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Para uma autoetnografia dos estados de vulnerabilidade: ensaio num caso de disfunção da tiróide José Costa 5º Congresso Ibero-Americano em Investigação Qualitativa Porto, 12-14 de Julho de 2016

Para uma autoetnografia dos estados de vulnerabilidade: ensaio num caso de disfunção da tiróide

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Para uma autoetnografia dos estados de vulnerabilidade: ensaio num caso

de disfunção da tiróide

José Costa

5º Congresso Ibero-Americano em Investigação QualitativaPorto, 12-14 de Julho de 2016

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O antropólogo como objeto de estudo para si mesmo

Por definição, a antropologia estuda a espécie humana em todas as suas manifestações. Qual é, então, a razão para excluir destas manifestações o self do antropólogo? Em que é que isso não é humano?

O meu argumento é que a inclusão do self do antropólogo nas etnografias sobre o humano revela ser especialmente importante quando o objetivo é estudar as experiências pessoais de vulnerabilidade.

Para sustentar este argumento ensaio a narração autoetnográfica de uma experiência de procura de ajuda em saúde numa situação de perda da função tiroideia.

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Para Geertz (1988), a autoridade do antropólogo, ou a sua inevitável condição de autor, é um facto com o mesmo valor ontológico que uma pedra ou um sonho – todas estas são coisas deste mundo.

O local da antropologia não poder ser circunscrito a qualquer tipo de cronótopo nem a qualquer tipo de discurso. A sua ocupação com o ordinário implica trazer para o centro da análise o herói anónimo (de Certeau, 1984), na sua totalidade fenomenológica, e, com isso, a natureza heteroglóssica da manifestação linguística das experiências do real (cf. Bakhtin, 1981[1935]), isto é, a cultura enquanto pluralidade de experiências.

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Para uma autoetnografia dos estados de vulnerabilidade

Como é que eu posso compreender, de facto, o que sente alguém a quem transplantaram o coração? Como é que eu posso compreender, de facto, o que sente quem foi vítima de violência? Como é que eu posso compreender etnograficamente a vivência das pessoas que vivem ou viveram estas situações?

A meu ver só há uma maneira. E, esta consiste em situar a antropologia no centro da análise destes eventos quando a oportunidade surge.

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O que é a autoetnografia?

Segundo Ellis & Bochner (2000, p. 739), a autoetnografia é “um género autobiográfico de escrita e de investigação que apresenta múltiplos níveis de consciência, conetando o pessoal ao cultural. Para trás e para a frente, os autoetnógrafos observam, primeiramente através de uma lente de ângulo aberto, focando-se no exterior em aspetos culturais da sua experiência pessoal; e, em seguida, olham para dentro, expondo um self vulnerável que é movido por e pode mover-se através de, refratar e resistir a, interpretações culturais.”

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Autoetnografia num caso de disfunção da tiróide

• Fase Pré-paciente– Sabor químico– A dividuação: “Quem é eu?” – A revelação d’isso (o tudo sempre)– A metamorfose completa: a revelação do besouro

• Fase Paciente– Os dois mundos: do confronto à passagem– Músculos, fermentos e diurese– Coração– Bem-vindo ao (novo) real

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Conclusão

A realização de uma autoetnografia é um ato de liberdade, pois permite incluir na descrição do humano todo o tipo de lógica, seja esta revelada ou apenas insinuada ou sugerida. Deste modo, a autoetnografia é a forma para cozer o bolo que permite misturar definitivamente procedimentos hipotético-dedutivos, com hipotéticos-indutivos, abdutivos, percursos de serendipidade, etc. Ao longo do relato sobre a minha experiência de procura de ajuda, todos estes tipos de racionalidade e de emotividade estiveram presentes. Não existe tal coisa de “ser humano hipotético-dedutivo” ou outra qualquer classe exclusiva de organização lógica.

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Os etnógrafos têm agora que se deparar com realidades com as quais nem o enciclopedismo nem o monografismo, nem os inquéritos mundiais nem os estudos tribais, podem lidar. Algo novo emerge tanto no “campo” como na “academia”, algo de novo deve aparecer na página de papel.

Clifford Geertz (1988, p. 148)

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• Referências citadas

– Bakhtin, M. (1981 [1935]). Discourse in the novel. In The Dialogic Imagination: Four Essays, (pp. 259-422), Austin: University of Texas Press.

– de Certeau, M. (1984). The Pratice of Everyday Life. Berkeley: University of California Press.

– Ellis, C. & Bochner, A. (2000). Autoethnography, Personal Narrative, Reflexivity: Researcher as subject. In N. Denzin & Y. Lincoln (Eds.), Handbook of Qualitative Research (pp. 733-768). Thousand Oaks, California: Sage Publications.

– Geertz, C. (1988). Works and Lives: The Anthropologist as Author. Stanford, California: Stanford University Press.