Constituio, segundo ele cabveis e necessrias, no empanam o seu carter democrtico, mas apenas realam a fisionomia ainda imatura de um Pas fragilizado pelas sucessivas rupturas institucionais e pela perversidade de suas relaes sociais. Entendemos, diferentemente do mestre Lus Roberto Barroso, que, naquele momento, saindo o Pas de uma longa ditadura que durou mais de vinte anos na qual morreram milhares de brasileiros, afora outros tantos que foram torturados e exilados e ainda chocada com a morte do Presidente Tancredo Neves, depositrio das grandes esperanas e aspiraes do povo brasileiro, a Assemblia Nacional Constituinte produziu a melhor Constituio que, na circunstncia, poderia produzir, com avanos sociais extraordinrios, alm da consagrao de direitos e garantias fundamentais, que ser objeto de nosso estudo mais adiante. VOLTAR 37 BARROSO, Lus Roberto. O direito constitucional e a eficcia de suas normas limites e possibilidades da constituio brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 42.
  39. 39. 41 8 O PODER CONSTITUINTE a manifestao soberana da suprema vontade poltica de um povo, social e juridicamente organizado.38 O Poder Constituinte tem por objetivo a elaborao de normas jurdicas de contedo constitucional. Da dizer-se que a compreenso de um Poder Constituinte contempornea idia de Constituio escrita.39 Para Reis Friede, fato inconteste que foi somente a partir da Constituio entendida em seu sentido formal que a afirmao pela existncia de uma norma fundamental e, por efeito, de um Poder Constituinte como genuna fonte do Texto Constitucional passou a ser compreendida [...] em sua exata dimenso, tornando explcita [...] uma autntica teoria sobre a prpria origem das Constituies.40 O Poder Constituinte somente aparece em ocasies excepcionais, quando inexiste uma Constituio, ou, no dizer de Celso Ribeiro Bastos, a imprestabilidade das normas constitucionais vigentes para manter a situao sob a sua regulao fazem eclodir ou emergir este Poder Constituinte, que, do estado da virtualidade ou latncia, passa a um momento de operacionalizao do qual surgiro as novas normas constitucionais.41 O criador da teoria do Poder Constituinte foi o abade francs Emmanuel Joseph Siys, que, j nos idos de 1788, postulava a soberania constitucional da Nao, compreendida como um corpo de associados que vivem sob uma lei comum e representados pela mesma legislatura. Para ele, a vontade nacional deveria ser nica e indivisvel, de modo a se evitar qualquer forma de privilgio, sendo manifestada pelo resultado das vontades individuais, atravs da representao poltica exercida por especialistas da coisa pblica dotados de mandato imperativo. Siys considerava o Poder Constituinte como inalienvel e permanente, e que se configurava como um poder de direito incondicionado, que no era possvel de limitao por qualquer outro direito positivo, mas to-somente pelo direito natural, aqui considerado como anterior nao e, neste sentido, acima de sua vontade. Para ele, apenas a nao que poderia modificar a Constituio, mantendo-se os poderes constitudos limitados e condicionados.42 Conquanto Siys tenha entrado para a histria como o criador da teoria do Poder Constituinte, quem, em verdade, primeiramente desenvolveu a formulao terica acerca do Poder Constituinte foi o americano Alexander Hamilton. Hamilton, j em 1787, afirmava, no seu artigo O Federalista, n.78, a superioridade da Constituio sobre qualquer outra norma jurdica, advertindo aos Tribunais de Justia sobre o seu dever de declarar nulos todos os atos manifestamente contrrios aos termos da Constituio. Trata-se, aqui, de ntida defesa do controle judicial das normas jurdicas. 38 MORAES, 2001, p.52. 39 ZIMMERMMAN, 2002, p. 119. 40 FRIEDE, p. 78. 41 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. So Paulo: Saraiva, 1999. p. 20. 42 ZIMMERMMAN, op.cit., p. 122.
  40. 40. 42 Esse artigo O Federalista, n.78, dispunha, ainda, que todo ato emanado de uma autoridade delegada (Poder Constitudo) contrrio aos termos da Comisso (Poder Constituinte) nulo. De igual modo, salientou Hamilton (HAMILTON apud ZIMMERMMAN, 2002, p.123): todo ato do corpo legislativo contrrio Constituio, no pode ter validade, porque negar isto seria o mesmo que dizer que o delegado superior ao constituinte, o criado ao amo, os representantes do povo ao povo que representam; ou que aqueles que obram em virtude de poderes delegados tanto autoridade tm para o que estes poderes autorizam como para o que eles probem. Partindo do pressuposto que a Constituio americana, elaborada no Estado da Filadlfia, representava a vontade do povo americano, assim como a interpretao da lei funo especial dos Tribunais, Alexander Hamilton destacou que o poder do povo superior a ambos Poder Judicirio e Poder Legislativo e mais, que quando a vontade do corpo legislativo, declarada nos seus estatutos, est em oposio com a do povo, declarada na Constituio, a esta ltima que os juzes devem obedecer. Por fim, assinala Zimmermman, na pg. 123 do seu livro Curso de Direito Constitucional, ficaria proclamado neste artigo de O Federalista, assim como em Siys, mais tarde, aquele princpio fundamental de todo governo republicano, que reconhece no povo o direito de mudar e abolir a Constituio existente, quando ela lhe parecer contrria sua felicidade. Ainda que, advertindo-nos Hamilton, no devendo concluir-se deste princpio que os representantes do povo o agente do Poder Constitudo estejam autorizados a violar a Constituio todas as vezes que a maioria dos seus constituintes se mostrar momentaneamente inclinada a viol-la; ou que os tribunais tenham maior obrigao de aquiescer a infraes desta natureza do que elas dependessem do corpo legislativo. VOLTAR 8.1 DOS TITULARES DO PODER CONSTITUINTE Enquanto que no passado, na lio de Siys, o titular do Poder Constituinte era a nao, hodiernamente predomina a tese de que o titular do Poder Constituinte o povo, uma vez que o estado decorre da soberania popular, cujo conceito mais abrangente do que o de nao. Assim, a vontade constituinte a vontade do povo, expressa por meio de seus representantes.43 Conquanto seja o povo o titular do Poder Constituinte, ele no o exerce diretamente, mas atravs de pessoas, representantes polticos, por ele escolhidas e que, em seu nome, atravs de uma Assemblia Nacional Constituinte, editam uma nova Constituio. Assim, podemos dizer que a Assemblia Nacional Constituinte, rgo coletivo e agente do Poder Constituinte, aquele designado pelo povo, de forma soberana, para elaborar uma nova Constituio, e se esgota com a sua promulgao, enquanto que o Poder Constituinte perene e continua com o povo, seu titular. VOLTAR 8.2 ESPCIES DE PODER CONSTITUINTE O Poder Constituinte pode ser classificado em Poder Constituinte originrio, ou de 1o grau, e Poder Constituinte derivado, reformador, constitudo, ou de 2o grau. 43 MORAES, 2001, p. 52.
  41. 41. 43 8.2.1 PODER CONSTITUINTE ORIGINRIO aquele que elabora a nova Constituio organizadora do Estado, em substituio ao texto constitucional at ento vigente. O Poder Constituinte Originrio, tambm, quando elabora a primeira Constituio de um Estado. Este , em verdade, o nico Poder Constituinte que realmente existe, pois como veremos adiante, o Poder Constituinte Derivado institudo pelo Originrio to somente para proceder sua reforma. O Poder Constituinte Originrio se expressa democraticamente atravs de uma Assemblia Nacional Constituinte, como a que aconteceu no Brasil, que culminou na promulgao da Constituio em 5/10/1988, ou atravs de uma outorga, feita por um Movimento Revolucionrio, que acontece quando um governante elabora uma Constituio e a entrega ao povo sem que este tenha qualquer participao no processo de elaborao. prpria de pases com pouca tradio democrtica, ou mesmo de um pas que pela primeira vez conquiste a sua liberdade poltica. Pode se expressar, ainda, de forma mista, denominada bonapartista, que ocorre quando o povo, atravs de um plebiscito, convocado para decidir se transfere, ou no, a sua titularidade do Poder Constituinte para um governante que elaborar a nova Constituio. O Poder Constituinte Originrio caracteriza-se por ser inicial, ilimitado, autnomo e incondicionado, na lio de Alexandre de Moraes.44 inicial porque no se baseia em nenhum outro poder anterior, dele derivando todos os demais poderes do Estado, sendo, assim, a base da base da ordem jurdica. ilimitado e autnomo porque no sofre nenhuma limitao do Direito positivo anterior. , por fim, incondicionado porque no possui forma pr-fixada para a sua manifestao. VOLTAR 8.2.2 PODER CONSTITUINTE DERIVADO aquele institudo pela Constituio com o objetivo de proceder sua reforma. O Poder Constituinte derivado porque deriva do Poder Constituinte Originrio; subordinado porque se encontra limitado s normas constitucionais, expressas ou no, e passvel de controle de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, atravs de Ao Direta de Inconstitucionalidade ADIN , ou de Ao Declaratria de Constitucionalidade ADC , e, finalmente, condicionado porque o seu exerccio est submetido s regras previamente estabelecidas na Constituio Federal. O Poder Constituinte Derivado subdivide-se em poder constituinte reformador e decorrente. reformador quando tem competncia para reformar o texto constitucional, devendo respeitar, contudo, a regulamentao imposta pela prpria Constituio Federal, e exercido pelo Congresso Nacional. prprio das constituies rgidas. decorrente quando exercido pelos estados federativos, porque ele deriva do Poder Constituinte Originrio e no se destina reviso da Constituio Federal, mas instituio de uma Constituio regional ou estadual, que, neste aspecto, est limitada pelas regras constitucionais da Federao. VOLTAR 44 MORAES, 2001, p. 54.
  42. 42. 44 9 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 9.1 ORIGEM Embora se atribua ao cristianismo e ao jusnaturalismo as principais fontes de inspirao das declaraes de direitos, bem de ver que elas surgiram mesmo a partir de reivindicaes e lutas do povo, no decorrer de muitos anos. Vale dizer, o fator histrico foi de fundamental importncia porque estabeleceu as condies materiais objetivas, as quais, aliadas s condies subjetivas introduzidas pelo pensamento cristo e pelo jusnaturalismo, conjugaram-se para a sua formulao. Segundo Jos Afonso da Silva45 as condies reais ou histricas (objetivas ou materiais), em relao s declaraes do sculo XVIII, manifestaram-se na contradio entre o regime da monarquia absoluta, estagnadora, petrificada e degenerada, e uma sociedade nova tendente expanso comercial e cultural. E continua o mestre paulistano: As condies subjetivas ou ideais ou lgicas consistiram precisamente nas fontes de inspirao filosfica anotadas pela doutrina francesa: 1) o pensamento cristo, como fonte remota, porque, na verdade, a interpretao do cristianismo que vigorava no sculo XVIII era favorvel ao status quo vigente, uma vez que o clero, especialmente o alto clero, apoiava a monarquia absoluta, e at oferecia a ideologia que a sustentava, com a tese da origem divina do poder; o pensamento cristo vigente, portanto, no favorecia o surgimento de uma declarao de direitos do homem; o cristianismo primitivo, sim, continha a mensagem de libertao do homem, na sua afirmao da dignidade eminente da pessoa humana, porque o homem uma criatura formada imagem e semelhana de Deus, e esta dignidade pertence a todos os homens sem distino, o que indica uma igualdade fundamental de natureza entre eles [...]; 2) A doutrina do direito natural dos sculos XVII e XVIII, de natureza racionalista, fundada assim na natureza racional do homem, faz descer a este o fundamento do poder poltico e tambm o Direito positivo em contraposio divinizao que sustentava o regime absolutista vigente [...]; 3) Pensamento iluminista, com suas idias sobre a ordem natural, sua exaltao s liberdades inglesas e sua crena nos valores individuais do homem acima dos valores sociais, firmando o individualismo que exala dessas primeiras declaraes dos direitos do homem. Mas, em verdade, esses fundamentos foram superados pelo processo histrico- dialtico em razo das novas relaes objetivas que surgiram com o desenvolvimento industrial e, em conseqncia, do surgimento de um proletariado sujeito ao domnio da burguesia capitalista dominante. A partir dessa nova realidade da sociedade, foram surgindo direitos considerados fundamentais, como os direitos econmicos e sociais, e da transformao social que se verificou, na passagem do absolutismo para a sociedade burguesa, surgiram novas doutrinas sociais que buscavam a transformao da sociedade no sentido da realizao ampla e concreta dos direitos para todos. Dentre essas doutrinas sociais podemos citar o Manifesto comunista e as doutrinas marxistas, com sua crtica ao capitalismo burgus e ao sentido puramente formal dos direitos do homem proclamados no sculo XVIII, quando foi proposta liberdade e igualdade materiais para todos, dentro de um sistema socialista; a doutrina social da Igreja, a partir do Papa Leo XIII, que propunha uma ordem social mais 45 SILVA, Jos Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. So Paulo: Malheiros, 2002. p. 173.
  43. 43. 45 justa, embora no regime capitalista; e, por fim, o intervencionismo estatal, que reconhece que o estado deve intervir no meio econmico e social de modo a proteger as classes menos favorecidas, dentro de um regime capitalista, o que faz acentuar a ideologia das desigualdades e das injustias sociais. VOLTAR 9.2 CONCEITUAO A conceituao dos Direitos Fundamentais do Homem mais aceita dentre os doutrinadores modernos aquela que estabelece que so situaes jurdicas, objetivas e subjetivas, definidas no direito positivo, em prol da dignidade, igualdade e liberdade da pessoa humana.46 VOLTAR 9.3 NATUREZA JURDICA Os Direitos fundamentais do homem tm a natureza jur