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CARTA DE UMA INTERIORANA À CIDADE DE SÃO PAULO São Paulo, 25 de janeiro de 2008 Minha querida São Paulo: Há muito estou em dívida contigo. Devo-te um MUITO OBRIGADA, do fundo do coração! Lembro-me bem, como tu me recebeste, acolhedora e risonha, tal qual u’a mãe saudosa a abraçar a filha ... Na Estação da Luz, quando cheguei do interior, caipirinha amedrontada, mas, eufórica e deslumbrada, te vi borbulhante, calorosa, com gente apressada, indo e vindo de todo lado. E os carros, então! Por que tantos?! Para onde todos iam? E de onde tantos vinham? Pra quantos lugares iriam eles? Que maravilha! Pensei: seja para lá ou para cá, todos esses lugares, um dia, vou conhecer. E, assim foi... Primeiro, a busca ao emprego. Um pouco difícil; complicado!... Sem trabalho, sem dinheiro, ninguém sobrevive em ti que, imponente, reclamas e ordenas: Trabalhe! Busquei e encontrei o meu trabalho. Então, pude desfrutar de tudo o que eu via e passei a descobrir teus infindáveis recantos, envolvendo-me de encantamento. Primeiramente, a Moóca, onde morei e trabalhei. Bairro operário, pulsante, batalhador e amigo, com suas chaminés gigantes, espalhando crescimento e avanço (poluição eu não via). Conheci gente boa, feliz, simples, gentil. Depois, o Ipiranga, com seu museu majestoso, cuja história se apresenta em todo seu esplendor! Seu jardim encantador, cuidado com esmero e graça, abrigando o Monumento, a Casa do Grito e o riacho, onde nossa independência se deu. Me senti tão patriota!... E, mesmo sem título, sem licença, cidadã paulistana me fiz. Com certo custo, vários lugares visitei. Até cemitérios gostava de ver : São Paulo, Quarta Parada, Consolação, Vila Formosa meu Deus! E as igrejas... que lindas! Quantas vezes na Sé eu entrei e me deixei perder em oração, através de suas colunas, de sua abóbada e seus vitrais. Na São Bento, também me recolhi em prece, em sua penumbra e seu silêncio, às vezes envolvidos por cânticos gregorianos ou pelo badalar de seus sinos. Teus prédios... maravilhosa arquitetura! Queria estar em todos eles, sobretudo nos mais altos, como os da Rua 15 de Novembro que pareciam me abraçar, quando lá debaixo para cima eu olhava. No Banco do Estado, na época o mais

Querida São Paulo, por uma interiorana

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Encontrada caída em uma estação do Metrô de São Paulo no aniversário de 458 anos da cidade.

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CARTA DE UMA INTERIORANA À CIDADE DE SÃO PAULO

São Paulo, 25 de janeiro de 2008 Minha querida São Paulo: Há muito estou em dívida contigo. Devo-te um MUITO OBRIGADA, do fundo do coração! Lembro-me bem, como tu me recebeste, acolhedora e risonha, tal qual u’a mãe saudosa a abraçar a filha ... Na Estação da Luz, quando cheguei do interior, caipirinha amedrontada, mas, eufórica e deslumbrada, te vi borbulhante, calorosa, com gente apressada, indo e vindo de todo lado. E os carros, então! Por que tantos?! Para onde todos iam? E de onde tantos vinham? Pra quantos lugares iriam eles? Que maravilha! Pensei: seja para lá ou para cá, todos esses lugares, um dia, vou conhecer. E, assim foi... Primeiro, a busca ao emprego. Um pouco difícil; complicado!... Sem trabalho, sem dinheiro, ninguém sobrevive em ti que, imponente, reclamas e ordenas: Trabalhe! Busquei e encontrei o meu trabalho. Então, pude desfrutar de tudo o que eu via e passei a descobrir teus infindáveis recantos, envolvendo-me de encantamento. Primeiramente, a Moóca, onde morei e trabalhei. Bairro operário, pulsante, batalhador e amigo, com suas chaminés gigantes, espalhando crescimento e avanço (poluição eu não via). Conheci gente boa, feliz, simples, gentil. Depois, o Ipiranga, com seu museu majestoso, cuja história se apresenta em todo seu esplendor! Seu jardim encantador, cuidado com esmero e graça, abrigando o Monumento, a Casa do Grito e o riacho, onde nossa independência se deu. Me senti tão patriota!... E, mesmo sem título, sem licença, cidadã paulistana me fiz. Com certo custo, vários lugares visitei. Até cemitérios gostava de ver: São Paulo, Quarta Parada, Consolação, Vila Formosa – meu Deus! E as igrejas... que lindas! Quantas vezes na Sé eu entrei e me deixei perder em oração, através de suas colunas, de sua abóbada e seus vitrais. Na São Bento, também me recolhi em prece, em sua penumbra e seu silêncio, às vezes envolvidos por cânticos gregorianos ou pelo badalar de seus sinos. Teus prédios... maravilhosa arquitetura! Queria estar em todos eles, sobretudo nos mais altos, como os da Rua 15 de Novembro que pareciam me abraçar, quando lá debaixo para cima eu olhava. No Banco do Estado, na época o mais

alto, como eu queria chegar ao topo! Nunca lá estive, mas no Terraço Itália, sim. Então, pude me deleitar com tua paisagem de concreto que muitos dizem ser áspera, triste ou algo assim, mas para mim, é força, pujança, competência de construção do imaginário... Esforço de mãos e cérebros de abnegadas criaturas. Tuas praças e jardins acolhedores... românticos! Praça da República, com seus artistas e suas obras, Parque Trianon, Jardim da Luz, da Aclimação, Vale do Anhangabaú, Praça da Sé (marco zero, José de Anchieta, palmeiras...), Pátio do Colégio (pensar que aí tu nasceste, no esforço de jesuítas pela catequese de nossas crianças, sobretudo dos gentios; quantas rezas, danças e cânticos na língua tupi, aí devem ter sido realizados...); o Ibirapuera, que sonho! No planetário, me senti em êxtase. Pude ver um céu cem vezes mais lindo que aquele que eu costumava admirar nas noites frias e límpidas, deitada no quintal de minha casa, lá no interior. A grande marquise, desse parque, é mesmo admirável. E, seu lago, sua fonte luminosa, suas árvores, as pessoas tomando sol, andando de bicicleta, atletas se exercitando, crianças correndo ou em seus carrinhos... Muita vida e alegria! Atualmente, seus museus culturais, seus concertos ao ar livre, apresentação de cantores... Que maravilha! Tuas avenidas e viadutos... espetaculares! Em noites quentes, sem a tua costumeira garoa, por várias vezes, do alto do Viaduto do Chá e o de Santa Ifigênia, eu, deslumbrada com tuas luzes e com o “neon” colorido e piscante, gritei a plenos pulmões: “São Paulo, eu te amo!!!” (sem me importar com os transeuntes que, provavelmente, estavam me achando louca). Falando em avenidas, além da D.Pedro I, da Paes de Barros, da Nazaré, do Estado (meus caminhos a dois de meus empregos), a imponente Avenida Paulista, coração financeiro da metrópole que há quase cinquenta anos tenho visto e, ainda hoje, com o coração pulsando forte, por ela passo absorvendo com os olhos todos os seus detalhes e admirando sua gente elegante, com ares inteligentes. Como eu gosto dessa avenida!... Seus cinemas, suas exposições, seus restaurantes, suas torres no alto dos edifícios, muitos deles, infelizmente, em substituição aos antigos casarões que, quando cheguei, lá estavam e me faziam voltar no tempo, imaginando seus proprietários, em seus saraus, com damas e cavalheiros finamente trajados, conforme a moda da época. Da Paulista dos primeiros anos de minha chegada, tenho muita saudade do Clube Holmes, com seus bailes elegantes. Também da Casa de Portugal, na Av. da Liberdade. E, por que não dizer das matinês dançantes no Palácio Mauá, ao lado do Viaduto Dona Paulina, onde dancei, em muitas tardes de domingo? (Quanta saudade!). E a Avenida São João e a Ipiranga? Quando por elas passo, também em mim, até hoje, “alguma coisa acontece, no meu coração”. Até das enchentes do Rio Tamanduateí, sinto saudade.Que absurdo! Mas, é que tudo era aventura, novidade, estupor da descoberta. Algumas vezes, para ir do Ipiranga ao centro da cidade, após o trabalho, para assistir a um bom filme, comer uma boa pizza, um “bauru” na Salada Paulista, ou mesmo

frequentar algum curso, cheguei a ter os sapatos molhados pela água que adentrava no ônibus. (A calha do Tietê, desde que aqui cheguei está sendo limpa e ampliada, mas as enchentes continuam. Admiro o empenho e a determinação dos prefeitos, bem como o esforço dos trabalhadores, nessa luta – auguro a todos, boa sorte!). E os cinemas, então! O cine Metro e sua tela panorâmica, o Cine República com sua “maior tela”, o Comodoro e as 3 dimensões, o Marabá e tantos outros, exibindo seus lindos filmes em cinemaScope. Também ficava admirada com as Feiras Livres, onde se compra de tudo, até hoje: roupa, calçado, fruta, verdura, comida, (pastéis – que delícia!) Por muitas vezes, não precisei preparar o almoço de domingo para mim, porque na feira, experimentando um pouco aqui, outro ali, eu já ficava de estômago satisfeito; aproveitava do que diziam os feirantes: “moça bonita não paga!” E o comércio!...Vitrines lindas! Quanta roupa, sapatos, bijuteria, bolsas, perfumes, cosméticos... Para uma interiorana, que tentação! As Lojas Mappin e Sears eram chiques demais (só para conhecer). Na Rua José Paulino ou na 25 de Março, dava para comprar e me alegrar um pouco. Mais tarde, lecionando, várias passeatas eu fiz, lutando por melhores salários e assim, outros locais e instituições pude ver e admirar: novas ruas, avenidas,

Vão do MASP, Palácio do Governo, Escolas, Hospitais, Universidades, Teatros... No Teatro Municipal, ao entrar pela primeira vez para assistir a uma peça, até sem fôlego fiquei, extasiada por sua beleza. Sei que tens outras tantas belezas sobre as quais nada escrevi, mas, podes crer, elas estão todas entrelaçadas na saudade do passado e na esperança do futuro, que desejo seja próspero e risonho para ti. Assim, mais uma vez, MUITO OBRIGADA! Espero que eternamente possas ouvir, do fundo do meu coração, o meu grito: SÃO PAULO, EU TE AMO!!!... Carinhosamente, Marlene de Lourdes Mendonça [email protected]