1
O óleo da fritura usado por lanchonetes, restaurantes e hospitais está sendo transforma- do em biodiesel em Teresina, no Piauí. A ini- ciativa de coletar o produto e transformá-lo em biocombustível foi da companhia que faz a distribuição de água e o tratamento do esgo- to do Estado, a Asgepisa. Ela oferece um vale- água, um desconto de R$ 0,30 na conta d’água para cada litro da matéria-prima en- tregue à empresa. Participam do programa 230 empresas que recolhem, em média, 5 mil litros de óleo de fritu- ra por mês. A necessida- de de reutilizar o óleo surgiu porque a concen- tração de matéria orgâ- nica no Rio Poti, um dos principais da cidade, estava provocando a pro- liferação de uma planta aquática e impedindo a oxigenação da água. Como o óleo é mais leve que a água, ele fica na superfície, criando uma barreira que dificulta a entrada de luz, comprometendo a base da cadeia alimentar aquática. O óleo que ia parar no rio era jogado no ra- lo e também obstruía a rede de esgoto. Para desentupi-la, a empresa gastava tempo, mão- de-obra e dinheiro. Recolher uma parte do óleo de fritura foi uma das maneiras encontra- das para tentar diminuir a poluição e reduzir os custos, segundo o presidente da Asgepisa, Merlong Solano. Inicialmente, a companhia tentou vender o óleo para uma fábrica de biodiesel. Depois, implantou uma miniusina de biodiesel com capacidade para fabricar 150 litros do biocom- bustível por dia. “Usamos o combustível nos veículos da empresa e também para gerar energia nos nossos motores nos horários de pi- co, o que resulta em menos gastos com ener- gia”, diz Solano. “A ideia é estender a coleta a residências e escolas. Um supermerca- do já se ofereceu para funcionar como ponto de coleta”, diz. As sobras da fabricação do biodiesel, como a glicerina, são doadas a grupos de mu- lheres cadastradas que a utilizam na fabricação de produtos de limpeza. Só recebe quem está com a conta de água em dia. Em Pernambuco, a companhia de sanea- mento estadual Compesa instalou postos de coleta de óleo de fritura nas suas lojas, mas destina o produto a uma fábrica de sabão. “É um uso menos sustentável que o do biodiesel, pois os ácidos graxos (gorduras) acabam al- cançando a rede de esgoto na forma de espu- ma. A não ser que o sabão seja biodegradável, que é mais caro. Mesmo assim é melhor do que ser jogado no ralo”, avalia o pesquisador da Embrapa Agroenergia José Dilcio Rocha. Em Pernambuco, óleo recolhido é encaminhado à produção de sabão Q UEIMANDO ÓLEO DE FRITURA No Piauí, restaurantes e hospitais colaboram OLE02CRE www.jc.com.br/economia N o lugar de contaminar os rios de cidades onde não há tratamento ou danificar a rede coletora de esgoto, o óleo de fritura está sendo usado na produção de biodiesel. Ainda tímida, mas promissora, a contribuição do resíduo varia de 1% a 5%. Em Brasília, bares, restaurantes e condomínios se mobilizam. Em Pernambuco, o engajamento é das escolas. No Piauí, o recolhimento é feito pela companhia de saneamento em restaurantes e hotéis. É o que mostra a segunda reportagem da série Riqueza das sobras, de Angela Fernanda Belfort e Verônica Falcão, que se encerra amanhã. Fotos: Bira Nunes/JC Imagem B28 Empresa usa combustível com 28% de biodiesel E ntre as sobras que servem para fazer biodiesel, o óleo de fritura ainda é uma das menos utilizadas. Divide com a gordura de galinha e de porco o equi- valente a apenas 1,57% da matéria-prima. “Por outro lado, é a que tem mais forte ape- lo ambiental. E também uma das mais pro- missoras, por ser um recurso abundante”, ga- rante José Dilcio Rocha, pesquisador da Em- brapa Agroenergia, em Brasília, que está im- plantando na cidade um projeto de coleta do material em bares, restaurantes e condomí- nios. A informação do engenheiro químico po- de ser comprovada nas escolas do Recife. De públicas, como a Diário de Pernambuco, no Engenho do Meio, Zona Oeste, a privadas, a exemplo do Colégio Apoio, em Casa Amare- la, Zona Norte, há campanhas para arrecada- ção do resíduo. A advogada Isabela Aguiar, mãe de Bruna, 4 anos, e de João Antônio, 3, começou a juntar as sobras de óleo de cozi- nha a partir do apelo do Apoio, que instalou na entrada da escola um tonel para coleta. A diretora do colégio, Lilian Clark, encami- nha o material para a produção de biodiesel. “Uma empresa recolhe todo mês as embala- gens que os alunos trazem de casa”, explica. A escola distribuiu, além de material infor- mativo, um funil de garrafa PET para facili- tar o armazenamento, em casa, do óleo usa- do. Quando jogado no ralo da pia, o óleo de fritura pode entupir as galerias de esgoto. “Óleo e água não se misturam. Por isso, des- cartar o produto causa problemas ambien- tais e traz impactos econômicos. Ou seja, além da poluição hídrica – existe uma esti- mativa que para cada litro de óleo descarta- do são contaminados um milhão de litros de água –, o produto aumenta os gastos com manutenção da rede de esgoto e tratamento dos efluentes”, justifica Dilcio. Segundo o pesquisador, cada família gera por mês, em média, meio litro de óleo de fri- tura. A estimativa da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) é de que no Brasil são produzidos 2,5 milhões de toneladas de óleo de cozinha por ano. “No entanto, uma parte fica na comida”, in- forma o economista da Abiove, Daniel Fur- lan Amaral. Já numa usina de biocombustí- vel, a proporção para transformar o resíduo em biodiesel é de um para um. Na de Serrote Redondo, em São José do Egito, no Sertão de Pernambuco, no ano pas- sado foram utilizadas 27 toneladas de óleo de fritura para fazer biodiesel. Para o diretor do Centro de Tecnologias Estratégicas do Nor- deste (Cetene do Ministério da Ciência e Tec- nologia), Fernando Jucá, a maior dificulda- de de aproveitar óleo de fritura na produção de biodiesel é a forma de coletar o produto. “A coleta teria que ser feita de forma mais sistemática e com um trabalho educativo pa- ra que envolvesse as pessoas, os responsáveis por cozinhas industriais, lanchonetes etc”, sugere o professor. O pesquisador Donato Aranda, da UFRJ, diz que só conhece duas cidades onde a expe- riência de coleta do óleo de fritura foi bem sucedida, que são as de Berckley (em San Francisco, nos Estados Unidos) e Graz (na Áustria). “É difícil juntar grandes volumes. As iniciativas nesse sentido são muito pon- tuais”, explica. PRODUÇÃO Usina de Caetés processa 1.000 litros por dia Tiago Calazans/JC Imagem RIQUEZA DAS SOBRAS » economia CIDADANIA João Antônio e Bruna trazem de casa o óleo de fritura para reaproveitamento

Riqueza das sobras 2

  • Upload
    vfalcao

  • View
    641

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Riqueza das sobras 2

O óleo da fritura usado por lanchonetes,restaurantes e hospitais está sendo transforma-do em biodiesel em Teresina, no Piauí. A ini-ciativa de coletar o produto e transformá-loem biocombustível foi da companhia que faza distribuição de água e o tratamento do esgo-to do Estado, a Asgepisa. Ela oferece um vale-água, um desconto de R$ 0,30 na contad’água para cada litro da matéria-prima en-tregue à empresa.

Participam do programa 230 empresas querecolhem, em média, 5mil litros de óleo de fritu-ra por mês. A necessida-de de reutilizar o óleosurgiu porque a concen-tração de matéria orgâ-nica no Rio Poti, umdos principais da cidade,estava provocando a pro-liferação de uma plantaaquática e impedindo aoxigenação da água. Como o óleo é mais leveque a água, ele fica na superfície, criandouma barreira que dificulta a entrada de luz,comprometendo a base da cadeia alimentaraquática.

O óleo que ia parar no rio era jogado no ra-lo e também obstruía a rede de esgoto. Paradesentupi-la, a empresa gastava tempo, mão-de-obra e dinheiro. Recolher uma parte doóleo de fritura foi uma das maneiras encontra-das para tentar diminuir a poluição e reduziros custos, segundo o presidente da Asgepisa,

Merlong Solano.Inicialmente, a companhia tentou vender o

óleo para uma fábrica de biodiesel. Depois,implantou uma miniusina de biodiesel comcapacidade para fabricar 150 litros do biocom-bustível por dia. “Usamos o combustível nosveículos da empresa e também para gerarenergia nos nossos motores nos horários de pi-co, o que resulta em menos gastos com ener-gia”, diz Solano.

“A ideia é estender a coleta a residências eescolas. Um supermerca-do já se ofereceu parafuncionar como ponto decoleta”, diz. As sobras dafabricação do biodiesel,como a glicerina, sãodoadas a grupos de mu-lheres cadastradas que autilizam na fabricaçãode produtos de limpeza.Só recebe quem está com

a conta de água em dia.Em Pernambuco, a companhia de sanea-

mento estadual Compesa instalou postos decoleta de óleo de fritura nas suas lojas, masdestina o produto a uma fábrica de sabão. “Éum uso menos sustentável que o do biodiesel,pois os ácidos graxos (gorduras) acabam al-cançando a rede de esgoto na forma de espu-ma. A não ser que o sabão seja biodegradável,que é mais caro. Mesmo assim é melhor doque ser jogado no ralo”, avalia o pesquisadorda Embrapa Agroenergia José Dilcio Rocha.

Em Pernambuco,óleo recolhido éencaminhado àprodução de sabão

QUEIMANDO ÓLEO DE FRITURA

No Piauí, restaurantese hospitais colaboram

OLE02CRE

www.jc.com.br/economia

No lugar de contaminar osrios de cidades onde não

há tratamento ou danificar a redecoletora de esgoto, o óleo defritura está sendo usado naprodução de biodiesel. Aindatímida, mas promissora, acontribuição do resíduo varia de1% a 5%. Em Brasília, bares,restaurantes e condomínios semobilizam. Em Pernambuco, oengajamento é das escolas. NoPiauí, o recolhimento é feito pelacompanhia de saneamento emrestaurantes e hotéis. É o quemostra a segunda reportagem dasérie Riqueza das sobras, de AngelaFernanda Belfort e Verônica Falcão,que se encerra amanhã.

Foto

s:Bi

raN

unes

/JCIm

agem

B28 Empresausa combustívelcom 28% debiodiesel

E ntre as sobras que servem para fazerbiodiesel, o óleo de fritura ainda éuma das menos utilizadas. Divide

com a gordura de galinha e de porco o equi-valente a apenas 1,57% da matéria-prima.“Por outro lado, é a que tem mais forte ape-lo ambiental. E também uma das mais pro-missoras, por ser um recurso abundante”, ga-rante José Dilcio Rocha, pesquisador da Em-brapa Agroenergia, em Brasília, que está im-plantando na cidade um projeto de coleta domaterial em bares, restaurantes e condomí-nios.

A informação do engenheiro químico po-de ser comprovada nas escolas do Recife. Depúblicas, como a Diário de Pernambuco, noEngenho do Meio, Zona Oeste, a privadas, aexemplo do Colégio Apoio, em Casa Amare-la, Zona Norte, há campanhas para arrecada-ção do resíduo. A advogada Isabela Aguiar,mãe de Bruna, 4 anos, e de João Antônio, 3,começou a juntar as sobras de óleo de cozi-nha a partir do apelo do Apoio, que instalouna entrada da escola um tonel para coleta.

A diretora do colégio, Lilian Clark, encami-nha o material para a produção de biodiesel.“Uma empresa recolhe todo mês as embala-gens que os alunos trazem de casa”, explica.A escola distribuiu, além de material infor-mativo, um funil de garrafa PET para facili-tar o armazenamento, em casa, do óleo usa-do.

Quando jogado no ralo da pia, o óleo defritura pode entupir as galerias de esgoto.“Óleo e água não se misturam. Por isso, des-cartar o produto causa problemas ambien-tais e traz impactos econômicos. Ou seja,além da poluição hídrica – existe uma esti-mativa que para cada litro de óleo descarta-do são contaminados um milhão de litros deágua –, o produto aumenta os gastos commanutenção da rede de esgoto e tratamentodos efluentes”, justifica Dilcio.

Segundo o pesquisador, cada família gerapor mês, em média, meio litro de óleo de fri-tura. A estimativa da Associação Brasileiradas Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) éde que no Brasil são produzidos 2,5 milhõesde toneladas de óleo de cozinha por ano.“No entanto, uma parte fica na comida”, in-forma o economista da Abiove, Daniel Fur-lan Amaral. Já numa usina de biocombustí-vel, a proporção para transformar o resíduoem biodiesel é de um para um.

Na de Serrote Redondo, em São José doEgito, no Sertão de Pernambuco, no ano pas-sado foram utilizadas 27 toneladas de óleode fritura para fazer biodiesel. Para o diretordo Centro de Tecnologias Estratégicas do Nor-deste (Cetene do Ministério da Ciência e Tec-nologia), Fernando Jucá, a maior dificulda-de de aproveitar óleo de fritura na produçãode biodiesel é a forma de coletar o produto.“A coleta teria que ser feita de forma maissistemática e com um trabalho educativo pa-ra que envolvesse as pessoas, os responsáveispor cozinhas industriais, lanchonetes etc”,sugere o professor.

O pesquisador Donato Aranda, da UFRJ,diz que só conhece duas cidades onde a expe-riência de coleta do óleo de fritura foi bemsucedida, que são as de Berckley (em SanFrancisco, nos Estados Unidos) e Graz (naÁustria). “É difícil juntar grandes volumes.As iniciativas nesse sentido são muito pon-tuais”, explica.

PRODUÇÃOUsina de Caetésprocessa 1.000litros por dia

Tiag

oC

alaz

ans/

JCIm

agem

RIQUEZA DAS SOBRAS

»economia

CIDADANIAJoão Antônio eBruna trazem decasa o óleo defritura parareaproveitamento