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Um Movimento Organizado Reflexões sobre a função da estrutura da Igreja Adventista 150 anos depois No início deste ano uma interação curiosa me despertou para uma tendência atual. Uma mensagem recebida no Twitter chamou a atenção: “Jesus fundou um movimento, não uma organização”. Ao retuitar a minha versão, incluí o originador da primeira ideia como destinatário. Isso resultou num interessante diálogo com Neil Cole, conhecido plantador de igrejas e escritor do provocante livro Igreja Orgânica. A mensagem publicada na internet reflete a atual reação à superinstitucionalização das denominações. Especialmente os membros mais jovens da sociedade apresentam a atitude paradoxal de gostarem de Jesus, mas não da religião organizada. No entanto, estudiosos também têm alertado para esse perigo. Isso tem levado muitos a imaginar que uma expressão genuína do cristianismo seria um movimento sem organização. Neste ano a Igreja Adventista mundial completa 150 anos desde a sua organização. A Associação Geral foi organizada em 1863 em Michigan, Estados Unidos, apesar dos opositores, sob a orientação divina. Nesta data comemorativa emblemática, afinal, como os adventistas deveriam se posicionar? A ameaça da superinstitucionalização é real, como apontada inclusive por historiadores adventistas. Ela segue um fenômeno observado, no qual o tempo tende a alterar a natureza do movimento inicial. O perigo é quando ela passa a ser “dominada por uma burocracia estabelecida mais preocupada com o perpetuar dos próprios interesses do que em manter as distintivas que ajudaram o grupo a vir à existência” (David O. Moberg é um estudioso que observa esse conhecido fenômeno sociológico entre denominações.) Infelizmente, nesse caso, o sucesso de uma organização pode ser mais uma agravante, já que também leva as atenções a se voltarem para “dentro” em vez de para “fora”.

Um movimento organizado: reflexões sobre a função da estrutura da Igreja Adventista 150 anos depois

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  1. 1. Um Movimento Organizado Reflexes sobre a funo da estrutura da Igreja Adventista 150 anos depois No incio deste ano uma interao curiosa me despertou para uma tendncia atual. Uma mensagem recebida no Twitter chamou a ateno: Jesus fundou um movimento, no uma organizao. Ao retuitar a minha verso, inclu o originador da primeira ideia como destinatrio. Isso resultou num interessante dilogo com Neil Cole, conhecido plantador de igrejas e escritor do provocante livro Igreja Orgnica. A mensagem publicada na internet reflete a atual reao superinstitucionalizao das denominaes. Especialmente os membros mais jovens da sociedade apresentam a atitude paradoxal de gostarem de Jesus, mas no da religio organizada. No entanto, estudiosos tambm tm alertado para esse perigo. Isso tem levado muitos a imaginar que uma expresso genuna do cristianismo seria um movimento sem organizao. Neste ano a Igreja Adventista mundial completa 150 anos desde a sua organizao. A Associao Geral foi organizada em 1863 em Michigan, Estados Unidos, apesar dos opositores, sob a orientao divina. Nesta data comemorativa emblemtica, afinal, como os adventistas deveriam se posicionar? A ameaa da superinstitucionalizao real, como apontada inclusive por historiadores adventistas. Ela segue um fenmeno observado, no qual o tempo tende a alterar a natureza do movimento inicial. O perigo quando ela passa a ser dominada por uma burocracia estabelecida mais preocupada com o perpetuar dos prprios interesses do que em manter as distintivas que ajudaram o grupo a vir existncia (David O. Moberg um estudioso que observa esse conhecido fenmeno sociolgico entre denominaes.) Infelizmente, nesse caso, o sucesso de uma organizao pode ser mais uma agravante, j que tambm leva as atenes a se voltarem para dentro em vez de para fora. Aobservao da igreja apstolica, no livro de Atos, no inclui instituies e organizaes formais. No entanto, dificilmente poderia ser descrita como desorganizada.Claramente o Esprito Santo torna-se o principal organizador das aes da igreja de Atos, o que coerente com o carter ordeiro de Deus. Alm disso, natural que um movimento no seu incio no tivesse a necessidade e as condies de contar com formas mais elaboradas de organizao, o que se repete em muitos casos, inclusive na histria do movimento adventista. No entanto, a pergunta que resta : Tm os cristos alguma responsabilidade como mordomos da organizao divina da Igreja? Eu surgiro que sim, o que seria coerente com o carter da graa de Deus, que convida, delega e investe os Seus filhos com poder para participar como coobreiros na Sua misso. A Bblia destaca a interdependncia entre os membros da igreja. A metfora do Corpo de Cristo, por exemplo, ressalta a presena de conexes e estrutura na Igreja. A estrutura, os mensageiros e a mensagem pertencem a uma mesma realidade. Portanto, a estrutura da igreja tambm testemunha das suas crenas e relacionamento com Deus.
  2. 2. Por natureza, a Igreja Adventista no se define como mais uma denominao que acompanha o processo de fossilizaodo tempo como stios arqueolgicos da tradio. O adventismo essencialmente um movimento proftico-escatolgico (com um testemunho de fidelidade a Deus para os ltimos dias). Alm disso, h 150 anos esse movimento tem uma estrutura organizacional com o objetivo de potencializar a misso de Deus. Para que isso acontea, o estudo e o dilogo sobre a estrutura da igreja tem que avanar alm da dicotomizao extremista entre o isolacionismo congregacionalista e o engessamento superinstitucionalizado, ou a total rejeio de uma organizao. Inevitavelmente qualquer expresso do cristianismo que busca seguir a Bblia ir desenvolver algum tipo de estrutura organizacional. Iniciativas atuais nos Estados Unidos tm desenvolvido igrejas multi-campi, o que acaba por reafirmar as conexes interdependentes entre as igrejas. Tradicionalmente, o pndulo das discusses tem variado entre os extremos do espectro, quando claramente os modelos organizacionais que auxiliaram o cumprimento da misso adventista (1863 e 1901) foram mais equilibrados do que essas posies. Os extremos obviamente tambm no so opes vlidas para hoje. De forma geral, a estrutura de uma organizao no deve ser encarada como esttica. Alguns princpios devem ser preservados, enquanto que a aplicao deles deve variar de acordo com o tempo e o espao. Esse entendimento adventista resulta em contextualizaes como a recente deciso da igreja mundial de estabelecer a Unio do Oriente Mdio diretamente ligada Associao Geral. Esse experimento reflete o princpio da flexibilidade na estrutura em prol da misso num determinado contexto. Uma proposta que deve ser mais discutida o estudo de George Knigth que menciona o quadriltero organizacional adventista sendo composto pelas obras de publicao, mdica, educacional e administrativa. No Brasil, hoje existe um quinto vrtice formado pela obra de comunicao, atravs do rdio e da TV. Como ele aponta, essas frentes no foram desenvolvidas intencionalmente, mas refletem a viso integral da natureza humana e da realidade em geral do adventismo. Apesar de a reflexo sobre a estrutura da igreja muitas vezes ter se limitado s instituies, ela deveria tambm alcanar a realidade da igreja local.Nesse caso, um dos maiores perigos se ocupar demais com as tarefas e rotinas da igreja e noter tempo e prioridade para se relacionar com os de fora. De forma paralela, repentinamente a misso fica resumida amanter a bolha! A estrutura organizacional apontada por George Knight como um dos elementos fundamentais do sucesso evangelstico do movimento milerita. Outros dois grupos resultantes do milerismo, os espiritualizantes e os grupos da Igreja de Deus no contaram com essa eficincia. No entanto, o fator mais importante para a expanso do milerismo foi o senso de misso proftica, segundo Knight, agregado ao senso de urgncia gerado por essa compreenso.Instituies, estruturas formais e at mesmo tradies so necessrias, se a mensagem e a misso da igreja (incluindo o adventismo) continuarem preservados. No entanto, esses mesmos itens se tornam uma ameaa misso original da igreja, se no forem flexveis o suficiente para eficientemente acompanharem as mudanas do tempo e do espao (The Fat Lady and the Kingdom,p. 166).
  3. 3. Em 1909, portanto aps a reorganizao de 1901,Ellen G. White chama a ateno sobre a importncia da organizao da igreja: Oh! como Satans se regozijaria se alcanasse xito em seus esforos de penetrar no meio deste povo, e desorganizar a obra num tempo em que a organizao integral essencial, e constitui a maior fora para evitar os levantes esprios, e refutar pretenses no abonadas pela Palavra de Deus! ... Alguns tm apresentado a idia de que, ao aproximarmo-nos do fim do tempo, cada filho de Deus agir independentemente de qualquer organizao religiosa. Mas fui instruda pelo Senhor de que nesta obra no h isso de cada qual ser independente (Testemunhos para a Igreja, vol. 9, pg. 257 e 258). Tanto tempo depois,e o desafio continua: manter a organizao da igreja dinmica e relevante para o cumprimento da misso. As condies globalizadas e interconectadas do mundo no sculo 21 continuaro produzindo mudanas. A intencionalidade nas decises, o estudo sobre os melhores modelos e o zelo quanto aos princpios bblicos, no entanto, podem se antecipar a possveis desencontros, favorecer o cumprimento da misso e promover a fidelidade ao plano de Deus. A propsito, o meu tute, que inesperadamente causou tanta reao, foi bem curto: Jesus fundou um movimento organizado. Marcelo E. C. Dias Professor de Teologia no UNASP (Campus 2). Atualmente, doutorando (PhD) em Missiologia na Universidade Andrews, nos Estados Unidos.