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1 Janice Tirelli Raúl Burgos Tereza Cristina Pereira Barbosa (Organizadores) O campo de peixe e os senhores do asfalto Memória das lutas do Campeche Ed. Cidade Futura Isacampeche Campeche, Desterro, 2007

Livro: O Campo de Peixe e os Senhores do Asfalto

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Janice Tirelli Raúl Burgos

Tereza Cristina Pereira Barbosa (Organizadores)

O campo de peixe e os senhores do asfalto Memória das lutas do Campeche

Ed. Cidade Futura Isacampeche

Campeche, Desterro, 2007

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Consultoria de edição: Antoninha Santiago -–- AS Comunicações. Projeto gráfico e Capa: Pedro Paulo Delpino.

Editoração eletrônica: FláviaKunradi Revisão do texto Introdutório: Tanira Piacentini

Foto capa: .................. Digitalização de documentos: Dilceane Carraro

Apoio: Ministério do Meio Ambiente – MMA.

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária – FAPEU

Departamento de Sociologia e Ciência Política – CFH – UFSC Departamento de Serviço Social – CSE – UFSC

Departamento de Ecologia e Zoologia – CCB – UFSC Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC

Ficha catalográfica e todas as informações da edição

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Dedicatória

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Agradecemos Em especial às centenas de moradores que com sua participação deram forma às experiências que aqui relatamos; aos moradores entrevistados, aos colaboradores conhecidos e anônimos. Aos professores pareceristas e consultores técnicos da Universidade Federal de Santa Catarina. Ao Ministério do Meio Ambiente e à UNESCO, financiadores do Projeto Parque Orla do Campeche do qual faz parte este livro. Aos Departamentos de Sociologia e Ciência Política, de Serviço Social e de Ecologia e Zoologia da Universidade Federal de Santa Catarina, aos quais pertencem os organizadores, pelo apoio aos projetos e trabalhos de Extensão Comunitária no Campeche. Aos pacientes funcionários da Fundação de Amparo à Pesquisa de Extensão Universitária FAPEU. A Editora Cidade Futura que acolheu este projeto.

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Epigrafe

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Em Branco

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Apresentação Este livro está sintonizado com os movimentos sociais que trabalham para a construção de

uma cidade justa e sustentável. Recuperando a memória do movimento comunitário visa contribuir com elementos históricos e técnicos que alicercem as lutas na região do Campeche, mas também na cidade de Florianópolis. É, portanto, um texto de intervenção, elaborado por mãos militantes, e conta a história do lugar em que está sendo construída.

O documento assume a forma de um relato resultante da observação crítica dos organizadores sobre a sua prática e como tal, isento de neutralidade na análise dos fatos, documentos e informações. Outros participantes poderiam contar a mesma história de forma diversa. Alguns relatos, principalmente os relativos às diferentes organizações e movimentos foram feitos a partir de depoimentos ou textos dos moradores com suas visões e experiências, o que levará os leitores a se identificarem ou não com a apresentação dos acontecimentos e situações aqui relatados.

Trata-se de um texto produzido no dia a dia de um trabalho comunitário intenso e exigente; a escrita poderá não ser impecável, os temas poderão pecar pela incompletude e a organização formal poderá resultar insatisfatória. Contudo, o leitor encontrará uma quantidade crítica de informações e documentos que seguramente lhe permitirá formar uma opinião consistente das razões e os objetivos que mantêm acesa uma luta comunitária que já é medida por décadas. Interesses particulares mesquinhos e o descaso e a conivência do poder público criaram as condições para um desenvolvimento desordenado da região do Campeche, colocando em risco seu valioso patrimônio natural e cultural. Mas se esse crescimento desordenado, fomentado pela falta de fiscalização e pelas mudanças de zoneamento para favorecer interesses particulares, desconsiderando absolutamente o interesse público, foi deletério, a pior parte veio quando planeja-dores municipais (com o apoio dos grandes interesses imobiliários), com uma visão ultrapassada de desenvolvimento urbano, e sem uma real preocupação com as questões ambientais e culturais, propuseram uma ocupação irresponsável, insustentável, que uma vez consumada resultaria no colapso ambiental da planície – e provavelmente da cidade. As lutas dos moradores da região, iniciadas na década de 1980, frearam temporariamente os desejos dos senhores do cimento e do asfalto. Contudo, não é possível baixar a guarda. Os poderosos predadores continuam incansavelmente sua batalha pelos lucros à custa da vida. Compram alvarás, licenças ambientais, desconhecem e desafiam as leis e, amparados na impunidade, trabalham isolados em seus gabinetes, esperando o cansaço e desgaste dos movimentos sócio- ambientais. Neste sentido, se este livro contribuir para o sustento das lutas que estão por vir para a construção de um bairro e de uma cidade que organize seu presente pensando nas gerações futuras, terá cumprido seu objetivo.

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Em Branco

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Sumário

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Em Branco ou Lista de figuras

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20 anos de luta por um desenvolvimento sustentável na Planície do Campeche

O Campo de Peixe: uma planície em perigo A Planície do Campeche é a maior área plana sedimentar da Ilha de Santa Catarina. Com 55

km2, estende-se de leste a oeste da Ilha e abrange praias de mar aberto e da baía sul, daí o nome também conhecido de Planície Entremares.

Localizada ao sul da Ilha, abrange a Lagoa da Conceição, Joaquina, Manguezal do Rio Tavares, Morro das Pedras, Alto Ribeirão, Costeira do Pirajubaé, Tapera. Abrange as localidades do Aeroporto, Base Aérea, Tapera, Ribeirão da Ilha, Carianos, Porto da Lagoa, Rio Tavares, Fazenda do Rio Tavares, Sertão da Costeira, Alto Ribeirão, Campeche e Morro das Pedras. A planície dista aproximadamente 10 km do Centro de Florianópolis.

Como área plana cheia de areia resultante da deposição dos sedimentos aprisionados entre as serras e maciços litorâneos durante os avanços e recuos do mar nos últimos seis mil anos, a Planície do Campeche, assim como outras planícies costeiras, é “bebê” na escala geológica (figura 2 – a planície do Campeche).

A fragilidade do seu solo é alta e sua feição plana é resultado da exposição às correntes, marés e ventos predominantes. Extensa, porosa e cheia de areias, a região recebe e acumula no subsolo as águas das chuvas, formando um vasto lençol freático – o aqüífero Campeche – que, juntamente com as barreiras arenosas, impede o avanço das águas marinhas para dentro da Planície. As águas do mar, mais pesadas, ficam embaixo, enquanto as águas doces, do lençol freático, ficam por cima. Essa bacia de areia e água recebe o nome de Bacia Hidrogeológica do Campeche e é recarregada pelas chuvas, ribeirões e riachos que descem dos morros. As águas do lençol afloram nas concavidades e baixios formando várias lagoas que se sobressaem após as chuvas: as mais evidentes são a Lagoa Pequena e a Lagoa da Chica, alem dos brejos e pântanos que recebem e drenam natural e lentamente suas águas para o mar. (Material de Referência nº 1)

Preservada em sua maior parte, apesar das graves alterações produzidas nas suas faixas litorâneas por uma ocupação desordenada e “ordenada” incentivada pelo não cumprimento das leis, descaso e pela falta de fiscalização do poder público, a Planície enfrentou nas décadas de 1980 e 1990 o seu pior inimigo: o projeto de ocupação insustentável elaborado pelo Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis desde 1989, que favorecia os interesses imobiliários e as grandes empreiteiras da construção civil. Nas páginas seguintes, relataremos as lutas das comunidades da planície do Campeche para a preservação e a sustentabilidade de seus recursos.

O começo da resistência “O primeiro grande golpe contra a meio ambiente no Campeche foi em 1975, quando [um

conhecido empresário de Florianópolis} devastou uma das maiores dunas do Campeche e aterrou o Rio do Rafael para construir sua casa de fim de semana”. Com estas palavras Ataíde Silva, presidente da Associação do Surf do Campeche, expressa o sentimento da comunidade local, que nunca se conformou com o acontecido e que se colocou em estado de alerta.1

O sinal de alerta tornou-se alarme quando a invasão das dunas começou em larga escala. “A grande invasão das dunas do Campeche começou entre 1979 e 1980 no Morro das Pedras. Depois, o dono do Hotel Morro das Pedras comprou os barracos e continuou a destruição para construir o empreendimento em 1981. A essa devastação seguiu-se o desmatamento e destruição de dunas para um loteamento da família Berenhausen entre 1984 e 1986. O fato é que, a partir, dessa época, de 1979 em diante, começou a luta mais decidida da comunidade, encabeçada pelos surfistas, contra a invasão das dunas e a preservação do meio ambiente”.2

O depoimento do surfista ativista nos remete ao início da ocupação das áreas de preservação na Planície do Campeche e mostra a região como um dos exemplos da emergência da contradição entre os espaços naturais e aqueles criados pela intervenção humana. As mais belas regiões, as mais

1 Ataíde Silva, em BURGOS, Raúl. Campeche, o teimoso democrata, revista Cidadania, nº 1, Florianópolis, 2003. 2 Idem.

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deslumbrantes paisagens da Ilha de Santa Catarina, a partir de 1970 passaram a compor as áreas mais almejadas para assentamentos dos grandes negócios. Esse é um período em que essa concepção se impõe, inclusive, sobre a modesta cobertura das leis municipais, como a de 1976 – Plano Diretor do Distrito Sede restrito à parte mais densamente povoada do município. Somente em 1985 a Lei Municipal 2193/85 – Plano dos Balneários — instituiu as diretrizes para o zoneamento, uso e a ocupação do solo nas áreas ainda não atingidas pela lei anterior. Ainda em 1985, foi fundada a Associação de Surf do Campeche (ASC) cujo “intuito principal sempre foi o de preservar o meio ambiente e não apenas organizar a categoria. Nesse sentido, a Associação começou, desde sua fundação, a conscientizar a comunidade sobre a necessidade de cuidar da defesa do meio ambiente”, esclarece Ataíde. Para isso, a Associação organizou dois seminários. O primeiro deles aconteceu durante a realização, em 1986, do Festival ArtSurf; o segundo, realizado em 1987, denominou-se “Discutindo o Campeche”. Nele já se reivindicava a redefinição do Plano Diretor dos Balneários , em vigor até hoje, com muitas alterações de zoneamento. Solicitava-se, também, a criação de uma comissão de entidades e representantes da comunidade para o planejamento e execução do plano diretor; assim como, decisão sobre a ocupação das dunas e o repasse da área da aeronáutica para a comunidad, visandoa criar um Centro de Esporte e Lazer e outras reivindicações comunitárias.3

Em 1987 é fundada a Associação dos Moradores do Campeche (AMOCAM), que coordena, a partir de então, um novo ciclo de lutas pelo desenvolvimento do bairro com a preservação do meio ambiente. No mesmo ano, a entidade envia um abaixo assinado ao prefeito Edson Andrino exigindo: “ 1- Cumprimento da Legislação que protege as dunas e as margens das Lagoas; 2- Criação do Parque da Lagoa da Chica, demarcando a área com árvores frutíferas e mantendo um herbário da rica flora nativa;3- Tombamento da área do antigo aeroporto de Florianópolis; 4- Contrariedade em relação ao projeto de acesso à Joaquina , via Campeche, pelos danos que irá causar ao meio ambiente”. Este último ponto expressava um alerta dos moradores que acenavam com as lutas que viriam pela frente (Material de referência nº 1).

Em 21 de dezembro de 1989 é redigida a “1ª Carta dos Moradores do Campeche sobre os Projetos de Urbanização da Área” (Material de referência nº 2). Esse texto sintetizava as reivindicações dos moradores tiradas das reuniões semanais que se realizavam desde 27 de novembro daquele ano. A carta contém um conjunto de propostas populares para o planejamento da cidade, ainda no momento inicial da elaboração do Plano Diretor do Campeche pelo Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF). As propostas partiam da rejeição dos projetos apresentados pelo órgão de planejamento “por não atenderem as reivindicações básicas da comunidade, uma vez que não foi ouvida previamente, nem respeitarem sua história e ecologia”.4

Estabelece-se ao final de 1980 e início de 1990 a dissociação entre os dois tipos de desenvolvimento para a cidade: aquele que pensava ser possível a existência de cidades médias, de tamanho limitado, descentralizadas, com gestão participativa de seus habitantes, e aquele que considerava o crescimento urbano como inevitável e incontrolável, sem limites e condicionantes da sua expansão e sem levar em conta a participação popular. Sob uma gestão centralizadora inicia-se, por conseqüência, uma trajetória de conflitos, insatisfações, desentendimentos e perseguições contra os moradores que se organizaram em oposição ao plano diretor da prefeitura. Mas, por outro lado, surgiam novas iniciativas que revitalizaram a defesa do meio ambiente e a organização popular. A resposta dos movimentos sócio-ambientalistas ao fenômeno da expansão da urbanização desse período trouxe repercussões irreversíveis para Florianópolis e suas políticas de desenvolvimento.5

Em 24 de novembro de 1992, o IPUF envia à Câmara de Vereadores (IPUF, 1997) um novo projeto de Plano Diretor para a região da Planície do Campeche – o Plano de Desenvolvimento do Campeche (PDC), que estava sendo elaborado desde 1989 nos gabinetes do IPUF e da PMF (Figura nº 2)

Nos fundamentos ideológicos desse plano se encontra o incentivo à vocação turística e ao desenvolvimento de indústrias de alta tecnologia, na perspectiva de fazer de Florianópolis uma 3 Associação de Surf do Campeche. Convite para o seminário “Discutindo o Campeche”, Florianópolis, 1986. 4 Associação dos Moradores do Campeche – AMOCAM. “1ª Carta dos Moradores do Campeche sobre os Projetos de Urbanização da Área”, 1989. 5 Centro de Estudos Culturais e Cidadania – CECCA/FNMA. Uma cidade numa Ilha. Relatório Sobre os Problemas Sócio-ambientais na Ilha de Santa Catarina. Florianópolis: Insular, 1996.

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metrópole. Para isso, o poder executivo pensou a construção de um extenso e caro sistema viário seguindo o modelo da cidade inglesa Milton Keynes.6 Os elementos geradores de empregos seriam o pólo tecnológico segundo o paradigma das tecnópolis japonesas7, a exploração turística e imobiliária (hotéis, pousadas, conjuntos residenciais de alto nível, incluindo um autódromo internacional e um campo de golfe) e uma população de aproximadamente 450.000 habitantes ocupando 70% do solo da planície.8 Levando em conta que a população total da cidade é hoje de aproximadamente 400.000 habitantes considerando continente e ilha, tratava-se da construção de uma cidade nova numa única região da Ilha de Santa Catarina.

No início de 1993, o novo prefeito, Sérgio Grando, retira o Plano Diretor da Câmara para discussão com as comunidades; o IPUF convoca professores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) para discutir o projeto. Na ocasião, o Plano é questionado pelo modelo de desenvolvimento urbano e são sugeridas reavaliações que não chegam a ser atendidas, dando início a um desentendimento duradouro entre o órgão de planejamento e segmentos de profissionais da UFSC sobre o projeto de desenvolvimento mais adequado para a região.

Em 1994, fruto das pressões de moradores, o IPUF abre um processo de discussão direta com a comunidade. Foram então realizadas reuniões nas áreas de abrangência do plano com os bairros da Tapera, Alto Ribeirão, Campeche e Fazenda do Rio Tavares. Os pontos de discórdia mais evidentes eram o dimensionamento do sistema viário, a via Parque nas dunas com 40 metros de largura9, os altos gabaritos dos prédios, a densidade populacional induzida e as conseqüências ambientais e sócio-culturais do desenvolvimento proposto para o sul da Ilha. A discussão não trouxe resultados na modificação dos pontos críticos sugeridos pela comunidade e o Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis manteve o plano com poucas alterações.

Em 1995 o plano é reeditado. Apesar da sua militância no campo da oposição, o prefeito, na sua mensagem à Câmara de Vereadores de Florianópolis, apresenta o projeto sem qualquer posicionamento crítico à concepção meramente imobiliária do plano diretor proposto: “Trata-se de uma concepção urbana integrada, de um projeto de uma cidade-nova, com capacidade para cerca de 450.000 pessoas e capaz de colocar Florianópolis no século XXI” (Material de Referência nº 4). Contudo, como resultado das pressões das comunidades envolvidas, o projeto não chegou a ser enviado à Câmara (IPUF, 1997).

Com efeito, entre 1995 e 1996, representantes do Orçamento Participativo do Sul da Ilha continuam solicitando a suspensão dos encaminhamentos do PDC para sua ampla discussão com as comunidades. O abaixo-assinado ao prefeito municipal, solicitando a retirada do Plano de Desenvolvimento do Campeche da Câmara para uma consulta à população, surte o efeito desejado. Em novembro de 1996, reabrem-se as discussões de planejamento na região e as comunidades, em conjunto com o IPUF, preparam um seminário para o sul da Ilha, na Associação de Pais e Amigos da Criança e do Adolescente do Morro das Pedras – APAM. O evento tinha caráter consultivo sobre os problemas da região e reafirmava a necessidade de a população participar do planejamento urbano de sua área. O IPUF, na ocasião, apresentou suas diretrizes para o planejamento da Ilha (levantamentos, diagnóstico, propostas, diretrizes econômicas e sociais), porém, não apresentou o Plano de Desenvolvimento da Planície do Campeche que vinha sendo aprovado parceladamente pelos vereadores a partir do projeto do IPUF10. A maior parte das alterações transformava Áreas 6 AMORA, Ana Albano. O Lugar do Público no Campeche. Dissertação de Mestrado em Geografia CFH/UFSC, Florianópolis, 1996. 7 VIEIRA, Sheila. A Industria de Alta Tecnologia em Florianópolis. Dissertação de Mestrado em Geografia CFH/UFSC, Florianópolis. 1995. 8 Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis – IPUF. Diagnóstico do Plano de Desenvolvimento da Planície Entremares. Florianópolis, mimeografado, 1996. 9 Estudo de impacto Ambiental (EIA), Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) da rodovia SC 406 - Via Parque - trecho Lagoa da Conceição - Morro das Pedras (MPB Saneamento LTDA. Florianópolis, 1995), descreve o valor das desapropriações na sua faixa de domínio. A alternativa mais barata era estimada em R$ 12,3 milhões e a mais cara em R$ 27,5 milhões de reais 10 Esse é um procedimento que prevalece até os dias atuais. Como regra, são aprovados novos projetos empresariais, novas obras, viabilidade e mudança de zoneamento. Esse procedimento não democrático, utilizando como referência um plano ainda não aprovado, indica a forte influência de grupos econômicos, empresarias e as relações de favorecimento entre prefeitos, vereadores e seus eleitores mais poderosos. Como exemplo, o Decreto Municipal 440/91, do Prefeito Bulcão Viana, e o Projeto de Lei 4854/92, redefiniam o zoneamento da área do entorno da Lagoa Pequena como alterações de zoneamento da Lei 2193/85, reduzindo a área protegida pelo Decreto n.º 135/88 e permitindo o parcelamento do solo e a implantação de residências, apesar

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Verdes de Lazer (AVL), Áreas de Preservação Limitada (APL) e Áreas de Preservação Permanente – Ambientais e Históricas – em Áreas Turísticas Residenciais (ATR)11 sem qualquer planejamento ou infra-estrutura, apenas para satisfazer certos interesses econômicos de parceiros políticos ou eleitores poderosos.

Ainda nessa reunião a comunidade critica o sistema viário, que reforçava e estimulava as tendências ao transporte individual, e não priorizava o transporte coletivo, assim como também não zelava pela acessibilidade12 e segurança dos pedestres, ciclistas, cadeirantes, deficientes visuais. Além disso, elaborou-se uma lista contendo um conjunto de problemas no sul da Ilha: a inexistência de áreas públicas; a precariedade das estradas e ruas; a falta de fiscalização nas praias e parques (Naufragados, Lagoa do Peri, Campeche); a segurança pública; a privatização da orla; a falta de planejamento na coleta e tratamento dos resíduos urbanos; o fechamento de acessos à praia; a falta de cemitério na região; a falta de vontade política em planejar e legalizar o bairro Areias do Campeche (área desapropriada de inúmeras carências); a falta de saneamento básico; o desconhecimento do Plano Diretor por parte da população; a substituição de árvores nativas por exóticas; a localização problemática da empresa Pedrita e do Aeroporto; a falta de equipamentos públicos (creches, escolas, praças, parques, etc). Além dos problemas, os moradores indicaram a necessidade de preservar a faixa de dunas, morros, rios e a garantia da fiscalização; a intervenção popular no planejamento e preservação dos caminhos e construções históricas das comunidades tradicionais e sítios arqueológicos; a implantação de um Parque Cultural no Campeche na área do antigo Campo de Aviação como área pública de lazer e preservação do patrimônio histórico local; a preservação da área da CASAN–, adquirida para alocar o sistema de tratamento de esgotos, área na qual, no plano do IPUF, previa-se a instalação de um campo de golfe – e sua mata nativa; a manutenção dos gabaritos de dois andares e da baixa densidade populacional da região até a melhoria da infra-estrutura de saneamento básico, bem como um diagnóstico da capacidade de suporte para o desenvolvimento proposto; manutenção e preservação das praias e baias como espaço de atividade econômica pesqueira e de lazer; organização do uso da praia de Naufragados, preservando seu acesso original.

Esses encaminhamentos revelam o conhecimento dos moradores, construído nas experiências do cotidiano ilhéu, e essa iniciativa coletiva da região sul contribuiu fortemente para a indicação de propostas que viessem solucionar os problemas locais. Essa compreensão aparece, inclusive, quando a população aponta que o poder público, nos seus diferentes papéis, não é o único responsável pela situação de degradação da região, mas é o principal responsável pela fiscalização e pelo cumprimento das leis ambientais, assim como de organizar o entrosamento entre as instituições e órgãos estatais em nível municipal e estadual, tendo as leis como referência no trabalho conjunto entre Estado e sociedade civil13.

Como fruto dessas discussões foram estabelecidos os seguintes encaminhamentos: (1) buscar um acordo entre Câmara Municipal, Comunidades e Órgãos Públicos para evitar aprovações parcializadas de zoneamento antes da definição do plano diretor; (2) atuar para um entrosamento e acordo entre os órgãos públicos (SUSP, CELESC, IPUF, CASAN, Procuradorias do Meio Ambiente, etc) para que a prestação de serviços públicos fosse acompanhada de critérios, e não atropelada pela ocupação de condomínios e loteamentos – regulares e irregulares – em áreas problemáticas; (3) solicitar à SUSP a coordenação e a reativação da defesa e fiscalização do uso do solo e a ocupação da inconstitucionalidade e da ilegalidade flagrante. De fato, o MPE entrou com Ação de Inconstitucionalidade em 92, porém o julgamento e o acordão judicial demoraram tanto que o local já abrigava quase um quarteirão de residências irregulares no entorno da Lagoa Pequena. O número de casas e agora prédios não pára de crescer. Nenhuma ação da justiça foi implementada na região. 11 A qualidade do “planejamento” dos vereadores – aleatória e predatória – primou em favorecer empreendimentos privados (loteamentos, residências, prédios, hotéis, campos de golfe, leis 3636/91 e 3637/91) sem a infra-estrutura e espaços sociais necessários e sem considerar os moradores da região. Trouxe em conseqüência o adensamento populacional do bairro e seus inúmeros problemas de lixo, esgotos, engarrafamentos, etc. 12 A Norma Brasileira NBR 9050-1994 (§3.1) adota a seguinte definição de acessibilidade: "Possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de edificações, espaço, mobiliário e equipamentos urbanos", isto é, a possibilidade de acesso de todos os cidadãos às facilidades da cidade, independente de sua condição física. 13 Nesse sentido, o Estado é chamado a assumir a sua função no cumprimento da legislação vigente e na coordenação da defesa e fiscalização dos patrimônios histórico, ambiental e cultural do sul da Ilha, além de mediar os conflitos de interesses da sociedade civil no que diz respeito à propriedade e, inclusive, em grupos de trabalho, atuar em conjunto com a comunidade,

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baseada na legislação vigente; (4) convocar os proprietários para assegurar áreas públicas no processo de parcelamento e urbanização; (5) identificação dessas áreas possíveis em conjunto com as associações de moradores da localidade; (6) fazer mapeamento dos locais sem acesso à praia (IPUF; Associações de Moradores) e descumprimento da legislação vigente, para uma desapropriação posterior; (7) encaminhamento da resolução dos problemas legais que envolvem a área desapropriada das Areias do Campeche junto ao Departamento de Habitação; (8) criação de um grupo de Trabalho e Atuação Permanente junto ao IPUF (associações, órgãos públicos, prestadoras de serviço) para discutir e acompanhar o desenvolvimento da região; (9) continuidade da mobilização popular independentemente da oficialização do grupo de trabalho, criado no Seminário.

A partir desse seminário, o processo de aproximação de interesses entre as comunidades do sul da Ilha e o poder público parecia estar caminhando para instaurar um diálogo que solucionasse os problemas sócio-ambientais apontados. Os moradores aguardavam a oficialização do grupo de trabalho que coordenaria as discussões quando houve a mudança de gestão municipal com as eleições de 1996, com a eleição de Ângela Amim. No início de seu governo o Plano Diretor da Planície do Campeche é autoritariamente reenviado à Câmara de Vereadores sem novas discussões.

O grupo político que assumiu a prefeitura, apoiado por técnicos dos diferentes órgãos do município, deixou clara a sua indisposição em continuar o diálogo iniciado no governo anterior. Ao mesmo tempo, as novas autoridades iniciaram uma campanha pública com o objetivo de dividir as lideranças comunitárias (e os cidadãos organizados que se opunham a seu projeto de governo) através de um discurso segregacionista que celebrava os segmentos sociais nascidos na Ilha, os nativos, e discriminava os segmentos sociais de fora, considerados estrangeiros. Estes últimos deveriam ficar mudos diante da destruição da cidade, uma vez que esta não lhes pertencia –era o recado claramente dado, e apoiado por grupos de moradores e empresários também claramente interessados no “progresso”.

A conseqüência mais visível dessa nova política foi a interrupção completa do diálogo entre os movimentos organizados e o poder público, que passou a discriminar o sul da ilha. Decisões pontuais de caráter clientelista sustentaram projetos imobiliários de empresas e grupos não apenas para a região do Campeche, mas também em outras regiões, como a grande planície úmida adjacente aos bairros Pântano do Sul e Açores, envolvendo, fundamentalmente, projetos de interesses empresariais de caráter imobiliário.14 No sul da Ilha inicia-se um processo de desmonte da articulação construída no período anterior entre os bairros da região. As lideranças que conduziam o processo de unificação regional pelas questões comuns chegaram à conclusão de que era necessário dirigir seu trabalho organizativo voluntário em cada bairro durante um tempo, para evitar a perda de seus vínculos locais, e dar continuidade ao processo educativo relacionado às questões sócio-ambientais.

Assim, por exemplo, a retomada do debate sobre o saneamento básico na região e outras iniciativas conjuntas ficaram mais episódicas, e sofreram com a descontinuidade. Mesmo assim, em março de 1997, um novo abaixo assinado contendo assinaturas de várias entidades comunitárias, movimentos pela qualidade de vida do sul da Ilha foi levado ao IPUF. O documento solicitava basicamente a retomada das discussões de planejamento. O IPUF concorda, mas fica com a prerrogativa de definir a metodologia a ser adotada.

Em julho do mesmo ano, o IPUF apresenta o Plano de Desenvolvimento do Campeche numa assembléia com mais de 200 pessoas, na Sociedade Amigos do Campeche (SAC). A novidade da apresentação era que o plano diretor original havia sido dividido em 14 parcelas – denominadas Unidades Espaciais de Planejamento (UEPs), numa estratégia de “dividir para reinar” por parte do IPUF – e as plantas dessas diferentes UEPs que correspondiam às regiões da associações comunitárias e de moradores presentes foram repassadas às lideranças locais para que se manifestassem até 29 de setembro, data limite para o posicionamento comunitário.

O recorte do plano causou indignação aos moradores por impedir uma visão global do projeto proposto, e a assembléia rejeitou o plano apresentado sob o principal argumento de que era praticamente igual ao apresentado em 1992, sem alterações nos seus pontos mais polêmicos, já

14 No caso, as empresas C. R. Almeida, JAT Engenharia e Pedrita.

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denunciados anteriormente pela comunidade local15. Mesmo assim, a comunidade organizada decidiu pela análise do plano e um posicionamento com propostas e diretrizes. Como conseqüência dos encaminhamentos da assembléia, em agosto, os moradores fundam o Movimento Campeche Qualidade de Vida (MCQV), que passa a coordenar os embates com o Executivo Municipal. Para embasar seus argumentos, o MCQV solicita a diversos centros de conhecimento da Universidade Federal de Santa Catarina pareceres acerca do projeto em discussão. Solicita também à Companhia Catarinense de Águas e Saneamento – CASAN – informações oficiais sobre a capacidade de abastecimento de água para a região da Planície. Os pareceres acadêmicos sobre o Plano diretor do IPUF (Materiais de referência nº 5, 6, 7, 8 e 9), profundamente críticos, tornaram-se material de referência para as análises posteriores elaboradas pela comunidade. A resposta da CASAN (Material de referência nº 10), indicou uma capacidade limite de abastecimento de água para 147.161 pessoas. Esse documento tornou-se um alerta diante da previsão do IPUF de assentar 450.000 pessoas na planície, contribuindo para reforçar a posição dos moradores sobre os limites de densidade abastecível da região, que incluía o leste e o sul.

O MCQV se constituiu como um movimento de articulação das diversas entidades da região (Associações de Moradores, movimentos e entidades de bairro, ongs) atingidas pelo Plano de Desenvolvimento da Planície do Campeche. Como princípio norteador de sua organização, o movimento decidiu por não se constituir legalmente como “associação” nem definir formas organizacionais burocráticas, preservando-se como movimento aberto à participação de associações e indivíduos e flexível nas suas formas de funcionamento.

A trajetória bem sucedida do MCQV pode ser explicada pela capacidade de mobilização autônoma que as localidades adquiriram nas últimas décadas. Sua pauta voltada para os grandes problemas sócio-ambientais tocava no cotidiano da população, o que, somado à carência crônica de políticas públicas municipais, estaduais e federais, criou uma significativa disposição participativa. A atitude crítica e a capacidade de autonomia assumida pelos movimentos sociais desse período foram dois elementos importantes que, sem dúvida, incentivaram o crescimento dos grupos, principalmente o MCQV. Um dos movimentos pioneiros na Planície, nesse período, foi o Movimento Campeche a Limpo – CAL –, que buscava criar uma política ambiental voltada a soluções e adequação da coleta dos resíduos sólidos na região, a exemplo do antigo projeto Beija Flor, que se voltou para a coleta seletiva no município. Esse movimento foi um dos responsáveis pela criação de feiras culturais – Feira do Cacareco, por exemplo, que se consolidou como uma atividade comunitária de integração, diversão e educação. (Figura nº 3).

Em 28 de agosto, uma nova assembléia com presença expressiva dos moradores discute a proposta do IPUF, rejeita novamente o plano oficial e, através do recém- criado jornal comunitário Fala Campeche 16, convoca o I Seminário Comunitário de Planejamento do Campeche para 23 a 25 de outubro. O objetivo era definir as diretrizes da comunidade para o desenvolvimento da região. No seu editorial, o periódico enfatizava a necessidade de preservação do lençol freático que abastecia a região e a necessidade de uma urbanização orientada ao uso cuidadoso dos recursos ambientais (Figura nº 24). O jornal esclarecia ainda a necessidade de equipamentos urbanos que valorizassem e preservassem os potencias e as atrações naturais locais; incentivava um turismo ecológico e sustentável como recurso econômico, geração de emprego e renda, além de permitir aos moradores uma vida de melhor qualidade, sem a transfiguração total do Campeche como uma área urbana, igual a tantas outras da Ilha e da costa brasileira.

Nesse momento, o movimento comunitário inicia uma campanha pedindo o adiamento do prazo de entrega dos posicionamentos sobre suas UEPs ao IPUF. A campanha visava adiar a data de entrega (29 de setembro) para depois da realização do I Seminário de Planejamento da Planície do Campeche e recebe a solidariedade de diversas instituições da cidade. Não obstante, em documento oficial, datado de 12 de setembro, o Diretor Presidente e outros diretores do IPUF

15 Estímulo de uma densidade populacional incompatível com os recursos da região, falta da previsão de um sistema de saneamento básico imediato para o bairro, sistema viário segregador do bairro (física e socialmente), com a previsão de largas vias de alta velocidade, etc. 16 O periódico Fala Campeche, criado em julho de 1997 pelo MCQV, é um jornal comunitário de caráter informativo, mobilizador e educativo do bairro nas questões sócio-ambientais e outras decorrentes do Plano Diretor.

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reiteram a data limite, alertando que “a ausência de resposta pela Associação de Moradores será considerada como nada tendo a opor ao plano apresentado”.

A comunidade responde à intransigência do Executivo Municipal e do órgão de planejamento com iniciativas que fortaleceriam seu posicionamento e organização. Em primeiro lugar, solicita a mediação da Câmara de Vereadores para o adiamento do prazo de entrega de propostas até a realização do I Seminário Comunitário de Planejamento. Estendendo sua reclamação para o nível federal, em 23 de setembro, encaminha extensa carta ao Secretário Nacional de Recursos Hídricos, expondo o desrespeito do órgão de planejamento com os recursos hídricos limitados da região e solicita a intervenção daquela Secretaria junto às autoridades municipais (Material de referência nº 11). Por último, em 29 de setembro, data limite oficial estabelecida para a entrega do posicionamento comunitário para alterações do plano oficial, o MCQV encaminha um extenso documento ao IPUF explicando as razões da rejeição ao plano proposto e reiterando a urgência de um plano diretor para a região, com a participação ativa da população na sua elaboração. Também convida as autoridades para participarem do I Seminário de Planejamento e solicita adiamento do prazo de entrega para 18 de novembro, data considerada como suficiente para a sistematização das deliberações desse seminário. Sem resposta oficial, e preocupado com a possibilidade de uma aprovação apressada do Plano Diretor, em 9 de outubro o movimento comunitário realiza uma das ações de maior impacto na época: a Associação dos Moradores do Campeche – AMOCAM –, em nome de um amplo movimento do bairro, interpõe na justiça local uma Ação Cautelar de Notificação (Material de referência nº 12) contra a Prefeitura Municipal de Florianópolis e contra o IPUF, “com o objetivo de prevenir responsabilidades, prover a combinação de direitos e externar judicialmente a preocupação daquela comunidade” em relação aos riscos ambientais decorrentes da implantação de um plano com as proporções propostas. Cópias da ação judicial foram enviadas para os órgãos públicos e os principais meios de comunicação e formadores de opinião.

Como subsídio ao processo de difusão e convite ao seminário, entidades e lideranças locais produziram diversos documentos internos e públicos, entre eles, de particular difusão na época, o documento “Uma questão de responsabilidade” (Material de referência nº 13), alertando para os sérios riscos de um planejamento que não leva em conta os limites ambientais para as futuras gerações. Ao mesmo tempo, numa carta-documento intitulada “Problema Público no Campeche”, um conjunto de entidades da região se expressa pela necessidade urgente de um Plano Diretor “antes que seja tarde e esteja tudo perdido” e exigindo “um planejamento compatível com as disponibilidades e sustentabilidade da qualidade de vida”. Solicitavam também, ao Colegiado de Gerenciamento Costeiro de Santa Catarina, o estabelecimento e execução de um “programa de gerenciamento da Bacia Hidrogeológica do Campeche com vistas à sustentabilidade dos recursos hídricos, sob pena de agir de maneira irresponsável para com as gerações atuais e futuras”. (Material de referência nº 14)

O Planejamento Autônomo do Bairro. O Dossiê Campeche

Com o intuito de criar um espaço coletivo de discussão em que fosse possível a participação ativa da população na formulação de diretrizes para o desenvolvimento sustentável da região, o Movimento Campeche Qualidade de Vida realiza, ainda em 1997, o 1º Seminário Comunitário de Planejamento do Campeche. Dele participaram, durante 3 dias, cerca de 350 pessoas distribuídas em comissões temáticas de trabalho: sistema viário; saneamento básico; espaços públicos; recursos naturais e zoneamento (parcelamento do solo para a urbanização). Na ocasião foi re-apresentado e discutido o plano diretor proposto pelo IPUF para a região. Os órgãos vinculados ao Executivo Municipal (IPUF, COMCAP, FLORAM e SUSP) não participaram no evento, alegando, mediante o ofício nº 06096, de 21 de outubro de 1997, que “após tomarem conhecimento da ação cautelar notificação promovida pela Associação de Moradores contra a Prefeitura Municipal de Florianópolis e o IPUF, no último dia 09, sentem-se constrangidos em participar do Seminário que visa discutir um plano, agora colocado sub-júdice por essa Associação ”.

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No seminário, a sociedade civil organizada reviu o Plano Diretor oficial e decidiu recusá-lo mais uma vez. Também estabeleceu as diretrizes para o desenvolvimento sustentável da região. O relatório final (Materiais de referência nº 15 e nº 16) baseado no trabalho das comissões e das plenárias de discussão, foi aprovado em nova assembléia realizada em 31 de outubro. O resultado geral do seminário foi consolidado num documento de 242 páginas denominado Dossiê Campeche, que reúne o documento final do encontro e um conjunto de análises e pareceres especializados sobre o plano elaborado pelo IPUF, além das diretrizes de desenvolvimento sustentável que balizaram e fundamentaram as discussões no evento.

O Dossiê Campeche foi encaminhado a todos os órgãos públicos municipais, estaduais e federais com atuação na área ambiental e de planejamento do uso do solo. A carta de encaminhamento do Dossiê expressa:

Este documento é resultado de um trabalho árduo e laborioso de cidadãos preocupados com as mais diversas atividades impostas pelo cotidiano (filhos, trabalho, e problemas pessoais), que destinaram todas as suas horas de lazer e de convívio com os seus para sua elaboração. O cansaço, as correrias em busca de financiamento para xérox e cópias, e as noites em claro, podem ter, eventualmente, agido em detrimento da qualidade do dossiê....

Dos órgãos públicos que receberam o Dossiê, somente dois responderam. Numa dessas respostas, da diretoria do IPUF17, encontra-se uma análise crítica que desqualifica o “dossiê” e as suas contribuições e, na outra, da direção do Departamento de Gestão de Águas Federais, Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente– MMA, que elogia a organização da sociedade local na preocupação com os recursos hídricos.

A análise do conteúdo do documento do IPUF deixa transparecer, entre outros motivos, a forte intransigência do órgão de planejamento em admitir a incompatibilidade entre os critérios metodológicos do IPUF e a participação popular. A participação é entendida pelo IPUF como uma ousadia, uma inconveniência dentro de uma proposta pré-estabelecida e definida. A falta de sensibilidade dos funcionários municipais se instalou como um viseira que impossibilitou ver que o Dossiê elaborado por “outros” técnicos que não aqueles institucionalizados no órgão municipal não propõe um plano, mas diretrizes para o planejamento.

A tônica do texto é a desqualificação como estratégia para o questionamento da legitimidade da sua elaboração. Para os técnicos do IPUF que subscreveram o documento, o Dossiê denegria a imagem do Instituto de Planejamento com alegações inadequadas e os seus signatários tinham a “pretensão” de representar a opinião de toda a comunidade da região, com o argumento de que nem eram as associações participaram do seminário, nem são signatárias do documento e que se pretendia “insistir numa discussão sem resultados” que vinha ocorrendo desde 1992. 18

A análise dos pareceres dos profissionais da UFSC demonstra uma disputa de conhecimentos em que a desqualificação é mais uma vez o eixo da argumentação dos técnicos do IPUF, deixando transparecer a não aceitação do engajamento dos professores universitários junto à população, em assuntos que passam não só por questões técnicas, mas também políticas. As acusações se desdobram ao longo do texto: os profissionais da UFSC falam em nome próprio, não representam oficialmente a UFSC ou seus departamentos; alegam que, por serem moradores da região “objeto de análise”, incorrem em “vício de parcialidade” e sofrem da “dificuldade dos teóricos em lidar com a realidade”.

O texto do IPUF acusava o movimento comunitário de ser responsável pelo tipo de ocupação desordenada do bairro, isentando-se da responsabilidade sobre o tipo de urbanização que foi se consolidando na região. Segundo o órgão de planejamento, “assistiu-se à [sic] favelização do Campeche”, eximindo-se de qualquer envolvimento com a falta de fiscalização, as concessões irregulares de licenças, mudanças arbitrárias de gabaritos e mudanças de zoneamento para

17 Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis. Parecer Técnico 214/98 sobre o relatório do Seminário da “AMOCAM” (Dossiê Campeche). Proc. 177/97-1. Florianópolis, 19 de fevereiro de 1998, mimeografado, 46 pág. O parecer é uma análise crítica ao Dossiê, ao conteúdo, à representatividade, à estrutura, aos autores, assinada pelo Diretor Presidente do IPUF, Carlos Alberto Riederer; o arquiteto Amilton Vergara de Sousa; o arquiteto José Rodrigues da Rocha – Diretor de Planejamento e a arquiteta Jeanine M. Tavares, gerente. 18 IPUF, Op. Cit., págs. 1 e 2.

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favorecimentos particulares, aprovados/encaminhados pelos diversos setores do próprio poder público.

A estratégia do IPUF foi usar da linguagem técnica, supostamente neutra, para se contrapor ao conteúdo político presente na demanda popular, sugerindo má-fé dos signatários do Dossiê. Dão a idéia de que a pressão popular, durante todo o tempo, é uma prática que encobre motivos políticos e interesses pessoais que só se explicam pela suposta ocupação de áreas de preservação permanente e implantação de loteamentos clandestinos pelos signatários do Dossiê19. Acusam os signatários de irresponsáveis e coniventes com grileiros por reivindicarem o recomeço do processo do zero e quererem uma discussão geral com a intenção de reiniciar a elaboração do Plano numa tentativa de dominar o processo e impedir a planificação da região.20

Nesse sentido, aparece outro aspecto da crítica feita ao Dossiê pelo órgão de planejamento, que é relevante ressaltar: a concepção de que há uma demagogia em torno do caráter da participação popular solicitada e que “a voz do povo não é a voz de Deus” [sic]; assim os técnicos do IPUF rejeitam a discussão coletiva com a comunidade e colocam-se contra o “assembleísmo” dos moradores. Assumem uma posição classista e parcial, celebrando o empresariado e colocando o povo como vilão ao afirmar que “empresários se relacionam com o IPUF para discutir a doação de áreas públicas e implantação de infra-estrutura, enquanto a comunidade se relaciona para discutir o que o poder público lhe dará, qual o recurso que amealhará”. O documento do IPUF aceita a participação popular apenas como apêndice e não como gênese do conhecimento e do planejamento.

Desconhecia-se em Florianópolis, até aquela data, uma experiência de elaboração popular de um documento do porte do Dossiê Campeche com embasamento legal, social e ambiental que servisse como subsídio ao planejamento do bairro. O Dossiê continha as reivindicações das comunidades e visava auxiliar os órgãos públicos a planejarem com mais justiça a Planície do Campeche. Frente a esse conjunto denso de propostas a crítica do IPUF afirma, deixando transparecer seu método de diálogo: “É óbvio que os pedidos da comunidade têm que ser avaliados e só se pode atender ao que seja tecnicamente viável e socialmente aceitável”.21 Acontece que a comunidade da Planície do Campeche exigia, em primeiro lugar, participar da escolha dos critérios daquilo que seria “tecnicamente viável e socialmente aceitável”, uma vez que o bairro não dispunha de nenhuma infra-estrutura social (praça, biblioteca, museu, parque, correio, área esportiva, espaços culturais) e recebia diariamente mais moradores, mais prédios, mais adensamento.

Quanto ao questionamento comunitário sobre a insustentablidade do plano do IPUF relativamente aos recursos hídricos, o documento crítico do IPUF acusava os signatários do Dossiê de “ambientalistas primários”.22 Diante do argumento de um possível colapso no abastecimento de água sugerem que é falso, porque, em última instância, quando a água faltar, poder-se-ia utilizar as águas dos mananciais da área continental, “isso para não falar em usinas de dessalinização da água de mar”23, e acrescenta ainda:

A utilização mais intensa dos mananciais da área continental (Cubatão, Pilões e Biguaçu), com capacidade de abastecer a mais de 1,8 milhão de pessoas, segundo informações extra-oficias da Casan ou a dessalinização da água do mar, não apresentam problemas técnicos, mas apenas financeiros.24

Fora a irresponsabilidade de utilizar dados extra-oficiais para um problema tão delicado, o texto afirma que trazer água do continente ou dessalinizar água do mar “não apresenta problemas técnicos, mas apenas financeiros”. O cotidiano das políticas públicas num país com as carências do Brasil nos ensina que o aspecto financeiro está longe de ser secundário na elaboração de projetos 19 IPUF, Op. Cit., pág. 6 20Esta luta comunitária foi desgastante e desigual e deixou marcas profundas na vida de alguns moradores. A Prefeitura Municipal de Florianópolis tentou silenciar a ex-presidente da AMOCAM, a professora e bióloga Tereza Cristina Pereira Barbosa. A FLORAM e IPUF denunciaram falsamente sua propriedade como Área de Preservação Permanente sendo que o local era uma antiga pedreira e a vegetação hoje existente foi plantada pela bióloga. A perseguição estendeu-se também ao pai do ex-vereador Lázaro Daniel, Seu Chico. O Bar do Chico quase foi demolido, apesar do seu valor cultural. O local foi reconhecido posteriormente como Patrimônio Cultural Imaterial no Relatório de Vistoria Nº007/06, 18/10/2006 do Ministério Público Estadual (MPE). Maiores detalhes no site www.campeche.org.br. 21 IPUF, Op. Cit., pág 7. 22 Op. Cit., pág. 9. 23 Op. Cit., pág. 15. 24 Op. Cit., pág. 14.

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sociais. Tratando-se de uma questão básica como o uso de um recurso natural como a água, esperava-se do planejador da coisa pública uma posição responsável. Foi com esse mesmo posicionamento que, diante das críticas da população sobre a insustentável densidade proposta de 450.000 habitantes, o IPUF afirma que “só deverá ser alcançada em uns 30 anos”, e, portanto, “a CASAN terá de 10 a 15 anos até esgotar a capacidade atual e estudar novas alternativas de abastecimento para a região”.

Quanto à rejeição comunitária à segregação social decorrente da proposta oficial, o IPUF argumenta que ela inexistia e, contraditoriamente, afirma: “O plano tem áreas para baixa renda, mas em localizações econômica e socialmente viáveis. O plano prevê lugar para todas as classes sociais, mas não as coloca todas misturadas”, o que conceitualmente corresponde exatamente à definição de “segregação”.25 A aplicação prática desse conceito mostra que os de alta renda ocupam a orla marinha e têm acesso à praia e paisagem particulares, enquanto os de baixa renda ficam em áreas “econômica e socialmente viáveis”, compatíveis com o tamanho do seu bolso.

Questionados sobre o sistema viário desagregador da vida comunitária, os planejadores da prefeitura afirmam que os anéis viários para retirar o tráfego de passagem das áreas residenciais não têm características de isolamento, mas de “proteção da comunidade contra os inconvenientes do tráfego: acidentes, barulho e poluição atmosférica” (p. 18). Assim, o sistema viário teria a função de solucionar os problemas que o próprio sistema viário (e o plano em geral) iria gerar, – este foi mais um motivo para que o movimento o rejeitasse.

O que se pode identificar na crítica do IPUF ao Dossiê Campeche é a perfeita coerência com a prática histórica do órgão de planejamento em elaborar propostas em gabinetes, consensuadas com os interesses empresariais – aquilo que não se encaixasse nos preceitos fundamentais assim elaborados seria “tecnicamente inaceitável”. Nenhuma vontade de ouvir, nenhuma consideração ao trabalho sócio-comunitário, nenhuma tentativa de somar e rever sua proposta para melhorar a cidade de todos. Daí a recusa em aceitar as propostas comunitárias do Campeche.

A segunda resposta recebida pelo movimento comunitário do Campeche ao envio do Dossiê Campeche teve um tom diametralmente oposto à resposta do IPUF. A carta de Raymundo José Santos Garrido, Diretor do Departamento de Gestão de Águas Federais, Secretaria de Recursos Hídricos – Ministério do Meio Ambiente, de 10 de novembro de 1997, expressa: “percebemos, pelo material enviado e pelo número de associações que assinam a correspondência, que a região já tem uma grande mobilização social, e esse é o ponto básico para se conseguir uma gestão de recursos hídricos participativa e consciente”. Numa atitude solidária com o movimento comunitário, sugeria a criação do Comitê da Bacia Hidrográfica do Campeche e se colocava à disposição para enviar um profissional da Secretaria para um evento no qual fosse debatida a criação de tal Comitê.

Aceitando o desafio, a AMOCAM e o MCQV convocam uma ampla reunião das entidades da planície do Campeche com o objetivo de “discutir, decidir e encaminhar a criação” do Comitê da Bacia do Campeche. Em 27 de janeiro de 1998, a comunidade realiza uma assembléia que contou com a presença de representante da Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério de Meio Ambiente. Desse encontro resultou a criação de uma comissão provisória encarregada de levar adiante a organização de uma nova entidade, que foi denominada Comitê da Bacia Hidrogeológica do Sul da Ilha. 26

Contudo, tal comitê nunca chegou efetivamente a se estabelecer. A sua constituição efetiva e a continuidade dos trabalhos foi prejudicada pelas conseqüências do envolvimento comunitário na preservação de um dos ecossistemas mais importantes e de maior beleza da região: a Lagoa Pequena. (Figura nº 4) Localizada no limite entre os bairros Campeche e Rio Tavares – a “lagoinha”, como é conhecida na região –, numa área tombada pelo município em 1988, como patrimônio natural e

25 Com efeito, segundo o dicionário Aurélio, “segregação” racial ou social significa: “Política que objetiva separar e/ou isolar no seio de uma sociedade as minorias raciais e, p. ext., as sociais, religiosas, etc.” 26 Na ocasião, assinaram a adesão à Comissão pró-formação do Comitê da Região Hidrográfica do Sul da Ilha: Conselho de Moradores da Lagoa do Peri; Movimento pela Qualidade de Vida da Armação; Movimento Campeche Qualidade de Vida; Associação dos Moradores da Localidade da Lagoa do Peri; Klimata – Centro de Estudos Ambientais; Associação dos Moradores do Campeche.

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paisagístico (Dec. Municipal 135/88),27 abrigava, na margem sudeste, um dos poços artesianos de captação de água de abastecimento da região28. Três anos após o tombamento da Lagoa Pequena, em 1991, inicia-se um processo de grilagem na sua margem nordeste, quando o seu entorno e a área verde de lazer, de propriedade do Estado, são transformadas em ATR (Área Turística Residencial), facilitando a sua ocupação. Essa alteração de zoneamento, desprovida de uma política de gestão ambiental voltada para o interesse público, foi a porta de entrada de sérios danos ambientais causados na localidade29. A paisagem original da região da bela lagoa foi transfigurada. Parcelamento do solo, loteamentos, extinção da vegetação, edificações muito próximas ao espelho d’água e mais adiante, nas dunas próximas, abertura de ruas, aterros para viabilização das construções e abertura de escoadouro artificial na Lagoa, foram os prejuízos causados na região (para maiores informações, ver GERI, 2007). O poder público foi incapaz de cercar adequadamente a área tombada – e até o presente mantém essa incapacidade –, assim como foi omisso na fiscalização e punição dos invasores.30 O movimento pela preservação da Lagoa Pequena, apoiado e impulsionado pelo MCQV, intensificou as ações na região, gerando conflito entre o movimento sócio-ambiental e os responsáveis pela grilagem das terras tombadas. Desdobraram-se, na ocasião, denúncias, audiências com a Procuradoria Federal e Estadual, visitas aos órgãos municipais responsáveis e manifestações públicas em defesa do lugar, com destaque especial para o “Abraço à Lagoinha” (Fig. nº 5) a, passeata pelas ruas do bairro e ato público na forma de piquenique, denominado “Primavera na Lagoa Pequena”. Durante a realização deste ultimo evento, o conflito teve seu momento mais grave, com a agressão física de um dos manifestantes ambientalistas. A agressão resultou em ferimentos graves e perda de equipamentos fotográficos. A partir de então, iniciou-se um período marcado por inquéritos policiais e judiciais, mas, sobretudo, por ameaças contra os militantes comunitários e suas famílias, consumindo as forças do movimento. Desencadeou-se uma campanha civil contra a violência na região. A sociedade organizada juntamente com os moradores que sofriam ameaças, em audiência com a prefeita municipal, e solicita uma atuação mais contundente na localidade, mas prevalece por parte da autoridade do Executivo uma interpretação xenófoba do episódio e a neutralização da violência pelo fato de moradores não nativos serem os agredidos.

Como indicado, tais acontecimentos consumiram as forças do movimento na época e impediram a constituição do mencionado Comitê de Bacia. Lamentavelmente, apesar dos duros embates da época, das denúncias e do intenso diálogo com os órgãos responsáveis, o movimento comunitário não conseguiu, até hoje, uma demarcação adequada da área tombada e tampouco uma atitude decidida das autoridades para implantar e estruturar o Parque Municipal da Lagoa Pequena e tampouco considerar os termos do acórdão judicial. Contudo, as lutas conseguiram frear, naquele momento, o processo de destruição da região. Um resultado positivo do processo político mencionado foi a elaboração de um acurado estudo das características da Lagoa Pequena por parte de profissionais da Universidade Federal de Santa Catarina e militantes do movimento comunitário. 31

Fruto desse conjunto de lutas, ainda em 1998 o Plano Diretor Oficial do Ipuf foi novamente retirado da Câmara de Vereadores para modificações que deveriam atender às reclamações da comunidade. Entretanto, no ano seguinte, o Plano volta à Câmara já dividido em 14 parcelas. O MCQV consegue a mediação da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara no intuito de abrir

27 Centro de Estudos Culturais e Cidadania – CECCA – Unidades de Conservação e Áreas Protegidas da Ilha de Santa Catarina: Caracterização e legislação. Florianópolis, SC, 1997. 28 Até 2000, eram 13 poços da CASAN, interligados em anel, que abasteciam a costa leste e sul da ilha. 29 Em 03 de dezembro de 1992, o Ministério Público Estadual ajuizou uma Ação Civil Pública (n. 02395026511.6) contra o Município de Florianópolis e Pedro Manuel Borba Neto. O pedido de liminar requeria o fim da ocupação ilegal da Área de Preservação Permanente (APP) da Lagoa Pequena e a declaração de ilegalidade do Decreto 440/91 e da Lei 4.854/92 que tinham promovido o destombamento de parte da Área Verdade de Lazer (AVL). O Acordão judicial de 9 de junho de 1998, estabeleceu a inconstitucionalidade das leis questionadas e retrotraiu a situação jurídica da área a o estabelecido pelo decreto Municipal 135/88, do Prefeito Edson Andrino, que promoveu o tombamento do lugar. 30 Na tentativa mais decidida para a demarcação da área, segundo as informações fornecidas ao movimento pelas autoridades da FLORAM, os técnicos foram “corridos a bala”. 31 Para uma informação mais completa, consultar o Relatório Final do Projeto Adote a Lagoinha, BARBOSA, T. C. & SOUSA, J.P. UFSC/ CCB/ CFH, 1999, disponível no sitio www.campeche.org.br.

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um diálogo “técnico” entre o órgão de planejamento e a comunidade, com o objetivo de encontrar os pontos de consenso. O diálogo, realizado entre julho e setembro, fracassa pela incompatibilidade dos pontos de vista em torno dos temas mais controversos, como o sistema viário, a Via Expressa em áreas de dunas e o adensamento populacional propostos pelo plano oficial.

Dado o impasse, o MCQV convida a população para uma assembléia comunitária, em outubro de 1999. Dela participaram mais de 300 moradores que decidem pela construção de um Plano Diretor Comunitário a partir das diretrizes do Dossiê Campeche e contando com o potencial de trabalho voluntário de moradores, incluindo técnicos locais.

A partir desse momento o movimento se amplia e unifica-se através de iniciativas mobilizadoras de outros bairros da Planície. Nessa ampliação, se destaca a APAM – Associação de Pais e Amigos da Criança e do Adolescente – do Morro das Pedras, entidade beneficente fundada em 28/11/1989. Desde então a APAM atua em atividades sócio-educativas na região das Areias do Campeche. Além da sua natureza voltada para o serviço social, essa entidade se notabiliza pelo envolvimento nas questões sócio-ambientais e na organização do movimento autônomo do bairro, contribuindo com a criação do Movimento Nosso Bairro. Essa participação no Movimento Campeche Qualidade de Vida contribuiu para ampliar a sua representatividade e fortaleceu com a proposta de envolver a Planície do Campeche na elaboração de um do plano diretor, sendo sede, por diversas ocasiões, de oficinas, assembléias e reuniões comunitárias.

A Construção do Plano Comunitário

Uma metodologia participativa

O acúmulo de experiência do MCQV que, desde a sua fundação, continuava se reunindo aos sábados em escolas locais e associações comunitárias para a definição de uma política em relação ao plano diretor e assuntos relativos, permitiu ao movimento comunitário elaborar um plano diretor alternativo. Como estratégia de educação sócio-ambiental e engajamento da comunidade, o movimento realizou várias intervenções significativas: em primeiro lugar, organizou festas populares e eventos culturais, como as 1ª , 2ª, 3ª e 4ª Festa da Cultura e da Arte do Campeche (Figura nº 6) e o Festival Zé Perry (Figura nº 22), em comemoração ao centenário do aviador e escritor Antoine de Saint Exupéry. Em segundo lugar, continuou e aprimorou a edição do periódico comunitário de distribuição gratuita Fala Campeche, peça fundamental na construção de uma visão coletiva sobre o futuro da região. Em conjunto, essas ações conseguiram atrair uma significativa adesão dos cidadãos da comunidade local e da cidade de Florianópolis.32

Assim, o movimento inicia um processo de oficinas itinerantes comunitárias de planejamento urbano – oficinas semanais – nas escolas, salões de igreja, grupos de 3ª idade, associações comunitárias locais, nos diferentes bairros da Planície. Durante as oficinas, era problematizada a situação da região e discutidos, com apoio de mapas e plantas, dados sobre a origem e disponibilidade de água para abastecimento, tipos de saneamento, os problemas locais, a falta de infra-estrutura e as diretrizes do Dossiê. Ressalte-se que esse material de trabalho, apesar de público, nunca foi disponibilizado pelo Campeche, tendo que ser obtido por caminhos tortuosos através de diferentes atores sociais.

Com a metodologia indicada, a população elaborou sua proposta que foi denominada Plano Comunitário para a Planície de Campeche - Proposta para um Desenvolvimento Sustentável. O objetivo foi propor um plano que contemplasse o desenvolvimento das potencialidades econômicas fundamentado no uso sustentável dos recursos naturais e no respeito à qualidade de vida dos habitantes do lugar. (Figuras nº 7, 8 e 9). A elaboração coletiva deu consistência e apoio popular à proposta alternativa, cuja referência principal foi o atendimento às leis ambientais e culturais, ao fomento racional do turismo não predatório, às regulamentações do uso do solo propostas pelas legislações federal, estadual e municipal e aos anseios da população quanto ao destino da região.

32 Plano Comunitário da Planície do Campeche. Proposta para um Desenvolvimento Sustentável. Florianópolis. Mimeografado. Disponível em www.campeche.org.br.

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O Plano Comunitário (Materiais de referência nº 17 e nº 18; Figuras nº 15 e 16), subscrito pelo conjunto de associações que participaram de sua elaboração33, é aprovado numa nova assembléia realizada em 27 de novembro de 1999 e apresentado à Câmara de Vereadores, em março de 2000, como substitutivo global ao Plano Diretor do Poder Executivo Municipal. A experiência de elaboração autônoma do Plano Diretor, inédita no Brasil, lhe valeu o Prêmio Qualidade de Vida 2000 da Federação de Entidades Ecologistas Catarinenses (FEEC) (Figura nº 19), foi um exemplo para outras comunidades da Ilha de Santa Catarina e ganhou apoio e simpatia de diversos segmentos da sociedade florianopolitana.34

A luta pelo Plano Diretor Comunitário No primeiro semestre de 2001, na segunda legislatura da prefeita Ângela Amin (reeleita nas eleições de 2000), recomeçaram as discussões e as tentativas de aprovação do Plano Diretor oficial

para a Planície do Campeche. Levando-se em conta a existência dos dois planos em disputa – o comunitário e o oficial–, a Câmara, por iniciativa da Comissão de Meio Ambiente, realiza a primeira

Audiência Pública para a discussão dos planos diretores, a pedido dos movimentos sociais. Na realidade, essa Audiência Pública foi a primeira ocasião em que se confrontaram publicamente os

dois planos, ficando claros os eixos principais da crítica do movimento comunitário. Na audiência, ficou evidente também o descontentamento de diversos órgãos públicos com a megalomania do

plano do IPUF. Como parte de uma campanha publicitária para pressionar a Câmara para a aprovação do

Plano Comunitário, o movimento produziu duas ações de impacto na comunidade. A primeira consistiu na instalação, num local de ampla visualização na via principal do

Campeche, a Avenida Pequeno Príncipe, de um placar comunitário com os nomes dos vereadores e os seguintes dizeres: “A favor do Plano Comunitário”, “Contra o Plano Comunitário”, “Em cima do Muro”. O placar teve alto impacto na comunidade e presumivelmente entre os vereadores.

A segunda iniciativa foi a publicação de uma história em quadrinhos sobre as lutas da comunidade pelo Plano Diretor, no formato de uma cartilha elaborada em oficinas comunitárias realizadas entre maio e setembro de 2000. Os quadrinhos, com roteiro e editoração de moradores do bairro35, foram distribuídos nas escolas e nos principais pontos de venda do Campeche. (Material de Referência nº 19)

Influenciada pelas pressões comunitárias e pelos resultados da Audiência Pública, e impossibilitada de encaminhar um processo de votação envolvendo os dois planos, a Câmara decide produzir uma terceira versão de Plano Diretor. Em junho a Comissão do Meio Ambiente da Câmara de Vereadores anuncia que decidiu construir um novo projeto, substitutivo global, baseado nos dois anteriores em confronto na Câmara. O projeto elaborado pela equipe técnica da Câmara e conhecido no Campeche como “projeto Frankenstein” – que conserva a quase totalidade da proposta oficial do IPUF, acrescentada de alguns detalhes do plano comunitário –, mantinha o sistema viário com suas largas pistas de alta velocidade e um uso do Campo de Aviação contrário às expectativas da população local, pontos mais criticados pela comunidade.36

O movimento comunitário rejeita essa proposta e exige, mais uma vez, um processo democrático de discussão, conforme o Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/ 01). Fazendo uso dos instrumentos previstos nessa Lei, a comunidade exige a realização de Audiências Públicas nas diversas regiões afetadas pelo Plano Diretor, estudo e relatório de impacto ambiental (EIA / RIMA) e estudo de impacto de vizinhança (EIV). Em 2002, sem força política suficiente, a situação é condicionada pelo iminente processo eleitoral (presidente da República, governador e representantes

33 Associação dos Moradores do Campeche (AMOCAM); Movimento Campeche Qualidade de Vida; Associação dos Moradores da Lagoa (AMOLA); Movimento Nosso Bairro; Conselho Comunitário dá Fazenda do Rio Tavares. 34 PEREZ, Lino Fernando Bragança ET. al. 2000. Oficinas de planejamento urbano em Florianópolis. A universidade e a cidade na construção do espaço urbano. Revista Participação. Universidade de Brasília. Brasília, DF, ano 4, n. 8, dezembro, p. 55-58. 35 Roteiro do jornalista Silvio Costa Pereira e ilustrações de Guilherme Fialho. 36 Quase ao mesmo tempo, em 8 de julho de 2001, no jornal AN Capital, o presidente do IPUF Carlos Alberto Riederer reconhece os erros cometidos no processamento do Plano Diretor do Campeche e afirma que nos novos processos de planejamento procederia de modo a envolver a comunidade. Apesar disso, o órgão de planejamento se nega a rever seus procedimentos e produzir alterações substanciais no caso do Campeche.

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federais e estaduais). A maioria dos candidatos evitava desafiar uma opinião pública favorável à comunidade e a situação permanece a mesma até após as eleições37. A luta comunitária pelo Campo da Aviação

A luta comunitária desde 1987, encabeçada pela AMOCAM e pela Associação de Surf do

Campeche, já apontava a falta gritante de espaços públicos no Campeche. Esse ponto, como já indicado, foi um dos elementos que levaram à rejeição do plano diretor proposto pelo IPUF, particularmente no que tange ao destino proposto para a histórica (e extensa) área pública do terreno conhecido como Campo de Aviação. A luta por esse Campo de Aviação é um capítulo à parte na saga da comunidade do Campeche por um desenvolvimento que conserve o meio ambiente e as tradições culturais da região.

A história do Campo de Aviação e do Casarão como espaços públicos38

O Campo de Aviação abrange uma área com 352 mil m2 localizada na região central da

Planície do Campeche que, apesar das marcas do tempo, ainda guarda lembranças de uma história construída ao longo do século passado, como a primeira pista de pouso de Santa Catarina. A área em questão foi, de 1927 a 1944, utilizada pela antiga Companhia Aérea Francesa Latecoère, ou “Societé Latecoère”, e posteriormente "Air France". A história do lugar mistura-se à cultura, ao coletivo e à identidade do Campeche e de Florianópolis. O campo foi comprado pelos franceses através de um morador do Rio Tavares, chamado Senem, por 10 contos de réis. A área do campo era maior do que é hoje e ia além da Avenida Pequeno Príncipe, até a rua Auroreal.39 Nela foram construídos: o hangar de estrutura metálica, o telégrafo, a popota (espécie de alojamento dos pilotos, localizada junto ao hangar e que, posteriormente, serviu para encontros e festas comunitárias) e o casarão em alvenaria, com várias dependências, para apoio às atividades do Campo de Aviação. O Casarão40 era a residência do mecânico-chefe francês e sua família. Todo o conjunto servia de apoio aos aviões franceses da rota Toulouse, Rio de Janeiro, Buenos Aires, Santiago do Chile.

A implantação da pista de pouso em 1927 marcou a vida da comunidade do Campeche, entremeando a história da pesca e da lavoura com a modernidade das máquinas voadoras. Em 1926, quando Florianópolis ainda estava se acostumando com motores dos automóveis, após a inauguração da Ponte Hercílio Luz, seus habitantes foram surpreendidos com a chegada dos aviões. Os ruídos, as formas, a pista, novos moradores, os prédios de arquitetura diferente, os lampiões no alto do morro... Os pilotos do além-mar causaram impacto, principalmente na pequena comunidade do Campeche. A chegada das inusitadas máquinas voadoras rasgando os céus trouxe também novos horizontes, uma realidade quase desconhecida aos campechanos quando os pilotos franceses da Compagnie Génerale Aéropostale, entre 1927 e 1933, por aqui repousavam e reabasteciam. O morro próximo, iluminado com seus lampiões, hoje conhecido como Morro do Lampião, servia de referência ao campo para o pouso dos vôos noturnos daqueles tempos. Dentre os pilotos franceses que pousaram no Campo de Aviação e conviveram com os nativos destacam-se o piloto e escritor Antoine Saint Exupéry, autor do livro “O Pequeno Príncipe”, e, também um dos heróis da aviação francesa, Jean Mermoz. Os nativos do Campeche e os franceses logo interagiram, tanto pela curiosidade com as máquinas voadoras, como também pelos homens de "calça larga" e língua "enrolada". Em suas passagens pelo Campeche, Saint Exupéry41 deixou marcas no imaginário popular e entre vôos e pousos, estabeleceu-se um convívio com alguns nativos, dentre os quais o pescador Manoel Rafael 37 Nas eleições de 2002 o bloco político no poder (na cidade e no estado) sofre um duro golpe: o governador e candidato à re-eleição, Esperidião Amim, marido da prefeita de Florianópolis, é derrotado por Luis Henrique da Silveira, aliado do presidente Luis Inácio Lula da Silva no estado. 38 A importância do Campo de Aviação do Campeche para a comunidade resultou em vários estudos acadêmicos que subsidiaram este documento. Dentre eles, destacam-se os de Kátia Regina Junckes (1995), Ana Maria Gadelha Albano Amora (1996), Vilson Groh (1998), NEVES (2000), BUENO (2000), VIDAL (2000). 39 AMORA, Op. Cit., p. 152. 40 Hoje utilizado pela Intendência do Campeche e de usucapião da família da profa. Carolina Inácia de Jesus Heerdt. 41 Há controvérsias sobre o fato de Saint Exupéry ter convivido com os campechanos, contudo assumimos aqui a versão presente no imaginário popular e também registrada em bibliografia produzida por pesquisadores nativos e acadêmicos.

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Inácio, o seu Deca42, na época com 18 anos. Do piloto existe uma única referência a Florianópolis – “escala Florianópolis”, relacionada em sua obra “Vôo Noturno” (na pág. 64, Ed. Nova Fronteira). Com o início da 2º Guerra Mundial, o serviço aéreo postal francês foi interrompido e os pilotos foram convocados para esforço de guerra. Saint Exupéry não mais freqüentou o Campeche e passou a pilotar aviões militares quando, em 31 de julho de 1944, em uma missão de patrulha no sul da França, sobre o mar Mediterrâneo, não mais retornou.

O patrimônio da Societé Latecoère passa à Air France, que paralisa as atividades aéreas na pista do Campeche em função da 2º Guerra Mundial na França. Em 1944, um ano antes do fim da guerra, o governo brasileiro, através do Decreto Federal n°6.870 de 14/9/1944, desapropria a área do Campo de Aviação do Campeche e suas benfeitorias (a pista, o hangar metálico, a popota e o casarão/estação de passageiros). A área passa à União e a empresa Air France é indenizada seis anos depois.43 O campo passa a ser o primeiro aeroporto de Florianópolis, usado comercialmente pela empresa Panair.

Com o início do funcionamento do Aeroporto Hercílio Luz, no bairro Carianos, a pista do Campeche é desativada. O hangar metálico, antes localizado onde hoje é a Escola Brigadeiro Eduardo Gomes, é transferido para o novo aeroporto. Todas as construções do campo passam por transformações. A popota que servia à administração do hangar e alojamento passou a ser uma casa de festas da comunidade local e, aos poucos, foi se deteriorando: telhas e tijolos foram roubados até o desaparecimento da construção.

Já em 1957, o Casarão ou Estação de Passageiros passa a sediar a escola primária municipal. Com grande número de cômodos, em 1958 o lugar acolheu flagelados de uma chuva de granizo e, noutra ocasião, parte da construção foi residência provisória de duas famílias sem teto. Por último, alguns cômodos da casa serviram de moradia à família da primeira professora da escola, Carolina Inácia de Jesus Heerdt, cujos descendentes, mesmo após o seu falecimento, habitam o local até hoje. Em 1966 o Casarão também abrigou o grupo de jovens e adultos, o posto de saúde e assistência social e, em 1983, o Conselho Comunitário. Na realidade, o posto de saúde e assistência fazia um trabalho de extensão de projetos da Universidade Federal de Santa Catarina, que agregava professores e alunos daquela instituição, principalmente do curso de medicina na formação e participação dos jovens locais em trabalhos de erradicação da verminose, comum na época pela falta de higiene e saneamento básico.

O posto de saúde iniciou e orientou a formação dos jovens campechanos denominados “Juventude Alegre”, na construção das primeiras fossas sépticas44. Ainda em 1966, a LBA também desenvolveu ali um projeto com o grupo “Juventude Alegre”, criando uma pequena fábrica de colchões de crina (palha de butiá e capim colchão) como geradora de emprego e renda; entretanto a fabriqueta foi desativada em 1968, após um acidente com o transporte de palha.

Quanto ao Conselho Comunitário é importante dizer que ficou muitos anos nas mãos do mesmo grupo, com fortes vínculos com a prefeitura, perdendo sua qualidade “comunitária” na medida em que se tratava de uma entidade “quase-oficial”, veículo de trocas e favores com o governo municipal. No início dos anos 1990, o local abrigou uma delegacia de polícia, um posto da TELESC, e algumas salas abrigavam o Grupo de Mães do Campeche, que tinha entre suas atividades, a recuperação de cantigas e lendas da região: dançavam e cantavam a Ratoeira, representavam histórias e lendas e cantavam músicas da Farinhada.

A partir daí, a história do campo e do casarão tomam rumos distintos que por vezes se cruzam em interesses comuns: um, desenhado pelo governo federal a partir de leis que valorizam o solo; outro do governo municipal e de cunho assistencialista – ambos indiferentes ao valor histórico e cultural do espaço. Por último, o projeto desenhado pela comunidade, que propõe o uso da área como espaço de lazer e busca formalizar esse uso de preservação da história através de documentos e solicitações às instâncias governamentais.

Em 1973, durante o Governo do general Emílio Garrastazu Médici, em plena ditadura militar foi aprovada a Lei Federal nº 5.972 que definia o procedimento de regularização de terras da União e

42 INÁCIO, Getúlio Manoel, “Deca e Zé Perri”. Florianópolis: M&M Buss Assessoria Gráfica Digital, 2001. 43 A indenização foi de Cr$ 269.614,70, valores de 02/02/1951. 44 Informações pelo morador e ex-vereador Lázaro Bregue Daniel, em entrevistas nos dias 12 de fevereiro e 21 de maio de 2007.

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autorizava os Ministério da Aeronáutica e Marinha a venderem ou permutarem imóveis sob sua administração. 45

Em 1975, o Ministério da Aeronáutica inicia na Delegacia do Patrimônio da União – DPU – o processo de regularização dos imóveis sob sua responsabilidade, entre os quais o Campo de Aviação do Campeche. 46

Em 1980, o presidente João Baptista Figueiredo assina o Decreto que autoriza o registro e o Campo de Aviação passa a ser administrado, oficialmente, pela Aeronáutica.

Em 1983, o montepio da família dos militares tenta construir no campo um condomínio de casas militares – “Vila Militar” –, projeto que não foi adiante porque o terreno era da união e não permitia usos particulares.

Em 1987, a Sociedade Amigos do Campeche e a Aeronáutica assinam a cessão de uso do Campo para difusão de cultura e realização de reuniões de caráter sócio-cultural. Nesse mesmo ano, em junho, a Associação de Surf do Campeche, a partir do já citado seminário “Discutindo o Campeche”, envia ao prefeito Edson Andrino a solicitação de repasse da área da aeronáutica para a comunidade, criação de um Centro de Esporte e Lazer e atividades comunitárias. A recém-criada AMOCAM entra na luta pela preservação e uso do Campo de Aviação, e também envia documento com um abaixo-assinado ao prefeito Edson Andrino, reivindicando, entre outras coisas, além da criação do Parque da Lagoa da Chica, o tombamento da área do antigo aeroporto de Florianópolis47 , como já mencionado anteriormente.

Em 1991, a mobilização do Campeche contra a venda do terreno pela Aeronáutica resultou na união de várias entidades locais: União das Associações Comunitárias Eclesiásticas e Desportivas do Campeche – UNACAMP. Dela faziam parte o Conselho Comunitário do Campeche, a AMOCAM, a SAC - Sociedade dos Amigos do Campeche, a ARCEU - Associação Recreativa, Cultural e Desportiva Unidos, a Associação de Pais e Professores (APP) da Escola Básica Brigadeiro Eduardo Gomes, a APP da Escola Januária Teixeira da Rocha, Conselho Econômico e Administrativo da Capela São Sebastião (CAEP). A UNACAMP reiniciou o movimento pela garantia do uso público da área do Campo de Aviação e enviou apelo ao então Presidente da República, Fernando Collor, para a preservação da área e a cessão do terreno para administração pelo Município. Cópias dessa carta foram enviadas para os parlamentares federais representantes do estado de Santa Catarina48. Nesse mesmo ano foi inaugurado um marco na esquina da Avenida Pequeno Príncipe com a Rua da Capela, em homenagem à primeira pista de pouso de Santa Catarina. O marco simbólico é uma base de cimento e uma grande pedra contendo duas placas: numa delas, o desenho da ponte Hercílio Luz se sobrepõe a outro desenho: uma pista de pouso e uma torre de 33 metros com a inscrição: PRF Air France, e o seguinte registro: "Campeche 1927, Homenagem aos Pioneiros da Aviação". Na outra placa o seguinte registro: “Este local foi palco dos primeiros pousos e decolagens dos precursores da aviação. Vindos do além-mar em suas primitivas máquinas voadoras, por aqui passaram os pioneiros do ar, Antoine de Saint-Exupèry, Jean Mermoz e Henry Guillaumet, fazendo a ligação entre a Europa e a América do Sul. A Associação dos Amigos da Base Aérea de Florianópolis – AABAF, como testemunha histórico-cultural, ergue este marco em homenagem aos primórdios da aviação da Ilha de Santa Catarina, a reverenciar permanentemente os bravos aviadores de ontem, hoje e de sempre". O marco surgiu de um acordo entre a AABAF e a sociedade organizada do Campeche em um projeto conhecido como “Tradição”, que visava à preservação da história e à conservação daquele espaço. No evento inaugural estiveram presentes autoridades civis e militares, dentre as quais o Comandante do 5º Comando Aéreo Regional e Anésia Pinheiro Machado, com 90 anos, a primeira aviadora brasileira. A comunidade foi convidada para as atividades de lazer e para assistir à apresentação de aviões e pára-quedismo, exposição de monomotores e giroscópio.

Em 28 de julho de 1994, o Estado Maior das Forças Armadas – EMFA - envia ofício ao DPU, informando do "Plano de Alienação de Imóveis" e autorizando a venda do terreno do Campeche. A primeira avaliação da área é concluída em 9 de setembro de 1994, estipulando o valor do campo em

45 Amora, Op. Cit. 46 Delegacia do Patrimônio da União - DPU/Florianópolis, Santa Catarina. Processo nº. 10.80131435-61. 47 Amora, Op. cit. 48 Amora. Op. Cit..

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R$ 1.645.225,00. Esse procedimento não teve continuidade. Em 11 de novembro de 1999, o terreno do Campo de Aviação, anteriormente registrado no Cartório de Registro de Imóveis com a matrícula n° 7.216, foi desmembrado em quatro registros distintos. Com isto, o receio da comunidade era de que o terreno fosse vendido em pedaços, considerando que os dois maiores lotes, que correspondem a cerca de 88% da área total, foram avaliados pela Caixa Econômica, naquela época, em R$ 19 milhões. Uma das partes, que correspondia ao local onde se encontram a Escola Brigadeiro Eduardo Gomes, o Núcleo de Educação Infantil, o Posto de Saúde e o Casarão, que já vinha sendo usada pelo município, foi cedida à Prefeitura de Florianópolis.

Já em abril de 2000, a Câmara Municipal de Florianópolis aprovou requerimento Nº 078, de autoria do Vereador Lázaro Bregue Daniel, solicitando ao Comandante da Base Aérea de Florianópolis, autorização para alargar a rua Cata-Vento no limite norte do Campo de Aviação. Somente em 2001 um ofício do 5° Comando Aéreo Regional informa que, em decorrência da alienação do terreno, "se torna impossível ceder parte dessas áreas, em vistas dos interesses do Comando".

Por outro lado, o Casarão – localizado na esquina da Avenida Pequeno Príncipe com a Avenida Campeche – que fora cedido pela Aeronáutica à Prefeitura desde 1989, com uma longa historia de uso social, foi aos poucos perdendo essa característica pelos desmandos e relaxamentos de políticos na administração do município. Atualmente abriga a Intendência do Campeche, duas salas servem para a reunião de um grupo de idosos que ali guarda seus pertences, e parte da estrutura ainda serve de moradia à família da falecida professora.

As inúmeras reivindicações comunitárias e pedidos de tombamento do antigo Casarão como patrimônio histórico e cultural de Florianópolis jamais tiveram eco. Desde o Orçamento Participativo, em 1993, 95 e 96, foram grandes os esforços comunitários no sentido de viabilizar a sua recuperação , para criação de um centro cultural e social.49 Em 1997, durante o I Seminário Comunitário de Planejamento realizado no bairro, entre outras reivindicações foi encaminhado o pedido de seu tombamento e uso social. Apesar do acúmulo de história e quantidade de áreas públicas, o Campeche sempre foi carente de espaços sociais e culturais. Ainda em 1997, um documento foi enviado à Fundação Franklin Cascaes (órgão municipal então pelo Casarão), à Câmara de Vereadores e à então prefeita de Florianópolis pedindo o seu uso para atividades sócio-comunitárias (reuniões de entidades do bairro). A resposta do município eximia a Fundação de responsabilidade sobre o imóvel.

Quando em 2000, o mundo celebrou o centenário de nascimento de Saint Exupéry, Florianópolis, orgulhosa, comemorou. No Campeche ocorreram duas comemorações: uma organizada pela prefeitura municipal (29 de julho) e o Festival Zé Perry, organizado pela comunidade que, sentindo-se excluída dos festejos oficiais, decidiu promover atividades culturais e de lazer durante todo o dia 30 de julho. Esse evento serviu também para protestar contra o Plano Diretor do IPUF que previa, no Campo de Aviação, a construção de um centro administrativo, um terminal rodoviário, um centro de convenções e uma pequena área verde de lazer, sem jamais considerar os pedidos comunitários no seu planejamento. O Movimento Campeche Qualidade de Vida expôs o Plano Diretor Comunitário aos participantes do evento dando destaque ao planejamento do Campo cuja definição como área verde de lazer e área comunitária institucional visava suprir a carência de espaços públicos do bairro. Aquele espaço de mais 300 mil m2 abrigaria um centro de convívio sócio-cultural com biblioteca, vídeoteca, museu, teatro, concha acústica, espaços esportivos, culturais, serviços públicos (correio e agencia bancária), rua das artes entre outros equipamentos urbanos voltados para a integração e convívio comunitário. Seu tombamento era reivindicado também como sítio histórico, para assegurar a livre circulação e promoção da memória cultural da Ilha e do Campeche em especial. Porém, tombar um bem patrimonial com tanto interesse econômico dependeria do empenho de vários órgãos públicos entre os quais o IPUF, IPHAN, Fundação Catarinense de Cultura, Secretaria de Patrimônio da União, Câmara de Vereadores, deputados e, principalmente, do interesse dos governantes que na realidade nunca estabeleceram de livre e espontânea vontade nenhuma manifestação, exceto em épocas de eleição, para esquecerem logo em seguida. 49 AMORA, Op. Cit.

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Em 2002, quando foi novamente aventada a possível venda do imóvel pelo 5º Comando Aéreo sediado em Canoas (RS), a comunidade entrou com duas representações no Ministério Público Federal,50 uma denunciando a intenção de venda e a outra o desmatamento e comercialização de areia pela Intendência do município; afinal, tratava-se de um bem público da União e de direito da coletividade de Florianópolis, em especial da Planície do Campeche. A representação, subscrita por 18 entidades locais, questionava a indiferença do Ministério da Aeronáutica, da DPU (Delegacia de Patrimônio da União) e da SPU (Secretaria de Patrimônio da União) com o patrimônio histórico e público que o campo representava, como também o desrespeito aos interesses da coletividade local.

Ainda em 2002, na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, novos documentos solicitando o tombamento e o uso público do campo foram enviados: à Presidência da República, ao Ministério da Aeronáutica, ao 5° COMAR, à Base Aérea de Florianópolis, ao governador Esperidião Amin e a vários parlamentares de Santa Catarina. Dele resultou uma carta do deputado federal An tônio Carlos Konder Reis, ao Ministério da Aeronáutica, pedindo atenção aos desejos da comunidade e ao patrimônio histórico do campo. Também foi realizada uma audiência pública na Assembléia Legislativa de Santa Catarina, por iniciativa do Deputado Estadual Afrânio Boppre com a presença do Cel. Eduardo Sebastião de Paiva Vidual, comandante da BASF, e representantes do estado de Santa Catarina. Novos documentos foram elaborados e levados aos políticos locais, sem retorno para a comunidade. Em 2003, quando assume a Presidência da República Luis Inácio Lula da Silva, houve grande expectativa da comunidade sobre a conquista desse espaço como área pública de lazer, principalmente, por ser um momento em que haviam sido eleitos um deputado estadual e uma senadora, assíduos freqüentadores das assembléias comunitárias, das festas no Campo de Aviação, sendo signatários dos diversos pedidos de tombamento. Em março de 2003, o Movimento Campeche Qualidade de Vida, a AMOCAM e o conjunto do movimento comunitário convocam uma assembléia popular na qual mais de 200 moradores receberam a Diretora da Secretaria de Patrimônio da União (Alexandra Reschke), a convite do deputado federal Mauro Passos. Participaram o novo comandante da Base Aérea, Cel. Marcos Antonio Pereira, e políticos locais. Os convidados ouviram toda a história de luta pelo Campo de Aviação e pelo Casarão, apresentada pela comunidade e expressaram a solidariedade com a luta local. A assembléia encaminhou a formação de uma comissão que coordenaria os trabalhos em torno do Campo de Aviação (Figura nº 18 SPU). Ao mesmo tempo, em resposta aos Processos Administrativos contra a venda, desmatamento e comercialização de areia do campo de aviação pela intendência local, o Ministério Público propõe ao comando da Base Aérea e à sociedade civil organizada do Campeche um Termo de Ajustamento de Conduta – TAC (Material de referência nº 20). Formou-se uma comissão de 22 entidades da Planície do Campeche, em conjunto com o comando da Base Aérea que novamente buscou parlamentares catarinenses, desta vez na tentativa de viabilizar recursos (dez milhões de reais) através de uma emenda parlamentar para a construção de um hospital, um restaurante e um hotel na Base Aérea. Isso possibilitaria a permuta da área e um ajuste de conduta com o Ministério Público para o uso sócio-comunitário do Campo. Apesar da disposição e empenho da comunidade e do comandante da Base Aérea, o processo encontra-se paralisado e dependendo do apoio dos parlamentares que jamais se manifestaram no sentido de atender aquelas reivindicações, resultando na caducidade do referido TAC em 2005. Um documento encaminhado em 2003 a Gerencia de Patrimônio da União – GPU, assinado por 1800 pessoas também não conseguiu a repercussão esperada.

Em 2004, o MCQV, a AMOCAM, a Rádio Campeche, o Instituto Sócio-Ambiental Campeche e a APP da Escola Brigadeiro Eduardo Gomes encaminharam novos pedidos para a Prefeitura Municipal de Florianópolis, e Gerência Regional de Patrimônio da União – GRPU – reiterando as reivindicações de tombamento e uso do espaço do Casarão e Campo de Aviação para as atividades sócio-comunitárias, dentre as quais a sede da Rádio Comunitária do Campeche, biblioteca e videoteca públicas, sala para atividades educativas e de formação em informática e artesanato, além de uma sala para informação sobre plano diretor.

No dia 20 de maio de 2005, o IPUF encaminhou um documento à Gerência de Patrimônio da União manifestando que o processo estava paralisado e que o Casarão estava sob a guarda da Secretaria de Obras Públicas. No dia 30 de maio, no evento “Prefeitura nas Comunidades”, foram 50 Ministério Público Federal, Procedimentos Administrativos 1841 e 1842. Florianópolis, 2002.

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encaminhados novos documentos ao Prefeito Dário Berger. As mesmas solicitações foram reiteradas na 2ª Conferência da Cidade, em 29 e 30 de julho. Contudo, nada mudou; a Intendência e particulares continuam usufruindo exclusivamente do espaço, dificultando o acesso público enquanto a carência de áreas de lazer no Campeche é notória, e são muitas as crianças e adolescentes nas ruas sem espaço para atividades sociais, culturais e oficinas educativas. (Figuras nº 21).

Os fatos e encaminhamentos descritos acima testemunham o quanto, por diversas ocasiões, desde meados de 1980, os moradores se mobilizaram para a defesa do Campo como área pública. Além disso, recolheram assinaturas pela sua preservação para uso esportivo e recreativo e realizaram atividades culturais e educativas, num gesto simbólico de apropriação do local como um bem imaterial (Figuras nº 13 e 14), e foram várias as tentativas de uso do prédio do Casarão e do Campo de Aviação pela comunidade como ponto de encontro comunitário.

Esses espaços, o Campo de Aviação e o Casarão, fazem parte da história local, são continuamente reivindicados para o uso coletivo da sociedade civil organizada do Campeche através de moções em conferências municipais51 ou em manifestações como assembléias, encontros, festas populares, jornais comunitários, cartas e ofícios às autoridades municipais, estaduais e federais. Esse conjunto de iniciativas conduziu a um novo momento de luta, cujo desfecho, ainda incompleto, implica em outras definições relacionadas ao cumprimento, pelos municípios, do Estatuto da Cidade, que exige a elaboração ou revisão dos planos diretores regionais. A definição do destino dessa área, portanto, está relacionada ao processo iniciado em Florianópolis em julho de 2006, com a criação do Conselho Popular da Planície do Campeche e, posteriormente, Núcleo Distrital do Plano Diretor Participativo de Florianópolis. Atender ao Estatuto da Cidade significa atender à sociedade, à coletividade, à melhoria da qualidade de vida da população, solucionando as deficiências e necessidades locais, valorizando a natureza, a história e as potencialidades locais como trunfo do desenvolvimento sustentável. Com a participação efetiva, a comunidade do Campeche se mantém alerta sobre os destinos da área, denunciando a intenção de venda e o desmatamento e comercialização de areia ao Ministério Público em 2002, assim como toda e qualquer alteração de uso dessa área pública da União.52

Nestas últimas décadas, a preservação do patrimônio cultural tem gerado discussões e se destaca sua vinculação à construção da cidadania. Evidencia-se a necessidade de uma política de preservação cultural, que não leve em conta apenas exemplares da história da alta sociedade ou do patrimônio institucional, mas que preserve a identidade da comunidade, seus locais amplos e culturalmente variados, evitando que a cidade se transforme num local estranho e hostil ao cidadão. A idéia de progresso e modernidade tem sistematicamente destruído as marcas do passado. É preciso, dos órgãos de planejamento, uma visão responsável, conhecimento e vontade política para planejar a cidade considerando a história, a memória social e a identidade cultural dos seus habitantes. Assim, é de importância fundamental a preservação de bens culturais e a memória dos lugares no planejamento do espaço urbano, direcionando as políticas dos órgãos públicos no sentido de valorizar a memória dos seus habitantes pelo “significado de luta social que ela possui". Isso inclui preservar o patrimônio urbano para uma convivência equilibrada entre o “antigo” e o “novo”, em que o cidadão não seja excluído do seu próprio meio, da sua própria historia. Daí a necessidade de que a política de preservação do patrimônio cultural ultrapasse os limites técnicos ou critérios e conceitos operacionais, e que caminhe na direção da politização do tema53 mantendo viva a identidade cultural e social dos habitantes da cidade.

O Campo de Pouso e o Casarão são partes da identidade cultural e social das comunidades que vivem na Planície do Campeche. A região tem em ambos, os vínculos com a história que os relaciona à chegada e trabalho dos franceses, ainda que por curto tempo, no local. Esta ligação se expressou através de leis que denominaram ruas e avenidas com este tema, como a Lei Municipal nº 3.024, de 18/10/1988, que denomina Avenida Pequeno Príncipe, a mais importante via de acesso do 51 Moções encaminhadas na 1a e 2a Conferências Municipal e Nacional das Cidades, solicitando que o campo de aviação, patrimônio histórico-cultural de Florianópolis, seja transformado em “Parque Municipal sócio-cultural” a ser administrado pelo município. 52 Ministério Público Federal, Op Cit. 53 MAGALDI, C. - O Direito à Memória - Patrimônio Histórico e Cidadania, Secretaria Municipal de Cultura, Prefeitura Municipal de São Paulo, 199. Congresso Internacional "Patrimônio Histórico e Cidadania

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Campeche, em homenagem ao escritor Saint Exupéry e sua obra mais famosa, a Lei Municipal nº 3.914/92 que denomina de Aviação Francesa, outra via pública no Campeche. O tombamento das áreas históricas do Campo de Aviação, do Casarão, do Morro do Lampião, como patrimônio cultural do Campeche e da cidade é uma expectativa da comunidade local e tem sido o objeto de suas lutas.

O associativismo pioneiro na região do Campeche - A experiência política e cultural da comunidade

A organização comunitária da Planície do Campeche tem acompanhado o devir de uma

sociedade local em expansão, mas que quer manter os seus vínculos com a tradição que a originou, desde quando a localidade era constituída pelo ambiente tranqüilo das vilas de pescadores típicas do sul da Ilha de Santa Catarina. Assim, as associações foram formadas no convívio entre seus primeiros ocupantes que desde então se agregam por interesses de lazer, religiosos, respeito à tradição, afinidades entre as famílias; quando as festividades e encontros reforçam as afinidades e aproximam as famílias locais, aos poucos vão integrando os moradores mais recentes. Apresentamos a seguir a origem dessas associações e entidades, algumas mais antigas e outras mais recentes, que tiveram uma participação significativa e intervenção propositiva no processo de luta pela participação democrática e sustentável no planejamento urbano da região. 54

Conselho Comunitário do Rio Tavares

Juntando-se ao clima dos movimentos do final dos anos 1970 e início de 1980, o Conselho Comunitário do Rio Tavares foi criado em 29 de setembro de 1979, propondo aproximar a comunidade dos órgãos públicos municipais, para conseguir melhorar as condições de vida da população, conforme nos conta seu ex-presidente Felisberto Manoel Teixeira, que esteve à frente da entidade em sete gestões ( seu último mandato foi na gestão 2004-2006). A história do Conselho, se por um lado deve muito ao empenho do dirigente, contou com muitos outros moradores que ajudaram a construir na sua memória o registro de várias intervenções e manifestações políticas no bairro, que hoje são lembradas como fruto da luta comunitária. Nessa trajetória há registros de conquistas significativas, como a luta contra a instalação da usina do lixo no Rio Tavares, na encosta do Morro, durante a gestão Esperidião Amin; a reivindicação pela pavimentação asfáltica da SC-406, no trecho que interliga o Trevo do Rio Tavares à Lagoa da Conceição; a retirada do Posto Médico de uma das salas do Colégio João Gonçalves Pinheiro para sua instalação definitiva ao lado da Igreja das Pedras, durante o governo Sergio Grando, e a melhoria do transporte coletivo precário na região. É importante registrar que o Conselho sempre esteve presente nas discussões sobre o Plano Diretor da Planície, apoiando e participando dos encontros, oficinas e assembléias comunitárias que resultaram na elaboração do Plano Comunitário entre 1999 e 2000.

Conselho Comunitário da Fazenda do Rio Tavares55

O Conselho Comunitário da Fazenda do Rio Tavares foi criado em maio de 1985, em uma reunião com os moradores da comunidade na Escola da Fazenda do Porto do Rio Tavares. Teve sua primeira diretoria eleita e empossada em julho de 1985.

54 Embora, pelos próprios limites deste trabalho, descreve-se com mais detalhes algumas das associações, listamos a seguir outras entidades expressivas do associativismo comunitário: Arte e Cultura Campeche; Associação de Pais e Professores (APP) da Escola Brigadeiro Eduardo Gomes; APP do Núcleo de Educação Infantil; APP da Escola Estadual Januária Teixeira da Rocha; Associação de Pescadores do Campeche; Associação Recreativa Cultural Esportiva Unidos; Associação Comunitária do Morro das Pedras; Associação dos Moradores do Bairro Castanheiras; Casa da Colina; Grupo da Terceira Idade; Grupo Carnavalesco ONODI; Grupo Alcoólicos Anônimos Campeche; Sociedade Espírita Obreiros da Vida Eterna; Grupo de Artesanato; Conselho da Capela São Sebastião; Movimento dos Amigos da Pedra do Urubu; Movimento Campeche a Limpo; Movimento Nosso Bairro; Sociedade Amigos do Campeche; Sociedade Esportiva e Recreativa Campinas; Sociedade Esportiva Bangu; Sociedade Esportiva Pingo de Ouro; Sociedade Esportiva Ponte Preta; Sociedade Esportiva Saracura; Sociedade Esportiva Zaire; Conselho Local de Saúde do Campeche; Associação de Moradores do Novo Campeche. 55 Texto elaborado a partir de e contribuição com Mauricio Romeu Antunes.

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As metas prioritárias naquela época, estabelecidas pela primeira diretoria e que tiveram um caráter reivindicativo e de gestão junto a vários órgãos públicos, podem ser enumerados: concessão de um terreno para a construção de uma Sede Social; linha de ônibus que saísse da comunidade para o centro da cidade; merendas para a Escola Municipal da Fazenda do Porto do Rio Tavares; construção na comunidade de um Posto de Saúde; instalação de um telefone público para essa comunidade; iluminação pública nos postes da Rodovia SC 404 no bairro da Fazenda do Rio Tavares. Além disso, objetivava-se criar no Conselho Comunitário mecanismos para dar alternativas de lazer, cursos, reuniões sociais e entretenimento para os moradores da comunidade.

O empenho e entusiasmo desse início de organização resultou em uma série de conquistas já na primeira gestão do Conselho, como a aquisição do terreno para a Sede Social e a sua construção. Vale lembrar a importância dessa obra, que permitiu que a comunidade de toda a região pudesse usufruir dessa conquista, inaugurando momentos memoráveis durante a década de 80 e 90, em que o salão do Conselho da Fazenda acolheu reuniões, grandes assembléias da região do sul da ilha, oficinas temáticas, fóruns realizados pela sociedade civil organizada, assim como grandes festividades e encontros da comunidade nas datas comemorativas. Outras conquistas foram a iluminação nos postes da rede pública na comunidade; telefone público; linha de ônibus com saída do bairro para o centro da cidade.

Um olhar para a história das organizações comunitárias da região sul permite percebermos que o Conselho Comunitário da Fazenda do Rio Tavares concentra um grande número de metas realizadas a que se somaram iniciativas com o caráter de apoio e formação para os moradores trabalhadores da região nas gestões seguintes: creche municipal na comunidade da Fazenda do Rio Tavares; melhorias nas ruas da nossa comunidade; cursos de informática, curso de dança para os moradores e nessa mesma direção a ampliação do Colégio Estadual de Ensino Fundamental; palestras referentes à política de saúde e sobre o tratamento de esgoto na comunidade; participação no processo de discussão sobre Plano Diretor da cidade e na proposta municipal de orçamento participativo, em meados de 1990; construção da Igreja na comunidade; em 2007, a construção de uma sede social.

Segundo o atual presidente do Conselho, Mauricio Romeu Antunes, pode-se afirmar o firme caráter político organizativo da entidade, que após 27 anos de luta, em que atuaram 11 diretorias, tem se posicionado com relação às proposições dos órgãos governamentais a partir da discussão com a comunidade, o que ocorreu, por exemplo, com a proposta de construção da Sub-estação de Energia Elétrica da Eletrosul; do Terminal Urbano TIRIO e da construção da Policlínica na comunidade. Para esta liderança, “a comunidade da Fazenda do Rio Tavares está consciente que só organizada e unida é que podemos construir um mundo melhor e temos que começar pela nossa comunidade, pelo nosso bairro, não adianta querer melhorar o mundo sem começar pelas nossas casas ou bairros.”

Associação de Surf do Campeche56 A Associação de Surf do Campeche tem sua história profundamente ligada às lutas mais

aguerridas da comunidade. A ASC foi a responsável pela propagação de uma consciência ecológica na região e, durante muitos anos, foi uma das principais protagonistas na intervenção contra a degradação das áreas ambientais protegidas pela legislação. Sua história marca a história da própria comunidade.

Em 1976 iniciou-se a prática do surf no Campeche com os surfistas Adilson Vieira (Cupim) e Sandro Linhares. No final dessa década outros jovens passaram a formar o grupo: Adilson Silva (Jabira), Giancarlo Piacentini, Ataíde Silva, Anízio, Careca nome?????, Roberto Cabral, Marcelo Linhares, André Linhares. Surfistas nativos e não nativos compartilhavam de um paraíso; sua principal intenção era curtir as ondas até então inexploradas. O surf era novidade em Florianópolis e tinha poucos praticantes em praias como Joaquina, Barra da Lagoa, Matadeiro e outras.

No início da década de 1980 começou a exploração territorial do Campeche e com isso a vinda de alguns grileiros e especuladores imobiliários. Começaram a acontecer as agressões ambientais, primeiro em terras públicas e, posteriormente, nas terras particulares. A invasão de locais como as dunas, a Lagoa da Chica, a Lagoa Pequena e as restingas agredia a comunidade local

56 Texto escrito por Ataíde Silva, presidente da ASC, editado pelos organizadores.

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em seus costumes; acostumados a respeitar a propriedade através dos laços de amizade e da lei, os moradores nativos nunca tinham vivenciado esse tipo de atitude. Nessa época os nativos demarcavam suas terras através de referências como árvores e pedras; as cercas quase não existam, prevalecia o respeito e a relação comunitária.

Segundo Ataíde Silva, a mobilização dos surfistas começa ao testemunharem, em 1981, a primeira invasão das dunas no sentido Morro das Pedras/Campeche. Sentiram-se, mais do qualquer outro membro da comunidade extremamente agredidos, por seu contato diário com aquela área, cultivando uma visão ecológica como prática de vida e para a prática de seu esporte , profundamente relacionado à natureza. Na ocasião, como segmentos da antiga comunidade não tivessem essa consciência ecológica, a luta por parte dos surfistas foi responsável por esse despertar em 1982 quando as denuncias para a imprensa começaram a criar corpo.

Foi, portanto, a necessidade de uma representação para criar resultado esportivo, político e jurídico que levou à intenção de se fundar uma entidade: além da prática do esporte, congraçamento e da organização dos surfistas, a formalização do direito de intervir em defesa do meio ambiente. Na reunião em que se fundou a associação adotou-se o nome de Associação de Surf Amantes da Natureza; posteriormente optou-se pela denominação Associação de Surf do Campeche, que só mais tarde, em 05 de outubro de 1985, foi registrada e legalizada, com a finalidade principal de defender o patrimônio natural, ambiental, paisagístico e cultural da Praia do Campeche. Começa assim uma trajetória de luta, estimulada em reuniões na residência do professor Etienne Luiz Silva, um dos mais ilustres associados, onde eram dadas as diretrizes e finalidade à associação. A sua contribuição foi grande, tanto para os surfistas quanto para a comunidade na medida em que, como um dos fundadores do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis, trazia informações e experiência para a organização da entidade que surgia com a finalidade de defender áreas de preservação, já que tinha acesso a mapas e identificava áreas garantidas por lei.

Os anos de 1980 foram marcados por muita luta. Onde a invasão das dunas se intensificava os surfistas se faziam presentes, arrancando cercas e educando a comunidade através de apresentação de slides em colégio, mostrando a crianças e pescadores a importância das dunas para o ecossistema. Nesse período, o reconhecimento pelo trabalho da ASC se fazia presente em convites para debates em canais de televisão e jornais, nos quis se difundiam soluções como pesquisa de viabilidade para terrenos em áreas de preservação permanente, evitando a oficialização de escrituras de posse por parte dos cartórios.

Apesar dessa resistência dos surfistas, foi muito grande a omissão dos poderes públicos em fiscalizar e maior ainda a irresponsabilidade dos cartórios, que liberavam escrituras de posse sem respeitar as áreas de dunas, mangues e encostas. A luta tornou-se de conhecimento nacional e a vinda da Revista Veja, TV Educativa de São Paulo, Jornal do Brasil e outros deu reconhecimento e importância à causa e a uma comunidade até então pacata, que não tinha essa consciência.

Por outro lado a Associação continuava seu trabalho e ampliava sua luta junto ao Movimento Ecológico Livre - MEL, que lutava pela concretização do Parque da Lagoa do Peri, Preservação das Figueiras do centro da cidade, do Parque da Luz, da Ponta do Coral e da Lagoinha do Leste. Portanto, a luta dos surfistas ganhou uma dimensão significativa, ampliando-se para a defesa de todas as dunas de Florianópolis, para a preservação do Parque do Rio Vermelho, da Praia do Matadeiro, das Encostas de Morro do Centro e outras áreas agredidas.

Foi também durante os anos de 1980 que se realizaram grandes eventos de surf, divulgando as causas da ASC e outras, como a preservação das baleias. A associação realizava eventos como o ArteSurf, com modalidade culturais, esportivas e ambientais, corrida de canoas para pescadores, campeonatos de surf, shows e feiras de artes para crianças, discussão da constituição, contando, em algumas ocasiões com a presença de pessoas ilustres, como o Arcebispo Dom Helder Câmara, a cantora Tetê.

Esse grupo de surfistas, juntamente com Enio Rocha e outros, conquistou muitos dos seus objetivos: a preservação de grande parte das dunas, o tombamento das Lagoas Pequenas e da Chica, o tombamento do Parque do Peri. E conseguiu criar a maior das vitórias: uma consciência ecológica com cidadania. Em memória de Etienne, Enio Rocha e outros que contribuíram para a causa, o sonho daquele pequeno grupo de surfistas continua vivo.

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A Associação de Moradores do Campeche – AMOCAM57

A AMOCAM foi criada em 25/04/1987 e surgiu da necessidade de apontar, reivindicar e manifestar a vontade e as necessidades da comunidade, representando-a junto às autoridades. A idéia de criar uma entidade partiu de um grupo de moradores que via suas reivindicações, nos anos 80, serem ignoradas pelo Conselho Comunitário do Campeche. Esse Conselho era vinculado ao governo Estadual (governo Jorge Bornhausen) através da Fundação Catarinense de Desenvolvimento Comunitário - FUCADESC. Atuava mais como um centro de politicagem, do que como um Centro Comunitário, de apoio à comunidade. Servia para diferenciar e favorecer os eleitores “da posição” e excluir os “de esquerda”. Muitos moradores tentavam em vão candidatar-se à presidência do Conselho Comunitário, mas eram impedidos por fraudes nas eleições (cadastro, votos de moradores de outros bairros). Servia como um apoio logístico aos eleitores da situação e seus representantes municipais tinham postura idêntica. Além disso, servia de apoio à ditadura militar, através de levantamentos dos “comandos sociais” que identificavam as lideranças, cooptando-as a apoiarem os governos em troca de cargos, empregos, melhorias, etc. A conseqüência dessa falta de interesse e articulação com os moradores fez com que o Conselho jamais representasse os moradores junto aos governos que se sucediam. Em 1985, por exemplo, o presidente do Conselho Comunitário, que era também intendente, quis derrubar a capelinha anexa à Capela São Sebastião, convencido pelo clima de modernização da década de 1970 ( em decorrência do “Milagre Brasileiro” propagado pela ditadura militar), uma onda administrações públicas, que destruía monumentos (capelas, engenhos, residências, prédios) e referenciais históricos da cultura local, substituindo-os por obras modernas que levavam o nome do político do momento (pontes, viadutos, aterros, avenidas...). Nesse período, era sonho político dar cara de metrópole a Florianópolis; muitos bairros, sem organização, não tiveram ideais e força para impedir a descaracterização de seus monumentos. Foi essa luta contra o desaparecimento de seus valores históricos, culturais e naturais, somados à total falta de infra-estrutura, portanto, que levou alguns moradores a criarem a Associações de Moradores do Campeche. A indignação de viver sem voz, representação ou melhorias coletivas levou em 1987 um grupo de moradores a criar a AMOCAM, uma associação que realmente atuasse em prol do conjunto dos moradores e independente do Conselho Comunitário 58. Dadas as divergências, os bairros de Florianópolis tinham um Centro Comunitário, ligado ao governo, e uma Associação de Moradores – ligada ao povo.

A AMOCAM tinha e tem como finalidade: integrar e dinamizar as ações da comunidade, aprimorando-a como agente de seu próprio desenvolvimento; representar a comunidade em todos os níveis e momentos, defendendo seu pensamento e ações; intermediar e apoiar ações que viabilizem o bom atendimento nas áreas de saúde, educação, transporte, segurança e lazer; promover condições e situações em que a comunidade tenha oportunidade de participar do trabalho comunitário, através dos quais desenvolva sua capacidade de compreensão e responsabilidade para com seus recursos hídricos, naturais e de lazer; integrar e fortalecer os valores de ordem ética, moral e cultural; representar a comunidade na defesa do meio ambiente e do patrimônio sócio-histórico e cultural, respeitando a legislação ambiental. A AMOCAM, composta por moradores voluntários, teve como 1° Presidente Andrino João Vigânigo, e a diretoria ficou composta principalmente por seus fundadores. Começa a luta por melhorias e anseios comunitários, por participação no planejamento do bairro. Naquela época, já pensaram num logotipo que caracterizasse a associação. Na comunidade havia um morador que adorava desenhar – o Germaninho –, e ele concebeu um desenho da AMOCAM representado pela ilha do Campeche. O desenho foi atualizado para a versão virtual. A Associação, no início e ainda agora, reivindicava tudo, pois o Campeche não tinha nenhuma infra-estrutura, faltava água encanada, telefones, orelhões, calçamento de ruas, parada de ônibus, ônibus, etc. Lutava pela preservação do patrimônio histórico e cultural (capela, casarão, campo de aviação, engenhos, caminhos, sítios

57 Texto elaborado a partir de entrevistas com Jacó Florêncio da Rocha e Lázaro Bregue Daniel. 58 O Conselho Comunitário acabou se misturando à Intendência do Campeche que era administrada pelo seu presidente Verondino Plácido da Rocha. Era sediado no Casarão, mas representava o governo municipal no local. O Conselho aos poucos perdeu força por falta de apoio e pela criação da AMOCAM – Associação dos Moradores do Campeche.

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históricos entre outros monumentos). Foi então que, em 1988, a Capela e seu entorno foi tombada – na gestão do prefeito Edson Andrino – como Patrimônio Histórico e Cultural de Florianópolis (Dec. Municipal 125/88), por pressão da comunidade. Nessa época também começaram a aparecer os movimentos ecológicos na ilha, principalmente instigados contra a “modernização” que destruía a natureza e a cultura em favor de grandes empreendimentos alheios à identidade local. Lutou-se para que o intendente fosse eleito pela comunidade, e quando Valter Chagas (Valtinho) foi eleito intendente do Campeche, havia uma parceria, a de lutar por pavimentação com lajotas na Avenida Pequeno Príncipe, pois o aumento de velocidade dos automóveis nas pistas asfaltadas era incompatível com a vida calma e pacata da comunidade. Contrariada a população local viu o asfalto chegar e também viu aumentar o número de atropelamentos; como paliativo, a AMOCAM pediu então lombadas para os carros diminuírem a velocidade.

A Associação dos Moradores do Campeche tem em sue curriculum uma história de lutas comunitárias em prol do coletivo; organizou festas beneficentes, mutirões para calçar áreas comunitárias (adro da Capela São Sebastião). As atividades da Associação do Campeche nos seus primeiros sete anos foram registradas num Boletim. Nesses 20 anos de existência, a AMOCAM teve altos e baixos, em função principalmente do envolvimento e atuação de seus presidentes e da diretoria de apoio. Assim foi que durante o orçamento participativo ela teve pouca atuação, em função do interesse/ou dificuldade em representar e participar. A história de luta da AMOCAM é muitas vezes ribalta para pretendentes políticos. Em seus 20 anos de existência, a associação foi e continua sendo uma das mais ativas da cidade.

APAM - Associação de Pais e Amigos da Criança e do Adolescente.59

A APAM é uma entidade beneficente, fundada em 28/11/89, com o apoio da Fundação Sirotsky e que, desde então, atua em atividades sócio-educativas nas Areias do Campeche, Morro das Pedras, parte do Ribeirão da Ilha e Jardim das Castanheiras. A sigla remetia ao vocábulo "menor", conforme definido no antigo Código do Menor. Com o tempo e a consciência política e de cidadania que fundamentaram a redação do Estatuto da Criança e do Adolescente, a expressão "menor" foi substituída por crianças e adolescentes, mantendo-se a antiga sigla, já consolidada no seio da comunidade. Trata-se de uma entidade de utilidade pública, cadastrada nos Conselhos Nacional de Assistência Social (CNAS), Municipal de Assistência Social (CMAS) e Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) e atende diariamente de 90 a 100 crianças e adolescentes. Muitas crianças na faixa etária de 7 a 14 anos estão na lista de espera, o que demonstra a necessidade de ampliação do espaço.

A APAM conta também com uma creche que atende 50 crianças entre 6 meses e 6 anos (subsidiada pela Prefeitura Municipal de Florianópolis). O atendimento é feito em colaboração com voluntários.

Inicialmente suas ações foram concentradas no "reforço escolar", atualmente denominado "reforço pedagógico"; hoje se estendem à assistência alimentar, palestras (prevenção odontológica, saúde pública), arte, reciclagem, colagem e reaproveitamento de materiais, resgate de valores morais e éticos, educação ambiental, combate ao desperdício de energia elétrica, oficinas de modelagem em argila (com a Fundação Franklin Cascaes), prática de xadrez, teoria musical (com o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil do governo federal - PETI).

No seu período inicial a diretoria da instituição era vinculada aos interesses políticos do prefeito de plantão. No período 2000/2001, um grupo de moradores preocupados com os problemas educativos e políticos mais gerais da comunidade, reuniu-se para formar uma chapa para uma nova diretoria que evitasse o encerramento das atividades da instituição, por falta de recursos financeiros, má gestão e desinteresse dos grupos que até então se revezavam na direção, a cada dois anos. Desse movimento surge uma nova diretoria, cujo desafio era deixar de ser uma instituição meramente assistencialista, caudatária dos interesses de políticos e prefeitos de 59 Texto elaborado a partir das contribuições escritas por Daniel Valois e Telma Pitta.

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plantão para passar a desenvolver uma consciência de cidadania participativa e democrática. Ressalte-se que a maioria dos membros da nova diretoria da APAM já fazia parte do Movimento Nosso Bairro, o qual debatia os problemas comunitários sem vinculações político-partidárias. Daí em diante, além das atividades educacionais e culturais específicas, a diretoria da APAM empenhou-se em diversas frentes de luta, passando a exercer mais amplamente seus deveres de cidadania, participando dos pleitos da comunidade e reivindicando melhorias na assistência médica, e no sistema viário, como pavimentação, onde a poeira imperava nos dias de sol e a lama atormentava durante as estações chuvosas – o que ainda acontece em algumas ruas que permanecem sem calçamento. A instituição celebrou convênios com a Prefeitura Municipal de Florianópolis e parcerias com a UFSC, escolas e ONGs locais. Esses convênios e parcerias potencializaram o aproveitamento do espaço da associação, com a criação de uma sala informatizada para apoio pedagógico e inclusão digital; o resgate de valores histórico-culturais, arte-educação, a qualificação para geração de emprego e renda e uma biblioteca comunitária.

Um exemplo marcante da atuação da APAM na comunidade foi a representação junto ao Ministério Público Estadual, contra a prefeita Ângela Amin, em defesa dos direitos da criança e do adolescente, objetivando a construção de uma nova creche no Bairro. Os recursos federais para a construção da creche foram devolvidos em 2000 por desinteresse da prefeita no projeto. Em 2001 foi novamente disponibilizada no orçamento da PMF e, quando estava prestes a atingir o prazo de aplicação e devolução pela segunda vez , não mais reencaminhada pelo Governo Federal. A pressão da mobilização popular garantiu a determinação do Ministério Público à Prefeitura para a imediata construção da Creche Francisca Idalina Lopes, localizada na rua Nossa Senhora de Fátima (Morro das Pedras).

Outra conquista importante em função da atuação da Associação foi a reforma da Escola Gen. José Vieira da Rosa no ano de 2005/2006, a qual estava completamente abandonada e trazia sérios riscos de desabamento. A conquista foi fruto de uma ação conjunta com a APP e direção da escola.

Embora as ações mais intensas da APAM sejam concentradas no eixo educação, sua ação se estende, como foi dito, a outras áreas. Quando o Governo Federal aprovou a Lei que instituiu o Programa de Saúde da Família, a APAM imediatamente se integrou às discussões para construção dos Conselhos de Saúde Municipal e Local, e um membro da diretoria foi eleito presidente do Conselho Local de Saúde do Morro das Pedras e suplente no Conselho Municipal de Saúde. Para chegar a essas conquistas houve muita discussão e luta, a fim de garantir um representante identificado com as necessidades e os direitos da comunidade nesse Conselho, de modo a garantir a implantação do Programa de Saúde da Família, que, embora com deficiências, funciona até hoje. Essas lutas contribuíram decisivamente também para reforma e reinaugurado do posto de Saúde de Morro das Pedras, no início de junho de 2007.

A APAM está alinhada com as lutas da Planície do Campeche em defesa da transferência do Campo de Aviação do Campeche para o município, a fim de servir aos interesses da comunidade, para a inadiável instalação de equipamentos públicos neste espaço, conforme for aprovado pelo Plano Diretor Participativo. Participa , também, desde 2001 das discussões do Plano Diretor. Alguns moradores do Morro das Pedras, que posteriormente vieram a atuar na diretoria, já participavam das discussões iniciadas no Campeche em 1997. Outra reivindicação atual junto à Prefeitura e à Câmara Municipal é a viabilização de equipamentos públicos numa Área Verde de Lazer (AVL) de 15 mil metros quadrados para o lazer da comunidade, totalmente desprovida de espaços públicos. Esta área é resultante da implantação do Loteamento Residencial Morro das Pedras, e há muitos anos reivindicada pela comunidade.

Associação dos Moradores da Praia das Areias (AMPA)

A Associação dos Moradores da Praia das Areias (AMPA), fundada em 29 de fevereiro de 1984, é uma das associações de moradores mais antigas da região Campeche - Morro das Pedras. Sua

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história está ligada intimamente à história de uma pequena comunidade surgida nos finais de 1970, conhecida como Comunidade da Praia das Areias.

A comunidade da Praia das Areias surgiu a partir de um casal de jovens artesãos que levantaram sua casa no lugar no final dos anos 70. Em poucos anos iria se constituir uma pequena comunidade no local. Em 1983, a família Berenhauser, proprietária da área, tenta recuperar a posse da terra e se sucedem sérios conflitos entre os moradores e os proprietários. No pequeno livro ilustrado por crianças da comunidade, Unidos para Vencer. A história da Comunidade da Praia das Areias (Florianópolis: UDESC, 2002), encontramos o seguinte relato sobre aqueles acontecimentos: “Certo dia, a comunidade foi invadida por homens desconhecidos. Estes carregavam armas e traziam cães, locomovendo-se rapidamente com o auxílio de jeeps [...] Tais homens passaram a rodear a comunidade por alguns dias [...] A princípio, os moradores da comunidade não entendiam o porquê daqueles homens estarem ali [...] Após algum tempo, as famílias concluíram que aqueles estranhos tinham por objetivo expulsá-los da terra” (págs. 22-25). No bojo desse conflito é criada a AMPA com o intuito de organizar e representar a comunidade. A partir de então o conflito entre a comunidade e a família proprietária se desenvolve na justiça.

Em 1995, num acordo com os proprietários, o então prefeito Sérgio Grando desapropria uma área de 29000 m2, espaço no qual a comunidade reorganiza o bairro em forma de mutirão, realocando as famílias que se encontravam fora da área desapropriada. O acordo previa o pagamento da prefeitura aos proprietários e o posterior pagamento parcelado das famílias à prefeitura. Porém, o Prefeito Grando não concretizou o pagamento e a família proprietária demandou novamente a reintegração da posse da terra.

Em 2000 a comunidade consegue, da Caixa Econômica Federal, o compromisso de financiar o pagamento da terra e descontar de forma parcelada das famílias. Para isso propõe que a prefeitura de Florianópolis atue como avalista do contrato de financiamento. A Prefeita Ângela Amim se nega a dar o aval da prefeitura e o acordo não se concretiza.

Em 2004 a família proprietária, através de seu advogado, comunica numa assembléia na sede da AMPA, com a presença de um representante daquele que viria a ser o novo prefeito da cidade, Dário Berger, que não reivindica mais a posse da terra, mas o pagamento pela mesma.

A comunidade da Praia das Areias conta hoje com 142 famílias que reúnem 586 moradores. A AMPA articula diversos projetos dirigidos a esse universo de pessoas, majoritariamente de baixa renda. Dentre eles: o PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), em parceria com a PMF, que atende 23 crianças de 7 a 14 anos através de trabalho de reforço escolar; o Projeto APLISYA, dirigido ao ensino de balé para crianças de 4 a 15 anos, que conta com a participação de 28 crianças e se orgulha de uma bem sucedida apresentação no Teatro Álvaro de Carvalho; o Projeto Agente Jovem, financiado pelo governo federal (MMA) e que atende 25 jovens de 15 a 18 anos em trabalhos de educação ambiental.

A AMPA estabeleceu convênios e parcerias com várias universidades para projetos na comunidade. Dentre eles é importante mencionar: o Projeto "Criança não é risco, é oportunidade”, em parceria com a UDESC, que resultou no mencionado livro “Unidos para vencer...”; e a parceria com o Centro de Arquitetura da UFSC entre 1999 e 2001, que resultou num projeto de urbanização da área, contemplado com um prêmio nacional e um prêmio internacional.

Os meios de comunicação alternativos Uma das características decorrentes da mobilização construída pela comunidade do

Campeche foi o desdobramento da luta pelo plano diretor participativo em diversas iniciativas descentralizadas que ganharam autonomia e identidade própria. O movimento comunitário, ao buscar formas de aproximação com o conjunto da comunidade local, foi criando canais de comunicação, periódicos, que vão permanecendo conforme a repercussão e legitimidade que adquirem. Em todos os casos, essas formas de comunicação surgiram com o objetivo de educar as comunidades da planície do Campeche para sua participação social e organização política.

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O jornal comunitário Fala Campeche

O Fala Campeche surge como veículo de mobilização política, informação e análise dos problemas sócio-ambientais com objetivos político-pedagógicos. Sua primeira edição data de julho de 1997, convocando o bairro para a participação no I Seminário Comunitário de Planejamento do Campeche, abordando os principais questionamentos do Plano Diretor da prefeitura para a região e pontuando uma crítica à ausência da participação popular no processo de sua elaboração. O primeiro número foi editado artesanalmente, por um número restrito de moradores, tendo uma forma próxima a um fanzine, modificando-se ao longo do tempo conforme o ingresso de novos participantes, inclusive jornalistas. A essa edição seguiram-se mais 20 números, sendo o ultimo em comemoração aos seus 10 anos de existência, mantida com a mesma proposta e linha editorial de debates sobre o planejamento urbano da região.

O corpo editorial do Fala Campeche mantém as características da prática do movimento comunitário que o criou – aberto, horizontalizado na distribuição e elaboração das matérias. Por critérios decididos internamente entre os moradores que formam um núcleo mais permanente e que têm a iniciativa de cada edição, as matérias não são assinadas. A pauta é elaborada e distribuída coletivamente, geralmente nas reuniões do movimento, e segue-se uma revisão, por parte de todos os participantes, dos textos elaborados individualmente, conforme conhecimento e interesse.

Mantendo-se pelo trabalho voluntário dos moradores (muitos profissionais de diversas áreas de conhecimento), o jornal é financiado por anunciantes da localidade ou, eventualmente, por projetos de extensão universitária (Figura nº 23). O jornal tem toda a sua trajetória marcada pela dinâmica do movimento social. A falta de periodicidade é a maior dificuldade do jornal, uma vez que suas edições dependem do trabalho jornalístico amador da comunidade. As últimas edições ( nº 18, 19, e 20) foram realizadas através de projetos de extensão universitária e captação de recursos junto a FAPEU/MMA/UNESCO. Independentemente da fonte de financiamento, uma característica do jornal, manteve-se como princípio: o envolvimento comunitário, quer nas definições da pauta de cada edição, quer através da elaboração das matérias centrais, mesmo que depois passassem por uma edição profissional para sua finalização.

O grupo de discussão virtual do Campeche

O Grupo de discussão [email protected] foi criado em 26 de julho de 1999 pelo jornalista e morador do bairro Dauro Veras e buscava agregar os diversos participantes das reuniões, assembléias, festas e atividades comunitárias. Conta hoje com 171 participantes e desde sua criação tem jogado um papel fundamental na comunicação e organização comunitárias. No histórico das mensagens, podemos encontrar momentos de alta participação, como o período de março a setembro de 2001, quando o plano comunitário foi entregue na Câmara de Vereadores. Com as tentativas de colocar os projetos de lei em votação na pauta do Legislativo, o debate via rede se mantém intenso entre 2001 e 2005, sendo que a comunicação, com o caráter mobilizador e organizativo dos moradores, deu-se no período monitorado pelo movimento após impetrada liminar para a suspensão da votação do Plano Diretor da prefeitura, contra seu encaminhamento sem a participação da população na sua elaboração. De um modo geral, o período anual de maior envolvimento nos debates via internet ocorreram de julho a dezembro, nesses anos, acompanhando temas e problemas vivos do bairro e da cidade, como transporte público, denúncias, educação ambiental e histórica, ações comunitárias, etc. Esse grupo também é mantido através do trabalho voluntário.

O sítio do MCQV na Internet: www.campeche.org.br

A partir do ano 2000, o sítio do MCQV, criado por iniciativa do morador Edson Wolff, também evoluiu com o trabalho voluntário de diversos participantes, constituindo-se numa fonte fundamental de informação e distribuição de materiais críticos para o sustento da organização comunitária. Resoluções de assembléias, o jornal comunitário Fala Campeche, mapas e documentos relativos ao Plano Diretor Comunitário, denúncias ao Ministério Público e textos fundamentais como o Dossiê Campeche e o estudo sobre a Lagoa Pequena estão disponibilizados no sítio para o uso público.

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No ano de 2006, como parte do Projeto Parque Orla do Campeche, coordenado pelo Instituto Sócio-Ambiental Campeche (Isacampeche), com o apoio financeiro do Ministério do Meio Ambiente, o sítio foi reformulado, incluindo novas ferramentas interativas e iniciando a construção de uma biblioteca virtual com o acervo dos documentos produzidos pelo movimento comunitário e textos acadêmicos sobre ele.

A voz na Planície. A Associação Rádio Comunitária do Campeche (ARCC)

No mês de janeiro de 1998, um evento marcou a história do bairro: fruto do espírito inovador

de um grupo de moradores apoiados pelo Movimento Campeche Qualidade de Vida, Movimento CAL e AMOCAM, realiza a sua primeira transmissão, ainda sem condições legais, a Radio Comunitária do Campeche. A iniciativa evoluiu nos anos seguintes até se transformar no principal meio alternativo de comunicação da região, acompanhando e divulgando os anseios, histórias e lutas da comunidade.

A criação da Associação Rádio Comunitária do Campeche está vinculada à luta de movimentos sociais e de suas entidades pela democratização dos meios de comunicação no Brasil. A idéia é uma comunicação independente, gerada a partir dos atores que produzem a notícia, ou aqueles integrantes de um contexto de relações partilhadas. Esse movimento tem sua maior expressão no início dos 1980 e se inspirou na luta pela liberdade de expressão.

Assim como as demais iniciativas políticas, culturais ou sociais que vêm se desenvolvendo na Planície, muitas foram as dificuldades que acompanharam a criação da Rádio, principalmente decorrentes da legislação para obter o registro de uma emissora comunitária, processo que durou cerca de 8 anos. Trata-se de “uma trajetória que começou com um número restrito de moradores para se constituir num veículo importante de informação que focaliza desde os problemas do morador na sua relação com o bairro, até relações com a cidade como um todo e que dizem respeito às políticas públicas no seu conjunto. Isto se reflete no Estatuto, quando se diferencia das demais rádios comerciais, contribuindo para que os membros da comunidade possam exercer sua crítica à realidade em que vivem” (www.radiocampeche.com.br). O dia 02 de abril de 2005 marca o início das transmissões da Rádio Campeche na freqüência modulada (FM) 104.9 para a região, ainda da casa do seu primeiro presidente, o jornalista Lúcio Haeser, pioneiro na luta pela Rádio Campeche, com programação basicamente musical intercalada por alguns avisos de utilidade pública e entrevistas. Foi a partir de junho de 2006 que a Rádio Comunitária começou a funcionar de forma mais estruturada, numa parte do terreno de propriedade do Sindicato dos Eletricitários de Florianópolis, cedida em regime de comodato. Mantendo-se pelas contribuições financeiras a título de apoio cultural, anuidades de seus associados ou campanhas eventuais que promove, a construção da sede merece um capítulo à parte: envolvimento comunitário, doação de material e uma relação de afeto e companheirismo. Foi um momento em que os moradores “puseram a mão na massa” em mutirões solidários e ergueram a construção de 30 m2 que deu forma e conjunto às portas, janelas, azulejos, telhas, tijolos, cimento, cal doados por moradores, comerciantes ou comprados conforme as possibilidades. Foi uma forma de os moradores do bairro se apropriarem do espaço e imprimirem identidade e afetividade no convívio coletivo.

A Rádio Comunitária Campeche tem cumprido seus objetivos de comunicação pela liberdade de expressão e mantém vínculo estreito com a Comunidade da Planície. Desde 1998, quando houve o “movimento pela Rádio Comunitária”, foi agregado apoio e participação ativa de moradores, movimentos sócio-ambientais, associações comunitárias e entidades. Isso qualificou a Rádio no contexto das lutas da planície e em muitos momentos, da cidade. Foram muitos os eventos em que a Rádio Comunitária deu voz aos moradores “inexperientes” no microfone. No ar, foram feitas cobranças aos órgãos públicos, transmitidos depoimentos, opiniões e idéias de pessoas que partilhavam e partilham aquele espaço público da Planície. Essas transmissões eram feitas tanto do Campo de Aviação, do adro da Igreja São Sebastião, durante os eventos culturais lá promovidos, do Auditório do Clube Catalina e da Sociedade Amigos do Campeche como das assembléias comunitárias. No mesmo período de 2006 a Rádio veiculou vinhetas educativas que abordavam

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temas tais como o Estatuto da Cidade, o Estatuto da Criança e do Adolescente, e da Cidadania e Meio Ambiente.

Foi essa convergência de interesses entre as práticas políticas, sociais e culturais que somaram uma imagem/representação forte para a Planície do Campeche. E, desde então, a localidade passa a chamar a atenção da mídia, dos políticos locais, estudantes e professores pesquisadores das Universidades.

Novas organizações comunitárias

Movimento SOS Esgoto Sul da Ilha Desde novembro de 2000, organizações comunitárias do Ribeirão da Ilha, Armação, Pântano

do Sul e Campeche vêm coordenando e articulando, em conjunto com os órgãos públicos (Federal, Estadual e Municipal), a busca de soluções para o saneamento básico da região, O grupo se constituiu como Movimento SOS Esgoto Sul da Ilha. O objetivo foi planejar sistemas de coleta e tratamento de esgotos em todas as localidades da região sul da Ilha.

A partir de encontros periódicos (mensais), o Movimento estabeleceu condutas em relação à coleta e tratamento de esgoto do sul da Ilha e tem contribuído para a educação sanitária na região, além de discutir e buscar, junto às autoridades, a solução dos problemas decorrentes da falta de saneamento básico no sul da Ilha.

Os precários sistemas de esgotamento sanitário (fossas) trouxeram, como conseqüência, alarmantes dados sobre a contaminação do solo, lençol freático, praias, lagoas e cursos d’água. A preocupação com a saúde pública (um surto de hepatite C na escola da Praia da Armação em 1999) foi a gota que motivou o Movimento a lutar pela implantação das obras de saneamento. Estudos, análises, pesquisas e exaustivas discussões entre voluntários da comunidade e técnicos dos órgãos envolvidos possibilitaram um levantamento aerofotogramétrico (IPUF) e a elaboração de projetos para tratamento de esgotos (CASAN) da região sul. Planejou-se na Planície Entremares a rede coletora que recolhe o esgoto das residências e é impulsionada por 8 estações elevatórias – pequenas construções munidas de bombas – até a Estação de Tratamento de Esgotos – ETE – localizada no terreno da CASAN em região próxima à Cachoeira do Rio Tavares. O tratamento será feito seqüencialmente por: grades, retirada de areia e de gordura, tratamento biológico anaeróbio, filtro biológico, decantação e adensamento de lodos. A ETE será munida de um processo de desinfecção e o efluente final passará por um sistema de raízes de plantas aquáticas em três etapas onde serão retirados os nutrientes, como nitrogênio e fósforo, para evitar a crescimento exagerado da vegetação do Rio Tavares.

O sistema atenderá inicialmente uma população de 3.000 habitantes hoje, e de 100.000 habitantes em 2025. O custo da obra será de 28 milhões de reais, sem considerar os custos dos Estudos de Impacto Ambiental e dos relatórios de EIA e RIMA. A CASAN ou a empresa responsável pelo saneamento ambiental de Florianópolis deverá efetuar o EIA/RIMA e audiências públicas antes de qualquer alteração na região, em vista da fragilidade do solo e da existência do Rio Tavares, que deságua no manguezal do Rio Tavares – Reserva Extrativista do Pirajubaé – atendendo as disposições da Resolução 001/86 do CONAMA.

O Movimento SOS Esgoto Sul da Ilha tem buscado envolver as comunidades na mobilização e conscientização, de modo a construir força política que apóie a implantação dos projetos de saneamento ambiental. Para isso vem tentando comprometer as autoridades municipais, estaduais e federais no sentido de obter recursos para viabilizar as obras e os estudos ambientais. Hoje, o Movimento SOS Esgoto Sul da ilha busca recursos junto à CEF, através do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para viabilizar os projetos de saneamento, principalmente o do Campeche acima descrito.

O Isacampeche

Fundado em 31 agosto de 2002, o Instituto Sócio-Ambiental Campeche nasceu no seio do Movimento Campeche Qualidade de Vida – MCQV para atuar de maneira efetiva na continuidade da produção e socialização do conhecimento, intervenção através de projetos sócio-ambientais e no

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apoio de ações coletivas, relativas ao bairro e à cidade de Florianópolis. A insuficiência de institucionalização legal dos movimentos sociais tem dificultado a execução e continuidade de projetos e a atuação de natureza institucional. A experiência comunitária sob a forma de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP –, fundamentada em Estatuto, foi concebida com a finalidade de realização de projetos sócio-ambientais, utilizando os meios de comunicação comunitários voltados para a educação e formação para a cidadania.

O Isacampeche acrescentou um novo elo na já densa organização e atuação coletiva da comunidade, apoiando e subsidiando diversas iniciativas comunitárias, dentre as quais se encontram a Rádio Comunitária, a manutenção do sítio eletrônico do Movimento Campeche Qualidade de Vida. O Instituto coordenou o Projeto Parque Orla do Campeche, que inclui, entre seus resultados efetivos, a veiculação de vinhetas educativas na Rádio Comunitária, a reformulação técnica e início da biblioteca virtual no sítio www.campeche.org.br, a edição de três exemplares do jornal comunitário Fala Campeche e a formulação de uma proposta arquitetônica para a utilização do Campo de Aviação como espaço esportivo cultural da comunidade e da cidade, o PACUCA – Parque Cultural Campeche.60

O Conselho Comunitário de Segurança – CONSEG. A segurança pública como movimento social61

Pode-se observar na organização político-comunitária da Planície do Campeche que o eixo reivindicativo de atuação se redimensiona tanto pela ausência do Estado como pela sua intransigência em relação à participação popular na elaboração da política de planejamento urbano, ou ainda pela precariedade das políticas públicas em geral. É, portanto, com uma orientação propositiva pela sustentabilidade que a comunidade organizada incorpora novas pautas. Em 2002, diante dos problemas causados pelo crescimento populacional, agravamento da crise econômica, desemprego, violência, etc, a cidade começa a ser sensibilizada para a incorporação do tema da segurança pública.

Talvez ainda como um rescaldo do período ditatorial no Brasil (1964-1985), o assunto segurança pública não tem recebido por parte dos movimentos sociais a importância devida. Nos anos 1990, face ao aumento dos índices de violência urbana, muitas entidades da sociedade civil voltaram suas atenções sobre o assunto, mobilizadas pela grande imprensa e setores mais politizados da classe média. De fato, parece haver uma relação entre violência e aumento das desigualdades sociais, tímido crescimento econômico, o desemprego e o trabalho informal, e ausência do Estado como amparo social efetivo às famílias colocadas abaixo da linha de pobreza. Isso explode como violência, na forma de furtos, roubos e homicídios, além do aumento da extensão do tráfico de drogas, vitimando principalmente a população mais jovem.

Embora não seja a área “nobre” de atuação dos movimentos sociais, a segurança pública, paradoxalmente, é a que mais mobiliza as pessoas, como se uma psique do medo estivesse sendo formada. De um lado, o aparente despreparo do sistema policial na articulação entre as diferentes esferas bem como entre as dimensões preventivas e repressivas e, por outro, o crescente recurso à segurança privada, que não contribuiu para diminuir os indicadores de violência vastamente divulgados pela imprensa. Florianópolis, inclusive o sul da Ilha, não está fora desse problema.

O que principalmente motivou o movimento social local a assumir essa questão foi o aumento dos índices de ocorrências de delitos diversos, inclusive violentos, na região do Campeche e o clima de insegurança provocado por tais fatos. As iniciativas movimentalistas foram então levadas à dirigirem suas atenções também a essa questão, juntamente com a questão ambiental. O conceito

60 Embora não seja objeto desta narrativa, vale mencionar que a proposta preliminar, elaborada a partir de diretrizes do I Seminário Comunitário do Campeche e através de projeto aprovado pelo Ministério do Meio Ambiente e UNESCO, foi apresentada e aclamada pela comunidade durante o II Seminário de Planejamento do Campeche e encontra-se disponível para consulta no sítio www.capeche.org,br. 61 Texto elaborado por Fernando Ponte de Sousa, membro do CONSEG e do Movimento Campeche Qualidade de Vida. Toma como referência o relatório do projeto de extensão universitária, coordenado pelo mesmo e desenvolvido no Departamento de Sociologia e Ciência Política, UFSC- Organização da participação comunitária na definição da política de Segurança Pública do Campeche (25/ 10/ 2003)

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real de urbanização, que parecia efetivar-se aos poucos com os problemas ambientais, mostrou sua cara muito mais rapidamente com os problemas da violência.

As manifestações dirigidas à AMOCAM (Associação dos Moradores do Campeche) pareciam alimentadas e alimentadoras da cultura do medo. Elas se apresentavam como propostas que pareciam entender a violência como de responsabilidade exclusivamente policial e, dada a ausência da polícia, a proposta mais recorrente era a arbitrariedade, beirando, muitas vezes, o fascismo. Exemplos disso são a contratação de seguranças ou formação de milícias particulares para vigiar, controlar e expulsar do bairro adolescentes e jovens suspeitos de autoria dos delitos, usando de violência se necessário, conforme registrado no Seminário Comunitário realizado em 13 de julho de 2002, na ASFISSI, Campeche, convocado pela AMOCAM, Comissão de Segurança e Movimento Campeche Qualidade de Vida, para discutir A Segurança Pública, o Papel do Estado e a Comunidade.

Esse seminário formou uma outra visão sobre o assunto, bem como motivou as pessoas a estabelecer um movimento comunitário, colocando o assunto da segurança pública como um movimento social que influencia nas definições das políticas públicas. Com palestras de autoridades e pesquisadores, além de membros da comunidade regional, ficou claro que a visão individualista ou segregacionista, longe de resolver, desloca o problema, criando outro maior.

Pesquisa feita pela Organização Mundial da Saúde e divulgada na época aponta o Brasil como o terceiro país do planeta que mais tem assassinatos a cada 100 mil habitantes – perdia então apenas para Colômbia e El Salvador. E uma das causas mais recorrentes é a desigualdade social que se expressa na falta de perspectiva de futuro de grande parcela de jovens vítimas de uma real degradação social. A escassez de empregos, a renda e a destruição dos laços comunitários fomentam essa tendência (Diário Catarinense, 04/10/2002, p.26).

Pesquisa divulgada pelo Ministério Público Estadual – SC (O Diário, 23/05/2002, p23) revela que a maioria dos adolescentes que perderam a liberdade por envolvimento com o crime em Santa Catarina é de família pobre, tem baixa escolaridade e começou a usar drogas entre 12 e 16 anos e convive com elas dentro das próprias casas. De fato, pesquisa mais abrangente, da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, feita em 2.351 estabelecimentos de ensino de todo o país, mostra que o consumo de drogas atinge 32% das escolas, como um problema que provoca o aumento da violência (Folha de São Paulo, 10/05/2002, p. C7).

Em Santa Catarina, os números registrados na Promotoria da Infância e Juventude de Florianópolis indicam que cerca de 80% dos atos infracionais cometidos por adolescentes, na capital, têm ligação com o tráfico de drogas, principalmente na população mais pobre, na qual a falta de perspectiva de vida e a baixa escolaridade leva parte dos jovens ao tóxico.

Conforme levantamento feito no início de 2003 no Segundo Distrito Policial – cuja jurisdição é todo o sul da Ilha, desde o bairro Saco dos Limões ao extremo sul, bem como levantamento feito no COPOM da polícia militar, a região do Campeche confirma esse quadro, na medida em que boa parte do aumento dos delitos registrados é cometido por jovens direta ou indiretamente vinculados às redes de tráfico de drogas.

É preciso também considerar a total ausência de equipamentos urbanos esportivos e culturais, bem como a inexistência de escola de segundo grau na região. Sendo assim, o desafio que se colocava era convergir ações policiais, então quase totalmente ausentes na região, com ações sociais voltadas aos jovens. A sensação de segurança da população decorrente da maior presença da polícia tornou-se um objetivo, mas seria fortuita sem ações preventivas, de cunho político-cultural e não apenas policial.

Essa convergência tem um denominador comum que a torna possível: a participação da população local, organizada e consciente, para viabilizar intervenções alternativas a partir da realidade da região, bem como influenciar no papel do policial, numa outra perspectiva cultural, a da polícia comunitária.

Vale registrar a importância, na ocasião, da intervenção de professores da UFSC, que através de um projeto de extensão, contribuíram na realização do seminário, divulgação de informações de pesquisas sobre o assunto no jornal comunitário Fala Campeche, além de apoiar com material para convocação das primeiras assembléias. Com essa intervenção, nas reuniões da AMOCAM com

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membros do Movimento Campeche Qualidade de Vida, definiu-se pela formação de uma Comissão de Segurança específica para tratar desse assunto.

Os encaminhamentos da Comissão de Segurança, diante da complexidade da questão, foram no sentido de tornar públicas todas as suas reuniões, de ampliar a participação para outras entidades do bairro, bem como abranger nas suas atividades os bairros vizinhos: Fazenda do Rio Tavares, Rio Tavares, Morro das Pedras, Areias da Praia do Campeche e Castanheiras.

Através de seminários, com apresentação de dados colhidos em pesquisas feitas nos órgão pertinentes, foi possível visualizar o quadro real da região e assim estabelecer outras reflexões. Em reuniões e assembléias, era reconhecida a complexidade social da questão e, aos poucos, a existência de uma cultura participativa no bairro, facilitou a construção de uma visão sócio-educativa do problema, como se constata nas definições da reunião de 21 de novembro de 2002, na Escola Brigadeiro Eduardo Gomes. Convocado pela AMOCAM e pelo Movimento Campeche Qualidade de Vida, o evento encaminhou a formação de uma Comissão Comunitária de Segurança, abrangendo todas as entidades da Planície do Campeche.

A Comissão Comunitária de Segurança deveria ter como objetivo desenvolver uma consciência cívico-democrática e dos direitos da cidadania, valorização da prevenção dirigida contra as condições que estimulam o crime: mobilidade do trabalho policial ostensivo e preventivo orientado pelo compromisso com a construção social da paz e com respeito aos direitos humanos, polícia comunitária, incluindo o trabalho de diagnósticos sociais relacionados aos delitos.

A reunião seguinte, de 14 de dezembro de 2002, também na Escola Brigadeiro Eduardo Gomes, foi amplamente divulgada por cartazes e convites e contou com expressiva participação voluntária das pessoas e de representantes das associações. Nessa reunião foi então formalizada a criação da Comissão de Segurança Cidadã, conforme filosofia e objetivos registrados no livro de Atas e Registros, na página de abertura (Material de referência nº 21). Trata-se de um marco histórico no trato da questão, pelo menos no âmbito do bairro, face a um passado imediatamente anterior, de uma visão autoritária e fascista. Na seqüência do livro de registros das reuniões as ações foram delineadas e encaminhadas. Destas, destacam-se três de significativa importância:

A instalação da 3a. Cia do 4o. Batalhão da Polícia Militar no Campeche

Conscientes de que a ausência da polícia militar e civil no Campeche propiciava o clima para ações de violência, a Comissão Comunitária de Segurança Cidadã passou a atuar nessa direção. Somava-se , também, a ausência de qualquer posto policial na região, de Corpo de Bombeiros e a existência de uma única delegacia no atendimento de todo o sul da Ilha, como foi dito anteriormente, o 2o. DP, no bairro Saco dos Limões, compreendendo sua jurisdição quase metade da Ilha.

Diante desse quadro de precariedade foram realizadas reuniões com moradores e representantes de associações à procura de encaminhamentos práticos. Foi decidido, com a participação da Câmera dos Vereadores, articulada pelo então vereador Lázaro Daniel, convocar o Secretário de Segurança e autoridades da área para uma audiência pública, realizada em 22 de maio de 2003 na Sociedade Amigos do Campeche – SAC. Conforme o livro de atas, contou-se com diversas autoridades e participação de 108 pessoas numa noite fria e chuvosa.

Nessa audiência foi apresentado o diagnóstico sobre a situação de segurança no bairro e apresentadas as propostas da comunidade. O Secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão, Deputado João Henrique Blasi, comprometeu-se com algumas propostas, tais como: presença da polícia militar, instalação de uma unidade operacional do Corpo de Bombeiros e reforço e equipamentos para os salva-vidas.

Com o acompanhamento quase diário da Comissão de Segurança, as medidas foram iniciadas, e a principal delas foi reforçada pelo pedido enviado em 18/07/2003 ao Secretário de Segurança, solicitando uma sub-unidade do 40º Batalhão da PM62. Em 24 de julho do mesmo ano, em ofício ao

62 Juntamente com essas iniciativas, e orientada pela idéia de que a questão da violência não é meramente repressiva, a Comissão passou a incluir na pauta das reuniões a necessidade de contribuir com os projetos esportivos e culturais que envolvessem prioritariamente a juventude. Neste sentido, foi definido o convite às secretarias municipais e estadual que tivessem projetos ligados às atividades esportivas e culturais, aproveitando os espaços já existentes nas escolas públicas e

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movimento e à Comissão de Segurança, o Secretário de Estado de Segurança Pública noticia a transferência da 3a. Cia da PM, que ficava no bairro Pantanal, para o Campeche, nos termos e condições propostos pela Comissão , ou seja, na Avenida Pequeno Príncipe, em imóvel custeado pela comunidade nos primeiros 12 meses – uma condição importante, dada a inexistência de área própria para a ocupação imediata da 3a Cia. (150 pessoas, entre soldados, cabos, sargentos e dois oficiais, várias viaturas, motos e bicicletas). A limpeza e reforma do imóvel foram feitas em regime de mutirão por membros da Comissão de Segurança e moradores. A inauguração da sede da 3a. Cia, com a participação popular e apresentação da banda de música da PM, exposição de atividades do Corpo de Bombeiros e de cães amestrados, deu-se no dia 09 de setembro de 2003.

A formação do CONSEG

Visando possibilitar uma maior influência nas políticas de segurança pública, colocou-se então a discussão da institucionalização da Comissão Comunitária de Segurança – Conseg, diante dos resultados concretos, embora parciais, obtidos pelo movimento, e considerando o caráter participativo da comunidade e sua legitimidade, seu desafio então foi institucionalizar-se conforme a legislação (Lei 9608 de 18 de fevereiro de 1998, do estado de Santa Catarina).

A pertinência de transformação da Comissão em Conselho Comunitário de Segurança, nos termos da lei citada, estava em possibilitar a participação obrigatória da polícia militar, polícia civil e polícia ambiental, juntamente com as entidades já constituídas na região. Tal participação visava então uma possibilidade legalmente constituída de a população, através da comunidade organizada, influir nas políticas de segurança pública para a região e influenciar as atividades policiais com a constituição da polícia comunitária. Para isso, algumas reuniões representativas foram feitas e uma proposta de Estatuto do CONSEG foi elaborada, tomando como base o estatuto oficializado pela Secretaria de Segurança, mas com duas alterações significativas e provavelmente únicas no gênero em relação a a outros CONSEGs:

1. participação direta da população com uma organização horizontal, quer dizer, não vertical. Todos os membros da diretoria, sem presidência, são coordenadores que formam um colegiado. A cada reunião decide-se a coordenação da mesma, bem como as atribuições em função dos encaminhamentos decididos em assembléia;

2. foi incluída como conceito e atribuição do Conseg a segurança ambiental. Daí tornar obrigatória a participação da polícia ambiental e atuação nas questões deste âmbito, sempre que trazidas às assembléias. De fato, vários casos foram abordados, sendo objeto de intervenção, em especial as ocupações irregulares em áreas de preservação.

A Assembléia de aprovação dos Estatutos e criação do CONSEG foi realizada no dia 06 de dezembro de 2003 na Escola Brigadeiro Eduardo Gomes. A atuação do Conseg da Planície do Campeche como parte e fruto de um movimento social mais amplo possibilitou a formulação da questão da segurança como de cunho público e mobilizador e de dimensões objetivas e subjetivas noutra direção: o comunitarismo não dispensa o Estado, mas coloca-o como republicano, em que a coisa pública, comum e coletiva, tem na população uma participação decisória.

Atualmente a sede da 3a. Cia da PM, com o atual comando em permanente diálogo com a comunidade, funciona em imóvel mais amplo, custeado pelo Estado, com espaço para participação da comunidade em projetos e pesquisas orientadoras à atuação na segurança pública. Também está em elaboração, em conjunto com o comando dessa Cia., um programa semanal na rádio comunitária do Campeche. O CONSEG participa ativamente do Núcleo Distrital de mobilização e coordenação da elaboração do Plano Diretor Participativo da Planície do Campeche e da cidade, levando às

entidades. As secretarias, nesse primeiro momento, responderam positivamente, e um projeto integrado e global foi apresentado, envolvendo 4 escolas públicas da região, com material e estagiários fornecidos pelas secretarias. As atividades planejadas para iniciarem em novembro de 2003 culminariam em janeiro de 2004 com um Festival Esportivo e Cultural do Sul da Ilha. Sem possibilidade de custear os estagiários e pela ausência de apoio da Secretaria Estadual de Educação e Cultura e Lazer, o festival foi adiado, entrando em debate noutra fase do projeto. Tampouco foi possível um acompanhamento das atividades que deveriam ser desenvolvidas nos finais de semana como alternativas dirigidas às crianças e jovens nas escolas e entidades que receberam o material.

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discussões do Plano Diretor a questão segurança pública pautada no quadro conceitual e prático em andamento na região.

Ainda no aspecto ambientalista é de se destacar aqui o convênio entre a PM e a SUSP, que possibilitará à PM fiscalizar e autuar obras irregulares em área de preservação. O que significa, conforme já previsto no Estatuto do CONSEG do Campeche, que tais ações tomam um outro vulto, e aquilo que parecia uma intromissão agora ganha institucionalidade e autoridade

A continuidade da luta comunitária pelo Plano Diretor em articulação com as lutas da cidade Como foi visto anteriormente, o movimento comunitário do Campeche participou

ativamente das diversas articulações entre os movimentos sociais de Florianópolis. Assim como participou nas jornadas do Orçamento Participativo na gestão do Prefeito Sérgio Grando, também participou ativamente do processo de elaboração da Agenda 21 na gestão da prefeita Ângela Amim. Nesse âmbito, a AMOCAM e o Movimento Campeche Qualidade de Vida trabalharam intensamente junto com outros movimentos sócio-ambientalistas, para a incorporação das reivindicações comunitárias contidas no Dossiê Campeche. Lamentavelmente, o burocratismo e falta de vínculo com o movimento real da cidade, característico da gestão da prefeita Ângela Amin, contaminou também o processo da Agenda 21, que acabou no triste desfecho de um texto de gabinete em meados de 2000. Contudo, a Agenda 21 serviu para estabelecer vínculos estreitos entre os movimentos mais dinâmicos da cidade. Em julho desse ano a então presidenta da AMOCAM, Tereza Cristina Barbosa, viaja para o Fórum Internacional URBAN 21 em Berlim, na Alemanha, em nome de uma lista importante de associações e movimentos, vereadores, deputados de Florianópolis, com o objetivo de denunciar a farsa da elaboração da Agenda 21 de Florianópolis e expor as reivindicações nascidas no chão das comunidades.

Como continuidade desse trabalho de articulação, no final de 2000 e 2001, o movimento comunitário do Campeche participa dos grupos que se separaram criticamente da Agenda 21, buscando novas formas de articulação. Com esse intuito integra-se ao evento denominado “Experiência em Cena III: A Cidade que Queremos, um olhar dos sujeitos das Organizações Sócio-Comunitárias de Florianópolis”, realizado em 02 de junho de 2001, pelo Núcleo de Estudos em Serviço Social e Organização Popular – NESSOP63. O objetivo principal era agregar e articular as diferentes entidades comunitárias em um grande evento de Florianópolis, denominado I Fórum da Cidade, em outubro do mesmo ano. Desse evento surge uma articulação permanente das entidades participantes – o Fórum da Cidade, do qual o MCQV se torna participante permanente. Nessa condição o Movimento Campeche Qualidade de Vida participou da organização de Seminários Regionais no segundo semestre de 2002, destinados a realizar um levantamento exaustivo das reivindicações dos bairros da cidade e da organização do II Fórum da Cidade em 4 e 5 de julho de 2003. O II Fórum destinava-se a sistematizar essas reivindicações e avançar na organização municipal.64 Em 15 de agosto a Prefeitura de Florianópolis realiza a I Conferência da Cidade, para a qual foram convidados apenas os membros do escalão administrativo e alguns empresários da cidade. Essa Conferência foi impugnada pelos movimentos populares poucos dias depois, uma vez que excluía as entidades sócio-comunitárias da participação. Assim, em 12 e 13 de setembro ocorre uma conferência alternativa, organizada pelos movimentos populares nucleados no Fórum da Cidade, denominada I Conferência Democrática da Cidade. O MCQV participa ativamente de todas as atividades onde o tema é a “cidade”, inclusive nas Conferências das Cidades estadual, de 28 a 30 de setembro, e nacional, de 23 a 26 de outubro em Brasília.

Em março de 2003, o bloco governista coloca de novo em pauta a votação do Plano Diretor, com a possível intenção (pela falta de publicidade até um dia antes da votação) de surpreender a comunidade. Contudo, a população reage rapidamente, realiza uma intensa mobilização na Planície 63 O evento contou com a participação de 215 pessoas (entre elas 79 lideranças comunitárias em representação de 34 organizações, professores da UFSC, alunos, representantes do Poder Legislativo e Executivo Municipal e imprensa), e transformou-se numa caixa de ressonância dos problemas e angústias do que se denomina, no seio do movimento, a “cidade real” (Documento Final do I Fórum da Cidade. Florianópolis, mimeografado, 2001). 64 Participaram do II Fórum 608 pessoas representantes de 100 associações (Relatório Final do II Fórum da Cidade. Florianópolis, mimeografado, 2003, p. 2)

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do Campeche e na cidade, aglutinando outros movimentos e organizações populares (como o Fórum da Cidade, União Florianopolitana das Entidades Comunitárias - UFECO, Movimento Ilhativa) concentrando mais de 200 pessoas na Câmara de Vereadores. Ao mesmo tempo, o movimento interpõe na Justiça um pedido de liminar subscrito pela AMOCAM e a UFECO, com o objetivo de suspender a votação até a realização de audiências públicas, de acordo com a Lei 10257/0165. A falta de cumprimento das exigências previstas na liminar judicial impediu a discussão do Plano Diretor no restante do Governo Ângela Amin. (Figura nº 12). Mesmo com a liminar da Justiça que impedia a votação do Plano Diretor na Câmara de Vereadores, o MCQV e a AMOCAM prosseguem o trabalho de esclarecimento e informação em forma de oficinas itinerantes na planície que foram denominadas de “aulões”, atualizando e conscientizando à comunidade sobre a importância da sua participação no planejamento, vigilância e cobrança do poder público sobre as alterações de zoneamento arbitrárias na planície.

Em meados de 2003, o Movimento Campeche Qualidade de Vida decide dar um novo impulso à luta pelo Plano Diretor, visando intervir no pleito eleitoral de 2004. Para isso convoca uma assembléia comunitária para o dia 17 de outubro de 2003, convidando os partidos políticos e seus pré-candidatos para os cargos de prefeito e vereador. A assembléia comunitária estava destinada também a denunciar uma série de irregularidades e crimes ambientais e contra o patrimônio histórico ocorridos na região. A assembléia, que contou com uma grande participação dos moradores e com alguns representantes dos partidos, aprovou uma série de recomendações para o desenvolvimento da região, denominadas como Compromisso do Campeche (Material de referência nº 22)

No primeiro semestre de 2004, o MCQV e o Isacampeche participam da organização do III Fórum da Cidade, que tinha como objetivo a politização popular sobre os candidatos a prefeito e vereador. O III Fórum foi programado no conjunto de oito eventos: um lançamento do processo em 19/8 na Câmara Municipal; seis debates regionais com os candidatos a vereador entre 1/9 e 9/9; e um debate com os candidatos a prefeito em 25 de outubro de 2004.66 Além do processo participativo, um resultado fundamental do processo do III Fórum da Cidade foi a sistematização de um conjunto crítico de propostas para a cidade publicadas no boletim Info, III Fórum da Cidade, de ampla circulação

Essa experiência de articulação com os movimentos sociais da cidade foi fundamental no posicionamento do movimento comunitário do Campeche tanto na relação com outros movimentos sociais da cidade quanto na relação com o poder público municipal, relação que se consolidará no processo de constituição do Núcleo Gestor para a elaboração do Plano Diretor participativo da cidade, como veremos mais adiante.

Um novo desafio: O plano diretor integrado e participativo de Florianópolis

Um novo capítulo da “novela do Campeche”, como foi apelidado o conflito sobre o Plano diretor pelos moradores, inicia-se quando nas eleições municipais de 2004 é eleito o candidato do PSDB, Dário Elias Berger.

Em 8 de março de 2005, a Justiça cassa a liminar que impedia a votação do Plano Diretor da Planície67 desde março de 2003, e o Presidente da Câmara de Vereadores anuncia publicamente a retomada imediata da discussão do Plano Diretor do Campeche. A comunidade reage imediatamente e, no dia 11 de março, o Movimento Campeche Qualidade de Vida e Isacampeche encaminham ao Prefeito um documento pedindo uma análise profunda dos planos diretores e alertando sobre a obsolescência do plano (iniciado, lembre-se, em 1989) e sobre as irregularidades, ilegalidades e a

65 A solicitação da liminar que suspendeu a votação do projeto de Plano Diretor do Campeche, assinada pela Associação dos Moradores do Campeche (AMOCAM) e pela União Florianopolitana das Entidades Comunitárias (UFECO), teve como réu o presidente da Câmara Municipal, Marcílio Ávila. O processo recebeu o número 023.03.028687-8 e tramitou na Vara de Feitos da Fazenda da Comarca da Capital. (Fonte: AN Capital, 8-3-2005). 66 Nos eventos regionais, 31 candidatos a vereador compareceram; foram contabilizados 496 participantes. O evento principal do III Fórum, o debate com os candidatos a prefeito, contou com 8 dos 9 aspirantes ao cargo e a presença de 700 participantes. 67 Em decisão tomada no dia 5 de outubro de 2004 o juiz Hélio do Valle Pereira, considerou "extinto o processo sem análise do mérito pela ilegitimidade ativa, prejudicada a liminar". Ele considerou que a suspensão da tramitação do projeto deveria ter sido solicitada por um dos vereadores e não por entidades comunitárias (Fonte: AN Capital, 8-3-2005).

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insustentabilidade hídrica do plano proposto pelo IPUF. No dia 2 de abril, o movimento reagrupa forças numa assembléia cuja pauta era voltada para a suspensão da discussão na Câmara e pela retirada dos Planos Diretores da Prefeitura e o “Frankenstein” da Câmara de Vereadores.

A nova administração municipal incumbe o IPUF de chamar as associações de moradores a participarem de reuniões (ofício IPUF: 0232/2005) na tentativa de resolver o impasse sobre a aprovação dos projetos de Lei da Planície Entremares. Comparecem 23 entidades representando os movimentos sociais da Planície, expressando a decisão de participar do processo. Entretanto, o número e a representação social é questionada, e o prefeito Dário Berger, através do Decreto Municipal 3357/05 de 15/04/2005, cria uma Comissão Especial de Análise, que, basicamente, é composta de representantes dos órgãos públicos e por apenas três moradores. A comissão visava mediar o conflito com a comunidade e analisar as três propostas de plano diretor para a Planície Entremares existentes na Câmara de Vereadores, na tentativa de construir um consenso.

O centro das discussões se voltou ao número de representantes da tal comissão e a falta de participação representativa e democrática do conjunto da população, e ao peso das responsabilidades e as ilegalidades de origem. Novos documentos, reuniões e acareações dos planos diretores são realizados. Nesse processo, a comunidade pedia a retirada definitiva dos “Planos Diretores” da Câmara, mostrando a degradação ambiental e inconstitucionalidade de partes já aprovadas do plano oficial68 e argumentando sobre a impossibilidade de construir consenso na ilegalidade. O Executivo Municipal, por outro lado, se negava a ampliar o número de representantes na Comissão Especial. Nesse impasse, a comissão especial vegetou sem resultados efetivos.

Em junho, o presidente da Câmara de Vereadores leva ao Prefeito o conjunto de documentos referentes aos Planos Diretores da Planície Entremares. Era uma enorme quantidade de papéis e mapas referentes aos planos ainda em discussão e suas inumeráveis emendas. Uma pilha de documentos sem fim. O prefeito retira o Plano Diretor da Câmara. Contudo, a comunidade continuou solicitando urgência na abertura de um processo democrático e participativo para a elaboração e construção de um plano diretor nos moldes do Estatuto da Cidade. O bairro vinha sofrendo uma enorme descaracterização e adensamento com a aprovação parcial de pedaços do plano oficial pela Câmara de Vereadores, muitos deles inconstitucionais e ilegais. A exigência do Estatuto da Cidade, de reformulação dos planos diretores até outubro de 2006 nos municípios com mais de 20.000 habitantes, estabeleceu os parâmetros do último período do conflito.

Na 2º Conferência da Cidade, tanto na sua etapa municipal ocorrida nos dias 30 e 31 de julho, como na estadual, em 6 e 7 de outubro de 2005, o movimento popular de Florianópolis batalhou por duas propostas centrais: o Plano Diretor Participativo e Integrado e a gestão democrática da Cidade. O processo da 2º Conferência, ao contrário do acontecido na experiência anterior, foi caracterizado por um formato democrático, a partir de uma participação proporcional dos diversos segmentos da sociedade local, que contou com a aprovação dos movimentos sociais. Como resultado principal da 2º Conferência poderia ser mencionado: o consenso em torno da idéia de Plano Diretor Integrado e Participativo para a cidade e a elaboração de uma proposta de Conselho da Cidade, como órgão de gestão democrática da cidade prevista pelo Estatuto da Cidade. Lamentavelmente a proposta elaborada por uma comissão designada na 2º Conferência que trabalhou durante seis meses em conjunto com o IPUF, e foi entregue ao prefeito municipal em 16 de novembro de 2005, jamais foi avaliada e permanece até hoje nas gavetas do prefeito.

No Campeche, atento ao calendário, o movimento comunitário começa a discutir em março de 2006 ações visando quebrar o silêncio do poder público com relação ao plano diretor da planície. O MCQV procurava sensibilizar a comunidade para o fato de faltarem apenas quatro meses para que expirasse o prazo legal para a elaboração ou revisão dos planos diretores conforme o Estatuto da Cidade, e convoca uma assembléia comunitária para o dia 3 de junho de 2006.

Nesse encontro, a comunidade decidiu iniciar o processo de revisão das diretrizes estabelecidas pela população no Dossiê Campeche e no Plano Diretor Comunitário de 1999 e foi programado o II Seminário Comunitário de Planejamento. Nos moldes daquele realizado em 1997, o

68 Várias denúncias ao MPE e MPF mostravam a degradação e as ilegalidades de loteamentos e parcelamentos do solo, previstas no Plano Diretor oficial e que já tinham sido aprovados parceladamente na Câmara de Vereadores (Novo Campeche, Dunas do Leste, Morro das Pedras, margens da Lagoa Pequena entre outras).

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objetivo do evento era também reagregar as entidades comunitárias e contribuir para uma atuação coesa da comunidade. Nesta assembléia foi aprovada a criação do Conselho Popular da Planície do Campeche, destinado a coordenar a mobilização comunitária nas novas circunstâncias.

Esse Conselho foi criado com a participação de associações, entidades, movimentos e moradores em geral, abrangendo os bairros: Fazenda do Rio Tavares, Rio Tavares, Campeche, Jardim Castanheiras, Morro das Pedras e Areias do Campeche. Constitui-se pela adesão de organizações e pessoas atuantes nos diferentes campos de interesses (social, ambiental, cultural, educacional, segurança pública e juventude), com o objetivo de representar os assuntos de interesse comum, como é o caso do Plano Diretor para a região e cidade. Assinaram a ata de fundação as seguintes entidades: Associação dos Moradores do Campeche – AMOCAM; Associação Amigos da Praia das Areias – AMPA; Associação de Pais e Amigos da Criança e do Adolescente do Morro das Pedras – APAM; Associação dos Surfistas do Campeche – ASC; Associação Radio Comunitária Campeche – ARCC; Conselho Comunitário de Segurança – CONSEG; Força dos Jovens e Adultos – FORJA; Fundação Cruz e Souza; Grupo ONODI; Instituto Sócio-Ambiental Campeche – ISA-Campeche; Movimento dos Amigos da Pedra do Urubu – MAPU; Movimento Campeche Qualidade de Vida – MCQV; Movimento Hip Hop do Campeche; Movimento Nosso Bairro; Movimento SOS Esgoto Sul da Ilha.

A formação do Conselho Popular passa a ter nesse momento um significado relevante diante do quadro de pouca mobilização que prevalecia na cidade desde meados de 2005 a meados de 2006, e a possível fragmentação do movimento na planície, assim como outros na cidade. A unificação das diferentes entidades e bairros que formam a Planície do Campeche, colocando o Plano Diretor e as preocupações ambientais como focos principais, só foi possível porque resultou de um processo advindo de longa data, cuja dinâmica teve e tem como característica orientadora a autonomia e a legitimidade comunitária.

Quando, em 12 de junho de 2006, o prefeito de Florianópolis inicia, mediante o Decreto Municipal 4.215/06, o processo de elaboração do Plano Diretor Participativo, modifica-se substancialmente o quadro da disputa local e encontra o movimento comunitário do Campeche unificado. O Conselho Popular passa a participar ativamente da metodologia de elaboração do Plano Diretor Participativo do município em conjunto com os órgãos públicos municipais e as diversas entidades da sociedade civil. E, para contribuir com o esforço coletivo, convoca uma assembléia comunitária no dia 23 de setembro de 2006, com o objetivo de constituir e escolher os representantes do Núcleo Gestor Distrital que deveria atuar na elaboração do Plano Diretor para a região (parte orgânica do Plano Diretor Integrado da Cidade de Florianópolis) junto ao Núcleo Gestor Municipal.69

A composição do Núcleo Gestor Municipal e o processo decisório assumem importância nesse contexto participativo no sentido de evitar que este se restrinja a mero formalismo, fato comum na relação entre Estado e sociedade organizada. Então, duas propostas nasceram no Conselho Popular: primeiro, a necessidade de constituir Núcleos Distritais com assento e voto no Núcleo Gestor Municipal; segundo, o respeito às decisões dos bairros através de consultas e assembléias populares, sem perda da visão compartilhada do todo. Assim, segundo essa proposta, aprovada e ratificada no Regimento Interno do Núcleo Gestor, combinar-se-á a participação direta com a participação representativa, conforme exige o Estatuto da Cidade. A negociação, sem unilateralismo do poder público como construção de um tipo de gestão para a cidade, a partir da organização e participação efetiva das populações dos bairros, viabiliza uma convivência comunitária.

A Audiência Pública convocada pelo IPUF em 18 de novembro de 2006 e na Planície do Campeche foi a primeira da série dos treze núcleos distritais70. Nela, foram aclamados por unanimidade, os representantes eleitos anteriormente na assembléia comunitária de 23 de setembro de 2006, fato que confirmou a unificação da Planície, construída longa e pacientemente, com energia para influenciar o debate que se reinicia na cidade junto com outras expressões movimentalistas. 69 Os representantes eleitos foram: Janice Tirelli (titular) MCQV / Isacampeche; Ataíde Silva (suplente) ASC/ AMOCAM; Valter Chagas (suplente) CONSEG/ Conselho Comunitário do Rio Tavares; Fernando Cardenal (suplente) Movimento SOS Esgoto Sul da Ilha. 70 Estes núcleos distritais agregam a sociedade civil dos doze distritos em que se divide politicamente a cidade (sendo dois núcleos correspondentes ao distrito sede, o mais populoso) para discussão do Plano Diretor.

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O Plano Diretor da Cidade, como um processo polifônico, plural e dialógico, poderá expressar, então, os diferentes discursos técnicos, comunitários e mesmo corporativos, não divididos entre a leitura técnica e a leitura comunitária, mas apresentando-se como a leitura da cidade através dos diferentes discursos.

As expectativas estão renovadas e neste sentido este relato deve ser entendido como uma contribuição à contextualização histórica das discussões que fundamentarão importantes decisões Com os documentos aqui publicados, fruto do esforço na construção de uma cultura participativa, resultado dos saberes e criatividade de centenas de pessoas, queremos contribuir para a elaboração de alternativas de desenvolvimento da região que preservem e ampliem as condições de vida do presente para o futuro. Para isso, a história se coloca como um direito, e a memória, como o elo entre as gerações.

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Fotos e figuras

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Página em Branco

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55Fig. 1. Localização geográfica da planície do Campeche

Manguezais Lagoa do peri

Ilha do Campeche

Lagoa Pequena

Morro do Lampião

Lagoa da Chica

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Figura 2. Plano de desenvolvimento da Planície do Campeche IPUF, 1992

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Figura 3. 1º Feira do Cacareco. 28/06/98

Figura 4. Foto aérea da Lagoa Pequena

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Figura 4. Primavera na Lagoa Pequena Substituir

Fig. 6. Segunda Festa da Arte e da Cultura.

Fig. 5. Evento Abraço à Lagoinha

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Fig. 7. Oficina Comunitária de Planejamento Campeche setembro 1999

Fig. 8. Oficina Comunitária de Planejamento de campo Jd. Castanheiras Outubro 1999

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Fig. 9. Oficina Comunitária de Planejamento Campeche Novembro 1999

Fig. 10. Assembléia Comunitária Aprovação do Plano Comunitário novembro 1999

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Fig. 11. Câmara de vereadores. Um ano depois da entrega do Plano comunitária

Fig 12. Mobilização na Câmara de Vereadores em 17 de março de 2004. Liminar judicial impede a votação do plano Oficial.

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Fig 14. Uso comunitário do Campo da Aviação. Festa do Natal de 2003 - Festival de Pandorgas 2002 - Feira da Saúde 2004

Fig. 13 Foto do Campo da Aviação do Campeche

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63Fig. 15 Mapa de zoneamento do Plano Comunitário do Campeche

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Fig. 16 Mapa de macrozoneamento da Planície do Campeche - Plano Comunitário do Campeche

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Fig. 17. Seleção de desenhos realizados por crianças das escolas do Campeche para o espaço O Campeche dos Meus Sonhos, no I Seminário Comunitário de Planejamento, em outubro de 1997. A- Suana, Escola Engenho; B- Billy, Escola Eduardo Gomes; C- Rebeca, Escola da Fazenda; D- Angélica, Escola Januária; E- Isabela, Escola da Fazenda.

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Fig. 18. Recursos gráficos de campanhas de comunicação dos movimentos sócio-comunitários da planície do Campeche Colocar autores!!

Fig. 19. Diploma do Prêmio Qualidade de Vida 2000, concedido pela FEEC ao MCQV em setembro de 2000.

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Fig. 20. Recursos hídricos da planície do Campeche e ocupações: a e b. Rio do Noca; c. Rio do Rafael; d- Margem do Rio Tavares ocupada; e- Lagoa da Chica (Fotos do acervo do MCQV). F. Desembocadura Rio do Porto, Ribeirão da Ilha

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Fig. 21. Patrimônio cultural: a) Casarão; b) Igreja São Sebastião; c e d Inscrições rupestres da Ilha do Campeche; e) Engenho destruído pelo interesse imobiliário (in

i )

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Fig.22 Cartaz Festival de comemoração do centenário de Nascimento de Antoine de Saint Exupèry Zé Perry

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Fig. 23. As 22 edições do jornal comunitário Fala Campeche até março de 2007

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Figura nº 24. Primeiro editorial Fala Campeche

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Fig. 25 Convocação do ato público contra a violência e em defesa da Lagoa Pequena

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Materiais de referência

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Material de Referência Nº 1

A Planície do Campeche Tereza Cristina Barbosa A Planície do Campeche é a maior área plana sedimentar da Ilha de Santa Catarina. Com 55 km2 , estende-se de leste a oeste da Ilha e abrange praias de mar aberto e da Baía Sul, daí o nome também conhecido de Planície Entremares. Localizada ao sul da Ilha, abrange as localidades do Aeroporto, Base Aérea, Tapera, Ribeirão da Ilha, Carianos, Porto da Lagoa, Rio Tavares, Fazenda do Rio Tavares, Sertão da Costeira, Alto Ribeirão, Campeche e Morro das Pedras. A planície dista aproximadamente 10 km do centro de Florianópolis. Vista de cima Duas feições geomorfológicas ocorrem na Ilha de Santa Catarina: os maciços litorâneos e as planícies arenosas. As planícies são áreas planas cheias de areia, resultantes da deposição dos sedimentos aprisionados entre as serras e maciços litorâneos durante os avanços e recuos do mar nos últimos seis mil anos. A Planície do Campeche, assim como outras planícies costeiras, apesar dos seus seis mil anos, são “bebês” na escala geológica (Figura nº 1). A fragilidade do solo é alta e o delineamento da Planície é resultado da exposição às correntes, marés e ventos predominantes. Na Ilha de SC predominam os ventos Nordeste e Sul. Com isto, a leste da Planície (Joaquina, Rio Tavares, Campeche e Morro das Pedras), os sedimentos, expostos à ação das correntes marinhas e marés, voam ao sabor dos ventos Nordeste e Sul,formando cordões dunares com cumes e baixios, como ondas de areia, no sentido norte-sul. Algumas dunas são fixadas pela vegetação nos locais mais abrigados. Já do lado oeste da Planície os sedimentos são inundados por rios meândricos da Bacia Hidrográfica71 do Rio Tavares que, ao desembocarem na Baía Sul e Baía do Ribeirão com água doce, matéria orgânica, sedimentos e folhas, criam substratos lodosos, salobros perfeitos para a fixação e crescimento da vegetação dos manguezais. Neste lado ocorrem os manguezais da Tapera e do Rio Tavares com sua vegetação típica: Rizophora mangle, Avicenia shaueriana e Laguncularia racemosa e franja herbácea Spartina alterniflora.

Os recursos hídricos da planície Há duas categorias de recursos hídricos na Planície: superficiais e subterrâneos. Os superficiais são aqueles que percorrem superficialmente a planície, como os mananciais da Bacia Hidrográfica do Rio Tavares, as lagoas Pequena e da Chica, o Manguezal do Rio Tavares e o Manguezal da Tapera. Os recursos subterrâneos são representados pela Bacia Hidrogeológica do Campeche ou Aqüífero Campeche. Águas Subterrâneas A vasta planície porosa de dunas e areias recebe e acumula no subsolo as águas das chuvas, formando um grande lençol freático – o Aqüífero Campeche – que, juntamente com as barreiras arenosas, impede o avanço das águas marinhas para dentro da Planície. As águas do mar, mais pesadas, ficam embaixo, enquanto as águas doces, do lençol freático, ficam por cima. Essa bacia de areia e água recebe o nome de Bacia Hidrogeológica do Campeche e é recarregada pelas chuvas, ribeirões e riachos que descem dos morros. As águas do lençol afloram nas concavidades e baixios formando várias lagoas que se sobressaem após as chuvas. As mais evidentes são a Pequena e a Chica, além dos brejos e pântanos que recebem e drenam natural e lentamente suas águas para o

71 Uma bacia hidrográfica é uma concavidade ou depressão geológica que recebe e ou acumula as águas do entorno. As chuvas e as águas dos riachos e as subterrâneas preenchem a bacia. Os rios e riachos que ali deságuam recebem o nome de contribuintes.

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mar. O Aqüífero Campeche, vai de leste a oeste e representa a maior superfície (55 km2) de absorção de água da Ilha de Santa Catarina, representando o 2° maior reservatório de águas subterrâneas da Ilha, somente atrás do Aqüífero Rio Vermelho-Ingleses, que abastece 130 mil habitantes no norte da Ilha. As águas do Aqüífero Campeche são melhores do lado leste, graças à rápida recarga e filtração das dunas. Essas águas filtradas não contêm partículas orgânicas ou fluviais e conseqüentemente são desprovidas de algas, uma vez que não recebem luz solar. Em grande parte da Planície e principalmente nas dunas, a água do lençol freático aparece a menos de um metro de profundidade. Esses aqüíferos costeiros servem para o abastecimento público através de ponteiras ou poços profundos. O aumento do número de ponteiras e intensidade de consumo das águas subterrâneas reduz o nível hídrico do lençol freático, das zonas inundadas e das lagoas. Ademais, a recarga do aqüífero pode ser comprometida com o aterramento dos leitos dos rios e impermeabilização do solo, causando um desequilíbrio no nível hídrico do solo permitindo a entrada de águas marinhas (cunha salina) para dentro do lençol freático. Fato que vem acontecendo na cidade de Itajaí-SC, trazendo enormes prejuízos sócio-econômicos à comunidade (queima de chuveiros e aparelhos eletrônicos, ferrugem, obstrução de tubulações por sais marinhos, etc). Além da salinização das águas do aqüífero, outro problema pode advir, pois o solo sob as construções, sem seu encharcamento natural, sofre movimentações, adensamento e subsidência, levando ao desmoronamento e/ou rachaduras em residências e prédios comerciais. Isso acontece porque não há infiltração de água entre os sedimentos, e o solo arranja-se nos espaços vazios (ocos) antes ocupados pelas águas. A Companhia de Águas e Saneamento de Santa Catarina (CASAN) utilizava as águas desse aqüífero desde 1983 (com um total de 15 poços perfurados pela CPRM em 1983) através do Sistema Integrado de poços Costa Leste-Sul, para o abastecimento da população das comunidades do Campeche72, Rio Tavares, Lagoa da Conceição, Tapera, Fazenda do Rio Tavares, Alto Ribeirão. Atualmente a CASAN opera apenas com três poços (FSN 13, 14 e 26), com vazões de 34,2; 32,4 e 41,4 m3/h, respectivamente, totalizando 108,0 m3. As águas desses poços se misturam, na rede, com as águas originárias da Estação de Abastecimento de Água (ETA) da Lagoa do Peri. Tabela N° 1 - Características Hidráulicas dos Poços Tubulares Situados na Planície Costeira do Campeche

Número do

poço Prof. (m) Nível est.

(m) Nível din.

(m) Vazão (m³/h) Vazão esp.

(m³/h/m)*

Localização P10 47,0 1,9 13,00 38,0 13,42 Rio Tavares

FNS8 44,0 4,7 9,70 53,0 10,69 Rio Tavares FNS9 43,5 3,3 14,00 44,0 4,09 Rio Tavares

FNS10 39,5 1,9 10,00 61,0 7,55 Rio Tavares FNS11 43,0 2,0 10,10 54,0 6,64 Rio Tavares FNS12 41,0 5,0 9,00 50,0 12,50 Rio Tavares FNS13 36,0 4,6 11,30 52,0 7,89 Campeche FNS15 34,5 2,0 6,00 49,0 12,37 Campeche FNS16 26,5 2,2 13,06 44,0 4,06 Campeche FNS17 26,0 3,5 13,24 23,3 2,41 Campeche FNS14 35,0 2,0 ---- ---- ---- Campeche FNS26 42,8 2,0 11,00 56,0 6,22 Campeche FNS27 42,6 2,0 14,10 56,0 4,62 Campeche SC405 43,0 2,5 ---- ---- ---- Rod. SC405 SC405 30,0 2,5 ---- ---- ----- Rod. SC405 Fonte: CASAN (1995); CPRM (1987) e IPUF *Vazão especifica é o volume de água extraído na unidade de tempo por unidade de rebaixamento do nível de

água de um aqüífero, num poço tubular (vazão de rebaixamento)

Águas Superficiais

72 BORGES, Sérgio F. Características hidroquímicas do aqüífero freático do Balneário Campeche, Ilha de Santa Catarina - SC. Dissertação de Mestrado em Geografia, UFSC, Florianópolis, 1996.

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Esses recursos são os rios, riachos, córregos e lagoas visíveis na superfície da planície. Ao longo dos últimos seis mil anos, esses mananciais superficiais mudaram seu curso, principalmente aqueles que recebem enormes quantidades de sedimentos e resíduos orgânicos anualmente. De frente para o mar aberto, com exceção do rio Tavares, que escorre para o manguezal de mesmo nome, todos os córregos que descem dos morros do Lampião e dos Padres escoam para leste, formando banhados nas partes planas que, quando cheios, extravasam através de pequenos leitos ou valas e, por gravidade, desembocam nas praias da Joaquina, Rio Tavares, Campeche e Morro das Pedras. Os riozinhos do Noca, Rafael, as Lagoas da Chica e Pequena e os seus canais sangradouros são exemplos do lado leste. O rio Rafael trazia antigamente boa parte das águas que vinham do sul do Campeche beirando as dunas desde a Lagoa da Chica até encontrar-se com o rio do Noca para desembocar na praia do Campeche. A desembocadura desses riozinhos no mar varia no tempo, na forma, localização, volume de chuvas, vazão, ventos, ressaca, cobertura vegetal, quantidade de sedimentos e matéria orgânica, como também face à interferência humana com seus aterros e construções. Porém sabe-se que antigamente esses pequenos rios serviam para o lazer e economia das comunidades locais (banhos, lavação de roupas) (Figura 20 a e 20b) Ressalta-se que o escoamento superficial das águas na planície é muito insignificante. A baixa declividade somada ao solo arenoso e permeável, rico em resíduos orgânicos e sedimentos trazidos pelos ribeirões e drenagem pluvial favorece o encharcamento do solo e realimenta o lençol freático formando brejos e pântanos em toda a extensão da planície. O solo encharcado drena suas águas lentamente para as partes baixas (manguezais a oeste e dunas a leste) impedindo o avanço das águas do mar - cunha salina - na planície. No lado oeste da Planície, os rios Tavares e Sertão da Fazenda, entre outros, desembocam nas Baías Sul e do Ribeirão, suas águas escoam dos morros do norte e do sul, respectivamente e encontram-se, formando a Bacia Hidrográfica do Rio Tavares, que alimenta os manguezais da região.

Mapa da Planície do Campeche, recursos hídricos e parte do sistema viário

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Bacia Hidrográfica do Rio Tavares

A bacia do Rio Tavares desempenha importante papel ecológico no abastecimento hídrico dos Manguezais da Tapera e do Rio Tavares. É a principal rede de drenagem superficial da Planície e conta com dois principais afluentes que desembocam na Baía Sul e na Baía do Ribeirão: 1. O Rio Tavares é o contribuinte do norte. Ele é alimentado pelos rios que drenam toda a porção norte da Planície desde os morros do Sertão e do Badejo (sob a Pedrita). A foz do Rio Tavares apresenta um leito muito raso, que sofre inundações nas grandes marés. Esse afluente percorre quase 10 km na planície, atravessa o Manguezal e desemboca na Baía Sul, sob a ponte da SC 401 no Carianos. Próximo à nascente do Rio Tavares existe uma adutora, construída em 1922, cuja rede de captação tem 10.600m de extensão e contribui até hoje para o abastecimento da região (vazão de 20,00 L/s). Uma ocupação desordenada começa a ocorrer próxima a essa captação. 2. O Ribeirão Sertão da Fazenda nasce nas encostas dos Morros dos Padres, das Pedras e do Ribeirão, no sul da Planície. Seus contribuintes são pequenos riachos, alguns efêmeros evidentes com as chuvas, que descem do Morro das Pedras e do Sertão do Ribeirão. Parte das águas escoa em direção ao Manguezal do Rio Tavares e Baía Sul, drenando e inundando a porção sul e central da planície, fenômeno bem visível, após chuvas, a oeste da rodovia SC-405. Outra parte contorna o Morro do Ribeirão e do Morrote, recebe pequenos contribuintes e a drenagem pluvial, e originam os ribeirões do Porto e do Alto Ribeirão que escoam para sudoeste até a Baía do Ribeirão, alimentando o Manguezal da Tapera.

Os Manguezais Esses alagados marinhos, além de criar um ambiente protegido para o crescimento da fauna marinha (peixes, crustáceos e moluscos...), atuam como esponja, reduzindo o avanço das marés para dentro dos rios e ajudando na lenta drenagem para o mar, salvaguardando o lençol freático do avanço salino. Os manguezais são conhecidos como berçários do mar. Se eles desaparecem, desaparecem os peixes e outros frutos do mar também! (Figura nº 1. Detalhe) Manguezal do Rio Tavares Esse Manguezal é um dos maiores da Ilha de SC; tem uma área preservada de 8,09 km2 e está localizado a oeste da Ilha73. Seus contribuintes são pequenos rios que nascem nos morros ao norte e ao sul da Planície, sendo os mais evidentes o Rio Tavares (norte) e o Ribeirão Sertão da Fazenda (sul). Estes contribuintes percorrem em meandros (alças) calhas e valas de solo arenoso até alcançar o mar, onde desembocam ricos em matéria orgânica e sedimentos. O ambiente lodoso é substrato para o desenvolvimento de vegetais resistentes à salinidade e ao baixo nível de oxigênio (raízes respiratórias). A rede de raízes aéreas sofre a ação das marés que periodicamente inundam e salinizam o ambiente criando condições para alimentar e proteger a fauna marinha (camarões, caranguejos, peixes, berbigões...) que aí se desenvolve. Apesar da importância ambiental e econômica, a área do Manguezal vem se reduzindo desde a implantação da Base Aérea de Florianópolis, do Aeroporto Hercílio Luz, dos loteamentos (clandestinos ou regulares – no Carianos, Sertão da Costeira e Rio Tavares), estádio de futebol e Via Expressa Sul74. O Manguezal do Rio Tavares era rico em camarões e berbigões, dos quais sobreviviam inúmeros pescadores da Ilha de SC. Por isso, em maio de 1992, foi decretado como a primeira Reserva Brasileira Extrativista Marinha – RESEX do Pirajubaé (Dec. Federal 533/92), com uma

73 BAUER de ARAUJO, Norma. Contribuição ao Estudo da Qualidade da Água da Bacia Hidrográfica do Rio Tavares – Poluição

Orgânica. Dissertação de Mestrado em Geografia, CFH/UFSC, Florianópolis, 1993. 74 CECCA- CENTRO DE ESTUDOS CULTURAIS E CIDADANIA. Unidades de Conservação e Áreas Protegidas da Ilha de

Santa Catarina: Caracterização e legislação. Florianópolis, 1997.

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área total de 1444 ha75. Que inclui, além do manguezal protegido pelo Código Florestal (4771/65), toda área de Marinha adjacente com influência do manguezal. Não bastasse a movimentação e transformação natural desses ecossistemas ao sabor das correntes e marés, a foz do Rio Tavares, que já havia sofrido alteração quanto à entrada de águas marinhas dentro do manguezal, com a dragagem e aterros da Beira Mar Sul em 1995 76, recebe nova carga de sedimentos com a construção do trevo da Via Expressa Sul, em 2004. O panorama do Manguezal mudou rapidamente. Nas áreas de remanso inundadas pelas marés, onde desembocam os riachos carregados de sedimentos e esgotos provenientes dos morros da Costeira do Pirajubaé e Sertão da Costeira, crescem novos mangues. E estes, por sua vez, pouco a pouco começam a ser ocupados por barracos. Quatro rodovias cortam os contribuintes e o Manguezal do Rio Tavares: a SC–401 (aeroporto), a SC 405 (Sertão da Costeira e Rio Tavares) e a da Tapera, algumas represando as águas da Bacia Hidrográfica do Rio Tavares que, nas grandes marés, ciclicamente ou após chuvas intensas, inundam as estradas e residências vicinais. Caso não seja planejado o uso do solo local e feito o saneamento básico a região poderá sofrer inundações com alta contaminação fecal e química (BTX), esta última resultante dos derramamentos ocasionais de gasolina, lavação de carros dos quase dez postos de gasolina que circundam os contribuintes e o próprio manguezal. Certamente a triplicação do aeroporto, projeto idealizado para estimular e aumentar o turismo em Florianópolis, sem qualquer planejamento urbano, também terá seu alto impacto negativo à vida local. O uso excessivo do solo com aterramentos, impermeabilizações e drenagens mal feitas eliminou as estopas retentoras do avanço das marés, partes inundadas da franja interna do Manguezal do Rio Tavares, que, na medida em que é aterrado e drenado, expande seu leito para as áreas mais baixas, freqüentemente atingindo as estradas e residências mais próximas, causando significativos impactos socioeconômicos e ambientais. Manguezal da Tapera No limite sudoeste da Planície, o Manguezal da Tapera, que já era pequeno – tinha uma área aproximada de 4 km2 em 1997 – foi mais reduzido77. Sua pequena área, entretanto, favorecia muitos pescadores até 1990, quando havia na Tapera a Festa do Camarão, que certamente gerava o turismo, lazer, renda e emprego. Entretanto, o quase desaparecimento desse manguezal, em função de drenagens incorretas, aterramentos de riachos, ribeirões para a construção de moradias e estradas e a poluição doméstica desde os anos 1980, levou à extinção os camarões daquela região, inviabilizando a continuidade da festa. Esse Manguezal é o menos estudado da Ilha e sofre grande redução de sua área até os dias de hoje78. É considerado, como todos os outros manguezais, Área de Preservação Permanente pelo Código Florestal (Lei 4771/65). Os ribeirões do Porto e alto Ribeirão que alimentam o Manguezal da Tapera, desembocam na Baía do Ribeirão, próximo às áreas de cultivo intensivo de ostras e mariscos, nova atividade econômica da região 79. Importante frisar que esses animais são filtradores e retentores de microorganismos patogênicos (vírus, bactérias e protozoários) de origem fecal, causadores de várias doenças de veiculação hídrica, entre as quais hepatite, cólera, etc. A boa qualidade dos produtos da maricultura local e do manguezal dependerá do adequado planejamento da drenagem e esgotamento sanitário.

As lagoas da Planície do Campeche As lagoas são pontas visíveis do lençol subterrâneo sob a Planície do Campeche; são áreas frágeis, altamente sujeitas à contaminação superficial e subterrânea. As duas lagoas mais evidentes

75 CECCA/FNMA. Uma cidade numa Ilha. Relatório Sobre os Problemas Sócio-ambientais na Ilha de Santa Catarina.

Florianópolis: Insular, 1996. 76 CHARRID R.Jr. Estudo de Impacto ambiental sobre a Comunidade do Zooplancton na Enseada do Saco dos Limões, Baía Sul da Ilha de Santa Catarina, Brasil. Atlântica Rio Grande 23: 5-16. 2001. 77 CECCA, 1996. Op.cit. 78 CARUSO, Mariléa M.L. O desmatamento da Ilha de Santa Catarina. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1983. 79NASCIMENTO C.Da pequena produção mercantil pesqueira de moluscos ao cultivo de moluscos: litoral catarinense. TCC.UDESC 2005

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da planície, Pequena e da Chica, foram tombadas pelo mesmo Decreto Municipal nº 135 (5/6/1988) como Patrimônio Natural e Paisagístico de Florianópolis, envolvendo uma área protegida de 31,25 hectares.80 Mas, com o passar dos anos, essa área protegida entre as lagoas foi sendo ocupada por residências, ruas e servidões, isolando-as uma da outra. Ambas as lagoas têm água doce. Por serem concavidades em áreas planas e baixas da Planície, também são receptoras naturais das drenagens da região. Distante uma da outra em mais ou menos 3 km, estão localizadas na faixa litorânea leste da Planície do Campeche,. A Lagoa Pequena localiza-se mais ao norte, a mais de 300 metros da preamar e a da Chica mais ao sul, a 50 metros da preamar (Figura nº 4) Apesar da distância, faziam parte de um ecossistema único, inundável, da região de Restinga, que hoje se encontra em grande parte ocupada regular e irregularmente. A altura do lençol freático da região é visível no nível das lagoas. Originalmente, durante os períodos de estiagem, o nível hídrico baixava consideravelmente e, nos períodos chuvosos, a água invadia o entorno e se infiltrava naturalmente no solo ou, quando em excesso, escoava pelos “sangradouros” naturais até atingir o mar. As lagoas são de fácil acesso e próximas ao mar, o que facilita a ocupação do entorno. Ambas têm um perfil extremamente raso, sem uma bacia hidrográfica de alimentação definida81. A baixa profundidade, a chegada de drenagens, contaminações e o acúmulo de detritos naturais formam um lodo rico em matéria orgânica que oferece um excelente substrato para plantas aquáticas, permitindo seu rápido crescimento e colmatação (assoreamento). As raízes das plantas crescem no lodo e formam novos substratos para outras da sua espécie, se espalhando dessa forma por todo corpo d’água, levando a lagoa à “morte”. Esse processo é natural, e levaria muitos anos para ocorrer, porém o adensamento das residências e lançamento de esgotos acelera o assoreamento e, com o tempo, leva ao desaparecimento do espelho d’água e conseqüentemente da lagoa. Nas duas lagoas, esse processo vem ocorrendo de forma acelerada com, o lançamento direto de esgotos, em vista da inadequação das fossas residenciais que se intensificaram nas margens. Em vista da quantidade de residências no seu entorno, suspeita-se da sua contaminação por coliformes fecais. Fato que deveria ser monitorado pelos órgãos públicos responsáveis, a fim de evitar a ocorrência de micoses, zoonoses e outras doenças de veiculação hídrica nos freqüentadores do local. Os detergentes (PO4) e a urina (NH3 e NH4) contidos nos esgotos são nutrientes fundamentais para o crescimento dos vegetais. As fossas, quando existem, são permeáveis e permitem a entrada das águas do lençol freático, que se misturam aos esgotos e escoam para dentro das lagoas, estimulando o crescimento, principalmente, das plantas aquáticas e algumas gramíneas82. Esse fenômeno é chamado eutrofização e ocorre em várias etapas até que a vegetação ocupe todo o corpo d’água, causando o desaparecimento do espelho d’água. A tabôa – Typha domingensis – é uma das plantas pioneiras nesse processo. Ambas as lagoas e zonas inundáveis próximas formam áreas de restinga propícia à nidificação de aves locais e migratórias. Ali foram observadas a marreca-pardinha (Anas flairostris), marreca-irerê (Dendrocygna viduata), anu-branco (Guira guira), bico-de-lacre (Estrilda astrild), entre outros animais que utilizam a lagoa como berçário. Havia antigamente jacarés do papo amarelo. Lagoa da Chica A Lagoa da Chica, entre o Campeche e as Areias do Campeche, com uma superfície de 0,10 km2, foi tombada pelo Decreto Municipal 135/88 como patrimônio natural e paisagístico de Florianópolis, garantindo uma área de preservação (APP) de 50 metros a partir do seu leito mais profundo, perfazendo um total de 44.000 m² de área83. O espelho d’água da Lagoa da Chica com 9.500 m2 teve enorme redução com o crescimento de vegetação, principalmente de tabôas (Typha domingensis), no corpo hídrico e com o adensamento de residências ao seu redor. O corpo d’água, além de pequeno, é muito raso e sofre com a sazonalidade, principalmente com a estiagem e mais invasões. Entretanto, em épocas de chuvas intensas, as águas retomam seu leito natural cada vez 80 CECCA, 1997. Op.cit. 81 Ação Civil Publica – Processo2395026511.6. Comarca de Florianópolis.

82 BARBOSA, Tereza C. P. Ecolagoa. Um breve documento sobre Ecologia da Bacia Hidrográfica da Lagoa da Conceição. Florianópolis: Agnus, 2003, 86p. 83 CECCA, 1997. Op.cit

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mais raso e cheio de vegetação, e invadem as casas que se adensaram nas proximidades e margens, como aconteceu em 1995. Na ocasião, a comunidade local atingida abriu um canal de drenagem para evitar a entrada de águas em suas casas; entretanto, no segundo semestre de 2005, novamente houve a invasão das águas nas residências do entorno. Antigamente quando chovia, o leito da lagoa ia até as Areias do Campeche, daí a importância de citar que não é a lagoa que invade as casas, mas as casas que invadiram a lagoa. Lagoa Pequena A Lagoa Pequena, situada entre o Rio Tavares e o Campeche, é maior que a Lagoa da Chica, tem um espelho d’água de 169.000m2 e já foi maior segundo os antigos moradores. No seu interior ocorrem quatro pequenas ilhas que somam 61.000m2 de superfície. Por ter águas calmas e ser de pouca profundidade, oferece segurança para as famílias com crianças e sempre proporcionou lazer para a população local. São incontáveis as pessoas que usufruem ou usufruíram desse pequeno lago, pescando, nadando ou passeando nas suas margens. Sua superfície total (incluindo a parte colmatada) é de aproximadamente 186.372m2. Representa o mais importante afloramento do lençol freático da Planície do Campeche e, do ponto de vista hidrogeológico, constitui uma sub-bacia hidrológica do Aqüífero Campeche. Em épocas de estiagem ocorre um visível rebaixamento do seu nível. O excesso de águas, em períodos de chuvas, escoa naturalmente pelo canal sangradouro no sul da lagoa, percorrendo e drenando 1 km em direção Bairro ao Novo Campeche e depois segue para o mar, num caminho entre dunas. Esse canal natural de drenagem foi alargado em suas margens pelo proprietário de loteamento ilegal que argumentava que as águas invadiam sua casa – tal ato rebaixou o nível freático do corpo hídrico que até hoje não se restabeleceu, provocando, notadamente, desequilíbrio no ecossistema. As águas da Lagoa Pequena são levemente ácidas e até 1999, os indicadores planctônicos e bacteriológicos mostravam que suas águas ainda apresentavam condições sanitárias satisfatórias para balneabilidade. As funções ecológicas da Lagoa Pequena são bastante evidentes no que concerne à manutenção e preservação da fauna aquática e terrestre (própria daquele habitat) bem como ao processo de interação com o lençol freático, com os fatores microclimáticos e com a cobertura vegetal da área. Entre as potencialidades, destacam-se: sua importância como reservatório natural de água doce e como elemento natural de equilíbrio das condições microclimáticas e protetor das espécies do habitat lagunar; sua função como reserva biológica destinada à criação de peixes e ao lazer; seu importante papel como fator econômico, na condição de elemento natural de atração turística devido à beleza cênica, tanto de forma isolada como no conjunto da paisagem. As formações brejosas são representadas pelas águas superficiais paradas nas áreas côncavas dos cordões dunares e principalmente numa extensa faixa alongada situada a sudeste da Lagoa Pequena. Três lagoas efêmeras, ou brejos, ocorrem na parte leste da Lagoa Pequena e possuem uma superfície de 8.500m2. Elas resultam de antigas lagoas que sofreram o processo de assoreamento natural e antrópico. Uma das características mais evidentes dessas áreas colmatadas são os ambientes pantanosos que, nos períodos de chuvas mais intensas, retornam à condição de lagoa. A ocupação inadequada está em expansão no entorno da lagoa, sem que haja qualquer delimitação ou demarcação da Área Verde de Lazer (AVL) ou Parque da Lagoa Pequena. Outro impacto ambiental de grande preocupação se relaciona ao comprometimento do lençol freático: ocorre que sendo a região desprovida de rede de esgoto, o grande número de residências do entorno da Lagoa Pequena se utiliza de fossas sépticas, provocando evidentemente a contaminação das águas do complexo lagunar da área e, conseqüentemente, afetando todo o lençol freático, o qual é destinado a abastecer as comunidades da região. O processo de ocupação de suas margens ocorre de forma crescente e desordenada desde 1991, implicando no aumento da contaminação fecal de suas águas e na diminuição da cobertura vegetal

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do entorno84. A parte norte da lagoa encontra-se em adiantado processo de colmatação (crescimento de vegetais como a taboa), por força do aterramento para construção da via de acesso ao loteamento ilegal na sua costa e leste, e também em virtude de entulhos colocados em suas margens. O processo de ocupação da área do entorno teve início com as alterações de zoneamento, incompatíveis com o ordenamento e ocupação do espaço geográfico e com as vocações de caráter ecológico, turístico e urbano-paisagístico. O decreto de tombamento da Lagoa Pequena não definia claramente seus limites, e o Ministério Público do Estado entrou com ação judicial. Parte da área tombada pelo Decreto nº 135/88 foi destombada por outro Decreto Municipal 440/91, do então prefeito Bulcão Viana, favorecendo e estimulando a ocupação desordenada da área. Reivindicações dos moradores, propostas e projetos foram encaminhadas à coordenadoria de Meio Ambiente do Centro das Promotorias da Coletividade desde 1999, pedindo a demarcação e proteção da área tombada para delimitar a área pública para recreação e lazer e placas indicando que o local está protegido por decreto de tombamento. Entretanto, nenhuma política ambiental foi feita até hoje, e a Lagoa Pequena tem sido cuidada por moradores através de mutirões. À mercê de vandalismos, a cara de "abandono" do ecossistema tombado, com lixo em grande quantidade, pneus e animais abandonados leva a outras degradações ambientais (lavação de caminhões, animais, etc). O Movimento Campeche Qualidade de Vida, juntamente com várias entidades locais, criou e colocou lixeiras no seu entorno, equipou-a com bancos, mesinha, e um monumento em mosaico representando a adoção e a necessidade da sua preservação para as gerações atuais e futuras. A Justiça Estadual (Ação Civil Pública nº 02395026511.6) anulou o decreto do prefeito Bulcão Viana e a Lei 4.854/92 por inconstitucionalidade e decidiu que a FLORAM deveria coordenar a demarcação, atendendo a distância de 50 metros, como estabelece o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) para as lagoas. Em 2003, houve uma tentativa de demarcação pela FLORAM e Ministério Público Estadual, porém tal demarcação jamais chegou ao conhecimento público, inclusive das entidades comunitárias atuantes na região. Novos estudos acadêmicos85, vêm sendo desenvolvidos desde 2006 na Lagoa Pequena, no sentido de diagnosticar a situação ambiental dessa Área Verde de Lazer, objetivando avaliar o risco de infecção parasitológica aos usuários do corpo hídrico; os parâmetros da qualidade da água; as influências antrópicas sobre o entorno da Lagoa quanto à contaminação da água por esgoto doméstico e lixos. Além disso, estão sendo efetuados levantamentos dos besouros, formigas e aranhas na restinga do entorno da Lagoa. A situação das lagoas A situação das lagoas é critica e neste sentido, é possível que algumas providências possam minimizar o quadro de comprometimento da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica86 (UNESCO) representada pela Ilha de SC. Sem elas essa biodiversidade fica ameaçada de extinção. Daí a importância de fiscalizar os lançamentos clandestinos de esgotos e monitorar o nível de coliformes fecais no corpo d’água e nos canais de drenagem que deságuam na praia do Campeche. Impermeabilizar as fossas das residências do entorno para evitar a contaminação do lençol freático e a dispersão de nutrientes e o crescimento das plantas aquáticas das lagoas; lutar junto à administração pública por uma rede de saneamento; aumentar a altura do canal de drenagem existente, observando o nível do lençol freático, e impedir a abertura de outros; evitar a construção de ponteiras, que reduzem a capacidade hídrica das lagoas; efetuar um manejo controlado das plantas aquáticas, com a supervisão de profissionais da área e devida autorização dos órgãos competentes. Neste caso, é importante efetuar um manejo e retirada do excesso de tabôa,

84 LUIZ, E. L.; SILVA, J. M. Apropriação de Áreas de Preservação permanente pelo Capital Imobiliário: O Caso da Lagoinha Pequena- Florianópolis-SC. Geosul, V.11, nº.21/22, Florianópolis: EDUFSC, 1996. 85 Departamentos de Ecologia e Zoologia, Engenharia Sanitária e Ambiental, Microbiologia e Parasitologia da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC ; o Instituto Biológico da Secretaria de Agricultura de São Paulo e o Laboratório de Artrópodes do Instituto Butantã/SP.

86 SHÄFFER, Wigold. B.; PROCHNOW, Miriam. A Mata Atlântica e Você. Como preservar, recuperar e se beneficiar da mais ameaçada floresta brasileira. Brasília: Apremavi, 2002.

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principalmente nas suas margens, permitindo um aprofundamento razoável dos leitos das lagoas, e podendo evitar inundações no seu entorno durante os períodos de chuvas;

O abastecimento de água da Costa Leste-Sul

Antes de 2000 o abastecimento era feito através de poços artesianos da CASAN localizados na região entre dunas, restingas e terraços arenoso da Planície do Campeche. As águas das chuvas que caem nas planícies costeiras formam um grande lago subterrâneo, útil ao abastecimento público dessas regiões. A água vinha do lençol freático – Aqüífero Campeche –, sistema que interligava 15 poços em anel e que abastecia 42.000 habitantes até 2000 (24 de novembro), quando a CASAN construiu e inaugurou a Estação de Tratamento de Água de Abastecimento (ETA) da Lagoa do Peri. A obra teve um custo de 11,3 milhões de dólares (financiados pelo Banco Mundial e Caixa Econômica Federal) para atender 81 mil moradores da região leste e sul da Ilha: Campeche, Armação, Pântano do Sul, Rio Tavares, Fazenda do Rio Tavares, Tapera, Morro das Pedras, Areias, Lagoa da Conceição, Praia da Joaquina, Alto Ribeirão, Caieira, Ribeirão da Ilha, Costeira do Ribeirão, Praia Mole, Barra da Lagoa87. A Lagoa do Peri A Lagoa do Peri foi legalmente protegida como Parque Municipal em 1981 (Lei Municipal n° 1828); essa lagoa costeira de água doce dista menos de 300 metros do mar, (Figura 1. Detalhe) em alguns lugares. O Espelho d’água de 5,2 km2 situa-se no interior da bacia hidrográfica de 20,3 km2 que coincide com os limites do parque. A bacia recebe vários pequenos contribuintes dos morros do entorno (Sertão do Ribeirão, Morro dos Padres) onde o principal é o rio Cachoeira Grande.Sua formação é recente e resulta da deposição de sedimentos marinhos e eólicos durante os avanços e recuos do mar, nos últimos seis mil anos. As areias formaram cordões arenosos e isolaram uma bacia côncava que foi sendo preenchida pelas chuvas, riachos e águas subterrâneas do entorno. O corpo d’água, quando cheio, extravasa pelo canal sangradouro que desemboca 3 km abaixo, entre a praia da Armação e do Matadeiro. Esse canal era cheio de meandros (alças) que reduziam o impacto das marés e ensopavam a região, facilitando a entrada dos peixes marinhos que migravam para desovar ou se desenvolver na lagoa. Em 1974, o DNOS retilinizou o canal, permitindo um rápido escoamento das águas, o que reduziu o nível da lagoa, afetou a migração dos peixes e diminuiu momentaneamente os alagamentos (que se agravaram com a ocupação das margens do sangradouro e lançamento de resíduos e esgotos no seu leito). O nível hídrico e a qualidade das águas da lagoa resultam da cobertura vegetal do entorno do parque, dos riachos e da pluviosidade. O desmatamento e a contaminação dos mananciais de abastecimento da lagoa refletirão negativamente na qualidade da água do corpo receptor. Além disso, o conjunto formado pelas areias, lençol freático e restinga forma uma barreira natural que impede a invasão das águas marinhas, ou intrusão salina dentro da lagoa. Em 2006, aumento da população, e o uso intenso das águas somou-se à estiagem e o canal secou. As águas que por ali circulavam eram esgotos das residências locais e um forte mau cheiro. É possível que o nível muito baixo da lagoa permita a entrada de águas marinhas para ocuparem os espaços das águas doces exploradas. Estudos encomendados pela CASAN à UFSC, já em 1999, alertavam que os excessos de algas das águas da Lagoa do Peri dificultariam e encareceriam a depuração e tratamento. Fato constatado em 2003, quando a lenta filtração das algas quase compromete o abastecimento das regiões sul e leste da Ilha de SC. São vantagens das águas do lençol freático: são filtradas naturalmente, não têm algas, não precisam de floculantes. E as desvantagens de uso das águas superficiais da Lagoa do Peri: muitas algas, partículas, dificuldade em filtrar, necessidade de grandes quantidades de sulfato de alumínio para flocular. Outra vantagem da Lagoa do Peri é que, por ser um parque municipal, deve e pode ser fiscalizado.

87 BARBOSA, Tereza C. P.; SOUSA, Janice Tirelli P. de. Adote a Lagoa Pequena. Relatório Final do Projeto de Extensão

Universitária – Interdisciplinar, CCB/CFH/UFSC. Programa Adote uma Bacia Hidrográfica, MMA, 2000.

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A vegetação da Planície do Campeche

A cobertura vegetal da planície apresenta duas formações vegetais evidentes: a vegetação de

restinga e a Floresta Pluvial de Encosta Atlântica. Restingas A restinga corresponde ao conjunto solo-vegetação das planícies, cordões arenosos, dunas, brejos, banhados e lagoas. A vegetação nessas regiões varia mais com o solo do que com o clima. Como o solo difere de um lugar para outro, os vegetais também e, embora se pareçam, não são iguais e são exclusivos de determinadas praias. Daí a diversidade! Linda, perfumada e colorida, essa vegetação tem tamanho e forma variados, desde rasteiras (marcela, margarida da praia, petúnia da praia, bromélias...) e aquáticas (junco, piri, taboa) até árvores (vassourinhas, quaresmeira, aroeira, pitangueira, ipês...), formando mosaicos vegetais. Em função da fragilidade dos ecossistemas de restinga, sua vegetação exerce papel fundamental para a estabilização dos sedimentos e a manutenção da drenagem natural, bem como para a preservação da fauna residente e migratória associada à restinga, que encontra nesse ambiente disponibilidade de alimentos e locais seguros para nidificar e proteger-se dos predadores. Os solos predominantemente arenosos são fixados graças as raízes das plantas. Sem cobertura vegetal, a areia voa facilmente e pode avançar e soterrar casas e ruas. Em frente ao mar, quando a vegetação nativa é retirada, é o mar que avança sobre as construções. O fato é que as areias soltas mudam de lugar ao sabor dos ventos e correntes marinhas, realimentando a zona litorânea com seus sedimentos, num jogo de “engorda” e “emagrecimento” de praias, manguezais e lagunas. Também as raízes facilitam a drenagem e a infiltração das águas das chuvas para o subsolo, recarregando o lençol freático. A fauna local e migratória encontra aí alimento e segurança para nidificar, formando os berçários das restingas. As restingas são protegidas por inúmeras leis e Resoluções, entre elas o Código Florestal de 1965, as Resoluções do CONAMA 004/85; 261/99 e 303/0288. Situação atual da vegetação de restinga As áreas mais agredidas da zona costeira são as restingas, principalmente aquelas de frente para o mar. Mesmo protegidas por leis, são desmatadas, aterradas e impermeabilizadas por loteamentos, condomínios, prédios ou ruas que modificam o escoamento natural e a qualidade das águas que escorrem para as praias89. Muitas residências têm suas fossas dentro do lençol freático, e quando chove os esgotos transbordam, contaminando as águas das lagoas, banhados, brejos e das praias. A especulação imobiliária chega nesses locais e vende o metro quadrado a preço de ouro. Nem as áreas públicas e da União são respeitadas A paisagem e o acesso ao mar passam a ser privilégio dos que podem pagar por tal ilegalidade, mas os danos econômicos, sociais e ambientais atingem a todos. É comum ver o poder público gastar fortunas em “engorda” de praia para reparar crimes ecológicos. Em prol do “desenvolvimento”, as agressões partem do Executivo, Legislativo e até do Judiciário ao favorecerem a construção civil e o turismo; mas nelas também se incluem os moradores aproveitadores conscientes.

88 SANTOS, Claudia Regina. A Interface das Políticas Públicas com o Processo de Ocupação Humana na Área de Preservação

Permanente: vegetação fixadora de dunas na ilha de Santa Catarina, SC. Tese de Doutorado em Sociedade e Meio ambiente, CFH/UFSC, 2001. 89 MATHIESEN, Lilian Wetzel. Áreas protegidas na zona Costeira Brasileira. Dissertação de Mestrado em Engenharia Ambiental, CTC/UFSC, 2002.

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Patrimônio Arqueológico

A Ilha de Santa Catarina e a Ilha do Campeche (Figura nº1. Detalhe) contêm riquíssimo patrimônio arqueológico90. Segundo o CECCA91, a ocupação humana da Ilha de SC é retratada através de sítios arqueológicos como os: Sambaquis, Sítios Rasos, Oficinas Líticas e Inscrições Rupestres. Dentre as populações pré-coloniais, pelo menos três grupos culturalmente distintos deixaram nesses sítios seus vestígios: os povos dos Sambaquis, os Itararés e os Tupiguaranis(Carijós): Os povos dos Sambaquis: estudos locais indicam que estes foram os primeiros moradores da Ilha. Eles consumiam frutos, animais terrestres e marinhos, deixando as cascas e ossos acumulados em grandes montes. Sambaqui, palavra de origem guarani, significa monte de conchas e, por isso, este tipo de sítio arqueológico é conhecido como casqueiro, cernambi, concheiro, ostreiro ou berbigueiro. A partir dos ossos eles produziam ferramentas, armas e enfeites que até hoje surpreendem pela sensibilidade artística. Os Sambaquis são geralmente encontrados próximos ao mar, junto às praias e dunas atuais e antigas. Estudos apontam que os primeiros Sambaquis se assentaram na praia do Pântano do Sul e dali se espalharam por toda a Ilha. As Oficinas líticas correspondem às marcas resultantes do trabalho de polir (cavidades circulares) e de afiar (reentrâncias em canaletas) artefatos de pedra em afloramentos rochosos e/ou matacões da beira das praias; as oficinas líticas ocorrem nas rochas dos cantos das praias. Os Itararés se seguiram aos povos dos Sambaquis e seus vestígios são identificados pelas cerâmicas e artefatos de pedra e ossos. Foram os primeiros a produzirem utilitários de cerâmica e urnas funerárias. Seus resquícios ocorrem nos Sítios rasos, constituídos geralmente por uma camada de areia com certa quantidade de conchas, artefatos de pedra, ossos e/ou cerâmicos, ossadas de animais, fogueiras e, ainda sepultamentos humanos. Tais sítios são mais rasos que os Sambaquis. A primeira ocupação se deu na praia da Tapera e os vestígios mostram significativas mudanças de hábitos alimentares em relação aos primeiros habitantes: redução de moluscos na dieta alimentar e uma suposta prática de agricultura, ainda não comprovada. Sabe-se no entanto que os Itararés eram guerreiros e combatiam inimigos, que poderiam ser os Guaranis, pois esqueletos com perfurações de flechas foram encontrados em suas sepulturas. Os Carijós ou Tupiguaranis: o processo de transição para este terceiro grupo de habitantes da Ilha de Santa Catarina no século XIV é pouco conhecido, mas sabe-se que a ocuparam densamente em aldeias com trinta a oitenta habitações. Resquícios dessas tribos existem em todo território ilhéu, principalmente nas planícies arenosas, à margem de lagunas, lagoas e manguezais. Geralmente ocupavam terrenos arenosos com dunas para plantar a mandioca, milho, inhame, algodão, amendoim, pimenta, tabaco e cabaça. Alimentavam-se de frutos e sementes, caçavam e tinham habilidades manuais para criar vasilhas de cerâmicas, urnas funerárias e cestarias de fibras naturais de gravatá, cipó e bambu. Os sítios tupiguaranis são geralmente rasos e as cerâmicas apresentam características especiais com coloração e decoração variada, além de uma indústria lítica diversificada. No inicio do século XVI, quando chegaram os primeiros europeus, os carijós eram amistosos, auxiliavam, informavam e guiavam expedições nas matas até o Paraguai; em troca recebiam presentes. A partir da 2ª metade do século XVI, a vida tribal dos Carijós em todo o sul do Brasil foi comprometida pelos missionários jesuítas e bandeirantes, que os afugentaram depois de quase trezentos anos de ocupação da zona costeira. Os índios fugiam para escapar da escravidão imposta pelos colonizadores portugueses que chegavam em levas na Ilha. A Ilha de Santa Catarina era denominada pelos índios carijós como Meiembipe que significa montanha ao longo do canal. Na Planície do Campeche há vestígios de vários sítios arqueológicos. Alguns foram destruídos para produzir cal, outros para aterrar estradas e manguezais e outros ainda desconhecidos foram soterrados por ocupações humanas. Na Joaquina ocorrem três sítios: O Cerâmico Joaquina I, o Sambaqui Joaquina II, e a Oficina Lítica Joaquina III. O II foi parcialmente destruído por um estacionamento na Joaquina. A oficina lítica Joaquina III está localizada no costão. No trevo do Rio Tavares/ Centro/ Campeche, o sítio Sambaqui Rio Tavares III foi aterrado para construções. No

90 BASTOS, Rossano Lopes, Utilização dos recursos naturais pelo homem pré-histórico na Ilha de Santa Catarina. Dissertação de Mestrado em Antropologia, CFH/UFSC, Florianópolis, 1994; CECCA, 1997; Site: www. Kelerlucas.com.br. 91 CECCA, 1997. Op.cit

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Carianos, os Sambaquis serviram para aterrar a estrada SC 401. É possível que grande número de sítios existam na Planície; o IPUF relata a existência de sete. Inscrições rupestres: desenhos abstratos geométricos e/ou figurativos (com formas humanas e animais), harmoniosos, gravados pelos habitantes pré históricos em paredes rochosas de frente para o oceano. (Figura nº 21c e 21 d) Os habitantes primitivos contavam a sua história, principalmente fatos relativos à religião com desenhos em gravuras (petroglifos) e pinturas (pictoglifos). A arte rupestre consistia em esculpir e polir reentrâncias na rocha utilizando ferramentas de pedra. As inscrições e os produtos cerâmicos demonstram que eram cultos e tinham respeito ao mar, ao sol nascente. Na Ilha de Santa Catarina predominam os petroglifos, sempre dispostos frente ao oceano bravio, talvez relacionados rituais para uma boa pescaria. A Ilha do Campeche, com 480.550 m2, localizada a 1750m a leste da praia do Campeche, tem uma das maiores concentrações de sítios arqueológicos no Estado. Ali existem pelo menos 18 sítios incluindo sambaquis, sítios cerâmicos, líticos e utensílios primitivos, mas prevalecem as inscrições rupestres. Faltam estudos que precisem a época da arte rupestre da Ilha do Campeche; supõe-se que perto dos 5000 anos. A Ilha do Campeche é considerada um dos mais importantes santuários ecológicos do Município de Florianópolis, ostenta importante cobertura vegetal constituída por mata atlântica original e vegetação de restinga, bem como uma belíssima praia. A beleza da Ilha do Campeche somada a seu patrimônio arqueológico vem sendo ameaçada pelo crescente numero de visitantes (aproximadamente 700 por dia na temporada de verão) que trazem muitos resíduos como garrafas, latas, sacos plásticos, etc.. É urgente um planejamento adequado de seu uso antes que este patrimônio ambiental e cultural venha a ser totalmente descaracterizado. Algumas iniciativas do Ministério Público Federal procuram estabelecer regras para um uso sustentável desses recursos por parte dos diversos usuários. Referências

BARBOSA, Tereza C. P.; SOUSA, Janice Tirelli P. de. Adote a Lagoa Pequena. Relatório Final do Projeto de Extensão Universitária – Interdisciplinar, CCB/CFH/UFSC. Programa Adote uma Bacia Hidrográfica, MMA, 2000.

BARBOSA, Tereza C. P. Ecolagoa. Um breve documento sobre ecologia da bacia hidrográfica da Lagoa da Conceição. Florianópolis: Agnus, 2003, 86p.

BASTOS, Rossano Lopes, Utilização dos recursos naturais pelo homem pré-histórico na Ilha de Santa Catarina. Dissertação de Mestrado em Antropologia, CFH/UFSC, Florianópolis, 1994; CECCA, 1997; Site: www. Kelerlucas.com.br.

BAUER de ARAUJO, Norma. Contribuição ao Estudo da Qualidade da Água da Bacia Hidrográfica do Rio Tavares – Poluição Orgânica. Dissertação de Mestrado em Geografia, CFH/UFSC, Florianópolis, 1993.

BORGES, Sérgio F. Características hidroquímicas do aqüífero freático do Balneário Campeche, Ilha de Santa Catarina - SC. Dissertação de Mestrado em Geografia, UFSC, Florianópolis, 1996.

CARUSO, Mariléa M.L. O desmatamento da Ilha de Santa Catarina. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1983.

CECCA - CENTRO DE ESTUDOS CULTURAIS E CIDADANIA/FNMA. Uma cidade numa Ilha. Relatório Sobre os Problemas Sócio-ambientais na Ilha de Santa Catarina. Florianópolis: Insular, 1996.

______ Unidades de Conservação e Áreas Protegidas da Ilha de Santa Catarina: Caracterização e legislação. Florianópolis, 1997.

CHARRID Resgalla., Jr. Estudo de Impacto ambiental sobre a Comunidade do Zooplancton na Enseada do Saco dos Limões, Baía Sul da Ilha de Santa Catarina, Brasil. Revista Atlântica, nº 23, pág. 5-16, Rio Grande: FURG, 2001.

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NASCIMENTO, Cristiano. Da pequena produção mercantil pesqueira de moluscos ao cultivo de moluscos: litoral catarinense. Trabalho de Conclusão de Curso em Geografia, UDESC, 2005.

LUIZ, E. L.; SILVA, J. M. Apropriação de Áreas de Preservação permanente pelo Capital Imobiliário: O Caso da Lagoinha Pequena- Florianópolis-SC. Geosul, V.11, nº.21/22, Florianópolis: EDUFSC, 1996.

MATHIESEN, Lilian Wetzel. Áreas protegidas na zona Costeira Brasileira. Dissertação de Mestrado em Engenharia Ambiental, CTC/UFSC, 2002.

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Material de Referência Nº 2

Carta do Campeche de 1987 ao Prefeito Edson Andrino

Florianópolis, 03 de junho de 1987. Ao Exmo. Sr. Edson Andrino Prefeitura Municipal de Fpolis Nesta Nós, abaixo assinados, preocupados com a preservação das belezas atuais e culturais do Campeche, vimos reiterar formalmente um conjunto de propostas que julgamos fundamentais para a nossa comunidade . 1- Cumprimento da Legislação que protege as dunas e as margens das Lagoas, promovendo a limpeza das cercas e a mudança das edificações impróprias; 2- Criação do Parque da Lagoa da Chica, demarcando a área com árvores frutíferas e mantendo um herbário da rica flora nativa; 3- Tombamento da área do antigo aeroporto de Florianópolis, que hoje abriga campos de futebol, a escola e inclusive, o Centro Comunitário que deverá também servir como Museu do Campeche sob os cuidados do Conselho Comunitário e da Associação dos Moradores. Nesta mesma área propomos a constituição de um Horto Florestal que poderá contar com a orientação da profª. Tsugui Nilson do Instituto Botânico de São Paulo e o apoio da comunidade local. 4- Cientes de que se planeja um novo acesso à Joaquina, via Campeche, vimos manifestar desde já nossa contrariedade em relação ao projeto pelos danos que irá causar para o meio ambiente. Certos de sua atenção, colocando-nos a seu inteiro dispor para todas as iniciativas neste sentido; Subscrevemo-nos, atenciosamente: Assinam: AMOCAM, ASSOC. SURFISTAS DO CAMPECHE, Conselho Comunitário do Campeche, moradores

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Material de Referência Nº 3

1ª carta dos moradores do Campeche sobre os projetos de urbanização da área Nós moradores do Campeche reunidos a partir do dia 27 de novembro de 1989, para discutir as propostas de urbanização de nossa comunidade, apresentadas pelo IPUF, até a presente data deliberamos os seguintes pontos: Em princípio, rejeitamos os dois projetos apresentados pelo IPUF por não atenderem as reivindicações básicas da comunidade, uma vez que não foi ouvida previamente, nem respeitarem sua história e ecologia. Julgamos que num primeiro momento é fundamental fazer cumprir a legislação ambiental existente que preserva dunas, continuamente cercadas, as lagoas da CHICA E PEQUENA invadidas por várias construções que inclusive, vêm ameaçando sua existência, o rio JOÃO FRANCISCO e o MORRO DO LAMPIÃO, tomando as medidas necessárias de lazer e recreação das gerações atuais e futuras. Destacamos que nestas áreas ainda se mantêm raras espécies de vegetação de restinga e diversas aves em extinção. Deverão ser garantidos e reabertos os caminhos históricos, os engenhos e a área do mais antigo campo de aviação do estado, que além de servir até hoje como campo de futebol de várzea, é uma ampla área de pastagem para o gado leiteiro ainda existente na região e abriga em seu limite leste o antigo angar da Air France (atual Centro Comunitário) que deverá ser tombado e transformado em museu-escola do Campeche. Os planos urbanísticos para o Campeche, ao invés das grandes vias e adensamentos projetados sem a mínima infra-estrutura como sempre ocorre (vide vias de contorno das baías norte e sul), deverá delimitar precisamente, as áreas de preservação, as áreas de pastagens criação, e plantio, bem como deverá atender as reivindicações essenciais da comunidade quais sejam: implantação imediata de redes de águas e esgoto, em escala ecologicamente compatível; melhoria das vias, estradas e acessos históricos existentes e que venham a servir a uma harmônica expansão urbana que não comprometa a paisagem e qualidade de vida. Além disso, deverá ser previsto atendimento das necessidades mais elementares continuamente reivindicadas pela comunidade, de melhoria do transporte coletivo, dos serviços do posto de saúde e da ampliação da escola incluindo a faixa do pré-escolar e do 2. grau, a instalação de novas linhas e postos de telefones público, de uma agência do correio. A comunidade reivindica também, a ampliação do projeto Beija Flor de limpeza urbana que já funciona bem no núcleo histórico ( Mato de Dentro), a todo o Campeche. Todos os planos e projetos previstos para o Campeche deverão ser submetidos à apreciação da Associação dos Moradores e demais entidades representativas da comunidade, uma vez que estamos interessados na sua realização, abertos ao diálogo e dispostos a participar de suas formulações.

Florianópolis, 21 de dezembro de 1989. AMOCAM- Associação dos Moradores do Campeche.”

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Material de Referência Nº 4

Mensagem do Prefeito Sérgio Grando à Cânmra de Vereadores

Excelentíssimo Senhor Presidente e demais membros da Câmara de Vereadores, Tenho a honra de submeter a elevada consideração de Vossa Excelência, nos termos da Lei

Orgânica do Município de Florianópolis, o incluso Projeto de Lei que “ALTERA A LEI 2193/85 E DÁ OUTRAS PROVIDENCIAS”

As razões que levaram a encaminhar o referido Projeto estão explicadas abaixo: Trata-se de matéria há muito esperada por esta egrégia casa, não só pela degradação ambiental e

urbanística que ocorre no local, bem como pela necessidade urgente de disciplinar a expansão urbana da Ilha, revertendo a constante evasão de receita de Florianópolis para os municípios da área continental.

O projeto de Lei, em sua aparente simplicidade, encerra concepções e instrumentos que merecem ser explicitados, por seu caráter inovador e integrado.

O rezoneamento dessa região não é um plano isolado ou simples adequação da Lei 2193/85. Trata-se na verdade do Programa de Ação número um, dentre as estratégias do plano de Desenvolvimento daquela Região, concluído pelo IPUF em 1992 e atualizado em 1995, após reuniões programadas com as comunidades residentes no ano de 1994. O território objeto deste plano é uma região de 50Km2, incluindo as localidades da Tapera, Alto Ribeirão, Campeche, Morro das Pedras, Rio Tavares e Carianos.

O referido Plano de Desenvolvimento inclui Programas de ação com objetivos físicos, sociais econômicos, legais e administrativos. Como primeiro programa de desenvolvimento, a adequação legislativa é fundamental, transformando a região de rural em urbana, prevendo os espaços necessários a todas as funções urbanas, e criando os alicerces legais que poderão eliminar a clandestinidade e as carências institucionais a que são submetidas tantos munícipes.

Trata-se de concepção urbana integrada , de um projeto de uma cidade-nova, com capacidade para cerca de 450.000 pessoas e capaz de colocar Florianópolis no século XXI.

Sua base econômica serão as industrias limpas do próximo século, unindo o conceito de Tecnópolis (alta tecnologia, educação e residência) com as características paisagísticas e culturais da Ilha (turismo). Nesse sentido, foram previstas áreas para 4 Parques Tecnológicos, 1 Campus Universitário, 1 Autódromo Internacional, 1 Centro de Convenções e Promoções, alguns Shopping Centers e 3 Setores Hoteleiros.

A região é cortada por uma rede vias-parque e um anel expresso ligado a Via - Expressa Sul, conforme bairros autônomos e humanizados. Superpõe-se a esta rede viária uma rede de transporte de massa e uma rede de vias de pedestres/ciclovias interligando áreas verdes e outros pontos de interesse.

Cada bairro possui todo o equipamento urbano necessário, incluindo centros comerciais, parques e escolas. Apenas 3 bairros possuem densidade elevada, com prédios de 4 a 6 pavimentos, para atender a demanda por apartamentos de classe média. Os centros comerciais desses bairros permitem prédios com maior altura, funcionando como marcos visuais na extensa região plana do Sul da Ilha.

As zonas residenciais foram previstas na exata proporção dos empregos que virão a ser gerados na região, tornando qualquer alteração de zoneamento, um fator de desequilíbrio social e urbanístico. Em decorrência dessa política, existem áreas residenciais para todas as classes de renda, englobando desde loteamentos turísticos de luxo até os núcleos de baixa renda. As comunidades tradicionais do Alto Ribeirão, Freguesia do Campeche e Rio Tavares foram preservadas da ocupação excessiva, permitindo a expansão da população nativa e a manutenção das tradições locais.

Equipamentos urbanos de grande porte, tal como áreas para serviços pesados, centros culturais, centros hospitalares, cemitérios, estações de tratamento de esgotos, reservatórios d’água e subestação de energia elétrica, foram também previstos no projeto.

O Projeto de Lei, porém, não se esgota no mero rezoneamento. Cada bairro foi objeto de um pré-plano de ocupação, definindo as vias locais, as áreas verdes e as escolas, os quais funcionam como ordenação preliminar aos proprietários e empresários. Na verdade, o Projeto de Lei é flexível, permitindo a alteração do zoneamento e desses pré planos, através do mecanismo dos Planos Específicos. Dessa forma, a atualização e aprimoramento de soluções urbanísticas permanecem em aberto, em busca dos melhores interesses da comunidade. Alguns bairros já aparecem com indicação imediata de Planos Específicos, com vistas a resguardar áreas de interesse cultural, urbanizar núcleos de sub-habitação ou ordenar zonas de loteamentos clandestinos.

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Como fator importante na consecução deste plano, aparece a proteção das áreas não urbanizáveis previstas nas Legislação maior e na própria Lei 2193/85. As áreas de preservação permanente (dunas, mangues, encostas de alta declividade e faixas sanitárias) e as áreas de proteção do aeroporto (curvas de ruído, aproximação de vôo, e aparelhos de navegação). A própria localização do autódromo sob a zona de ruído visa dar a futura cidade um parque urbano e um equipamento turístico fundamental ao mesmo tempo em que assegura a continua operação do único aeroporto internacional do estado.

Duas ferramentas se destacam para transformar o Projeto em realidade. Primeiro, a criação de zonas de urbanização preferencial ao longo do sistema viário básico, induzindo a implantação imediata da estrutura espacial proposta. Segundo, a criação de uma empresa pública para administrar localmente Projeto de tamanha envergadura, garantindo uma implantação eficiente que devera se estender por mais de uma década.

Acreditamos ter trazido à atenção os pontos mais importantes do projeto ora submetido à vossa apreciação. Maiores esclarecimentos podem ser obtidos junto a equipe do IPUF, a qual desde já coloco à disposição dessa casa, inclusive para demonstração da maquete existente. O Plano de Desenvolvimento encontra-se à disposição na biblioteca do IPUF, para consultas e pesquisas pelos interessados.

Lembramos, por oportuno, que o presente Projeto de Lei é uma alteração do zoneamento previsto na Lei 2193/85 e portanto passível de ser analisado nos prazos regimentares.

Esperamos merecer a atenção desta Corte Legislativa, solicito que esta matéria venha a ser apreciada com a máxima brevidade possível.

Colocando-me à disposição para os esclarecimentos que se fizerem necessários. Subscrevo-me,

Sérgio Grando

PREFEITO MUNICIPAL

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Material de Referência Nº 5 Centro Tecnológico - Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental PARECER TÉCNICO SOBRE O PLANO DE DESENVOLVIMENTO DO CAMPECHE 1. Considerações

- O Plano de Desenvolvimento do Campeche (PDC), elaborado pelo Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF) prevê o assentamento de 450.000 habitantes em uma área de 50 km² nas regiões sul e leste da ilha de Santa Catarina.

- Outrossim, o PDC do IPUF não faz referência a qualquer infra-estrutura, tais como, abastecimento de água e sistema de esgotos domésticos, alegando que "isto é outro tipo de plano e é obrigação da CASAN, que tem que incluir em seu planejamento de longo prazo".

- A CASAN, em seu projeto executivo de abastecimento de água da Costa Leste/Sul, prevê o atendimento inicial de uma população de aproximadamente 70.000 habitantes na implantação do Sistema, e a população limite de 147.161 habitantes.

- Segundo os parâmetros de projeto adotados pela CASAN, a vazão de consumo máximo diário será de cerca de 400 l/s, para a população de saturação da área de atendimento.

- O manancial supridor do sistema é a Lagoa do Peri, e o projeto prevê trabalhar com a variação de nível de 90 cm, sendo o nível mínimo na cota 1,76 m (cota verdadeira), nível mínimo este obtido a partir da implantação da barragem de nível; e conseqüentemente o nível máximo na cota 2,66 m.

- A Lagoa do Peri é o único manancial de superfície existente em toda a ilha de Santa Catarina, cujo porte viabiliza técnica e economicamente a sua utilização como manancial supridor do sistema projetado. 2. Conclusões

-Com base nos mesmos parâmetros de projeto adotados pela CASAN, para atender às pretensões do IPUF , a vazão nominal do sistema de abastecimento de água deverá ser da ordem de 1,25 m3/s, ou seja, um valor superior ao triplo da capacidade limite do manancial supridor .

-Portanto, é tecnicamente inviável à CASAN incluir em seu planejamento de longuíssimo prazo qualquer solução com base em mananciais da Ilha de Santa Catarina.

-Ao admitir-se solução técnica com a utilização de águas do continente, destaque-se o fato de que o manancial Vargem do Braço já se encontra com a sua capacidade máxima comprometida com o suprimento da região metropolitana da Grande Florianópolis.

- Para a utilização das águas do rio Cubatão, seria necessário a implantação de uma adutora de 1,00 m de diâmetro com cerca de 40 km de extensão. Seu custo de aquisição é de cerca de US$ 17 milhões. A este valor devem ser acrescentados os custos de assentamento.

- O custo de produção de água tratada do rio Cubatão é bastante elevado, tendo em vista as despesas com a aquisição e manutenção de equipamento eletromecânico de recalque, despesas permanentes de energia elétrica e de pessoal com adicional noturno, etc.

- Admitindo-se que uma solução técnica, astronomicamente onerosa, fosse encontrada para o abastecimento de água, a utilização da mesma pela população geraria uma vazão de 1000 l/s de esgotos domésticos. É então fácil imaginar o grau de complexidade para encontrar-se uma solução técnica adequada e sanitariamente viável para o tratamento dos esgotos gerados, bem como de seu destino final. Provavelmente a balneabilidade das praias do sul da ilha estaria com os dias contados. 3. Parecer técnico Pelo que foi anteriormente exposto pode-se chegar ao seguinte parecer técnico:

-A proposta do IPUF sequer pode ser caracterizada como um "estudo preliminar" e muito menos como um "ante-projeto". É uma utopia, absolutamente inviável. As pessoas que a conceberam demonstraram completa alienação da realidade da região, tanto do ponto de vista técnico, como também dos pontos de vista econômico, financeiro e social.

-Somos de parecer contrário à continuidade da discussão e mais ainda à sua aprovação. Florianópolis, 29 de setembro de 1997 Prof. Jairo Ambrozini Prof. Fernando S. P. Sant' Anna Chefe do Depto de Enga. Sanitária e Ambiental

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Material de Referência Nº 6 Parecer do Centro de Ciências Biológicas Florianópolis, SC, 21 de setembro de 1997.

Prof. DANILO WILHELM FILHO -Presidente Biólogo (CRB 09370 03D)

Prof. LElLA DA GRAÇA AMARAL -Membro Bióloga (CRB 09526 03D)

Prof. AIMÊ RACHEL M. MAGALHÃES –Membro Bióloga (CRB 09491 03D)

PARECER TÉCNICO A comissão designada pela Portaria 057/CCB/97 para emitir parecer sobre o Planejamento Urbano do IPUF para o Campeche, tem a considerar os seguintes aspectos que julgou relevantes: Plano Diretor consiste num plano de ocupação para o desenvolvimento organizado de atividades individuais e coletivas num espaço geográfico limitado. No sentido de permitir a expansão urbana ordenada da cidade, em contra-posição à ocupação desordenada que já acontece no sul da Ilha de Santa Catarina, o IPUF desenvolveu um Plano de Desenvolvimento desta região, dentro do Plano Diretor do Município de Florianópolis, com a previsão de instalação de aproximadamente meio milhão de habitantes nesta região da ilha nos próximos vinte anos, além de áreas industriais que totalizariam cerca de 160 hectares de ocupação. Como será demonstrado adiante, tal densidade demográfica implicará, necessariamente, em alterações nos seus ecossistemas e nas suas atuais condições edáficas e hídricas, comprometendo tanto sua característica e valorizada beleza cênica, como a qualidade de vida de seus habitantes. Alterações provocadas na vegetação natural, em geral causam impactos bastante violentos, considerando-se tanto a função das plantas em seus ambientes de ocorrência, como a complexidade e o tempo necessário à sua reposição. A região do Campeche e imediações apresenta características ecológicas bastante complexas, por se tratar de região litorânea baixa, arenosa, coberta por vegetação predominantemente herbácea e arbustiva, caracterizando, em sua maior parte, uma formação denominada Restinga, termo que, na sua forma mais ampla, define "planícies arenosas costeiras, de origem marinha, com as diferentes comunidades biológicas que as ocupam". A fauna e a flora das restingas formam associações bem típicas, sendo as plantas de porte rasteiro ou baixo, com raízes, caules e folhas adaptados a terreno arenoso, vento e salinidade, além da grande incidência de luminosidade solar. Tais adaptações conferem a estas espécies a necessária condição para funcionarem na manutenção deste ecossistema, seja garantindo a fixação das dunas e estabilidade do terreno, como também o escoamento e drenagem das águas. A complexidade deste tipo de formação, devida especialmente à diversidade de ecossistemas que nela podem ser encontrados, ao mesmo tempo que lhe confere especial valor biológico, coloca-a na situação de área extremamente vulnerável a perturbações causadas pelo homem. Informações gerais sobre a utilização de áreas de restinga, dão conta de que tais áreas têm sido destruídas em função da ocupação humana e especulação imobiliária - ampliada pela abertura de estradas litorâneas - o que vem se tomando grave ameaça a esses ecossistemas. A retirada desta vegetação acarreta rápida lavagem dos nutrientes, num processo gradual de empobrecimento do sistema. Em estágio mais avançado, a erosão do solo nu, tanto pelas chuvas como especialmente pelo vento, leva à rápida mobilidade das dunas, causando graves alterações ao ambiente e à população litorânea. A importância e fragilidade desses ecossistemas, determinaram a inclusão de dunas e restingas como Áreas de Preservação Permanente (APP), isto é, áreas necessárias à preservação dos recursos e das paisagens naturais e à salvaguarda do equilíbrio ecológico (Resolução 004/85 CONAMA), sendo sua conservação igualmente priorizada no Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro. Por outro lado, o CONAMA determina um raio de 10 km das Unidades de Conservação, como limite para qualquer atividade que possa afetar a biota, sendo que, para tais atividades, é necessário um licenciamento concedido pelo órgão responsável pela Unidade. Uma vez que as dunas do Campeche, por decreto municipal, constituem uma Unidade de Preservação administrada pela Prefeitura de Florianópolis, é indispensável que esta mantenha o fiel cumprimento das normas ambientais na definição de ocupação desta área. O empreendimento em pauta afetará também uma grande área de manguezal, um ecossistema sui generis, bastante representativo do litoral brasileiro. Juntamente a estuários, baías e lagunas, é reconhecido pela legislação brasileira como Área de Preservação Permanente, a exemplo de outros países, pela riqueza em diversidade biológica e importância ecológica. Trata-se de um sistema ecológico costeiro dominado por espécies vegetais e animais adaptados a um solo periodicamente inundado pelas marés, com grande variação de salinidade, constituindo um dos ecossistemas mais complexos e produtivos do planeta. Produzem bens e serviços de grande valor para a sociedade como um todo, e para as comunidades litorâneas em particular que usam esses recursos naturais. Na Ilha de Santa Catarina as condições mais propícias para o desenvolvimento dos manguezais se encontram no litoral oeste, que é formado pelas Baías Norte e Sul. A preservação do manguezal é fundamental para a manutenção dos

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processos ecológicos e da diversidade biológica no litoral de Florianópolis; para a preservação de espécies em extinção; para conservação de estoques pesqueiros; para proteção da linha da costa contra erosão e tempestades; para prevenir enchentes (registre-se a atual preocupação relacionadas com as anomalias meteorológicas atreladas ao fenômeno conhecido como "EI Nino"); para obtenção de alimento; para observação de animais e vegetais e para manutenção dos canais de navegação, entre outros fatores. O Plano Diretor prevê o aterramento de uma grande área do manguezal do Rio Tavares, localizado entre as coordenadas geográficas de 48°30'06" e 48°32'49" de longitude W e 27°38'40" e 27°40'05" de latitude Sul, na região sul da Ilha de Santa Catarina. Abrange cerca de 8,22 km², tendo como rio principal o Rio Tavares e como secundários o Ribeirão dos Defuntos e Ribeirão da Fazenda, com um manguezal bastante expressivo e homogêneo, voltado para a Baía Sul. O manguezal do Rio Tavares é o maior da Ilha de Santa Catarina, sendo um criadouro natural de pescados dos quais depende uma grande quantidade de pessoas. Os manguezais encontram-se incluídos em diversos dispositivos constitucionais e infra-constitucionais (leis, decretos, resoluções, convenções), em nível de preservação permanente. Esses instrumentos legais impõem uma série de restrições ao uso e/ou ações em áreas de manguezal. Desde o início do século XVIII (1704) leis federais protegem os manguezais. Uma lei de 1760 proibia a derrubada de árvores de mangue, prescrevendo aos infratores multa pecuniária e detenção. A lei número 14536, de 31/12/1920, determina a proibição de aterro ou apossamento dos mangues. Atualmente várias leis federais em vigor protegem essas áreas. O Código Florestal Brasileiro, o CONAMA, e, acima de tudo, a Constituição da República Federativa do Brasil, de 05/10/1988 (art. 225, § 1 e 4, notadamente), tratam da proteção ao meio ambiente, nos quais o manguezal está incluído. O Estado do Rio de Janeiro e São Paulo possuem, respectivamente, 12 e 14 dispositivos legais que preservam ambientes em que áreas específicas de manguezais estão incluídas. Santa Catarina representa o estado limítrofe em termos de ocorrência de manguezais no país, e, de forma ímpar, constitui a distribuição de maior latitude do planeta onde tais ecossistemas ocorrem, demonstrando, destarte, a particular necessidade de proteção destas áreas. Todas as diferentes funções de ocupação (ARE, ATE, AER e ACI) previstas no Plano Diretor do município de Florianópolis, implicam diretamente na utilização do solo e da água. Considerando a parte Ilha do município, as disponibilidades de solo e água para uso humano ficam extremamente limitadas geograficamente. Nem todo tipo de solo pode ser ocupado por construções, estradas, fossas, cemitérios, campos de futebol, etc. Solos instáveis como dunas, mangues, encostas de morros, oferecem uma série de problemas para a própria população atualmente existente na Ilha de Santa Catarina, conforme segue: a ocupação dos mangues impede o crescimento de crustáceos, peixes e vários outros grupos animais, afetando a atividade do pescador artesanal, do turismo gastronômico e da própria arrecadação municipal. A ocupação das dunas impermeabiliza o solo, afetando mananciais de água para consumo humano. O sistema aqüífero do Campeche, Rio Tavares, Tapera e Lagoa da Conceição, forma o Sistema Costa Leste/Sul segundo a CASAN, abastecendo as comunidades da costa leste e sul da Ilha de Santa Catarina. O excesso de intervenção humana através de construções, estradas e calçamentos determinam problemas de recarga dos aqüíferos. Adicionalmente, deve ser muito bem monitorado o impacto causado por fossas sépticas e cemitérios no sistema de águas subterrâneas. Atualmente este sistema ainda não apresenta problemas sérios de abastecimento como os já existentes no norte da ilha e Lagoa da Conceição, cujo fornecimento e qualidade já estão bastante comprometidos. Considerando a previsão de instalação de aproximadamente meio milhão de habitantes nesta região da Ilha no espaço dos próximos vinte anos, de acordo com o Plano Diretor a ser implantado, estes recursos aqüíferos seriam insuficientes. Alternativas como a utilização da lagoa do Peri, a captação de águas continentais, ou a dessalinização de água marinha, são aparentemente ineficientes em termos temporais (solução paliativa sem perspectiva definitiva), econômicos e inclusive em termos jurídicos. Neste último particular, a lei federal n° 9433 de 08/01/97, institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, criando o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos. Estabelece, outrossim, que são ações do poder público nos diferentes níveis, em conjunto com o Comitê de Bacia Hidrográfica (art.32), associações civis regionais comunitárias e usuários, que devem gerenciar, fiscalizar e promover a integração da gestão dos recursos hídricos com a gestão ambiental (art.29). É importante salientar que o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) confeccionado para o Projeto Via Parque já aponta graves problemas vinculados à construção das diversas vias expressas previstas para a região sul, onde a inconsistência do solo local, somada à erosão e instabilidade mecânicas deverão elevar grandemente os seus custos. Adicionalmente, recentes exemplos vêm demonstrando a inadequação de via expressas permeando áreas residenciais, pela incidência de acidentes e perturbação ambiental. Por outro lado, e determinante a necessidade de expansão de áreas verdes no sentido de minimizar impactos causados pela poluição sonora atreladas à própria malha rodoviária e a proximidade do aeroporto Hercílio luz. Cabe ainda registrar que a Fundação do Meio Ambiente de Florianópolis (FLORAM), como entidade municipal responsável pelas questões ambientais do município de Florianópolis, deverá, de forma imprescindível, manifestar seu posicionamento técnico quanto ao empreendimento em pauta. Da mesma forma, por afetar igualmente questões de sua jurisprudência, deverão manifestar-se a respeito órgãos estaduais como a FATMA e SEDUMA, e o IBAMA-SC. Florianópolis e, particularmente, o sul da Ilha de Santa Catarina, necessita urgentemente de um Plano Diretor, mas dentro de um planejamento que seja compatível com os recursos e sustentabilidade da qualidade de

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vida, evitando os equívocos técnicos assinalados anteriormente (impermeabilização do solo; comprometimento ou destruição de importantes ecossistemas locais; elevados custos sociais e ambientais, com aumento da poluição sonora, visual, atmosférica, hídrica e da violência) que venham implicar em posteriores medidas corretivas de custo elevado à população em termos financeiros, sociais e ambientais, conforme ilustram inúmeros tristes exemplos históricos, tanto ao nível nacional como internacional. Na década de 60, através de um estudo pioneiro do chamado "Clube de Roma", diversos organismos internacionais tornaram evidentes os limites do crescimento para todo o planeta, considerando os principais parâmetros ambientais, como a expansão industrial, os recursos não-renováveis, o crescimento populacional, a poluição ambiental e a produção de alimentos. Sua maior contribuição foi chamar a atenção mundial para os desafios inerentes à própria sobrevivência humana, onde uma visão mais ampla e de conjunto da problemática ambiental, seria condição necessária para garantir o desenvolvimento sustentado, evitando-se uma conotação de crescimento ilimitado. Dentro destas características é que se espera que o "Plano Diretor do Município de Florianópolis" e o "Plano de Desenvolvimento do Sul da Ilha", sejam gerados e norteados, levando em consideração que a vocação natural ao turismo da Ilha de Santa Catarina é devida principalmente à sua beleza natural, e ela deve ser preservada o máximo possível. Esta comissão, considerando as premissas apontadas acima, é de parecer que o Plano Diretor do município de Florianópolis deve contemplar explicitamente no seu corpo estrutural, desde seu planejamento até sua execução, manutenção, e eventuais alterações futuras, as seguintes concepções: desenvolvimento sustentado com a manutenção ou melhora da qualidade de vida ambiental; observação estrita da legislação atualmente vigente quanto à preservação de diferentes ecossistemas eventualmente afetados pela intervenção humana; implementação de ações que viabilizem uma ocupação compatível com as características naturais da região, única forma de evitar o acarretamento de futuras soluções corretivas onerosas; e observação da tese de vocação indissolúvel e inerente à indústria do turismo vinculada à preservação do patrimônio natural da região.

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Material de Referência Nº7

Florianópolis, 11 de novembro de 1997 Parecer jurídico sobre o Plano de Desenvolvimento do Campeche Prot. Dr. Christian Guy Caubet92 Érica Bezerra Queiroz93 1. Apresentação O texto que segue apresenta, a título exemplificativo, uma série de dispositivos legais não observados pelos elaboradores do Plano de Desenvolvimento da Planície Entremares, conhecido como Plano de Desenvolvimento do Campeche. 2. Dispositivos Legais violados 2.1. Constituição Federal de 1988 "Art. 225, caput -Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder Público e à Coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 4° -A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Matogrossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. " 2.2. Constituição do Estado de Santa Catarina “Art. 25 do Ato das Disposições Transitórias -até a promulgação da Lei que instituir o plano estadual de gerenciamento costeiro, não poderão ser expedidas pelos municípios localizados na orla marítima normas e diretrizes menos restritivas que as existentes sobre o uso do solo, do subsolo e das águas, bem como sobre a utilização de imóveis no âmbito de seu território". 2.3. Lei Federal 7.661/88 - Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro "Art. 2° -Subordinando-se aos princípios e tendo em vista os objetivos genéricos do PNMA, fixados respectivamente nos artigos 2° e 4° da Lei no. 6.938, de 31 de agosto de 1981, o PNGC visará especificamente a orientar a utilização racional dos recursos na Zona Costeira, de forma a contribuir para elevar a qualidade da vida de sua população, e a proteção do seu patrimônio natural, histórico, étnico e cultural. Parágrafo Único. Para os efeitos desta Lei, considera-se Zona Costeira o espaço geográfico de interação do ar, do mar e da terra, incluindo seus recursos renováveis ou não, abrangendo uma faixa marítima e outra terrestre, que serão definidas pelo Plano. Art. 3° - O PNGC deverá prever o zoneamento de usos e atividades na Zona Costeira e dar prioridade à conservação e proteção, entre outros, dos seguintes bens: I -recursos naturais, renováveis e não renováveis; recifes, parcéis e bancos de algas; ilhas costeiras e oceânicas; sistemas fluviais, estuarinos e lagunas, baías e enseadas; praias; promontórios, costões e grutas marinhas; restingas e dunas; florestas litorâneas, manguezais e pradarias submersas; II -sítios ecológicos de relevância cultural e demais unidades naturais de preservação permanente; III -monumentos que integrem o patrimônio natural, histórico, paleontológico, espeológico, étnico, cultural e paisagístico. Art. 6°- O licenciamento para parcelamento e remembramento do solo, construção, instalação, funcionamento e ampliação de atividades, com alterações das características da Zona Costeira, deverá observar, além do disposto nesta Lei, as demais normas específicas federais, estaduais e municipais, respeitando as diretrizes dos Planos de Gerenciamento Costeiro. § 2° -Para o licenciamento, o órgão competente solicitará ao responsável pela atividade a elaboração de estudo de impacto ambiental e a apresentação do respectivo Relatório de Impacto Ambiental -RIMA, devidamente aprovado, na forma da lei. Art. 8° -Os dados e as informações resultantes do monitoramento exercido sob responsabilidade municipal, estadual ou federal na Zona Costeira comporão O Subsistema "Gerenciamento Costeiro", integrante do Sistema Nacional de Informações sobre o Meio Ambiente -SISNAMA.

92 Departamento de Direito. Universidade Federal de Santa Catarina. 93 Acadêmica de Direito. Universidade Federal de Santa Catarina.

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Parágrafo Único. Os órgãos setoriais, seccionais e locais do SISNAMA, bem como universidades e demais instituições culturais, científicas e tecnológicas encaminharão ao Subsistema os dados relativos ao patrimônio natural, histórico, étnico e cultural, à qualidade do meio ambiente e a estudos de impacto ambiental, da Zona Costeira. Art. 10 - As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica. § 1° -Não será permitida a urbanização ou qualquer forma de utilização do solo na Zona Costeira que impeça ou dificulte o acesso assegurado no caput deste artigo. " Cabe lembrar que esta lei, relativo ao Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, está em processo de revisão, devendo ser em breve emendada. Apesar de não estar ainda em vigor, o novo dispositivo legal deve ser levado em consideração, desde já, pelos órgãos planejadores, sob pena de terem de adequar seus projetos à nova lei, em prazos muito reduzidos, e de perderem, portanto, o trabalho realizado. Para garantir que os projetos não tenham que ser submetidos a revisão, logo após a sua aprovação, é lógico integrar os novos parâmetros aos projetos que estão sendo formulados. Dentre os princípios que o nortearão o novo gerenciamento costeiro, é importante destacar:

• A gestão integrada dos ambientes terrestres e marinhos da Zona Costeira, com a construção e manutenção de mecanismos transparentes e participativos de tomada de decisões, baseada na melhor informação e tecnologia disponível e na convergência e compatibilização das políticas públicas, em todos os níveis da administração;

• A não-fragmentação, na faixa terrestre, da unidade natural dos ecossistemas costeiros, de forma a permitir a regulamentação da utilização de seus recursos respeitando sua integridade;

• .A preservação, conservação e controle de áreas que sejam representativas dos ecossistemas da Zona Costeira, com recuperação e reabilitação das áreas degradadas ou descaracterizadas;

• A aplicação do Princípio de Precaução tal como definido na Agenda 21, adotando-se medidas eficazes para impedir ou minimizar a degradação do meio ambiente, sempre que houver perigo de dano grave ou irreversível, mesmo na falta de dados científicos completos e atualizados; e

• A execução em conformidade com o princípio da descentralização, assegurando comprometimento e a cooperação entre os níveis de governo, e desses com a sociedade, no estabelecimento de políticas, planos e programas estaduais e municipais.

Os instrumentos que viabilizarão esse novo Plano são: • O Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro -PEGC, legalmente estabelecido, deve explicitar os

desdobramentos do PNGC, visando a implementação da Política Estadual de Gerenciamento Costeiro, incluindo a definição das responsabilidades e procedimentos institucionais para a sua execução.

• O Plano Municipal de Gerenciamento Costeiro -PMGC, legalmente estabelecido, deve explicitar os desdobramentos do PNGC e do PEGC, visando a implementação da Política Municipal de Gerenciamento Costeiro, incluindo as responsabilidades e os procedimentos institucionais para a sua execução. O PMGC deve guardar estreita relação com os planos de uso e ocupação territorial e outros pertinentes ao planejamento municipal.

Serão os objetivos do novo Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro: • A promoção do ordenamento do uso dos recursos naturais e da ocupação dos espaços costeiros, subsidiando

e otimizando a aplicação dos instrumentos de controle e de gestão pró-ativa, atividade que busca interferir antecipadamente nos fatores geradores dos problemas para minimizar ou eliminar sua ocorrência da Zona Costeira;

• O estabelecimento do processo de gestão, de forma integrada, descentralizada e participativa, das atividades sócio-econômicas na Zona Costeira, de modo a contribuir para elevar a qualidade de vida de sua população, e a proteção de seu patrimônio natural, histórico, étnico e cultural.

Por fim, destacamos as atividades programadas para o novo dispositivo legal: • Compatibilizar as ações do PNGC com as políticas públicas que incidam sobre a Zona Costeira, entre

outras, a industrial, de transportes, de ordenamento territorial, dos recursos hídricos, de ocupação e de utilização dos terrenos de marinha, seus acrescidos e outros de domínio da União, de unidades de conservação, de turismo e de pesca, de modo a estabelecer parcerias, visando a integração de ações e a otimização de resultados.

• Promover, de forma participativa, a elaboração e implantação dos Planos Estaduais e Municipais de Gerenciamento Costeiro e dos Planos de Gestão, envolvendo ações de diagnóstico, monitoramento e controle ambiental, visando integrar o poder público, a sociedade organizada e a iniciativa privada.

• Promover a integração entre as demandas do PNGC e as ações das agências de fomento científico e tecnológico e das instituições de ensino e pesquisa.

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• Implementar ações visando a manutenção e a valorização das atividades econômicas sustentáveis nas comunidades tradicionais da Zona Costeira.

• Planejar as ações do PNGC por meio da definição de prioridade e elaboração de Planos Operativos Anuais (POA), nos níveis Federal, Estadual e Municipal.

Não haveria como comentar, em pormenores, todas as disposições legais desconsideradas no trabalho de planejamento. O PNGC estabelece princípios, isto é: dispositivos abrangentes, mesmo que relativos a determinadas providências ou atividades. Quando o segundo princípio, por exemplo, exige a "não-fragmentação, na faixa terrestre, da unidade natural dos ecossistemas costeiros, etc...", ele estabelece um parâmetro genérico, porém preciso, que implica inevitavelmente na impossibilidade de usar áreas e vegetações de preservação permanente no intuito de, no lugar delas, prever construções, viação ou qualquer outro uso urbano. Ainda mais que o terceiro princípio, que é, por definição (em função das exigências da interpretação jurídica) compatível com os demais, pede a preservação das áreas representativas de ecossistemas, bem como a recuperação de áreas degradadas. Tudo isso está reforçado pela legislação específica sobre áreas de proteção permanente (ver infra), que tampouco foi respeitada. 2.4. Lei Federal 9.433/97 - Política Nacional dos Recursos Hídricos Art. 1°- A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nos seguintes fundamentos: III -em situação de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais; V -a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos; VI -a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades. Art. 2° -São objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos: I -assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões e qualidade adequados aos respectivos usos. Art. 3°- Constituem diretrizes gerais de ação para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos: II - a adequação da gestão de recursos hídricos às diversidades físicas, biológicas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do País; III - a integração da gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental; IV - a articulação do planejamento de recursos hídricos com o dos setores usuários e com os planejamentos regional, estadual e nacional; V - a articulação da gestão de recursos hídricos com a do uso do solo; VI - a integração da gestão das bacias hidrográficas com a dos sistemas estuarinos e zonas costeiras. Art. 7°- Os Planos de Recursos Hídricos são planos de longo prazo, com horizonte de planejamento compatível com o período de implantação de seus programas e projetos e terão o seguinte conteúdo mínimo: II - análise de alternativas de crescimento demográfico, de evolução de atividades produtivas e de modificações dos padrões de ocupação do solo; III - balanço entre disponibilidades e demandas futuras dos recursos hídricos, em quantidade e qualidade, com identificação de conflitos potenciais; IV- metas de racionalização de uso, aumento de quantidade e melhoria da qualidade dos recursos hídricos disponíveis; VIII - prioridades para outorga de direitos de uso de recursos hídricos; X -propostas para a criação de áreas sujeitas a restrição de uso, com vistas à proteção dos recursos hídricos. Art. 8° -Os Planos de Recursos Hídricos serão elaborados por bacia hidrográfica, por Estado e para o País. Art. 12 -Estão sujeitos à outorga pelo Poder Público os direitos dos seguintes usos de recursos hídricos: I - derivação ou captação de parcela da água existente em um corpo de água para consumo final, inclusive abastecimento público, ou insumo de processo produtivo; II - extração de água de aqüífero subterrâneo para consumo final ou insumo de processo produtivo; Art. 14 - A outorga efetivar-se-á por ato da autoridade competente do Poder Executivo Federal, dos Estados ou do Distrito Federal. Art. 19- A cobrança pelo uso dos recursos hídricos objetiva:

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I - reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor; Art. 38 -Compete aos Comitês de Bacia Hidrográfica, no âmbito de sua área de atuação: I - promover o debate das questões relacionadas a recursos hídricos e particular a atuação das entidades intervenientes; II - arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitos relacionados aos recursos hídricos; III - aprovar o Plano de Recursos Hídricos da bacia; IV - acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da bacia e sugerir as providências necessárias ao cumprimento de suas metas; V - propor ao Conselho Nacional e aos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos as acumulações, derivações, captações e lançamentos de pouca expressão, para efeito de isenção da obrigatoriedade de outorga de direitos de uso de recursos hídricos, de acordo com os domínios destes," VI - estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir os valores a serem cobrados,. IX- estabelecer critérios e promover o rateio de custo das obras de uso múltiplo, de interesse comum ou coletivo" Parágrafo Único. Das decisões dos Comitês de Bacia Hidrográfica caberá ao Conselho Nacional ou aos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos, de acordo com sua esfera de competência. " A Lei 9433, como a que é relativa ao PNGC, faz exigências que não estão contempladas no projeto POC. Não se deve pensar apenas na participação efetiva dos usuários, mas também em exigências da mais óbvia necessidade, do tipo: estabelecer as necessidades reais de recursos hídricos (não apenas para a população humana) e conferir donde vem a água para abastecer a todos, quais os custos do abastecimento, os impactos possíveis, as obras necessárias, os recursos financeiros a serem arrecadados (na bacia ou fora dela), etc... Muitos desses assuntos não estão contemplados no POC e a CASAN não ofereceu, até o momento, respostas satisfatórias. Não é aceitável, por outro lado, que o IPUF "jogue" a responsabilidade do abastecimento de água para outros órgãos, como a CASAN, pois a exigência das leis (9433 e PNGC) é de trabalho conjunto e integrado de todos os órgãos; fato que ainda não ocorreu. 2.5. Lei Municipal 2.139/85 -Plano Diretor dos Balneários "Art. 21 - Áreas de Preservação Permanente (APP) são aquelas necessárias à preservação dos recursos e das paisagens naturais, à salvaguarda do equilíbrio ecológico, compreendendo: I. topos de morro e encostas com declividade igual ou superior a 46,6% (quarenta e seis e seis décimos por cento); II. mangues e suas áreas de estabilização; III. dunas móveis, fixas e semi-fixas; IV. mananciais, desde as nascentes até as áreas de captação d'água para abastecimento,. V. praias, costões, promontórios, tômbulos, restingas e ilhas; VI. áreas dos parques florestais e das reservas biológicas. Parágrafo único: São consideradas ainda Áreas de Preservação Permanente (APP) na forma do art. 9° da Lei Federal no.4. 771/65 as florestas e bosques de propriedade particular quando indivisos com parques e reservas florestais, ou em quaisquer áreas de vegetação considerada de preservação permanente. Art. 93 - As Áreas de Preservação Permanente (APP) são non aediticandi, ressalvados os usos públicos necessários, sendo vedada nelas a supressão da floresta e das demais normas de vegetação, a exploração e a destruição de pedras, bem como o depósito de resíduos sólidos. § 1° - Nas dunas é vedada a circulação de qualquer tipo de veículos automotores, a alteração do relevo, a extração de areias, e a construção de muros e cercas de vedação de qualquer espécie. § 2° - Nos mangues é proibido o corte da vegetação, a exploração dos recursos minerais, os aterros, a abertura de valas de drenagem, e o lançamento no solo e nas águas de efluentes estabelecidos pelo art. 19 do Decreto estadual no. 14.250, de 5 de junho de 1981. §3º - Nos mananciais, nascentes e áreas de captação d'água é proibido o lançamento de qualquer efluente, e o emprego de pesticidas, inseticidas e herbicidas. § 4° - Nas praias, dunas, mangues e tômbulos não é permitida a construção de rampas, muros e cercas de vedação de qualquer espécie, bem como a extração de areias. § 5º-São proibidas as obras de defesa dos terrenos litorâneos contra a erosão provocada pelo mar que possam acarretar diminuição da faixa de areias com a natureza de praia. Art. 22 - Áreas de Preservação com Uso Limitado (APL) são aquelas que pelas características de declividade do solo, do tipo de vegetação ou da vulnerabilidade aos fenômenos naturais, não apresentam condições adequadas para suportar determinadas formas de uso do solo sem prejuízo do equilíbrio ecológico ou da paisagem natural.

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Parágrafo único - São incluídas nas Áreas de Preservação com Uso Limitado (APL) as áreas onde predominam as declividades entre 30% (trinta por cento) e 46.6% (quarenta e seis e seis décimos por cento), bem como as áreas situadas acima da 'cota 100' que já não estejam abrangidas pelas Áreas de Preservação Permanente (APP). Art. 94- Nas Áreas de Preservação com Uso Limitado (APL) situadas nas zonas urbanas, e de expansão urbana e rural, abaixo à cota 100m (cem metros) são permitidos nos terrenos servidos por acesso público oficial de veículos automotores as edificações destinadas aos usos autorizados pelas tabela dos anexos II e IV. Art. 95- Nas Áreas de Preservação com Uso Limitado (APL) situadas nas zonas urbanizadas, expansão urbana e rural, acima da cota 100m (cem metros), nos terrenos servidos por acesso público oficial de veículos automotores, são permitidos exclusivamente edificações destinadas aos usos residenciais unifamiliares nas condições seguintes: I. se a área for revestida por floresta ou vegetação arbustiva, as edificações somente serão permitidas aos respectivos proprietários que, nos termos do art.6º da Lei Federal no.4. 771/65 façam sua destinação como floresta de preservação permanente. II. se a área for desflorestada, as edificações serão permitidas desde que o proprietário destine a gleba à implantação de projeto de reflorestamento com espécies nativas, aprovado pelos órgãos competentes, e desde que sua destinação como floresta de preservação permanente seja feita na forma do inciso anterior. Art. 96 - Nas Áreas de Preservação com Uso Limitado (APL) não é permitido o parcelamento do solo, a abertura ou o prolongamento de vias de circulação de veículos, salvo as obras de melhorias dos acessos públicos oficiais existentes e a implantação dos acessos privados ,às edificações. § 1° - Quando admitida a implantação de edificações nas Áreas de Preservação com Uso Limitado (APL), estas não poderão se afastar mais de 50,00m (cinqüenta metros) contados a partir do limite do APL, com a área urbanística adjacente ou do acesso público oficial, conforme o caso. § 2º - Em casos especiais, poderá ser admitida, a critério do Órgão Municipal de Planejamento, a implantação de edificações a mais de 50,00m (cinqüenta metros) para localizar a mesma no primeiro ponto que propicie melhor adequação à topografia e à paisagem, não podendo ultrapassar ao dobro a distância já permitida. § 3º - O traçado das vias de acessos privativos às edificações será definido em projetos específicos, ouvido o Órgão Municipal de Planejamento, devendo se adequar à topografia do terreno, possuir largura máxima de 6,00m (seis metros) e inclinação não superior a 20% (vinte por cento)" (artigo com redação modificada pela Lei 3.656/91). Art. 97- Nas Áreas de Preservação com Uso Limitado (APL) deverá ser mantida a cobertura vegetal existente, somente se permitindo o corte de árvores indispensáveis à implantação das edificações, quando admitidas, sendo vedada a exploração e destruição de pedras. § 1° - Considera-se superfície indispensável à implantação das edificações até o dobro da área construída. § 2° - As árvores cujo corte seja indispensável para implantação das edificações deverão ser indicadas nas plantas do projeto de construção, devendo cada árvore abatida ser substituída por outra dentro do mesmo terreno. § 3° -Os acessos privados das edificações em áreas de preservação com uso limitado (APL) deverão se harmonizar com a topografia existente e preservar a vegetação arbórea".

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Material de Referência Nº 8

Parecer sobre o Plano de Desenvolvimento do Campeche, solicitado pela Associação de Moradores do Campeche (AMOCAM)

Por Ana Albano Amora94 • Considerações preliminares:

O bairro do Campeche, localizado na Ilha de Santa Catarina, na cidade de Florianópolis, estado de Santa Catarina, já encontra-se em avançado processo de urbanização sem a devida regulação por parte dos órgãos de gestão municipal, seja através de mecanismos de planejamento seja através da fiscalização. Como conseqüência deste fenômeno, que vem ocorrendo de forma mais intensa desde a década de 80, pode-se observar uma série de impactos sobre a paisagem e o meio ambiente. A reboque deste processo de urbanização, a área vem sendo cogitada para viabilizar a expansão da cidade, via planejamento, propondo-se a indução do crescimento da cidade em direção ao lado sul da Ilha de Santa Catarina. O projeto da via expressa sul, do parque tecnológico, e o Plano de Desenvolvimento - Campeche, são algumas das propostas encaminhadas pelo setor público que dizem dar respostas ao processo de urbanização em curso. Com a entrada em funcionamento da via expressa sul haverá provavelmente uma intensificação do crescimento da cidade em direção ao lado sul da Ilha de Santa Catarina, tornando-se necessário pensar no impacto desta obra sobre a estrutura urbana da sua área de influência, já que a articulação com os sistemas viários locais será inevitável.

A planície onde encontra-se localizado o Campeche constitui-se, apesar da sua singularidade físico ambiental, como uma das últimas áreas planas disponíveis, em território insular, para a expansão da malha urbana. Mesmo em avançado processo de urbanização, ainda dispõe de inúmeros espaços sem ocupação aparentemente definida, com a ocorrência de áreas que mantiveram um uso público apesar de toda a pressão da valorização do solo decorrente de um processo de urbanização sem controle.

Apesar desse processo em curso, não é nova a idéia de se pensar em induzir o crescimento da cidade de Florianópolis em direção a área da planície do Campeche e Ressacada. Desde a década de 70 esta área tem sido cogitada como opção para a expansão da cidade de Florianópolis. Já em 1969/1970, o Plano de Desenvolvimento da Área Metropolitana de Florianópolis encomendado pela Prefeitura Municipal de Florianópolis ao Escritório de Planejamento Integrado - ESPLAN95, propõe um ambicioso projeto de expansão urbana para a área, o chamado Setor Oceânico de Turismo. É ainda deste mesmo Plano a proposta da via expressa sul. Em 1976, O Plano Diretor, lei n.1440/76, transforma em lei algumas das propostas do Plano de Desenvolvimento da Área Metropolitana. Entre elas esta a confirmação da área como de expansão urbana e a aprovação do plano viário, da via expressa sul e também da via parque, que seriam importantes vetores de crescimento e de expansão da costa sul da Ilha. Só agora, passados quase vinte anos da referida Lei, foram iniciadas as obras da via expressa sul pelo governo estadual como também desenvolvidos estudos para efetuar o traçado da via parque através de um Estudo de Impacto Ambiental - EIA. Tal via teve o seu traçado original previsto impedido, seja pela ocupação ocorrida ao longo desses anos, seja pelos impactos que poderiam ocorrer com a concretização do seu traçado original.

Na década de 80, o órgão de planejamento municipal, o Instituto de Planejamento de Florianópolis (IPUF), realizou um diagnóstico, cujo objetivo era consubstanciar o Plano Diretor dos Balneários e do Interior da Ilha, aprovado em forma de lei de n. 2193, em 1985. O instrumental metodológico utilizado na analise era de base sistêmica, considerando-se a problemática da Ilha segundo sistemas, cuja a intercessão resultaria conceitualmente no próprio planejamento Tais sistemas seriam: 1) Sistema de Sustentação; 2) Sistema de Atividades; e, 3) Sistema de Controle. O diagnóstico considerou a ilha como: “Um espaço turístico que se caracteriza e viabiliza pelos aspectos gêmeos de paisagem natural e comunidade urbana de pequeno porte”. As estimativas populacionais consideradas para a Ilha apontavam para uma "...capacidade urbana de 230.000 pessoas e um horizonte de ocupação impossível de prever, já que as projeções demográficas existentes apontam para uma população urbana fixa da ordem de 70.000 pessoas no ano 2010”. Ou seja foi estabelecida, a partir de um diagnóstico ambiental e socio-econômico, uma estimativa limite para o crescimento urbano de uma área considerada ambientalmente frágil do município: a Ilha de Santa Catarina.

O diagnóstico é bastante contraditório quando se refere a ocupação da planície do Campeche. Considerava que a ocupação de terrenos arenosos e vasosos no Campeche, e ainda na Daniela, e no Rio Tavares, encontrava-se entre os desequilíbrios ambientais mais notórios na Ilha. A praia do Campeche é entendida como inadequada à urbanização, com: "...Uma topografia plana, de formação sedimentar não totalmente consolidada, o que dificulta a implantação de infra-estrutura de saneamento básico, e, conseqüentemente, inviabiliza um

94 Professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo. Mestre em Geografia. Área de Concentração: Desenvolvimento Urbano e Regional. Pesquisadora do Laboratório Cidadhis (História, Cultura e Desenho da Cidade). 95 O ESPLAN tinha como idealizador Luís Felipe da Gama Lobo D'Eça, militar reformado, engenheiro/arquiteto, professor aposentado da UFSC. O grupo do ESPLAN, participou na Universidade Federal do Núcleo de Estudos Catarinenses e, atualmente, com a aposentadoria de Luís Felipe da Gama Lobo D'Eça, encontra-se vinculado ao INCEPI, cujo coordenador geral é o próprio Gama D'Eça.

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processo de assentamento urbano”.96(IPUF:1985). Ao mesmo tempo, relativiza-se o fato da área ser ambientalmente inadequada para a ocupação, quando o Campeche era considerado, no item referente às condicionantes ao processo de urbanização, como área potencialmente urbanizável. Descreve, nesse item, como restrições à urbanização o destino de parte da área: como de proteção de vôo (com regulamentação por decreto federal); para a implantação de uma cidade hortigranjeira97; e para a localização de lagoas de estabilização98. A questão anterior, a inviabilidade de um processo de ocupação, não é ventilada com a mesma ênfase, considerando-se que as restrições acima expostas "...inviabilizam a ocupação de parte da área da planície do Campeche” e que as áreas alagadiças no Campeche "...necessitarão de cuidados especiais com relação à drenagem em casos de ocupação" (op. cit.).

Com relação ao que é chamado de Sistema de Atividades, o diagnóstico constatou que o processo de mudança das atividades do setor primário para o terciário era praticamente irreversível, diz o texto: "Considera-se praticamente irreversível, dentro da atual estrutura econômica e social, a manutenção da tendência de crescimento dos balneários como centro de recreação e de turismo em detrimento das atividades, da cultura e do meio ambiente tradicional”.(op.cit.), Acreditava-se, entretanto, que o incentivo a manutenção da pesca artesanal e do "habitat sócio-cultural"99 seria um imperativo contra a marginalização de setores da população nativa dos balneários, pois já nessa época observava-se o deslocamento dessa população, da comunidade tradicional para áreas urbanizadas na Ilha. Essa medida, segundo o relatório, serviria ainda para garantir os atrativos do turismo. Por outro lado, a manutenção das atividades primárias propiciaria ainda a preservação e a adequada utilização das áreas não urbanizáveis (op.cit.). Isso seria concretizado através do estabelecimento de uma política de fixação da população nativa o de suas atividades nos balneários, o que efetivamente não ocorreu.

Com a urbanização no Campeche muitos espaços de uso coletivo para pastagens ou ainda áreas de plantio foram sendo gradativamente transformados em terrenos. A legislação em vigor (Lei 2193/85), que considera a grande parte da área como de expansão rural não impediu que este processo ocorresse. A falta de fiscalização, ou mesmo a conivência da fiscalização, permitiu um sem número de desmembramentos irregulares que deram ao Campeche, entre outras características deste tipo de ocupação, uma malha urbana inadequada, com pouca integração, e com poucos acessos perpendiculares à praia na área mais próxima ao litoral. A ocupação da orla ocorreu com a privatização de muitos pontos da faixa de dunas e das restingas.

As áreas planas mais distantes da praia, cobertas por vassourais, e que já haviam sido desmatadas no passado com a finalidade de uso agrícola, foram, em um primeiro momento, preteridas em função das dunas e das restingas. A proximidade ao mar e o fato de serem de propriedade da União (sem um proprietário claramente e fisicamente definido) tornaram tais áreas mais atraentes aos olhos de grileiros e especuladores, os quais realizaram parcelamentos irregulares.

Assim, pode-se concluir que o processo ocorrido no Campeche foi causado não pela inexistência de planejamento e sim devido um planejamento desvinculado da realidade concreta e sem articulação com a gestão do espaço municipal. Consideramos que o planejamento urbano deveria ser efetivamente um instrumento orientador do desenvolvimento do espaço urbano e um instrumental público de controle do uso e da ocupação do solo. Ao poder público municipal cabe disciplinar o desenvolvimento municipal, buscando o controle sobre o uso e a ocupação do seu solo, estabelecendo os limites dos interesses individuais, submetendo-os às necessidades da coletividade (SANTOS: 1990). Ou seja, para que as diretrizes propostas a nível do planejamento sejam efetivamente concretizadas, torna-se necessário a sua aliança a mecanismos de controle e de gestão do uso e da ocupação do solo urbano, com a integração de diferentes instancias administrativas municipais como também a sua articulação com as forças sociais na construção do espaço urbano. Dessa forma cabe analisar os equívocos da lei n.2193 e a proposta do Plano de Desenvolvimento - Campeche sugerindo encaminhamentos que possam direcionar a reformulação da legislação vigente como também a que vem sendo proposta pelo IPUF, no sentido que esta tenha identidade com um perfil de equilíbrio ambiental (necessário ao ambiente em questão) e conseqüentemente de qualidade de vida, em sintonia com uma proposta de desenvolvimento compatível,.

• Ocupação posterior ao Plano Diretor dos Balneários e do Interior da Ilha, lei 2193/85. Analisamos a ocupação da a área da planície do Campeche e da Ressacada depois da aprovação legislação em

vigor, Lei n. 2193, aprovada em 1985, já que efetivamente a referida lei não orientou a urbanização da área. Como pode ser observado na ilustração 01, em 1978, bem antes da aprovação da referida lei, já ocorria uma maior densidade de ocupação residencial, com uma clara transformação de solo rural em solo urbano. Pode-se observar

96 Grifo da autora 97 No relatório de viabilidade da cidade hortigranjeira, encomendado pelo IPUF a uma firma do ramo, a área do Campeche não é recomendada pelo solo ser muito ácido e arenoso. São recomendadas, por terem o solo mais adequado para a agricultura, áreas próximas ao Alto Ribeirão e à Lagoa do Peri. 98 A indicação da implantação na área de sistemas de saneamento do tipo lagoa de estabilização é questionável pois o lençol freático é bastante superficial. 99 Tal conceito não é explicitado claramente no diagnóstico. Entretanto, é possível supor a partir da leitura do texto, que o conceito se refere à paisagem, e às singularidades culturais e sócio-econômicas das comunidades do interior da Ilha.

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ainda, como indicador da transformação da atividade da população local e, conseqüentemente, do uso da terra de rural para urbana a regeneração da vegetação, com a sua densificação sobre alguns lotes ocupados anteriormente pela atividade primária. Ou seja, já nessa época ocorria um processo de declínio das atividades primárias, o que pode ser confirmado analisando-se o quadro abaixo de evolução do setor primário no Município de Florianópolis, onde é possível verificar que tal setor vem desde a década de 50 progressivamente regredindo. Em uma análise mais detalhada da transformação da estrutura social do Campeche teríamos ainda a evidencia da irreversibilidade desse quadro, quando é possível perceber não só a mudança de atividade e do uso do solo, mas também do valor da terra que passa a ter nesse processo um valor de troca, entrando no circuito do mercado de terras urbanas (AMORA:1996). Esta análise em si coloca a importância em se ter traçado estratégias que possibilitassem garantias mínimas de ocupação equilibrada da área. O que a lei 2193/85 estabelece, grandes áreas destinadas a expansão rural, já não justificava-se dentro do contexto apresentado.

Evolução do Setor Primário no Município da Florianópolis

Década PEA*

Setor

primário

PEA*

De Fpolis

%

1960 4.567 29.470 15

1970 3.490 40.485 8,6

1980 1.869 71.405 2,6

Fonte: FIBGE *População Economicamente Ativa

A paisagem do Campeche é diversificada, e, ao mesmo tempo, sob o ponto de vista ambiental, ela é

frágil100, principalmente quando se pensa na sua ocupação. O diagnóstico realizado para subsidiar o Plano Diretor dos Balneários e interior da Ilha apontou algumas das condicionantes ambientais para a ocupação da área. Entre elas, encontrava-se a sua formação sedimentar recente que dificultaria, segundo o diagnóstico, a implantação de infra-estrutura de saneamento (IPUF:1982).

O processo de urbanização em curso teve um sensível impacto sobre as áreas de restinga e sobre as dunas. Em tais áreas a vegetação foi retirada em grande parte para ceder espaço à ocupação residencial. Com a ocupação urbana a extrema superficialidade do lençol freático (a planície encontra-se niveladas entre o 0 e 3 metros101) e o direcionamento natural das águas superficiais, para as áreas mais baixas da restingas, se fazem sentir com a urbanização cada vez mais como um problema, principalmente nas épocas de chuvas mais constantes. As ruas transformam-se em canais de drenagem a céu aberto, já que o encaminhamento natural foi brecado por muros e aterros. As casas são invadidas pelas águas de chuva e como conseqüência as fossas e sumidouros misturam-se com estas águas e contaminam os poços para abastecimento. O impacto da ocupação das dunas também é evidente e o seu papel, enquanto anteparo natural a ação das marés, encontra-se prejudicado. Segundo o relatório de Florianópolis da Consulta Nacional Sobre Gestão do Saneamento e do Meio Ambiente Urbano:

"As dunas são elementos importantes na estabilização da linha de costa, protegendo estas áreas da abrasâo marinha e diminuindo a ação dos ventos nas regiões mais interiores. Seus terrenos arenosos sem estrutura e altamente permeáveis são impróprios à ocupação humana, sendo ambientes protegidos por legislação federal estadual e municipal”. (Prefeitura Municipal de Florianópolis: 1995)

Assim, a ocupação desses ambientes, a continua retirada da vegetação fixadora, e a abertura de canais artificiais para o escoamento das águas superficiais para o mar, poderá trazer sérias conseqüências para o desenho natural da linha de praia e o conseqüente avanço do mar.

Como exemplo da ocupação da área do Campeche, mais especificamente, pode-se colocar o processo do apropriação da área em tomo da lagoa da Chica que começa a partir da privatização da orla, do Pontal em direção ao Morro das Pedras. Nesse local, ocorre, já nos anos de 1970, o primeiro loteamento de áreas próximas ao mar, na hoje denominada rua das Corticeiras. Posteriormente, ocorreu o parcelamento da rua dos Eucaliptos, realizado nos anos de 1980. Ainda, no final dos anos de 1980, em 1985 foi ocupada e destruída uma área de dunas próxima ao

100 Caberia aqui uma consulta ao parecer desenvolvido pelo Departamento de Ecologia, o qual considera tal fragilidade. 101 Segundo o diagnóstico realizado para subsidiar o Plano Diretor dos Balneários e Interior da Ilha (IPUF:1982).

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Pontal102 foi ainda implantado, no Morro das Pedras, o Hotel Pousada do Sol, como também os loteamentos de um maior padrão aquisitivo, localizados entre o Morro das Pedras e as Areias do Campeche.

A ocupação da área em torno da Lagoa da Chica inicialmente deu-se lentamente com a demarcação de lotes por cercas e com a construção de barracos que eram prontamente retirados por moradores e pelos grupos ecológicos locais. Em março de 1985, segundo informações, cerca de 300 moradores do Campeche foram mobilizados em função da audácia dos grileiros, os quais haviam loteado o próprio leito da lagoa.

Posteriormente, a ocupação começou a se tomar mais intensa o que levou os moradores a buscarem através de reivindicações fortalecer o movimento de defesa do meio ambiente local. Na campanha para as eleições para prefeito de 1985 foi colocado por moradores e pelos grupos ecológicos locais a importância da restinga e das dunas do Campeche, cujo comprometimento para a sua preservação seria uma das condições para o apoio do então candidato a prefeito, Edson Andrino. Em junho de 1987, foi encaminhado a Edson Andrino, então prefeito, um abaixo assinado103 reivindicando, entre outras coisas, além da criação do parque da lagoa da Chica, o tombamento da área do campo de pouso, e o cumprimento da legislação de proteção das dunas e das margens das lagoas, com a retirada das cercas e das construções ilegais. Nesse documento era colocada, ainda, a necessidade de se pensa um plano de urbanização, com a participação dos moradores no planejamento.

Apesar dessa reivindicação ter tido um relativo sucesso, com o tombamento da lagoa da Chica como também da Lagoa Pequena em 1988, pelo decreto municipal de número 135/88104, o processo de ocupação do local não teve fim. O próprio ano de 1988 foi um marco significativo da ocupação da área alagável da lagoa da Chica. Nesse ano, um longo período de estiagem facilitou a venda dos lotes, em área sujeita a alagamento, como terras secas e boas para a construção.

Como pode ser observado, no que foi colocado acima, a gestão da lei 2193/85, através da fiscalização e da implementação de políticas públicas que garantissem minimamente o cumprimento não só da legislação municipal, mas da estadual e federal não ocorreu, com danos graves sobre a base física em conseqüência desse processo de ocupação. • O Plano de Desenvolvimento - Campeche: São vários os equívocos que o plano comete e cabe salientar que chegamos a tais conclusões a partir de pesquisas

que realizamos sobre o tema105. O primeiro deles é o de colocar a área da planície do Campeche de forma não articulada com o planejamento global do território do Município de Florianópolis, mais especificamente da porção insular municipal. É possível, costurando os planos específicos para as demais comunidades do interior da Ilha, antever o futuro se não do município pelo menos da Ilha de Santa Catarina, mas isto não é explicitado claramente no planejamento e nem dentro de uma estratégia global de ação sobre o território municipal.

A Ilha de Santa Catarina tem sido considerada como possuidora de uma base física ambiental frágil. (IPUF:1982) (Prefeitura Municipal de Florianópolis: 1995) cuja capacidade urbana foi dimensionada pelo próprio órgão de planejamento municipal como de cerca de “... 230.000 pessoas..." (IPUF:1982). Hoje o próprio IPUF considera uma população da ordem de 450 mil pessoas apenas para a planície do Campeche.

Tais previsões, extremamente discutíveis pela visível incompatibilidade, devem ter revistas sua base conceitual. Consideramos ser prioritária a definição da capacidade de suporte da Ilha de Santa Catarina e que esta deva ser dimensionada a partir não só de critérios ambientais como também socio-economicos. Tais critérios deveriam ser definidos e explicitados a partir de uma política de desenvolvimento municipal, compatível com a qualidade ambiental e socio-cultural. Não é mais possível navegar a deriva, propor a atração de população sem a definição a priori de por exemplo infra-estrutura de saneamento básico e do controla efetivo das áreas de preservação. Sem tais medidas fica prejudicada a definição de um perfil de desenvolvimento articulado à atividade turística que tem como apoio a singularidade da paisagem natural e cultural da Ilha.

Um outro equivoco do Plano de Desenvolvimento - Campeche é deste ter como referencial um modelo de planejamento desenvolvido para um outro contexto bem diferente do nosso. Desvincula-se no Plano de Desenvolvimento - Campeche o planejamento de uma abordagem que leve em conta a produção social do espaço, negando muitas vezes os territórios construídos pelas práticas concretas dos cidadãos. Não foram observados os limites colocados pela realidade e pela participação da população diretamente interessada. Fica claro no decorrer da análise do plano que o espaço urbano foi nele considerado através da construção de um modelo idealizado distanciado da realidade que trata.

O modelo de "cidade" proposta no Plano de Desenvolvimento - Campeche, tem uma série de semelhanças com o das New Towns britânicas, principalmente as da terceira geração tal como a cidade de Milton Keynes. A transferência do modelo ocorre após quase trinta anos dentro de um outro contexto. A concepção de cidade proposta no modelo acompanhava as tendências da economia mundial dos anos 60, quando se tinha uma perspectiva positiva em relação ao desenvolvimento mundial, principalmente a partir dos resultados obtidos com a

102 Refere-se ao empreendimento da DVA na área de dunas do Pontal, com o aterro das dunas e do rio que drenava naturalmente as águas de chuva. (O ESTADO: 1992). 103 Em anexo 104 O Decreto n° 135/88 tomba como Patrimônio Natural e Paisagístico a Lagoinha Pequena no Rio Tavares, antes considerada área verde de lazer pela Lei n° 2.193/85 (área = 27,5 ha), e a Lagoinha da Chica, no Campcche ( 3,75 ha). 105Podemos citar a Dissertação de Mestrado em Geografia o Lugar do Público no Campeche, defendida em 1996.

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implantação de políticas sociais. A realidade cultural e sócio econômica britânica é totalmente diversa da brasileira e da de Florianópolis, e a dinâmica espacial das nossas cidades106 comporta-se também de forma diferenciada. Por outro lado a Europa do pós-guerra107, em pleno Welfare state108, com recursos disponíveis, é bem diferentes de um Brasil em plena crise econômica com poucos recursos para investimento em infra-estrutura urbana.

Como nas New Towns, propõe-se no Plano de Desenvolvimento -Campeche a proximidade entre residências e local trabalho, com a implantação do Parque Tecnológico, de um Campus da Universidade Federal, de setores turísticos e de hotelaria. A estruturação física do plano, como o de Milton Keynes, se da a partir de uma malha viária de trafego intenso109, que cria unidades de vizinhança razoavelmente autônomas cada qual com sua própria vida de bairro, limitada por esta malha viária.

Apesar do Plano de Urbanização Específica do Parque Tecnológico ter sido aprovado já em 1992, através da Lei de número 3958/92 que cria as APTs, até hoje não se tem noticias da viabilização da implantação na área de empresas destinada a este fim. Por outro lado a Universidade Federal também não tem considerado o sul da Ilha como a melhor opção para a construção do novo Campus. Assim, restam apenas os setores turísticos e de hotelaria os quais têm como principais problemas, a sanzonalidade do setor e a dependência da preservação da paisagem ambiental e cultural.

A malha viária do trafego intenso seria ainda um impedimento à conquista de determinadas possibilidades que só a diversidade da cultura urbana poderia proporcionar110. Isso ocorreria pelo relativo isolamento físico dos vários setores urbanos através das limitações impostas por tal sistema viário. Por outro lado, ocorre no projeto a criação de áreas segregadas não só espacialmente, para a preservação da sua identidade cultural, mas social e economicamente, com a utilização de um zoneamento segregador, onde os bairros seriam também demarcados pela sua identidade sócio econômica. O zoneamento segregador é configurado através da demarcação, em cada uma das áreas, de padrões de renda semelhante. Esta segregação sócio econômica se expressa espacialmente pelas dimensões dos lotes e pela disponibilidade ou não no local de amenidades, induzindo os diferentes extratos sociais para áreas pré-determinadas. Como exemplo: a existência das ARP-O (área residencial predominante com lotes de cerca de 128 m²) em locais com menor disponibilidade de amenidades; por outro lado, próximo ao mar foram definidas áreas do tipo ATR, ATE, ARE (respectivamente, área turística residencial, área de uso turístico exclusivo, e área residencial exclusiva), com lotes de maiores dimensões, visivelmente elitizando a orla.

Uma outra questão que se coloca são os limites físicos ambientais que se impõem ao projeto. Um dos maiores mananciais hídricos disponíveis no sul da Ilha, já que a Lagoa do Peri tem uma capacidade de abastecimento de apenas cerca 70 mil pessoas está localizado no próprio subsolo da Planície do Campeche, no seu lençol freático. A preservação deste manancial é incompatível com uma infra-estrutura viária pesada que exigiria vastas áreas impermeabilizadas. Por outro lado, a continuidade do processo de retirada de água do subsolo acompanhada da impermeabilização da superfície ocasionaria o chamado fenômeno de subsidência, ocorrência do desmoronamento do solo a partir do esvaziamento dos espaços ocupados pela água no subsolo111.

Questionamos ainda a aprovação de parcelas do Plano de Desenvolvimento - Campeche como também a sua discussão realizada de forma fragmentada. Com relação ao primeiro aspecto, desde 1992, com a aprovação da Lei 3958/92 que regulamenta a urbanização das APTs, temos observado que parcelas do referido Plano têm sido aprovadas com prejuízos evidentes à urbanização, a definição de políticas objetivando a criação de infra-estruturas, como também ao desenvolvimento do setor turístico. Sob o aval do Plano de Desenvolvimento - Campeche estão sendo aprovados loteamentos sem nenhuma infra-estrutura112, dando continuidade ao processo de urbanização predatória descrito no inicio deste parecer que implica na descaracterização da paisagem e na baixa qualidade de vida da população local, Prejudicando evidentemente uma política voltada ao desenvolvimento do setor turístico, Por outro lado, a discussão proposta pelo IPUF do plano por setores inviabiliza o entendimento da sua complexidade e do impacto da sua implantação sobre a sua qualidade de vida, resumindo-se dessa forma a ação da população a reivindicações isoladas e compartimentadas.

106 Em especial, o Caso estudado, a expansão da cidade de Florianópolis em direção ao sul da Ilha, mais especificamente o Campeche. 107 Segundo Lord Llewelyn-Davies, um dos principais planejadores de Milton Keynes: “Today, partly because of rapidly increasing national wealth and partly because of the success introduced after the war, we face different problems and new policies are emerging to meet them”. (LANDSCAPE DESIGN:1991) 108 Estado do Bem-Estar, instituído nos países centrais após a Segunda Guerra Mundial a partir da Economia do Bom Estar, buscava uma forma de organização da economia tendo em vista o desenvolvimento para a progressiva ascensão da população ao bem estar social. Isso foi realizado através de vultosos investimentos públicos. 109 Segundo o arquiteto Benamy Turkienicz, Lord Llewelyn-Davies, o idealizador de Milton Keynes propunha uma super malha onde os veículos não trafegariam navegariam. Isto seria possível através da implantação nos cruzamentos da malha de rotatórias, para permitir a circulação rápida dos veículos. As vias da malha de Milton Keynes estariam integradas a um sistema viário regional permitindo assim a acessibilidade de comunicação regional. 110 O encontro e o confronto com padrões culturais, sociais, e econômicos diferenciados no espaço urbano pode agir como um fator reintegrador da sociedade urbana possibilitando-lhe uma característica mais criativa (PEPONIS:1989). 111 Considerar aqui o parecer desenvolvido pelo Departamento de Ecologia, da Universidade Federal de Santa Catarina. 112 O loteamento Novo Campeche, o loteamento da família Berenhauser, e a mudança do zoneamento da lagoa Pequena são exemplares.

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Finalmente, acreditamos que a urgência e a necessidade do ordenamento da planície do Campeche não deva impedir o desenvolvimento de soluções adequadas, resultantes do respeito aos interesses da população envolvida e do redirecionamento do processo de discussão113, sob pena de haver um novo equivoco pelo qual pagarão as futuras gerações. Desta forma propomos que: • seja dimensionada a capacidade de suporte do município de Florianópolis e em especial da Ilha de Santa

Catarina, a partir da definição de critérios ambientais, socio-econômicos e culturais. • seja definida uma política de locação de infra-estrutura de saneamento básico e de gestão ambiental para o sul

da Ilha de Santa Catarina e em especial para a área em questão, ou seja a planície do Campeche e da Ressacada.

• como critérios fundamentais para o desenvolvimento do plano urbano sejam considerados o respeito a fragilidade da base física, a preservação do patrimônio ambiental, o respeito aos territórios criados pelas práticas sociais e pela história do lugar, considerando-se fundamental a preservação da geografia dos espaço públicos114.

113 Já que este Plano vem sendo questionado desde 1989, por setores da comunidade e acadêmicos, sem que houvesse uma predisposição da administração municipal em reconsiderar, cabe agora, visto que foi aberto um canal de negociação, mesmo precário, estabelecer diretrizes a partir da discussão do Plano por tais setores para que o organismo de planejamento municipal faça valer realmente a premissa da participação comunitária que vem veiculando. Segundo RIZZO(1993), o paradigma da participação comunitária veio se contrapor como modelo, como reação, ao precedente modelo tecnocrático introduzido pela ditadura. Em Florianópolis esta participação tem sido retórica. Segundo o autor, a participação da comunidade no planejamento se deu basicamente via a viabilização dos interesses empresariais, os quais têm tido garantida a sua influência em todos os estágios: da elaboração à aprovação de leis(op.cit,86/87). 114 No caso do Campeche, as restingas, a Lagoa da Chica e a Pequena, as dunas e o antigo campo de pouso do correio aéreo são áreas que permanecem no imaginário dos seus habitantes e dos da cidade como um todo como áreas públicas ou, como coloca o direito romano, propriedade acessível a todo cidadão. Muitas histórias e lembranças referem-se às duas lagoas e ao Campo como referências locais. A população consolidou essas áreas como públicas garantindo-as como valor de uso. Foi através da reivindicação de setores desta população que tal uso público foi formalizado com a criação dos parques municipais da lagoa Pequena e da lagoa da Chica pelo decreto municipal de número 135/88.

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Material de Referência nº 9

Florianópolis, outubro de 1997

Parecer Sobre o Plano de Desenvolvimento do Campeche Ayrton Portilho Bueno115

1. Introdução

O artigo em questão emite parecer do autor sobre o Plano de Desenvolvimento do Campeche. Para tanto, com a intenção de contextualizar sua existência, trata de aspectos mais abrangentes e na maioria das vezes fora das preocupações da população em geral e pouco entendidas por ela. A primeira parte terá como tema central o processo de urbanização e o urbanismo, enquanto ação ordenadora do espaço físico onde se desenrolam as atividades humanas. A quem deve servir um plano e a quem tem servido, são alguns dos aspectos comentados. Após isto, são tratadas algumas questões acerca do processo de planejamento em Florianópolis, ao Plano Diretor dos Balneários e aos Planos Específicos de Urbanização, enquanto produto decorrente do processo, onde comento as principais conseqüências previsíveis na vida cotidiana dos atuais e futuros moradores do local, e mesmo para o conjunto da cidade. Finalizando, faço comentários acerca do referido Plano de Desenvolvimento do Campeche a partir dos conceitos e expectativas expostos nas seções anteriores e de constatações de pesquisas desenvolvidas na Universidade. 2. O Processo de Urbanização, o Urbanismo e o Planejamento Urbano Para o entendimento dos conceitos e posições tomadas no decorrer deste trabalho se faz necessário esclarecer, de modo abrangente e genérico, termos fundamentais relativos ao tema tratado.

O processo de urbanização, expressão da modernidade nas sociedades ocidentais, deve ser entendido como um processo de transformação das relações sociais e do modo de produção material, com práticas que se realizam em bases concretas. As metrópoles industriais, o lugar privilegiado deste processo, expressam, de maneira clara as transformações a que se submeteram ao se adequarem a este novo modo de produção e reprodução do capital. Estas transformações que ocorrem nas cidades não são, nem foram, naturais como disseram alguns. Elas estão impregnadas de conflitos e contradições existentes na sociedade, expostos pela ação de grupos sociais organizados ou não, que constituem as forças ativas da sociedade. Estas forças, ao se relacionarem, ora associam, ora confrontam interesses, e as bases conseqüências dessa interação, passam a ser aparentes e perceptíveis no espaço físico das cidades. O espaço passa a ter importância na medida em que as ações práticas da sociedade precisam do espaço físico concreto e, portanto, a ser objeto de disputa e fonte de poder . O urbanismo, nascido das convicções na objetividade das ciências e dos métodos de análises, surge primeiramente pela necessidade de viabilizar de modo concreto as mudanças na ordem do espaço físico das cidades preexistentes, pré-modemas. Quase ao mesmo tempo, ampliou suas possibilidades ao assumir posturas críticas no entendimento dos processos que originam as transformações no modo de vida e dos cenários urbanos existentes, adotando, então, outras denominações como planejamento urbano116. A possibilidade, embora esquecida, de atuar de modo ativo na organização da dimensão espacial, em correlação com outras estruturas de compreensão da realidade faz parte de suas pretensões. Além da possibilidade de reflexão crítica, é portanto e também, propositivo e prático, para não dizer instrumental. Ao fim e ao cabo, é ciência e técnica, portanto, devendo, seja na reflexão crítica como na ação prática, estar orientado para o bem, ou seja, alcançar uma eficiência humanista.

Como trata da dimensão espacial em interação com suas práticas sócio-culturais, busca o bem estar individual e coletivo por meio da forma e pela boa disposição de cada um de seus elementos, "isto é, em seu aspecto (continente), e por outro, pela liberdade (conteúdo) no exercício de seus deveres e direitos enquanto vizinhos, tanto individualmente como coletivamente"117 (Harth-terré, 1952, p.l1).

O planejamento urbano existe porque as forças ativas da sociedade, em nosso caso, de mercado, e também os seus movimentos espontâneos, historicamente com interesses antagônicos, por si só, não produzem bens urbanos coletivos necessários, em quantidades suficientes ou com qualidade mínima, ou mesmo, ambas, e ainda, pela escassez, não os distribuem de modo equânime. Deve, portanto, ser considerado como política pública. É imprescindível que a ação do poder público, ao tratar do bem estar dos seus cidadãos e da coisa pública, busque a mediação desta confrontação, evitando desequilíbrios e supremacias. Ao tentar alcançar o bem público, busca também proteger o interesse público de quem, mesmo "não sendo parte direta de uma transação, são contudo por ela afetados em interesses básicos" (Cintra, 1988, p.46).

115 Professor Assistente II do Departamento de Arquitetura e Urbanismo do Centro Tecnológico da Universidade Federal de Santa Catarina. Especialista em Projetos Habitacionais pelo PROPAR/UFRGS (1982). Mestre em Planejamento Urbano pelo Departamento de Urbanismo da Universidade de Brasília (1996). 116 Existem diversas possibilidades de entendimento destes termos, nem sempre congruentes, mas considerando que estas discussões pouco importam aos fins a que se presta este trabalho, planejamento ou planificação urbana e urbanismo, passam a ser utilizados como ações de ordenamento do espaço de uma mesma teoria e prática. 117 Destaques meus

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Dentre as suas ações práticas, um procedimento é a execução de Planos de Urbanização, de Ordenamento ou Diretores118. Como tem a intenção de vir a se concretizar no espaço físico a partir da compreensão do papel do espaço na vida em sociedade, prevê uma estética para o continente (a aparência) e uma ética para o conteúdo (o conceito), como elementos complementares e inseparáveis deste processo. Entre seus instrumentos mais utilizados , o". ..zoneamento visa, entre outras coisas, a prover a moldura para a solução dos conflitos de uso do solo urbano, que se tomam freqüentes com o desenvolvimnto da cidade"(Cintra, 1988, p. 41).

Nem sempre as intenções dos urbanistas e planejadores, que na maioria das vezes as pretendem favorecendo o bem-estar coletivo, são concretizadas ou, quando se realizam, o fazem de maneira distorcida. Tem, assim como outras políticas, considerável dose de aleatoriedade e imprevisibilidade.

Deixando de lado, neste momento, aspectos ligados a estética, é importante relacionar a ética inerente ao significado das ações do urbanismo, para os fins a que se prestam e se tem em meta uma eficiência humanista, com uma noção fundamental. A de que o progresso deve, ao buscar a felicidade por meio da segurança, comodidade e liberdade, seus reais objetivos, aproximar-se ao máximo de um ideal de equidade e justiça social (Harth-terré). Portanto, o planejamento urbano visa a organização da vida coletiva na cidade, procurando o "bem coletivo", não só dos moradores da cidade, mas também dos que por ela são afetados.

Um planejamento comprometido com uma ação ordenadora do solo urbano com vistas ao "bem coletivo", deve incluir o reconhecimento e a representatividade de todos os setores atingidos, prevendo programas, ações e cenários físicos com a participação, em especial, daqueles grupos historicamente alijados dos processos de decisão que resultem em ações de seu interesse, numa espécie de política pública socialmente compensatória. Esta atitude, eticamente justificada, não prevê somente um grupo com hegemonia na tomada de decisões ditas "coletivas".

Embora, todos os que moram na cidade possam potencialmente participar na produção e transformação do ambiente urbano, nem todos têm, efetivamente, a possibilidade de interferir de modo concreto. É útil, então, distinguir dois tipos de cidadãos: os produtores do ambiente urbano, e os consumidores finais deste ambiente. Aparentemente todos atuam na obtenção de uma cidade que lhes proporcione melhor qualidade de vida. Entretanto, o significado desta expressão não é unanimidade nem mesmo dentro de um só destes setores da sociedade. Aos primeiros, que usam a cidade como local do processo produtivo119, é possível associar aqueles que, mesmo não se aproveitando economicamente dela, como alguém que embeleza sua casa, acabam por "produzir" o ambiente. Os consumidores, assim o são quando desempenham o papel de receptores, não necessariamente passivos, e não de executores concretos da cidade.

É certo que são papéis que constantemente se superpõem em entidades únicas. São atuações conflitantes e diversas, de mesmos indivíduos ou grupos, em momentos diferentes. Estes conflitos, entretanto, ultrapassam a esfera individual e grupal, e passam a se manifestar tanto entre consumidores e produtores, quanto dentro destas mesmas categorias.

Neste processo de urbanização, a disputa entre diferentes grupos sociais para utilizar a mesma terra, por diversas razões, como a sua escassez ou melhores condições ambientais de um lugar sobre outro, tem uma conseqüência direta no preço das terras, que a sua vez, passa a definir diferentes condições de disputa.

Os problemas que a cidade passa a enfrentar pela sua expansão, como o uso inadequado do solo, a desmedida ocupação e demais "malefícios urbanos", embora afetem todos os moradores da cidade, não afeta com a mesma intensidade a todos. A necessidade de regular estes efeitos maléficos ou de produzir bens coletivos exige políticas públicas, que por sua vez, quase nunca resultam da unanimidade de intenções, dado ao contexto conflitante e competitivo.

Este contexto, entretanto, não é estático, alterando-se em função das representações e forças em confronto. As legislações de ordenamento de uso do solo são, portanto, vulneráveis e sempre com alguma dose de arbítrio, e acabaram privilegiando determinados interesses. É claro que a dificuldade está em definir o critério ou um coeficiente que traduza (e que admita situações consensuais, mesmo que de caráter específico) o volume máximo de utilização em razão da qualidade de vida, agregando o remanescente, como a evidente mais valia de origem pública, ao poder público para aproveitamento coletivo (Lipietz, 1987).

Não visamos entender esta situação sob um viés puramente classista, onde colocaríamos todas as ações de ordenamento do solo somente como estratégias e normatizações viabilizadoras do capitalismo. Consumidores e produtores não coincidem com grupos de classe social. Para entender as políticas de regulação do uso do solo é necessário "...recortar mais finamente as próprias classe em suas .funções e setores..."(Lowi, 1964). Identificar os beneficiários e os prejudicados com as legislações de uso do solo, dificilmente poderá ser feito através de uma seqüência causal simples, como a associação direta com a estrutura de classes. "Não há classe dominante capaz de produzir tão só e exclusivamente o que deseja com a manipulação dos instrumentos de governo" (Cintra, 1899, p.46). Entretanto as distorções que algumas legislações têm sofrido e mesmo as subversões impostas às intenções básicas de alguns planos, tornam evidente a diferença entre o impacto das ações do grande capital imobiliário, regido pela lógica do mercado, e o poder de interferência dos demais agentes.

118 Existem diversas denominações deste instrumento mas, para os objetivos deste trabalho, o entendimento permitido pelas citadas já é o suficiente. 119 Em seus diversos modos, em diferentes setores da atividade econômica urbana: secundário, terciário e quaternário.

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Embora todos os planos carreguem em si a intenção de melhorar o "nível da cidade", ordenando seu crescimento e orientando suas atividades, nem sempre as conseqüências de sua implementação correspondem as suas previsões. Os planos atuam "como marco delimitador de fronteiras de poder" (Rolnik 1997, p.13).

Do conflito de interesses no contexto de uma realidade cheia de tensões, contradições e efeitos inesperados e mesmo contrários às intenções programadas, resulta que o mercado imobiliário é o setor da economia que mais tem sido privilegiado, e o que tem se observado são ações e programas que uma vez implementados, tem viabilizado o capital imobiliário.

Estes agentes de transformação do espaço o utilizam com finalidade de produção, onde a terra é tratada como mercadoria, bem como os investimentos nela e, para que estes possam acontecer, as condições de produção do ambiente precisam ser economicamente viáveis. Esta são as condições impostas por uma lógica de mercado selvagem que vai envolvendo as áreas ao redor das cidades e as utilizando em sua constante busca de lucros. Aí reside o nó da questão.

As conseqüências disto revelam-se em cidades com morfologias urbanas segregadoras de diferentes classes e grupos sociais, e injustas na distribuição e apropriação de espaços e serviços públicos, enfim dos benefícios que a urbanização poderia proporcionar.

Ressalte-se, além das dificuldades diretamente relacionadas com a planificação, que as atividades de legislar e normatizar sobre o uso solo urbano no Brasil, atribuições do município120, ao nível legislativo e executivo, tem dificuldades de impor respeito ao direito público (em especial o urbano), e freqüentemente têm sido atropeladas nas instancias legislativas (ao serem alteradas) judiciárias (ao serem indeferidas), por uma jurisprudência fundada sobre os pilares do direito civil e estabelecida a mais tempo, em que a propriedade privada é tida como quase intocável.

3. O Planejamento Urbano em Florianópolis

"É incrível como a cidade custa para tomar consciência de seus limites e necessidades mínimas no futuro, de áreas de sol, de lazer e de encontro. Este é o seu desafio no presente, até prá ser um centro de turismo internacional como se pretende". Etienne Silva

Mesmo objetivando tratar de questões relativas ao Plano de Desenvolvimento do Campeche cabe, ainda, expor uma breve e simplificada evolução dos planos urbanos em nossa cidade, possibilitando a compreensão do contexto atual, em que os planos específicos de urbanização para distritos do interior da Ilha e localidades são pensados, elaborados e decididos.

A urbanização da região de Florianópolis, mesmo que com um certo retardo em relação às demais capitais do sul do país, passa a ter impactos mais intensos a partir dos anos cinqüenta. É a partir desta década que grupos hegemônicos da capital tentam colocá-la, com mais ênfase, na rota do desenvolvimento, como pólo de desenvolvimento, símbolo da era de industrialização que algumas regiões do país atravessavam, e que a propaganda oficial tomava uma aspiração nacional.

De lá para cá, os planos diretores foram aprovados com o intuito de desenvolver a cidade, ou seja, de modernizá-la aos moldes de cidades industriais e comerciais inseridas na economia nacional e mundial. O primeiro Plano Diretor de Florianópolis, de autoria de urbanistas autônomos, aprovado em 1954, de viés racionalista, tentava introduzir a atividade portuária como mola do desenvolvimento. O modelo perseguido pelo Plano apresentava uma "ordem ideal oposta a uma desordem diagnosticada" (Rizzo, 1993, p.vii) segundo seus autores, deixara de acontecer na cidade por falta de planejamento. Desenvolvimento, naquele contexto e para tais grupos tinha a conotação de progresso calcado na industrialização, e mesmo que determinantes supra-regionais não tenham contribuído para a metropolização de Florianópolis, seu conteúdo estava voltado para tal expectativa, virando as costas para o interior da Ilha e privilegiando as relações continentais do distrito sede.

Um outro Plano Diretor, formulado à época da fundação do IPUF, baseado nos moldes do planejamento integrado é iniciado em 1967, numa conjuntura tecnocrata e de centralização decisória, e aprovado somente na década de setenta (1978). Florianópolis, nesta época, passa a ter, junto ao crescimento vegetativo da sua população, outras formas de migração121 que também contribuíram para o crescimento geral: a de cidade para cidade, e a migração turística, de caráter sazonal. Mesmo com as mudanças no contexto sócio-econômico e espacial da cidade e região de entorno assistidas durante o longo período entre gestação e aprovação, os ecos do milagre econômico ainda permitiram investimentos de parte do poder público, custeando a oferta de infra-estruturas urbanas, como a

120 Ao nível federal são impostas restrições de caráter genérico, como a lei do parcelamento do solo e as que tratam dos recursos naturais. 121 Estas migrações têm características diversas daquelas que "explodiram" as demais capitais do sul do Brasil. Além do êxodo rural (campo-cidade), impulsionado pela industrialização e de pouco impacto nas comunidades do interior da Ilha, Florianópolis passou a atrair pessoas de outras cidades, maiores e com sinais de esgotamento dos benefícios que a urbanização pode proporcionar. Muito pelas suas belezas naturais, mas também por seu status de cidade não industrial, com predominância do setor terciário (comércio e serviços), com recantos ainda pouco modernizados. Pela mesma época, a atividade turística passou a atrair, sazonalmente, contingentes significativos de visitantes de outras cidades e regiões do país e exterior, exigindo expansões urbanas de grande impacto na estrutura espacial da cidade.

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implantação e pavimentação de diversas rodovias estaduais e municipais que conduzem aos núcleos do interior. De caráter evidentemente desenvolvimentista, apostava numa pretendida metropolização da capital. Além de não considerar a conjuntura envolvente ao nível nacional, também não valorizou as especificidades ambientais e sócio-culturais das áreas em processo de urbanização do interior da Ilha.

Desde 1982, quando uma revisão deste Plano foi elaborada por técnicos do IPUF, a legislação de uso e controle do solo urbano têm recebido inúmeras alterações, a maioria visando adaptá-la às exigências de taxas de ocupação, gabaritos e demais índices de aproveitamento compatíveis com a viabilização do capital imobiliário.

Há pouca mais de um ano foi proposta sua substituição por um outro, o Plano Diretor para o Distrito Sede, também voltado para o centro e alguns bairros (Agronômica, Trindade e Córrego Grande, entre outros). No que se refere ao trato da expansão da cidade para o interior da Ilha, não trouxe novidades.

Ao nível do poder estadual, que por incrível que possa parecer, não tem compartilhado ações que interferem na estrutura urbana da capital com o poder municipal, foi desenvolvido nesse ínterim, o projeto da Via-expressa Sul, que trará grandes impactos no desenvolvimento da porção sul da Ilha, pela maior acessibilidade que proporcionará.

O que estes planos elaborados para Florianópolis apresentam em comum e que importa aqui, é a desatenção, especialmente dos dois primeiros, em relação aos núcleos do interior da Ilha. Todos privilegiaram o distrito sede, quase indiferentes ao rápido e progressivo processo de urbanização por que passavam, e que de certa forma ainda passam, tais recantos, além de que parecem não perceber os reflexos que as alterações em qualquer região do município podem acarretar nas demais. O incremento populacional e urbano que ocorre no interior insular do município nos últimos vinte anos, acelerado e aleatório, veio a merecer atenção por parte dos planejadores somente em meados dos anos oitenta, com a aprovação do Plano Diretor dos Balneários.

3.1. O Plano Diretor dos Balneários

Este Plano, idealizado no início dos anos oitenta e aprovado em 1985, diferentemente dos demais, reconheceu a tendência das expansões urbanas para fins balneários, que já aconteciam pelo interior do município e, em raras exceções, a revelia das ações planejadoras.

Buscando incorporar este vetor de desenvolvimento ao planejamento da cidade, apostou na exploração das belezas paisagísticas naturais e culturais da região, mesmo que sem a implantação de infra-estrutura necessária para acolher o impulso que o mercado imobiliário receberia.

Com uma visão mais ampla do desenvolvimento urbano e mesmo não atendendo a expectativas de ambientalistas mais ferrenhos, identificou e buscou ordenar a Ilha como um todo, preservando grande parte das regiões de entorno aos núcleos com a delimitação das áreas rurais122. Institucionalizou para o interior da Ilha as Unidades Espaciais de Planejamento, as UPC's e as Áreas de Expansão Urbana, as AEU's, e especialmente as Áreas de Urbanização Específica. Como instrumento mais formal de adequação legislativa às novas condições, utilizou o zoneamento de uso do solo, embora de modo genérico e homogêneo nos balneários, como passaram, então, a se chamar os antigos assentamentos. Institucionalizou as Áreas de Preservação Cultural, as APC's, dando assim, um passo adiante no reconhecimento de características sociais dos assentamentos como fatores de preservação.

Permitiu, agora de modo efetivo, mas ainda por regulamentar, que os agentes do capital imobiliário atuassem na produção do espaço urbano adjacente aos antigos núcleos de colonização açoriana. Admitia áreas de incentivo turístico e de hotelaria nos assentamentos costeiros, com a determinação de áreas específicas para isso, diferenciando-o profundamente, neste aspecto, dos anteriores.

Paralelamente a alternativa de desenvolvimento por meio do turismo, já estava em gestão uma outra para atuar em conjunto: as atividades relacionadas à "indústria limpa" que, segundo seus ideólogos, iria atrair investimentos na área tecnológica, especialmente na área da informatização, nacionais e internacionais.

3.2. Os Planos Específicos de Urbanização O desenvolvimento de planos específicos de urbanização para os balneários da ilha tem sido a continuação

dos trabalhos de planejamento do órgão técnico da Prefeitura Municipal de Florianópolis. De maneira geral, os planos específicos alteram drasticamente os pressupostos e os cenários imaginados

pelo Plano Diretor dos Balneários123. As alterações em sua aparência objetivam alcançar padrões de urbanização modernos por meio de regulamentação, garantindo mais espaços livres (públicos e privados), sugerindo mais regularidade de traçado, enfim, exigências de eficiência principalmente funcional (setorização de atividades e mobilidade veicular).

As intenções do poder público mais do que justas, ao propor os planos específicos de urbanização. É evidente a necessidade de enquadrar as ocupações urbanas já existentes, que se encontram com inegáveis problemas

122 Estas áreas representavam, numa média de todos os locais tratados, aproximadamente 50% das terras não preservadas por lei. 123 Entre os planos específicos já desenvolvidos, estão o de Reestruturação Urbana da Barra da Lagoa, o do Retiro da Lagoa, o da Praia Mole, todos da virada dos anos 80 para os anos 90. Eles implicam impactos importantes, propondo transformação drástica da paisagem ambienta! , natural, sócio-cultural, econômica dos referidos locais, e sempre que foram a discussão pública, causaram intensos debates e contrapondo diferentes formas de pensar a cidade. Nenhum deles sequer teve metade de suas intenções implantadas.

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urbanísticos124, de buscar um ordenamento do processo de urbanização em andamento, e ainda pela possibilidade de reconhecer e desenvolver locais diferenciados dentro do território da Ilha. Entretanto, as conseqüências deste tipo de planificação, têm servido mais para organizar a implantação dos novos investimentos do que a incorporação dos existentes no processo ou mesmo da solução de problemas como a falta de serviços públicos nestas áreas.

A incompatibilidade entre as condições urbanas dos assentamentos preexistentes, geralmente de capital familiar, e as exigências dos planos é tal que determinadas situações concretas de ocupação são relegadas a um segundo patamar, nesta almejada implantação dos novos paradigmas urbanos. Assim, a atração de investimentos imobiliários de porte que se adequam às exigências dos planos, mas que também faz com que os planos a eles se adequem, passa pela intensificação dos índices construtivos, e da oferta de grandes áreas de terra desocupadas, que até então ainda se encontram sob a condição de áreas de exploração rural.

Ao serem desenvolvidos os planos de reestruturação urbana específicos para algumas destas localidades, sob a escusa de controlar a ocupação urbana que acontece a revelia das determinações legais (realmente, com prejuízos visíveis ao ambiente natural e urbano) e ordenar a futura ocupação, veio um considerável aumento nas áreas de possível urbanização, incorporando quase a totalidade daquilo que tinha sido considerado como rural há doze anos atrás, além de uma drástica alteração, para cima, nos índices limitadores da construção.

Como os recursos públicos, em especial os municipais, estão esgotados, a necessidade de contar com recursos privados para a implementação do planejamento e “correção” do processo, impele as administrações públicas a negociar com grupos e agentes imobiliários. Isto faz com que estas novas condições de planejamento passem a fazer parte das negociações, onde os interesses destes agentes exigem atendimento.

Revela-se assim um modelo de planejamento que privilegia investimentos de ação única, com projetos urbanos completos e às vezes mais exigentes que a própria legislação pública125, geralmente associado ao grande capital imobiliário, que se ajusta de modo exemplar aos padrões do modernismo; que privilegia a ação localizada perdendo a noção (consciente ou inconscientemente) do resultado global que alcançarão a justaposição de tão desencontradas propostas.

3.3. Os Resultados do Recente Processo de Urbanização

Passados mais pouco mais de dez anos do referido plano de balneários, o Relatório Sobre os Problemas Sócio-ambientais da Ilha de Santa Catarina, produzido pelo Centro de Estudos da Cidadania e do Ambiente - editado recentemente (CECA/FNMA, 1996), comenta as principais contradições do modelo de desenvolvimento urbano e turístico que tem sido adotado em Florianópolis, refletidas não só neste plano mas em toda uma série de ações administrativas, legislativas e executivas, e que envolvem questões que vão da economia (principal vetar dos modelos) às sócio-culturais.

De início, destaca-se o questionamento do modelo de desenvolvimento e sua base sócio-econômica. O relatório ressalta que a pouca diversificação das alternativas numa região com base econômica frágil como a da Ilha de Santa Catarina tende a resultar numa fuga dos lucros e ganhos. É útil lembrar que investimentos de porte, ainda dependem em muito dos recursos estatais, já escassos, e que o capital imobiliário que tem sido investido aqui ou é externo ao estado (Habitasul, por exemplo e, ultimamente, capitais multinacionais) ou é resultado de recente diversificação de investimentos de outros setores da economia regional, que têm se caracterizado pela instabilidade, como o setor cerâmico (Portobelo), o pesqueiro (Pioneira) e o comercial (Amauri e Koerich) entre outros. Por outro lado, o setor da construção civil tem sido um dos que mais tem crescido e atraído capitais flutuantes, menos pela sua estabilidade, já que também está sujeito aos balaços da economia geral, do que pelo retomo em prazos razoáveis que traz ao investimento inicial.

Mesmo se considerarmos a esperada arrecadação de impostos, que nem sempre se mostra eficiente, as vantagens de uma economia pouco diversificada ainda não surgiram ou ainda não foram homogeneamente distribuídas na cidade126. Além do mais, as atividades eleitas como os vetores de propulsão econômica, o turismo e a “indústria limpa”, tecnológica, até agora não mostraram efetivamente a que vieram e a quem se prestam, nem revelaram seu potencial efetivo de implantação e desenvolvimento nestas bandas.

A sazonalidade da atividade turística imposta à região arrefece tentativas de investimentos de grande monta, permitindo que se pergunte se a atração do grande capital seria mesmo a melhor alternativa do turismo. Sobre este aspecto, há ainda quem considere o turismo doméstico como pequenas pousadas e hospedagens o mais indicado para a região justamente por investir numa mão de obra familiar e de fácil readaptação às variações de ocupação.

Quanto aos pólos de tecnologia, não é fato consumado que a região tenha se tornado um local de atração de recursos e plantas industriais, sendo que mesmo as já implantadas não revelaram todo o seu potencial de desenvolvimento (até hoje a Tecnópolis instalada no bairro Saco Grande ainda não está totalmente estabelecida).

124 Entre eles, a falta de espaços públicos, da definição de calçadas públicas, os armamentos sem dimensão adequada (servidões) que impedem a instalação de infra-estrutura e oferta de serviços públicos, só para citar os mais perceptíveis. 125 O caso de Jurerê Internacional (Habitacional) é típico desta situação, onde os recursos e afastamentos entre outras exigências urbanísticas, são a garantia de um padrão que poucos têm condições de alcançar. 126 Sobre esta questão é bom rever os últimos trabalhos do economista Hoyedo Nunes Lins, que tem sempre se manifestado com cautela em ralação a estes tipos de investimentos na economia florianopolitana.

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Tanto numa como noutra área de atividades, e também em função da frágil base econômica da região, a utilização de material humano local tem sido muito baixa. Como conseqüências do nível de qualificação da mão de obra local, pouco preparada e sem vínculos culturais com as novas oportunidades de trabalho, na maioria das vezes, ela é aproveitada em trabalhos secundários, quase subempregos, gerando mais refração em relação às pessoas e investimentos vindos de fora, do que interações benéficas para a economia e para a sociedade. Isto remete para uma outra séria questão imposta pelo modelo, esta de caráter sócio-cultural.

É sabido que todo crescimento econômico traz mudanças nos padrões de relacionamento social. Porém, mesmo que a contaminação de grupos menos dinâmicos e não completamente inseridos em modelos de desenvolvimento modernos e globalizados (estruturas sócio-econômicas pré-capitalistas ou tradicionais, ambas submetidas) seja inevitável e, de alguma forma, positiva para a afirmação da identidade cultural de ambos, deve-se relativizar o modo como isto tem acontecido na região. A inserção das comunidades do interior da Ilha na economia moderna tem acontecido pela aproximação física da cidade, através da integração dos moradores nativos em oportunidades de trabalho no centro da cidade, ou pelo contato comercial com os novos moradores (geralmente mais cosmopolitas) e turistas ocasionais.

Sem dúvida, o turismo (de qualquer tipo) tem proporcionado a interação que mais têm contribuído para a desagregação sócio-cultural das comunidades locais. Impondo aos moradores locais a necessidade frenética de adaptação aos novos paradigmas da modernidade, sob pena de os tacharem de “atrasados”, dificilmente o turista envolve-se com a comunidade numa relação de reconhecimento mútuo e de trocas interpessoais ou intergrupais. A rápida perda de referenciais e substituição de valores sócio-culturais passa a ser um impacto negativo a ser contabilizado, que pode comprometer o futuro de grupos sociais despreparados para tanto.

Assim, as vantagens econômicas e os benefícios sócio-culturais advindos da implementação da atividade turística têm se concentrado longe da maior parte da população, e com bastante evidência, não tem alcançado as comunidades pioneiras da Ilha.

Muito embora o processo de expansão urbana com finalidades turísticas já desse evidências de seu potencial descaracterizador da paisagem ambiental e cultural, a incapacidade dos planos mais específicos acompanharem a rápida ocupação que se processava, de uma gestão eficiente e, principalmente, de fiscalização, permitiu que mudanças promovidas pelas expansões da mancha urbanizada viessem a ter também conseqüências sócio-espaciais.

Independentemente da existência do Plano Diretor dos Balneários e se são originados de loteamentos regularizados ou irregulares, os resultados dos recentes processos têm confirmado previsões de que a urbanização, neste pedaço de terra, parece repetir o que de mais maléfico existe, em exemplos pelo país afora.

Uma das conseqüências maléficas é resultado da ação dos pequenos construtores, de capital familiar, em construções clandestinas, geralmente em áreas ambientalmente inadequadas para urbanização ou em densidades e padrões de pouca eficiência urbanística (sabe-se que esta eficiência não depende só do critério de densidade, nem que densidades mais baixas garantem, por si só, a qualidade de vida), como construções inadequadas, agressões à paisagem e principalmente uma estrutura de logradouros públicos resumida a servidões incomunicáveis (exceto pelas estradas gerais) sem espaço para pedestres, todas prejudiciais ao bem estar coletivo. Neste caso, a fiscalização falha comprometeu os desígnios do plano, permitindo quase que uma “favelização” da classe média baixa, se forem considerados o padrão sócio-econômico da maioria dos moradores na maioria dos assentamentos irregulares nos balneários juntamente com o padrão urbanístico desses mesmos assentamentos.

Já os loteamentos surgidos após o Plano Diretor dos Balneários passaram a atender exigências essenciais, como a destinação de áreas para uso público, a qualificação de passeios e vias, implantação de infra-estruturas urbanas. Entretanto e por outro lado, o Plano não garantiu que a implantação desses loteamentos, em diversos casos, não viesse a agredir interesses da coletividade. Estas agressões podem ser resumidas no não atendimento de outros requisitos essenciais para um plano que se pretende incentivador do turismo: a alteração da paisagem (natural e cultural) característica dos balneários; o não atendimento a exigências infra-estruturais específicas (esgotamento pluvial e cloacal, entre outras); e principalmente, urbanizando áreas de interesse ambiental (mangues, dunas, e margens de rios), geralmente em negociações particularizadas e casuísticas com o poder público. O caso de Jurerê Internaciona, mesmo sendo anterior ao Plano dos Balneários, onde a incorporadora Habitasul conseguiu alterações nos limites das áreas urbanizáveis, invadindo áreas rurais e mangues, exemplifica eficazmente este processo.

3.4. Os problemas deste modo de planejar e qual tipo de cidade queremos? Este modo de planejar, ao não pensar o desenvolvimento do município como um todo, sem levar em conta

os problemas de ordem metropolitana, e ao não incorporar um estudo mais aprofundado dos limites de ocupação para a totalidade da área insular (sejam de ordem populacional ou sejam infra-estrutural), e qual papel cada localidade poderá vir a desempenhar no futuro, revela o quanto este tipo de planejamento atomizado e localista quanto ao território, e a reboque de interesses do mercado imobiliário, quanto aos interesses que prioritariamente atende, se mostra no mínimo inadequado.

Segundo declarações de um técnico do IPUF, em recente apresentação do Plano de Desenvolvimento do Campeche, o órgão público de planejamento urbano não saberia estimar a população total da Ilha no horizonte de

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implantação do plano específico, em tomo de trinta anos127. Um simples cálculo onde se considera a soma das áreas somente das planícies ainda não totalmente ocupadas da Ilha, como a própria região tratada no Plano do Campeche, a planície do Rio Vermelho, a do Pântano do Sul, e a parte mais interiorizada da região de Canasvieiras, totalizando mais de 100 km² de áreas, se aplicado os mesmos critérios de planejamento (como a transformação das áreas de exploração rural em urbanas) e algum dos índices indicados para a planície do Campeche, ou mesmo os da ocupação informal (a densidade bruta aproximada de 50 hab/ha), teríamos, nestas regiões, a possibilidade de em trinta anos, convivermos com uma população superior a 750.000 habitantes, sem considerar o adensamento populacional nos bairros tradicionais próximos do centro.

Resumindo, na definição dos planos específicos de urbanização, o poder público tem sido chamado a intervir de forma a tratar de uma situação específica, casual. Não se exige dele o menor critério, mais amplo, ou uma compreensão geral do contexto para a tomada de decisões singulares sobre questões conflitantes com respeito ao uso do solo urbano. Para evitar especulações, não se está considerando quem o chamou para implantar tais projetos.

Dentre os argumentos que justificariam o adensamento construtivo, o de que somente assim se viabilizariam os investimentos em infra-estrutura, seja nas novas áreas ou nas existentes, cai por terra quando é afirmado que existe paridade de densidade populacional nos dois modos de parcelamento, os loteamentos informais e os regularizados. Densidades mais altas, por sua vez, não têm implicação direta na ampliação do total de terras a serem urbanizadas, fato que repetidamente tem acontecido por ocasião dos planos específicos, sem uma justificativa do ponto de vista da qualidade de vida e do bem coletivo.

Desenhos urbanos formais e racionalizados, que não integram estruturas espaciais resultantes da “cultura da servidão” também não se justificam. Apesar da dificuldade de implantar redes técnicas, a regularização de traçados de ruas e dos custos dos procedimentos, não são tarefas impossíveis, na medida em que são comuns os exemplos de regularização de assentamentos informais e urbanização de favelas por todo o país, numa clara alusão a outras possibilidades de gestão urbana.

Outra questão, parceira das renovações urbanas, têm sido a expulsão de moradores antigos que são substituídos pelas populações mais integradas nos novos loteamentos e arredores. "A renovação pública pode elevar a composição social de um bairro antes que a renovação privada a substitua, a fim de não por em contato camadas sociais muito dispares.." (Lipietz, 1987, p. 146).

Mesmo considerando a realidade da região, em que a grande maioria do contingente de excluídos tem se fixado fora da Ilha, os menos favorecidos vêm perdendo os lugares mais adequados à ocupação dos balneários mais atrativos para os grandes investimentos. Isso tem causado uma migração interna que tem, inclusive, incrementado as já citadas situações prejudiciais ao ambiente.

Além disso, a dificuldade encontrada pelas várias comunidades insulares na busca de participação nas decisões junto ao órgão de Planejamento revela um certo descompasso de interesses entre estes dois agentes de produção do espaço. O relacionamento entre os principais agentes produtores do espaço da Ilha, também tem acontecido de modo assimétrico, descontínuo e impreciso. Assimétrico pela enorme diferença de poder de interferência nas decisões do órgão de planejamento e ação entre os agentes; descontínuo pela inconstância de encontros entre todos os interessados; e impreciso quanto aos pontos em comum e aqueles em que há discordância entre os envolvidos.

Que tipo de cidade que se está se prevendo, ou melhor, que se transformará Florianópolis? Quais as opções pensadas nos escritórios públicos do distrito sede? Qual tipo de cidade queremos?

Estas considerações nos levam a questionar o critério indiscriminado de transformação de áreas rurais em urbanas e de aumento de índices construtivos, mais adequado a viabilizar especulações imobiliárias do que realmente ordenar a ocupação. Planejar o urbano implica na necessidade (urgente) de impor limites da expansão horizontal e vertical, seja ela proposta pela via informal (fora da legislação), ou seja pela via “legal”, imposta pelas incorporadoras imobiliárias.

4. O Plano de Desenvolvimento do Campeche O contexto. A região do distrito Campeche, pela distância estratégica em relação ao centro da cidade, e pela

condição topográfica existente na maioria do seu território, em grande parte composto de áreas planas e vazias, tem atraído a atenção de interessados em sua ocupação intensa há pelo menos três décadas. Como registro desta afirmação, cabe lembrar que na década de setenta aquela porção de terra foi alvo de um planejamento desenvolvido por um órgão Vinculado à esfera estadual (ESPLAN). Naquele contexto de metropolização da capital, a região viria a desempenhar o papel de área de expansão urbana, com a possibilidade de tomar-se o setor moderno da cidade sem a interferência dos problemas do distrito sede.

De lá para cá, uma série de condições possibilitaram o estabelecimento do atual quadro de ocupação, como descrito acima de maneira genérica. A população em franco crescimento, de modo geral, tem se estabelecido com padrões urbanísticos pouco recomendáveis do ponto de vista técnico. Não existem ainda, empreendimentos de grande porte, sendo que a maior parte dos problemas é resultado das condições a que se submetem os pequenos

127 A cada encontro entre técnicos do IPUF e representantes da comunidade, este horizonte tem aumentado, revelando uma aleatoriedade na definição das previsões.

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proprietários, quando de sua intenção de realizar pequenos lucros com suas terras. Os maiores problemas apresentados por este tipo de urbanização podem ser assim resumidos: pouca oferta de espaços públicos para circulação de pedestres e veículos, para encontros e reuniões públicas, para lazer, recreação e esportes; inexistência de equipamentos de interesse da comunidade; e a total inexistência de infra-estrutura de saneamento básico e de pavimentação de vias. A expressão “cultura da servidão”, a qual tem sido associado este tipo de urbanização, tenta traduzir toda a impropriedade deste tipo de ocupação, que impede a maioria de seus usuários de contarem com serviços urbanos mais adequados para a densidade habitacional desses locais.

Este processo de adaptação de uma estrutura fundiária agrária à ocupações urbanas não tem seguido os parâmetros de urbanização adotados genericamente em toda a cidade, alguns recomendáveis, outros nem tanto. O Plano de Desenvolvimento busca “ordenar”, ou seja, enquadrar as ocupações já estabelecidas, e organizar as ocupações futuras, exigindo tais parâmetros, que vão do agrupamento de determinadas porções do território em unidades espaciais até o dimensionamento de vias, passando pela definição do zoneamento de uso do solo.

Uma breve descrição do Plano. A proposta do atual Plano de Desenvolvimento do Campeche, desenvolvido pelo Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis, órgão vinculado à Prefeitura Municipal da capital ao longo de mais de cinco anos, encontra-se pronto, e em fase de “negociação” com as comunidades envolvidas. Após esta fase, será enviado à Câmara de Vereadores do município para aprovação do Projeto de Lei128.

Está, conforme a mensagem enviada pelo Prefeito Municipal em agosto de 1995 à Câmara de Vereadores, dentro de uma “concepção integrada”. Propõe a construção de urna cidade nova, onde as “indústrias limpas do próximo século” darão base econômica para a sua implementação. O conceito fundamental é fusão da alta tecnologia, enquanto atividade atratora de empresas e de parte da população fixa, com as características paisagísticas e culturais da região, enquanto fatores de atração de outra atividade econômica “limpa”, o turismo. Seria, portanto, um fator de promoção do desenvolvimento sócio-econômico da região, tanto para moradores atuais como para futuros (fixos ou temporários), além de permitir, pela qualificação do espaço e oferta de alternativas econômicas, o melhoramento da cidade como um todo.

Com previsão inicial de implementação ao longo de mais de uma década, já tem sido pensada, mais recentemente, com um horizonte de trinta anos. O distrito, que ocupa área de aproximadamente 50 Km², poderia vir a contar, ao final de sua implementação, com aproximadamente 450.000 habitantes. Com um programa de necessidades onde aparecem "...4 Parques Tecnológicos, 1 Campus Universitário, 1 Autódromo Internacional, 1 Centro de Convenções e Promoções, alguns Shopping Centers e 3 Setores Hoteleiros" (Grando, 1996)129, utiliza como principal instrumento de ordenação das atividades humanas, a legislação de zoneamento de uso do solo. Por meio dele, e apoiada pela implantação de uma rede de vias expressas, conformando anéis rodoviários, são definidos “bairros autônomos e humanizados” com “...todo o equipamento urbano necessário, incluindo centros comerciais, parques e escolas”. Uma rede de vias de pedestres/ciclovias e uma rede de transporte de massa complementam a estrutura de circulação. Os bairros diferenciam um dos outros em aspectos como as densidades habitacionais (como exemplo temos que parte das unidades relativas às comunidades do Alto Ribeirão, Freguesia do Campeche e Rio Tavares são preservadas de altas taxas de densidade) e os gabaritos de altura das edificações que nos prédios das zonas comerciais, localizadas em próximas aos centros geométricos desses bairros, poderão ser superiores a seis pavimentos (podendo chegar ao equivalente a dez andares nas áreas de predomínio da atividade terciária), e funcionando “como marcos visuais na extensa região plana do Sul da Ilha”.

As zonas residenciais estão, segundo seus autores, dimensionadas “na exata medida dos empregos que virão a ser gerados na região” e atenderão todas as classes sociais, "...desde loteamentos turísticos de luxo até os núcleos de baixa renda".

Além disso, no que se refere aos limites de ocupação do solo, define áreas não urbanizáveis, previstas na legislação maior (federal), que prevê área de proteção ao aeroporto Hercílio Luz, e na municipal, mais especificamente, no Plano Diretor dos Balneários (lei 2193/85), que indica as áreas de preservação permanente (morros, mangues, dunas e áreas de recursos hídricos).

A principal ferramenta de implementação da estrutura urbana proposta são as “zonas de urbanização preferencial” cujo sistema viário implantado de antemão, induzirá a implementação imediata da estrutura espacial proposta. A gestão e o desenvolvimento do Plano ficará ao cargo de uma empresa pública de administração, o que garantiria a sua eficiência.

Comentários. O Plano de Desenvolvimento do Campeche, em sua intenção de transformar a totalidade sócio-espacial, encerra “Programa de ação com objetivos físicos, sociais, econômicos, legais e administrativos”. O material que nos chega às mãos, entretanto, quase todo voltado para os aspectos de ordenamento do espaço físico e suas justificativas, não permite obter informações precisas sobre as demais ações e instrumentos para atingir as metas desejadas, para que possam ser cruzadas e correlacionadas com as de caráter físico-espacial, permitindo, assim, o entendimento do Plano de modo integrado, como se propõe.

Não são apresentadas, no aspecto sócio-econômico por exemplo, estudos, mesmo que e estimativos, que não sejam baseadas em especulações otimistas, quanto a forma de atração e de qual tipo de investimentos que estes 128 O Projeto de Lei ainda não tem número, mas a proposta altera a Lei 2193/85 (Plano Diretor dos Balneários) e dá outras providências. 129 Todas as citações utilizadas na descrição do Plano, estão no documento “Mensagem à Câmara de Vereadores” de Florianópolis, de autoria do ex-prefeito Sérgio Grando (gestão 92/96), escrita para ser enviada junto ao Projeto-Lei. ...

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parques tecnológicos e o turismo irão atrair, nem em quanto tempo se consolidariam. O Plano não esclarece que parcela da população seria beneficiada, muito menos as vantagens que traria para a população existente. Ainda mais se considerarmos que os moradores da região já se defrontam com sérios problemas de oportunidades de trabalho, em especial, os desajustes de qualificação profissional em ambas as áreas.

Quanto aos aspectos legais e administrativos, deveriam ser fornecidos dados sobre corno serão superadas disfunções estruturais e constantes na gestão e fiscalização de ações de planejamento, dando-se como exemplo, a falta de controle e punição de invasões em áreas preservadas e não urbanizáveis, que parecem ser tão importantes quanto a alteração de zoneamento. Ainda sobre questões administrativas do planejamento, permanece a dúvida de como a participação popular que, em tese, garantiria alguma representatividade de determinados setores normalmente esquecidos nos momentos de feitura dos planos, será contemplada pelas administrações municipais. É de se perguntar se a centralização técnica e decisória, o modo inadequado de consulta à população, que passa a ser simplesmente informada do proposto no distrito sede do município em apresentações públicas setorizadas e descontínuas no espaço e no tempo, continuariam a ser a estratégia de legitimação de planos. Ainda neste aspecto, pode-se indagar como serão tratadas sob o ponto de vista legal e jurídico as áreas existentes e implantadas de fato, que não atendem às exigências e à normatização do novo plano. A legislação molda apenas parte do crescimento da cidade. As outras formas concretas de produção do espaço construído passam a ser consideradas como fora da lei. Os habitantes da região serão classificados, em função da idade e do local de implantação das construções, e do tipo de urbanização, em dois tipos de cidadania?

Se em momento anterior às tomadas de decisões de desenho, questões como estas forem esclarecidas e discutidas de maneira integrada com todas as comunidades, por meio de seus legítimos representantes, não levarão a um projeto sem contradições, mas com certeza irão fornecer subsídios uma proposta mais adequada a realidade, com mais justiça e equidade social.

Do paradigma adotado e das conseqüências do planejamento. Porém só isto não é suficiente. É também necessário que os planejadores tenham dentro de suas alternativas de atuação, um leque de paradigmas que não se restrinjam ao receituário modernista baseados em conceitos, se não ultrapassados, ao menos inadequados a realidade de uma cidade insular e com características peculiares de ambiente e modo de ocupação. O paradigma adotado pelo Plano remete a um afastamento, de maneira utópica, dos problemas e conflitos das cidades “desordenadas” e deterioradas que a história da humanidade tem produzido. Por este paradigma tem-se que, ao desenvolver um plano de uma cidade nova, distante e diferente da outra, aqueles problemas e conflitos deixariam de existir ou não viriam acontecer naquele novo local. Em todas as versões deste paradigma, que busca a cidade ideal, geralmente em situações topográficas planas e geograficamente isoladas, aparecem desenhos racionais, limpos e inflexíveis e tratando da organização sócio-espacial de maneira setorizada, tanto por atividades como por classes sociais (isto é possível através do desenho). Se um plano assim concebido for implantado de modo integral e concentrado no tempo, estaria garantida a eficiência e o bem estar dos seus moradores, de preferência uma nova população que formaria a nova sociedade.

A concepção de cidades novas sempre esteve vinculada a condições naturais de isolamento e em áreas de pouca ocupação, exatamente como ainda encontra-se a maioria do território do distrito do Campeche. Porém, não se pode considerar que a região esteja imune aos conflitos que o planejamento de uma cidade implica, que vão desde a devida consideração das condições de sustentabilidade do ambiente físico natural ou adaptado, a incorporação dos desenhos urbanos e moradores já estabelecidos, bem como uma justa distribuição de benefícios e custos sociais ao largo dos diversos setores da sociedade e ao longo das gerações que se seguirão.

A particular especulação a que esta submetida a região já tem atraído grandes grupos do capital imobiliário, o que acaba por concentrar em poucas mãos as grandes parcelas das terras ainda desocupadas. Ao privilegiar o grande capital e suas exigências de viabilização, acaba aceitando adensamentos construtivos e populacionais. Pode-se esperar desta, como das demais experiências de planejamento semelhantes, uma viabilização preferencial, mesmo que não intencional e/ou inconsciente, de empreendimentos de grupos de investidores e grandes proprietários de terra, que pela possibilidade da ação implementadora única, adapta-se muito mais facilmente a legislação funcional, setorizada e segregadora, do que o pequeno investidor de capital familiar, que investe sem interesse na grande produção e, quando o faz, o faz geralmente em ações progressivas.

As características atuais, tanto da paisagem natural como a já transformada pela mão do homem, pela sua baixa proporção de área construída em relação a área desocupada, e também pela quase nenhuma alteração da silhueta natural, têm sido as verdadeiras fontes de atração de turistas, seriam, em conseqüência, radicalmente transformadas. Estas transformações, a partir da observação de outras experiências concretas, tem implicado, na maioria das regiões atingidas, mais conseqüências indesejáveis do que desejáveis, em especial para aquelas populações que historicamente se aproveitam dos benefícios da urbanização.

Após estas considerações, abrangentes, ao nível conceitual e processual do conjunto de aspectos interrelacionados da proposta do Plano de Desenvolvimento, se analisará separadamente alguns deles, permitindo assim, seu entendimento de modo mais sistematizado, sem com isso, privilegiar um ou outro aspecto.

Das técnicas de urbanismo. Pode-se considerar como aspecto positivos da legislação que sustenta a proposta física: a) a vinculação da destinação de áreas públicas proporcional à densidade populacional que vier a se implantar, tendo-se como mínimo 35%; b) a possibilidade de urbanização progressiva em alguns dos itens de implantação de loteamentos e parcelamentos (exceto infra-estrutura e sistema viário); c) a adoção de Áreas de

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Urbanização Preferencial (AUP's), com a possibilidade de desapropriação e urbanização compulsória pelo município se, no prazo de dois anos após a publicação da lei, os imóveis aí situados não forem parcelados; d) o impedimento de construção com mais de dois pisos cujo acesso se dá por logradouros públicos com largura menor do que dezesseis (16) metros. Embora representem poucos avanços no contexto geral do processo de planejamento, o conjunto destas proposições revela preocupação com questões de ordem coletiva.

Entretanto, pela pouca amplitude de seus resultados, não solucionam alguns problemas daqueles que deveriam ser os mais visados por um plano em um contexto como o desta região. É o caso, por exemplo, dos pequenos proprietários de terras nas AUP's (Áreas de Urbanização Preferencial) que enfrentarão fortes pressões de grupos imobiliários para que se desfaçam de suas propriedades se, ao final de dois anos nelas não investirem, inviabilizando a progressividade a que estão condicionados os loteamentos para populações de baixa renda, reforçando a idéia de um plano seletivo. Também as tentativas de garantir mais espaços para uso público com dimensões aceitáveis não avançam no sentido de evitar que tais áreas sejam majoritariamente dedicadas às vias de circulação de veículos, e que também estejam arranjadas no espaço de modo a permitir apropriações sociais diversas e complementares.

Neste aspecto, que diz respeito as possibilidades de interação social propostas pela morfologia (forma urbana) apoiada numa noção de territorialidade defensiva, o modelo territorial baseado claramente em unidades de vizinhança, conceito urbanístico diversas vezes experimentado, remete a um assentamento urbano com características segregatórias. O modelo propõe o isolamento em unidades espaciais autônomas, com grupos sociais homogêneos e com modos semelhantes de apropriação do espaço público, sem que o critério que correlaciona autonomia dos grupos com qualidade de vida da população fique devidamente esclarecido para a população. O resultado é distinção entre os que dependem intensamente do espaço público aberto de uso coletivo como modo de vida para a reprodução social, e aqueles que disto prescindem, cujas conseqüências prejudiciais quase sempre recaem sobre os menos favorecidos. As possíveis implicações do aspecto morfológico da malha urbana nas possibilidades das práticas sociais cotidianas, os encontros interpessoais aleatórios, e que têm sido negligenciadas pela maioria dos planejadores, estão melhor e mais profundamente desenvolvidas no parecer do Professor Almir F. Reis, em anexo.

Quanto ao adensamento populacional, ele não garante, por si só, maior interação entre os diferentes grupos sociais na medida que os territórios são perfeitamente separados e distintos partes com grande homogeneidade de composição social, e as fronteiras de apropriação do espaço de cada grupos são claramente definidas. Pelo contrário, pode-se prever que as vias que poderiam servir de interação destes diversos grupos, servirão de palco de conflitos, como os de circulação dada a grande concentração de veículos, além de outros de ordem social que surgem sempre que grupos sociais mantêm poucos encontros interativos. Sem desconsiderar os benefícios da urbanização adensada em determinados casos (em Manhatan e mesmo em certas regiões de São Paulo), e que nos parece não ser o caso da região do distrito do Campeche, a ocupação populacional desmedida tende a atrair, preferencialmente, os problemas com que estas mesmas cidades se debatem.

A viabilidade econômica do investimento em infra-estruturas urbanas, argumento que seguidamente tem sido levantado para justificar os adensamentos, parece não caber neste momento em que por diversas vezes se diz que a densidade líquida média proposta pelo plano aproxima-se da existente nos seus locais mais densos (em tomo de 140 hab/ha, conforme informações dos técnicos do IPUF, embora pesquisas realizadas neste departamento tenham revelado dados com valores abaixo deste).

No aspecto da qualidade dos espaços públicos pode-se destacar, como provável problema, a implantação e/ou adequação de vias de circulação de veículos, passeios para pedestres e do paisagismo nos logradouros já existentes, já que as regulamentações propostas no projeto de lei parecem não considerar tais situações;

A localização das diferentes zonas em relação aos espaços públicos com atrativo paisagístico, parecem privilegiar as áreas destinadas a padrões sócio-econômicos mais elevados. A localização de áreas residenciais, por exemplo, destinadas a segmentos sociais de baixa renda (ARP-0), originados na própria população já existente ou em outras regiões, mas que para lá possam vir, dificulta, pela distância, o usufruto do mar, principalmente. Também este fato reforça a impressão de que o conjunto de decisões de projeto segrega determinados setores da sociedade.

Quanto às tipologias urbanas e arquitetônicas a serem construídas, o plano prevê transformações bruscas na tradição preexistente. Primeiramente, pela alteração drástica de gabaritos, propostos de modo concentrado em diversos pontos da planície, desfigurando paisagens que já fazem parte das imagens utilizadas na atração de turistas. Alterando a silhueta da planície, hoje caracterizada pelo predomínio da imagem de horizontalidade das construções em contraste com os morros da região, o plano se assemelha a assentamentos extremamente urbanos, com centros de bairros verticalizados, seguindo padrões pouco desejáveis em áreas até então rurais e próximas do mar. Em segundo lugar pela inversão do padrão de dispersão de concentrações construtivas que propõe a descontinuidade entre áreas densamente ocupadas, centradas nas unidades de vizinhança. Esta forma de distribuição das concentrações de edificações mais altas, em oposição ao que tradicionalmente tem estruturado os núcleos, perde a oportunidade de incorporar um dos padrões urbanos mais característicos da Ilha. A tipologia de espaço urbano tradicional, onde as vias de integração, as estradas gerais reúnem a maioria dos equipamentos de comércio e serviços em adensamentos construtivos não muito intensos, tem se suportado, até então, o grau de urbanização e de densidade populacional da região, ressalvando-se, é claro, questões dimensionais e relativas a

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oferta de passeios públicos ao longo das vias. Estas proposições que alteram drasticamente o contexto local não seguem, segundo nosso parecer, a intenção do Plano de manter características culturais e paisagísticas da região.

Restaria ainda comentar, mesmo que num plano superficial, questões relativas a sustentabilidade da região e a garantia de preservação dos recursos ambientais e ecológicos. Mesmo que questões como a delimitação de áreas urbanizáveis e preservadas (mangues e dunas), o abastecimento de água potável e a exigência de implantação de infra-estrutura de saneamento sejam cumpridas pelos grandes empreendimentos, os problemas (previsíveis) estão longe de serem superados.

Pode-se afirmar, como exemplo, que uma definição mais rígida destes tênues e flexíveis limites naturais de áreas não urbanizáveis, dificilmente não trará conseqüências desastrosas no escoamento das águas pluviais. Isso porque as condições geo-morfológicas e hídricas da área a ser urbanizada exigem que grandes partes da planície atuem, em conjunto com os mangues, na retenção e drenagem das águas recebidas nesta bacia. Pode-se considerar, como prejuízo agregado, que o impulso a ocupações mais intensas, associado a fraca fiscalização que temos presenciado, acabará abrindo possibilidades a invasão das áreas preservadas.

Todas estas considerações remetem ao questionamento do paradigma, já em crise desde os anos sessenta, adotado para o planejamento da área, cuja concepção de desenvolvimento induz a adotar parâmetros urbanos das sociedades industriais de modo generalizado, em desmerecimento daqueles que incorporam as especificidades sócio-culturais e ambientais das distintas regiões, a finitude dos recursos do meio ambiente.

Como a prática do planejamento e do urbanismo, conforme já foi dito, é incerta e carrega boa dose de aleatoriedade, e somadas às experiências que fazem a história das expansões urbanas na Ilha, nada nos impede de imaginar cenários semelhantes aos processos de desenvolvimento mais desastrados do ponto de vista sócio-econômico, cultural e ecológico que o mundo tem presenciado. O pessimismo só é afastado pela vontade de que estas condições se transformem de modo objetivo, permitindo que novos paradigmas passem a ser reconhecidos, e talvez incorporados por um grupo de pessoas maior do que o atual, para que possamos criar expectativas saudáveis.

5. Alternativas Para o Futuro

Após toda esta explanação a respeito da urbanização, do processo de planejamento e do Plano de Desenvolvimento do Campeche, parece ter ficado clara minha posição em relação ao conjunto de aspectos comentados. Entretanto, para que fiquem marcadas certas posturas e definidos certos pressupostos que poderiam orientar as alternativas de desenvolvimento para a região, retomarei de modo sucinto as mais importantes e de caráter geral.

O processo de definição das aspirações e intenções que um plano possa buscar corresponder não pode ser simplificado sob pena de tentar superar os conflitos urbanos pela supressão de expectativas divergentes.

Diante do desequilíbrio de forças entre os agentes promotores da urbanização, o papel do Estado deve ser o de mediador das diferenças de poder, e o de proporcionar um certo equilíbrio sócio-espacial no aproveitamento da cidade. Ou seja, “A intervenção pública não consiste somente em socializar as perdas e privatizar os lucros. Ela visa atenuar a incapacidade da iniciativa privada em suscitar o desenvolvimento do espaço social”. (Lipietz, 1987, p. 146).

Um plano para o distrito do Campeche deve ser discutido dentro de uma concepção global da cidade e mesmo da região metropolitana, tendo em vista paradigmas menos classificadores e seletivos, mais flexíveis e adaptados às diferentes paisagens sociais e ambientais incorporando as preexistências naturais ou construídas que tenham reconhecido valor e/ou fragilidade.

Um outro pressuposto, que não está diretamente associado ao objeto deste parecer, mas que merece ser tratado é o do direito de propriedade. Este deve ter regulamentação independente do direito de construir, sendo este último fixado por lei com a finalidade de delimitá-lo quantitativamente, por meio de índices urbanísticos, e mesmo por meio da indenização, com finalidade de desapropriação para o bem público. Quando possível e considerando-se o contexto onde age, é de interesse social regulamentar até qualitativamente as possibilidades da edificação.

Finalizando, cabe enfatizar que, embora exista sempre uma relação dialética entre essência e aparência, a questão de maior relevância para o planejamento hoje, está relacionada com a ética, ou seja, uma moral pública, no sentido de buscar organizar o espaço de modo a buscar segurança, comodidade e bem estar para todos seus cidadãos. Não sob o signo da indiscriminação genérica e generalizante, pois esta postura tem sempre tido como resultado o privilégio de determinados grupos, mas sim hierarquizando as prioridades e expectativas a cumprir. E, especialmente, escalonando os custos sociais das intervenções e ações no tempo e para todas as gerações, sob o desígnio de reparar e evitar injustiças, intrínsecas ao crescimento das cidades, porém possíveis de serem enfrentadas.

6. Bibliografia Bonduki, Nabil (org.). Habitat - As Práticas Bem Sucedidas em Habitação, Meio Ambiente e Gestão Urbana nas Cidades Brasileiras. Stúdio Nobel, São Paulo, 1996. Bueno, Ayrton Portilho. Estudos Sintáticos em Assentamentos Costeiros da Ilha de Santa Catarina - Integração e Segregação em Balneários Turísticos. Dissertação de Mestrado em Planejamento Urbano. Departamento de Urbanismo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Universidade de Brasília, 1996.

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_________________ & Reis, Almir F. e outros. Expansões Urbanas na Ilha de Santa Catarina. Pesquisa realizada pelo grupo PET/ARQ/UFSC/CAPES, no acervo do Departamento de Arquitetura e Urbanismo CTC/UFSC. Florianópolis, 1996. _________________ e outros. Estudo da Dimensão Funcional da Localidade do Campeche. Sub-tema da pesquisa Dimensões Morfológicas do Processo de Urbanização da Localidade do Campeche em andamento. Grupo PET/ARQ/UFSC/CAPES. Departamento de Arquitetura e Urbanismo CTC/UFSC. Florianópolis, 1997. Campos Filho, Cândido Malta. Cidades Brasileiras: Seu Controle ou o Caos. Nobel, São Paulo, 1992. CECA - Centro de Estudos da Cidadania e do Ambiente. Uma Cidade Numa Ilha - Relatório Sobre os Problemas Sócio-ambientais na Ilha de Santa Catarina. CECA -FNMA, Florianópolis, 1996. Cintra, Antônio Otávio. Zoneamento: Análise Política de Um Instrumento Urbano. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais n. 6, vol. 3, Rio de Janeiro, fev. 1988. Diegues, Carlos Santanna. Ecologia Humana e Planejamento em Áreas Costeiras. NUPAUB-USP, São Paulo, 1996. ______________. Povos e Mares. NUPAUB-USP, São Paulo, 1996. Emplasa - Empresa Metropolitana de Planejamento da Grande São Paulo. Da Nova Lei de Parcelamento do Solo Urbano. Secretaria dos Negócios Metropolitanos. Governo do Estado de São Paulo, 1980. Grando, Sérgio. Mensagem à Câmara de Vereadores. In: Plano de Desenvolvimento do Campeche. Instituto de Planejamento de Urbano de Florianópolis - IPUF, Publicação da Prefeitura Municipal de Florianópolis, 1996. Harvey, David. A Justiça Social e a Cidade. Hucitec, São Paulo, 1980. Hath-terré, Emílio. Filosofia en el Urbanismo. Lima, 1961. Holanda, Frederico R. B. de. A Inversão das Prioridades Urbanísticas. Comunicação apresentada ao VI Encontro Nacional da ANPUR, Brasília, 1995. IPUF - Instituto de Planejamento de Urbano de Florianópolis - Plano de Desenvolvimento do Campeche. Publicação da Prefeitura Municipal de Florianópolis, 1996. Lefévre, Henri. Espacio y Politica. Ediciones Península. Barcelona, 1976. León, Roberto B. et alli. Hácia Una Socologia de Un Plan Urbano. Divisão de Publicações da Universidade Central da Venezuela, Caracas, 1975. Lins, Hoyedo Nunes. A Sócio-economia do Turismo: Investigações Sobre a Evolução Recente do Turismo em Florianópolis e Algumas de Suas Implicações. Dissertação de Mestrado. Departamento de Ciências Econômicas, CCE/UFSC, Florianópolis, 1991 Lipietz, Alain. O Capital e Seu Espaço. Nobel, São Paulo, 1987. Mascaró, Juan L. Desenho Urbano e Custos de Urbanização. Lusato, Porto Alegre, 1987. Oliven, Ruben George. Urbanização e Mudança Social. Vozes, Petrópolis, 1980. Prefeitura Municipal de São Paulo. Plano Diretor de São Paulo ao Alcance de Todos. São Paulo, 1990. Remy, Jean & Voyé, Liliane. La Ciudad y la Urbanizacion. Instituto de Estudios de Administracion Local, Madrid, 1976. Rizzo, Paulo M. B. Do Urbanismo ao Planejamento Urbano: Utopia e Ideologia Dissertação de Mestrado, Departamento de Geografia/CFH/UFSC, Florianópolis, 1993. Rolnik. Raquel. A Cidade e a Lei. Fapesp e Stúdio Nobel, São Paulo, 1997. Turkienicz, Benamy. A Morfologia das Cidades-Satélites de Brasília. In: Urbanização e Metropolização. Aldo Paviani (org.). EdUnB, Brasília, 1987.

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Material de Referência nº 10

Carta da CASAN à AMOCAM sobre a disponibilidade de recursos hídricos na Planície do Campeche

Florianópolis, 20 de agosto de 1997

Ao Senhor Ubiratan Mattos Presidente da AMOCAM -Associação dos Moradores do Campeche.- Caixa Postal 5186 88040-970 Florianópolis -SC Senhor Presidente, Cumprimentando-o cordialmente e em atenção a sua correspondência manifestando preocupação com a infra-estrutura de Saneamento na Região do Sul da Ilha, mais precisamente no Campeche, temos a informar o que segue:

1- O projeto do Sistema de Abastecimento de Água Costa Leste/Sul, considerou como Manancial a Lagoa do Peri. Segundo previsões desse projeto, a população que deverá ser atendida na implantação do Sistema é de aproximadamente 70.000 mil habitantes e a população limite será de 147.161 habitantes, a qual demandará uma vazão diária de 400 I/s, vazão esta totalmente segura para as condições do manancial abastecedor. O projeto prevê trabalhar com a variação de nível de 90 cm, sendo o nível mínimo de 1,76m (obtido a partir da implantação da barragem de nível) e nível máximo de 2,66m, ambos em relação ao nível do mar. A título de informação, o nível mínimo medido em junho de 1996 pela FLORAM, na Lagoa foi de 1,72m.

2- A implementação de ações de preservação ambientais e de manutenção do lençol freático do Campeche, são assuntos de competência dos Órgãos ambientais, como FATMA e FLORAM, estando a CASAN inserida neste contexto como ente usuário, a qual buscará participar ativamente nos Comitês de Bacia Hidrográfica, conforme estabelece a Lei n° 9433/97 visando resguardar seus direitos e interesses, bem como de toda a comunidade envolvida.

3. Esta Empresa têm desenvolvido um Programa de Implantação de Esgotamento Sanitário em Zonas Balneárias, o qual gradativamente e na medida das disponibilidades orçamentárias irá atingir toda a área litorânea do Estado de Santa Catarina. Na Ilha de Santa Catarina este programa está atendendo prioritariamente as localidades de maior adensamento populacional, ficando as demais áreas para uma etapa seguinte. Os Sistemas de Esgotos Sanitários que a CASAN adota, são do tipo separador absoluto, que consiste na coleta e tratamento somente das águas de esgotos sanitários, o que leva, a rede a não admitir águas pluviais e nem vazamentos e/ou infiltrações do lençol freático.

4. A viabilização do projeto de Esgotamento Sanitário para a região do Campeche, depende do estabelecimento de prioridade e fundamentalmente do equacionamento de recursos junto aos organismos financeiros e da participação comunitária.

Atenciosamente, MILTON MARTINI GODOFREDO G. MOREIRA FILHO Diretor Presidente Diretor de Expansão, em exercício.

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Material de referencia N 11

Carta ao Secretário Nacional de Recursos Hídricos alertando sobre a fragilidade hídrica da região

Florianópolis, 23 de setembro de 1997. Ao Secretário Nacional de Recursos Hídricos Sr. Paulo Afonso Romano Em mãos Ilmo Sr. :

Vimos por meio desta solicitar sua atenção para o documento que abaixo subscrevemos. É grande a preocupação dos moradores da Costa Leste e Sul da Ilha de Santa Catarina (Lagoa da Conceição, Campeche, Morro da Pedras, Rio Tavares, Tapera, etc.) que utilizam o lençol subterrâneo (aqüífero) do Campeche como fonte de abastecimento. A planície constituída de dunas e areias, responsável pela recarga do lençol, está ameaçada pelo plano de urbanização proposto pelo Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF). O projeto elaborado desde 1989 (documento 1), denominado “Plano de Desenvolvimento do Campeche”, vem sofrendo pequenas alterações a pedido da comunidade, mas nunca apresentou estudos e relatório de impactos ambientais (EIA/RIMA) e foi fundamentado exclusivamente nos dados estatísticos do crescimento populacional desorganizado da região. Pretende dispor na área de 50 km² sobre o aqüífero de abastecimento 450 mil pessoas, prédios com gabaritos superiores a 6 andares, 1 autódromo internacional, 4 pólos tecnológicos, um anel de vias rápidas cuja alternativa mais barata entre 7 apresentadas pelo DER/SC (EIA/RIMA MPB 1995), para um trecho de 10 km sobre dunas e restingas, custará só em desapropriações, 12,3 milhões de reais!

É nosso entendimento que a urbanização proposta não considera a vulnerabilidade do solo e nem tampouco a exaustão dos recursos hídricos. Desconhece os estudos técnicos, demonstrando que as construções impermeabilizam o solo e que as fossas contaminam as águas do lençol subterrâneo de abastecimento público (sistema integrado da Costa Leste - S.I.C.L.) do Sul da Ilha de Santa Catarina.

A falta de estudos ambientais nos preocupa porque o desconhecimento é a causa da degradação da nossa qualidade de vida. Em vista disto solicitamos à Companhia Catarinense de Águas e Saneamento - CASAN - (documento 2) informações sobre os limites dos recursos hídricos para abastecimento da região e as estratégias de garantia para preservação daquele manancial subterrâneo de abastecimento. A CASAN, em resposta (documento 3) cita que considerando o aqüífero do Campeche e a Lagoa do Peri (um reservatório natural de pequeno porte com 5,2 km de espelho d'água e pequenos afluentes) como mananciais de abastecimento, a região pode abrigar uma população limite de 147.000 pessoas. Entretanto para maior preocupação, neste documento ficou patente a falta de articulação dos órgãos executores e planejadores. A CASAN aparentemente desconhece o plano do IPUF, pois conta com o lençol como reserva hídrica para abastecimento de aproximadamente 70.000 pessoas; no entanto, ignora a preservação do manancial quando não prevê uma estação de tratamento de esgotos para o local, direcionando suas ações para outras regiões mais densamente povoadas.

Assim, como V.S.ª pode observar a preservação do nosso lençol e o nosso abastecimento de água não é prioridade de nenhum dos órgãos acima citados. Em vista disso, a comunidade tem feito um movimento de esclarecimento e educação ambiental na região, através de informativos e artigos em jornais (documento 3,4,5,6).

Sem ignorar a necessidade de um Plano Diretor que ordene e legisle sobre a organização da região temos procurado interferir para que o planejamento municipal tenha como concepção a preservação das reservas naturais, como o maior lençol freático do sul ilha. Um sistema de saneamento básico é uma das nossas reivindicações emergenciais e vossa atuação pode ser importante no sentido de conseguirmos junto aos órgãos competentes verba para a construção de uma estação de tratamento de esgotos, invertendo a prioridade da construção de uma Via Expressa, para a de uma estação e rede coletora de esgotos.

É nesse sentido, portanto que recorremos à V.S.ª para que interceda junto à administração municipal, ao Colegiado de Gerenciamento Costeiro de Santa Catarina para (1) o cumprimento da Lei 9.433/97, art. 225 da Constituição Federal e em consideração aos estudos técnicos ambientais, estabeleçam e executem um programa de gerenciamento da bacia hidrográfica do Campeche, (2) para que haja uma ação contundente da FATMA, FLORAM e demais órgãos responsáveis pela questão ambiental no sentido de exigirem a adequação de projetos compatíveis

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com a capacidade do meio ambiente que pretende ordenar; (3) que o IPUF planeje pensando no futuro prevendo uma urbanização que preserve os recursos oferecidos pela natureza da região; (4) que os órgãos públicos reconheçam e respeitem a demanda da população que tem consciência do problema público que está ocorrendo no Campeche na contramão das discussões nacionais e internacionais referenciadas na preservação ambiental e participação popular.

Confiamos na vontade política de V.S.ª para o sucesso do programa nacional de preservação dos recursos hídricos em nosso território, aguardando um retorno deste nosso contato.

Sem mais, antecipadamente agradecemos e deixamos nossos votos de estima e consideração.

Atenciosamente, Ubiratan Saldanha de Mattos

ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DO CAMPECHE

Documento apoiado por: Conselho Comunitário do Campeche, Comunitário do Rio Tavares, AMOREIAS - Associação dos Moradores das Areias do Campeche, AMOLA - Associação dos Moradores do Porto da Lagoa, Campeche Qualidade de Vida, Movimento Campeche a Limpo, Viveiro Pau Campeche, Associação de Surf do Campeche.

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Material de referência nº 12

Ação Cautelar de Notificação contra a Prefeitura Municipal de Florianópolis

Exma. Sra. Dra. Juíza de Direito do Fórum da UFSC

Associação de Moradores do Campeche – AMOCAN -, pessoa jurídica de direito privado, devidamente registrada no Livro A-15, fls. 865, do Cartório lolé Luz Faria, com CGC 79.886.5037/0001-66, sediada à rua Geral do Campeche, s/nº, Distrito do Campeche, CEP 88000-000, Florianópolis, SC vem, por meio de seus procuradores infrafirmados, propor Ação Cautelar de Notificação contra a Prefeitura Municipal de Florianópolis -PMF -, pessoa jurídica de Direito Público, com endereço à Praça XV de Novembro, sln, Centro, nesta, e contra o Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis -IPUF -pessoa jurídica dotada de personalidade de Direito Público, com endereço à Pça Getúlio Vargas, 194, Centro, nesta, CEP 88020-030, pelo que, nos termos do art. 873 do CPC, respeitosamente expõe a V. Exa. o seguinte: É grande a preocupação dos moradores da Costa Leste e Sul da Ilha de Santa Catarina (Lagoa da Conceição, Campeche, Morro das Pedras, Rio Tavares, Tapera, etc.) que utilizam o lençol subterrâneo (aquífero) do Campeche como fonte de abastecimento. A planície do Campeche, constituída de dunas e areias, responsável pela recarga do lençol, está ameaçada pelo plano de urbanização proposto pelo Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF) para a região. O projeto elaborado desde 1989, denominado "Plano de Desenvolvimento do Campeche", pretende autorizar, dentre outras medidas, na área de 50 km2 sobre o aquífero do Campeche, a construção de prédios com gabaritos superiores a 6 andares, de 1 autódromo internacional, de 4 pólos tecnológicos e de um anel de vias rápidas, estimando-se que uma população de 450 mil pessoas passará a residir na área. Um projeto de tamanha proporção, evidentemente, necessita de prévia análise da sustentabilidade do local, isto é, se os recursos naturais existentes serão suficientes para a manutenção da qualidade de vida dos habitantes locais, ou mesmo dos turistas que cada vez mais procuram a parte sul da Ilha de Santa Catarina para veranear. No entanto, até o presente momento, não existe o denominado Estudo de Impacto Ambiental desse projeto (Resolução CONAMA 001/86, art. 2°, XV), o que inviabiliza qualquer apreciação aprofundada pela comunidade local, que tem se visto 'de mãos atadas' frente ao rumo que um projeto de tal envergadura possa tomar, tolhida em seu direito básico de adequadamente receber informações e emitir opinião acerca do planejamento para sua localidade. A falta de estudos ambientais preocupa a comunidade do local porque o desconhecimento é a causa da degradação da qualidade de vida. Em vista disto, foram solicitados junto à Companhia Catarinense de Águas e Saneamento -CASAN - informações sobre o potencial dos recursos hídricos para abastecimento da região e as estratégias de garantia para preservação daquele manancial subterrâneo de abastecimento. A CASAN, em resposta, cita que, considerando o Sistema de Abastecimento Costa Leste/Sul e a Lagoa do Peri (um reservatório natural de pequeno porte com 5,2 km2 de espelho d'água e pequenos afluentes) como mananciais de abastecimento, a região pode abastecer uma população limite de 147.161 pessoas. Diante de tal parecer, a AMOCAM, ora requerente, enviou, em 8 de setembro de 1997 ofício ao IPUF, solicitando extensão do prazo para apreciação do plano. Tal prazo era de um mês, a contar da apresentação pública do projeto à comunidade do Campeche, que ocorreu em 18 de setembro do corrente ano. Em resposta a esta solicitação, o IPUF comunicou à referida associação que a data final para entrega seria postergada para 29 de setembro de 1997, aumentando o prazo em apenas 11 dias, inegavelmente insuficiente para uma análise criteriosa da complexa questão que é um planejamento urbano desse porte. Dada a ocupação desordenada em que atualmente se encontra o Distrito do Campeche, é imprescindível e premente a necessidade de um Plano Diretor para a localidade, que dê relevo especial ao manancial de abastecimento que se encontra no subsolo da área, evitando graves problemas futuros como os que hoje prejudicam as localidades de Canasvieiras, Cacupé e Santo Antônio. As águas subterrâneas caracterizam-se como as de melhor qualidade e menor custo para o consumidor. O lençol freático existente no Campeche é patrimônio público precioso que não pode ser poluído pela inexistência de tratamento de esgoto ou mesmo pela inevitável impermeabilização que poderá advir de um desenvolvimento urbano. Em consonância com os princípios básicos praticados hoje em dia em todos os países que avançaram na gestão de seus recursos hídricos, surge um novíssimo diploma legal, a Lei 9.433, de 8 de janeiro de 1997, instituindo

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a Política Nacional de Recursos Hídricos e criando o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Por meio dessa lei federal, o cidadão ou o grupo de cidadãos busca alternativas para resolver os problemas da água, levando em conta as necessidades e dificuldades vivenciadas pelas próprias comunidades. Assim, dispõe o art. 39, incisos IV e V, que os usuários da água e entidades civis com atuação comprovada em determinada bacia poderão, em conjunto com outras entidades e órgãos públicos, promover a integração dos recursos hídricos com a gestão ambiental, com o fim de assegurar água de boa qualidade para a atual e futuras gerações. Diante do exposto, e com a finalidade de prevenir responsabilidade, prover a cominação de direitos e externar judicialmente a preocupação daquela comunidade, requerem:

1. a notificação da Prefeitura Municipal de Florianópolis -PMF -, na pessoa de seu representante legal, com endereço à Praça XV de Novembro, s/n, Centro, Nesta, e do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis - IPUF -, também na pessoa de seu representante legal, com endereço à Pça Getúlio Vargas, 194, Centro, nesta, CEP 88020-030, pelo que, nos termos da presente, de acordo com os arts. 867 a 873 do Código de Processo Civil; 2. feita a intimação, devolvida em 48 horas, sejam os autos entregues independente de translado (art. 872, C PC); 3. o benefício da assistência judiciária gratuita, nos termos da Lei 1.060/50 e da Lei 7.510/86. Dá-se à causa o valor de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais). Pede deferimento. Florianópolis, 09 de outubro de 1997.

Oswaldo José Pedreira Horn OAB/SC 1203 Equipe 242

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Material de Referência Nº 13

Uma questão de responsabilidade Tereza Cristina P. Barbosa Um pesadelo paira sobre os habitantes da costa Leste e Sul da Ilha de Santa Catarina (Lagoa da Conceição,

Campeche, Morro das Pedras, Rio Tavares, Tapera, Carianos, etc.) que utilizam o lençol subterrâneo (aqüífero) do Campeche como fonte de abastecimento. A planície de dunas, areias e restingas, responsável pela recarga (infiltração das águas das chuvas) do lençol, está ameaçada pelo plano de urbanização proposto pelo Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF).

O projeto conhecido como “Plano de Desenvolvimento do Campeche – PDC”, elaborado desde 1989 sofreu pequenas alterações a pedido da comunidade, mas estranhamente nunca apresentou Estudos e Relatório de Impactos Ambientais (EIA/RIMA) conforme recomenda a Resolução 001/86 art. 2, (inciso XV) do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Este PDC, fundamentado exclusivamente em dados equivocados do crescimento desordenado da região, prevê alocar na planície de 50 km², sobre a nossa água de beber, uma população de 450 mil pessoas, prédios com gabaritos superiores a 6 andares, 1 autódromo internacional, 4 pólos tecnológicos, um anel de vias rápidas (Vias-Parque) cuja alternativa mais barata, entre 7 apresentadas pelo DER/SC (EIA/RIMA MPB 1995) para um trecho de 10 km sobre dunas e restingas, custará aos cofres públicos, só em desapropriações, 12.3 milhões de reais! É incompreensível que o IPUF jamais tenha efetuado EIA/RIMA de um plano tão abrangente, uma vez que as vias expressas propostas por ele, que correspondem a 1/4 ou menos do total, sejam obrigadas a fazê-lo.

A falta de estudos ambientais preocupa porque o desconhecimento é a causa dos problemas. Grandes problemas em grande número são as causas da degradação da nossa qualidade de vida. A falta de água é um problema. A violência nas vias expressas é outro grande problema. O ruído, as sombras dos prédios e a falta de áreas de lazer são problemas. O acúmulo e a disposição final de toneladas de lixo são problemas. Todos estes e mais outros menores como a falta de estacionamento e acesso às praias são previsíveis segundo o “planejamento” do IPUF. Mas o problema de mais rápida concretização para os habitantes da costa Leste/Sul (Lagoa da Conceição, Rio Tavares, Ribeirão, Tapera, Carianos e Morro das Pedras) será a falta de água. A Companhia Catarinense de Águas e Saneamento - CASAN -informa que o Sistema de Abastecimento de Água Costa Leste/Sul incluindo a Lagoa do Peri como manancial de abastecimento, pode abastecer uma população limite de 147.161 habitantes. Mas a preservação do lençol freático é competência da FATMA (Vladimir Ortiz) e da FLORAM (Elizabeth AMIM). É certo, claro e evidente que estes órgãos e outros como o IBAMA-SC...... ; SEDUMA - Frederico Duwe, SUSP -; IPUF - Carlos Riederer, a Administradora de Florianópolis, Ângela AMIM e a Câmara de vereadores) através dos seus dirigentes também têm enormes parcelas de responsabilidade na preservação do manancial. Mas a CASAN não fica excluída desta atribuição, porque sendo “usuária” do manancial subterrâneo e responsável pelo saneamento básico da região tem a obrigação de planejar e projetar sistemas que viabilizem a preservação da matéria prima que dá origem a sua existência e atribuições. Não é possível preservar um lençol subterrâneo sem um sistema de tratamento dos esgotos em uma área de iminente desenvolvimento! As águas de sub-solo são as águas de melhor qualidade e de mais baixo custo do planeta! Filtradas naturalmente pelas areias e dunas, não apresentam partículas ou sujeiras, não exigem tratamentos caros como floculação, filtração, lagoas para secagem de lodos, manutenção, mão de obra, etc. Raramente secam ou evaporam e são naturalmente recarregadas pelas chuvas, exceto se o solo for impermeabilizado! Tê-la é um presente da natureza! É um recurso! Não se pode desperdiçá-la! Não utilizá-la e nem preservá-la é desconhecimento! Porque continuar errando como meros subdesenvolvidos, sem jamais conhecer e planejar o uso e a potencialidade dos nossos recursos? Não se pode ignorar os efeitos da impermeabilização e contaminação gerados pelo plano do IPUF! Não seria mais responsável avaliar e dimensionar o potencial das águas subterrâneas disponibilizando-a para todos os habitantes do sul da ilha que reivindicam água? O que é mais caro? Construir uma Estação de abastecimento (ETA) um dique, um laboratório, 3 lagoas de oxidação sobre uma reserva ecológica (Decreto Municipal n° 135/88) Lagoa do Peri, de vazão limitada ? Ou construir uma estação de tratamento de esgotos evitando a contaminação da maior fonte de abastecimento da região? Não seria mais ponderado direcionar os investimentos públicos na preservação do manancial subterrâneo para uso futuro em vez de detonar a reserva por desconhecimento? Cairemos novamente no erro de comprometer as gerações futuras em beneficio das atuais, por não usarmos do conhecimento e da sabedoria que nos foi legada como racionais? Quando tudo estiver ocupado por calçadas, asfalto aí então gastaremos recursos financeiros para quebrar, cavar, recapear as ruas para instalar a rede de esgoto? Oh Deus! Que idioma falamos? Quando conseguiremos planejar, juntos, o nosso futuro? Quando predominarão o bom senso, a responsabilidade e os talentos para administrar os nossos recursos naturais, econômicos e culturais? Porquê colocar vias expressas em um bairro caracteristicamente residencial, sobre um solo inconsolidado? É impossível, nos dias atuais, desconhecer os custos financeiros, ambientais e sociais de uma via como esta! Mirem-se no exemplo da expressa sul! Porquê priorizar uma estrada em detrimento do abastecimento de água da população? Porquê priorizar o uso de uma reserva ecológica sem conhecer a capacidade do lençol freático? Se cada ser humano, seja ele administrador de órgãos públicos ou não, agir no uso de suas atribuições e no fiel cumprimento do seu dever em acordo com a legislação vigente, certamente alcançaremos o desenvolvimento tão almejado. O problema público do Campeche atua na contramão das discussões nacionais e

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internacionais referenciadas na Agenda 21. É ótimo contar com um órgão de planejamento, que realiza as ações de acordo com as necessidade e anseios da população. Mas no nosso caso, quem foi escutado? Quantos de nós planejaram ou estiveram presentes no planejamento do IPUF? Qual o conjunto da sociedade planejou a destruição do lençol ou as custosas vias expressas que não respondem as nossas necessidades e interesses? A decisão é construída em conjunto! Não queremos fazer pequenos ajustes em planos onerosos e insatisfatórios! Queremos sim, construir o nosso plano uma vez que teremos que conviver com ele para o resto de nossas vidas! Neste sentido, convidamos todas as pessoas de boa vontade (moradores, técnicos, e os dirigentes dos órgãos públicos acima citados) para que unam-se à nós subsidiando um planejamento para a planície do Campeche - Costa Leste e Sul da ilha de SC, a realizar-se nos dias 23/24 e 25 de outubro, conforme cronograma no jornal.

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Material de referencia Nº 14

Problema público no Campeche130

Associação dos Moradores do Campeche (AMOCAM),Conselho Comunitário do Campeche, Grupo Pau Campeche, Fundação Lagoa, Fundação Água Viva, Sociedade para a Pesquisa e Educação Ambiental (SPEA), Centro de Estudos da Cultura e Cidadania (CECCA) e os movimentos: Campeche a Limpo, Campeche Qualidade Vida e Associação de Surf do Campeche.

Um plano diretor é um plano de ocupação para o desenvolvimento organizado de atividades individuais em um espaço geográfico limitado.

Todas as diferentes funções de ocupação (ARE, ATE, AEX e AGI entre outras, descriminadas ao final do texto¹) prevista no plano diretor do município, implicam na utilização do solo e da água.

O solo é a base das construções de casas, prédios, estradas, campos de futebol, aterros sanitários, fossas, etc. A água é base da vida, utilizada em todas as atividades domésticas e urbanas, desde beber até irrigar gramados de futebol ou lavar carros. Civilizações sucumbiram sem ela! Tanto a água como o solo, são os recursos básicos de uma cidade. Estes recursos são considerados naturais porque são dotes da natureza local. Numa ilha, as disponibilidades de solo e água são extremamente limitadas e nem todo solo pode ser utilizado para construções, fossas, cemitérios, estradas, etc. Solos instáveis como as dunas, mangues e encostas de morros oferecem problemas, e quando mau utilizados incidem na qualidade de vida da população. Ex. A ocupação dos mangues, impedem o crescimento de peixes e camarões. Sem camarões e peixes desaparece o pescador; sem o produto pesqueiro acaba o turismo gastronômico; sem o turismo gastronômico, inúmeras atividades rentáveis vão a falência. Todos perdem! Perde o meio ambiente, perde o pescador, perde o comerciante, perde o turismo, e perde a cidade e os cidadãos! A ocupação de dunas e áreas impermeabiliza o solo impedindo a infiltração das águas das chuvas que recarregam o lençol freático. Grandes quantidades de água são armazenadas no sub-solo (aqüíferos) e servem de abastecimento para as populações humanas. O aqüífero sob o Campeche, Rio Tavares, Tapera, Lagoa da Conceição, conhecido como Sistema Costa LESTE/SUL (CASAN) abastece as comunidades da costa leste e sul da ilha, (Lagoa da Conceição, Campeche, Tapera, Ribeirão, Rio Tavares, Morro das Pedras, etc.). Somos felizes porque temos água, o recurso mais importante da vida, enquanto muitos outros têm problemas de abastecimento! Vejam os bairros de Canasvieiras, Sambaqui, Santo Antônio, Tapera, Rio Vermelho e Barra da Lagoa, entre outros, que têm freqüentes faltas de água ou água de péssima qualidade! Não podemos desperdiçar este recurso, precisamos dele! O excesso de construções, estradas e calçamento sobre o solo formarão uma camada espessa de cimento e asfalto, impedindo a recarga do aqüífero. Isto significa que acabará a nossa água! Não teremos água! A Lagoa do Peri não poderá abastecer toda população e ademais, ali vivem animais que dependem dela. Se a secarmos, mataremos todos e mesmo assim não teremos água em permanência, porque o número restrito de afluentes que deságuam na lagoa não tem a vazão suficiente para abastecer 450.000 pessoas! A outra possibilidade, seria abastecer nossa região com as águas do continente, mas 85% dos rios do estado de Santa Catarina estão poluídos. Inclusive o rio Cubatão, de qualidade extremamente duvidosa, foi acrescentado à Pilões (Vargem do Braço) para abastecer a capital. Além dos inúmeros problemas gerados para a saúde do consumidor, isto aumentaria os custos de tratamento para a obtenção de uma água de boa qualidade, e os custos de expansão da rede de abastecimento. A outra opção cogitada a dessalinização da água do mar, envolve beneficiamento de altos custos e de baixos rendimentos, inviável em países de terceiro mundo como no Brasil. O mais certo de tudo é que não podemos viver sem água e por esta razão queremos planejar o recurso hídrico disponível! Quem poupa o que tem garante um futuro de qualidade! Queremos planejar também a ocupação do solo do Campeche porque o mau uso resulta em sérios prejuízos econômicos para a população. Casas, prédios ou estradas construídos sobre estes terrenos instáveis racham, desabam, afundam ou são erodidos por ressacas marinhas, praias desaparecem e fortunas são gastas em situações emergenciais de recuperação. Estes dispêndios podem ser aviltados! O uso negligente de recursos naturais, sem conhecimento de limites de suporte ou recuperação, causam o empobrecimento das cidades e das condições humanas! O planejamento é uma questão de cunho público e não privado! Não podemos indefinidamente correr atrás dos prejuízos da falta de planejamento dos recursos naturais! A Lei Federal n º9.433 (de 08.01.97) institui a Política Nacional dos Recursos Hídricos e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos, estabelecendo que são ações do poder público (Federal, Estadual, Municipal) em conjunto com o Comitê de Bacia Hidrográfica (art. 32), associações civis regionais comunitárias e usuários, gerenciar, fiscalizar e promover a integração da gestão dos recursos hídricos com a gestão ambiental (art. 29, item IV).

Precisamos urgentemente de um Plano Diretor, antes que seja tarde e tudo esteja perdido! Mas queremos um planejamento compatível com as disponibilidades e sustentabilidade da qualidade de vida! Neste sentido, convidamos o Colegiado de Gerenciamento Costeiro² de SC, que em dezembro de 1996, se comprometeu na elaboração do Plano Gerenciamento Costeiro do Estado, as associações de moradores e atual administradora da cidade, para juntos, em conformidade com a resolução 001/86- CONAMA e Leis Federais 7.661/88 e artigo 225 da

130 Publicado no jornal AN Capital em 20-9-1997, assinado, em nome das associações assinantes, pelo então presidente da Amocam, Ubiratan de Matos Saldanha.

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Constituição de 1988 e Lei Federal 9.433/97 e em consideração aos estudos técnicos ambientais, estabeleçam e executem um programa de gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Campeche com vistas à sustentabilidade dos nossos recursos, sob pena de agir de maneira irresponsável para com as gerações atuais e futuras.

1. ARE - área residencial Exclusiva ATE - área turística exclusiva AEX - área de exploração do solo (pedreiras, areias, barro, etc.) ACI - áreas comunitárias institucionais (cemitérios, hospitais, tratamentos de esgotos, entre outras atividades de uso público). 2. O Colegiado de Gerenciamento Costeiro é formado por técnicos da UFSC, UDESC, UNIVALI, Marinha, SUSP, IPUF, SDM, SDE, IBAMA, IBGE, CELESC entre outros.

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Material de Referência Nº 15

Dossiê Campeche. Introdução131 APRESENTAÇÃO O presente dossiê trata de duas questões importantes. Em primeiro lugar, apresenta o Plano de Desenvolvimento do Campeche - PDC proposto pelo IPUF para a Planície do Campeche e o modo como vem sendo encaminhado o planejamento urbano junto às comunidades da área. Em segundo, mostra a possibilidade de soluções viáveis e sustentáveis para a reorganização e ocupação da planície, em co-responsabilidade com a comunidade e em obediência às leis vigentes abordando questões de forma técnica e interdisciplinar. A intenção é esclarecer todas as pessoas que, direta ou indiretamente, possam intervir ou decidir sobre a concretização do planejamento da região (IPUF, Prefeitura Municipal, Câmara Municipal de Florianópolis, CASAN, FLORAM, FATMA, COMCAP, IBAMA, MMA, SUSP, DER, SDM, Colegiado de Gerenciamento Costeiro de SC, moradores da região, etc). Através dos pareceres da UFSC, documentos técnicos e das discussão do I Seminário de Planejamento do Campeche, elaborou-se diretrizes para um plano que assuma o compromisso da Agenda 21 Local, promovendo o desenvolvimento econômico, a eqüidade social e a conservação de bens culturais e naturais dentro de um mesmo processo. Este plano deve partir do princípio de que a participação popular no planejamento legitimará a sua co-responsabilidade na gestão e organização do espaço. Assim, neste dossiê serão descritas todos as informações necessárias sobre as questões legais, ambientais, sociais, infra-estruturais, etc. Apresentamos, após a descrição do PDC proposto pelo IPUF, a região ou o lugar com suas informações geográficas, recursos naturais, culturais e históricos e a realidade urbano rural de ocupação. Segue-se uma crítica interdisciplinar ( geral e específica) à concepção do PDC proposto pelo IPUF, com base nos pareceres técnicos dos profissionais da Universidade Federal de Santa Catarina e nas discussões ocorridas nos últimos meses no Movimento Campeche Qualidade de Vida , organizado no bairro do Campeche. Finalmente, apresentamos diretrizes e propostas para um planejamento da Planície do Campeche resultantes das discussões realizadas no I Seminário Comunitário de Planejamento do Campeche realizado nos dias 23, 24 e 25 de outubro último e aqui apresentadas sob a forma de relatório. É importante citar que este seminário contou com a presença permanente de aproximadamente 250 moradores e técnicos das áreas de geografia, biologia, ecologia, engenharias sanitária, civil, sociólogos, arquitetos, juristas, educadores, jornalistas, etc, representantes da comunidade em geral (nativos e “estrangeiros”). Portanto este documento representa as preocupações e os anseios da população do Campeche com relação ao Desenvolvimento da região I. A ANÁLISE DO PLANO

É importante considerar que o PDC ( anexo 1 e figura 1) descrito sucintamente abaixo, foi concebido em 1989, finalizado em 92 e apresentado à Câmara Municipal de Florianópolis em 95, sendo retirado do Legislativo Municipal por pressão popular. Reapresentado em 97 para as comunidades, ainda é considerado polêmico.

Denominado “Plano de Desenvolvimento do Campeche” porque abrange toda a planície quaternária do Campeche (figura 2), ou seja, uma área aproximada de 50 km2, envolve as comunidades da Tapera, Alto Ribeirão, Aeroporto, Carianos, Ressacada, Porto da Lagoa, Fazenda do Rio Tavares, Rio Tavares, Campeche e Morro das Pedras. Todo este território foi subdivido em 36 unidades espaciais de planejamento (UEPs).

Nesta planície quaternária, constituída de areias (figura 3), dunas e manguezais o IPUF propõe a instalação dos seguintes equipamentos urbanos (figura 1) :

• A leste, nordeste e sudeste, sobre os cordões de restinga, desde o Porto da Lagoa até o Morro das Pedras: uma área turístico residencial (ATE) de condomínios de alto padrão e uma área turística exclusiva com hotéis (ATR), pequenas áreas comerciais com prédios de gabarito próximo a 6 pavimentos (pouco clara a descrição do IPUF), recortadas por um sistema de vias rápidas (vias parque) interligado à futura SC 406 (proposta pelo DER).

• Mais a oeste, sobre as areias do Rio Tavares, Campeche, Castanheiras e Morro da Pedras em direção aos morro da costeira (Pedrita), Fazenda e manguezal do Rio Tavares, Morro do Lampião, Tapera e Alto Ribeirão são propostos: inúmeras áreas residenciais de classe média com prédios de gabarito de 6 andares (ou mais?), um autódromo internacional, 3 grandes centros comerciais com prédios de gabaritos superiores a 6 andares (8 ou 12,

131 Iniciativa: Movimento Campeche Qualidade de Vida. Elaboração do texto final: Fernando Ponte de Sousa, Janice Tirelli, Jurandir Camargo, Lilian Maria Pagliuca, Tereza Cristina Pereira Barbosa, Vera Bazzo. Capa e arte: Renato Rizzaro, Raúl Burgos. Apoiaram o dossiê as seguintes instituições:

AMOCAM- Associação dos Moradores do Campeche; AMPOLA- Associação de Moradores do Porto da Lagoa; AMOREIAS - Associação de Moradores das Areias do Campeche; Associação de Moradores do Rio Tavares; Associação de Surf do Campeche; CAL - Movimento Campeche a Limpo; CECCA - Centro de Estudos Cultura e Cidadania; FAVI - Fundação Água Viva; Fundação Lagoa Klimatar - Centro de Estudos Ambientais; Movimento Cidadania pelas Águas - Projeto LARUS; Viveiro Pau Campeche.

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pouco claro na descrição do IPUF), 4 pólos tecnológicos, um campus universitário (sob o cone de ruídos do aeroporto). Tudo entrecortado por segmentos de vias rápidas desenhados em sistema de grades (figura 1).

• Adensamento total previsto para área: 450.000 habitantes. Esta concepção de vida futura na região foi rejeitada por pressão popular em 1995. Naquele momento, o mais lógico teria sido o órgão proponente consultar a população que o rejeitava, a fim de conhecer os desagrados, as possíveis falhas e viabilizar um plano legítimo e exeqüível em co-responsabilidade com a comunidade residente na região1 . Porém isto não ocorreu! Contrariamente, o PDC, que havia sido rejeitado como um todo em 1995, sofreu imperceptíveis modificações e em 1997, sem nenhum estudo das possibilidades ou limitações locais, desconsiderando inclusive o diagnóstico do plano diretor dos Balneários aprovado em 1985 (solo frágil, inconsolidado, não urbanizável), foi dividido em sub-regiões ou localidades a serem atingidas: Carianos, Aeroporto, Areias do Campeche, Campeche, Castanheiras, Tapera, Morro da Pedras, Rio Tavares, Fazenda do Rio Tavares, Porto da Lagoa e Alto Ribeirão.

Cada uma destas localidades, através de suas representações comunitárias, foi convocada à conhecer sua área dentro do PDC, cabendo aos cidadãos presentes, a possibilidade de sugerir alterações ao plano já traçado. É importante citar que as apresentações do plano nem sempre ocorreram nas datas previamente marcadas pelo IPUF. Algumas foram transferidas na última hora, causando um certo constrangimento às associações que haviam convocado a população, além de desmotivar o comparecimento para outras reuniões.

À reunião da sub-região do Campeche (praia do Campeche) que ocorreu na data estabelecida (18-08-97) compareceram aproximadamente 200 moradores, dentre os quais técnicos das mais diversas áreas profissionais 132. Nesta reunião, que durou cerca de 4 horas, ficou claro que a população desejava participar da concepção de um novo plano, em acordo com as leis de planejamento urbano133, Agenda 21 Local (Anexo 2) e o compromisso da atual administradora da cidade (Anexo 3).

Entretanto, ficou claro, também, que se tratava do mesmo plano concebido em 89, finalizado em 92, rejeitado em 95 e dividido em 97, e que a intenção do IPUF era apenas homologá-lo, desta vez por partes, aceitando pequenas sugestões no traçado já elaborado. Atitude vantajosa para o órgão planejador que, além de agir “democraticamente”, procurando a comunidade, aprovaria por partes um plano que enfrentava dificuldades em se aprovar como um todo. Desvantagem para a população, que deveria, no prazo de 30 dias, concordar com pequenas alterações no PDC (que levou oito anos para ser elaborado) ou aceitá-lo como estava.

Deram retorno ao IPUF as comunidades do Morro das Pedras, Tapera e Jardim Castanheiras. Várias associações não apresentaram retorno ao IPUF por não concordarem em apresentar sugestões em algo que não querem: Rio Tavares, Fazenda do Rio Tavares, Areias do Campeche, Campeche, Porto da Lagoa. A Comunidade do Campeche, organizada em torno da Associação dos Moradores num Movimento pela Qualidade de Vida do Campeche questionou o recorte parcializado do Plano que impedia pensar-se o projeto globalmente (figura 4), mas mesmo assim, decidiu pela análise do plano e pelo posicionamento com diretrizes e propostas. Foram solicitados pareceres técnicos de algumas áreas da Universidade, ao mesmo tempo solicitando prazo para o IPUF, além dos 30 dias para retorno. A esse respeito o IPUF, em correspondência (Anexo 4) vinculou a não entrega do material do bairro à concordância com o Plano em questão.

Diante dessa situação, a comunidade mobilizada continua o trabalho de análise com vistas ao delineamento de um plano diretor que representasse a opinião da população local e protocola ofício com exposição de motivos no dia marcado para entrega de proposta solicitando mais prazo (Anexo 4). Diante do silêncio do IPUF e sentindo-se prejudicada, a comunidade decide encaminhar notificação judicial (Anexo 5) contra a prefeitura e o IPUF alertando para a necessidade de se prever os riscos ambientais no plano proposto que estimula uma alta densidade populacional, um sistema viário segregador da localidade e, entre outras coisas, o risco do uso indiscriminado dos recursos naturais do solo da região. Decide também, organizar o Seminário Comunitário já programado com o objetivo de discutir a questão do Planejamento local em parceria com os órgãos públicos, especialistas, pareceristas e moradores em geral da planície do Campeche. Alegando constrangimento devido a ação judicial, os órgãos públicos convidados estiveram ausentes (Anexo 6) .

A atitude viciosa de imposição de planos de cima para baixo é bem antiga e desconsidera inúmeras leis

atuais, desperdiça dinheiro público, degrada recursos naturais e econômicos e não conta com a participação e responsabilidade da população. A primeira das leis desconsideradas pelo PDC é aquela que permitiria aos

132 Engenheiros sanitaristas, arquitetos urbanistas, engenheiros civis, biólogos, geógrafos, oceanógrafos, advogados, médicos e enfermeiros, jornalistas, sociólogos e professores, entre outros. 133 “... antes de uma imposição constitucional, os planos diretores são instrumentos de planejamento e, como tal, devem ser elaborados a partir da decisão política de planejar o desenvolvimento urbano e municipal pressupondo a corresponsabilidade consciente da comunidade e o perfeito domínio do seu conteúdo, suas possibilidades e limitações”. (Art. 182 da Ordem Econômica da Constituição Federal). Também, o EIA/RIMA é um instrumento obrigatório previsto nas Resoluções Federais (001/86 CONAMA) e que resguarda o direito à cidadania e qualidade de vida, previsto nos artigos 5º e artigo 225º da Constituição Federal.

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planejadores o conhecimento da área, suas disponibilidades, suas possibilidades e suas limitações para a execução de um plano. Esta lei, sob a forma de uma Resolução (001/86 CONAMA) estabelece em seu art. 2º, inciso XV que projetos urbanísticos acima de 100 ha necessitam de um Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA).

Na realidade o EIA-RIMA fornece um diagnóstico do solo, da água, dos recursos naturais utilizáveis (de uso limitado ou preserváveis) na área a ser urbanizada, em obediência às legislações Federais e Estaduais vigentes. Ora, o Plano Diretor, uma vez aprovado pela Câmara Municipal, não passa para a fase de projeto, transforma-se imediatamente, no instrumento diretor do ordenamento espacial. Ademais, é sabido que a simples possibilidade de aprovação do PDC, já viabilizou aterramentos de áreas de restingas, loteamentos e implantação de condomínios irregulares, sem tratamento de esgotos em áreas impróprias e ilegais, com a conivência da Câmara Municipal de Florianópolis.

É possível planejar sobre uma área tão abrangente, diversificada e frágil como é descrita a planície do Campeche, sem saber suas dificuldades, os custos e as disponibilidades para implantar equipamentos urbanos caros como o são as vias parques? Quantos sabem que a água de beber de 40.000 moradores da Costa Leste Sul (Campeche, Lagoa da Conceição, Tapera, Morro das Pedras, rio Tavares, Carianos, Aeroporto e outras localidades) vêm do subsolo da planície? Quantos sabem que a contaminação do lençol freático inviabilizará o abastecimento destas localidades? A quantidade e qualidade da água disponível não seria uma limitação para dispor uma população? Como saber isto sem estudos ambientais?

Na ilha de Santa Catarina existem inúmeros exemplos de falta crônica de água (Sambaqui, Canasvieiras, Santo Antônio, etc.) e problemas de águas contaminadas (Armação) com vírus e bactérias de origem fecal, implicando em imensos gastos públicos. Em l996, o Brasil gastou 78 milhões de reais em internações geradas por doenças que poderiam ser evitadas com um sistema básico de saneamento. Ainda em l996, o Brasil gastou milhões de reais na recuperação de estradas e praias erodidas pela ação do mar ! Será que um EIA-RIMA não teria evitado isto? O solo é a base de todo o plano, a água o recurso vital, as praias, as dunas, as lagunas e os manguezais, são recursos hídricos, turísticos, econômicos e gastronômicos (Anexo 10) e uma vez destruídos levam todos a falência e a pobreza! A falta de conhecimento dos recursos e do plano pelos planejadores e planejados, gerará desperdícios materiais elevados para todas as partes. Para os governos, maiores gastos, pois a co-responsabilidade da população para legitimação do plano, prevista na Agenda 21; Artigo 1821, foi ignorada. A falta de estudos sobre o local, impactos sociais, ambientais, culturais no planejamento do IPUF, levou a AMOCAM a solicitar à CASAN (Anexo 7), ao COMDEMA (Anexo 8) e a diversos especialistas da UFSC, mestres e doutores nas áreas de planejamento urbano, poluição, recursos hídricos e legislação pública (Departamentos de Engenharia Sanitária, Ecologia e Zoologia, Botânica e Biologia, Direito Público, Arquitetura e Urbanismo) pareceres técnicos e informações sobre o PDC do IPUF. O resultado destes estudos está contido neste dossiê. II.- O LUGAR

1.- Localização

A planície do Campeche, onde o IPUF pretende implantar o PDC e o Departamento de Estradas e Rodagem (DER) parte da SC-406, conta com uma área aproximada de 50 km2 e envolve as seguintes comunidades do sul da ilha de Santa Catarina: Tapera, Ribeirão da Ilha, Aeroporto, Carianos, Ressacada, Porto da Lagoa, Rio Tavares, Campeche e Morro das Pedras. Esta área localiza-se na região litorânea sul do Brasil, porção sul da ilha de Santa Catarina, sub-região do litoral de Florianópolis, zona de Florianópolis (Anexo 5). Posicionada entre os paralelos 27º35’48” a 27º43’42” e os meridianos 48º24’36” a 48º30’42”, dista aproximadamente 20 km do centro de Florianópolis. Limita-se ao norte e nordeste com a Lagoa da Conceição e praia da Joaquina (Porto da Lagoa), respectivamente. Ao sul com o Morro das Pedras (Parque do Peri - Lagoa do Peri), a sudoeste e oeste com a região do Alto Ribeirão, Carianos, Ressacada e manguezal do Rio Tavares, e a leste com o Oceano Atlântico. Esta área constitui um vale plano ou planície sedimentar, que apresenta no trecho N-S, entre o Porto da Lagoa da Conceição e Morro das Pedras, praias arenosas com dunas móveis e fixas, vegetação de restingas e formações lacustres (Lagoa Pequena e Lagoa da Chica). Limitam este vale, três formações montanhosas. A noroeste, o Morro da Costeira do Pirajubaé (Pedrita), a sudoeste o Morro do Lampião e ao sul o Morro da Pedras. No sentido L-O ocorre um vale arenoso, cujos limites é o manguezal da Tapera e do Rio Tavares. Ocorrem nestas áreas, os seguintes recursos: * Recursos naturais hídricos:

a) Lagoas Pequena, Chica, Peri e Lagoa da Conceição. b) Nascentes e rios: Tavares, Noca, Rafael e pequenos ribeirões que afloram na Mata Atlântica

do Maciço da Costeira do Pirajubaé (APP) e desembocam próximos a área de exploração de pedras (Pedrita) na planície do Campeche.

c) Lençóis subterrâneos da planície, onde 10 postos interligados em anel abastecem 40.000 pessoas, ou seja, toda a região Costa leste e sul da ilha (exceção da Armação e Pântano do Sul).

d) Manguezal da Tapera e do Rio Tavares e) Praias da Joaquina, Campeche e Morro das pedras.

* Solo: f) solo arenoso frágil, inconsolidado e acumulador de água.

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g) dunas com restingas e áreas alagadas (lagoa Pequena e da Chica). h) Morros do Lampião, Costeira (Pedrita), das Pedras e Morro da

Tapera. * Vegetais:

i) Manguezal do rio Tavares j) Restingas e vegetação de planície k) Mata Atlântica.

* Culturais, históricos e arqueológicos: l) Campo de pouso da Companhia Postal Francesa m) Antigo Hangar (Centro Comunitário/Casarão) n) Trilhas naturais o) Ilha do Campeche (Inscrições ruprestres) p) Sítios Arqueológicos (Lagoa Pequena, Joaquina e Rio Tavares). q) Igreja de São Sebastião do Campeche - séc. XIX (D.M. 125/88) ou Capela do

Campeche 2.- A realidade urbano-rural da planície do Campeche

A Planície do Campeche é pouco turística e mais residencial; nela predominam residências de famílias de baixa e media renda( EIA/RIMA -DER/95). A nordeste e a leste sobre as dunas, em áreas não edificantes ( Lei Municipal 2139/85, Art. 93/ Anexo 11) , próximo a Lagoa Pequena ( D.M. 135/88), quase sobre o poço de captação de água da CASAN, no Rio Tavares, ocorrem 2 loteamentos 134 e 4 sedes campestres. Parte destas dunas (60%) permanecem desocupadas do uso humano e apresentam vegetação de restinga que atenuam e evitam a erosão marinha e facilitam a recarga dos lençóis freáticos de abastecimento público. Mais ao sul, sobre as dunas, a ocupação desordenada é maior, desde a estrada principal do Campeche (Av. Pequeno Príncipe) até o Morro da Pedras. O crescimento desorganizado contorna a Lagoa da Chica e em alguns pontos atinge a orla marítima. Nesta região também ocorrem condomínios autorizados pela Câmara Municipal (Lei 3.870/92), condomínios ilegais, hotéis, uma desapropriação autorizada pela prefeitura municipal e onde foram assentadas 83 famílias, bares precários e algumas áreas ainda não ocupadas. A noroeste, sobre o manguezal e margens do Rio Tavares, ocorrem inúmeros aterramentos e ocupações das áreas alagadiças e os morros sofreram ações humanas. Permanece parte da vegetação de Mata Atlântica primária e de transição e regeneração, com mata secundária. A leste do sopé do morro da Costeira, exatamente sob a mata Atlântica primária, ocorre altíssima exploração de Pedras (Pedrita) com autorização da prefeitura (D.M. 704/94). A Planície considerada área de expansão rural viu, ao longo dos anos, as suas terras transformadas em terrenos e loteamentos. Passou por uma adaptação de uma estrutura fundiária agrária a ocupações urbanas por conta da expansão e crescimento demográfico da Ilha. É, ainda, uma das últimas áreas planas próxima ao centro da cidade disponíveis para a fixação de residência. O estabelecimento da população na região ocorreu e ocorre, ainda, de modo desordenado, com a conivência dos órgãos públicos de fiscalização de obras e meio ambiente, que pouco ou nada atuam para impedir a ocupação de áreas de preservação permanente com obras e construções clandestinas ou irregulares, controle e regularização do IPTU da maioria das moradias. A conseqüência tem sido desastrosa: faltam acessos à praia, as servidões são abertas sem critério, passagens estreitas são aterradas para o tráfego de carros obstruindo a drenagem das águas das chuvas, esgotos são lançados a céu aberto, etc. Ruas que servem ao fluxo maior de veículos que se locomovem de um extremo ao outro da planície (Morro das Pedras/ Rio Tavares) sofrem o mesmo improviso e desacerto em termos de planejamento. Alega-se que não há pavimentação ora por falta de verba, ora por conta da implantação de um futuro plano diretor, que segundo alguns resolveria todos os problemas atuais. Ainda não existem na planície empreendimentos de grande porte. A maior parte dos problemas é resultado das condições a que se submetem pequenos proprietários, na intenção de obter lucros com suas terras. ( Anexo 13, p. 17). Há uma grande carência de espaços públicos para lazer, esporte, circulação de pedestres, ciclistas e veículos. Com exceção de espaços privados de organizações comunitárias e entidades filantrópicas, não existem áreas para atividades culturais e encontros da comunidade. Falta infra-estrutura de saneamento básico para os moradores e para a recepção do turismo local. O quadro de abandono infra-estrutural que vive a região sul da ilha não é mais dramático pela existência de uma nítida cultura local e entrosamento de vizinhança, que se sobrepõe num movimento criativo de apropriação do espaço urbano/rural. Assim, o que na sua aparência é completamente desordenado tem também a sua ordem. É no resgate dos detalhes da apropriação espacial pela população que pode ser observada a organização histórica do bairro, reflexo da cultura

134 Um ilegal atrás da Lagoinha Pequena e outro autorizado pela Câmara Municipal ( Condomínio Novo Campeche) . Ambos sobre uma AVL - Área Verde de Lazer, área de restinga.

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local e que deve ser considerada no planejamento. Ignorá-la seria como eliminar as pessoas e suas criações. A sua continuidade é um valor para a vida coletiva e deve ser assegurada no plano diretor. III.- A CRÍTICA

1.- A crítica geral

No sentido mais abrangente a ocupação proposta pelo órgão de planejamento é incompatível com as características naturais da região, por que é deslocada do contexto geográfico e humano quando planeja a Planície do Campeche isolada do resto do município: “é atomizado, localista e a reboque de interesses imobiliários” ( Anexo 13, p. 4). Neste sentido, é coerente com a própria lógica do planejamento da cidade de Florianópolis, que não pensa o desenvolvimento do município como um todo e o papel que cada localidade poderá vir a desempenhar no futuro. O modelo escolhido é questionado pelos pareceristas, pois propõe o isolamento da vida da população em unidades espaciais autônomas (UEPS), além de separar os grupos sociais, criando condições de segregação. Por exemplo: na apropriação do espaço público (Anexo 13, p. 22) observa-se o privilegiamento de áreas e locais de atrativo paisagístico para o segmento social economicamente mais alto. O plano proposto alterará a silhueta da Planície, transformando a horizontalidade atual que contrasta com a harmonia de morros da região- em uma verticalização incômoda e desnecessária, principalmente em certos pontos da planície (desfigurando a sua estética natural e que é o seu grande atrativo). Segundo os pesquisadores ecólogos, essa mudança é problemática pois permitirá o assentamento das quase ½ milhão de pessoas na localidade. O estímulo à ocupação por 450 mil habitantes é outro grande problema, pois só é coerente com a idéia de uma cidade-dormitório, como o é agora o centro da cidade de Florianópolis. Todos os pareceres (Anexos 8 a 15) chamam a atenção para o uso e limites dos recursos naturais da Planície. Questiona-se a vocação do local. Certas regiões da Planície, como já apontado no diagnóstico que subsidiou o Plano Diretor dos Balneários (1985), são áreas de proteção de vôo (com respaldo de decreto federal), apropriadas para implantar uma cidade hortigranjeira, para dispor as lagoas de estabilização de tratamento de esgotos indicando, portanto, de “cuidados especiais” no caso de ocupação (Anexo 12, p. 4). A disposição urbana do plano do IPUF ignora, também, a complexidade dos ecossistemas existentes na Planície do Campeche: “... uma região litorânea baixa, arenosa, .... de origem marinha” que permite a presença de uma fauna e flora que são a referência de manutenção do próprio ecossistema, o que coloca-a numa condição de vulnerabilidade a perturbações causadas pelo homem. (Anexo 10, p. 2) Dunas, restingas, manguezais são riquezas que devem ser resguardadas porque têm funções vitais para sobrevivência do homem, sendo inclusive protegidos pela Lei de Gerenciamento Costeiro 7661/88 e Lei 9433/97 do Gerenciamento dos recursos Hídricos (Anexo 11, p. 5), mas que serão afetadas no plano do IPUF. Uma “cidade nova”, com 450 mil habitantes, dentro da cidade. Poucas áreas verdes para lazer público e tantas obras como: pólos tecnológicos, setores hoteleiros, grandes e largas auto-pistas asfaltadas (para garantir a segurança de veículos) em toda a planície, concentrações populacionais com gabaritos elevados, autódromo internacional etc, certamente contribuirão para impermeabilizar o solo e limitar mais ainda os nossos recursos hídricos, apropriando-se antecipadamente de reservas futuras como o Parque da Lagoa do Peri.

A água é vida e sem ela nada sobrevive. O uso dos recursos naturais previsto pelo planejamento público é desmensurado, ultradimensionado e causará problemas de abastecimento no futuro, segundo os pareceres dos ecólogos, engenheiros sanitaristas, juristas e do COMDEMA. As gerações futuras não nos perdoarão se deixarmos isso acontecer, porque eles serão os maiores prejudicados.

2.- Detalhando a crítica

2.1. Porque questionamos a projeção de 450 mil habitantes na Planície: O ponto de partida para o planejamento que queremos e precisamos é o de que é evitável o crescimento da densidade populacional na região A pergunta que fazemos: é possível um outro plano ou é inevitável que seja esse mesmo que a gente não goste? A tese de Sérgio Borges (Mestrado em Geografia - UFSC) sobre o lençol freático que abastece a região, demonstra como boa parte da água já se encontra contaminada, porque não há tratamento de esgoto. Quer dizer, a água potável existente hoje já não dá conta de abastecer a região. Outras pesquisas como de Maria José Pompilho (Geociências) sobre o fluxo de transporte entre o centro de Florianópolis, o interior da Ilha e o Continente, demonstrou (no final da década de 70) que o crescimento e adensamento maior se dava para o Continente e não para o interior da Ilha. Com base nesta pista e no Censo Estatístico do IBGE/96 específico para Sta. Catarina, contata-se que as informações do IPUF em dispor na Planície do Campeche 450 mil habitantes organizadamente, para evitar a instalação de uma densidade maior ( 475 mil segundo a Folha da Lagoa de junho/97, p.7), não se confirmam. O mesmo ocorre com os dados informados no Plano Básico de Desenvolvimento Ecológico e Econômico feito pela Associação dos Municípios da Grande Florianópolis, com a participação do IPUF e do Estado de Santa Catarina. O material elaborado apresenta uma série de alternativas de desenvolvimento auto-sustentável, inclusive apresentando um levantamento geográfico, econômico, social, de saúde e educacional de toda a região que compõe a Grande Florianópolis. Essas informações indicam que há um crescimento com grande densidade populacional não exatamente para a Ilha, de uma forma comparativa. Para se ter uma idéia, a cidade que mais cresce em Santa Catarina - se pegarmos os

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dados de 1980 a 1991 - é Sombrio, que em 10 anos cresceu 6,08%, seguindo-se Itapema com 5,74% e Camboriú com 5,72%. Chegando mais próximo da Ilha: Palhoça com 5,49%, Biguaçu com 4,29%, São José com 4,28%. O crescimento de Florianópolis nesse mesmo período é de 2,81%. Portanto, o que se observa é que há uma tendência confirmada pelo Censo apresentado, de que no Brasil inteiro há um grande crescimento da densidade populacional na chamada faixa litorânea. A Br. 101 funcionou como um indutor de crescimento. Segundo estes diagnósticos, o crescimento não foi acompanhado na Ilha pelos seus limites físicos, pela lei urbana que já impõe limites a essa densidade e pelo preço dos imóveis. A facilidade criada com a proximidade das cidades da Grande Florianópolis, confirma o dado da professora citada de que o fluxo de transporte já se localiza lá, ou seja, do centro de Florianópolis para S. José, Palhoça, etc. e não para a Ilha, ou melhor, o sul da Ilha. Assim, conclui-se que não existe possibilidade de em 20 anos, a uma taxa de 2,6% (em 10 anos) chegarmos a 450 mil habitantes. O crescimento vegetativo no Brasil, considerando-se a taxa de fecundidade, caiu, como o Censo demonstra. A natalidade também caiu. Portanto, não há possibilidade de a Ilha ou a Grande Florianópolis promoverem um grande crescimento que nos surpreenda. Segundo o IBGE, a tendência nacional (e mais no sul do que nas outras regiões) é de declínio. Porém, é possível que através de indutores essa população seja motivada a vir para cá . Um exemplo é a indução que já vem ocorrendo com a Via Expressa Sul, mas que segundo os dados da INFRAERO vem muito mais servir a necessidade de trânsito do Aeroporto com suas áreas de risco, problemas com o estádio etc, do que às necessidades da população do sul da Ilha como um todo. A grande questão que se coloca é a necessidade de se pensar um plano para a Planície do Campeche, mas indagando se não é possível considerar essa realidade da Grande Florianópolis como área metropolitana, a exemplo das cidades médias e das grandes densidades urbanas que optaram pela metropolização como a melhor solução urbanística e ambiental. Ou seja, pensarmos em termos de uma região metropolitana e não eleger o Sul da Ilha como aquela região que vai resolver todo o problema de densidade populacional do centro da Ilha e da Grande Florianópolis. É um equívoco muito grande transferir para cá o crescimento. Entendemos que o Plano de Desenvolvimento que está proposto não visa ordenar o crescimento, mas promover, induzir a um crescimento que nem a grande Florianópolis está tendo. Porque não partirmos de um plano que tenha como referência as necessidade reais e concretas da população, auto-sustentável em termos de atividades na área de cultivo e produção local, e que seja ao mesmo tempo área turística sem degradação do meio ambiente? Será que é inevitável esse grande plano? Os dados não apontam como inevitável este crescimento, muito pelo contrário, para termos 450 mil habitantes o crescimento necessariamente teria que induzido. O próprio plano se encarrega de ser um indutor.

Resta ainda um ponto. Supondo que fosse considerado um fato incontrolável ter-se 450 mil habitantes na Planície, devido a um crescimento incontestável, é possível em termos geo-físicos esta densidade ser suportada? Também não. Tanto o parecer do Departamento de Ecologia e Engenharia Sanitária da Universidade Federal de Santa Catarina e o COMDEMA são contundentes em alertar para os problemas sócio-ambientais em decorrência deste estímulo. 2.2. Porque não queremos o sistema viário proposto: Tomando como medida uma projeção inevitável de crescimento, o projeto do IPUF caminha sobre as conseqüências desse equívoco e acaba projetando equipamentos urbanos que estimulam a existência de uma alta densidade populacional. O sistema viário proposto a partir da concepção de vias parques é um modelo que tende a gerar centros funcionais afastados fisicamente uns dos outros, introvertidamente, e sem aproveitar os potenciais fluxos de passagem gerados. De possíveis avenidas integradoras do todo, transformam-se tão somente em vias de trânsito rápido, que cortam porções urbanas e colocam barreiras imensas ao relacionamento cotidiano entre os moradores das distintas partes ( Anexo 14, pp. 3 e 4). Grandes autopistas fragmentarão o tecido urbano, além de cometer-se a ilegalidade de ocupar áreas de preservação como as de dunas e restingas com a proposta de via parque próxima à orla marítima. Aqui entende-se que o argumento de contrariar a ocupação clandestina destas áreas (o que deve ser apoiado) não justifica resolver o problema com a ocupação viária do local. A proposta de “Nova Cidade” visará resolver a questão dos assentamentos que vêm se configurando na região, mas levará a uma série de problemas durante o processo de consolidação urbana. Criará um ambiente urbano artificial e caro pois, a proposta menos onerosa de implantação de uma das vias parques custará aos cofres públicos, só em desapropriações, cerca de 12 milhões de reais. Nas análises, conclui-se que os canais urbanos propostos desintegrarão o convívio consolidado na região e desarticularão a condição urbano-rural de uso do solo. As vias expressas vão modificar substancialmente a vida da região, desunindo-a, fragmentando-a, recriando-a de modo impessoal e sem identidade com as relações de vizinhança já existentes. É preciso considerar que as auto-pistas previstas no PDC, quando “enxertadas” numa área residencial (EIA/RIMA - MPB/95) já instalada, são indutoras de altos índices de violência no trânsito. A conseqüência direta da implantação desse sistema será necessariamente a criação de outros equipamentos como passarelas, elevados, lombadas, que comprometerão a estética desejada da localidade, sem contar com outros transtornos. É reivindicação antiga da comunidade a pavimentação de ruas, a existência de ciclovias, calçadas, mas a segurança é um item indispensável para garantir esse conforto.

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Com o argumento de organizar o espaço, o IPUF pretende reordenar a circulação das pessoas, ditando-lhe novas normas de convivência que servirão num outro contexto que não este. Aqui a praia é o “mote” da vida das pessoas e o seu maior espaço público a ser preservado, junto com suas lagoas e reservas verdes ainda existentes. Certamente o desenho que está proposto trará soluções que conseguirão unir ruas a ruas para maior conforto de carros, mas não conseguirá unir e nem reunir pessoas nas ruas para encontros e relacionamentos, que ainda são necessidades da humanidade. 2.3. O questionamento da distribuição do Espaço Público no Plano do IPUF 2.3.1- Segregação O plano proposto recorta o espaço da planície criando-lhe unidades de convívio que isolam o relacionamento das pessoas com as características naturais da região. O modelo proposto tende a gerar centros funcionais afastados fisicamente uns dos outros, introvertidamente, e sem aproveitar os potenciais fluxos de passagem existentes. Há uma falta de previsão de espaços públicos, inclusive apropria-se de espaços históricos como do antigo campo de pouso da viação francesa, já incorporado ao lazer da população local. Reflete uma desconsideração ao papel representado pelos espaços de uso coletivo e pelos recursos culturais (Anexo 14, p. 1). O exemplo de Jurerê Internacional (Habitasul) onde os recuos e afastamentos, entre outras exigências urbanísticas, são a garantia de um padrão de qualidade que poucos têm condições de alcançar ( Anexo 3, p. 11) pode ser ilustrativo. Na realidade, os impactos ambientais e sociais não são considerados quando da invasão de mangues e derrubada de Mata Atlântica para a instalação desses empreendimentos. Além disto, o plano propõe a segregação dos moradores conforme sua condição social quando reserva áreas privilegiadas e de atrativo paisagístico a um segmento de maior poder aquisitivo. Nesta segregação “os habitantes da região serão classificados em função da idade e do local de implantação das construções, e do tipo de urbanização, em dois tipos de cidadania ? ”. Como admitia a prefeitura da época em mensagem à Câmara Municipal:

* “... existem áreas residenciais para todas as classes de renda, englobando desde loteamentos turísticos de luxo até núcleos de baixa renda . As comunidades tradicionais do Alto Ribeirão, Freguesia do Campeche e Rio Tavares também foram preservadas da ocupação excessiva, permitindo a expansão da população nativa e a manutenção das tradições locais”. (Anexo 1, p. 2)

Os mais atentos podem observar que a “expansão” reservada aos nativos e à presença da “baixa renda” está “cercada” por um modelo de urbanização especulativo e discriminatório, tendendo a envolver os grupos minoritários numa forma de vida oposta às suas tradições e costumes. O que se antevê do futuro é que a eliminação do primeiro grupo é questão de tempo, e a do segundo, é a exclusão social, a exemplo da realidade do resto do Brasil, pela falta de acesso aos bens materiais e culturais que poderão ser oferecidos. O PDC é um plano segregacionista, também, porque visivelmente atenderá a interesses de novos e grandes empreendimentos (Anexo 13, p. 10 e 22). Vem em detrimento da vida econômica preexistente, ligada ao capital familiar, e da necessidade da busca de soluções de problemas como a falta de serviços urbanos emergenciais na localidade. Este modelo de planejamento privilegia

“investimento de ação única, com projetos urbanos completos e às vezes mais exigentes que a própria legislação pública, geralmente associado ao grande capital imobiliário, que se ajusta de modo exemplar aos padrões do modernismo; que privilegia a ação localizada perdendo a noção (consciente ou inconscientemente) do resultado global que alcançará a justaposição de tão desencontradas propostas”. ( Anexo 13, p.11)

2.3.2. Cidade Nova Apesar do Campeche ainda contar com grande áreas isoladas e pouco ocupadas na concepção de “cidade-nova” do IPUF, alguns aspectos devem ser considerados. Não se pode esquecer o fato de a nossa localidade não estar imune ao planejamento da cidade como um todo, desde as condições de sustentabilidade do ambiente físico à incorporação de uma dinâmica de ocupação já estabelecida. É necessário contar-se com uma justa distribuição tanto dos custos quantos dos benefícios sociais que advêm da implantação de um plano diretor desse porte, inclusive para as próximas gerações (Anexo 13, p. 21).

2.3.3. Verticalização A verticalização que é permitida no PDC em algumas áreas, de modo concentrado, é outra questão problemática: vem em prejuízo da silhueta da planície e do predomínio da horizontalidade das construções atuais. Ignora que a Planície do Campeche tem características marcadas pela sua natureza rural e próxima do mar, perdendo “a oportunidade de incorporar os padrões urbanos mais característicos da Ilha” (Anexo 13, pp. 19-20). Não se considerou a concentração demográfica (já analisada) e a sustentabilidade do solo na sua fragilidade, na análise da conveniência do assentamento verticalizado. Pelo contrário, a referência foi o “crescimento inevitável da região”. 2.3.4- Investimentos As experiências têm demonstrado que os grandes investimentos não significam a garantia em termos do retorno social e sustentabilidade econômica da região (“indústria limpa tecnológica”), incluindo, também, o entendimento de que a sazonalidade da atividade turística nos leva a pensar se a atração do grande capital seria a melhor alternativa em termos de investimento, pois “sobre este aspecto, há ainda quem considere o turismo doméstico como

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pequenas pousadas e hospedagens o mais indicado para a região, justamente por investir numa mão de obra familiar e de fácil readaptação às variações de ocupação ” ( Anexo 13, p.12). A lógica que orienta o PDC é a do mercado que envolve o planejamento da cidade no sentido da sua eterna busca da lucratividade. Um plano com esta referência de participação de seus agentes não tem garantia de governabilidade e inclusive de implantação, na medida em que, extremamente oneroso para os cofres públicos, corre o risco de não ser implantado integralmente mas apenas legitimar decisões que já no presente estão sendo tomadas e aprovadas (via Câmara Municipal de Florianópolis) para a legalização de loteamentos, atendendo a interesses particulares e especulativos. 2.3.5 A falácia da participação popular no PDC Há um descompasso entre os agentes da produção do espaço e as comunidades insulares na busca de participação nas decisões de planejamento junto ao IPUF. O relacionamento é descontínuo e impreciso embora as atuais discussões do Plano de Desenvolvimento do Campeche entre moradores do sul da Ilha e o IPUF devam ser vistas positivamente. Pronto desde 92, o Plano centraliza a resistência dos moradores. A proposta que não foi aceita como um todo na época, dada a sua concepção geral, volta para ser discutida, agora dividida em várias partes como se cada uma delas fosse independente e com recursos próprios disponíveis. As comunidades mais mobilizadas não se limitaram a analisar os ininteligíveis mapas do IPUF, como foi proposto. Recusam-se a aceitar a repartição do plano e buscam apreciar o conjunto, de forma mais aprofundada e tecnicamente, para opinarem a respeito. A discussão deste plano tem, na verdade, uma história que ainda promete desdobramentos. As reuniões semanais do Movimento Campeche Qualidade de Vida, que se organizou na região e que coincide com os pressupostos da Agenda 21 local, têm demonstrado para os moradores do Campeche a necessidade de um Plano Diretor que ordene a ocupação da área, mas que a urgência da resolução tem que ser contrabalançada com a elaboração de uma proposta via consulta popular, sem atropelos. O processo não é simples. Pelo contrário, é penoso porque implica o acerto de “canais” entre pessoas que atuam com o peso da máquina pública e outras que querem exercer o gesto moderno de serem cidadãos, o que no Brasil de hoje já não pode mais ser adiado. A população sabe que o Plano de Desenvolvimento do Campeche é polêmico, principalmente porque envolve interesses contraditórios cujo pêndulo oscila de interesses do poder econômico e imobiliário aos de manutenção de um equilíbrio sadio do meio ambiente. Acordar para o problema apostando na participação democrática é a melhor opção para quem tem a intenção de ver seu trabalho reconhecido. O risco é bem menor, porque a população participa. Um projeto discutido com seus legítimos representantes encerra contradições, mas com certeza haverá mais garantia de eqüidade no seu conteúdo e legitimidade no encaminhamento de suas demandas. É conveniente lembrar que a autonomia entre movimento popular e os governos estabelecidos garante a integridade do processo. Do ponto de vista do Estado as decisões de gabinete são um risco que põem a perder a credibilidade de governos que se propõem como democráticos. A organização comunitária é um canal necessário de acesso democrático à opinião da população, assim como a competência deve estar presente em ambos os lados. Outra coisa: chega de se falar em participação sem deixar claro onde isso vai chegar. Ou então, que não se tome esse caminho. Que se convençam os governantes e planejadores: participar não é legitimar decisões prontas mas informar, debater, propor e decidir junto.

3.- A imprevisão de saneamento básico no PDC

O parecer do COMDEMA- Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente - considera que “esta região faz parte da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, seriamente ameaçada de destruição, possuidora de notável potencial hídrico que inclui a Lagoinha Pequena, a Lagoa da Chica, Lagoa do Peri, Lagoinha do Leste, bem como o manancial subterrâneo das dunas”. ( Anexo 8, p. 1) No mesmo parecer identifica-se como problema desse plano o fato de se projetar um futuro para a região sem se considerar a infra-estrutura de saneamento básico, drenagem e manejo de resíduos sólidos. Soma-se a estes problemas questões como a desarticulação observada entre os órgãos responsáveis pelo gerenciamento da região, particularmente entre IPUF e CASAN, a insuficiência e ineficácia da fiscalização pública no controle da ocupação do espaço e a necessidade urgente e condicionante de um estudo da suportabilidade dos solos e sua geo-morfologia, com vistas a um planejamento demográfico para a região. Segundo o parecer de engenheiros sanitaristas (Anexo 9, p. 2) uma ocupação populacional como a prevista pelo PDC incluiria contar com uma vazão de 1.000 lts. por segundo de esgotos domésticos, o que leva a imaginarmos a complexidade de soluções para esse montante de resíduos. Com certeza seria astronomicamente oneroso um sistema de saneamento que comportasse toda essa demanda, resultando inclusive num comprometimento da balneabilidade das praias do sul da Ilha. Concluindo, o parecer do COMDEMA recomenda que “se considere a inexistência de um projeto de esgoto sanitário para a região e observe que a proposta de abastecimento de água potável elaborada pela CASAN (sistema de abastecimento Costa Leste / Sul), prevê um limite de até 150.000 habitantes, e que se contrapõe radicalmente à pretensão do IPUF de planejar uma ocupação de 450 mil habitantes.....” (Anexo 8, p. 4) para a Planície do Campeche.

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Florianópolis, que é um município com uma população em torno de 300.000 habitantes, sofre as conseqüências da falta de infra-estrutura relacionada ao tratamento de água, esgotos e manejo de detritos sólidos (lixo), problemas que se agravariam enormemente com esse aumento populacional proposto pelo PDC. 3.1. O Uso dos Recursos Naturais da Planície do Campeche

Um plano diretor é um plano de ocupação para o desenvolvimento organizado de atividades individuais e

coletivas em um espaço geográfico limitado. Todas as diferentes funções de ocupação (ARE, ATE, AEX, ACI, entre outras discriminadas no PDC) implicam na ocupação do solo e da água.

O solo é a base das construções de casas, prédios, estradas, aterros sanitários, hospitais, fossas, etc. A água, base da vida, é utilizada em todas as atividades domésticas e urbanas. Sem ela, civilizações sucumbiram ! Tanto a água como o solo são recursos básicos de uma cidade. Estes recursos são considerados naturais porque são dotes da natureza local. Numa ilha, a disponibilidade destes recursos (solo e água) é extremamente limitada em quantidade e qualidade, porque nem toda água serve para beber e nem todo o solo pode ser utilizado para construções, fossas, cemitérios, estradas, etc. Planícies quaternárias como a planície do Campeche foram diagnosticadas pelo IBGE (1997) como os ambientes mais frágeis da região costeira de Santa Catarina. A fragilidade das zonas costeiras foi, inclusive, reconhecida pelo Governo Federal em 1988, quando buscou através da Lei 7.661 ( Anexo 11) regulamentar o uso das regiões costeiras, no chamado diploma legal de Gerenciamento Costeiro. Uma observação detalhada da área permite reconhecer diversas áreas cuja função natural é vital para a sobrevivência do homem e das mais diversas atividades sócio-econômicas e, por esta razão, muitas delas estão protegidas por lei, com é o caso das dunas, restingas e manguezais (Resolução 004/85 CONAMA/ Anexo 10). A ocupação destas áreas oferece problemas que refletem na qualidade de vida da população. Casas, prédios ou estradas aí construídos correm riscos de rachaduras, desabamentos e inundações (como vem acontecendo na estrada que liga Tapera-Campeche), trazendo prejuízos materiais para todos os segmentos da sociedade.

Além disso, a ocupação dos manguezais incide na redução de produtos pesqueiros, principalmente as tainhas e os camarões, que elegem estas áreas para a reprodução. Sem manguezais e lagunas (Lagoa da Conceição), desaparecem as tainhas, os camarões, os pescadores, a gastronomia, os restaurantes, o turismo e inúmeras outras atividades econômicas vão à falência. Todos perdem!

É importante citar que sob as dunas, restingas e areias fica armazenada grande quantidade de água (aqüíferos), que serve para o abastecimento urbano, como é o caso de Florianópolis (Ingleses, Rio Vermelho, Barra da Lagoa, Campeche, Lagoa da Conceição, Tapera, Alto ribeirão, Rio Tavares, Morro das Pedras, etc ). O aqüífero sob a planície do Campeche abastece 42.000 habitantes na costa Leste/sul da ilha (Lagoa da Conceição, Campeche, Tapera, Alto Ribeirão, Rio Tavares, Morro das Pedras, etc) através do Sistema Integrado COSTA LESTE/SUL (CASAN), formado por uma rede de 13 poços profundos interligados em anel. As águas de subsolo são as águas de melhor qualidade e de mais baixo custo, exceto quando o solo é ácido ou a cobertura vegetal produz substâncias ácidas! Filtradas naturalmente pelas areias e dunas, não apresentam partículas ou sujeiras, não exigem tratamentos caros como floculação, filtração, lagoas para secagem de lodos, cloração, mão de obra, etc. Raramente secam ou evaporam e são, naturalmente, recarregadas pelas chuvas, exceto se o solo for impermeabilizado! Tê-la é um presente da natureza, um reservatório natural de água tratada! Não se pode desperdiçar este recurso. Não preservá-lo demonstra desconhecimento e subdesenvolvimento! Não se pode esquecer que muitos bairros da capital têm problemas crônicos de falta água (Canasvieiras, Sambaqui, Tapera, Cacupé, etc.). Ademais, segundo o diagnóstico das bacias hidrográficas de Santa Catarina (SDM, 1997) o problema tenderá a se agravar no futuro, pois grande parte dos mananciais de abastecimento do continente têm vazão reduzida ou já estão comprometidos com os mais diversos tipos de poluição (agrotóxicos, doméstica, por combustíveis, etc.).

Não se pode ignorar os efeitos da impermeabilização e contaminação que serão gerados pelo plano do IPUF! A ocupação prevista pelo PDC envolve aterramentos, concretagem, asfaltamentos, autopistas e construções que formarão uma camada espessa e impermeável sobre o solo, impedindo a infiltração natural das águas das chuvas que recarregam os lençóis freáticos. A escassez de água e as doenças de veiculação hídrica são riscos potenciais para a planície do Campeche.

Hoje, somos felizes porque temos água de boa qualidade, o recurso mais importante da vida ! E também uma Lei Federal ( 9.433/97) que institui a política Nacional dos Recursos Hídricos e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos ( Anexo 11), estabelecendo que a água é um bem público e que são ações do poder público (Federal , Estadual e Municipal), em conjunto com o Comitê de Bacia Hidrográfica (art. 32), associações civis regionais comunitárias e usuários, gerenciar, fiscalizar e promover a integração da gestão dos recursos hídricos com a gestão ambiental (art. 29, inciso IV).

O planejamento deve ser compatível com as disponibilidades e sustentabilidade da qualidade de vida dos habitantes, levando em consideração os estudos, pareceres técnicos ambientais e os anseios da população! Todos os pareceres da Universidade Federal de Santa Catarina demonstram que o PDC é agressivo, impactante e desconhece as dimensões dos seus riscos. A aprovação parcializada deste plano impõe riscos135 e é passível de crime de

135 A Lei Federal n° 7.347/85 estabelece a lei de Ação Civil Pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

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responsabilidade. Em vista disso a comunidade, organizada, tem feito um movimento de esclarecimento e de educação ambiental, através de informativos e artigos em jornais (anexos 17, 18 e 19). IV.- AS DIRETRIZES E PROPOSTAS ALTERNATIVAS.

Relatório final do I Seminário Comunitário De Planejamento Do Campeche

Introdução.- Este trabalho é a síntese das discussões e análises sobre o Plano de Desenvolvimento do Campeche (que engloba

os bairros do Rio Tavares, Carianos, Tapera e Campeche) elaborado pelo IPUF. Promovido democraticamente pela comunidade, o I Seminário Comunitário do Campeche reuniu durante três

dias um espectro de moradores representativo da região e teve como resultado o posicionamento contrário ao referido projeto, além da formulação de diretrizes e propostas alternativas feitas a partir do trabalho de quatro comissões temáticas, legitimadas por ampla e efetiva participação:

- Comissão de Recursos Naturais e Zoneamento Urbano; - Comissão Sistema Viário; - Comissão Saneamento Básico; - Comissão Espaço Público. A base para a formulação das propostas da comunidade foram os estudos da legislação que regulamenta o uso do

solo e proteção ambiental, além da análise do potencial dos recursos e atributos naturais e culturais existentes na área de abrangência do PDC.

Buscou-se classificar os recursos de interesse comum, cujas funções são vitais para a população da região, visando estabelecer diretrizes para um zoneamento urbano compatível com a sustentabilidade local e com as áreas de preservação.

1.- Comissão de recursos naturais e zoneamento urbano

A Comissão houve por bem descrever a Planície e os recursos naturais que devem ser preservados, segundo sua análise. Com área aproximada de 50 Km2, a chamada planície arenosa do Campeche envolve as seguintes comunidades do Sul da Ilha de Santa Catarina: Tapera, Ribeirão da Ilha, Aeroporto, Carianos, Ressacada, Sul da Lagoa da Conceição, Rio Tavares, Campeche e Morro das Pedras. Neste domínio, existem diferentes recursos naturais e culturais que é preciso preservar. Recursos naturais hídricos: a) Lagoas Pequena, Chica, Peri e Laguna da Conceição; b) Nascentes e rios: Tavares, Noca, Rafael e pequenos ribeirões que afloram na Mata Atlântica do Maciço do Pirajubaé (APP) e desembocam próximos à área de exploração de pedras (Pedrita), na planície litorânea do Campeche; c) Lençol subterrâneo da planície litorânea, cujas águas abastecem toda a região da Costa Leste e Sul da ilha (exceção da Armação e Pântano do Sul); d) Manguezal do Rio Tavares e da Tapera (limites na baía Sul, entre o rio Tavares, Aeroporto, Norte da Tapera e Ribeirão da Ilha); e) Praias da Joaquina, Campeche, Morro das Pedras e Tapera. Recursos naturais do solo: a) Solo arenoso frágil, inconsolidado e acumulador de água; b) Dunas com restingas e áreas alagadas (lagoas Pequena e da Chica); c) Morros do Lampião, Costeira (Pedrita), das Pedras e da Tapera. Recursos naturais vegetais: a) Manguezal do Rio Tavares e da Tapera; b) Restingas e vegetação de planície; c) Mata atlântica. Recursos culturais, históricos e arqueológicos: a) Antigo campo de pouso da companhia postal francesa; b) Hangar (Centro Comunitário); c) Trilhas naturais; d) Ilha do Campeche (inscrições rupestres); e) Sítios arqueológicos (Lagoa Pequena, Joaquina e Rio Tavares); f) Igrejinha.

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Além da preservação dos recursos elencados, a Comissão propõe que equipamentos urbanos como ruas, avenidas, servidões, acessos às praias, o Aeroporto Hercílio Luz e as atividades como a maricultura, a pesca, a apicultura, a agricultura e a pequena pecuária, que ocorrem na área do PDC, devem ser considerados no zoneamento urbano. Alguns, por suas características vitais e culturais, devem ser preservados. Outros, como acessos, ruas, servidões devem ser melhorados. Finalmente, as agressões ambientais já praticadas, assim como as em andamento na região, devem ser corrigidas e coibidas. Considera, ainda, como prioritária a preservação da atual característica de permeabilidade do solo para a manutenção dos lençóis freáticos, que têm funções vitais na qualidade de vida e no desenvolvimento econômico da região. Por esse motivo, e em função da fragilidade da estrutura geológica desta planície quaternária, rejeitou-se a construção de super vias expressas, do autódromo e de grandes edificações. Esses megaequipamentos, além da inconveniente contribuição para a impermeabilização do solo (já mencionada), impediria a recarga do aquífero de abastecimento público e provocaria a consequente escassez de água. Definiu-se, ainda, pela proibição do aterramento de brejos, de dunas e de areias, além da preservação das lagoas, como forma de assegurar reservas de água para um abastecimento de qualidade para os habitantes atuais e futuros. Estabeleceu-se como prioridade, também, a construção de rede de esgotos e de um sistema para o tratamento da carga de efluentes gerada na planície. Considerou-se, da mesma forma, como fundamental, a realização de estudos técnicos rigorosos sobre o potencial dos recursos hídricos, seus usos atuais e futuros, principalmente em relação ao manancial da Lagoa do Peri, cujas disponibilidades são objeto de avaliações contraditórias. Preservação das praias Neste item, a Comissão sustentou a necessidade da manutenção das praias como áreas de lazer, exigindo-se, para isso, que sejam preservadas as restingas que sustentam o solo arenoso e impedem a erosão marinha, evitando a perda dos cordões de dunas. Nesse sentido, considera-se inaceitável a contaminação fecal e doméstica das praias pois isso as tornará imprópias ao uso em lazer e turismo, e em atividades de geração de renda como a pesca e a maricultura. A Comissão exige, ainda, o empenho na fiscalização permanente para impedir as construções sobre dunas e em outras áreas de marinha. A recuperação das áreas agredidas, através de medidas legais, é essencial para a normatização do uso desse solo.

Preservação do Manguezal do rio Tavares e da Tapera Quanto à recuperação e preservação do Manguezal do Rio Tavares, considera-se que é imprescindível para

a manutenção da atividade pesqueira na região (econômica e de sustento), além de fundamental para a manutenção do ciclo de vida nos manguezais, responsáveis, em grande parte, pela perenidade da cadeia biológica marinha na região costeira.

Propõe-se, também, a alocação de estação de tratamento de efluentes na área de domínio do aeroporto, localizada entre o manguezal do Rio Tavares e a atual estrada-geral Campeche-Armação, em ponto próximo à nova via de acesso à Tapera. Sua localização é estratégica, pois tem a vantagem de ficar situada em área ainda desocupada, impedindo a ocupação do manguezal e evitando desapropriações futuras.

Estas medidas são de caráter urgentíssimo, para que se possa evitar o comprometimento dos lençóis freáticos do Campeche por contaminação, ao mesmo tempo em que impedirá a ocupação da área estimulada pelo efeito indutor que exercerá a ligação asfáltica com a Tapera, em fase de conclusão.

Propõe-se, ainda, que a área da cachoeira do Rio Tavares, pertencente à Casan, seja destinada à preservação como área verde de lazer (AVL) ou área pública destinada a atividades comunitárias.

2.- Comissão de sistema viário

Uma cidade deve recusar o pensamento colonizado, dar exemplos na defesa domeio ambiente, provar que nada é tão complicado que não tenha uma solução simples, que os problemas de um país você começa a resolver por um quarteirão. JAIME LERNER

Após analisar o projeto de plano diretor do Ipuf, especialmente as propostas de sistema viário, a Comissão de Sistema Viário decidiu: A) Rejeitar integralmente o projeto de plano diretor do Ipuf. O conceito de um megaCampeche, com 450 mil habitantes, é irreal e ao mesmo tempo catastrófico. Entendemos que a proposta do Ipuf é inconstitucional, pois fere as legislações de proteção ambiental e estimula o desequilíbrio cultu ral e social do bairro, com conseqüências imprevisíveis na qualidade de vida da comunidade. B) Rejeitar, particularmente, a proposta de sistema viário, incompatível com o ecossistema e o modelo de vida do bairro.

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C) Exigir a elaboração de um novo Plano Diretor, cuja conceituação leve em consideração as decisões do Primeiro Seminário Comunitário de Planejamento do Campeche. Propostas da Comissão A diversidade é uma virtude do sistema viário de um bairro. Ele deve fluir, integrar, manter passagens e ruas históricas, priorizar o transporte coletivo e proteger o pedestre. Essa capilaridade é fundamental porque proporciona a integração e a vivência comunitária. O conceito de vias rápidas, como o nefasto projeto da Via Parque, promovem a destruição ambiental, o isolamento, a insegurança e o estímulo à ocupação da orla marítima. A Comissão propõe: - Que seja feito o aproveitamento dos traçados viários já existentes, com a adequação dos trechos críticos. É fundamental a elaboração de um estudo técnico detalhado e criterioso sobre a necessidade de alargamento e/ou modificação de ruas, com a perspectiva de ampliação e priorização do serviço de transporte coletivo, mesmo implicando em algumas desapropriações; - Projetar o sistema viário de forma a priorizar a implantação de terminais de integração para incentivar o transporte coletivo; - Planejar o sistema viário do Campeche dentro do conceito de vias de integração e não de isolamento; - Criar mecanismos eficazes para a proteção das áreas de domínio no sistema viário, para direcionar e facilitar o crescimento futuro; - Avaliar a necessidade de novos traçados viários somente após o estudo da capacidade das vias atuais, depois de melhoradas e adequadas com acostamentos, calçadas e ciclovias; - Articular todo o planejamento de sistema viário a uma perspectiva populacional que não agrida ou comprometa a qualidade de vida do bairro, rejeitando qualquer vínculo com a projeção de 450 mil habitantes; - Adotar o cumprimento da legislação ambiental como diretriz para o planejamento do sistema viário. O conceito de Via Parque , além de destruir o meio ambiente e o ecossistema, separa a orla marítima da vida interior do bairro, onde mantém-se preservado um modelo residencial horizontal e de qualidade; - Definir e consolidar os acessos à orla marítima, garantindo a preservação dos caminhos históricos e projetando os necessários, para facilitar e harmonizar a integração entre a comunidade e o mar; - Planejar a criação de bolsões de estacionamento que atendam o fluxo de veículos na área balneária, respeitando a legislação ambiental e observando um distanciamento que permita o acesso à praia apenas para pedestres. Os recursos arrecadados com o uso das áreas de estacionamento devem compor um fundo para a preservação ecológica do Campeche; - Planejar a implantação de uma malha de ciclovias no bairro, de forma que seja permitida, também, uma conexão intra-bairros; - Estabelecer o sistema de calçamento como critério para a pavimentação de ruas, e não o asfaltamento, evitando a impermeabilização do solo e o comprometimento dos lençóis freáticos da região; - Estudar a integração do sistema viário com um tratamento paisagístico que leve em consideração propostas já existentes de transformação do Campeche em "Bairro Jardim" (Vide Projetos: Cidade Jardim e Parque Atlântida anexo a este relatório); - Adequar os equipamentos urbanos do sistema de transporte coletivo (pontos de ônibus), às condições do clima e à paisagem natural do bairro, para que protejam o usuário e sejam harmônicos com a natureza; - Garantir a proteção dos sítios arqueológicos no planejamento do sistema viário; - Priorizar a implantação de passeios e calçadas, com tratamento paisagístico adequado, considerando a característica balneária do Campeche e a necessidade de garantir a integração comunitária; - Implantar melhorias no sistema viário concomitantemente com as estruturas dos serviços de água, saneamento e galerias pluviais, para evitar a necessidade de mutilação do sistema, no futuro; - Respeitar as decisões da comunidade na elaboração do projeto de sistema viário, adequando-as às formulações técnicas, já que o sistema é fundamental na determinação do modelo de crescimento do bairro.

3.- Comissão de saneamento básico

“Um Planejamento que contemple sistemas alternativos de saneamento, prioritariamente descentralizados.”

O Planejamento do Campeche deve contemplar como pré-requisito as questões referentes à água, esgoto e

drenagem. Para ocupação do espaço, deve ser considerada a questão do Ecossistema no que se refere aos lençóis freáticos, mar, córregos e lagoas, conforme os preceitos da Agenda 21, cap.18, sobre Proteção da Qualidade e do Abastecimento dos Recursos Hídricos.

Propostas: - Que a CASAN leve em consideração no seu planejamento do sistema de tratamento de esgotos do Sul da

ilha as sugestões da comunidade em um trabalho conjunto neste momento inicial do projeto; - Que o IPUF, a CASAN, a FATMA, a FLORAM e a Vigilância Sanitária Municipal integrem um Comitê

formado por representantes da comunidade com o objetivo de procurar soluções compatíveis com as condições naturais da região no que diz respeito às questões hidro-sanitárias;

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- Que se busquem parcerias para a implementação de alternativas de tratamento do esgoto doméstico nas áreas mais críticas, - inicialmente lençol freático alto e excesso de construções- dentre as várias possibilidades já existentes , a exemplo dos modelos que foram apresentados durante o Seminário pelo grupo, como o Sistema de Raízes, entre outros;

- Que se avalie a possibilidade do uso da área do cone de aproximação do aeroporto como local para a instalação de um sistema de tratamento de esgotos para a região;

- Que o Ipuf apoie a constituição do Comitê da Bacia Hidrográfica da região, conforme lei federal n°9 433/97, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, e dele participe com vistas a definir as questões relativas ao tema, em conjunto com os demais participantes, quando da elaboração do Planejamento;

- Que se busque através da Câmara de Vereadores e Executivo Municipal a criação de uma legislação que determine a obrigatoriedade da instalação de sistemas de tratamento de esgotos compatíveis com as condições naturais da região como condicionante para a liberação de loteamentos;

- Que, também através da Câmara e do Executivo, se busque a aprovação de legislação adequada que proíba a execução de qualquer empreendimento que venha a se contrapor ao plano diretor de consenso da comunidade;

- Que se garanta o monitoramento e a fiscalização dos sistemas a serem implantados; - Que se garanta o respeito à lei 7.661/88, art.10, que assegura o livre e franco acesso das pessoas ao mar; - Que a densidade populacional projetada obedeça aos limites estabelecidos por estudos técnicos, dentro

das possibilidades de sustentação ambiental. 4.- Comissão do espaço público

Considerando que o espaço público não é só a configuração física, mas o acesso da população a determinados espaços e equipamentos, são espaços públicos para estas propostas:

- As áreas de preservação ambiental; - Os espaços constituídos historicamente pelo uso da população; - O acesso a equipamentos de uso coletivo de saúde, educação, transporte, lazer e cultura. Assim, propõem-se: - A preservação de toda a extensão da orla marítima, que se compõe de dunas e restingas, como forma de

garantir o livre acesso da comunidade a esses ecossistemas; - A preservação das áreas que compõem a Lagoa da Chica, em forma de parques que permitam à

comunidade espaço de lazer e de manifestações culturais; - A transformação da região do Morro do Lampião em um parque com trilhas ecológicas, para garantir a

sua preservação, regulamentando a sua utilização no sentido de evitar depredação e desmatamento; - A preservação da área do antigo campo de aviação pelo seu valor histórico e cultural, como área de lazer

público, sem cortes pelo sistema viário; - A criação de um espaço cultural no antigo hangar da Air France que, junto com a escola e o campo,

constituirá um amplo espaço destinado ao lazer, à cultura e ao esporte, podendo abrigar, ainda, uma biblioteca, um museu da aviação, da história do Campeche, entre outros equipamentos públicos;

- O incentivo a atividades de ecoturismo para as áreas de parque, integrando a Ilha do Campeche, hoje ameaçada de privatização;

- A definição e exigência do cumprimento da legislação pelos loteadores, para que equipem as áreas loteadas com espaços para uso público.

Na figura 5 é apresentado um mapa que indica a utilização dos espaços públicos, conforme as sugestões da comissão, de modo que se possa visualizá-los.

Propostas adicionais

Finalmente, entre as propostas surgidas no Seminário figuram, ainda, algumas de ordem mais geral e que

serão a seguir relacionadas, posto que, como as demais, foram também aprovadas pelo conjunto dos presentes: - Que sejam retomadas as áreas de preservação atualmente ocupadas, pensando em como melhor resolver o

problema das pessoas que nelas habitam; - Propor ao Ipuf que se aproxime da comunidade e mande técnicos para trabalhar em conjunto com os

moradores as questões relativas ao Plano em discussão; - Solicitar a imediata regulamentação do uso de Jet-skis nas praias; - Envolver as demais comunidades do Sul da ilha nas discussões sobre o Plano, para que as soluções sejam

pensadas coletivamente e respeitem as necessidades ambientais da região como um todo que é. Os presentes manifestaram ainda sua preocupação com a votação do Plano Diretor do Campeche e

propuseram que para a sua aprovação na Câmara Municipal sejam respeitadas as exigências previstas para a votação do Plano Diretor do Distrito Sede, em seu art. 239/ Lei Complementar 001/97 que exige:

1. Estudo de impacto ambiental; 2. Parecer do Ipuf; 3. Publicação na Imprensa local; 4. Duas votações com prazo de 30 dias entre elas.

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* Além disso, foi proposto que se tente modificar a votação por maioria simples para a de dois terços. O Relatório Final consolidado neste documento foi aprovado em reunião marcada para este fim, no dia 31

de outubro de 1997, às 20:00h, nas dependências da Escola Básica Brigadeiro Eduardo Gomes, no Campeche. Campeche, 31 de outubro de 1997. CONSIDERAÇÕES FINAIS Houve um tempo em que os planejadores tinham a ilusão de que planejar a vida das pessoas era algo puramente técnico e parcializado, sem considerar as diversas áreas do saber. A interdisciplinaridade é hoje um pressuposto básico para a prática do planejamento. Ela muitas vezes age, também, como instrumento de transgressão ao pensamento único e abre uma porta para o entendimento de que não há um conhecimento absoluto. Planejar a saúde de uma população, por exemplo, significa pensar não só no tamanho do hospital que vai ser construído, mas principalmente em que água vai se beber, em que lugares as crianças vão andar de bicicleta, em que tipo de ruas as pessoas vão circular, quais alternativas de lazer e convivência os jovens terão, que facilidades vai se oferecer às pessoas da terceira idade para se movimentarem pelo seu bairro ou cidade. As crianças das escolas do Campeche dão uma lição de cidadania quando, no I Seminário Comunitário de Planejamento do Campeche, falam do “Campeche de seus sonhos”, com praças, praias limpas e seus esgotos, calçamento das ruas, lixo reciclável, um campinho melhor, um parque para brincar e que não tenha prédios, casas em mangues e morros, mares aterrados, poluição, ruas esburacadas. Na sua simplicidade, expressam as expectativas mais autênticas da comunidade. O que se espera, é que a leitura desse dossiê seja esclarecedora e fundamente nossas preocupações e anseios com relação à Planície do Campeche. A elaboração do material vem comprovar a nossa disposição para uma atuação conjunta e co-responsável para a organização do espaço em que vivemos e todos usufruem.

Campeche, Florianópolis, novembro de 1997.

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Material de Referência Nº 16

Campeche cidade jardim

Termos de referência para o plano diretor do Campeche. Uma abordagem na linha do desenvolvimento sustentável – Agenda 21

Autor: Coletivo de moradores do Campeche INTRODUÇÃO

O objetivo deste texto é apresentar algumas referências para a elaboração ca um Plano Diretor para a planície do Campeche. Esta proposta, viável, foi fundamentada em pareceres da Universidade Federal de Santa Catarina (Depto. Arquitetura, Depto. Engenharia Sanitária, Depto. Ecologia e Zoologia, Depto. Direito Público), Relatório do Plano Básico de Desenvolvimento Ecológico - econômico (Secretaria de Estado do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente) e Associação dos Municípios da Região da grande Florianópolis, e o relatório da primeira Oficina de Desenho Urbano de Florianópolis, promovido pelo IPUF/PMF e Departamento de Arquitetura da UFSC.

Pensar Florianópolis, seus lugares e sua gente não é um exercício meramente técnico, exige uma abordagem conceitual, política, de viabilidade prática, de gestão, enfim, de cidadania, onde o desenho urbano e a ecologia social não se estranhem - sem compromisso social, qualquer plano diretor municipal é tecnicamente incompetente, porque de fraca credibilidade.

Processos de modernização autoritária impostos de cima para baixo têm sido destrutivos pelos desequilíbrios sócio-ambientais que causam.

A experiência tem indicado que merecem apoio planos e sistemas de gestão que respeitem a legislação ambiental e sejam baseados nos anseios e interesses da comunidade, inclusive para não estarem sujeitos aos questionamentos jurídicos e às mudanças político-eleitorais.

Posto assim, o que se segue é um elenco de sugestões observadas sob dois planos indissociáveis : o conceitual e o prático. FUNDAMENTAÇÃO A) Elementos conceituais gerais

1. Tomando como suposto que em tese, os planos diretores municipais são propostos como concepções e orientações do desenvolvimento urbano, o que se observa na prática é que tem ocorrido o contrário.

O estudo da realidade e da literatura pertinente mostra como muitos dos planos diretores não têm conseguido controlar o crescimento urbano e menos ainda habilitam-se como ferramentas diretoras de crescimento com melhoria da qualidade de vida nas cidades. Entre outras, três evidências demonstram tal enunciado:

a - Em muitas capitais, inclusive em Florianópolis, o percentual de solo urbano "clandestino" e/ou de ocupação irregular, não enquadrado nas regulações urbanísticas, é de enorme proporções, na maioria dos casos chega à metade (Turkienicz, Benamy, 1º Oficina de Desenho Urbano de Florianópolis).

b - A estruturação da cidade não sendo definida por prioridades amplas e discutidas democraticamente, leva a uma estratégia especulativa que favorece interesses particulares ou político-partidários.

c-- A gestão e aplicação do plano fica falho como se fosse apenas uma questão de fiscalização ou de polícia, escondendo os reais e originários problemas do plano diretor.

II - Diante desse fato, é fundamental fortalecer a tão desgastada credibilidade do planejamento urbano, aprendendo com a experiência de especialistas a diferença entre Plano e Projeto. O primeiro deve contemplar um discussão sobre a concepção de cidade e suas prioridades urbanísticas, ecológicas e sociais, tais como programação, previsão e regulação do uso do espaço municipal, incluindo sistemas de atividades e salvaguardas ambientais. O segundo, como conseqüência do primeiro, contendo os aspectos estruturantes do espaço público, não vulneráveis a posteriores intervenções mutiladoras e/ou deformadoras do todo. III. Nessa ótica, permanecem elementos não detalhados, como reservas, possibilitando a intervenção comunitária ao curso de gerações, interrelacionando propostas em tempos diferentes, mas não contraditórias, porque articuladas pela orientação diretora.

IV - Os conceitos acima referidos determinam a concepção técnica correta como sendo um momento estruturante do plano, subordinado à definição das prioridades. A intervenção técnica é fundamental, mas como elemento de apoio nos diferentes saberes (arquitetônico, biológico, socioeconômico, cultural, sanitário, ambiental, jurídico, etc.).

Este elemento de apoio serve ao aspecto principal, ao mesmo tempo que é seu resultado: a negociação com as entidades e comunidades comprometidas com a cidade e seus lugares. É a forma mais conseqüente de evoluir do ideal (muitas vezes irrealizável) com o possível, que é a síntese dos compromissos assumidos e que dará credibilidade

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à gestão de levar o plano do possível à prática. Um pacto da administração com os cidadãos é um pacto de respeito à cidadania que objetiva garantir que o plano - na concepção e na gestão - seja respeitado.

V - A compreensão do espaço coletivo como um todo é muito importante. No desenho e na negociação cidadã a compartimentação é uma forma de mutilação que compromete a qualidade do todo. Ou seja, a forma urbana não é simplesmente a soma de soluções arquitetônicas localizadas, ou de decisões lote a lote.

A estrutura de continuidade é imprescindível para requalificação dos espaços públicos - uma cidade não deve ser apenas uma caótica religação de pedaços. A escolha, que implica em decisão negociada dos espaços coletivos é vital, tanto na abordagem do todo da cidade como na abordagem dos seus diferentes bairros e no âmbito de cada um destes. Logo, o espaço coletivo mais contínuo, para ser válido como suporte, não pode originar-se de segregações de espaços e pessoas. B) Elementos conceituais específicos do Campeche

1 - Não se trata de "cercar" o Campeche com uma regulamentação impraticável para evitar o seu crescimento. Um plano diretor deve orientar e planificar o crescimento e desenvolvimento do bairro, dando prioridade à qualidade de vida e melhorando as condições de infra-estrutura, preservando o ambiente: o homem e a natureza. 0 projeto deve resultar desta prioridade básica. II - Para isso é necessário refutar a idéia do radicalismo destrutivo, onde o crescimento tem significado poluição e violência para a cidade. Esse modelo tem apresentado, no mundo inteiro, tantos impactos ambientais negativos, que já o torna inviável para a humanidade, conforme a constatação e reflexão dos mais respeitados pesquisadores.

0 plano diretor municipal para o Campeche, combinado com o Plano Diretor para toda a cidade, deve levar em conta a região metropolitana e basearse em outro modelo de referência.

III - Um modelo alternativo para orientar o plano e o projeto para o Campeche é possível. Mais ainda, considerando sua atual densidade habitacional e o que ainda pode ser preservado, esta é uma oportunidade histórica para apresentação de um outro paradigma, fundado nas condições ambientais sociais e culturais já existentes. Deve partir de uma idéia chave, que criteriosamente defina e fertilize uma ou algumas vocações da região, articuladas e integradas suas possibilidades, contando com a legitimidade e apoio da comunidade atual e futura - garantindo a sua continuidade.

IV - Por último, ainda como elemento conceitual importante, é preciso evitar a burocratização das decisões. O Plano diretor não pode ser transformado ou reduzido em projetos que, sob o jargão da feição "técnica" impede tanto os técnicos como os moradores de pensarem criticamente, compelidos a dizerem sim em prejuízo da reflexão e da viabilização do projeto da comunidade.

CAMPECHE CIDADE JARDIM A proposta básica dos moradores é fazer do Campeche uma CIDADE JARDIM Beneficiar-se dos recursos

naturais e culturais existentes, como a beleza do sítio, as propriedades ambientais das elevações e matas, praias, lagoas, manguezais e dunas, além das áreas de zoneamento rural.

As atividades de agricultura e de extrativismo não são necessariamente excludentes ao processo de urbanização, se o paradigma orientador for o da configuração rural-urbano, contemplando assim meios de vida em base sustentável, compatível, ambiental e culturalmente, com o potencial paisagístico.

Sendo assim, áreas em tamanhos adequados devem ser preservadas para tais atividades meios/fins – compreendendo tanto iniciativas privadas (familiares e cooperadas) em horticulturas,floriculturas, viveiros e minhocários, como públicas para hortos e parques.

O Sistema de Preservação Cultural, com tombamento do patrimônio histórico e arqueológico, será fortalecido com o Sistema de Preservação Natural, com a implantação de parques ecológicos, hortos e viveiros para a produção de mudas de espécies arbóreas e arbustivas de mata atlântica e paisagismo, além de contemplar a diversidade da fauna e da flora.

Áreas como trilhas,sítios arquelógicos e parques ecológicos devem ser preservados para pesquisa e lazer educativo e para o turismo ecológico.As áreas definidas como zona rural utilizadas em atividades como meios de vida em base sustentável: horticultura , floricultura e fruticultura.

Sob a rota dos aviões e em terrenos considerados não edificantes, dada a periculosidade e ruídos, em lugar de autódromo e shopping center como na proposta do PDC, propõe-se a criação de hortos, parques e um jardim botânico; um centro de pesquisa sob a responsabilidade das universidades, que paralelamente deverá subsidiar os cursos técnicos profissionalizantes , a nível de segundo grau (definidos anteriormente nesta proposta), voltados às profissões ambientais.

Um parque de Exposição para vendas dos produtos locais poderá em pelo menos duas grandes festas anuais promover exposições: uma de mudas e peixes, outra de flores e crustáceos/ frutos do mar.

Associada a estas atividades-meios, propõe-se a definição de área comercial adequada para a instalação de ateliers, oficinas artesanais, fazendo das atividades artísticas e artesanais uma segunda vocação orientada e estimulada, com feira permanente nos fins de semana e temporadas no Parque de Exposições, funcionando também como um centro cultural.

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Posto assim, o zoneamento e o sistema viário, englobando também o sistema de transporte coletivo, o sistema de serviços e o plano de ocupação urbana, deverão considerar outro modelo e, como conseqüência, ampliar os espaços coletivos contínuos e de preservação rural-urbano, reorientação do plano de ocupação econômica e a diminuição significativa da densidade populacional proposta, incluindo a rigorosa proibição de verticalização. Ainda como a orientação do Plano, deve fazer parte do projeto o distanciamento das edificações residenciais e comerciais, preservando o valor paisagístico e ambiental das dunas e praias .

É possível também, em parceria pública e comunitária criar motivações que fortaleçam a cultura preservacionista e estética, como por exemplo um concurso anual do mais belo jardim, além da campanha de seleção do lixo e seu recolhimento, já efetiva em parte da comunidade.

As ruas e avenidas traçadas a partir da realidade existente no bairro, com correções e alguns alargamentos necessários para facilitar o fluxo do trânsito em algumas localidades. A arborização e ajardinamento das vias deve obedecer um programa da prefeitura com apoio das universidades e da escola técnica de segundo grau.

Priorizar residências unifamiliares e diminuição da taxa de ocupação dos lotes; limites para preservar as linhas de montanha, dunas e lagoas.

Um ambiente preservado, praias e jardins, com um turismo orientado à preservação, ao encanto paisagístico e ao consumo não poluído e não poluidor, certamente será atrativo e criará condições para o bairro tornar-se também uma região gastronômica, com o respectivo apelo turístico nos limites de uma vocação de qualidade de vida assim definida.

Por último, é vital a atenção à definição de uma POLÍTICA PÚBLICA como estratégia para estímulo e gestão do Plano e implantação dos seus projetos.

É preciso portanto, na fase de definição do Plano Diretor, estimular a parceria dos órgãos públicos, organizações não governamentais e as associações dos moradores, tal como está induzido pelos parâmetros do Plano Nacional do Gerenciamento Costeiro, cujas orientações e exigências, em fase última de redefinição em âmbito Federal, não podem ser ignoradas por ninguém, por constituírem-se em novos parâmetros legais e portanto obrigatórios para todos. VANTAGENS

O Plano CAMPECHE CIDADE JARDIM, desdobrado em projeto que englobe os diferentes sistemas de garantia de qualidade de vida, pode apresentar algumas vantagens significativas:

- O turismo praiano continuará, mas inibido no seu caráter predatório e destrutivo, mudando de qualidade ao valorizar seu aspecto preservacionista e sua harmonia paisagística.

- Aproveitamento do substrato cultural local para reabilitar ou incentivar atividades voltadas para a pesca, jardinamento, artesananto e a gastronomia.

- Garantia de realimentação do lençol freático, pois não haverá a excessiva impermeabilização do solo com a ocupação, além de que vastas áreas estarão sendo usadas com atividades não poluentes que deixam fluir a água, sem promover o esgotamento das reservas naturais.

- Gerar ocupações e rendas em educação, arte, preservação e conservação de jardins,f loricultura e horticultura , turismo ecológico e demais serviços.

- Turismo não apenas sazonal, o que é de interesse do comércio equilibrado e sustentável. - Financiamento auto-sustentável além de apropriado para apoios de organismos brasileiros e

internacionais. - Engendra um ônus menor, em matéria de investimentos financeiros, para a população municipal no seu

conjunto, evitando as enormes transferências de recursos (dos bairros antigos para o bairro novo do Campeche) embutidas apenas implicitamente no Plano de Desenvolvimento do Campeche

COMPLEXO CULTURAL PARQUE ATLÂNTIDA - Um parque educativo - Parque Atlântida - por iniciativa privada poderá ser implantado em grandes

áreas, cujos proprietários estejam interessados em equipamento turístico educacional para todos os públicos. Poderá ser assessorado por técnicos das Universidades e do Curso técnico de 2º Grau.

- O projeto, no estilo açoriano, deverá ser concebido sobre palafitas, visando a preservação do lençol, será composto de 3 grandes complexos: Científico, Cultural e de Lazer, além de um sistema hoteleiro.

1.- COMPLEXO CIENTÍFICO (Área de 8.000 m2 com 2 andares). Na mais alta tecnologia e classe, dispõe de: - Um hall de entrada com duas cabines, em vidro, para venda de ingressos e no centro serão expostas

maquetes da ilha de SC, em 1900, com sistema eletrônico de orientação. - Após a entrada, no térreo, atinge-se uma galeria sonorizada simulando o ambiente submarino, com

aquários contendo espécies da fauna e flora local e exótica, seguidos de salas de vídeo com informações sobre estas espécies, migração, reprodução, crescimento, interesse econômico e outras peculiaridades.

- Piso 1 - Galeria destinada ao planeta terra. Através de figuração computadorizada e vídeos será visualisada a terra vista da lua, suas camadas atmosféricas, o movimento da crosta terrestre, deriva continental, movemento das dunas, águas, etc.

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- Piso 2 - Galeria destinada à Astronomia: Um observatório planetário enfatiza o universo e o sistema solar: as constelações, as estrelas, as galáxias, etc.

- Hall de saída com maquetes da ilha de Santa Catarina no ano 2000. E boutiques para venda de souvenirs e lembranças deste complexo.

-Salas equipadas com biblioteca, videoteca e auditório para conferências específicas do complexo

2.- COMPLEXO CULTURAL (Área de 8.000 m2 com 2 andares) Este complexo destina-se ao homem e a sua história (civilizações, religiões, misticismos, crenças, festas

tradicionais, etc) desde as cavernas até a era espacial. -Hall de entrada: Grande relógio químico com horas, minutos e segundos fornecidos pelas cores dos

líquidos. - Piso térreo : museu de antropologia ilustrando a história e a cultura do Brasil, Santa Catarina e Ilha de

Santa Catarina. - Piso 1: Museu da ciência do homem - ilustrará a estrutura física do homem, sua anatomia,

funcionamento, doenças e medicinas. - Piso 2: Galeria com maquetes das engenharias e maravilhas criadas pelo homem e as tecnologias de

pesquisa e produção. Haverá também neste piso auditórios e salas equipadas para encontros científicos, exposições provisórias, artísticas.

3.- COMPLEXO DE LAZER E ENTRETENIMENTO (Área de 8.000 m2 com 2 andares). Destinado a: Recreação, alimentação e comércio em geral. Hall de entrada, praça de alimentação típica da região (de qualidade) e exóticas, cinemas, lojas, centros de convenções, cinemateca, videoteca, atraindo público científico, técnico, produtivo e comercial. Este será o único complexo que terá vida noturna (optativo para 24 horas de funcionamento, ao estilo da rua 24 horas de Curitiba). 4. LUCROS E BENEFÍCIOS GERADOS PELO PARQUE: 400 empregos (guias turisticos e científicos, cientistas, médicos, restauradores, artesãos, bilheteiros, faxineiros, jardineiros, técnicos de manutenção de aquários, barmans, lojistas, garçonetes, administradores, historiadores, arqueólogos, arquitetos, pescadores, jornalistas, autônomos prod. Videos e filmes, etc.). Turismo anual, independente do clima. lucros ao empreendedor (aproximadamente 500.000 visitantes por ano) ao custo de n reais/dia ( ex. ingressos: R$ 7 X 500 visitantes/dia = 2500,00) (Fundamentados no centro de visitação -Oceanópolis - Brest e La Villete - Paris - França). Lucros ambientais: educação da população para preservar (conhecer para amar e amar para preservar), recuperação e preservação da Lagoa da Conceição, lençol freático do Campeche, praias e a melhoria da qualidade de vida para toda a comunidade local e visitante. Menor área de ocupação e alternativa de desenvolvimento para a região. 5.- HOTEL Com capacidade para aproximadamente 300 aptos ou 800 pessoas: palestrantes, visitantes do parque ou turistas atraídos pela beleza do local e conhecimento oferecido pelos complexos. 6.- ÁREA VERDE E SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS: A arborização do entorno buscará atrair espécies faunísticas locais (pássaros, borboletas) utilizando as mudas e flores da Cidade Jardim. Visitas e observação ecológicas, trilhas entre sítios arqueológicos. Através de caminhos entre areias, pedriscos e lagoas, o visitante terá acesso aos sítios arqueológicos, com informações sobre a idade e significação local. Guias especializados auxiliarão, orientarão e fiscalizarão a ordem e a preservação (disposição de resíduos) do parque. 7. DISPOSIÇÃO FINAL DOS EFLUENTES DOMÉSTICOS: Tratamento dos esgotos (para aproximadamente 7000 pessoas/dia - um cálculo de 2300 pes/dia utilizando sanitários e restaurantes dos 3 centros). Tratamento primário com gradeamento e malha para retenção de sólidos com tamanho superior a 2 cm, seguido de 2 valos de oxidação com solos impermeáveis. Na sequência 2 filtros biológicos (diferentes granulações), além de uma esterilização final em ultra violeta. Este sistema será construído no próprio local e servirá como modelo para escolas e universidades. Estas medidas visam garantir a impermeabilização do solo in loco e a não contaminação do lençol freático (utilizado para abastecimento das comunidades e arredores). Um biodigestor será utilizado para digestão do lodo e resíduos da retrolavagem dos filtros. A vantagem será a produção de biogás, que gerará parte da energia utilizada nos sistemas de manutenção dos aquários a título de demonstração e com propósitos pedagógicos O lodo tratado ou adubo orgânico será utilizado nos jardins e parques locais e poderá manter a cidade jardim, após dessecação e esterilização. RECICLAGEM E UTILIZAÇÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS E LODOS. a) Planta para tratamento de efluentes domésticos do Campeche A planta para tratamento dos efluentes domésticos, totalmente impermeável, deverá ser implantada na área da rota dos aviões, entre o manguezal do rio

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Tavares e a atual estrada geral do Campeche-Armação, próxima a nova via de acesso para a Tapera. Esta localização evitará a fixação de populações em áreas de maguezais, sob rota aérea não edificantes, preservando os manguezais e confundindo os odores que porventura possam ser exalados. As medidas para este tratamentos devem ser urgentes, antes da instalação de habitações no local, evitando desapropriações e elevações de custos para o projeto e antes da perda do lençol freático por contaminação. A afinidade ideológica com a Agenda 21 permite pensar em financiamentos nacionais e internacionais para projetos preservacionistas das comunidades. Os lodos ativados serão tratados em biodigestor a exemplo do sistema de tratamento do Parque Atlantida. b) Planta de produção de adubo orgânico. O adubo gerado será utilizado na produção de Flori-horticultura que por sua vez servirá como fonte de emprego e desenvolvimento (turístico e comercial) para a região. O projeto pode ser concebido em forma de cooperativa, mas deverá respeitar e aproveitar a experiência local dos produtores de adubo orgânico já existentes. c) Planta de triagem de lixo reciclável. Continuando a experiência do Campeche a limpo, numa escala mais abrangente, faz-se a proposta de educar a população a reciclar e reutilizar os resíduos. O composto orgânico será utilizado em minhocários e produção de humus para autosubsistência de produção vegetal da cidade jardim. Necessidade de uma estação de triagem. Uma cooperativa, em conjunto com a Escola técnica de 2º Grau envolveria as fases de coleta, triagem e produção de materiais de produtos reciclados (alumínio, papel, etc.) e a venda dos produtos resultantes, teria retorno na melhoria da vida da comunidade. Neste projeto a comunidade fica com o controle e a responsabilidade da coleta, e na freqüência necessária. A responsabilidade e o retorno sob forma de melhoria de qualidade de vida facilitará a incorporação da população ao projeto de reciclagem. Gerará emprego para a população local servindo como fator de desenvolvimento da área e reduzirá os gastos da prefeitura com transportes e aterros sanitários. d) Lucros municipais: maior arrecadação e maiores recursos, menores custos com o destino final dos resíduos sólidos (menor número de caminhões e áreas para aterro sanitário). ESTACIONAMENTOS Todas as áreas turísticas e de visitação, incluindo as praias, disporão de estacionamento com um mínimo de 30 vagas para automóveis e 10 vagas para coletivos. A base de solo deverá ser em areia e pedriscos, separadas por arbustos ou árvores que permitirão o ensombramento do local e a infiltração das águas das chuvas que abastecerão o lençol. Áreas de estacionamento público, em terrenos de marinha ou da união, terão estacionamentos regulamentados. Campeche, Florianópolis, setembro de 1997

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Material de referencia nº 17 Plano Comunitário da Planície do Campeche Proposta para um Desenvolvimento Sustentável

Introdução O plano comunitário para a Planície do Campeche foi elaborado por moradores e é específico para aquela

região. Nele, foram considerados os anseios, as preocupações e os conhecimentos técnicos e locais dos moradores. Considerou-se como base de planejamento os problemas, as necessidades, as vocações, os costumes (hábitos, lazer e cultura), os custos sociais, ambientais e econômicos, a história e a pré-história do lugar, na tentativa de propor um desenvolvimento sócio-econômico sustentável em qualidade e quantidade no decorrer dos próximos anos.

As diretrizes obtidas no Seminário Comunitário do Campeche1 nortearam o planejamento deste trabalho de cidadãos.

A construção deste plano contou com inumeráveis reuniões (todos os sábados desde março de 1999) e dela participaram efetivamente um grande número de moradores2, muito superior inclusive ao número consultado pela prefeitura e IPUF sobre o seu plano. O histórico desta participação está descrito no Anexo 1 deste diagnóstico.

Alertamos sobre a urgente necessidade de um plano diretor para a Planície do Campeche, uma vez que os desmatamentos, o parcelamento do solo e a acelerada ocupação poderão, em breve, destruir todos os recursos disponíveis e inviabilizar o planejamento da área. Partilhamos nossas preocupações com esta egrégia Câmara legislativa porque sabemos que as vossas deliberações legais serão decisivas em nossas vidas. Não nos sentimos culpados pela ocupação desordenada da planície e, como esta Câmara, que em numerosas ocasiões manifestou a necessidade de um plano para a área, tudo temos feito com intenção de realmente demonstrar nossa inquietação com esta situação. A preocupação com o futuro de nossa região nos levou, em 1997, a apresentar uma medida cautelar contra a Prefeitura de Florianópolis e seu órgão de planejamento, o IPUF(Anexo 2). Em outras ocasiões denunciamos à Promotoria do Estado de Santa Catarina, à FLORAM3, à FATMA, ao IPUF, à Prefeitura bem como a esta Câmara, os flagrantes desrespeitos às legislações ambientais, urbanísticas e à Constituição Federal. Vale lembrar que alertamos, inclusive, sobre as ilegalidades do plano de desenvolvimento do IPUF, confirmadas pelo próprio advogado daquele órgão (Anexo 3), pela Floram (Anexo 4 ) e pelos pronunciamentos da FATMA, IBAMA e SDM na Comissão de Meio Ambiente da Câmara de Vereadores em 29/11/99 e 06/12/99.

Em vista da dificuldade em planejar uma área em constante mudança, manifestamos ao IPUF a nossa preocupação com a falta de fiscalização na localidade (Anexo 5), citando a necessidade de 2 fiscais junto à intendência do Campeche, conforme ATA de negociação com o IPUF e denúncias sobre a ocupação irregular da área durante o processo de negociações intermediado pela Comissão de Justiça desta Câmara. Lamentavelmente, modificações consensuais nas negociações não puderam ser concretizadas face à persistência de ilegalidades, desconhecimento da planície pelos técnicos e interesses e visões opostos.

Buscamos em nosso plano priorizar o atendimento às legislações Federal, Estadual e Municipal vigentes e elencamos as leis e artigos constitucionais necessários ao embasamento, tomando como base nossas denúncias enviadas ao IPUF, à Câmara e à FATMA acima mencionadas (Anexo 6).

O nosso planejamento tomou como base as condições específicas da planície: fisiográficas, históricas, culturais, vocacionais e sócio-econômicas, considerando que o desconhecimento é um fator gerador de problemas, e ignorância sobre as características locais incorrerão no agravamento de problemas crônicos tanto físicos tais como alagamentos, inundações, refluxos de fossas, entupimento de drenos, desgaste de estradas, como sociais resultando no agravamento das desigualdades econômicas.

Embora este plano comunitário tenha sido concebido considerando-se toda área da planície (55 km2), desde o Porto da Lagoa ao Morro das Pedras, e do Campeche à Tapera, somente foram feitos substitutivos aos projetos das regiões que contaram com a participação popular neste planejamento. Assim, no planejamento global da planície, os bairros da Tapera e do Carianos estão contemplados conservando-se as características do plano do IPUF.

O mapa global da planície (Anexo 7) foi dividido de maneira idêntica ao do IPUF, afim de que os substitutivos correspondessem exatamente aos projetos de lei daquele órgão. Estes substitutivos embasados no presente diagnóstico ( Projetos de Lei Complementar 079, 117, 118, 119, 120, 121, 122, 123, 124, 125 e 127) compõem o Anexo 8. Encontra-se ainda em fase de conclusão substitutivo ao PLC 080, referente à área do Alto do Ribeirão onde está previsto parque tecnológico, cemitério, centro hospitalar e outras funções, o qual será entregue em breve.

Impossibilitados de executar um Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), conforme exigências das leis 7661/88 e Resolução 001/85 - CONAMA, em função do pouco tempo disponível e por questões financeiras, utilizamos para a fundamentação necessária o Estudo de Impacto Ambiental realizado em 1995 pela empresa MPB Saneamento Ltda. à pedido do Departamento de Estradas e Rodagem (DER) de SC e referido aos impactos ambientais, sociais, culturais e aos custos gerados pela alocação de sete alternativas da via Parque entre o Porto da Lagoa e o Morro das Pedras. Outros documentos públicos, científicos e estudos sobre a área, efetuados pela UFSC e pela comunidade, também serviram de base para esta fundamentação (Consultar Anexo 9 ).

Um dos aspectos do plano proposto pelo IPUF mais criticado pela comunidade é o sistema viário, considerado agressivo contra o meio ambiente e social, superdimensionado e caro4. Contrariamente, achamos por bem utilizar no nosso plano comunitário o sistema viário existente e suas modificações já aprovadas em Lei, com

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destaque às vias SC405 e SC406. Consideramos ainda que o planejamento específico do sistema viário secundário deverá ser definido numa segunda etapa pelo órgão de planejamento, em nova fase de consulta à comunidade em busca do consenso.

As características físicas, ambientais, históricas e culturais que fundamentaram o nosso plano estão resumidamente descritas no Anexo 10 deste diagnóstico.

Consideramos no nosso plano a fragilidade do solo e dos ecossistemas da planície do Campeche com base nas informações científicas existentes (Anexo 9), fotos aéreas e visitas a campo. De formação recente (6.000 a 8.000 anos atrás) o solo da planície é arenoso, inconsolidado e resistente às forças erosivas dos ventos e marinhas graças às matas de restinga. Grande parte da planície é inundável (charcos, pântanos, lagoas e manguezais) e está a baixas altitudes, potencializando a saturação do lençol freático e os alagamentos generalizados após freqüentes chuvas, que cronicamente impõem o refluxo das fossas domésticas em muitas residências da região (mapa das áreas inundáveis - anexo 11).

O escoamento das águas das chuvas para o mar é lento e possibilita uma boa retenção de água doce filtrada sob o solo arenoso da planície. Essa água retida sob o solo abastece 40.000 habitantes da costa leste e sul da Ilha de SC5. Considerando que a capacidade de fornecimento de água para o sul da Ilha está limitado, segundo parecer da CASAN, a 147.000 habitantes6 utilizando-se o lençol freático e a Lagoa do Peri, o nosso plano foi elaborado prevendo uma ocupação limitada a estes recursos disponíveis, ou seja, uma população máxima de 100.000 habitantes na planície.

Este limite populacional proposto pelo plano comunitário, foi estimado levando-se em conta também os índices de crescimento populacional da Ilha e da grande Florianópolis. A análise dos censos existentes (Anexo 12 - densidade populacional) demostram que as propostas do IPUF de 390.000 habitantes na Planície não se encontram embasadas num estudo sério da pressão populacional, mas em cálculos definidos pelas dimensões arbitrárias do plano proposto.

Consideramos também no nosso planejamento que muitas fossas poderiam contaminar rápida e facilmente este rico e contínuo recurso de abastecimento potável do sul da Ilha. A necessidade de manter o aqüífero intacto fundamenta-se no fato de que as águas de subsolo são as melhores e mais baratas do planeta! Estas águas não precisam de estações de tratamento, filtros ou bacias de decantação, não produzem lodo e não precisam de grandes tratamentos químicos, pois já vêm filtradas e a sua manutenção economizaria aproximadamente 10 milhões de reais (custo da Estação de tratamento de água da Lagoa do Peri em 1997)7.

Para preservar a qualidade desta água, é prioritária uma estação de esgotos com tratamento completo incluindo a etapa terciária considerando, em todos os casos, a alta permeabilidade do solo, a altura do lençol freático e o menor custo. Por isto a nossa proposta chama a atenção para a prioridade da implantação de estações de tratamento de água e esgoto8 antes de qualquer iniciativa de execução do plano. Neste objetivo, deve ser destinada integralmente a área pública já pertencente à CASAN para este fim.

Consideramos no nosso planejamento que os charcos e pântanos da planície, além de serem importantes pontos de recarga do lençol freático, atuam como estopas absorvendo as inundações, além de serem áreas de reprodução de numerosas aves locais e migratórias, de grande interesse ecoturístico.

Consideramos em conseqüência disto, a necessidade de contemplar como prioridade a macro drenagem da planície como fator norteador das intervenções urbanas de grande porte, construções de estradas, avenidas, delimitação de áreas urbanizáveis e equipamentos públicos.

O Plano Comunitário foi elaborado considerando também que as restingas seguram os sedimentos da abrasão marinha e eólica e facilitam a infiltração e recarga do aqüífero. Nesta questão evitamos propor grandes vias asfálticas a fim de reduzir a impermeabilização do solo e o bloqueio ao curso natural das águas, que são responsáveis por freqüentes inundações (como as recentes de 02 de fevereiro de 2000 no Itacorubi e na planície); evitamos os desmatamentos de matas remanescentes (como o previsto pelo IPUF na área pantanosa que precede o manguezal na Fazenda do Rio Tavares ao propor o Parque Tecnológico ali) atendendo aos dispositivos legais; evitamos o parcelamento exagerado do solo, controlando assim a densidade populacional e facilitando a infiltração das águas no subsolo e evitando inundações .

Consideramos no nosso plano o desenvolvimento sócio-econômico da região centrado no mar e na natureza: na pesca, no ecoturismo, no paisagismo, jardinagem, e nas atividades de conservação e de tecnologia avançada incluindo reciclagem de resíduos sólidos e atividades ligadas à educação informal e informática. Além de um Jardim Botânico com espécies nativas e exóticas, prevemos a criação de uma Escola Técnica Profissionalizante de 2° Grau, de uma Escola de Pesca e Navegação e de um Parque Tecnológico para solucionar problemas como o dos resíduos sólidos, da reciclagem, do resgate e preservação da formação pesqueira tradicional na região, e para o cultivo e produção de plantas ornamentais e nativas, qualificando a mão de obra local numa perspectiva educativa e de geração de empregos duradouros.

O plano comunitário foi especialmente atento às reivindicações e anseios dos moradores e ao EIA/RIMA/DER, para a preservação do patrimônio histórico, cultural, cênico e valorização das vocações da região (artes plásticas, artesanato, pesca, hortifruticultura, etc). Em vista disso, levantamos junto ao IPHAN (e registramos em nossos mapas) os sítios arqueológicos conhecidos (sambaquis, sítios rasos - oficinas líticas e inscrições rupestres) e buscamos soluções para a criação de espaços de "memória viva" (museus, casas de cultura, rua das artes para a comercialização das obras artísticas, etc) que possibilitem a convivência da população através

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das atividades típicas como a pesca, festividades, folclore e outros. Ao mesmo tempo propomos a criação do Centro de Lazer e Entretenimento Saint-Exupéry no velho Campo de Aviação, espaço de lazer tradicional do bairro do Campeche, a preservação cultural e ambiental do Morro do Lampião, vinculado culturalmente à história da aviação e portador, segundo alguns pesquisadores, de referencias arqueológicas ainda por serem estudadas adequadamente. Um exemplo na tentativa de fundir cultura e natureza encontra-se na proposta de criação do Centro Cultural no Jardim Botânico (Anexo 13 - equipamentos urbanos).

Alertamos esta Câmara que consideramos no nosso plano a Planície do Campeche como um grande recurso natural e turístico. E se recurso é tudo o que pode ser usado em benefício de uma causa, então buscamos identificar estes recursos para usá-los racionalmente, atendendo às necessidades vitais das populações sem prejudicar o conforto da vida atual e futura. Em outras palavras, informamos o saldo da poupança natural, como garantir os rendimentos a longo prazo e quanto poderemos gastar sem ter que pedir emprestado. As dívidas nos envergonham e nos comprometem até as próximas gerações.

O "Plano Comunitário da Planície do Campeche" busca representar os anseios de grande parte dos moradores da Planície dentro de suas possibilidades objetivas e da realidade do bairro. Temos a convicção de que estamos contribuindo assim para uma vida mais sadia e mais estruturada para evitar calamidades e altos custos sociais de recuperação. Usamos as leis e a natureza do lugar como trunfos para a valorização da área.

Certos de que cumprimos com o cívico dever de participar do processo decisório sobre o futuro da área, esperamos de Vossas Senhorias a apreciação e aperfeiçoamento dos Substitutivos encaminhados, a fim de obter sua aprovação e conversão em lei. Certamente estaremos, juntos, construindo um novo paradigma de trabalho democrático e em parceria, rumo ao desenvolvimento sustentável de Florianópolis.

1 Dossiê Campeche/outubro/97 - Movimento Campeche Qualidade de Vida.

2 Documento da Prefeita Angela Amin ao Fórum da Agenda 21 (OFDD nº 6370/99) em resposta ao pedido de sobrestamento dos Projetos de Leis Complementares do Campeche, Santinho e Ingleses, na contramão da Agenda 21. O documento diz que os PLs não serão sobrestados porque tiveram ampla participação popular e para tanto anexa listas de presença de reuniões que houveram na planície. Importante ressaltar que as 200 assinaturas do Campeche, são nossas sim, mas na ocasião unanimemente rejeitamos o plano do IPUF.

3 Processos Lagoinha Pequena Nº 96.004215-6; desmatamentos, exploração de areia, aterramentos de charcos e loteamentos pela Pedrita na região do Campeche; reunião projeto MMA/SRH/UFSC/Comunidade na Promotoria do Estado junto à Floram e IPUF (Brasil Pinto, Marcelo Dantas, Odair Gercino da Silva, Otacílio, Tereza Barbosa, Janice Tirelli) agosto/98. Reunião entre a Floram, comunidade, Ipuf para definir delimitação do Parque da Lagoinha Pequena em setembro/98; Documento do Seminário da Agenda 21 - região 4 - entregue ao funcionário da Floram e coordenador da Agenda 21 Giovani Amboni, em 09/12/99. 4 O EIA/RIMA do DER/95 cita que a via alternativa de menor custo em desapropriações custaria R$ 12,3 milhões causando altos danos ambientais enquanto a alternativa de menor impacto ambiental e mais recomendada pelo documento, teria o maior custo em desapropriações: R$ 27,5 milhões (valores da época da avaliação).

5 Barra da Lagoa, Lagoa da Conceição, Campeche, Rio Tavares, Tapera, Morro das Pedras e Fazenda do Rio Tavares

6 Fontes: CASAN /Seminário de planejamento do Campeche, dossiê Campeche out/97; CASAN of. n° CT/D-1050/ 97, parecer técnico Depto. Eng. Sanitária UFSC set/97, Comunicação verbal Eng. Pole na comissão de Meio Ambiente na Câmara de Vereadores (29.11.99 e 06.12.99).; Dissertação de mestrado de Sérgio Borges na UFSC; Relatório Lagoinha Pequena - MMA - SRH – UFSC; entre outros documentos citados em anexo. 7 Parecer técnico UFSC – Barbosa, T.C. et al. A Exploração das águas da Bacia Hidrográfica da Lagoa do Peri (ilha de Santa Catarina) e o Sistema de Abastecimento Costa Leste/Sul da Casan/1998. A Pedido do Projeto Larus e Asmope (Ass. Moradores da Lagoa do Peri) e CASAN. Valores de 1998.

8 O que não é prioritário para o IPUF. Segundo jornal "O Estado" de 08/06/99 pág. 6: "conforme o diretor presidente do IPUF, o saneamento fica para uma segunda etapa quando o plano diretor estiver implantado".

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Material de referencia Nº18

Análise Populacional da Planície Entremares Paulo Marcos Borgues Rizzo

A proposta de plano diretor para a chamada Planície Entremares feita pelo IPUF que previa, inicialmente,

450.000 habitantes e, posteriormente, 390.000, causou espanto entre os moradores. Esta previsão representa a perspectiva de uma urbanização massiva no Campeche e demais áreas da planície. O município de Florianópolis todo, de acordo com o censo do IBGE de 1996, tem 271.281 habitantes, e a previsão apenas para a planície de uma população bem maior que a de toda Florianópolis hoje leva a duvidar das suas premissas.

Florianópolis, São José, Palhoça e Biguaçu, compõem uma vasta região urbanizada. A região cresce como um todo, mas diferenciadamente em cada município e em cada área de cada cidade. Os crescimentos são diferenciados, determinados pelo mercado imobiliário. Com exceção de poucas famílias abastadas, a maioria dos habitantes urbanos tem poucas oportunidades de escolha de locais para morar e habitam onde seus recursos lhes possibilitam. Não basta o planejamento urbano desejar que esta ou aquela área adense-se mais que as outras, é preciso que haja demanda efetiva para os imóveis além de ter recursos disponíveis para as estruturas básicas.

O Campeche e demais áreas da planície apresentam altas taxas de urbanização devido ao preço relativamente baixo do solo. Os valores do solo dependem da acessibilidade, legalidade, infra-estrutura, amenidades, transporte, facilidades de comércio e serviços, etc. Um plano diretor é, além de um organizador do espaço urbano, um regulador do mercado imobiliário. Imagina-se que a construção da Via Expressa Sul, a aprovação do plano diretor da Planície Entremares e o futuro investimento em obras públicas na planície induzirão um crescimento mais intenso na área. Isto não ocorrerá necessariamente. A única coisa que se pode prever com certeza é que os valores do solo aumentarão. Isto ocorrendo, a tendência será um ritmo de crescimento menos intenso que o verificado nos últimos anos. Isto é o que nos mostra a história da dinâmica demográfica no aglomerado urbano de Florianópolis.

Olhando os censos de 1949, 1959, 1970, 1980, 1991 e 1996 podemos ver as direções que tomou o crescimento urbano na região. De 1949 a 1996 a população total do aglomerado urbano passou de 106.000 habitantes para 540.000. Em 1949, dois terços dos habitantes moravam em Florianópolis e um terço nos outros três municípios. Esta relação foi se modificando ao longo dos anos e, em 1996, metade vive em Florianópolis e metade nos outros três municípios. A tabela abaixo mostra o crescimento diferenciado no aglomerado urbano em número de novos habitantes nos períodos entre cada censo.

Incremento Populacional no Aglomerado Urbano de Florianópolis de 1949 a 1996 (fonte: IBGE)

1949-1959 1959-1970 1970-1980 1980-1991 1991-1996

1. Florianópolis 30.890 39.817 49.534 67.070 16.340

2. São José 6.975 20.998 45.282 51.501 11.706

3. Biguaçu 1.486 1.586 6.097 12.593 6.020

4. Palhoça 2,549 6,386 17,379 30,267 12.874

2+3+4 11.011 28.970 68.758 94.361 30.604

Total 41.901 68.787 118.292 161.431 46.944

A participação relativa de Florianópolis no crescimento populacional do aglomerado veio reduzindo-se a cada década: 74% na primeira década, 58% na segunda, 42% na terceira, 41% na quarta e 35% nos anos 90. Este crescimento foi sempre polarizado pelo centro de Florianópolis e a expansão deu-se no continente em direção aos demais municípios. São José, o único que faz divisa com Florianópolis, foi o que apresentou maior crescimento até 1991. Depois disso, Palhoça o ultrapassou em números absolutos de novos residentes.

Se Florianópolis cresce atualmente menos que os municípios vizinhos, a Ilha de Santa Catarina cresce menos ainda. Do incremento de 16.000 habitantes entre 1991 e 1996, 7.500 foram na Ilha e 8.500 na parte continental de Florianópolis. O município, até o censo de 1996, tinha dez distritos (recentemente foi criado mais um, o do Campeche). O distrito sede, que compreende toda a parte continental de Florianópolis e uma área na Ilha que vai do Saco Grande ao norte à Costeira ao sul, limitando-se à leste com o distrito da Lagoa da Conceição, apresentou resultados curiosos. Enquanto a parte continental cresceu 8.500 habitantes de 1991 a 1996, a parte do distrito sede na ilha perdeu 11.000 habitantes. O despovoamento do centro da Ilha foi compensado pelo crescimento dos outros nove distritos, resultando no incremento total na Ilha de 8.000. A tabela a seguir agrupa a população continental do aglomerado urbano e a compara com a da Ilha nos últimos dois censos.

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Crescimento Populacional no Aglomerado Urbano de Florianópolis de 1991 a 1996, no continente e na ilha (Fonte: IBGE)

1991 1996 Crescimento

(arredondado)

Participação

relativa (%)

Taxa anual de crescimento (%)

Continente 323.401 362.621 39.000 84 2,3

Ilha 173.183 180.907 8.000 16 0,9

Total 496.584 543.528 47.000 100 1,8

A tabela é clara. O crescimento populacional na Ilha é relativamente pequeno, com uma taxa anual bem inferior à do total. A tendência geral do crescimento populacional é continuar reduzindo. Esta é uma tendência nacional. Mas, supondo-se que Florianópolis mantenha a taxa anual de crescimento de 1,25%, o município terá 450.000 habitantes no ano de 2046. Onde vai se arrumar gente para povoar toda a Planície Entremares como pretende o PDC elaborado pelo poder municipal?

A previsão de bom senso para a região recusa a proposta de uma infra-estrutura super-dimensionada além de muito cara, principalmente a viária, que se tornará mais cara ainda uma vez que não existirá a população imaginada para pagar os custos da urbanização. Um plano que pretende a urbanização de toda a planície sem reconhecimento das suas limitações naturais torna-se, assim, inviável. As grandes vias, o sistema de transporte de massa, as estações de tratamento de esgoto para 450.000 pessoas, jamais serão realizados. De plano de ordenamento da expansão urbana, o plano diretor se transformará em desorganizador por ter sido dimensionado em excesso. Precisamos de coisas mais modestas e compatíveis com o crescimento urbano real e com as ricas condições físicas e paisagísticas da área.

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Material de referencia nº 19 História em Quadrinhos sobre as lutas pelo Plano Diretor Comunitário

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Material de referencia nº 20

Termo de ajustamento de conduta sobre a utilização da área do campo da aviação

PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DE SANTA CATARINA UNIDADE DE TUTELA COLETIVA E CIDADANIA

OFÍCIO DO PATRIMÔNIO PÚBLICO E SOCIAL

Procedimentos Administrativos nºs. 1.841/02 e 1.842/02 TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA

0 MINISTÉRIO PUBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República signatário, Dr.. André Stefani Bertuol, no exercício das atribuições que lhe são conferidas pelo artigo 5°, §6, da Lei n° 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) e

CONSIDERANDO que compete ao MPF a defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais, nos moldes do artigo 127, caput, da Constituição e do artigo 1° da Lei Complementar n° 75/93;

CONSIDERANDO que incumbe ao MPF promover inquérito civil público e ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, bem como zelar pelo efetivo respeito do Poder Público e dos serviços de relevância pública aos princípios, garantias, condições, direitos, deveres e vedações previstos na Carta Magna, nos termos do artigo 129, II e III da Constituição Federal e do artigo 5°, IV e V, "b", da Lei Complementar n° 75/93;

CONSIDERANDO a instauração dos Procedimentos Administrativos n°s. 1.841/02 e 1.842/02, no âmbito da Procuradoria da República no Estado de Santa Catarina, para apurar, à época, a pretendida alienação, pela Base Aérea de Florianópolis, da área de terras conhecida como "Campo de Aviação do Campeche" e o interesse da comunidade na manutenção e aprimoramento das finalidades que a mesma vinha exercendo;

CONSIDERANDO que a área do indigitado Campo de Aviação, com 352 mil metros quadrados, é considerada, nacional e internacionalmente, como Patrimônio Público, Histórico e Cultural relacionado à história da aviação, e vem sendo utilizada pela comunidade para o lazer e prática desportiva desde a década de 40, quando o campo de pouso foi desativado;

CONSIDERANDO que a área em que se localiza o "Campo de Aviação do Campeche" é de domínio da União Federal, sob a administração do Comando de Aeronáutica desde 1948, que manifestou interesse em alienar o imóvel por meio de permuta por obras diversas a construir;

CONSIDERANDO que o terreno é considerado, pela Gerência do Patrimônio da União, como área de interesse para a Aeronáutica, com a finalidade de captar recursos para investimento na Base Aérea de Florianópolis - BAFL;

CONSIDERANDO que a comunidade do Sul da Ilha não dispõe de outras áreas para implantação de centros culturais, de saúde, educação, profissionalização e segurança pública, bem como para a realização de atividades de lazer e cultura, subtraindo de crianças e adolescentes a possibilidade de desenvolvimento pleno de seus potenciais, tornando-as vítimas em potencial da criminalidade;

CONSIDERANDO que nas audiências públicas realizadas em 31 de março de 2003 e 15 de março de 2004 concluiu-se pela necessidade de preservação do "Campo de Aviação do Campeche" como Patrimônio Histórico e Cultural, viabilizando-se seu uso público, com a adoção de soluções que atendam às necessidades da BAFL e às reivindicações da comunidade;

CONSIDERANDO que a BAFL mostrou-se sensível a esse clamor popular, sendo que, todavia, visando a dirimir suas necessidades emergenciais, tem interesse na captação de recursos para a construção das instalações de um hospital de área, um refeitório geral e um hotel de trânsito no interior da base, orçadas em um terço do valor imobiliário da área em questão;

CONSIDERANDO que a BAFL presta assistência médica e odontológica a aproximadamente cinco mil usuários do Sistema de Saúde da Aeronáutica e desenvolve ações de Medicina Pericial, Medicina Operativa e apoio ao Plano de Emergência do Aeródromo, contando com um prédio da década de 30 expandido por construções acanhadas e não apropriadas para o funcionamento de serviço de saúde;

CONSIDERANDO que, atualmente, os refeitórios da BAFL estão aquém da capacidade necessária para atender ao efetivo da Base e Unidades subordinadas, sendo necessária a unificação de suas dependências, ampliação de sua capacidade e revitalização das instalações em seus padrões atuais;

CONSIDERANDO a ausência de local apropriado e disponível para hospedar tripulações que realizam manobras e exercícios de busca e salvamento em Florianópolis e a necessidade da construção de um novo Hotel de Trânsito dos Oficiais, dado o problema de hospedagem da Base Aérea de Florianópolis;

CONSIDERANDO que a execução desses projetos representaria o pronto atendimento das necessidades emergenciais da Base Aérea de Florianópolis e a manutenção da única organização militar da Aeronáutica em solo catarinense;

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CONSIDERANDO as restrições orçamentárias do Governo Federal, inviabilizando a realização de qualquer reforma estrutural no setor;

CONSIDERANDO, finalmente, que a cidade de Florianópolis tem grande deficiência em parques públicos, e que o

de acordo com a proposta dos signatários, contribuirá para proporcionar à região um grande espaço para lazer e visitação por moradores e turistas, contribuindo com o desenvolvimento de atividades econômicas de toda a Ilha de Santa Catarina;

RESOLVE FIRMAR TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA

com

(a) a BASE AÉREA DE FLORIANÓPOLIS - BAFL, doravante denominada PRIMEIRA COMPROMISSADA, neste ato representada por seu Comandante;

(b) a ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DO CAMPECHE - AMOCAM, neste ato representada por seu Presidente, o Senhor Clenio José Braganholo;

(c) a ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DO MORRO DAS PEDRAS, neste ato representada por seu Diretor, o Senhor Paulo Roberto da Cunha Silva;

(d) a ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DA PRAIA DAS AREIAS, neste ato representada por seu Presidente, o Senhor Luiz Otto;

(e) a ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DO NOVO CAMPECHE - AMONC, neste ato representada por seu Presidente, o Senhor Carlos Alberto Apollaro;

(f) o CONSELHO COMUNITÁRIO DO RIO TAVARES, neste ato representado por seu Diretor, o Senhor Valter Euclides das Chagas;

(g) o CONSELHO COMUNITÁRIO DA FAZENDA DO RIO TAVARES, neste ato representado por seu Presidente, o Senhor Maurício Antunes;

(h) o CONSELHO DE SEGURANÇA COMUNITÁRIO DA PLANÍCIE DO CAMPECHE, neste ato representado por seu Coordenador, o Senhor Fernando Pontes Sousa;

(i) o CONSELHO LOCAL DE SAÚDE DO CAMPECHE, neste ato representado por seu Coordenador, o Senhor João Luiz S. Mendes;

(j) a UNIÃO FLORIANOPOLITANA DE ENTIDADES COMUNITÁRIAS - UFECO, neste ato representada por seu Presidente, o Senhor Modesto Azevedo;

(1) o INSTITUTO SÓCIO AMBIENTAL CAMPECHE, neste ato representado por sua Coordenadora-Geral, a Senhora Tereza Cristina Pereira Barbosa, todas doravante denominadas em conjunto SEGUNDAS COMPROMISSADAS, nas expressões seguintes:

DAS OBRIGAÇÕES DA PRIMEIRA COMPROMISSADA

CLAUSULA PRIMEIRA. A primeira compromissada compromete-se, assim que for alocada a verba para as três obras referidas nas letras "a", "b" e "c" da cláusula segunda do presente Termo, a conceder o uso dos 352 mil metros quadrados do "Campo de Aviação do Campeche", de domínio da União, sob a administração do Comando da Aeronáutica, para as segundas compromissadas, as quais darão à área destinação estritamente pública, de uso permitido a toda a comunidade, para tanto encaminhando a primeira compromissada o pedido de cessão e a documentação pertinente para registro e aprovação perante os órgãos responsáveis pelo patrimônio da União e demais entidades públicas eventualmente intervenientes.

DAS OBRIGAÇÕES DAS SEGUNDAS COMPROMISSADAS

CLÁUSULA SEGUNDA. As segundas compromissadas comprometemse a ampliar as instalações da primeira compromissada, realizando as seguintes construções, que permanecerão sob administração da primeira compromissada nos moldes a seguir descritos:

a) em caráter emergencial, um Hospital de Área, conforme projeto básico em anexo, para atendimento também à comunidade pela implantação do Plano de Emergência de Aeródromo - PEA, com pronto atendimento ao Aeroporto Internacional Hercílio Luz; apoio a ações sociais na forma a ser definida em estatuto, a exemplo do atendimento atualmente prestado voluntariamente a cerca de 300 menores carentes nas instalações da BAFL, e incremento da Missão de Ação Cívico Social (ACISO), consistente em ações coordenadas pelos Serviços Regionais de Saúde, destinadas a levar serviços de apoio à saúde a comunidades carentes em geral, bem como em caso de calamidades públicas.

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b) um prédio para o refeitório geral da BAFL, mantendo unificadas as dependências, ampliando a capacidade dos refeitórios para atender a todo o efetivo da Base Aérea nos horários das refeições e revitalizando todas as instalações dentro dos padrões atuais, conforme o projeto em anexo;

c) um hotel de trânsito dos oficiais da BAFL, solucionando o problema de hospedagem e proporcionando aos militares e à comunidade o aumento de circulantes no comércio regional; manobras de grande porte, com envolvimento de outras Forças Armadas; reconhecimento da importância da região no cenário político, econômico e militar; divulgação turística da cidade aos militares que venham a operar na BAFL, com seus familiares, e da importância de um Aeroporto estruturado e capaz de atender à demanda, com subsídios para ampliação ou construção de novo Terminal de Passageiros.

CLAUSULA TERCEIRA. As segundas compromissadas comprometemse a implantar na área cedida o denominado Aviação do Campeche nos primórdios da aviação na América Latina.

Parágrafo primeiro. 0 empreendimento consistirá de projetos e estruturas que atendam às áreas culturais, desportivas, educacionais e de lazer, e que visem a preservar a características ambientais e histórico-culturais da região, incluindo:

a) a construção de um centro cultural com a instalação de uma escola de artes;

b) a construção de áreas para a prática de esportes;

c) a realização de obras de infra-estrutura voltadas para o lazer, possibilitando atrativos para diversão e integração, além da realização de atividades culturais e sociais;

d) a construção de instalações para abrigo de unidades do Corpo de Bombeiros, Policia Militar e Polícia Civil;

e) a construção de um novo Centro de Saúde, para reduzir deficiências de infra-estrutura local e viabilizar uma política de medicina preventiva;

f) a construção de um Centro de Educação de ensino médio e profissionalizante, creche, biblioteca e videoteca, possibilitando a execução de atividades de pesquisas, profissionalização e qualificação de mão-de-obra;

Parágrafo segundo. Os projetos incluirão instalações de Museu da Aviação, Centro Cultural para abrigar escola de artes e profissionalizante, Biblioteca Pública, instalações para os órgãos de segurança e de saúde pública, rádio comunitária - após a aprovação pelos órgãos oficiais - Centro de Referência para Entidades nãoGovernamentais (Associações, Conselhos e ONGs) que trabalhem em prol do desenvolvimento sócio-ambiental e cultural da planície do Campeche, pista de ciclismo e de skate; ginásio(s) de esportes, piscina(s), quadra(s) esportiva(s), campo(s) de futebol, oca para capoeira e maracatu; praças de lazer; parques infantis; rua para exposição e comercialização de artes e artesanato locais e a formação de um anel verde com vegetação de restinga e mata atlântica.

CLÁUSULA QUARTA. As segundas compromissadas apresentarão ao Ministério Público Federal e à primeira compromissada, no prazo de dois anos, os projetos básicos ou executivos das obras acima mencionadas.

DO DESCUMPRIMENTO DO PACTUADO

CLÁUSULA QUINTA. Configura descumprimento ou violação, total ou parcial, de compromisso deste termo, qualquer conduta comissiva ou omissiva imputável às compromissadas e incompatível com as obrigações assumidas nas cláusulas acima, sujeitando o presente TAC à execução judicial independentemente de qualquer outra providência, nos termos do art. 5°, § 6°, da Lei no 7.347/85, acrescentados pela Lei n. 8.078/90.

Nada mais havendo, as partes inicialmente referidas, por seus representantes abaixo signatários, firmam de livre e espontânea vontade o presente COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA, em doze vias, que vão assinadas e rubricadas por eles e pelo membro do Ministério Público Federal.

Florianópolis, 14 de junho de 2004.

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Material de referencia nº 21

Carta de princípios da Comissão Comunitária de Segurança Cidadã

Os moradores e moradoras do Campeche e região próxima (Morro das Pedras, Areias do Campeche, J. Castanheiras, Rio Tavares e Fazenda do Rio Tavares) reunidos no dia 14 de dezembro de 2002, na Escola Municipal Brigadeiro Eduardo Gomes, decidiram criar e instalar a Comissão Comunitária de Segurança Cidadã, como se segue:

1- Justificativas:

Considerando o crescente índice de ocorrências criminais e a condição de insegurança da população;

Considerando a cidadania como efetiva participação das pessoas nas definições e decisões das políticas públicas;

Considerando que o assunto segurança pública, numa visão de conjunto, implica a organização da população pela melhoria da qualidade de vida, incluindo os direitos sociais e humanos;

Considerando que a Comissão Comunitária de Segurança é uma forma democrática e ativa da sociedade civil, a mesma constitui-se com os objetivos abaixo definidos.

2- Objetivos:

2.1. Promover e ampliar a discussão e os encaminhamentos práticos sobre a segurança e qualidade de vida;

2.2. Organizar a participação popular no movimento pela paz e segurança;

2.3. Promover a consciência cívica democrática e dos direitos de cidadania, com valorização da prevenção dirigida contra as condições que estimulam o crime;

2.4. Contribuir, em caráter consultivo, com a elaboração da agenda para o trabalho policial bem como sua avaliação pública;

2.5. Contribuir com a construção de modalidades do trabalho policial que tenham caráter ostensivo e preventivo orientado pelo compromisso com a construção social da paz com respeito aos direitos humanos;

2.6. Apoiar a implantação da polícia comunitária como modalidade de atuação mais responsável pelo bairro, a partir dos diagnósticos das causas e definições estratégicas de intervenção preventiva.

2.7. Participar da elaboração do geoprocessamento das ocorrências para montagem da cartografia social da segurança pública do território, possibilitando a análise objetiva para definição de estratégias preventivas;

2.8. Contribuir com o estabelecimento de políticas e participação decisória nas atividades fundamentais no âmbito aqui proposto.

3. Participantes:

A participação é por adesão voluntária dos moradores e moradoras e associações da região;

4. Organização:

A forma de organização é colegiada com subcomissões e coordenações (com a participação de moradores e representantes das instituições da segurança pública e outras).

As primeiras subcomissões, sem prejuízo de futura criação de outras, são:

1-educação e promoção

2-pesquisa

3-relações institucionais

4-Comunicação social

5. Forma de decisão:

Assembléias como instância máxima de deliberação e reunião das subcomissões e coordenações para os encaminhamentos.

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Material de referencia nº 22

Compromisso do Campeche A comunidade da Planície do Campeche reunida em 17 de outubro de 2003, convocada pela AMOCAM

(Associação de Moradores do Campeche) pelo ISA-Campeche (Instituto Sócio-Ambiental-Campeche) Movimento SOS Esgoto Sul da Ilha e pelo MCQV (Movimento Campeche de Qualidade de Vida), elaborou um documento intitulado Compromisso do Campeche que está sendo enviado a todas as autoridades locais, vereadores, deputados, órgãos de fiscalização e partidos políticos. Precedido de larga divulgação por panfletos, faixas, carro de som e pela imprensa escrita, o evento denunciou uma série de crimes ambientais e contra o patrimônio histórico ocorridos na região nos últimos meses. Assim, as manifestações democráticas durante o evento apontaram a necessidade de um comprometimento maior entre moradores, órgãos oficiais da municipalidade e políticos, o que originou o Compromisso do Campeche. A partir deste documento, as associações e entidades representativas da comunidade convocarão um novo encontro para verificar as falhas de responsabilidade e avanços nas questões de fiscalização que deterioram a paisagem da região (fotos no site www.campeche.org.br). Desta forma, os compromissos abaixo são considerados mínimos para estancar o acelerado processo de degradação ambiental e dos padrões culturais da região. 1. Apoio à proposta de lei municipal, limitando a dois (2) pavimentos sem nenhum tipo de incentivo às construções na região, principalmente nas áreas de orla marítima até 800 metros da preamar; 2. Defesa e aplicação da Resolução 303/02 do Conama; 3. Apoio à revisão dos licenciamentos irregulares de construções, impondo modificação de projetos quando necessário e, fundamentalmente, não licenciar mais construções ou atividades que violem as legislações ambientais e culturais; 4. Apoio à implementação de uma fiscalização efetiva dos órgãos competentes contando com o trabalho de fiscalização voluntária pelos membros das comunidades, nos moldes dos anos 80 e 90; 5. Apoiar a demarcação imediata do Parque da Lagoa Pequena, já definido em lei e pela justiça; 6. Apoiar a recuperação e desassoreamento das Lagoas Pequena e da Chica; 7. Apoiar a elaboração de lei que declare o Campo de Aviação do Campeche como “Área de Interesse Social”, para transformá-lo em área de cultura, esporte e lazer da comunidade, e não permitir em nenhuma hipótese sua devastação ou desvirtuamento de utilização; 8. Apoiar o tombamento das matas de restinga, preservadas ou em processo de regeneração; 9. Compromisso com a execução e aplicação da lei 078/2001, que dispõe sobre o uso de bicicletas e o sistema cicloviário, bem como a construção de calçadas para pedestres em todo o bairro; 10. Buscar uma terceira alternativa de planejamento –em conjunto com a comunidade - dando fim ao impasse entre os Planos Diretores da Prefeitura (Ipuf), do Legislativo e da Comunidade para a Planície Intermares, nos mesmos moldes democráticos que ocorrem no Pântano do Sul, Armação e Santo Antônio de Lisboa; 11. Priorizar um sistema adequado de saneamento e esgotamento sanitário à macro-drenagem da região. Ambos só deverão ser executados após Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (EIA/RIMA) e audiências públicas; 12. Compromisso de apoiar o encaminhamento junto ao Legislativo Municipal, Floram, Ipuf, Fatma, Ibama, Ministério Público e a Comunidade Organizada (associações, ONGs e instituições ligadas à questão ambiental), a proposta de formação de um Comitê de Acompanhamento e Relatoria Ambiental da Planície do Campeche. O objetivo é relatar, orientar e integrar estes órgãos quanto ao desempenho de suas funções e responsabilidades. Este encaminhamento deve ser oficializado pela Câmara Municipal, e caberá ao Comitê emitir relatórios periódicos seguidos de divulgação. Florianópolis, 17 de outubro de 2003 AMOCAM, ISACAMPECHE, MCQV