36
Em posição de defesa Defesa da fé, da ortodoxia e da instituição História Eclesiástica I Pr. André dos Santos Falcão Nascimento Blog: http://prfalcao.blogspot.com Email: [email protected] Seminário Teológico Shalom

História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Curso desenvolvido para a ministração de aulas de História Eclesiástica I no Seminário Teológico Shalom. O curso envolve a exposição da história da igreja cristã, dos tempos de Jesus aos tempos atuais, passando pelo seu surgimento e desenvolvimento, domínio com a conversão de Constantino, ascensão papal, movimentos reformadores e avivalistas da era moderna, até os movimentos ecumenista e pentecostal do séc. XX. Esta aula apresenta as formas que a igreja encontrou para se defender dos ataques a ela. Trabalha-se a literatura dos pais apologistas e polemistas, a criação do cânon, do credo e a ascensão do bispo monárquico.

Citation preview

Page 1: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

Em posição de defesaDefesa da fé, da ortodoxia e da instituição

História Eclesiástica IPr. André dos Santos Falcão Nascimento

Blog: http://prfalcao.blogspot.comEmail: [email protected]ário Teológico Shalom

Page 2: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

Em defesa da féNos séculos II e III, a Igreja enfrentou inúmeros

movimentos de perseguição e controvérsias internas que ameaçaram a unidade da Igreja e sua estabilidade. Questionamentos surgiam tanto de fora da Igreja, vindo da parte dos pagãos, quanto de dentro, a partir de ensinamentos e visões heréticas que ameaçavam a sua estrutura e crenças.

Para combater ambos os movimentos, surgiram dois tipos de pessoas no seio da igreja: Apologistas e Polemistas. Ambos tinham a função de defender a Igreja. Os primeiros a defendiam frente aos pagãos, enquanto os segundos a defendiam frente aos hereges.

Page 3: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

Em defesa da fé – Os Apologistas Seu objetivo era duplo

Refutar as falsas acusações de ateísmo, canibalismo, incesto, preguiça e práticas antissociais atribuídas a eles por vizinhos e escritores pagãos, como Celso.

Desenvolver uma perspectiva construtiva para demonstrar que, ao contrário do cristianismo, o judaísmo, as religiões pagãos e o culto do Estado eram tolice e pecado.

Seus escritos chamavam os líderes pagãos à razão e criavam uma interpretação inteligente do cristianismo, para revogar os dispositivos legais contra ele. Para tal, afirmavam que as acusações contra eles não podiam ser provadas e, portanto, os cristãos mereciam a tolerância civil sob a proteção das leis do Estado Romano.

Page 4: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

Em defesa da fé – Os Apologistas Escreviam como filósofos, ressaltavam o cristianismo como

religião e filosofia mais antiga, por notarem que o Pentateuco era mais antigo que as Guerras de Troia e que as verdades gregas eram apropriações do cristianismo ou do judaísmo.

A vida pura de Cristo, seus milagres e o cumprimento das profecias do AT que diziam respeito a ele foram usadas para provar que o cristianismo era a mais elevada filosofia.

Eram educados na filosofia grega antes de aceitarem o cristianismo, por isso consideravam a filosofia grega um meio de levar os homens a Cristo.

Usaram o NT mais do que os Pais Apostólicos. Gerou um sincretismo que fez do cristianismo apenas mais uma

filosofia, embora superior às outras e com cunho totalmente cristão.

Page 5: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

Apologistas Orientais - Aristides Aristides de Atenas pode ser considerado o

primeiro apologista. Entre 140 e 150, enviou uma apologia ao Imperador Antonino Pio.

Descoberto em 1889 em um mosteiro no Monte Sinai, os primeiros 14 capítulos comparam as formas de culto cristão, caldeu, grego, egípcio e judeu.

A intenção da comparação é provar a superioridade da maneira cristã de culturar.

Os três últimos capítulos pintam um quadro nítido dos costumes e da ética dos primeiros cristãos.

Page 6: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

Apologistas Orientais - Justino Justino Mártir (c. 100-165) foi o principal

apologista do séc. II. Filho de pais pagãos, nascido perto de Siquém, se tornou um inquieto filósofo em busca da verdade.

Foi adepto do estoicismo, do idealismo nobre de Platão e das ideias de Aristóteles.

Frustrou-se com os pagamentos exigidos por seus sucessores e chegou a se interessar pela filosofia numérica de Pitágoras.

Sua busca terminou quando, passeando pela praia, um velho senhor o encaminhou à Bíblia como a verdadeira filosofia. Ali encontrou a paz que tanto ansiava e logo abriu uma escola cristã em Roma.

Foi martirizado por decapitação em 165.

Page 7: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

Apologistas Orientais - Justino Sua primeira obra foi a Primeira Apologia (c.

150), endereçada ao Imperador Antonino Pio e seus filhos adotivos, onde exortava os imperadores a examinarem as acusações contra os cristãos e libertá-los de seus constrangimentos legais, se inocentes.

Na obra, Justino provou que eles não eram ateus nem idólatras, e a principal seção da obra se destina a apresentar a moral, as doutrinas e o fundador do cristianismo. Ali, mostrou que a vida e a moralidade superiores de Cristo estavam previstas no AT e que as perseguições e erros vinham do demônio. Os últimos capítulos serviram para fazer uma exposição do culto cristão, mostrando que as acusações contra o cristianismo eram falsas e a perseguição deveria ser suspensa.

Page 8: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

Apologistas Orientais - Justino A Segunda Apologia pode ser considerada um

apêndice da primeira, onde ele ilustra a crueldade e injustiças sofridas pelos cristãos e afirma, após comparar Cristo com Sócrates, que o que há de bom nos homens deve-se a Cristo.

Já no Diálogo com Trifo, Justino tenta convencer os judeus de que Jesus Cristo era o Messias esperado. Na obra, ele alegoriza a Bíblia e dá muita ênfase à profecia.

Os 8 primeiros capítulos são autobiográficos, enquanto os 134 restantes são o desenvolvimento de três ideias: a relação entre o declínio da lei do velho concerto e o surgimento do Evangelho; a identificação do logos, Cristo, com Deus; e a chamada dos gentios como povo de Deus. Também enfatizou que Cristo foi o cumprimento das profecias do AT.

Page 9: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

Apologistas Orientais - Taciano Taciano (c.110-c180), discípulo de Justino em Roma e

erudito oriental muito viajado, escreveu o Discurso aos Helenos após a metade do séc. II.

A obra é uma denúncia das pretensões gregas de liderança cultural e foi escrita a todo um povo.

Defendia que, como o cristianismo era superior à religião e filosofia gregas, os cristãos mereciam melhor tratamento.

A segunda seção da obra compara os ensinos cristãos com a mitologia e filosofia grega e a próxima mostra que o cristianismo é mais antigo que ambos.

A última seção trabalha uma escultura grega encontrada em Roma.

Também foi o compilador do Diatessaron, mais antiga harmonia dos evangelhos.

Page 10: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

Apologistas Orientais – Atenágoras Atenágoras, professor em Atenas e convertido

pela leitura da Bíblia, escreveu a Súplica pelos Cristãos em 177.

Relaciona as acusações contra os cristãos nos capítulos introdutórios de sua obra.

Refuta, a seguir, a acusação de ateísmo, ao notar que os deuses pagãos eram meramente criações humanas e culpados das mesmas imoralidades de seus seguidores.

Como os cristãos não são culpados de incesto ou comer seus filhos em banquetes sacrificiais, ele conclui que o imperador deveria lhes dar clemência.

Page 11: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

Apologistas Orientais – Teófilo Teófilo de Antioquia, também convertido pela

leitura da Bíblia, escreveu pouco depois de 180 a obra Apologia a Autólico.

Na obra, Teófilo tenta introduzir a Autólico, magistrado pagão ilustre, o cristianismo através de argumentos racionais.

A obra se divide em três livros. No primeiro, discute a natureza e a superioridade de Deus.

No segundo, compara a fragilidade da religião pagã com o cristianismo.

No último livro, responde às objeções de Autólico à fé cristã. Foi o primeiro a usar a palavra trias com referência à trindade.

Page 12: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

Apologistas Ocidentais – Tertuliano Tertuliano (c. 160-225) nasceu em Cartago, na casa

de um centurião romano de serviço na cidade. Acabou tornando-se o principal apologista da Igreja Ocidental.

Conhecedor de grego e latim, conhecia os clássicos e tornou-se advogado.

Converteu-se em Roma, onde advogava e ensinava oratória, tornando-se montanista em 202.

Procurou desenvolver uma teologia ocidental sólida e lutar para derrotar todas as forças filosóficas e pagãs que se opunham ao cristianismo.

No Apologeticum, enviado ao governador romano de sua província, nega as acusações antigas aos cristãos, ressalta que a perseguição era um fracasso, pois só aumentava o número de cristãos e era baseada em razões dúbias, pois as reuniões, doutrinas e moral cristãos eram superiores às dos vizinhos pagãos.

Page 13: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

Polemistas Empenhavam-se em responder ao desafio dos falsos ensinos dos

hereges, condenando veementemente esses ensinos e seus mestres. Os métodos utilizados para tal foram diferentes no Oriente e no

Ocidente. Enquanto no Oriente a preocupação era mais metafísica e leva a uma teologia especulativa, no Ocidente a preocupação maior era com os desvios administrativos da Igreja.

A preocupação dos polemistas era mais interna, portanto, lidando com as heresias, a ameaça interna à paz e à pureza da Igreja.

Os polemistas se serviram mais do NT como fonte da doutrina cristã, ao contrário dos apologistas, que beberam mais da fonte do AT.

Os polemistas buscavam condenar pela força do argumento os falsos ensinos a que se opunham, ao contrário dos apologistas, que tentavam explicar o cristianismo aos seus vizinhos e governantes pagãos, e os Pais Apostólicos, que se empenharam na edificação da Igreja Cristã.

Page 14: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

Ireneu, o antignóstico Ireneu (c. 130-202), nascido em Esmirna, foi

influenciado pela pregação de Policarpo quando este era bispo na cidade. Seguiu para a Gália, onde foi feito bispo antes de 180. Missionário bem sucedido, desenvolveu sua obra combatendo o gnosticismo.

Em Adversus Haereses, escrita em 185, tenta refutar as doutrinas gnósticas pelas escrituras e pelo desenvolvimento de um corpo de tradição afim. No Livro I, fundamentalmente histórico, compreende-se os ensinos do gnosticismo e é a melhor referência atual sobre esta crença. No Livro II, insiste na unidade de Deus, combatendo a ideia de um demiurgo distinto de Deus. Os três últimos expõem a posição cristã. O Livro III refuta o gnosticismo pela Bíblia e tradição, o IV refuta Marcião e o livro V defende a doutrina da Ressurreição em corpo.

No Livro III, Ireneu defende a unidade da igreja através da sucessão apostólica de líderes desde Cristo, além de apresentar uma regra de fé.

Page 15: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

Escola Alexandrina 185: Abre-se em Alexandria uma escola catequética para instruir os

convertidos do paganismo ao cristianismo, com Panteno, competente convertido do estoicismo, como seu primeiro diretor, tendo Clemente e Orígenes como seus sucessores.

A escola buscava desenvolver um sistema teológico que, partindo da filosofia, fizesse uma apresentação sistemática do cristianismo. Para tal, se utilizava da literatura e filosofia clássicas como apoio.

Seus estudiosos criaram um sistema alegórico de interpretação, entendendo que, da mesma forma que somos corpo, alma e espírito, a Bíblia possui uma interpretação literal (corpo), moral (alma) e espiritual (espírito), sendo esta acessível apenas pelos mais evoluídos nesta esfera.

Surge da técnica usada por Filo, que buscava aproximar o judaísmo da filosofia grega encontrando significados ocultos na linguagem do AT.

Este método de interpretação é usado até hoje para justificar erros doutrinários e bíblicos por parte de alguns pregadores.

Page 16: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

Polemistas alexandrinos - Clemente Clemente de Alexandria (c. 155-c. 215) nasceu

em Atenas e era filho de pais pagãos. Estudou filosofia com muitos mestres antes de Panteno. Antes de 190, dirige a escola junto com este e, de 190 a 202, dirige a escola sozinho, até que a perseguição o obriga a deixar o posto.

Desejava ser um filósofo cristão, relacionando a filosofia grega ao cristianismo para mostrar que esta era a filosofia suprema e definitiva. Citou mais de 500 autores pagãos de sua época.

Tinha um alto preço pela filosofia grega, porém seus textos demonstram que, para ele, a Bíblia está em primeiro lugar na vida do cristão.

Page 17: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

Polemistas alexandrinos - Clemente Protrepticus, ou Exortação aos Gentios:

Documento missionário apologético de 190 para provar a superioridade do cristianismo como a verdadeira filosofia.

Paedagogus, ou Tutor: Trato moral para os jovens cristãos.

Stromata, ou Seleções: Evidencia o conhecimento da literatura pagã de seu tempo. Apresenta o cristianismo no Livro I, falando que o cristão é o verdadeiro gnóstico e que tudo de verdade na filosofia grega tinha sido copiado do AT. No Livro II, mostra que a moralidade cristã é superior à pagã, e no Livro III, expõe o casamento cristão. Nos livros VII e VIII, apresenta o modo de viver dos cristãos.

Page 18: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

Polemistas alexandrinos - Orígenes Orígenes (c. 185-254), aluno e sucessor de

Clemente, assumiu a família de seis membros devido ao martírio do pai, Leônidas.

Era tão competente e culto que, aos 18 anos, foi escolhido para suceder Clemente na direção da escola, ocupando o cargo até 231.

Foi o autor de seis mil pergaminhos, mas tinha vida ascética e simples, apesar de sua alta posição, incluindo dormir em uma simples tábua.

Um homem rico, chamado Ambrósio, convertido do gnosticismo, tornou-se seu amigo e se responsabilizou pela publicação de suas muitas obras.

Page 19: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

Polemistas alexandrinos - Orígenes Hexapla: Várias versões gregas e hebraicas do AT

arranjadas em colunas paralelas para buscar o original mais correto. Foi a primeira grande obra que buscou uma análise exegética do texto, tornando-o o principal exegeta da Igreja até a Reforma Protestante.

Contra Celso: Resposta às acusações deste platonista contra os cristãos em sua obra Discurso Verdadeiro de irracionalidade e falta de fundamentos históricos dos cristãos. Demonstra a mudança de vida dos cristãos em comparação ao paganismo e a busca da verdade, pureza e influência por parte de Cristo e seus seguidores.

De Principiis: Primeiro grande tratado de teologia sistemática. No Livro IV, explica seu método alegórico de interpretação. Considerava Cristo “eternamente gerado” pelo Pai, porém inferior ao Pai. Sustentou também a preexistência da alma, restauração final de todos os espíritos, morte de Cristo como resgate pago a Satanás e negou a ressurreição física.

Page 20: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

Escola Cartaginesa Mais interessada em problemas práticos de organização

eclesiástica e doutrinas relativas à igreja. Tertuliano, já visto por sua posição apologista, contribuiu com

problemas práticos como a forma simples da mulher se vestir e adornar, afastamento de divertimentos, imoralidade e idolatria próprios do paganismo. Possivelmente foram consequência de sua adesão ao montanismo.

Tertuliano também foi o primeiro a estabelecer a doutrina teológica da Trindade, fazendo uso do termo para descrevê-la em Adversus Praxeas, escrito por volta de 215. Ele parece ressaltar que é preciso distinguir as pessoas do Pai e do Filho. Também trabalhou a questão da alma em De Anima e valorizou o batismo, afirmando que os pecados pós-batismo eram mortais e mostrando-se contrário ao batismo infantil em De Baptismate.

Page 21: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

Escola Cartaginesa - Cipriano Cipriano (c. 200-c. 258), filho de pais pagãos, recebeu

boa educação em retórica e direito. Foi professor de retórica, mas só satisfez sua alma quando se tornou cristão por volta de 246.

Em 248 foi nomeado bispo de Cartago, permanecendo com o posto até seu martírio em 258. Opôs-se às reivindicações de Estêvão, bispo de Roma, de superioridade sobre todos os bispos.

Era calmo, em oposição às exaltações de Tertuliano, seu mestre. De Unitate Catholicae Ecclesiae: Sua obra mais importante, dirigida aos

seguidores separatistas de Novaciano, distingue o bispo do presbítero, colocando o bispo como centro da unidade da Igreja. Aceitou a primazia de Pedro ao traçar a linha de sucessão apostólica, mas não aceitou a primazia do bispo de Roma. Considerava os clérigos como sacerdotes sacrificiais, ao oferecerem o corpo e sangue de Cristo na Ceia. Tal visão se desenvolveria mais tarde no conceito da transubstanciação.

Page 22: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

Em defesa da ortodoxia Durante o período entre o ano 100 e o ano 313, a igreja se viu envolta

por diversas ameaças à sua unidade e subsistência. Para enfrentar as questões, precisou buscar mecanismos de defesa, de forma a solidificar a instituição e robustecê-la contra os ataques à sua estrutura.

A defesa da fé ortodoxa se deu em três frentes:A solidificação do bispo como autoridade inquestionável. A criação de um credo, que forneceu uma declaração de fé. A formatação de um corpo de livros religiosos autorizados, chamado de

cânon. Além destas três frentes, os Pais Polemistas também trabalharam de

forma a defender a doutrina ortodoxa dos ataques de grupos heréticos. Por volta de 170, a Igreja chamava-se de “Católica”, ou Universal,

termo usado pela primeira vez por Inácio em sua Epístola a Esmirna.

Page 23: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

O bispo monárquico Originalmente, o bispo era apenas um administrador das igrejas

locais, tendo a mesma importância que os demais presbíteros da comunidade.

Necessidades práticas e teóricas levaram à exaltação da posição do bispo em cada igreja. Com o enfrentamento às heresias e à perseguição, a posição ganhou ainda mais poder. Por fim, a doutrina da sucessão apostólica e visão da ceia do Senhor como um sacramento sacrificial foram fatores fundamentais para o aumento do seu poder.

Com a exaltação da posição, surgiu também o reconhecimento da superioridade de bispos monárquicos de algumas igrejas sobre outros. Originalmente, os cinco principais eram os bispos de Jerusalém, Antioquia, Alexandria, Constantinopla e Roma. Com o passar dos anos, foi-se desenvolvendo a ideia do reconhecimento de uma honra especial devida ao bispo monárquico da cidade de Roma.

Page 24: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

O bispo monárquico O argumento inicial para a honra especial ao bispo de Roma foi o de que Cristo

deu a Pedro, supostamente o primeiro bispo de Roma, uma posição de primazia sobre os apóstolos em função da designação de Pedro como a rocha sobre a qual edificaria a igreja e de ter dado a ele as “chaves do reino dos céus” (Mt. 16.18s), comissionando-o a apascentar seu rebanho (Jo. 21.15-19).

Cabe notar que, na narrativa de Mateus, dois termos distintos são usados para rocha: Petros, para Pedro (rocha em seu estado e lugar natural), e petra, sobre quem a igreja seria edificada, possuem gêneros diferentes: A primeira é masculina, a segunda é neutra. Portanto, é possível que a rocha sobre a qual a igreja seria edificada seria a confissão petrina de que Jesus era “o Cristo, o filho do Deus vivo”.

Outros contra-argumentos são o abandono de Pedro, a exortação a cuidar do rebanho após a ressurreição, o perdão pela traição, os apóstolos terem recebido os mesmos poderes que Pedro (Jo. 20.19-23) e o próprio Pedro ter dito que não ele, mas Cristo era o fundamento da Igreja (1 Pe. 2.6-8). Paulo também não o considerava superior, exortando-o na questão da colaboração com os judaizantes na Galácia.

Page 25: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

O bispo monárquico Apesar disso, deste tempos antigos a ideia da primazia do bispo de Roma

é defendida. Cipriano e Jerônimo difundiram a ideia de que Cristo deu a Pedro um lugar especial de primeiro bispo de Roma e líder dos apóstolos.

O fato de Roma estar ligada a muitas tradições apostólicas também favoreceu a questão: Pedro e Paulo foram martirizados na cidade, por conta da perseguição de Nero em 64. A mais longa e talvez importante epístola paulina foi escrita a esta cidade. Roma também tinha prestígio como capital do Império e tinha excelente reputação por sua firme ortodoxia, expressa na carta de Clemente aos Coríntios. Muitos Pais da Igreja Ocidental, como Clemente, Inácio, Ireneu e Cipriano, destacaram a importância do bispo de Roma por estar na linha sucessória de Pedro.

Por fim, vale notar que alguns dos bispos mais importantes da Igreja perderam seu cetro de autoridade, como Jerusalém (destruição em 135), Éfeso (cisma montanista do séc. II), Alexandria e Antioquia (guerras e invasões).

Page 26: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

A regra de fé – O Credo O papel do bispo como unificador da Igreja foi reforçado pelo

desenvolvimento de um credo, uma declaração de fé para uso público. O credo contém artigos indispensáveis à manutenção e ao bem-estar

teológico da Igreja. Os credos servem para testar a ortodoxia, identificar os crentes entre si e

servir como resumo claro das doutrinas essenciais da fé. Os credos conciliares, ou universais, surgiram no período da controvérsia

teológica entre 313 e 451. O primeiro foi o credo batismal, de que o Credo dos Apóstolos pode servir como exemplo.

Alguns traços de credo podem ser encontrados em Romanos 10.9s, 1 Coríntios 15.4 e 1 Timóteo 3.16.

Ireneu e Tertuliano desenvolveram Regras de Fé para serem usados para distinguir o cristianismo do gnosticismo. Eram sumários das principais doutrinas bíblicas.

Page 27: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

A regra de fé – O Credo O Credo dos Apóstolos (ou Credo Apostólico) é o mais antigo

sumário das doutrinas essenciais da Escritura que existe. Não foi escrito pelos apóstolos, mas incorporou as doutrinas que ensinaram. Já era usado em Roma antes de 340 e foi usado como fórmula batismal.

Seu nome é oriundo da tradição de que cada um de seus doze artigos teria sido ditado por um dos apóstolos, logo após o Pentecoste, inspirados pelo Espírito Santo.

A fórmula mais antiga, semelhante à usada por Rufino por volta de 400, apareceu em Roma por volta de 340.

Muitas igrejas até hoje consideram o Credo dos Apóstolos uma preciosa síntese dos pontos principais da fé cristã. Os luteranos, por exemplo, o incorporam em sua Confissão de Fé.

Page 28: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

A regra de fé – O Credo1. Creio em Deus Pai, Todo-Poderoso, Criador do céu e da

terra;2. e em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, 3. que foi

concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da virgem Maria; 4. padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; 5. desceu à mansão dos mortos; ressuscitou ao terceiro dia; 6. subiu aos Céus; está sentado à direita de Deus Pai Todo-Poderoso, 7. de onde há de vir a julgar os vivos e os mortos.

8. Creio no Espírito Santo, 9. na Santa Igreja católica, na comunhão dos Santos,

10. na remissão dos pecados, 11. na ressurreição da carne, 12. na vida eterna. Amém.

Page 29: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

Os livros autorizados – O Cânon O cânon, lista dos volumes pertencentes a um livro autorizado, surgiu

como um reforço à unidade centralizada no bispo e fé expressa num credo.

Apesar de se acreditar que o cânon foi fechado nos concílios eclesiásticos, o fato é que eles apenas tornaram a questão pública, pois já tinham sido aceitos amplamente pela consciência da Igreja.

O processo de desenvolvimento do cânon foi demorado, basicamente encerrado em 175, exceto por alguns livros cuja autoria ainda era discutida.

Questões de ordem prática para a formação do cânon foram a heresia de Marcião, que formou um cânon próprio para defender suas ideias, a perseguição sob Diocleciano, que fez com que pessoas quisessem saber que livros não poderiam entregar para serem queimados, e a necessidade de ter registros que fossem reconhecidos como autorizados e dignos de uso na adoração.

Page 30: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

Os livros autorizados – O Cânon Alguns critérios foram levantados para decidir se um livro deveria

estar no cânon:Sinais da Apostolicidade: O texto deveria ter sido escrito por um

apóstolo ou por alguém ligado intimamente a ele, como Marcos, que teria contado com a ajuda de Pedro.

Eficácia na Edificação: Quando lido publicamente, deveria causar mudança nos ouvintes.

Concordância com a Regra de Fé: Se o livro contrariasse alguns dos dogmas principais e clássicos do cristianismo, não era aceito.

No final das contas, o que contava para a decisão sobre que livros deviam ser considerados canônicos e dignos de confiança eram a verificação histórica de autoria ou influência apostólica, ou a consciência universal da Igreja, dirigida pelo Espírito Santo.

Page 31: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

Os livros autorizados – O Cânon As epístolas de Paulo foram as primeiras a serem reunidas, pelos líderes

da Igreja de Éfeso. A coletânea dos evangelhos foi feita a seguir, no começo do séc. II. Datado de 180 e descoberto por Ludovico Muratori (1672-1750) na

Biblioteca Ambrosiana de Milão, o Cânon Muratoriano continha 22 livros do NT.

Por volta de 324, Eusébio de Cesareia considera pelo menos 20 livros do NT como sendo do mesmo nível do AT. Tiago, 2 Pedro, 2 e 3 João, Judas, Hebreus e Apocalipse estavam entre os livros ainda discutidos para inclusão no cânon, por conta da incerteza de sua autoria.

Atanásio, em sua carta de Páscoa em 367 às igrejas sob sua jurisdição como Bispo de Alexandria, relaciona os 27 livros do NT que temos hoje. Concílios como o de Cartago, em 397, apenas aprovaram e deram expressão uniforme ao que já era aceito pela igreja.

Page 32: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

Os livros autorizados – O Cânon Hoje, cerca de 5.500 manuscritos atestam a integridade do texto bíblico. Mais

de 3.100 manuscritos contêm quase todo o texto bíblico ou partes dele. 2.300 lecionários possuem partes dele.

O texto de Isaías encontrado em Qumran é o mais antigo e extenso desse livro.

Os textos do NT mais antigos que possuímos são pequenos pedaços de pergaminho do séc. II. Os textos completos mais antigos do NT são datados do séc. IV (Códex Vaticano e Códex Sinaítico).

Os livros Deuterocanônicos, ou Apócrifos, aparecem na Bíblia Católica por fazerem parte da Septuaginta, versão grega do NT de cerca de 200 a.C, e na Vulgata de Jerônimo. Tais textos não se encontram no cânon judaico por não terem seus originais em hebraico.

Quando Lutero fez a versão em alemão da Bíblia, traduziu do hebraico e, por não encontrar estes textos, deixou-os de fora. Como resposta, a ICAR os incluiu em seu cânon em 1546, no Concílio de Trento.

Page 33: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

A liturgia Com a ênfase dada ao bispo monárquico, com autoridade derivada da

sucessão apostólica, muitos viram nele o centro da unidade, o depositário da verdade e o despenseiro dos meios da graça de Deus através dos sacramentos. Oriundos de religiões de mistério também podem ter contribuído para dar uma visão sacerdotal ao bispo.

A ceia passou a ser vista como um sacrifício a Deus que só poderia ser ministrado por ministro credenciado, assim como o batismo.

O batismo, como ato de iniciação, geralmente era realizado na Páscoa ou no Pentecoste. No começo, a fé em Cristo e o desejo de batismo eram os únicos requisitos, mas, no final do séc. II, um período probatório como catecúmeno passou a ser necessário, para provar a realidade da experiência do convertido. Neste período, os catecúmenos assistiam aos cultos do vestíbulo final do templo e não podiam cultuar no santuário.

Page 34: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

A liturgia Os batismos eram geralmente feitos por imersão. Quando não

havia água suficiente, era aceito o batismo por afusão ou por aspersão.

O batismo infantil, aceito por Cipriano e criticado por Tertuliano, e o batismo de doentes, também surgiram neste período, conforme o caráter sacramental regenerador do batismo passou a ser defendido na igreja.

É deste período também o surgimento de um ciclo de festas no ano eclesiástico. A Páscoa foi a primeira festa, seguida do Natal, implementado após 350 no Ocidente e purificado dos elementos pagãos que cercavam a data de 25/12. A quaresma, 40 dias de penitência e contenção dos apetites da carne antes da Páscoa, foi aceita como parte do ciclo litúrgico antes da adoção do natal.

Page 35: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

A liturgia Antes de 313, os cristãos se reuniam nas catacumbas de Roma, onde,

além de realizarem os cultos a Deus, também enterravam seus mortos. Possuíam quilômetros de passagens em diferentes níveis e foram redescobertas em 1578. O mais antigo edifício conhecido usado como templo data de 232 e é uma casa-igreja em Dura Europos, às margens do rio Eufrates.

Ao final do período, cristãos começaram a construir igrejas a partir do modelo da basílica romana. De início eram bastante simples, mas passaram a ostentar um esplendor cada vez maior a partir de 313, quando a Igreja passou a contar com os favores do Estado.

A conduta entre os cristãos impressionou os vizinhos pagãos, mesmo considerando os primeiros como antissociais. Como perceberam que não poderiam aniquilar com eles, os imperadores resolveram buscar a paz com eles, gerando o período seguinte da igreja, que levou a Igreja Católica à supremacia religiosa no continente europeu.

Page 36: História da Igreja I: Aula 5 - Em posição de defesa

FontesTexto base: CAIRNS, Earle E. O Cristianismo através dos séculos:

uma história da igreja cristã. 3 ed. Trad. Israel Belo de Azevedo e Valdemar Kroker. São Paulo: Vida Nova, 2008.

Textos auxiliares:DREHER, Martin N. Coleção História da Igreja, 4 vols. 4 ed. São

Leopoldo: Sinodal, 1996.GONZALEZ, Justo L. História ilustrada do cristianismo. 10 vols.

São Paulo: Vida Nova, 1983