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C M Y K C M Y K A-23 A-23 Saúde Editora: Ana Paula Macedo [email protected] 3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155 23 CORREIO BRAZILIENSE Brasília, terça-feira, 11 de agosto de 2009 A s duas se conheceram no corre- dor laranja do Hospital Universi- tário de Brasília (HUB). Amanda havia ido com a mãe, a secretá- ria Suelen Domingos, 29 anos, para a primeira consulta. A pequena Lara, por sua vez, era conhecida das médicas. Ela e a mãe, a dona de casa Renata Gomes, 22 anos, já haviam feito três vezes o ca- minho entre Porangatu (GO) e a Asa Norte para se consultar no setor de ge- nética do HUB. Na sala de espera, as duas descobriram que tinham proble- mas opostos. Amanda tenta descobrir por que está crescendo demais: com 4 anos, tem a altura de uma criança de 6. Lara, contudo, não consegue crescer. Com 2 anos e meio, tem a estatura que deveria ter com 1. Determinar se problemas como os de Amanda e de Lara têm origem em algu- ma mutação genética e calcular a possi- bilidade de eles se repetirem são os ob- jetivos do aconselhamento genético, disponível gratuitamente na rede públi- ca de saúde. O serviço pode ajudar no planejamento familiar e auxiliar no tra- tamento de doenças de origem genéti- ca. O procedimento também é um alia- do para se definir a possibilidade da ma- nifestações desse tipo de doença em fi- lhos de casais consanguíneos ou porta- dores de alguma deficiência. Síndrome de Down, distúrbio do dé- ficit de atenção (DDA), má formações de órgãos, microcefalia e problemas hormonais e de metabolismo são algu- mas das doenças que podem ter suas causas investigadas por meio da análi- se genética. A demanda não é espontâ- nea, porém. Para ser atendido, é preci- so ser encaminhado por algum médico que atenda nas redes pública ou priva- da do Distrito Federal. Investigação As mães das duas meninas chega- ram assim ao serviço do HUB. Depois de consultarem diversos médicos sem descobrir exatamente o que causava o crescimento desregulado das filhas, vi- ram no aconselhamento genético a possibilidade de entenderem o que há de errado com as crianças. Renata con- ta que, depois de consultar vários mé- dicos em Goiás, não teve um diagnósti- co para a filha. “Lá, ninguém descobriu nada. Nós estamos aqui pela terceira vez, e a médica tem algumas suspeitas do que pode estar acontecendo”, come- mora. A principal possibilidade é de que Lara sofra de algum tipo de nanis- mo, doença que retarda o crescimento e tem sua origem ligada principalmen- te a casamentos consanguíneos. Suelen, depois de passar por pedia- tras e endocrinologistas, ainda não tem idéia do que pode estar acontecendo com Amanda. “Espero que a médica possa me dizer o que ela tem, porque até agora ninguém conseguiu me dar essa resposta”, torce a secretária, que tem es- peranças de que, com tratamento, a fi- lha volte a ter um crescimento menos acelerado, como o das outras meninas de sua idade. Ao serem atendidas, as famílias res- pondem a um detalhado questionário sobre recorrência de doenças, casamen- tos consanguíneos e gravidez. Em segui- da, por meio de exames clínicos, citoló- gicos e genéticos, uma espécie de bio- grafia dos genes é elaborada. A ideia é descobrir se as doenças que atingiram o filho são causadas pela mutação em al- gum dos 46 cromossomos do corpo hu- mano, que são herdados dos pais, ou por fatores ambientais, que podem ser desequilíbrios hormonais, vírus ou questões relacionadas ao consumo de álcool e drogas. Desafios A médica geneticista Íris Ferrari, uma das pioneiras da genética clínica no país, e que coordena o serviço de acon- selhamento genético do HUB, explica que determinar a origem destas doen- ças é um grande desafio. “Há casos co- mo os de microcefalia, por exemplo, causados por vírus contraídos duran- te a gestação. Em outras situações, a má formação tem origens genéticas. Se ela foi desencadeada por vírus, a chance de se repetir em outras gesta- ções é pequena”, explica. Caso seja comprovada a origem ge- nética, é preciso determinar se trata- se de uma mutação nova — ou seja, se o problema genético não foi herdado dos pais. Para esses pacientes, a chan- ce de o problema se repetir em outras gestações está em patamares nor- mais, entre 3% e 4%. Entretanto, a possibilidade de essa criança gerar no futuro um filho com a mesma doença pode chegar a 50%. Quando se trata de uma herança genética, ou seja, o gene mutante foi transmitido pelos pais, a chance de o problema se repe- tir em uma nova gestação depende do tipo de manifestação genética. Se ela for expressa por um gene dominante, as chances são de 50%. Nos casos em que esse gene é recessivo, esse risco cai pela metade. Com essas informações em mãos, é possível orientar com mais cons- ciência o planejamento familiar. A ge- neticista frisa que o serviço é um alia- do na informação. “Nós não estipula- mos se o casal deve ou não ter outros filhos, nossa missão é de conscienti- zá-lo do perigo que corre. A decisão final é sempre da família”, explica Íris. “Tivemos casos em que a causa era genética, com alta possibilidade de se repetir, e os pais decidiram ter outros fi- lhos. Já houve situações, porém, em que aconteceu o contrário. A causa não era genética, e os pais preferiram inclusive se esterilizar.” Aceitação Mara Cordoba, que também integra a equipe de geneticistas do HUB, lembra que existe um fator psicológico impor- tante ligado a essas doenças. “Muitas ve- zes, a mãe se sente culpada, pois acredita que foi alguma atitude ou sentimento que teve durante a gestação que causou aquele problema. Ter um nome exato da doença e uma causa determinada é mui- to importante para acabar com esse sen- timento.” A médica também explica que, quando se trata de uma anomalia rara, o diagnóstico pode demorar anos. “Mas, quando ele vem, notamos que até a acei- tação da doença pela família melhora. Eles entendem melhor o problema.” Como o serviço tem por propósitos diagnóstico e orientação, após se desco- brir o que exatamente está acontecendo e quais as causas da doença, os pacientes são direcionados novamente para os mé- dicos de origem, onde poderão receber um tratamento mais específico. Esses médicos também recebem um relatório bastante detalhado do que se pôde deter- minar na análise. Em algumas situações, as famílias são encaminhadas para servi- ços de apoio psicológico, que as ajudarão a lidar melhor com as orientações do aconselhamento genético. Controle GENÉTICO HUB oferece serviço gratuito de acompanhamento para doenças hereditárias ou provocadas por mutações nos cromossomos Tivemos casos em que a causa era genética, com alta possibilidade de se repetir, e os pais decidiram ter outros filhos. Já houve situações, porém, em que aconteceu o contrário” Íris Ferrari, médica geneticista Muitas vezes, a mãe se sente culpada, pois acredita que foi alguma atitude ou sentimento que teve durante a gestação que causou aquele problema” Mara Cordoba, geneticista www.correiobraziliense.com.br Ouça trechos da entrevista com Íris Ferrari, chefe do serviço de aconselhamento genético do HUB Herança Durante a fecundação, metade do material genético vem de cada um dos pais. Características dominantes são aquelas que se manifestam mesmo estando presentes em apenas uma das metades do material genético. Já as recessivas, para se manifestar, precisam estar tanto no gene herdado da mãe quanto no herdado do pai. Suelen, Amanda, Renata e Lara (a partir da esquerda): busca de explicações para problemas de crescimento das crianças Camila Martins/UnB Agência Camila Martins/UnB Agência Zuleika de Souza/CB/D.A Press

Controle Genético

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C M Y K C M YK

A-23A-23

Saúde EEddiittoorraa:: Ana Paula Macedo [email protected]

3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155

23 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, terça-feira, 11 de agosto de 2009

As duas se conheceram no corre-dor laranja do Hospital Universi-tário de Brasília (HUB). Amandahavia ido com a mãe, a secretá-

ria Suelen Domingos, 29 anos, para aprimeira consulta. A pequena Lara, porsua vez, era conhecida das médicas. Elae a mãe, a dona de casa Renata Gomes,22 anos, já haviam feito três vezes o ca-minho entre Porangatu (GO) e a AsaNorte para se consultar no setor de ge-nética do HUB. Na sala de espera, asduas descobriram que tinham proble-mas opostos. Amanda tenta descobrirpor que está crescendo demais: com 4anos, tem a altura de uma criança de 6.Lara, contudo, não consegue crescer.Com 2 anos e meio, tem a estatura quedeveria ter com 1.

Determinar se problemas como os deAmanda e de Lara têm origem em algu-ma mutação genética e calcular a possi-bilidade de eles se repetirem são os ob-jetivos do aconselhamento genético,disponível gratuitamente na rede públi-ca de saúde. O serviço pode ajudar noplanejamento familiar e auxiliar no tra-tamento de doenças de origem genéti-ca. O procedimento também é um alia-do para se definir a possibilidade da ma-nifestações desse tipo de doença em fi-lhos de casais consanguíneos ou porta-dores de alguma deficiência.

Síndrome de Down, distúrbio do dé-ficit de atenção (DDA), má formaçõesde órgãos, microcefalia e problemashormonais e de metabolismo são algu-mas das doenças que podem ter suascausas investigadas por meio da análi-se genética. A demanda não é espontâ-nea, porém. Para ser atendido, é preci-so ser encaminhado por algum médicoque atenda nas redes pública ou priva-da do Distrito Federal.

InvestigaçãoAs mães das duas meninas chega-

ram assim ao serviço do HUB. Depoisde consultarem diversos médicos semdescobrir exatamente o que causava ocrescimento desregulado das filhas, vi-ram no aconselhamento genético apossibilidade de entenderem o que háde errado com as crianças. Renata con-ta que, depois de consultar vários mé-dicos em Goiás, não teve um diagnósti-co para a filha. “Lá, ninguém descobriunada. Nós estamos aqui pela terceiravez, e a médica tem algumas suspeitasdo que pode estar acontecendo”, come-mora. A principal possibilidade é deque Lara sofra de algum tipo de nanis-mo, doença que retarda o crescimentoe tem sua origem ligada principalmen-te a casamentos consanguíneos.

Suelen, depois de passar por pedia-tras e endocrinologistas, ainda não temidéia do que pode estar acontecendocom Amanda. “Espero que a médicapossa me dizer o que ela tem, porque atéagora ninguém conseguiu me dar essaresposta”, torce a secretária, que tem es-peranças de que, com tratamento, a fi-lha volte a ter um crescimento menosacelerado, como o das outras meninasde sua idade.

Ao serem atendidas, as famílias res-pondem a um detalhado questionáriosobre recorrência de doenças, casamen-tos consanguíneos e gravidez. Em segui-da, por meio de exames clínicos, citoló-gicos e genéticos, uma espécie de bio-grafia dos genes é elaborada. A ideia édescobrir se as doenças que atingiram ofilho são causadas pela mutação em al-gum dos 46 cromossomos do corpo hu-mano, que são herdados dos pais, oupor fatores ambientais, que podem serdesequilíbrios hormonais, vírus ouquestões relacionadas ao consumo deálcool e drogas.

DesafiosA médica geneticista Íris Ferrari, uma

das pioneiras da genética clínica nopaís, e que coordena o serviço de acon-selhamento genético do HUB, explicaque determinar a origem destas doen-ças é um grande desafio. “Há casos co-mo os de microcefalia, por exemplo,

causados por vírus contraídos duran-te a gestação. Em outras situações, amá formação tem origens genéticas.Se ela foi desencadeada por vírus, achance de se repetir em outras gesta-ções é pequena”, explica.

Caso seja comprovada a origem ge-nética, é preciso determinar se trata-se de uma mutação nova — ou seja, seo problema genético não foi herdadodos pais. Para esses pacientes, a chan-ce de o problema se repetir em outrasgestações está em patamares nor-mais, entre 3% e 4%. Entretanto, apossibilidade de essa criança gerar nofuturo um filho com a mesma doençapode chegar a 50%. Quando se tratade uma herança genética, ou seja, ogene mutante foi transmitido pelospais, a chance de o problema se repe-tir em uma nova gestação depende dotipo de manifestação genética. Se elafor expressa por um gene dominante,as chances são de 50%. Nos casos emque esse gene é recessivo, esse riscocai pela metade.

Com essas informações em mãos,é possível orientar com mais cons-ciência o planejamento familiar. A ge-neticista frisa que o serviço é um alia-do na informação. “Nós não estipula-mos se o casal deve ou não ter outrosfilhos, nossa missão é de conscienti-zá-lo do perigo que corre. A decisãofinal é sempre da família”, explica Íris.“Tivemos casos em que a causa eragenética, com alta possibilidade de se

repetir, e os pais decidiram ter outros fi-lhos. Já houve situações, porém, em queaconteceu o contrário. A causa não eragenética, e os pais preferiram inclusivese esterilizar.”

AceitaçãoMara Cordoba, que também integra a

equipe de geneticistas do HUB, lembraque existe um fator psicológico impor-tante ligado a essas doenças. “Muitas ve-zes, a mãe se sente culpada, pois acreditaque foi alguma atitude ou sentimentoque teve durante a gestação que causouaquele problema. Ter um nome exato dadoença e uma causa determinada é mui-to importante para acabar com esse sen-timento.” A médica também explica que,quando se trata de uma anomalia rara, odiagnóstico pode demorar anos. “Mas,quando ele vem, notamos que até a acei-tação da doença pela família melhora.Eles entendem melhor o problema.”

Como o serviço tem por propósitosdiagnóstico e orientação, após se desco-brir o que exatamente está acontecendoe quais as causas da doença, os pacientessão direcionados novamente para os mé-dicos de origem, onde poderão receberum tratamento mais específico. Essesmédicos também recebem um relatóriobastante detalhado do que se pôde deter-minar na análise. Em algumas situações,as famílias são encaminhadas para servi-ços de apoio psicológico, que as ajudarãoa lidar melhor com as orientações doaconselhamento genético.

Controle GENÉTICO

HUB oferece serviço gratuito de acompanhamento para doenças hereditárias ou provocadas por mutações nos cromossomos

Tivemos casos em que a causa era genética, com alta possibilidade de se repetir, e os paisdecidiram ter outros filhos. Já houve situações,porém, em que aconteceu o contrário”

Íris Ferrari, médica geneticista

Muitas vezes, a mãe sesente culpada, poisacredita que foi algumaatitude ou sentimentoque teve durante agestação que causouaquele problema”

Mara Cordoba, geneticista

www.correiobraziliense.com.br

Ouça trechos da entrevista com Íris Ferrari, chefe doserviço de aconselhamento genético do HUB

HerançaDurante a fecundação, metadedo material genético vem decada um dos pais.Características dominantes sãoaquelas que se manifestammesmo estando presentes emapenas uma das metades domaterial genético. Já asrecessivas, para se manifestar,precisam estar tanto no geneherdado da mãe quanto noherdado do pai.

Suelen, Amanda, Renata e Lara (a partir da esquerda): busca de explicações para problemas de crescimento das crianças

Camila Martins/UnB Agência

Camila Martins/UnB Agência

Zuleika de Souza/CB/D.A Press