1
1  AGO  2011 29 BRANDING "Temos de olhar nos olhos deles" Em janeiro de 2010, a Lego criou o cargo de Online Community Lead para gerenciar as centenas de milhares de contribuições de seus fãs na internet. Peter Espersen, o titular do posto, antes envolvido com o social game Habbo Hotel, comenta na entrevista a seguir a maneira como a gigante dos blocos construtivos lida com esse público Por JOSé GABRIEL NAVARRO [email protected] PROFISSãO HíBRIDA Eu trabalho para a Lego desde janeiro de 2010. Não havia um cargo como este antes de eu chegar. Tem a ver com desenvolver novas ideias e é muito, muito estimulante: procuramos fazer coisas tão incríveis que temos de trabalhar com cada vez mais de- dicação. A função abrange inúmeros pro- jetos, iniciativas voltadas para a área cultu- ral e para as mídias sociais. E dou suporte a todas as unidades da companhia. Meu dia é bastante peculiar: faço e recebo vários te- lefonemas, participo de muitas videocon- ferências e viajo para lugares excitantes em busca de contatos com pessoas excitantes. Além disso, firmo parcerias com grandes empresas de tecnologia, como Microsoft, Facebook, Google... E realizo diversas tare- fas de relações públicas. A Lego tem muitos fãs inspirados internet afora, e nós literal- mente os louvamos. Falo pouco de crianças porque quem está nas redes sociais geral- mente está acima de certa idade, de forma que meu cargo é voltado para consumido- res com idade igual ou superior a 13 anos. SOCIALIZAçãO NAS REDES A Lego é uma empresa de brinquedos, não uma rede social, mas nossos números impressionam: há mais de 70 grupos de fãs espalhados pelo globo, mais de 65 mil usu- ários registrados, mais de cem eventos por ano, com 2,6 milhões de pessoas tendo com- parecido a eventos públicos organizados por fãs de Lego em 2010. E mais de 860 mil vídeos com Lego publicados na web – ne- nhum ser humano poderia assistir a todos em uma vida. Uma ação feita em São Pau- lo, a maior torre feita com peças de Lego do mundo, com 31,2 metros de altura e finali- zada pelo jogador Cafu, que encaixou o úl- timo tijolinho, teve impacto no mundo to- do. Isso significa que, hoje, os consumidores estão conectados, inclusive entre si. Desco- nhecemos muitas das interações feitas por meio das redes sociais. É claro que existe muita coisa rolando no Flickr, no YouTube e no Facebook, mas muitas das contribuições vêm de grupos online fechados ou de nicho, ou restritos a determinadas regiões. Dentre todas, o Flickr tem sido mais importante. OLHO NO OLHO Graças às ferramentas de zoom que o si- te de armazenamento e compartilhamento de fotos disponibiliza, os usuários podem verificar pequenos detalhes do que é mon- tado, e discuti-los. E eles o utilizam o tempo todo. A questão maior para os fãs é que eles gostam quando nós reparamos neles, claro, mas também gostam de mostrar suas cria- ções uns para os outros. E criam uns para os outros, fazem comentários aos montes a respeito dessas ideias. Nos fóruns de fãs, é impressionante a forma como eles con- vamos lançar, em outubro, a versão global, em inglês. Nele, as pessoas desenham as peças que quiserem, formam comunida- des que dão apoio à proposta e, com cer- to número de adeptos, têm oportunidade de comprar peças produzidas pela Lego. Nós detemos a marca registrada, mas se- rá que detemos a marca como um todo? O que os fãs fazem é mais importante do que o que nós fazemos. FãS E EMBAIXADORES Se detectamos um grupo sólido de fãs em determinado país ou região, nomeamos um embaixador da Lego, que intermedeia as relações com o grupo. Quando você traz os embaixadores e fãs mais entusiasmados para o centro da estratégia, passa a abranger representantes legítimos da base de consu- midores. E é como se a pirâmide de clien- tes tivesse seu topo alargado. Há uma série de coisas ótimas que se pode fazer: o pon- to principal é trabalhar muito arduamen- te, em conjunto com os fãs, não simples- mente adotar a postura fácil de perguntar o que eles querem e trazer do virtual para o real. É preciso alinhar o que eles acham interessante com o que é economicamen- te sustentável. Meu trabalho anterior, como diretor nacional na Sulake, era diretamente voltado para o Habbo Hotel, considerado um case na área de games sociais no mun- do todo (em fevereiro de 2011, o site contava com 203 milhões de perfis, uma média de 18 milhões de visitantes únicos por mês), mas é uma plataforma totalmente baseada no ambiente virtual. versam com entusiasmo sobre construir coisas com Lego. Eles trocam ideias muito mais entre si do que esperando um retorno da empresa. Mesmo quando a companhia participa, deve estar no mesmo nível, não naquela relação em que o consumidor fica um patamar abaixo da empresa. Temos de olhar nos olhos deles quando nos comuni- camos. Nossos executivos estão presentes nos eventos criados por fãs. Se você quer se conectar com eles, não pode simplesmente deixar o escritório depois das seis da tarde. Não controlamos o que as pessoas po- dem construir com nossas peças, e não vamos controlar. Nosso sistema de co- produção só funciona porque temos fãs criativos. Por exemplo: uma jovem ame- ricana criou um blog sobre peças de Le- go que poderiam ser feitas para garotas. Descobrimos o site e passamos a produ- zir as peças que ela desenhava. ROBôS HACKEADOS Também já tivemos um dos robôs de Le- go hackeado por um cliente. Ele comprou o produto, desmontou e alterou sua pro- gramação. Nós nos questionamos se deve- ríamos acionar nossos advogados ou coi- sa assim, mas ele havia tornado o produto melhor! Não travamos batalha na Justiça, procuramos entender a modificação para aprimorar o que oferecíamos. Temos ainda o Lego Cuusoo, um projeto que surgiu nos anos 1990 e para o qual estamos prontos agora. Após o programa piloto no Japão, DIVULGAçãO/NEXT CONFERENCE/CREATIVE COMMONS Peter Espersen, Online Community Lead da Lego MM 1470 marketing pg29a.indd 29 28/07/2011 19:26:15

Temos de olhar nos olhos deles

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Temos de olhar nos olhos deles

1  ago  2011

29

branding

"Temos de olhar nos olhos deles"Em janeiro de 2010, a Lego criou o cargo de Online Community Lead para gerenciar as centenas de milhares de contribuições de seus fãs na internet. Peter Espersen, o titular do posto, antes envolvido com o social game Habbo Hotel, comenta na entrevista a seguir a maneira como a gigante dos blocos construtivos lida com esse público

Por josé gabriEl navarro [email protected]

Profissão híbrida

Eu trabalho para a Lego desde janeiro de 2010. Não havia um cargo como este antes de eu chegar. Tem a ver com desenvolver novas ideias e é muito, muito estimulante: procuramos fazer coisas tão incríveis que temos de trabalhar com cada vez mais de-dicação. A função abrange inúmeros pro-jetos, iniciativas voltadas para a área cultu-ral e para as mídias sociais. E dou suporte a todas as unidades da companhia. Meu dia é bastante peculiar: faço e recebo vários te-lefonemas, participo de muitas videocon-ferências e viajo para lugares excitantes em busca de contatos com pessoas excitantes. Além disso, firmo parcerias com grandes empresas de tecnologia, como Microsoft, Facebook, Google... E realizo diversas tare-fas de relações públicas. A Lego tem muitos fãs inspirados internet afora, e nós literal-mente os louvamos. Falo pouco de crianças porque quem está nas redes sociais geral-mente está acima de certa idade, de forma que meu cargo é voltado para consumido-res com idade igual ou superior a 13 anos.

socialização nas redes

A Lego é uma empresa de brinquedos, não uma rede social, mas nossos números impressionam: há mais de 70 grupos de fãs espalhados pelo globo, mais de 65 mil usu-ários registrados, mais de cem eventos por ano, com 2,6 milhões de pessoas tendo com-parecido a eventos públicos organizados por fãs de Lego em 2010. E mais de 860 mil vídeos com Lego publicados na web – ne-nhum ser humano poderia assistir a todos em uma vida. Uma ação feita em São Pau-lo, a maior torre feita com peças de Lego do mundo, com 31,2 metros de altura e finali-zada pelo jogador Cafu, que encaixou o úl-timo tijolinho, teve impacto no mundo to-do. Isso significa que, hoje, os consumidores estão conectados, inclusive entre si. Desco-nhecemos muitas das interações feitas por meio das redes sociais. É claro que existe muita coisa rolando no Flickr, no YouTube e no Facebook, mas muitas das contribuições vêm de grupos online fechados ou de nicho, ou restritos a determinadas regiões. Dentre todas, o Flickr tem sido mais importante.

olho no olho

Graças às ferramentas de zoom que o si-te de armazenamento e compartilhamento de fotos disponibiliza, os usuários podem verificar pequenos detalhes do que é mon-tado, e discuti-los. E eles o utilizam o tempo todo. A questão maior para os fãs é que eles gostam quando nós reparamos neles, claro, mas também gostam de mostrar suas cria-ções uns para os outros. E criam uns para os outros, fazem comentários aos montes a respeito dessas ideias. Nos fóruns de fãs, é impressionante a forma como eles con-

vamos lançar, em outubro, a versão global, em inglês. Nele, as pessoas desenham as peças que quiserem, formam comunida-des que dão apoio à proposta e, com cer-to número de adeptos, têm oportunidade de comprar peças produzidas pela Lego. Nós detemos a marca registrada, mas se-rá que detemos a marca como um todo? O que os fãs fazem é mais importante do que o que nós fazemos.

fãs e embaixadores

Se detectamos um grupo sólido de fãs em determinado país ou região, nomeamos um embaixador da Lego, que intermedeia as relações com o grupo. Quando você traz os embaixadores e fãs mais entusiasmados para o centro da estratégia, passa a abranger representantes legítimos da base de consu-midores. E é como se a pirâmide de clien-tes tivesse seu topo alargado. Há uma série de coisas ótimas que se pode fazer: o pon-to principal é trabalhar muito arduamen-te, em conjunto com os fãs, não simples-mente adotar a postura fácil de perguntar o que eles querem e trazer do virtual para o real. É preciso alinhar o que eles acham interessante com o que é economicamen-te sustentável. Meu trabalho anterior, como diretor nacional na Sulake, era diretamente voltado para o Habbo Hotel, considerado um case na área de games sociais no mun-do todo (em fevereiro de 2011, o site contava com 203 milhões de perfis, uma média de 18 milhões de visitantes únicos por mês), mas é uma plataforma totalmente baseada no ambiente virtual.

versam com entusiasmo sobre construir coisas com Lego. Eles trocam ideias muito mais entre si do que esperando um retorno da empresa. Mesmo quando a companhia participa, deve estar no mesmo nível, não naquela relação em que o consumidor fica um patamar abaixo da empresa. Temos de olhar nos olhos deles quando nos comuni-camos. Nossos executivos estão presentes nos eventos criados por fãs. Se você quer se conectar com eles, não pode simplesmente deixar o escritório depois das seis da tarde.

Não controlamos o que as pessoas po-dem construir com nossas peças, e não vamos controlar. Nosso sistema de co-produção só funciona porque temos fãs criativos. Por exemplo: uma jovem ame-ricana criou um blog sobre peças de Le-

go que poderiam ser feitas para garotas. Descobrimos o site e passamos a produ-zir as peças que ela desenhava.

robôs hackeados

Também já tivemos um dos robôs de Le-go hackeado por um cliente. Ele comprou o produto, desmontou e alterou sua pro-gramação. Nós nos questionamos se deve-ríamos acionar nossos advogados ou coi-sa assim, mas ele havia tornado o produto melhor! Não travamos batalha na Justiça, procuramos entender a modificação para aprimorar o que oferecíamos. Temos ainda o Lego Cuusoo, um projeto que surgiu nos anos 1990 e para o qual estamos prontos agora. Após o programa piloto no Japão,

Div

ulg

ão

/Nex

t c

oN

fer

eN

ce

/cr

eat

ive

co

mm

oN

s

Peter Espersen, Online Community Lead da Lego

MM 1470 marketing pg29a.indd 29 28/07/2011 19:26:15