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Anais do IX Encontro Nacional de História Oral - 22 a 25/04/2008 - UNISINOS MOVIMENTOS INTERNOS DO IEE: MOMENTOS DE PERMANÊNCIAS OU DE RUPTURAS? Maria Cristina Martins 1 Resumo: O artigo apresenta um breve histórico sobre o Instituto Estadual de Educação, uma instituição escolar peculiar com mais de 100 anos de história. Partindo desse ponto, foi feita uma análise do campo social da atual instituição tentando perceber de que forma a mesma rompeu ou permaneceu com suas características. Desse modo, foram observados dois momentos específicos de eleições internas na instituição (1986 e 2006), ou seja, movimentos internos do corpo docente utilizando-se de dois teóricos: Michel Foucault e Pierre Bourdieu. Nesse sentido, para melhor compreender os processos de mudança e permanência da instituição foram trabalhados conceitos como relações de poder, corpos dóceis, habitus e capital social. Palavras-chave: capital social, habitus, relações de poder, corpos dóceis, permanência e ruptura. Abstract: The articule shows a brief historic about Instituto Estadual de Educação, a especial educacional institution that has more than one hundred years of history. Starting of this point, it was done a socialanalyses about the actual institution that trying to know in what way it broke or remained with its characteristics. In this way, the school was analysed by two specific moments of internal elections (1986 and 2006) and, internal movements or groups of teachers of the school that used two teorics: Michel Foucault and Pierre Bourdieu. So, to understand better the process of change and remained of the institution were worked and studied two concepts as power relations, teachers group, habitus and social capital. Key-words: social capital/ habitus/ power relations/ teachers bdy/ staying/ rupture Introdução A escola continua enfatizando o desenvolvimento intelectual, moral e social dos indivíduos. Embora almeje esses ideais, atualmente, a mesma se vê forçada a atender aos demais aspectos da educação. Aspectos que ampliam seu campo de ação que são as razões da ordem social. Dessa forma, observa-se que o sistema escolar é estruturado para cumprir uma função social. Com isso, a escola é organizada formalmente de acordo com normas e regulamentos. 1 Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Mestranda em História e Historiografia da Educação 1

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Anais do IX Encontro Nacional de História Oral - 22 a 25/04/2008 - UNISINOS

MOVIMENTOS INTERNOS DO IEE: MOMENTOS DE PERMANÊNCIAS OU DE RUPTURAS? Maria Cristina Martins1

Resumo: O artigo apresenta um breve histórico sobre o Instituto Estadual de Educação, uma instituição escolar peculiar com mais de 100 anos de história. Partindo desse ponto, foi feita uma análise do campo social da atual instituição tentando perceber de que forma a mesma rompeu ou permaneceu com suas características. Desse modo, foram observados dois momentos específicos de eleições internas na instituição (1986 e 2006), ou seja, movimentos internos do corpo docente utilizando-se de dois teóricos: Michel Foucault e Pierre Bourdieu. Nesse sentido, para melhor compreender os processos de mudança e permanência da instituição foram trabalhados conceitos como relações de poder, corpos dóceis, habitus e capital social. Palavras-chave: capital social, habitus, relações de poder, corpos dóceis, permanência e ruptura. Abstract: The articule shows a brief historic about Instituto Estadual de Educação, a especial educacional institution that has more than one hundred years of history. Starting of this point, it was done a socialanalyses about the actual institution that trying to know in what way it broke or remained with its characteristics. In this way, the school was analysed by two specific moments of internal elections (1986 and 2006) and, internal movements or groups of teachers of the school that used two teorics: Michel Foucault and Pierre Bourdieu. So, to understand better the process of change and remained of the institution were worked and studied two concepts as power relations, teachers group, habitus and social capital. Key-words: social capital/ habitus/ power relations/ teachers bdy/ staying/ rupture

Introdução

A escola continua enfatizando o desenvolvimento intelectual, moral e social dos

indivíduos. Embora almeje esses ideais, atualmente, a mesma se vê forçada a atender

aos demais aspectos da educação. Aspectos que ampliam seu campo de ação que são as

razões da ordem social.

Dessa forma, observa-se que o sistema escolar é estruturado para cumprir uma

função social. Com isso, a escola é organizada formalmente de acordo com normas e

regulamentos.

1 Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Mestranda em História e Historiografia da Educação

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Segundo Nelson Piletti, “a escola enquanto organização, engloba inúmeros

grupos informais, cujos membros mantêm relações informais e espontâneas: grupos de

alunos, de professores, de funcionários, etc. Grupos desse tipo existem em qualquer

escola e, certamente, sua influência no funcionamento da organização não é pequena.”

(1996, p.99)

Particularmente, em Santa Catarina, o Instituto Estadual de Educação é um

sistema escolar que atende mais de 6.500 alunos e que atua há mais de 100 anos em

Florianópolis. Isto é, uma máquina devidamente organizada e que controla todos os

passos da hierarquia escolar. Um lugar singular.

Como intenção de estudo, pretendo investigar as eventuais rupturas e

permanências no sistema organizacional dessa instituição. Trabalharei mais

especificamente com dois momentos específicos - 1986 e 2006 - relacionados à eleições

internas. Partindo desses dois momentos, buscarei compreender de que forma esses

movimentos internos contribuíram para as rupturas e permanências da instituição.

Analisei a instituição de ensino na tentativa de compreender que caminhos a

mesma percorreu até chegar aos dias atuais, ou seja, uma instituição autônoma,

reconhecida e importante para o cenário estadual que se tornou desqualificada mesmo

mantendo algumas de suas principais características.

Primeiro, serão relatados os dois momentos específicos da pesquisa que são as

eleições internas de 1986 e a de 2006, ou seja, os movimentos internos de poder. Neste

momento, se fará uma exposição dos conceitos sobre a forma com que os teóricos

Bourdieu e Foucalt vêem o poder.

Logo após, partindo de pesquisas em jornais dos períodos retratados (1986 e

2006), levantarei dois momentos distintos: um de ruptura e um de ruptura e um de

permanência, duas visões da comunidade escolar sobre a instituição.

Por último, será feita a análise de alguns movimentos de professores, no recorte

da pesquisa, como eleições internas e greves que seriam os movimentos internos do

poder, observando a apropriação do capital cultural e do habitus pelo corpo docente.

Para tal análise, utilizarei alguns conceitos deBourdieu.

A análise se pautará basicamente em dois teóricos: Bourdieu e Foucault que são

contemporâneos. A diferença entre os dois é que o primeiro tem uma perspectiva

filosófica e o segundo uma perspectiva sociológica.

Pretendo fazer uma leitura dos acontecimentos da instituição dentro de um

recorte histórico e relacioná-los com a teoria desses autores trabalhando conceitos de

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Pierre Boudieu como capital social e habitus e de Michel Foucault como relações de

poder e corpos dóceis.

Movimentos Internos de Poder

A Escola teve ilustres diretores, como o francês Leon Lapagesse e os

catarinenses Fernando Machado Vieira e Heitor Pinto da Luz e Silva, entre o final do

século XIX e início do século XX.

Muitos foram os que desempenharam a função de diretor nesta escola. Com o

crescimento progressivo do IEE, houve a necessidade de descentralizar as atividades de

direção e administração, o que contribuiu para seu aperfeiçoamento organizacional.

O poder no sistema de ensino, para Bourdieu, significa possuir em potência o

uso exclusivo ou privilegiado de bens ou serviços formalmente disponíveis a todos: “o

poder dá o monopólio de certos possíveis, formalmente inscritos no futuro de todo

agente”. E ainda, “O poder, como apropriação antecipada, como futuro apropriado, é o

que mantém as relações entre os agentes para além da criação contínua das interações

ocasionais.”(NOGUEIRA e CATANI, 1998, p.96 e 97)

O teórico classifica como poder simbólico, um poder invisível que só pode ser

exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou

mesmo que o exercem. É um poder quase mágico, que permite obter o equivalente

daquilo que é obtido pela força, física ou econômica, e só é exercido se for ignorado

como arbitrário.

Por outro lado, Foucault mostra que o poder produz realidade, produz campos de

objetos e rituais da verdade. “O indivíduo e o conhecimento que dele se pode ter se

originam nessa produção.” (FOUCAULT, 1987, p.161)

Para o filósofo, o ritual de dominação ratifica-se por discursos de verdade. Esse

discurso de verdade na realidade não existe. Para ele, o que existe é a produção da

verdade. Assim, estabelece que não devemos buscar as verdades, nem tampouco

descobri-las, mas quebrá-las no sentido de descobrir como e por que são produzidas.

Isso, na prática, traduz-se não por se ler nas entrelinhas do enunciado, mas, sobretudo,

por se focalizarem as relações de poder, cuja existência não se dá no visível, mas se

conhece pelos efeitos que produz. Por trás de qualquer enunciado, ou texto, a ordem do

poder se instaura como uma rede de micro-circuitos, às vezes invisíveis, que conduzem

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as condutas e os conceitos para uma visão definida de mundo. O pleno poder só pode

ser exercido com as concessões.

Com relação aos cargos de poder, mais especificamente a direção desta

instituição de ensino, partindo de um recorte histórico de 1984 a 2007, pode-se analisar

que sua escolha, neste período, apresentou-se três vezes por meio de processos de

eleição democráticos (eleição interna) em 1987, 1990 e 2006 que foi um ato político

sem respaldo.

A lei estadual 8040/90, que criava eleições diretas nas escolas estaduais, foi

considerada institucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Dessa forma, foi criada

a lei 573/91, delegando ao Poder Executivo o direito de escolher os dirigentes. No caso

do IEE, que ao contrário da maioria das demais escolas é vinculada diretamente à

Secretaria da Educação (SED) e não a Gerência Regional de Educação, sua gerência

acontece por meio da Lei 284 e seu comando é realizado por cargos comissionados.

De acordo com o diretor geral da secretaria, Júlio Wiggers, um projeto de lei

está pronto e redigido para ser encaminhado à Assembléia Legislativa.

Em conseqüência dos fatos, percebe-se que os movimentos internos de poder da

instituição dependem, e muito, dos movimentos externos de poder que são advindos do

Estado. Da mesma forma que o Instituto é considerado como uma instituição autônoma

não lhe cabe o “poder” para a escolha de seus representantes. Primeiramente, os

movimentos internos de poder eram regidos pelo Estado que delegava às escolas o

direito de escolha de seus próprios dirigentes. Mas este mesmo Estado que dava a

liberdade de escolha, de uma hora para outra, “aprisiona” novamente as escolas

retirando-lhes esse “poder” utilizando-o como um monopólio..

Momentos de ruptura ou de permanência?

Os movimentos do corpo docente em 2006, anteriores a eleição interna, geraram

uma grande insatisfação da comunidade escolar (pais e alunos) que apoiavam a

ideologia, mas que manifestavam sua indignação quanto ao processo que se estabeleceu

no corrente ano. Para a comunidade, o movimento é uma forma de “sofrimento social”,

pois apesar do apoio sofrem com a falta de aula e com os conteúdos defasados. Neste

sentido, manifestaram sua insatisfação por meio de um manifesto que foi distribuído no

dia 25 de abril de 2007 pelos estudantes.

Por outro lado, a instituição continua sendo uma das mais procuradas na Grande

Florianópolis para o preenchimento de vagas que, para tanto, precisam ser feitas por

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sorteios públicos. Desde 2003, o IEE adota o método de sorteio de vagas para garantir

uma maior “transparência”, dando credibilidade à seleção de alunos.

Alunos do período noturno, provenientes de outros bairros como Ratones, Rio

Vermelho e Ingleses, ao invés de estudarem em escolas de seus bairros, dão preferência

ao IEE porque, segundo os mesmos, “dá mais status”.

Observa-se que ao mesmo tempo em que há uma ruptura, uma derrubada da

escala de valores quanto ao papel desempenhado pela instituição perante a comunidade,

algumas permanências ainda existem se levarmos em consideração que a tradição ainda

é fator importante para a valorização de uma escola.

A Apropriação do Capital Cultural e do Habitus pelo Corpo Docente

Durante todos esses anos de sua existência, mais precisamente no período de

1984 a 2007, os movimentos de greve sempre foram uma constante no IEE. Os motivos

para tais movimentos normalmente estavam ligados à questões salariais. Era a partir da

instituição que as outras escolas ganhavam forças para, também, fazerem suas greves. O

IEE sempre funcionou como um “termômetro de greve”.

Por sua vez, os professores desta instituição sempre formou um grupo de

liderança frente às outras escolas. Levavam suas manifestações à diante para alcançar

seus objetivos. Ou seja, sempre foi um grupo muito atuante nas causas que defendiam.

Quando os professores do IEE entravam em greve, como não sabiam se os dias

parados seriam descontados ou não pelo governo, criavam um “fundo de greve” que

tinha como objetivo ajudar a repor o salário daqueles que, porventura, fossem

descontados. Nesse fundo, os próprios professores depositavam a quantia que podiam e

até mesmo aqueles que não participavam da greve por motivos particulares, mas que se

mostravam solidários a ela porque de alguma forma seriam beneficiados com os

resultados da greve, colaboravam para essa “caixa reserva”.

Para Bourdieu, “Os lucros que o pertencimento a um grupo proporciona estão na

base da solidariedade que os torna possível”.(NOGUEIRA e CATANI, 1998, p.67)

Vemos aqui o pertencimento a esse grupo, que na ocasião apresentava um

objetivo ideológico, a greve, e se demonstrava solidário para que houvesse a

possibilidade de reivindicarem seus direitos sem maiores prejuízos.

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“... a rede de ligações é o produto de estratégias de investimento social consciente ou

inconsciente orientadas para a instituição ou a prazo, isto é, orientadas para a transformação de

relações contingentes, como as relações de vizinhança, de trabalho ou mesmo de parentesco, em

relações, ao mesmo tempo, necessárias e letivas que implicam obrigações duráveis subjetivamente

sentidas (sentimentos de reconhecimento, de respeito, de amizade, etc) ou institucionalmente garantidas

(direitos). E isso graças à alquimia da troca (de palavras, de presentes, de mulheres, etc) como

comunicação que supõe e produz o conhecimento e o reconhecimento mútuos.” (NOGUEIRA e

CATANI, 1998, p.68)

Pertencer ao grupo de professores do IEE, uma instituição tão antiga e com

prestígio nacional, faz com que os professores tenham um capital social estabelecido, já

que o mesmo assegura aos agentes lucros proporcionados pelo pertencimento. Lucros

esses que podem ser materiais, como todos aqueles assegurados por relações úteis, e

lucros simbólicos, pois os agentes estão associados à participação num grupo raro e

prestigioso. Nesse caso, os professores apresentam uma distinção com relação aos

docentes de outras escolas. Essa superioridade se dá pelo prestígio social do IEE por sua

longa história que os coloca acima dos demais profissionais da área. Os bens culturais

são classificados segundo uma ordem de distinção.

Os indivíduos estão dispostos, em virtude do habitus, a agir de uma certa

maneira, a perseguir determinados objetivos, a cultivar certas preferências. Toda

escolha tende a reproduzir as relações de dominação e certos estereótipos.

Segundo Valle, “o conceito de habitus nos mostra que o mesmo é resultante da

posição social que conduz a ver, agir e a julgar de uma determinada maneira. Além

disso, refere-se também ao conjunto de atividades e disposições próprias de uma

cultura”. O corpo docente do IEE, apresenta uma cultura específica relacionada aos

movimentos de greve.

É por meio das trocas que o indivíduo estabelece seu habitus. Nesse sentido,

pensa-se habitus como a “maneira de ser” desse indivíduo ligada a um grupo social.

Logo, o corpo docente de uma instituição, por ser um grupo social, estabelece em cada

agente essa “maneira de ser”. Ou seja, o capital social, as relações estabelecidas dentro

de um determinado grupo é um fator fundamental para o estabelecimento de um

habitus no indivíduo, no caso o professor que pertence a esse grupo. Desse modo, para

ser integrante desse grupo percebe-se que o habitus se impõe aos novos ingressantes

como um direito de entrada, sendo um modo de pensar específico.

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Dessa forma, entende-se capital social como “o conjunto de recursos atuais ou

potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos

institucionalizadas de interconhecimento e de inter-conhecimento ou, em outros termos,

à vinculação a um grupo.” (NOGUEIRA e CATANI, 1998, p.67)

Agentes que pertencem a um determinado grupo docente, de uma determinada

instituição de ensino, produzem um determinado capital social.

Essas relações de proximidade existentes no espaço físico (instituição) ou no

espaço social (cargos de professores) são fundadas em trocas materiais e simbólicas.

O capital social designa o fundamento de efeitos sociais. Esses efeitos das ações

das relações sociais são visíveis à medida em que diferentes indivíduos com

rendimentos desiguais, se pensarmos no habitus de cada um, podem mobilizar o capital

de um grupo. Com isso, tais indivíduos apropriam-se desse capital proveniente de um

determinado grupo. No caso, o grupo de professores da instituição de ensino (IEE). Os

agentes disputam o acesso ao tipo de capital mais valorizado socialmente.

A partir da extensão da rede de relações que um agente individual possui é que

podemos perceber o volume do capital social deste agente.

Os agentes são unidos por ligações permanentes e úteis. Esse grupo de agentes

são dotados de propriedades comuns e são passíveis de serem percebidos por um

observador, pelos outros e por eles mesmos. Os professores do IEE se percebem dentro

de seu grupo que se apresenta distinto, se comparado a outras instituições de ensino.

Vemos aqui o pertencimento a esse grupo, que na ocasião apresentava um

objetivo ideológico, a greve, e se demonstrava solidário para que houvesse a

possibilidade de reivindicarem seus direitos sem maiores prejuízos.

Para pertencer a um determinado grupo, incorporar-se a ele, o indivíduo precisa

apropriar-se da mesma linguagem do grupo (habitus). Esta funciona como uma “porta

de entrada” a esse pertencimento. O fascínio advindo desse pertencimento pode ter sido

gerado de relações políticas. Entendendo política como uma forma hábil de agir e de

tratar, pode-se considerar que determinados integrantes do grupo com o intuito de

“aumentar o número de adesões” ajam dessa maneira, pois durante as manifestações de

greve, muitos professores ficavam solidários ao movimento, mas não aderiam à greve.

Foi o que aconteceu no movimento para a eleição de diretor em 2006. O grupo acabou

se dividindo e perdendo força para levar à diante suas reivindicações de democracia.

Podemos analisar que esse capital social formado pelos professores do IEE

atualmente provém de uma “certa tradição”, uma reprodução do capital social

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herdado que contribui para o capital escolar da instituição, pois torna-se parte

integrante de tudo aquilo que é produzido na escola.

Por sua vez, Michel Foucault nos faz pensar nos modos pelos quais produzimos

(habitus) e somos produzidos (capital social). Questiona os regimes de verdade que

referenciam nossas ações e os valores que norteiam nossa conduta. Todo poder é

discurso e existem múltiplos poderes.

Segundo Foucault, o corpo é objeto e alvo do poder, um corpo pode ser

manipulado, modelado, treinado. Ele obedece, se torna hábil, cujas forças se

manipulam. A noção de “docilidade” une ao corpo analisável o corpo manipulável.

Há muito tempo os historiadores têm abordado a história do corpo.

Primeiramente estudaram-no com uma base puramente biológica da existência.

“Mas o corpo também está diretamente mergulhado num campo político; as relações de poder

têm alcance imediato sobre ele; elas o investem, o marcam, o dirigem, o suplicam, sujeitam-no a

trabalhos, obrigam-no a cerimônias, exigem-lhe sinais. Este investimento político do corpo está ligado,

segundo relações complexas e recíprocas, à sua utilização econômica; é, numa boa proporção, como

força de produção que o corpo é investido por relações de poder e de dominação; mas em compensação

sua constituição como força de trabalho só é possível se ele está preso num sistema de sujeição (onde a

necessidade é também um instrumento político cuidadosamente organizado, calculado e utilizado); o

corpo só se torna força útil se é ao mesmo tempo corpo produtivo e corpo submisso”. (FOUCAULT,

1987, p.25)

O saber do corpo e seu controle constituem o que poderia se chamar em

tecnologia política do corpo. Trata-se de uma microfísica do poder posta em jogo pelos

aparelhos e pelas instituições. No caso do IEE, sua funcionalidade ocorre a partir do

momento em que um grande grupo toma força para “trazer” novos integrantes.

Os mecanismos de poder enquadram a existência dos indivíduos.

A mecânica do poder define como se pode ter domínio sobre o corpo dos

outros. É uma política das coerções sobre o corpo que define como se pode ter domínio

sobre o corpo dos outros para que se faça o que se quer com rapidez e a eficácia que se

determina.

Os movimentos de greve sempre partiam de uma ideologia e eram organizados

por grupos orientados pelo SINTE. Dessa forma, o corpo docente deixava que se

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concentrasse nas mãos do sindicato o poder de direção do grupo formando, assim, um

capital coletivo.

“Enquanto não houver instituições que permitam concentrar nas mãos de um agente singular a

totalidade do capital social que funda a existência do grupo (família, nação, mas também associação ou

partido) e delegá-lo para exercer, graças a esse capital coletivamente possuído, um poder sem relação

com sua contribuição pessoal, cada agente deve participar do capital coletivo, simbolizado pelo nome da

família ou da linhagem, mas na proporção direta de sua contribuição, isto é, na medida em que suas

ações, suas palavras e sua pessoa honrarem o grupo.” (NOGUEIRA e CATANI, 1998, p.69)

Considerações Finais

O Instituto Estadual de Educação acompanhou o desenvolvimento de Santa

Catarina.

Tendo em vista os aspectos analisados, observa-se que o presente pode ser

entendido conforme imagens do passado. As funções de reprodução são orientadas para

a conservação ou o aumento do patrimônio, no caso o prestígio da instituição de ensino.

O grupo de professores do IEE está inserido num campo social, ou seja, um

espaço social de dominação e de conflitos que possui suas próprias regras de

organização e hierarquia social. Este campo é representado pela escola, pois é nela que

acontecem as regras de organização, que muitas vezes geram os conflitos, dentro de

dessa hierarquia.

Dessa forma, vemos que o que se apresenta aqui é um processo de

transformação que possui outras demandas e outros valores. As rupturas aconteceram

principalmente pelos decretos e leis instituídos pelo Estado promovendo mudanças na

organização da instituição, o que causou uma perda de identidade inicial. As

permanências se deram pelo capital escolar da instituição que, por ser tradicional no

Estado, consegue deixar suas marcas e também por seu padrão identitário que se

constituiu em cada época e que se torna ativamente presente, pois circula nas macro e

micro relações entre os sujeitos.

Talvez o que fique sinalizado na crise por que passa a instituição é a falência de

um modelo de instituição que há muito tornou-se destaque.

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Se considerarmos que professores e administração fazem parte do capital

escolar, podemos nos perguntar se o discurso dos mesmos continua amarrado aos

valores do passado.

Portanto, as reflexões apresentadas não esgotam a temática e sim contribuem

para outros estudos com outros olhares.

Referências Bibliográficas

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república. Florianópolis: Cidade Futura, 2001.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Vozes, 1987.

JORNAL A Notícia. 16/12/2006, p.03.

JORNAL A Fonte. Set/2006, p.07.

LEAL, Elisabeth Juchem Machado. Instituto Estadual de Educação: a erosão da ordem

autoritária. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 1989.

NOGUEIRA, Maria Alice e CATANI, Afrânio (organizadores). Escritos de educação.

Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.

SCHEIBE, Leda e DAROS, Maria das Dores (organizadoras). Formação de professores

em Santa Catarina. Florianópolis: NUP/CED, 2002.

VALLE, Ione R. A obra do sociólogo Pierre Bourdieu: uma irradiação incontestável. In:

Educação e Pesquisa. V.33, jan/abr 07. p.117 – 134.

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