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César Dacorso Filho

Príncipe da Igreja Metodista

do Brasil

CAPA DE NELSON CARLOS DE GODOY COSTA

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TRAÇOS DA

VIDA DO

PRIMEIRO BISPO BRASÍLEIRO

DA

IGREJA METODISTA DO BRASIL

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Í N D I C E

Dedicatória........................................................ 7 Prefácio .......................................................... 9 Palavra necessária ........................................ 17 Nasce um menino ........................................... 21 Menino pobre e feliz ....................................... 26 Caixeirinho sem ordenado .............................. 36 Fatos extraordinários ........................................ 47 Horizontes do metodismo ............................. 49 Aprendiz de tipógrafo ....................................... 55 Na Viação Férrea do R. G. do Sul .................... 65 A conversão de César Dacorso Filho ............. 76 Reminiscências e saudades .......................... 85 No Colégio "União" ....................................... 90 No Colégio "Granbery" .................................... 105 No Pastorado .................................................. 113 Não é bom que o homem esteja só ................ 119 Os anos do seu Pastorado ............................ 123 No Episcopado ................................................. 129 Sua Consagração ............................................. 132 Na presidência do Concílio Geral .................... 135

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Dois de Setembro ....................................... 138 Declaração Histórica ...................................... 139 Primeiro quatriênio ......................................... 140 Segundo quatriênio........................................... 179 Terceiro quatriênio............................................ 255 Quarto quatriênio ............................................ 283 Pela quinta vez eleito Bispo.............................. 329 O "Avante por Cristo"........................................ 337 Em 1952 ........................................................... 351 Amizades bonitas ............................................. 362 O Instituto Ministerial Geral .............................. 368 Convite aos moços ......................................... 372 Antes do Final................................................... 375 Treze anos depois ............................................ 377 O Passamento .................................................. 380 César Dacorso vive .......................................... 383 Saudade ........................................................ 385

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À excelentíssima senhora

Maria José Guimarães Dacorso

Minha senhora,

Este livro pertence-vos.

É um apanhado rápido e imperfeito da

vida exuberante do homem magnífico a quem

muito inspirastes na obra sem igual que realizou

na construção da Igreja Metodista do Brasil.

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P R E F Á C I O

Livro por excelência é a Bíblia. No entanto, é sem número a publicação, ininterrupta, de outros, em cujas páginas se encontram todos os assuntos, desde a mais despida insignificância, até aos mais complexos e mais merecedores estudos. Ninguém há, hoje, que possa acompanhar, em todas as línguas, os livros que aparecem aos milhares, com mais ou menos divulgação. Já, no Eclesiastes, dizia o sábio não haver limites para fazer livros (Ec 12.12). Deles há, cujo valor se poderá dizer nulo. Outros, no entanto, se nomeiam por bons livros. E assim concorrem os escritores com o que, porventura, sabem e podem, dependentes, contudo, da necessidade, interesse e gosto dos leitores. Livro sem leitor é desperdício. Leitores para livros sem valor, outra perda.

Convidou-me o Rev. Nelson de Godoy Costa para prefaciar um seu livro; deu-me a honra de apreciá-lo, com recomendações, mediante breve antelóquio.

Entendo que o preâmbulo a um livro é quase luxo, e como tal dispensável. O bom livro dispensa a apresentação, porque é bom; o ruim, porque não a merece. De maneira que, a meu ver, andar o livro sozinho com a só virtude do seu merecimento, parece mais acertado.

10Na apresentação de um livro, dá-se o fato, umas

vezes, de o prefaciador antecipar sobremaneira o seu conteúdo, com exageros tais de louvores, que a obra de si mesma, ao ser lida, se desmerece. Outras vezes sucede o contrário: adianta demais a crítica, sem maiores fundamentos, a ponto de arriscar o devido alcance do que ainda se tem de ler. É certo que, segundo Castilho António, "a crítica sisuda é o crisol dos bons livros" (Vol. 66, p. 130), e, consoante Rui Barbosa, "se não pode ser pelo apoio, seja pela censura, que também é colaboração" (Vol. XXIII, Tomo I, p. 12). No entanto, a preliminar de um livro qualquer não me parece deve ter esse resultado, seja ela do próprio autor, seja de. algum amigo, ou até dos seus editores.

A abertura de um livro, por sua página de apresentação, sabe a cortesia, e não deve ir além de breve palavra para enlabolar conhecimento; aliás, é o que se dá com as pessoas: ou se apresentam elas mesmas, ou são apresentadas por parente ou conhecido, e... deixá-las que melhormente se conheçam, e, porventura, se estimem, lá entre si, quando reciprocamente se estudarem.

Bem sei que Rui Barbosa, com a sua introdução a "O Papa e o Concílio", duas vezes maior que a tradução, tornou famoso o seu livro, e procurado e incontestavelmente útil. E há proêmios que não passam de meia página, sem, contudo, desluzir o seu propósito. Há disso, não o podemos esconder; não passa, todavia, de casos singulares.

Tenho razões para que me não furte à honra de apresentar o livro do Rev. Nelson de Godoy Costa, com relação à vida do Rev.mo Bispo Dr. César Dacorso Filho.

Trata-se de biografia, género de literatura que sempre me pareceu dos mais recomendáveis para o proveito da vida humana. Há biografias e biografias, isto é, dignas, sobejas de lições que se repitam, e

11também desprezíveis, que se não devem nomear. Quando

digo ser a biografia espécie de literatura a meu ver recomendável, é evidente que me refiro à biografia cujos fatos

constituem a história de uma vida nobre, merecedora, proveitosa. Esta, que apresento, escrita pelo Rev. Nelson de

Godoy Costa, tem pelo menos três motivos, que lhe assinalam merecimento e consideração, a saber: o autor é Ministro do Evangelho, filho de Ministro do Evangelho, e

escreve a respeito de um Ministro do Evangelho e bispo da Igreja Metodista do Brasil.

Tomou a si o Rev. Nelson de Godoy Costa a empresa de apresentar ao povo ledor do Brasil a história da vida do Rev.mo Bispo César. Que empresa! Ninguém lha pediu, ninguém lha impôs. Êle de si a tomou, de coração, de alma, porque viu na pessoa e vida do Sr. Bispo uma história do maior merecimento por suas lições e exemplos, história digna de ser contada muitas vezes, isto é, divulgada para incentivo dos crentes, dos obreiros, dos Ministros.

Nelson de Godoy Costa teve a felicidade de um berço cristão. O Sr. seu pai, o Rev. João Afonso da Costa, e a Sra. sua mãe, D. Elisa, nobre casal dos primeiros tempos do Evangelho no Brasil, metodistas, vários filhos, grande família, foi o ambiente em que se desenvolveu o menino, hoje Ministro-pastor da Igreja Metodista do Brasil, escritor e poeta, autor de vários livros. Escreveu agora a biografia do Rev.mo Bispo César. Suas páginas falam a um tempo dos senti-mentos do autor, seu caráter bem formado em lar cristão, e dos merecimentos do biografado, igualmente cristão, cuja carreira tem lances de valor, merecedores da mais detida consideração, por sua origem, pelo seu sentido, por suas lições.

Há opiniões contrárias à publicação de biografias de pessoas que ainda vivem. Contar publicamente a

12Vida de alguém só depois de já se ter baixado à tumba. É como pensam. Pois deixá-los pensar; não haverá mal por

isso, nem bem. Nelson de Godoy Costa pensa diferentemente; dai o volume que escreveu da vida do

Rev.m0 César. A ele, Rev. Nelson, não lhe importa que o seu biografado ainda aí esteja em pleno exercício ministerial, com tremendas responsabilidades, no desempenho do episcopado

na Igreja Metodista do Brasil. Sobre o ponto não discordo do nobre colega. Tenho para mim que a biografia de um jovem qualquer, sobrevivente, em pleno torvelinho da vida, por muito expressiva que parecesse, a todos os respeitos, seria, ainda assim, prematura e, talvez, não lograsse o bem, porventura, imaginado. Não é, porém, a história de nenhum jovem para assombro e comentário dos leitores. O livro do Rev. Nelson é outra cousa. Não trata de agiografia. Não é vida de santo que se recapitula para proveito dos leitores. Se o fosse então era razoável que esperasse a morte. Também não se cogita em só profundar a etopéia de uma grande figura; seria um estudo e não uma exposição. Trata-se da biografia de uma vida que perdura, normal, expressiva por entre sombras e luz, perseverantemente lutadora e vitoriosamente proveitosa; biografia sincera, discutível e admirável, de cidadão patrício e fiel. Biografias constituem literatura diferente de todas quantas se podem consultar; diferente porque fala da vida de pessoas, e a vida não é cousa que se invente, com mais ou menos brilho de palavras, para ser contada em conversa, em revistas, livros ou avulsos; é, sim, cousa real, cuja significação impressiona mais ou menos, conforme terá sido modelada com mais ou menos acerto, segundo os princípios da boa educação e seus interesses imediatos e remotos. A vida de qualquer pessoa, considerada em todos os seus aspectos, é um mundo de grandes assuntos. Se

13for nobre, se bem aproveitada com virtudes, pelo trabalho,

pela firmeza de caráter, pela perseverança no bem, na paciência, com verdade, fielmente, ai, sim, é digna de ser lida

para inspiração da nossa. O livro do Rev. Nelson de Godoy Costa é desse teor. Suas páginas balançam o berço do menino César, respiram o clima do seu lar, fulguram a inteligência e aplicação do adolescente, traçam os primeiros quadros da vida que se inicia na igreja, as responsabilidades dos primeiros empregos, as doçuras das primeiras recompensas. Vale a pena ler esse passado que se ausenta. Outras páginas se lêem no livro do Rev. Nelson, páginas de outro clima, de outro sabor. Falam do jovem estudante, fora do lar, longe da cidade natal, já em lutas com a escassez de recursos para o estudo, fronteando já durezas da injustiça que, não raro, assinalam para o túmulo. E outras e outras, cheias todas da história que desperta, deita lições e firma exemplos. Não é para aqui, na prefação apenas do livro, o repetir as páginas que Nelson de Godoy Costa escreveu. Tenho por certo, no entanto, que os leitores terão pressa em conhecê-las, porque tratam de uma vida que vingou renome, sem vaidade, e, não raro, esplendor, sem falácias que embaciam. Eu de mim tenho pressa em recomendar o livro do Rev. Nelson de Godoy Costa, para reforço, por certo, das impressões já definidas e preciosas da vida e obras do consagrado Bispo César, em todos os aspectos do seu testemunho, no seio da família, no convívio social, em face dos princípios, nos apelos do dever, como homem de fé, homem do trabalho, compreensivamente, zeloso e pontual. Desde menino acompanho a vida do Sr. Bispo César; desde menino, quando o conheci numa Conferência em Piracicaba, venho seguindo e admi-

14rando a formação desse caráter, cuja têmpera daria páginas e

páginas de um volume à parte, inspirati-vamente copioso e copiosamente inspirador.

Tenho por preciosa a tarefa de longo prazo de que deu cabo o Rev. Nelson de Godoy Costa. Para a Igreja Metodista do Brasil, que muito deve ao Rev.mo Bispo César por sua consagração e firmeza, o livro que se anuncia terá largo proveito. O que nele se ler há de contar-nos fatos que melhormente se expliquem, pelo comentário propositado, em tomo da vida que se agigantou em tantos dos seus aspectos na Causa do Senhor.

Neste ponto, eu parece-me que não desacerto figurando a vida ministerial do Sr. Bispo César, nas suas fases de Ministro-pastor, quer principiante, quer diácono, quer presbítero, ou finalmente no episcopado, há mais de vinte anos, com aquilo de Castilho António a respeito do padre Manuel Bernardes, quando o comparou com o padre António Vieira (Vol. 47, p. 70): "Lendo-os com atenção, sente-se que Vieira, ainda falando do céu, tinha os olhos nos seus ouvintes; Bernardes, ainda falando das criaturas, estava absorto no Criador." Aqui é que me parece acertar a realidade com a vida do Rev.mo Bispo César. Pois não é certo que tudo nele, dele e com ele, é para a Causa do Senhor? O seu tempo, os seus dons, as suas forças, as suas experiências? O que imagina, o que giza e estuda, o que estuda e decide, o que decide e executa? Não é, porventura, em nome da Causa do Senhor, e por ela?

Deixemos, pois, falar a linguagem dos fatos, em torno da vida do Rev.mo Bispo, Dr. César Dacorso Filho, segundo a orientação do seu biógrafo, Rev. Nelson de Godoy Costa

15PRÍNCIPE DA IGREJA

E peçamos a Deus, sinceramente, a leitura da

biografia do seu grande servo, Bispo César, seja fonte de inspiração para os jovens, contínua satisfação dos seus companheiros até aqui, e, no geral, grande bênção para a Causa do Senhor nosso Deus, em todos os seus múltiplos aspectos, na vasta seara evangélica do Brasil.

António de Campos Gonçalves — Rio de Janeiro, 1953 —

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PALAVRA NECESSÁRIA

Este livro é uma tentativa. Porque a vida empolgante de César Dacorso Filho somente poderá ser escrita mais tarde, quando de modo mais positivo, os resultados surpreendentes, sempre surpreendentes, se fizerem sentir em bênçãos incontáveis para a Igreja a que amou desde a infância e a que entregou a vida, inteiramente. Grande na inteligência e no saber, grande na modéstia e na bondade, grande no trabalho e no serviço, imensamente grande no amor com que amou e ama a Igreja Metodista do Brasil, imensamente grande na consagração com que se entregou a ela, porque primeiramente amou o Senhor Jesus e se entregou a Êle, César Dacorso Filho precisa de grandes escritores e grandes biógrafos para grafarem sua vida. Não há modéstia nem falsa modéstia nesta palavra necessária. Este livro é um convite. É um convite sincero, cordial, insistente aos escritores, aos biógrafos, para, à luz de melhores documentos, oferecerem ao mundo a biografia do homem extraordinário a quem a Igreja Metodista do Brasil deve quase que inteiramente a grandeza de seu esplendor e a magnitude de sua glória. Aos prezadíssimos colegas, Revs. António Patrício Fraga, Eduardo Mena Barreto Jaime, António de Campos Gonçalves, Oswaldo Luiz da Silva, Elias Escobar Gavião, Messias Amaral dos Santos, José Rui Rodrigues de Almeida, Luiz Machado Morais e ao Sr. Darcy de Almeida, pela preciosa colaboração, nosso reconhecimento.

1818

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PRIMEIRA PARTE

NASCE UM MENINO

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CAPÍTULO PRIMEIRO

NASCE UM MENINO

Na cidade de Santa Maria, no Estado do Rio

Grande do Sul, nasceu no dia 10 de novembro de 1891 um menino. Os que correram aos aposentos do recém-nascido viram um garotinho forte e bem disposto, e sua mãe contente, sorridente e feliz por ter dado ao mundo um homem.

Esse homem seria aos quarenta e três anos, muito moço ainda, o primeiro bispo brasileiro da Igreja Metodista do Brasil.

A casa que abrigou seus primeiros dias de vida existe ainda. É na rua Coronel Niderauer, e tinha o número trinta, que talvez, hoje, seja outro. Fica junto ao templo luterano e defronte ao Colégio Complementar.

Foi o pastor luterano, amigo íntimo do pai do recém-nascido, quem lhe pôs a língua em condições de falar, pois o menino tinha a língua "pegada" como diz o povo.

22Deram-lhe o nome de César. César era o nome do pai, César Daeorso, italiano, de origem francesa. Parece descender de huguenotes perseguidos que se refugiaram no povoado pequenino chamado Carloforte, na ilhota de São Pedro, perto da ilha italiana de Sardenha.

Seu nome primitivo, Daeorso, deveria ser De la Course. Outros dizem que Daeorso vem de "da Córsega", ilha próxima à da Sardenha, pátria de Napoleão primeiro.

O menino nasceu e cresceu à sombra de um templo protestante, e por sua origem remota talvez tenha outra ligação com o protestantismo. Seus pais, entretanto, sempre foram católicos, bem como todos seus irmãos. Sua mãe e alguns manos alimentavam simpatias pelo Evangelho, mas nunca se decidiram por êle.

No Brasil é este um fato muito comum: membros da mesma familia pertencendo a duas ou três religiões diferentes, ou por motivo de origem ou pelos casamentos mistos, que às vezes criam problemas delicadíssimos no seio da própria família, com reflexos sobre a Igreja. Seu progenitor

O pai de César não teve muitas oportunidades na vida para frequentar escolas, mas inteligente e esforçado aprendeu muito da leitura de livros, revistas e. jornais. Conhecia os clássicos italianos, como Tasso, Dante, Ariosto; lia escritores modernos, como De

23Amicis. Assinava a melhor revista da Rália, que era La Illustrazione Italiana. Gostava da matemática, praticava o desenho. Sendo pobre, às vezes em extremas dificuldades, jamais deixou de lamentar a impossibilidade de instruir seus filhos. Nos dias de sua mocidade foi marinheiro. Parece que também trabalhou em minas. Depois dedicou-se à arquitetura. Chamado para o Rio Grande do Sul por um amigo, Ângelo Obino, transportou-se logo para o Rrasil. Passou primeiramente por Montevideo, de onde chegou ao Rio Grande do Sul. Era em 1875 mais ou menos.

Costumava contar aos filhos, que ouviam atentos e curiosos, as dificuldades que encontrou em nossa terra, viajando sempre a cavalo, tendo de percorrer distâncias sem fim em campos inteiramente despovoados. Lembrava-se também das gentilezas dos estancieiros gaúchos, que lhe escondiam o animal em que viajava para obrigá-lo a contar, demorando-se horas e horas com eles, as novidades da Europa, ouvidas sempre com crescente entusiasmo.

Conhecia quase todo o Rio Grande do Sul. Trabalhou como construtor em Bagé, Santa Maria,

Rio Pardo, São Martinho. Foi em Campestre de Santo Antão, perto de São Martinho, que conheceu a companheira de seus dias. Resolveu fixar-se em Santa Maria, e naquela cidade sulina constituiu seu lar.

Identificou-se com seus moradores e costumes inteiramente a ponto de não dispensar o cavalo, o churrasco, o chimarrão.

24Pode-se dizer que foi êle quem construiu a cidade de Santa Maria. São de suas mãos a estação da estrada de ferro, os

quartéis, o teatro, os prédios principais. Quando foi construído e inaugurado o teatro "13

de Maio" a cidade prestou-lhe homenagens, oferecendo-lhe um prumo de metal amarelo e uma colher de prata, de pedreiro, presentes que seus filhos guardam com carinho. Construiu também o hospital da cidade e na ocasião de sua entrega a população agradecida homenageou-o.

Êle mesmo desenhava, fazia as plantas, estudava orçamentos, dirigia as construções, trabalhando ombro a ombro com os mais humildes operários. Homem de boa fé, trabalhou muito, atendeu consultas de outros construtores do Estado, foi presidente de sociedades, trabalhou intensamente, trabalhou a vida inteira e não chegou a possuir mais do que duas casas modestas.

Numa dessas, porém, foi que César nasceu. A casa de número trinta, da rua Coronel Niderauer, frente ao Colégio Complementar, junto ao templo protestante.

Assim foi o pai de César Dacorso Filho. Ca-ráter transparente, homem da honradez e do trabalho. Faleceu em 24 de dezembro, véspera do Natal de 1931. Matou-o o câncer no estômago e no fígado.

Sua progenitora A rnãe de César Dacorso Filho nasceu em

Campestre de Santo Antão. Naquela localidade

25casou-se. Descende dos ilustres Pereira da Silva que

chegaram a ser ministros do Gabinete Imperial. Seu pai foi um desgarrado da família. Mocinho,

fugiu de casa e foi sentar praça no Rio Grande do Sul. Mais tarde adquiriu propriedades em Campestre de Santo Antão, onde se dedicou à agricultura e onde faleceu.

Sua mãe tinha fortes traços de indígena. A senhora mãe de César Dacorso Filho foi uma

mulher do trabalho. Dedicou-se inteiramente ao lar. Sem o auxílio de empregadas criou todos os filhos. Desvelou-se por eles e por eles se consumiu. Tinha um nome bonito e expressivo. Chamava-se Constância.

Dos dez filhos do casal, Maria faleceu ao nascer. Docelina e Isolina faleceram casadas. Vitorio morreu em Santa Maria; era casado. João, solteiro, alistou-se no exército italiano por ocasião da primeira grande guerra e morreu ao que se pensa, na batalha de San Michelle. Paulo, casado, vive no Rio de Janeiro. Guilhermina faleceu quase noiva. Alice vive em Santa Maria; é casada. Humberto, casado, mora em Porto Alegre.

É notável a mistura de sangue na família: francês, italiano, austríaco, português, uruguaio.

Interessante a variedade de profissões: ministro do Evangelho, militar, pedreiro, alto comércio, contabilista.

Todos têm tendência para música. César possui excelente voz de "baixo".

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CAPÍTULO SEGUNDO

MENINO POBRE E FELIZ

Foi em Santa Maria que César Dacorso Filho viveu os dias de sua infância. Da casa em que nasceu muito pouco se recorda. Sua lembrança mais remota prende-se à segunda casa onde morou.

Seu pai havia contratado as obras da estação e do armazém da estrada de ferro Itararé, do outro lado da cidade. Adquiriu por isso ura terreno nas proximidades de onde devia iniciar a construção. Era um terreno irregular, com uma face para a estrada de ferro, outra face para a rua e outra para o riacho. Ali edificou.

Naquela casa o menino morou até os onze anos. Ocupava o dia cuidando das cabras leiteiras. Brincava no riacho, subia os salseiros que margeavam o rio pequenino. Distraía-se ouvindo o vozerio dos

27PRÍNCIPE DA IGREJA

boleeiros de "vitórias" que iam buscar os passageiros na estação construída por seu pai e já entregue ao público.

Das recordações desse tempo a mais forte é a dos últimos dias da revolução que ensanguentou o Rio Grande do Sul, logo depois de 1892 e que durou até 1897; das tropas que passaram por sua casa; de uma batalha em que o general revolucionário, Pina, tomou a cidade; de um quartel improvisado em frente a sua casa, quando um sargento ofereceu a seus pais um pedação de churrasco bem gordo. Lembra-se ainda do transporte dos feridos ao longo do leito da estrada de ferro, e, afinal do embarque das tropas para Canudos.

AOS CINCO ANOS

Aos cinco anos César principiou a acompanhar o progenitor para o trabalho. Vigiava o churrasco ao fogo, enquanto o pai, colher à mão trabalhava. Nessas idas e vindas começou a conhecer a cidade. Em casa enchia a cuia e preparava o chimarrão para o pai. Era amigo e serviçal.

Lembra-se de alguns incidentes dessa época de sua vida. Uma vez escapou da morte, milagrosamente. Foi assim: Estava brincando com sua irmãzinha no fundo da casa, no tempo da revolução, quando uma bala perdida passou raspando-lhe as orelhas e foi cravar-se no barranco.

28NELSON DE GODOY COSTA

Outra noite brincava com seus irmãozinhos na

sala de visitas. Seus pais gozavam o frescor da noite em frente a casa. Foi quando o cãozinho começou a latir avisando de que alguém descia o morro, o aterro da estrada de ferro, sorrateiramente. Seus pais voltaram para o lado e viram um homem que fugiu.

Naquela noite verificou-se um crime na rua Nova e o assassino, preso no dia seguinte, confessou ter tentado assassinar o casal, que distraido tomava o frescor da noite lá fora.

Para o menino essa foi a segunda vez em que, talvez, escapou da morte.

Sempre foi vítima de cacos de vidro nos pés. Certa vez, brincando nas obras da estação pisou num caco de vidro que lhe cortou profundamente o pé. Quase morreu com a hemorragia.

Apanhava pregos de seu pai e pregava no chão fazendo com eles desenhos; gostava de encarapitar-se nos trens lastros em manobras; rebuscava pelos campos ninhos de galinhas poedeiras, colhia flores silvestres, jogava gude.

Era a infância de um menino pobre e feliz.

AOS SETE ANOS

Aos sete anos foi para a escola pública. Era um casarão que ainda existe ao alto da rua Riachuelo, Lembra-se muito bem de seu primeiro professor, homem de muita cultura e honestidade, chamado Benvindo Pires de Sales. Era baiano.PRÍNCIPE DA IGREJA

29 Para ir à escola César saía de casa com seu

mano Paulo. Aqui aparece seu mano como seu companheiro. Sempre foram muito amigos e muito unidos. Passavam pela casa de um amiguinho, António Losa, hoje, negociante, capitalista e político em Santa Maria, e, depois de meia hora de caminho chegavam à escola. Seu primeiro livro foi a cartilha de Hilário Ribeiro e custou-lhe quinhentos réis, hoje, cinquenta centavos.

Nessa escola César teve três professores: Benvindo Pires de Sales, Nestor de Oliveira e Antero José de Almeida.

SEUS PRIMEIROS AMIGUINHOS

Nesse tempo de escola foi que César teve seus primeiros amiguinhos. Seus nomes precisam ser guardados nesta biografia: José Borba, poeta; Luiz Fernandes Calage, escritor, sociólogo, historiador e jornalista, hoje residente em São Paulo; Mário Brasil, engenheiro; Anacleto Corrêa, engenheiro, funcionário da Viação Férrea do Rio Grande do Sul.

Esses foram os primeiros amiguinhos de César, os amigos de sua infância, todos meninos pobres como êle, querendo estudar, querendo aprender, ansiando vencer na vida. Como César eram sonhadores, idealistas, meninos de valor, meninos que influenciaram César, e foram por êle influenciados num consórcio admirável de ideais grandes para a vida.

30NELSON DE GODOY COSTA

Chegaram a ter, no seu mundo de sonhos ideias exquisitas. Certa vez César e Mário Corrêa inventaram uma língua universal e na organização do dicionário gastavam todos os centavos que lhes vinham às mãos. Não sabiam que já existia o Esperanto.

A vontade de estudar persistia. Certa vez pre-tenderam alugar uma sala pequenina e um lampião para poderem estudar. Mas... onde o dinheiro?

Outra vez planejaram uma viagem pelo mundo. Era a melhor forma de aprender. Em Luiz Fernandes Calage a ideia se fixou de tal modo que mais tarde fugiu de casa, foi para Porto Alegre com intenção de seguir para o Rio de Janeiro.

César atormentava o pai pedindo-lhe que lhe comprasse livros. O pai deu-lhe, além dos escolares, toda a coleção de Felisberto de Carvalho, e um livro de poesias de Fanfa Ribas. Na falta de mais livros e sedento de mais livros o menino lia os jornais que vinham protegendo os engradados de mármore destinados aos mausoléus; lia a "Federação", lia "O Correio do Povo", lia muito, lia sempre.

Hoje César lembra-se com saudades daqueles dias de penúria e de ambição. Às vezes com seus coleguinhas dilatava o campo de seus passeios e realizava excursões às serras do Pinhal, de onde, lá do alto fazia tombar pedras enormes, brincando alegremente. Outras vezes nas encostas, ao pé de alguma sanga, nas mesmas serras, César e seus companheirinhos preparavam café e tomavam com pão e pedaços de salame.

31PRÍNCIPE DA IGREJA

Folgando percorriam estradas extensas. Quem

poderia ver nessas caminhadas os primeiros passos daquele que, Bispo da Igreja Metodista do Brasil, seria o viajor para quem as estradas não teriam segredos, as distâncias não teriam fim?

César lembra-se com saudades daquela vez em que, brincando com os mosqueteiros em miniatura, subiu a um salseiro, e distraindo-se caiu de cheio no arroio. Era domingo e ele teve de atravessar a cidade toda, cheia de gente endomingada, até chegar em casa, completamente encharcado isto é, molhadinho como um pintainho.

Recorda-se de sua infância, de quantas e quantas vezes, quase em andrajos, descalço, chapéu furado de tão velho, tiritando de frio, acompanhou o pai ao trabalho, ou nesse mesmo triste estado brincou com os amiguinhos. E, quanta vez sentiu do mesmo modo as solas dos pés escaldando na areia batida de sol das ruas da cidade onde nasceu.

Na casa de Mário Corrêa havia um canal longo e sempre cheio de água, com um botezinho para os meninos brincarem. César gostava do bote pequenino. Um dia tomou-o sozinho e lá se foi pelo canal a fora; em meio porém do passeio o botezinho cismou com o passageiro, virou de pernas para o ar e o menino saiu do fundo do canal coberto de lama, com lama nos bolsos, no rosto, nos cabelos.

Havia também lá uma "estrada de ferro" feita de pau, com vagão — um caixote de querosene aberto ao lado, que era ao mesmo tempo carro de passageiros

32NELSON DE GODOY COSTA

e de carga. Anos mais tarde, viajando pelo Brasil e pelo estrangeiro nos trens mais confortáveis, César se lembraria, ao certo, com profunda saudade — olhos perdidos nas paisagens americanas e europeias, daquela paisagem brasileira nas plagas sulinas, do trenzinho que só andava na descida, onde muitas vezes sofreu "sérios acidentes" todos, felizmente sem muita gravidade...

SANTA MARIA

Santa Maria era por esse tempo uma cidadezinha

do interior, muito espalhada, ruas sem calçamento. Seus moradores eram como uma só família. A vida em casa do menino corria tranquila. O pai cortava-lhe o cabelo. A mãe costurava-lhe a roupinha. Êle fazia compras, levava recados.

Bem depressa ficou conhecendo toda gente. É verdade que vivia um tanto isolado porque seu mano mais velho e que era tão seu amigo, fora morar com os padrinhos, Teodósio e Leocádia Pereira de Barros, e seus irmãos mais novos eram muito pequenininhos. Tinha entretanto, suas irmãs, das quais sempre foi muito amigo.

Nas horas de solidão, quando sentia mais fundas as saudades de seu mano Paulo, procurava fazer alguma coisa: punha em ordem os pedaços de tábua que sempre os havia muitos, espalhados pelo terreiro; capinava o quintal, consertava as cercas. Aprendeu até a passar roupa a ferro.

33PRÍNCIPE DA IGREJA

Infância penosa de menino por vezes triste e por

vezes solitário. Escola de trabalho que lhe formou o hábito, pelo qual hoje César agradece a Deus, louvando-O, de somente descansar nas horas de refeição e de sono.

Foi naquela época que instalaram luz elétrica e telefone em sua cidade. Viu pela primeira vez um automóvel. Queria muito ver um automóvel. E foi um desapontamento: o que viu era feio, velho, sujo e desengonçado. Queria muito ir ao cinema; queria saber o que era aquilo, embora no seu tempo fosse ainda cinematógrafo. O pai fèz-lhe a vontade. Levou-o. 0 menino foi. Viu. Gostou, mas tremeu durante o tempo todo. CONHECE UMA ESCOLA DOMINICAL

0 Rev. W. Morris, missionário americano da Igreja Episcopal tinha uma escola dominical que funcionava num salão da rua do Comércio. César, curioso por tudo quanto fosse de aprender principiou a frequentar as aulas fêz algumas amizades e teria continuado por longo tempo, se seus pais não o tivessem impedido de continuar ali, afastados por motivos desagradáveis, escandalizados com procedimento de certos alunos.

QUEREM FAZÊ-LO MILITAR E QUEREM FAZÊ-LO PADRE

Amigos de seu pai quiseram enviar o menino para

a Escola Militar. É possível que o gauchinho

34NELSON DE GODOY COSTA

viesse a ser um grande oficial do Exército; irias

como se êle tinha horror à farda, e, naquele tempo um medo pavoroso de soldado?...

Também o vigário da cidade, admirando aquele menino sizudo, com ares de homenzinho, chegou a falar com o pai sobre a conveniência de levá-lo para um seminário. Tinham motivo as palavras do sacerdote. César ia muitas vezes à missa, acompanhava as procissões. Sua alma pequenina prendia-se àquela movimentação. Sempre o menino sentiu-se empolgado pela grandeza, com a beleza das festas religiosas e cívicas realizadas no Sul, muito mais deslumbrantes que em outros pontos do país.

Esses esforços eram o interesse de amigos pelo menino pobre e inteligente, pelo futuro do menino pobre e pequenino, mas que, como deveria declarar anos mais tarde, no seu discurso de recepção à Academia de Letras de São Paulo, tinha aprendido a fitar as alturas dos Andes inatingíveis.

Fitava-as, pequenino. Homem, atingiu-as.

------ 0O0 ------

Teve as doenças de criança, sarampo, coqueluche. Uma grave: febre tifo.

Seu mano Paulo, certa vez, inadvertidamente, apanhou na rua um papel bonito. Estava infeccionado. Contraiu tremenda moléstia de olhos que transmitiu a

35PRÍNCIPE DA IGREJA

todos da casa. Foi um período angustioso aquele. Seu pai carregava um filhinho em cada braço; os maiores acompanhavam como podiam e iam ao médico, dr. Pantaleão Pereira Pinto, amicíssimo da família.

César sofreu a mais não poder com essa nfermidade.

36

CAPÍTULO TERCEIRO

CAIXEIRINHO SEM ORDENADO

Em meados de 1902 seu pai, com enorme sacri-fício, arrematou em hasta pública uma chácara no fim da rua Marquês de Herval, hoje rua Serafim Valandro. Para lá mudou-se a família.

Um dos primeiros cuidados de seu pai foi plantar um vasto parreiral, a cuja sombra, muitas vezes o menino de onze anos viria dormir nas horas de maior calor, como é costume dos sulinos.

Continuava assíduo às aulas do professor Antero de Almeida. Seus amiguinhos eram os mesmos: José Borba, Álvaro Corrêa, Luiz Fernandes Calage. Seu pai empreitou a construção do hospital, o que o sobrecarregou de dívidas. Foi um verdadeiro desastre financeiro.

37PRÍNCIPE DA IGREJA

Como se tornasse muito crítica a situação económica da família o menino principiou a trabalhar como caixeirinlio na casa de secos e molhados de Teodósio Pereira de Barros, compadre de seu pai e onde até então estivera como caixeiro, seu mano mais velho, Paulo.

A casa existe ainda à avenida Rio Branco, bastante modificada e nela residem os padres que oficiam na catedral vizinha.

No armazém o caixeirinlio principiante, apro-veitando todos os momentos vagos, esforçava-se em melhorar a letra, fazendo longas cópias em um livro enorme, antiquado, abandonado, de folhas azuis.

Naqueles dias deram-se dois incidentes na vida do menino. Distraído, o menino era realmente uma criança, atirou uma caixa de fósforos sobre uma pilha de caixas e maços de fósforos, numa prateleira. A caixa, não se sabe como, incendiou-se. Por felicidade o fogo não se alastrou; do contrário a casa do patrão teria se queimado toda. Nunca o menino levou tamanho susto.

Outro fato foi este. César dormia num depósito do armazém, muito para os fundos juntamente com seu mano Paulo. Paulo foi fazer "serão" na tipografia do "Gaspar Martins", jornal, onde trabalhava e César deitou-se deixando o lampião aceso, com intenção de esperar acordado o irmão. Dormiu, porém. E que sono! Paulo precisou arrombar a porta do depósito para poder entrar e nem mesmo assim o irmãozinho acordou.

38NELSON DE GODOY COSTA

É que ainda não sofria de insónia como sofre hoje, quando se desperta ao mais leve ruído.

Guarda a alegria de ter sido um caixeirinho honesto. Nunca tirou um centavo da gaveta. Nunca furtou uma bala. Nunca enganou os fregueses.

o0o

Em 1903 seu patrão mudou-se para Tupaceretâ,

povoado muito espalhado, como geralmente são os do Sul, entre Santa Maria e Cruz Alta. Levou toda a mercadoria.

O caixeirinho, com a alegria e a novidade da mudança, entregou-se à trabalheira de encaixotar e desencaixotar peças de fazenda e de renda, caixas de renda, de botões; de ensacar e desensacar farinha de mandioca, feijão, arroz; de carregar ferragens e tudo o mais. E lá se foi também para Tupaceretâ.

No povoado as coisas corriam bem para o patrão. A casa tinha um movimento enorme. Para ela o menino, embora sua idade, principiou a comprar couro, partidas de erva-mate e de farinha de mandioca. Trabalhava desde madrugada até alta noite. Levantava-se varria a casa, limpava o lampião, enchia-o de querosene, dispunha tudo para o trabalho do dia. Depois do almoço ia ao correio.

Armazém movimentado, havia sempre muitos cavalos presos ali pelo cabresto, enquanto seus donos compravam ou simplesmente palestravam. César, toda a vez em que ia buscar a correspondência, ou ia

39PRÍNCIPE DA IGREJA

à estação, ou negociar partidas de erva-mate, sal ou aguardente, ou farinha de mandioca pegava um daqueles cavalos, montava e saia pelas ruas a fora, galopando como se fosse um grande cavaleiro. Certo dia apanhou um cavalo fogosíssimo de um homem chamado Miguel Chaves, um cavalo branco, enorme, de crinas abundantes e cauda amarrada. Saiu mas imediatamente percebeu que o cavalo não era para brincadeiras. Nem quis apear para apanhar a correspondência; pediu a alguém que lha desse. E antes que lha entregassem o cavalo disparou a toda a velocidade. Felizmente "desimbestou" por uma campina que se espraiava ali por perto. 0 menino agarrado ao "Santo António" conseguiu manter-se na sela, não caiu, e acabou gostando da corrida. Pôde afinal dominar o animal e voltar ao correio. Estava suando e teve o cuidado de não deixar que na loja percebessem sua aventura.

Outra vez brigou com um garoto de seu tamanho no caminho do correio. O garoto "levou a pior" e vendo que César deveria voltar pelo mesmo caminho correu à casa armou-se de uma valente faca, chamou um companheiro e foi esperar ao longo de uma cerca muito comprida, uma cerca de arame. Talvez por precaução ficaram do lado de dentro da cerca...

Quando César chegou lá os dois o xingaram e o desafiaram para nova briga. Não chegaram a se pegar porque entre eles estava a cerca. Discutiram um pouco de tempo trocando "gentilezas"; depois resolveram fazer as pazes. E seguiram juntos. César

40NELSON DE GODOY COSTA

guardou entretanto desse atrito uma grande

mágoa: chamaram-no de "roseta" apelido eme os serranos dão aos fronteiriços no Rio Grande do Sul.

o0o

Um falo que não deixava de impressionar o

menino caixeiro era este: de tempos em tempos um gaúcho do campo batia altas horas da noite à porta do armazém. César lha abria. Arriscava-se a um imprevisto abrindo a um desconhecido, tão tarde da noite. O desconhecido entrava, tirava a guaiaca (cinta larga de couro com bolsas) com um enorme revólver e punha sobre o balcão. Fazia um pedido grande e pagava tudo. Colocava de novo a guaiaca à cintura. Pegava a compra. Saía. Ia-se embora.

Aquele homem nunca deixou de ser para o menino eme o atendia amedrontado, altas horas da noite, um individuo suspeito. Parecia um criminoso. Era o único desconhecido, de lugar ignorado, que aparecia daquela maneira àquelas horas mortas da noite.

Uma vez êle foi quando a esposa do patrão estava no armazém. Ela ficou tão mal impressionada, que, sem que o homem notasse enquanto fazia o pedido, mandou sua sobrinha, uma menina chamada Elvira pôr um revólver sobre uma barrica sob o balcão.

Interessante, a figura sinistra que vinha através da escuridão da noite a uma casa comercial situada em lugar ermo, nunca tentou fazer mal algum. Respeitava aquele menino na sua debilidade e na sua coragem.

41PRÍNCIPE DA IGREJA

Certo dia, hora quente do dia, César está aca-bando de servir chimarrao a seu patrão c a um amigo, quando entra um homem ares sinistros, empunhando facão ameaçador. Rodopia c cai no chão pesadamente. Todos pensam que é criminoso fugindo da polícia, fulminado de síncope cardíaca. E agora aquele cadáver em pleno armazém! 0 menino toma a iniciativa. Grita. Acode um velho policial ao acaso ali perto.

Não era criminoso coisa alguma, nem tão pouco defunto. Simplesmente um pobre homem do campo, bêbado até o nariz, vagando pelas ruas, sem destino.

o0o

Foi em Tupaceretâ que ouviu histórias e mais

histórias sobre as revoluções rio-grandenses, e a exaltação de seus heróis, Gumercido Saraiva, Jóca Tavares, Saldanha da Gama, Canabarro, Bento Gonçalves. Foi lá que ouviu a respeito da guerra do Paraguai e seus valentes, Osório, Câmara, Pelotas. Conheceu o cabo João do Vale comandante do pelotão que fuzilou Solano Lopes, o ditador do Paraguai.

Foi lá que lhe contaram da visita que o Imperador D. Pedro II fêz ao Rio Grande do Sul; das Missões e do trabalho que os jesuítas realizaram ao longo do rio Uruguai.

Sua mente enchia-se de quadros estupendos. Sua imaginação fervia. Tinha vontade de realizar grandes coisas. Até hoje, mais de meio século, essas histórias do passado rio-grandense produzem viva impressão na vida do lutador.

42NELSON DE GODOY COSTA

Naquele tempo, nos dias de Tupaceretâ, tinha

doze anos.

o0o

O trabalho era demais e continuava sempre aumentando; não lhe sobrava tempo nem para melhorar a letra. Sempre porém, em todo o instante que podia devorava, em leitura de menino sedento de saber, os jornais que o patrão recebia de Santa Maria e da capital do Estado.

Em Tupaceretâ nunca foi a uma igreja, nunca viu um padre ou um pastor protestante. Esqueceu-se do que tinha aprendido na escola dominical do Rev. William Morris. 0 domingo era um dia igual os outros para o trabalho.

A esposa do patrão d. Leocádia, filha do cónego Neves, ex-vigário de São Martinho, senhora muito religiosa, armava às vezes uma espécie de altar que enchia de imagens tiradas da gaveta da cómoda. Diante dele ajoelhava-se e orava. Certo dia em suas mãos César viu uma linda Biblia.

Um ano assim passou em Tupaceretâ. Trabalhos e mais trabalhos. Impressões fundas formando o lastro de sua vida.

Ao fim de 1903 seu pai chamou-o a Santa Maria para estudar mais um pouco. Seu pai sempre quis que César estudasse. Muitas vezes lhe disse com os olhos molhados: "Se eu pudesse tu te formarias nalguma coisa".

43PRÍNCIPE DA IGREJA

Para substituí-lo no balcão seu mano Paulo veio

de Santa Maria. Em companhia de um pedreiro espanhol chamado

Avelino o caixeirinho tomou o trem para casa. Levava no bolso um "boliviano" moeda de prata muito comum ao tempo no Rio Grande do Sul e que valia oitenta centavos, presente do patrão. A patroa mais liberal dera-lhe uma nota de dois cruzeiros. Eram a sua fortuna. Havia mais: no bolso, pesando um relógio grande, ordinário, chamado cebolão, presente de seu mano, sempre seu amigo.

EM SANTA MARIA NOVAMENTE

Lá pelas quatro horas da tarde o trem deixou-o em

Santa Maria. O companheiro de viagem, solícito, teve o cuidado de arranjar-lhe um carro tirado por animais. Em caminho o boleeiro parou numa taberna para ... matar a sede... O pequeno viajante saltou aproveitando a parada. Tinha comido tanto pão com salame em toda a viagem que não podia mais de sede. Comprou uma gasosa.

Seus pais não o esperavam naquele dia. Numa das ruas perto da casa viu o pai que ia indo distanciado. Contemplou ao longe, longamente o pai que não o viu. Pulsou-lhe o coração numa profunda sensação de amor filial.

Chegou à casa. Atirou-se aos braços de sua mãe abraçando-a e beijando. Beijou seus irmãozinhos. Pouco depois chegou também o pai. E entre efusões

44NELSON DE GODOY COSTA

de carinho mútuo, do carinho paternal, do carinho filial, ouviu a notícia de que não voltaria mais para Tupaceretâ.

Começou a chorar. Por quê? No lar não era melhor? Na companhia de seus

pais que sempre o estimaram tanto? Que queriam que o menino aprendesse mais alguma coisa? E que o livrariam naturalmente dos maus hábitos, que na companhia de estranhos ia sem saber adquirindo.

0O0

Lembrava-se às vezes de Tupaceretâ. Foi lá que

recebeu a primeira carta na vida. Era de seu amiguinho António Lozza, que também trabalhava numa casa comercial em Porto Alegre.

Em Tupaceretâ assistia à matança de bois em pleno campo, perto da casa. Aquela cena diária o impressionava fortemente.

E, meio envergonhado lembrava-se da única vêz em que foi "embrulhado" no balcão, e juntamente por uma mulher! Ela comprou um vidro de óleo para o cabelo (a vaidosa!) e disse ao menino que depois viria pagar. E não veio até hoje...

OUTRA VÊZ COM OS LIVROS

Foi para a Escola Complementar. Nela reviu seus

professores, Antero José de Almeida, e Nestor de

45PRÍNCIPE DA IGREJA

Oliveira e reavivou a antiga camaradagem com

seus amiguinhos Luiz Fernandes Callage, José Borba e Álvaro Corrêa. Arranjou mais um, Felinto Lopes Bembom.

Na Escola Complementar os estudos eram mais desenvolvidos. César estudou gramática e geometria. Ao lado dos estudos os brinquedos eram também mais interessantes. No recreio jogava gude, fazia corridas, brincava de barra com os coleguinhas.

Ao lado da escola havia um campo onde o menino ia muitas vezes procurar folhas de trevo de quatro ou cinco pétalas, ou erva santa, porque acreditava que davam sorte...

Se davam sorte ou não davam não podia dizer, mas é certo que vizinha de sua casa morava uma menina chamada Corina Canduro, e sempre iam juntos à escola. Como era curto o caminho da escola! Certo dia a menina viu o menino triste. Seria paixão? Não; tinha perdido o lápis. Muito carinhosa deu-lhe prontamente o seu. Essa menina César nunca mais a viu. não sabe se ainda vive. Lembra-se porém dela, e principalmente de seu coraçãozinho, que sendo pequenino já sabia ser bonito.

Eram, também seus vizinhos e seus amiguinhos dois irmãos, Júlio e Setembrino de Campos.

Desse tempo restaram algumas impressões na alma do menino. Seus companheiros mostraram-lhe o lugar onde um estudante matou outro com profunda facada. Duas vezes escapou de ser picado por

46NELSON DE GODOY COSTA

serpentes; a primeira foi num campo e a segunda

no quintal da casa de Felinto Lopes Bembom. Quase que o Felinto não ficou mais sendo bem bom...

Outra impressão que nunca mais se apagou de sua lembrança foi o castigo imerecido que sofreu por parte da negligência de um professor. Teve de ficar duas horas na cafua da escola. Cafua era um quarto escuro, completamente fechado. Nunca mais se esqueceu da injustiça do professor.

Tinha também suas grandes alegrias. Certa noite tentou escrever uma poesia. Escreveu e mostrou-a a seu pai. E até hoje não sabe por que naquela mesma noite disse ao pai que já estava espantado com a poesia essa coisa assombrosa:

Queria ser presidente da França.

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CAPÍTULO QUARTO

FATOS EXTRAORDINÁRIOS

Dois incidentes dos quais até hoje guarda lem-brança mais viva, pois dizem respeito a fatos singulares que testemunhou na casa em que morava. Seu pai tinha feito um "puxado", (suplemento à casa), no fundo para servir de quarto a César e a seu mano Paulo que logo voltaria de Tupaceretâ.

Enquanto seu irmão não vinha César dormia sozinho no quartinho. Todas as noites, tarde da noite, ouvia o ruido surdo de correntes que se arrastavam ao longo da parede junto a qual dormia. Parecia-lhe ser algum cão fugido que à procura de ossos por ali farejava arrastando as correntes.

Muito mais tarde, anos depois, leu a biografia de John Wesley e concluiu que em sua casa dava-se fenómeno de igual natureza. Também muito mais tarde por esclarecimentos de outros ligou ao fato de ter desenterrado junto ao tronco de uma laranjeira que ficava perto da parede, ao lado da qual dormia, um

48NELSON DE GODOY COSTA

estribo, um machado e o cano de uma garrucha,

objetos de alguém talvez ali assassinado. O segundo fenómeno que testemunhou por esse

tempo foi um andar lento, demorado, de tamancos do quarto de sua mãe para o seu quarto. Acordou com o rumor. Observou-o por longo tempo pensando que era sua mãe. Lembrou-se, porém, que sua mãe não usava tamancos dentro de casa. Procurou ver quem era que andava dentro da casa de um lado para outro. Não viu ninguém. Gritou.

Sua mãe já estava acordada ouvindo o mesmo barulho. Chamou-o. Acenderam o lampião, revistaram a casa toda e nada encontraram.

Atribuíram o acontecido a uns papéis velhos, muito velhos, cheios de orações que certa moça, de sejando libertar-se das garras de sua tia muito má, Maria Jerônima de Quadros, tinha pedido a uma feiticeira.

Essa moça, Ritinha, presa em casa, não podia ir ao centro da cidade, pedira à mãe de César que mandasse atirar os papéis na direção do altar-mór da Igreja da Matriz. A boa senhora, muito ocupada sempre, esqueceu-se porém e os papéis ficaram por ali rolando.

A verdade é que no dia seguinte, logo de manhã, a senhora mandou o menino atirar os famigerados papéis na direção do altar-mór.

César foi mais que depressa. Atirou-os da porta com tanta força, que até hoje receia tenham os papéis atingido, profanado alguma imagem.

49CAPÍTULO QUINTO

HORIZONTES DO METODISMO

No ano de 1900 a Igreja Metodista abriu trabalho

em Santa Maria. O Rev. J. W. Price alugou uma sala na rua do Comércio, entre a praça do Mercado e a rua Marquês de Herval.

A Igreja Episcopal já se havia adiantado, porém e quando a Igreja Metodista chegou todos os elementos simpáticos ao Evangelho já tinham sido arrebanhados por aquela igreja que persistiu no seu esforço de proselitismo.

Em fins de 1901 o Rev. J. W. Price recebeu um pastor ajudante, o jovem António Fatrício Fraga, que em 1902 foi para o Colégio Granbery, de Juiz de Fora, preparar-se convenientemente para o Santo Ministério, em vista de sua decidida vocação confirmada nos meses em que auxiliou o missionário.

50NELSON DE GODOY COSTA

O pai de César descobriu a sala de cultos da

Igreja Metodista e imediatamente principiou a frequentá-la. Levou seus filhos. César, seus irmãos menores, suas irmãzinhas iam muito contentes, porque foram recebidos com todo o carinho pelo casal, que lhes ensinava cantar os hinos que pela sua beleza sempre causaram funda impressão na alma pequenina. Assistiam às reuniões com verdadeiro prazer; em certos dias da semana distraíam-se em leituras de livros interessantes e em outros dias entregavam-se a trabalhos manuais de que gostavam imensamente.

César tinha nove anos. Era um menino forte e gordinho. Lembra-se com viva emoção da primeira poesia, seu primeiro recitativozinho na primeira festa de Natal da Igreja Metodista. Principiou trémulo na frente de toda aquela gente mas depois sua voz foi se firmando e terminou bem com sorrisos de aprovação de todo o auditório. Desceu vitorioso do palco.

Terminados os recitativos veio a hora dos pre-sentes, a hora melhor para a gurizada. Cada criança atirava um anzol improvisado sobre uma colcha que cobria parte de uma porta aos fundos, e dizia seu nome. Chegou a vez de César. A mãozinha gordinha atirou o anzol, tirou um cartuchinho de doces e um Novo Testamento pequenino.

Mais tarde a sala de cultos passou para uma casa na esquina das ruas Duque de Caxias e Coronel Niderauer, com frente para a praça do Mercado.

Em 1906 o moço António Patrício Fraga tornou

51PRÍNCIPE DA IGREJA

a Santa Maria como pastor sucedendo a J. W. Price. Encontrou César com a idade de treze anos assíduo aos trabalhos, firme na Igreja, sempre entusiasta revelando já o extraordinário trabalhador que seria mais tarde, que sempre foi em toda a vida.

A Igreja Episcopal continuava em luta aberta. É o próprio Rev. António Patrício Fraga, hoje aposentado, depois de longo ministério, quem nos diz: bastava uma pessoa principiar a assistir os cultos na Igreja Metodista para se tornar vítima de tantos convites, acompanhados de tantas argumentações, que só não "bandeava" se fosse realmente forte.

César sofreu esses "ataques". Tratando-se de um menino esperançoso, que em tudo se revelava extraordinário, os convites multiplicavam-se tornavam-se insistentes, impertinentes. 0 menino, porém, desde o princípio foi metodista de verdade.

Enquanto Fraga estava em Juiz de Fora, estudando, aconteceu na igreja qualquer coisa de que o pai de César não gostou. Afastou-se do trabalho para nunca mais frequentá-lo com assiduidade. Hoje César lamenta profundamente que estando seu pai tão interessado na igreja e procurando interessar seus filhos e encaminhá-los, não recebesse uma visita do pastor.

Será isso que leva hoje o primeiro bispo brasileiro da Igreja Metodista do Brasil a pedir, a insistir, a exigir dos pastores metodistas que visitem assiduamente, cuidadosamente os membros da Igreja e os candidatos à profissão de fé? Nos seus olhos paira a

52NELSON DE GODOY COSTA

visão tristonha de seu pai abandonando

tristemente a igreja e pelo pastor abandonado, criminosamente.

"Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a sua vida pelas suas ovelhas".

Foi naquela escola dominical dirigida carinho-samente por d. Elisa, a esposa do Rev. J. W. Price, que aos olhos do menino surgiram os primeiros horizontes do Metodismo.

BRINCANDO DE FAZER CULTOS Todas as crianças gostam de brincar e con-

seguem justamente muitas vezes a brincadeira de sua predileção. César não se lembra bem como foi, mas o fato é que uma Biblia veio parar-lhe as mãos. Diante do livro misterioso perdia-se em cogitações. Procurava lê-lo e compreender-lhe o mistério. Um dia entendeu que a Biblia podia ajudá-lo a dirigir culto; foi para o grande depósito de material de construção que seu pai tinha construído ao lado da casa. Chamou seus irmãozinhos que o acompanharam curiosos e com eles formou uma congregação. Subiu a uma pilha de tábuas e daquele púlpito anunciou os hinos, fêz oração, proferiu o sermão.

Foi bem sucedido porque seus irmãozinhos gostaram do brinquedo e repetiu-o muitas vezes. Hoje gostaria de ser um de seus maninhos naquela congregação, cantando hinos, ouvindo as orações, escutando os sermões, naqueles cultinhos de brinquedo da infância tão querida, tão saudosa e distanciada para nunca mais.

53PRÍNCIPE DA IGREJA

UM BOM PASTOR

Foi então para Santa Maria um dos ministros que por sua educação esmerada, sua piedade admirável, seu esforço invencível mais se erguem no conceito e na admiração de César Dacorso Filho. É o Rev. José Leonel Lopes. Logo que chegou transferiu a sala das reuniões para a rua do Acampamento. O menino agora levado pela admiração que votava ao pastor e não só era assíduo aos trabalhos, como ainda muitas vezes ia à sua residência, uma linda chácara no Alto da Eira, com ameixeiras que constituíam as delícias do pequeno visitante. Não só se deliciava com as ameixas. Serviçal, oferecia-se para ajudá-lo e o Rev. Leonel Lopes sabendo que êle tinha letra bonita pedia-lhe que o auxiliasse na transcrição das atas das Conferências Trimensais. Foi o único pastor que visitava a família, apesar da frieza religiosa dos Dacorso. Reunia todos na sala, ensinava-lhes hinos, orava com todos. César Dacorso Filho agradece a Deus pela influência que esse pastor exerceu sobre sua vida. Quando me propus a escrever a biografia de César Dacorso Filho não pensava que um dia viria a ser pastor de uma mulher extraordinária. Esta senhora é a viúva do Rev. José Leonel Lopes. Reside em Piracicaba, minha paróquia. É d. Jovita de Araújo Lopes uma encantadora anciã pequenina, magrinha,

54NELSON DB GODOT COSTA

delicada, já vitoriosa sobre sua vida em setenta e seis anos.

Na primeira visita pastoral que lbe fiz procurei ouvi-la. Dona Jovita lembra-se com saudades de Santa Maria, do Rio Grande do Sul. Recorda-se muito do Bispo César. E guarda carinhosa a glória de ter sido professora de César Dacorso Filho na Escola Dominical. Diz emocionada: "Era um menino educado, comportado circunspéto e que sempre sabia muito bem a lição".

No Concílio Regional, em janeiro de 1953, o Bispo veio à Piracicaba. Encontrou dona Jovita numa das recepções do Instituto Piracicabano, à hora da fotografia oficial. Perguntei-lhe sorrindo: "Conhece-o dona Jovita? Respondeu-me emocionada: "É o nosso Bispo. O Bispo César foi além. Emocionado, sorrindo disse: "É minha mãezinha!

Corri, apanhei uma cadeira, coloquei-a na primeira fila. E entre os grandes da Igreja foi fotografada aquela mulher extraordinária que tinha sabido ser esposa de um grande pastor, de um bom pastor, o Bev. José Leonel Lopes.

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CAPÍTULO SEXTO

APRENDIZ DE TIPÓGRAFO A situação financeira da família Dacorso voltou a tornar-se difícil, novamente, e o menino não pôde continuar na Escola Complementar por mais de um ano. Principiou a trabalhar numa tipografia que publicava "0 Combatente" jornal antigo em Santa Maria, dirigido então por Oto Brinckman e redigido por João Belém, escritor de nome no Sul, autor da História do município de Santa Maria. O menino trabalhava com gosto e por isso mesmo trabalhava bastante. Era natural que esperasse receber alguma coisa no fim do mês. Veio o fim do mês. Nada recebeu. No mês seguinte trabalhou mais ainda. E, ainda o diretor aumentou-lhe a carga, dando-lhe a entrega do jornal numa parte da cidade. Ainda mais: tiveram de mudar a tipografia para um prédio pouco a cima na rua do Comércio e o menino quase se matou de

56NELSON DE GODOY COSTA

tanto carregar caixas vazias c caixas cheias de tipos.

No fim do mês recebeu um ordenado fabuloso: dez cruzeiros!

UM MENINO RESOLVE MUDAR DE VIDA Era muito pouco dinheiro para tanto trabalho. Era

muito desaforo também. O menino resolveu voltar para o comércio. Desde que não podia ser intelectual no jornalismo seria comerciante. . .. Empregou-se, sentindo a injustiça e o "tubaronismo" do diretor do jornal. Foi trabalhar na casa de secos e molhados de Arnaldo Ferreira da Silva, natural da Candelária, estabelecido entre as ruas Duque de Caxias c do Comércio, hoje Dr. Bozano.

No balcão, às vezes César lembrava-se da tipografia do "Combatente". Lembrava-se por exemplo daquele fato que até hoje não explica. Foi assim: Certo dia o dono da tipografia mandou-o lavar uns quadros, juntamente com o companheiro de trabalho, um menino chamado Nobre. César estava aborrecido e em dado momento, meio irritado disse a Nobre: "tomara que esses vidros se quebrassem!" Pois não é que ao colocar um vidro com todo o cuidado sobre uma pedra, o vidro quebrou-se de alto a baixo!

0 fato testemunhado por outros companheiros causou funda impressão. Causou funda impressão também a zanga do patrão. Ficou furioso por causa de um simples vidro! Ficou como louco!

57PRÍNCIPE DA IGREJA

Pudera! O coitado entrou marcado neste mundo. Cabeça enorme, barriga de mono, pernas pequeníssimas, ressequidas, pés torcidos, pelo que usava muletas. Usava cavanhaque e o linguajar era sujo e vulgar. Nada porém, importava a César. Esses sofrimentos iam robustecendo a alma do menino, preparando-o para vencer sofrimentos maiores, mesmo no episcopado, do menino que aprendeu depressa todo o trabalho da tipografia, que o executou prontamente, com honestidade. E que jamais tirou, jamais furtou sequer um tipo. Em meio aos trabalhos do balcão lembrava-se também do "O Bicho". "O Bicho" era um jornalzinho que tentou publicar com o auxílio de Luiz Fernandes Calage, quando estudante da escola complementar. O Luiz tinha meio quilo de tipos imprestáveis, distribuídos em caixas de fósforos pregadas numa tábua. 0 prelo feito na casa de César eram duas tábuas ligadas por dobradiças. Um amigo deu-lhes tinta sobrada de umas latas jogadas no lixo. Quando ganhavam um níquel iam correndo comprar papel e imprimiam o jornal. Chegaram ao heroísmo de ter clichés de pau. O jornalzinho chegou a sair umas dez vezes. Foi uma vitória! Depois, coitado, faliu. Mas faliu por falta de assinaturas e de leitores. Não foi por outra coisa! Hoje César gostaria de possuir a coleção desse jornalzinho para se deliciar com o que, quase redator exclusivo, publicava. Um artigo que escreveu e que

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naquele tempo causou viva admiração ao seu companheiro de imprensa, o Lizoca, Luiz Fernandes Calage, lembra-se muito bem, foi sobre a Liberdade.

----- 0O0 ---- Quase todo o ano de 1905 César passou como caixeiro de Arnaldo Ferreira no velhissimo sobrado da esquina da rua Duque de Caxias com a rua Dr. Bozano, naquele tempo, rua do Comércio. Era seu companheiro de serviço um rapaz chamado João, filho de um alemão, Henrique Pauster, rapaz que frequentava os cultos e chegou a ser membro da Igreja Metodista, ao tempo do Rev. J. W. Price. Muito mais velho que César deveria ser um bom exemplo para o menino; infelizmente não o foi antes o prejudicou bastante. César levou para o episcopado a lição de que maus membros de igrejas, crentes péssimos há em todas as paróquias. Tinha aprendido em menino a lição. A esses crentes o Bispo tratou com paternidade, mas com energia verdadeira. Cânones com essa gente 1 O novo caixeirinho passou a dormir num armazém contíguo à loja, em cima de uma armação de madeira, perto de onde dormia o companheiro de balcão. João saía todas as noites. Fechava o armazém por fora e o pobre menino ficava trancado lá dentro das oito horas em diante, nunca vendo quando o moço chegava, muito tarde, naturalmente. Aos domingos César tinha folga e ia para casa de seus pais.

59PRÍNCIPE DA IGREJA

No serviço levantava-se muito cedo, quando ainda era escuro, ia à casa do patrão buscar a chave da loja. O patrão morava a uns duzentos melros, na praça dos Protestantes. César voltava, abria a loja, uma mistura de armarinhos e secos e molhados, varia e espanava-a muito bem. Depois que o patrão chegava e que o João ia tomar café, por último ia o menino. Na casa do patrão tomava as refeições. Na loja arrumava as mercadorias, picava fumo para o patrão, servia-o com chimarrão, entregava as compras e entregando-as punha-se em longas caminhadas sob uma soalheira incrível com uma arroba de açúcar às costas, ou um embrulho enorme de fazendas docndo-lhe os braços. Nesse tempo nada estudou. Trabalhava desde a madrugada até altas horas da noite, sem descanso de um momento. Depois caía vencido de sono. Era vergonhosamente explorado. Seu patrão pagava-lhe apenas dez cruzeiros por mês! Foi nesse tempo que principiou colecionar selos; seu companheiro também colecionava. Reunindo aqueles primeiros selos, guardando-os com cuidado o menino já pensava numa grande coleção. Hoje possui-na. As injustiças do patrão, o mau exemplo do companheiro, as desonestidades do comércio testemunhadas a todo o instante não macularam, felizmente, o pequenino coração que se abria para o grande sol da vida.

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Tinha, é verdade, deixado um pouco a religião. Quase não ia à igreja. Certo dia porém, encontrando o Rev. José Leonel Lopes a poria do correio, corou, ficou envergonhado. Por quê? É que em sua alma pequenina havia acenos insistentes para o bem contra o qual o mal não poderia. Dedicado ao serviço, não abandonava a loja. Só uma vez saiu para ir à casa; foi ver um irmão que se havia queimado. Um dia absorto no trabalho esqueceu-se de que estava no alto de uma escada encoslada à prateleira. Perdeu o equilíbrio, rodopiou, foi ao chão. Não se machucou mas causou um susto em toda a freguesia.

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Certa manhã varria a loja quando se deu formidável estrondo no fundo da casa. César assustou-se, correu para dentro a ver o que era, procurou por toda a parte e não achou nada. Que teria sido? Depois de muito tempo descobriu. Era um garrafão cheio de melado até a boca, muito bem arrolhado. O melado azedou e estourou. O patrão era doido por melado, mas miserável, esquecia-se de que os outros gostavam também e nunca lhes oferecia. O garrafão estourou, o melado entornou e o menino sorriu deliciado. Depois de algum tempo César achou que era desaforo ficar trancado á chave no armazém, enquanto seu companheiro gozava plena liberdade lá fora até

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quando queria. Arranjou uma chave em casa. Mas a chave não servia na fechadura. Por azar deixou-a em cima da cama, na armação onde dormia. 0 patrão foi ali deitar-se para a sesta, segundo seu costume, e encontrou a chave. Chamou o menino e principiou a interrogá-lo: "de quem era aquela chave, quem tinha trazido-a ali, por que estava em cima da cama." Um longo interrogatório por uma coisa pequenina, sem importância. César a princípio achou ser desaforo e quis negar, mas lembrou-se de que era homem. Respondeu firme: "a chave é minha e trouxe-a de casa." Até hoje não sabe se o patrão desconfiou que a chave fora arranjada com o propósito gorado de entrar na loja bem tarde da noite, como se o menino fosse um homem...

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César nunca pôde guardar lembranças agradáveis de seu companheiro de trabalho, que procurava tudo para aborrecê-lo. Sempre estava a esquentar a cabeça de César. Num dia em que o menino estava picando fumo para o patrão, aborrecido pela natureza do serviço que não gostava de fazer, o João principiou a aborrecê-lo. Esquenta e mais esquenta-lhe a cabeça, César que estava com um facão ameaçou de cortar-lhe o dedo que o João apontava-lhe provocando-o. Quando César dava-lhe o golpe o outro encolhia o dedo. Mas chegou a vez do menino acertar e o dedo ficou pendurado. Quando César viu o sangue

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esguichando ficou tranzido de dor e de susto. O

companheiro, porém, foi honesto. Reconheceu que a culpa era dele mesmo e de mais ninguém. Serviu-lhe a lição: provocar a ira aos outros nunca dá bom resultado.

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Um fato que causou funda impressão na alma do

menino foi a fuga de seus dois amiguinhos, Luiz Fernandes Calage e José Borba. Os garotos foram para Porto Alegre, procurando alcançar o Rio de Janeiro. Queriam conhecer o mundo. César lembrando-se das vezes em que, juntos sonhavam com a conquista do mundo, sentiu deveras não ter ido junto com eles na aventura. Poucos dias depois tudo foi por água a baixo. Os dois sonhadores regressaram acompanhados de investigadores policiais.

Inspirado por esse acontecimento, um verdadeiro acontecimento na vida do menino, César escreveu o seu primeiro artigo. Quantos depois daquele iria escrever nunca o soube, e quantos escreveu. Uma coisa sabe, porém: lamentar o desaparecimento daquele primeiro artiguinho que êle mesmo reputava, êle mesmo, uma grande peça literária.

Já então andava calçado. Seus sapatos eram de lona como os atuais chinelos de "roda". Tinha vontade imensa de ter um terninho, uma "fatiota" como se diz no Sul, de certa fazenda que morava nas prateleiras da loja. Nunca entretanto, conseguiu bas-

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tante dinheiro para isso e o miserável do patrão jamais pensou em dar-lhe um terninho de presente.

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Mistérios do coração de uma criança... Havia uma menina vizinha. Era linda e chamava-se Felicidade. Às vezes passava pela porta da loja. E, então o menino ficava todo refestelado, todo contente, porque gostava muito dela. Passava, ia embora e os olhos dele a acompanhavam até sumir na esquina ou entrar em casa. Sabia que a queria mas nunca soube se algum dia foi querido...

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O velho Henrique, pai do companheiro de balcão,

todas as manhãs vinha ao armazém, e sem mais nem menos, dirigia-se ao barril de pinga, enchia um copito e o entornava na garganta. Nunca perguntou a César quanto custava ou quanto tinha de pagar, e aquilo intrigava muito ao menino. Por que faria? Pensaria ter direito pelo fato do filho ser caixeiro, ou abusava de César ser um garoto, ou o dono tinha dado licença o que era difícil, aquele miserável, de quem um dia o garrafão de melado estourou, derramou...

A primeira vêz que César viu elefantes foi na chegada de um circo de cavalinhos. Ficaram "hospedados" numa estrebaria abandonada na casa do velho Henrique, e no domingo cedo o João veio

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NELSON DE GODOY COSTA chamá-lo para ver os bichos. Estava todo importante com o convite. Pudera! eram seus hóspedes... Paulo, o irmão mais velho de César estava colocado como telegrafista e escriturário na Viação Férrea do Rio Grande do Sul, trabalhando no escritório do chefe do Tráfego. Conseguiu que César fosse admitido como praticante de telegrafista e escriturário ao mesmo tempo. Contentíssimo o caixeirinho deixou imediatamente a loja do Arnaldo, sem lhe dar qualquer satisfação, mesmo porque o patrão estava viajando naquele dia. Seu pai é que depois foi delicadamente apresentar desculpas e ajustar as contas. Quando chegou à casa não trazia de todos os trabalhos e canseiras, das humilhações e desapon-tamentos, não trazia mais do que sete cruzeiros sujos e magros.

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CAPÍTULO SÉTIMO

NA VIAÇÃO FÉRREA DO RIO GRANDE DO SUL

No dia dois de dezembro de 1906 o ex-caixeirinho do armazém do Arnaldo foi admitido como praticante de telegrafia.

Ficou trabalhando no escritório do chefe do Tráfego, onde havia um aparelho para o chefe, para o sub-chefe e para o inspetor da Primeira Seção. Aproveitando a oportunidade de estar num escritório de responsabilidade, o menino sedento de saber foi se enfronhando nas horas vagas dos serviços de escrita e outros que ali se faziam.

No dia 1.° de agosto foi promovido a telegrafista. Praticou telegrafia quanto pôde, mas aos poucos foi deixando, pois era chamado para cuidar do ponto do pessoal do tráfego, da expedição da correspondência,

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NELSON DE GODOY COSTA da correção dos horários dos trens, do diagrama dos trens que corriam diariamente, do cálculo da qui-lometragem vencida pelos comboios, das folhas de pagamento e do arquivo por êle mesmo organizado. O chefe do Tráfego era um alemão de poucos amigos. Inspirava repulsa e medo ao jovem funcionário que sempre evitava atender-lhe a campainha. O sub-chefe era um gaúcho distintíssimo que, principiando a carreira como simples contínuo conseguiu pelo seu valor ir subindo a telegrafista, conferente, agente, inspetor. Chamava-se Alfredo Leopoldo d'Ávila. O Inspetor da primeira seção era o Dr. Otacílio Pereira, glória da engenharia gaúcha, hoje chefe da Viação Férrea. No escritório o menino de 16 anos trabalhava com prazer. No fim do segundo mês recebeu seu ordenadozinho de praticante; trinta e cinco cruzeiros. Caprichava na letra. Tem-na muito bonita. Procurava ter tudo em ordem. Na alegria do trabalho chegou a fazer serão por conta própria. Seguidamente ficava além das horas de serviço regular para atender, com satisfação, os chefes. Organizou um arquivo que me-receu elogios fartos dos superiores. 0 papel solicitado, qualquer que fosse, onde quer que se encontrasse, de qualquer data, era-lhes em poucos momentos posto às mãos. Seu mano Paulo, companheiro de escritório, esmerava-se também no cuidado para com as obrigações.

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Seu salário foi melhorando aos poucos, até que, quando deixou a Viação Férrea, já estava rece-bendo cento e setenta e cinco cruzeiros, que, com as gratificações, era maior do que o de muitos escriturários e agentes de estação.

César não pode deixar de estremecer ao lembrar-se, ainda hoje, que quase foi causador de um encontro de trens. Foi assim: os comboios corriam entre as estações de Couto e Rio Pardo e o jovem tinha transmitido um telegrama em que a palavra loc (locomotiva) aparecia diversas vezes, sempre seguida de números. A linha estava muito ruim e o telegrafista que recebia o telegrama a todo o momento interrompia, pedindo confirmação. Repete que repete César saltou uma linha produzindo a confusão. Mais tarde viu a fita do aparelho de Rio Pardo enviada para exame. Sua falta era grande, realmente quase um crime. Sentia que não tinha desculpas embora soubesse que poderia ter acontecido com qualquer telegrafista, mesmo o mais cuidadoso.

Sabia igualmente que era melhor escriturário do que telegrafista, ou pelo menos que gostava mais daquele serviço embora fosse bom telegrafista e seu exame para promoção tivesse como assistente o próprio sub-chefe.

Outro fato de que o jovem de Santa Maria não se esquece foi o seguinte: num dia de chuva não foi almoçar em casa, que era longe. Ficou no escritório, e como fazia muito frio, resolveu encher a estufa de

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carvão de pedra para aquecer o escritório. Certamente seus chefes ficariam contentes com o espirito serviçal do auxiliar. Foi pondo carvão, foi enchendo, e mais e mais até que quando percebeu a chaminé já estava rubra e das tábuas do forro saia fumaça. Não teve outra alternativa senão gritar pedindo socorro. Acudiram em tempo e evitaram que o escritório pe-gasse fogo. Foi um susto bem grande.

AFINAL ESCRITURÁRIO Em 1.° de julho de 1909 foi nomeado escriturário do Serviço Central do Tráfego. Tinha 18 anos. O tempo em que passou na Viação foi um dos mais decisivos em sua vida. O escritório em que trabalhava ficava nas pro-ximidades da estação da estrada de ferro e o jovem escriturário morava do outro lado da cidade. Para atender ao trabalho caminhava cerca de oito mil metros por dia em duas idas e voltas. Quem conhece o inverno sulino, o frio, a lama, ou quem conhece o calor esturricante do verão com-prenderá facilmente o sacrifício que essas caminhadas representavam. César fazia contudo essas verdadeiras jornadas com alegria na alma. Estava firmando-se nas cordas da Vida. Tinham ficado para atrás as horas esta-fantes de simples caixeirinho de balcão. Não! Êle sentia que sua vida não seria a de um apagado

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PRÍNCIPE DA IGREJA caixeirinho de balcão. Não teria mais a companhia prejudicial de um mau companheiro, de um moço mais velho que ele, e, que apesar de pertencer a uma igreja evangélica lhe dava maus conselhos e maus exemplos. Não viveria a vida toda subordinado a um patrão miserável que só pensava em si e que não tinha uma palavra de estímulo ou de agradecimento para com aqueles que se matavam para que êle se enriquecesse. Foi essa a impressão robustecida pro-vada pela expressão lida no rosto de seu pai ao chegar à casa naquela tarde trazendo depois de tantas canseiras, tantos trabalhos e tantas humilhações aqueles sete cruzeiros sujos e magros. Não, não seria assim! A Viação Férrea era um passo a mais. E seus pés se estenderiam, alcançariam maiores distâncias, erguer-se-iam, atingiriam alturas maiores. Atirou-se novamente aos estudos. Estudar sempre foi o seu grande sonho; estudar, conhecer, saber, sim, saber muito! Principiou a frequentar as aulas noturnas dadas pelo vice-cônsul italiano, Ancarani; depois passou para a escola do professor Cícero Barreto, à rua Dr. Bozano. Mais tarde tomou lições com o Bev. António Patrício Fraga, pastor da Igreja Metodista a esse tempo. Havia um missionário adventista, muito bom, Dr. Gregory. 0 moço fez amizade com êle, ganhou-lhe o coração, e principiou a estudar inglês. Esses estudos que eram seu prazer e suas mais

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caras esperanças exigiam-lhe sacrifícios; êle porém os faria, faria ainda maiores se fosse preciso. Que era andar ainda mais seis quilómetros todos os dias e ir para a casa jantar às nove horas da noite e depois continuar sobre os livros até altas horas? Principiou a guardar algumas economias de seu pequeno salário e com elas comprava livros, histórias, romances, gramáticas; leu toda a coleção de Samuel Smiles. O primeiro romance que leu foi "O Moço Loiro". Leu muitos livros de Alexandre Herculano e de toda a literatura portuguesa. Livros vinham dia a dia enriquecendo sua pobre prateleira. A princípio guardava-os em casa. Depois conseguiu, com seu mano Paulo, muito seu amigo sempre, alugar um quarto no centro da cidade. O inverno era rigoroso e as caminhadas penosas para o serviço. O quarto não tinha luz elétrica. Um lampião de querosene barato iluminava o moço e o livro.

NOVOS E BONS AMIGOS Fêz novas amizades', ganhou novos e bons amigos. Um deles era um moço chamado Oswaldo Nascimento seu vizinho; entre o filho do construtor e o filho do quitandeiro alicerçou-se uma amizade bonita, fortalecida pela mesma predileção pelos livros, a mesma vontade imperiosa de saber. Outra e talvez mais bela afinidade ligou-o a dois irmãos, João e Efraim Salém. Foi a afinidade espiritual que prendeu em suas forças benditas os três rapazes crentes, sin-

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PRÍNCIPE DA IGREJA ceros e piedosos e César Dacorso Filho hendiz até hoje essa amizade que lhe foi bem extraordinário na fi-xação de seu caráter cristão. Eram uma companhia agradável com quem César gostava de andar, a quem gostava de visitar e de quem gostava de ser visitado. Económico, muito económico desde menino, principiou a depositar na Caixa Económica algumas economias. Com alegrias cantando dentro da alma começou a ajudar seus pais; ajudou sua irmã que ia casar-se e ainda sobraram-lhe cruzeiros que a êle mesmo, mais tarde o ajudaram muito, muito mesmo.

A GRANDE DECISÃO

Chegou afinal a grande decisão. Jovem sensato, trabalhador, fitando a Vida como quem realmente conhece nela o seu sentido de extraordinária divindade inspirada pelo próprio Autor, César ouviu o chamado transcedental da vocação. Atendeu-o pronta e resolutamente. A voz chamava-o para o Ministério Santo da pregação do Evangelho e da administração da Igreja de Cristo na terra. César seria pastor. Em outro capitulo falaremos demoradamente de sua conversão. Atenderemos ao desejo natural de nossos amáveis leitores em saber da conversão do primeiro Bispo brasileiro da Igreja Metodista do Brasil.

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NELSON DE GODOY COSTA Em 18 de setembro de 1910 pediu demissão da Viação Férrea do Rio Grande do Sul. Ia matricular-se como candidato ao Santo Ministério no Colégio União, de Uruguaiana, no mesmo Rio Grande do Sul. Continuava estudando inglês agora com o Rev. James Terrell, missionário em Santa Maria. Tinha conquistado na Viação Férrea e na cidade, entre homens de valor, um grande círculo de amizades. Quando foi apresentar suas despedidas recebeu dos chefes o seguinte certificado: "Certifico que o Sr. César Dacorso Filho foi admitido na Viação Férrea do Rio Grande do Sul, na qualidade de praticante de telegrafia, em 2 de dezembro de 1906; promovido a telegrafista em 1.° de agosto de 1907 e nomeado em 1.° de julho de 1909, escriturário do Serviço Central do Tráfego, cargo que ocupou até a presente data em que lhe é concedida exoneração a seu pedido. "É grato consignar que demonstrou sempre ati-vidade, inteligência e zelo no cumprimento dos serviços que lhe foram confiados, merecendo por tais predicados os louvores e a confiança de seus superiores. Santa Maria, 18 de setembro de 1910. O chefe do Tráfego, M. Renaduce Visto. O diretor interino, F. von Rock Hoje, como seus superiores outrora, superior na hierarquia eclesiástica, César Dacorso Filho pode exigir dos superintendentes distritais e dos pastores zelo no cumprimento do pastorado. Êle dá o exemplo. Escrevia em 25 de abril de 1941: "... continuo sob

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pressão tremenda de trabalho. Diariamente das 6,30 da manhã até alta noite me entrego ao esforço de me-lhorar a administração, a organização, a espiritua-lidade da Igreja por meio de cartas circulares e outros trabalhos. Estou cansado". Em outra ocasião escreveu: "O episcopado vai se tornando cada vez coisa mais trabalhosa e absorvente. Agora estou trabalhando sem cessar das 5,30 da manhã às onze da noite para dar conta de minhas obrigações. Eu mesmo me admiro como posso aguentar tanta coisa". Pode exigir! Porque, quando subordinado, ofereceu aos seus superiores exemplo admirável no cumprimento do dever.

PENSA INICIAR-SE EM POLÍTICA... ... O CORAÇÃO ENSAIA ALGUNS PASSOS...

Ao tempo de seu trabalho na Viação Férrea principiou a tomar interesse pela política. Seu entusiasmo cresceu quando chegou a campanha para a presidência da República ferida entre Rui Barbosa e o Marechal Hermes da Fonseca. O jovem de 18 anos abraçou calorosamente a causa de Rui. Fez extraor-dinária propaganda, conseguiu qualificar vários elei-tores para a Águia de Haia. Dezoito anos. O coração ensaia alguns passos. .. Teriam sido os primeiros? E aquela menininha bo-nitinha que passava pela frente do armazém do Arnaldo?... Mas... seriam naquele tempo os primeiros passos...

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NELSON DE GODOY COSTA Agora o coração tinha mesmo despertado e César gostou, gostou com simplicidade, mas gostou verdadeiramente de uma jovem bonita chamada Francisca e conhecida entre os íntimos pelo seu apelido, Chiquinha. Crente, piedosa e simples, Chiquinha exerceu notável influência na vida espiritual de funcionário da Viação Férrea. Colaborou eficazmente no melhoramento de sua vida espiritual, nas atividades da Igreja Metodista, na sua profissão de fé. Tudo iria para adiante naquela amizade bonita; acontece porém, que os pais da jovem residiam em Porto Alegre c ela voltou para a capital sul riograndense, e embora muitos cantem naquele hino que "a distância não apaga o amor" a verdade é que o amor apagou-se na distância. A jovem esqueceu-se do moço de Santa Maria e substituiu-o por um moço de Porto Alegre. Por que fêz isso? Não era ela quem lhe passava bilhetinhos apaixonados quando César a cumpri-mentava ou se despedia dela nos encontros rápidos e medrosos, bilhetinhos que falavam de um amor que nunca haveria de morrer? Às vezes o moço passava pela residência da menina e procurava falar-lhe. Multiplicaram-se os encontros à porta da casa da moça e uma vêz foram surpreendidos pelo Rev. António Patrício Fraga e esposa, de quem a jovem era irmã e cunhada. Sur-preenderam os pombinhos mas não lhes disseram coisa alguma. Por que dizer? O amor não é uma coisa tão boa e namorar não é tão gostoso?

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PRÍNCIPE DA IGREJA Essa foi a ingrata que o deixou pelo moço da capital. O coração humano é eternamente um mistério indecifrável. César, esquecido pela jovem de Porto Alegre, procurou outro amor. Era uma cunhadinha do mesmo Rev. António Patrício Fraga. As coisas prin-cipiaram bem, foram melhorando, melhorando mais; melhoraram ainda mais e quando de tão bem já iam em noivado, a cunhadinha do reverendo despediu-o. Coração eternamente indecifrável! em frente ao escritório onde o escriturário trabalhava havia uma linda jovem que nutria verdadeira paixão por êle. César bem queria correspondcr-lhe o afeio. Como porém, se eslava comprometido com a oulra, a oulra que o despediu...

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CAPÍTULO OITAVO

A CONVERSÃO DE CÉSAR DACORSO FILHO

Penetremos mais a vida religiosa da família Dacorso, os pais e irmãos de César Dacorso Filho. Seu pai, chefe e responsável pela família era católico liberalíssimo, desgostoso de padres e da Igreja. Não frequentava a Igreja, não confessava, não comungava. Batizava os filhos, acreditando cumprir um dever re-ligioso e com eles acompanhava algumas vezes uma ou outra procissão. Lia muito Cavour, Mazzini e outros semi--adversários do Catolicismo, e por isso tinha regular conhecimento da História do Romanismo. Não conhecia a Bíblia. Somente veio a conhecê-la muitos anos mais tarde, quando o filho convertido lhe fêz presente de uma. Prontamente principiou a lê-la e formou o hábito de lê-la todos os domingos de manhã. E, imediatamente o livro miraculoso realizou um milagre: o homem deixou o costume arraigado de

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trabalhar aos domingos. Aprendeu a guardar o dia do Senhor. Seu caráter moral era altamente cristão. Dificilmente se encontra homem de tanta honestidade, tanto amor ao trabalho, e de tão acentuada moral cristã. Não bebia ou pelo menos seu filho nunca o viu embriagado ou soube que tinha tomado bebida alcoólica. Não jogava, não tinha companhias censuráveis, não passava as noites fora de sua casa. Muitas vezes o filho ouviu-o declarar sua repulsa e condenação feitas em relação aos deslizes de outros. Os Dacorso haviam residido junto ao templo luterano, de cujo pastor seu pai era amicíssimo. É possível que dessa amizade alguma coisa benéfica resultasse para o chefe e para a família. Os pastores sempre são pastores. Na família Dacorso não havia propriamente a prática da religião, nem sequer possuíam quadros com imagens. Mais ou menos pelo ano de 1900 apareceu na cidade, num salão alugado, à rua do Comércio, hoje Dr. Bozano, um trabalho da Igreja Episcopal. O pastor era um missionário, homem de bondade imensa e chamava-se William Morris. As pregações acom-panhadas ou precedidas pelos comentários a respeito da bondade do evangelista causaram sensação na cidade. César Dacorso levado pela curiosidade foi ver o que era e levou os filhos; encaminhou os filhos,

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NELSON DE GODOY COSTA porque apreciou imensamente, mas êle mesmo nunca frequentou com assiduidade. Foi assim que o menino teve o primeiro con-tato com o Evangelho. Principiou a ir à Escola Dominical. Recebia cartões ilustrados com lindas figurinhas e colecionava-os. Gostava imensamente da Escola Dominical; aos cultos da noite, porém, não ia. Aconteceu infelizmente e exatamente na Escola Dominical um fato sem importância, mas que foi bas-tante para que César Dacorso proibisse os filhos de irem ao templo. Alguém furtou uma bolsa com dinheiro a uma aluna da Escola; proibiu-os para evitar que um dia fossem lambem acusados o (pie não admitia nem de leve. Proibidas as crianças, César perdeu o contato com a Igreja. Mais tarde e também numa sala alugada, apareceu na mesma rua o trabalho evangélico pela Igreja Metodista, tendo como pastor o Rev. J. W. Price. As pregações feitas com simplicidade e unção conquis-taram a simpatia de César Dacorso, que principiou a assisti-las com assiduidade por algum tempo. Ainda dessa vez afastou-se e afastou-se para sempre. Nunca mais César o viu em uma igreja evangélica, senão anos depois para ouvir as pregações do filho, pastor, em Juiz de Fora ou em Belo Horizonte, a capital do Estado de Minas Gerais, de que Juiz de Fora é a principal cidade.

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A senhora sua mãe era católica. Durante algum tempo manifestou certas tendências espíritas. Não costumava ir ao templo. Seu filho não sabe de uma só vez a que ela tivesse ido à missa comum. Da missa do galo, porém, gostava e ia com os filhos mais velhos e com algumas vizinhas. Mandava também dizer missa pelos parentes falecidos, mas não ia ouvi-las. Não acompanhava procissões, não ia a festas religiosas. Este é um fenómeno a que nós poderíamos dizer comum no Catolicismo brasileiro. Quando se pergunta a alguém qual a sua religião, geralmente responde ser católico. É católico, entretanto, que não vai à missa, não confessa, não comunga, não gosta de padres. Quer ser contudo alguma coisa, quer ter uma religião para andar bem com Deus e contenta-se em responder, em dizer que é católico. Outros sofrem a falta de instrução religiosa. A Igreja Católica não se interessa na educação religiosa do povo e a Igreja Evangélica ainda não estendeu por todo o Brasil seus centros de irradiação cristã. Com-batida pela Igreja de Roma, impedida em muitas de suas iniciativas, está lutando terrivelmente para pro-pagar o Evangelho redentor de Cristo ao brasileiro. A senhora mãe de César Dacorso Filho só veio a conhecer um templo evangélico em idade avançada e quando seu filho era pastor. Não chegou, entretanto a fazer sua profissão de fé. Seus irmãos dispersaram-se da Escola Dominical e nunca mais se interesaram-se pelo Evangelho

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NELSON DE GODOY COSTA à exceção de sua mana Alice que nutre acentuadas simpatias pelo serviço do Exército de Salvação. O irmão mais velho, seu companheiro de infância, Paulo, muito seu amigo, levado pela gratidão aos padres que sempre o ajudaram muito nos estudos, sempre foi favorável ao catolicismo, mas é tão católico como qualquer outro menos católico. Outro irmão abraçou o Espiritismo. Os demais membros da família são indiferentes.

CÉSAR

César perseverou na sala metodista, assíduo e fiel. Naquele recanto de paz e de inspiração para os seus sonhos juvenis recebia atenção carinhosa do pastor, Rev. J. W. Price e os cuidados de sua esposa d. Elisa, sempre solícita e atenta aos interesses dos meninos. Principiou a tomar parte nos programas e ajudar nos trabalhos da Igreja. O lugar de culto mudou-se para a praça do Mercado, depois para a rua do Acampamento e depois para a rua Venâncio Aires. O menino acompanhou a casa de oração sempre com alegria e bem disposto. Ao Rev. J. W. Price sucederam os Revs. José Leonel Lopes, António Patrício Fraga, Frederico Martins. A todos esses pastores César prestou decidida cooperação e fidelidade. É possível que o menino sem o lar para ajudá-lo tivesse um ou outro momento de hesitação, mas se os houve não chegaram a influir em seus propósitos.

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Nesse tempo leu quase toda a Bíblia, sem, entretanto compreender o que ela queria dizer-lhe. Além da

Escola Dominical principiou a assistir com prazer os cultos. Começou também adquirir na Casa

Publicadora Metodista livros que lia com verdadeira satisfação.

Jovens distintos da Igreja acercaram-se do jovem ardoroso; ofereceram-lhe a amizade despre-tenciosa, pura dos moços crentes e a amizade desses jovens auxiliou grandemente a César em firmar-se na vida religiosa. Foi convidado a participar da Liga Epworth, hoje Sociedade Metodista de Jovens, nela trabalhou com entusiasmo. Outra bênção para o calor religioso do jovem foi o conhecimento de grandes homens da Igreja. Co-nheceu pessoalmente homens profundamente piedosos que infundiram, que causaram em sua alma de adolescente profunda e inapagável impressão. Entre esses varões piedosos contavam-se os Revs. Eduardo Mena Barreto Jaime, Cassiano Monteiro, Eduardo Joiner. Na Liga Epworth principiou dirigir cultos. Sua alma vibrava nesses momentos de exercício espiritual. Resolveu, ante as reações admiráveis sobre sua vida espiritual, ampliar o campo das experiências religiosas através do serviço. Principiou pregar por conta própria nalguns bairros de Santa Maria. Era sua querida cidade a primeira a ser evangelizada pelo adolescente convertido; sua Santa Maria. Num dia afinal, dia imensamente feliz para o seu coração, para toda sua vida, entregou-se defini-tivamente à Igreja de Cristo. Recebeu-o por batismo

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e profissão de fé o Rev. António Patrício Fraga. Tomou essa resolução felicíssima sem consultar pessoa alguma; consultou seu Deus e Deus lhe disse que faria bem em professar sua fé em Jesus como seu salvador pessoal. Tinha dezesseis anos. Em 1908 foi à capital do Estado sulino assistir à Conferência Anual. Hospedou-se na residência do Rev. Claud Livingstone Smith, hoje falecido e naquele tempo ainda solteiro. Os trabalhos conferenciais foram um deslumbramento para o jovem e ardoroso metodista. Acompanhava empolgado a atuação dos líderes, principalmente o trabalho dos bispos. Sonharia em ser Rispo algum dia? Naqueles dias que imprimiram tão fundas marcas em sua alma conheceu também os pais do Rev. Adolfo Melchior TJngaretti. Regressou a Santa Maria verdadeiramente empol-gado, extraordinariamente impressionado pelos tra-balhos da Igreja Metodista. Desenvolvendo cada dia mais suas atividades no serviço do Reino, foi professor da Escola Dominical, superintendente, membro da Junta de Ecônomos, presidente da Liga Epworth, depositário. Aceitou com alegria e desincumbiu-se admiravelmente de todos os cargos que lhe confiaram.

CHAMADO PARA O MINISTÉRIO

César Dacorso Filho amava entranhadamente a Igreja Metodista. Nela cresceu e acompanhou-lhe, amoroso, o crescimento em sua cidade natal. Cresceu

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PBÍNCIPE DA IGREJA também dentro da vida eterna. Aceitou com o coração exultante os cargos todos que lhe confiaram e neles pôs a sua alma para o perfeito cumprimento. Depois seus olhos sempre sedentos de maiores alturas no serviço do Reino de Cristo no coração dos homens dilataram-se mais para a frente, atingiram maiores alturas. César dirigiu seus olhares para onde seu coração estava olhando; e seu coração estava olhando para o Ministério Santo. Nesse ideal recebeu as primeiras influências do Rev. J. W. Price, o missionário bondoso de quem nunca se esqueceu. Ajudou-o na resolução final o Rev. António Patrício Fraga. César Dacorso Filho seria ministro do Evan-gelho, dentro da Igreja Metodista. Tinha encontrado seu ideal na vida, a razão de ser de sua vinda ao mundo. Não seria mais o caixeirinho perdido horas e horas atrás de um balcão, o companheiro de um mau moço, a vítima de um comerciante ganancioso. Nem mesmo seria mais o escriturário da Viação Férrea do Rio Grande do Sul; se o fosse seria um grande escriturário. César seria ministro do Evangelho do Senhor Jesus. Grande e extraordinário ideal! Para consegui-lo teria de lutar ainda muito. Uma força animava-o, porém, confortadoramente: a certeza do chamado divino. Para atendê-lo enfrentaria e venceria as maiores dificuldades, êle o menino acostumado desde a mais tenra infância a suportar as caras feias da Vida e a vencê-las com um sorriso de confiança nos ideais da própria e grande Vida.

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NELSON DE GODOY COSTA Prosseguiu animado nos estudos da velha "Disciplina", a Teologia de Biney e algumas disciplinas do curso ginasial com o mesmo pastor amigo, Rev. António Patrício Fraga. E tendo a alma a cantar muitos hinos de verdadeira esperança aceitou prazciroso o convite do Rev. James M. Terrell para prosseguir nos estudos no colégio "União" de Uruguaiana. E graças aos seus esforços conseguiu matricular-se na segunda série daquele famoso educandário metodista do Sul do Brasil.

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CAPÍTULO NONO

REMINISCÊNCIAS E SAUDADES

Hoje aposentado, desfrutando o justo repouso dos longos anos de pastorado íeliz e alivo ainda, aceitando todas as ocasiões para trabalhar nos vários convites das diversas denominações, além dos da Igreja Metodista, o Rev. António Patrício Fraga volta às vezes os olhos da saudade para a primeira paróquia de seu ministério para a cidade de Santa Maria no ano de 1900 e recorda as lutas para a implantação do trabalho metodista na cidade de César Dacorso Filho. Foi realmente difícil. A Igreja Episcopal não recebeu com bons olhos a Igreja Metodista, e sempre insistiu na política de proselitismo. Arrebanhava todos os elementos que podia. Se alguém principiava assistir aos cultos na Igreja Metodista era metralhado de tantos convites que, ou bandeava para a Igreja Episcopal ou escandalizado abandonava as igrejas protestantes.

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NELSON DE GODOY COSTA Nesse tempo Fraga era pouco mais que adolescente e ajudante do Rev. Price. E foi nesse tempo que conheceu aquele menino forte e gordinho de uns nove ou dez anos, que assistia com entusiasmo e interesse a Escola Dominical. Prestou atenção no menino. Viu nele alguma coisa de extraordinário que o distinguia de outros meninos de sua idade. Estariam os olhos do pastor ajudante procurando descobrir no menino extraordinário o membro da Igreja, o pastor, o primeiro bispo da Igreja Melodisla do Brasil? É possível. Quando Fraga regressou de Juiz de Fora para onde linha ido continuar seus estudos no colégio Granbery, ficou imensamente alegre ao encontrar agora com catorze ou quinze anos o mesmo menino forte, disposto e principalmente firme na Igreja Metodista, à frente de todas suas atividades, sempre entusiasta, pleno de vida sempre. Coube-lhe a alegria de recebê-lo à comunhão da Igreja por batismo e profissão de fé. Quando estava colocando as mãos molhadas da água do batismo sobre a cabeça do adolescente promissor e pleno de fé, teria passado pela sua cabeça de pastor o pensamento de que um dia outras mãos colocar-se-iam sobre a mesma cabeça para sagrá-lo Bispo? É possível. Às vezes pelo cérebro dos pastores passam sonhos que descem dos céus. Continuam as reminiscências de António Patrício Fraga; o pastor:

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PRÍNCIPE DA IGREJA "Foi nesse tempo que começou a sentir-se chamado para o Santo Ministério. Começou a estudar comigo a "Disciplina" e ao mesmo tempo iniciou seus estudos de inglês com um missionário sabatista. Era funcionário da Viação Férrea do Rio Grande do Sul e eu sabia por informações graciosas e espontâneas que era funcionário exemplar e muito querido de seus superiores. Tendo sido convidado para estudar no colégio "União" de Uruguaiana, não relutou em deixar seu bom emprego. Aceitou o convite. Eu queria saber se realmente César era vocacionado e amava os estudos, e em certa ocasião disse-lhe que talvez viesse a arrepender-se de deixar uma colocação tão promissora, onde era tão estimado. César respondeu-me com firmeza e convicção que pelos estudos deixaria o emprego, alegremente." "Estudou no colégio "União" de Uruguaiana; depois transferiu-se para o colégio Granbery, em Juiz de Fora. Sempre ouvi dizer que nos dois colégios foi ótimo aluno, estudante admirável. "Saiu do Granbery para entrar no ministério ativo. Sua primeira paróquia foi Palmyra, hoje Santos Dumont. Os ministros olhavam para o jovem César com grandes e fundadas esperanças, pois desde cedo seu nome principiou a projetar-se no ministério metodista.

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"Há um fato bonito que revela seu caráter metodista bem formado. Em agosto de 1933, no Concílio Regional do Norte, em Juiz de Fora, numa reunião do gabinete episcopal, discutindo os superintendentes sobre qual seria o homem que poderia pastorear a paróquia de Carangola, o Bispo Rev. Dr. J. W. Tarboux disse que havia um homem para aquela paróquia difícil. Era César Dacorso Filho. Porque consultado, o Bispo César respondeu prontamente: "Estou às ordens, pode mandar". F foi para Carangola. Doze anos mais tarde, o Bispo César, escrevendo a ii m pastor sobre problemas de nomeação, dizia: "... estava em Juiz de Fora, com quatro filhos estudando no Instituto Granbery, quando fui mandado para Carangola, cidade da mata, igreja de vinte e uma pessoas, que se reunia numa casa que ameaçava ruína. Nunca me tive por diminuído ao sair de uma igreja grande ou rica para ir para uma igreja pequena ou pobre, ou engrandecido ao sair de uma igreja pequena ou pobre para uma igreja grande ou rica." Prossigamos ouvindo as reminiscências de António Patrício Fraga, o pastor: "César Dacorso Filho foi para Carangola, a igreja pequenina e pobre depois de pastorear a igreja de Juiz de Fora, grande e rica. Era, contudo o homem, o brasileiro mais credenciado para ser o Bispo da Igreja Metodista do Brasil, em substituição ao Bispo Tarboux que não podia

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PRÍNCIPE DA IGREJA continuar na atividade por motivo de falta de saúde. "Eu profetizei isto. Escrevi para César Dacorso Filho dizendo que êle sairia de Carangola para o episcopado. Realizou-se minha profecia. Em janeiro de 1934 foi eleito o primeiro Bispo da Igreja Metodista do Brasil. "O Rev.m0 Bispo César Dacorso Filho é filho da Igreja Metodista. Nela cresceu, nela foi educado para ocasião propícia. É ótimo administrador, exemplo vivo e eloquente de esforço, zelo e sacrifício. Sua autoridade é respeitada porque César Dacorso Filho é, primeiramente um exemplo." Estas apenas algumas reminiscências do homem que conheceu o menino de Santa Maria.

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CAPÍTULO DÉCIMO

NO COLÉGIO "UNIÃO" DE URUGUAIANA Os dias corriam em Santa Maria e César tinha mais decidida cada vêz a vontade imensa de estudar. Gostava de Geografia e História. Estudava-as com afinco. Principiou tomar lições de inglês com o Rev. J. M. Terrell. Estudava muito, estudava sempre. Um amigo de infância José Borba o animava nessa luta com palavras encoraj adoras. Outra força que o estimulou muito agora nos estudos dos grandes escritores foi o êxito de seu companheiro de infância também, Roque Calage, que, seguindo o estilo de Éça de Queiroz principiou brilhar na imprensa. A imprensa sempre foi uma das paixões de César Dacorso Filho. Atirou-se nas pisadas do amigo e fêz sucesso embora, como de outras vezes, não tivesse quem o ajudasse ou orientasse.

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PRÍNCIPE DA IGREJA Nesse ano fundou-se um ginásio de padres em Santa Maria. E, quando em datas festivas os alunos saíam pelas ruas bem vestidos em vistosos uniformes os olhos de César olhavam compridos para o batalhão em marcha. Iam além, viam meninos agraciados pela possibilidade de serem no amanhã homens úteis à pátria, à mesma pátria que também era de César, a quem êle queria servir, ansiava por engrandecer, e para o que não tinha recebido a graça de uma oportunidade. Não tinha sim, principalmente quando seu sonho era tão grande, seu ideal tão elevado. César sonhava com o ministério santo do Evangelho de Cristo, daquele Crislo a quem êle, menino conhecera na Escola Dominical e que agora nos seus dias de jovem o acompanhava, encorajava-o na luta. César bem o sabia porque a grande Presença era uma realidade iniludível em sua vida. A resposta aos seus anseios, às suas preces chegou inesperadamente. O Rev. J. M. Terrell convidou-o para estudar para o santo ministério em Uruguaiana, no colégio "União", que fazia pouco tempo tinha passado para a Igreja Metodista e estava sob a direção do Rev. J. W. Price. 0 dia em que recebeu o convite foi um dos dias mais felizes de sua vida. Despediu-se de seus superiores na Viação Férrea do Rio Grande do Sul, onde era estimadíssimo. Despediu-se de seus pais extremosos. Despediu-se de seus amigos, companheiros de infância de meninice, de adolescência e de sonhos para a vida. Despediu-se de sua querida Igreja.

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Quanta despedida! Quanta tristeza e quanta alegria! Pois não ia êle o menino sonhador matricular-se num grande colégio, estudar e estudar muito para afinal saber muito? Despediu-se de Santa Maria e se foi para a cidade fronteira do grande Estado sulino. Havia uma grande barreira a transpor. César queria e precisava ganhar tempo nos estudos. Queria matricular-se na segunda série ginasial e a barreira era o atraso na arithmética e o completo desconhecimento da álgebra. Mais uma vêz lançou mão de sua força de vontade extraordinária e sua vontade e sua inteligência atiraram-se sobre as disciplinas necessárias e conseguiram a classificação. No colégio União teve mestres admiráveis. O General José Valentim Benício da Silva, então segundo tenente ensinou-lhe álgebra e geometria. Adriano Ribeiro, irmão do primeiro ministro da Educação que o Brasil República teve, ensinou-lhe português, juntamente com o professor Lavoiser Escobar, tenente da Armada, ex-secretário da Embaixada do Brasil em Viena. Esses dois grandes professores foram seus mestres num idioma que César sempre amou e de que mais tarde foi mestre também, o idioma pátrio. D. Luíza Vurlod, que se casou mais tarde com o Rev. Adolfo Ungaretti, e suas manas, Tereza e Adelaide, que eram professoras igualmente, completavam o corpo docente do colégio.

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PRÍNCIPE DA IGREJA Para custear suas despesas César trabalhava mesmo nas férias. Foi secretário, tesoureiro, regente de alunos, pintor de paredes. Não tinha medo de serviço que lhe surgisse à frente, e nenhum serviço lhe fêz frente. Tempo felicíssimo o de estudante no "União"! Num belo dia tentou com o auxílio do professor Lavoisier, o ex-secretário da Embaixada do Brasil em Viena, fazer a primeira tradução do inglês. Escolheu logo Shakespeare — "To be or not to be. .." A tradução saiu às mil maravilhas e foi publicada no "Únitas" jornalzinho do colégio, redatoriado peto hoje ministro aposentado da Igreja Metodista do Brasil, Rcv. Oswaldo Luiz tia Silva.

----- 0O0 ---- É ainda ao tempo de estudante no colégio União que aconteceu um fato miraculoso na vida do adolescente. Um dia de calor César e Ângelo Rostirola, também candidato ao santo ministério, resolveram tomar um banho no rio Uruguai. As águas do grande rio atraíam os estudantes. E lá se foram. Depois de boa caminhada através de um "potreiro" chegaram às barrancas do rio. Impensadamente, imprudentemente, César atirou-se às águas. Como fêz aquilo, César até hoje não sabe. Não sabe, sim! Pois o rio não dava altura para tomar pé! E, mais absurdo ainda: não sabia nadar! Era morte certa. Afogado iria para o fundo do rio oferecer delicioso banquete aos peixes. Não sabe como foi. Uma força estranha atirou-o contra o barranco, onde conseguiu agarrar-se e salvar-se.

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Fato semelhante ocorreu muitos anos depois quando mão invisível salvou-o de morte horrível e certa. Foi no Rio de Janeiro. Ao tentar tomar um trem em movimento para viagem inadiável, César foi por êle arrastado ao longo da plataforma. Olhos desesperados, mãos aflitivas tentaram embalde salvá-lo. Seria cadáver daí a minutos esmagado pela composição, se um poder sobrenatural, invisível não o tivesse levantado e atirado à plataforma do carro.

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CAPÍTULO DÉCIMO PRIMEIRO

NO COLÉGIO "GRANBERY" DE JUIZ DE FORA Se a vida lhe correu suave e risonha, em meio aos muitos trabalhos, no colégio União de Uruguaiana, não foi assim em Juiz de Fora. 0 Granbery não recebeu com sorriso acolhedor o estudante gaúcho sonhador e esperançoso. César Dacorso Filho deixou o colégio sulino de Uruguaiana para cursar a escola de Teologia em Juiz de Fora. Seu ideal de moço crente e vocacionado era o santo ministério, e nesse propósito procurou o famoso colégio mineiro. O Granbery estava sofrendo naquele tempo mudanças constantes nos cursos de estudos, feitas pelo governo federal. O moço vocacionado sofreu em consequência, reviravoltas seguidas no período de seu preparo.

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NELSON DE GODOY COSTA Isso, entretanto, não foi o pior. O pior foram as dificuldades financeiras. Pobre, muito pobre, nunca recebeu ali o auxílio da Igreja. Nem dos pais que não podiam. Nem de outros que podiam. De ninguém. Atirou-se ao trabalho, e trabalhando pagava a comida, o quarto, a luz, o ensino. Principiou rachando lenha e varrendo salas de aulas; depois trabalhou na rouparia, na livraria, na secretaria. Lutava tremendamente, mas para vencer a grande luta havia uma força maior: a vocação. Aos domingos descansava viajando para Lima Duarte, San los Dumonl e Barbacena, onde pregava com entusiasmo e alegria. É que logo que se matriculou no Granbery, em princípio de 1911 começou a visitar aquelas cidades que se ligavam em paróquia, das quais era pastor o provisionado, Sr. Frans Stumpf, atualmente (1952) dentista em Petrópolis, e naquele tempo residente em Juiz de Fora. Superintendia o distrito o Rev. João Evangelista Tavares, residindo também em Juiz de Fora. César viajava um domingo para Santos Dumont, um domingo para Barbacena, e de três em três meses para Lima Duarte. Nas três cidades pregava. Era mínimo o número de crentes. Em Lima Duarte e nas redondezas, Coqueiros e Laranjeiras, havia umas quatro famílias. Em Santos Dumont, umas cinco famílias; em Barbacena umas três famílias. Realizavam-se os cultos nas casas dos crentes e eram quase que somente para eles.

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PRÍNCIPE DA IGREJA César tomava o trem em Juiz de Fora aos sábados e regressava às duas horas da madrugada de segunda-feira. Ia de trem a Santos Dumont e a Barbacena. A Lima Duarte ia a cavalo. Tomava o animal na estação de Benfica e viajava sessenta quilómetros, comendo no lombo do animal o lanche que trazia, para economizar tempo na longa caminhada. Em Barbacena hospedava-se em casa do Cel. Paulino Nunes de Mello, crente de convicções positivas, antigo na fé. Em Santos Dumont era hóspede do Sr. Alfredo Mendes Duarte, ou do Sr. António Andrade, nobres cristãos. Era seu hospedeiro em Lima D u a i l e o Sc. Francisco Ferreira da Paz Fortuna. Bealizando esses trabalhos pastorais o moço sentia-se confortado e penetrava aos poucos o mistério do pastorado metodista. Chegando a Juiz de Fora, o jovem sulino ficou alojado na "casa dos crentes" mais tarde demolida para dar lugar ao majestoso prédio "J. M. Lander". Passou depois para uma "república" na rua Direita, organizada pelo superintendente, Bev. Dr. João Evangelista Tavares, para os candidatos ao ministério. Mais tarde mudaram-se todos os seminaristas para um sobradinho existente nos fundos do antigo templo, à rua da Imperatriz. Ainda uma vêz foram transferidos os moços para um "barraco" que havia atrás da atual residência do professor Adolfo Schlottfelt, perto do colégio. Ali o moço ficou até sair do Granbery.

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NELSON DE GODOY COSTA Na "república" da rua Direita foram seus companheiros de quarto Juvenal de Sousa Pereira, hoje ministro da Igreja Metodista do Brasil, e José Henrique da Mata, ex-ministro da referida Igreja. César não pode esquecer-se daquela "república". O coração não permite. É que ao lado, numa casa de modas pertencente a um francês, trabalhava uma jovem chamada Maria José Guimarães. Hoje aquela jovem assina-se: Maria José Guimarães Dacorso. O moço muito logo distinguiu-se nos estudos. As notas que deixou nos registos do colégio honram-no sobremaneira. Nunca permitiu em classe alguma que outro estudante lhe arrancasse definitivamente o primeiro lugar. Favorecido por inteligência invulgar e dotado de força de vontade miraculosa que foi sempre o fator de todas as suas vitórias, estudou com gosto e alegria. Teve em J. L. Bruce, João Massena, J. W. Tarboux, Brandt Horta e outros, professores magníficos. A atuação admirável do jovem estudante chamou a atenção do missionário E. Vann, que procurou, infelizmente sem resultado, conseguir uma bolsa de estudos nos Estados Unidos. Tomado de admiração pelo jovem estudante, o professor Lambuth, filho do Bispo Lambuth, deu-lhe aulas particulares de inglês que o ajudaram muito a dominar perfeitamente aquele idioma. César sofria, entretanto, terrivelmente, a falta de dinheiro. Nunca teve dinheiro para coisa alguma.

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PRÍNCIPE DA IGREJA Chegou a passar fome nas férias, tendo apenas para o almoço e jantar algumas bananas e um ou outro mamão. Quando deixou o Granbery, tinha de roupa que servisse um par de calças e um par de sapatos principiando a estragar-se, êle o moço tão bem colocado na Viação Férrea do Rio Grande do Sul, com salários sempre melhorando, naturalmente. Naquela Juiz de Fora universitária, colmeia de professores, mundo de escolares, o jovem admirado como estudante exemplar, glorificado pela inteligência, respeitado pela força de vontade verdadeiramente miraculosa, era um estranho. Custa acreditar! Ninguém o conhecia nas suas dificuldades mais íntimas. Ninguém sabia que seus bolsos andavam sempre vazios. Ou parecia não saber... No meio dessa luta verdadeiramente tilânica uma alegria imensa enchia a alma de César. Uma alegria, verdadeira glória! a de nunca ter apelado para ninguém, de nunca ter estendido a mão para quem quer que seja; de nunca ter feito sentir a este ou àquele a miséria que o corroía. Alguns companheiros de pobreza, que curtiam quase que as mesmas aperturas terríveis, testemunhavam com palavras, só com palavras, que de outro modo não podiam, as suas simpatias para com César. Era uma forma de se confortarem mutuamente. Ao invés de ser um revoltado, um recalcado, César é um vitorioso. Alegra-se com seu passado difícil. O que é deve-o a si unicamente, deve-o tão somente a si e a mais ninguém humano. De uma coisa

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NELSON DE GODOY COSTA lamenta-se, entretanto: do que deixovi de ser por causa da penúria de seus dias de mocidade. César saiu do Granbery com a alma despedaçada, profundamente desgostoso com a direção. A esposa do diretor não nutria nenhuma caridade para com os seminaristas, porque estudavam de favor. Dizia para quem quisesse ouvir que aquilo ali não era casa para encher a barriga de vagabundos. Era do regulamento que os alunos da terceira série em diante podiam estudar nos dormitórios. César e outros companheiros estavam atirados no "barraco", verdadeiro pardieiro, sem luz alguma. César apelou para a esposa do diretor pedindo-lhe que lhes desse um lampião de querosene, ou mesmo velas, que precisavam estudar em todos os momentos que a folga do trabalho permitia. A resposta veio pronta seca e ríspida: "compre se quiser." César foi então falar com o próprio diretor. Sendo homem talvez fosse mais compreensivo; infelizmente, porém, êle já estava instruído pela mulher. E, embora pareça incrível, respondeu dessa maneira: "Na cidade há muitas pensões. Por que não se muda para uma delas?" E no entanto êle sabia muito bem que César era um moço sem eira nem beira, que pobre até ao extremo, como poderia comprar roupas, comprar livros e pagar pensão lá fora. Êle sabia perfeitamente que naquele instante estava atirando o moço vocacionado à rua e à fome,

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PRÍNCIPE DA IGREJA César compreendeu. Brioso, arranjou sua mala, preparou seus livros e foi à casa do Rev. Dr. João Evangelista Tavares, o superintendente do distrito, expor sua situação e pedir-lhe que deixasse ir para Palmyra, como pastor suplente. Prontamente depois de ouvi-lo e ponderar o Dr. Tavares concordou. Era à tardinha quando César voltou ao Granbery e notificou o diretor de que se retiraria do colégio no dia seguinte. O homem, para mais esmagar o pobre moço que tinha o coração despedaçado pelo curso decepado ao meio, obrigou-o a assinar uma promissória de cento e cinquenta cruzeiros (naquele tempo, mil réis). Esquecia-se tão rapidamente das vezes tantas em que o moço o servira com tamanha boa vontade; para quem trabalhara suando sangue, sem ver vintém, um centavo sequer! E agora o despachava, punha-o na rua cortando-lhe o destino, impiedosamente. César não procurou vingança. Houve porém quem o vingasse. Poucos anos passados César viu-o partir do Brasil meio corrido, chorando, depois de ter sido desfeiteado em plena Conferência Anual. E vítima de tuberculose terminou seus dias em Nova Iorque. A impressão que esse acontecimento cavou na alma de César foi horrível. Em sua mente principiou tomar vulto uma ideia: tornar independente a Igreja Metodista. Como? Se êle era apenas um pregador local... Coincidência ou não, o certo é que o primeiro

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NELSON DE GODOY COSTA nome de ministro brasileiro que aparece na assinatura das atas da proclamação da autonomia da Igreja Metodista, e isto vários anos mais tarde, é este: César Dacorso Filho. Na tarde era que César deixou o Granbery, despedido de modo tão triste daquela casa de ensino fundada para preparar ministros, para a qual ele tinha vindo do Rio Grande do Sul com as mais belas esperanças, um companheiro de quarto não pôde conter as lágrimas. Chorou amarguradamente. Em Palmyra, no pastorado, César lembrava-se do Granbery com fundas saudades. Na alma não se aninhavam rancores de ninguém. íí verdade que sentia profunda tristeza de ler deixado de ser estudante. Seria estudioso, sim, estudaria sempre, a vida inteira, mas estudante no Granbery não seria nunca mais. Lembrava-se daquela Juiz de Fora presa entre dois extremos, o rio e a montanha. Nas horas de maior canseira saía do colégio e ia espairecer, sentado em frente a igreja Matriz. O parque Halfeld era uma delícia para seus olhos. Estendia em outros dias seus passeios até as Três Pontes ou ao bairro do Botanagua. Duas ou três vezes em dias de folga, chegou a ir ao Morro do Imperador, o passeio mais distante, na altura de quase mil metros, com deslumbrante vista sobre a cidade lá em baixo, espraiada, agarrando-se às encostas subindo as colinas, crescendo sem parar. .. Costa Carvalho, Passos, Santa Terezinha, Fábrica, outros bairros tantos. O bairro de São Mateus não era ainda a cidade crescendo dentro de outra

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PRÍNCIPE DA IGREJA cidade; não tinha ainda as avenidas amplas arborizadas que tem hoje transitadas por ônibus circulares e automóveis luxuosos à porta de palacetes, mas já era uma promessa à realidade majestosa que hoje afirma. Juiz de Fora era uma beleza e os olhos sonhadores do estudante sulino deliciavam-se na con-templação da cidade mineira. Em meio às provações por vezes terríveis da vida colegial nasciam compensações para o moço vocacionado. Eram o deslumbramento que lhe cau-savam as pregações do Rev. Dr. João Evangelista Tavares, do Dr. Elias Escobar Júnior, do Dr. J. W. Tarboux, do Rev. William Bowman Lee. Com respeito ao Rev. Lee, há um falo inte-ressantíssimo que marcou o primeiro encontro do grande pregador com o jovem estudante. Realizava o extraordinário missionário uma série de conferências no antigo templo de Juiz de Fora, nos dias da chegada de César àquela cidade. Certa noite no púlpito, o Rev. Lee deu com os olhos em César. Perguntou ime-diatamente ao companheiro quem era aquele moço que o fitava. O Rev. Tavares informou: "um gaúcho candidato ao ministério que veio estudar no Instituto Granbery". O Rev. Lee acrescentou falando forte ao ouvido do pastor: "Aquele será o primeiro bispo da Igreja Metodista do Brasil". Faltavam ainda vinte e três anos para 1934. Em Palmyra César lembrava-se da primeira Conferência Anual que se realizou em Petrópolis, e

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NELSON DE GODOY COSTA a que fêz questão de ir. Ficou conhecendo todos os ministros fora do Rio Grande do Sul, pois a Conferência compreendia os que hoje constituem os concílios regionais do Norte e do Centro, abrangendo os Estados de São Paulo norte de Paraná, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rahia, Distrito Federal. Logo depois foi a uma Conferência Distrital em Cataguazes, onde obteve sua carta de pregador local. Lembrava-se dos bons tempos em que pregava em Juiz de Fora, no antigo bairro da Tapera, aos soldados nas choupanas. Era então pastor o Rev. Dr. Elias Escobar Júnior, que para aquele serviço, mediante combinação, pagava-lhe apenas a passagem de bonde. Às vezes era seu companheiro nas pregações aos soldados nas choupanas o bondoso José Henrique Vieira da Mata Júnior, amigo e também candidato ao ministério. Assim foi a vida de César no Granbery. Vida de estudante pobre, muito pobre, tendo de trabalhar para se manter, e pior do que isso, explorado no trabalho. Trabalhar era comum aos candidatos ao ministério, aos moços pobres. Lenhadora, onde a serra e o machado punham calos nas mãos dos que iam, depois doloridas ainda, pegar a pena; rouparia, com o tra-balho semanal de revisar o rol de roupa antes de entregar às lavandeiras, receber a roupa lavada e entregar aos estudantes. Trabalhar era comum aos moços pobres. Copa,

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onde os futuros ministros aprendiam a arear talheres, lavar pratos e copos e arranjar mesas. Atendiam campainhas e telefones. Tomavam conta, como regentes, de alunos maiores e menores nos dormitórios e nas salas de estudo. Vigiavam os alunos insubordinados que ficavam privados do passeio aos sábados e domingos. Passavam a ferro a roupa dos professores e dos alunos ricos. Tudo isto era trabalho comum no Granbery e em qualquer colégio grande como o Granbery com tantos alunos internos. Não era comum, não deveria ser, pelo menos, a humilhação, e muito menos a perseguição. Foi assim que César passou seus dias no Granbery. Sem recreação, sem ginástica, sem coisa alguma que aliviasse seu corpo cansado e o espirito, muitas vezes nos limites perigosíssimos do abatimento. Jamais deu um chute numa bola em campos esportivos. Nunca fêz um passeio com dinheiro que fosse dinheiro isto é que representasse importância; jamais passou férias realmente alegres, passeios ver-dadeiramente passeios. Teve umas férias boas, é ver-dade; realizou um bom passeio, quando no fim do primeiro ano passou duas semanas na casa dos pais de seu amigo José Henrique Vieira da Mata Júnior. A alegria das férias gostosas e o prazer do bom passeio cresceram quando recebeu de presente umas roupas que tinham pertencido ao tio do companheiro e que lhe serviram muito bem. Quando lhe sobravam alguns centavos (naquele tempo, tostões) ia às 10 horas da noite, depois do

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NELSON DE GODOY COSTA estudo, à Leiteria Halfeld e tomava um copo de leite ou uma coalhada deliciosa. Uma noite esse prazer quase lhe custou a vida. Não sabe como se viu envolvido num tiroteiro feito pela polícia, uma arruaça tremenda. Ouviu sonidos de balas que passavam raspando, ricocheteando, mas nenhuma o apanhou. Quando conseguiu safar-se da barulheira voltou para casa mais morto do que vivo, de susto, e sem saber, contente de ter visto balas tão de perto. Distanciado de Juiz de Fora, lembrava-se da cidade mineira, dos bons companheiros de sonhos para o ministério, José Henrique Vieira da Mata Júnior, Lafaiete Dias Ferraz, Osório do Couto Caire, Zacarias de Sousa, Júlio Torres, Carlindo Pimentel Coelho, Raul Fernandes da Silva. Foi no Granbery que numa tarde, trémulo de emoção, ouviu o grande Sílvio Romero. E foi César, que com Pedro Martins, hoje jurisconsulto, Inimá Siqueira, hoje general, Floriano Ritencourt, hoje engenheiro e outros granberienses entusiastas fundou o grémio literário que tomou o nome do extraordinário brasileiro. O Granbery daquele tempo tinha o encerramento das aulas feito com um programa lítero-religioso, diariamente. Dois alunos apresentavam composições próprias que podiam ser em prosa ou verso. César, uma vêz escalado, apresentou um tema sugestivo "O trabalho" e sobre êle discorreu tão bem com tanta eloquência que seu trabalho foi publicado. De outra vêz não tendo tempo de preparar novo assunto, subiu

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PKÍNCIPE DA IGREJA ao palco pediu desculpas ao auditório que esperava novo êxito literário e leu com sua voz cheia e forte uma página de Taunay o grande escritor brasileiro. Foi-lhe um novo êxito. Estudante exemplar, foi, no fim do primeiro ano condecorado com uma bonita medalha de ouro. Recebeu-a na festa de encerramento do ano letivo, numa noite esplendorosa, no teatro da rua Espírito Santo, mais tarde demolido para novas construções. César Dacorso Filho não guarda ressentimentos do Granbery. Hoje e depois daqueles dias sombrios os diretores são outros, plenos de um sentido profundo de vida e de humanidade. No Granbery estudaram todos seus filhos, anos mais tarde quando foi pastor em Juiz de Fora. No Granbery pronunciou discursos admiráveis de vida e cristianismo procurando ajudar os seminaristas e outros estudantes todos. Pôs sua alma no Granbery. Os sofrimentos ficaram para trás, para trás os desapontamentos, para trás as humilhações. Maior que o tempo, maior que tudo está ali alguém: o homem, CÉSAR.

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Nem tudo é sombra neste capítulo de provações na vocação de um moço. Há algum raio de luz alegre

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NELSON DE GODOY COSTA sobre êle. São experiências inesquecíveis. Certa vêz viajava, ainda no tempo de estudante, de São José das Torres para Registro, quando caiu com cavalo e tudo num atoleiro, afundando-se até o pescoço. Com muito custo conseguiu sair. Montou cavalo outra vêz e seguiu para a estação; não podia perder aquele trem, o último do dia. Tocou o animal quanto pôde e quando chegou à estação de Registro o trem já ia partindo. César não perdeu tempo; entregou o animal, correu, alcançou o trem, tomou-o na carreira. Mas em que estado estava sua roupa! sua roupa só, não, êle todo! da cabeça aos pés era só lama! lama do atoleiro onde caiu com cavalo e tudo. E o chefe do trem, deixá-lo-ia viajar daquele jeito? Explicou ao chefe. O funcionário consentiu. E naquele estado triste e grotesco ao mesmo tempo viajou, chegou a Juiz de Fora e foi até o Granbery. Outra vêz estava vendendo livros em Palmyra. Quando estudante César praticou muito o serviço de colportagem. Bateu à porta da casa de um professor do grupo escolar, chamado Veríssimo. Depois que bateu lembrou-se de que o homem era católico ver-melho e intolerante. Já tinha batido, porém e esperou firme. O homem era, contudo, cavalheiro, e convidou o estudante para entrar, mas foi logo dizendo ao saber o fim da visita do jovem: "Sou católico praticante, devoto da Virgem Maria. E para que o senhor saiba como eu sou católico dos bons, veja isto. Rápido arrancou do cós das calças

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PRÍNCIPE DA IGREJA um enorme crucifixo brilhante. César espantado, assustado com o vozerio do homem e mais com o gesto rápido c inesperado pensou que o homem ia arrancar um punhal e malá-lo ali mesmo. Foi só um susto porém, porém um susto enorme. O moço dominou-sc e dirigiu a palestra. Conversaram e tornaram-se amigos depois. Naquele dia do suslão César ainda vendeu-lhe um Novo Testamento. Em outra ocasião, vendendo livros em Barbacena, chegou à casa de um homem espírita. Bateu, foi re-cebido com a conhecida e proverbial bondade dos mineiros. Entrou c ofereceu Bíblias, Novos Testa-mentos, Evangelhos e livros de hinos. O bom mineiro escutou a conversa de César c ao fim pcrguntou-lhc por que eslava vendendo lais livros. César rcspondcu-Ihe prontamente: "Porque são a Palavra de Deus e para eu poder viver". "Ah! disse o homem, que coisa boa! compro lodos, fico com todos eles. César não esperou segunda ordem, imediatamente contou todos os livros e depositou aos pés do homem toda a carga que levava. O homem prontamente pagou. César saiu, quase correndo de tanta alegria inesperada. Que fez o espírita de tantos livros ninguém sabe. Nem César voltou lá. Esta última experiência, enviada juntamente com as outras pela gentileza do jovem ministro Rev. Messias Amaral dos Santos, que iniciou seu pas-

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NELSON DE GODOY COSTA torado na mesma paróquia do jovem César, ouvimo-la do próprio Bispo César Dacorso Filho, em sua residência, à rua Marechal Moura n.° 70, apartamento 102, em Botafogo no Rio de Janeiro, quando em companhia do Rev. Dr. Elias Escobar Gavião, pastor em Vila Isabel, o visitamos levando para leitura e aprovação os primeiros originais de sua biografia. Contou-a sorrindo gostosamente nas recordações de sua primeira paróquia o Bispo que regressava can-sado de longa viagem à sua atual paróquia: todo o imenso Estado de Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Bahia, o Estado histórico, em cuja capital, Salvador, está imortalizada sua mais recente conquista, glória do Metodismo brasileiro, o novo campo metodista, novíssimo e vitorioso com a graça de Deus, onde fincou um marco de glórias imarcessíveis para a Igreja Metodista do Brasil.

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SEGUNDA PARTE

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CAPÍTULO PRIMEIRO

NO PASTORADO CÉSAR DACORSO FILHO, O PASTOR

César Dacorso Filho, antes de ser Bispo, antes de tudo é pastor. Principiou trabalhar no ministério quando deixou o Granbery, como pastor suplente, nomeado, pelo Rcv. Dr. João Evangelista Tavares, superintendente do distrito de Juiz de Fora, para Palmyra, no Estado de Minas Gerais. Sobre seu primeiro campo temos algumas infor-mações graças à gentileza do jovem pastor Rev. Messias Amaral dos Santos, que colhendo cuidadosamente informes com antigos membros daquela paróquia, muito nos auxiliou. Fixando residência em Palmyra, aquela cidade mineira, e não mais Juiz de Fora, tornou-se o centro de suas viagens a Barbacena e a Lima Duarte. Ir a

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NELSON DE GODOY COSTA Barbacena lhe era fácil; a Estrada de Ferro Central do Brasil tinha trens diários. A Lima Duarte a viagem custava-lhe um pouquinho mais, entretanto. Nos tempos de seca sobravam-lhe poeira e calor; nos dias de chuva não lhe faltava chão escorregadio em meio à lama abundante. A viagem a cavalo longa e estafante deixava seus ossos moídos e desarticulados. Nem podia dormir bem. De regresso, ia chegando à casa e pedindo à esposa o banho. A companheira solícita já o esperava com um bacião de água quente com sal. O banho fazia bem ao viajante estafado que depois de uma chícara de café bem forte procurava a cama para completar o repouso merecido. Becebia da paróquia, para subsídio, vinte e cinco cruzeiros, importância acrescida com dez cruzeiros que vinham do superintendente distrital. Era isso o que tinham para seu sustento! Conseguiram, contudo, permissão da superintendência para lecionar. César e sua esposa principiaram a dar aulas e puderam fazer frente à luta económica. Naqueles tempos não havia tabelas de sustento pastoral, verbas para aluguel de residência, verbas para viagens e expediente pastoral. O ministério indígena heróico e destemido enfrentou na luta eco-nómica batalhas muito mais tremendas do que no trato com as almas, com os problemas da vida espiritual dos crentes. Hoje com sustento garantido pela tabela da Junta Geral e Begional de Missões, com residência confortável e por vezes luxuosa, com viagens

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de avião, hospedando-se em hotéis de primeira classe, quando não em residências ricas de membros de Igreja ou de muitos amigos da causa evangélica, os

pastores brasileiros deviam ter para com os companheiros sacrificados dos primeiros dias um culto

de verdadeira gratidão que se expressaria em consagração cada vêz mais decidida à causa

sacrossanta do Evangelho. Quem escreve este livro viu muitas vezes, menino ainda, seu pai, o Rev. João Afonso Costa, montar cavalo para viagem de dois dias seguidos, levando a comida que seria seu almoço e jantar no dia seguinte, porque na longa estrada não encontraria ninguém, senão um rancho de sapé em meio do caminho, que seria lugar de seu pouso, e onde os viajantes costumavam depositar cadáveres trazidos do sertão. Sabia que seu pai viajava mui las c muitas vèzcs em noites de tempestade por estradas negras de trevas iluminadas apenas pelo fulgurar momentâneo do relâmpago. Completamente desarmado em caminhos transitados de ladrões e assassinos, no bolso apenas um canivete pequenino com que descascava frutas no sertão. Como seu pai ainda vivo, outros muitos heróis que já passaram Ludgero Luis Corrêa de Miranda e seu irmão Bernardo de Miranda; José Celestino de Andrade, Bento Braga de Araújo, Guilherme da Costa, Felipe de Carvalho, António Cardoso da Fonseca, José Leonel Lopes, José da Costa Reis, Justiniano Rodrigues de Carvalho, António José de Mello, Afonso Beviláqua, Jorge Luís Becher, Alfredo Milton Duarte, Manuel de

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NELSON DE GODOY COSTA

Assis Monteiro, Otoniel BuenoB Eteocle Afini, José di Giácomo, José Benedito Nuíies, Leopoldo Gabriel Ramos, chamado o pregado? do sertão; Belmiro Andrade, a constituição delicada que se extinguiu prematuramente; Guaracy Silveira, o escritor, o jornalista, o orador que levou a pregação do Evan-gelho dos templos para o grande mundo lá fora, para os grandes do Brasil, numa expressão máscula de fé e coragem. Pastores brasileiros apenas não. Alongar-nos-íamos se principiássemos falar dos missionários, como Cyrus Bassett Dawsey, vivo, o santo da zona Noroeste do Estado de São Paulo; de William Bowman Lee, falecido, o viajor destemido das serras do Mar lá pelas alturas de Cunha, Jericó e Cume; de James Lillibowrne Kennedy, falecido, sacrificando-se nos sertões de Minas Gerais. Heróis do Metodismo! Mártires e santos da mais santa de todas as missões, escreveram com sangue vermelho e vivo as páginas da História Metodista do Brasil. Quando César Dacorso Filho iniciou seu pastorado eram assim as coisas. Iniciou-as, todavia com fé, com a mesma coragem, a mesma força de vontade tantas vezes solicitada a manifestar-se nos momentos muitos, dificílimos de sua vida de estudante. Principiou imediatamente a pregar em Sítio, em João Aires, Ewbank da Câmara e num arraial chamado São José da Torre, a seis quilómetros da antiga estação de Registro, hoje Bias Forte. No seu pastorado alugaram-se pela primeira vêz

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PRÍNCIPE DA IGREJA as salas de culto, em virtude do crescimento do tra-balho metodista. Foi também no seu pastorado que a Igreja de Barbacena recebeu a doação de um terreno onde hoje localiza seu templo e que a Igreja de Palmyra adquiriu a primeira propriedade vendida depois para a compra da atual. Era seu costume distribuir folhetos a mancheias nos trens. Em toda a parte visitava todos os membros da Igreja, os candidatos à profissão de fé, os amigos do Evangelho. Incansável, deu grande impulso à paróquia em todos os sentidos. Revia nas viagens os lugares por onde, estudante, havia passado vendendo livros de hinos, evangelhos, Novos Testamentos, Bíblias. Crescendo em experiência, em consagração, de-senvolveu extraordinariamente todas as paróquias que pastoreou. Fôssemos narrar com detalhes sua assombrosa atividade e não concluiríamos este bos-quejo biográfico, o primeiro de muitos que sem dúvida virão em biografias alentadas sobre a vida do Bispo César Dacorso Filho. Foi licenciado pregador no concilio distrital de Cataguazes em 24 de janeiro de 1913. Em 1915, no concílio regional realizado em Piracicaba, foi admitido em experiência ao ministério ativo. Três anos depois no concílio regional de Juiz de Fora, em 18 de agosto de 1918, foi ordenado diácono. Recebeu ordens sacras de presbítero no concílio regional de Cataguazes. em 5 de setembro de 1920. Pastoreou as paróquias de Santos Dumont,

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NELSON DE GODOY COSTA Barbacena, Lima Duarte, Juiz de Fora, Cataguazes, Caiana, Faria Lemos e Belo Horizonte, no Estado de Minas Gerais. A senhorita Jair de Araújo Lopes e a senhora Jael Lopes do Amaral que foram suas paroquianas em Belo Horizonte, na paróquia central, contam-nos que o Rev. César Dacorso Filho dirigia o coro com notável eficiência, e fazia parte dele, cantando com voz empol-gante de baixo. Acrescentam que um de seus hinos prediletos que cantava com entusiasmo contagiante é o "Honra ao Cordeiro". No Estado do Rio de Janeiro o Rev. César Dacorso Filho dirigiu as paróquias de Anta, Teresópolis, Petrópolis e Fagundes. No Rio de Janeiro, capital, as paróquias de São João e do Catête. Eleito Bispo e designado para a Região Eclesiástica do Norte, dirigiu, atendendo a conveniência e necessidade da própria Região, a paróquia de Jardim Botânico. 0 Rev. José Ruy Rodrigues de Almeida, o primeiro a atender nosso pedido de informações, diz com alegria ter o Rev. César Dacorso Filho realizado esplêndido pastorado, auxiliando grandemente a Junta de Ecônomos no levantamento de numerário para os cofres da paróquia, conseguindo que os orçamentos fossem cobertos e todos os apelos atendidos, além de inúmeros outros passos largos no progresso da igreja. Conclui dizendo do ser grande o número de pessoas que iam ao templo da rua Jardim Botânico pelo prazer de ouvi-lo e pela atenção e estima votadas ao Rev.m0 Bispo.

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CAPÍTULO SEGUNDO

'NÃO É BOM QUE O HOMEM ESTEJA SÓ Iniciando seu pastorado e nomeado para a cidade mineira de Palmyra, que atualmentc se chama Santos Dumont, o moço vitorioso sobre tantas provações em sua vida, ainda em formação, e que já lhe dera fundas feridas na alma, pensou em levar para sua companhia a jovem que havia cuidadosamente escolhido em Juiz de Fora. Era a jovem que trabalhava na casa de modas pertencente a um francês à rua Direita, onde César morava numa "república" no tempo de estudante no Granbery. Era justamente aquela jovem. Maria José correspondeu ao amor sincero e cristão do jovem pastor. Casaram-se. O enlace realizou-se no dia 5 de abril de 1913, em Cotegipe, distrito de Rancharia, município de Juiz de Fora, na

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NELSON DE GODOY COSTA residência do Sr. Heitor Menegale. Celebrou a ceri-mónia religiosa o Rev. Dr. João Evangelista Tavares. Paraninfaram a solenidade o Sr. Heitor Menegale e sua senhora, Maria Amália Guimarães Menegale. No mesmo dia viajaram para Santos Dumont, onde iniciaram a nova fase de sua existência. A jovem esposa tinha feito seus estudos no extinto colégio Mineiro, onde, com trabalhos, pagou seu preparo. Conseguiu excelentes notas e mereceu uma bolsa de estudos nos Estados Unidos que não pôde desfrutar pelo fato de sua mãe não permitir, pois não suportava a ausência dos filhos. Aperfeiçoou-se em desenho e pintura. Nesse lar, em meio a bênçãos divinas nasceram os seguintes filhos: Térlulo Márcio, hoje cirurgião dentista e aviador com "brevet" internacional. Reside em São Paulo, capital, onde exerce a profissão. Casado com a Sra. Margarida Rocha, o casal tem quatro filhos, Roberto Márcio, Paulo César, Margarida Maria e António Luís. ítalo Pórcio, cirurgião dentista, oficial da reserva do Exército e técnico de Educação Física. Leciona no colégio Granbery de Juiz de Fora. É casado com a Sra. Iná Costa e pai de quatro filhos, Sérgio, Regina Maria, Rogério e Sônia Maria. Gíscalo Floro, engenheiro químico, funcionário da Companhia Siderúrgica Nacional e vice-diretor do Departamento Geral de Vendas. Reside no Rio de Janeiro, onde faz parte da Comissão Nacional de

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PRÍNCIPE DA IGREJA Enxofre. Colabora em revistas científicas. Casado com a Sra. Eloína Gomes dos Santos. Seus filhos: Paulo Márcio e Marília. Clélia Tuia, nascida e falecida em Petrópolis com um ano de vida. Próculo Galba, engenheiro civil pela Universidade de São Paulo, engenheiro agrónomo pela mesma escola; oficial da reserva do Exército Brasileiro. Reside na capital paulista. Trabalha no Departamento Estadual de Estradas de Rodagem. Sula Brila, casada com o Sr. Milton Milazzo, gerente do Banco Nacional de Minas Gerais, na agência do bairro do Catête, no Rio de Janeiro. São seus filhos, Clélia Tuia, Carlos Alberto, César Augusto, Cláudio Luís, Milton, Maria Helena, Maria Heloísa, Marco Aurélio c Fausto Roberto. Têm curso de estudos ginasial c normal. Vera Lívia, casada com o Sr. Eliseu Brites, almoxarife da Escola de Medicina de Ribeirão Preto. É funcionária estadual. Completou o ginásio, o colégio e um curso técnico de desenho. Reside em Ribeirão Preto, no Estado de São Paulo. Uma filhinha, Vera Lívia adorna o lar. Ceres Ofélia é aluna da Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil. Reside com seus pais no Rio de Janeiro.

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NELSON DE GODOY COSTA Porque não há necessidade de comentários para quem admira até o máximo a capacidade sôbre-humana do pastor metodista em preparar tão extraordinariamente seus filhos para a vida.

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CAPÍTULO TERCEIRO

OS ANOS DE SEU PASTORADO Logo que César Dacorso Filho chegou a Juiz de Fora principiou, entusiasta e ardoroso a auxiliar na obra da pregação do Evangelho, ao Rev. Dr. João Evangelista Tavares, pastor da cidade. Quando o Dr. Tavares deixou o pastorado daquela cidade e foi substituído pelo Dr. Elias Escobar Júnior, que era também advogado, César continuou firme nos trabalhos de auxiliar, ao mesmo tempo que ajudava ao pregador local Sr. Frans Stumpf em visitas regulares a Lima Duarte, Santos Dumont e Barbacena. 0 ano era de 1911. Durante os anos de 1912 e 1913 serviu como pastor suplente, as paróquias de Lima Duarte, Santos Dumont e Barbacena, no Estado de Minas Gerais. A

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NELSON DE GODOT COSTA elas e ao seu serviço já nos referimos citando expe-riências do jovem vocacionado. Foi depois para o Rio de Janeiro e na paróquia do Catête trabalhou como ajudante de seu amigo de Juiz de Fora, o Dr. João Evangelista Tavares; demorou-se lá em 1913 e 1914. Na mesma capital do Rio de Janeiro, serviu a paróquia de São João, até 1916, quando durante seis meses foi superintendente do Instituto Central do Povo. Em seguida viajou para Anta, no Estado do Rio de Janeiro, onde permaneceu até 1918. Em 1918 foi removido para Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro, a cidade das hortências, cidade oficial onde está o Museu Histórico, onde repousam os corpos de nossos imperadores, e cidade de férias do Presidente da República, no palácio Rio Negro. Na cidade montanhosa César Dacorso Filho dirigiu a paróquia metodista nos anos de 1919, 20 e 21. Da cidade serrana foi transferido para Belo Horizonte, a capital do Estado de Minas Gerais, em cuja paróquia central correu a boa carreira até 1928. De Belo Horizonte foi mandado a combater o bom combate em Juiz de Fora, a cidade famosa pela sua potência industrial, chamada Manchester Mineira, a cidade universitária, a cidade moral. Dela testemunha o primeiro Bispo brasileiro da Igreja Metodista do Brasil: "É a cidade mais moral do Brasil! É a que tem o mais profundo senso de família." Esse teste-

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PRÍNCIPE DA IGREJA munho espontâneo que tem o valor de um documento nós ouvimos no Instituto Ministerial Geral realizado no Instituto Granbery em 1953. Estava César Dacorso Filho em Juiz de Fora quando se deu aquele fato referido pelo Rev. António Patrício Fraga, do Bispo Tarboux precisar de um homem para Carangola e enviar para lá o pastor de Juiz de Fora. Cumpre esclarecer que esses anos não podem ser contados com rigor cronológico de doze meses. Deveriam antes ser denominados anos metodistas, porque as conferências anuais dependiam da vinda dos bispos presidentes dos Estados Unidos, e sem essa precisão periódica os exercícios eclesiásticos ora eram maiores ora menores, muito menores. Uma coisa podemos afirmar. Entre outras muitas vantagens de tantas remoções, tantas transferências, tantas mudanças, César ficou "craque" em encaixotar e desencaixotar livros, em arrumar tralhas de cozinha, em condicionar louça, em atender os vizinhos que, sabendo que o pastor metodista ia mudar-se, vinham comprar muita coisinha pela metade do preço ou por muito menos que a metade, levando muita coisa ainda de presente como contrapeso. Porque com tanta mudança naquele tempo, sem verba para transporte, muitas e muitas vezes o pobre pastor metodista ficava sem seus móveis, a parte dos livros que conservava carinhosamente reduzido ao colchão e ao caldeirão.

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NELSON DE GODOY COSTA

César Dacorso Filho não foi pastor apenas durante esses longos anos. Sempre foi pastor. É pastor de pastores. Pastor de toda a Igreja Metodista do Brasil.

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TERCEIRA PARTE

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CAPÍTULO PRIMEIRO

NO EPISCOPADO COMO SE PROCESSOU SUA ELEIÇÃO AO EPISCOPADO

No dia 4 de janeiro de 1934, às 20,30 horas, no salão nobre do "Porto Alegre College" o Bispo Rev. John William Tarboux declara aberta a primeira sessão do Segundo Concílio Geral da Igreja Metodista do Brasil. César Dacorso Filho faz parte da delegação do Concílio Regional do Norte. É pastor da paróquia de Carangola e superintendente do distrito do mesmo nome. Está presente. Responde a chamada de seu nome. Os trabalhos conciliares processam-se regularmente até que chegam à décima nona sessão, no dia 13 desse mês de janeiro. As atividades do dia iniciam-se

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NELSON DE GODOY COSTA

com culto devocional dirigido pelo próprio Bispo, Dr. Tarboux, às 8,30 horas. Vai processar-se a eleição do segundo bispo da Igreja Metodista do Brasil, conforme a resolução da comissão de Episcopado e Itinerância, que, reunida no dia 8, sob a presidência do Rev. Epaminondas Moura, depois de louvar a Deus pelos serviços admiráveis realizados pelo Bispo Rev. Dr. J. "YV. Tarboux, assim se expressa: Fazemos as seguintes recomendações: a) que sejam eleitos dois Bispos; b) que se faça a eleição no dia 13 do corrente, na sessão da manhã, antes de se tratar de qualquer outro assunto; c) que antes haja um concerto de orações para esse fim. No dia 13 de janeiro realizam-se várias reuniões de oração desde cedo. Há intensa vibração espiritual. As delegações estão completas. Chega á hora regulamentar da sessão. Inicia-se conforme foi determinado a eleição. Vem o primeiro escrutínio. O Bispo Rev. J. W. Tarboux é reeleito por unanimidade. Procede-se à eleição do segundo bispo. Será brasileiro? será missionário? Se nacional ou estran-geiro não importa. Será o escolhido por Deus. São necessários três escrutínios para maioria absoluta. No primeiro escrutínio, César Dacorso Filho, 14 votos.

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PRÍNCIPE DA IGREJA

No segundo escrutínio, César Dacorso Filho, 16 votos.

No terceiro escrutínio, César Dacorso Filho, 20 votos.

É a maioria absoluta em 36 votos. César Da-corso Filho está eleito. É o segundo Bispo da Igreja Metodista do Brasil e o primeiro Bispo brasileiro.

Há expressivas vibrantes manifestações de fraternidade cristã. A alegria transborda dos corações metodistas. A Igreja Metodista do Brasil tem agora o seu primeiro Bispo brasileiro!

O menino de Santa Maria acaba de ser ele-vado pelo seu próprio valor às maiores culminâncias da Igreja Metodista do Brasil. Não pode conter as lágrimas. Chora feliz e agradecido, humildemente, a Deus.

Cantam todos a doxologia de n.° 177 e ainda o hino de número 306.

O Bispo Rev. Dr. J. W. Tarboux convida o Bispo Rev. César Dacorso Filho a tomar assento na plataforma. Agradece ao Concílio por tê-lo conservado no episcopado e entrega a presidência ao seu novo colega, o primeiro Bispo brasileiro da Igreja Metodista do Brasil.

Os trabalhos conciliares continuam.

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CAPÍTULO SEGUNDO

SUA CONSAGRAÇÃO César Dacorso Filho é consagrado Bispo

Às vinte horas do mesmo dia 13 de janeiro de 1934 realiza-se a solenidade da consagração de César Dacorso Filho ao episcopado. O Bispo Rev. Dr. J. W. Tarboux dirige o culto de adoração, e, a seguir, convida para o auxiliarem na cerimónia os Revs. J. L. Kennedy, e H. C. Tucker, que juntamente com o Bispo Rev. J. W. Tarboux são os mais antigos missionários no Brasil. Convida os Revs. José António de Figueiredo, Oswaldo Luiz da Silva e J. W. Daniel, superintendentes respectivamente dos distritos do Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, representando as três Regiões Eclesiásticas em que está constituído o trabalho metodista no Brasil. Convida o Rev. Dr. Derly de Azevedo Chaves, díretor da Faculdade de Teologia, anexa ao colégio Granbery de Juiz de Fora, e o Rev. Dr. Sante Uberto Barbieri, reitor do "Porto Alegre College".

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PRÍNCIPE DA IGREJA

Convida o Rev. João Inácio Gerrilhanes, pastor da paróquia central de Porto Alegre.

Inicia-se a solenidade. O ritual realiza-se se-gundo os Cânones da Igreja Metodista do Brasil. Faz-se a leitura da Bíblia Sagrada na primeira carta de Paulo, o apóstolo a Timóteo, capítulo 3:1-7, que assim principia: "Fiel é esta palavra. Se alguém aspira ao episcopado deseja uma obra boa..."

César Dacorso Filho ouve a leitura da Palavra de Deus, ouve as orações que se dirigem aos céus. Responde as perguntas do cerimonial que lhe faz o Bispo presidente.

Depois pôe-se de joelhos e sente que o Bispo presidente e os presbíteros colocam as mãos sobre sua cabeça.

É o momento impressionante da imposição das mãos.

O Bispo presidente diz: "0 Senhor derrame sobre ti o Espírito Santo

para o cargo e obra de Bispo da Igreja de Deus, que te é agora entregue pela imposição de nossas mãos em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém. E lembra-te de despertar a graça de Deus que existe em ti, porque Deus não nos deu o espírito de temor, mas de fortaleza, de amor e de moderação." Ainda ajoelhado César Dacorso Filho recebe

das mãos do Bispo presidente a Bíblia sagrada e ouve

as seguintes palavras:

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NELSON DE GODOY COSTA "Aplica-te à leitura, à exortação e à instrução. Medita nas coisas contidas neste livro. Sê diligente nelas para que o resultado seja manifesto a todos os homens. Vela sobre ti e sobre o teu ensino, porque fazendo isto te salvarás tanto a ti mesmo como aos que te ouvem. Sê para o rebanho de Cristo um pastor e não um lobo, apascenta-o e não o destruas. Ampara os fracos, cura os doentes, consola os tristes, acolhe os desprezados, busca os perdidos. Sê misericordioso ao ponto de nunca seres remisso. Ministra a disciplina contanto que não te esqueças da misericórdia, a fim de que quando vier o grande Pastor, recebas a coroa eterna da glória, por Jesus Cristo nosso Senhor. Amém." Ouvem-se orações. César Dacorso Filho pôe-se de pé. O Bispo presidente encerrando a solenidade, pronuncia a Bênção Apostólica: "A paz de Deus, que excede toda a compreensão, guarde os vossos corações e mentes no conhecimento e no amor de Deus e de seu filho Jesus Cristo, nosso Senhor; e a bênção de Deus onipotcnte, Pai, Filho e Espírito Santo seja convosco e convosco permaneça para sempre. Amém." Está concluída a solenidade. César Dacorso Filho acaba de ser consagrado, em cerimónia impressionante, Bispo da Igreja Metodista do Brasil.

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CAPÍTULO TERCEIRO

NA PRESIDÊNCIA DO CONCÍLIO GERAL No dia seguinte o primeiro Bispo brasileiro assume a presidência do segundo Concílio Geral da Igreja Metodista do Brasil, que se encontra na 19.a sessão. O Bispo Rev. Dr. J. W. Tarboux solicita e consegue permissão para se ausentar do concílio, por motivo de enfermidade. Despede-se de toda a delegação que o acompanha até ao cais do porto. Dirige-se di-retamente para os Estados Unidos e em sua viagem é acompanhado até o Rio de Janeiro pelo Rev. José António de Figueiredo. Acompanham-no também as saudades, a gratidão e as orações dos ministros e leigos no concílio. O novo Bispo, Rev. César Dacorso Filho preside as sessões até o encerramento do Concílio Geral no dia 19 de janeiro.

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NELSON DE GODOY COSTA

Pronuncia ao final palavras de agradecimento pela sua eleição ao episcopado e hipoteca toda a sua lealdade à Igreja que por meio de seus delegados conferiu-lhe tão elevado mandato. Levantam-se todos os conciliares. O Bispo presidente ora a Deus. E todos de mãos dadas cantam o hino de número 381 ao fim do qual o Rev. Jorge Luiz Becker invoca a Bênção Apostólica. Está encerrado o segundo Concilio Geral da Igreja Metodista do Brasil que elegeu o primeiro Bispo brasileiro.

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PRÍNCIPE DA IGREJA

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O Primeiro Bispo Brasileiro

NELSON DE GODOY COSTA

DOIS DE SETEMBRO DE 1930 VALOR DOCUMENTÁRIO

Comissão Constituinte da Igreja Metodista do Brasil: Revs. Oswaldo L. da Silva; A. M. Ungaretti; César Dacorso Filho; W. B. Lee; Guaracy Silveira; W. H. Moore: Dr. Elias Escobar, Dr. Oswaldo Lindenberg, Rev. Epaminondas Moura; D. Eunice Andrew, D. Otilia Chaves', D. Francisca F, Carvalho, Rev. J. I. Cerilhanes, Rev. Efraim Wagner.

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PRÍNCIPE DA IGREJA

UMA DECLARAÇÃO HISTÓRICA

Nesse acontecimento de suprema significação para a História da Igreja Metodista do Brasil César Dacorso Filho tem atuação de realce. Acompanha ao púlpito o Rev.mo Bispo E. Mouzon que leu a proclamação e constituição da Igreja Metodista do Brasil. É o secretário da memorável reunião. É o primeiro ministro brasileiro a assinar a proclamação.

REGISTRO HISTÓRICO D E C L A R A Ç Ã O

Considerando que a Comissão Conjunta deu todos os passos necessários para a convocação do Concilio Geral da Igreja Metodista do Brasil e convocou o mesmo para a cidade de São Paulo, em 2 de setembro do ano de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1930. Nós, os membros da Comissão Conjunta, rendendo graças a Deus por sua direção e pelo espírito de cooperação que reinou em nossas deliberações, de-claramos aberto o primeiro Concílio Geral da Igreja Metodista do Brasil, e declaramos que os membros e ministros da Igreja Metodista Episcopal do Sul, no Brasil, passam por este ato a ser membros e ministros da Igreja Metodista do Brasil: que a Igreja Metodista

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Episcopal do Sul deixa de existir no Brasil, e que a Igreja Autónoma por esta proclamação fica constituída. Cidade de São Paulo, 2 de setembro de 1930.

(aa.) Edwin D. Mouzon - Ester Case - W. Erskine Williams - J. L. Clark - F. S. Love - W. H. Moore - César Da-corso Filho - Epaminondas Moura -Otília Chaves - Osvaldo Lin- denberg - W. B. Lee - Guarací Silveira - Oswaldo Luiz da Silva Elias Escobar Júnior - Francisca Ferreira de Carvalho - (1. I). Parker A. M. Ungaretti - J. I. Cerilhanes -Eunice F. Andrew - Efraim Wagner.

----- oOo-----

S E S S Ã O S O L E N E DA PROCLAMAÇÃO E PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DA IGREJA

METODISTA DO BRASIL

Às 19 horas e meia, do dia 2 de setembro de 1930, no salão de cultos da Igreja Metodista Central de São Paulo, a Comissão Constituinte reuniu-se sob a presidência do Rev.m0 Bispo Edwin D. Mouzon. Acompanhado dos Revs. César Dacorso Filho e Epa-minondas Moura o Bispo Mouzon subiu ao púlpito e leu a proclamação e constituição da Igreja Metodista do Brasil, depois de chamado o rol e declarada aberta a l.a sessão do Concílio Geral do Brasil.

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PRÍNCIPE DA IGREJA O Bispo chamou ao púlpito o Rev. Guarací Silveira, indicado por voto dos membros nacionais da Comissão Constituinte para receber de suas mãos a Constituição e presidir à l.a sessão do Concílio Geral até a eleição do presidente pro-tempore. O Bispo fez um tocante discurso de despedida. Guarací Silveira respondeu manifestando a gratidão da Igreja Metodista do Brasil e pedindo que êle levasse a manifestação desses sentimentos aos irmãos dos Estados Unidos. W. H. Moore serviu de intérprete. Cantando a Igreja o hino de despedida 518, os membros da Comissão Americana se retiraram, acom-panhados pelos membros do Concílio Geral. Ao regresarem, a Igreja cantou o hino 139. Guarací Silveira, depois de orar, chamou à ordem o Concílio Geral e convidou o Bispo James Cannon Júnior para ocupar o lugar de honra no púlpito. O Rev. César Dacorso Filho ocupou a secretaria. Os Revs. Derlí de A. Chaves e Oswaldo Luiz da Silva ocuparam lugares no púlpito. Ouviram-se as saudações do Rev. Otoniel Mota, Rev. António Ernesto e Sr. Joaquim Ribeiro, aos quais o presidente agradeceu. Iniciados os trabalhos, depois de cântico de hinos, Epaminondas Moura propôs que a sessão do dia seguinte tivesse início às 14 horas. Assim foi resolvido. Por proposta foi encerrada a sessão. Depois do Pai Nosso e doxologia o Bispo Cannon Júnior invocou a bênção apostólica. César Dacorso Filho sec. pro-tempore

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CAPÍTULO QUARTO

primeiro quatriênio INICIANDO A LONGA CAMINHADA PANORAMAS DE UM EPISCOPADO

César Dacorso Filho recebe uma carga tremenda sobre seus ombros moços e fortes, o episcopado da Igreja Metodista do Brasil. Não receia, porém. A Igreja o escolheu e, principalmente, o Espírito do Senhor está sobre êle. Agora vai lançar mãos do arado sem olhar para trás. Olha para a frente. Atira o olhar para as distâncias infindas onde está o futuro da Igreja Metodista, futuro que tem sua eleição para o episcopado um novo marco significativo. Sua paróquia agora não é mais Garangola, nem seu distrito o distrito de Carangola no Estado de Minas Gerais. Sua paróquia e seu distrito multiplicaram-se muitas vezes abrangendo uma dezena de Estados brasileiros.

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É preciso viajar. Viajará, esgotar-se-á nos trens, nos automóveis, nos aviões, em qualquer meio de transporte, em qualquer modo de locomoção, mas sempre chegará à hora certa no lugar marcado. Seu espírito observador descreve os lugares por onde anda à procura das ovelhas da casa metodista. No Rio Grande do Sul em companhia do pastor Rev. A. P. Pinheiro e Sr. Dr. Aristeu Pereira e do Sr. José Worm faz uma excursão pela campanha. Visita São Lucas, Rincão Seco, Fundo dos Valos; passa por Fortaleza e Portão. Seu espírito observa tudo. Nota que São Lucas é um povoado a cinco léguas de Cruz Alta, onde a Igreja possui duas doações, templo e presbitério de madeira em estado precário, lugar que já foi sede de paróquia c onde a Igreja precisa florescer novamente. Ao contrário, em Rincão Seco o trabalho floresce. Fundo dos Valos é uma nota de tristeza para o metodismo gaúcho. De tudo o que houve restam ruínas e o Bispo explica: segundo o testemunho de velhos crentes a igreja passou sete anos em ver o pastor. Lamenta este fato que induz a todos os responsáveis pela obra metodista no Brasil à convicção da necessidade cada vêz maior de se apurarem responsabilidades nos concílios regionais pelos revezes que a igreja sofrer. Recolhe para o arquivo da paróquia de Cruz Alta livros antigos de grande valor histórico. Em Porto Alegre esta é apenas uma faceta de sua intensa atividade, de 30 de março a 5 de abril: dirige uma assembleia religiosa no Colégio Americano, dirige uma assembleia religiosa na escola paroquial

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da Igreja Institucional, prega em dois cultos públicos na Igreja Institucional, concede entrevistas, visita, preside aos trabalhos do concílio distrital, preside aos trabalhos do instituto distrital, dirige a parte religiosa desses trabalhos, auxilia na direção de dois cultos públicos na Igreja Institucional, faz uma preleção sobre o Dia da Decisão, no instituto distrital, preside a sessão solene em homenagem ao Dr. Atila Casses no Instituto Porto Alegre, preside a eleição da nova diretoria da sociedade metodista de jovens, preside a celebração da Santa Ceia, dirige uma reunião de confissão e consagração para ministros, visita Canoas ponto de pregação da paróquia Institucional, faz apelos para missões. É assim ininterruptamente. Viaja sem parar. Onde há uma paróquia metodista existe uma voz chamando-o. Ouve vozes muitas vozes, vozes vindas de todos os recantos da pátria. A Igreja Metodista do Brasil quer crescer, precisa consolidar sua organização e o Bispo atende a todas as vozes que o chamam, que reclamam sua presença. Pede contudo, que não lhe estendam convites para reuniões e trabalhos em que é dispensável. Seu tempo está se tornando demasiadamente escasso para as exigências do episcopado, às quais de maneira alguma deseja e pode evitar. Agora está em Ouro Preto antiga capital do Estado de Minas Gerais, a cidade lendária. A atenção do Bispo na cidade do Sonho e da Melancolia, como a denominou Gilberto de Alencar, volta-se para as possibilidades da Igreja Metodista. O escritor mineiro

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viu-a do alto da escadaria de pedra do adro de São Francisco, melancolicamente, a cidade que "não quer morrer, que não morrerá, se cada rua, cada edifício, cada recanto, cada pedra das calçadas tem a sua história que transmite de geração a geração, ro-mantizada sempre por misteriosas e poéticas versões. O pastor e Bispo contempla-a nas esperanças da Igreja Metodista que se firma na fidelidade de uma dezena de crentes. Os pouquinhos se unem. Há em 1935 3 batistas, 3 presbiterianos e 13 metodistas. Trabalha-se, entretanto, intensivamente para a construção do templo metodista; contam com o produto da venda de antiga propriedade, com o esforço da E.D. Hoje naquela cidade há uma paróquia viva. Não mais um missionário batisla vai de mês em mês pregar. Mora um pastor metodista. Congratula-se com a paróquia de Santa Maria e seu pastor pelo estabelecimento do sustento próprio. Sempre interessado no melhoramento da vida económica dos pastores insiste em que as paróquias com o despertamento financeiro procurem elevar o subsídio dos pastores pagos por elas, dando imediato conhecimento disso ao secretário regional de missões. Sempre atento aos problemas económicos da Igreja Metodista do Brasil, pede atenção dos concílios, juntas, federações para o seguinte: "viaja o bispo, viajam os secretários gerais e regionais, viajam os superintendentes distritais, viajam os pastores, viajam os presidentes e secretários das federações, viajam outros oficiais e funcionários gerais, regionais e distritais; viajam para visitas, para institutos, para

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NELSON DE GODOY COSTA Congressos, para concílios, para reuniões de juntas e conselhos superiores. Tenho a impressão de que estamos viajando demais sem que os gastos que assim fazemos tenham compensação conveniente." Sente que estão se fazendo apelos financeiros acumulados a todas as organizações das paróquias e das regiões. Acha que assim é errado e que se devem considerar os apelos de necessidade real e de caráter intransferível e que nas próprias paróquias se deve estudar a distribuição para que umas organizações atendam a uns apelos e outras a outros porque só assim evitaremos o desequilíbrio na administração fi-nanceira da Igreja. César Dacorso Filho revelou-se desde o primeiro ano de seu pastorado notável organizador. Prosseguiu durante seu episcopado ativamente. A Igreja Metodista do Brasil deve ao seu primeiro Bispo brasileiro a invejável organização que é admirada e seguida por outras denominações. Apaixonado pela defesa dos princípios e atos da Igreja Metodista, congratula-se pela imprensa com os Revs. João Augusto do Amaral, Osvaldo Machado, António de Campos Gonçalves, José António de Figueiredo, José Rodrigues Ferreira, Elias Escobar Gavião e Adriel de Sousa Mota pela defesa que desses mesmos princípios têm feito em suas paróquias. Jornalista desde os dias de sua meninice, interessa-se pelo equipamento físico para a redação do "Expositor Cristão", que é o órgão oficial da

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Igreja, elogiando pelas colunas do mesmo EXPOSITOR a campanha iniciada e pedindo para ela a cooperação de todos os metodistas. Exorta ao bom desempenho do trabalho de um pastor visando facilitar o do substituto. Cita os cânones em que o artigo 145 determina que um pastor deixe ao seu sucessor um relatório minucioso das condições financeiras, espirituais e morais da paróquia, bem como o índice dos membros da Igreja, como tudo o mais que lhe facilite desde o início os trabalhos pastorais. Insiste. "É bem de ver que tal relatório não é um pedaço de papel com uma ou outra informação geral. Deve incluir as estatísticas do ano anterior, o índice dos membros da Igreja, sistema de finanças, meios de condução, sociedades, escolas dominicais, juntas e outras organizações com as respectivas di-retorias, dívidas, programa de viagens, horário, livros, arquivo, propriedades, jornais e revistas da Igreja, pessoas autorizadas que em caso de necessidade podem suplementar informações, bem como um mapa da paróquia com indicação das igrejas, congregações, pontos de pregação e todos os lugares onde moram membros da Igreja." É meticuloso, é exigente e rigoroso. A Igreja Metodista do Brasil pesa sobre seus ombros e seu destino em muito está nas suas mãos, e por isto e porque ela se encontra em fase de organização, êle tem de acudir a tudo até as coisas que parecem mínimas.

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CAPÍTULO QUINTO

A IGREJA METODISTA DO BRASIL SENTE QUE TEM UM CONDUTOR

PASTOR DE TODO O BRASIL A Igreja Metodista do Brasil sente que possui um condutor. Seis anos passaram desde a memorável reunião no templo da Igreja Metodista da Liberdade, em São Paulo, quando sentiu sobre seus ombros moços a pesada responsabilidade de se dirigir, porque sentiu em suas azas o frémito da liberdade. Autónoma, iniciou resolutamente a caminhada para a conquista do Brasil para Cristo. E sentia que César Dacorso Filho podia ir à frente porque seus olhos luminosos viam distâncias e seu pulso não tremia ante as inda-gações do futuro. Por meio do Sr. Victor Goldschmidt, pregador local da Igreja Metodista Episcopal, residente em Montevideu entende-se com o Rev. Earl M. Smith, presbítero presidente do distrito do Uruguai, da-

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PRÍNCIPE DA IGREJA quela Igreja, no sentido de estabelecer trabalho nas cidades fronteiriças do Uruguai, fronteiras às cidades brasileiras. Chegam as conversações a bom entendi-mento e o Bispo informa aos pastores metodistas brasileiros que podem abrir trabalho nas cidades de Riveira Artigas e Santa Rosa. E os pastores de Livramento, Quaraí e Uruguaiana entram prontamente em ação. Acompanha com interesse o desenvolvimento da Federação das Sociedades Metodistas de Senhoras; pronuncia o sermão inaugural de um congresso em Juiz de Fora; assiste a quase todas suas sessões e nota que entra num período de prosperidade. Um de seus muitos planos de viagem para um mês é este (julho de 1936) de 7 a 13, Rio de Janeiro, concílio distrital; de 14 a 19, Cataguazes, concílio distrital; de 20 a 25 as paróquias de Leopoldina, Porto Novo, Dr. Astolfo e São Sebastião da Estrela, e São Pedro, visitação; de 29 a 1 de agosto, Petrópolis. São assim geralmente suas viagens. A Igreja Metodista está crescendo e os campos exigem a pre-sença do Bispo dinâmico que vai ao Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul. Sua atividade não se restringe ao Brasil. Ligado pelos laços de amor fraternal à Igreja Mãe, vai em 17 de dezembro aos Estados Unidos, pelo vapor Western-World, para tomar parte no Concílio Geral Missionário que se reunirá em Nova Orleans em 5 de

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NELSON DE GODOY COSTA janeiro de 1937, e, na Cruzada dos Bispos que se prolongará por todo o território ocupado pela Igreja Metodista Episcopal do Sul. A Cruzada terá a duração de um mês e o Bispo espera estar de regresso ao Brasil em princípio da segunda quinzena de março. Escritor e jornalista, tece para o jornal da Igreja considerações interessantes sobre sua viagem e dessa maneira a comunidade metodista brasileira pode seguir-lhe interessada os passos em paises estranhos. E porque são deveras interessantíssimas oferecemos aos nossos amáveis leitores páginas como esta fotografando um aspecto de sua atuação em Norte América: O dia 23 de janeiro, um sábado, foi de descanso para o nosso team. Passamo-lo em Shreveport, La. Dia frio e chuvoso. Aproveitei a folga para escrever um pouco. Ao meio dia o Bispo Dobbs nos ofereceu o almoço no Fountain Room do hotel em que estávamos. Tive por isso de declinar de alta distinção — um convite do juiz T. F. Bell e esposa para eu almoçar com eles. No dia 24 de janeiro, o team se desfez. Era domingo. Cada um de seus componentes tinha que ir para uma ou duas igrejas pregar. O Bispo Kern foi para Minden e Homer, o Bispo Ainsworth foi para Ruston, o Dr. Rawls foi para Monroe. Eu fui para Mansfield (3.800 habitantes) onde há somente uma igreja metodista, com 564 membros. Lá preguei ao meio-dia. Foi buscar-me, em seu automóvel, o pastor,

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PRÍNCIPE DA IGREJA Rcv. J. J. Rashmusscn. Levou-me para o hotel, em Shreveport, cm seu automóvel, o casal S. D. Moak. De Shreveport a Mansfield a distância é de 40 milhas. Mansfield é lugar histórico: nos seus arredores se feriu uma das mais sangrentas batalhas da Guerra Civil. À noitinha visitei o Bispo Dobbs. Depois falei por 15 minutos na Primeira Igreja Metodista, onde se realizava um programa musical. Jantei com o Rev. Dana Dawson. No dia 25 de janeiro, os Bispos Kern, Ainsworth, o Dr. Rawls e eu nos encontramos no hotel, por volta de meio-dia. Almoçamos juntos e tomamos, depois, um ônibus para Tyler, Tex. Vencemos as 110 milhas de viagem em 3,30 horas, com diversas paradas pelas cidadezinhas intermediárias. Passamos pelo mais rico campo de petróleo, em exploração, que há no mundo. Estende-se por três municípios. Informou-nos um cidadão que ali existem cerca de 21.800 poços. As torres metálicas formam florestas. Alguns poços pre-cisam bombas, outros vertem naturalmente. Estes pre-cisam poderosas torneiras ou coisa que as valha. Passamos também por uma escola para gagos. Chegamos a Tyler às 5 hs. pm. Lá encontramos o Bispo Boaz e a Sra. Cram. Ficamos todos no Hotel Blackstone. Estava recomposto o team. Tyler tem cerca de 30.000 habitantes. É sede de um distrito eclesiástico de 23 paróquias, das quais 4 estão na cidade e subúrbios. Serve ali como superintendente distrital o Rev. J. Z. Tover. Na principal igreja, Marvin, cujo pastor é o Rev. F. M. Richardson e

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cujos membros andam em 2.200, se realizaram nossas reuniões. É diretor conferenciai, da Cruzada, o Rev. J. W. Mills. Todo o team jantou, na noite de 25, na residência do Rev. F. M. Ricbardson. Todas as reuniões em Tyler foram no dia 26 na Igreja Marvin. Os Bispos foram convidados a tomar parte no almoço do Club dos Leões. O jantar dos leigos foi na própria Igreja Marvin. Às 9,30 hs. pm., partimos de automóvel para Palestine, onde tomamos trem à meia-noite. No dia 27 amanhecemos em Houston, Tex., cidade de quase 400.000 habitantes e porto marítimo. Ali paramos no Hotel Rice até às 9,30 hs. pm. quando partimos para Harlingen, Tex. O Club Houston nos ofereceu em sua sede o breakfast. Os jornalistas nos importunaram muito, querendo nossos retratos e entrevistas. Encontrei miss Lydia Ferguson, bondosa como sempre. Houston c sede de um distrito de 25 paróquias, das quais 23 estão dentro da cidade. Serve como superintendente distrital o Rev. H. M. Whaling Jr. Na primeira Igreja se realizaram nossas reuniões. Tem ela 4.300 membros. Seu templo, custou "apenasmente", 1.500.000 de dólares. É seu pastor o Rev. Paul W. Quilliam. Perto está a Igreja de São Paulo, também metodista, com 2.400 membros e um templo que custou "somente" 1.000.000 de dólares. Desta igreja é pastor o Rev. S. S. Mackenney, que serve de diretor conferenciai.

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PRÍNCIPE DA IGREJA Em Houston nos deixou o Bispo Ainsworth, chamado com urgência para Macon, Ga., mas nos veio ao encontro o Bispo J. M. Moore. As reuniões foram na Primeira Igreja. A Harlinglon chegamos na madrugada de 28 de janeiro. Hospedamos-nos no Hotel Madison. Dia escuro e chuvoso. Harlington tem, quando muito, 20.000 habitantes. Vive de cultivar laranjas e grape fruits. É sede de um distrito de 18 paróquias, cuja superintendência está nas hábeis mãos do Rev. Charles Nixom. Na cidade há somente uma paróquia metodista, a Primeira Igreja, onde se realizou a l.a reunião, de manhã, se reuniu o grupo dos homens e se fêz o culto de consagração, de tarde. É seu pastor o Rev. Bolton Boom. Tem 886 membros. A reunião das Senhoras, de tarde, foi na Primeira Igreja Batista. O jantar dos leigos foi noutro hotel, perto do em que estávamos hospedados. A reunião da noite foi no Auditório e teve o concurso de um coro de mais de 100 figuras. Ali serve como diretor conferenciai o Rev. Grady Tymmons, um cará ter de anjo. À tarde, não obstante o mau tempo, o Rev. Nixom me levou e ao Bispo J. M. Moore, em seu automóvel, a ver as grandes plantações de grape fruits dos arredores da cidade. Partimos às 10,20 hs. pm. para San Anthony, Tex., onde chegamos no dia seguinte, 29, precisamente às 7,00 hs. am.

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San Anthony tem cerca de 275.000 habitantes. O povo, ali, pela influência mexicana e espanhola, já apresenta, em geral, outras características, especial-mente cabelos pretos. Também nos costumes: fron-teira ao Hotel St. Anthoy, onde nos hospedamos, está uma praça como as que temos no Brasil, coisa rara nas cidades americanas, nas que já visitei, pelo menos. Em San Anthony há 13 paróquias metodistas e nos seus arredores há mais 6. Essas 19 paróquias formam um distrito, agora sob a superintendência do Rev. F. M. Freeman. Na principal igreja — Igreja do Parque Travis — tivemos nossas reuniões. Tem 3.254 membros. É seu pastor o Rev. J. Grady Timmons, já mencionado. O Bispo Kern foi seu pastor. Ali me encontrei com miss Leia Putnam, miss Zula Terry, Sra. e Snha. Joiner (viúva e filha do finado Rev. Eduardo Joiner), casal R. A. Taylor, que trabalhou em Passo Fundo. Com eles passei momentos de recordações do Brasil. Miss Putnam ficará mais um ano aqui, em tratamento de saúde. Na casa da Sra. Joiner só se fala português. A Snha. Joiner, Virgínia, que era ainda muito pequena, quando voltou para os Estados Unidos, fala tão bem o português como qualquer brasileiro. Também ali me procurou uma venerável matrona, brasileira de nascimento, filha de um engenheiro americano que esteve no Brasil de 1865 a 1870, amigo de D. Pedro II e que se casou com uma patrícia nossa do Estado do Paraná. Veio em pequena para os Estados Unidos. Disse-me que sua mãe muitas vezes lhe contava be

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PRÍNCIPE DA IGREJA lezas de nossa terra e que um dos maiores desejos que nunca pôde satisfazer era conhecer o berço natal. 0 jantar dos leigos foi na A.CM. Em San Anthony nosso "team" de novo se desfez para se recompor em El Paso, Tex., no dia 2 de fevereiro. Na cidade ficamos eu e o Dr. Rawls, no dia 30 de janeiro. Já posso anunciar o resto de meu itinerário nos Estados Unidos: El Paso, Phoenix, Los Angeles, São Francisco, São Luiz, Spríngfield e Nashville. A Nashville devo chegar no dia 13 de fevereiro. Depois disso se eu puder irei a Atlanta e Chattanooga. Pelo vapor Delnorte, de Nova Orleans, partirei para o Brasil em 20 de fevereiro. Espero estar em casa em 10 de março. Referi-me em artigo anterior a um grupo de leigos que em Nova Orleans procurou o Colégio dos Bispos. Desejo agora expor seu espírito otimista. Um deles falou assim: Soubemos que os senhores pretendem levantar 400.000 dólares para cancelamento da dívida do Board of Missions. É muito pouco. Os senhores devem levantar dois milhões para cancelamento dessa dívida e incrementação do trabalho missionário. A Igreja está pronta a dar essa importância. Quando ouvi isso lembrei-me da choradeira do "non possumus" que muitas vezes ouço aí nas nossas igrejas e da declaração inflamada de Gaspar da Silveira Martins: "Querer é poder". De fato precisamos muito

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no Brasil nos revestir de otimismo e da vontade de trabalhar.

Aqui encontrei dois estados que cunharam moedas de valor insignificante, Oklahoma e Louisiana. São elas de alumínio e de cobre ou de coisa que o valha e circulam nas mesmas condições das moedas da República. Isso me fêz lembrar a dinheirama grossa de Minas, São Paulo e Rio Grande nos dias da revolução. Cá e lá más fadas há. Com pouca diferença os caminhos que os homens acham nos momentos de apuro são os mesmos em toda a parte. Alegro-me quando ouço os Bispos Boaz e Ainsworth pregando sobre questões sociais. Eles entram direta e energicamente no assunto. Não temem contradita, não podem mais tolerar um cristianismo indiferente aos sofrimentos humanos e injustiças sociais, inferior ao judaísmo dos profetas do Velho Testamento. Alegro-me quando ouço os discursos dos Bispos Kern, J. M. Moore e Dobbs: "mais precisamos de Cristo mesmo do que todos os requisitos de cultura e civilização", "...o progresso da humanidade sob o poder do moderno paganismo ocidental, sob o domínio de um materialismo egoísta é o maior perigo da humanidade". Desde que cheguei a Nova Iorque em 30 de dezembro, até hoje só vi sol dois dias. O céu está sempre chumbado. Um chuvisco impertinente cai implacável noite e dia. E notícias dolorosas das

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enchentes e inundações em todo o vale do Mississipi, de centenas de afogados, de milhares de famílias sem abrigo, de mobilização do Exército como elemento de socorro me chegam ao coração a todo o instante.

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CAPÍTULO SEXTO

PROSSEGUEM AS ATIVIDADES NOS ESTADOS UNIDOS

R E G R E S S O

No mesmo dia em que cheguei a Nashville, Tenn., 13 de fevereiro, conferenciei com o Dr. Wasson, que havia regressado do Oriente no dia 28 de janeiro, e com o Dr. Rawls. O dia 14 era domingo. Às 11 hs., assisti ao culto na histórica Igreja McKendree. Depois ajan-tarei com o Dr. Rawls. Na companhia de miss Perkinson, miss Terry e do casal Wasson tomei chá, ao anoitecer, na casa do Dr. Moreland. À noite, preguei na Igreja McKendree, onde encontrei miss Denison. Após o culto houve uma recepção. No dia 15, ainda em Nashville, meu programa, fielmente executado, foi o seguinte: novas conferências com os Drs. Wasson e Rawls; comparecimento à

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reunião dos pastores do distrito, aos quais saudei; visita à Casa Publicadora e aos redatores do Christian Advocate; visita à viúva Ransom; outra conferência com o Dr. Rawls; culto no Colégio Scarritt, em que fui apresentado e interpretado, na pregação, pelo Dr. Moreland. Os Drs. Quillian, Morelock e Cream, com quem eu precisava conferenciar não estavam na cidade. Almocei no Hotel Tulane, na companhia dos Drs. Moreland e Williams, este da Junta de Educação; jantei no Colégio Scarritt, por deferência de miss Denison. A família Hubbard já havia deixado Nashville, em excursão de 2.000 milhas, para visitar parentes. Até às 10,4,5 hs. de 16 ainda estive em Nashville. Cedo fui ao Board of Missions, onde tive mais conferências com o Dr. Rawlings, Dr. Wasson, miss McKinnon, Sra. Turpin — um jornalista me fotografou e pediu entrevista, encontrei o Dr. Yang, etc. Àquela hora tomei trem para Chattanooga, Tenn. Os Drs. Wasson, Moreland, Yang, miss Denison e miss Virgínia, uma encantadora criatura, candidata a tra-balho missionário no Brasil, tiveram a gentileza de ir à estação ao meu botafora. Às 14,25 hs. eu chegava a Chattanooga. Ali me esperavam, na estação, o Dr. Hounshell, o fundador da União dos Estudantes para o Trabalho de Cristo, no Brasil, o Dr. Perry, cunhado do Dr. Tucker, e o Dr. Thomas, membro da Board of Missions e advogado de renome. Hospedei-me na casa do Dr. Hounshell,

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NELSON DE GODOY COSTA uma vivenda admirável nas cristas do Lookout Mount. Visitei, num hotel, a comissão que estudava o lugar da Conferência Geral e escolheu Birmingham, Ala. Falei pelo telefone com o Dr. Carr, em Atlanta. Percorri toda a Rock City e os lugares dos monumentos da Guerra Civil. Depois do jantar, numa tertúlia familiar e cristã, a que compareceram o Dr. Thomas, o casal Ambrey Folts e o casal W. G. Brown, palestramos até às 21 horas. Meu propósito, em ir a Chattanooga, era precisamente visitar os casais Hounshell e Perry. A Sra. Perry estava em Nashville. Às 9 hs. do dia 17, batiam à porta da casa do Dr. Hounshell. Era o Dr. Carr que, de automóvel e na companhia de Wilbur Smith e Rev. W. Glenn Borchers, me havia ido buscar para Atlanta, Ga. Viagem aprazível. Ao longo da estrada, em quantidade inconcebível, toalhas, colchas, etc, finamente bordadas, à venda — trabalho e inteligência das senhoras e moças do campo. Em certo ponto, uma cidadezinha, paramos, compramos frutas e o Rev. W. Glenn Borchers, em frente a uma de suas igrejas, tirou fotografias do grupo. Às 12,40 hs. entravamos na casa do Dr. Carr, construída nos terrenos da Universidade de Emory. Ali me hospedei. Às 18 horas eu e o Dr. Carr fomos jantar no refeitório ou coisa que o valha, da Igreja Memorial de Glenn (ou da capela da Universidade, não estou bem certo). Havia umas 250 pessoas presentes. Era um concilio paroquial. Após o mastigo, o Dr. C. C. Jarrell,

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superintendente distrital, fez as perguntas disciplinares. Por fim me foi dada a palavra, apresentado pelo Dr. J. E. Ellis, que pouco antes eu encontrara. Falei por uns 20 minutos. Na companhia dos Drs. Carr e Ellis, visitei ainda nessa noite, o Dr. Lavens Thomas III, professor de Educação Religiosa da Universidade. A Igreja Memorial de Glenn é uma paróquia fundada há coisa de 15 anos, para servir à Universidade de Emory e vizinhanças. Tem um bonito templo. Conta agora com 820 membros dos quais, quase 100 recebidos no último exercício eclesiástico. Levantou, no último exercício eclesiástico, cerca de 14.000 dólares ou sejam 238 contos (Pano de amostra, dado por uma igreja de muitos estudantes, muita gente pobre, professores mal pagos, etc. para certas igrejas nossas. É que ali os ecônomos trabalham de fato e o pastor toma parte nas atividades financeiras. É seu pastor o Rev. Nat Long. No dia 18 preguei na capela da Universidade aos professores e estudantes de teologia. Entre os presentes se encontravam também o Dr. Ellis, miss Glenn, a senhorinha Dulce Ferraz, de tradicional família paulista, Sra. Stewart (filha do pranteado Dr. Eduardo Carlos Pereira), além de pastores e outros estudantes e professores que não de teologia. Às 13 horas, em sala reservada da cafeteria da Universidade, tive almoço com um grupo de amigos e irmãos missionários, professores, alunos, pastores, etc. Depois do respasto, falei aos presentes por meia hora. Em seguida, me pus à disposição de todos, para res-

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ponder perguntas. Respondi umas dez. Apresentou-me na capela o Dr. Carr. E também no cafeteira. Jantei com o Rev. W. Glenn Borchers. O Dr. EUis tirou diversas fotografias de grupos em que eu me encontrava. Com êle e Dr. Carr visilei o Museu Wesleyano. Com os irmãos cujos nomes declinei passei horas sobremaneira gratas em Atlanta. O Rev. W. G. Borchers e Wilbur Smith estão ultimando seus estudos para seguirem para o Brasil. 0 Dr. Ellis regressará em junho. 0 Dr. Carr, talvez antes. Muito me lembrei da visita que fiz a Atlanta, em 192G, quando ainda frequentavam a Universidade de Emory os Revs. Derly A. Chaves e David Medeiros. Às 18 horas o Dr. Ellis partiu para Macon, Ga. Eu deveria partir às mesmas horas para Nova Orleans, mas, por causa do atraso do trem, só consegui fazê-lo às 19,30 hs. A Nova Orleans cheguei às 9 hs. do dia 19. Reunia-se na cidade uma convenção nacional de professores. Todos os hotéis estavam tomados. Depois de andar de Pilatos para Herodes e de Herodes para Pilatos por mais de 1 hora, à procura de lugar onde eu pudesse passar uma noite, encontrei um quartinho num hotel de 3.a classe... Quem lucrou foi o chauffeur que me levou 2 dólares... No mesmo dia, na Delta Line, no Vice-Consulado Brasileiro e na Alfandega pus minha papelada em ordem para tomar no dia seguinte o vapor Delnorte, para o Brasil, de regresso.

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PRÍNCIPE DA IGREJA Com o vice-consul brasileiro, um moço paulista de rara distinção, que me recebeu em seu gabinete, palestrei por espaço de meia hora. Na Delta Line encontrei o Rev. Hubbard que com a família tomaria também o Delnorte para o Brasil, de regresso. Nosso vapor deveria partir às 13 hs., do dia 20, mas só partiu às 16 horas. Assim terminei minha excursão pelos Estados Unidos. Nesse maravilhoso país de estudo e trabalho, visitei 28 cidades, fiz 20.512 quilómetros de estrada de ferro, 766 quilómetros de automóvel e 367 quilómetros de ônibus, em viagens; falei duas vezes no Concílio Geral Missionário; 29 vezes, cm plenários; 19, em reuniões de senhoras, da Cruzada dos Bispos, preguei em 6 cultos dominicais; discursei em 3 clubes; dirigi a palavra a uma classe de escola dominical; fiz saudações em uns 15 jantares de leigos; fiz uma pa-lestra num colégio, duas numa universidade, uma num Concílio paroquial; passei 22 noites em hotéis, 27 noites em trens e 3 em lares amigos. R E G R E S S O O Delnorte devia deixar Nova Orleans às 13 hs. do dia 20 de fevereiro. Devido ao serviço de carga, deixou às 16 hs. Creio que não ha em toda parte do mundo horário que menos se cumpre do que os marcados para a partida dos navios. Pouco depois de meio-dia eu já me achava no cais da rua Mandeville. Ali encontrei a família Hubbard que seria minha companheira de viagem.

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NELSON DE GODOY COSTA Nova Orleans está a coisa de 100 milhas da embocadura do Mississipi. Mal se poderá dizer porto marítimo. Recebe entretanto navios de todos os ca-lados e de todos os mares. É o segundo, em movi-mento, de toda a República. Logo que o Delnorte partiu verifiquei que o nível das águas do Mississipi estava muito acima do nível da cidade. É que elas eram contidas de um e outro lado do rio por sólidas barragens. Mais uma obra monumental da engenharia americana. A elevação das águas se devia às muitas chuvas e enchentes dos últimos dias. Por volta das 19 hs. o navio parou e se pôs a apitar. Não podia vencer a cerração. Já por três vezes, andando estivera quebrando galhos de árvores submersas e em perigo de embicar nas barrancas. Lá pela madrugada do dia seguinte é que se mexeu de novo. Por volta das 10 horas do dia 21 entrava no golfo mexicano. Nada a dizer de todo o percurso da viagem, de então até ao Rio, senão que foi esplêndido. Na tardinha do dia 22 avistávamos os passageiros, o farol de Tortugas, último ponto da terra americana. No dia 23 tínhamos ao sul, à pequena distância, as costas de Cuba. No dia 24, ao norte, não muito longe, a ilha de Anágua. No dia 25 já avistávamos, à direita, São Domingos. No dia 26, à direita, Porto Rico, e, à esquerda, o grupo de São Thomaz. No dia 27 costeamos pelo norte de

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PRÍNCIPE DA IGREJA Guadelupe. Depois disso só avistamos terra no dia 7 de março — eram as costas pernambucanas — e no dia 10 era o Cabo Frio, e no dia 11, era o Rio. O Delnorle era um navio de carga, construído apressadamente, mas seguramente, durante a Grande Guerra, para transportar alimentação e munições para a Europa. Foi. mais tarde, adaptado para transportar limitado número de passageiros, 30, se não me engano. Uma dessas conveniências que somente as companhias de navegação sabem explicar. Nessa viagem éramos 32 passageiros: para o Rio, 4; para Santos, 15; para Buenos Aires. 13. Foi preciso socar os de dois camarotes para conseguir lugar para os 2 excedentes. Eu fiz cama num divã: era um dos excedentes. Doutro modo teria que ficar ainda nos Estados Unidos pelo menos uma semana. Vivemos os 19 dias comunisticamente. No navio só havia uma classe, a chamada dos turistas. Não havia, pois, lugar para nobrezas nem para plebeísmos. Ministros, comerciantes, operários, passamos a temporada marítima num ambiente de camaradas. T í n h a m o s piscina, rádio, shuffle-board, pingue-pongue, quebra-cabeças, jogo de damas, etc. E todas as manhãs o jornal datilografado pelo rádio-telegrafista, com noticiário geral. Pouco depois da partida, descobri entre as passageiras miss Bessie Aleen, missionária presbi-teriana em Castro (Paraná); mais tarde, miss Leia E. Taylor, secretária do Departamento de Missões da

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NELSON DE GODOY COSTA Igreja dos Discípulos de Cristo, que ia, acompanhada de sua mãe, visitar trabalhos de sua denominação na Argentina e no Paraguai; finalmente, miss Adele Lain, missionária batista em Pernambuco. Tivemos dois cultos. Eu dirigi o primeiro no domingo, 28. O Rev. Hubbard dirigiu o segundo, no domingo, 7. Tivemos a assistência de quase todos os passageiros. O navio, ao contrário de outros que atrasam ou adiantam o relógio de hora em hora, conforme marcham para oeste ou para este, acerta-o diaria-mente, ao meio-dia, no ponto em que se acha. Parece que é melhor assim. Refeições: — almoço às 8 hs., caldo às 11 hs., jantar às 13 hs., chá às 15 hs., ceia às 18 hs., sanduíche às 22 hs. Assim se faz em quase todos os navios. Isso é que é comer! Aos magros e aos comilões de todas as partes se pode recomendar uma viagem por mar. Se não enjoarem... Eu e a família Hubbard ocupávamos inteiramente uma das mesas do refeitório. No dia 22 de fevereiro, data natal de George Washington, foi servido, na ceia, um enorme bolo. Em cima do dito estava escrito com letras de açúcar colorido: George Washington. Eu nunca menti. Atribui-se ao grande presidente essa declaração — Eu nunca menti. Um seu patrício passageiro, por humorismo, com certeza, disse que essa foi a menor mentira que ele disse.

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PRÍNCIPE DA IGREJA Todas as semanas fazíamos exercício de salvamento. Durante a viagem li dois livros — The Search for a New Strategy in Protestantism e Vultos do meu Caminho. Principiando com a ceia, houve, na noite do dia 27, um tachy party a bordo. No dia 5 foram iniciados nos mistérios de Netuno os passageiros que cruzavam o Equador pela primeira vêz. Pobre gente! Tomou bolo de criar marca, bebeu água salgada, teve os pés besuntados com queijo de Limburger, foi barbeada com navalha de pau, sofreu o banho de um enorme balde de água fria, etc. Alguns dos passageiros ficamos surpreendidos quando soubemos que a bordo não havia barbeiro. Havíamos deixado propositadamente para cortar o cabelo no navio... Não havia mais remédio — tí-nhamos que desembarcar no Rio com uma cabeleira daquelas... Dizem que a marinha mercante do Brasil ocupa atualmente o 7.° lugar. Fiquei satisfeito por ver navios brasileiros em Miami, Nova Orleans, por encontrá-los na rota dos Estados Unidos, na rota da Europa, e por sabê-los frequentes em Boston e Nova Iorque. — Não sei como agradecer aos irmãos e amigos dos Estados Unidos e do Brasil as gentilezas e atenções que me dispensaram por motivo de minha viagem.

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Lá dos bispos, dos secretários e funcionários da Board of Missions, de secretários e funcionários de outros Boards, de muitos dos superintendentes distritais, de inúmeros pastores, de leigos, de presidentes conferenciais e locais das sociedades missionárias de senhoras, dos missionários em férias, de reitores de colégios e universidades, de presidente de clubes, de jornalistas, de velhos conhecidos da minha ida à Conferência Geral de 1926, do estabelecimento da autonomia da Igreja Metodista do Brasil, e até de meus correspondentes filatélicos recebi tantas demonstrações de boa vontade, de carinho, que não basta dizer-lhes simplesmente: — Muito obrigado. Aqui estão suas cartas, seus telegramas, seus dizeres de boas vindas à terra americana, de alegria por minha presença, de agradecimentos, que não mereço, pelo que procurei fazer entre eles, de apreço, que também não mereço, por minha pessoa, juntamente com os mimos que me ofertaram — lembranças que me desvanecem sobremodo, que falam de sua generosidade de sua grandeza dalma. Uma palavra especial de imorredoura gratidão envio aos meus queridos companheiros de team, homens e mulheres piedosos, que tudo fizeram por me facilitar as viagens e trabalhos na Cruzada dos Bispos. Cá, foram as palestras animadoras, as cartas de estímulo, os telegramas de despedidas, a presença no cais, ajudas multiformes, quando eu estava para partir, por parte de muitíssimos irmãos e amigos; foram, depois, as comunicações que alegram, que me enviaram, quando eu já estava em plena campanha; foram, finalmente, as saudações no

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PRÍNCIPE DA IGREJA cais, as cartas de felicitações, os telegramas de boas vindas, quando eu regressava, gestos todos que de-nunciam sua bondade infinita. Também não basta que eu lhes diga simplesmente: Muito obrigado. A viagem do Bispo brasileiro a Norte América é sobremodo interessante para a Igreja recentemente estabelecida no Brasil. Em 13 de abril desse ano o "Expositor Cristão" tece considerações, das quais escolhemos para nossa biografia uma parte. A VISITA DO BISPO CÉSAR DACORSO FILHO AOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA DO NORTE A visita do ilustre líder da Igreja Metodista do Brasil aos Estados Unidos da América do Norte para participar da "Cruzada dos Bispos" constituiu ocasião notável na história do Metodismo Norte Americano. Entre os muitos planos organizados para a grande campanha missionária que ora se vai processando na Igreja Metodista do Sul, ousamos declarar que nenhum acontecimento atraiu tanta atenção ou serviu de tanto estímulo como a visita dos distintos representantes que vieram de outros países para dar-nos a honra de sua presença, o conforto de seu testemunho de fé em Cristo Jesus e as notícias animadoras do progresso que se há realizado pelo poder do evangelho. Tivemos o prazer de ouvir o primeiro discurso pronunciado peio Bispo César perante uma grande multidão de senhoras missionárias na primeira igreja de Nova Orleans. Falou em inglês, de modo tão claro e com tanta convicção e eloquência que o povo custou

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NELSON DE GODOY COSTA

a crer que fosse essa a primeira vêz que o Bispo usara o inglês em discurso público. Falou do progresso rea-lizado pelo Brasil nos últimos anos, das riquezas do país em boa parte ainda não realizadas, do futuro muito promissor que se espera para a nação brasileira, e mui particularmente do seu povo que já produziu valores reconhecidos pelo mundo inteiro. Falou o Bispo no dia seguinte perante uma congregação que enchia o auditório da igreja central da cidade. O outro orador dessa ocasião foi o Dr. E. Stanley Jones, talvez o missionário mais famoso dos nossos dias. Ficou resolvido que a "Cruzada" fosse levada a efeito por dois "teams" viajando um no território a leste do rio Mississipi e o outro no que fica ao oeste dessa linha divisória. O Bispo César foi indicado para o segundo "team" viajando com os Bispos Kern, Moore, Smith, e Boaz, Dr. Clark e Sra. Cram. Este "team" viajou pela maior parte do "far-west" do nosso país, indo até a Califórnia, onde realizou conferências nas cidades de Los Angeles e São Francisco, voltando depois a São Luís e pelos estados centrais até chegar em Nashviile. Já recebemos informações diretas de várias cidades visitadas e em todas foi deixada uma impressão profunda pela visita do ilustre representante do Brasil. Já muitas vezes, ao subscritor destas linhas, foi dirigida a pergunta: "Por que não podemos pro-videnciar para que haja visitas mais frequentes dos ilustres irmãos do Metodismo brasileiro?" Há entre a nossa gente aqui um desejo profundo, ardente e sin-cero que se estreitem cada vêz mais os laços de amor

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PRÍNCIPE DA IGREJA cristão entre os dois povos e, mui especialmente, entre os membros desse ramo da igreja de Cristo, nas duas Américas. Ha três valores especiais produzidos pela visita do Bispo César, valores estes que queremos ter o prazer de citar aos prezados amigos no Brasil. O primeiro foi sugerido pelas linhas acima: isto é, o estreitamento dos laços de fraternidade e amizade entre os dois povos. Desde a declaração de independência do Brasil, em 1822, quando o governo daqui se apressou em colocar-se ao lado do Brasil cooperando em efe-tivar as garantias de liberdade e independência pro-clamadas, o nosso povo manteve sempre uma simpatia particular para com o Brasil e para com o povo brasileiro. Felizmente essa simpatia e amizade têm se fortalecido durante mais de um século e continua a crescer até os nossos dias. O Brasil, pelos seus representantes em mais de uma ocasião, salvou os interesses da paz pan-americana pondo a força de seu prestígio e de seu amor à paz no lado da boa vontade internacional. É fato de muita significação que a grande nação brasileira continua hoje no rol das legítimas democracias nesse mundo tão atormentado pelas ideias fascistas e comunistas. A visita do Bispo César contribuiu para fortalecer o espírito de paz e de boa vontade que, há longos anos, reina entre as duas nações amigas. Teve significação também sua viagem em revelar os valores do movimento autónomo entre as igrejas "novas" em muitos países. Há pouco mais de

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NELSON DE GODOY COSTA seis anos que a nova Igreja Metodista do Brasil foi estabelecida. Se jamais houve quaisquer dúvidas, seriam facilmente dissipadas, por certo, ao considerar o grande progresso alcançado durante esse curto período de tempo pelo Metodismo brasileiro. Reconhecido o fato que o acréscimo de membros nesses 6 anos é 47% maior do que em qualquer outro período igual do passado, difícil é negar que a tendência "independista" tem as suas raízes lançadas em terreno produtivo, ou, mudando de figura, que o "edifício autónomo", vai se construindo sobre as mais sólidas bases. Citando tais provas e fatos, e perante milhares de pessoas em nosso país, o Bispo César conseguiu esclarecer a mente de muitos sobre essa tendência, a mais significativa, do movimento missionário moderno. Ainda há outro fruto da obra do Bispo César que convém notar. A sua interpretação dos princípios do evangelho do nosso Salvador veio mostrar-nos um fato não devidamente notado — que cada país e povo têm a sua própria contribuição a fazer à compreensão total das verdades de Jesus. Assim como no terreno da cultura — arte, literatura, ciência e filosofia, — cada nação contribui com sua parte no desenvolvimento da cultura universal, assim também estamos aprendendo semelhante lição no terreno mais alto e sublime que é o da religião cristã. Cremos com convicção que ao Protestantismo sempre faltou algo nas suas interpretações e práticas por ser uma religião adotada quase exclusivamente durante séculos pelos povos anglo-saxônicos e germânicos. Faltou, talvez,

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PRÍNCIPE DA IGREJA1 uma certa qualidade de interpretação que somente a raça latina podia dar. Disse-me um pregador bem instruído, após ouvir um discurso do Bispo César: "Parece-me que êle está olhando para o evangelho por um novo prisma. Assim como êle ganha novas ideias nossas, assim também vamos aprendendo dele."

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CAPÍTULO SÉTIMO

NOVAMENTE EM SUA PARÓQUIA, O BRASIL

Novamente em sua paróquia, o Brasil o Bispo brasileiro prossegue no trabalho que não sofreu so-lução de continuidade. De oito a treze de abril está presidindo a sétima reunião do Concílio Regional do Norte, realizada no templo da Igreja Central de Juiz de Fora e que se desdobrou em dez sessões. Além dos trabalhos regulares fala ao concílio sobre a Cruzada dos Bispos em que tomou parte. Passando pela capital paulista a caminho do Concílio Regional do Centro, visita o Ex.mo Sr. Governador do Estado, Dr. J. J. Cardoso de Melo Neto. Acompanham-no os Revs. Guarací Silveira, Claude Livingstone Smith, Afonso Romano Filho, e Nelson de Godoy Costa. Saudando o Ex.mo Sr. Governador discursa o Rev. Guarací Silveira. Nesse mesmo dia e acompanhado dos mesmos pastores, o Bispo brasileiro visita a Associação Paulista de Imprensa.

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PRÍNCIPE DA IGREJA Sua alividade prossegue intensa nesses meses. É impossível acompanhar-lhe os passos. Nosso livro cresceria assustadoramente. Vamos encontrá-lo na paróquia de Ubá, Rio Branco e São Geraldo em com-panhia do superintendente distrital Rev. Dr. Elias Escobar Gavião e do pastor, Rev. Alberto Fernandes Eiras. Vai a Teixeiras, Rio Branco, toma o ônibus para Guiricema, cidade onde o templo sofreu terrível fuzilaria de uma horda de assalariados do padre Belchior, e depois da fuzilaria a ação da picareta, das alavancas e da dinamite. Encontra o templo agora refeito e oferecendo aspecto muito mais agradável. Ruma a seguir para a fazenda do Cap. Joaquim Júlio Toffano, passando pelo sítio do Sr. Lopes Faria e pela fazenda do Valão, de propriedade da irmã D. Isaura da Cruz Botelho. Atravessa o arraial de Tuitinga e pelas seis horas da tarde chega a fazenda Boa Vista do Gap. Toffano. Prega a mais de quinhentas pessoas, e apresentam-se setenta candidatos. No dia seguinte vai a Sopé de Ubá e dali a Catagúazes. Nesses lugares visita, prega, batiza, anima, corrige, conforta. Sua passagem deixa sulcos luminosos. Encontra-se agora em Juiz de Fora; trabalha na igreja central, na igreja de São Mateus, no Colégio Granbery. Vai a Catagúazes novamente, observa que o distrito de Carangola melhora dia a dia apresentando surto animador.

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Em caminho visita as propriedades em Vermelho, Camargo e São Domingos. Em São Domingos monta o "aeroplano" célebre burro que serviu a vários pastores e superintendentes distritais e agora por certo sentia-se muito honrado em carregar um Bispo. Nessa mesma viagem vai a Carangola, paróquia de onde saiu a seis anos passados para assumir o episcopado. E é interessante notar suas observações nestes dias: "Passei todo o dia 26 de agosto em Carangola. Preguei à noite a uma congregação que transbordava do salão em que temos culto. Batizei quatro criancinhas. Durante o dia fiz algumas visitas e examinei quase todos os livros na companhia do pastor. O arquivo está devidamente organizado com todos os livros usados desde o inicio da paróquia; não tem a paróquia nenhum membro de paradeiro desconhecido. A grande necessidade é de um templo na cidade. 60% dos crentes contribuintes". Vai a Caiana, Manhuaçu, Faria Lemos, São Manoel. De suas pregações resultam quase cem candidatos à profissão de fé. Dá instruções sobre o problema das visitas pastorais. É pastor também e conhece a fundo o problema. Entende que as visitas apressadas feitas pelo pastor às igrejas, congregações, pontos de pregação são às vezes mais prejudiciais do que alentadoras. Em cada uma delas deve haver tempo suficiente para as visitas às casa dos crentes, dos candidatos, instrução dos candidatos, ministração dos

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PRÍNCIPE DA IGREJA sacramentos, organização dos livros e tudo o mais que se fizer necessário. Seu critério na escolha de superintendentes não pode ser mais justo. Olha para a produtividade, organização, tino administrativo, apego aos cânones, amor ao Metodismo. O homem que perde sua inteira confiança é imediatamente afastado do cargo. Segue os passos dos representantes da Igreja Metodista do Brasil no estrangeiro: "Depois de dois concílios que se estão realizando na Inglaterra o Rev. Epaminondas Moura visitará Paris. A caminho do Brasil parará por duas semanas em Portugal para realizar conferências em Lisboa e Porto, res-pectivamente na igreja presbiteriana e metodista. Chegará ao Brasil no dia 27 de setembro pelo vapor Hibbland Chiftain. Visita Santa Maria a cidade de sua infância e a encontra de luto. Terrível ciclone derrubou dezenas de casa, abriu dez novos túmulos no cemitério, hos-pitalizou centenas de pessoas. Dentre os mortos encontram-se um ecónomo, sua esposa e filhinha. A casa foi pelos ares e seus corpos se encontraram se-parados mais de cinquenta metros uns dos outros. Da casa e dos móveis acharam-se pouco pedaços espalhados em grande área. O coração do Bispo bra-sileiro volta a ser o do menino de Santa Maria. Chora a dor de sua cidade natal. Viaja para Passo Fundo, no mesmo Estado sulino, em companhia do Rev. António Rolim. Ao

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NELSON DE GODOY COSTA deixar Soledade começa chover copiosamente. Per-corrida pouca distância o ônibus que não era mais que uma carcassa de ônibus principia a andar com muita dificuldade. Muitas vezes por pouco deixou de tombar. Em dois lugares o Bispo e os passageiros têm que descer e empurrar o calhambeque debaixo de chuva impiedosa e amassando barro a vontade. Gastam 12 horas para vencer 94 quilómetros e ao fim da viagem o chaufeur cobra cinquenta cruzeiros, e ante o olhar de espanto dos passageiros molhados, enlameados e cansados diz que é baratíssimo!... O Bispo brasileiro chega à casa, sai do banho e a vida continua.

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PANORAMAS DE UM EPISCOPADO

segundo quatriênio

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CAPITULO PRIMEIRO

PANORAMAS DE UM EPISCOPADO REELEITO BISPO NO TERCEIRO CONCÍLIO GERAL Na oitava sessão do terceiro Concílio Geral reunido em Juiz de Fora, no dia 10 de fevereiro de 1988, pela ordem dos trabalhos procede-se à eleição dos bispos da Igreja Metodista do Brasil. É reeleito primeiro Bispo o Rev. J. W. Tarboux. É reeleito segundo Bispo o Rev. César Dacorso Filho. Emocionado faz uma preleção sobre os problemas do episcopado, especialmente no caso da Igreja Metodista do Brasil, do que podia falar com conhecimento de causa pelos seus quatro anos de trabalho. Agradece ao Concílio pela sua reeleição para tão pesado encargo. Conclui seu relatório a esse Concílio, apresentado antes de sua reeleição pronunciando as seguintes palavras: "A Igreja elegendo-me para seu episcopado me pôs nas mãos poderes extraordinários e me abriu as portas a honrarias incomuns. Preciso dizer que não abusei de tais poderes. Fui acessível a todos.

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NELSON DE GODOY COSTA Procurei ser sincero em tudo. Guiou-me o propósito de servir a Igreja e de atender-lhe a qualquer preço os interesses supremos. Acertando ou errando, favo-recendo os homens ou desfavorecendo-os, foi assim que agi, invariavelmente. "As honrarias de que fui alvo dentro e fora de nosso circulo eu as transfiro à Igreja Metodista do Brasil, que é só quem tem direito a elas. "Perante vós nesse Concilio supremo afirmo que as alturas do episcopado não me atraem mais nem menos que a obscuridade de qualquer pastorado em remota paróquia das matas ou dos sertões brasileiros, e deponho minha palavra de honra que não tenho aqui nenhum interesse pessoal a defender e nenhuma aspi-ração pessoal por que me propugnar. "A todos meus bons e queridos irmãos que comigo cooperaram constante, fervorosa e lealmente, minha inapagável gratidão. "À Igreja Metodista do Brasil, a aureola de triunfos a que ela faz jus, como dispenseira dos ensinos e dos exemplos do Cristianismo". Estas palavras, pronuncia-as ao concluir seu relatório e antes de ser reeleito Bispo. É assim o homem. Grandeza de alma.

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PRÍNCIPE DA IGREJA ACUDINDO A CAMPOS QUE BRANQUEIAM E

SEMEANDO OUTROS CAMPOS Seu trabalho é ininterrupto. Impossível, como já o dissemos, acompanhá-lo passo a passo na atividade intensa. Estamos colhendo para oferecer e documentar essa vida admirável pérolas esparsas. O Bispo brasileiro é sem dúvida alguma, o estabilizador da Igreja Metodista do Brasil e ao seu tirocínio de condutor e à sua visão de profeta a I.M.B. deve a organização extraordinária que é e com que se apresenta para a pregação do Evangelho de Jesus. O Bispo brasileiro sente que o episcopado está criando de dia para dia mais ligações dentro e fora da Igreja. Nas mesmas proporções desenvolve-se seu trabalho de pena e secretaria. Diminui também com isso a possibilidade de assistência direta aos distritos e paróquias. Diminui também a possibilidade de sua presença aos congressos, institutos, reuniões de conselhos superiores, instituições, campanhas de evangelização. Diminui ainda a possibilidade de atender convites para as reuniões de caráter interdenominacional e social. Ampliando-se cada vêz mais o território e as possibilidades da Igreja e suas atividades, ampliam-se também por outro lado e na mesma escala as responsabilidades. Não há tempo que chegue para ele. Contudo viaja, viaja muito, viaja quanto pode; preside as reuniões do Conselho Central, dos concílios

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regionais, dos concílios distritais, está presente às reuniões das juntas gerais, dos conselhos superiores, aos congressos das sociedades, aos institutos; ajuda nos esforços de evangelização; visita e inspeciona paróquias, atende a convites de cortesia. Está em constante correspondência com os secretários executivos para o estrangeiro da "Board of Missions" e do "Woman's Council". Cuida dos missionários em férias, dando-lhes certidões para poderem obter "visto" das autoridades brasileiras acreditadas no país, quando prontos para voltarem ao Brasil. Pede ao Rev. Dr. James Ellijah Ellis que estude a lei brasileira de imprensa para pôr os periódicos metodistas de acordo com elas, e, ao Rev. Dr. Guarací Silveira que estude as leis trabalhistas sobre caixas de pensão e aposentadoria e sobre seguros de vida para pôr de acordo com elas os obreiros metodistas. Dirige cerca de cem reuniões de oração, várias reuniões de consagração. Leva o Evangelho aos detentos nas cadeias e penitenciárias; fala cerca de cem vezes sobre vários assuntos; faz apelos para missões. Em qualquer cidade onde está visita membros da igreja, colégios, escolas, hospitais, redações de jornais, autoridades. É assim o homem. Infatigável.

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PRÍNCIPE DA IGREJA Preside ao 3.° Concílio Geral realizado em Juiz de Fora, Minas Gerais de 6 a 19 de fevereiro de 1938, a respeito do qual já nos referimos. Revela zelo apaixonado pela obra. Tendo encontrado em alguns lugares congregações e membros esquecidos, negligenciados e abandonados pelos seus pastores, em anos consecutivos, organiza com o auxílio dos superintendentes distritais, e estes por sua vêz, com o auxílio dos concílios paroquiais, um plano de visitação pastoral para cada paróquia, com força de nomeação e publica-o anualmente no "Atas e Documentos'*. Em 1938, opinando pela existência de uma só Faculdade de Teologia diz: "Minha opinião é que haja uma só Faculdade de Teologia, independente de qualquer Colégio, sob a direção de um conselho superior, nomeado pelo Concílio Geral, com estatutos próprios, mantida pelas três regiões eclesiásticas por um plano que lhes garanta direitos e interesses, e no lugar que mais convier à Igreja em geral. Creio que de tal modo a preparação ministerial será mais variada, mais profunda, enquanto mais económica, mais fortalecedora da coesão da Igreja, desfazendo regio-nalismos inconvenientes por desagregantes, mais uni-formizadora de nossas atividades e mais entrelaçadora de nossos próprios ministros." Receia as especializações que produzem peritos em excesso para tais ou quais posições e peso morto para as pobres finanças da Igreja, enquanto as paróquias ficam à míngua de pastores.

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Ainda pensando na Faculdade de Teologia, lembra a conveniência de se estabelecerem contatos com seminários da Europa, notadamente da França e Itália, para que os futuros ministros da Palavra absorvam não somente o pensamento teológico e anglo-saxônico, mas também o latino mais condizente com o génio brasileiro. Sempre que pode e por onde passa procura visitar as igrejas e os ministros de outras denominações. Prega em templos presbiterianos, batistas, independentes, congregacionais, episcopais. Fala aos estudantes da Faculdade de Teologia da Igreja Cristã Presbiteriana em Campinas, deixando no espírito dos académicos e dos professores impressão profunda de piedade e cultura. Oficia a cada junta regional por ocasião dos concílios regionais tudo o que sabe ser de seu interesse, enviando-lhe pareceres e sugestões. Mantém cor-respondência constante com os secretários executivos. Age da mesma forma para com as juntas gerais. Não cessa de incentivar por todos os meios ao seu alcance o aumento das contribuições para a ma-nutenção do ministério, o que reputa ponto de honra para sua administração. Para o Bispo brasileiro o primeiro passo a dar depois da autonomia da Igreja è o da independência financeira do ministério. Esta é uma de suas grandes lutas. Reinicia as viagens. Está em Itararé, no Estado de São Paulo. Embora desajudado pela escassas de tempo e falta de melhores informações, aproveita o

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PRÍNCIPE DA IGREJA ensejo para verificar que a cidade deve ficar em suas cogitações como campo de futura ocupação. Prossegue viagem para Marechal Mallet, no Estado do Paraná. Acompanhado pelo pastor fala e ora com um grupo de presos, visita, observa, estuda, conclui pelas possibilidades de progresso. Vai a Porto União no Estado de Santa Catarina, prega em três noites, dirige uma festa de amor, e preside ao Concílio do distrito de Santa Catarina em seis sessões; vai a Caçador no mesmo Estado. Chega a Cruz Alta, no Estado do Rio Grande do Sul, demora-se três dias e entre outras várias ativi-dades preside ao Concílio do distrito em cinco sessões. Viaja para São Borja no mesmo Estado; visita, batiza, ministra a santa comunhão, preside ao Concílio Distrital em cinco sessões. Prossegue viagem para Santa Maria. Em sua terra natal desdobra-se em atividades. Agora existe lá um grande Colégio Centenário. Fala às alunas. De sua cidade não sabe se mata saudades ou alimenta-as. Sabe que vive saudades fundas e intensas da cidade querida. Chega a Porto Alegre, a capital do Estado sulino. Em meio a tantas outras ocupações assiste a uma reunião da Junta de Ecônomos e para descansar visita o terreno que a igreja de Wesley pretende adquirir.

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NELSON DE GODOY COSTA Em 1938 organiza a primeira Igreja Metodista no Estado de Goiás, na cidade de Pires do Rio.

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Procurando elevar ao máximo o padrão dos concílios distritais sugere programas. Este é um exemplo: a) estudos da experiência de João Wesley em 24 de maio; b) reuniões de oração e testemunho com preferência a qualquer outras; c) um jejum, quando cada ministro e delegado vá um lugar onde possa estar sozinho, concentrar-se em meditação a respeito de si mesmo, seus deveres e responsabilidades, sua posição em face de Jesus Cristo. Talvez seja útil con-vidar a igreja hospedeira a acompanhar o Concílio nesta parte; d) culto público em que falem ao coração e à alma dos presentes, abrindo caminho para que Deus também lhes fale. Nada de controvérsias, nada de doutrinas, nada de referências às outras religiões. Tudo a respeito do tesouro inexaurível de amor, perdão, nova vida que Deus pôs diante de nós; e) um sentimento manifesto de que precisamos de alguma coisa, que vamos alcançar pela fé, pelo arrependi-mento, pela santificação em todos os trabalhos do Concílio. Um programa assim basta para definir um homem. Seu grande alvo para toda a Igreja Metodista do Brasil é este: "Penitenciemo-nos com arrependi-

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PRÍNCIPE DA IGREJA mento sincero. Clamemos até alcançar perdão e uma nova vida. Choremos nossos pecados, nosso passado, nossas falhas, nosso mundanismo, nosso egoísmo, até que tenhamos gozo em viver para Deus e somente para Êle." É o místico.

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Em 1938, restabelecendo-se de grave enfermidade originada por excesso de trabalho, escreve a um pastor: "Graças a Deus estou livre da "bicha". Não tenho mais febre. A incisão que recebi no primeiro granuloma cicatriza. O último granuloma absorvido pelo próprio organismo desaparece. Já dou passeios pela vizinhança. Preciso apenas de continuar em repouso e fortificar-me. As manifestações de simpatia e carinho, as orações feitas a meu favor nos dias amargos porque passei foram para mim um grande conforto e talvez o melhor remédio". Sady Machado da Silva, ministro da Igreja Metodista do Brasil na Região Eclesiástica do Sul oferece estes versos aos itinerantes da Igreja na pessoa do Bispo brasileiro.

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O ITINERANTE

Dedicado aos itinerantes da I.M.B., no dia de sua autonomia, na pessoa do Rev.mo Bispo Dr. César Dacorso Filho, e em memória do saudoso Bispo, Rev.m<> Dr. J. W. Tarboux . Cabeça erguida, face sorridente, Cadência firme sempre, olhar jucundo, Palestra amável, sã, por atraente, Semblante que se impõe com ar profundo. Na semeadura da boa semente, Alegre vai andando pelo mundo; De Deus, sendo, como é, um seu vidente, Ferindo o mal, o deixa moribundo. Na luta pelo bem, jamais põe trégua; Itinerando sai, de légua em légua, Arando a terra do Senhor na Vinha. De amor e fé armado é que peleja, Dizendo a quem admirado o veja: "O mundo eu tomo por paróquia minha".

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CAPÍTULO SEGUNDO

NA FAINA DO EPISCOPADO Auxilia os pastores na direção das paróquias, recomendando-lhes, à aproximação do fim do exer-cício eclesiástico, especial cuidado na escolha de seus oficiais para o próximo ano. Bom será de antemão consultar as pessoas que pretende indicar sobre suas disposições de cumprirem fielmente os deveres que a lei estabelece para o cargo em vista, e bom será não indicar, onde fôr possível, uma pessoa para mais de um cargo, assim como não indicar muitas pessoas da mesma família para diferentes cargos. Lembra que na Igreja Metodista do Brasil não há postos decorativos ou honorários, mas postos que exigem muito trabalho e muita consagração. Pastor antes que Bispo, insiste na visitação pastoral a todos os membros arrolados na paróquia e por carta aos que residem além de seus limites. Tal trabalho deve ter preferência a quase todos os outros e

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é o meio mais seguro de conservar a união das paróquias e de evitar a perda de membros da Igreja. No bicentenário wesleyano envia caloroso apelo a todos os ministros e leigos que dêem às comemorações o maior brilho possível e depois alegra-se com as informações recebidas. Dois diários de vulto, além da imprensa interiorana, um no Rio de Janeiro outro em Porto Alegre, estamparam o retrato de João Wesley e deram pormenorizadas notícias do Metodismo. Em 1938 entra nas suas cogitações o estabelecimento do trabalho metodista na cidade de Salvador, capital da Bahia e em Goiânia, capital de Goiás, a cidade menina do Brasil. São as duas maiores oportunidades que vê presentemente e estuda com a Junta Geral de Educação Cristã a possibilidade de todas as escolas dominicais unidas sustentarem o missionário que deve ser brasileiro, que irá para Salvador. Na reunião do Conselho Central desse mesmo ano estuda a ocupação de Curitiba a capital do Estado do Paraná por um missionário americano. Jornalista antes de ser pastor e agora pastor e jornalista trabalha pelo "Expositor Cristão" e luta pelo seu sustento próprio apresentando planos pertinentes ao gerente do jornal metodista que envolvem toda a Igreja na campanha. Sofre a pressão tremenda do tempo. É o elemento que mais lhe falta. Correspondência vultosa, concílios, juntas, relações com a Igreja Mãe, problemas numerosos que surgem sempre nas paróquias, conselhos superiores, leis nacionais, entrevistas, aprovação de

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PRÍNCIPE DA IGREJA

planos convites para isto e para aquilo, viagens, tudo se acumula sobre êle como verdadeiras montanhas que não o deixam parar um segundo. Nem sabe como sozinho tem aguentado tanta coisa. Deus o tem valido, certamente. Não é entretanto, o trabalho regular que muitas vezes amofina seu espírito, mas a má fé, a petulância, o politiquismo, o interesse subalterno doirado de justiça que aparece num ou noutro lugar para desanimar os moços, para causar escândalo à Igreja. Espera, todavia, que os homens criteriosos da Igreja, ministros e leigos, saibam distinguir o trigo do joio. Questão que sempre o amargurou é a dos pensionados e jubilados. Apesar de claras as leis são drásticas nesse respeito e o Bispo brasileiro não pode afrouxá-las. Embora não concorde com elas não pode deixar de cumpri-las e fazer outros cumprirem também. Entende que o aposentado e o jubilado, este com qualquer tempo de serviço devem receber pela mesma tabela dos ministros ativos. Não compreende como um ministro depois de servir 35 anos a Igreja e um ministro que involuntariamente se invalidou no serviço ativo devam receber menos que um ministro ativo. Admite diferença apenas na quota para aluguel de casa. Verdade é que não concorda que um jubilado mantido nas mesmas condições de um ativo, exerça qualquer trabalho para ganhar mais. Se pode trabalhar, trabalhe para a Igreja dentro da tabela. Nesse sentido estuda leis pelo órgão oficial e apresenta sugestões à Comissão de Legislação. Sente 7

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NELSON DE GODOY COSTA com tristeza que a Igreja é insensível ao seu pensamento. No segundo quatriênio de seu episcopado as leis eram assim. Hoje, entretanto o pensamento do Bispo brasileiro tem tido acolhida favorável e nossos aposentados e jubilados estão mais bem assistidos embora sua situação não seja ainda a desejável. Sempre foi favorável às reuniões de confraternização das igrejas das diversas denominações. Sente de certo que para isso é preciso que elas estejam preparadas em espírito e em obras, longe de facciosismos e proselitismos. Certa vêz dois pastores se desentenderam. Um deles fez queixa ao Bispo. Procurando resolver essa dificuldade surgida entre dois líderes da Igreja, o Bispo brasileiro que é pastor de pastores, responde ao pastor queixoso numa carta em que deixa ver seu espírito conciliador. Vale a pena ler um trecho: "Lamento deveras os incidentes que o prezado irmão menciona, ocorridos com o Rev ------------------------ , superintendente do distrito. Levarei sua carta comigo ao Concílio Regional, para, com a prudência que o caso requer, saber mais de perto a respeito dele. Queira ter paciência e procurar sempre o caminho mais suave e fraternal para resolver qualquer divergência não só com o superintendente distrital, mas também com qualquer outro colega e mesmo membro da Igreja em suas paróquias. Eu sei que o Rev...., tem maneiras de nortista, bem diferentes das de nós outros do Centro e do Sul.

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PRÍNCIPE DA IGREJA Isso não se lhe pode levar a mal porque c questão de mentalidade e génio. Talvez nós outros sejamos tão diferentes para èle quanto êle o é para nós. Sempre me lembro das dcsinteligéncias que há no Rio Grande do Sul entre gaúchos e baianos (assim chamam lá a todos os nascidos do Rio de Janeiro para cima) desinteligências que às vezes vão a conflitos. Eu com-preendo, entretanto, que são tão bons os gaúchos, como os baianos e que a luta se deve à educação e formação mental tão diferentes que tiveram. Com isto não quero ajuizar ura ponto sequer sobre as dificuldades que o irmão tem tido com o Rev...., mas apenas mostrar uma possibilidade para o desacordo que há entre os dois. Estamos nas vésperas da reunião do Concílio Regional quando poderemos remediar qualquer si-tuação da natureza da que o distinto irmão expõe". Cartas assim são necessárias de quando em quando. A Igreja Metodista do Brasil não admite a ideia de que superintendentes distritais sejam fiscais de pastores. Na Igreja Metodista do Brasil também não há lugar para indolentes. A marcha acelerada do trabalho exige ação enérgica de seus pastores e não admite vadios. De outro lado todo o cuidado na escolha dos membros do gabinete pastoral é pouco. São humanos os superintendentes, sujeitos as mesmas falhas no tra-balho pastoral. Falham se ao invés de ajudar o pastor como companheiro e amigo tomam a posição de superior, abusam do poder e pioram a situação.

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NELSON DE GODOY COSTA Tem havido homens sem o tato necessário que pre-cipitam e destroem. Há pastores de brio e de profundo senso de vocação que querem ir para o campo convictos de que sua nomeação foi orientada pelo Espírito Santo, trabalhar com o coração aberto no mais delicado e difícil de todos os trabalhos; e não que sua nomeação foi ditada pelo espírito inferior de um superintendente que no gabinete nem ao menos deu razão de sua vontade ou de um que votou a ida do pastor para essa ou aquela paróquia que êle superintendente não conhecia e por isso mesmo não podia opinar se era ou não a paróquia para aquele pastor. Tudo, entretanto, é gradativo. E nos gabinetes episcopais, graças a Deus tem sido para o melhor.

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CAPÍTULO TERCEIRO

QUALIDADES EXTRAORDINÁRIAS DE LÍDER Seus dons de condutor de homens são notáveis. Esta não é propriamente uma biografia do grande homem: ó um pequeno esboço biográfico. É um retrato imperfeito. Embora não nos falte material para uma fotografia muito melhorada, deixamos de fazê-lo, no que não nos desculpamos muito embora contrarie nossa disposição. Cremos, contudo, que outras biografias virão; outros livros de fôlego surgirão sobre a personalidade de entusiasmo contagiante do Bispo brasileiro, inspiração e convite insistente para amarmos muito mais a Igreja Metodista do Brasil. A Igreja Metodista do Brasil é uma realidade esplendorosa. É uma verdade no Brasil. Por isso mesmo precisa ser dirigida por mãos fortes e decididas.

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NELSON DE GODOY COSTA O Senhor da seara respondeu aos anseios da Igreja representada no Concílio Geral enviando para o episcopado César Dacorso Filho. Os parágrafos desta terceira parte do livro — No episcopado — são pérolas esparsas de uma grande vida oferecendo instantâneos de um grande homem à condução de uma grande Igreja. No desempenho de suas atividades informa com precisão e sugere com felicidade o trabalho que os pastores' devem fazer em certas circunstâncias: "no dia 23 do corrente, 2a.-feira, devem baldear, aí, das 21,49 às 22,05, da E. F. Paulista para a E. F. Mojiana, o Rev.mo Bispo Ivon Lee Holt e o Rev. J. E. Ellis. Se puder ir à estação, com o Rev. W. G. Borchers, para conhecer o primeiro e ajudar aos dois será favor. (Está escrevendo a um pastor residente em Campinas). No dia 25 do corrente, 4a.-feira, os mesmos viajantes devem baldear aí, das 6,17 às 10,03, da Mojiana para a Paulista, para Piracicaba (tinham vindo de Poços de Caldas). Como dispõem de quase quatro horas eu gostaria que a igreja de Campinas oferecesse a eles o seguinte: a) um café gostoso e suculento; b) um passeio de automóvel pela cidade para o Bispo Holt conhecê-la nos pontos principais; c) um ponto de repouso para o tempo restante; d) visita no passeio as nossas propriedades; e) estatísticas minuciosas de C a m p i n a s — bancos, estabelecimentos de ensino de todos os graus, casas de assistência, indústria, comércio, insti-

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PRÍNCIPE DA IGREJA tuições culturais, imprensa, rádio, estradas, assim como indicações da vida da cidade, se industrial, agrícola ou pecuária. f) em separado estatísticas religiosas da cidade: igrejas, membros, sociedades, estabelecimentos de ensino e assistência social, imprensa etc, particula-rizando muito bem as metodistas. Queira combinar muito bem tudo isso com o Rev. Borchers e outros elementos que o possam ajudar. Em data que será anunciada, possivelmente na lêrça-feira, dia 29 de maio, visitará Campinas o Rev. Stanley Jones, em companhia de outros. Seu trabalho aí será interdenominacional, num clube ou num teatro, preparado por uma comissão composta de elementos de todas as igrejas campineiras." Cuidadoso como pastor, exigente consigo mesmo, Bispo exige dos pastores rigor no cumprimento do dever sagrado. Diz que é dever do pastor, ao ser nomeado para uma paróquia corrigir todas as irregu-laridades que nela encontrar. A nova legislação ordena que êle comunique ao Bispo ou ao superintendente distrital quais as irregularidades que encontrou. Merece-lhe especial atenção e carinho o dia da recepção de membros à comunhão da Igreja. Reco-menda aos pastores que escolham de tempo em tempo um domingo para recepção de membros e batismos de crianças. 0 programa especial do culto dará mais solenidade ao ritual. Assim os cultos regulares não se

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NELSON DE GODOY COSTA estenderão por mais tempo e não sofrerão alteração na ordem canónica estabelecida para eles. Em 1939 vai aos Estados Unidos como delegado fraternal à Uniting Conference. Em 1940 vai nova-mente a Norte América como delegado fraternal à primeira Conferência Geral da Igreja Metodista daquele país. Eleito delegado ao Concílio Internacional Missionário que se realizou em Madras, índia, deixa de comparecer por motivo de saúde e nomeia para substituí-lo o Rev. Dr. Derly de Azevedo Chaves. Zeloso das propriedades da Igreja entra em con-lato com os secretários regionais de Missões, guias leigos regionais, superintendentes distritais, Mesas administrativas e pastores para apressarem a lega-lização das propriedades em situação irregular. A esse propósito escreve a um pastor: "Alegro-me com sua atividade em favor da legalização de nossas propriedades em suas duas paróquias. Fiquei deveras impressionado quando verifiquei que em nosso território tínhamos 115 propriedades e depósitos de dinheiro em estado precário de legalização, e com os prejuízos vultosos que com isso já havíamos sofrido. Desde então não tenho deixado de clamar aos quatro ventos pedindo esforços conjugados de todos em pôr essas propriedades e depósitos em ordem". Em ocasiões de concílios as igrejas principiaram a manifestar-se pedindo este ou aquele pastor. Procurando cortar pela raiz esse mal que poderia ter

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PRÍNCIPE DA IGREJA consequências desagradáveis o Bispo brasileiro insiste com as igrejas e mesmo com os irmãos clérigos e leigos que se abstenham de opinar sobre as nomeações pastorais. Isso porque os gabinetes episcopais têm sempre uma luta tremenda para colocar no pastorado os elementos disponíveis de modo a ter um superintendente para cada distrito, um ministro que pode ministrar os sacramentos ao lado de um suplente que não pode fazê-lo para ajudá-lo nesse particular, a favorecer o levantamento dos subsídios dentro da tabela, a aproveitar do melhor modo possível o trabalho dos já cansados, envelhecidos e doentes. Além do que não podem considerar somente interesses de caráter pessoal e local senão os da própria Igreja em geral e do ministério em conjunto. Pedidos, abaixo assinados, sugestões, pareceres, produzem constrangimento para os gabinetes episcopais, e não atendidos, contra gosto para os que os formulam. De mais a mais é Metodismo que as paróquias não escolham seus pastores e que os pastores não escolham suas paróquias. Esta medida evita muitos aborrecimentos para as igrejas e corta nas bases um precedente perigoso. Sua paróquia é o Brasil por isso viaja sem cessar. Encontra-se agora nesse dezembro de 1938 na capital do país. Realiza no templo do Catête o casamento do Sr. Manoel V. Flores com a senhorinha Vera de Andrade. Êle é secretário de Educação Religiosa da Igreja Metodista do México; a jovem, um dos ornamentos da mocidade metodista brasileira.

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NELSON DE GODOY COSTA No Rio sua atividade é intensa nas várias igrejas e nos colégios metodistas. Em todos seus passos na organização da Igreja autónoma revela qualidades extraordinárias de líder.

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CAPÍTULO QUARTO

CAMPANHAS DE EVANGELIZAÇÃO A ordem "Ide e pregai" e a exclamação "Ai de mim se não evangelizar" gritam no coração do Bispo brasileiro. Por isso mesmo orienta com meticuloso cuidado seus homens, os pastores metodistas na evangelização inteligente e organizada. Recebe dos Estados Unidos bonita soma em dinheiro para ser aplicada exclusivamente em viagens de evangelização. Distribui uma parte igualmente pelas três regiões e outra parte distribui de acordo com o esforço que cada uma delas demonstrar em plano, execução e aproveitamento. Com semelhante recurso em mão deseja que o ano se caracterize por um tremendo esforço de evangelização em todo o território da Igreja, da parte dos ministros e leigos.

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NELSON DE GODOY COSTA Acentua o tremendo empenho de evangelização porque não visa esforços isolados aqui e ali, despen-didos sem preparação, por conveniência de ocasião ou de pessoa, e porque não visa também pequenos movimentos sem frutos porque sem alma e sem vida, a que fiquem alheias as igrejas, que deixam sem qualquer abalo ou impressão o povo, e porque não visa ainda um trabalho de exibições, especialmente no púlpito. O que deveras contempla é alguma coisa semelhante aos avivamentos metodistas de outrora alguma coisa que fira a sensibilidade e mova a consciência dos ouvintes, que vá ao fundo do coração dos pecadores, que venha de Deus por nosso meio, alguma coisa em que desaparecemos e a graça redentora opere a salvação de homens e mulheres. Alguma coisa assim que não temos tido mas de que precisamos muito. Crê que as campanhas devem fazer-se por distritos, pela economia quanto possível de tempo, viagens e homens incumbidos da pregação. Uma campanha só, feita no tempo mais oportuno, de uma só vez, em cada distrito, abrangendo os pontos principais, estratégicos e mais promissores em cada paróquia. Com esse fim sugere: 1) Dado que não posso estar presente a cada campanha, cada secretário regional de Missões articule c oriente com o superintendente distrital do melhor modo possível. Façam o programa, marquem a data e escolham o pregador.

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PRÍNCIPE DA IGREJA Visto que os fundos ao seu dispor se destinam exclusivamente para viagens de evangelização, cada paróquia favorecida no empenho faça sua parte hospedando convenientemente o pregador, providen-ciando convites, cartões de decisão, impressos para os endereços dos candidatos, serviço de colportagem, coro, visitação e tudo o mais. 2) haja em cada paróquia favorecida no empenho intenso trabalho de preparação para a campanha: a) reuniões de oração e estudo bíblico de evangelização; b) instrução aos membros da Igreja sobre a parte que lhes toca antes, durante e depois da campanha; c) nomeações de comissões. 4) Façam-se anúncios das pregações, em cada lugar, por todos os meios disponíveis — rádio, imprensa, boletins, cartazes, cartas, cartões, etc. 5) Adotem-se nas reuniões os horários e folhetos especiais, para essas ocasiões feitos pela Junta Geral de Missões. 6) Uma comissão especial para visitar autoridades, imprensa, escolas fábricas, sociedades etc. 7) A cada candidato sejam entregues: a) um cartão de decisão para que o date, assine e o guarde com lembrança de sua conversão; b) um impresso para preencher com o endereço, o qual ele devolverá ao pastor para efeito do que estabelecem os cânones — artigo 142-8. 8) Fiquem os candidatos terminada a campanha, sob as vistas e cuidados da igreja. Sejam

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NELSON DE GODOY COSTA visitados, estimulados, instruídos. Os homens com os homens, as senhoras com as senhoras, os jovens com os jovens. Sejam convidados para as respectivas sociedades e escola dominical. Recebam abundante provisão de literatura. Tudo isso sob a direção do pastor. O ponto culminante de uma campanha c o da apresentação dos candidatos. Não menos importante e talvez mais importante ainda é o da cultivação e consolidação que eles devem ter em seguimento da campanha. 9) Feito o alistamento prescrito pelos cânones enha o pastor reuniões seguidas com os candidatos — reuniões de oração, de estudos bíblicos, de explicação de nossas regras, costumes e doutrinas. 10) Se possível dê-se imediatamente a cada candidato o Novo Testamento. 11) Simultaneamente com a campanha um colportor munido de Bíblias, Novos Testamentos, Evangelhos, livros da Imprensa Metodista, periódicos metodistas, etc, deve percorrer o lugar. 12) Dentre as instruções dadas previamente aos membros da Igreja devem estar as da recepção e colocação dos visitantes na sala da pregação, apre-sentação deles ao pregador e pastor, entrega a eles de folhetos e do hinário da campanha. 13) Nem nas pregações nem na literatura distribuída durante a campanha entrem assuntos de controvérsia, senão exclusivamente o Evangelho da graça salvadora.

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PRÍNCIPE DA IGREJA 14) Dos resultados de cada campanha se façam estatísticas.

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Estas sugestões nascem do cérebro do organizador e do coração do pastor. Postas em prática, rigorosamente, cuidadosamente, os frutos aparecerão na conversão de pecadores e no aumento dos cidadãos do Reino dos Céus.

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CAPÍTULO QUINTO

PASTOR DE PASTORES NO CUIDADO PASTORAL Pastor de pastores, nacionais ou missionários, a todos atende com a mesma solicitude. Envia cartas credenciais para serem apresentadas aos consulados brasileiros nos Estados Unidos ao Rev. C. L. Smith e família, Dr. Anderson Weaver e família, miss Gertrude Kennedy, miss Ruth Anderson a fim de poderem regressar ao Brasil. Dá aos brasileiros nolícias dos missionários em férias no torrão natal. Viajando para o Sul, entrevista-se a bordo do vapor Itaité, em Santos com os professores Afonso Romano Filho e Irineu Guimarães sobre problemas do grande Colégio Piracicabano. Em Porto Alegre desdobra-se em trabalhos durante vários dias. Vai às minas de São Jerónimo, as maiores, dizem de toda

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PRÍNCIPE DA IGREJA a América do Sul. Para chegar a ela viaja pelo rio Jacuí, quatro horas e meia de vapor e uma hora de ônibus. As minas de carvão de São Jerónimo ficam perto das de Butiá. Ambas fazem parte de uma enorme bacia carbonífera. Aquelas já se exploram por uma penetração em plano inclinado por braços de mais de dois mil operários, dois ramais de estradas de ferro, dois portos de embarque e uma usina elétrica. No interior das minas três turmas de trabalhadores se sucedem ininterruptamente de oito em oito horas. Por cima, além das vastas oficinas, a casaria dos funcionários e operários, com clubes, cinema, farmácia, hospital de emergência, cooperativa. O Bispo brasileiro olha para as possibilidades da Igreja: um homem forte e ativo, que para viajar não queira depender muito de verbas votadas no Concílio Regional, colocado na Vila São Jerónimo ou na Vila do Triunfo, poderia rapidamente criar um bom circuito com as vilas e povoados que enxameiam as margens dos rios Jacuí, Taquarí, Cahí e outros cm percursos relativamente pequenos: as vilas de São Jerónimo, Triunfo, Santo Amaro, Estrela além de outras e os povoados do Butiá, Arroio dos Ratos, Conde, Margem, Barretos, Granja Carola, Xarqueada, além de outros. Conclui suas aspirações: e se esse pregador tivesse uma pequena lancha movida a gasolina seu trabalho daria resultados ainda melhores. Agora encontra-se no Estado de São Paulo.

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NELSON DE GODOY COSTA Está na cidade de Rio Preto. Prega, batiza, reúne-se com oficiais, assiste Concílio Paroquial, orientando, examina livros. A paróquia de Rio Preto é posto avançado do Metodismo na direção em que os grandes Estados de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso se confinam. Ocupa zona vastíssima. De Rio Preto vai a Olímpia, posto avançado do Metodismo em direção do extremo do Triângulo Mineiro. De Olímpia ruma Ribeirão Preto, onde o célebre Colégio Metodista foi fechado para se abrir o Instituto Metodista. Ao passo que a Igreja fêz isso abriram-se mais dois ginásios na cidade que passa a ficar com sete ginásios. Há opiniões fortes em favor da volta do Colégio embora o Instituto esteja prestando bons serviços. Completa o itinerário em Franca a cidade que possui um dos melhores templos pela sua localização e disposição que apresenta. Ainda no Estado de São Paulo vai ao asilo-co-lônia Pirapitinguy, levando conforto aos leprosos. Na companhia dos Revs. \V. G. Borchers, metodista; José Borges dos Santos Júnior, presbiteriano; Orlando Ferraz, independente; de vários leigos, consagra o templo, fruto da cooperação das várias denominações. Pirapitinguy está a 120 quilómetros de São Paulo por estrada de rodagem servido também por estrada de ferro. Encontram-se ali cerca de dois mil internados que moram em casa muito boas, têm igrejas, biblioteca, cinema, banda de música, bares, hospitais, fábricas, criações. É um monumento do esforço humanitário do governo de São Paulo.

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PRÍNCIPE DA IGREJA

Viajante das longas caminhadas, são inúmeros itinerários semelhantes a este: "Deus permitindo farei o seguinte itinerário cm continuação ao que já publiquei: outubro, 10 Carazinho; 11 e 12 Cruz Alta; 13-15 Santa Maria; 16-19 Porto Alegre; 20 General Câmara; 21 Rio Pardo; 22 Cachoeira; 23 e 24 Santa Maria; 25 e 20 Livramento; 27 Rosário; 28-30 Quaraí. Outubro, 30. Novembro, 2 Alegrete; novembro, 8-10 Uruguaiana; novembro, 11 Santa Maria. Itinerários como este para os Estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo inúmeras vezes são publicados no órgão oficial para conheci-mento das cidades interessadas e de toda a Igreja que acompanha com preces as atividades do viajante das longas caminhadas. Em todos e de todos os lugares recebe e expede correspondência que ultrapassa a centenas de cartas por mês. Tem para isso o cuidado de informar com precisão o lugar em que se encontra cada dia e o endereço exalo do hotel ou residência em que se hospeda. Agora encontra-se cm companhia dos Revs. Daniel L. Betts e J. R. Saunders no Estado do Paraná. Estuda a região e o melhor ponto de localizar um obreiro visando o desdobramento da paróquia de Porto União e União da Vitória. Vai à Ponta Grossa, linda cidade e dirige-se a Curitiba a capital, admirando-lhe o progresso extraordinário c concluindo ser esplêndido ponto de irradiação para o trabalho metodista.

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Algumas escolas dos Estados Unidos ofereceram bolsas a ministros e professores mediante certas condições. O Bispo brasileiro pensa que até o ponto em que não prejudique o trabalho pastoral no Brasil pode facilitar aos ministros o gozo dessa oportunidade. Deixa, porém, bem claro que o fato de um ministro ter cursado uma universidade americana, obtido mais estes e aqueles diplomas não lhe dará direito a qualquer nomeação que não seja para o pastorado e essa em pé de igualdade com qualquer outro ministro. É claro, franco, preciso. Pensa na criação de pensionatos para moças e moços crentes — estudantes, funcionários públicos, empregados no comércio, etc, — no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre. Para que a Igreja Metodista do Brasil seja conhecida nos Estados Unidos nomeia o Rev. Prof. Jalmar Bowden agente de publicidade, pedindo para êle toda a cooperação dos crentes. Suas vistas se voltam para a evangelização nas penitenciárias. Louva o esforço que a paróquia de Pedro Leopoldo vem fazendo na evangelização dos sentenciados da Penitenciária de Neves, Minas, onde setenta dentre eles já se resolveram pelo Evangelho. Pastor antes de Bispo tendo recebido nomeações para os campos mais diversos, para onde foi sempre com o coração posto no trabalho, tem como medida salutar que nenhum ministro permaneça mais de quatro anos consecutivos na mesma paróquia; que nenhum pastor seja nomeado para paróquias onde

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PRÍNCIPE DA IGREJA tenha parentes. Quando se tratar da nomeação pas-toral de um superintendente deve êle ausentar-se do gabinete. Do mesmo modo entende que qualquer nomeação se deve fazer com votação unânime do gabinete episcopal, salvo nos intervalos das reuniões dos concílios regionais. Entende e o faz com justa razão que ser metodista é ser contribuinte liberal. Para isso pede que não se esmoreça em parte alguma, por parte dos pastores, guias-leigos e ecônomos a campanha dos 100% dos membros da Igreja em cada igreja, contribuintes sistemáticos, mensais e se possível, dizimistas. Está em São Paulo. E em companhia dos Revs. Afonso Romano Filho, José de Azevedo Guerra, W. G. Borchers, Sérvulo Carolino Santana e Srs. Fernando Buonaduce, Eulálio Ferraz de Campos, e Sebastião Pereira visita a estação irradiadora Tupy, a mais possante do Brasil e o campo de aviação do Estado, hoje Congonhas e um dos maiores do mundo. Dá as primeiras notícias do "O Cenáculo", dizendo termos a possibilidade de ler em português a excelente revista "The Upper Room", feita pelo Board of Missions para especialmente o culto doméstico. Informa já existir em espanhol que poderia ser desde logo usada no Brasil. Estamos procurando oferecer aos nossos amáveis leitores aspectos dessa personalidade extraordinaria-mente bem formada. E concluindo este capítulo a que intitulamos "Pastor de pastores no cuidado pastoral"

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NELSON DE GODOY COSTA vamos transcrever um trecho de ouro de uma circular aos superintendentes distritais: "... De fato se há reunião em que devemos e podemos procurar de modo particular alguma coisa semelhante a que João wesley conseguiu em 24 de maio, é o concílio distrital. E de mim espero que os concílios distritais sejam na providência divina, o momento propício para a renovação de nossas energias morais e espirituais, dando à Igreja a visão clara do que ela deve ser, precisa ser para ter lugar neste mundo, e a capacidade necessária para o cumprimento de sua missão. Não nos esqueçamos disto o Metodismo surge entre os homens como resultado de experiências religiosas profundas, alcançadas por almas piedosas. São reuniões de Oxford. É Wesley em Aldersgate, a sentir o coração abrasado e uma convicção inflexível sobre Jesus Cristo. E não somente surge assim. Também vive assim nos seus dias áureos, quando realiza em toda a parte até nas menores congregações as reuniões de teste-munho e as festas de caridade. É sua característica. Não é religião de intelectualismo de ortodoxismos, de ritualismos ou de controvérsias. Ê religião da experiência da graça de Deus trazida por Jesus para nossa salvação e nossa felicidade. É manifesta, apesar disso a nossa pobreza de experiência nestes dias. Parece até que chegamos a perder a visão do cenário maravilhoso que nossos antepassados espirituais nos legaram com exemplo e

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PRÍNCIPE DA IGREJA

estímulo! Quantas e quantas preocupações subalternas terrenas imediatas nos vêm dominando com prejuízo da "sede do Deus vivo"; do propósito de responder, como Samuel, aos apelos divinos: "Fala, Senhor, porque teu servo ouve" — da decisão que deveríamos manter — "Eis-me aqui, envia-me a mim".

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CAPÍTULO SEXTO

VAI A CONFERÊNCIA GERAL DA IGREJA METODISTA DOS ESTADOS UNIDOS

Escritor primoroso, suas impressões de viagem aos Estados Unidos, onde toma parte na Conferência Geral da Igreja Metodista, constituem não apenas enriquecimento para este livro, mas principalmente prazer muito grande para o leitor que encontrará nelas o espírito aguçado do jornalista observador de todas as coisas no grande país do Norte, ao lado da decisão do Bispo brasileiro em trazer para a sua Igreja* os melhores resultados da reunião americana. Ler estas impressões é distrair o espírito que acompanha o Príncipoe da Igreja Meto-

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PRÍNCIPE DA IGREJA dista do Brasil em sua, viagem por outras terras e oferecer à inteligência riquezas literárias de uma vida religiosa. NO MAR A BORDO DO "BRASIL" Mais trinta e seis horas e, pela quarta vez, pisarei terra dos Estados Unidos. Pensamentos muitos, variados, por vezes contraditórios, se desencadeiam em meu cérebro, alguns com força de tempestade. Resul-tantes, quase todos, das responsabilidades que Deus, por meio da Igreja, lançou sobre mim, em meio ao tremendo turbilhão da vida, que, cada vez mais, com o perpassar do tempo, o estudo, a observação, a expe-riência e até e sobretudo as percussões íntimas da fra-queza humana, vou conhecendo. Entre eles assomou, como uma nota de alívio, trasvazar um pouco da cabeça carregada para o "Expositor Cristão", como fiz em princípios de 1939. Sejam minhas primeiras expressões de muita gratidão a lodos que foram, em Juiz de Fora e no Rio, no momento da partida, levar-me despedidas e, com elas, votos de viagem feliz. Estendem-sc, com o mesmo reconhecimento, aos que, por igual motivo, me escre-veram cartas e passaram telegramas. E, mais ainda, aprestos e preparação do necessário para a travessia aos que, de diferentes maneiras, me ajudaram nos do mar e entrada no estrangeiro.

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NELSON DE GODOY COSTA O "BRASIL", da Frota da Boa Vizinhança, que me transporta do Rio para Nova Iorque, é o mesmo vapor que, por último, me transportou de Nova Iorque para o Rio. A tripulação é, ainda, quase toda, a mesma. As acomodações internas sofreram modificações. A ordem afrouxou alguma coisa, efeito natural de todas as rotinas. De qualquer maneira, deslocando 33 mil toneladas, é o "BRASIL" um dos grandes transatlânticos. A vida de bordo, aqui, creio, é a de todos os navios de passageiros, com poucas variantes. Bailes, "cock-tails", um diàriozinho, piscina, jogos, cinema, leitura, vitrolas, rádios, banhos de sol, teatrinho, paradas (!), palestras, escrevinhações, etc. Alguns passageiros se demoram, dormindo, depois do meio-dia, sob as cobertas. Outros se vão tostando, escandalosamente, horas a fio, ao sol, sobretudo pela manhã. Os rapazes, acompanhados de "girls" que terminaram contratos nos cassinos do Rio e Buenos Aires, se deixam ficar, até madrugada, no bar, bebendo e fumando. Dos jogos avultam o baralho, o dado, o Jack Pot, o bingo, a corrida de cavalos (pequeninos, de madeira, bem entendidos). Nem sempre e nem todos, a dinheiro. Há, também, dos chamados inocentes como o saffleboard e o lançamento de argolas, bons passa-tempos. Deram-me, desta vêz, uma cabina excelente, ventilada, ampla, clara. De um lado, a minha cama; do outro, a do Harvey Moore.

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PRÍNCIPE DA IGREJA Vai, de meio a tudo, uma verdadeira salada de religiões. Somos vários ministros metodistas, presbi-terianos, batistas, pentecostais, luteranos, sabatistas, vindos do Brasil, Uruguai e Argentina. Alguns são missionários que regressam à Pátria, em férias. Um capelão, católico, diz várias missas por dia. As freiras nos fazem companhia, entre os turistas. E, para cúmulo, o meu camareiro, um italiano avolumado, se chama Profeta. Tivemos, no único domingo que passamos a bordo, um culto, no salão nobre da la. classe, dirigido por um pastor luterano. Os metodistas nos reunimos, todas as noites, na cabina do Bispo Gattinoni, para leitura bíblica e oração. Uma nota interessante — temos chimarrão, do bom, 4 vezes por dia. Os metodistas, uruguaios e argentinos trouxeram cuias, bombas e erva em grande quantidade. Ainda bem! Dois livros li até aqui: Pedra Bonita, que me emprestou o Dr. Weaver, e Paulo de Tarso, que adquiri. O primeiro, escrito por José Lins do Rêgo, num estilo realista, exaustivo, de repetições desnecessárias, em que não entra qualquer propósito de respeito aos modelos tradicionais da língua, é uma descrição de costumes do "hinterland" nordestino do Brasil, com as consequências do fanatismo, da política e da ignorância, carregadas, é de ver, dos exageros dos que escrevem e falam sobre determinados tópicos. O segundo é da autoria do padre Rohden, conhecido publicista católico. Já li diversas biografias do apóstolo

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das Gentes. Nenhuma, porém, me penetrou a alma com tamanha veemência como essa, feita pelo sacerdote gaúcho. É trabalho que obriga o leitor a pensar e decidir. Nele há inspiração fecunda, espiritualidade vibrante, conhecimentos sólidos, português escorreito, estilo agradável. Recomendo-o, com a maior instância, a todos os evangélicos, maximé aos ministros. Pela segunda vêz eu o leio. Fizemos exercício contra incêndios duas vezes. Já atrasamos os relógios duas horas para correspon-dermos à diferença das longitudes. Recebemos, com muita amargura, a notícia da invasão da Dinamarca e da Noruega, das batalhas navais ultimamente feridas entre ingleses e alemães. Vou à Conferência Geral da Igreja Metodista (dos Estados Unidos) sem grandes esperanças com respeito ao que eu possa fazer a favor do Metodismo brasileiro. A Board of Missions do Sul já não toma iniciativas e desaparecerá ao término da grande assembleia de Atlântico City — contudo, manterá seus serviços até ao último instante. Ninguém sabe de quem se comporá a Board of Missions da nova Igreja. Parece que, pelo menos, os secretários e oficiais outros das três velhas Board of Missions deveriam integrar a nova, no primeiro quatriênio, para se evitarem as dificuldades e colapsos das mudanças radicais e repentinas em seus trabalhos. Se certa política de preferências pessoais, a que a própria Igreja não pôde ainda fugir, atuar na eleição da nova Board of Missions, seus secretários e oficiais outros, eliminar os elementos conhecedores dos

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PRÍNCIPE DA IGREJA campos missionários e introduzir elementos que os ignoram — tudo isso com a pretensa necessidade de uma remodelação, novos métodos, ideias modernas, etc, produzirá, inevitavelmente, para nós e outros, no estrangeiro, embaraços mais ou menos graves. Acresce que a nova Board of Missions terá de qualquer maneira, de ajustar os seus regulamentos e não empreenderá, suponho, por necessidade, qualquer avanço, antes que eles estejam feitos e devidamente aprovados. Também, que muitas das relações pessoais que prendiam a Igreja-Mãe às Igrejas autónomas, às Conferências Centrais, às missões, e cimentavam grande confiança para o intercâmbio natural e imprescindível entre elas, podem anular-se inteiramente e ficarem sem substitutas, por longo tempo, até que outras da mesma consistência se formem. Desejo que compreendam os meus irmãos do Brasil a situação que por esses e quejandos motivos tenho de enfrentar nos Estados Unidos, para conseguir deliberação favorável a encargos de muito relevo que me cometeram. A única coisa que lhes posso hipotecar é — boa vontade. CHEGANDO A NOVA IORQUE O "Brasil" chegou a Nova Iorque no dia 13 e atracou imediatamente. Chegou com um dia de antecedência, porque veio diretamente do Rio. Desta vêz

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NELSON DE GODOY COSTA não fêz escala em Trinidad. Era cedo quando entrou no porto. A viagem foi a melhor possível. A não ser o firmamento escuro, desfeito em chuviscos, algumas vezes, nenhuma outra surpresa nos reservaram os elementos. De igual modo decorreu a vida a bordo. Tudo andou na maciota. Encontramos Nova Iorque sob uma onda de frio intenso. As casas, as árvores e até automóveis, estavam cobertos de neve. Jamais na cidade fêz tanto frio em 13 de abril. Chegou a 24,8° Farenheit. Diz The New Times que o record, na mesma data, se marcou em 1874, com 25,0° Farenheit. O gelo matou uma pessoa. Ao mesmo tempo uma onda de calor percorria o Oeste do país, dizem os jornais. Mas o frio já se foi. E não há mais esperança que ele volte nesta primavera. Andando pelas ruas, tenho chegado a suar. Eu e a delegação argentino-uruguaia nos hospedamos no famoso Prince George Hotel. É aqui que invariavelmente se hospedam os ministros e missio-nários que vêm a Nova Iorque ou que passaram por Nova Iorque. É um edifício de 13 andares, com 1.000 quartos confortáveis e todas as demais comodidades . que se possam desejar, servido por gente delicada e atenciosa. Além disso está colocado no coração da cidade. É mesmo como diz um anúncio — "A home in the heart of things". Portanto, perto de tudo — das estações de estradas-de-ferro, dos trens subterrâneos, dos trens elevados, do parque, do correio central, da

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PRÍNCIPE DA IGREJA biblioteca, da cidade Rádio, dos edifícios mais altos, do célebre Macy's Store, da 5a. Avenida e até da China Town, onde a gente morre sem saber porque e do Bowery, onde a miséria geme pelos sapatos e roupas esburacadas e imundas. No dia 14, domingo, assisti ao culto da manhã e ao da noite na Marble Collegiate Church, tida como a igreja evangélica mais antiga do continente, organizada em 1628. Gostei muito da ordem, silêncio, programa que não excede de 1 hora, sermão simplíssimo que não passa de 20 minutos, orações breves e tocantes. Pertence à Igreja Protestante Reformada Holandesa. Enquanto aguardo a data da Conferência Geral, visito a cidade, observo as coisas, estudo a situação. Natural, não tenho muitos informantes. Valho-me dos jornais em grande maneira. Nem tudo que aprendo é, de certo, para ser publicado. Os diários trazem notícias de apelos formidáveis feitos pelas Igrejas, por via de concílios, ao presidente Roosevelt, para que retire o representante diplomático que êle nomeou para o Vaticano. Talvez as Igrejas encarem a questão pelo lado religioso, enquanto o presidente Roosevelt a encare pelo lado político-internacional. Muitas vezes um homem de res-ponsabilidades se vê numa entalhadela dessas, preso por ter cão e preso por não ter cão. Então, que fazer? Duas coisas me surpreendem aqui: o alastra-mento da sífilis e o roubo de cigarros.

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NELSON DE GODOY COSTA Dizem no Brasil que 80% dos brasileiros estão afetados de sífilis. Eu pensava que nisso andava grande vergonha para nós, confrontados com outros povos. Entretanto, a bordo do "Brasil", um passageiro me disse que 75% da população americana também está afetada de sífilis. Não cri no meu companheiro de viagem, pois numa Conferência feita aqui, em 1927, um médico afirmou que era somente 15%. Entretanto The New York Times de 14 do corrente, publica a informação do Dr. S. S. Godwater, comissário de hospitais, desta metrópole, que eles estão tão cheios de sifilíticos, que já não podem receber mais, salvo casos excepcionais. Dado que Nova Iorque tem 97 hospitais, a percentagem da população afetada de sífilis, pelo menos nesta cidade, deve ser muito maior de 15. Note-se, a par disso, que não há aqui prosti-tuição pública, comercializada, que eu saiba. Quando é que a civilização cristã há de dar solução a problema tão triste? O roubo de cigarros é coisa interessante. Um tal Joe Adónis, diz o New York Post de 18 do corrente, organizou um bando, em Brooklyn, para pilhar cigarros dos caminhões que os distribuíam pelas casas de negócios, para venda. Depois êle se constituiu vendedor e fornecedor, dos cigarros pilhados, a diversos estabelecimentos. Sabem a quanto monta esse negócio, de 1934 a 1937? Somente a 6 milhões de dólares (120 mil contos de réis) diz Edward P. Flynn no referido jornal. Tudo é grande nesta terra, até o roubo de cigarros!

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PRÍNCIPE DA IGREJA O New York Times de domingo (14) traz extenso noticiário dos últimos movimentos comunistas, observados e sufocados, no Brasil. Vários desastres ferroviários se verificaram nestes últimos dias. Geralmente, sem grande consequências. Um, porém, tomou proporções gigantescas. Foi um expresso, de passageiros, de Nova Iorque para Chicago. Ao fazer uma curva, em Little Talls, N. Y., o comboio deixou os trilhos e se foi pelos ares, oca-sionando quase 30 mortes e mais de uma centena de feridos. Os jornais atribuem a calamidade a abuso de velocidade ou ao estado da linha. Uma particularidade das descrições feitas pelos noticiaristas — nos poucos carros dormitórios que não tombaram, foram vistas várias pessoas de joelho, orando, até nas plataformas. Este povo ainda crê na onipotência e bondade de Deus, o que vale por tudo mais, até pelas previsões da engenharia mais adiantada. Em Campbellsburg, Ky., um trem se enterrou numa barreira, a ponto de a locomotiva e treze carros sairem dos trilhos e de os passageiros serem atirados fortemente uns contra os outros. Isto me fêz lembrar da nossa Leopoldina impagável. Dois trens de passageiros se chocaram, um com a traseira do outro, em Wickliffe, Ohio, do que resultou feridas 10 pessoas. E isto me fêz lembrar da nossa Central indefectível. O New York Post de 18 do corrente descreve, com minúcias, um programa musical sul-americano, realizado pela Schola Cantorum, no Carnegie Hall, do 8

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NELSON DE GODOY COSTA qual fazia parte a peça do nosso maestro Vilalobos, denominada "Choros n.° 10". No domingo, 21 de abril, a convite de um amigo que a filatelia me grangeou, fui assistir ao culto do meio-dia na Igreja Batista Emanuel, em Brooklyn. Ali os ministros usam uma espécie de toga, na hora do culto. Gostei muito de tudo que se fêz no templo. À tarde fui assistir a uma reunião dedicada à mocidade (havia mais velhos do que moços presentes), no Gospel Tabernacle, à Avenida Oitava n.° 692. O programa era dirigido pelo Rev. Percy Crawford, pregou. Durante o programa fazia o povo rir muitas vezes, pediu para os assistentes assobiarem um hino e terminou a reunião com hurras. Creio que estas coisas, num culto, aqui, não impressionam, por se casarem com o génio da população, mas a mim, que nunca as presenciara em cultos, quer no Brasil, quer nos Estados Unidos, em quantos a que assisti, me impressionaram um tanto. Isto me confirma na persuasão de que cada povo tem sua mentalidade própria, psicologia particular e tendências especiais. Não seria eu jamais capaz de imaginar uma reunião religiosa assim no Brasil. Ainda bem que ela contrasta diametralmente com todos os cultos a que aqui tenho assistido, em igrejas metodistas, presbiterianas, batistas, etc, sempre realizados com a máxima solenidade e a maior concentração de espirito. Feriu-me, todavia, a atenção, informar-me uma senhora da Igreja Batista

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PRÍNCIPE DA IGREJA acima referida, que uma Convenção Batista realizada em Nova Iorque sancionou a dança por ser uma ne-cessidade sobretudo para a mocidade, porque não encontra diversões suficientes nos centros religiosos.

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CAPÍTULO SÉTIMO

EM PLENA CONFERÊNCIA GERAL Chega a Atlantic City, abraça os amigos, assiste às reuniões preparatórias, conhece a cidade. Cheguei a Atlantic City às 13 horas do dia 22 de abril. Na estação o Dr. J. F. Rawls, com a esposa, uma filha e um netinho me esperavam. Foi um prazer imenso abraçar esse amigo de tantos anos. Era um dia muito frio e ventoso. Desde então e enquanto não se abre a Conferência Geral, vou assistindo às reuniões das comissões que me interessam e ando pela cidade toda para bem conhecê-la. Atlantic City tem de 65 para 70 mil habitantes. Está cheia de judeus, a julgar pelos anúncios das casas, jornais, livros, escritos em caráteres hebraicos. É uma cidade muito estreita, mas excessivamente comprida,

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PRÍNCIPE DA IGREJA ao longo da praia. Com exceção dos hotéis e mais pouquíssimos edifícios, as casas são baixas, de um ou dois pavimentos. Tudo muito limpo. É, antes de tudo e quase exclusivamente, uma estação balneária e de veraneio. Por isso não há quase moradia que não alugue quarto a veranistas. Como todas as cidades desse tipo, a vida aqui é muito cara. A praia, neste lugar, é tudo. Os hotéis como que lhe são uma amurada. Ela se estende, numa faixa estreita de areias brancas, a perder-se de vista. É povoada por umas aves, espécie de gaivotas muito grandes, mansas e protegidas por todos. Como um longo patamar dos hotéis, no lado da praia, o governo da cidade construiu um boardwalk, passeio feito de madeira. Por baixo dos hotéis, dando frente para o boardwalk, estão os restaurantes, as montras de jóias, vestidos, chapéus, cigarros, charutos e cachimbos, produtos medicinais, lembranças, presentes, antiquários, salas de jogos, bebidas, passa-tempos, banhos, etc. Pelos boardwalk andam carrinhos de mão transportando gente rica, bicicletas ou, então, de espaço a espaço, contra os anteparos ou em grandes mirantes, se vêem homens e mulheres, sentados em bancos e cadeiras aquecendo-se ao sol. Logo abaixo, no areal, há de tudo que serve de diversão, até cavalos arreiados, de aluguel, para corridas. No verão a cidade regorgita de visitantes. O Auditorium, onde se reunirá a Conferência Geral, é um monumento que ocupa um quarteirão inteiro. Tem frente para o mar.

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NELSON DE GODOY COSTA Todos que viemos para esse grande Concílio estamos em hotéis, muito separados e longe uns dos outros. Alguns, para evitar as despesas desmedidas, estão passando para quartos alugados em casa de família. Já me encontrei com muitos amigos, das viagens anteriores. Os que estiveram no Brasil são incansáveis em pedir notícias daí. No mesmo dia da minha chegada assisti a uma reunião da Comissão sobre Ad. Ínterim Operações. Ali se discutiam as associações jurídicas numerosas em que estão constituídos os interesses ligados à nova Junta Geral de Missões. No dia seguinte assisti às duas reuniões de uma comissão em que se tratava das Conferências Centrais e Igrejas autónomas. Foi-me aqui facultado o uso da palavra. Dei algumas informações a respeito de nossa Igreja. O Dr. Wasson, fortemente apoiado pelo Dr. Cram, apresentou uma seção sobre as Igrejas autónomas, para ser inserta na Disciplina. Era o que agora temos, mais ou menos, em relação à Igreja-Mãe, porém com um vínculo mais forte: os bispos das Igrejas autónomas seriam membros sem voto do Colégio dos Bispos daqui, quando presentes. Creio que o propósito do Dr. Wasson era, pelo menos em parte, atender ao nosso memorial enviado à Conferência Unificadora, pedindo ligação mais íntima com o Metodismo americano. De qualquer maneira, sua proposta, liberal

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como era, tenderia muito para uma aproximação maior das Igrejas autónomas à Igreja-Mãe e contribuiria não pouco para a formação de um Metodismo internacional mais coeso. Entretanto, ela encontrou um opositor formal na pessoa do Dr. Diffendorfer e acabou vencida. A proposta foi substituída por esta outra, vencedora: quando presentes, os bispos das Igrejas autónomas podem ser convidados para as reuniões do Colégio dos Bispos. Agora, se o plenário da Conferência Geral sancionar isso, estamos sem qualquer representação oficial na Igreja Metodista (dos Estados Unidos). Não temos representante oficial na Junta Geral de Missões, ou em qualquer outra junta geral; não temos representante oficial na Conferência Geral ou em qualquer outra Conferência; os nossos bispos, quando presentes, apenas podem ser convidados para reuniões do Colégio dos Bispos, o que nada mais significa do que uma cortesia de nenhuma consequência. Por isso me vi constrangido a declarar à comissão que, sem calcular efeitos, teríamos que adotar a mesma medida em relação aos representantes da Igreja Metodista (dos Estados Unidos) quando estiverem no Brasil. Sobre este assunto peço desde já a atenção dos membros do Conselho Central e do Concílio Geral. Confesso que fiquei desapontado e desanimado com este primeiro embate. Vim supondo a possibilidade de se criarem relações mais íntimas entre nós e os metodistas americanos e o que, logo de início vi, foi uma tendência para separação maior entre nós e eles. Ainda bem que os homens que nos

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NELSON DE GODOY COSTA conhecem muito de perto — os secretários da Junta Geral de Missões (de Nashville) — quebraram lanças, uníssonos com os nossos sentimentos e aspirações. Terminada essa reunião o Dr. Wasson me disse em particular: "Insistiremos no nosso ponto-de-vista. Faremos o possível por que as Igrejas autónomas tenham, cada uma, pelo menos, dois representantes na Conferência Geral." Agora estou na expectativa do rumo que as coisas, nesta questão, hão de tomar, com caráter definitivo, pelo voto do plenário. Ao espírito vivo e admiravelmente observador as mínimas coisas não fogem. Atlantic City, como todas as cidades balneárias e de veraneio, tem suas particularidades. É a vida aqui mais, muito mais cara, no que noutros pontos do país. Mostrou-me o Dr. Morelock o seu espanto por lhe terem cobrado por um prato de sopa e um pedaço de pie 85 cens. isto é, 17$. Vê-se mesmo, por tudo, que a cidade existe para argentários e dissipadores. E nota-se como os forasteiros que não são argentários nem dissipadores, andam atentos a todos os meios de economia. Examinam as listas de preços dos restaurantes, das barbearias, das lavandarias; nos hotéis ficam só os primeiros dias e passam logo para

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PRÍNCIPE DA IGREJA quartos alugados em casas de família, etc. É grande o número de astrólogos e quiromantes e grande c a literatura astrológica à venda. Perto de meu hotel há duas casas em que se anunciam previsões do futuro, advinhações, etc. Uma delas apresenta u'a mão enorme com as linhas em que se lê a sorte de cada qual. A outra tem este ostentoso letreiro: The temple of Knowledge (O templo do Conhecimento). Deve tudo isso ser negocinho de judeu... Mas no meu hotel também não há pavimento n.° 13... E o ascensorista me afirmou que também não há quarto n.° 13 ou com número que termine em 13. Vê-se assim que a superstição não campeia somente lá pelo Far West. Ontem, à tarde, me botei pela rua Pacífica a fora, a ver o movimento da cidade. A rua Pacífica é o que se poderia dizer a rua chie da cidade. Descobri, em certa altura, um grandioso templo católico, a igreja de Saint Nicolas. E entrei por uma porta lateral. No interior nada vi que se destacasse dos templos católicos do Brasil. Lá estavam as imagens, as cruzes, as lamparinas, os confissionários. Ao sair pela porta da frente não pude conter um riso à vista de um cartaz, posto do lado de dentro, que dizia: "Cuidado com as carteiras e bolsas!" Ontem, à noite, fui jantar num restaurante de preços módicos que o bispo Guerra e eu descobrimos na rua Atlântica. É dirigido por um italiano que já esteve no Brasil e na Argntina. O homem fala italiano, espanhol e inglês. Troquei com êle umas três palavras da língua de Dante, quantas conheço: Sabem qual

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NELSON DE GODOY COSTA foi o resultado? Quando eu lhe pagava a despesa, convidou-me, sorridente, a passar para outra depen-dência da casa e ali, fora do alcance dos olhos me-todistas, tomar uri bichier di uino molto buono. Causou espanto, na cidade, o desaparecimento repentino do jogo nos hotéis, nas vésperas da Con-ferência Geral. Curiosos foram às autoridades per-guntar se elas haviam tomado alguma decisão a respeito e elas responderam que não. Interrogações sobre o caso bailavam em muitas cabeças. Depois tudo se fêz claro. É que a comissão incumbida de escolher o lugar da Conferência Geral declarou que não a levaria para qualquer cidade em cujos hotéis houvesse jogo. Em nota anterior eu disse que a Conferência Geral se reuniria no Auditorium de Atlantic City. Posso hoje descrever um pouco as proporções dessa gigantesca obra de engenharia, com as informações que obtive. Custou 15 milhões de dólares, ou 300 mil contos. As sessões da Conferência Geral se realizam na sala destinada aos bailes, que tem capacidade para 5 mil pessoas, porque a sala principal, com capacidade para 40 mil pessoas, seria grande demais para elas. Nesta sala fantasticamente grande, cujas paredes se aproximam ou se afastam 3 polegadas, com as va-riações da temperatura, estão as maiores vigas de cimento armado que se conhecem e está também o maior órgão que até agora se construiu (de 33 mil tubos e motores que somam o poder de 365 cavalos). A formidável estrutura absorveu 12 mil toneladas de

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aço, 65 mil barricas de cimento, 25 mil toneladas de areia e 10 milhões de tijolos. Além das 2 salas men-cionadas, há, no edifício gigante, inúmeras outras, além de todas as comodidades que se podem encontrar numa cidade, exceção feita de hotéis e meios de transporte. Pela primeira vêz vi, nos Estados Unidos, faz dois dias, um cidadão nitidamente preto casado com uma senhora nitidamente branca. Numa delegação da Ásia também vi um casal nas mesmas condições. Abriu-se a Conferência Geral no dia 24 de abril com comunhão geral e organização do trabalho. 14 comissões nomeadas, além das já existentes, das juntas gerais das 3 ex-Igrejas e do Concílio dos Bispos, começaram a reunir-se pelas igrejas e hotéis, à tarde e à noite. Plenário, só de manhã, das 9 às 12,30 horas. Além disso, se marcaram mais as seguintes reuniões diárias: às 7,55 horas, reunião de oração; às 8,30 horas, culto; às 16,00 horas, hora de evangelismo; às 20 horas, reunião especial, ora da mocidade, ora das senhoras, ora de temperança, ora de educação, etc. Além desse programa há outras reuniões. Organizou-se também programa devocional para os domingos. Os bispos das Igrejas autónomas fomos convidados a assentar-nos entre os bispos da Igreja-Mãe, no palco. Posteriormente fomos apresentados à Conferência Geral e ao público. Na reunião das 20 horas, dia 29, apresentaremos nossas mensagens. Pela assembleia se vêem delegações de toda parte, com sua indumentária característica. Distinguem-se muitos turbantes.

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NELSON DE GODOY COSTA Os delegados da Escandinávia estão presentes, porque partiram para cá antes de receberem "o abraço amigo e protetor de Hitler". Não há nenhum da Áustria, Alemanha, Polónia, Itália, Checo-Eslováquia e Japão. Em compensação há muitos da índia e da China. São vários os delegados fraternais. ATENTO AOS INTERESSES DA IGREJA METODISTA DO BRASIL Vai animada a Conferência Geral. No plenário se perde a maior parte do tempo com questões de ordem. Suspende-se o regimento interno com muita facilidade e a propósito de qualquer coisa. Os Bispos presidentes por vezes se embaraçam. Os relatórios apresentados são aprovados sem muita discussão e quase sem modificações. No dia em que fui apresentado, o Bispo Hughes, presidente, pediu que eu invocasse a bênção em minha língua, no fim da sessão. Quase uma centena de pessoas, incertas da língua que se fala no Brasil, me vieram perguntar se eu a havia proferido em espanhol ou português. Já está impresso o projeto sobre as Igrejas Autónomas, que, se fôr aprovado pelo plenário, será incluído como lei na Disciplina. Vem da comissão

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PRÍNCIPE DA IGREJA sobre Conferências Centrais e Igrejas Autónomas, a que me reporto nas minhas notas anteriores (n.° 3). Diz o projeto: "Art. 1.° — Uma Igreja de governo próprio em cujo estabelecimento a Igreja Metodista ajudou e com a qual ela está cooperando por meio da Junta Geral de Missões e Extensão da Igreja, será conhecida como uma Igreja Autónoma Filiada. As relações entre a Igreja Metodista e uma Igreja Autónoma Filiada serão as determinadas por ambas as Igrejas no acordo que fizerem. A Junta Geral de Missões e Extensão da Igreja será o agente da Igreja Metodista nos enten-dimentos com as Igrejas Autónomas Filiadas. Art. 2.° — Os acordos com as Igrejas Metodistas do Japão, da Coreia, do México e do Brasil, feitos pelas ex-Igrejas Metodista Episcopal e Metodista Episcopal do Sul, continuarão em vigor até que sejam mudados ou modificados pelas partes interessadas, em mútuo entendimento. Art. 3.° — A Junta Geral de Missões e Extensão da Igreja fica autorizada a harmonizar e uniformizar os atuais acordos e práticas em relação às quatro Igrejas do artigo anterior, estendendo a cada uma delas as provisões existentes no acordo atual com qualquer delas, se tal modificação fõr desejada pela Igreja Autónoma Filiada interessada e tida como aconselhável pela Junta Geral de Missões e Extensão da Igreja". Aprovado este projeto, nosso acordo com a ex-Igreja Metodista Episcopal do Sul permanecerá em

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statu quo relativamente à Igreja Metodista (dos Estados Unidos). Será uma vitória. Nós a deveremos aos Drs. Wasson e Cram. Teremos então represen-tantes sem voto no Concilio Geral daqui. Depois po-demos entrar em entendimentos com a Junta Geral de Missões e Extensão da Igreja a respeito de qualquer modificação que nele queiramos fazer. Vejamos, pois, o que vai fazer o plenário com semelhante projeto. Tenho estado presente às reuniões em que trabalham as três Juntas Gerais de Missões (das três Igrejas que se uniram). Confesso que não vejo muito risonho o futuro das relações da Igreja Metodista com as Igrejas Autónomas e até com as Conferências Centrais. Percebo que a tendência, pelo menos do pessoal da Junta Geral de Missões da ex-Igreja Metodista Episcopal, é dominar absolutamente os campos missionários ou separar-se deles. Uma definição infeliz, dada por certa personalidade, das funções e dos fins da Junta Geral de Missões trouxe muita apreensão aos nacionais de além mar. A distinção que se faz entre os nacionais de além mar e os americanos (no episcopado, nos subsídios, nos direitos de representação, etc), quando a Igreja é uma só, a Conferência Geral também é uma só, trouxe aos elementos das Conferências Centrais muito amargor. m Veremos, até a próxima Conferência Geral, em que pairam as modas. As apropriações financeiras, o propósito de intervir nas nomeações de missionários que agora são feitas por bispos nacionais de além mar e a intenção de formar reuniões de missionários em

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PRÍNCIPE DA IGREJA separado dos nacionais, nos campos estrangeiros, são as armas poderosas que a Junta Geral de Missões vai empregar durante o quatriênio seguinte e de que vai depender a legislação definitiva em 1944. A extrema escassês de tempo para tudo que se tem de fazer nesta Conferência Geral, deixa para a Conferência Geral seguinte também outros assuntos da maior importância. Entra, pois, o tempo como fator providencial para que, com vagar e reflexão, se re-solvam eles. Todavia, pelo que noto, as relações da Igreja-Mãe com os campos missionários, estão sujeitas a muitas alterações e talvez a uma uniformização, depois da união dos três ramos. A opinião do Dr. Wasson, agora, é que nós, do Brasil, temos o melhor padrão. Já está marcada a noite de 6 de maio para encerramento definitivo da Conferência. Diversas refeições em comum. Os latino-ame-ricanos tiveram uma no New Terminal Restaurant. Os missionários ofereceram outra aos secretários da Junta Geral de Missões da ex-Igreja Metodista Epis-copal do Sul e latino-americanos. Os secretários dessa Junta honraram os bispos do Brasil e do México com o terceiro. Mais alguns. Houve uma sessão especial da Conferência Geral para se ouvirem os delegados fraternais. Havia 4 presentes. Cada um apresentou sua mensagem. Foi então a minha vêz de deitar falação ao plenário.

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NELSON DE GODOY COSTA Dois dias depois o Daily Christian Advocate publicou nossos discursos. A Igreja Metodista fêz uma formidável exposição de seus trabalhos em diversos salões de Auditorium. Tiramos centenas de fotografias. Os retratos são depois vendidos à vontade no saguão da entrada. Os jornais estão cheios de notícias da Conferência Geral. Os membros da Junta Geral de Missões serão eleitos pelas Conferências Jurisdicionais. A Junta não se organizará antes de 24 de junho. Uma vêz organizada, elegerá os secretários. Crê-se na possibilidade de se conservarem os mesmos secretários, para facilitarem a transição das três ex-Igrejas para a Igreja Metodista (dos Estados Unidos). O aparecimento do senador Dyes, para fazer um discurso na Conferência, provocou tanta irritação que foi preciso mobilizar um destacamento da polícia para os arredores do Auditorium. Protestos e contra-protestos circularam entre os delegados, nenhum dos quais logrou ser ouvido em plenário — o que foi pior ainda. Um moço, na reunião da mocidade metodista, se desabafou um tanto, com referências muito fortes ao incidente. Não consegui saber a causa dos ressentimentos. Como aqui nos encontramos em vés-peras de eleições e a propaganda dos candidatos é muito intensa, é, possivelmente, política. A coisa é sempre a mesma: os políticos procuram prender a Igreja à cauda de seus interesses, por maneiras incon-

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PRÍNCIPE DA IGREJA fessáveis, porque precisam dos votos que ela tem, mas não se lembram dos sofrimentos que lhe causam. NÃO PERDE OS MÍNIMOS DETALHES Faz já uma semana, desde que mandei as últimas notas. Desde então os trabalhos da Uniting Conference se vão realizando normalmnete, de acordo com o programa pré-estabelecido. Pela manhã, às 7,50 hs., reunião de oração; às 8,30 hs., culto com pregação; das 9 hs. ao meio-dia, plenário. À tarde, reunião das comissões; às 16 hs., culto de caráter evangelístico. À noite, trabalhos especiais. Destes trabalhos especiais se sobresaíram a noite da mocidade, com uma dramatização, para mim exage-rada como todas as dramatizações; a noite ecuménica; a noite dos agentes de publicações, com uma dramatização, com os excessos próprios de tais representações; a noite das Juntas de Educação; a noite das Missões Nacionais; a noite dos leigos. Nos intervalos do programa ou nas horas das refeições se realizam outras reuniões de caráter particular: dos mexicanos, dos sul-americanos, dos latino-americanos, etc. Eu assisto ao plenário e às reuniões da noite. À tarde, ora estou presente ao Colégio dos Bispos, ora

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à Comissão de Missões. No domingo e na 2.a-feira fui a um arrabalde de Kansas, Ka., além do Rio Missouri, chamado Argentina, falar numa igreja de mexicanos. Fizeram-me companhia os Bispos Guerra e Elphick, respectivamente do México e Chile, o Rev. 0'Neil (porto-riquense), de El-Paso, Texas, e o Dr. Sein, mexicano leigo distintíssimo como pregador e anti-alcoolista. Como Kansas City Mo. está no coração dos Estados Unidos e é, por isso, cidade marcadamente americana. Saio de vez em quando até aos bairros' mais remotos, durante o dia, e ando pelo centro até bem tarde da noite, fazendo observações de costumes, condições, etc. Já está resolvido que haja uma só Junta de Missões na novel Igreja e que a primeira Conferência Geral seja em 1940. Alegro-me com o fato que muitas das cousas que introduzimos nos Cânones aí, há alguns anos, estão sendo adotadas agora aqui. Torno a observar que a quase totalidade dos homens e mulheres nas igrejas e reuniões (inclusive e principalmente a Uniting Conference) são de idade avançada — calvos, cabelos brancos. Não duvido que a mocidade esteja profundamente interessada em religião, aqui, mas a verdade é que eu não na vejo assim nas igrejas e reuniões em que me tenho encontrado. É relativamente pequeno o número de mulheres na Uniting Conference. Já se nota diminuição no número de delegados e visitantes. Com o correr dos dias ou cansam e não voltam ao auditório, ou precisam retirar-se de-

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finitivamente e se vão embora. Talvez por isso já se anunciou que a Uniting Conference deve terminar na 4.a-feira, dia 11. Nas discussões se notam os choques das correntes e interesses diferentes (aí dizemos "politicazinhas"). Por vezes elas assumem aspectos irrisórios. Depois de longo debate na Comissão de Missões, um ministro que já trabalhou no Board of Missions e já esteve no brasil, se voltou para mim e me perguntou: "É o seu povo, numa Conferência Geral, tão estúpido como nós?" Diplomaticamente respondi: — "Não posso responder-lhe ". Perde-se muito tempo com coisas de somenos importância, tricazinhas de lei, anúncios, saudações, etc. Delegados há que faltam às reuniões. Algumas votações são frouxas. Enfim, a coisa, em geral, não difere muito de nós, no Brasil. Cá e lá más fadas há. Quanto à nossa parte: Mal de muitos, consolo de alguns. Milhares de retratos se têm tirado da Uniting Conference, bispos, delegações, comissões. Tudo é pretexto para os fotógrafos, amadores, jornalistas, membros do Concílio, etc, baterem chapa. Os fo-tógrafos, naturalmente, pretendem bom negócio. Pouco depois afixam no saguão do Auditório as provas, os preços e ficam à espera das encomendas. Já adquiri 3 e tomei a resolução de não adquirir mais nenhum, para não ficar com a bolsa ao vento. Cada um anda em 20$. Outra coisa: toda gente quer autógrafos. Já assinei em centenas de livros. Eu mesmo pretendo

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levar para o futuro Museu Metodista do Brasil um The Methodist Hymnal com as assinaturas de todos os bispos presentes. O livro tem capa gravada especialmente, para esta ocasião. Mais isto: os filatelistas presentes se procuram, fazem combinações de permutas, etc. Natural, nesta questão vou fazendo minhas aquisições. Só um irmão da índia trouxe 30.000 selos. Não quero terminar estas notas sem pedir instante, fortemente, a atenção dos que amam a I. M. B. para estes tópicos da mensagem dos bispos: "Nosso serviço prestado aos campos missionários, deve continuar e pode continuar com maiores possi-bilidades, se o laço que nos liga às Igrejas jovens se conserva íntimo e forte. Há, entretanto, o perigo grave delas enfraquecerem, se esse laço enfraquecer. Igrejas autónomas e Conferências Centrais se têm estabelecido normalmente com o crescimento satisfatório do trabalho em outros países. Contudo, tomamos a liberdade de dizer que o governo próprio adquirido por elas, pode chegar a ponto de destruir relações elementares e fundamentais que são vitais, para a Igreja-Mãe e isso será muito de lamentar. A Igreja-Mãe deve ser para as Igrejas jovens mais do que um Board que faz apropriações, não importa de que monta, ou mais cedo ou mais tarde deixará de ser até mesmo isso. Ela empregará fundos somente onde e quando se interessar por motivos de sua própria existência. A consistência que produz unidade e força no Metodismo daqui deve abranger, tanto quanto possível, os Metodismos de além."

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PRÍNCIPE DA IGREJA Compreendo que tal é a opinião dos Bispos e que na linguagem em que se apresenta, admite mais de uma interpretação. Não sei se será a opinião da Igreja-Mãe e em que termos esta a vasaria. Sei que, no nosso caso, há por aqui mais de uma cabeça que julga ter a Comissão Conjunta se excedido, dando-nos, em 1930, na proclamação de nossa autonomia, mais do que podia e devia dar-nos. Falando de mim e por mim somente, julgo que se as relações da Igreja-Mãe com as Igrejas autónomas, Conferências Centrais e mesmo simples missões não se basearem em princípios de cooperação e confiança, os empreendimentos missionários correrão céleres para um eclipse completo. Numa época em que todos se revoltam contra o imperialismo económico, político, social, etc, quem pode admitir imperialismo eclesiástico? Alguns, aí, pensam que eu exagero quando insisto na necessidade de cultivar o liberalismo das contribuições e conseguir que todos os membros da Igreja sejam contribuintes, como medida de precaução contra possíveis cortes e até contra possível suspensão de auxílios financeiros da Igreja-Mãe. Aí está, com um documento insuspeito, uma das razões da minha afirmativa. Outras razões, porventura mais fortes, eu direi aos imprevidentes, em momento oportuno.

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CAPÍTULO OITAVO NOVAMENTE NO BRASIL — SUA PARÓQUIA — PROSSEGUE NAS ATIVIDADES EPISCOPAIS Não será demais repetir que estamos procurando apresentar um Homem, uma Vida consagrada ao ser-viço da consolidação da Igreja que veio de Wesley e que encontra em César Dacorso Filho um continuador magnífico. Também não será demais repetir que se torna impossível seguir os passos do Homem que desde as 5,30 da manhã até alta noite se entrega ao trabalho estafante da Igreja; da Vida que vive inteiramente para a Igreja. As expressões que à primeira vista parecem dis-persivas nos parágrafos múltiplos formam um todo de história da Vida de um Homem e da História de uma Igreja. Pastor de pastores sabe que um pastor precisa ter boa saúde e lembra aos interessados que uma das

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condições requeridas dos candidatos ao ministério ativo é boa saúde e que as comissões de admissão e readmissão do Concílio Regional devem proceder com todo o rigor, exigindo mesmo exame médico. Esta medida fecha as portas a muito candidato, mas evita igualmente muitos problemas para a Igreja e para o próprio candidato. Não escapa ao seu interesse a publicidade da Igreja fora do país. Solicita fotografias, planos, plantas, esboços, tudo quanto pode informar e serve de propaganda no estrangeiro. O Rev. Wesley Moore Carr encontra-se lecionando assuntos missionários na Escola de Teologia da Emory University e o Bispo brasileiro providencia para que o ilustre catedrático tenha todo o material possível referente ao Brasil. Cuida em que o Conselho Central seja bem sucedido e para isso pede o preparo de todos os papéis sobre férias dos missionários, pedidos de missionários, pedido de auxílio financeiro com suas justificativas, demonstração da aplicação dos já recebidos, reco-mendações sobre coisas do que ainda a Igreja depende da Board of Missions, aprovação e eleição que devem ser feitas pelo Conselho Central, recomendação ao Board of Missions sobre a orientação que deve ter em relação ao trabalho no Brasil, recomendação aos Concílios Regionais, indicação de missionários leigos para as instituições subvencionadas pela Igreja-Mãe. Estribado nos Cânones lembra que as juntas de ecônomos têm nas paróquias tanta autonomia como as escolas dominicais e as sociedades, não podendo

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NELSON DE GODOY COSTA uma intervir em outra determinando-lhe aplicação de dinheiro ou pondo-lhe embargo. Igualmente não são as juntas de eceônomos que determinam as viagens pastorais, quer as custeiem quer não; as viagens de-pendem da orientação do gabinete, do superintendente e dos pastores tão somente. Cuidadoso da cultura dos pastores o Bispo brasileiro recomenda-lhes livros, cuja leitura lhe fêz bem. O "Dia da Bíblia" não foge às suas cogitações. Recomenda às congregações e igrejas uma come-moração festiva, com ofertas que, depois de registradas, serão entregues ao 4.° Concílio Paroquial para, pelos trâmites legais, serem remetidas à Sociedade Bíblica do Brasil. Com respeito a política que sempre apaixonou a opinião pública, ameaçando penetrar a Igreja o condutor da Igreja informa clara e precisamente: "Insisto em acentuar que a Igreja Metodista do Brasil não se envolve em política, não tem candidatos a qualquer função pública ou não, não adere a partidos, não toma compromissos de quem quer que seja que pretende posição eletiva, não deseja representante em qualquer casa do governo. "Por outro lado insisto em declarar que seus membros devem ser eleitores e votar nos homens que em boa consciência lhes pareçam os mais capazes de dirigir o país. De mim insisto em aconselhar que os crentes não votem em ministros para coisa alguma,

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PRÍNCIPE DA IGREJA exceto os que estão em disponibilidade e não exercem o pastorado." A Igreja é sua paróquia e os paroquianos são o seu constante desvelo. Insiste com os pastores que façam frequentemente, no mínimo uma vêz por mês, leitura do rol de membros da Igreja para a consideração das necessidades de cada um, regularidade da visita pastoral, retíficação de seus endereços, descoberta dos desconhecidos e de paradeiro ignorado, correspondência com os ausentes, transferência dos que se mudam, e arrolamento dos que forem encon-trado não arrolados. Externa-se com franqueza a respeito da secula-rização do ministério, lembrando aos pastores que não podem exercer ordinariamente profissão qualquer, estranha ao trabalho da Igreja, sem permissão do Concílio Regional, ou do superintendente. Fala dessa maneira em 1939 mas em 1952 a Pastoral do Colégio dos Bispos foi categórica sobre o assunto levando vários pastores à disponibilidade. Sempre interessado na publicidade da Igreja nomeia o Rev. António de Campos Gonçalves representante da Igreja Metodista do Brasil, no Rio de Janeiro, para publicidade. Interessado na aquisição de propriedades recomenda aos pastores que procurem adquirir para a Igreja em lugares novos ou velhos onde as propriedades são ainda baratas lotes de terreno para templos, capelas ou residências pastorais. Dizem que quem uma vêz sentiu o cheiro de

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NELSON DE GODOY COSTA tinta de impressão nunca mais deixa a oficina ou a mesa da sala de redação. O Bispo brasileiro, jornalista desde o tempo do "O Combatente" ou ainda melhor, do "O Bicho" em Santa Maria, o Bispo brasileiro ensina aos correspondentes do "Expositor Cristão" como redigir uma notícia, e mais, como fazer uma reportagem. E o notciário das paróquias melhora muito. Aos escritores da Igreja pede literatura, muita literatura sobre excessos, proselitismos, clara em linguagem simples que possa ser lida e compreendida e divulgada em profusão. A um ministro nomeado para paróquia difícil escreve confortando: "seu novo campo, embora distante da Capital, é uma das esperanças do Metodismo. Seu trabalho ali será sobretudo, de consolidar a obra feita pelos seus antecessores. Em ... estamos operando na elite de acordo com as informações qu* tenho recebido. Além disso seu campo é nosso caminho para penetração forte em Goiás. Espero que o prezado irmão possa reforçar a igreja de modo que ela se torne uma das melhores e maiores da região. Seu campo deve ser também um centro de irradiação para formação de futuras paróquias. Seus vários dons lhe vão valer muito em certas rodas em muitos sentidos. Eu aparecerei por lá em... E lá quero encontrá-lo entusiasmado e feliz com a obra que lhe foi confiada. Para lá leve no coração felicidade cantante como o herói que prevê grandes triunfos." O Bispo brasileiro promete aparecer e realmente

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aparece acompanhado pelo superintendente distrital. Tem uma recepção como raras vezes na vida teve, se-gundo suas próprias expressões em carta agradecendo. Vai a Goiás, volta e na passagem é novamente recepcionado com as mais vivas demonstrações de amor cristão. Na paróquia em apreço, visita autoridades, imprensa, templos, capelas, observa, aconselha, instrui, ordena. No Concílio Regional seguinte o pastor recebe nomeação para paróquia maior, mais culta e de muito maior responsabilidade. O problema dos provisionados merece-lhe estudo longo e cuidadoso pelas colunas do órgão oficial da Igreja. Não deixa a menor questão sem estudo sobre a posição em que fica o provisionado nomeado para trabalho pastoral em face da tabela de subsídio para pensionados. Conhecedor da força extraordinária que são os leigos, recomenda aos pastores a vantagem do apro-veitamento desses heróis, além dos cargos que lhe são confiados por lei, em serviços de evangelização, direção de cultos, visitação, imprensa, coros e outras ativi-dades na igreja. A atenção para com o arquivo das paróquias não escapa ao zelo episcopal e recomenda todo o cuidado na coleta e conservação de todo o material documentário de cada paróquia, distrito ou região. Estuda com precisão o problema dos académicos de teologia que têm cargos pastorais. Observa com respeito a isenção de impostos que em toda a parte onde as propriedades gozam dessa

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isenção devem ter todos os documentos que as ga-rantam desse privilégio, como o despacho da prefeitura, a lei da imprensa, e o talão negativo, a certidão e tudo o mais necessário. Entende que se deve fazer bem feito o que se tem que fazer. Para que permaneça clara, registada, documentada recomenda que qualquer transação de uma igfeja ou paróquia figure minuciosa nos livros dos ecônomos, nas atas do Concílio Paroquial, se é de empréstimos, de aquisição de propriedades, de construção. Não se descuidando da visitação pastoral, insiste com os pastores que cumpram a risca o plano de visitação pastoral elaborado pelo gabinete episcopal. Viaja sem parar. Está agora no Rio Grande do Sul presidindo Concílio Regional. Escreve a um pastor: "estou em pleno Concílio Regional do Sul. Tudo vai mais ou menos bem. Houve prosperidade em todos os sentidos. Encontro-me nos confins do Brasil. Daqui arrojo o olhar por sobre o rio Uruguai, até bem longe, Argentina a dentro. Um tique de bra-sileirismo me corre as veias... Nesse mesmo fim de ano desfruta o prazer de umas férias rápidas. Gosta das férias. Sente que tivessem sido tão pequenas. Escolhe para esses dias de repouso um lugar magnífico, um hotel de segunda classe que vive sozinho em plena mata. Aí, sem paletó, sem gravata, sem colarinho, meio bugre, sobe montes, anda por entre árvores, ouve a passarada, ajuda a matar uma cobra, colhe abundância de ervas

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PRÍNCIPE DA IGREJA medicinais. Faz uso de uma água que dizem ser amais rádio-ativa do mundo. Esse lugar agradabilíssimo fica além de Franca, Estado de São Paulo e chama-se Águas Quentes.

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CAPÍTULO NONO

CAMINHANDO PARA O QUARTO CONCÍLIO GERAL

Aproximamo-nos do fim do segundo quatriênio, de 1938 a 1942 e também nos aproximamos do terceiro Concilio Geral. O Bispo brasileiro não descansa, não tem tempo para descansar. Os campos reclamam sua constante atenção. Orienta ministros, orienta provisionados, orienta leigos. Visita membros das paróquias nas capitais, nas cidades pequenas, nos sítios, nas fazendas. O problema dos ministros ativos no pastorado, como professores em colégios evangélicos, exige sua atenção e resulta em longo e exaustivo estudo pelas colunas do jornal oficial da Igreja. Outra questão que resulta em longas considerações pelo mesmo jornal são as campanhas de evangelização que tem de ser realizadas com a maior inteligência e produzir os me-lhores resultados,

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PRÍNCIPE DA IGREJA Viaja novamente. Visita o Estado de Rio de Janeiro, de Minas Gerais, de São Paulo. Vai ao Sul do país, demora-se no Estado do Rio Grande. Observar, colher impressões, inspecionar, aconselhar, exortar, corrigir, aplaudir, incentivar, melhorar, aprovar é seu programa de ação. Para relatar ao quarto Concílio Geral tem uma bagagem enorme de lutas, de canseiras, de sofrimentos físicos e morais causados pela incompreensão de muitos. Tem desapontamentos, tem noites sem dormir, tem lágrimas sentidas, tem ingratidão. Tem acima de tudo e o que em verdade lhe importa a alegria desmedida de saber que dia a dia ofereceu sua vida em holocausto à causa suprema do Reino de Deus na Igreja Metodista do Brasil. Isto é o que tem significação para o Bispo brasileiro.

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PANORAMA DE UM EPISCOPADO

terceiro quatriênio

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CAPÍTULO PRIMEIRO

ROBUSTECIDO DE UMA FÉ SEM LIMITES

No quarto Concílio Geral reeleito Bispo Às 23,15 horas de 10 de fevereiro de 1942, na quarta sessão do Concílio Geral, na cidade paulista de Piracicaba, vai proceder-se à eleição do Bispo. Num ambiente de profundo recolhimento espiritual canta-se o hino 608, coro 3.° dos Salmos e Hinos. 0 Rev. Hugo Clarence Tucker ora a Deus. Votam quarenta e nove eleitores. Resultado: César Dacorso Filho, quarenta e dois votos. Isaías Fernandes Sucasas seis votos. Ura voto em branco. No quinto Concílio Geral Isaías Fernandes Sucasas seria eleito segundo bispo brasileiro. Ao ser proclamada a eleição de César Dacorso Filho o plenário manifesta sua alegria com intensas vibrações de júbilo cristão.

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NELSON DE GODOY COSTA Simples e humilde, o Bispo brasileiro agradece a seus companheiros de jornada evangélica e metodista pela sua confirmação no episcopado. Com o mesmo desprendimento e com o mesmo entusiasmo inicia o novo quatriênio robustecido de uma fé sem limites no poder divino e no interesse dos Céus pelo seu Reino vitorioso no coração dos homens. Atencioso para com as relações com a Igreja Mãe noticia com prazer a visita do revmo. bispo Ivon Lee Holt, que acompanhado pelo rev. Marshall Steele irá ao Rio de Janeiro, Petrópolis, Juiz de Fora, Belo Hori-zonte, São Paulo, Piracicaba, Curitiba, Porto Alegre e outras cidades brasileiras. O rev. dr. Stanley Jones deverá estar no Brasil possivelmente em companhia do dr. Baez de Camargo, do México e o Bispo brasileiro providencia para que sua visita seja coroada de pleno êxito. Agradecendo a um ministro pelas felicitações re-cebidas ao ensejo do transcurso da magna data da Igreja Metodista, conclui sua carta, metodista admira-velmente : "É-me profundamente grato dizer que a Igreja marcha triunfante aos seus luminosos destinos no seio do povo brasileiro. Sua influência demonstra que ela já se vai impondo como um dos maiores fatôres morais e espirituais de nossa grandeza. Sua posição será de-finida em breve futuro como a modeladora de uma mentalidade cristã para nossos patrícios. "Continuemos todos pregando o Evangelho que

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PRÍNCIPE DA IGREJA é do coração e por isso se manifesta no caráter dos indivíduos, o Evangelho que vai com os indivíduos a toda a parte, os santifica em tudo o que fazem, o Evangelho que é vida e não distintivo, cerimónia, nome, o Evangelho que santifica o lar, a sociedade, a administração pública, a nação". O trecho da seguinte carta a um ministro revela seu profundo amor para com a Igreja e seu vivo interesse pelos seus destinos eternos: "Acabo de receber sua atenciosa carta de 23 deste, em que me dá conta das saudações que apresentou ao Exmo. Sr. Interventor Federal no Estado de São Paulo, quando êle esteve nessa cidade, e da palestra cordial que teve com êle então. "Quero congratular-me com o caro irmão por estes fatos. "Na verdade tal atitude de um pastor concorre para que o nome da Igreja Metodista do Brasil se firme no conceito dos dirigentes do país e para que ela se vá fazendo cada vez mais conhecida no meio nacional. "Estou sempre recomendando aos nossos ministros que não percam tais oportunidades que não deixam de ser da mais alta importância para os fins que temos de evangelizar os brasileiros, colaborar com as autoridades, em todas as coisas que podem concorrer para a felicidade de nossos patrícios". Viaja. Encontra-se agora em Santa Maria, sua cidade natal. E com o coração aos pulos misto de alegria e saudade percorre não a sala pequenina de sua primeira escola, mas as salas imensas e os longos

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NELSON DE GODOY COSTA corredores do majestoso colégio que a Igreja está construindo, o Colégio Centenário. Zeloso de sua correspondência numerosa classi-fíca-a pelos vários cargos da Igreja e por isso roga aos que lhe escrevem não tratarem numa só carta ou do-cumento de mais de um assunto, facilitando-lhe assim a classificação. Interessado em que as viagens de membros da Igreja se façam sem dificuldades aconselha-os a muni-rem-se de carta de apresentação firmada pelos pastores. É que muitos embusteiros se dizem membros das paróquias metodistas ou de outra igreja evangélica e procuram explorar as instituições nossas, levando os pastores a tomar atitude contra essa gente sem documentos. Alegra-se quando metodistas se destacam, projelando seu nome. A exma. sra. Eunice Gabby Weaver tem notável atuação como representante do Brasil no Congresso de Proteção à Criança, realizado em Washington e o Bispo brasileiro felicita a distinta educadora. Para que o professor Anderson Weaver possa acompanhar sua ilustre esposa que vai aos Estados Unidos representar o Brasil a convite do exmo. sr. Pre-sidente da República o Bispo brasileiro concede-lhe permissão especial para viajar. Preparando a Igreja para o "Dia de Comunhão Universal" incumbe o rev. Walter Gilwill Borchers de orientar pela imprensa a celebração que todas as igrejas metodistas do Brasil, em uníssono com todas

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as igrejas católico-evangélicas do mundo devem fazer da Comunhão universal em primeiro domingo de outubro. Suas ovelhas merecem sempre bom alimento e por isso informa-lhes o programa radiofónico que dia-riamente irradia os capítulos do livro de Rodhen "Em espírito e em verdade". Constantemente recomenda aos ministros e leigos livros notadamente bons, interessado em que seja cada vez mais aprimorada a cultura da Igreja. Êle exemplifica. É estudioso desde a mais tenra infância. Estuda sempre. Tem constantemente um livro de leitura cuidadosamente escolhida. Lê muito, lê sempre nos trens, nos automóveis, nos aviões, em viagem nos hotéis, em residências onde se hospeda. Em novembro de 1943 esclarece pela imprensa oficial a Igreja sobre o seguinte assunto deveras inte-ressante: o Código Penal, Decreto-Lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940 diz: "Escarnecer de alguém publi-camente por motivo de crença ou função religiosa ou prática de culto religioso, vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso. Pena — detenção de um mês a um ano, multa de Crf 500,00 a Crf 1.000,00. O artigo 122 da Constituição diz: a) Todos são iguais perante a lei. b) Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer livremente seu culto, pública e livre-mente, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum, as exigências da ordem pública e dos bons costumes. Parece que estava adivinhando. Por ocasião do concílio regional seguinte na cidade paulista de Ouri-

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NELSON DE GODOY COSTA

nhos sofre atentado em praça pública. A Igreja por seus advogados imediatamente toma providências, prende e processa o agressor que foi condenado. Suas visitas estendem-se além dos campos evan-gélicos. Numa cidade sulina visita o prefeito, os juízes, o delegado de polícia, o chefe do posto de higiene, o delegado do alistamento militar, o instrutor do tiro de guerra e os hospitais. Rigoroso ao extremo na questão das nomeações episcopais, constando-lhe que há quem balbucie futuras nomeações com promessa do bispo, do gabinete episcopal ou dalgum superintendente distrital, declara que o bispo e o gabinete não fazem promessa dessa natureza e não estudam nomeações senão quando se reúnem por ocasião dos concílios regionais. Diz: se há superintendente distrital que se aventure a tanto deve ser imediatamente denuneiado ao bispo pois não deve fazer parte do gabinete. Pede seguidamente aos pastores toda a atenção para com o rol das paróquias. Concita ao interesse pelo ensino religioso nas escolas e dá paciente instrução a respeito da questão aborrecida das controvérsias deno-minacionais. Nomeia o rev. dr. Wesley Moore Carr para representá-lo na reunião da Comissão da Conferência Geral sobre conferências centrais, a ter lugar nos Estados Unidos. A Faculdade de Teologia merece seu constante carinho. É a menina dos olhos da Igreja. Dela levan-tarão vôo os que vão para a conquista do Brasil para

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PRÍNCIPE DA IGREJA Cristo. Nela apanharão suas redes os novos pescadores de homens. Para a grande campanha que se está pro-cessando em favor da Casa de Profetas pede todo o empenho dos superintendentes distritais, pastores, oficiais, membros da igreja amigos da causa. Construções e cuidado com construções estão sempre em sua mente. Quer que os pastores estudem com todo o cuidado o local onde pretendem construir templos capelas, residências pastorais. Nada de lugares inacessíveis, recantos altos, ruas secundárias. É sempre preferível esperar 10 anos e construir bem, e em lugares convenientes a construir logo e em lugares impróprios. Cogita da leitura sadia para o soldado expedicionário da segunda grande guerra. Solicita aos crentes livros para a Biblioteca do Combatente que vai seguir com o Corpo Expedicionário. Está em correspondência e estudo para a nomeação de um capelão pela Igreja Metodista para o Corpo Expedicionário Brasileiro. Viaja. Está na capital brasileira. Preside reuniões da comissão revisora da Bíblia, comissões universitárias, conselho central, visita templos, preside a atos litúrgicos, dá entrevistas, vai à Confederação Evangélica do Brasil, às Sociedades Bíblicas, à secretaria geral da Ação Social, visita o ex-bispo de Maura. Lembra que já é tempo de se pensar em construir ou adquirir um edifício de vários andares no Rio de Janeiro para escritórios e residências de uso exclusivo da Igreja.

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NELSON DE GODOY COSTA A Igreja Metodista do Brasil confia na direçâo do grande Bispo. O Bispo confia inteiramente no Deus altíssimo. E Deus está verdadeiramente interessado em que Seu Reino seja estabelecido no coração dos homens pela instrumentalidade das igrejas evangélicas.

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CAPÍTULO SEGUNDO

A ESCOLA DOMINICAL E OUTRAS COGITAÇÕES DESEU CORAÇÃO

Conhecendo muito bem a força poderosa que a EscoDominical representa perante a Igreja e sua atuação próprio ambiente fora, à maneira de João Wesley incento melhoramento do padrão de ensino através consagração dos professores. A página que vamos prova de maneira feliz seu zelo episcopal. AOS OBREIROS DA ESCOLA DOMINICAL Não hesito atribuir aos professores que realmente o sejaem geral, uma das funções mais conspícuas encaminhamento da vida humana para finalidades que lassinou o próprio Criador. Eles são como ajustadores estado caótico em que ela desponta, e, ao mesmo tempcomo estimuladores das forças que ela trás latentes. Nsei de melhores auxiliares que,

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dessarte, ela encontre na terra. Comparam-se-lhes apenas os pais, os ministros e os médicos. Não se dispensam em parte nenhuma nem em tempo algum. Não há modalidade da vida humana de que se prescindam, nem dela existe estágio em que se dispensem. E, quando não os encontra ao alcance, tem, por força de necessidade, de apelar para si própria, em verdadeiro auto-didatismo, se quer progredir e atender ao lugar que lhe toca na harmonia da Criação, e não estiolar-se e desaparecer. Tenho que nem os próprios professores, quaisquer que sejam, compreendem sempre a importância que lhes cabe no desenvolvimento e formação da vida humana. Atentem, portanto, para o fato que são colaboradores de Deus na construção mais delicada, mais linda e mais preciosa que é dado imaginar. Vejam, portanto, a massa mirífica e inexcedivelmente importante que têm nas mãos e o que dela podem fazer. Sejam, portanto, em extremo sábios, prudentes e esforçados e edifiquem a melhor obra de suas possibilidades. E, por mais que já se tenham adestrado em sua missão, não deixem de continuamente habilitar-se, como que, de aperfeiçoamento em aperfeiçoamento, com os recursos de compreensão e execução de que são capazes. Se assim são os professores, em geral, que dizer dos professores da Escola Dominical, em particular? Há que atribuir-lhes funções mais do que conspícuas, porque sublimes. Se, na verdade, penetrados da posição que ocupam e que lhes foi confiada por Deus, através da Igreja, não estão simplesmente encaminhando a vida

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PRÍNCIPE DA IGREJA humana como um todo, ou qualquer de suas partes como elemento comum e indistinto, mas estão manipulando o que nela existe de mais íntimo, sutil e valioso, de mais elevado, excelso e transcendente, de mais digno, nobre e santo. Sim, estão manipulando os elementos morais e espirituais da vida humana, de que nela tudo mais depende. Sim, estão argamassando as bases sobre que ela há de levantar-se e sustentar-se. Dentre os professores, nenhum mais se aproxima de Deus para auscultar-lhe os desígnios e conformar-se, no que fazem, com eles. Eis porque seu principal livro é a Palavra Divina e seu padrão, para si e para os alunos, é unicamente Jesus Cristo. E eis porque o resultado de seu labor se aquilata, tanto no tempo como na eternidade. Dentre os professores, também, nenhum mais do que eles sabem — pelo menos devem saber — pelo senso do espírito e pelo efeito da prática, o que querem dizer "religião" e "cristianismo", "fé" e "oração", "verdade" e "justiça", "amor" e "santidade" — enfim, "caráter" e "personalidade". De certo que a Igreja lhes presta, assim como a todos os outros obreiros da Escola Dominical, acentuado respeito e carinhosa estima e lhes dispensa ilimitado reconhecimento e infinita gratidão. Isto ela ò faz com tanto mais justiça quanto é inegável que nos homens e mulheres que modela para o mundo e prepara para o Reino do Céu, como pedra de toque de sua sagrada missão, muitíssimo depende deles. De mim não lhes regateio encómios e louvores, nem lhes calculo apreciação pela boa vontade,

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NELSON DE GODOY COSTA desprendimento e empenho com que servem à Igreja e, por meio dela, ao próprio Criador. Não só em atividades religiosas ocupa seu tempo. As atividades culturais tomam momentos de seu que fazer. É convidado para a mesa presidencial da Academia de Letras de São Paulo na recepção do laureado poeta Salomão Jorge. Na mesma capital paulista assiste à recepção do bispo d. Salomão Ferraz na loja maçónica "Comércio e Ciências". Ainda na Paulicéia assiste à conferência do general Assis Brasil sobre os problemas da paz, na Faculdade de Direito. Sempre entendeu que as séries de evangelização devem ser um trabalho completo e que têm perdido muito de sua finalidade porque os responsáveis não se empregam até o fim na conquista de seu êxito. Segundo seu ponto de vista uma das maiores faltas que as igrejas cometem quando das séries de conferências é que não aproveitam devidamente o despertamento que as séries produzem. Acabada a série, geralmente tudo volta ao statu quo. Não se tomaram o nome e o endereço dos candidatos que se apresentaram. Ninguém os vai visitar para lhes alimentar a fé nascente. Ninguém os vai buscar para os cultos regulares na igreja. Ninguém os convida para as classes da escola dominical e reuniões das sociedades. Ninguém lhes oferece um Novo Testamento ou lhe mostra um nú-mero do Expositor Cristão. Se aparecem num culto não recebem as demonstrações de carinho e fraternidade que deveriam receber. A Igreja precisa mudar de rumo. O trabalho mais importante de uma série

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de conferências é o que deve seguir-se ao seu encerramento. O pastor e um bom número de membros da igreja dotados de espírito evangelizador podem colher de qualquer série frutos numerosos se fizerem esse trabalho. Propaga a literatura metodista lembrando aos irmãos que um bom presente de Natal ou Ano Novo é uma assinatura do Expositor Cristão, Voz Missionária, Bem-Te-Vi, Cruz de Malta ou No Cenáculo. Sabe que o concurso da força leiga é uma preciosidade e recomenda a cada pastor que faça o recenseamento em suas igrejas no sentido de ver o que cada membro pode fazer em trabalho constante e ativo. Continua viajando. Obedece a longos e exaustivos itinerários. Agora está na capital paulista, pregando na igreja de Pinheiros, no culto que marca o início da grande campanha para a compra de terreno em que vai construir o templo. Segue para Assis, na Alta Sorocabana, vai a Presidente Prudente, a capital da Alta Sorocabana. Prossegue para Presidente Bernardes. Ruma Cândido Mota. Vai a Ourinhos. Penetra o Estado do Paraná. Vai a Bandeirantes, depois Londrina, a cidade de surto ver-tiginoso de progresso; depois Cornélio Procópio, Cam-bará; volta ao Estado de São Paulo, em A vare, Botu-catu, Sorocaba. Nessas cidades prega, examina livros, reúne-se com oficiais, visita, batiza crianças e adultos, recebe pessoas à comunhão da Igreja, preside concílios distritais, fala pelo rádio, concede entrevistas a particulares

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que lhe solicitam direção para a vida espiritual, é entrevistado pela imprensa secular, fala a igrejas de outras denominações, preside concentrações de escolas dominicais, desenvolve teses, preside convenções regio-nais, ministra a Santa Ceia. Numerosos crentes de Leópolis e Marco Zero, congregações de Cornélio Procópio desejam conhecer o Bispo brasileiro e, como bom pastor, excursiona a esses lugares levando o pão espiritual e a água que mata a sede da alma. Quando se desincumbe dessas atividades vai para o aposento do hotel ou da casa que o hospeda e principia a atender à volumosa correspondência que o espera em todos os lugares. A máquina de escrever corre até alta madrugada. Na manhã seguinte dezenas de cartas são deitadas na caixa do correio. Agora deixa a zona Sorocabana e ruma a zona Noroeste do Estado de São Paulo. Visita Lins, Biriguí, Araçatuba, Guararapes, as cidades onde o Metodismo plantou bases sólidas, edificando templos, construindo residências pastorais, abrindo colégios, levantando capelas, formando congregações ao lado de grandes paróquias. Seu destino agora é Marília a cidade mais nova e mais progressista da zona da Alta Paulista. Além dos trabalhos da Igreja atende ao convite da Associação

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PRÍNCIPE DA IGREJA Comercial e no seu salão nobre profere uma conferência sobre a educação que convém ao Brasil. É irradiada. Com o coração sempre voltado para os membros da Igreja ensina que não se pode considerar excluídos os que não forem legalmente ou por morte, ou por transferência ou a pedido, ou pela assembleia da igreja ou por julgamento. Fora disso qualquer outra atitude será abuso inadmissível para com os direitos que êle tem. Reconhece a necessidade das cooperativas e aos pastores e oficiais pede que se interessem na fundação de cooperativas estudando o decreto n.° 22.239, de 19 de dezembro de 1932, revigorado pelo decreto n.° 581 de 1.° de agosto de 1937. A Igreja Metodista é luz para o Brasil e tem de fazer sentir essa luz no meio ambiente cada vez mais amplo. O Bispo brasileiro em todas as paróquias que visita e em todos os concílios que preside insiste principalmente nesses pontos: cooperação com as autoridades e instituições públicas; participação da igreja nas festas nacionais e comemorações cívicas; preparação da infância, meninice e mocidade metodistas em ca-ráter cristão, saúde e cultura. As igrejas atendem a recomendação do Bispo. Movimentam-se no sentido de fazer sentir no mundo brasileiro sua expressão. Não são alguma coisa que deva isolar-se do mundo, e apenas condenar o mundo, mas sim atuar no meio do mundo, aplaudi-lo no que está certo, acompanhá-lo no que está certo e

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NELSON DE GODOY COSTA corrigi-lo no erro. Preparam programas da Semana da Pátria, participam da Semana da Criança e de outras "semanas". Nos concílios saúdam por telegrama os governadores de Estado, visitam em comissões as autoridades locais, cumprimentam a imprensa, criam uma auréola de sim-patia e de boa vontade da parte do ambiente além suas fronteiras. Observando esses resultados o Bispo escreve mais tarde: Considerando os resultados ótimos que vêm deixando as comemorações cívicas nas igrejas, assim como a participação das igrejas nos programas cívicos orga-nizados pelo governo, e ainda as homenagens, protestos de solidariedade, cumprimentos às autoridades, em cultos ou por meio de cartas ou telegramas, concito os pastores e as igrejas que desenvolvam ainda mais esse costume louvável. A Igreja precisa formar homens que sejam a luz do mundo e o sal da terra. Se não conseguir isto estará falhando em uma das suas mais belas finalidades. Conseguirá, porém. É que o Senhor está edificando Sua casa.

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CAPÍTULO TERCEIRO

VIAJA, VISITA, ESCREVE, PENSANDO SEMPRE NA IGREJA

A Igreja Metodista do Brasil cresce com o favor divino satisfatoriamente. Ano após ano os concílios regionais registram número considerável de novos membros. É verdade que muitos se tornam desconhecidos ou de paradeiro ignorado e o Bispo pede aos pastores que não deixem de publicar esses nomes no Expositor Cristão. Espalham-se os crentes. Os circuitos aumentam. Os pastores viajam visitando. O Bispo brasileiro orienta: "Não é canónico que um pastor receba suas despesas de viagem do membro ou dos membros da Igreja ou congregação afastados da sede da paróquia, que êle visita e muito menos que êle visite só quando eles lhas possam pagar. Êle deve recebê-las diretamente da

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junta de economos (cân. 181). Doutra maneira não se formariam os circuitos tão necessários em torno de cada paróquia.

As sociedades desenvolvem-se. Falta uma: de ho-nens e o Pispo recomenda que assim como deve haver em cada igrejas sociedade de senhoras, de jovens e de crianças deve haver sociedade de homens. E os homens se agrupam em sociedades.

Sabendo muito bem que "delas é o Reino dos céus" seu interesse cada vez maior pela criança leva a insistir com os dirigentes da Igreja que cuidem da criança de sua formação física, moral e espirilual. cooperando com os lares e escolas nesse sentido.

Olha para os pensionados e funcionários da Imprensa Metodista. Visando desenvolver ao máximo o Património Geral dos Pensionados assim como a par-ticipação que os empregados da Imprensa Metodista têm nos lucros dessa empresa, pede a todos que têm débito para com a Imprensa que procurem saldá-lo.

A Igreja Metodista continua crescendo e exigindo cada dia maior cuidado de seu superintendente geral. Em 1945 as estatísticas sobre o último exercício ecle-siástico acusam o seguinte resultado. Na Região ecle-siástica do Norte 751 novos membros recebidos; na do Centro, 1002; na do Sul (15 meses) 510. Membros existentes: Norte, 11.462; Centro, 11.G98; Sul, 5.428; total: 28.588. Arrecadações: 4.014.092, cerca de quatro vezes a arrecadação de 1930.

Nesse mesmo ano a um pastor que se dirige ao Bispo ferindo vários aspectos da sempre debatida e

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apaixonante questão das nomeações episcopais, tece entre outras, essas considerações em que esplendem suas convicções de metodista e intinerante: "... Também não posso entender a interpretação que lhe deram de suas transferências, pois para mim, metodista enragé, nem Penápolis, nem Araçatuba, nem Presidente Prudente, nem Uberlândia são melhores ou piores do que a Central de São Paulo, Piracicaba, Ribeirão Preto, Cornélio Procópio, Capão Bonito, Cândido Mota. Quando vim para o ministério metodista foi para servir em qualquer lugar onde me mandassem. Imbuí-me do espírito wesleiano: "minha paróquia é o mundo". Não distingo uma parte da outra; para qualquer lugar irei, na companhia de Deus, gozando de uma felicidade íntima que ninguém pode julgar e pronto a fazer o melhor que me permitirem as forças. Eu estava no Rio, primeiro no Catete e depois no Instituto Central do Povo, quando fui mandado para Anta. Depois estava em Juiz de Fora com quatro filhos estudando no Instituto Granbery quando fui mandado para Carangola, cidade da mata, igreja de vinte e uma pessoas que se reunia numa casa que ameçava ruína. Nunca me tive por diminuído ao sair de uma igreja grande ou rica para ir para uma igreja pequena ou pobre, ou engrandecido ao sair de uma igreja pequena ou pobre e ir para uma igreja grande ou rica. "Foi precisamente de Carangola que saí para o episcopado. Nisso não vi promoção nem melhoria. Amanhã deixando o episcopado e indo para Presidente

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NELSON DE GODOY COSTA Bernardes, Bandeirantes, Cambará ou Igarapava não me sentirei aviltado. "Altos e baixos, grandes e pequenos, ricos e pobres, capitais e interior, cidades e arraiais são carac-terísticas metodistas que se aplicam tanto aos campos pastorais como aos ministros, indiferentemente. "No gabinete episcopal, depois de orarmos, nossa preocupação é acertar com os homens e seus lugares. Muitas vezes temos de mandar um dos mais cultos mi-nistros para um lugar humilde, porque é êle no nosso melhor juízo, quem ali pode resolver circunstâncias. Muitas vezes também mandamos um ministro e até um provisionado de pouco saber para um lugar grande, porque o julgamos capaz de resolver o que situações exigem. Nunca nos preocupamos, a não ser de maneira muito geral, de transferir um homem de cá para lá, só porque tem cursos, é mais social, etc. "De mais a mais eu faria retirar-se imediatamente do gabinete quem para lá fosse armado de inveja, de animosidade contra colegas, ou com intrigas e po-liticagens. Para isso tenho tido o cuidado de escolher homens para superintendentes distritais — sei, com prejuízo de outros — que tenham compreensão e prá-tica do verdadeiro metodismo apostolar e missionário, isto é, que não cuidam de nome, posição, renda, lugar, mas se absorvem inteiramente no trabalho da Igreja.

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PRÍNCIPE DA IGREJA "Assim pode ver que não se formam castas nem classes de privilegiados no ministério metodista. 0 lugar de um pode ser o lugar de todos. As vantagens deste são as vantagens daquele. As dificuldades de tal zona devem ser suportadas por uns e outros sem distinção. No ministério metodista há somente mi-nistros. "Em que pese tudo o que disse até aqui, é necessário notar que não nomeamos um homem doente ou velho para um circuito que êle não pode fazer; tudo ensina que para lá deve ir um moço forte. Também não cairíamos na estultícia de mandar um provisionado de poucas letras para uma igreja como a Central. Como disse, sem fazer distinções entre ministros procuramos colocar no lugar que em juízo são nos parece ser o melhor em que êle deve estar. Isto, por outro lado não nos liberta de erros". Esta carta cem por cento metodista e cristã, do punho do Bispo da Igreja Metodista define o pensamento e a conduta do gabinete, ou melhormente, do próprio Bispo brasileiro no assunto, oferecendo segurança aos pastores quanto a sua nomeação e levando a realizarem o pastorado isentos de desconfianças. Aos membros do concílio distrital em Juiz de Fora dirige uma epístola repassada de profundo sentido espiritual. Vale apena transcrevê-la integralmente : "D. D. Presidente e nobres membros do Concílio Distrital do distrito de Juiz de Fora.

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Saúdo-vos no excelso nome de Jesus Cristo, nosso Mestre Senhor e Redentor. Faço votos sinceros pelo êxito de vossa reunião. Presida o Espírito Santo às vossas discussões e deliberações. Muito eu desejara estar ao vosso lado, nos dias de vossa estada em concílio distrital. Entretanto, os trabalhos da região do Centro, a que estou devotando a maior parte deste ano, não me garantem tão grande prazer. Como quer que seja, estarei em espírito em vosso meio. Pedirei a Deus por vós. Espero que vossos rlatórios e informações, dados em plenário, superem aos dos anos anteriores pela excelência dos serviços feitos, desde o último concílio regional, em vossas paróquias. Aos prezados irmãos do ministério mando esta palavra: — Consagrai-vos cada vez mais a vossa obra, como pastores do rebanho de Jesus Cristo. Amai vossos paroquianos como se fossem eles vossos filhos. Vigiai sobre eles como atalaias que têm de prestar contas da preservação deles, a Deus. Lede, relede, e treslede Ezequiel cap. 33 e 34, S. João 10 V. 19-21; as Epístolas a Timóteo. Pensai nas coisas que são de cima, buscai as coisas que são de cima e não vos preocupeis e nem vos embaraceis com as coisas que são da terra. Entregai-vos a um misticismo sadio de leitura bíblica, oração e meditação. Procurai o testemunho do Espírito e a convicção da santidade. Criai em vossas igrejas o ambiente que caracterizava as igrejas metodistas, antigamente, na Inglaterra e nos E. Unidos. Não importa que o mundo vos chame de loucos ou fanáticos contanto que tenhais a convicção

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de filhos de Deus, a esperança da Eternidade e a cidadania dos céus. Aos prezados irmãos leigos digo: — Amparai e prestigiai vossos pastores, na medida do possivel. Segui suas exortações, admoestações e demonstrações de piedade cristã. Auxiliai-os na organização e administração de suas paróquias e nos seus esforços de evangelização. Sobretudo, revesti-vos do poder do Espírito Santo, para que Jesus Cristo vos possa apresentar a si mesmo como Igreja Gloriosa, sem mácula, sem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível. Para discussão e deliberação de vosso concílio insisto nos pontos que vos mencionei, no ano passado, em Barbacena: 1.°) Aumento sempre que fôr possível dos subsídios pastorais até que chegue, no mínimo, ao limite da tabela; 2.°) plano que objetive a construção de residência paroquial para cada paróquia do distrito; 3.°) participação ativa, brilhante das igrejas nas festas nacionais, comemorações cívicas, movimento de caráter social e instituições públicas; 4.°) visitas sempre que fôr possível às autoridades, assim como telegrama ou ofício a elas, de cumprimentos, por motivos de aniversários, datas festivas; 5.°) trabalho organizado em cada paróquia para amparar, encorajar e inspirar pais e filhos, na instrução e educação dos meninos e moças da igreja, a fim de que venham com superioridade a exercer funções altas,

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NELSON DE GODOY COSTA públicas e particulares, na sociedade brasileira. A todos peço leitura e atenção para as notas que continuamente publico no órgão oficial, assim como para avisos de outras autoridades da Igreja, que aparecem no Expositor Cristão, Atas e Documentos, Cânones. Deus vos dê visões, sabedoria e força para as oportunidades da hora presente. Vosso em Cristo Jesus,

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PANORAMAS DE UM EPISCOPADO

quarto quatriênio

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CAPÍTULO PRIMEIRO

PANORAMAS DE UM EPISCOPADO

O quinto Concílio Geral realiza-se em Piracicaba,Estado de São Paulo. Na quarta sessão, dia 19fevereiro de 1946, o Bispo brasileiro recebe atravéscinquenta e nove votos em sessenta cédulasexpressão de confiança da Igreja Metodista do BrasModestamente o Bispo diz, agradecendo, prevoltar ao pastorado, e acreditava mesmo neconcílio rompesse o dia em que pudesse voltar pas lides da paróquia, uma paróquia do interior, ngrande circuito. Está entretanto, ao dispor da Igreirá a qualquer lugar fazer o melhor que puder. Modéstia cristã apenas, suas palavras de agdecimento. Bispo, não tem sobre seus ombros toas paróquias, os longos circuitos, os mesmos camde seu pastorado, agora muitas vezes multiplicapelo desenvolviment espantoso da Igreja MetodistaBrasil em seu episcopado?

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NELSON DE GODOY COSTA

Não é agora pastor de todas as paróquias, de todas as igrejas, de todas as congregações, de todos os lugares mais afastados, mais difíceis, onde mora um metodista? É verdade que tem homens em cada paróquia, homens que estão se consumindo no trabalho, que se gastam em longas caminhadas nos sertões em sol, chuva, lama ou poeira, ou noite morta sobre livros nos gabinetes de estudo, de uma ou de outra maneira bus-cando o bem das almas, a vida da Igreja Metodista e a glória do Deus altíssimo. É verdade que tem em todo o território metodista homens que o amam e que são fiéis ao seu ideal de Bispo porque é o ideal comum da causa. É verdade que tem homens que lhe prestam ajuda de valor incalculável, mas é certo, tremendamente certo, que todo o peso tremendo da paróquia metodista brasileira paira sobre sua vida. No quatriênio que se finda preside a todos os concílios regionais, todas as reuniões do gabinete geral, todos os concílios distritais, visita quase todas as paróquias algumas mais de uma vez. Antes de sua reeleição, concluindo o relatório episcopal, diz ser devedor de gratidão infinda a todos quantos, sem distinção de cargos, foram seus colabo-

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PRÍNCIPE DA IGREJA radores na obra gigantesca de levar avante, sempre avante a obra esposada pela Igreja Metodista do Brasil. Do mesmo modo aos que conhecendo a fragilidade humana souberam suportá-lo nos seus erros e deficiência. Protesta fidelidade à Igreja Metodista do Brasil e seu amor aos irmãos sem distinção em qualquer posto e em qualquer lugar em que Deus depois de doze anos de trabalho ininterrupto no episcopado venha colocá-lo.

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CAPÍTULO SEGUNDO

A IGREJA METODISTA DO BRASIL ELEGEDOIS NOVOS BISPOS

A Igreja Metodista do Brasil, graças ao favor divinoconsagração do Bispo brasileiro, através de udireção segura, e graças ao devotamento de spastores e leigos cresce admiravelmente. Não tantcerto, quanto gostaríamos todos. Conta com 97 ministros ativos, 100 pastores pvisionados. Tem 29.578 membros. Suas finanças bem a seis milhões de cruzeiros atém dos mumilhões do valor de suas propriedades. O quinto Concílio Geral pensa na necessidade deelegerem mais Bispos. A comissão de episcopadoprimeira reunião realizada na terceira sessão toconhecimento do relatório episcopal, impreapresen-

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PRÍNCIPE DA IGREJA tado pelo revmo. Bispo César Dacorso Filho e aprova-o unanimemente com voto de apreciação, reconhecimento e gratidão pelo seu trabalho e dedicação exemplares. O relatório número dois da referida comissão propõe ao plenário a eleição de três Bispos para o quatriênio que principia em 1946. São eleitos em primeiro escrutínio o rev. César Dacorso Filho; em segundo escrutínio o rev. Cyrus Bassett Dawsey; em terceiro escrutínio, o rev. Isaías Fernandes Sucasas. Tem agora, a Igreja Metodista do Brasil três Bispos. CÉSAB DACORSO FILHO PRESIDE A SAGRAÇÃO DE BISPOS Às vinte horas do dia vinte e um de fevereiro de 1946, no templo da Igreja em Piracicaba, em ritual soleníssimo, o Bispo brasileiro preside a sagração dos novos presbíteros ao episcopado, revs. Cyrus Bassett Dawsey e Isaías Fernandes Sucasas. Em seguimento à solenidade o Bispo brasileiro pronuncia palavras de profunda unção e de intenso amor fraternal para seus novos companheiros de epis-copado, dizendo da alegria íntima e cristã com que os recebe como colegas. INSTITUI-SE O COLÉGIO DOS BISPOS CÉSAR DACORSO FILHO ELEITO PRESIDENTE Os Anais do quinto Concílio Geral narram de maneira expressiva a instituição do Colégio dos Bispos. 10

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NELSON DE GODOY COSTA "Às oito horas do dia vinte e dois de fevereiro de 1946 reuniu-se o Colégio dos bispos da Igreja Metodista do Brasil pela primeira vez na sua história, constituído pelos Bispos César Dacorso Filho, Cyrus Bassett Dawsey e Isaías Fernandes Sucasas, no gabinete de trabalhos do Bispo César Dacorso Filho, instalado no Colégio Piracicabano, onde se realiza o quinto Con-cílio Geral da Igreja Metodista do Brasil. Após mo-mentos de oração organizou-se o Colégio dos Bispos, sendo: presidente Bispo César Dacorso Filho; secre-tário Bispo Isaías Fernandes Sucasas; vogal Bispo Cyrus Bassett Dawsey. Na mesma hora, depois de considerações ponde-radas e invocação da presença do Espírito Santo de Deus, procedeu-se à eleição dos Bispos para as regiões eclesiásticas, sendo o Bispo César Dacorso Filho nomeado para a região do Norte. Essa Begião compreende os Estados brasileiros do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Pernambuco e outros Estados onde se abrir trabalho. Na mesma ocasião foi ainda o Bispo César Dacorso Filho designado presidente da Junta Geral de Missões e da Comissão de Legislação. Além da região do Norte dirige a região do Centro durante o ano em que o Bispo Cyrus Bassett Dawsey passa em férias nos Estados Unidos, ano que se segue ao concílio geral. A referida região compreende os Estados de São Paulo, norte de Paraná, Triângulo Mineiro, Mato Gros-so e Goiás.

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Tem agora o Bispo brasileiro dois novos com-panheiros. Um, o Bispo Dawsey é o santo homem que toda a Igreja conhece, admira e estima verdadeira-mente. Seu ministério no Brasil desde os primeiros tempos em meio de sertões noroestinos, quando os índios atacavam, matavam o branco, c um verdadeiro apostolado. A zona vastíssima da Noroeste do Estado de São Paulo tem para com o Bispo Dawsey uma ami-zade profunda e verdadeira que chega aos limites da veneração. Sua maneira somente sua de perguntar: "como vai o senhor?" de sorrir conquistou o coração do brasileiro que sabe querer bem os homens sinceros. Elegendo-o bispo a Igreja Metodista do Brasil nâo apenas reconhece suas qualidades pessoais, mas também presta significativa homenagem à Igreja Mãe que enviou para o Brasil homens como Cyrus Bassett Dawsey e que conserva no Brasil missionários verda-deiramente consagrados à Causa e amigos sinceros dos brasileiros. Amam tanto o Brasil, que, aposentados, alguns querem permanecer na pátria que auxiliaram a evangelizar e onde despenderam o vigor de sua mocidade. Isaías Fernandes Sucasas, brasileiro, filho de um casal verdadeiramente cristão e o espírito altamente metodista, sr. José Fernandes Sucasas e d. Encarnação dei Riego Sucasas, falecidos recentemente. Seu pai foi um grande evangelista leigo, notável professor de Escola Dominical. A senhora sua mãe foi cristã exemplar.

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NELSON DE GODOY COSTA Educado em lar assim, Isaías Fernandes Sucasas tem profundamente arraigados os princípios do Cris-tianismo que aos poucos se foram transformando numa experiência vital, intransferível e dinâmica. Bacharel em Teologia, um dos mais completos oradores do Metodismo brasileiro, ardoroso, infatigável no trabalho, sua consagração levou o Concílio Geral a conferir-lhe a dignidade e a lançar sobre sua mocidade as tremendas responsabilidades do Episcopado. Sua Região é a do Sul. Tem agora o Bispo brasileiro dois auxiliares de inteira confiança e comprovado valor. O trabalho que lhe cabe, as obrigações a cumprir, a parte do rebanho a apascentar, suas preocupações, seus desapontamentos suas cargas, a porção da cruz que tem de levar, não os transfere a ninguém. São dele, pertencem-lhe exclusivamente. Continua com o mesmo entusiasmo, a mesma dedicação, a mesma disposição e com muito maior experiência a realizar meticulosamente o seu Episco-pado. É o mesmo grande extraordinário Bispo, cada vez maior! Não se descuida dos livros. São companheiros inseparáveis de quartos de hotel, de ônibus, de auto-móveis, de intervalos de concílios, de descanso de congressos. Também as obrigações do cargo não o deixam repousar muito tempo. Repousar é uma palavra que o Bispo brasileiro não conhece muito bem. E no

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PRÍNCIPE DA IGREJA entanto devia procurar conhecê-la. Seu corpo ressen-te-se dos excessos. A fadiga mina-lhe o físico. Estão aí, entretanto, o Conselho Central, o Colégio dos Bispos, o Gabinete Geral, a Junta Geral de Missões, a Junta Geral de Educação Cristã, os con-gressos gerais de Homens, de Senhoras, de Jovens. Está a reunião dos diretores e presidentes dos Con-selhos Superiores dos Colégios. Estão aí os concílios distritais pedindo sua presença, sua presidência, sua orientação sempre pertinente. Esperam pelo Bispo as inaugurações de capelas, a consagração de templos. E aceita o convite, acode ao pedido, viaja, preside, inaugura, consagra, orienta, dirige a palavra, defende a tese, estuda o assunto, discute a questão, resolve o problema.

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CAPÍTULO SEGUNDO

NA ACADEMIA DE LETRAS DE SÃO PAULO Em 1946 o Bispo brasileiro é eleito membro Academia de Letras de São Paulo. E no dia 12outubro toma posse da cadeira de Álvaro Reis. A feé soleníssima. Preside-a o dr. Saturnino BarboPronuncia a oração de paraninfo o académico prof. Jorge Buarque Lyra. A banda de música Guarda Civil está presente em delicados númerosmúsica suave. Traçando o perfil do novo académico fala o prof. JoBuarque Lyra. Admira em César Dacorso Filhoescritor e diz: "Senhores, o tipo de escritor que eu tenho a honraintroduzir neste Cenáculo é bem diferente do comdos escritores. "Não é um escritor de fantasias e puerilidades. Sescritos têm vida, vida que hauriu na Fonte Su-

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prema da Sabedoria — em Deus! Sua vastíssima bibliografia compõe-se na sua quase totalidade de trabalhos esparsos, abrangendo exegese bíblica, comentários, polémicas, sermões, discursos, e algumas produções poéticas. "Ei-lo como escritor através destes excertos: "Em cima, nas esferas de luz, em Deus, está nosso aperfeiçoamento, nossa redenção. Em baixo, nas trevas da profundidade, nas constrições dos abismos, está nosso definhamento, está nossa asfixia. Nas alturas, as expansões da vida; nas voragens as gargalheiras da morte. Para a liberdade subimos, para a escravidão, descemos. É a vertical a que jamais podemos fugir". Paraninfando uma turma de bacharelandos em Teologia assim se exprimiu: "Os ministros do Evangelho são portadores de mensagens que nenhuns outros mestres podem pretender. Falam de disciplinas que purificam o caráter, de matérias que santificam a personalidade, de questões que divinizam a vida. As teses que discutem estão acima de todas as outras, porquanto são as que lhes dão, a elas, o esplendor da doçura, a graça de benefício e a bênção da utilidade. Quando pregam não invocam as hipóteses da ciência, nem os primores da arte, senão princípios eternos que nunca deixaram de retumbar pelos espaços do subjetivismo de cada indivíduo, nem de chamar cada pessoa à harmonia do pensamento com os atos e do dever com a prática. Dizem do que é mais simples e todavia mais necessário, do que é compreensível e contudo mais imperioso, do que é mais razoável e, não obstante

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NELSON DE GODOY COSTA menos cumprido. Basta que sejam porta-vozes d'Aquele que criou o homem, que ama o homem, que salva o homem, para que mestres por excelência do homem, fiquem sobre todos os mestres que o homem tem".

O MESTRE

César Dacorso Filho não é apenas escritor. É mestre. Sempre gostou de ensinar. Ainda estudante lecionou português, história e álgebra no Instituto União de Uruguaiana, Rio Grande do Sul. Residindo em Santos Dumont dirigiu durante um ano uma escola diurna e noturna. No Instituto Granbery lecionou história e português. Na Faculdade de Teologia deu aulas de Hiperetologia (Problemas pastorais) e jornalismo. Nos Institutos Ministeriais faz preleções sobre várias disciplinas.

0 JORNALISTA

Na primeira parte destes traços biográficos vimos como o menino César ainda na Escola Complementar, fundou com o auxílio de seu amiguinho Luiz Fernandes Callage um jornalzinho — "O Bicho". César Dacorso Filho sempre gostou da imprensa e reconheceu o seu valor. Sua colaboração sobre os mais variados assuntos é assídua.

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PRÍNCIPE DA IGREJA Em Porto Alegre escreveu para "0 Testemunho", Em Uruguaiana, para "Unitas", Em Santos Dumont para "0 Mercantil", Em Cataguazes para "O Atalaia", Em Carangola para "Vida e Imortalidade", Em Juiz de Fora para "Jornal do Comércio", "Diário Mercantil Ilustrado" e "Correio de Minas", Em São Paulo para "Fé e Vida" Cruz de Malta, Revista de Cultura Religiosa, Almanaque Evangélico e Expositor Cristão, No Rio de Janeiro para a revista "0 Malho" c para "A Esquerda", Nos Estados Unidos para "The Missionary Voi-ce", de Nashville. Em separado publicou inúmeros folhetos. Escreve incessantemente. Foi colaborador e depois redator de duas revistas para estudo das Escolas Dominicais. Em Belo Horizonte foi diretor proprietário de um jornal "O Som do Evangelho". TRECHOS DE OURO DE UM DISCURSO Do discurso que César Dacorso Filho pronunciou na solenidade em que foi recebido na Academia de Letras de São Paulo oferecemos estes pedacinhos de luz e ouro ao prazer de nossos amáveis leitores: Este: "Nestes instantes de gala, nestes momentos de brilho, quando me estendeis a mão generosa para a escalada, cuja possibilidade jamais me

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NELSON DE GODOY COSTA passou pelo pensamento, sofro mais do que nunca, a inquietação do homem que procura e não acha, tenta e não consegue, luta e não vence". Ou este: "Sempre lutei por estudar e pouco pude estudar. Lutei sempre por aprender e pude aprender pouco. O que pela vida em fora estudei e aprendi, porção exígua na verdade, é resposta sobremaneira parca a anseios abundantes e ininterruptos, obtida em meio a prélios implacáveis e trabalhos extenuantes que, diz-me a consciência, caracterizariam o mais intrépido dos mouros. "Faltou-me tudo desde o princípio. Faltou-me a escola, faltou-me o mestre, faltou-me o livro. Faltou-me dinheiro, faltou-me pro-leção, faltou-me estímulo, faltou-me oportunidade. Só não me faltaram obrigações e canseiras. Ou então este: "Assim os anos da meninice me foram baldos e a maior parte dos anos da mocidade me foram baldos também — a perda mais lamentável que consigno na relação das minhas derrotas. Ao contrário de tantos outros que seguem a lógica das coisas, e porisso primeiro estudam e aprendem, e depois ainda estudando e aprendendo trabalham e lutam, eu pri-meiro trabalhei e lutei, e depois ainda trabalhando e lutando estudei e aprendi". Dirigindo-se ao seu paraninfo assim se refere à coincidência de terem estudado no mesmo Colégio — o Granbery de Juiz de Fora — nas mesmas cir-cunstâncias das de estudantes pobres: "Em troca da comida, do ensino e da luz, nós

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PRÍNCIPE DA IGREJA que não tínhamos, sequer, quem nos compreendesse, nós que longe, muito longe dos pais queridos, nos aventurávamos sozinhos em mares desconhecidos e escuros, demos força dos braços e suor do rosto. Com mãos calejadas e duras abrimos livros e enchemos cadernos. Com frontes porejantes e membros dolo-ridos, resultado do trabalho brutal deixado a pouco, ouvimos professores. Com pálpebras pesadas e olhos emaciados pela sonolência fomos a longas desoras agarrados a leituras e locubrações. Depois enveredamos, ambos por gosto e vocação, pelo ministério. Hoje nos defrontamos nesta solenidade.

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CAPÍTULO TERCEIRO

AINDA SUA RECEPÇÃO NA ACADEMIA DE

LETRAS DE SÃO PAULO A propósito da recepção de César Dacorso Filho na Academia de Letras de São Paulo escrevemos para o Expositor Cristão as seguintes palavras: CÉSAR DACORSO FILHO, NôVO IMORTAL No dia 12 de outubro tomou posse da cadeira que tem como patrono o Rev. Álvaro Reis, na Academia de Letras de São Paulo, S. Excia., Bispo da Igreja Metodista do Brasil, Dr. César Dacorso Filho. Eu tive a satisfação imensa de assistir a essa magnífica expressão de intelectualidade. É grande honra para a Academia de Letras de São Paulo ter em seu seio a peresonalidade de escol de César Dacorso Filho. Essa honra traduzia-se na

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PRÍNCIPE DA IGREJA alegria emocionante de seus membros, que se expressava em quase veneração para com o novo imortal. A solenidade irradiada pela Rádio América de São Paulo e pela Rádio Atlântica de Santos; alcançou grande repercussão em todo o mundo evangélico bra-sileiro, onde pontifica a personalidade admirável de César Dacorso Filho. Eu vibrei de santo orgulho e senti pulsações quentes de entusiasmo contagiante. Desejo dizer porque: Porque além da recepção e mais do que a recepção que traduziu simplesmente o reconhecimento, pela Academia de Letras de São Paulo, do admirável valor pessoal de César Dacorso Filho, a sessão soleníssima de recepção transformou-se em oportunidade magnífica de pregação do cristianismo positivo de Cristo. Pregação do Evangelho de Jesus para os intelectuais de São Paulo. A primeira pregação desse evangelho sem igual de que tanto precisam os intelectuais de São Paulo, de todo o Brasil, foi feita pelo paraninfo Prof. Jorge Buarque Lira. O conhecido orador e escritor evangélico falou magistralmente. Nem poderia ser de outra maneira, se o tema de sua brilhante oração foi a vida de César Dacorso Filho.

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NELSON DE GODOY COSTA A vida de César Dacorso Filho constitui uma das mais eloquentes e emocionantes pregações do Evangelho. Analisando-a, em seus detalhes, o académico Jorge Buarque Lira, que é também ministro do Evangelho, exibiu facetas rutilantes aos ouvidos encantados do auditório, aos olhos deslumbrados da assistência. Às vezes em períodos maciços de estrutura, às vezes, de leveza literária, focalizou, discutiu, analisou os esplendores da personalidade do seu paraninfando. Outra pregação do Evangelho que fez estremecerem as paredes do salão nobre da Escola Normal "Caetano de Campos", na Praça da República, em São Paulo, foi feita pelo Bispo César Dacorso Filho. Levantou-se pálido e sereno. Eu já o vi de perto dominar as emoções que transbordam o coração imenso. E pude perceber o que lhe ia no peito naquele instante. Sua voz se foi avolumando, tomou todo o salão. O Bispo César Dacorso Filho falava do moço graxeiro da Estrada de Ferro Mojiana chamado por Deus para ser pregador do Evangelho de Jesus. "~ Era a biografia do Rev. Álvaro Reis. Não sei de outra biografia tão bem escrita. Narrando-a César Dacorso Filho não contava uma história, mas apresentava emocionado aos olhos

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PRÍNCIPE DA IGREJA encantados da assistência, aos ouvidos deslumbrados do auditório uma vida, a vida de quem se apaixonou por Cristo, a sua causa e soube viver nos arroubos dessa paixão. Nessas duas Jóias, uma a biografia do homem vivo, outra — a vida do homem morto constituiu-se de esplendores transcedentais a famosa pregação do Evangelho que na noite de 12 de outubro, do coração da Praça da República, vibrou para o coração de lodo o Brasil. Graças a Deus pela vida de Álvaro Reis, o homem que soube viver o Evangelho de Jesus. Graças aos Céus pela vida de César Dacorso Filho, o homem que sabe viver o Evangelho vivo do ("listo VÍVO. Jorge Buarque Lira, da Academia de Letras de São Paulo escreveu estes versos e dedicou-os ao Bispo da Igreja Metodista do Brasil: AO REVMO. BISPO CÉSAR DACORSO FILHO A MAIS VIVA GLÓRIA DA IGREJA METODISTA DO

BRASIL

Qual estrela que brilha em noite escura, qual fonte luminosa engrinaldada, que se ergue, poderosa, em grande altura — assim brilha a tua alma alcandorada!

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NELSON DE GODOY COSTA César Dacorso Filho — vida pura de um grande servidor da Igreja amada, pregador da Santíssima Escritura — alma santa, por Deus predestinada! Caráter de beleza peregrina, ornado de virtudes singulares da Palavra Santíssima e Divina... fulgurando em teu peito varonil!... Por isso és o maior dos luminares Da Igreja Metodista do Brasil!

O DISTRITO DO RIO DE JANEIRO PRESTA HOMENAGEM AO BISPO BRASILEIRO

Reportagem de António de Campos Gonçalves, jornalista e escritor metodista

Na sua última passagem pelo Rio de Janeiro, recebeu o Bispo César Dacorso Filho, carinhosa homenagem por parte dos clérigos e leigos que integram o Distrito do Rio, por motivo de sua eleição para membro da Academia de Letras de São Paulo e o término do seu 3.° mandato episcopal. Presentes na Igreja de São João, no Instituto Central do Povo, clérigos e leigos, diretores de colégios, professores e membros prestigiosos da colónia ame-ricana no Brasil, assumiu a presidência da mesa o Rev. Messias, que explicando os motivos passou a pa-

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PRÍNCIPE DA IGREJA lavra ao Rev. José A. de Figueiredo que, em substan-cioso discurso saudou o Revmo. Bispo. Em nome dos leigos fizeram uso da palavra o Dr. Caetano Carlos da Cunha e Prof. Ismael da França Campos. O Bispo agradeceu a homenagem em brilhante improviso.

R. A. C. Pastores e leigos do Distrito do Rio promovem, no templo da igreja de São João, expressivas home-nagens ao Revmo. Bispo Dr. César Dacorso Filho. Foi isto no dia 26 de novembro p. p., com apreciável concurso da família metodista da Capital, e outros elementos cooperadores. Em primeiro lugar culto a Deus por suas constantes e grandes bênçãos concedidas a seu povo, mas principalmente pela bênção que se multiplica e se re-parte por via do Rev."10 Bispo César, cuja vida vem sendo dia a dia mais útil e mais necessária à Causa, através da Igreja Metodista do Brasil; em segundo lugar homenagens ao Bispo César a um tempo por três fatos que se entrelaçam com apelos para a Igreja: aniversário natalício do Sr. Bispo, seus doze anos de episcopado em tanta maneira vitorioso, e sua eleição ultimamente para a Academia de Letras de São Paulo. Três fatos chamando cada qual a seu modo pelas homenagens, justas, necessárias e inadiáveis, num prazo como este em que andamos, dos

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mais auspiciosos para a grande obra de Deus. O que, porém, com mais vivo entusiasmo reuniu crentes para culto de graças, na noite de 26 p. p. são os três quatrienios que se vão completando da consagrada superintendência o Dr. César Dacorso Filho, no alio posto de Bispo da Igreja Metodista do Brasil. O programa correu com grande entusiasmo. No púlpito: o Rev.im> Bispo, o Rev. José António de Figueiredo e o Rev. Messias Cesário dos Santos a quem coube a presidência da solenidade. Dez pastores estiveram presentes, e o templo cheio. Três coros se fizeram ouvir: Vila Isabel, São João e Cascadura; órgão pela Srta. Dorita Smith e bandolim pelo jovem Josias Calhoud. A igreja entoou dois hinos: 221 e 529 dos Salmos e Hinos. Além da oração de abertura, invocativa, pronunciada pelo Rev. Isaías Sucasas, e leitura da Bíblia, fêz uso da palavra o Rev. Figueiredo pronunciando breve sermão e saudando o Rcv.m0 Bispo, em nome dos pastores do Distrito do Rio de Janeiro. Também o Sr. Caetano Carlos da Cunha, em nome dos leigos do Distrito, concorreu com breve discurso, assaz oportuno, ferindo de lance, algumas das fases mais características da vida consagrada e incansável o Sr. Bispo, passando às mãos deste uma lembrança do Distrito do Rio de Janeiro. Segue com a palavra o Dr. França Campos que surpreende a igreja presente com significativa alocução, mediante cujas sentenças claras c vivas, encarece também a consagração do Rev. José António de Figueiredo, digno Superintendente do Distrito o

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PRINCIPE DA IGREJA Rio de Janeiro; faz-lhe entrega de um mimo em nome do Distrito e encerra com graças a Deus por vidas assim postas a seu serviço, ininterruptamente. Tem oportunidade o Rev. Figueiredo de agradecer. Só agora toma a palavra o Rev.mo Bispo César. Levanta-se para agradecer as homenagens c também dar graças a Deus. Agradece, realmente; mas não é só. Passa a considerações profundas sobre a majes-tade da Causa, o ministério, o pastorado, a consa-gração, as bênçãos. Pronuncia evidentemente uma belíssima oração, por todos os respeitos solene e pro-funda, com retrospectos e futurações, confissões e promessas, antevendo, por fé, o desdobrar das açõcs da Igreja em todo o campo de seu vasto programa, sem trepidação nem timidez. Homem de fé, homem de ação, não sabe e nada quer, além da empolgante Causa de Deus, com redobrado empenho e vitórias para a sua glória. Recebe os cumprimentos por seu aniversário genetílaco, aceita as homenagens por sua eleição para a Academia de Letras de São Paulo e recolhe as alegrias dos crentes por seu episcopado de doze anos abençoado e feliz, mas não se deixa envaidecer: continua lado a lado com os irmãos vi-vamente empenhado no programa de Deus. Oração a Deus pronunciada pelo Rev. H. C. Tucker e a bênção apostólica, são as derradeiras palavras da solenidade, dentro em cuja cordialidade se alegraram os irmãos da grande família metodista do Rio de Janeiro. A imprensa carioca esteve presente, bateu duas chapas e divulgou a notícia, ilustrada em clichés.

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CAPÍTULO QUARTO

VIAJA PARA ALÉM MAR Em companhia do Rev. Isaías Fernandes Sucaviaja para os Estados Unidos. O novo Bispo é moço estuante de vida, pleno de entusiasmo, de ualegria de viver verdadeiramente contagiante.viagem em companhia do Bispo César Dacorso Ffar-lhe-á um bem considerável, bebendo juntamecom a experiência do presidente do Colégio Bispos as impressões fundas dessa primeira viagaos Estados Unidos e do contato com povos de ouraças que pensam do mesmo modo com respeitoReino de Cristo. Para o primeiro Bispo brasileiro a companhia do RIsaías Fernandes Sucasas é uma felicidade que diz bem de perto ao coração. A descrição dessa viagem é um mimo oferecidobom gosto de nossos amáveis leitores. Que a descreve é o primeiro Bispo brasileiro

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com o estilo que lhe é peculiar, vivo, interessante, prendendo inteiramente o leitor. Façamos companhia aos ilustres viajantes. Tomemos os mesmos aviões que tomam. Voemos para os Estados Unidos. Participemos do Concílio Mundial dos Bispos Metodistas. Eu e o Bispo Isaías partimos do Rio, de avião, às 4,50 da madrugada de 18 de abril. Às 9,30 da manhã estávamos em Anápolis, no Estado de Goiás, e às 4,00 da tarde chegamos a Belém, no Estado do Pará, onde dormimos. No dia 19, partimos de Belém às 5,00 da manhã, chegamos à Port of Spain, na ilha de Trindad, às 12,00 da manha, a La Guayra, na Venezuela, às 3,00 da tarde e a Trujilo, em São Domingos, às 6,00 da tarde. Aqui dormimos. No dia 20, partimos de Trujilo às 7,30 da manhã e chegamos a Miami nos Estados Unidos, às 12,30 da manhã. Nesta cidade passamos a noite. No dia 21 partimos, de trem para Nova Iorque, às 4,00 da tarde, e a Nova Iorque chegamos no dia 22, às 7,00 da noite. De Nova Iorque prosseguimos, de trem, às 3,10 da madrugada, no dia 23, para chegar a Boston, 6 horas depois. Das alturas admiramos a infinitude e densidade das florestas que existem no norte do Brasil. Coisa que assombra a própria imaginação do homem! Nem em Belém, nem em Trujilo nos deixamos "saquear" pelos exploradores dos viajantes e fizemos admirável vantagem sobre os companheiros de avião. Ainda assim caí com 15 cruzeiros por um café, de

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NELSON DE GODOY COSTA manhã. Mas, ao contrário do que esperávamos, ti-vemos de pagar, no aeroporto, 40 cruzeiros peia ida e volta, de automóvel, até ao centro da cidade, onde deveríamos pernoitar. Em Miami nos esperava o Dr. S. M. Alfaro, portoriquense, ministro metodista, pastor da igreja hispano-americana, um gigante de bondade e de uma atividade pouco vulgar. Êle já havia providenciado hotel para nós, nos ajudou na obtenção dos bilhetes da estrada de ferro e em seu automóvel nos levou a todos os lugares que desejávamos e ainda a uma excursão noturna para conhecermos a cidade iluminada. Jantamos na "Vila Brasil" com as filhas do finado Bispo Tarboux e no dia seguinte almoçamos com o Dr. S. M. Alfaro. Nosso trem chegou atrasado a Nova Iorque e, possivelmente por isso nos desencontramos do Bispo C. B. Dawsey e Dr. A. W. Wasson, que nos esperavam na estação. Entretanto, nenhuma dificuldade tivemos, quer em encontrar hotel, quer em cuidar da bagagem, quer em obter os bilhetes da estrada de ferro. Antes, de passagem, por Washington, tivemos, com muitos outros passageiros, um momento de grande nervosismo. Saímos da estação para ver o Capitólio, porque havia muito tempo para isso. Quanto voltamos, nosso trem deveria estar noutra plataforma. Mas a hora da partida chegou e nosso trem não havia aparecido em parte alguma. Ninguém informava coisa certa sobre ele. Muita correria, um pouco de bate-bôca e, quase uma hora depois, nós o descobrimos ligado

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à cauda de outro trem, graças a um condutor. Nossa salvação foi que o trem se atrasou muito. Doutra ma-neira teríamos ficado em Washington e nossa bagagem leria ido para Nova Iorque sozinha. Nossa dificuldade tremenda foi com dinheiro. Não conseguimos comprar dólares no Banco do Brasil porque o dia em que faríamos, véspera de nossa saída, foi feriado bancário. Aventuramo-nos com dinheiro brasileiro, que talvez nos servisse até chegarmos à Miami. Por uma felicidade única, consegui ficar com uma nota de 10 dólares, de um americano, no momento em que ele, em Belém, com ela, ia pagar o hotel. Foi com essa nota que pagamos hotel em Trujilo. Doutra maneira, ali, onde ninguém aceita dinheiro brasileiro, teríamos de passar a noite ao relento, nalguma praça. Previdentemente telegrafamos ao Dr. A. W. Wasson que nos pusesse certa quantidade dólares, no aeroporto de Miami e, quando lá chegamos, o dinheiro americano já nos esperava. É com esse dinheiro que estamos viajando, comendo e pagando hotel. Doutro modo, estaríamos ainda em Miami olhando para as praias, de dia, e para as estrelas, de noite. Lá em Miami me informei num banco onde poderia eu trocar cruzeiros por dólares. A moçoila que gentilmente me atendeu, me indicou a American Express Company. Lá fui. A troca só era possível na base de 3 dólares e 25 centavos por 100 cruzeiros, um câmbio negro mais danado do que o que temos no Brasil. Visto isso, voltaremos para nossa terra com os cruzeiros com que daí saímos, menos 230 que demos

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NELSON DE GODOY COSTA pela nota 10 dólares. Como aqui receberemos apenas o custeio da viagem, do qual os dólares que recebemos em Miami foi adiantamento, vão "gorar" as encomendas dos irmãos e amigos... Logo que chegamos a Boston, nos instalamos no Hotel Statler, eu no quarto 1.051 e o Bispo Isaías no quarto 1.077. Depois perdemos muito tempo com a procura do Concílio dos Bispos, porque não havíamos ainda recebido o aviso do lugar e ninguém podia informar-nos onde era. Fomos à Casa Publicadora Metodista, por indicação de um homem que encon-tramos numa igreja episcopal, e ali ficamos sabendo que o Concílio dos Bispos se reunia numa dependência do edifício da New England Mutual Life Insurance Company. De fato aqui encontramos o Concílio dos Bispos já em sessão. Estava falando sobre o México o Bispo Guerra, com o entusiasmo esfusiante que lhe é carateríslico. Lá para a esquerda víamos sentado o Bispo Dawsey. Com que alegria eu me encontrava de novo na presença de tantos amigos. Lá estavam lambem Bispos que eu ainda não conhecia. Estão em Boston, para o Concílio dos Bispos e Conferência Geral, Bispos da China, Malaia, índia, África, Europa Central, Escandinávia, México, Brasil, Prata, Costa Pacífica da América do Sul, etc. Além dos Estados Unidos. No mesmo dia. na reunião da tarde, empreguei todos os recursos — muito poucos — do meu inglês numa exposição sobre o Brasil. No dia seguinte, na reunião da manhã, o Bispo Dawsey dirigiu a parte devocional.

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PRÍNCIPE DA IGREJA No domingo, dia 25, fomos, os três bispos do Brasil, assistir ao culto na Primeira Igreja da Ciência Cristã — um templo monumental, que deve comportar, no mínimo, umas 8 mil pessoas. Não gostei da maneira de dirigir o serviço religioso, nem da doutrina. Hinos, oração silenciosa, pai nosso e coleta. Não há propriamente pregação: uma mulher lê uns tantos textos e um homem os comenta e fazem isto muitas vezes. No interior do templo, por toda parte, citação de Mary Eddy, a fundadora da Ciência Cristã, de mistura com textos bíblicos. Foi aqui que começou a Ciência Cristã e é aqui que ela tem o maior número de adeptos. Dizem que apela muito para os intelectuais. Talvez, por isso não apelou para mim... Em Nova Iorque passamos quatro dias cuidando de nossas passagens para a volta. O pessoal da Board foi extremamente solícito em ajudar-nos nisso e, para dizer a verdade, foi quem fêz quase tudo. Os escritórios da Board regorgitavam de gente. Eram os delegados estrangeiros que ali também estavam cuidando de passagens, de despachos, etc. Víamos que os funcionários estavam cansados. Por tudo isso o serviço se fazia complicado e morosamente. Entrementes entrevistávamos o Dr. Wasson, miss Lee, mrs. Stowell, mrs. Hasemeyer, miss Bobinson e fazíamos conhecimento com outros. Ficamos sabendo que o Bispo Dawsey partira para o Brasil na sexta-feira anterior. No escritório do Dr. Wasson demos, um dia, com o Rev. J. E. Ellis. Recebemos muita correspondência.

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NELSON DE GODOY COSTA Afora isso, fazíamos passeios pela Quinta Avenida e adjacências e escrevíamos. No dia 13 o Conselho Federal das Igrejas banqueteou o Bispo Hafs Lilien, da Alemanha, num hotel. Esse Bispo foi vítima de Hitler e, por ser desobediente ao ditador germânico, curtiu longo tempo na cadeia. Entretanto, teve a coragem de dizer claramente que não está satisfeito com certos processos adotados pelos aliados, para a desnazificação dos alemães — quando respondia, no banquete, ao discurso de apresentação, feito pelo Dr. Mott. Por convite do Dr. Wasson fomos participantes da recepção. Dali mesmo, na companhia do Dr. Tucker, que chegara de manhã e que já havíamos encontrado na estação da Pennsylvânia, nos tocamos de taxi — porque chovia a cântaros — para um templo episcopal da Avenida Park, onde se faria culto, às 3 horas da tarde, parte inicial de uma reunião do conselho superior da Sociedade Bíblica Americana. Lá nos meteram em "gowns" e fomos apresentados ao público. Pregou o Bispo Hafs Lilien. Terminado o culto, eu, o Bispo Isaías e o Dr. Tucker rumamos de taxi para a estação da Pennsylvânia. Quando deixamos o carro, como o Dr. Tucker se esquecera de dar gorgeta, o chaufeur o xingou de toda maneira. Vale que ele nada ouviu e *avez só venha a saber do fato quando ler estas notas. Tomamos o trem e fomos para Filadélfia. Lá, mr,i. Estes e mrs. Tucker nos esperavam na estação. Mr& Estes nos levou, em seu automóvel, para sua casa,

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em Média, a uns 15 quilómetros de distância. Devo dizei que mrs. Estes é a mocinha que no Brasil conhecíamos por Elvira Tucker, filha do Dr. Tucker — hoje mãe de cinco homens, dos quais dois estão casado*. Média é um lugar pitoresco e agradável. O casal Estes, o casal Tucker e nós, os dois Bispos bra-sileiros, passamos o resto do dia e fomos até às 10 hs. da noite «m conversação muito agradável. No dia se-guinte, 14, mrs. Estes nos levou, na companhia dos seus venerandos pais e em seu automóvel, a ver Média, Swarthniore, Chester, Lima e Wilengford, belíssimas cidades suburbanas de Filadélfia. O dia 15 se tornou memorável para nós. O Dr. Tucker nos conduziu ao Liberty Hall, em Filadélfia. Ali, comovidamente visitamos a casa dos acontecimentos máximos da nacionalidade americana e vimos a sala, a mesa, as cadeiras, a pena, o tinteiro e tudo mais que serviu para a declaração da independência dos Estados Unidos, em 1776, e para a primeira reunião do Congresso americano, em 1787. Vimos também o famoso sino que anunciou ao mundo a libertação do país. Pisar aquele soalho que Washington pisou era para nós como que pisar no santuário cívico do maior povo dos tempos modernos. Na frente do Liberty Hall uma chapa metálica, cravada no passeio, mostra que ali o grande Lincoln, erecto, como sempre viveu, hasteou, um dia, o pavilhão unificador dos americanos. Pouco depois partimos, eu e o Bispo Isaías, para Pittsburg. O casal Tucker está morando com o casal Estes. Demonstra uma saudade invencível do Brasil e dos brasileiros.

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Média está se tornando a segunda Meca para os brasileiros que vêm aos Estados Unidos. A primeira está lá em Miami, na Vila Brasil.

Chegamos a Pittsburg quando a noite já do-minava. Fomos para o Fort Pitt Hotel. Ainda nos registrávamos na gerência, quando se nos deram a conhecer mrs. Wisdom e mrs. Ford. Logo depois apa-receram mrs. Wisdom e o Rev. Ford. Os quatro se desencontraram de nós na estação: esperavam-nos num lugar e saímos por outro. O casal Wisdom são os pais do Rev. Robert W. Wisdom, de Volta Redonda, e o casal Ford são os pais de miss Florence Ford, de Santa Maria. Jantamos e nossos irmãos nos levaram a um belo passeio noturno de automóvel. No dia se-guinte mrs. Wisdom nos foi buscar para que fa-lássemos, de manhã, à escola dominical e à igreja, em Brookline. Gostamos do templo e do povo. Pareceu-nos uma igreja espiritual, ativa e missionária. Depois do culto almoçamos em casa dele e com a companhia do casal Ink, pais da esposa do Rev. Robert W. Wisdom. Durante a tarde levou-nos a magníficos passeios pela cidade. Assim é que tivemos o privilégio de visitar um museu monumental, a coisa mais admirável que, no género, já vimos. Jantamos na casa de mrs. Wisdom. Por fim, levou-nos à igreja de Smithfield, onde também falamos à congregação. Foi verdadeiro encanto nosso encontro com as famílias Wisdom, Ford e Ink, que estão tão relacionadas com nosso trabalho no Brasil. Ao casal Wisdom somos de-vedores de gentilezas sem conta. São elementos de

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caráter nobre, cristão, que dignificam qualquer sociedade c qualquer igreja. Vimos claramente a alegria íntima de estarem conosco, companheiros de seu querido filho na causa do Evangelho em nossa terra. Quando nos despedíamos da mãe de mrs. Wisdom, uma velhinha de 91 anos e cega, presa ao leito, ela nos recomendou: "Diga a Bob (Rev. Robert W. Wisdom) que oro por êle todos os dias, especialmente para que Deus o faça poderoso na salvação de pecadores." Mrs. Ink me tem ajudado muito na mania filatélica. Êle e a esposa estiveram, faz pouco, em Rezende, Barra Mansa, Volta Redonda, Petrópolis e Rio. Foram visitar a filha e o genro. Sentimos que nosso conta to com o casal Ford fosse apenas de horas. A igreja de Brookline deve ser estimadíssima dos brasileiros. Na 2.a-feira, dia 17, regressamos para Nova Iorque.

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CAPÍTULO QUINTO

NOS ESTADOS UNIDOS — CONCÍLIO, VIAGENS — E DEPOIS NO BRASIL

Na 2.a-feira, dia 26 de abril, o Bispo Hartman e esposa ofereceram aos Bispos um almoço em Wayside Iim (Indbury, Mass.) Wayside Inn é uma casa histórica é uma espécie de museu. Lá se hospedavam Washington, Lafayettc e Longfellow. Vimos os quartos e as camas em que dormiam. Vimos também as coisas que os colonizadores ingleses usavam há cerca de 300 anos. Na volta estivemos junto à casa que per-tenceu ou em que morou Emerson e à em que viveu Hawthorne (Concord, Mass.). Com certa emoção pa-ramos um pouco em Old North Bridge para ver o lugar em que começou a lula pela independência americana e, assim, vimos o monumento consagrado à memória dos "minute men" e o sepulcro que guarda as cinzas dos soldados ingleses que ali viveram suas últimas horas. Fomos e voltamos numa caravana de dois grandes onibus e numa excursão de 5 horas.

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PRÍNCIPE DA IGREJA Na 4.a-feira, dia 28, começou a Conferência Geral, às 9 da manhã, houve comunhão na igreja episcopal protestante. Nós, os Bispos, usando "gowns", uma espécie de paramento que não chega a ser batina, marchamos em procissão, dois a dois, saindo por uma poria da biblioteca c entrando pela porta fronteira do templo colossal, para tomar lugar no púlpito, igual-mente colossal. Às 10 horas, se realizou a primeira sessão plenária no Mechanics Building, edifício antigo, muito gasto, mas que ainda se presta para reuniões grandes. Lá havia uns 60 Bispos sentados no palco e uns 800 delegados sentados na plateia. As duas ordens de galerias estavam apinhadas de visitantes. Em cada cadeira do palco e da plateia já haviam posto um hinário, o primeiro número do "Daily Christian Advocate", — um colecionador, exemplares de relatórios, de programas, de convites, etc, enfim, todo material necessário para cada membro da grande assembleia. No mesmo prédio se apresentava uma exposição imensa do que cada junta e comissão da Igreja faz, público, etc. A "Methodist Publishing House" ocupa a parte central. Dos lados estão as comissões hospedeiras, de informações. O correio, o telégrafo, a enfermaria, etc. Em cima, para um lado, está um restaurante. Entre os delegados há os que vieram da China, índia, Filipinas, África, Europa e América Latina. Não vimos nenhum do Japão — provavelmente efeito da guerra. Há mui los Bispos e delegados de côr.

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NELSON DE GODOY COSTA Convém dizer que nesta parte dos Estados Unidos, não há discriminação de côr. Ontem (1.° de maio) a sessão da manhã foi presidida pelo Bispo Show, de côr. Assim, nas ruas, nos hotéis, nos ônibus, no plenário, em toda parte, brancos e pretos, nacionais e estrangeiros se movimentam e vivem em plena fraternidade, indistintamente. A Conferência, até hoje, tem seguido o mesmo ritmo: pela manhã, plenário; à tarde, reuniões das juntas e comissões; de noite, alguma coisa de interesse. Até ontem, o que tivemos de noite, foi o seguinte: dia 28 — leitura da mensagem dos bispos; dia 29 — programa de temperança, em que falou famoso ministro batista, Rev. Louie D. Newton, de Atlanta, Ga.; no dia 30 — um programa em que falou 0 Dr. Roy L. Smith, redator-chefe do Christian Advocate, sobre a Europa e a paz do mundo, quando atacou de frente a política do presidente Truman e recomendou a aproximação da Rússia, ao povo americano; dia 31 — programa da mocidade, em que falaram seis estudantes universitários, 5 rapazes e 1 moça, sobre serviços que a Igreja deve prestar ao mundo. Não há reunião geral da Conferência em que não apareçam e cantem coros dos mais famosos das universidades e igrejas destas zonas. Todos os dias, de 28 de abril a 8 de maio, na Igreja Metodista de Copleu, às 4 da tarde, a Junta de Evangelismo mantém um culto de evangelismo, quando fala um dos Bispos. Eles têm os seguintes temas: O

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espírito protestante (Corson), A autoridade das Escrituras (Broomfield), O sacerdócio dos crentes (Cushman), Justificação pela fé (Watkins), 0 direito do julgamento íntimo (Brashares), Separação entre a Igreja e o Estado (W. A. Smith), A Igreja e os sacramentos (King), A santidade da vida comum (Selecman), O Protestantismo e o mundo como uma paróquia (Baker). A mesma Junta realizou, em 27 de abril, na Igreja Metodista de Copley, um dia de jejum e oração para os membros da Conferência e convida-os a orar em lugar próprio, no Mechanics Building, especialmente meia hora antes da parte de-vocional do plenário. Aqui, por entre a multidão, vamos encontrando velhos amigos. Logo no princípio demos com os Revs. Ellis, Sadí e Tucker. Depois com o Rev. Marshall Steel, Dr. Wasson e senhora, miss Skinner e outros. Mas temos saudades dos que já partiram para o além e dos que não puderam vir à Conferência. Da. Otília Chaves chegará aqui, para um Congresso de Senhoras, em 4 de maio. O Bispo John M. Moore está muito doente. Recomendo aos irmãos do Brasil que escrevam cartas de cortesia e conforto para ele (4311 Rawlins St, Dallas 4, Texas). O Bispo Hoyt M. Dobbs está internado num hospital de tuberculosos. Também a êle escrevam os irmãos do Brasil cartas de cortesia e conforto (731 Eighth Court, West, Birmingham, Alabama). Em setembro passarão conosco, dez dias, duas personalidades ilustres do metodismo mexicano — o

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NELSON DE GODOY COSTA Bispo Guerra e um ministro. Não só vão visitar-nos, mas também, a nosso convite, fazer trabalho de evangelização entre nós. Desejo sugerir que nossas paróquias, no Rio, em Belo Horizonte, São Paulo e Porto Alegre, levantem ofertas para custeio de hotel e avião, para eles, enquanto no Brasil. Deixo esta questão também com os superintendentes distritais, assim como o programa de cada cidade. Também em setembro, se não me engano, re-ceberemos a visita do Bispo Brooks e esposa, que aqui estão. É um casal de côr muito simpático, culto e gentil, com quem gostamos de estar. O Bispo Brooks, sob o patrocínio da Board of Missions and Church Exíension, irá fazer conferências em todos os campos missionários da América Latina. Por outro lado, estou sendo instantemente convidado a ir ao México para as comemorações do metodismo azteca. Depois que voltamos de Píttsburg, ainda tivemos três dias em Nova Iorque. Foram três dias afanosos, com os arranjos para o embarque da volta. No dia 21, ali pelas 2 horas da tarde, tomamos um taxi, à porta do hotel, e rumamos para a Board. Deveríamos lá, apanhar algumas encomendas — pe-didos feitos do Brasil c presentes mandados para o Brasil — tantos pacotes, que apanhamos o que pu-demos e deixamos o resto. No taxi não havia logar para mais nada. Pedimos aos amigos e irmãos que se entendam sobre o que ficou lá, porque a respeito de muitas coisas ninguém nos escreveu uma palavra

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sequer — apenas ficamos sabendo que eram para trazermos. Sobre as dificuldades dos pedidos feitos do Brasil e presentes mandados para o Brasil, direi oportunamente uma palavrinha pelo "Expositor". Às 3 horas já estávamos no cais. Às 4 horas terminava o praso para a entrada dos passageiros no navio. Às 5 horas largava imponentemente o "Argentina", da Moore McCormack Lines, em viagem direta para o Rio. De alguma distância ainda contemplávamos Nova Iorque coberta de fumo e, depois chispante de luzes. Até ao Rio fizemos uma viagem admirável, apesar do mar tempestuoso, só no primeiro dia, ler atirado à cama não poucos passageiros. Logo fizemos, a bordo, conhecimento com missionários que vinham para Mato Grosso, para o Uruguai e para a Argentina. Por isso, pudemos ter culto aos domingos, meditação, todas as noites, de um trecho bíblico, seguida de orações. Um casal de missionários fazia diariamente trabalho entre as crianças. Num dos cultos de domingo pregou o Bispo Sucasas. Noutro, eu falei sobre o soldado brasileiro (Memorial Day). O Rev. Bratcher, pai do atual secretário da Sociedade Bíblica Americana, também vinha a bordo e foi a principal figura na direção dos cultos de domingo. Era a segunda vêz que, entre os Estados Unidos, eu e êle viajávamos juntos. 0 navio trazia muitos passageiros, talvez uns quinhentos. Entre eles, grande número de patrícios

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nossos. Entre estes, estudantes que gozaram de bolsas nas universidades americanas. Em certa altura o navio fêz uma volta muito rápida. Disseram os oficiais de bordo que haviam visto uma bomba (mina explosiva) desgarrada, que haviam pedido providência, pelo rádio, para que um navio de guerra a fizesse explodir, etc. Pode ser que essa história seja verdadeira. Não falta, neste pobre mundo, quem queira ser original, herói ou coisa mais ou menos assim. Todos ficamos alegres quando, nas proximidades de Cabo Frio, começamos a ver terra novamente. Notamos nos companheiros de bordo um desejo muito forte de conhecer o Rio, que diziam ser a cidade mais bela do mundo. Pudemos, por isso, notar a sofre-guidão com que procuravam lugares, nas amuradas donde pudessem, desde longe, descortinar panoramas da entrada da baía da Guanabara. Esquecia-me de noticiar um acontecimento triste, de bordo. Quando passávamos o Equador, houve, como sói acontecer, a festa de Netuno, com iniciação dos que pela primeira vêz cruzam a linha. A festa que seria bonita, tem coisas abrutalhadas. Um cidadão sofreu tanto que se irou e ficou mesmo possesso. Não sei como não chegou a vias de fato. Outro, que foi atirado violentamente dentro da piscina, teve duas costelas fraluradas e foi para a enfermaria. E também esquecia-me de dizer que houve, antes da chegada do navio à Cidade Maravilhosa, um jantar oferecido pelo comandante aos passageiros que

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PRÍNCIPE DA IGREJA iam ficar aqui. Já uns dias antes havia êle oferecido aos passageiros um "cock-tail". Nessa ocasião cada passageiro recebe à mesa um chapéu carnavalesco, um brinquedo de criança e a sala da comedoria fica cheia de balõezinhos que, pouco depois, começam a rebentar. E a música de bordo toca números especiais. E esquecia-me de dizer, ainda, que o "Argentina" publica, diariamente, um jornalzinho em papel muito bom, com as últimas notícias captadas pelo rádio. No dia 1.° de junho o vapor encostava ao cais. Agradecemos a bondade dos irmãos e amigos que ali nos foram esperar e dar boas vindas. O Bispo Sucasas no mesmo dia tomou trem para São Paulo, a caminho de Porto Alegre.

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SÉTIMA PARTE

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PANORAMAS DE UM EPISCOPADO SEXTO CONCÍLIO GERAL

PELA QUINTA VÊZ ELEITO BISPO

CAPÍTULO PRIMEIRO

O sexto Concílio Geral da Igreja Metodista do Brasil é em Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul. Não é mais o Concílio pequenino de 1930. Nem o segundo, quando César Dacorso Filho foi eleito Bispo. A Igreja Metodista do Brasil cresceu admiravelmente e seu Concílio representativo compõe-se de setenta e quatro pessoas. É um Concílio grande. Sempre foi um grande Concílio. Na quinta sessão procede-se à eleição dos Bispos. Preside-a o Bispo da Igreja Mãe, Rev. Dr. Fred Pierre Corson. É o dia 17 de fevereiro de 1950. Há orações silenciosas. Ora em voz audível o Rev. James Ellijah Ellis.

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Recolhidas as cédulas verifica-se a reeleição de César Dacorso Filho. Pela quinta vêz eleito Bispo! O venerando Bispo o viajante das longas caminhadas, o bandeirante das sondagens delicadíssimas do coração humano, o semeador, agradece ao Concílio a confiança que deposita nele elegendo-o pela quinta vêz ao episcopado e diz não ter dúvida que esta será a última vêz, e declara que está naquele posto para servir a Igreja e por meio dela, Deus.

----- 0O0---- Agora serão cinco anos de lutas até o próximo Concílio Geral. Sereno, confiante, decidido, o grande Bispo prossegue no caminho. Concílios, congressos, conselhos superiores, insti-tutos, viagens, legislação, construções, inaugurações, consagração, paróquias, superintendentes, pastores, oficiais, membros de igreja, candidatos à profissão de fé, interessados, amigos do Evangelho, trabalho, tra-balho, sempre trabalho e nos horizontes sem fim a seara do Mestre, que branqueja.

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CAPÍTULO SEGUNDO

H O M E N A GE M EM PLENA ATIVIDADE EPISCOPAL

A Igreja Metodista do Brasil desejando prestar reconhecida homenagem ao primeiro Bispo brasileiro, dá seu nome a uma das salas da Faculdade de Teologia. A homenagem dirigida pelo Rev. António de Campos Gonçalves encontra pleno apoio de toda a Igreja, que prontamente concorreu com a importância de dez mil cruzeiros que foram oferecidos ao conceituado estabelecimento de ensino superior da mesma Igreja. A fixação da placa em homenagem ao primeiro Bispo brasileiro é a expressão do reconhecimento de todos os metodistas para com a vida de exemplar consagração que tem sido o maior estímulo à gran-deza e à glória da própria Igreja. O primeiro Bispo brasileiro recebe essa homenagem que lhe presta a Igreja com naturalidade e singeleza de coração.

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NELSON DE GOOOY COSTA Metodista de verdade, filho da Igreja Metodista do Brasil, sua vida pode muito bem dividir-se em três períodos distintos. O primeiro até 1912 em sua cidade natal, dentro da luta de menino pobre, riquíssimo de uma força de vontade verdadeiramente espantosa, abrangendo o grande acontecimento que foi sua con-versão e seu ingresso na Igreja Metodista e o início de maneira mais positiva dos estudos, no Colégio União de Uruguaiana. O segundo período de sua vida passa-se nas regiões do Centro e do Norte, concluídos os estudos no Colégio Granbery e iniciado o pastorado. Vai de 1912 a 1934. O ano de 1934 assinala sua ascenção ao episcopado e multiplicada porção de responsabilidades sobre sua vida. E de 1934 para cá, numa inspiração constante a vida do primeiro Bispo brasileiro se vem multiplicando em exemplos, estímulos e verdadeiros desafios a toda a Igreja Metodista do Brasil, à luta cada vêz mais renhida contra as forças do mal em defesa das legiões do Bem, pregação do Evangelho puríssimo de Cristo como se encontra nas páginas do Novo Testamento e como foi vivido pelos apóstolos; arrependimento de pecados e nova atitude para com Deus, o Pai por mediação de Jesus Cristo o Salvador. César Dacorso Filho é filho da Igreja Metodista. Em 1 de janeiro de 1908 seu nome aparece pela primeira vez em letras impressas no jornal de Porto Alegre, "O Testemunho" num programa de festa de Natal, realizada em Santa Maria em 1907. O número

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PRÍNCIPE DA IGREJA de fevereiro do mesmo jornal trazia a notícia de que César tinha sido reeleito tesoureiro da Liga Epworth. No mesmo jornal, em 15 de julho do mesmo ano, apa-rece novamente seu nome: tinha sido eleito delegado leigo à reunião da Missão Sul Brasileira, que sob a presidência do Bispo Rev. E. E. R. Hoss, teve início a 3 de julho do ano em apreço. Novamente aparece seu nome no "0 Testemunho". Está noticiando sua eleição para o cargo de tesoureiro da Junta de Ecônomos de sua querida igreja de Santa Maria. O menino de Santa Maria cresceu à sombra da Igreja Metodista. Principiou declamando titubeante nas festas de Natal. Exerceu ainda muito jovem os cargos de maior responsabilidade como o de tesoureiro da Junta de Ecônomos. Isto é, sua consagração deu-lhe naturalmente lugar de realce no seio da congregação. É triste pensar que em muitas igrejas e congregações os pastores lutam tremendamente com a falta de elementos de boa vontade para o trabalho. Há em muitos lugares acentuada má vontade e a resposta aos convites, ao pedido do pastor é sempre a mesma: "eu não sei" ou pior: "eu não quero". Ouvi um pastor dizer a uma jovem que lhe recusou o convite alegando não saber: "Aceite meu convite, faça o trabalho. No fim do ano a senhora terá aprendido, saberá fazer e terá feito o serviço de secretária da Escola Dominical. O jovem de Santa Maria aceitava com alegria os convites para o trabalho e tinha alegria imensa em ser útil à Igreja. E desde moço revelou dons incomuns

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NELSON DE GODOY COSTA e capacidade invejável para a tarefa imensa que os anos colocariam, que a própria Igreja a quem êle começou a servir em Santa Maria colocaria convidando-o a servi-la não apenas em sua cidade natal no Estado do Rio Grande do Sul mas em todos os Estados do Brasil. E César Dacorso Filho aceitou prazeirosamente o convite. Homenagem como a que lhe prestou a Igreja colocando seu nome em uma das salas da Faculdade de Teologia, e outras muitas, o primeiro Bispo brasileiro recebe modestamente, sem nenhuma vaidade. Simples no trato, modesto no trajar-se, sente-se à vontade tanto nos meios aristocráticos, ao lado das pessoas mais representativas no Brasil e no mundo evangélico, quanto nos meios mais modestos, junto com a gente humilde, pobre e atrasada dos sertões. É que olha não a aparência mas atenta para o coração e aos grandes do mundo prefere os grandes para a vida. No exercício do episcopado revela inteligência fora do comum, e desmedida dedicação. Organizou paróquias, multiplicou distritos, centuplicou pontos de pregação, deu toda a assistência aos membros da Igreja, intensificou o esforço em favor da evangelização, pois o evangelismo sempre foi sua grande paixão. Zeloso pastor de almas, as ovelhas e os cordei-rinhos constituem seu constante cuidado. No cuidado do rebanho é insistente, enérgico e rigoroso. Não admite relaxamento no cuidado da Igreja. Nós já temos percebido no transcurso destas páginas sua

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PRÍNCIPE DA IGREJA extrema dedicação para com a Igreja que o acolheu menino e a quem, homem, o Bispo brasileiro dá toda sua vida. Nesse quatriênio como nos outros a sua atividade é intensa. A própria vertiginosidade da carreira da Igreja rumo aos seus destinos eternos exige aos gritos a inteira oferta da existência. E como a luz que ilumina embora se sacrifique, o Bispo dia após dia ofe-rece-se em holocausto à Igreja e o faz feliz, imensamente, porque primeiramente ofereceu-se ao Salvador. Sua atividade não se limita à Região Eclesiástica do Norte. É o presidente do Colégio dos Bispos e sua atuação continua tendo como campo o Brasil. A região do Norte merece-lhe o cuidado imediato. E o Bispo viaja sem parar, à procura de novos pontos onde erguer a bandeira do Metodismo. Ao lado de outras a Igreja Metodista tem um dever a cumprir e seu dever ela não pede a ninguém que o cumpra. Procura cumpri-lo fielmente. O Bandeirante prossegue na marcha. A região do Norte é ainda um campo inexplorado. Léguas e léguas a cavalo em caminhadas dificílimas se vão os pastores atendendo pontos de pregação, moradas de paroquianos. Viagens longas, demoradas, exaustivas, o primeiro Bispo está com os pastores e sua companhia suaviza as jornadas, enche de alegria o trabalho, aumenta os frutos colhidos. Muitas vezes apenas pedras verdes, pedras verdes simplesmente, como foi com Fernão Dias País Leme, o caçador de esmeraldas. E o coração do Bispo

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NELSON DE GODOY COSTA bandeirante sangra desapontado e triste. Outras vezes porém brotam pedras de valor inestimável, pedras raras que constituem honra e glória para a Igreja Me-todista. E o coração do Bispo bandeirante pulsa pleno de júbilo, transbordantemente. Bandeirante do Evangelho de Jesus na Igreja Metodista do Brasil.

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CAPÍTULO TERCEIRO

DEPOIS DO SEXTO CONCÍLIO GERAL O AVANTE POR CRISTO

Uma das consequências felizes do sexto Concílio Geral é o gigantesco movimento que se processa em toda a Igreja Metodista do Brasil sob o nome de "AVANTE POR CRISTO". Visa a renovação espiritual da Igreja e a extensão de seu programa cada vez em maior intensidade no meio do povo brasileiro, procurando realizar "Mais de Cristo na vida e mais vidas para Cristo". Esta Cruzada empolga a Igreja inteiramente. Os resultados se fazem sentir com segurança. Multipli-cam-se os pontos de pregação, intensifica-se extraor-dinariamente o serviço de visitação pastoral, constroem-se capelas, edificam-se residências pastorais, erguem-se templos, batizam-se centenas de pessoas e centenas de pessoas são recebidas por profissão de fé à comunhão da Igreja. No quatriênio que terminou em 1950 a Igreja

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NELSON DE GODOY COSTA

recebeu 10.975 pessoas. É preciso receber muito mais no quatriênio que 1951 inicia. A Igreja recebe com entusiasmo a nova Cruzada e procura cumprir seu programa. Pastores, oficiais, simples membros da pa-róquia todos querem participar da gigantesca arrancada e ter o seu quinhão de lutas e de glória.

À frente do movimento empolgante encontram-se os três Bispos. A palavra orientadora dos condutores da Igreja autónoma sempre oportuna e necessária constitui incentivo de valor inestimável. Ao seu lado desenvolvem grande atividade os secretários da Junta Geral de Educação Cristã, rev. Charles Wesley Clay; da Junta Geral de Missões, rev. Augusto Schwab; da Junta Geral de Ação Social, rev. Wilbur Smith.

Empenhados no movimento que tomou toda a Igreja os três Bispos assinam e fazem publicar uma proclamação em que procuram, como sempre o fizeram com o máximo empenho esclarecer, orientar, dissipar qualquer dúvida quanto aos objetivos do movimento singular e bendito que se processa no seio da Igreja Metodista do Brasil.

E porque entendemos que constitui um documen-to de alto valor histórico a proclamação episcopal de-sejamos inseri-la neste livro que é afinal um documento histórico a respeito da vida do homem que deu sua existência ao que a Igreja Metodista do Brasil é hoje em toda sua plenitude.

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PRÍNCIPE DA IGREJA

AVANTE, POR CRISTO!

Proclamação dos bispos Metodistas do Brasil. Clérigos e leigos: Por ocasião do último Concílio Geral Deus nos

inspirou o que, tudo nos leva a crer, será um movimento singular e glorioso para o Metodismo do Brasil. Referimo-nos ao planejamento e execução do "Avante, por Cristo!"

Desde então, já por espaço de um ano, temos dedicado o melhor de nós, fé e oração, tempo, inte-ligência e trabalho, a programá-lo, de modo a tornar-se o mais operoso e frutífero possível, tanto no que con-cerne à vida interior da Igreja como à projeção da Igreja no seio do povo brasileiro. Temô-lo feito em várias reuniões, algumas pequenas como as do Gabinete Geral, outras grandes como a que tivemos em São Paulo, de 9 a 11 de novembro de 1950, quando conse-guimos congregar bispos, secretários gerais e regionais, superintendentes distritais e outros. Temô-lo feito sub-missos, em todas elas, à direção que nos dá o Santo Espírito, e ao auxílio que Êle nos presta através de muitas emoções, variadas experiências, tocantes teste-munhos, farta iluminação e grande fortalecimento. Louvamos-te, Santo Espírito, porque desces sobre nós com tamanha clarividência!

Os concílios regionais ultimamente realizados lhe deram prolongadas horas de estudo, reflexão e ajustamento.

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NELSON DE GODOY COSTA O Gabinete Geral e a Junta Geral de Educação Cristã não têm poupado esforços, nem o "Expositor Cristão" tem economizado espaço no afã de fazê-lo conhecido de todos, pastores e membros da Igreja. Conforta-nos dizer que esse movimento, pelo que até aqui temos observado, corresponde aos anseios mais profundos de nossos amados irmãos em toda parte. De suas linhas mestras, de suas diretrizes principais, sobretudo de seus objetivos já estão sobejamente informados os superintendentes distriais e pastores. Por meio deles, já devem estar, também, em boa extensão, as igrejas e membros da Igreja em geral. Aos superintendentes distritais e pastores se têm dado pastas com programas e sugestões, se têm remetido circulares e mais que, sobre o assunto, nos tem ocor-rido. O "Expositor Cristão", por sua vez, tem sido e continua sendo clara veiculação do que, sobre êle, temos de dizer. Insistimos com esses dedicados irmãos e companheiros que continuem colecíonando, em tais pastas, tudo que, a respeito, ainda venham a receber e a ler em nossos periódicos. De mais a mais, a Bíblia, os Cânones e a Mensagem dos Bispos, material indispensável para a Igreja, sempre normativo, estão nas suas mãos. Não estabelecemos planos rígidos ou inflexíveis. Tudo que até agora temos feito, é, em certo sentido, muito elástico. Cada paróquia, cada igreja e, até, cada membro da Igreja fará sua contribuição para a grande cruzada, nos limites de sua possibilidade — queremos

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PRÍNCIPE DA IGREJA

dizer, nos limites de sua capacidade e circunstâncias. O que instantemente pedimos é sinceridade, empenho, cooperação na campanha a que se deve lançar o Me-todismo brasileiro, totalmente. Fique, porém, patente à consciência de todos isto: mais do que nós e dos superintendentes distritais, o resultado de nossa luta depende dos pastores e suas igrejas. 0 "Avante, por Cristo!" visa intensificação da vida religiosa dos metodistas. Portanto, é preciso que as energias morais e espirituais deles se despertem mais e mais e, por outro lado, que se quebrem e desfaçam apátias, enervamentos, friezas, mal-estar e irritações por ventura existentes entre eles. Jejuns, oração, estudos bíblicos, festas de amor, Santa Ceia, tes-temunhos públicos, frequência aos cultos, participação nas Sociedades e Escolas Dominicais se impõem a todos como recursos da graça dos céus, para que consigam semelhantes resultados. O "Avante, por Cristo!" visa a evangelização do povo brasileiro — digamos isto sem rebuços. Por con-seguinte, é necessário que os metodistas se lancem à ceifa com o denodo de verdadeiros missionários de Jesus Cristo. Como é vasto o campo em que podem operar vantajosamente! Como é oportuna a colheita que devem fazer para os celeiros eternos! Nunca neste país se viu o povo tão à míngua do Pão da Vida e, ao mesmo tempo, tão desejoso de recebê-lo. Reuniões de oração, reuniões de ação de graças, pregações ao ar livre, visitação sistemática, distribuição de litera-

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NELSON DE GODOY COSTA tura, convites insistentes, testemunhos pessoais, servi-ços de alto-falantes, de rádio e de imprensa são meios poderosos, ditados diretamente ou por dedução pelos Evangelhos, para se conquistarem corações e almas para o Reino dos Céus. Não deixemos, também, de subir às favelas, de descer às praias, de ir aos hospitais, às cadeias, onde há tantas pessoas que gemem sob o peso da miséria ou sob o guante da dor, e que gosto-samente aceitariam a mão auxiliadora e amorosa do Filho de Deus. Não nos esqueçamos, ainda, dos quar-téis, onde a mocidade se adestra para a guerra, para que ela não perca a visão que lhe dá o Príncipe da Paz. Oxalá o povo de Deus não negligencie, nesta hora crítica, mas momentosa, além de oportuníssima, os instrumentos e lugares que lhe estão à mão para uma obra larga e fecunda que resulte na conversão real de dezenas e dezenas de milhares de nossos patrícios à fé cristã. O "Avante, por Cristo!" visa uma alta expressão da caridade evangélica ensinada e exemplificada por nosso Salvador. O amor ao próximo ilumina muitas páginas das Sagradas Escrituras, declara uma das feições mais características dos discípulos de Jesus e constitui das provas mais evidentes da nova vida gerada no homem pelo Santo Espírito, pela fé em Cristo Jesus. Por toda a vastidão de nossa pátria sobe clamor de pobres, de doentes, de analfabetos, de velhos desamparados, de órfãos abandonados e de outros sofredores. Quem lhes irá ao encontro? Jesus, que sempre foi. Mas que agora deve e precisa ir na pessoa de seus

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PRÍNCIPE DA IGREJA remidos. Mais escolas, mais hospitais, mais asilos, mais orfanatos, mais de tudo que mitiga a dor, mais de tudo que ajuda o fraco, consequentemente. 0 "Avante, por Cristo!" visa aparelhamento mais eficiente para a Igreja, para que ela possa, com mais facilidade e mais resultados, cumprir sua grande mis-são. Isso quer dizer mais templos, mais capelas, mais prédios de educação religiosa, mais residências paro-quiais, mais propriedades para fins educativos e assis-tenciais, mais recursos de transporte e propaganda, mais literatura, mais pregadores, mais paróquias de sustento próprio, mais dinheiro posto ao serviço do Senhor. O "Avante, por Cristo!" conquistará, assim, um grande alvo, se cada metodista, no Brasil, compreender bem seu lugar e sua função na Igreja e no mundo, começando por nós, bispos e chegando ao mais humilde e modesto crente de nossa denominação. SIM, é preciso, é imprescindível que, na Igreja Metodista do Brasil, ninguém fique sem fazer o máximo que pode fazer, neste ou naquele campo de atividade. Depois de prudente e elaborada preparação, pelos processos a nosso alcance, para essa memorável jornada de reavivamento e expansão do Evangelho, no Brasil, que será mantida, com vigor crescente, nos quatro anos que vão seguir, proclamamos, sob os auspícios de Deus, nosso Pai, e em nome de Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador, seu início — início de u'a marcha triunfante — em 4 de março de 1951, primeiro domingo do mês, domingo em que geralmente

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NELSON DE GODOY COSTA se celebra a Santa ceia nas igrejas, a Santa Ceia que comemora o sacrifício de Quem se deu pelo mundo e pela humanidade. Metodistas, sentido! Metodistas, avançai, por Cristo! (Assinados)

César Dacorso Filho, Bispo Superintendente da Região Eclesiástica do

Norte

Cyrus Bassett Dawsey, Bispo Superintendente da Região Eclesiástica do

Centro

Isaías Fernandes Sucasas, Bispo Superintendente da Região Eclesiástica do Sul

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CAPÍTULO QUARTO

VAI A INGLATERRA — REGRESSA — ENFERMIDADE — INTERVENÇÃO CIRÚRGICA

Em 1951 vai à Inglaterra como membro do Concílio Ecuménico das Igrejas Metodistas do mundo. Cansado, esgotado de muitos e muitos trabalhos sente que precisa ir. Irmãos, parentes e amigos vêem nessa viagem ocasião de descanso, mudança de ares, de ali-mentação, possibilidades de refazer-se. O Bispo vê a necessidade de representação brasileira no Concílio que se reuniria na histórica cidade de Oxford, a uns cem quilómetros de Londres. A grande assembleia wesleyana terá a representação brasileira na pessoa do Bispo brasileiro, que atenderá aos laços do afeto e do dever. Regressa do Concílio Ecuménico plenamente sa-tisfeito pela cultura, sinceridade e devoção dos homens que o compõem. Sente que em seu ambiente respirava alguma coisa das reuniões de Wesley. Em todo o Concílio imperou o espírito wesleyano. Foi uma reu-

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nião de congraçamento das Igrejas Metodistas e de revivificação da fé e das atividades metodistas. Preten-de mais e mais aproximar umas das outras as Igrejas Metodistas de todo o mundo e reafirmar os padrões doutrinários. Assim expressou-se finalizando a entre-vista concedida ao Expositor Cristão por intermédio do Sr. João Gonçalves. O Bispo brasileiro regressa é verdade menos cansado de Oxford. A viagem fêz-lhe bem. Fizeram-lhe bem o encontro com amigos de outras terras e outros ares. Seu organismo, entretanto, se ressente de fadiga acumulada e os trabalhos a que se entregou de novo em sua terra agravam-Ihe o mal. Em janeiro de 1952 está em Porto Alegre, capital do Estado do Rio Grande do Sul, onde se realiza o Concílio daquela Região. Alquebrado de forças, todos percebem que o grande servo sofre muito fisicamente. Mesmo assim é admirável seu ânimo forte. Inicia o tratamento médico mais intensamente. Está hospedado no Colégio Americano. No fim do concílio sente agravar-se o mal. É urgente, inadiável a intervenção cirúrgica. Interna-se no Hospital São Francisco e submete-se à acurado tra-tamento preparatório. Do Rio de Janeiro e de São Paulo chegam de avião sua esposa e seus filhos. O primeiro Bispo brasileiro submete-se à delicadíssima intervenção cirúrgica e às consequentes tranfusões de sangue. Durante a enfermidade sempre seu ânimo é forte, sua coragem inquebrantável, sua fé admirável.

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PRÍNCIPE DA IGREJA Confia no poder de Cristo. Está cônscio da presença do Senhor. Com simplicidade comovedora dá a todos um testemunho belíssimo de fé e paciência em Cristo. Amigos solícitos cercam-lhe o leito procurando adivinhar suas predileções, crendo auxiliar na cura. E entre os companheiros inseparáveis está o chimarrão gaúcho, amargo, fervendo, delicioso... Em sua convalescência que foi longa não deixa de trabalhar. Atende do próprio leito de sofrimento sua vasta correspondência. Depois, em junho escreve ao rev. Eduardo Mena Barreto Jaime: "Agora só me resta um pouquinho de formigamento e bambeza nas pernas e nos pés. Isso porém, não me impede de trabalho algum, nem de qualquer saída de casa. Estou fazendo regularmente minha correspondência e todo o trabalho a mais do escritório. Tenho pregado, falado pelo rádio. Já visitei e fui a Belo Horizonte. Na próxima quarta-feira, dia 11 irei a Cabo Frio, Estado do Rio de Janeiro para o primeiro concílio distrital. De 20 a 26 estarei em São Paulo. "Estou sentindo muita falta do ambiente gaúcho, dos velhos amigos, do chimarrão, do salame do Rio Grande, da espinheira divina (erva medicinal) das campinas intérminas". Assim escreve e assim trabalha, depois de deixar o hospital, viajando para o Rio de Janeiro onde reside, ainda convalescendo de grave enfermidade. Ainda em Porto Alegre nas vésperas de ser operado, sob o mais rigoroso cuidado médico, seu pensamento está no Concílio Regional do Norte, que deve

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NELSON DE GODOY COSTA .realizar-se dentro de poucos dias. Em sua alma está a Igreja Metodista do Brasil. Seu corpo enfraquecido e enfermo está detido no leito. 0 pensamento livre voa para o Concílio Regional do Norte, que nesse ano é presidido pelo rev. João Augusto do Amaral, pastor em Petrópolis. No coração do primeiro Bispo brasileiro fotografada em grande imagem está a Igreja Metodista do Brasil. Agradecido a Deus pelo restabelecimento do Bispo venerando o Distrito do Rio de Janeiro realizou no templo do Catete um culto de ações de graça. Verdadeira multidão feita de crentes das várias igrejas da capital ex-paroquianos, amigos, admiradores, re-presentações eclesiásticas, muitos pastores dos quais quinze fizeram uso da palavra, em momento oportuno, em congratulações, um programa de música suave, de orações, singelo solene, compreensivo. O que realmente foi esse momento de gratidão a Deus descreve a pena do rev. António de Campos Gonçalves : CULTO DE AÇÕES DE GRAÇA No templo da igreja do Catete, no Rio, houve um culto de ações de graça pelo restabelecimento da saúde do Revmo. Bispo César Dacorso Filho, o primeiro bispo nacional da Igreja Metodista do Brasil. Promovido pelo Distrito do Rio de Janeiro, de que é Superintendente o Rev. José Rui Rodrigues de Almeida, ele se realizou, à noite, no dia 14 de maio p.passado, quarta-feira.

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PRÍNCIPE DA IGREJA Houve programa: órgão e violino, pelos paroquianos D. Zila e Dr. Lobato; canto: a igreja três vezes, uma vez o coro, e um solo pela Sra. D. Leda Cunha Melo, ultimamente cooperadora no Catete; oração pelo Rev. Messias Cesário dos Santos, leitura bíblica pelo pastor da igreja, Rev. António Bágio, preleção gratu-latória por um dos Ministros do Rio, e palavra oficial do Superintendente do Distrito, Rev. José Rui. Foi grande o concurso de povo, não só da paróquia do Catete, mas de todas as paróquias do Distrito do Rio, e também de Niterói. Dos 18 entre Ministros, Ministros-pastôres, e provisionados com paróquia, 15 fizeram uso da palavra, congratulando-se com o Revmo. Bispo pelo restabelecimento de sua saúde. Também a igreja de Niterói teve sua expressão de júbilo, e a Confederação Evangélica do Brasil se fêz representar na palavra do Secretário-executivo de sua Comissão Central de Literatura. Por fim falou também o Revmo. Bispo César, discorrendo claro e firme sobre a sua enfermidade e sobre as provas nítidas e constantes da mão bondosa de Deus, em providências inequívocas em torno dos seus dias de maiores provações. Demos, de relance, o volume do programa, que, digamos, correu suave, num clima festivo e solene a um tempo, compreensivamente. Graças a Deus, louvores e adoração. Nada mais razoável depois das bênçãos em grande cópia conce-didas ao Sr. Bispo pela restauração já de sua saúde, e à Igreja Metodista do Brasil igualmente pelo retorno do seu grande administrador às atividades episcopais.

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NELSON DE GODOY COSTA A Exma. família do Sr. Bispo esteve presente, outros parentes, ex-paroquianos, crentes em geral, coo-peradores e amigos. Todos se reuniram para dar graças a Deus. Templo repleto, teve por fim o Revmo. Bispo ensejo de receber, à saída, os cumprimentos de todos, a expressão pessoal de contentamento, as con-gratulações. Continuemos dando graças a Deus pela vida do seu grande servo, por sua provada consagração, por sua expressiva influência na administração da Igreja Metodista do Brasil.

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CAPÍTULO QUINTO

ESTAMOS EM 1952 O FILATELISTA

Estamos em 1952. O primeiro Bispo brasileiro completamente vitorioso sobre a enfermidade e a operação delicadíssima está firme na direção do Colégio dos Bispos e da Região Eclesiástica do Norte. As exigências do episcopado encontram pela frente seu ânimo inquebrantável. Entre muitas atividades do segundo semestre, notemos apenas estas: preside reunião da diretoria da Sociedade Bíblica do Brasil, preside oito sessões do concílio do distrito de Petrópolis, em Rezende; prega nos templos do Rio de Janeiro, vai a Belo Horizonte presidir o concílio distrital; vai a Mantena presidir o concílio do distrito do Vale do Rio Doce; preside em Vitória, capital do Estado do Espírito Santo o concílio daquele distrito.

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NELSON DE GODOY COSTA Viaja pelos Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espirito Santo no desempenho de seu episcopado que cada dia envolve maiores atividades, cria novos campos, levanta novos templos, convida à comunhão da Igreja novas almas, multiplica serviços das mais diversas naturezas, visando todos a realidade do Reino de Cristo no coração dos homens. Em outubro viaja para o exterior. Vai a Santiago do Chile representar a Igreja Metodista do Brasil na Conferência Central do Sul das Repúblicas hispano-americanas. Em regresso passa pelo Paraguai. Dessa viagem resultou o possível estabelecimento de uma Missão da Igreja no Paraguai e o encaminhamento de nossa cooperação com o Metodismo no Prata, numa colónia missionária na Bolívia, já aprovada pelas Juntas Gerais de Missões e de Ação Social; nossa aproximação da Igreja Metodista nos países hispano-ame-ricanos e nossa representação fraternal na Conferência Central.

FILATELISTA Nos concílios distritais, regionais, gerais o Bispo costuma trazer quantidade volumosa de selos de todos os preços simples ou comemorativos que vende aos pastores e leigos. Os mesmos compradores de selos novos oferecem ao Bispo selos usados na correspondência pastoral que é grande também.

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PRÍNCIPE DA IGREJA O primeiro Bispo brasileiro é apaixonado filatelista. Possui bonita coleção de selos, uma das maiores do Brasil. Foi menino, aos sete anos que principiou a co-lecionar. Naquele tempo ainda se encontravam selos com a efígie de D. Pedro II, e os primeiros da Repú-blica. Não havia naquele tempo a exploração macabra e desanimadora nos domínios da filatelia. Quem inspirou o menino a colecionar foi seu irmão mais velho que por sinal não colecionava. Seu primeiro álbum foi feito de um papel de embrulho e lhe custou duzentos réis (vinte centavos, hoje) dinheiro que pediu à sua mãe. Logo depois foi para a escola e lá enconlrou meninos que colecionavam e principiou a trocar as duplicatas. Tudo naquele tempo, natural-mente, era feito com muito pouco conhecimento do assunto. Mais tarde começou a trocar selos com colecio-nadores estrangeiros. Chama a esse entretenimento sua "mania" e diz que os colecionadores o estimularam muito nessa mania. Depois no pastorado e no episcopado mais ainda tornou-se difícil cuidar de seus selos. Está acumulando duplicatas para mais tarde, se tiver tempo na aposen-tadoria, trocar com outros colecionadores. A filatelia, diz o Bispo, deixou de ser um prazer para ser um negócio, tão complicada, tão onerosa, se lornou hoje e também exaustiva. Hoje só quem tem

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NELSON DE GODOY COSTA fortuna e um secretário é que pode colecionar selos. Há muita ilusão sobre o valor de selos. Na filatelia qualidade é o que vale. Quantidade pode não valer coisa alguma. Venda de coleção em bloco não rende coisa alguma. Venda de selos avulsos aos coleciona-dores que precisam encher álbuns é que dá alguma coisa. A coleção do primeiro Bispo brasileiro conta com mais de cento e vinte mil exemplares. São de todos os países. Há selos de raro valor. O número de exem-plares e seu valor classificam o Bispo entre os maiores filatelistas do Brasil.

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CAPÍTULO SEXTO

PLANOS E REALIZAÇÕES

Eleito bispo, César Dacorso Filho esboçou um plano gigantesco; a evangelização do Brasil. Conquistaria primeiro as capitais; depois as cidades-chaves; em seguida as zonas de maior densidade de população. Certamente o sonho gigantesco de César Dacorso Filho exige tempo. Os passos seguros para sua realidade já alcançaram Curitiba, capital do Estado sulino, Paraná. Já atingiram Goiânia, a cidade menina do Brasil, capital do Estado central de Goiás. Já foram à Vitória, a linda capital do Estado do Espírito Santo. Os passos seguros já chegaram a Salvador, a cidade mais antiga do Brasil, chamada Roma brasileira, e que foi durante dois séculos a capital do Brasil.

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Os passos se agigantam e em 1951 com a graça de Deus, Recife, a capital de Pernambuco será atingida. Não apenas as capitais estão na pasta de planos do Bispo brasileiro e nas suas conquistas. As cidades estratégicas também. Uberlândia, cidade do Triângulo Mineiro, com irradiação para os Estados de Goiás, Mato Grosso e o próprio Estado de Minas Gerais; Londrina, no Estado do Paraná, cidade cujo desenvolvimento miraculoso impressionou vivamente as levas de imigrantes nordestinos; Campos, no Estado do Rio de Janeiro; Volta Redonda, a cidade-aço onde se encontra toda a esperança na siderurgia brasileira; Agulhas Negras, com a famosa Escola de Cadetes do Exército são marcos assentados no plano de conquista do trabalho metodista, sob a direção de César Dacorso Filho. Ou antes, foram planos, porque hoje, Uberlândia, Londrina, Campos, Volta Redonda, Agulhas Negras são sede de paróquias florescentes e verdadeiramente promissoras. Algumas já se tornaram graças ao Senhor da seara em realidades esplendorosas. O Vale do Rio Doce, o Vale de São Francisco, a linha férrea São Paulo-Rio Grande, a linha litorânea, todas as cidades, todas as capitais não atingidas estão presas ao plano de evangelização. Os homens-obreiros, entretanto, faltam! É o clamor do primeiro Bispo brasileiro, o clamor insistente e apaixonado. Homens, homens e mais homens, destemidos, prontos para qualquer ponto, qualquer lugar e qualquer posição, pastores consagrados amando

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PRÍNCIPE DA IGREJA decididamente suas ovelhas, os seus paroquianos, prontos a oferecer a vida em holocausto ao grande ideal. Certamente cabe aqui, ainda e sempre a prece do Mestre, Aquele que olhou que contemplou longa e apaixonadamente os campos, e depois, alma ansiosa, disse; "Os campos na verdade são imensos, mas os trabalhadores na verdade são poucos. Rogai ao Senhor da seara que envie trabalhadores para seus campos". E aí continuam oito milhões e quinhentos mil quilómetros quadrados de superfície desafiando a Igreja Metodista do Brasil. Não importa se outras igrejas estão trabalhando. Importa c que a Igreja Metodista do Brasil está em campo. Isto é o que importa. Muito mais do que superfície, do que terra, há almas! Existem cinquenta e dois milhões de almas por quem Cristo morreu, imersas no abandono, no indiferentismo, vítimas da má direção religiosa, no de-sespero, na revolta, cinquenta e dois milhões de almas desejando, ansiando, clamando, buscando por Jesus, em tamanha ignorância religiosa, que não sabem que é Jesus a quem devem buscar. O primeiro Bispo brasileiro sonha com a conquista do Brasil para o Evangelho do túmulo vazio. Faltam-lhe homens para a luta. 13

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NELSON DE GODOY COSTA

A LEGISLAÇÃO DA IGREJA

A legislação da Igreja Metodista do Brasil conhecida dentro e fora de nossa denominação, dentro e fora dos meios evangélicos, e admirada como extraordinária é obra quase que exclusivamente do primeiro Bispo brasileiro. Atento às reuniões das comissões, assíduo a elas, escrevendo-lhes, orientando-as, redigindo, é o inspirador, o responsável, o autor de quase todas as questões de lei sobre as quais discutiu e as quais estudou exaustivamente pelo jornal da Igreja, opinando, decidindo. Em verdade a Igreja deve ao Bispo quase toda a legislação de que pode se orgulhar com justiça e modéstia. SUA ATUAÇÃO EM ALGUMAS ENTIDADES SOCIAIS César Dacorso Filho tem cooperado na organização de algumas entidades sociais. É sócio fundador do grémio literário "Sylvio Romero", no colégio "Gran-bery" de Juiz de Fora. A agremiação literária gran-beryense tem a glória de ter tido em seu seio alguns dos maiores oradores, dos maiores declamadores, das mais pujantes expressões literárias que passaram pelo imortal educandário brasileiro. Noites literárias alu-cinantes de entusiasmo e mocidade o grémio propor-cionou à sociedade Juiz de Forana.

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PRÍNCIPE DA IGREJA Desse grémio César Dacorso Filho é sócio fundador e a êle emprestou o calor de sua voz forte, a inteligência de seu cérebro admirável e a vida de sua alma sempre moça. É sócio fundador do Clube Filatélico de Juiz de Fora. É sócio fundador da Associação Auxiliadora da Igreja Metodista, que seria realmente uma força poderosa na manutenção da Igreja, e que, infelizmente, por falta de cooperação veio a extinguir-se. Na mesma cidade mineira foi sócio do clube revolucionário "Três de Outubro" em 1930.

O BISPO AMIGO DA INSTRUÇÃO

Amigo fervoroso da instrução, o Bispo brasileiro, que desde muito menino procurou os livros, sempre incentivou outros ao estudo. Durante seu pastorado todo insistiu na necessidade de levar as crianças ao estudo. Criou escolas paroquiais, procurou meios de crianças inteligentes prosseguirem os estudos. Na superintendência distrilal impulsionou em seus distritos a criação de escolas onde meninos e meninas pudessem estudar. Estimula de todas as maneiras em palestras pessoais, ou dirigidas a grupos de meninos ou meninas, de jovens, a pais, a necessidade imperiosa de preparo intelectual. Tem de muitos modos ajudado na edu-

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NELSON DE GODOY COSTA

cação de adolescentes. Lutou tremendamente mas deu preparo completo a todos seus filhos e estende o olhar aos filhos da Igreja como sendo seus filhos. Foi um, é um dos idealizadores da Universidade Evangélica, com o plano dilatado de amparar a edu-cação de todas as crianças pobres da Igreja. A falta de cooperação, bem desgraçadamente, parece que vai transformar o grande sonho da Universidade num grande sonho apenas. AMIGO DA LITERATURA E DA HISTÓRIA Ama a literatura e a história. Penetra fundo os domínios da psicologia. Seus autores prediletos são Alexandre Herculano e Camilo Castelo Branco, em Portugal, e Coelho Neto, no Brasil. Na poesia admira os arroubos de Castro Alves e a doçura de Casimiro de Abreu. O primeiro livro de poesias que leu foi de Fanfa Ribas, poeta gaúcho. Outro poeta gaúcho que também apreciou muito foi Lobo de Castro. O primeiro romance que lhe caiu às mãos e que leu com sofreguidão de adolescente foi "O Moço Loiro", de Joaquim Manoel de Macedo.

OUTROS IDIOMAS

Era menino quando principiou a estudar inglês. Fala corretamente, hoje. Em suas viagens aos Estados

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PRÍNCIPE DA IGREJA

Unidos ou Inglaterra, concedendo entrevistas, discur-sando, ocupando púlpitos, não precisa de quem o ajude. Recebendo no Brasil americanos ou ingleses conversa com eles, resolve assuntos da máxima importância, empregando nas palestras o idioma da pátria de nascimento dos visitantes. Nos tempos de ginasiano começou a gostar do latim. Seu amor veio pelo amor ao estudo do português de que hoje é mestre. Conhece ainda o italiano, o francês e o espanhol. Tentou entrar pelos mundos desconhecidos do grego e do hebraico, a falta absoluta de tempo não lhe permitiu maiores explorações nesse terreno, para o qual sempre olhou com olhos compridos. Há um idioma de que não gosta: o alemão.

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CAPÍTULO SÉTIMO

AMIZADES BONITAS ATIVIDADE EXPRESSA EM VERBOS

0 ministério metodista sempre foi abençoado com amizades verdadeiramente bonitas. Nas ocasiões dos concílios distritais, regionais ou gerais ou nos institutos ministeriais vêem-se pastores aos grupos nas palestras, nos passeios, procurando lugares juntos à mesa ou desejando ser companheiros de dormitório. Amizades que adornam a existência, que suavizam os encargos do pastorado e adoçam os amargores naturais que às vezes aparecem em meio do caminho florido do ministério. São amizades que nasceram no tempo de estudantes. Companheiros de turmas, colegas nos estudos, a amizade que nasceu em seus corações e que alimen-taram carinhosamente, foi muitas e muitas vezes um lenitivo nas aperturas do estudante pobre e nas lutas do moço crente.

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PRÍNCIPE DA IGREJA Em todos os tempos houve amizades admiráveis, santas amizades. Em nosso tempo de estudante lem-bramo-nos de algumas amizades que se tornaram amizades-símbolo pela sua beleza e compreensão. A que uniu os corações dos revs. Francisco Gonçalves Nocetti, Augusto Schwab e António Nery Bággio. Hoje o primeiro depois de pastorear as maiores paróquias é reitor do Colégio Piracicabano; o segundo, secretário da Junta Geral de Missões, cargo para o qual foi ree-leito várias vezes, e o terceiro, pastor da paróquia do Catête no Rio de Janeiro. Outra amizade bonita é a dos revs. Juvenal Ernesto da Silva e Isnard Rocha. Muitas vezes estávamos em nosso quarto preso aos livros, quando ouvíamos uma risada verdadeiramente gostosa. Era o Juvenal rindo das graças do Isnard. Hoje Juvenal é capelão do Exército brasileiro, tendo já estado na Europa com as forças expedicionárias brasileiras, residindo atualmente no Rio de Janeiro, e Isnard é pastor da paróquia Central de São Paulo. Outra amizade que nasceu nos bancos escolares do Granbery e da Faculdade é a que irmanou o autor ao rev. dr. Elias Escobar Gavião, hoje advogado e pastor da paróquia de Vila Isabel, no Rio de Janeiro, e ao dr. Saulo do Vai Esteves de Almeida, engenheiro, com curso de especialização nos Estados Unidos, e ao rev. José Nicolau Lemos, pastor da paróquia da Luz, na capital paulista.

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NELSON DE GODOY COSTA César Dacorso Filho teve igualmente amizades bonitas nascidas no tempo de estudante no Colégio União de Uruguaiana. Entre elas está a do rev. Oswal-do Luiz da Silva, gaúcho também. O rev. Oswaldo Luiz da Silva é um dos ilustres ministros da Igreja Metodista do Brasil, hoje aposen-tado depois de longo e abençoado ministério, pasto-reando as maiores paróquias, reside na capital de São Paulo. Ouvimô-lo a respeito de seu grande amigo expressar-se assim: "Vida espantosamente ativa! Companheiro valoroso de ideal! Da convivência com esse destemido varão desejo fazer uma afirmação tríplice: "Nossa amizade nasceu em 1910, quando o Senhor nos chamou para semear e para colher na seara sempre branquejante, que também o era naqueles bons tempos. "Nossa amizade não foi meramente conservada nesse longo transcurso; criou raízes profundas e robustas no coração. "Nossa amizade, agora, passados quarenta e três anos no missionarismo sagrado, é amizade máxima, realçante de maior viço, por admiração e apreço ao valor inconfundível da personalidade de César Dacorso Filho, do que realmente o era em épocas vividas apenas em camaradagem bastante comum, que tínhamos, entre estudos e trabalhos colegiais no colégio "União" de Uruguaiana, ou no colégio "Granbery" de Juiz de Fora".

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Outra amizade bonita que floresce no coração de César Dacorso Filho c o Rev. Eduardo Mena Barreto

Jaime. Conheceram-se em Santa Maria, muito jovens, quando César Dacorso Filho era funcionário da Viação

Férrea Rio Grande do Sul e Eduardo Mena Barreto Jaime foi para aquela cidade como auxiliar do Rev.

António Patrício Fraga. Alicerçaram, juntos, uma amizade verdadeira, pura, abençoada, que, à medida que os anos passam, cresce mais e mais. César tem para com Eduardo pro-funda admiração. Acompanha-lhe, desde então, com sincero interesse os passos no ministério santo. Assis-tiu-lhe o enlace matrimonial com Da. Alcinda Martins, jovem de extraordinário valor. Acompanhou o cres-cimento de quatro filhas extremosas. Seguíu-lhe os passos nos lugares por onde andou e nas posições destacadas que conquistou como minis-tro e sociólogo, como pastor e jornalista. Foi Eduardo o campeão das campanhas pró Autonomia, no Sul, onde — justo que se diga — lutou quase sozinho. Hoje, aposentado, mais do ninguém, representa a velha guarda metodista no Sul. É quem, entre outros, representa do Rio Grande do Sul, com dedicação incon-trastável, o génio wesleyano; quem, já com as energias quebrantadas pelos anos e enfermidades, prega, visita, estimula, fornece padrão, com outros, para a mocidade que ingressa no ministério. Pela influência que exerceu, pelas lições 'que recebeu, pela bondade que o caracteriza, pelo cristianismo que encarna, a Eduardo Mena Barreto Jaime, César Dacorso Filho deve muitíssimo.

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NELSON DE GODOY COSTA Admiramos amizades assim. Admiramos exal-tando-as. Amizades que se alimentam na afinidade espiritual, que se robustecem na admiração natural pelo valor sem afetação. Amizades puras, despre-tenciosas e cristãs. Amizades fortalecidas no companheirismo, alicerçadas na mesma fé, fruteando nos mesmos ideais aos interesses supremos do Reino de Cristo, do Jesus que em sua vida na terra teve também amigos verdadeiros. ATIVIDADE EXPRESSA EM VERBOS Quem acompanha a seção "Superintendência Episcopal", em que, pelo Expositor Cristão o primeiro Bispo brasileiro informa a Igreja sobre sua assombrosa atividade ministerial nota naturalmente o sem-número de vezes em que aparecem verbos:

Viajei: convidei, a pé, participei, a cavalo, em burro (exemplo: o li,

Aeroplano" de caminhonêta, escrevi,de caminhão, de ônibus, respondi, de automóvel,de trem, agradeci, de avião, de navio, estudei, Cheguei orei, Vi, preguei,

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PRÍNCIPE DA IGREJA

visitei, falei,observei, acompanhei, estive, iniciei,examinei, concluí,saí, continuei,percorri, realizei,andei, convoquei,sugeri, dirigi,aconselhei, presidi,resolvi, sugeri,determinei, atendi,ordenei, sofri,comuniquei, agradeci,concluí, intercedi,cuidei, supliquei,exortei, aconselhei, Nao colocamos ponto final nesta

lista. Graça a Deus, não terminou.

batizei, realizei oficiei

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CAPÍTULO OITAVO

19 5 3

O INSTITUTO MINISTERIAL GERAL

Estamos, pelo favor divino, no ano de 1953. A Igreja Metodista do Brasil é no Brasil uma realidade surpreendente. Reuniões, comissões, concílios, congressos, sociedades, escolas dominicais expressam atividade empolgante, verdadeiramente compensadora dos esforços conjugados das forças leigas. Pastores esmeram-se no preparo de sermões, estudam com maior vontade, viajam, visitam, orientam, cuidam mais desveladamente do rebanho. Os superintendentes distritais olham com cuidado o distrito que receberam nos concílios regionais. Os secretários regionais e gerais das Juntas de Missões, Educação Cristã e Ação Social acodem aos cargos pastorais e atendem as secretarias.

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PRÍNCIPE DA IGREJA Os três Bispos, em perfeita harmonia, coordenam, dirigem, conduzem. A Igreja Metodista do Brasil unida c forte é uma realidade esplendorosa no Brasil. Em meio a todas suas atividades, entre todas suas realizações, o Instituto Ministerial Geral para pastores foi uma realização que excedeu a melhor expectativa de êxito. Idealizado pelo secretário geral da Junta Geral de Educação Cristã, Rev. Charles Wesley Clay e realizado pelo consagrado ministro brasileiro e por seus auxiliares imediatos, transformou-se em bênção maravilhosa derramada dos céus sobre os pastores e por meio deles sobre toda a Igreja. 0 venerando Bispo esteve presente à memorável reunião que congregou com poucas exceções os pastores das três regiões eclesiásticas, unindo todos os pastores metodistas do Brasil num amplexo fraternal de amor cristão verdadeiramente inspirador. O venerando Bispo testemunhou eloquentemente as graças divinas recebidas no inesquecível retiro. Se sua presença foi uma inspiração e um estímulo para os participantes do Instituto, foi de igual modo o Instituto favor espiritual para o extraordinário condutor da Igreja, que publicamente expressou a alegria em participar do que chamou um dos mais altos privilégios quando sentiu, por diversos meios a influência magnífica e vigorosa, edificante e salutar.

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NELSON DE GODOY COSTA "Foram oito dias de cânticos e orações, de estudos e mesas-redondas, de observações e experiências de despertamentos c emoções, de provas e práticas, de comunhão, de ágapes, de fraternidade, de pregações, apelos, conversões e rededicações, de mais esclarecimentos, mais aproximação e mais coesão entre os servos do Senhor, assim reunidos. Tudo em ambiente sereno; tudo, sem afogadilho. Continua o testemunho do Bispo brasileiro: "Outro aspecto deveras interessante do Instituto, foi o congraçamento, que operou, dos pastores metodistas de todo o país — ministros e provisionados. A Igreja cresceu muito nos últimos decénios; as regiões eclesiásticas já perfazem três, cada uma com seu Bispo, o que as tornou quase que inteiramente isoladas umas das outras, até mesmo na formação de muitos de seus obreiros. O Concílio Geral não congrega senão pouquíssimos deles, mais ou menos os mesmos de sempre, já conhecidos uns dos outros, colhidos entre duzentos ou mais, talvez entre quase trezentos, espalhados entre as cidades e rincões do Brasil. Por isso, entre nós, só um Instituto Geral tem o condão de atrair, a um tempo, para o mesmo lugar, todos eles. Ainda mais, tem a capacidade de dar-lhes o senso unitário da denominação, e a percepção da força imensa que representam. O que tudo isso significa para o Metodismo brasileiro é incalculável. E conclui o parágrafo: "De agora até ao próximo Concílio Geral devemos notar, atentos, os frutos que, ao lado de

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outras formas de impulso, produziu o Instituto Geral de 1953".

Estes, alguns trechos do testemunho público, sincero e vivo, do grande Bispo metodista a respeito da monumental realização da Igreja Metodista do Brasil, — o Instituto Ministerial Geral, em 1953. Na reunião de encerramento do Instituto Ministerial Geral todos os pastores cantaram com a música do hino 518 dos Salmos e Hinos a letra do autor, que é a seguinte:

HORA DE DESPEDIDA

Hora amarga de separação De pessoas tão queridas, —Amizades não fingidas — Sofre e chora nosso coração! CôRO Mas não há de ser para sempre a dor, Juntos estaremos com Jesus Mas não há de ser tão pesada a cruz: A distância não apaga o amor! Neste mundo temos de sofrer Muitos transes dolorosos! Muitos olhos lacrimosos, Neste mundo, temos nós de ver! Confortada pelo imenso amor, —Evangelho de esperança — A alma luta e não se cansa Por unir-se um dia ao seu Senhor! Nas moradas de meu Deus, enfim, Vai o crente fervoroso Desfrutar completo gozo Que não tem mudança e não tem fim!

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CAPÍTULO NONO

CONVITE AOS MOÇOS

M O Ç O S !

A Igreja Metodista do Brasil precisa urgentemente de pastores. Ansiosa pela salvação das almas estende vistas longas pelos campos sem fim de nossa terra. Alonga a vista sobre criancinhas como aquelas que um dia, confiantes e simples subiram aos joelhos de Jesus para receber a bênção de seu amor infinito. Alonga a vista sobre a mocidade que se desorienta sem ideal, e por isso mesmo deixa de ofertar à Pátria o concurso inspirado pelo mais alto sentido da Vida. A Igreja Metodista do Brasil alonga a vista pela paisagem melancólica da velhice e simpatiza com a dor e o desconforto de quem não foi desde os primeiros dias iniciado nos princípios salutares e eternos do Cristianismo.

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PRÍNCIPE DA IGREJA Não há quem cuide dessa pobre gente. A Igreja Metodista do Brasil precisa urgentemente de pastores. Todos os anos as portas imensas da Faculdade de Medicina ou de Direito, ou outra, tornam-se pequenas demais para conter a avalancha de moços que se candidatam aos seus cursos. As portas da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista do Brasil estão à espera de moços que irão torná-las pequenas, de moços crentes que queiram empurrá-las, de moços fortes que queiram forçá-las, de moços vocacionados, que, decididamente queiram transpô-las, buscando o preparo para o Santo Ministério. A vida do primeiro Bispo brasileiro é um convite vivo, insistente, comovedor aos moços para o Santo Ministério. Menino, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, ouviu o chamado d'Aquôle que andava pelas margens do Mar da Galileia. Prontamente atendeu ao convite. Novo Samuel ouviu a voz celestial falando-lhe. Novo Paulo não foi desobediente à visão celestial. Toda sua vida é o resultado da obediência ao chamado divino. Vida extraordinária que ainda há de ser contada com muito mais vida, muito mais beleza, muito mais emoção do que foi contada agora por quem apenas desejou escrevê-la sem ao menos saber contá-la. A vida de César Dacorso Filho é um convilc vivo, insistente comovedor para o Santo Ministério.

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NELSON DE GODOY COSTA M O Ç O S ! Os passos do Tempo se fazem ouvir, se fazem sentir. César Dacorso Filho sente o passar dos passos do Tempo. Muito de suas forças físicas ficaram para trás retidas pelos dias de sua mocidade. O milagre do espírito másculo conserva-o admirável, gigantesco, sem medo do amanhã que certamente há de chegar.

É preciso que se levante outro César. Outros Césares. É dificílimo surgir outro César Dacorso Filho! É possível, porém.

O mesmo Jesus que foi à cidade sulina convidar o jovem telegrafista para se preparar e abraçar o Santo Ministério, anda por outros lugares convidando o jovem operário o estudante das escolas secundárias, superiores, para o mesmo Santo Ministério de que a vida de César Dacorso Filho é uma glorificação impressionante e comovedora. Moços, o convite está nas vossas mãos. Se quiserdes podeis colocá-lo nas profundezas do coração.

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CAPÍTULO DÉCIMO

ANTES DO FINAL

A conversão de César Dacorso Filho foi gradual, sem choques violentos, sem grandes comoções. Resultado felicíssimo da educação religiosa recebida no seio da própria Igreja. Sempre teve, entretanto, momentos de comoção, através dos anos de sua vida, comoção intensa e profunda.

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O primeiro Bispo brasileiro é irredutivelmente wesleyano, é ortodoxo. Crê que a Bíblia é a palavra de Deus, e que Jesus Cristo é Deus. Permanece ao lado dos padrões doutrinários metodistas ainda que respeite convicções contrárias. Sente profundo prazer e imensa felicidade na oração individual. Não aprecia encenações religiosas nas festas e muito menos nos cultos.

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NELSON DE GODOY COSTA Não tolera artifícios nas pregações. Não se utiliza do púlpito para contar anedotas e muito menos fazer rir. Não ataca outras religiões. Prega o Evangelho puríssimo de Cristo a quem aprendeu a amar desde os dias de sua infância. Guarda cuidadoso em sua vida experiências gloriosas e reais da presença e do poder do Espírito Santo. Foi assim o menino de Santa Maria. É assim o homem do Brasil! Grande, simples, humano. ...e que apesar das limitações da natureza humana, dos seus muitos pecados já perdoados, espera ser fiel a CRISTO até o fim.

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TREZE ANOS DEPOIS

PARA A ETERNIDADE

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PRÍNCIPE DA IGREJA

INFORMAÇÃO NECESSÁRIA

Escrevi este livro em 1953, quando pastor em Piracicaba. 0 Bispo César Dacorso Filho eslava vivo e em plena atividade episcopal. Era meu pensamento publicar a biografia, mas fui informado pelo secretário geral que a Junta Geral de Educação Cristã não publicava biografias de vivos. Em 1955 o Bispo César aposentou-se no Concílio Geral, recebendo o título de Bispo emérito. Hoje, graças à boa vontade e à compreensão da Imprensa Metodista esta biografia será publicada. Sou realmente agradecido ao Rev. Dr. Mário da Silva Lavoura e ao Rev. Augusto Schwab, seus díre-torcs que tornaram possível esta edição. Escrevendo este livro quis tão somente prestar homenagem ao primeiro Bispo brasileiro da Igrej'a Metodista do Brasil e oferecer minha modesta cola-boração à história da Igreja Metodista do Brasil através da vida do grande Bispo. Quem pensar outra coisa engana-se completamente. Solicitei ao Rev. António de Campos Gonçalves, residente no Rio de Janeiro detalhes sobre a morte e o sepultamento do grande Bispo. É o que leremos no capítulo a seguir. É minha a parte final — César Dacorso Filho vive — e Saudade.

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NELSON DE GODOY COSTA

O PASSAMENTO

Livro dentro em cujas páginas se assinalaram as balizas de viva inteligência, grande coração e robusta fé, balizas que, durante 74 anos, nortearam, seguramente, a vida de César Dacorso Filho, livro de registos fidedignos, sinaleiros de longa jornada por ele percorrida exemplarmente, não pode encerrar-se, cremos, sem a notícia final do seu derradeiro marco, isto é: do seu passamento. Faleceu no dia 15 de fevereiro de 1966, têrça-feira, em sua própria casa, no conchego do seu lar. Conversavam, naturalmente, êle e a digna consorte, D. Zinha; acertavam a maneira em como e com que presenteariam uma neta, no dia de seu casamento, já aprazado para breve, em Juiz de Fora. Nessa festa familiar tinham ambos o pensamento, dela falavam, antecipações de contentamento, bons votos e disposições para o feliz encontro. Confabulavam, assim, carinhosamente, quando pendeu êle a cabeça para um lado, caiu, e se foi. Faleceu, disseram. E de fato: fora o chamado do Senhor. Serenamente, sem contrações nem palavra, partira para a glória. Ninguém pode fugir da morte, é fato. Não é sem realidade que Etã, ezraíta, a todos apostrofa: Que homem há, que viva, e não veja a morte? (SI 89.48). Setenta e quatro anos, três meses e dias são o prazo de sua carreira, vencida nobremente: longa vida, cuja

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exemplaridade se pode nomear com minudência e assaz proveito; vida que se pode tomar e referir sem vacilações

nem receio, em todo o longo tirocínio de suas responsabilidades de homem de Deus, homem de fé, homem de oração, homem de trabalho, modesto, con-

sagrado, vitorioso. A notícia do seu falecimento correu célere, com surpresa, porque as últimas vezes em que se encontrara com os do seu trato cotidiano, parentes, colegas, irmãos na fé e amigos, davam mostras de normalidade, saúde e boas disposições; telefonemas cruzaram-se: davam notícia; o rádio passou a repetir o sucedido: era o fato, o passamento.

* * * No dia do falecimento, às 18 horas, transporta-ram-no para a igreja do Jardim Botânico, a que êle frequentava e na qual prestava considerável ajuda, pregando, dando aulas, colaborando de muitas maneiras, segundo a larga generosidade de suas disposições de cooperação lhe dispunha que fizesse. Foi a sua última noite, rodeado de crentes, colegas, amigos e chegados do seu lar. No dia 16, quarta-feira, das 11 horas ao meio-dia, recebeu as cerimónias que lhe eram devidas: hora solene, saudosamente recordativa, respeitosa, profunda. Sob a presidência do Revmo. Bispo Natanael Inocêncio do Nascimento, que pronunciou a palavra oficialmente principal, correram as expressões do ofício fúnebre, segundo os Cânones da Igreja Metodista do Brasil. Nesta hora, além da viúva D. Maria José Guimarães Dacorso, todos os filhos, noras e genros estiveram presentes; também irmãos de várias igrejas,

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pastores metodistas e de outras igrejas seus represen tantes, i ' A Sociedade Bíblica do Brasil de que o Revmo. Bispo César foi o 1.° presidente, durante 9 anos, e continuava sendo Presidente de Honra, se fêz representar na pessoa de seu atual Presidente, Dr. Benjamim Morais, que também fêz uso da palavra; também da Sociedade Bíblica do Brasil estiveram presentes o Rev. Ewaldo Alves, Secretário-geral, e a Srta. Leonor Raeder, Assistente da Secretaria-geral. A Academia Evangélica de Letras, na qual o Revmo. Bispo César ocupava a cadeira 24, também teve representante, com a palavra oficial do seu grémio. A igreja do Jardim Botânico, de que era pastor, o Rev. Ercy Teixeira Braga, havia pouco nomeado para ali, foi assim, a última a ensejar ao Revmo. Bispo, falecido, as homenagens derradeiras de solene funeral. Daqui, da igreja do Jardim, seguiu o morto rio para o Cemitério de S. João Batista, onde, na Quadra I, n.° 3010, após os devidos tributos de último adeus, solenemente o sepultaram.

* * * Não é preciso encarecer o merecimento de tamanha vida, qual a do Revmo. Bispo César; merecimento imperecível, porque não cessa realmente a vida com o silêncio em torno à tumba, no dia do sepultamento. As suas obras o seguem; pois a sua morte, não se regista desconsoladamente, e sim com as expressões bem-aventuradas de quem morre ao Senhor (Ap 14.13); morte preciosa (SI 116.15), com seguras fianças da vida eterna (Ap 2.10).

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PRÍNCIPE DA IGREJA

CÉSAR DACORSO FILHO VIVE

Nos amiguinhos de sua infância, em Santa Maria, cidade natal; Nos seus companheiros dos primeiros empregos, na Tipografia e na Viação Férrea do Rio Grande do Sul; Nos colegas do Colégio "União" de Uruguaiana e do "Granbery" em Juiz de Fora; Nos que colocaram as mãos sobre sua cabeça para a ordenação de diácono, presbítero e depois Bispo; Nos moços vocacionados que ordenou diáconos; Nos pastores a quem, em sessões memoráveis de concílios, deu-lhes a ordem de presbíteros; Nos presbíteros que consagrou Bispos:

CÉSAR DACORSO FILHO VIVE

Nas multidões que ouviram deslumbradas o orador e o pregador em discursos arrebatadores e em sermões inspirados pelo Espírito Divino; Nos pastores de outras denominações que reconhecem em César Dacorso Filho um grande homem e um grande Bispo; Nos companheiros da Academia de Letras de São Paulo e da Academia Evangélica de Letras, que admiram verdadeiramente a inteligência de escol e a cultura profunda de César Dacorso Filho; No coração agradecido de milhares e milhares que ouviram a palavra de vida eterna, transmitida

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NELSON DE GODOY COSTA por César Dacorso Filho, e se converteram e foram salvos; Nas congregações, nas igrejas pequenas, nas grandes paróquias que pastoreou com verdadeira dedicação; Nas assembleias, nos concílios paroquiais, regionais e gerais que dirigiu com cérebro e coração visando o bem dos homens, da Igreja Metodista do Brasil e a glória do Deus Altíssimo; Nas amizades pessoais que conquistou pela beleza de seu caráter e alimentou com a pureza de seu coração, na vastidão do Brasil e entre povos de além-mar:

CÉSAR DACORSO FILHO VIVE No coração de sua esposa e filhos, seus parentes, a quem amou verdadeiramente e de quem verdadei-ramente foi amado, é amado; Na lembrança e na saudade de milhares; e mais que tudo, melhor que tudo: César Dacorso Filho vive a vida perfeita e eterna dos salvos por Jesus, Vive nos céus, junto de Deus!

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SAUDADE

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PRÍNCIPE DA IGREJA Nesta tarde de sábado carioca estou no cemitério de São João Batista, no Rio de Janeiro. Estou sozinho. Meu grande amigo, o Rev. Dr. Elias Escobar Gavião, companheiro e que me recebe em seu lar, foi a uma reunião de oração: Informo-me de um funcionário da "administração" que me dá o número da sepultura de César Dacorso Filho. E acrescenta: 0 Sr. vai pela avenida principal até o cruzeiro e lá toma a esquerda; é no começo do morro, mas é no plano ainda. Sigo obediente a indicação. Na avenida principal observo túmulos caros, mais de três milhões de cruzeiros, todos são jazigos e não há mais lugar. Eu não tinha sido informado do falecimento de César Dacorso Filho; soube casualmente; em conversa de dois pastores na Faculdade de Teologia, em São Paulo. Foi um choque. Sempre pensei que César Dacorso Filho deveria viver mais, que precisava viver mais. Agora estava ali, no cemitério onde o grande Bispo foi sepultado. Queria passar, sozinho, pela avenida, por onde morto, César Dacorso Filho passou. Impossível passar sozinho. Lembranças teimavam em acompanhar-me. Foi em Campinas. Lembrava-me muito bem. Concluía o curso no famoso Seminário Presbiteriano.

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NELSON DE GODOY COSTA

César Dacorso Filho estava em visita à cidade e foi convidado a falar no Seminário. A expectativa era enorme. Os alunos do Seminário, de onde saíram alguns dos maiores vultos do evangelismo brasileiro, moços plenos de ideal, comentavam a visita do Bispo metodista. E César chegou. Modesto, grande na sua modéstia. Foi ao púlpito. Principiou a falar pálido e emocionado. Professores e alunos ficaram presos à palavra extraordinária do orador. Deixou impressão profunda e duradoura naquela casa do saber. Estou ainda sob a tensão daquela lembrança que os anos levaram para tão longe e que agora vem tão perto, quando outro fato me chega ao coração: Era em Uberlândia. O grande Bispo na volta de Goiás visitava a cidade do Triângulo Mineiro. Deveria pregar à noite no templo da Igreja Presbiteriana, cedido ao trabalho metodista. À tarde acompanhei-o em visita ao governador da cidade, moço idealista e cultura admirável que à noite, no templo retribuiu a visita tomando lugar no púlpito. Templo repleto. As várias denominações representadas. Interesse indisfarçável. Curiosidade: o Bispo metodista ia falar. E César Dacorso Filho falou com aquela segurança de quem sabe cada palavra que pronuncia, e aquela autoridade de quem conhece que é embaixador de

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PRÍNCIPE DA IGREJA Deus e mensageiro do Evangelho de Jesus. O Bispo metodista deixou no auditório impressão profunda e inesquecível. Ando devagar. Quero acompanhar o sepulta-mento do grande morto. Quero fazer parte do número considerável de membros das paróquias do Rio de Janeiro que foram aos funerais. Chego ao cruzeiro, no fim da avenida principal, tomo à esquerda, ando até o fim da rua. Há uma pequena elevação. É o primeiro degrau do morro que principia. Um trabalhador do campo santo ajuda-me prontamente a achar o túmulo. É uma gaveta simples. Ali, guardado por tijolos e cimento está o corpo do menino pequenino de Santa Maria, do maior homem da Igreja Metodista do Brasil, que as lutas do episcopado, que as dores do episcopado, que as glórias do episcopado fizeram simplesmente cada dia ser mais fiel à soberania da vocação. Tudo, tudo ficou para atrás: só um fato esteve sempre presente na vida do primeiro Bispo brasileiro da Igreja Metodista do Brasil: o chamado de Jesus: CÉSAR VEM E SEGUE-ME.

FIM

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DO MESMO A U T O R

QUANDO FALA O CORAÇÃO — versos —

edição esgotada

ESCUTA — versos — edição esgotada

JÚNIA — versos — edição esgotada

GAROA DE MINHA VIDA —- versos — edição esgotada

ÁGUA — prosa — inédito

VOCÊ NA DEFESA DO BRASIL — em colaboração com

o Rev. W. G. Borcherv — prosa — inédito

PORQUE AMO O GRANBERY — prosa — inédito

VIDA — versos' — edição esgotada

JESUS, MEU SALVADOR PESSOAL — prosa — inédito

SANTO E HERÓI — prosa — inédito