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ECOTURISMO NA BAHIA - POTENCIAL E EQUÍVOCOS DA ATIVIDADE NO ESTADO 1 Carolina de Andrade Spinola 2 O ecoturismo é tido, juntamente com o turismo rural, como uma das modalidades de turismo mais indicadas para fomentar o desenvolvimento de áreas rurais ou periféricas do planeta. Existe um senso comum em torno do papel do ecoturismo na conservação do meio-ambiente natural e cultural e na promoção do desenvolvimento econômico em áreas remotas. Inúmeros são os artigos e estudos de caso que divulgam estatísticas alvissareiras a respeito do seu crescimento recente e das perspectivas que a atividade apresenta para países ricos em atrativos naturais como o Brasil. No contexto nacional, o Estado da Bahia tem se destacado com alguns dos destinos de ecoturismo mais visitados do país, a exemplo da Chapada Diamantina, Abrolhos, Morro do São Paulo, Itacaré e Península de Maraú, embora se possa questionar a qualidade desses produtos e, seja perceptível o oportunismo de uma parcela representativa do “trade”, que não reflete em suas práticas os princípios inerentes à concepção do verdadeiro ecoturismo. A esse fato juntam-se turistas e comunidades pouco conscientizadas e uma frágil estrutura administrativa, incapaz de planejar e gerenciar a exploração desse vetor econômico de maneira sustentável. A despeito de se tratar de um fenômeno recente na Bahia, e de, portanto, inexistirem estudos que busquem aferir os seus impactos reais, acredita-se e, neste artigo, pretende-se apresentar alguns argumentos nesse sentido, que, o potencial do Estado tem sido subaproveitado pela oferta existente e pela promoção oficial e que, em se mantendo o modelo de exploração vigente nos destinos mais conhecidos, a Bahia poderá estar perdendo a oportunidade de se consolidar em um dos segmentos mais dinâmicos e promissores da indústria turística. Uma aproximação ao conceito de Ecoturismo Etimologicamente, o termo “eco” deriva do prefixo de origem grega “oikos” que significa lar ou habitat. Assim sendo, em uma primeira instância, ecoturismo significaria um deslocamento de pessoas interessadas em conhecer o nosso planeta, nossa casa, e seus habitats. Inicialmente, há que se diferenciar o ecoturismo de seu “sinônimo” turismo de natureza. 3 Apesar dos dois conceitos serem utilizados indiscriminadamente, é importante que se 1 Artigo escrito para ser apresentado na Mesa-Redonda intitulada Além do Sol e da Praia: oportunidades para o Turismo no Estado da Bahia, realizada no dia 4 de abril de 2003 e promovida pelo Programa de Pós- Graduação em Planejamento Regional da Universidade Salvador. 2 Mestre em Administração e Doutoranda em Geografia pela Universidade de Barcelona. Professora da disciplina Planejamento e Organização do Turismo na Universidade Salvador e nas Faculdades Jorge Amado. Professora da disciplina Turismo no curso de pós-graduação em Economia Baiana da Unifacs. 3 Turismo de Natureza também é conhecido como Turismo Verde.

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O ecoturismo é tido, juntamente com o turismo rural, como uma das modalidades de turismo mais indicadas para fomentar o desenvolvimento de áreas rurais ou periféricas do planeta. Existe um senso comum em torno do papel do ecoturismo na conservação do meio-ambiente natural e cultural e na promoção do desenvolvimento econômico em áreas remotas. Inúmeros são os artigos e estudos de caso que divulgam estatísticas alvissareiras a respeito do seu crescimento recente e das perspectivas que a atividade apresenta para países ricos em atrativos naturais como o Brasil. No contexto nacional, o Estado da Bahia tem se destacado com alguns dos destinos de ecoturismo mais visitados do país, a exemplo da Chapada Diamantina, Abrolhos, Morro do São Paulo, Itacaré e Península de Maraú, embora se possa questionar a qualidade desses produtos e, seja perceptível o oportunismo de uma parcela representativa do “trade”, que não reflete em suas práticas os princípios inerentes à concepção do verdadeiro ecoturismo. A esse fato juntam-se turistas e comunidades pouco conscientizadas e uma frágil estrutura administrativa, incapaz de planejar e gerenciar a exploração desse vetor econômico de maneira sustentável. A despeito de se tratar de um fenômeno recente na Bahia, e de, portanto, inexistirem estudos que busquem aferir os seus impactos reais, acredita-se e, neste artigo, pretende-se apresentar alguns argumentos nesse sentido, que, o potencial do Estado tem sido subaproveitado pela oferta existente e pela promoção oficial e que, em se mantendo o modelo de exploração vigente nos destinos mais conhecidos, a Bahia poderá estar perdendo a oportunidade de se consolidar em um dos segmentos mais dinâmicos e promissores da indústria turística.

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ECOTURISMO NA BAHIA - POTENCIAL E EQUÍVOCOS DA ATIVIDADE NO ESTADO1

Carolina de Andrade Spinola2

O ecoturismo é tido, juntamente com o turismo rural, como uma das modalidades de turismo mais indicadas para fomentar o desenvolvimento de áreas rurais ou periféricas do planeta. Existe um senso comum em torno do papel do ecoturismo na conservação do meio-ambiente natural e cultural e na promoção do desenvolvimento econômico em áreas remotas. Inúmeros são os artigos e estudos de caso que divulgam estatísticas alvissareiras a respeito do seu crescimento recente e das perspectivas que a atividade apresenta para países ricos em atrativos naturais como o Brasil. No contexto nacional, o Estado da Bahia tem se destacado com alguns dos destinos de ecoturismo mais visitados do país, a exemplo da Chapada Diamantina, Abrolhos, Morro do São Paulo, Itacaré e Península de Maraú, embora se possa questionar a qualidade desses produtos e, seja perceptível o oportunismo de uma parcela representativa do “trade”, que não reflete em suas práticas os princípios inerentes à concepção do verdadeiro ecoturismo. A esse fato juntam-se turistas e comunidades pouco conscientizadas e uma frágil estrutura administrativa, incapaz de planejar e gerenciar a exploração desse vetor econômico de maneira sustentável. A despeito de se tratar de um fenômeno recente na Bahia, e de, portanto, inexistirem estudos que busquem aferir os seus impactos reais, acredita-se e, neste artigo, pretende-se apresentar alguns argumentos nesse sentido, que, o potencial do Estado tem sido subaproveitado pela oferta existente e pela promoção oficial e que, em se mantendo o modelo de exploração vigente nos destinos mais conhecidos, a Bahia poderá estar perdendo a oportunidade de se consolidar em um dos segmentos mais dinâmicos e promissores da indústria turística. Uma aproximação ao conceito de Ecoturismo

Etimologicamente, o termo “eco” deriva do prefixo de origem grega “oikos” que significa lar ou habitat. Assim sendo, em uma primeira instância, ecoturismo significaria um deslocamento de pessoas interessadas em conhecer o nosso planeta, nossa casa, e seus habitats. Inicialmente, há que se diferenciar o ecoturismo de seu “sinônimo” turismo de natureza.3 Apesar dos dois conceitos serem utilizados indiscriminadamente, é importante que se 1 Artigo escrito para ser apresentado na Mesa-Redonda intitulada Além do Sol e da Praia: oportunidades para o Turismo no Estado da Bahia, realizada no dia 4 de abril de 2003 e promovida pelo Programa de Pós-Graduação em Planejamento Regional da Universidade Salvador. 2 Mestre em Administração e Doutoranda em Geografia pela Universidade de Barcelona. Professora da disciplina Planejamento e Organização do Turismo na Universidade Salvador e nas Faculdades Jorge Amado. Professora da disciplina Turismo no curso de pós-graduação em Economia Baiana da Unifacs. 3 Turismo de Natureza também é conhecido como Turismo Verde.

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explique que o primeiro está contido no segundo. Em outras palavras, o turismo de natureza compreende todas as modalidades de turismo realizadas no ambiente natural, como o ecoturismo, o turismo de aventura, o turismo de caça e pesca, etc.(Wearing Neil, 2001; Fennel, 2002) Solucionado esse equívoco inicial, a discussão sobre o significado exato do termo ecoturismo torna-se mais complexa pois, cada segmento social envolvido com a atividade tem o seu entendimento sobre o tema. Pires (1998) faz uma compilação de definições de ecoturismo, levando em consideração a ótica de diferentes setores da sociedade, a exemplo do “trade” turístico, dos organismos oficiais, das organizações não governamentais, das populações residentes, do público turista e do meio acadêmico. Segundo o autor, cada um desses setores tende a conceber a sua própria idéia de ecoturismo. A existência de uma gama tão numerosa e diversa de agentes, com interesses e percepções distintas sobre a mesma atividade torna mais improvável ainda a possibilidade de uma definição que seja universalmente aceita. Segundo alguns autores, o conceito de ecoturismo ainda está em discussão e debate (Blangy & Wood, 1992; Embratur/Ibama, 1994; Western, 1995; Irving, 1998; Veiga e Romão, 1998) e desse confronto de visões, pode-se enquadrar as definições existentes em algumas classificações:

• O ecoturismo entendido como uma motivação específica do visitante – nesse grupo, enquadram-se definições como a de Ceballos-Lascuráin (1984)4:

“ viagem a áreas naturais relativamente não perturbadas nem contaminadas com o objetivo específico de estudar e admirar o cenário e seus animais e plantas selvagens, assim como quaisquer manifestações culturais (passadas e presentes) encontradas nessas áreas” (Ceballos-Lascuráin apud Bodstein, 1992)

e a de Swanson (1992:2):

“ viagem, muitas vezes para países em desenvolvimento, para áreas naturais relativamente tranquilas com o fim de estudar, desfrutar ou prestar ajuda voluntária com respeito à flora, à fauna, à geologia e ao ecossistema de uma área – assim como às pessoas que vivem na vizinhança, às suas necessidades, à sua cultura e ao relacionamento com a terra”

• Ecoturismo visto como sinônimo de desenvolvimento sócio-econômico:

4 Costuma-se reconhecer Ceballos-Lascuráin como o criador do termo. Segundo Wearing & Neil (2001), o referido autor teria cunhado o termo turismo ecológico em 1981, quando realizava um trabalho de planejamento das áreas de floresta tropical do estado mexicano de Chiapas, frente ao avanço da atividade turística

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“ uma estratégia administrada pelo país ou região anfitriã, que se compromete a estabelecer e manter os lugares com a participação dos habitantes locais, mediante um marketing adequado, com a aplicação de normas, e utilizando os proveitos obtidos por meio dessa iniciativa para financiar a administração da área e também para o desenvolvimento da comunidade” (Ziffer, 1989 apud Hawkings & Kahn, 2000: 206)

“ecoturismo é uma forma de ecodesenvolvimento que representa um meio prático e eficaz de promover o crescimento sócio-econômico em todos os países” (Ceballos - Lascuráin, 1991 apud Brandon, 1993:227) “uma das principais vantagens do ecoturismo é a de proporcionar um impulso que favorece tanto à expansão da conservação quanto o desenvolvimento econômico (...) o ecoturismo pode gerar oportunidades de emprego em regiões remotas (...) e acredita-se que o ecoturismo exige menos investimentos do setor público em infra-estrutura” (Lindberg & Huber, 1993:145)

• Definições focadas na conservação ambiental: “ um segmento da atividade turística que utiliza de forma sustentável o patrimônio natural e cultural, incentiva a sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista através da interpretação do ambiente, promovendo o bem-estar das populações envolvidas”(IBAMA/EMBRATUR, 1994) “ turismo que tem como base fundamental a conservação do meio-ambiente, a educação ambiental, principalmente do turista e o desenvolvimento da localidade visitada” (Pires,1998: 46)

• Definições híbridas, que contemplam os diversos aspectos: “ Ecoturismo é provocar e satisfazer o desejo que temos de estar em contato com a natureza, é explorar o potencial turístico visando a conservação e o desenvolvimento, é evitar impactos negativos sobre a ecologia, a cultura e a estética ” ( Western, 1993:18) “ modalidade de turismo inspirada primordialmente na história natural de uma área, incluindo sua cultura indígena. O ecoturista visita áreas relativamente pouco desenvolvidas em um espírito de apreciação, participação e sensibilidade. Pratica um uso não consumista da vida silvestre e dos recursos naturais, contribui para a área visitada mediante a geração de empregos e de financiamento direto para a conservação do espaço e a melhoria das comunidades receptoras. Ecoturismo implica em um manejo planejado por parte das zonas receptoras.” (Ziffer s/d apud Hawkings & Kahn,2001:206)

• Segundo uma dimensão político-econômica:

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“ forma de exploração planejada, ou ainda, como estratégia de dominação sobre os países subdesenvolvidos, porém ainda ricos em ecossistemas naturais de interesse turístico” (Rocha Neto apud Faria & Carneiro, 2000:39)

Essa miríade de percepções e significações forma uma verdadeira colcha de retalhos conceitual que, com um esforço de sistematização, pode apresentar alguns pontos de convergência, conforme pode ser melhor visualizado no quadro seguinte, onde se analisa algumas das principais definições existentes sobre o tema. Quadro 01 Principais aspectos encontrados nas definições de ecoturismo

Aspectos mais citados 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 Interesse na natureza x x x x x x x x x x x Contribuição para a conservação x x x x x x x x x x x x x Realizado em parques e áreas protegidas x x x x x x x x Gerador de benefícios para a comunidade x x x x x x x x x x Instrumento de Educação Ambiental/Estudo do Ecossistema

x x x x x x x x

Baixo impacto x x x x x x Atividade ética/responsável x x x x x Necessidade de gestão x x x x Sustentável x x x x x Usufruto e apreciação da natureza x x x Cultura x x x x Pequena escala x x x

Fonte: Tabela adaptada de Fennel, 2002. (1) Ceballos-Lascuráin, 1987; (2) Kutay, 1989; (3) Ziffer, 1989; (4) Fennel e Eagles, 1990; (5)CEAC, 1992; (6)Valentine, 1993; (7)Sociedade de Ecoturismo; (8)Western; (9)Estratégia Nacional Australiana de Ecoturismo; (10)Brandon, 1996; (11)Goodwin, 1996; (12)Wallace e Pierce, 1996; (13)Fennel, 2002; (14) Embratur; (15) Pires, 1998; (16) Stephen e Wearing,2001; (17) Blangy e Wood, 1993. Na opinião dos autores consultados, o ecoturismo seria uma modalidade de turismo motivada pelo interesse dos seus praticantes no ambiente natural (64,7%), preocupada com a conservação da natureza (76,4%) e com a geração de benefícios para as comunidades autóctones (58,8%). Aspectos como a contribuição da atividade para a educação ambiental dos visitantes e a necessidade de que ela seja desenvolvida em espaços protegidos também se destacaram (cada um com 47% das citações), mas em menor proporção, dentre outras características como “ ser uma atividade ética e responsável”, de “baixo impacto”, “ sustentável” e que “ necessita ser gerida”, além de alguns aspectos mais polêmicos como a “incorporação de elementos culturais” e a “obrigatoriedade de ser realizado em pequena escala”.

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Alguns dos aspectos citados merecem comentário. O ecoturismo, hoje, não está mais restrito apenas às unidades de conservação mas, é desenvolvido em qualquer espaço natural que apresente atributos naturais e paisagísticos de relevância. A atividade desempenha um importante papel na reconversão de espaços turísticos saturados, notadamente os litorâneos, que em função de se apresentarem degradados estética e ambientalmente por um processo de ocupação linear (ao longo da primeira linha do mar) não planejado, buscam na incorporação de espaços naturais adjacentes e ainda não explorados, uma estratégia de diversificação de seu produto turístico e de diferenciação em relação aos destinos costeiros concorrentes, conforme está ilustrado em Vera et al. (1997) para alguns centros turísticos e ilhas do Mediterrâneo. O aproveitamento dos elementos culturais foi enfatizado por Ceballos-Lascuráin (1987), Ziffer (1989), Wallace & Pierce (1996) e Embratur (1994), mas para o restante dos autores consultados aparece, apenas, como uma motivação secundária, que pode, ou não, vir a ser incorporada aos pacotes de ecoturismo. Quanto à questão da pequena escala, há que se diferenciar o turismo de baixa densidade do turismo de baixo impacto (Western, 1993). O autor introduz uma discussão muito pertinente sobre a relação entre o turismo de baixo e alto volume e o turismo de baixo e alto impacto. Ele tenta fugir da definição que denomina de “purista” de ecoturismo, que o classifica como uma modalidade de turismo incompatível com o turismo de massa. Utilizando argumentos semelhantes aos de Swarbrooke(2000) em relação ao turismo sustentável, Western (1993) afirma que, dependendo de como seja administrado, o ecoturismo realizado por grupos pequenos pode ser mais nocivo que o turismo em grande escala, e que, este último, em função dos resultados econômicos que apresenta, pode trazer benefícios a uma maior quantidade de pessoas, principalmente em países que buscam a geração de empregos e renda:

“ecoturismo é muito mais do que uma pequena elite de amantes da natureza. É na verdade um amálgama de interesses que emergem de preocupações de ordem econômica, ambiental e social (...) ecoturismo, em outras palavras, envolve tanto um sério comprometimento com a natureza como com a responsabilidade social (...) o ecoturismo está deixando de definir-se como turismo de natureza de pequena escala para estabelecer-se como um conjunto de princípios aplicáveis a qualquer tipo de turismo que se relacione com a natureza (...) o que importa não é a escala ou o objetivo, mas o impacto” (Western, 1993, p.16)

Todas as tentativas de conceituação do ecoturismo levam ao paradigma da sustentabilidade e o colocam mais como uma filosofia, um conjunto de valores que norteiam uma nova forma de encarar o fenômeno turístico, do que como uma modalidade, uma segmentação de mercado. Mas, no entanto, partindo para a prática e para a operacionalização da atividade, o que se pode perceber é que o termo tornou-se um rótulo, utilizado para promover as mais diferentes práticas turísticas no meio natural que,

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na maioria das vezes, não guardam um compromisso tão rígido com os princípios acima enumerados. A despeito do que se convenciona acreditar, a popularização do ecoturismo, na forma pela qual ele tem sido explorado, não tem conduzido ao ecodesenvolvimento, na medida em que se esperava ( Brandon, 1995; Ramboldi & Ferreira, 2000) De fato, em princípio, o ecoturismo pode desencadear um processo de desenvolvimento em bases sustentáveis mas, isso não é o que ocorre com mais frequência na prática. Uma análise recente de 23 projetos que procuram vincular a conservação ao desenvolvimento constatou que muitos tinham implantado o ecoturismo mas somente pequena parte dos lucros desses projetos era usufruído localmente. (Wells & Brandon, 1992) De forma semelhante, outro estudo analisando 25 iniciativas de mesma natureza concluiu que esses resultados positivos não são uma consequência natural do ecoturismo:

“apenas sob determinadas condições... e com planejamento adequado, os benefícios do desenvolvimento econômico se reverterão para a comunidade local”(West & Brenchin,1991)

É necessário que se entenda que, apesar da sua inegável adaptação às áreas menos desenvolvidas, o ecoturismo, assim como qualquer outra modalidade de turismo, depende da equação de uma série de aspectos políticos e de mercado para ser sustentável. Alguns dos motivos mais comuns, citados pela literatura da área, para o fracasso de iniciativas dessa natureza podem ser assim resumidos:

a) ausência do empenho e do comprometimento político dos governos (Bunting

et al, 1991); b) o turismo é, em geral, promovido por interesses variados de pessoas de fora, o

que faz com que os seus benefícios não sejam desfrutados localmente (West & Brechin, 1991; Wells & Brandon, 1992);

c) a falta de diversificação da base econômica local e de preparo da mão-de-obra (Lindberg & Huber, 1993)

d) falta de integração das necessidades e preferências locais no processo de planejamento (Brandon, 1993);

e) estruturas de poder de algumas sociedades podem inibir a participação local e o empreendedorismo (Brandon, 1993).

A conjunção dos fatores acima listados resulta no vazamento das receitas turísticas geradas, que costumam ser absorvidas pelas Cias. Aéreas, cadeias hoteleiras, operadoras e fornecedores de bens de consumo. (UNESCO, 2001). A magnitude dessa perda varia entre 55%, de acordo com o Banco Mundial e 90%, segundo Lindberg (1991) e Boo (1990).

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O mercado do Ecoturismo Segundo dados da OMT5, embora ainda não concorra com as modalidades de turismo de massa, o ecoturismo é o segmento do setor que mais cresce no mundo, notadamente nas regiões menos dinâmicas, a exemplo dos países da África (onde a atividade se baseia na caça e observação dos grandes mamíferos e dos gorilas de Ruanda, preservados nos parques nacionais); Caribe, com destaque para a Costa Rica e Belize; Nepal; Ilhas Galápagos; países do Pacífico, Indico e Atlântico Sul, além de áreas deprimidas do interior da Europa e Estados Unidos6. A mensuração da dimensão econômica da atividade é uma tarefa complexa do ponto de vista metodológico e, os dados disponíveis a esse respeito constituem-se em aproximações, fruto de estimativas elaboradas com base nos dados globais levantados para o turismo, nas informações fornecidas pelas operadoras especializadas ou na motivação alegada pelos turistas entrevistados nas pesquisas de turismo receptivo, nos países e regiões em que elas são realizadas com uma frequencia regular. Existem, ainda, as estatísticas derivadas da visitação de parques nacionais e outras categorias de unidades de conservação onde a atividade é permitida. Considerando-se a metodologia empregada pelos estudos, que apresenta algumas limitações difíceis de ser contornadas pelos instrumentos de pesquisa disponíveis, as estatísticas que serão apresentadas em seguida devem ser consideradas, apenas, como indicativos de tendências ou de evolução temporal, sem, em hipótese alguma, ser interpretadas como a expressão da realidade. Acredita-se que o ecoturismo é o segmento da indústria de viagens e turismo que mais cresce no mundo. Sua taxa de crescimento anual, na década de 90, foi estimada entre 10% e 15% por Castilho & Herscher (1997 apud Niefer, 2002) e em 20% por um estudo mais recente da OMT7 que calculou em 5% a participação do segmento no turismo global no mesmo período. O referido estudo revelou também que o crescimento anual do ecoturismo foi bem maior que o registrado pela atividade como um todo – 7,5%, e que existe a expectativa de que, no final da primeira década do século XXI, o ecoturismo represente 10% do movimento de viagens global. Esses dados são reforçados por outra pesquisa da OMT8 junto a 300 operadoras da Espanha, França, Reino Unido, Alemanha, Itália, EUA e Canadá que apurou que de 2 a 4% do movimento registrado por essas empresas era de turismo ecológico. Somente na Espanha, o incremento nas receitas turísticas gerado pelo ecoturismo, entre os anos de 1999 e 2000, foi de 18% enquanto o total da atividade registrou 4%. 5 Estimativas da OMT publicadas no Jornal O Estado de São Paulo em 31/12/2001. 5 Países como o Quênia arrecadam cerca de US$ 500 milhões por ano com o ecoturismo (aproximadamente 10% do PIB), enquanto a Costa Rica arrecada US$ 336 milhões. As Ilhas Galápagos registraram um incremento de visitação de 7mil entradas em 1975 para 45 mil em 1989. Em Belize, o volume de turistas aumentou em 50% entre 1980 e 1990 (Boo, 1990). 7 Idem nota 4 8 Publicada na revista espanhola Consumer, nº 57, julho-agosto de 2002

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De fato, o incremento da atividade nas duas últimas décadas do século passado é perceptível, principalmente no que tange à descoberta e comercialização de novos produtos, cada vez mais exóticos e distantes, surgidos, impulsionados que foram, pela popularização das preocupações com as questões ambientais e pelo surgimento de um novo tipo de turista, avesso à padronização e à superficialidade do turismo de massa. (Poon, 1998)9. No que concerne ao perfil do ecoturista estrangeiro, ele tem idade entre 35 e 54 anos, alto nível de instrução (82% com nível universitário), preferem viajar em casal (60%) e viagens com uma duração entre 8 e 14 dias. O gasto médio desse tipo de turista é considerado superior ao do turista convencional, entre mil e mil e quinhentos dólares por viagem e os principais aspectos que levam em consideração ao avaliar um destino de ecoturismo são: (a) paisagem selvagem ou pouco modificada; (b) possibilidade de observação da vida silvestre; (c) possibilidade de realizar caminhadas/trilhas. (TIES, 2003) Ecoturismo no Brasil

O Brasil, segundo a IUCN (apud Sansolo, 2002), é o país com maior megadiversidade do planeta , além de apresentar duas áreas classificadas como hotspots10: o Cerrado e a Mata Atlântica; a Floresta Amazônica que, por conservar em torno de 80% de sua área original, é classificada como wilderness area11. Calcula-se, segundo o IBAMA (1997), que cerca de um terço da biodiversidade mundial esteja concentrada no território brasileiro, em ecossistemas únicos como a floresta amazônica, a mata atlântica, os cerrados, caatinga, áreas úmidas e ambientes marinhos. Segundo o WWF(1999) o Brasil abriga, ainda, a parte mais extensa do maior complexo de terras inundáveis (o Pantanal), a savana que contém a mais rica diversidade biológica (o Cerrado) e mais mangues do que qualquer outro país. A flora brasileira repesenta 22% da flora mundial. Em nenhum outro país há tantas espécies de macacos, papagaios, anfíbios, peixes de água-doce, vertebrados terrestres ou plantas. A despeito de todo esse potencial natural para o ecoturismo, no Brasil as cifras da atividade ainda são bem mais tímidas se comparadas com países como Costa Rica, Equador, Nepal ou Quênia, considerados mecas do ecoturismo mundial. De acordo com a Embratur12 (2003), estima-se que mais de meio milhão de pessoas no país pratiquem o ecoturismo, através de 5 mil empresas que empregam, aproximadamente, 30 mil pessoas, mas o crescimento anual do setor ainda estaria bem abaixo do registrado no contexto

9 Destinos como o Nepal registraram um incremento de 255% no seu fluxo turístico entre os anos de 1980 e 1991.(Wight, 1996 apud site da TIES) 10 áreas do planeta que concentram cerca de 60% de todas as espécies conhecidas e que, somadas, equivalem a apenas 1,4% da superficie terrestre 11 florestas tropicais que ainda possuem grandes áreas conservadas e com baixa densidade demográfica 12 Dados retirados de relatório publicado no site www.embratur.gov.br/temas.asp, acesso em 24/03/2003

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mundial, em torno de 8%, segundo a Associação Brasileira de Agências de Viagens – ABAV.13 Uma amostra da baixa representatividade do país no cenário internacional pode ser fornecida através dos resultados de uma pesquisa realizada pela autora junto a operadoras especializadas em ecoturismo cadastradas na TIES – The International Ecotourism Society14, em março de 2003. Dentre as 32 operadoras americanas, canadenses, francesas, italianas e sul-americanas que operavam para a América do Sul, na data da pesquisa, apenas 10 (31,25%) ofereciam o destino Brasil. Nesses pacotes, apenas três produtos eram comercializados: Amazônia e Pantanal (em 80% dos casos) e Foz do Iguaçu (com 40% das ocorrências). Nesse contexto, cabe ressaltar, não foi encontrada nenhuma operadora nacional, ao passo que, na mesma amostra, apareceram 2 empresas venezuelanas, 1 equatoriana e 1 do Suriname. A inexistência de operadoras locais oferecendo serviços de qualidade é um grande obstáculo à consolidação do país nesse mercado, visto que as grandes operadoras internacionais trabalham com parceiros dos países em que atuam, até mesmo como um imperativo da própria filosofia do ecoturismo, que preconiza o desenvolvimento das economias dos destinos. O mercado brasileiro possuia cerca de 250 operadoras especializadas em ecoturismo, sendo que 70 delas localizadas na cidade de São Paulo no ano 2000. Boa parte desse universo operava ilegalmente, sem registro na Embratur. (IEB, 2003)15 Outra característica interessante e, até mesmo típica nesse setor, é que grande parte dessas operadoras tem um raio de atuação local ou estadual. Esse fato confirma a tendência já anteriormente identificada por outros autores (Vera, 1997) de que o ecoturismo é um tipo de viagem de proximidade, onde a parte mais representativa do fluxo é originada nas proximidades do atrativo, que, por compensação, é visitado com mais frequência pelo mesmo público. De acordo com a Embratur (2003), os principais destinos de ecoturismo comercializados são Bonito (MS), Chapada Diamantina (BA), Chapada dos Guimarães (MT), Chapada dos Veadeiros (GO), entorno de Manaus (AM), Fernando de Noronha (PE), Lagamar (SP), litoral sul da Bahia, Pantanal (MT/MS), Serra do Mar (SP) e Vale do Ribeira (SP). Pesquisa com objetivo semelhante, realizada por Scorsato (1998)16 junto às 10 principais operadoras paulistas, também apontou Bonito (MS) e a Chapada Diamantina (BA) como os principais destinos demandados no ano de 1998. Além destes, foram citados também as Cavernas do Petar (SP), Amazônia, Serra do Caparaó, Fernando de Noronha, Morro de São Paulo e Abrolhos. 13 Idem nota 4 14 A TIES (The Ecotourism Society) é uma organização não governamental, com sede em Washington (EUA), que reúne pesquisadores e profissionais relacionados à atividade turística em todo o mundo, e mantém um banco de dados sobre produção científica na área e operadores ecologicamente conscientizados. 15 Dados obtidos no site do IEB – www.ecobrasil.org.br em março de 2003. 16 Pesquisa realizada por Simone Scorsato e publicada no endereço eletrônico www.ecobrasil.com.br. Acesso em março de 2003.

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No ano de 2002, a Embratur – Instituto Brasileiro de Turismo, juntamente com o IEB – Instituto de Ecoturismo do Brasil, lançaram o resultado do trabalho de mapeamento dos pólos de ecoturismo do Brasil. Numa primeira fase, desenvolvida de 1998 a 2001, o Programa Pólos de Ecoturismo do Brasil identificou as localidades brasileiras onde a prática do Ecoturismo ocorre com algum sucesso. Foram também levantadas suas características, potencialidades e condições de infra-estrutura. Como resultado deste esforço, foram definidas 96 unidades com a denominação de Pólos de Ecoturismo, envolvendo 550 municipíos, mais de 40 milhões de habitantes, em 26 estados, espalhados pelos 10 mais significativos biomas do Brasil. São Paulo foi o estado que apresentou uma maior quantidade de pólos (8), seguido da Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco (com 7 cada um). Essa iniciativa foi uma continuação dos esforços realizados pela mesma Embratur em conjunto com o IBAMA, oito anos antes, com a determinação das Diretrizes para uma Politica Nacional de Ecoturismo, documento que marcou, oficialmente, o surgimento da preocupação do poder público com este setor específico da atividade. Infelizmente, o documento tem servido apenas como um arcabouço conceitual em que se explicita qual o entendimento que o Governo tem acerca do ecoturismo e como acredita que a atividade deva ser desenvolvida, sem, no entanto, avançar na proposição de normas para seus operadores. Com a implantação dos pólos de ecoturismo, estão previstas ações de capacitação, financiadas pelo FUNBIO17, voltadas para a preparação de monitores em qualidade de gestão do ecoturismo que, por sua vez, servirão de agentes multiplicadores junto aos guias que atuarão nas localidades compreendidas pelo Programa. Ecoturismo na Bahia A descrição do potencial do estado da Bahia para o ecoturismo demandaria algumas páginas desse trabalho e se tornaria cansativa para o leitor. A Bahia reúne em seus 564.273 km2 e mais de mil quilômetros de litoral, 4 dos principais biomas brasileiros (Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica e Costeiro) , 5 parques nacionais (Marinho de Abrolhos, Chapada Diamantina, Pau Brasil, Monte Pascoal e Descobrimento), 26 Áreas de Proteção Ambiental, além das reservas particulares de proteção natural, conformando um sistema de áreas protegidas que, por sua beleza cênica e importância natural, se apresenta como uma matéria-prima mais que adequada para a exploração da atividade.

17 Fundo Brasileiro para a Biodiversidade é uma sociedade civil sem fins lucrativos criada em outubro de 1995 com o objetivo geral de complementar as ações governamentais para a conservação e o uso sustentável da diversidade biológica do país, em consonância com a Convenção sobre Diversidade Biológica, de âmbito mundial, e o Programa Nacional da Diversidade Biológica.Sua finalidade específica é operar um fundo para apoio financeiro e material a iniciativas associadas à conservação e ao uso sustentável da biodiversidade no Brasil, a partir dos recursos doados pelo Fundo para o Meio Ambiente Global, no valor de US$20 milhões.

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No projeto da EMBRATUR/IEB, anteriormente citado, foram identificados 7 pólos de ecoturismo na Bahia: Chapada Diamantina, Costa dos Coqueiros, Baía de Todos os Santos, Costa do Dendê, Costa do Cacau, Costa do Descobrimento e Costa das Baleias. Dentre os principais destinos de ecoturismo do Brasil, a Chapada Diamantina, Morro de São Paulo e Abrolhos figuram entre os mais comercializados pelas operadoras paulistas (Sorsato, 1998), e são cada dia mais comuns anúncios promovendo esses destinos nas revistas especializadas do setor. Entretanto, a despeito do que possa parecer, a Bahia não se apresenta no cenário nacional com produtos de ecoturismo formatados e o seu potencial para a atividade vem sendo sub-explorado pelos operadores do setor. Tomemos por exemplo os Pólos de Ecoturismo citados no início dessa seção. A determinação dessas áreas não foi precedida de um estudo específico sobre os atrativos ecoturísticos e a oferta disponível no Estado. Utilizou-se para tanto a regionalização turística concebida no início da década de 90, na oportunidade em que se iniciaram as ações do Prodetur-Bahia. Nessa ocasião, a Bahia foi dividida em 7 regiões consideradas prioritárias para o desenvolvimento da atividade turística que, conforme pode ser visualizado no mapa, se extendiam por toda a faixa litorânea, à exceção da Chapada Diamantina, que aparecia como única região localizada no interior. Já naquela época se entendia que tratava-se de uma regionalização premiliminar pois existia uma grande quantidade de destinos que não estavam sendo compreendidos pelo planejamento. Posteriormente essa regionalização passou a compreender áreas como o Oeste do Estado, a Chapada Norte, o São Francisco e o Vale do Jiquiriçá, embora estas últimas ainda não estejam consolidadas e não tenham recebido investimentos do Prodetur. Os pólos de ecoturismo, entretanto, por questões metodológicas internas, não compreenderam essas novas regiões. È fato, que dentro dessas regiões tradicionais estejam localizados os principais destinos e roteiros ecoturísticos do Estado mas o que dizer do semi-árido, com sua vegetação de caatinga e refúgio de espécies ameaçadas como a ararinha azul? E ainda, porque não incluir as formações geológicas de Morro do Chapéu e Jacobina, as trilhas do cerrado baiano, as corredeiras do Rio Grande e as grutas de Campo Formoso, para nos atermos a algumas das omissões mais evidentes? Por outro lado, permanecem nesses roteiros destinos litorâneos que, em função da ocupação desordenada do solo que sofreram e suas conhecidas consequências de ordem infra-estrutural e ambiental, há muito deixaram de ser ecológicos. Como comercializar para um turista experimentado em paisagens e ecossitemas únicos, praias e rios poluídos pelo lançamento de esgotos sem tratamento; núcleos urbanos carentes em serviços básicos como coleta de lixo ou, ainda, megaresorts que, a despeito de terem sua validade como destinos do turismo litorâneo, não podem ser considerados, apesar de se anunciarem como tal, representantes do turismo ecológico? A formatação de roteiros e produtos ecoturísticos não se restringe à correta escolha dos destinos e atrativos que serão comercializados mas, deve buscar atender às inúmeras

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motivações identificadas na demanda desse segmento do mercado. Diferentemente de outras modalidades de turismo, nem todos os ecoturistas viajam “para” os destinos. Em muitos casos, o destino é fruto de uma outra motivação principal, como a observação da fauna e da flora e o estudo de ecossistemas. Em outras palavras: para o ecoturista, a trilha não é apenas o caminho, uma instalação construída para que ele possa alcançar seu objetivo final, seja ele uma cachoeira, um lago ou uma praia deserta; a trilha é o seu próprio objetivo. Essas sutilezas, características desse mercado, devem ser percebidas e exploradas pela oferta especializada, através da montagem de roteiros temáticos, ricos em informações sobre a geologia, a flora,a fauna e aspectos culturais do espaço visitado. Esses elementos naturais podem, inclusive, se converter no centro das atenções do visitante. Exemplo do exposto acima, as viagens com o objetivo de observar pássaros, ou birdwatching, como é mais conhecida a atividade, mobilizaram, segundo a TIES18, 54 milhões de americanos em 1994. Na Bahia, inexplicavelmente, a observação da baleia Jubarte no arquipélago de Abrolhos aparece como única opção para esse perfil de público. À deficiente definição e formatação dos produtos ecoturísticos do Estado se junta o amadorismo e, em alguns casos, a falta de ética dos operadores do setor, fato que compromete ainda mais o futuro da atividade na Bahia. Se por um lado, operadores despreparados afugentam o público mais conscientizado e de mais alto poder aquisitivo, no longo prazo, suas práticas podem chegar a comprometer a qualidade ambiental do destino. A fiscalização dessas empresas não é uma tarefa tão simples, visto que boa parte delas opera na informalidade. De acordo com a Bahiatursa19, em abril de 2003, existiam apenas 19 operadoras de ecoturismo cadastradas no Órgão20. Sabe-se que esse número não é real pois, somente em Lençóis, operam 8 empresas sendo que, destas, apenas 2 estão registradas.21 Outro aspecto que não pode deixar de ser levantado é a conduta de boa parte dessas empresas. Preocupação nesse sentido já é demonstrada, em âmbito nacional, por trabalhos como os de Ruschmann (1998) e Pires(1998) que analisam as diretrizes de funcionamento de operadoras de ecoturismo paulistas. Em síntese, estes trabalhos reinvindicam posturas éticas e responsáveis por parte dos empresários que atuam no setor e fazem restrições sobre a operacionalização do ecoturismo no Brasil. Na Bahia essa realidade não é diferente.

18 Pesquisa realizada pela Sporting Goods Manufacturers Association citada em texto publicado no site da TIES, acessado em abril de 2003. 19 Pesquisa direta realizada pela autora em abril de 2003. 20 10 operadoras em Salvador, 2 em Lençóis, e uma em Vera Cruz, Caravelas, Porto Seguro, Lauro de Freitas e Itabuna 21 Pesquisa direta realizada pela autora.

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Embora ainda não existam estudos publicados sobre o tema, uma pesquisa que vem sendo desenvolvida pela autora22 na Chapada Diamantina, em caráter preliminar, pôde constatar que também na Bahia o motivo para preocupação é justificável. Das oito agências que operam na região, apenas uma soube responder de forma apropriada às questões formuladas sobre ecoturismo e demonstrou ser conhecedora de diretrizes mínimas de conduta que devem ser observadas em espaços frágeis como aquele. Na prática, o que se observa nos principais destinos ecoturísticos baianos é o afã, por parte dos agentes beneficiados com a atividade , em maximizar os seus ganhos de curto prazo e o pouco comprometimento desses mesmos agentes com a sustentabilidade dos espaços em que operam. Essa afirmação pode parecer radical mas é facilmente constatada quando observada por olhos mais atentos, que percebem os prejuízos causados aos corais da 3ª praia em Morro do São Paulo23; o avanço da especulação imobiliária sobre remanescentes verdes de inúmeros centros urbanos no Estado; o abandono a que estão relegados os parques nacionais baianos24, a poluição de rios importantes como o de Contas ( que banha Itacaré), Jaguaripe (Recôncavo) e Imbassaí (principal atrativo da praia de mesmo nome), dentre tantos outros com menor importância turística; a não-observância de princípios básicos como o da capacidade de suporte física em grutas, cachoeiras e trilhas de uma maneira geral e na Chapada Diamantina mais especificamente, além do mais absoluto amadorismo com que boa parte dos roteiros oferecidos são operacionalizados. Finalmente, um último aspecto que deve ser considerado é a implicação social que o ecoturismo tem tido, ou seja, até que ponto ele tem sido desenvolvido com a participação das comunidades locais, de acordo com os princípios que norteiam a sua definição. Em linhas gerais pode-se afirmar que, na Bahia, a atividade ainda não contribui de forma significativa na democratização das receitas que gera e na melhoria da qualidade de vida das comunidades-destino, principalmente porque as mesmas não reúnem condições de participar mais ativamente do processo, participando como empreendedores, por exemplo. O ecoturismo favorece, naturalmente, os pequenos negócios, demandando equipamentos de alojamento e alimentação simples e, de preferência, pequenos, tais como acomodações do tipo “bed and breakfast”, pousadas rústicas, campings e restaurantes caseiros. Adicionalmente há uma série de serviços acessórios que podem ser fornecidos pelas comunidades locais a exemplo da locação de bicicletas e montarias e a operação de pequenos roteiros locais. 22 O levantamento faz parte de uma pesquisa mais abrangente, realizada pela autora, intitulada “ turismo em Unidades de Conservação de Proteção Integral – O caso do Parque Nacional da Chapada Diamantina” que se constituirá na Tese Doutoral a ser apresentada à Universidade de Barcelona para a obtenção do título de Doutora em Geografia. 23 Que segundo os locais foram retirados para servir de decoração em pousadas e artesanato típico, comprometendo a dinâmica da maré naquela porção de praia. 24 Dos 5 parques nacionais baianos apenas dois têm Plano de Manejo, a despeito de existirem há mais de cinco anos, prazo determinado pelo Ibama como máximo para a elaboração do referido documento.

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Algumas conclusões A definição de ecoturismo é muito mais abrangente do que se costuma considerar. Independente das pequenas divergências que existem entre o entendimento dos diversos agentes envolvidos na atividade e, mesmo, dentro da academia, concorda-se que o seu desenvolvimento deva estar atrelado ao conceito de sustentabilidade. Mais que uma modalidade de turismo, o ecoturismo se posiciona, cada vez mais, como uma filosofia do fazer turístico, baseada em um conjunto de valores que devem ser compartilhados pela comunidade local, pelos visitantes, empresários e poder público. A despeito do potencial que tanto o Brasil, como a Bahia, apresentam, uma análise da observância dos valores inerentes ao ecoturismo nos leva a concluir que ainda há um longo caminho a ser percorrido até que possamos nos consolidar nesse mercado e, ao mesmo tempo, proporcionar aos nossos destinos os benefícios ambientais e sócio-econômicos derivados dessa prática. Os equívocos identificados no desenvolvimento da atividade na Bahia podem ser atribuídos a três conjuntos de fatores:a falta de conscientização das comunidades-destino acerca das possibilidades que o ecoturismo pode lhes proporcionar, realidade agravada pelo baixo nível de educação formal e de capacitação profissional que apresentam; inexistência de uma política oficial de ecoturismo que atenda os seus requisitos específicos e privilegie pequenas iniciativas empresariais locais e a ausência de normas e parâmetros que possam servir como norteadoras para a operação e certificação dos agentes da oferta especializada. Para finalizar, de maneira mais esperançosa e otimista, cabe destacar que o último aspecto citado, a preocupação com a determinação de limites para a oferta e para os “ditos” destinos ecoturísticos já começa a ocupar uma posição central no debate sobre o tema no Brasil e começam a surgir iniciativas concretas nesse sentido, a exemplo da criação, em 2002, do Conselho Brasileiro de Turismo Sustentável, entidade intersetorial de turismo que pretende delimitar uma estratégia única e ampla de certificação da atividade através do estabelecimento de padões de qualidade sócio-ambiental adequados à realidade brasileira. Seria interessante que, no nível estadual, também houvesse uma mobilização semelhante mas isso somente será possível quando o setor, de uma maneira geral, se profissionalizar. Quando existirem empresários e administradores públicos mais capazes de compreender as nuanças desse mercado e mais comprometidos com a preservação do nosso patrimônio natural.

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