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FECHAMENT O AUT ORIZADO. Pode ser aber to pelos Correios . RUBEM AMORESE O PROCESSO DO MILAGRE NOVEMBRO–DEZEMBRO 2011 • ANO XLIV Nº 333 ALDERI SOUZA DE MATOS O MAL QUE EXISTE EM NÓS ORGULHO O caminho mais curto para o tombo PAUL FRESTON COMO SERÁ A IGREJA EVANGÉLICA DE 2040?

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Novembro-Dezembro, 2011 I ULTIMATO 1

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RUBEM AMORESE O PROCESSO DO MILAGRE

N O V E M B R O – D E Z E M B R O 2 0 1 1 • A N O X L I V • N º 3 3 3

ALDERI SOUZA DE MATOSO MAL quE ExIStE EM nóS

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PAUL FRESTONCOMO SERá A IGREjA EvAnGéLICA DE 2040?

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2 ULTIMATO I Novembro-Dezembro, 2011

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Novembro-Dezembro, 2011 I ULTIMATO 3

O diabo anda por aí

A berturA

J ó 1.7 nos leva a 1 Pedro 5.8 e 1 Pedro 5.8 nos leva a Jó 1.7.

Na primeira passagem, Deus pergunta ao diabo: “De onde você vem vindo?”. E o anjo caído responde: “Estive dando uma volta pela terra, passeando por aqui e por ali”. Na segunda, Pedro exorta: “Estejam alertas e fiquem vigiando porque o inimigo de vocês, o diabo, anda por aí como um leão que ruge, procurando alguém para devorar”.

Enquanto a NTLH diz que o diabo “anda por aí”, outras versões preferem dizer que o anjo caído “ronda em volta” (NBV) ou “gira continuamente” (J. B. Phillips). Em outras palavras, o diabo existe, o diabo está solto, o diabo é inimigo (o mesmo que aparece na parábola do joio), o diabo não para, o diabo quer fazer vítimas.

A denúncia de Simão Pedro é ex cathedra, isto é, ele fala com autoridade, pois foi uma das pessoas que o diabo procurou e conseguiu abocanhar, na casa do sumo sacerdote Caifás, na Sexta-Feira da Paixão, pela manhã (Mt 26.69-75).

As voltas do diabo pela terra têm o propósito de descobrir brechas ou fendas no caráter dos cristãos pelas quais possa entrar. O diabo é um catador de rachaduras nas paredes e de goteiras nos telhados. A figura da brecha é usada pelos profetas: “Vocês rejeitam a minha mensagem e põem a sua confiança e a sua fé na violência e na mentira [e] esse pecado será como uma brecha que vai se abrindo num muro alto: de repente, o muro desmorona” (Is 30.13).

O amor ao dinheiro foi a grande brecha no caráter de Judas. O Evangelho segundo João registra: “Assim

que Judas recebeu o pão [a senha pela qual o traidor seria revelado], Satanás entrou nele” (Jo 13.27). Não houve mais jeito. Horas depois, Judas “foi e se enforcou” (Mt 27.5).

É preciso tomar cuidado com as rachaduras da vida. Talvez a mais comum e a mais perigosa de todas seja a busca de nome, de poder, de posições cada vez mais altas e de glória. Essa sede é inata. O seu “quase ápice” é quando alguém se passa por Deus. E o ápice é quando alguém se julga mais do que Deus.

As andanças do diabo “por aí” ou “por aqui e por ali” podem ser vistas nas palavras de Jesus. O Senhor se refere a um espírito imundo que sai de um homem, vai para um lugar deserto em busca de repouso e, algum tempo depois, volta ao lugar anterior (Mt 12.43-45).

Já que a realidade, por enquanto, é esta, Pedro ordena: “Tenham autocontrole e fiquem alertas” (na tradução de Simon Kistemaker). É necessário enfrentar o diabo. Tiago aconselha a mesma providência e garante: “Enfrentem o diabo e ele fugirá de vocês” (Tg 4.7).

É essa vitória específica que nós cantamos no “Castelo forte”, de Lutero:

Se nos quiserem devorardemônios não contados,não nos iriam derrotar.Nem ver-nos assustados.O príncipe do mal,com seu plano infernal,já condenado está!Vencido cairápor uma só palavra!

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“ Estar na berlinda” é algo muito incômodo. Significa “ser alvo de motejos ou objeto de comentários”. Esta seria a matéria de capa desta edição de Ultimato. Pretendia-se escrever sobre o que os inimigos da fé, a mídia

e outros falam de nós e também sobre o que nós falamos de nós mesmos (as acusações mútuas). Nem tudo que todos falam é a expressão exata da verdade. Ainda assim muita coisa não se pode jogar fora. A igreja na berlinda é a igreja cristã de modo geral. Diz respeito à igreja católica romana, à igreja reformada, às igrejas históricas, às igrejas pentecostais (inclusive o movimento carismático católico), às igrejas neopentecostais e aos cristãos sem nome ou sem igreja. Diz respeito aos pastores e seus rebanhos. Para a igreja sair da berlinda há mais oração do que esforço, há mais silêncio (da parte dos que temem exageradamente a crítica) do que discurso, há mais uma reação isolada do que maciça. Esta é mais dos “leigos” do que da cúpula religiosa. Há um número não desprezível de evangélicos e católicos de joelhos, chorando e clamando. O que aconteceu na Europa em direção à Reforma do Século 16 está se repetindo.

O caminho mais inteligente e mais curto para o retorno ainda é a velha receita dada pelo próprio Deus ao povo de Israel no dia da dedicação do templo de Jerusalém, por volta de 959 antes de Cristo: “Se o meu povo, que se chama pelo meu nome, se humilhar e orar, buscar a minha face e se afastar dos seus maus caminhos, dos céus o ouvirei, perdoarei o seu pecado e curarei a sua terra” (2Cr 7.14). Porque em muitos casos (ou em todos?) o processo que coloca a igreja na berlinda começa com a soberba, e a volta começa com o exercício da humildade coletiva. Esta edição mostra a necessidade de trocar a soberba pela humildade — a virtude para Deus ver e não para o homem ver (p. 22).

Vem a calhar a reflexão de Robinson Cavalcanti: “O pensador cristão deve ser humilde na escuta de seus críticos, mas não pode pautar o seu pensamento por eles ou ‘jogar para a plateia’, preocupado em agradar ou desagradar” (p. 52). Em sua coluna, Valdir Steuernagel encoraja-nos a convidar Jesus a entrar em nossa casa (ou em nossa igreja ou denominação) não pela porta da sala, mas pela porta da cozinha, onde o encontro com ele será menos formal e mais íntimo (p. 58).

Em Tornar-se criança (p. 32), Ricardo Barbosa lembra-nos que, quando os discípulos discutiram entre si para saber qual deles seria o maior no reino dos céus, Jesus tomou uma criança nos braços e disse que o maior seria aquele que se humilhasse como ela.

Elben César

C ArtA Ao le itor

ISSN 1415-3165Revista Ultimato – Ano XLIV – Nº 333Novembro-Dezembro 2011www.ultimato.com.br

Publicação evangélica destinada à evangelização e edificação, não denominacional, Ultimato relaciona Escritura com Escritura e acontecimentos com Escrituras. Visa contribuir para criar uma mentalidade bíblica e estimular a arte de encarar os acontecimentos sob uma perspectiva cristã. Pretende associar a teoria com a prática, a fé com as obras, a evangelização com a ação social, a oração com a ação, a conversão com santidade de vida, o suor de hoje com a glória por vir.Circula em meses ímpares

Diretor de redação e jornalista responsável:Elben M. Lenz César – MTb 13.162 MG

Arte: Liz ValenteImpressão: PluralTiragem: 35.000 exemplares

Colunistas: Alderi Matos • Bráulia Ribeiro Carlos “Catito” Grzybowski • Carlinhos Veiga Dagmar Fuchs Grzybowski • Ed René Kivitz • Jorge Barro Marcos Bontempo • Marina Silva • Paul Freston René Padilla • Ricardo Barbosa de Sousa Robinson Cavalcanti • Rubem Amorese Valdir Steuernagel

Notícias: Lissânder Dias

Participam desta edição: Áquila Mazzinghy Hamilton de Morais • Lissânder Dias Rolando de Nassau • Tais Machado • Timóteo Carriker

Publicidade: [email protected] e edições anteriores:[email protected]ção permitida: Favor mencionar a fonte. Os artigos não assinados são de autoria da redação.

Publicado pela Editora Ultimato Ltda., membroda Associação de Editores Cristãos (AsEC)

Editora UltimatoTelefone: (31) 3611-8500Caixa Postal 4336570-000 — Viçosa, MG

ADmINIsTRAção/mARkETINg: Klênia Fassoni Ana Cláudia Nunes • Ariane dos SantosDaniela Cabral • Ivny Monteiro • Lucas Rolim Luiza Pacheco

EDIToRIAL/PRoDUção/ULTImATo oNLINE: Marcos Bontempo • Bernadete Ribeiro Djanira Momesso César • Gláucia SiqueiraLissânder Dias • Mariana Furst • Pabline Félix

FINANçAs/CIRCULAção: Emmanuel BastosAline Melo • Ana Paula Fernandes • Cristina Pereira Daniel César • Edson Ramos • Jair Avillez Luís Carlos Gonçalves • Rodrigo Duarte Solange dos Santos

VENDAs: Lúcia Viana • Henife Oliveira Lucinéia Campos • Marcela Pimentel • Romilda Oliveira Tatiana Alves • Vanilda Costa

EsTAgIÁRIos: Bruno Menezes • Jaklene Batista Raquel Bastos • Tércio Rodrigues

fuNDADA EM 1968

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A igreja na berlinda

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77.

Na carta dirigida ao povo de Deus espalhado por várias províncias da Turquia, Pedro não se mostra preocupado com a saúde, a segurança e o bem-estar dos idosos. Ele não

dá os costumeiros conselhos: tomem o remédio certo na hora certa, não comam demais, cuidado para não cair, andem devagar, distraiam-se etc. A preocupação do apóstolo é com a vida espiritual daqueles que estão em idade avançada:

“De agora em diante, vivam o resto da sua vida aqui na terra de acordo com a vontade de Deus e não se deixem dominar pelas paixões humanas” (1Pe 4.2, NTLH).

Em vez de “resto da vida”, outras versões preferem dizer: “resto da sua vida corporal” (HR), “resto da vida mortal” (CT), “resto de seus dias na carne” (BJ), “resto do tempo cá na terra” (J. B. Phillips), “restante de sua vida corporal” (CNBB).

Esses idosos estão na etapa final da jornada, da peregrinação e da estadia. Eles ainda estão no exílio, ainda são migrantes, ainda se acham fora da pátria, ainda são peregrinos e forasteiros. Porém estão, naturalmente, mais próximos da Canaã celestial do que os outros.

Não é apenas neste versículo que Pedro se dirige aos idosos. No primeiro capítulo da carta ele escreve: “Durante o resto da vida de vocês aqui na terra tenham respeito a ele” ou “portem-se com temor” (1Pe 1.17).

Teriam sido necessárias essas advertências do apóstolo dirigidas a pessoas de idade avançada e limitadas em seu vigor físico? À luz do Eclesiastes, Pedro tem toda razão: “O coração do homem está cheio de maldade e de loucura durante toda a vida” (Ec 9.3). Segundo Lutero, a inclinação para o mal, com a qual todos nascem, “não pode ser extinta enquanto vivemos — pode ser diminuída dia a dia, mas extinta não pode”.

Pedro reforça a sua exortação com um argumento válido: “No passado vocês [os agora idosos] já gastaram bastante tempo fazendo o que os pagãos gostam de fazer. Naquele tempo vocês viviam na imoralidade, nos desejos carnais, na bebedeira, nas orgias, na embriaguez e na nojenta adoração de ídolos” (1Pe 4.3). Com a conversão, ocorrida algum tempo antes, os idosos da diáspora foram libertados do poder da escuridão e trazidos em segurança para outra esfera de vida, para a maravilhosa luz de Cristo (1Pe 2.9; Cl 1.13). Para compensar o “bastante tempo” na carne, os velhinhos de Pedro deveriam viver o resto de seus dias no Espírito!

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Orgulho O dono da glória Humildade: uma virtude para Deus ver e não para o homem ver Humildade absolutamente sem medo Depois de um longo tratamento de choque Provérbios de Salomão: o caminho mais curto para o tombo é a soberba Está na hora de pedirmos ao Senhor que nos dê mais espinhos bem encravados na carneÉ hora de abandonar a vaidade e deixar a liderança, se necessárioEstá na hora de fugir da nossa própria vaidadePercepções de si mesmo, Tais MachadoO casamento do sucesso com a humildadeEstamos todos embriagados!Soberba e secularização

3 Abertura 4 Carta ao leitor 6 Pastorais 8 Cartas12 Frases12 Números14 Mais do que notícias18 Notícias37 De hoje em diante... 40 Meio ambiente e fé cristã43 Novos acordes 44 Altos papos 56 Cidade em foco 62 Caminhos da missão

CAPA

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ABREVIAçÕEs:AS21 - Almeida Século 21; BH - Bíblia Hebraica; BJ - A Bíblia de Jerusalém; BP - A Bíblia do Peregrino; BV - A Bíblia Viva; CNBB - Tradução da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil; CT - Novo Testamento (Comunidade de Taizé); EP - Edição Pastoral; EPC - Edição Pastoral - Catequética; HR – Tradução de Huberto Rohden; KJ - King James (Nova Tradução Atualizada dos Quatro Evangelhos); NTLH - Nova Tradução na Linguagem de Hoje; TEB - Tradução Ecumênica da Bíblia. As referências bíblicas não seguidas de indicação foram retiradas da Edição Revista e Atualizada, da Sociedade Bíblica do Brasil, ou da Nova Versão Internacional, da Sociedade Bíblica Internacional.

O caminho do coração32 Tornar-se criança Ricardo Barbosa de Sousa

Da linha de frente34 O evangelho da gentileza Bráulia Ribeiro

Cotidiano38 O leitor pergunta, Ed René Kivitz

Casamento e família39 A vergonha de estar nu, Carlos “Catito” Grzybowski e Dagmar Fuchs Grzybowski

Missão integral42 A opção galileia de Jesus, René Padilla

Entrevista46 Rolando de Nassau Toda música sacra é religiosa, mas nem toda música religiosa é sacra Ética 49 Como será a igreja evangélica brasileira de 2040 ?, Paul Freston

Reflexão52 Desafios do evangelicalismo progressista Robinson Cavalcanti

História54 O mal que existe em nós Alderi Souza de Matos

Redescobrindo a Palavra de Deus58 Então Jesus entrou numa casa Valdir Steuernagel

Especial48 Missão integral e discipulado — como se misturam?, Samuel Sheffler

59 Heresia: uma palavra que não combina com N. T. Wright, Timóteo Carriker

64 O aberto horizonte das missões

Ponto final66 O processo do milagre, Rubem Amorese

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• artigos exclusivos• boletins editoriais• devocionais• estudos bíblicos• lançamentos• novidades• promoções

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Um ponto de encontrowww.ultimato.com.br

Não só de vive o idoso

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Alegria, alegria, por favor!Ao folhear a matéria de capa da edição de setembro/outubro de 2011, verifiquei que alguns artigos falam de felicidade e outros, de alegria, o que denota uma confusão entre os termos. As duas palavras não são sinônimas. A felicidade é um estado de alma que depende das circunstâncias, da presença ou ausência de amigos e pessoas amadas. Vivemos a felicidade na busca da satisfação de novos sentimentos. A alegria não depende das circunstâncias, de amigos à volta, de ambiente festivo, da satisfação dos sentidos. Paulo diz: “Alegrai-vos sempre no Senhor”. A alegria não é uma opção, uma escolha, mas uma ordem, um mandamento. Quatrocentos anos antes de Cristo, Neemias escreve: “A alegria do Senhor é a nossa força” (Ne 8.10).Pr. Ezequias Costa, São Paulo, SP

este poder. Quem não crê, fica desdenhando, filosofando, sociologizando, tentando explicar o inexplicável, que vai além da razão e que só o Espírito de Deus pode discernir.Lucimara Roque, São Paulo, SP

indecisãoFoi por causa de indecisão (“De hoje em diante”, setem-bro/outubro de 2011) que na minha mocidade deixei o evangelho de lado e preferi o mundo e suas concupiscên-cias. Como sofri! Se no começo eu tivesse mais firmeza em seguir a Cristo, o processo seria menos doloroso.Daniel de Oliveira, Maceió, AL

Pororoca gayFelizmente ainda se levantam, em nosso meio, vozes pro-féticas que com autoridade e conhecimento proclamam a verdade a quantos queiram ouvi-la. Um desses profetas é o bispo Robinson Cavalcanti, a quem parabenizo pelo excelente artigo Os evangélicos e a pororoca gay (“Reflexão”, julho/agosto de 2011).Luciano Pereira, Brasília, DF

De volta ao senhorJá fui assinante de Ultimato e confesso que a revista me edificou muito. Sou dependente químico e, por estar afas-tado do Senhor, deixei de renovar minha assinatura. Hoje, pela misericórdia de Deus, estou em uma comunidade terapêutica e retornando ao caminho.Michel Conte, São Bernardo do Campo, SP

Sou novo assinante e acabo de receber minha primeira revista Ultimato. Somente este exemplar já fez valer a assinatura, sobretudo pelo artigo Louvarei ao Senhor, de Ronaldo Lidório. De forma clara, ele nos leva a refletir sobre o passado, o presente e principalmente sobre o futuro, quando todos louvaremos ao Senhor verdadeiramente unidos.William Tomaz, Lajinha, MG

De igreja em igrejaDiscordamos do subtítulo “De igreja em igreja”, colocado no texto que retoma as palavras de Alfredo Borges Teixeira (“Mais do que notícias”, setembro/outubro de 2011). Saímos de uma igreja de regime ditatorial e fomos para outra bem diferente. Antes de “jogar farinha no ventilador”, os que se manifestam contrários à transferência de uma denominação para outra deveriam ouvir o problema de cada um.Berenice e Nélson Camilo, Limeira, SP

o poder do evangelhoMuito claro e objetivo o artigo O poder do evangelho, de Rubem Amorese (“Ponto final”, setembro/outubro de 2011). O autor é sensível, pois entende e sabe se fazer entender. O evangelho é “poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê”. Quem crê, experimenta

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estou aqui, senhor!Entendo que Cristo trabalha no corpo e se revela ao mundo por meio da igreja. Contudo, é difícil estar dentro desta igreja sendo homossexual e ouvir culto após culto sobre a família e sobre como nós gays somos uma ameaça a ela, uma aberração que precisa ser eliminada. As palavras de desamor ferem a alma já ferida e, se não fosse o entendimento bíblico de que Deus é amor, confesso que há muito teria me tornado inimigo da cruz. Ou então me iludiria e faria parte da chamada “igreja gay”, onde tudo é aparentemente mais seguro e confortável, e “negar a si mesmo” e “tomar a cruz de Cristo” são frases impronunciáveis. Em contrapartida, nela existe amor e acolhimento. Sinto falta disso. Sigo e amo a Jesus Cristo de todo o coração. Há anos fui iniciado na homossexualidade pelo meu pastor. Os bastidores das igrejas fazem corar de vergonha os anjos. Porém, continuo firme na graça, pois é por ela que sou salvo. E se algo precisa ser mudado em mim, faço esta oração: “Estou aqui, Senhor, muda-me!”.Luciano Silva, Serra, ES

Não admito ser chamada de mártirÉ sempre um prazer ler os textos de Bráulia Ribeiro. Parabenizo-a pelo artigo A linguagem de missões que prejudica o reino (“Da linha de frente”, julho/agosto de 2011). Sou brasileira e moro na Estônia,

onde trabalho como voluntária com a juventude em uma zona rural ao sul do país, na qual o evangelho foi rejeitado após a invasão soviética. A Estônia tem sua dose de escuridão, mas onde esta não existe? Sinto-me chamada a servir neste país não pela sombra ou pelo passado tenebroso, mas pela beleza e força que há nele. Não admito ser transformada em mártir por aqueles que se julgam capazes de mensurar o que deixei para trás para estar na Estônia. Se eu colocar na balança a alegria de viver o chamado de Deus para minha vida, sei que não foi sacrifício algum vir para este país.Lívia Telles, Võru, Estônia

John stottPara mim, Stott teve três grandes momentos: seu nascimento em 1921, seu encontro com Cristo na terra em 1938 e seu encontro com Cristo na glória. O fato de ter se tornado capelão da família real e de ter sido indicado como uma das cem pessoas mais influentes do mundo não se compara a esses três momentos. Antes, é o reflexo destes.Jean de Oliveira, Nova Cruz, RN

Li com profunda emoção o livro O Discípulo Radical, de John Stott. Tendo lido a maioria de seus livros, fui mais uma vez abençoado e encorajado a pros-seguir e a honrar o ministério do evangelho, graças ao exemplo, à coerência e à fidelidade bíblica desse servo do Senhor. Stott com certeza está na lista

daqueles “homens dos quais o mundo não era digno” (Hb 11.38). Ele escreveu: “Se a glória de um pôr-do-sol já nos impressiona, como será quando estivermos diante da beleza do novo céu e da nova terra?”. Agora, Stott já sabe!Pr. Rodinon dos Santos, Montes Claros, MG

macumba gospelAs mais variadas esquisitices estão surgindo no mundo neopentecostal. Isto está acontecendo por causa do abandono da Palavra, como diz Oseias: “O meu povo está sendo destruído, porque lhe falta conhecimento” (4.6). Precisamos nos informar, ler, estudar, examinar as Escrituras e tornarmo-nos cristãos bereanos. Muito do que há é macumba gospel, “outro evangelho”, numerologia, esoterismo travestido em Palavra de Deus. Alguns pastores olham mais para o caixa da igreja do que para a qualidade de caráter de seus membros, que estão caindo e cedendo ao cântico da sereia prosperida-de e aos seus adornos. Fiquemos alertas, pois o inimigo encontrou o meio mais trivial de estragar a seara do Senhor: semeando o joio no meio do trigo.Pr. Marco Antonio Sales, Nova Iguaçu, RJ

mais cristão e mais decenteAgradeço o zelo que Ultimato tem por nós leitores, principalmente pelo nosso intelecto. Quando leio e absorvo o conteúdo da revista, me sinto mais

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inteligente, mais gente, mais cristão, mais descente. É desse zelo que falo. Ultimato faz bem à mente e ao coração. É verdadeiro instrumento de mudança na vida de muitos. Raphael Machado, São Carlos, SP

oremos uns pelos outrosSempre leio Ultimato com interesse. Há muita espiritualidade na revista, e é edificante. Aproveito-a nas homilias.Pe. Benedito Halter, Porto Feliz, SP

Com muito pesar solicito o cancelamento de minha assinatura da revista Ultimato, por motivo de deficiência visual gradativa, devido à catarata e à idade, 87 anos. Agradeço e proponho: Oremus ad invicem (Oremos uns pelos outros).Dom Urbano Allgayer, bispo emérito de Passo Fundo, RS

ecumenismoJá fui assinante de Ultimato. Não renovei a assinatura, pois há muito tenho visto a revista desenvolver uma linha ecumênica com a qual não concordo. Há muitos textos sobre a Igreja Católica. Por causa disso o conteúdo de Ultimato decaiu bastante. Talvez essa tenha sido uma estratégia comercial. Contudo, penso que, se continuar assim, em breve

estará publicando artigos espíritas ou conteúdos semelhantes, o que é lamentável.Pr. João Graebin, Formosa, GO

o céu aberto de AgostinhoÉ uma graça saber que católicos e protestantes têm raízes comuns, como é o caso dos estudiosos da patrística. Há muito queria saber mais sobre a vida de Agostinho e a matéria de capa da edição de março/abril de 2011 abriu-me o caminho. O pensamento do bispo de Hipona consistia na busca pela soberania de Deus em sua vida por meio da própria sabedoria, que ele tanto procurava. Agostinho descobriu que a sabedoria não era o saber, mas o conhecer a Deus, nosso sumo bem. Ele encontrou a sabedoria ao encontrar o amor verdadeiro. Parabéns a Ultimato. Matérias como esta promovem unidade e abrem caminho para a reconciliação e o diálogo cristão. Este é um caminho longo, mas, se trilhado na caridade de Cristo, um dia chegaremos lá.Andréia de Faria, Ouro Fino, MG

o colégio de Jesus e a educação teológica das Assembleias de DeusO site do MEC informa que há oito instituições cadastradas com o nome Assembleia de Deus, desde o Paraná, passando por São Paulo, até Macapá e Piauí. A faculdade que a matéria de capa da edição de julho/agosto de 2011 menciona fica no Rio de Janeiro

e oferece apenas três cursos: administração, direito e teologia. Porém, administração e direito são apenas autorizados pelo MEC (fase anterior ao reconhecimento). Somente o curso de teologia é reconhecido pela instituição. Fora este equívoco, Ultimato está de parabéns pelos textos sobre o centenário das Assembleias de Deus.Alexander Fajardo, São Paulo, SP

ordenação femininaLamento a entrevista Ordenação feminina (março/abril de 2011). A Bíblia é supracultural — ela molda a cultura, não o contrário. A revelação de Deus deve redimir a cultura. Afirmar que a não ordenação feminina é machismo, é uma grande injustiça. A Igreja Presbiteriana do Brasil não ordena mulheres aos ofícios sagrados, pois ela é fiel à Bíblia. A Presbyterian Church USA começou com mulheres e agora já pensa em ordenar homossexuais. Esse é o caminho daqueles que relativizam a Palavra de Deus, sempre oportuna e pertinente. Lamento a posição de Waldyr Carvalho Luz e de Ultimato.Rev. Fábio Bezerra, Sobradinho, DF

Cartas da prisãoMinha mãe é missionária, minha esposa é evangélica e estou lendo um livro cristão. Estou no caminho certo, o caminho da salvação.Dário, Casa Branca, SP

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Li em Por Que (Sempre) Faço o Que Não Quero? o testemunho do office-boy que violentou e assassinou nove mulheres no Parque do Estado em São Paulo, SP: “Eu tenho um lado bom e um ruim, que se sobrepõe ao bom”. Entendo que o lado ruim continua vivo dentro dele. Tiro essa conclusão baseado em meu próprio exemplo. Quando fui preso em junho de 2008, descobri este meu lado, que se manifestou durante três dias consecutivos. Entretanto, eu não o alimentei, pois não o queria dentro de mim. No começo foi difícil, mas o Deus em quem creio é mais forte do que o mal.José da Silva, Sorocaba, SP

Relendo a “Carta ao leitor” da edição de julho/agosto de 2011, me deparei com o título Geladeira estragada. Só então entendi o que estava escrito. Ao ver alguns cristãos louvando, orando e gritando eu dizia sempre que aquele “barulho” não era necessário, pois Deus não é surdo. Porém hoje, por estar na presença do Senhor, entendo que o “barulho” é consequência do clamor dirigido a Deus. Hoje eu também levanto clamores ao Senhor e dou glórias a Deus em alta voz. Entretanto, há alguns irmãos que não agem da mesma forma,

e Deus opera na vida deles e de seus familiares. Entre nós, alguns gostam de “barulho”, outros, não. Contudo, uns respeitam os outros, e moramos e buscamos a Deus juntos em uma mesma cela.Sérgio Lima, Flórida Paulista, SP

Sou cristão e moro em uma cela, onde é a nossa igreja. Realizamos cultos ao ar livre no presídio para trezentas pessoas que necessitam ouvir a Palavra de Deus. Precisamos de folhetos.Luciano Rubiar, Caixa postal 43 – 15496-900 Riolândia, SP

ERRAmos— No artigo O fim do conselho evangélico (“Reflexão”, setembro/outubro de 2011, p. 52), o título correto é O fim do consenso evangélico.— O artigo Role Model (“História”, setembro/outubro de 2011, p. 58) termina com o seguinte parágrafo: “Nossa infância e juventude necessitam desesperadamente de role models, [...] esse imperativo que recai inevitavelmente sobre eles”.

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12 ULTIMATO I Novembro-Dezembro, 2011

“E m vez de destruir a vida, devemos destruir o que torna a vida

insuportável, o que faz rejeitar a vida. Elizabeth Kipman Cerqueira, médica especialista em ginecologia e obstetrícia

“O s navios britânicos carregaram mais pessoas para a escravidão do que

qualquer outro país durante o século 18, o período do pique de comércio de escravos. Marcus Rediker, autor de O Navio Negreiro

“T enho uma história complicada, machuquei pessoas, falhei. Não sou

mais quem eu era, não tenho medo do passado, eu o entendo. William P. Young, autor de A Cabana

“S e a adolescente não tem projetos de vida, a gravidez vira o projeto de

vida. Marco Aurélio Galletta, médico responsável pelo setor de gravidez na adolescência do Hospital das Clínicas de São Paulo

“D eus criou o homem e a mulher não para acasalá-los, mas para casá-los.

Guilherme Cunha, pastor da Catedral Presbiteriana do Rio de Janeiro

“A s novelas fazem uma profunda crítica social e comportamental, mas legitimam

o status quo vigente, porque é dele que elas se alimentam.Edson Faxina, professor da Universidade Federal do Paraná

“Q uanto maior a frequência no consumo de drogas, maior a tendência a transgredir

e envolver-se com a violência. A epidemia das drogas é o pior problema de saúde pública.Rui Antonio de Souza, da equipe do jornal Mundo Jovem

“O s teólogos necessitam “sair da toca” e de seus gabinetes de cristal, fazer

teologia para a igreja e ajudar a igreja a discutir com mais profundidade temas como este [opção sexual].Lourenço Stelio Rega, diretor da Faculdade Teológica Batista de São Paulo

“H oje não é possível afirmar sem hesitação que o século 21 será menos conflituoso

que o precedente no campo da missão, embora seja permitido esperar que o seja.Jacques Matthey, pastor e teólogo reformado suíço

“O s jovens precisam não somente de oportunidades, mas também de

exemplaridade dos mais velhos; não somente razões, mas de atitudes que motivem, preencham e impulsionem a sua existência e alimentem a sua esperança.Papa Bento XVI

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N Úmeros

25.000finlandeses deixaram espontaneamente a Igreja Luterana depois de assistirem a um debate na TV durante o qual uma candidata democrata cristã, recém-eleita, afirmou que não fica bem para um cristão ter relações homossexuais

3.600.000.000de ienes (cerca de 76 milhões de reais) foram encontrados nos escombros deixados pelo terremoto de 11 de março no Japão e devolvidos por equipes de resgate e por cidadãos

3.000.000de exemplares do livro A Cabana, de William P. Young, filho de missionários evangélicos na China, foram vendidos no Brasil (nos Estados Unidos, foram mais de 10 milhões)

86mulheres com idade entre 19 e 64 anos coabitam com Bello Maasaba, curandeiro nigeriano. Ele já teve 107 esposas, mas nove morreram e doze foram por ele repudiadas

80%dos 1.829 missionários católicos brasileiros além-fronteiras são mulheres e religiosas

56.400.000pessoas ao redor do mundo admitem usar pílulas e comprimidos que vendem prazer, euforia, capacidade de concentração ou doses artificiais de paz e serenidade

197guerras foram travadas em todo o mundo entre 1800 e 1997

6.721divórcios foram realizados nos cartórios do estado de São Paulo de janeiro a junho de 2011, um aumento de 286% em relação ao mesmo período de 2010

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Assim caminha a humanidade...

Bento XVI quer uma igreja despojada de sua riqueza terrena e de seu poder político

E nquanto 1 bilhão de pessoas ainda passam fome (segundo a ONU), os jornais brasileiros noticiam...

a morte de Teteia, 53 anos, sacrificada na presença da filha Sininho, 10, após um quadro de declínio irreversível...

a chegada de Imbi e Kifta, ambas de 10 anos, procedentes da Inglaterra, para fazer companhia a Idi Amim, 38, ainda virgem...

a morte de Ciça, 18 anos, e de Oksama, 11, esta depois de ser operada às pressas sem sucesso de um câncer de fígado, deixando vivos cinco filhos...

a separação de Dengo e Elza, depois de terem vivido juntos por oito anos...

a colocação de uma terceira prótese na perna de Motala, por ter pisado em uma mina terrestre...

a morte de Santiago, 3 anos, ao desembarcar no aeroporto de Vitória, em um voo da Gol procedente de São Paulo, devido a uma parada cardiorrespiratória...NotaTetéia era um hipopótamo, o animal mais velho do zoológico de São Paulo; Imbi, Kifta e Idi Amin são gorilas do zoológico de Belo Horizon-te; Ciça e Oksama eram cachorros de raça; Dengo e Elza são leões do zoológico de Niterói; Motala é um hipopótamo fêmea da Tailândia; e Santiago era um cão pug.

O dono da cachorra Oksama escreveu na Folha de São Paulo: “Minutos antes de sua entrada no centro cirúrgico, beijei-a na testa, que tremia devido à respiração ofegante”.

Na Alemanha, protestantes e católicos foram obrigados a protestar contra o sepultamento religioso para animais, afirmando que “somente o ser humano recebe qualificação de pessoa, o que o diferencia fundamentalmente dos animais”. A polêmica sugestão partiu de um certo doutor Jens Feld, segundo o qual a igreja devia não somente dar apoio a enlutados pela morte de um animal, mas também fazer o sepultamento do animal morto segundo ritos cristãos.

P or ocasião de sua viagem à Alemanha, a terra da Reforma, em setembro

deste ano, o papa Bento XVI, de 84 anos, acenou para uma forte renovação do cristianismo. Alguns de seus pronunciamentos foram feitos em Erfurt, cidade onde Martinho Lutero, aos 23 anos, trocou a universidade — onde fazia o curso de direito — pelo convento (2 de julho de 1505) e onde foi ordenado sacerdote (3 de abril de 1507). Entre outras coisas, o papa disse:

— Nos últimos tempos a geografia do cristianismo mudou profundamente e continua mudando.

— [O cristianismo de hoje é] de escassa densidade institucional, com pouca bagagem racional, menos ainda dogmática, e pouca estabilidade.

— Vivemos em um tempo em que se tornaram incertos os critérios de ser homem. A ética foi substituída pelos cálculos das consequências.

Os motivos de abandono da igreja são múltiplos, no contexto do secularismo da nossa sociedade. Em geral, estes abandonos são o último passo de um longo trajeto de afastamento

+ Do Que Not íC iAs

da igreja. [Para compreender, é necessário que os fiéis respondam a estas perguntas:] Porque estou na igreja? Estou na igreja como em uma associação esportiva, uma associação cultural etc., na qual encontro respostas para os meus interesses e, se não for assim, vou embora? Ou estar na igreja é algo mais profundo? É importante reconhecer que estar na igreja não quer dizer fazer parte de uma associação, mas estar na rede do Senhor, que pesca peixes bons e maus das águas da morte, para levá-los às terras da vida.

— A igreja deve de novo separar-se de tudo que é mundano.

— Liberada de seu peso material e político, a igreja dedica-se melhor e de maneira verdadeiramente cristã ao mundo inteiro, pode novamente viver de maneira mais livre sua chamada ao ministério da adoração a Deus e ao serviço do próximo.

— A igreja tem que se abrir ao mundo, não para obter a adesão dos homens em busca de poder, e sim para conduzi-los a Deus.

Fonte: Zenit e movimento También somos iglesia (Chile).

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E sta pergunta aparece no capítulo que trata da homossexualidade

na Bíblia, no livro Homossexualidade — ciência e consciência, escrito por seis professores do departamento de práxis da Universidade Pontifícia Comillas, em Madri, e publicado no Brasil pela Edições Loyola, em 1985. A resposta estaria no artigo intitulado É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que encontrar respaldo bíblico para o homossexualismo (Ultimato, setembro/outubro de 1998).

Se a Bíblia não é taxativa no que diz respeito ao comportamento homossexual, então é melhor ensarilhar as armas de uma vez por todas. Não há outro sustentáculo para a não aceitação da homossexualidade senão as Escrituras Sagradas.

O professor Gregorio Ruiz, autor da pergunta, escreve que o pecado de Sodoma, de onde “provêm as palavras sodomia e sodomita, que designam

+ Do Que Not íC iAs

É tão taxativa a condenação bíblica da homossexualidade?

em todas as línguas modernas precisamente a prática homossexual, principalmente entre homens”, é “um pecado de injustiça, mais concretamente de anti-hospitalidade e não necessariamente de violação sexual”.

Em benefício de sua tese, o professor prefere dizer que os homens de Sodoma foram à casa de Ló para conhecer que tipo de estrangeiros ele hospedava (conhecer no sentido comum e não no sentido de ter uma relação sexual completa). Essa interpretação é impossível de ser admitida, mesmo sem se consultar outras passagens bíblicas. Contudo, a leitura do segundo capítulo da Segunda Carta de Pedro deixa patente que o pecado de Sodoma era de fato de natureza sexual.

Ao referir-se a esse episódio, o apóstolo afirma que Deus salvou Ló, “um homem bom, que estava aflito porque conhecia

a vida daquela gente imoral”. Outras versões ampliam o sentimento de Ló frente à situação: o sobrinho de Abraão sentia-se “atormentado” (HR, EPC), “atribulado” (S21), “deprimido” (TEB), “entristecido” (EP), “oprimido” (MS), “revoltado” (CT, EPC) ou “muito agoniado” (NBV). Ló sofria com o que via e ouvia, pois eles levavam uma vida devassa, dissoluta, libertina, luxuriosa, imoral e indecente (2Pe 2.6-10). Embora o pecado da injustiça social seja grave e tenha também acontecido em Sodoma, Gomorra e outras cidades da planície (Ez 16.49-50), o que causou mais dor para Ló foi a libertinagem dos seus conterrâneos e contemporâneos.

A narrativa do livro de Gênesis torna impossível a sugestão do professor Gregorio Ruiz. Ao cercar a casa de Ló e exigir que ele lhes entregasse os dois anjos com aparência humana, a multidão de jovens e adultos

queria mesmo “deitar com eles” (BP), “abusar deles” (RA, BJ), “ter relações com eles” (NBV, NTLH, NVI, EP, CNBB), “conhecê-los intimamente” (S21). O próprio Deus já havia revelado a Abraão, tio de Ló, sua intenção de destruir a cidade, pois “há terríveis acusações contra Sodoma e Gomorra, e o pecado de seus moradores é muito grande” (Gn 18.20).

É igualmente oportuno lembrar o que Judas “servo de Jesus Cristo e irmão de Tiago”, escreve em sua carta: “Não se esqueçam da cidade de Sodoma e Gomorra e das cidades vizinhas, cheias de imoralidade de toda espécie, inclusive a paixão de homens por homens” (Jd 7).

Qualquer distorção das Sagradas Escrituras nessa área (e em outras) torna perigosamente inocentes os cristãos que querem conviver com a fé e o pecado sem o menor constrangimento. É uma péssima contribuição em um momento de efervescência da questão homossexual.

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16 ULTIMATO I Novembro-Dezembro, 2011

+ Do Que Not íC iAs

Barbara e Alan Bachmann — casados com o Brasil

Quem pode nadar contra a correnteza senão aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus (1Jo 5.5)?

O s americanos Barbara e Alan Bachmann, ambos de 75 anos,

estão no Brasil há cinquenta anos. Começaram a carreira missionária entre o povo ribeirinho do Amazonas. Para se aculturarem mais rapidamente e com mais facilidade, moraram em uma casa de tábuas, aprenderam a preparar e a comer alimentos típicos (vatapá, tacacá, pastel de carne de jacaré, tambaqui), falaram português em casa com os filhos, buscaram água e lavaram roupa na beira do rio e usaram a latrina que ficava no fundo do quintal. Para eles, “servir a Deus em uma cultura distinta daquela em que nascemos requer atravessar uma ponte muito estreita, tão estreita que, quanto menos bagagem da cultura anterior trouxerem, melhor será o êxito do ministério entre o povo ao qual Deus o enviou”. Alan gosta de dizer que atravessaram a “ponte” já casados, em 1960, e “casamos com o Brasil”.

O casal Bachmann foi bem-sucedido tanto no trabalho missionário como na educação dos cinco filhos. O primeiro casou com uma moça de Manaus

e treina pessoas na área de comunicação radiofônica; o segundo foi piloto da missão Asas de Socorro e hoje realiza trabalho de evangelização em Turim, na Itália; o terceiro trabalha como linguista missionário entre o povo Felupe, em Guiné-Bissau; e o caçula até pouco tempo atrás trabalhava na divisão de jatos executivos da Embraer, em São José dos Campos, SP, e hoje mora nos Estados Unidos. A única filha, casada com um pastor, é enfermeira e atua em Rondônia. Os cinco filhos, todos criados no Amazonas, e os dezesseis netos estão “por todos os lados” (em quatro continentes) — como diz Bachmann — e falam, além de inglês e português, pelo menos outras quatro línguas, inclusive o jola e o criolo, de Guiné-Bissau.

Depois de prestar assistência médica odontológica por doze anos ao longo dos rios da Amazônia, Alan Louis Bachmann mudou-se para Manaus, onde, por dez anos, ministrou na área de comunicação (rádio, TV). Em 1983 ocupou o cargo de diretor da Radio Trans Mundial (RTM) do Brasil,

em São Paulo. A partir de 1990 tornou-se consultor internacional das RTMs da América Latina (Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai, República Dominicana, Uruguai e Venezuela). De 2000 a 2006, como coordenador global de treinamento da Trans World Radio (TWR), preparou

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pessoas-chave para treinar outros em seis regiões do mundo onde a TWR produz e transmite programas em mais de duzentos idiomas. Hoje, mesmo aposentado, Bachmann é diretor-executivo da missão Asas de Socorro, com sede em Anápolis, GO, onde mora com a esposa, Barbara.

1. As estatísticas dizem que mais de 40% dos casamentos fracassam

2. Nos Estados Unidos o amor não sobrevive mais de três anos

3. Nas Canárias houve mais casamentos desfeitos do que casamentos feitos em 2010

4. Calcula-se que mais de 30% das jovens que tomam a pílula do dia seguinte são menores de idade

5. A cada dia 3.300 brasileiros de ambos os sexos se tornam usuários da Ashley Madison, empresa que promove e facilita a infidelidade conjugal pela internet, instalada no país há quatro meses.

Barbara e Alan Bachmann conseguiram atravessar a ponte estreita de uma cultura para outra

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prática da não-violência sem relação com um poder superior: “A minha fé ajudou-me efetivamente”, afirmou a homenageada, que integra a Igreja Luterana da Libéria.

Além de Gbowee, o Nobel da Paz deste ano foi atribuído à atual presidente da Libéria, Ellen Johnson Sirleaf, e à militante iemenita Tawakul Karman, que tem liderado a oposição ao ditador Ali Abdullah Saleh.

Leymah, que organizou um grupo de mulheres cristãs e muçulmanas para desafiar os senhores da guerra na Libéria, foi

distinguida pelo Comitê Nobel por ter conseguido ultrapassar fronteiras étnicas e religiosas, mobilizando as mulheres para a paz e a participação nas eleições. Trabalhou com pessoas que viviam em situações traumáticas, incluindo antigas crianças-soldado. A guerra civil liberiana terminou em 2003, após o que Johnson Sirleaf foi eleita.

A experiência de Gbowee é relatada no livro Mighty Be Our Powers — How Sisterhood, Prayer, and Sex Changed a Nation At War (Fortes são os nossos poderes: como a fraternidade [de irmãs], a oração e o sexo mudaram uma nação em guerra”). Ela será apresentada em um documentário que estreou em outubro na estação pública de televisão dos Estados Unidos.

N otíC iAs

por Lissânder Dias

Ganhadora do Nobel da Paz é inspirada pela fé Uma das laureadas com o Prêmio Nobel da Paz em outubro foi Leymah Gbowee, ativista liberiana que ajudou o seu país a sair de uma brutal guerra civil. Em um evento organizado pelo Conselho Nacional de Igrejas dos Estados Unidos, Gbowee citou o pastor batista Martin Luther King e o arcebispo anglicano Desmond Tutu como exemplos de militantes da causa da paz e da justiça. Ela acrescentou que não acredita que seja possível a

Fraternidade Teológica prepara Congresso Latinoamericano de Evangelização

A Fraternidade Teológica Latinoamericana (FTL) realizará dos dias 9 a 13 de julho de 2012, em San José, Costa Rica, o 5º Congresso Latinoamericano de Evangelização — CLADE 5, sob o lema “Sigamos a Jesus em seu reino de vida. Guia-nos, Santo Espírito”. Os CLADE’s anteriores ocorreram em 1969, 1979, 1992 e 2000. Este último, em Quito, no Equador.

O objetivo do congresso é “promover a reflexão em torno do evangelho e o seu significado, assim como contribuir para a vida e a missão no mundo latino”. Segundo a coordenação do CLADE 5, “há pelo menos três assuntos a respeito dos quais os CLADE’s têm se preocupado até hoje desde 1969, quando em Bogotá, na Colômbia, se realizou a primeira edição do evento: a unidade da igreja, a missão integral e o sacerdócio universal de todos os crentes”.

Para acompanhar os preparativos para o evento, acesse o site www.clade5.org.

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N otíC iAs

Brasileiro éeleito lídermundial dosmetodistasO bispo Paulo Tarso de Oliveira Lockmann foi eleito, no início de agosto, presidente do Concílio Mundial da Igreja Metodista, órgão máximo da denominação no mundo. É a primeira vez que alguém da América Latina assume o cargo.

Lockmann era vice-presidente na gestão anterior. O Concílio Mundial acontece a cada cinco anos e representa mais de 75 milhões de membros da Igreja Metodista em 136 países. Lockmann acredita que a Igreja Metodista no Brasil terá mais visibilidade a partir de agora. “Portas

Não jogue sua vida foraEste foi o tema do Congresso Cristianismo e Modernidade, realizado em São Paulo, nos dias 7 e 8 de outubro. O evento contou com a presença de 1.200 pessoas, sendo 80% jovens com idade entre 18 e 30 anos. O pastor e pregador batista norte-americano John Piper foi o preletor do congresso, que levou o nome do seu livro Don’t Wast Your Life. O evento foi promovido pela Universidade Presbiteriana Mackenzie em parceria com a Editora Fiel.

Piper esteve presente também em outros dois eventos. De 3 a 7 de outubro, participou da 27ª Conferência Fiel para Pastores e Líderes, em Águas de Lindoia, SP, com o tema “Evangelização e Missões”. A conferência reuniu 2.500 líderes e contou com a audiência pela internet de mais de 50 mil pessoas. O segundo evento, Juntos em Cristo, aconteceu no Rio de Janeiro e reuniu cerca de 3 mil pessoas. Neste, Piper pregou sobre a alegria em Cristo.

Para o teólogo presbiteriano Augustus Nicodemos, estes três eventos mostraram que “o interesse pela fé reformada tem crescido e está rompendo as barreiras denominacionais”.

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Concílio Mundial Metodista reuniu lideranças das igrejas com tradição wesleyana

já estão se abrindo para as nossas lideranças. Estou convencido que nossa igreja tem muito a contribuir com o metodismo em nível mundial”, afirma o novo presidente.

Para o pastor José Magalhães Furtado, um dos integrantes do grupo de brasileiros no evento, o resultado da eleição mostra “o desejo de mudança por efetiva alternância de poder e revitalização do Concílio”.

Mesmo com a eleição, o bispo brasileiro permanece trabalhando no Rio de Janeiro, como presidente da 1ª Região Eclesiástica da Igreja Metodista no Brasil, durante os próximos cinco anos. Além dele, foram eleitos, como vice-presidente, Sarah Francis Davis, bispa da Jamaica, e, como tesoureiro, Kirby Hickey, leigo dos Estados Unidos. O bispo Ivan Abrahams, da África do Sul, foi eleito secretário executivo do Concílio.

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22 ULTIMATO I Novembro-Dezembro, 2011

E m todos os tempos e em todos os lugares, os cristãos têm declarado solenemente a Deus: “Teu é o reino, e o poder, e a glória para sempre” (Mt 6.13).

A rigor, essas palavras finais da oração do Pai-Nosso tornam imprópria qualquer autoglorificação. Uma passagem do Antigo Testamento reforça esse comportamento: “Não se glorie o sábio na sua sabedoria, nem o forte na sua força, nem o rico na sua riqueza, mas quem se gloriar, glorie-se nisto: em compreender-me e conhecer-me [...]. Pois é dessas coisas que me agrado” (Jr 9.23-24).

Os cristãos precisam levar a oração dominical e o oráculo de Jeremias a sério, tanto na teologia como na prática diária.

Ainda mais que há outro oráculo taxativo: “Não darei a minha glória a nenhum outro” (Is 48.11, NVI). Outras versões preferem dizer: “Eu não reparto a minha glória” (NBV) ou “Não cedo a minha glória” (BP).

Nabucodonozor, por 43 anos rei da Babilônia (de 605 a 562 a.C.), não se saiu bem ao perder as estribeiras e se autoelogiar: “Como é grande a cidade de Babilônia! Com o meu grande poder eu a construí para ser a capital do meu reino, a fim de mostrar a todos a minha grandeza e a minha glória” (Dn 4.30). Ele ainda estava falando quando veio uma voz do céu que disse: “Sua autoridade real lhe foi tirada [e] você será expulso do meio dos homens,

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ORGULHO O caminho mais curto para o tombo

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N ão é uma questão de aparência. A soberba mais grave é aquela que se esconde por trás de uma falsa humildade. A humildade é uma virtude para Deus

ver e não para o homem ver.Não é a negação pura e simples de dons, capacitação e

virtudes pessoais, mas o sentimento constante da necessidade de Deus para se ter uma vida espiritual saudável, de vitória sobre o pecado e as provações, e cheia de frutos verdadeiros.

Não é a mera rejeição de palmas, prêmios e coroas, mas a transferência destes para quem de direito (Ap 4.9-11) ou a prática verdadeira do soli Deo gloria (glória somente a Deus).

Não é a autodesclassificação, a renúncia da inteligência, da sabedoria, experiência, força de vontade, trabalho árduo, mas a associação dessas coisas com os recursos que provém de Deus.

Não é a inatividade, o cruzar dos braços, mas a atividade comandada e alimentada pela sabedoria e providência de Deus.

M uitos têm medo da humildade. Acreditam que ela não leva a nada, não produz resultado algum, é perda de tempo, é nadar contra a correnteza, é

expor-se à maldade alheia. O medo decorre da lei do mais forte, que prevalece desde a queda do homem e cada vez mais se amplia. A cultura mundana valoriza a soberba e não a humildade. Dá mais valor à roupa, ao nome, aos títulos, aos diplomas, aos anéis, ao dinheiro, ao status social, à pose, ao poder, e não reconhece o valor da piedade, da religiosidade, da santidade de vida e da modéstia cristã. Daí o medo de ser esmagado pela multidão ao tentar sair dela e ser diferente.

Embora até certo ponto razoável, o medo da humildade desaparece quando o cristão se conscientiza de que na difícil e corajosa prática da humildade ele pode contar com a proteção de Deus. A exortação de Pedro é animadora: “Sejam humildes debaixo da poderosa mão de Deus” (1Pe 5.6). Deus coloca as mãos em forma de concha sobre a cabeça da pessoa humilde, protegendo-a de algum aproveitamento da parte de outros. É como se fossem a armadura, a couraça, o escudo e o capacete da salvação (Ef 6.10-17).

Muitos nomes e muitos rostosA soberba tem muitos nomes — altivez, arrogância, exibicionismo, jactância, orgulho, ostentação, pedantismo, pernosticidade, presunção, vaidade, vanglória.

A soberba tem muitos rostos — existe o orgulho do berço nobre, o orgulho do sobrenome famoso, o orgulho da beleza corporal, o orgulho social, o orgulho religioso, o orgulho da ortodoxia, o orgulho pentecostal, o orgulho carismático e até o “orgulho gay”, o “orgulho hétero” e o “orgulho bissexual”. O mais nocivo de todos é o orgulho da humildade.

A vaidade é um dos ingredientes mais indesejados e poderosos da pecaminosidade latente. O ser humano nasce e cresce com essa propensão e lida com ela a vida inteira. Pois a cultura secular estimula e favorece a soberba do berço ao túmulo — no lar, na escola, na igreja e na sociedade.

Humildade absolutamente sem medo

Humildade: uma virtude para Deus ver e não para o homem ver

viverá com os animais selvagens e comerá capim como os bois”. A sentença sobre Nabucodonozor cumpriu-se imediatamente: o homem dos jardins suspensos da Babilônia (uma das sete maravilhas do mundo) começou a comer capim como os bois, a dormir no relento, a deixar cabelos e unhas crescerem. Essa tremenda humilhação durou sete anos. Então, sua mente voltou a funcionar como mente de homem e ele fez uma notável profissão de fé: “Agora, eu, Nabucodonozor, louvo, exalto e glorifico o rei dos céus porque […] tem poder para humilhar aqueles que vivem com arrogância” (Dn 4.31-37).

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24 ULTIMATO I Novembro-Dezembro, 2011

Depois de um longo tratamento de choque, o Egito tornou-se o mais humilde dos reinos

Os religiosos que querem aparecer e se autoprojetar devem se expor, viajar para onde estão os aglomerados humanos e participar de festas religiosas, celebrações de cultos e eventos especiais. Precisam chamar atenção por meio dos milagres espalhafatosos (como o de jogar-se do pináculo do templo) e de discursos inflamados. Esse de fato é o caminho mais curto e mais garantido para quem quer ser conhecido, atrair multidões e fascinar todo o mundo.

Certo ou errado?Thiago R. Rocha

Este mundo está mesmo transtornado.Pelo avesso ele já virou decerto.O que era certo, agora está errado.O que era errado, agora virou certo.

Quem é honesto é tido por quadrado.E o desonesto é homem bem esperto.O que respeita a lei é atrasado.Quem não respeita é tido como certo.

Quem deseja fazer tudo certinho,irá sentir que ficará sozinhona lisura de todos os atos seus.

Mas prossegue, com toda paciência,porque respeita a sua consciênciae procura agradar somente a Deus.

Thiago R. Rocha, 85 anos, é pastor emérito da Igreja Presbiteriana do Riachuelo, no Rio de Janeiro, e autor de Vida Positiva e Convém que Ele Cresça.A soberba é uma doença tão séria que exige medidas de

caráter radical para acabar com ela. Em seu estágio mais avançado, a soberba danifica a mente de suas vítimas. É o

caso do faraó Hofra, que governou o Egito por 19 anos, de 589 a 570 antes de Cristo, na época do profeta Ezequiel.

Ele era tão vaidoso que dizia: “O rio Nilo é meu! Eu mesmo o criei para mim!” (Ez 29.3). Ora, de seus 6.671 quilômetros de extensão, apenas 1.508 (menos de 25% de toda a área) pertencem ao Egito. Além de se dizer dono do rio, Hofra apresenta-se como o seu criador! Os monumentos egípcios atestam a tradicional jactância do país.

Para curar esse mal, a voz do Senhor vem a Ezequiel em janeiro de 587 e lhe diz: “Filho do homem, vire o seu rosto contra o faraó, rei do Egito, e profetize contra ele e contra todo o Egito” (Ez 29.2). O juízo de Deus sobre Hofra é muito pesado:

Estou contra você, faraó, rei do Egito, contra você, grande monstro deitado em meio a seus riachos [o delta do Nilo] [...] Deixarei você no deserto, você e todos os peixes dos seus regatos [...] Você cairá em campo aberto e não será recolhido nem sepultado. Darei você como comida aos animais selvagens e às aves do céu [...] Tornarei o Egito uma desgraça e um deserto arrasado desde Migdol [ao norte] até Sevene [ao

Porque pensavam assim, os irmãos de Jesus disseram a ele nas vésperas da festa da Páscoa em Jerusalém: “Quem quer ter fama não faz nada às escondidas (Jo 7.3, EP), e em seguida completaram: “Vá aonde mais gente possa ver os seus milagres” (Jo 7.4, BV).

A essa altura, Jesus já havia transformado 480 litros de água em vinho, colocado em pé o paralítico de Betesda, multiplicado pães e peixes e andado sobre as águas.

Porque ainda não criam na divindade dele, seus irmãos entendiam que o primogênito de Maria “queria aparecer”. Contudo, imediatamente depois da ressurreição de Jesus, eles se converteram e mudaram por completo o modo de pensar a respeito dele (At 1.14). Um deles, Tiago, provavelmente o mais velho, teve o privilégio de ser uma das poucas pessoas a ver, a sós, o ressuscitado (1Co 15.7).

Jesus — um megalomaníaco?

sul], chegando até a fronteira com a Etiópia [...] Nenhum pé de homem ou pata de animal o atravessará: ninguém morará ali por quarenta anos [...] Espalharei os egípcios entre as nações e os dispersarei entre os povos [...] Então todos os que vivem no Egito saberão que eu sou o Senhor (Ez 29.1-12).Essas medidas drásticas eram terapêuticas, visavam a

cura de faraó e do Egito. E deram certo, poisAo fim dos 40 anos [número certamente simbólico] ajuntarei os egípcios [Hofra já teria morrido e sido substituído] dentre as nações nas quais foram espalhados. Eu os trarei de volta do cativeiro e os farei voltar ao Alto Egito, à terra de seus antepassados. Ali serão um reino humilde. Será o mais humilde dos reinos e nunca se exultará sobre outras nações (Ez 29.13-15).

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Novembro-Dezembro, 2011 I ULTIMATO 25

Provérbios de Salomão: o caminho mais curto para o tombo é a soberba

T alvez não haja outro livro da Bíblia tão contundente contra o pecado da soberba

quanto os Provérbios. Ele associa a queda, o fracasso e o escândalo ao orgulho, como se pode ver em seguida.

Deus zomba dos que zombam dele e ajuda os humildes (3.34, NTLH).

Eu odeio o orgulho e a falta de modéstia (8.13, NTLH).

Quando vem o orgulho, chega a desgraça, mas a sabedoria está com os humildes (11.2, NVI).

Brigas e discussões são provocadas pelo orgulho, mas as pessoas humildes aceitam conselhos e se tornam sábias (13.10, NBV)

O Senhor detesta todos os orgulhosos; eles não escaparão do castigo, de jeito nenhum (16.5, NTLH).

A desgraça está a um passo do orgulho: logo depois da vaidade vem a queda (16.18, NBV).

Mais vale ter um espírito humilde e estar junto dos oprimidos do que partilhar das riquezas dos orgulhosos (16.19, NBV).

Quem vive se gabando está correndo para a desgraça (17.19, NTLH).

Antes de sua queda o coração do homem se envaidece, mas a humildade antecede a honra (18.12, NVI).

Os maus são dominados pelo orgulho e pela vaidade, e isso é pecado (21.4, NTLH).

Você quer saber o que há no coração de um homem que vive zombando de tudo e de todos? Orgulho, convencimento, ódio e atrevimento (21.24, NBV).

Para conseguir riqueza, respeito dos homens e uma vida feliz, você precisa ser humilde e temer o Senhor (22.4, NBV).

Não se engrandeça na presença do rei, e não reivindique lugar entre os homens importantes; é melhor que o rei lhe diga: “Suba para cá!”, do que ter que humilhá-lo diante de uma autoridade (25.6-7, NVI).

O homem é derrotado pelo seu orgulho, mas o de espírito humilde será respeitado (29.23, NBV).

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A rainha de Sabá veio de longe para testar a sabedoria de Salomão e convenceu-se de que ele era um privilegiado de Deus

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26 ULTIMATO I Novembro-Dezembro, 2011

Leif Ekström: está na hora de pedirmos ao Senhor que nos dê mais espinhos bem encravados na carne

Guilherme Ávilla Gimenez: é hora de abandonar a vaidade e deixar a liderança, se necessário

A tendência ao orgulho e à presunção é, sem dúvida, uma das mais perniciosas tentações que o cristão enfrenta, principalmente se for pastor ou exercer outra

liderança na igreja. Elogios, agradecimentos, homenagens e a frequente bajulação fazem surgir, facilmente, um sentimento de satisfação que pode levar ao orgulho e à presunção. É muito difícil lidar com este pecado chamado orgulho. Outras áreas, como a moral, a sexualidade ou a ganância, são mais facilmente detectáveis. O orgulho está dentro de nós e pode ser disfarçado com uma falsa humildade.

Sinceramente, sinto que está na hora de pedirmos ao Senhor que nos dê mais espinhos bem encravados na carne, para aprendermos que nada podemos com nossas próprias forças, capacidades e dons. Só seremos fortes quando formos fracos. Será que temos coragem de orar: “Senhor, manda mais espinhos à tua igreja e aos seus pastores”?

(Fonte: Jornal Luz nas Trevas, 8/2011, p. 4)

Leif Ekström é pastor da Igreja Korskyrkan, na Suécia.

A vaidade é um problema social. Muitas pessoas, em nome da vaidade, já fizeram verdadeiras loucuras apenas para manter a aparência ou fingir algo

que não são.Há muitos líderes vaidosos. Em geral, fazem de um

cargo ou uma posição a oportunidade para exercitarem sua vaidade, ainda que isso tenha um alto custo para seus liderados e até para a organização. Há várias histórias de líderes que arruinaram muita gente porque foram dominados pela vaidade e perderam a noção da realidade, da honestidade e até mesmo da própria dignidade.

O problema principal de líderes vaidosos é que raramente admitem seus erros. A vaidade os cega de tal forma que se tornam donos da verdade e começam a criticar tudo e todos sem, no entanto, perceberem suas próprias falhas.

Para manterem a vaidade, esses líderes comprometem valores, ética, moral, verdade e outros elementos indispensáveis na liderança.

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Novembro-Dezembro, 2011 I ULTIMATO 27

Naziaseno Cordeiro: está na hora de fugir da nossa própria vaidade!

P or estarem entre os leitores de livros doutrinários e históricos e por frequentarem simpósios e encontros] alguns reformados poderão se julgar superiores aos demais, mostrando, assim,

soberba e arrogância. Isso seria estranho, pois quanto mais conhecimento obtemos de Deus, mais conscientes deveríamos ficar de nossa miséria e falência.Existe o risco de haver uma apreensão intelectual da Verdade sem que esta nunca tenha chegado ao coração. Assim sendo, o conhecimento de Cristo e da sua doutrina, se não nos leva à humildade, inevitavelmente nos conduz à soberba e, por que não dizer, ao farisaísmo.Precisamos de um calvinismo prático — uma Reforma que nos leve à experiência diária de real quebrantamento diante de Deus e humildade perante os homens. Com o discurso e a prática presentes na nossa fé reformada seremos realmente relevantes para o mundo. Porém, sem a experiência de vida reformada estaremos falando de nós para nós mesmos — presos no gueto da nossa própria vaidade e futilidade.

(Fonte: O Brasil Presbiteriano, 08/2011, p. 4)

Naziaseno Cordeiro é pastor presbiteriano em Capela do Alto Alegre, Bahia.

Líderes vaidosos, à semelhança de Lúcifer, são narcisistas. O desejo de primazia é tão intenso que acabam cometendo vários erros, que determinam seu fracasso e consequente juízo.

Qualquer ação movida por vaidade é perigosa. Líderes inteligentes fogem da vaidade e líderes comprometidos com os valores bíblicos simplesmente a abominam.

Você é vaidoso e tem exercido sua liderança em meio a narcisismo, obsessão, bajulação e outros sentimentos destrutivos? É hora de abandonar a vaidade, reconhecer os erros e confessá-los, bem como corrigi-los com um coração manso e disposto a ouvir aqueles que podem ajudar.

Em vez de manter-se em um cargo ou posição apenas para ser reconhecido como “líder”, é mais sábio ser humilde, deixar a liderança, se necessário, e crescer em conhecimento, sabedoria, instrução, para então, mais tarde, com humildade, poder assumir novamente a liderança.

(Fonte: O Jornal Batista, 11/09/2011, p. 3)

Guilherme Ávilla Gimenez, pastor da Igreja Batista Betel e professor da Faculdade

Ó Deus, tem misericórdia de mim! Livra-me de qualquer processo consciente ou inconsciente de envaidecimento. Guarda-me da soberba oculta, tão escondida em alguma dobra de minha alma que eu mesmo não consigo enxergar. Protege-me da autoavaliação doentia, equivocada, mentirosa, danosa e desastrosa. Livra-me do assanhamento e da euforia (e também da depressão). Preciso da tua intervenção porque o problema é complicado e eu não sei nem consigo me vigiar sozinho. Concede-me a humildade de Jesus Cristo. Nem mais nem menos. Que a soberba não me domine. Então com a tua graça ficarei livre de grande transgressão. Amém!

Pedido de socorro

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28 ULTIMATO I Novembro-Dezembro, 2011

N ecessitamos ser amados. O orgulho é uma espécie de disfunção na capacidade

de perceber-se amado. Portanto, o orgulho pode ser o estado de uma alma insegura, a manifestação de uma carência que desconfia jamais ser suprida.

Vive-se como se a vida fosse um concurso. Só que o orgulhoso procura, além disso, não apenas ser classificado, mas ser o primeiro. Afinal, ele não pode viver sem provar a si mesmo e exibir aos outros que ele é melhor.

Geralmente o orgulhoso não tem consciência de que é assim. Entende-se apenas como esforçado, bastante dedicado, que se interessa inteiramente pelas coisas, que não desiste — enfim, um brasileiro superior. A razão pode ser um forte apoio para justificar-se e defender-se inconscientemente.

O que predomina naquele que é tomado pelo orgulho é a competição. E quem compete, necessariamente, precisa observar o outro. Vive prestando atenção no desempenho do próximo a fim de superá-lo. Ou seja, a comparação é como o ar que ele respira. Não consegue viver sem isso, está o tempo todo vendo e julgando.

O orgulhoso é compelido a insinuar seus feitos todo o tempo. Ofende-se se não é mencionado. Considera-se facilmente injustiçado e que os demais são ingratos, quando se trata, na verdade, de dificuldades suas.

Percepções de si mesmo

Dominado pelo orgulho, assume um jeito de viver em que a autossuficiência se revela, às vezes, discretamente, em outras ocasiões, explicitamente. Assim seus dias ficam mais cansativos, pois vivem acorrentados ao peso de não poderem pedir ajuda. Sentem como se isso fosse uma vergonha mortal.

Tudo isso compromete sua capacidade de gratidão e contentamento. O orgulhoso vive inconformado com a falta de reconhecimento dos que o cercam quanto a tudo que já fez. Chega a julgar o próprio Deus e vê-se no direito de explicar por que percebe que de certa forma Deus está em dívida com ele. Em última análise, pode concluir que Deus não é de fato confiável, pois não é justo. Sendo assim, vive uma solidão cruel, que se esmera por disfarçar.

A alma adoecida pelo orgulho acaba por viver seus dias miseravelmente. Vê inimigos o tempo todo, sente uma perseguição implacável em seu cotidiano. Portanto, envelhece com raízes de amargura, com dureza ímpar, com sofrimentos desnecessários. A distorção na maneira de olhar e interpretar a si mesmo, os outros e o seu contexto enruga a alma de tal maneira que poucos vestígios sobram da imagem de Deus, o Criador.

Tais Machado, paulistana, é psicóloga clínica e professora em seminários teológicos. É secretária nacional de capacitação da Aliança Bíblica Universitária do Brasil.

Taís Machado

Os pastores precisam alimentar, apascentar e pastorear o rebanho que está sob seus cuidados. Não aos trancos e barrancos. Não para fazer da fé uma fonte de renda e riqueza. Não de má vontade. Não como dominadores, tiranos ou senhores. Não como donos da igreja nem como pequenos deuses.

Essas atitudes provocam brigas, invejas, ciúmes, divisões, deserções, rupturas, mudanças de igreja e de denominações, além de aumentar a crescente multidão dos “sem religião” e os escândalos sem fim.

Ao tratar dessa triste realidade, o apóstolo Paulo dá um oportuno conselho: “Que todos [os pastores e as ovelhas] prestem serviço uns aos outros com humildade, pois as Escrituras Sagradas dizem [que] ‘Deus é contra os orgulhosos, mas é bondoso com os humildes’” (1Pe 5.5). No original grego seria: “Vistam todos o avental da humildade” (a Bíblia do Peregrino usa essa versão).

Só é possível sonhar com uma igreja mais próxima do alto padrão estabelecido por Jesus quando seus pastores vestirem o avental da humildade!

O avental da humildade

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Novembro-Dezembro, 2011 I ULTIMATO 29

O casamento do sucesso com a humildade

O sucesso faz parte dos planos de Deus para os seus filhos. Sucesso na vida devocional, no casamento, na educação

dos filhos, nas relações humanas, no exercício da profissão. Aos pastores e líderes, Deus concede dons especiais, capacidade, orientação, oportunidade, direção e o poder sobrenatural do Espírito Santo, para cumprirem cabalmente o seu ministério. Sob a perspectiva humana, a velocidade da implantação e plenitude do reino de Deus na terra depende desse sucesso global. Uma vez satisfeitas todas as exigências de Deus, o sucesso está garantido: “Tão somente sê forte e mui corajoso para teres o cuidado de fazer segundo toda a lei que meu servo Moisés te ordenou; dela não te desvies, nem para a direita nem par a esquerda, para que sejas bem-sucedido por onde quer que andares” (Js 1.7). Na verdade, o sucesso é inevitável para quem está plantando junto às águas: “Tudo quanto ele faz será bem-sucedido” (Sl 1.3). José do Egito era teimosamente bem-sucedido em qualquer lugar (na casa de Potifar, no cárcere e no trono do Egito) e em qualquer circunstância (amado, invejado, caluniado, esquecido e honrado). A razão desse sucesso aparece na repetida frase: “O Senhor era com José” (Gn 39.2-3, 21, 23). Essa promessa não está apenas no Antigo Testamento. Jesus chegou a dizer que o sucesso de seus discípulos é uma das expressões de louvor a Deus: “Nisso é glorificado o meu Pai, em que deis muito fruto” (Jo 15.8).

O grande problema é que, quanto maior o sucesso, maior é o risco de envaidecimento, por causa da fraqueza humana. Caso haja envaidecimento consciente ou inconsciente, o sucesso vai embora misteriosamente. E o bem-sucedido pastor e líder desaparece do cenário e, muito provavelmente, cai em pecado e comete escândalos, porque “a desgraça está a um passo do orgulho [e] logo depois da vaidade vem a queda” (Pv 16.18). Esta é uma regra sem exceção.

Não se escapa desse risco fugindo-se do sucesso, mas fugindo-se da soberba. Deus preferiu colocar um espinho na carne de Paulo — e não encostá-lo — para continuar a servir-se dele, para que o apóstolo não se ensoberbecesse (2Co 12.7). Ambos, o sucesso e o espinho, continuaram juntos durante a vida de Paulo, em favor do reino de Deus. À custa do doloroso espinho, o ministério e a humildade do apóstolo foram preservados e abençoados. Essa história se repete. Deus reserva a si a natureza, a ocasião, a intensidade e a duração do espinho.

Victor Hugo (1802–1885), depois de ouvir os elogios dos amigos, lia os jornais que o enxovalhavam. E os monges do célebre mosteiro de Cluny, fundado na França em 910, eram obrigados a se curvar diante dos que os tinham transgredido.

Deve-se fugir da soberba como o diabo foge da cruz!

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30 ULTIMATO I Novembro-Dezembro, 2011

N o momento estamos todos embriagados. Quem dera fosse pelo Espírito, mas

certamente não o é.Estamos perigosamente embria-

gados pela carne. Embriagados pela competição que nem mais consegue ser velada. Estamos embriagados pela busca por nome, fama, poder, primeiro lugar, glória. Só pensamos em conquistas grandiosas: um país protestante (não necessariamente cristão), um presidente protestante (não necessariamente ficha limpa), uma igreja cada vez maior do que a outra (não necessariamente santa), um templo cada vez mais amplo e suntuoso (não necessariamente livre dos célebres vendilhões do tempo de Jesus).

Não falamos em pecado. Não falamos em arrependimento. Não falamos em conversão. Não falamos em caminho apertado. Não falamos do “negue-se a si mesmo” de Jesus. Não falamos em santidade. Não falamos da glória por vir.

Só falamos de gente, de multi-dões, de números. Só falamos de autoajuda, de dinheiro, de cura, de sucesso financeiro, de bens móveis e imóveis, de milagres. Só falamos do presente. Só falamos dos cantores gospel e de eventos retumbantes.

Apresentamo-nos como bispos, apóstolos, patriarcas e papas. Faze-mos questão de dizer que somos ao mesmo tempo doutor em teologia, em ciências da religião, em divin-dade e em filosofia. Esbanjamos títulos e nomes. Estamos todos, de fato, embriagados!

Só nos preocupamos com o cres-cimento de igrejas. É o assunto do momento. Criamos métodos, estra-tégias, alvos. Muitos deles importa-dos do mundo secular, das empresas bem-sucedidas, dos especialistas em

Estamos todos embriagados!

marketing. Usamos roupas de grife, somos artificiais nos gestos e na entonação da voz. Impressionamos os auditórios, chamamos a atenção para nós e embriagamos também o público. Aceitamos as palmas e pedimos bis. Essa embriaguez nos tornou secularizados. Outrora saímos das trevas e viemos para a luz. Agora estamos saindo da luz e voltando para as trevas.

Essa embriaguez de líderes e de liderados está provocando o que hoje se vê claramente: compara-ções, competições, rivalidades, divisões, mudanças litúrgicas, descontentamento, escândalos, descrença e apostasia. Em nenhum outro tempo houve uma multipli-cação tão grande e tão rápida de denominações. Em nenhum outro tempo aconteceu um entra-e-sai de uma igreja para outra tão acen-tuado como agora. Em nenhum outro tempo o rol dos sem-religião aumentou tanto.

Essas são algumas consequências a médio e longo prazo da nossa embriaguez, da qual muitos ainda não têm consciência.

Usamos a palavra todos neste texto de forma retórica. Ainda há muitas pessoas cuidadosas, tanto entre pastores e líderes como entre cristãos comuns. O trigo nunca de-saparece. Mesmo naquelas ocasiões em que o joio é maior do que ele.

Se houver uma corajosa reviravolta da soberba mundana para a humildade cristã, a história atual da igreja poderá ser revertida. Afinal, há cura para a embriaguez! O primeiro passo dos alcoóli-cos anônimos é admitir que são impotentes para reverter sozinhos qualquer problema de conduta. Daí a necessidade de pedir socorro ao poderoso e amoroso Deus!

Quem avisa amigo é

É mais seguro ouvir a verdade do que pregá-la. Quando ouvida, preserva-se a humildade. Quando pregada, raramente o ser humano deixa de ser tomado pela vaidade, por mínima que seja.Agostinho de Hipona

[A soberba é o mais prolífico dos pecados capitais] por estar na origem de todos os outros. Antes de os seres humanos existirem sobre a Terra, o demônio se insubordinou contra Deus, por arrogância, porque queria se equiparar a ele.Tomás Eloy Martinez, escritor argentino, autor de O Voo da Rainha, romance sobre a soberba

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Q uando alguém perde o controle sobre a soberba, entra mar a dentro no processo de secularização. Isso

acontece porque a pessoa olha mais para ela do que para Deus. Esse desligamento de fundo religioso deságua naturalmente na secularização. Daí a crescente e escandalosa mistura de religião com empresa. A situação parece irreversível e é objeto de estudo da parte de cientistas religiosos, sociólogos, economistas e antropólogos. Estamos envergonhados por causa dessa situação.

Há uma busca por pastores habilidosos (antes se preferia pastores de grande comunhão com Deus, de conduta exemplar, cheios de paixão pelas almas etc.) para abrir novas igrejas no sistema de franquias. Assim como um executivo muda de uma empresa para outra que pague um salário maior, “está se tornando cada vez mais comum um pastor mudar de igreja para ganhar mais”, explica Paula Idoeta, da BBC Brasil. Em certa denominação, diz-se que o pastor tem de cumprir meta de arrecadação de dízimo, como qualquer vendedor de apólice de seguro ou de comércio atacadista. Os que obtêm os melhores resultados podem ganhar prêmios, como uma viagem a Israel.

Soberba e secularização

O sociólogo Ricardo Mariano, professor da PUC-RS e autor de Neopentecostais — sociologia do novo pentecostalismo no Brasil, lembra que em algumas igrejas “existe quase um plano de carreira que permite que [os seus pastores] passem para congregações maiores, vão para outros países e participem de programas de TV”.

Salários que variam de 3 mil reais (para iniciantes) a 20 mil reais (para os mais capazes) mais benefícios (casa mobiliada, escola para os filhos, plano de saúde e, em alguns casos, o carro do ano) substituem a velha receita de homens verdadeiramente vocacionados por Deus para o ministério.

Em defesa do mercado religioso, conhecido pastor acaba de declarar que “só uma pessoa ignorante acha que fé e lucro não podem caminhar do mesmo lado”.

Dias atrás, o celebrante de um casamento nos Estados Unidos foi “o pastor Bit”, uma espécie de robô! A orientação bíblica de mais de dois milênios atrás foi deixada de lado: “[Pastores e bispos] não usem o seu trabalho para ganhar dinheiro, mas com o verdadeiro desejo de servir” (1Pe 5.2).Ja

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Além de prima-irmã da intolerância, a soberba também é frequentadora assídua da antessala do fracasso.Dora Kramer, jornalista

Todo aquele que anda somente quatro passos de forma arrogante, afasta-se [da] presença divina.Halachá, código judaico do comportamento humano

A verdadeira religião ensina nossos deveres e nossas incapacidades (orgulho e concupiscência) e [fornece] os remédios (humilhação e mortificação).Blaise Pascal

Deus se esconde dos arrogantes intelectuais e se mostra apenas a “bebês”, isto é, àqueles que são sinceros e humildes na sua relação com ele.John Stott

Trocamos a humildade de ser ovelhas para o matadouro por títulos que nos conferem status abomináveis a Deus. Trocamos a humildade do cordeiro pela glória do lobo.Ariovaldo Ramos

Prefiro um malogro suportado com humildade a uma vitória com orgulho [e] Deus prefere um pecador arrependido a uma virgem orgulhosa.Revista Beneditina

Quem anda à procura de holofotes dos homens com certeza ficará longe da iluminação do Espírito Santo.Glênio Fonseca Paranaguá, pastor da Primeira Igreja Batista de Londrina, PR

O ser humano está cada vez mais apaixonado e encantado consigo mesmo, buscando sempre seu espelho, sua projeção e seus aplausos. Cada vez mais distante da proposta cristã de amar o outro como a si mesmo.Arlene Denise Bacarji, teóloga católica

Títulos honrosos promovem o marketing. Atribuir um título aumenta o prestígio que os “leigos” devem dar ao pastor ou líder eclesiástico. […] Um desejo de autopromoção ou a busca por mais autoridade pode levar um pastor a autodenominar-se apóstolo, enquanto a Bíblia usa esse termo, na maioria dos casos, para falar de alguém autorizado por Cristo para falar em seu nome e com sua autoridade.Russell Shedd

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mas sentir-se valorizado e importante. O polo é invertido: é a criatura assumindo o lugar do Criador. É neste ponto que o adulto deixa de ser criança e torna-se infantil.

Tornar-se criança significa reconhecer a condição de criatura e saber que nada nos alegra mais do que agradar o Criador. É por isso que Jesus nos ensina a entrar no quarto, fechar a porta, para aprender a orar. Orar em público, faz da oração facilmente um fim. Ouvir elogios dos outros nos faz sentir que somos “bons na oração”, enquanto que orar secretamente no quarto nos leva a experimentar a recompensa que vem de Deus. Aprendemos a orar por causa dele e não por nossa causa. Desejamos agradá-lo e não a nós.

Somente os humildes entrarão no reino dos céus. A verdadeira fé não é fazer grandes coisas em nome de Deus, mas viver de forma a agradá-lo. Não é isto que os pais esperam de uma criança? Tornar-se criança é viver liberto da tirania da vaidade, da busca insana pela autorrealização, da necessidade infantil de ser admirado e reconhecido. Tornar-se criança é experimentar a alegria de viver para aquele que nos criou e agradá-lo.

Quer louvar-te um ser humano, parte minúscula de tua criação. És tu mesmo que lhe dás o impulso para fazê-lo, assim ele se sente feliz ao louvar-te. Pois para ti nos criaste, e inquieto é nosso coração, até que chegue a descansar em ti.(Agostinho, Confissões)

Ricardo Barbosa de Sousa é pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto e coordenador do Centro Cristão de Estudos, em Brasília. É autor de Janelas para a Vida e O Caminho do Coração.

que quem se humilhar como ela — este, sim — será o maior no reino dos céus.

Tornar-se criança não é transformar-se em um adulto infantilizado; é aprender o significado da humildade, sem a qual ninguém entrará no reino dos céus. Tornar-se como criança é reconhecer a condição de filho e de filha. Ser humilde como uma criança é reconhecer-se como criatura. A natureza humana frequentemente inverte esta relação. O prazer mais natural de uma

criança é agradar seus pais. Humildade é agradar aquele (ou aqueles) a quem amamos. Não se trata de uma virtude que se conquista com atitudes modestas ou com a negação de elogios. Ela se desenvolve na medida em que cresce em nós a consciência de quem somos diante do Criador.

É curioso notar como a fronteira entre a humildade e o orgulho é estreita. Ser elogiado por ter feito algo bom nunca foi um pecado. É legítimo o prazer que sentimos ao agradar alguém a quem amamos. O prazer maior de qualquer cristão será ouvir a voz do Salvador dizer: “Muito bem, servo bom e fiel…” — um elogio que nos encherá de prazer por termos agradado aquele a quem mais amamos. Porém, o elogio pode se transformar em uma fonte de prazer em si mesmo. Neste caso, não se procura agradar a pessoa amada,

o CAmiNHo Do CoraÇão ricardo barbosa

Tornar-se criança significa saber que

nada nos alegra mais do que agradar o

Criador

Jesus disse que ninguém pode entrar no reino dos céus se não se tornar como uma criança. A imagem que surge na mente dos adultos,

quando ouvem esta afirmação de Jesus, é a da pureza infantil, da inocência, da dependência — virtudes que poucos adultos desejam. Assim, a conclusão lógica a que qualquer um chegaria é que poucos deles entrarão no reino dos céus.

A infância, para muitos adultos, é apenas uma lembrança — boa para uns, ruim para outros. É raro encontrar um adulto que demonstre interesse, por menor que seja, em ser como uma criança. Os poucos que o demonstram, o fazem por razões românticas, não reais. O interesse do adulto pela inocência ou pureza quase sempre é confuso e infantilizado. É também raro encontrar um adulto que, de fato, queira ser dependente. Pode até querer se convencer de suas limitações, mas dificilmente abrirá mão do controle de seu destino.

Ao tomar uma criança como exemplo daqueles que entrarão no reino dos céus, Jesus não tem em mente as imaginações românticas que nós, adultos, temos da infância. Mesmo porque o reino dos céus não será herdado por adultos infantilizados. Maturidade e crescimento são evidências esperadas na vida daqueles que seguem a Cristo.

Ao tomar uma criança como exemplo, Jesus nos ajuda a corrigir uma compreensão equivocada que temos da virtude da humildade. Os discípulos discutiam entre si qual deles seria o maior no reino dos céus — conversa típica de adulto. No meio desta discussão, Jesus toma uma criança e diz

Tornar-se criança

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Atualmente existe uma guerra entre os evangélicos no Brasil que nada tem de santa. É uma releitura cultural da velha disputa de classes. Apesar de não termos uma cultura de castas, como na Índia, nossa tradição social, baseada em origem e poder econômico, é marcada pela exclusão de grupos sociais. Nos tempos coloniais, a família, o grau de proximidade da nobreza portuguesa, a cor da pele faziam a diferença. Hoje a subcultura à qual pertencemos, a linguagem que falamos, a música que ouvimos revelam o poder socioeconômico que temos.

As várias versões evangélicas atendem a subgrupos culturais diferentes e fazem concessões teológicas de acordo com a necessidade de cada um deles.

O evangelho intelectual das classes dominantes requer uma lógica que se conforme ao discurso pós-moderno. O Deus tribal dos hebreus se transforma em uma força de amor despersonalizada e universalizante. Seguindo o exemplo da Europa multiculturalista, o evangelho palatável à intelligentsia tem que relativizar verdades. Não existe adaptação sem comprometimentos. A moralidade bíblica é um peso muito grande a ser carregado. Existe uma proposta de amor no evangelho, mas se exige para esta uma síntese hegueliana. Qualquer maneira de amar vale a pena, qualquer moralidade me diverte, desde que me satisfaça.

Apagaram tudo Pintaram tudo de cinzaSó ficou no muro Tristeza e tinta fresca [...]Por isso eu pergunto A você no mundo Se é mais inteligenteO livro ou a sabedoria? (Marisa Monte)

À medida que o Brasil vai se tornando mais evangélico observamos as marcas culturais do evangelicalismo se misturarem à cultura popular e vice-versa. Missiólogos discutem a influência da cultura nos diversos modelos de evangelho que temos pelo mundo usando dois conceitos, contextualização e sincretismo.

Entende-se por contextualização a expressão do conceito novo — a revelação do evangelho — por meio de formas antigas e facilmente reconhecíveis pelo povo. O conhecido se torna a expressão do novo. Já o sincretismo trata de uma mistura promíscua, indesejada, das novas formas com conceitos antigos. É a revitalização do erro, que se veste com uma fantasia brilhante e aparentemente nova.

O evangelho no Brasil — e, acredito, em muitos outros lugares — se acultura de modo contextualizado e sincrético ao mesmo tempo. Para se discernir entre pureza e corrupção o trabalho é árduo, mas a discussão destes caminhos é hoje essencial para a saúde da igreja. Apenas o Espírito Santo e a Bíblia podem nos tirar do limbo de um semievangelho, que se torna inócuo por ser equivalente.

O evangelho das massas populares é simples: a entidade divina se tribaliza. Como qualquer proposta animista, o Deus tribal é pesado em suas demandas tributárias, requer riquezas em profusão e obediência cega às autoridades sacerdotais. Ele tem necessidade de demonstrar seu poder em um jogo intimidatório. As bênçãos são subornos e o Deus tribal dança conforme a música do desenvolvimento econômico e distribui casas, carros zero e cargos políticos, premiando a servidão de seus fiéis.

Nas duas versões o evangelho de Cristo se torna “o evangelho do profeta Gentileza”. O “amor” do Cristo folclórico não é amor, é entretenimento. Ele é simplório e ridículo. Quem é mais inteligente, o homem ou a lei, o livro ou a sabedoria? — pergunta Gentileza. O homem, a sabedoria que não está nos livros nem no Livro — respondemos. E decidimos então apontar as torres de nossas igrejas para o centro da sociedade brasileira — o homem cordial que a todos agrada. A cultura brasílica, que não gosta de regras impostas, menospreza o Livro e reinventa em duas versões um Deus sem leis e sem moral, que se ocupa de nos servir.

Concordo com Marisa que a parede cinzenta é mais triste do que se permanecesse pintada com os escritos coloridos do Gentileza. Contudo, não vamos trazê-lo para as igrejas. É melhor deixá-lo nas ruas.

Bráulia Ribeiro trabalhou na Amazônia durante trinta anos. Hoje mora em Kailua-Kona, no Havaí, com sua família e está envolvida em projetos internacionais de desenvolvimento na Ásia. É autora de Chamado Radical. [email protected]

O evangelho da gentileza

bráulia ribeiroD A l iNHA De FRenTe

As várias versões evangélicas fazem concessões

teológicas de acordo com a necessidade dos diferentes

subgrupos culturais

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Não quero me esquecer de tudo que devo lembrar

É verdade. A partir de hoje vou me lembrar de tudo de bom que penetrou em minha memória, tanto

pela visão e audição quanto pela consciência.

Vou me lembrar daquele que me criou, meu mais remoto ponto de partida, pois me fez para ele e meu coração não descansa enquanto não repouso nele. Quero me lembrar de Deus antes de descobrir que tudo é um eterno correr atrás do vento, antes que o processo inescapável da decadência física tome conta de mim, antes que o corpo volte ao pó da terra, de onde tudo veio, e o espírito volte a Deus, que o deu.

Vou me lembrar das minhas obrigações morais, dos Dez Mandamentos, das bem-aventuranças, do paradigma que Deus coloca diante de mim, do processo contínuo da santificação.

Vou me lembrar de Jesus morto e ressuscitado, que tomou sobre si meu pecado, que removeu minha culpa e minha mancha, que me reconduziu ao Pai e que ainda é o meu defensor diante de Deus.

Vou me lembrar das promessas de Deus: a segunda vinda de Jesus, a ressurreição, o novo corpo, o juízo final e o novo céu e a nova terra.

Vou me lembrar de agradecer a Deus pela vida, pela saúde, por aquele toque misterioso do Espírito que abriu os meus olhos e me fez enxergar minha miserabilidade e a

D e HoJe em D iANte . . .

misericórdia de Deus. Vou contar e agradecer as bênçãos recebidas da divina mão e de mãos humanas.

Vou me lembrar dos meus pais e dos meus irmãos, do meu cônjuge, dos meus filhos, dos meus amigos e da família da fé. Assim nunca me esquecerei de que sou casado, sou filho e sou pai.

Vou me lembrar dos outros, dos que precisam do pão de cada dia, de trabalho, saúde, paz e salvação. Graças a essas lembranças, deixarei de lembrar-me apenas de mim, como se eu fosse o único ser vivente.

Que Deus me ajude a permanecer nesse mar de lembranças saudáveis, de hoje em diante!

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Pastor, somos alunas do curso de missão integral do Centro Evangélico de Missões (CEM) em Viçosa. Estamos fazendo um trabalho sobre a história da igreja nos séculos 20 e 21 e, para tanto, recolhendo opiniões de alguns líderes cristãos. Gostaríamos de saber: qual a sua visão sobre o neopentecostalismo? como o secularismo tem influenciado a igreja, na sua opinião? qual deve ser a postura da igreja para evitar que ele corrompa a essência do cristianismo? qual o seu conselho para a igreja brasileira hoje? Obrigado pelas perguntas que apresentam temas desafiadores: neopentecostalismo, secularismo, cristianismo e igreja evangélica brasileira. Em primeiro lugar, devo esclarecer que nem o cristianismo nem a igreja evangélica brasileira são realidades estáticas e monolíticas. Isto é, existem muitos cristianismos e muitas igrejas evangélicas brasileiras. Contudo, de fato observo essas duas tendências no movimento cristão evangélico contemporâneo: o secularismo e o neopentecostalismo. Parece até que um responde ao outro e que estamos condenados aos extremos da dialética da história: o neopentecostalismo com sua ênfase

C o T i d i a n o — o l e i T o R p e R g u n T a

mágica confrontado pelo secularismo com sua absolutização da razão. Vejo o neopentecostalismo como uma consequência natural do secularismo.

Secularismo significa viver sem a necessidade de Deus. Isso é fruto da chamada modernidade, um fenômeno do século 17 que afirmou a supremacia da racionalidade científica e do indivíduo acima da fé, da religião e de suas instituições. O impacto do secularismo e da modernidade pode ser constatado, nos últimos dez anos, pelo fechamento de em média duzentos templos cristãos por mês na Europa. Porém, o rebote da modernidade não demorou a surgir. A modernidade não conseguiu provar que Deus não existe, pois Deus não é variável epistemológica, isto é, ele não é passível de verificação em testes de laboratório. Todavia, ela conseguiu desferir um duro golpe nos representantes de Deus, notadamente nas instituições religiosas e no clero.

A modernidade secular, por outro lado, abriu espaço para o aprofundamento do desespero e da consciência de vulnerabilidade do ser humano. Um universo vazio de Deus é também um universo vazio de sentido (niilismo) e sem critérios morais para a ordenação da vida: “Se Deus não existe tudo é permitido” [Dostoiévski]. O ser humano, que

ed rené Kivitz

Ed René Kivitz é pastor da Igreja Batista de Água Branca, em São Paulo. É mestre em ciências da religião e autor de, entre outros, O Livro Mais Mal-Humorado da Bíblia. www.edrenekivitz.com

se afirmou com pretensões absolutas, não conseguiu superar a angústia diante de sua finitude, o medo da morte, o flagelo do sofrimento e a sensação de abandono em um universo imenso.

O dia seguinte da modernidade amanheceu com novos contornos: o ressurgimento da busca da experiência espiritual e da experiência religiosa privatizada, não tutelada pelas hierarquias das religiões formalmente organizadas. Isso explica, pelo menos em parte, o neopentecostalismo, que coloca Deus a serviço do bem-estar humano e manipula o sagrado e os poderes espirituais, a fim de resolver a vida em termos mágicos.

Aqueles que não se submetem a uma experiência espiritual infantilizadora e alienante buscam respostas mais próximas das categorias do secularismo, tentando afirmar a necessidade de o ser humano se emancipar do Deus interventor, tipo papai do céu, muito parecido com papai noel. Aqueles que consideram a convocação do ser humano para que assuma seu papel na construção da sociedade, da história e do futuro uma ofensa a Deus, correm para a absolutização da fé em termos mágicos, próximos da feitiçaria. Dias difíceis. Entretanto, como nos ensinou John Stott, “crer é também pensar”.

[email protected] sua pergunta para:

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Após o relato da criação, nos dois primeiros capítulos de Gênesis, a Bíblia não descreve muito como era a vida

e o relacionamento do primeiro casal no Paraíso. Apenas um versículo indica algo deste relacionamento — o verso 25 do capítulo 2. Ele afirma: “O homem e sua mulher viviam nus, e não sentiam vergonha”.

Todavia há uma verdade especial contida nas poucas palavras deste versículo. Em primeiro lugar, a ideia de estar nu, neste contexto, não indica somente o não estar usando roupas, mas sim que havia um total conhecimento um do outro — um desnudar-se de alma! Homem e mulher não tinham absolutamente nada a esconder um do outro. Conheciam e eram conhecidos por seus pares na mais profunda intimidade da alma.

Na busca pela intimidade relacional, o casal precisa dar-se a conhecer um ao outro, o que não é um processo fácil. Em primeiro lugar porque tememos a rejeição. Temo que o outro me abandone se descobrir quem realmente sou no mais íntimo de meu ser — todo o meu egocentrismo escondido e minha vida de aparências. Só eu me conheço e sei o quão vil e pecador posso ser algumas vezes — ainda que só em pensamentos — e procuro esconder isso dos demais, incluindo meu cônjuge.

Em segundo lugar porque temos vergonha. Após a entrada do pecado no mundo, a primeira atitude do ser humano foi cobrir-se com folhas

A vergonha de estar nu

C a s a m e n T o e F a m í l i aCarlos “Catito” Grzybowski e Dagmar Fuchs Grzybowski

e esconder-se de Deus, pois tinha vergonha! Vergonha de ser visto como falho e fraco. O homem havia desobedecido à única ordem do Criador. Havia falhado no mais simples que lhe fora proposto e mostrara-se fraco diante da tentação da serpente, cedendo ao seu apelo. Fraqueza e imperfeição são atributos que procuramos sempre esconder dos demais, de nosso cônjuge e, fantasiosamente, até de Deus.

Entretanto se quisermos experimentar toda a profundidade da intimidade relacional e desfrutar de uma vida conjugal verdadeiramente prazerosa, precisamos nos arriscar a uma maior abertura e transparência.

Isso exige do casal uma boa comunicação. É preciso investir tempo para contar ao outro quem sou, o que penso, como ajo e o que sinto, bem como para ouvir o mesmo dele, em uma escuta desarmada e sem críticas. Certamente este nível de intimidade não se consegue no tempo de namoro ou na noite de núpcias. É uma conquista diária e precisa ser recíproca.

Exige um diálogo no qual os olhares se encontrem e se interpenetrem a ponto de podermos enxergar a alma um do outro. Jovens apaixonados têm facilidade de dialogarem olhando nos olhos, pois se sentem profundamente amados pelo outro e têm pouco receio de serem rejeitados. Contudo, à medida que vão convivendo e cometendo pequenas falhas, passam a ter cada vez mais medo de expor-se, pois não querem se mostrar fracos e sofrer rejeição por não atenderem as

expectativas do outro. Assim, quanto mais tempo convivem, menos se permitem ser penetrados pelo olhar do outro e se distanciam na intimidade. É necessário um resgate do olhar nos olhos durante o diálogo conjugal, pois isso traz proximidade e cria vínculo.

O grande desafio para os casais é o de ficarem “nus” um diante do outro e não se sentirem envergonhados; uma transparência de alma, sem nada a esconder, para nos descobrirmos amados e aceitos pelo que somos — mesmo com nossas falhas e fraquezas — e não pelo que representamos ser.

Viver desta forma é experimentar um pouquinho do jardim do Éden em nossas vidas!

Carlos “Catito” e Dagmar são casados, ambos psicólogos e terapeutas de casais e de família. Catito é autor de Como se Livrar de um Mau Casamento e Macho e Fêmea os Criou, entre outros.

Na busca pela intimidade relacional, o casal precisa dar-se a conhecer um ao outro

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Sentido de urgência

m eio AmbieNte e Fé Cr istã marina silva

(Rm 8.19-23). A esperança é que a situação possa ser modificada. Os senadores precisam saber que é muito importante proteger as florestas e os rios, pois são fundamentais para a qualidade de vida dos brasileiros. Dependemos deles para beber água, para cultivar os alimentos, para evitar as enchentes e os desabamentos,

para fortalecer e fertilizar o solo. Cuidar das nossas florestas e rios é produzir dentro da perspectiva do desenvolvimento sustentável. Esta é uma visão que considera as necessidades presentes e também as necessidades das futuras gerações. O legado de nosso tempo não pode ser a degradação, a poluição, o esgotamento, as tragédias eminentes. Isso não condiz com a visão de

Em maio deste ano a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei (PLC 30/2011) que tem como objetivo modificar

o Código Florestal. Sem ouvir de forma adequada a população e sem considerar as contribuições da ciência, aproximadamente 80% dos deputados votaram em favor da proposta. Deram um sim ao retrocesso na legislação ambiental de nosso país; à retirada da proteção às beiras de rios, permitindo o desmatamento e assoreamento dos cursos d’água; às encostas de morros, pois com a retirada de sua vegetação elas podem desabar sobre estradas e casas; aos topos de morros, que podem sofrer o mesmo efeito; aos mangues, que podem secar e desaparecer. Um sim ao perdão a desmatadores que desrespeitaram as leis; ao descumprimento da função socioambiental das propriedades; ao agravamento das mudanças climáticas.

Após a votação, o instituto de pesquisa Datafolha mostrou que 85% da população se declarou contrária ao retrocesso e às outras consequências mencionadas. Ficou patente que estamos vivendo um descolamento entre os mandatos parlamentares e o compromisso de ser representação política.

O projeto de lei agora está no Senado. Mais do que nunca a natureza geme e sofre esperando a revelação dos filhos de Deus para sua libertação

mordomia da criação, como afirma a Palavra de Deus.

Em conjunto com algumas pessoas e mais de cem organizações participei da criação e participo da atuação do Comitê Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável. Vamos apresentar um abaixo-assinado aos senadores pontuando as

questões levantadas neste texto. É importante que a opinião dos brasileiros seja ouvida no Congresso, e é fundamental que ao colocar o nome no abaixo-assinado cada um o faça como sujeito de sua história, saindo da posição de espectador da política e assumindo o papel de agente responsável pelos rumos do país. A menos de um ano da realização no Brasil da Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, a chamada “Rio + 20”, é preciso impedir que o país cometa uma agressão contra o marco legal que a duras penas conquistou ao longo dos últimos anos e contra as bases naturais de seu próprio desenvolvimento.

Para se informar e participar do abaixo-assinado e dar aos senadores o recado da população — a fim de que entendam o sentido da responsabilidade que precisam ter e não se afastem do fato de que foram eleitos para representar e não para substituir as pessoas —, acesse: www.florestafazadiferenca.org.br.

Marina Silva é professora de história e ex-senadora pelo PV-AC.

O legado de nosso tempo não pode ser a degradação, a poluição, o esgotamento, as tragédias eminentes

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que guarda uma estreita relação com o que o apóstolo Paulo afirma explicitamente em 1 Coríntios: “Irmãos, reparai, pois, na vossa vocação; visto que não foram chamados muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos de nobre nascimento; pelo contrário, Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios e escolheu as coisas fracas do mundo para envergonhar as fortes; e Deus escolheu as coisas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são; a fim de que ninguém se vanglorie na presença de Deus” (1.26-29).

A opção galileia de Jesus não foi um tema circunstancial. Foi um reflexo da visão que ele tinha do Messias, em concordância com o Antigo Testamento, segundo a qual “o Senhor, vosso Deus, é o Deus dos deuses e o Senhor dos senhores, o Deus grande, poderoso e temível, que não faz acepção de pessoas, nem aceita suborno; que faz justiça ao órfão e à viúva e ama o estrangeiro, dando-lhe pão e vestes” (Dt 10.17-18); ele é o Senhor “que faz justiça aos oprimidos e dá pão aos que têm fome. O Senhor liberta os encarcerados. O Senhor abre os olhos aos cegos, o Senhor levanta os abatidos, o Senhor ama os justos. O Senhor guarda o peregrino, ampara o órfão e a viúva, porém transtorna o caminho dos ímpios” (Sl 146.7-9). Ele é o Deus que envia seu ungido para estabelecer um reinado de paz e justiça, reconciliação e equidade.

C. René Padilla é fundador e presidente da Rede Miqueias, e membro-fundador da Fraternidade Teológica Latino-Americana e da Fundação Kairós. É autor de O Que É Missão Integral? .

Jesus sem antes escutá-lo: “Dar-se-á o caso de que também tu és da Galileia? Examina e verás que da Galileia não se levanta profeta” (Jo 7.52). Esta atitude tinha muito a ver com o preconceito dos judeus do sul da Palestina contra a província onde a mistura de judeus e gentios havia dado origem ao nome Galileia: literalmente, “o círculo”, com a conotação de “o círculo dos pagãos”.

No entanto, não foi por acaso que Jesus saiu dessa região desprezada e foi para o deserto da Judeia para ser batizado (ver Mc 1.9) e que, logo depois da prisão de João por disposicão

do rei Herodes, regressou para lá “pregando o evangelho de Deus” (Mc 1.14). Também não foi por acaso que Jesus iniciou exatamente na Galileia a sua comunidade messiânica de discípulos, com os quais regressaria a Jerusalém (o centro do poder cultural, socioeconômico, político e religioso de Israel) para ser reconhecido publicamente como o Messias, descendente de Davi, e logo depois ser crucificado. O eterno Filho de Deus se identificou com as “não pessoas” da Galileia e, começando por elas, estableceu as bases para uma nova humanidade. A opção galileia de Jesus tem um profundo significado teológico

A opção galileia de Jesus

A igreja é chamada a prolongar na história a missão de Jesus até o fim dos séculos. No entanto, esta afirmação não nega

que esta missão teve e tem dimensões distintas, irreproduzíveis por parte dos seguidores de Jesus. Ao contrário, é um reconhecimento das implicações da comissão que Jesus deixou para seus discípulos segundo a versão registrada no Evangelho de João: “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio” (20.21b). A missão de Jesus não é apenas a base, mas também o modelo da missão da igreja.

Na síntese da missão de Jesus que aparece em Mateus 4.23 e 9.35 se destacam dois dados relativos a ela. O primeiro se refere a sua localização geográfica: toda a Galileia. O segundo menciona seus vários aspectos: o ensino, a proclamação das boas novas do reino e a cura de toda enfermidade e mal estar. Para começar, vamos refletir sobre o primeiro dado.

Basta um estudo superficial dos Evangelhos para concluir que Jesus Cristo concentrou sua missão na província da Galileia, a região periférica da nação judaica de seu tempo. Isto observamos devido ao lugar de destaque que a Galileia ocupa nos Evangelhos Sinóticos.

A pergunta de Natanael segundo João 1.46 reflete o conceito que os judeus, sobretudo os fariseus, tinham da Galileia: “De Nazaré pode sair alguma coisa boa?”. A mesma atitude depreciativa está por trás do comentário que os fariseus dirigem a Nicodemus quando ele pede que não julguem

m issão inTegRal rené Padilla

O eterno Filho de Deus se identificou com as “não pessoas”

da Galileia e, começando por elas, estabeleceu as bases para

uma nova humanidade

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N oVos ACorDesCarlinhos Veiga

Um minuto de silêncio

Tiago ViannaTiago é um artista reconhecido em todo o país. Figura carismática e dono de uma bela voz, participou em trabalhos de muita gente experiente, como Guilherme Kerr, Gladir Cabral, Jorge Camargo, entre outros. Esse é o terceiro CD do Tiago “Véi”, como é carinhosamente chamado pelos mais próximos. Antes vieram Nenhum outro caminho (1999) e Segundo Tiago Vianna (2004). Um minuto de silêncio tem a produção de Maurício Caruso e foi gravado no estúdio Quarto da Bagunça. Traz temáticas interessantes e variadas parcerias. “As dores deste mundo” (letra de Isaías de Oliveira) fala sobre as frustrações de todos nós; “Um minuto de silêncio” (parceria com Gladir Cabral) aborda a violência verbalizada que destrói a vida. Há ainda a canção instrumental “Edna”, que Tiago fez para a esposa. Conheça mais pelo site www.tiagovianna.com.

Muito mais

Karol StahrConheci o trabalho da Karol Stahr quando ela ainda integrava o grupo Vocale, de Vitória, ES. Desde sua mudança para Brasília ela vem amadurecendo a ideia de um trabalho solo, que agora se materializa neste primeiro CD. Muito mais foi gravado no Treatment Room Studio e no Castle Oaks, na Califórnia, Estados Unidos. A produção é de Nelson Rios, um músico brasiliense com carreira consolidada naquele país. Contou ainda com um time de músicos internacionalmente conhecidos, como Abraham Laboriel, Justo Almario, Rique Pantoja, Grecco Buratto, Otmaro Ruiz, entre outros. Por aí já dá para imaginar o som. O repertório é composto basicamente por R&B, pop e jazz. As canções são de autoria da própria Karol em parceria com Thiago Aguiar, seu esposo. Para conhecer mais sobre o trabalho, visite http://music.karolstahr.com/.

Outros mares

Di SteffanoSeu nome é uma homenagem ao talentoso jogador de futebol argentino dos anos 60. Nascido em Natal, RN, Di iniciou-se na música por influência de um tio. Ingressou na equipe de louvor da igreja que frequentava e rapidamente destacou-se como baterista, vindo a ser convidado a integrar a Banda Canal, ainda nos anos 90. Anos depois seguiu para o Rio de Janeiro, onde passou a acompanhar grandes nomes da MPB e da música instrumental, como Dominguinhos, João Donato, Martinália, Boca Livre, Márcio Montarroyos. Outros mares é o seu terceiro trabalho autoral e instrumental. Nele, faz um passeio pelo jazz, sem abandonar as origens brasileiras. Para a produção, contou com a participação de alguns parceiros, como Ricardo Silveira e Arthur Maia, com quem toca há seis anos. Ouça o podcast com Di Steffano no site www.novosacordes.com.br. Para adquirir, [email protected].

Consumado

Ju Bragança Consumado é um CD feito para nos inspirar em nossa adoração tanto individual como comunitária. Ju Bragança percorre essa senda há tempos. Trabalhou por 10 anos ao lado de Elias Loureiro, Albino Junior, Daniel Maia, entre outros, no ministério de música da Igreja Batista de Água Branca, em São Paulo. Na época, participou das primeiras gravações da comunidade. Agora lança o seu primeiro CD solo. A maioria das canções conta com a participação do esposo, Jorge Caetano, ora como compositor, ora como vocalista. Um mix de folk, pop e rock contemporâneo compõem o repertório. Destaque para “Maravilhosa luz” e “Consumado” — músicas para curtir em silêncio na presença de Deus. A arte da capa — bela, por sinal — é assinada por Michel Venus. Para conhecer mais o trabalho de Ju, acesse myspace.com/julianabraganca. Contatos pelo [email protected].

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áquila mazzinghy

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Ocarioca de 82 anos Roberto Torres Hollanda, mais conhecido pelo pseudônimo Rolando

de Nassau, é crítico musical d’O Jornal Batista desde dezembro de 1951, quando tinha acabado de completar seu 22° aniversário. Formado em direito e administração, casado, duas filhas, Hollanda tem três livros publicados: Introdução à Música Sacra (1957), Nassau — dicionário de música evangélica (1994) e Bach — vida e obra sacra, além da tradução de La Prière d’après les Catéchismes de la Reformation, de Karl Barth. É crente em Jesus há 70 anos, desde a adolescência, quando ouviu um sermão pregado por uma mulher. Ele entende que um dos pontos negativos da atual produção hinódica é “a insuficiência de hinos que levem o pecador ao arrependimento, à confissão e santificação”.

Que nome o senhor daria aos cânticos que mais se cantam hoje, antigamente chamados de “corinhos”?

Usamos a expressão “música cristã popular” para designar os cânticos não estabelecidos pelas normas litúrgicas ou práticas de culto das igrejas (católicas, ortodoxas, protestantes, evangélicas, pentecostais e neopentecostais) e de suas comunidades locais. Por não serem litúrgicos, são livremente entoados nos lares, nos templos e nos

rolando de Nassaue NtreV istA

Toda música sacra é religiosa, mas nem toda música religiosa é sacra

logradouros públicos e difundidos pelo rádio, televisão e internet. Pertencem à música de entretenimento. Nos primórdios do meu ofício de crítico musical, suscitei uma reação à má qualidade dos corinhos. Foi uma das minhas poucas iniciativas que surtiram um efeito duradouro. Na década de 50, os corinhos apresentavam erros gramaticais, textos com argumentação raquítica e melodias com apelo popularesco. Eram bisonhas imitações dos cânticos da comunidade católica de Taizé (França). No decorrer de quatro

décadas, foram aprimorados. Inicialmente importados, exigiam traduções, nem sempre fiéis às letras originais. Esses cânticos procederam, na década de 70, do movimento Praise and Worship (Louvor e Adoração). Não somente a música, mas também o culto deveria ser “contemporâneo”. Na década de 90, surgiram nas igrejas as “equipes de louvor”. Esse movimento carismático evangélico, inspirado por uma teologia pentecostal, era fortemente apoiado por gravadoras, editoras, emissoras de rádio

e televisão, e eficientemente divulgado pela Hillsong e pela Vineyard. Esse tipo de “música cristã popular” reflete o individualismo do cultuante, mesmo quando ele se encontra em um contexto social (a igreja), e cria uma atmosfera de euforia, ainda que ele seja um pecador precisando de confissão, arrependimento e santificação.

A diferença entre a música sacra tradicional e a música cristã contemporânea é apenas uma questão de ritmo?“Música cristã contemporânea” é o termo apropriadamente aplicado à música que surgiu, na década de 60 do século passado, nas igrejas protestantes e evangélicas dos Estados Unidos e da Inglaterra, por influência da Igreja Anglicana e da Igreja Romana, quando aceitaram em seus cultos ritmos, estilos e instrumentos da música profana popular. Além do ritmo, ela difere muito da música sacra. Esse estilo musical teve o apoio de um movimento reavivalista (Jesus Movement), em contrapartida ao movimento esquerdista (Peace Movement), pois os jovens da época acharam que as práticas tradicionais de culto e de evangelização estavam desatualizadas. Os que eram músicos procuraram desenvolver novas técnicas de composição e execução musical, para sensibilizar a massa de jovens atraída pelas campanhas evangelísticas. O novo estilo de música cristã “contemporâneo”, diferente do “tradicional”, incorporou formas da música popular norte-americana. Na década de 70, algumas igrejas de cunho

Um dos pontos negativos da atual produção

hinódica é a ênfase no louvor sem o consequente

comprometimento do cultuante na obediência

aos mandamentos divinos e aos ensinos cristãos

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pentecostal adotaram um estilo folclórico, divulgado pela gravadora Maranatha. Tudo isso aconteceu porque os dirigentes musicais da época não exerceram sua função educativa; não ensinaram a juventude a discernir entre música religiosa e música profana. Outro fator foi a conversão de músicos profanos que, rápida e naturalmente, levaram seus ritmos, estilos e instrumentos musicais para o novo ambiente social (as igrejas), onde foram recebidos como atuais e bons. Ao mesmo tempo, os jovens das igrejas evangélicas estavam sendo fortemente influenciados pela música popular. Não estarei exagerando ao acreditar que muitos deles participaram do recente Rock in Rio.

O que é música gospel?A partir do termo gospel distinguimos três tipos: o de culto, o de concerto e o de espetáculo.

Na década de 90, algumas igrejas, especialmente as de negros, praticavam nos Estados Unidos o gospel que consideravam adequado para ser executado durante o culto divino. O de concerto era apresentado por grupos vocais profissionais em um estilo sofisticado. O de espetáculo ainda hoje integra o repertório de grupos profissionais que cantam letras religiosas envolvidas pelo jazz. As igrejas no Brasil, a rigor, não adotam qualquer desses três tipos; cantam como novidade ou por excentricidade; portanto, não há como falar em “gospel”. Experimentado por compositores e cantores evangélicos no Brasil, é modismo artificial um

tanto ultrapassado. Durante 300 anos (1660-1990) desenvolveu-se a salmodia e a hinódia nas igrejas protestantes e evangélicas. Desde 1960 tem havido a substituição dessas formas tradicionais de canto congregacional pela cantoria. O que temos é, simplesmente, “música evangélica”. Esta tem sido deturpada, na origem e no destino, por compositores e cantores.

O senhor considera a nomenclatura sacra em “música sacra” uma mera referência ao gênero musical ou também uma referência teológica?Toda música sacra é religiosa, mas nem toda música religiosa é sacra. Música sacra, ou litúrgica, é a música consagrada a Deus, de acordo com a liturgia determinada pela autoridade eclesiástica. Dos séculos 4 a 6, havia controvérsias entre os teólogos sobre a música durante o culto. Na Idade Média, Tomás de Aquino manifestou um certo embaraço para defender o canto litúrgico. No século 16, a Igreja Católica Romana, por intermédio do Concílio de Trento, proibiu toda espécie de música. Entrementes, as igrejas protestantes e evangélicas prestigiavam a execução musical. A Igreja Ortodoxa proibia a música instrumental; a música de culto se restringia ao canto coral. Cremos que, em qualquer igreja ou comunidade cristã local, a boa música deve ser regulada pela boa teologia para produzir boa doxologia. As liturgias cristãs tomaram formas diversas, que variam segundo um critério geográfico e histórico e também de acordo com cada igreja. As igrejas que adotam liturgias são compostas por comunidades antioquenas, maronitas, bizantinas, armênias, nestorianas, caldaicas, malabares, coptas e etíopes (no Oriente); de ritos romano, ambrosiano, moçarabe e gálico (na Igreja Católica Ocidental); de vários ritos (na Igreja Ortodoxa). No Brasil, adotam liturgia a Igreja Anglicana, as Igrejas Luteranas, a Igreja Presbiteriana, a Igreja Presbiteriana Independente e a Igreja Metodista. Pelo que sabemos, as igrejas batistas e congregacionalistas não adotam. Atualmente, parece que a música nas igrejas atingiu o seu paroxismo.

Na sua opinião, é necessário valorizar a hinologia tradicional para a nova geração? Como fazer isso?As igrejas e suas comunidades locais devem prestigiar a sua música tradicional. No caso das igrejas evangélicas, cabe aos ministros e diretores musicais a função educativa. Não basta cuidar da execução musical. Eles devem transmitir noções a respeito da história da salmodia e da hinódia de suas respectivas igrejas. O espaço aqui é exíguo para discorrer sobre o assunto.

Como o senhor avalia os cânticos com melodias e ritmos brasileiros?Sou favorável à atualização das melodias da música evangélica, ao aproveitamento criterioso das constâncias melódicas, rítmicas e harmônicas da música brasileira. Na década de 70, publiquei aqui o artigo Por um hinário brasileiro.

A música sacra erudita dos nossos dias também sofre do esvaziamento de conteúdo bíblico e teológico como a “música gospel” atual de maneira geral?A música sacra erudita da atualidade, em geral, tem honrado os padrões estéticos e teológicos dos séculos passados. Podemos citar os compositores John Rutter (anglicano, inglês) e Amaral Vieira (católico, brasileiro), que estão remediando os estragos causados na década de 60 por alguns outros músicos em suas respectivas igrejas. Em termos práticos, na música do século 20 ocorreu o favorecimento da mídia para o predomínio do profano e a ostensiva negação do sagrado. Alguns músicos evangélicos chegaram a dizer: “Não existe música sacra”.

Qual o papel da música cristã na vida da igreja (corpo de Cristo)?A música deve contribuir para a pureza das igrejas e de seus membros (Fp 4. 8). Tanto quanto possível, a música de culto deve ser sacra. Essa música específica é caracteristicamente funcional; é elaborada e executada

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Roberto Torres Hollanda: A boa música deve ser regulada pela boa teologia para produzir boa doxologia

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para exercer certas funções na vida da igreja; não é ornamental e alternativa, como é o caso da música de entretenimento. O pior é que às vezes a comunidade local não estabelece qualquer norma a ser observada por regentes, cantores e instrumentistas. Lamentavelmente, peças musicais que não obedecem às normas são executadas como se fossem sacras. Os organizadores de certos hinários cometeram o equívoco de neles incluir o movimento coral da “Sinfonia número 9”, de Beethoven; trata-se de poema panteísta, sem vínculo com a nossa fé religiosa, e que tem servido de manifestação de posições ideológicas contrárias às nossas. Peças desse tipo não são “música de igreja”, muito menos música de culto. Os principais pontos positivos da atual produção hinódica são: 1) renovação dos temas dos hinos, para incluir a preocupação contemporânea com a responsabilidade social da igreja, a segurança das famílias e a fidelidade dos crentes na manutenção financeira das igrejas; 2) atualização das melodias. Os pontos negativos são: 1) a ênfase no louvor sem o consequente comprometimento do cultuante na obediência aos mandamentos divinos e aos ensinos cristãos; 2) a insuficiência de hinos que levem o pecador ao arrependimento, confissão e santificação.

Johann Sebastian Bach e George Frideric Handel nasceram no mesmo país (Alemanha) e no mesmo ano (1685). Qual o senhor aprecia mais: o “Jesus, alegria dos homens”, de Bach, ou o “Aleluia”, de Handel?

Aprecio igualmente “Jesus, alegria dos homens” e “Aleluia”, alguns trechos extraídos de uma cantata de Bach e de um oratório de Handel, respectivamente. No conjunto da obra dedicada à música sacra minha preferência é por Bach. Handel compôs mais música profana. Creio que as cantatas de Bach deveriam ser mais aproveitadas nos concertos corais das igrejas.

e s p e C i a lSamuel Scheffler

M issão e discipulado são conceitos de suma importância na vida cristã. E existe uma intrincada relação

entre eles. O discípulo de Cristo que busca viver obedientemente se deparará com a tarefa missionária. Porém, qual seria ela? Ser um imitador do Mestre, repetir e fazer sempre o que ele fez, do jeito que fez, a quem fez. Discipulado não é uma metodologia de reprodução teológica, é pôr-se no caminho com Cristo e, no caminho, fazer escolhas e se juntar a outros na busca de servir ao reino de Deus.

Missão e discipulado se completam. Quem obedece, serve; e quem serve, proclama. Quem proclama faz seguidores que também servem, os quais por sua vez também proclamam e fazem seguidores. Nessa roda ininterrupta há dois mil anos, o evangelho vem mantendo sua vitalidade. A missão no discipulado é integral porque o evangelho vivido por Jesus Cristo era integral. É um evangelho que se preocupa com a existência humana e que responde às perguntas: por que existo e o que faço aqui? Existo porque sou amado e desejado por Deus, existo para amá-lo e servi-lo com aquilo que sou e faço. A missão de Cristo era e é um evangelho encarnado, que se preocupa com a integralidade da vida humana em todos os seus desdobramentos.

Ser discípulo implica uma relação com o Cristo ressurreto, que busca discernir os desafios do cotidiano, encontrar na Palavra, na oração e na vida devocional a sintonia com o Mestre,

Missão integral e discipulado — como se misturam?

assim como era a relação de Jesus com o Pai. Ser discípulo é estar nas mãos de Deus e ser moldado por ele e para ele. É um processo longo, demorado, que será concluído apenas na eternidade. Nessa busca caminhamos juntos, nos apoiando e fortalecendo, a fim de sermos aprovados como servos fiéis.

Discipulado e missão integral estão intimamente relacionados porque procuram responder a duas perguntas fundamentais a respeito de nós mesmos. Enquanto o discipulado busca responder a quem somos, a missão integral busca definir como e o que fazemos. De fato, o que fazemos tem a ver com nossa motivação de quem somos diante de Deus e como nos relacionamos com ele. Da mesma forma que a resposta ao o que e como fazemos é um desdobramento de como nos percebemos nesta mesma relação. Missão integral se entrelaça com discipulado, uma vez que — estando a caminho e no caminho — respondemos como o próprio Cristo faria frente à necessidade humana.

Refletir sobre os desdobramentos do discipulado e da missão integral em nossas vidas é o principal objetivo do fórum que acontecerá no feriado de Corpus Christi de 2012, em Belo Horizonte, promovido pelo Instituto Jovem de Missão Integral e a Fraternidade Teológica Latino-Americana, com o apoio da Editora Ultimato. Reserve desde já esta data na sua agenda.

Samuel Scheffler é pastor de jovens e adolescentes da Comunidade Luterana do Redentor em Curitiba e presidente do Instituto Jovem de Missão Integral.

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Como será a igreja evangélica brasileira de 2040?

Paul Freston é tiCA

Pensando hoje nos desafios de amanhã SAIU nos jornais o resultado de uma pesquisa do IBGE com dados interessantes sobre a realidade evangélica no Brasil. O dado que mais nos chamou a atenção é o que diz respeito à categoria evangélica que mais cresce: o “evangélico sem igreja”. A maior parte desse grupo não é de evangélicos “nominais” (os que se autodenominam evangélicos, mas não frequentam uma igreja); antes, é composta pelos que se consideram evangélicos, mas não se identificam com denominação alguma. Longe de ser “nominal” ou “não-praticante”, o evangélico sem igreja talvez frequente várias igrejas sem se definir por uma; ou pode ser que assista a uma igreja durante alguns meses, antes de passar facilmente a outra. Com isso, não chega a se sentir assembleiano ou batista ou presbiteriano ou quadrangular. Existe, então, um setor crescente de pessoas que se identificam como evangélicas,

mas não como pertencentes a uma determinada denominação.

Há também outra tendência que logo vai aparecer. Ainda não temos os resultados religiosos do Censo de 2010, mas as pesquisas recentes indicam que a porcentagem de evangélicos continua crescendo — não no ritmo dos anos 90 (que foi inteiramente excepcional), mas voltando ao ritmo de crescimento que caracterizou os anos 50, 60, 70 e 80. Contudo, esse crescimento um dia vai parar. Tal afirmação não é uma questão de “falta de fé”! Mesmo estatisticamente, nenhum processo de crescimento pode durar para sempre. Percebemos, pelas tendências atuais, que o fim do crescimento evangélico no Brasil pode não estar distante. De cada duas pessoas que deixam de se considerar católicas, apenas uma passa a se considerar evangélica. Além disso, evidentemente, a Igreja Católica não está a ponto de desaparecer. Fenômenos como a Canção Nova e outros testemunham disso; ou

seja, há formas de catolicismo que arrebanham muita gente. É verdade que o catolicismo continua diminuindo numericamente, mas principalmente entre adeptos nominais ou de vínculo fraco. Existe um núcleo sólido que não está desaparecendo e que constitui, provavelmente, em torno de 25 a 30% da população. Pelas tendências atuais, será difícil que os evangélicos, que hoje são em torno de 20%, passem de 35% da população.

Tudo isso significa que logo vivenciaremos uma nova fase da religião evangélica no Brasil. Estamos desde os anos 50 na fase do crescimento rápido. (Antes dos anos 50 as igrejas não cresciam tanto.) Crescimento rápido significa que a igreja média tem poucas pessoas que nasceram evangélicas, mas muitas que se converteram, inclusive que acabaram de se converter. Essa situação é privilegiada sob muitos aspectos, mas também tem certas implicações. Quando terminar a fase do crescimento rápido — provavelmente

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Cristo em todas as dimensões da vida? O que a fé evangélica tem a dizer sobre as questões que agitam a sociedade?” Haverá, então, mais exigência por um ensino variado e por pessoas que saibam falar para a sociedade em nome da fé evangélica. Precisaremos de pessoas preparadas nas mais diversas áreas de interface com a sociedade; portanto, precisaremos de ministérios cada vez mais diversificados. Esse tipo de líder não aparece da noite para o dia, pois

a formação leva tempo. O carisma e o autodidatismo não bastam nesses casos.

Além disso, será cada vez mais importante a questão da transparência: primeiro, porque é uma demanda do próprio evangelho e, segundo, porque (queira Deus!) o Brasil de 2040 terá uma democracia mais limpa e transparente. Os líderes evangélicos

nas próximas duas ou três décadas —, haverá outro perfil em uma igreja média: mais pessoas que “nasceram na igreja” e menos que se converteram ou que acabaram de se converter. Com isso, muitas coisas mudarão. O perfil de liderança eclesiástica exigida mudará. O crescimento rápido privilegia certo tipo de líder: o que tem um ministério capaz de atrair novos membros. Isso, claro, é muito importante, e sempre haverá espaço para esse tipo de líder. Porém, com a estabilização da igreja, haverá mais espaço para outras modalidades de liderança. E, como sabemos pelo Novo Testamento, os ministérios na igreja são múltiplos e variados. Não devemos ter uma linha de montagem de líderes cristãos com todos exatamente iguais. Temos de abraçar a variedade de ministérios e de tipos de líder evangélico.

Por que no futuro uma variedade de tipos de líder será ainda mais importante? Quando as igrejas crescem muito, a exigência é fazer bem o bê-á-bá, pois há sempre pessoas novas chegando. Entretanto, quando há uma comunidade estabilizada numericamente, com mais pessoas com muito tempo de vivência evangélica, outras exigências ganham força. “Entre a conversão e a morte, o que tenho de fazer? Como desenvolvo a minha fé? Como devo crescer nas mais variadas áreas? O que significa ser discípulo de

do futuro precisarão ter vida pessoal capaz de ser examinada. Haverá menos tolerância para o líder inacessível e opaco, que vive atrás das máscaras. Em vez disso, uma liderança mais exposta e vulnerável será exigida. E as técnicas não ajudam nisso. O que produz esse tipo de líder é um profundo processo de formação pessoal, que leva tempo.

Se não houver pessoas à altura, é possível que, quando terminar o crescimento rápido, em vez de uma

comunidade evangélica estabilizada em torno de 35% durante gerações e com um efeito benéfico profundo na vida do país, haja um decréscimo na porcentagem de evangélicos. A curva numérica que agora ascende rapidamente pode cair de forma igualmente rápida. O evangélico ingênuo, que acha que isso nunca poderá acontecer, desconhece a história da igreja cristã, pois isso aconteceu algumas vezes em outros países. Se não tivermos um olhar para o futuro, para perceber os desafios de amanhã e nos preparar hoje para eles, a probabilidade é que esse declínio aconteça.

Portanto, o primeiro desafio de hoje em função do futuro é formar um leque de tipos de líder, com ministérios variados, mas sempre humildes e com vidas transparentes. E o segundo desafio é a recuperação da Bíblia. A identidade evangélica não deve estar ligada meramente a uma tradição que se chama evangélica. Antes, ser

A igreja evangélica precisa de líderes mais diversos nos

seus dons, profundos no seu conhecimento

e sabedoria e transparentes nas

suas vidas

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evangélico significa a vontade de ser verdadeiramente bíblico, em todas as dimensões da vida com Cristo. E a Bíblia é um grande país, um terreno vasto, que precisamos conhecer por inteiro. Todavia, perdemos muito o sentido de ser bíblico. É raro hoje ouvir sermões verdadeiramente embasados na Bíblia. São mais comuns aqueles que nem sequer partem da Bíblia, ou aqueles em que o pregador lê um texto bíblico para depois falar de outro assunto. É incomum a interação séria com o texto bíblico, em que se deixa o texto falar para depois se fazer as aplicações para a vida pessoal, comunitária e social. É raro porque é difícil. Esse tipo de mensagem requer formação, preparo, pensamento, meditação. Via de regra, na fase atual do crescimento rápido, é mais fácil não fazer tudo isso, se preocupar apenas em ter uma igreja cheia.

Em um futuro próximo, porém, esse enfoque será cada vez mais necessário. Se não recuperarmos a capacidade de interagir com o texto bíblico, de deixá-lo falar a nós e, a partir disso, tirar as implicações individuais, eclesiásticas e nacionais, nos mostraremos irrelevantes. Assim, é possível que a curva decline logo após a estabilização, pois a capacidade de estudar e ensinar a Bíblia é algo que não se constrói da noite para o dia. É necessário exigirmos de nossos líderes que ensinem a Palavra, que interajam profundamente com o texto bíblico, que não fujam! Contudo, o bom ensino na igreja precisa também ser complementado pela leitura individual. É fundamental adquirir menos livros água com açúcar ou triunfalistas e mais leituras que nos embasem biblicamente.

O processo, portanto, tem de começar com os membros comuns

exigindo uma melhor qualidade de ensino e de literatura. A nova liderança para fazer frente aos desafios de 2030 e 2040 só vai surgir se houver uma demanda articulada a partir dos membros das igrejas.

Dentro do tema da recuperação da Bíblia, insisto na centralidade dos Evangelhos. Comenta-se que a fé evangélica se tornou prisioneira da cultura religiosa da barganha. Ora, uma das maneiras de superar a cultura da barganha é incentivar a dedicação a uma causa (como fazem os movimentos

políticos mais ideológicos). O problema, neste caso, é a persistência ao longo do tempo, a capacidade de continuar dedicado a ela durante décadas e apesar dos contratempos.

Porém, existe uma outra maneira de combatermos a cultura religiosa da barganha: encantando-nos com a figura de Cristo, com a humildade amorosa de sua figura humana retratada nos quatro Evangelhos. O melhor antídoto para a cultura da barganha é o fascínio por Cristo, que advém do estudo sério dos Evangelhos.

A igreja evangélica brasileira de 2040 precisará, portanto, de líderes mais diversos nos seus dons, profundos no seu conhecimento e sabedoria e transparentes nas suas vidas; e precisará ter redescoberto o verdadeiro sentido de ser evangélico, que é a vontade de ser profundamente bíblico em toda a nossa existência. Esses dois requisitos existirão se a igreja de hoje tomar as medidas necessárias.

Paul Freston, inglês naturalizado brasileiro, é professor colaborador do programa de pós-graduação em sociologia na Universidade Federal de São Carlos e professor catedrático de religião e política em contexto global na Balsillie School of International Affairs e na Wilfrid Laurier University, em Waterloo, Ontário, Canadá

Ser evangélico significa a vontade de ser

verdadeiramente bíblico, em todas as dimensões

da vida com Cristo

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A reflexão cristã possui uma dimensão “católica”: se assenta sobre a história e, se rompermos com o que sempre foi crido, criamos

outra religião. Para os protestantes, a Reforma, seus postulados e confissões, e os movimentos dela decorrentes marcam a sua identidade. Como evangélicos, as Escrituras, a conversão, a santificação e a missão são aspectos essenciais. A catolicidade diz respeito, além do tempo, ao espaço: a Igreja em todo o mundo, com algo a nos dizer. O etnocentrismo (ler a realidade a partir do nosso tempo e lugar) limita, distorce, mutila e, por sempre importar o pensamento de outro país, representa uma colonização. Há pensadores morenos (conservadores e liberais) com

r eFleXão

Desafios do evangelicalismo progressista

robinson Cavalcanti

chips louros (“made in USA” ou “made in EU”) inseridos em seus cérebros. O modo anglicano de teologar nos ensina uma aproximação das Escrituras com o auxílio da razão (senso comum + contribuições da filosofia e da ciência = sistematizações da revelação natural), da tradição (consenso dos fiéis) e da experiência (pessoal e da comunidade de fé). Como evangélicos não podemos, semelhantemente aos fundamentalistas, ter uma aproximação “islâmica” do texto bíblico, nem, como os liberais, buscar uma aproximação legista (uma “necropsia”), pois a iluminação do Espírito Santo nos faz ver e discernir, iluminados pelos olhos da fé; essas coisas parecem loucura aos homens naturais e apenas se discernem espiritualmente. O compromisso do pensador cristão é

com Deus, a Palavra, sua consciência e a relevância do seu trabalho. Ele deve escutar o mundo, além do Espírito, sabendo que “o mundo jaz no maligno” e, além disso, que é formado por criaturas pecadoras em suas mentes. O pensador cristão deve ser humilde na escuta dos seus críticos, mas não pode pautar o seu pensamento por eles ou “jogar para a plateia”, preocupado em agradar ou desagradar. Antes, deve ser movido pela obediência, não pela popularidade volúvel. O martírio é um risco permanente. Como intelectuais orgânicos da Igreja, devemos estar livres da tentação teocrática e da tentação do reboque às ondas seculares, reconhecendo um mandato cultural, o pecado cultural e a batalha espiritual cultural, e que

Alfo

nso

Dia

z

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quando pedia ajuda para os pobres era considerado um santo, e quando questionava as causas da pobreza era acusado de comunista. Quando um evangélico progressista sai no “grito dos excluídos”, ele é aplaudido pelos liberais e apedrejado pelos conservadores; quando ele afirma a pecaminosidade do homossexualismo, o aplauso vem dos conservadores e as pedras, dos liberais, embora deseje apenas ser coerente com a mesma fonte: a Palavra. Um evangélico progressista vive a tensão permanente de frustrar os extremos; e muitos sucumbem por não aguentarem a tensão, saindo da arena da história ou aderindo a um dos polos. Cada um seja o que quiser ser. O embate entre propostas divergentes é inevitável. Eu, porém, procuro estar entre os que continuam a querer ser! Sem o pessimismo histórico dos pré-milenistas ou o otimismo ideológico dos pós-milenistas, o realismo engajado amilenista dos evangélicos progressistas caminha com a doutrina social e a teologia moral na promoção do reino de Deus.

Dom Robinson Cavalcanti é bispo anglicano da Diocese do Recife e autor de, entre outros, Cristianismo e Política — teoria bíblica e prática histórica, A Igreja, o País e o Mundo — desafios a uma fé engajada e Anglicanismo — identidade, relevância, desafios. www.dar.org.br

há uma tarefa de evangelização da cultura, de apologética diante do pensar secular, a partir dos valores do reino de Deus, pelos meios legítimos de uma sociedade democrática e um estado de direito, com apelo ao direito natural, aos valores universais e ao bem comum. Quando, diante do infanticídio indígena ou da subnutrição, do aborto e da eutanásia, o pensador cristão afirma o valor da vida, isso não é teocracia, é ser sal e luz na história e exercitar uma cidadania responsável. Os valores do monoteísmo de revelação não podem ser confinados

à irrelevância das subjetividades dos lares e dos templos, em passividade diante das agendas elaboradas por mentes atingidas pela depravação total. Segundo um reformador, é dever do cidadão cristão aproximar a lei dos homens da Lei de Deus e, acredito, aproximar o Estado da nação. A redenção da história se dá

na presença do “escândalo” da cruz e na possibilidade de cura e restauração de pessoas arrependidas e também de instituições à imagem da pessoa de Cristo, como sinal da ordem da criação renovada e antecipação da ordem da restauração do novo céu e nova terra; redenção construída em processo e que culminará com a sobrenaturalidade do juízo final, a ressurreição, aprovação e reprovação, salvação e perdição. O protestantismo, que tem sofrido ciclos de iconoclastia — e a confusão entre livre exame e livre interpretação — tem sido dilacerado pelas controvérsias

do século passado entre “evangelho social” e “evangelho individual”, fundamentalismo e liberalismo, com rebatimento posterior entre “renovação” e “libertação”. Os evangélicos progressistas têm estado sob o “fogo cruzado” da polarização.

Por mais progressistas que sejam em sua visão de um mundo mais justo, nunca contentarão os liberais, pois há profundas diferenças teológicas; e, por mais ortodoxos que sejam, nunca agradarão os mais conservadores ou fundamentalistas em sua alienação ou em seu adesismo ao sistema. Dom Helder Câmara dizia que

O compromisso do pensador cristão é com Deus, a Palavra, sua consciência e a relevância

do seu trabalho

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inteiramente destroçadas. Percebeu-se a mesma síndrome do “brasileiro bonzinho” na impunidade escandalosa e sarcástica de que gozam muitos políticos, juízes e governantes. Essa certeza de que o crime compensa também é responsável pelo aumento desenfreado da criminalidade no Brasil.

Cristãos mimadosO principal objetivo do livro de MacArthur acima mencionado é mostrar como as próprias igrejas têm sucumbido à tendência pós-moderna de subestimar o pecado. Os pregadores pragmatistas, cujo alvo prioritário é atrair multidões para seus templos, já não ousam falar em pecado, culpa e juízo divino, pois isso desagrada e afasta as pessoas. É preciso, dizem eles, concentrar-se em temas positivos, que façam os frequentadores se sentirem bem. Daí o atrativo crescente da teologia da autoestima e a fascinação pela psicologia secular em círculos evangélicos. Em vez de serem exortadas a reconhecerem honestamente seus erros, se arrependerem e buscarem o perdão de Deus, as pessoas aprendem que devem perdoar a si mesmas,

mais. Isso se manifesta de diversas formas na vida social, a começar pela legislação. Nossas normas criminais são muito suaves em comparação com as de países mais avançados. De acordo com o Código Penal, ninguém pode sofrer pena de reclusão superior a 30 anos. Ao mesmo tempo, as filigranas jurídicas que permitem a redução da pena são tantas que indivíduos culpados de crimes bárbaros podem se livrar da prisão em poucos anos, muitas vezes para cometer novos delitos. Outras vezes, réus confessos ficam impunes por longo tempo, como aconteceu com o jornalista Pimenta Neves.

A própria atitude do Estado em relação ao criminoso minimiza a gravidade das transgressões. Ele é visto não como uma pessoa que de modo consciente e perverso violou o direito alheio à honra, à propriedade e a própria vida, e por isso deve ser punido severamente, mas como alguém que precisa de terapia, de “ressocialização”, de respeito aos seus direitos humanos. Enquanto isso, as vítimas de crimes violentos e suas famílias ficam entregues ao total esquecimento pelo poder público, muitas vezes com suas vidas

H istÓr iA Alderi souza de matos

Em seu livro Sociedade sem Pecado (no original, The Vanishing Conscience), John MacArthur Jr. argumenta que o mundo

moderno vem abandonando conceitos tradicionais como consciência, culpa, responsabilidade e arrependimento. O que antes era chamado pecado agora é tratado como ignorância, desajuste ou simplesmente doença. Tudo isso é acompanhado por uma ênfase na vitimização: indivíduos que cometem os mais graves delitos são considerados vítimas — do sistema, da sociedade, de injustiças, de circunstâncias pessoais. Da perspectiva cristã, esse afastamento do diagnóstico bíblico sobre a natureza humana e o comportamento humano só pode acarretar consequências funestas para a sociedade, como tem acontecido tristemente em nosso país.

A tragédia da impunidadePor causa da sua formação histórica, a cultura brasileira sempre foi tolerante, permissiva e pouco rigorosa com o erro. Nestes tempos pós-modernos de relativismo e ausência de absolutos, essa tendência tem se reforçado ainda

O mal que existe em nós

Mau

ricio

B.

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Foram essas convicções que levaram o bispo e teólogo Agostinho de Hipona a combater as ideias perfeccionistas e presunçosas de Pelágio, segundo o qual uma pessoa, caso assim decidisse, poderia viver uma vida sem pecado. Foram essas convicções que levaram João Calvino e outros reformadores a falar na “depravação total”, não no sentido de que nada existe de bom no ser humano, mas de que o pecado afetou drasticamente todos os aspectos e dimensões da personalidade. Essa noção biblicamente fundamentada da seriedade do mal que habita em cada um de nós é que levou a tradição reformada a insistir na importância da lei de Deus e da correta disciplina cristã para a saúde espiritual do povo de Deus.

ConclusãoO problema do mal no indivíduo e na sociedade não irá desaparecer fazendo-se de conta que ele não existe ou que não é tão grave. Os cristãos conscienciosos devem pressionar as autoridades civis para que, entre outros deveres, protejam os cidadãos honestos, reprimam com rigor as condutas delituosas e promovam a paz social. Por sua vez, os líderes religiosos precisam assumir o compromisso de anunciar “todo o desígnio de Deus” (At 20.27), o que inclui falar sobre a realidade do pecado e suas conseqüências, e a necessidade de conversão diária e de um viver ético. Adicionalmente, é preciso resgatar a disciplina como uma das marcas da igreja, não no intento de castigar ou marginalizar as pessoas, mas de imprimir nas consciências o desprazer de Deus pela transgressão de sua vontade e a importância de uma vida de obediência e integridade. Somente assim os evangélicos terão legitimidade para advertir e exortar nessa área tão decisiva os governantes e a sociedade em geral.

Alderi Souza de Matos é doutor em história da igreja pela Universidade de Boston e historiador oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil. É autor de A Caminhada Cristã na História e Os Pioneiros Presbiterianos do [email protected]

abandonar os sentimentos de culpa e cultivar maior amor-próprio.

Essa mentalidade tem produzido uma geração de crentes imaturos, semelhantes a crianças mimadas cujos erros são sempre justificados ou atenuados e cujas vontades são sempre satisfeitas, por mais egoísticas que sejam. O culto à autoestima e a vida cristã entendida primordialmente como satisfação de necessidades destrói a consciência, enfraquece a capacidade de evitar o pecado, impede a santificação e acaba por questionar o evangelho no que tem de mais essencial — a necessidade de

arrependimento genuíno e aceitação da graça perdoadora de Deus, com base no sacrifício de Cristo sobre a cruz, seguida de uma vida de compromisso com os valores espirituais e éticos do reino de Deus.

Escritura e históriaOs escritores bíblicos tinham uma percepção realista da condição humana e da assustadora propensão da humanidade para o mal. No início do Gênesis se menciona a multiplicação da maldade na terra e o fato de que era continuamente mau o desígnio do coração humano aos olhos de Deus (6.5). No Salmo 51, o rei Davi faz uma sincera e implacável avaliação de sua própria pecaminosidade e de sua profunda carência de restauração. Jesus observa que as fontes da iniquidade estão nos recessos mais íntimos do indivíduo e não em fatores externos (Mc 7.21-22) e o apóstolo Paulo sentencia que os seres humanos não-regenerados estão simplesmente mortos em seus delitos e pecados (Ef 2.1-3). A boa teologia cristã tem procurado fazer justiça a essas afirmações inequívocas das Escrituras.

O que antes era chamado pecado agora é tratado

como ignorância, desajuste ou simplesmente doença

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Salomão percebeu uma clara relação entre bênção, justiça e cidade. Retidão, honestidade, sinceridade e justiça suscitam bênção e,

como consequência, a cidade é exaltada.

A bênção – o que da açãoAs definições de bênção consideram-na como ato ou ação de benedicere (do latim). Os cristãos — e como consequência a igreja — estão na cidade para abençoá-la. A ação contrária a essa, segundo Salomão, é destruição. Os justos constroem-na, os injustos (ímpios) destroem-na; uns querem o bem da cidade, outros buscam seu mal; uns querem vê-la exaltada, outros não se importam se ela vier a ser destruída. Certamente Deus quer a exaltação da cidade, mas isso depende dos seus habitantes, principalmente da atitude do seu povo: “Assim diz o Senhor: ‘Esta cidade infalivelmente será entregue nas mãos do exército do rei da Babilônia, e este a tomará’” (Jr 38.3). Por que ela seria entregue? Porque o povo de Deus queria ter um estilo de vida como o dos babilônicos. A consequência: “Como está abandonada a famosa cidade, a cidade de meu folguedo!” (Jr 49.25). O fim foi trágico: “A cidade ficou sitiada até o undécimo ano do rei Zedequias” (Jr 52:5). A tragédia estava anunciada. Em vez de o povo de Deus agir como povo, agiu como os babilônicos. Se é assim, que reine a Babilônia sobre eles e vivam debaixo do seu forte braço impiedoso! Quem não vive para abençoar corre o risco de sofrer sob a opressão daqueles que estão para amaldiçoar.

Os abençoadores – o quem da açãoOs cristãos deveriam ser reconhecidos como abençoadores da cidade. Esses abençoadores são instrumentos de Deus para benedicere a cidade. Eles são o quem da ação. Uma ação exige quem

a faça. A ação é dependente do agente. São esses agentes de Deus os promotores-agenciadores da bênção para a cidade. Uma cidade jamais será abençoada pelo fato de haver nela cristãos. Será abençoada quando esses cristãos agirem. Isso explica por que muitas cidades possuem um número expressivo de cristãos, mas a realidade de violência, injustiça, corrupção, criminalidade, maldade, entre tantas outras, persiste. Como explicar uma presença maciça de cristãos em uma cidade e ao mesmo tempo o aumento da maldade? Simples! São cristãos que se confessam cristãos, mas agem como não cristãos. Eles deveriam ser chamados ou considerados cristãos? João responde: “Desta forma sabemos que estamos nele: aquele que afirma que permanece nele, deve andar como ele andou” (1Jo 2.5b-6).

Qual é a marca distintiva do cristão, aquele que deve andar como Cristo andou? A justiça (ishrim em hebraico). Não se pode pensar apenas em conduta moral-ética, fazendo referência a uma pessoa reta, honesta, sincera e justa. Para além disso, implica uma benevolência ativa. Esta evitará a destruição da cidade pelos ímpios. Falhar nisso é falhar na preservação da cidade (compare com Gênesis 18.23-33).

O abençoador, o benevolente ativo é um promotor de justiça — da justiça que procede do Pai e seu reino. O cristão que não age assim não pode e não tem o direito de reclamar quando a injustiça dos ímpios bate a sua porta.

A abençoada – o para quem da açãoA abençoada é a cidade e, consequente-mente, seus habitantes. “Busquem a prosperidade da cidade para a qual eu os deportei e orem ao Senhor em favor dela, porque a prosperidade de vocês depende da prosperidade dela” (Jr 29.7). A palavra prosperidade na Nova Versão Internacional

tem o sentido de paz na Revista e Atualizada.

Trata-se agora de uma pergunta missional: para que o cristão abençoa sua cidade com retidão, honestidade, sinceridade, justiça? Para que por meio dessas virtudes a cidade seja exaltada (tholtz em hebraico). São qualidades de um herói: louvar, elogiar, glorificar, enobrecer e exaltar. A qualidade da cidade também depende das ações desse cristão benevolente ativo em seu favor. O ímpio não se importa com a destruição dela, com sua moral, desgraça, má fama e sua imagem destruída. Por isso a boca dele é maldita. Porém, a boca do cristão é para benedicere!

E ao abençoar a cidade, com palavras e ações concretas, o cristão se torna cada vez mais um cidadão consciente da sua dupla cidadania: a celeste e a terrestre — “exerçam a sua cidadania de maneira digna do evangelho de Cristo” (Fp 1.27).

Este é um santo propósito para viver: servir a cidade por meio da justiça como cristãos comprometidos com a prosperidade integral, que é fruto dos valores do reino. Ao sermos assim, daremos testemunho concreto que podemos ser uma igreja para a cidade; demonstraremos o amor de Cristo; buscaremos suprir as necessidades básicas e urgentes da nossa cidade; formaremos discípulos comprometidos com o evangelho encarnado para transformar a cidade; serviremos a cidade como oportunidade para compartilhar a vida transformadora de Cristo.

Esta é a bênção que os abençoadores oferecem para a abençoada! Chega de falar mal da nossa cidade! Que o nosso falar seja em oração (orai pela cidade) e o nosso agir, em transformação (busquem a paz).

Jorge Henrique Barro é diretor da Faculdade Teológica Sul Americana e vice-presidente da Fraternidade Teológica Latino Americana (continental).

C idade em foco Jorge Henrique barro

Cristãos que abençoam a cidadePela bênção dos justos a cidade é exaltada,

mas pela boca dos ímpios é destruídaProvérbios 11.11

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N osso apartamento tinha duas entradas, uma pela sala e outra pela área de serviço. Por esta se passava pela lavanderia

e entrávamos na cozinha, onde havia uma mesa de canto redonda e grande o suficiente para nossa família, de seis pessoas.

Dependendo de quem chegava lá em casa, abria-se uma ou a outra porta. A entrada social era para visitas formais e a de serviço, para “gente de casa”. Porém, a porta social era, na verdade, de pouco uso, pois gostávamos de convidar as pessoas a entrarem pela porta da cozinha e acabávamos sentados ali, na mesa redonda. Nossa vida e nossas conversas familiares giravam em torno daquela mesa. Era lá que se comia, conversava, orava e se praticava um jeito muito nosso de viver com humor.

Se um dia Jesus chegasse à nossa casa, com certeza faria questão de entrar por essa porta. Iria sentar-se na cozinha, comentar sobre a panela no fogo e entabular uma conversa com os meninos em volta da mesa redonda. Sei que seria assim, pois os Evangelhos mostram um Jesus muito caseiro e que sabe como ninguém conversar com meninos.

Jesus nos ensina o caminhoHá algum tempo temos falado sobre a vocação dos discípulos conforme Marcos 3.13-19. Temos olhado para o mandato com o qual Jesus agraciou seus discípulos e a todos os seus seguidores. Vimos que somos chamados para estar com Jesus, pregar o evangelho, curar os enfermos e expulsar demônios. Uma grande tarefa!

Uma nota importante é que Jesus não nos pede nada que ele mesmo não faça. Ele é o modelo de vida e ação para cada um de nós e para todas as nossas ações testemunhais. Observando a vida de Jesus nos Evangelhos vemos o que significa envolver-se em cada uma das áreas do mandato que ele nos legou. Assim vamos descobrindo o que significa ser discípulo dele.

Uma palavra central na fé cristã é o que chamamos de encarnação. Trata-se da experiência factual de que Deus vem e vem de forma absolutamente radical, inteira e absoluta. Ele vem em forma humana. Ele vem para que ninguém se considere abandonado e perdido, independentemente de quem seja e de onde viva. Ele vem para que nenhuma área da nossa vida seja relegada à descartabilidade, seja na dimensão espiritual, emocional ou física. Ele vem para que ninguém seja condenado a viver sozinho, seja na infância ou na velhice.

Ele vem porque ama e, porque ama, vem para fazer parte da nossa história.

Logo após a escolha dos discípulos e a delegação deles, “Jesus entrou numa casa” — conta o evangelista Marcos. Aliás, no decorrer do seu ministério Jesus entra em muitas casas. Às vezes é na casa de alguém próximo, como a de André e Simão, onde ele encontra a sogra deste com febre e a restaura, capacitando-a a servir (Mc 1.29-31). Outras vezes, como na casa de Zaqueu, ele se oferece para entrar, na expectativa de que algo profundamente transformador venha a ocorrer ali: “Hoje houve salvação nesta casa” — afirma Jesus, acrescentando que veio para “salvar o que estava perdido” (Lc 19.10). Um dia ele é convidado para um jantar na casa de Simão, o fariseu, e entra pela porta social. Entretanto, a refeição ocorre em meio a muita tensão e a salvação que Jesus anuncia é dirigida a uma mulher, que entrou sem ser convidada, mas acaba recebendo toda a atenção do momento (Lc 7.36-50). A presença de Jesus nunca passa despercebida e o lugar por onde ele passa nunca mais é o mesmo. Sua presença é transformadora e gera salvação, como experimentou a mulher.

Volto ao nosso apartamento e vejo Jesus entrar pela porta de serviço,

r eDesCobriNDo A PAlAVrA De Deus Valdir steuernagel

Então Jesus entrou numa casa

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timóteo Carrikersentar-se à mesa e contar uma história para as crianças, que largam tudo e o ouvem fascinadas. Parado na porta da cozinha, eu me espanto com esse seu jeito de chegar e gerar vida. Celebro a sua presença. Não demora muito e ele me descobre ali, pensativo e sorridente. Então, fitando-me intensamente, conta a mim outra história:

Um dia me convidaram para jantar numa casa e me fizeram entrar pela porta social. Era uma casa de bem e a comida era boa.De repente, nem sei como, vi uma mulher aos meus pés numa cena desconcertante:chorando, ela molhava os meus pés com suas lágrimas, enxugava-os com seus cabelos e os ungia com um perfume caríssimo. Todos os olhos voltaram-se para ela, é claro. Inclusive os meus. Havia olhos para todos os gostos.Olhares fulminantes!Olhares inquiridores!Olhares acusadores!Quantos aos meus... Eu busquei o dono da casa e a cena era de absoluta desaprovação.Com seus olhos ele me dizia:“Essa mulher não deveria estar aqui! Minha segurança falhou.Eu sei quem ela é e você também deveria saber.Me admira é que você não faça nada e deixe tudo acontecer.Parece até que está gostando desta cena ridícula!”

Então eu lhe disse:

Entrei em sua casa, mas você não me deu água para lavar os pés; ela, porém, molhou os meus pés com suas lágrimas e os enxugou com seus cabelos.Você não me saudou com um beijo, mas esta mulher, desde que entrei aqui,não parou de beijar os meus pés.Você não ungiu a minha cabeça com óleo,mas ela derramou perfume nos meus pés.Portanto, eu lhe digo, os muitos pecados dela foram perdoados,pois ela amou muito.Mas aquele a quem pouco foi perdoado, pouco ama (Lc 7.44-47).

A verdade é que Jesus não entrou na minha casa apenas para sentar-se à mesa redonda. Ele veio para transformar a minha vida e me chamar a segui-lo. E você, o que ele quer na sua casa?

Valdir Steuernagel é pastor luterano e trabalha com a Visão Mundial Internacional e com o Centro Pastoral e Missão, em Curitiba, PR. É autor de, entre outros, Para Falar das Flores... e Outras Crônicas.

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Heresia: uma palavra que não combina com N. T. Wright

G osto muito de surfar. Neste esporte, Kelly Slater, dez vezes campeão mundial, foi o atleta mais

novo (20 anos) e também o mais velho (38 anos) a conquistar o título. Slater se destaca entre os mais próximos concorrentes. Essa é a impressão que se tem também ao escrever sobre a importância de Nicholas Thomas Wright.1

Quem é N. T. Wright?Nascido em 1948, N. T. Wright é um dos estudiosos do Novo Testamento mais conhecidos e respeitados. A lista de suas qualificações e publicações é extensa. Além de dois doutorados acadêmicos, ele recebeu nove outros doutorados honorários das melhores universidades britâncias, canadenses e americanas. São mais de setenta livros publicados, centenas de artigos em revistas acadêmicas, entre outras, como também entrevistas para TV e rádio. É um homem da academia, tendo ensinado mais de vinte anos na Universidade de Oxford, na Inglaterra, e na Universidade McGill, no Canadá. É também homem da igreja, tendo

servido na Igreja Anglicana como deão de Lichfield por cinco anos, teólogo cânone de Westminster e bispo de Durham durante sete anos.

Sua contribuiçãoNão é fácil classificar Wright. Grosso modo, ele representa os cristãos mais conservadores — pelo menos em comparação com muitos liberais com os quais dialoga, como Marcus Borg, por exemplo. Entretanto, o campo de cristãos “conservadores” é bastante abrangente e entre eles Wright se identifica mais com os “evangelicais abertos”; concorda com alguns dos preceitos da “Nova Perspectiva sobre Paulo” e simpatiza com a busca histórica pela identificação da pessoa de Jesus, apesar de ser um crítico ferrenho do “Seminário de Jesus” — grupo de historiadores e expositores bíblicos do Novo Testamento que procura identificar as fontes “autenticamente históricas” dos Evangelhos para descrever quem Jesus “realmente” era. Wright promove publicamente muitas posições evangélicas tradicionais, como a ressurreição corporal de Jesus, a segunda vinda do Filho de Deus, a morte substitutiva de Cristo, o pleno perdão por Deus em Cristo Jesus

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e, apesar da alegação contrária de alguns críticos, a justificação pela fé. Publicamente também denuncia o reconhecimento das uniões homossexuais como legítimas. Tudo isto é o que esperamos de líderes do mundo evangélico conservador. Porém, o que torna Wright diferente?

As contribuições de Wright são principalmente duas. A primeira é que ele procura entender e dialogar com todos os estudiosos do Novo Testamento, não apenas com os conservadores, o que é raro entre estudiosos conservadores do Novo Testamento. Apresenta a sua dívida — como também sua crítica brilhante — para com todos eles. Ou seja, não tem medo de aprender e aproveitar ideias acertadas daqueles que alguns conservadores consideram “campo inimigo”. Essa atitude tem um preço. Por um lado, ele é mal interpretado, às vezes a ponto de ser acusado de heresia,2 como se abraçasse ideias liberais. Por outro, é taxado de fundamentalista por alguns liberais. Entretanto, a busca pela verdade exige que os julgamentos sejam adiados até

que o material seja adequadamente examinado. Assim, Wright é um modelo de estudioso que procura objetividade e imparcialidade nas suas pesquisas — características raras na guilda de teólogos.

A segunda — e a maior — contribuição de Wright está nas suas propostas a respeito do Jesus histórico. Não há espaço aqui para elaborá-las e talvez não seja necessário fazê-lo. Basta dizer que ele aproveita uma vasta literatura das últimas décadas que avançou significativamente no conhecimento do pano de fundo judaico de Jesus, a fim de situá-lo dentro deste contexto.

É estranho que alguns críticos de N. T. Wright avisem os leitores sobre os “perigos do enfoque excessivo no contexto judaico” ao se estudar sobre Jesus; preferem o contexto da Reforma Protestante para esclarecer quem era Jesus e qual era a sua missão. Hoje, os melhores expositores bíblicos não medem esforços para entender Jesus, o seu ensino e as suas ações dentro do pano de fundo judaico da sua época. Por que este Jesus “histórico” é melhor

que o Jesus dos reformadores? Ora, estes exerceram um papel crucial para tirar a roupagem medieval do Jesus da tradição católica. No entanto, não tiveram acesso a centenas de documentos contemporâneos de Jesus, os quais temos hoje e nos ajudam a enxergá-lo mais próximo do seu contexto histórico. Negar isto é simplesmente “enfiar a cabeça no buraco”. Dar conta disto é tarefa complexa e árdua, que envolve debates e teorias que têm sido testados ao longo do último século. Wright é uma luz brilhante nesse processo.

Sua produçãoTalvez a sua produção mais significativa seja a série de seis volumes intitulada “Origens Cristãs e a Questão de Deus”, com três volumes publicados: O Novo Testamento e o Povo de Deus (1992), Jesus e a Vitória de Deus (1996) e A Ressurreição do Filho de Deus (2003). O quarto volume, Paulo e a Justiça de Deus, será lançado nos próximos meses.3 Cada volume tem em torno de setecentas a oitocentas páginas e a contribuição dada já posicionou Wright como o estudioso do Novo Testamento mais importante do século para muitos biblistas conservadores e liberais. A obra tem influenciado os estudiosos do Novo Testamento tanto quanto os escritos de Rudolf Bultmann o fizeram no século passado. Para Gordon Fee, por exemplo, conhecido expositor conservador do Novo Testamento e pentecostal, Wright é a maior influência de sua vida acadêmica.

Apesar disso, ou talvez por causa disso, há controvérsias de toda sorte. Afinal, as suas mais de 20 mil páginas não podem agradar a todos. Dezenas de críticos de Wright, os quais tenho acompanhado, reconhecem a sua contribuição à compreensão do Novo Testamento, ainda que discordando dele em alguns pontos. Contudo, alguns avaliam-na de modo diferente.

N.T. Wright é um dos mais conhecidos e respeitados estudiosos do Novo Testamento da atualidade. Bispo anglicano de Durham, na Inglaterra, foi professor das universidades de Cambridge e Oxford por vinte anos

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Arauto ou herege?Faço aqui uma distinção não inteiramente justa. Há teólogos que querem promover a fé cristã e outros que não se importam com isso. Interessam-nos os primeiros. Para estes, há basicamente duas maneiras de promovê-la: citando as doutrinas consagradas pelos principais credos e, ou, teólogos do seu grupo (se católico romano, as encíclicas da igreja; se evangélico, os teólogos reformados) ou enraizando as suas ideias nas Escrituras. Enquanto uns velam pela “sã doutrina”, outros querem saber o que a Bíblia diz e como podemos entendê-la e colocá-la em prática. Para isto, buscam compreender o contexto em que as passagens estão inseridas. Os primeiros são principalmente dogmáticos e o segundo grupo é denominado “biblista”. Os biblistas são quase sempre vistos como suspeitos pelos dogmáticos, como os próprios reformadores o eram na sua época. Surpreendentemente, os dogmáticos gastam mais energia criticando seus colegas do que com aqueles que não se interessam pela fé ou que são ateus assumidos.

Sei que esta distinção é uma caricatura e que bons dogmáticos procuram interagir com as Escrituras e bons biblistas jamais ignoram as interpretações (dogmas) feitas ao longo dos séculos. Entretanto, o argumento final de cada grupo não deixa de ser distinto: ou “Lutero (Calvino etc.) diz...” ou “a Bíblia diz...”. E, para complicar ainda mais a nossa descrição, os reformadores protestantes advogavam a segunda estratégia — e não a primeira — ao conclamar Sola Scriptura!

Assim é a natureza do debate entre Tom Wright e John Piper sobre a doutrina da imputação da justiça de Deus àqueles que creem. Ambos escreveram livros a respeito desta questão. Piper reclama que a posição de Wright não coincide com a perspectiva dogmática e Wright,

por sua vez, que Piper não está ouvindo o que as Escrituras dizem. Independentemente de quem “está certo”, Wright adota o princípio protestante da autoridade última das Escrituras, enquanto Piper 4 adota o princípio católico da autoridade da tradição da igreja. Neste debate específico, Wright é acusado de negar a doutrina da justificação pela fé. Porém, não é o caso. Ele afirma a justificação pela fé, mas esclarece que uma passagem específica, Romanos 4.3, que de fato foi um pilar na

Reforma de Lutero, não fala sobre a justiça imputada. A observação de Wright é tanto linguística (a melhor tradução da palavra não é “imputar”) quanto literária (esta não é a direção do argumento de Paulo em Romanos) e histórica (o debate luterano sobre o sistema de indulgências não corresponde à crítica de Paulo sobre a relação entre a graça e a Lei).5 Wright afirma que em outras passagens Deus imputa aspectos do seu caráter na vida daqueles que creem, o que não ocorre no trecho citado.

Tudo isto faz parte de uma perspectiva maior de Wright, que considera o evangelho essencialmente público. Por público ele entende a revelação de Deus dentro da história e o seu propósito final para a criação. Neste sentido, as boas novas (o evangelho) visam novos céus e nova

terra, e não apenas a transformação individual — mesmo que a inclua. As implicações desta perspectiva é que a justiça de Deus precisa ser concretizada não apenas nos corações dos cristãos, mas, por meio destes, na história, na economia e na política. Em seu livro Surpreendido pela Esperança (Ultimato, 2009), Wright sugere o perdão da dívida externa, principalmente de países africanos e pobres que vivem presos economicamente aos países ricos. Alguns líderes evangélicos de direita destes países protestam. Para Wright, a história de Deus é a história de um povo e este povo precisa tomar atitudes coletivas para manifestar as consequências da justiça de Deus em suas vidas.

ConclusãoÉ difícil apresentar uma figura de tanto impacto na vida da igreja e na academia como N. T. Wright. Sou grato a Deus por pessoas como ele, que nos ajudam a enxergar Jesus talvez um pouco mais parecido com quem ele era e conhecê-lo melhor como o Cristo ressurreto que permanece vivo em nosso meio. Esta é claramente a intenção de Wright, declarada nos seus escritos. Ele é um modelo de estudioso e pessoa comprometida com a igreja e com a missão neste mundo, um mundo criado por Deus e destinado à recriação por Deus.

Notas1. Wright assina suas obras acadêmicas como N. T.

Wright e as mais populares, como Tom Wright.2. Em Apologética cristã; a revista de missões e

doutrinas. ano 3, ed. 10, 2011. Veja a minha réplica no blog http://escriturasagrada.com/2011/09/26/uma-nova-heresia/.

3. Os últimos dois volumes previstos são Os Evangelhos e a História de Deus e Os Cristãos Primitivos e o Propósito de Deus.

4. Escrevo com pesar sobre a postura de John Piper, de quem tenho aprendido muito. O seu livro A Alegria das Nações teve grande impacto na minha vida e moldou novamente a minha missiologia há cerca de dezessete anos. Entretanto, considero-o equivocado, mesmo que bem intencionado, na sua crítica a Tom Wright.

5. Novamente, para mais detalhes, veja meu texto em: http://escriturasagrada.com/2011/09/26/uma-nova-heresia/.

N. T. Wright nos ajuda a enxergar Jesus Cristo talvez um pouco mais

parecido com quem ele era e conhecê-lo melhor como o Cristo ressurreto que permanece vivo em

nosso meio

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do que a capacidade de lidar com o choque e suas consequências.

Além de uma satisfatória formação pré-campo (quando o candidato ainda está em seu país de origem), o suporte social é um elemento chave para o enfrentamento saudável e eficaz do choque cultural e seus efeitos. O culto de envio de missionários solteiros ou de uma família de obreiros ao campo não é o último capítulo do compromisso da igreja com estes, mas apenas mais um entre outros que virão. Talvez, o momento mais importante do apoio da congregação seja quando eles estiverem experienciando o choque cultural. Portanto, busquemos informação sobre o assunto e mobilizemos grupos e igrejas para cuidarem dos missionários nesse tempo de aridez e múltiplos desafios.

Hamilton de Morais, casado, uma filha, é pastor batista em São Gonçalo, RJ, e pós-graduando do Centro Evangélico de Missões, em Viçosa, MG.

vive por um tempo razoável em outro grupo social. Como os missionários doam anos ou até décadas de suas vidas, provavelmente já nos primeiros meses eles o enfrentam, até que se adaptem ao modelo cultural do novo ambiente.

Cabe à igreja a tarefa de dar suporte à família missionária nesta fase crítica que vai do primeiro até o sexto mês. Contudo, os obreiros sofrem mais intensamente nos primeiros trinta dias (embora haja exceções). O choque cultural é inevitável, pois cada pessoa aprende desde cedo o modo de lidar com a vida e suas nuances. Criamos “mapas” mentais que nos conduzem desde sempre. Quando entramos em uma nova cultura, nossos “roteiros” são ineficazes e não dão conta das demandas. Assim, cedo ou tarde o sentimento de não pertencimento pode prejudicar profundamente a vida da pessoa, causando inclusive doenças, caso a situação de estresse seja mais intensa

A igreja e o choque cultural

Esse é um tema ainda pouco difundido nas congregações. Na verdade, a pouca discussão sobre o

assunto não é privilégio das igrejas espalhadas em solo nacional. Para perda de todos — e principalmente da família missionária transcultural — há também limitado destaque para ele nos ambientes responsáveis pela formação missionária. Certamente, sua ausência nos círculos acadêmicos (seminários, escolas de treinamento, agências missionárias) reflete-se na igreja, alimentando o desconhecimento e o consequente não envolvimento por parte dos enviadores, cuja ênfase neste texto é a igreja. Em outras palavras, como não há informação suficiente sobre o assunto, pouco se faz e o obreiro transcultural sofre todo o ônus deste ciclo: falta de informação + falta de formação = perdas pessoais, familiares e ministeriais no campo transcultural.

Toda pessoa que deixa seu lugar de nascimento e se expõe a uma nova realidade cultural sofre com o choque cultural. Este diz respeito ao sentimento de inadequação, confusão mental e outros sintomas que podem ser percebidos quando o sujeito se depara com uma cultura diferente da sua. O idioma, os costumes e os princípios do novo grupo podem gerar tanta surpresa que o estrangeiro não consegue se adaptar à outra sociedade. Pode ocorrer desde uma simples rejeição (que passará com o tempo) até a necessidade de saída rápida do lugar. Vale dizer que o indivíduo só passa pelo choque quando

C AmiNHos DA m issão Hamilton de morais

O culto de envio de missionários não é o último capítulo do compromisso da igreja com estes, mas apenas mais um entre outros que virão

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O aberto horizonte das missões

O horizonte das missões cristãs é mais extenso do que se supõe. Quem par-ticipou do 6º CBM (Con-gresso Brasileiro de Mis-

sões), realizado de 10 a 14 de outubro, em Caldas Novas, GO, observou isto. A julgar pela diversidade de iniciativas e de reflexões apresentadas no congresso, os desafios são muitos e maiores do que as estratégias podem prever. O manual do evento apresenta os 26 preletores das plenárias e os 44 das oficinas e minicur-sos, além de oitenta estandes de agências missionárias, igrejas, editoras e outras organizações.

O vocabulário de missões também se ampliou. Aos clássicos conceitos de “povos não alcançados”, “janela 10x40”, “igreja perseguida”, “mandato cultural” somaram-se outros, como “povos não engajados”, “povos desalcançados”, “ética da manutenção”, “cuidado integral do missionário” e “missioteologia”, entre outros. E se até então as reflexões missio-nárias começavam com Gênesis 3, no 6º CBM o ponto de partida foi, de fato, o início (Gênesis 1), como bem lembrou Bijoy Koshy, diretor da agência missioná-ria Interserve.

Quanto às ênfases do congresso, percebe-se maturidade ao ver que os missionários estão preocupados com os problemas contemporâneos. Junto com a fundamental necessidade de conversão pessoal no encontro com Cristo, fomos exortados também a nos preocupar e a orar pelo meio ambiente e pela justiça social. Ao admitirmos que muitas vezes a igreja sucumbe diante da atual cultura hedonista do conforto e do bem-estar, fomos desafiados, a exemplo do profeta Jonas e do apóstolo Paulo, a não fugirmos do sofrimento e do chamado de Deus. Alcançar os povos não alcançados exige mais do que heroísmo; é preciso integri-dade na renúncia e na perseverança.

Os líderes de missões do país estão preocupados não apenas com os resul-tados evangelísticos, mas também com o próprio missionário. É louvável o fato de que, entre os mais de trinta livros sobre missões lançados no congresso, seis abordam diretamente o cuidado integral do missionário. É um indicativo de que estamos enxergando a realidade humana com mais honestidade, sem desistir do mandato de Deus, a despeito das fraque-zas.

Como placas de sinalização — e não o próprio caminho —, os números continu-am sendo importantes quando tratamos da jornada missionária. Somos 3.700 mis-sionários brasileiros levando o evangelho, segundo a Sepal (Servindo aos Pastores e Líderes). Ronaldo Lidório nos lembrou que ainda há mais de 1.450 povos no mundo que não possuem uma igreja local com liderança própria. No Norte do Brasil 10 mil comunidades ribeirinhas não possuem igrejas evangélicas entre elas. Além disso, o relatório Indígenas do Brasil, publicado em 2010, informa que 69 línguas indígenas brasileiras não têm a Bíblia traduzida.

O 6º CBM proporcionou oportunida-des de reflexão e comunhão imensuráveis. Incluiu em sua pauta temas importantes, como a unidade da igreja, a preservação ambiental, a ação do Espírito Santo na tarefa missionária, a simplicidade do evangelho e a autoridade das Escrituras. Valorizou as experiências de vida e os momentos de oração em conjunto. Abriu o leque para os relacionamentos entre pessoas, agências, editoras, igrejas. Por três ou quatro vezes, viram-se pequenos grupos de oração informais nos intervalos da programação.

Somente o Deus da história pode trazer à tona o valor do 6º CBM. No entanto, uma coisa é certa: quando a igreja é fiel ao chamado do Senhor, ela se torna partici-pante e co-construtora desta história.

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O processo do milagre

N atal é tempo mágico, diz a cultura popular. É tempo de milagres. De fato, a análise do Advento nos revela muitos acontecimentos miraculosos; desde a concepção virginal de Maria até o

aparecimento da estrela guia, envolvendo anjos, magos, pastores, anunciações, profecias, livramentos e muitos outros eventos que marcam o fato maior de nossa fé: Deus visitou seu povo e o fez por meio da encarnação do Filho.

Os filmes a que assistimos nessa época relatam acontecimentos do tipo “impossível”: o pai que volta para casa; a jovem mãe que deixa de se drogar por amor ao seu bebê; o filho que abandona a rebeldia; a família separada por ódios e rancores que se reúne para a ceia do dia 24; o casal estremecido pela perda de um filho que encontra novo alento na adoção, e assim por diante. Esses eventos impossíveis normalmente têm a ver com corações renovados, com almas transformadas. Milagres.

Estou retratando uma percepção popular, “quase religiosa”, do Natal. É o máximo que o “espírito das festas” permite, sem que se transforme a data em “nascimento de Jesus”, fato há muito esquecido.

Chama-me a atenção como a maioria desses milagres envolveu longos processos, seja a preceder ou a suceder os eventos em si. Pensemos no nascimento de Jesus: condições especiais foram preenchidas, lutas foram travadas, reinos ruíram. O milagre foi precedido de preparação, sonhos, choro e riso, esperança acalentada por muitas gerações. Ações posteriores foram também necessárias, as quais se desenrolam até hoje. De fato, o milagre do Natal não é apenas um acontecimento do passado, mas um processo que alcançou sua plenitude no tempo e se estendeu em seus efeitos para o futuro.

Eu creio em milagres — quase sem a necessidade de processos anteriores. Como aquele em que Jesus interrompe um enterro e ressuscita o jovem. Entretanto, penso que temos a tendência de nos esquecer dos processos, ofuscados pelo brilho do milagre em si. Perdemos de vista uma grande quantidade de eventos que prepararam o momento e, mais ainda, esquecemos os que o seguiram.

Eu diria que o milagre é o “miolo” de um complexo de fatos, circunstâncias e corações dispostos na linha do tempo. Costumamos perceber o poder liberado quando a água da

caldeira ferve, mas nos esquecemos do fogo, do lento aquecimento, do vapor, da locomotiva. Isso é natural, pois chama-nos mais atenção a “mudança de estado” da água, o fato transformador.

Estou estudando italiano. Aprender uma nova língua, a essa altura da vida, será um milagre. Sei do esforço diário a cada mês, a cada ano. Foi assim com a encarnação. Tem sido assim a forma como Deus tem redimido minha vida — um longo processo milagroso.

Essa percepção do processo do milagre me ajuda a esperar em Deus de olhos bem abertos e, uma vez percebido o milagre, a não abandonar seus desdobramentos. Inclusive a gratidão. Essa longa visão me ajudará a cantar com o salmista: “Esperei confiantemente no Senhor”. E também: “Eu sou pobre e necessitado, porém o Senhor cuida de mim”. É assim que ele me tem posto nos lábios um novo cântico (Sl 40.1, 3 e 17).

Rubem Amorese é presbítero na Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasília, e foi professor na Faculdade Teológica Batista de Brasília por vinte anos. Antes de se aposentar, foi consultor legislativo no Senado Federal e diretor de informática no Centro de Informática e Processamento de Dados do Senado Federal. É autor de, entre outros, Louvor, Adoração e Liturgia e Fábrica de Missionários — nem leigos, nem santos. [email protected]

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O milagre é o “miolo” de um complexo de

fatos, circunstâncias e corações dispostos na

linha do tempo

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