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Os três momentos mais polémicos na vida de soares

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Page 1: Os três momentos mais polémicos na vida de soares

Os três momentos mais

polémicos na vida de

Soares A vida de Soares foi rica em batalhas políticas e também em decisões

e actos polémicos. Os três dos mais controversos do pós 25 de Abril

de 1974 e que marcaram a vida fundador do PS.

1. Da descolonização “pura e simples” ao ódio dos

retornados

A 13 de Maio de 1974, Mário Soares, numa entrevista à revista

norte-americana Newsweek deixa clara a sua posição sobre o

caminho a seguir nas ainda colónias portuguesas no ultramar:

“Devemos começar a trabalhar imediatamente para um

acordo de cessar-fogo com os guerrilheiros. O general Spínola

[então líder da Junta de Salvação Nacional e que dois dias

depois se tornaria Presidente da República] conhece a nossa

posição: é a independência pura e simples.”

A 16 de Maio é nomeado pela Junta de Salvação Nacional o I

Governo provisório dos pós 25 de Abril, chefiado por Adelino

da Palma Carlos. Soares é ministro dos Negócios Estrangeiros

e começa de imediato a ter encontros com os movimentos de

guerrilheiros com vista a um cessar-fogo e ao início do

processo de descolonização e independência.

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A pressa de Mário Soares para conseguir a “independência

pura e simples” valem-lhe várias críticas: que não cabia a um

governo provisório, mas sim ao que viesse a ser eleito pelo

voto, tratar de algo tão importante; que se deveriam realizar

referendos nos diversos países para os cidadãos decidirem o

seu futuro; que havia outros processos de descolonização para

além da independência “pura e simples”.

A 8 de Junho de 1974 os oficiais do MFA decidiram o cessar-

fogo imediato no ultramar. Estava definitivamente aberta a

porta para a independência das antigas colónias portuguesas.

Cerca de três meses depois (10 de Setembro de 1974) Portugal

e o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo

Verde (PAIGC) ratificam o acordo para a independência da

Guiné-Bissau. Este país é primeira colónia portuguesa a

conquistar a independência.

No Alvor, Algarve, entre 10 e 15 de Janeiro de 1975, realiza-se

uma cimeira para debater a independência de Angola. O

Governo português (III Governo provisório, com Vasco

Gonçalves primeiro-ministro e Mário Soares ministro dos

Negócios Estrangeiros) e os três principais movimentos de

libertação angolanos – Movimento Popular de Libertação de

Angola (MPLA), União Nacional para a Independência Total

de Angola (UNITA) e Frente Nacional de Libertação de

Angola (FNLA) – chegam a um acordo para independência do

país e ficam estabelecidos os parâmetros para a partilha do

poder. Fica acordado o dia 11 de Novembro desse ano como a

data da independência. Porém, pouco depois da assinatura do

documento, os movimentos iniciam um conflito armado pelo

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controlo do país. Começava a guerra civil em Angola. O

mesmo aconteceu sucessivamente nas restantes colónias. As

críticas a Soares subiram de tom.

Desde meados de 1974 que alguns colonos estavam a

regressar à chamada "metrópole", mas é na Primavera/Verão

de 1975 que, com as guerras civis cada vez mais violentas nas

ex-colónias, fogem para Portugal milhares de colonos. Cerca

de 600 mil pessoas, a maior parte de Angola e Moçambique.

São os chamados "retornados". Muitos trouxeram apenas a

roupa que tinham no corpo. Outros tiveram tempo para

encaixotar e despachar alguns dos seus bens, que se

acumularam junto ao Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa.

Uma imagem que se tornou icónica no processo da

descolonização.

Muitos destes retornados apontam o dedo a Mário Soares,

que, desde 25 de Abril de 1975, é primeiro-ministro do I

Governo constitucional. Acusam-no de ser o “pai” de uma

“descolonização selvagem”, o culpado de tudo o que

perderam, de ter “vendido as colónias a Moscovo”, de fazer a

descolonização por “interesses pessoais”. Ainda hoje se

escrevem em blogues e sites na Internet textos de puro ódio a

Mário Soares devido à descolonização de 1974/75.

Soares sempre assumiu o seu papel no processo e embora

tenha afirmado várias vezes que foi “a descolonização

possível”, nunca mostrou algum arrependimento pelo seu

desempenho político. “Enquanto estive [no exílio] em Paris,

tinha tido muitos contactos com os africanos que lá iam, que

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me iam cumprimentar e diziam: ‘O que é que se vai passar,

como é que se vai passar?’ A minha primeira ideia era

descolonizar. (…) Sem descolonização não se passaria a nada,

porque a guerra continuaria. E eu fui, de facto, a primeira

pessoa que chegou a Angola e disse: ‘Vocês vão ser

independentes!’ Já era ministro dos Negócios Estrangeiros,

diga-se”, afirma num entrevista ao Deutsche Welle, canal

público de informação da Alemanha, em 2014.

Na mesma entrevista, questionado sobre as críticas dos

retornados, Soares, polémico como sempre, diz: “Os

retornados nunca perceberam que foi a sorte grande que lhes

saiu. Nunca perceberam isso. Vieram para Portugal em

condições difíceis, é verdade. Porque se assustaram e fugiram.

Chegaram a trazer automóveis; outros nem isso, não

trouxeram nada. E nós arranjámos uma solução para lhes dar

tudo. Demos-lhe dinheiro, casas… Fomos nós! Porque logo a

seguir fui presidente do Governo e, por isso, dirigia essa

questão.”

O principal fundador do PS diz-se ainda “muito orgulhoso do

que se fez com a descolonização”. “Tenho muita honra em ter

participado nisso activamente.”

2. Macau, o maior abalo político do soarismo

Ficou conhecido como o “caso do fax de Macau” ou “caso

Emaudio” e foi o episódio que mais beliscou a carreira política

de Mário Soares.

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O caso remonta a factos ocorridos entre 1988 e 1989, cumpria

Soares o seu primeiro mandato de Presidente da República.

Contado de uma forma muito resumida: Em Abril de 1988,

menos de um ano depois de Carlos Melancia ser empossado

governador de Macau por Mário Soares, a empresa alemã

Weidleplan manifestou interesse em ser consultora na

construção do aeroporto local. No entanto, em Fevereiro do

ano seguinte, Luís Vasconcelos, membro do Governo

macaense, concessionou o contrato à Aeroportos de Paris.

Menos de um mês depois, a Weidleplan enviou ao governador

de Macau um fax pedindo-lhe que devolvesse o dinheiro (50

mil contos, hoje cerca de 250 mil euros) alegadamente pago

para garantir a vitória no concurso. Este fax acabaria por ser

divulgado pelo semanário O Independente e a polémica que se

seguiu acabaria por levar à demissão do governador e seguir

para os tribunais.

Esses 50 mil contos serviriam para financiar a actividade da

Emaudio, uma empresa pensada por Soares e gerida por

socialistas da sua total confiança, que tinha como objectivo

criar um grande grupo de comunicação social que serviria de

base de apoio ao PS.

O fax foi entregue a O Independente por Rui Mateus, amigo e

conselheiro de Mario Soares e um dos administradores da

Emaudio, que nessa altura já andava de candeias às avessas

com Soares devido às contas da empresa. Mateus sempre

afirmou que Soares sabia de tudo desde o primeiro minuto. O

ex-presidente da República sempre negou ter conhecimento

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do alegado suborno, garantindo que só soube do caso e do fax

quando ele foi publicado pelo O Independente.

Soares e Mateus cortaram relações e mais tarde (1996, já nos

últimos meses do segundo mandato de Soares em Belém) o

homem da Emaudio escreve o livro “Contos proibidos,

memória de um PS desconhecido”, em que conta a sua

história dos financiamentos do PS de Soares, com detalhe

para o caso de Macau, em que mais uma envolve

directamente o principal fundador do PS.

O assunto foi muito incómodo para Soares e para os

socialistas que sempre fugiram a falar dele. Mas 20 anos

depois da ocorrência dos factos, Almeida Santos, antigo

presidente do PS que também esteve na Emaudio,

acaba por desmentir Soares numa entrevista

ao Expresso. “Mário Soares teve conhecimento

prévio do Fax de Macau. Era uma situação

complicada, punha problemas ao PS – ele tinha de

ter conhecimento. Mas não tem culpas nisso. Eu sabia que

o PS não tinha responsabilidades nisso, e Mário Soares muito

menos”, afirmou.

Na sequência de um inquérito realizado em 1991, o Ministério

Público acusou Melancia de ter recebido 50 mil contos de

uma empresa alemã para influenciar um concurso

relacionado com a construção do aeroporto de Macau, o que

lhe valeu a acusação por corrupção passiva.

O processo Melancia andou pelos tribunais, com recursos

atrás de recursos, e só em Outubro de 2002 foi dado por

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encerrado pela Justiça. Melancia saiu absolvido, não ficando

nunca provado que tenha sido subornado ou objecto de

qualquer promessa de suborno.

3. Soares/Alegre: a maior derrota na última

batalha

As batalhas políticas de Soares, dentro e fora do PS, são

infindáveis. São a sua vida e custaram-lhe mesmo alguns

amigos e muitos inimigos. Foi marcante para o PS o seu

desentendimento com o amigo Salgado Zenha, outro

fundador do partido, que, em 1980, convenceu o PS a apoiar a

recandidatura de Ramalho Eanes à Presidência da República

contra a vontade de Soares e que levou à sua demissão como

secretário-geral socialista. Eanes ganhou, Soares voltou a

liderar o partido e Zenha acabou expulso do PS por vontade

do então líder do PS.

Inesperadamente, 26 anos depois, Soares teria outra batalha

ainda mais dura com outro camarada de partido e amigo de

longa data: Manuel Alegre. Ambos se candidataram à

Presidência da República e apesar de Soares ter o apoio do

PS, Alegre conseguiu ter mais 350 mil votos. Cavaco Silva foi

eleito Presidente com 50,54% dos votos. Foi a última batalha

política de Soares e a mais pesadas derrota.

A candidatura terá começado a nascer a 7 de Novembro de

2004. Mais de 2000 amigos de Soares reuniram-se com ele

na FIL para festejarem o seu 80.º aniversário. Soares tinha

uma surpresa reserva para esse dia: com uma só palavra

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(“basta”) anunciava o fim da sua carreira política activa.

Porém, apesar do “basta”, muitos dos presentes alimentavam

já a ideia de voltar a ver Soares em Belém.

Soares admitiu mais tarde saber que muitos dos presentes na

FIL tinham essa ideia na cabeça, garantindo, no entanto, que

naquele momento essa não era a sua vontade.

Soares começa a ser pressionado para avançar por várias

figuras do PS e outras personalidades de esquerda que viam

no velho “leão” o homem ideal para derrotar Cavaco. E

quando José Sócrates, então primeiro-ministro secretário-

geral do PS, lhe garante total apoio (financeiro, político,

máquina de campanha socialista e total liberdade), Soares

avança para a sua terceira candidatura a Presidente da

República. Só que Manuel Alegre também já estava

praticamente na corrida, até porque Sócrates, ainda que

indirectamente, lhe tinha deixado a ideia de que poderia

contar com o apoio do PS.

Foi o próprio Alegre que revelou mais tarde que Sócrates lhe

tinha pedido que reflectisse sobre sua eventual candidatura a

Belém, mas depois acabou por o trair e dar o apoio Soares. O

peso do PS e de Soares não demoveram Alegre. Pediu um

empréstimo bancário e fez-se ao caminho com uma

candidatura independente. O PS estava dividido como nunca.

E a esquerda também, já que Jerónimo de Sousa (PCP),

Francisco Louçã (BE) e Garcia Pereira (PCTP/MRPP)

também foram a jogo.

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Soares e Alegre e restantes candidatos de esquerda acabaram

todos por perder para Cavaco. Os dois socialistas perderam

também a velha amizade, mas Alegre ganhou a “guerra” entre

camaradas, conseguindo quase mais 8% de votos que Soares.

A amizade foi retomada sete anos depois, quando Soares foi

internado de emergência em estado muito grave. Com o

patrocínio do então secretário-geral António José Seguro os

dois socialistas voltaram a dar as mãos.