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Noções de cidadania no Telecurso 2000: Plasticidade social ou construção de identidade? Maria das Graças Pinto Coelho * Abril de 2005 Índice 1 Introdução 1 2 O que é o Telecurso? 3 3 É comparando que se entende 4 4 Motivando a autodeterminação 5 5 A plasticidade flexível 7 6 Contrapontos 10 7 Referências 12 1 Introdução O estudo em evidência reflete uma iniciativa de educação a distância que em sua cons- tituição apresenta-se como um projeto de formação social, portanto público, mas que na concepção é lançado como apêndice de desenvolvimento das políticas públicas no país, interferindo nos protocolos educacio- nais e comunicacionais. Em tal contexto, os meios e processos comunicacionais uti- lizam sofisticadíssimas técnicas de gerencia- mento de opinião, promovendo suas natu- rezas performáticas e interferindo no espaço * Professora Adjunta do Departamento de Co- municação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Membro do Programa de Pós- graduação em Educação - PPGE-UFRN. Cordena- dora da Base de Pesquisa Gemini - Grupo de Estudos de Mídia - UFRN-CNPq - [email protected] público a partir de suas próprias realidades paradigmáticas. Os meios adiantam as re- formas do Estado, inclusive no campo da educação, e pressionam para que os agen- tes públicos funcionem como se estivessem no mercado. O espaço público é modelado no ethos privado. Estabelece-se um sentido, que no estudo de caso é revelado através de um engenhoso projeto de educação à distân- cia - o Telecurso 2000 - ressaltado na plasti- cidade social brasileira. Nesse caso, a edu- cação entra em um script paralelo, modelada docilmente pela performance midiática, sem a oportunidade de ousar ressignificar-se na abrangência do processo comunicacional. São experiências que ultrapassam alguns paradigmas que serviam à organização dos protocolos de interação entre a educação e a comunicação - antes cindidas em duas ru- bricas com etiquetas específicas e diferencia- das. é reconhecido que as duas áreas per- manecem divididas sim, no campo episte- mológico, mas juntas como interesse de su- porte às políticas públicas e privadas. Sofisti- cadas técnicas são tecidas na direção da ma- nipulação simbólica. A junção da educação com a mídia serve, ainda, para formar consumidores ungidos na cultura de consumo de massa. As narrati-

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Noções de cidadania no Telecurso 2000:Plasticidade social ou construção de identidade?

Maria das Graças Pinto Coelho∗

Abril de 2005

Índice

1 Introdução 12 O que é o Telecurso? 33 É comparando que se entende 44 Motivando a autodeterminação 55 A plasticidade flexível 76 Contrapontos 107 Referências 12

1 Introdução

O estudo em evidência reflete uma iniciativade educação a distância que em sua cons-tituição apresenta-se como um projeto deformação social, portanto público, mas quena concepção é lançado como apêndice dedesenvolvimento das políticas públicas nopaís, interferindo nos protocolos educacio-nais e comunicacionais. Em tal contexto,os meios e processos comunicacionais uti-lizam sofisticadíssimas técnicas de gerencia-mento de opinião, promovendo suas natu-rezas performáticas e interferindo no espaço

∗Professora Adjunta do Departamento de Co-municação Social da Universidade Federal do RioGrande do Norte. Membro do Programa de Pós-graduação em Educação - PPGE-UFRN. Cordena-dora da Base de Pesquisa Gemini - Grupo de Estudosde Mídia - UFRN-CNPq - [email protected]

público a partir de suas próprias realidadesparadigmáticas. Os meios adiantam as re-formas do Estado, inclusive no campo daeducação, e pressionam para que os agen-tes públicos funcionem como se estivessemno mercado. O espaço público é modeladono ethosprivado. Estabelece-se um sentido,que no estudo de caso é revelado através deum engenhoso projeto de educação à distân-cia - o Telecurso 2000 - ressaltado na plasti-cidade social brasileira. Nesse caso, a edu-cação entra em umscriptparalelo, modeladadocilmente pela performance midiática, sema oportunidade de ousar ressignificar-se naabrangência do processo comunicacional.

São experiências que ultrapassam algunsparadigmas que serviam à organização dosprotocolos de interação entre a educação ea comunicação - antes cindidas em duas ru-bricas com etiquetas específicas e diferencia-das. é reconhecido que as duas áreas per-manecem divididas sim, no campo episte-mológico, mas juntas como interesse de su-porte às políticas públicas e privadas. Sofisti-cadas técnicas são tecidas na direção da ma-nipulação simbólica.

A junção da educação com a mídia serve,ainda, para formar consumidores ungidos nacultura de consumo de massa. As narrati-

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vas do “senso comum”, usadas por liberais econservadores, popularizadas nos textos cul-turais, ajudam a mobilizar o consentimentoàs posições políticas hegemônicas, no casoatual, toma corpo a retórica neoliberal con-tida no hipertexto midiático.

De todo modo, a inserção do projeto Te-lecurso 2000 no espaço público brasileiro éum fato, embora desperte controvérsia sobrea sua amplitude social. As decisões que in-fluenciaram o processo político de sua con-cepção nunca foram debatidas junto aos seg-mentos sociais que estão envolvidos diretaou indiretamente com a educação de jovense adultos. O projeto queimou algumas etapascomunicacionais requeridas à sua implemen-tação. Não levou em consideração a intera-ção entre a formação da vontade institucio-nalizada e os espaços públicos culturalmentemobilizados. No que pese a chancela go-vernamental, através dos Ministérios do Tra-balho e Educação, o poder de decisão coubeàs organizações empresariais. Esta condutapor si só já representa um claro antagonismoentre o seulocusde concepção/produção e oespaço público onde ele é veiculado.A polê-mica se acirra quando se resgata a discussãosobre formação fundamental. Sua inserçãonão é aceita por se tratar de um projeto deeducação à distância, supletiva, que por suaspróprias características não suporta seguir astrajetórias escolar fundamentais, iniciais, decultura geral e humanística.

Partiu do segmento empresarial a idéia deconceber o Telecurso e, mais ainda, a arre-gimentação dos recursos que o viabilizaram.Também coube ao empresariado nacional acondução do processo político. No entanto,a ausência de outros segmentos sociais nocomando coloca em xeque a iniciativa de-vido a sua abrangência político-pedagógica.

Deve se levar em consideração o fato de queesse é um projeto de formação social, port-anto circunscrito ao espaço público. E é esteo movimento a ser considerado na análisede projetos que utilizam os meios na edu-cação, em circuito aberto de televisão, a par-tir de uma concepção híbrida da expressãopúblico-privado.

Como as estratégias culturais são orga-nizadas em torno de uma pedagogia pública?Esta era a pergunta inicial para chegarmosao Telecurso. A partir daí o estudo repassouas diversas maneiras como a cultura se rela-ciona com o poder e como e onde as funçõesculturais são simbólicas ou institucionais naeducação. Foi levada em consideração aprática imediata da política cultural empre-gada na estratégia proposta. A análise tam-bém procurou responder quais as noções dediferença, de responsabilidade civil, comu-nitária e de pertencimento, que estão sendoproduzidas em um determinado lugar, comespecíficas formações discursivas e práticas,o que, segundo HALL (1996: p.4), são ele-mentos constitutivos de uma pedagogia púb-lica crítica.

A política cultural de uma nação, ainda se-gundo HALL (1996), é, em parte, as estraté-gias que cada povo escolhe para regular edistribuir o saber. Mas a capacidade depensar politicamente é, também, mediadapelas formas como cada cultura é governada.São os projetos culturais, resultantes dos sis-temas de cultura nacionais, que modelam aspráticas humanas, a conduta e a ação socialdo cidadão. Portanto, as formas como as pes-soas interagem com as instituições e em so-ciedade, dependem da maneira como os seussistemas culturais estão conduzindo questõesligadas à identidade política e seus significa-dos.

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Ao mesmo tempo também é através doreconhecimento de seuslocusde produção,realização e circulação, o campo midiático,que o Telecurso 2000 se credencia comoum projeto cultural relevante para a tran-sição econômica nacional. Através da natu-reza de seu campo ele se insere no aspectotecnológico que sustenta a expansão das re-des de informação no processo de globali-zação. Coincidentemente, reside nesselócuso mundo em transição onde são negociadasas novas formas simbólicas que marcam osprodutos culturais na atualidade. O projetose apresenta em uma situação ímpar. É aomesmo tempo objeto e sujeito da cultura deinformação.

Nesse caso, a cultura fornece inúme-ras razões constitutivas para reconhecê-lo como um projeto político-pedagógico-público. Mas para tanto, é necessário quese reconheçam suas estratégias de represen-tação e interrupção da realidade, tal qual sãoapresentadas para o seu público-alvo na pro-gramação analisada. São atributos dessa re-presentação, por exemplo, a construção daidentidade nacional veiculada pelo projetode formação.

No entanto e, obviamente, a cultura é li-vre para flutuar. Perpassa por vários signi-ficados e é um campo social onde o po-der muda constantemente; onde identida-des estão em permanente trânsito e onde aagenda se situa na última tecnologia, no úl-timo conhecimento. O projeto se impõe, so-bretudo, como prática performativa à moder-nidade dos meios. Pedagogia pública, aindasegundo HALL (1997), envolve, sobrema-neira, práticas morais e políticas, mais doque um simples procedimento técnico.

Por outro lado, os sistemas culturais emsuas várias interconexões emitem valores

que são distribuídos na forma de conheci-mento social, sejam eles, culturais, técnicos,cognitivos, ou sócio-econômicos. Portanto,desde que se entenda o Telecurso 2000 comosendo um projeto de formação social, geradoem um sistema cultural próprio, seu pro-duto final, a programação exibida, está sendomonitorada através de uma agenda culturalespecífica, onde se articulam os elementosque compõem a cultura midiática, com aspráticas sociais que estão sendo propostas.São perseguidos os sentidos do conceito decidadania nas três esferas do campo discur-sividades, narrativas e técnicas.

2 O que é o Telecurso?

O Telecurso 2000 foi originalmente conce-bido para promover a escolaridade de dezmilhões de trabalhadores que oscilam entre oanalfabetismo, a alfabetização instrumentalou têm menos de oito anos de escolaridade.Implantado em 1995, hoje sua expansão nãose restringe à educação supletiva do traba-lhador. Também está sendo usado como al-ternativa à educação formal em alguns esta-dos brasileiros. É resultado de uma parceriaentre o governo e o empresariado nacional.Tem a chancela e o financiamento de organi-zações públicas e privadas.

Confrontado com os fenômenos observa-dos na sociedade de informação, o Telecursodetém um discurso midiático natural, produ-zido nolócusde sua própria concepção e vaialém. O Telecurso também possibilita a ar-ticulação necessária para a reflexão das trêsforças que compõem as mudanças atuais. Asduas primeiras - revolução tecnológica e areestruturação do capitalismo mundial, re-volucionam a organização produtiva em es-cala global com implicações para o mundo

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do trabalho e para as nossas existências aodeslocar para outras dimensões experiênciasde tempo e espaço. Uma terceira força, estacontraditória, impulsiona a busca por identi-dades. A reconstrução das identidades políti-cas, culturais, sociais, territoriais, religiosas,éticas, nacionais, entre outras, está na ordemdo dia e, curiosamente, coexiste com a ex-pansão do processo de globalização.

A reestruturação do capitalismo mun-dial impulsiona a reacomodação do Estado-nação, bem representada pela mídia para as-segurar a hegemonia do projeto político dadoutrina neoliberal. O fundamentalismo demercado, contido na doutrina, transformou amaneira como cada povo lida com a identi-dade e com a conexão entre resistência co-munitária e os novos movimentos sociais.Esta terceira força é aferida na medida emque a categoria cidadania, como construtoidentitário, está sendo enfocada na análise doProjeto estudado.

Para tanto, foram extrapoladas as barrei-ras do conceito mais conhecido, as três di-mensões clássicas de MARSHALL (1967):direitos e deveres civis, políticos e sociais,onde se agrega uma nova dimensão, a cultu-ral. A regra foi reconsiderar o cidadão atuala partir da expansão das redes de comuni-cação e informação. Registrando sua lícitapresença na rede imaginária do sistema deexpansão global e observando as novas re-dimensões territoriais que o abrigam física, esimbolicamente na sociedade atual.

A proposta educativa do projeto Telecursofoi revista estabelecendo relações entre po-der, ideologia e resistência na esfera social eem seulócusde produção imanente. A pes-quisa fez a conexão entre os sistemas cul-turais e os estudos de mídia e observou arelevância que o campo midiático ocupa na

atualidade. Por outro lado, reconheceu nosestudos culturais a possibilidade de matizaro estilo posto na programação

3 É comparando que se entende

A análise da programação observa como sãonegociados os significados postos no eixo“atitudes de cidadania” -, escolhido na pro-posta técnica-pedagógica do projeto. A ver-são considerada se apresenta noCaderno deCapacitação 1 - Conhecendo o Telecurso2000 -,(1999).

O Caderno de Capacitação 1,escolhidopara abalizar a lógica de produção do Tele-curso 2000 é mais recente e reproduz, emparte, o documento técnico-pedagógico queserviu de base de no lançamento do projetoem circuito nacional em 1996. A mudançafundamental diz respeito ao deslocamentodasatitudes de cidadaniados princípios parao eixo temático principal. Nessa nova ver-são, as práticas cidadãs estão sendo apon-tadas como um tema transversal a todas asdisciplinas veiculadas na programação. Exa-tamente como acontecia com o tema tra-balho na versão que regia os fundamentosdo “Telecurso 2000 -Educação para o Tra-balho”, em 1994. Na introdução, o docu-mento técnico-pedagógico se apresenta as-sim: “participar da construção de uma so-ciedade mais justa e solidária exige oferecermeios para que todos exerçam plenamente asua cidadania” (FRM: 1999, p.2).

A construção de noções de cidadania, quesurge com todo vigor nos documentos de1999, relaciona-se diretamente com o pro-jeto normatizador de educação nacional im-plantado pelo Governo federal: osParâme-tros Curriculares Nacionais - PCNs; conce-bido para estandardizar o sistema brasileiro

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de educação. Os PCNs convergem para umanorma instrumental comum, apesar de re-conhecerem as diferenças regionais - cultu-ral e econômico-social do país. É um projetogovernamental audacioso porque se situa nadiscussão do processo de globalização em al-guns aspectos - técnicos, econômicos e cul-turais - e tem como objetivo manter as ca-racterísticas nacionais. Desperta a discussãosobre identidades e pertencimento na socie-dade brasileira.

Entre os objetivos do Ensino Fundamen-tal, os Parâmetros Curriculares Nacionaisindicam que os alunos sejam capazes de:“compreender cidadania como participaçãosocial e política, assim como exercício de di-reitos e deveres políticos civis e sociais, ado-tando, no dia-a-dia, atitudes de solidarie-dade, cooperação e repúdio às injustiças, re-speitando o outro e exigindo para si o mesmorespeito...” (MEC/SEF, 1998: p. 7). A pro-posta dos Parâmetros é bem direta no que serefere ao direito dos alunos brasileiros sobreo acesso aos conhecimentos indispensáveispara a construção de sua cidadania.

Cidadania é um fenômeno espacial etemporal, historicamente definido, mesmoquando se apresenta enquanto entidade legale territorial, sobre a qual são associados di-reitos e deveres. Tanto os Parâmetros Curri-culares Nacionais (PCNs), que normatizam aeducação brasileira , como o Telecurso 2000,elegeram a construção de noções de cida-dania como eixo principal na formação es-colar. Por essa razão, este trabalho escol-heu confrontar o sentido de cidadania con-tido em ambos os projetos. A comparaçãoé legítima. Os valores que estão sendo atri-buídos ao conceito de cidadania em ambosos projetos, o de educação nacional, e o Te-lecurso 2000 podem divergir, algumas vezes

até sem lhes modificar a natureza, mas tam-bém podem convergir.

Em termos quantitativos, as fitas foram vi-stas na seqüência apresentada pelo projeto.A única exceção desse procedimento refere-se às aulas de matemática porque as fitas in-iciais apresentaram problemas no ambienteonde foram requisitadas. Elas foram vistas apartir da aula 21 até a 60, de um total de 80aulas. História Geral e do Brasil, foi anali-sada através das aulas 1 a 33, de um total de40 aulas; Ciências de 1 a 40, de um total de70 aulas; Geografia, de 1 a 37, de um total de50 aulas. A disciplina de Português foi vistanos programas/aula de 1 a 36 e mais a fitaN0 6, que apresenta as aulas de 41 a 47 emum universo de 90 aulas. O estudo de LínguaEstrangeira - Inglês - não foi considerado. Aanálise de expressão alcançou mais de 50 porcento dos programas apresentados.

4 Motivando a autodeterminação

Em princípio, verificamos a pertinência ounão da tese central proposta na normatizaçãodos PCN, onde se situam os parâmetros ins-trumentais de desenvolvimento da cidadanianacional. Foi refletida uma lógica exeqüí-vel e predominante nas instituições nacionaisque permite aceitar a noção de integração ter-ritorial contida na construção de identidades.Tal lógica admite que a formação da cidada-nia passa em primeira mão pelo reconheci-mento das identidades nacionais, representa-das pelos grupos sociais nelas contidos.

Para tanto, repassamos a crise do conceitode Estado-nação, ressaltada no processo deglobalização de bens e serviços. A crisejoga contra uma unicidade entre identidades,nações e Estados. Por outro lado, o que seapreende do deslocamento do conceito do

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Estado-nação é que na atualidade o Estadoluta incondicionalmente para reconstruir sualegitimação e instrumentalidade, juntando associedades civis locais para se projetar noprocesso de expansão das redes transnacio-nais.

Essa é uma estratégia articulada por partedos governos mundiais para fazer fase aosimperativos globais comuns. Para tanto, sãousados os sistemas educacionais no sentidode promover coesão social e transmitir aidéia de identidade nacional. No caso doBrasil, o projeto normativo é mais auda-cioso porque abre espaço para uma coalizãode interesses sociais fundamentados em umaidentidade (re)construída.

Para se entender o procedimento de recon-strução é interessante se chegar à visão deCASTELLS (1999: p. 60) sobre o assunto.Ele entende por identidade a fonte de signi-ficado e experiência de um povo. CitandoCALHOUN, CASTELLS (2001) apresenta oconceito:

Não temos conhecimento de um povoque não tenha nomes, idiomas ou cultu-ras em que alguma forma de distinçãoentre o eu e o outro, nós e eles, não sejaestabelecida... O autoconhecimento - in-variavelmente uma construção, não im-porta o quanto possa parecer uma desco-berta - nunca está totalmente dissociadoda necessidade de ser conhecido, de mo-dos específicos, pelos outros” - CAL-HOUN apudCASTELLS (2001: p. 22).

Não é difícil concordar com o fato de que aidentidade cultural de um povo é construída.Ainda segundo CASTELLS (2001: p. 23),a principal questão que envolve a discussão,diz respeito a como, por quem, a partir do

quê e para quê isso acontece. Sobre o queme para quê, ele mesmo dá a pista: estaria con-tido na resposta o grande conteúdo simbólicodessa identidade que está sendo construída,bem como o de seu significado para aquelesque se identificam ou dela se excluem.

O autor identifica três formas de origensde construção de identidade:

• “Identidade legitimadora: introdu-zida pelas instituições dominantesda sociedade no intuito de expandire racionalizar sua dominação em re-lação aos atores sociais, tema esteque está no cerne da teoria de au-toridade e dominação de Sennett,6

e se aplica a diversas teorias donacionalismo7.

• Identidade de resistência: criadapor atores que se encontram emposições/condições desvalorizadase/ou estigmatizadas pela lógicada dominação, construindo, assim,trincheiras de resistência e sobrevi-vência com base em princípios di-ferentes dos que permeiam as in-stituições da sociedade, ou mesmoopostos a estes últimos, conformepropõe Calhoun ao explicar o sur-gimento da política de identidade8.

• Identidade de projeto: quandoos atores sociais, utilizando-se dequalquer tipo de material cultural aoseu alcance, constroem uma novaidentidade capaz de redefinir suaposição na sociedade e, ao fazê-lo, de buscar a transformação detoda a estrutura social. Esse é ocaso, por exemplo, do feminismoque abandona as trincheiras de re-

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sistência da identidade e dos direi-tos da mulher para fazer frente aopatriarcalismo, à família patriarcale, assim, a toda a estrutura de pro-dução, reprodução, sexualidade epersonalidade sobre a qual as so-ciedades historicamente se estabe-leceram (CASTELLS, 2001, p. 24).

Isto posto, resta identificar as razões con-sideradas na (re)construção do significadode identidade nacional do projeto normativodo Ministério de Educação brasileiro. Semdúvidas, os PCN não chegaram a normati-zação proposta do nada. Este foi um pro-cesso intencional de alteração do indivíduo,visando a implantação de um projeto de for-mação social, audacioso, tendo em vista quesua finalidade principal foi a de transformara coletividade onde ele atua. Obviamente,também, que esta é uma estratégia articu-lada porque negocia novos códigos cultu-rais a partir da matéria prima fornecida pelahistória. Então, historicamente, como o Bra-sil tece seu jogo de identidades refletido emseu imaginário social?

5 A plasticidade flexível

O estilo de vida do brasileiro, que tam-bém é uma construção histórica, para SILVA(1996) se caracteriza principalmente pela suaplasticidade, que contrasta com os saberesdivulgados pela escola, igreja, e entidadesdestinadas à regulamentação do social. Noentanto, o processo de formação cultural dopovo brasileiro é motivo de muita especu-lação por parte de pensadores como GilbertoFreyre - Casa Grande & Senzala (1961) eSérgio Buarque de Holanda - Visão do Pa-raíso (1959). De modo que ambos os pensa-

dores convergem na construção do mito. Ummito ungido em suas raízes históricas, emuma combinação forjada entre a população eas instituições. SILVA (1996), ressalta a “fle-xibilidade” como sendo a identidade nacio-nal mais significativa. Essa idéia surge a par-tir de um comentário de FREYRE (1961) so-bre a dinâmica que tem constituído o Brasildesde 1500:

Considerada de modo geral, a formaçãobrasileira tem sido, na verdade, como jásalientamos às primeiras páginas desteensaio, um processo de equilíbrio de ant-agonismos. Antagonismos de economiae de cultura. A cultura européia e a in-dígena. A européia e a africana. A afri-cana e a indígena. A economia agrária ea pastoril. A agrária e a mineira. O cató-lico e o herege. O jesuíta e o fazendeiro.O bandeirante e o senhor de engenho. Opaulista e o emboaba. O pernambucano eo mascate. O grande proprietário e o pa-ria. O bacharel e o analfabeto. Mas pre-dominando sobre todos os antagonismos,o mais geral e o mais profundo: o senhore o escravo (FREYRE 1961: p. 73).

Referindo-se a fixação do imaginário doponto de vista institucional, SILVA (1996,p.33), evoca FAORO (1975), para lembrarque no processo de construção do mito osgovernantes tinham a preocupação de “er-guer um império comgente vil”. O ant-agonismo “mais profundo”, observado porFREYRE (1961), ou seja, a relação do se-nhor com o escravo, é a mais arraigada dastradições nacionais. é também a que maisse credencia na reflexão do imaginário socialbrasileiro.

Um país legitima sua identidade nacionalquando de alguma forma suas instituições,

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governos, tradições, refletem a história desua população. E por várias razões históri-cas, o passado escravocrata nacional não foiexpurgado. Vez ou outra, a cada novo passorumo à autodeterminação, nossa escravocra-cia sai do armário e assusta a todos se pro-jetando em uma obscura sombra de passado.Porque mesmo que a população, governo einstituições se unam na simulação de umanova identidade, as camadas mais pobres dasociedade tratarão de desarticular o acordo,lembrando a todos sua posição diferenciada.Sem uma redenção de fato, que incorporeséculos de discriminação sócio-econômica einstitucional, esse segmento populacional ja-mais vai se sentir representado nas decisõesque acontecem no centro do poder nacional.

Para o bem ou para o mal a história brasi-leira carrega consigo uma imensa carga far-sesca. Uma dissimulação das relações reais.Algumas vezes, a farsa até se transverte emum jogo envolvente para regojizo de todasas raças, cores e crenças. As identidadesnacionais, enfocadas pelos historiadores, fre-qüentemente transbordam em contradições.HOLANDA (1995) exalta os valores do ho-mem cordial, ungido nas relações coloniais,como sendo o traço definitivo do caráter bra-sileiro. A polidez - traduzida recentementecomo “flexibilidade” - seria um mecanismode defesa ante a sociedade. A lhaneza notrato, a generosidade e a hospitalidade, noentender de HOLANDA (idem), é o convíviobaseado na ética de fundo emotivo. Na éticaque se confunde com a etiqueta. É a traduçãodo desejo do escravo de estabelecer intimi-dades com o seu senhor. Seria, portanto,uma convivência humana dissimulada pelosujeito para esconder as diferenças sociais,étnicas, ou mesmo econômicas que rondam asociedade brasileira. As mesmas diferenças

que a colocam em um lugar privilegiado noranking das desigualdades sócio-econômicasmundiais.

Conseqüentemente, o esforço propostopelo Estado, através das normas contidas nosPCN, deve levar em consideração a matériaprima histórica da construção. Em primeirolugar, devido às peculiaridades expostas, anação, em última análise, não se vê represen-tada na noção de integração. Não existe umaidentidade nacional que abra espaço parauma coalizão de interesses sociais funda-mentados em uma identidade (re)construída.Uma força social/política definida por umadeterminada identidade (ética, territorial, re-ligiosa, tribal ou étnica) que possa ser trans-formada nesta noção.

Voltando para a idéia do construto, CAS-TELLS (2001), o projeto nacional pareceestar lidando com as três formas de origempropostas, no entanto, aidentidade de pro-jeto, que permite a construção do sujeito,pode estar sendo favorecida nos Parâme-tros Curriculares Nacionais. Citando TOU-RAINE, CASTELLS (2001), dá uma idéiado que significa essa produção:

Chamo de sujeito o desejo de ser um in-divíduo, de criar uma história pessoal,de atribuir significado a todo o conjuntode experiências da vida individual... Atransformação de indivíduos em sujeitosresulta da combinação necessária de duasafirmações: a dos indivíduos contra ascomunidades, e a dos indivíduos con-tra o mercado (CASTELLS, apud TOU-RAINE 2001, p. 26).

Repassando essa seqüência, chega-se a umresultado evidente: existe uma dinâmica nasidentidades que as conduz a um trânsito per-manente. Por outro lado, também se torna

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claro que a constituição do senso de cidada-nia, proposto em ambos os projetos revistos,somente acontece quando os alunos são ca-pazes de pensar os seus papéis enquanto su-jeitos da história.

Para garantir o construto identitário doaluno, ou seja, o exercício pleno de suasfunções políticas, produtivas e culturais, am-bos os projetos precisam estar atentos a todauma complexa compleição que articula anoção de cidadania. Seria necessário desco-brir um princípio unificador dentro da naçãoque seja válido aos interesses e vontades co-muns. No entanto, a sombra obscura da for-mação cultural brasileira persiste e é precisoaprender a lidar com ela.

Pensando na convivência pacífica se chegaà intersecção dos dois projetos que mais am-bicionam a formação social brasileira. A co-mum união em torno de um mesmo ponto.A aceitação de que a sociedade atual se-ria o palco inequívoco de uma sociedadecivil mediada pelo consumo e pela infor-mação. Dessa forma, a flexibilidade plá-stica da formação brasileira, defendida porSILVA (1996), estaria sendo reconhecida eexaltada. Nem a escola, nem as instituições,podem prescindir de incorporar ao processode formação cultural do povo brasileiro, oseu imaginário. O projeto normatizador ne-cessita integrar os fios que tecem a ficção ea realidade, de maneira cuidadosa, para con-seguir articular uma amálgama definitiva li-gando educação e imaginário. Descartando,portanto, a preocupação de formar apenas eatravés da racionalidade sábia, a serviço dahumanização da vida.

Mas qual imaginário é esse que pareceestar em permanente conflito? Talvez seja oimaginário que surge na relação direta que opaís mantém com a televisão, com os meios

de comunicação. Com a sua tradição oralinequívoca. O Telecurso 2000 tem um papelfundamental na confecção do amálgama queparece ser a representação que a sociedadefaz dela mesma e projeta através dos meios.Tem o mérito de trazer para o campo da edu-cação os códigos culturais que os alunos têmacesso em seu cotidiano.

Dito de forma simples, o Telecurso repre-senta exatamente o produto final de uma so-ciedade que atravessa aceleradas mudançastecnológicas sobrevivendo aos seus própriosantagonismos. É a cara do Brasil rural, po-voado de antenas parabólicas, cuja popula-ção permanece sentada em uma praça qual-quer, sem escolas, assistindo a última tele-novela. Melodramas reais, cujos enredos en-fatizam as nossas contradições econômico-sociais, as passividades do presente, a guerrapermanente e sem solução entre as elites e opovo.

É também no Telecurso que a sociedadebrasileira descobre que nenhum programa detelevisão é poderoso o suficiente para en-terrar a realidade desigual que a sustenta.A televisão serve, no caso, para lembrar aotelespectador que existe uma sociedade deconsumo de massas, estratificada, onde doismundos convivem e se alternam contradito-riamente: o pensado e o vivido. Já a nor-matização dos PCN existem, e é bom queexistam, para lembrar a todos que é possí-vel à construção de um mundo mais igual.Um mundo povoado de sujeitos sociais, con-victos de seu papel na construção de umEstado de direito democrático. Cumprem asua função de tentar harmonizar, de maneirasimples, as dimensões simbólicas da socie-dade, com seus processos produtivos e ope-racionais. Nesse caso, ele existe para nor-

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matizar um projeto nacional e abrangente deformação educacional.

No entanto, pode se afirmar que a adoçãodos Parâmetros segue na contramão do mer-cado. “O pensamento elitista da identi-dade nacional começa, assim, a afastar-sedo território - que inclui povo e natureza -,voltando-se para valores transnacionais, ad-vindos do “Outro”, definido como centrali-dade hegemônica do capital” SODRÉ (2000,p.130). Ainda segundo SODRÉ (op. Ci-tada), a virada do milênio revive o século de-zenove, quando as elites nacionais selavamseu pacto perpetuo e faziam um grande es-forço de europeização a título de resgate desua identidade pessoal e coletiva, fora dasbases da política comunitária tradicional.

A parte mais relevante dos PCN é asua originalidade. No sentido da gênese.Eles articulam um novo compromisso coma história da formação social do povo bra-sileiro. Seu arrojo reside na proposta queresgata o construto de cidadania, a partir dare-construção de uma noção de identidadenacional. Rompe com a inércia da escola queesteve por muito tempo paralisada diante daabrangência e sofisticação dos meios de in-formação e comunicação. Redime o sistemanacional de educação de haver passado aolargo, por várias décadas, da discussão queenvolve cultura de consumo de massas.

Os PCN trabalham no sentido de encon-trar um equilíbrio entre formação e culturade massas. Pensam a expansão dos meios decomunicação e informação como fato social,código e instituição. Por outro lado, o pro-jeto que se utiliza dos meios de comunicaçãopara aumentar a escolaridade dos trabalha-dores brasileiros, o Telecurso 2000, tambémteve que se enquadrar nas normas para pros-seguir ocupando um espaço que, reconheci-

das as diversidades culturais apontadas, tam-bém lhe diz respeito no processo educacionalbrasileiro. Resta saber como ele se enquadranessa missão.

6 Contrapontos

Este trabalho teve a preocupação de atribuirsentidos aos vídeos de modo que eles fos-sem apreendidos como qualquer outro mate-rial educacional. O que significa dizer queeles são matizados pelos valores, convicçõese interesses daqueles que os desenvolvem.Não podem, portanto, ser encarados comoprodutos neutros. Eles se apropriem tantodos valores presentes no campo midiático,como dos valores educacionais. A linha deargumentação sobre a natureza do materialapresentado nesse estudo atravessou valoreseconômicos, históricos, estéticos, técnicos,organizacionais, culturais, de produção ori-entada, e ideológicos. Enquanto todos oscritérios citados foram claramente importan-tes para a sua concepção, o caráter ideoló-gico da programação analisada sustentou atensão analítica..

O locus midiático, as OrganizaçõesGlobo, recoloca os conceitos de ideologiae hegemonia no foco central da análise.Mesmo porque, como foi dito anteriormente,eles tipificam o papel dos meios de comu-nicação na sociedade atual. É exatamentenesse campo onde se situa a mistificação dasrelações de poder nas sociedades. A hege-monia se define pelo modo como as clas-ses dominantes mantêm suas posições atra-vés do consentimento popular, moldado narepresentação que os meios fazem das clas-ses não hegemônicas. Dessa forma, o campomidiático produz associações simbólicas e

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retóricas onde as ideologias se manifestamde forma definida e concreta.

As ideologias, como já foi sugerido, sãoreproduzidas sistematicamente através dasestruturas midiáticas. Os meios são persis-tentes modelos de cognição, interpretação,representação, de seleção, ênfase e exclusão,em cuja simbologia se organizam rotineira-mente discursos verbais e/ou visuais, com-prometidos com a manutenção do status so-cial dominante.

Significativamente, e independente das in-tenções manifestas nos documentos oficiaisdo Telecurso 2000, a programação analisadanão foge à regra no que diz respeito a repro-dução ideológica em discussão. O discurso éconstruído a partir da visão do produtor. Re-vendo as lições de História - 1 a 8 - que seorganizam em torno de um discurso politica-mente correto por não imprimir preconceitosem relação às etnias e culturas, sutilmente, asupremacia ideológica se confirma. A narra-tiva que reconstitui a história pessoal de cadaum dos brasileiros esconde a diversidade cul-tural e sócio-econômica de sua formação. Obrasileiro que sai do Rio de Janeiro para o in-terior da Bahia para resgatar sua história nãotem sotaque nordestino, desconhece as diver-sidades regionais e se perde como persona-gem amorfo de um mesmo padrão de quali-dade “global”.

Na história que conta o passado escravo-crata brasileiro não se ressaltam as iniqüi-dades sofridas pelo negro, como tampoucose compara o passado com o presente. Nãoexiste uma identidade negra a ser ressaltadae as diversas etnias brasileiras são retratadascomo sendo únicas, ou melhor, integradas.E assim se desenrolam os programas recor-tados para a análise. São produtos cindidosentre a estética e a formação social. Todos

apresentam uma mesma estrutura narrativa ediscursiva que se perfila em um alto valorestético sem maiores compromissos com oprocesso histórico do qual eles fazem parte.

No entanto, a contenção e a invisibili-dade dadas às diversidades brasileiras naprogramação analisada, em contrapartida aampla cobertura que é dada à plasticidade so-cial, é proporcional e sintomática da grandeinvisibilidade, a falta de transparência, quepersiste na estrutura social do Brasil. Doponto de vista histórico, vale lembrar que aúnica real tentativa de refletir nossas diversi-dades na educação, do ponto de vista institu-cional, foi feita agora, pós PCNs.

Por outro lado, quando o Telecurso 2000é pensado através do seu caráter formativo,é preciso acrescentar, em primeira mão, queas formas de vida social interpostas na pro-gramação não se sobrepõem, não podem serinterpretadas como um princípio superior aoestágio de desenvolvimento econômico quemapeia a sociedade brasileira. O Telecurso éapenas um programa supletivo de educaçãoà distância produzido para aumentar a esco-laridade do trabalhador que não teve acessoà escola ou a freqüentou menos do que o tér-mino do primeiro ciclo fundamental.

No entanto, devido as suas engrenagens deelaboração, produção e circulação, já citadasem situações anteriores, ele se expande en-quanto mito. Há algumas correntes que de-fendem a educação à distância por ela sermais barata e fácil de se multiplicar. Essapremissa pode ser verdadeira desde que omodelo invista em material pedagógico dequalidade e em um professor disponível paratrabalhar junto com o aluno esse material emtempo integral. Então, nessa perspectiva, omito do projeto econômico se esvai. Um

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professor bem formado, em tempo integral,custa caro.

Um projeto de formação social que desejealcançar objetivos compatíveis com a escolade formação integral precisa separar o mitoda realidade. O real na intenção de se fazereducação de massas de qualidade não dis-pensa a relação professor/aluno. Por outrolado, o mito da técnica também se espalhacomo um totem, recrutado para se expan-dir em todos os significados construídos. Ocaráter performático dos meios é usado deforma exaustiva. Essa substituição, ou des-locamento da intenção educativa em favorda performance midiática, é mais observadaquando se juntam os dois projetos: o de for-mação - o Telecurso 2000 - e o culturalistadas Organizações Globo, descrito várias ve-zes pela empresa, e comentado por inúme-ros cientistas sociais, cuja marca é o “padrãoGlobo de qualidade”.

Porque daí surge um produto híbridomuito bem ressaltando em suas nuancesideológicas. Que em nenhuma hipótese podeser culpado por reproduzir um mesmo im-passe social vigente. Uma marca consta-tada em todos os programas analisados é ada assunção técnica da programação. Detodo modo, “o padrão Globo de qualidade”sabe exatamente o que a audiência quer. Ossímbolos culturais arregimentados na pro-gramação do Telecurso fazem sentido doponto de vista do telespectador. Preenchemo imaginário nacional diariamente e conse-guem monopolizar a audiência. Resta ende-reçar, no entanto, a expectativa do públicopara um projeto de formação social, suple-tivo, ou não. Nessa perspectiva, poderia sever credenciado o processo de construção decidadania nacional, proposto pelos Parâme-tros Curriculares Nacionais.

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