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P arecia absurdo, diante do trabalho previsto para organizar a VII Sema- na do Jornalismo, fazer uma revista. As outras seis organizações devem ter pen- sado o mesmo quando deixaram de lado a idéia. Mas também era absurdo trazer cerca de quatro convidados por dia para o evento e, ainda assim, fomos em frente. Se queríamos mais conteúdo na Semana, era inevitável ter algo que nos preparasse para bancar perguntas e comentários em palestras e mesas-redondas. A revista veio, então, para localizar questões, apresentar convidados e trazer à tona alguns temas que passam despercebidos nas aulas. O desafio não é tão desafiador quando se conta o número de pessoas que ajuda- ram a concretizar o projeto. Estou há três anos no curso de Jornalismo da UFSC, e esta é a primeira publicação que conheço em que puderam e participaram alunos de todas as fases, sem reservas. Concepções de curso, histórias, gostos, estilos diferentes, assim como os convidados da Semana. Se há textos mais sisudos, como os ar- tigos acadêmicos elaborados para a dis- ciplina de Legislação e Ética por Tarsia Piovesan e Lívia Andrade, há também outros mais soltos como o perfil de Fred Melo Paiva, por Juliana Gomes e a maté- ria sobre crônicas de Luisa Frey. Dicas de livros também não faltam: os clássicos de Ruy Castro e do jornalismo investigativo, referências bibliográficas dos artigos e a resenha do livro de Arthur Dapieve, Mor- reu na contramão, feita por Gabriel Rosa. Só quando passar o dia 19 de setem- bro é que saberemos se os desafios foram vencidos ou não. Independente dos erros e acertos, este é mais um capítulo de uma história de sete anos do curso de Jorna- lismo da UFSC. História dentro de outra ainda mais bonita – antes de nós, tantos nomes, lutas, discussões e vitórias. A nos- sa VII Semana é mais uma contribuição, singela. E que, depois desta, a Semana do Jornalismo se torne ainda maior, desafia- dora e inteligente. Fernanda Dutra coordenação editorial carta ao leitor expediente Reportagem Camila Brandalise Cauê Oliveira Gabriel Rosa Joana Neitsch Juliana Frandalozo Juliana Gomes Juliana Passos Juliana Sakae Leonardo Gorges Pedro Dellagnelo Pedro Santos Colaboração Lívia Andrade Mayra Gomes Rodrigues Tarsia Paula Piovesan Farias Upiara Boschi Edição Adriana Seguro Carolina Faller Moura Fernanda Dutra Jéssica Lipinski Luisa Frey Marina Ferraz Marina Veshagem Matheus Joffre Wesley Klimpel Editoração Carolina Faller Moura Flávia Schiochet Jessé Torres Juliana Sakae Marcelo Andreguetti Paulo Rocha Azevedo Thiago Bora Wesley Klimpel Ilustrações Alexandre Tcheto Felipe Parucci Guilherme Costa João Paulo Bernardes Marina Kinas Coordenação Editorial Fernanda Dutra Coordenação Gráfica Flávia Schiochet

Semana Revista (Set2008)

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Page 1: Semana Revista (Set2008)

Parecia absurdo, diante do trabalho previsto para organizar a VII Sema-na do Jornalismo, fazer uma revista.

As outras seis organizações devem ter pen-sado o mesmo quando deixaram de lado a idéia. Mas também era absurdo trazer cerca de quatro convidados por dia para o evento e, ainda assim, fomos em frente.

Se queríamos mais conteúdo na Semana, era inevitável ter algo que nos preparasse para bancar perguntas e comentários em palestras e mesas-redondas. A revista veio, então, para localizar questões, apresentar convidados e trazer à tona alguns temas que passam despercebidos nas aulas.

O desafio não é tão desafiador quando se conta o número de pessoas que ajuda-ram a concretizar o projeto. Estou há três anos no curso de Jornalismo da UFSC, e esta é a primeira publicação que conheço em que puderam e participaram alunos de todas as fases, sem reservas. Concepções de curso, histórias, gostos, estilos diferentes, assim como os convidados da Semana.

Se há textos mais sisudos, como os ar-tigos acadêmicos elaborados para a dis-ciplina de Legislação e Ética por Tarsia Piovesan e Lívia Andrade, há também outros mais soltos como o perfil de Fred Melo Paiva, por Juliana Gomes e a maté-ria sobre crônicas de Luisa Frey. Dicas de livros também não faltam: os clássicos de Ruy Castro e do jornalismo investigativo, referências bibliográficas dos artigos e a resenha do livro de Arthur Dapieve, Mor-reu na contramão, feita por Gabriel Rosa.

Só quando passar o dia 19 de setem-bro é que saberemos se os desafios foram vencidos ou não. Independente dos erros e acertos, este é mais um capítulo de uma história de sete anos do curso de Jorna-lismo da UFSC. História dentro de outra ainda mais bonita – antes de nós, tantos nomes, lutas, discussões e vitórias. A nos-sa VII Semana é mais uma contribuição, singela. E que, depois desta, a Semana do Jornalismo se torne ainda maior, desafia-dora e inteligente.

Fernanda Dutracoordenação editorial

cart

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leito

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dien

teReportagem

Camila BrandaliseCauê OliveiraGabriel RosaJoana Neitsch

Juliana FrandalozoJuliana GomesJuliana PassosJuliana Sakae

Leonardo GorgesPedro Dellagnelo

Pedro Santos

ColaboraçãoLívia Andrade

Mayra Gomes RodriguesTarsia Paula Piovesan Farias

Upiara Boschi

EdiçãoAdriana Seguro

Carolina Faller Moura Fernanda DutraJéssica Lipinski

Luisa FreyMarina Ferraz

Marina VeshagemMatheus Joffre

Wesley Klimpel

EditoraçãoCarolina Faller Moura

Flávia SchiochetJessé Torres

Juliana SakaeMarcelo AndreguettiPaulo Rocha Azevedo

Thiago BoraWesley Klimpel

IlustraçõesAlexandre Tcheto

Felipe ParucciGuilherme Costa

João Paulo BernardesMarina Kinas

Coordenação EditorialFernanda Dutra

Coordenação GráficaFlávia Schiochet

Page 2: Semana Revista (Set2008)

Por Leonardo GorgesUma voz diferente no esporte, José Geraldo Couto

Por Tarsia Paula Piovesan FariasA falta de ética na distorção do áudio de jogos de futebol

Por Fernanda DutraOs sofrimentos do jovem Vinícius, na revista

Por Gabriel Rosa“Morreu na contramão”, o suicídio nos jornais

Por Pedro SantosEntrevista com Fausto Macedo – sem ilusões na profissão

Por Mayra Gomes RodriguesSensacionalismo quer adestrar o público

Por Upiara BoschiLembranças da época de foca

Por Adriana SeguroQuem investiga acha, o uruguaio Roger Rodríguez é a prova

Por Marina VeshagemContabilizando, e lutando contra, a liberdade de imprensa

Por Wesley KlimpelUma lista não definitiva de reportagens investigativas

Por Juliana Sakae e Juliana PassosConselho Federal dos Jornalistas, do Jornalismo, de quem? Entenda a sigla CFJ

Por Marina FerrazComo se regulamenta a profissão no exterior

Por Lívia AndradeO caso Nardoni: quando a mídia julga antes da Justiça

Por Juliana GomesUm café fictício com Fred Melo Paiva

Por Luisa Frey e Camila BrandaliseRuy Castro, entre poucas linhas e muitas páginas

Por Joana Neitsch e Juliana PassosCurrículos, ou por que você estuda o que estuda

Por Carolina Faller Moura e Marina VeshagemRepórteres sem vergonha, CQC

sum

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VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

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Programação

SEGUNDA15/09

9h-12h // Minicursos

13h-14h30 // Exibição de documentário

14h30-16h // Apresentação de trabalhos de conclusão de curso

16h30-18h30 // Mesa de Discussão: Jornalismo Esportivo: informação ou entretenimento?

19h // FRED MELO PAIVA // Palestra de abertura

Fred Melo Paiva escreve atualmente

no caderno Aliás, do jornal Estadão

TERÇA16/09

9h-12h // Minicursos

13h-14h30 // Exibição de documentário

14h30-16h // Apresentação de trabalhos de conclusão de curso

16h30-18h30 // Mesa de Discussão: O suicídio como notícia

19h // RUY CASTRO // Palestra sobre biografia e crônica

Ruy Castro é o autor das biografias de

Nelson Rodrigues e Carmen Miranda

QUARTA17/09

9h-12h // Minicursos

13h-14h30 // Exibição de documentário

14h30-16h // Apresentação de trabalhos de conclusão de curso

16h30-18h30 // Mesa de Discussão: Cobertura jornalística eleitoral

19h // CREMILDA MEDINA // Palestra sobre graduação em jornalismo

Em ano de eleições , o repórter de política do

Estadão, Fausto Macedo, conta os bastidores da

cobertura.

*Grade de programação sujeita a alterações

Page 4: Semana Revista (Set2008)

vii s

eman

a do

jorn

alis

mo

QUINTA18/09

9h-12h // Minicursos

13h-14h30 // Exibição de documentário

14h30-16h // Apresentação de trabalhos de conclusão de curso

16h30-18h30 // Mesa de Discussão: Jornalismo Investigativo - quais os limites da investigação?

19h // CHURRASCO DO DALTON // Happy Hour

Figura presente na história do curso,

Dalton Barreto promove churrasco de

integração

SEXTA19/09

9h-12h // Minicursos

13h-14h30 // Exibição de documentário

14h30-16h // Apresentação de trabalhos de conclusão de curso

16h30-18h30 // Mesa de Discussão: Criação do Conselho Federal de Jornalistas

19h // DIEGO BARREDO E MARCELO TAS // Palestra sobre o programa de televisão CQC / Band

22h // FESTA DE ENCERRAMENTO // Balada louca no Hi-Fi com a banda Superpose e com os DJs Isaac e Andrew Getty

Marcelo Tas, apresentador do

polêmico programa CQC da Band,

discute a união entre jornalismo e humor

Programação*Grade de programação sujeita a alterações

A dupla de electropop Superpose agita o Hi-Fi na festa de encerramento da Semana. Ingressos antecipados a R$10 poderão ser adquiridos com os organizadores do evento.

Page 5: Semana Revista (Set2008)

Em agosto, as madrugadas foram olímpicas nas emissoras de TV. Mesmo assim, durante o dia,

programas e sites não abandonavam o assunto. “Rússia invade Geórgia, se-leção brasileira vence no vôlei mascu-lino. Direto para Pequim!” O esporte vira espetáculo e as fronteiras do que é noticiário e o que é entretenimento se dissolvem. Mais difícil, assim, é manter os pés na ética. Nas próximas páginas, José Geraldo Couto comenta as mudanças que o jornalismo espor-tivo sofreu nos últimos anos e Tarsia Piovesan analisa a manipulação de áudio nos jogos de futebol, especial-mente o caso Corinthians x Sport.

Esporte:entretenimento&jornalismo

Page 6: Semana Revista (Set2008)

Semana Revista: Você se considera um “outsider” ao escrever sobre fute-bol, alguém que enxerga as coisas sem estar diretamente envolvido. Como você vê o choque entre a geração que está chegando ao mercado agora, que se baseia mais em estudos de jornalis-mo esportivo sem ter de fato chegado a competir, e a atual, que comenta mais baseada pela experiência pessoal?

José Geraldo Couto: As duas coisas contam. Porém eu acho muito importan-te o fato de essa nova geração estar estu-dando o jornalismo esportivo, trazendo essa visão “de fora”, diferente. Houve uma grande evolução no jornalismo es-portivo desde que cheguei ao mercado, há mais de vinte anos. Naquela época, a editoria de esportes era bastante menos-prezada. Éramos considerados profis-sionais menos preparados. Isso mudou muito nos últimos anos; os jornalistas esportivos passaram a ser mais valo-rizados. O esporte em si deixou de ser marginalizado. Outra grande mudança positiva foi que pessoas de outras áreas começaram a escrever sobre esportes, como o Nando Reis (Estadão) e o José Roberto Torero (Folha de S.Paulo). Den-

tro da academia, isso também fez com que mais estudantes se interessassem pela área do jornalismo esportivo, sem qualquer tipo de condenação. A integra-ção com as outras editorias hoje é muito maior.

SR: Quais os maiores problemas atualmente na cobertura de esportes no Brasil atualmente?

JGC: A cobertura cotidiana de es-portes, em especial do futebol, ainda é bastante tímida. Gira-se sempre em torno sempre das mesmas questões, como transferências de jogadores, contusões e etc. Acredito que falte um pouco mais de investigação, re-portagem mesmo. Gestão do esporte, problemas administrativos e políticos são assuntos com pouco destaque. A cobertura atual é muito superficial em sua grande maioria.

SR: Estamos vendo hoje brigas en-tre os grandes grupos midiáticos para a aquisição dos direitos de transmis-sões dos eventos esportivos, há muito dinheiro em jogo. Ao mesmo tempo,

VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

entr

evis

ta Análise de um outsiderpor Leonardo Gorges, colaboração de Pedro Dellagnelo

Há 20 anos na profissão, José Geraldo Couto deixou São Paulo há sete

para curtir a tranqüilidade de Florianópolis. Daqui, ele escreve sobre esporte para Folha sem a euforia de quem acompanha jogos de futebol no estádio nem as amarras de comentários pontuais.

Acervo pessoal

08 SEMANA REVISTA

Page 7: Semana Revista (Set2008)

pouco se investe no esporte de base. Há solução para esse dilema?

JGC: A organização do esporte no Brasil hoje é muito influenciada pela mídia, em especial a rede Globo. Isso é um abuso, uma distorção. A interferên-cia da televisão não deveria chegar a esse ponto, de mudar calendários e ho-rários de partidas. Quanto à questão do investimento, acredito que um bom lu-gar para se formar atletas, que gerariam resultados no futuro, sejam as escolas. Mas nem o seu papel mais básico – ensinar – elas têm feito, então fica complica-do. Há a questão, também, de que surgem ícones para o desenvolvimento dos esportes, como o Guga no tênis, mas são casos efê-meros, que não têm uma continuidade. A falta de investimento de base é um sério entrave para o desenvolvimento do esporte no Brasil, sem dúvidas.

SR: Assim como cresce o número de atletas brasileiros participando das Olimpíadas, a cobertura dos Jogos tem cada vez mais estrutura e espaço. O COI, Comitê Olímpico Brasileiro, é contra essa “gigantização” olímpica. Há como ir contra essa tendência?

JGC: É muito difícil. Cada vez os países mandarão mais atletas, os patro-cínios também crescem. É um ciclo que dificilmente será quebrado. Acho que esse discurso do COI é puramente retó-rico. Não vejo onde e como eles podem coibir essa tendência, já que o esporte é, cada vez mais, uma grande fonte de ren-da e entretenimento.

SR: Há autores que afirmam que o futebol brasileiro, e os esportes em

geral, se tornaram produtos da indús-tria cultural. A espetacularização dos eventos e a mitificação do atleta podem afastar o leigo do esporte do dia-a-dia?

JGC: Acho que acontece o contrário. Acaba-se atraindo pessoas que não têm qualquer tipo de proximidade com o esporte com essa espetacularização e a mitificação dos atletas. Um exemplo grotesco disso seria o público feminino em geral, que não acompanhava muito, mas hoje acompanha notícias que não necessariamente envolvam o esporte, mas sim as celebridades que deles fa-

zem parte. E acredito que isso possa, de al-gum jeito, fazer com que o esporte se dissemine. Talvez não da maneira mais correta.

SR: A “falação es-portiva”, conceito cria-do por Umberto Eco, defende que o esporte passa a ser um longo discurso da imprensa

esportiva sobre ela mesma, entregan-do um produto pronto a um receptor passivo. O aumento de programas esportivos, em especial no modelo talk-show, cria um espectador mais ou menos crítico?

JGC: Essa definição do Umberto Eco não deve ser interpretada como algo absoluto. Na contramão dessas mesas-redondas que giram em torno de si, tam-bém há tentativas de furar esse modelo. O Rock Gol de domingo, da MTV, é um exemplo. Esse tipo de programa talvez torne o espectador mais crítico, já que é a anti-mesa-redonda. Mas é aí que surgem vocês, estudantes de jornalismo, para pro-por mudanças a este modelo. A imprensa deve estar em constante evolução.

21 revista da semanaVII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

A falta de investimentos é um sério entrave para o desenvolvimento

do esporte no Brasil, sem dúvidas

09SEMANA REVISTA

Page 8: Semana Revista (Set2008)

A final da Copa do Brasil de Futebol aconteceu dia 11 de junho no Estádio Adelmar

da Costa Carvalho em Recife (PE). Disputavam o título o Corinthians, de São Paulo, e o Sport Clube Recife, de Pernambuco. O Corinthians caiu para a série B no ano passado, e neste ano está lutando para voltar à primeira divisão. Já o Leão, como é conheci-do o Sport, ocupava em junho uma posição melhor: estava em 15º lugar na classificação dos times da série A. Uma pesquisa CNT/Sensus realizada em outubro de 2007 revela que o Co-rinthians tem a segunda maior torci-da brasileira, 10,5% da população, e perde só para o Flamengo. Já a torcida do Sport correspon-de a 1%.

A final foi trans-mitida pela rede Globo, e narrada pelo jornalista e locutor esportivo Cléber Machado. A transmissão dos campeona-tos de futebol é uma opera-ção jornalística, realizada pelo De-partamento de Jorna-lismo Esportivo da Globo. O estádio recifense tem capacidade para 36 mil pessoas, das quais 35 mil eram torce-dores do Sport. Mesmo assim, o que se ouvia pela televisão em São Paulo era o grito da torcida organizada do Corinthians. A operação foi feita gra-ças à tecnologia e engenharia de som.

O áudio foi captado e divido em três canais – o do narrador, o da torcida do Corinthians e o geral do estádio. Bastou o diretor técnico aumentar o volume do canal da torcida do Corin-thians e diminuir o volume geral do estádio. O resultado é que parecia que a torcida toda do Corinthians estava presente, o que aumenta a audiência do jogo em São Paulo. Mas também é possível aumentar a audiência nor-destina, como foi feito no primeiro jogo da final da Copa do Brasil, em 4 de junho. Os leitores do site Blue Bus, especializado em jornalismo esporti-vo, disseram ter ouvido a torcida do Sport, minoria no estádio, gritar mais

alto que a do Corinthians. Na ocasião, o Morumbi tinha 65 mil corin-thianos e 1 mil tor-cedores do Sport.

Em nota oficial enviada ao Blue

Bus sobre o jogo em Pernam-buco, a rede Globo nega ter falsificado

o áudio e alega que “no início do jogo, a torci-

da do Sport estava mesmo mais apreensiva e, portanto, mais calada, fato inclusive destacado por Cléber Machado durante a transmissão. Esta situação imediatamente se reverteu, com a reação dos torcedores do Sport ao perceber que seu time havia adqui-rido confiança para buscar o título – o que também pôde ser visto durante a transmissão do jogo”. A versão des-

artig

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10 SEMANA REVISTA VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

Deslize ético: o caso Corinthians x Sport por Tarsia Farias

Page 9: Semana Revista (Set2008)

considera o fato de que havia muito mais torcedores do Sport que do Co-rinthians no estádio do Leão.

Pela capacidade de atrair telespec-tadores de todas as idades, níveis de instrução e condição social, o esporte passou a ser um bem-sucedido inves-timento financeiro para anunciantes. Uma pesquisa do CNT/Sensus, reali-zada em 2007 com duas mil pessoas das cinco regiões do país, revelou que a maioria das pessoas acom-panha os jogos pela TV: 64,3%. A TV é o meio de comu-nicação com maior inserção física nos lares brasileiros e o veículo domi-nante no mer-cado publici-tário. O poder simbólico que esta mídia agrega tem um peso considerável nos aspec-tos culturais de uma população, prin-cipalmente no caso brasileiro, já que foi a TV que, em certo sentido, unifi-cou o Brasil. Ela domina o espaço pú-blico e fornece o código pelo qual os brasileiros se reconhecem como tais. Segundo Bucci (1997, p. 09), sem a re-presentação imposta pela TV, torna-se “quase impraticável a comunicação – e quase impossível o entendimento nacional”.

O esporte é visto hoje como uma mercadoria a ser consumida no dia-a-dia, principalmente na forma de es-petáculo. A maneira como a televisão constrói os discursos sobre o esporte é chamada por Betti (1998, apud Me-zzaroba, 2007, p. 28) de esporte teles-petáculo: “a mediação dos eventos

esportivos é efetuada pelo enquadra-mento das câmeras televisivas, edição das imagens com sons e efeitos grá-fico-computacionais acrescentados a elas”. A briga pela audiência conquis-ta o telespectador de forma emocional pela conexão de imagens e sons. As motivações para a espetacularização podem ser a necessidade comercial

ou a intenção de socialização e de entretenimento.

O caso Corinthians x Sport atropela três artigos do Códi-go de Ética dos Jornalistas Brasi-leiros, divulgado pela Federação Nacional dos

Jornalistas (Fe-naj) em 2007. O artigo 2º, in-

ciso II, diz que “a produção e a

divulgação da informação devem se pautar pela veracidade dos fatos e ter por finalidade o interesse público”, o que não se cumpriu nesse caso. O artigo 4º diz praticamente a mesma coisa: “o compromisso fundamental do jornalista é com a verdade no rela-to dos fatos, razão pela qual ele deve pautar seu trabalho pela precisa apu-ração e pela sua correta divulgação”. O terceiro artigo a ser violado (12º, in-ciso V) é o que mais se aplica ao caso: “o jornalista deve rejeitar alterações nas imagens captadas que deturpem a realidade, sempre informando ao público o eventual uso de recursos de fotomontagem, edição de imagem, reconstituição de áudio ou quaisquer outras manipulações”.

Além de passar por desvios pesso-

VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008 11SEMANA REVISTA

Page 10: Semana Revista (Set2008)

Bibliografia

ABRAMO, Perseu. Padrões de manipulação na grande imprensa. São Paulo: Fundação Per-seu Abramo, 2003.

BUCCI, Eugênio. Sobre ética e imprensa. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

FEDERAÇÃO NACIONAL DOS JORNALIS-TAS. Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros de 2007. Disponível no site da Fenaj: www.fenaj.org.br

MEZZAROBA, Cristiano. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA Programa de Pós-Graduação em Educação Física. Os jo-gos pan-americanos Rio/2007 e o agendamento midiático-esportivo: um estudo de recepção com escolares. Florianópolis, 2008.

ais como os previstos no Código de Ética dos Jornalistas, a ética na im-prensa passa por questões institucio-nais e a discussão deve englobar não só os jornalistas, mas a direção da em-presa também. Em busca de audiên-cia, lucro e poder, as empresas muitas vezes sacrificam a independência do departamento editorial de um veícu-lo. Apesar das dificuldades, buscar os valores éticos evita que se caia no “caminho do vale-tudo”. Bucci (2000, p. 33) faz um alerta: “É verdade que a atividade jornalística se converteu num mercado, mas, atenção, esse mercado é conseqüência, e não o fun-damento da razão de ser da impren-sa”. E continua: “A ética na imprensa é sim, a demarcação de limites para o pragmatismo, que, por si só, não co-nhece limites”.

A ética deve ser discutida com a sociedade, pois o cidadão é a razão da prática jornalística, e é a ele que o jorna-lismo deve prestar contas, não ao anun-ciante ou às medições de audiência. As distorções deliberadas são mentiras conscientes, e têm uma origem estrutu-ral no Brasil: o regime de propriedade dos meios de comunicação de massa, especialmente dos meios eletrônicos. Embora a legislação brasileira proíba que se formem monopólios ou oligo-pólios com os meios de comunicação, o que se vê na prática é o contrário. Só um grupo domina a maior emissora de TV, o maior jornal diário, a maior emis-sora de rádio, etc. Deste modo, explica Bucci (2000, p. 138), “o grupo que exer-ce o monopólio fala sozinho no espaço público, sem sofrer contestações e sem conhecer competidores econômicos, o que gera um ambiente propício para as distorções deliberadas de informação”.

Segundo Abramo (2003, p. 42), uma das razões porque os empresá-rios manipulam e distorcem a reali-dade se situa no campo econômico: “o empresário de comunicação dis-torce e manipula para agradar seus consumidores, e assim, vender mais material de comunicação e aumentar seus lucros”. O autor também classi-fica padrões de manipulação – o tipo em que o caso Corinthians x Sport se enquadra é o padrão de inversão: a inversão da forma pelo conteúdo, quando o ficcional espetaculoso troca de lugar com a realidade.

A lógica de consumo dos dias de hoje abarca todas as instituições e é uma tendência dominante na mídia. O que vemos hoje é mais um perfil de jornalista cooptado pela lógica de mercado do que um jornalista a servi-ço do patrão. Mas isso não pode ser-vir para justificar uma manipulação no áudio de uma partida de futebol transmitida por uma equipe jornalís-tica. A alteração de um fato da reali-dade (como os gritos de uma torcida) não justifica a fome do lucro e da au-diência.

artig

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12 SEMANA REVISTA VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

Page 11: Semana Revista (Set2008)

Suicídionotíciacomo

Pouco se fala sobre suicídio na imprensa, e o mesmo ocorre no cotidiano, comenta Arthur Da-

pieve ao comentar seu estudo sobre o assunto, o livro Morreu na contramão. A questão é delicada, e, com isso em mente, os repórteres Marcelo Ferla, Eliane Brum e Marina Bessa decidiram contar a história de Vinícius Gageiro Marques, o Yoñlu. Descrever ou não como o garoto escolheu pôr fim à vida, elogiar seu talento, revelar detalhes, to-mar posição contra? Os bastidores das reportagens feitas para Rolling Stone, Época e Capricho, respectivamente, es-tão nas próximas páginas.

Page 12: Semana Revista (Set2008)

14 SEMANA REVISTA

Vinícius Gageiro Marques tinha uma história que o jornalista Marcelo Ferla não queria con-

tar. Aos 16 anos, o menino se suicidou, em julho de 2006, deixando uma cente-na de músicas sob o pseudônimo Yoñlu. A pauta era sugestão do repórter Alex An-tunes da revista Rolling Stone, mas Ferla temia que o adolescente fosse o estereótipo do garoto de preto. “A música dele desfez minha idéia inicial. Não era morbidez, sim poesia”, diz.

Junto com a carta de suicídio, Vinícius deixou um CD com algumas músicas suas. O pai Luiz Marques descobriu muitas delas no computador do adolescente e a vontade de perpetuar a obra do filho o levou a uma gravadora e a uma dis-tribuidora independente. O lançamento de Yoñlu, em fevereiro deste ano, foi o gancho para o caso retornar à mídia.

A revista Rolling Stone, ligada à mú-sica e ao entretenimento, parecia um ve-ículo interessante para divulgar Yoñlu. Marques mostrou-se disposto desde o primeiro contato com Ferla. “Há a nar-

rativa do suicídio de Vinícius, mas não escolhi contá-la. Fiz o perfil de um ga-roto músico, e o que o levou a compor aquelas canções. Claro que isso passa pela depressão e o suicídio, mas não é o

foco”, explica Ferla.O mundo onde

Yoñlu era reco-nhecido, a inter-net, foi um campo de pesquisa para Ferla. “A internet era como ele se comunicava com o mundo, mas não quis tomá-lo como exemplo de adolescentes ví-timas do mundo virtual”, diz. Por e-mail, conver-sou com amigos virtuais e parcei-ros de trabalho

da Europa. Seguiu os posts e comen-tários do garoto nos fóruns de música e de suicídio.

A reportagem de sete páginas, Can-ções para viver mais, saiu na edição de março da revista. Contar a vida de Viní-cius foi emocionalmente doloroso para Ferla. “Quanto à família, nada é pior do que eles já passaram. A privacidade de-les foi devassada pelo próprio suicídio. Mas guardei alguns detalhes irrelevan-tes que poderiam parecer sensaciona-listas”, revela o jornalista.

VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

repo

rtag

emUm garoto incomum na mídiaPor Fernanda Dutra

Rolling Stone, Época e Capricho retrataram a vida e o suicídio de Vinícius, Yoñlu na música.

O lançamento do CD Yoñlu foi o gancho para retornar a história do suicídio de Vinícius, morto em julho de 2006

Page 13: Semana Revista (Set2008)

15SEMANA REVISTA

A repórter da revista Época, Eliane Brum, passava uma temporada em sua cidade na-

tal, Porto Alegre, no inverno de 2006, para revisar o que seria seu segundo livro, A vida que ninguém vê - coleção de crônicas-reportagens sobre pessoas anônimas já publicadas no jornal Zero Hora. Um anônimo, então, se destaca-va por encerrar sua vida tragicamente. Talvez por ser mãe, Eliane se identifi-cou com a dor dos pais.

Algum tempo depois, recebeu uma ligação da mãe de Vinícius, Ana Maria Gageiro. As duas não se conheciam, mas tinham contatos em comum. Ana Maria queria denunciar os fóruns vir-tuais de suicídios, onde o filho encon-trara instruções e apoio para utilizar o método CO2 – em que são usadas gre-lhas de churrasco para causar intoxi-cação por monóxi-do de carbono.

Eliane voltaria a Porto Alegre para conversar com Ana Maria e Luiz Mar-ques. Mas pouco antes recebeu uma ligação do pai cance-lando a entrevista, pois o jornal Zero Hora publicaria a história do filho, o que aba-lou a família. Eliane postergou a matéria.

A pedido dos pais, o nome de Viní-cius foi omitido no jornal do dia 10 de agosto de 2006. O texto alertava para os perigos da internet e transcrevia tre-chos da conversa do adolescente nos fóruns de suicídio onde, no dia de sua morte, ele pede ajuda para suportar o calor das grelhas. A Época não repercu-tiu por respeito aos pais de Vinícius.

Eliane ocasionalmente perguntava se Ana Maria já queria falar. Em março

de 2007, Thia-go de Arruda, estudante de Educação Fí-sica de Ponta Grossa, no Paraná, se sui-cidou. Ele foi orientado por um internauta anônimo a usar o mes-mo método que Vinícius, após sofrer difamações pelo Orkut. A jornalista viu sua pauta crescer em importância e interesse público. Tentou Ana Maria de novo, mas recebeu uma negativa.

Em Porto Alegre, no começo des-te ano, Eliane leu no jornal Zero Hora que o CD Yoñlu seria lançado. “Liguei para Ana Maria, expliquei que com um lançamento nacional eu não po-

deria mais esperar”, conta. Combinaram uma entrevista, mas antes de a repórter embarcar, a con-versa foi cancelada. Desta vez, o motivo era o compromisso com a revista Rolling

Stone. Ainda que, em momento algum, o jornalista Marcelo Ferla tenha pedi-do exclusividade.

Eliane apurou a partir do inquérito policial. Junto com ela, as repórteres Solange Azevedo e Renata Leal busca-ram sites de suicídio do mundo intei-ro e pessoas que conheciam Vinícius. A principal entrevista de sua matéria é com o psicanalista do adolescente, Mário Corso. “Obviamente eu gos-taria de ter conversado com os pais e conhecido o mundo do Vinícius mais de perto. Esperava há um ano e meio, e tive de fazer tudo em uma semana e

VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

A mãe de Vinícius queria denunciar os

fóruns virtuais de suicídios, onde ele

encontrara instruções e apoio para utilizar o

método CO2

Eliane apurou a partir do inquérito policial. Junto com ela, duas repórteres bus-caram sites de suicídio do mundo inteiro e pessoas que conheciam Vinícius

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meia, já que o CD estava pronto para o lançamento. Foi um processo pesso-al muito difícil para mim”, diz Eliane. Na edição de 11 de fevereiro da Época, saiu a reportagem de onze páginas, Suicidio.com, um alerta aos pais sobre os perigos da internet.

Na redação da revista adolescente Ca-pricho, era inevitável que o caso ganhasse repercussão. A então editora de compor-tamento Marina Bessa conversou com lei-toras sobre depressão e muitas disseram já ter pensado sobre suicídio. “A idéia era passar palavras de conforto às meninas deprimidas”, conta Marina.

A repórter pediu a dez blogueiras cartas que lembrassem Vinícius por que era bom viver. Três foram publi-cadas. Um texto introdutório descre-via a morte do garoto. Marina hesitou em contar detalhes e chegou a escrever

uma versão sem explicar como Viní-cius se suicidou. “Explicar não é um estímulo [para outros suicídios], dá uma sensação ruim – importante para a matéria fazer sentido”, afirma.

A reportagem de quatro páginas, Cartas a Vinícius, publicada na primei-ra quinzena de março, trouxe o lança-mento de um blog de apoio à depres-são no site da revista, o Papo de Amiga. A repercussão entre as leitoras foi in-tensa. Mas, com o tempo, a Capricho percebeu que a tristeza das adolescen-tes era muito diferente da que Vinícius sentia. Quilos a mais, briga com ami-gas ou término de namoro dificilmen-te levariam ao suicídio, a não ser que existisse um quadro complexo de de-pressão. O mais recente post do blog até o fechamento desta edição tinha o título “Não sei se transo com ele”.

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Trechos das reportagens sobre a morte de Vinícius

“Apesar de ter sido uma efetiva interlo-cutora musical, Ana [mãe de Vinícius] con-fessou, antes mesmo de eu ligar o gravador, que não consegue ouvir o disco de Yoñlu – mais no final da entrevista admitiu que “aquilo ali pra mim é um inferno, né?”, refe-rindo-se ao quarto do garoto, que o marido preferiu manter arrumado, como nos velhos tempos de convivência a três”

Canções para viver mais

No mundo virtual não há nenhuma per-versão nova, apenas as velhas modalidades que já assombravam as ruas da realidade. A diferença é que, na internet, qualquer um pode exercer seu sadismo protegido pelo anonimato, na certeza da impunidade. Basi-camente, a idéia é: “Se ninguém sabe quem eu sou, não só posso ser qualquer um, como posso fazer qualquer coisa”.

Suicidio.com

Antes de começar a morrer, Vinícius, um gaúcho de 16 anos, deixou ao lado de seu computa-dor um CD com algumas de suas músicas. Compor letras e melo-dias era o seu jeito de aliviar a dor imensa que sentia. Tão gran-de, tão forte que, algumas vezes, tirava a sua vontade de viver. Era isso que ele dizia nas conversas que tinha na internet, sempre com o nick de Yoñlu. Foi também no mundo virtual que, no auge do desespero, Yoñlu buscou to-das as informações de que preci-sava. Entre elas, a melhor forma de morrer.

Cartas a Vinícius

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17SEMANA REVISTA

Após publicar o livro Os sofri-mentos do jovem Werther, em 1774, o alemão Wolfang Goethe

teve uma triste surpresa: uma onda de suicídios atingiu a Alemanha, e vários jovens se mataram como o protagonista do livro, atirando com uma pistola na própria cabeça. Em muitos dos casos, um exemplar da obra de Goethe era en-contrado ao lado do corpo. A imitação foi apelidada, posteriormente, de efeito Werther.

Esse é um dos exemplos mais utiliza-dos para explicar o chamado contágio que o suicídio pode causar – tema explo-rado por Arthur Dapieve, colunista do jornal O Globo e professor da PUC-Rio, no livro Morreu na contramão: o suicídio como notícia. “Cópias de tais notícias [sobre suicídios] são, frequentemente, encontradas ao lado de corpos de outros suicidas”, explica o autor, “do mesmo modo como, no século XVIII, acontecia com os exemplares de Werther”. Escrito como tese de mestrado do jornalista, foi adaptado e lançado pela editora Jorge Zahar, em 2007. Apesar de ser um texto acadêmico, o livro é acessível, mesmo para pessoas que não têm intimidade com o jornalismo. As questões são ela-boradas a partir de acontecimentos, tra-tando com realismo um tema delicado como o suicídio.

Dapieve procura relacionar a filo-sofia e a sociologia. A partir de Émile Durkheim, Karl Marx e Albert Camus,

o autor mostra que, apesar de ser uma pauta evitada pelo jornalismo, o suicídio sempre foi visto com curiosidade por aquelas duas áreas. O suicídio (1897), de Durkheim, é con-siderado um estudo pioneiro da então desprezada área da sociologia, a suici-dologia. Até a publicação da obra, gran-de parte das abordagens sobre a morte voluntária era baseada em preconceitos medievais ou relatos feitos por médicos.

O suicídio de um casal em 1732, em Londres, foi amplamente explorado pela imprensa inglesa. Após matar o filho de dois anos, marido e mulher se enforcaram lado a lado – não sem an-tes deixar dinheiro reservado para os cuidados com um cão e um gato, como explicitado num bilhete. A frieza do ato é considerada por muitos estudiosos do assunto, e também por Dapieve, um marco na relação entre a imprensa e o tema: deve-se tratar os suicidas como pessoas racionais? A humanização dos

VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

rese

nhaMorreu na contramão

Por Gabriel Rosa

Dapieve analisa o histórico do suicídio na imprensa e discorda da teoria do contágio de Durkheim, que entende que a divulgação das mortes resultaria em outras.

Adaptado da tese de mestra-do do jornalista,

“Morreu na contramão” foi

editado pela Ed. Jorge Zahar, tem

196 páginas e custa R$ 42

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18 SEMANA REVISTA

que optaram a morte voluntária, afinal, pode incentivar novos suicídios?

A solução implícita encontrada pelas redações foi, então, tratar os suicidas da mesma maneira que na Idade Média: como loucos, fanáticos religiosos ou pes-soas com problemas amorosos, financei-ros e familiares. Dapieve mostra, através de uma minuciosa análise em notícias do jornal O Globo, como o estereótipo do suicida enlouquecido foi construído através da história da imprensa: o terro-rista islâmico que explode dez pessoas não é incluído na contagem de mortos; o pai que mata os dois filhos e depois atira em si mesmo é cha-mado pela impren-sa de “colecionador de armas”; o famoso estilista carioca que supostamente se enforca na sacada do apartamento pode ter sido assassinado, ao invés de ter se matado. Ao separar os suicidas do resto da sociedade, blo-queia-se a idéia de que qualquer pessoa poderia fazer o mesmo.

Dapieve discorda da idéia de contá-gio: “Ninguém que já não pensasse em se matar vai se matar ao ler ou ouvir sobre algum suicídio. Um caso público apenas pode servir como gatilho para desencadear processos já latentes”. Mas, apesar disso, a maioria dos veículos acredita que uma descrição detalhada dos procedimentos usados pelo suici-da possa influenciar outras mortes. As empresas jornalísticas, então, evitam o tema e abrem mão de divulgar a infor-mação completa, esquivando-se assim de processos judiciais e questões morais complexas. “Há gente que sequer gosta de conversar sobre o assunto. Como os jornais são muito mais reflexos do que

criadores da realidade em que se inse-rem, eles têm as mesmas dificuldades de tratar do tema”, conclui Dapieve.

Na política editorial da rede de comu-nicação RBS, por exemplo, aconselha-se o seguinte: “As notícias sobre suicídios – a não ser em casos excepcionais – não devem ser divulgadas ou destacadas. (É fato comprovado que a divulgação de suicídios estimula a morte de suici-das potenciais)”. Casos excepcionais incluem mortes em situações inusitadas ou de pessoas famosas, como o ex-presi-dente Getúlio Vargas.

É impossível delimitar as ações do jornalista que precisa lidar com o suicídio, já que cada veículo cria suas próprias regras para a cobertura dos fatos. Mas Dapieve, na conclusão do livro, recomenda, embasado em um artigo da radialista norte-americana Cindi Deutschman-Ruiz: não tratar o suicida como louco (já que, desde Durkheim, têm-se provas concretas de que a morte voluntária e a loucura não estão necessariamente conectadas); não detalhar os procedimentos utili-zados pelo suicida; prezar pela saúde dos leitores, pois como afirma Deuts-chman-Ruiz, “a cobertura de suicídios é uma oportunidade de fornecer ao público informações e recursos que podem salvar vidas”; e não dar infor-mações desnecessárias sobre o morto, como sua preferência sexual ou sua vida familiar, se não forem diretamen-te ligados ao fato.

VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

Dapieve mostra como o estereótipo do suicida enlouquecido foi construído pela imprensa.

Ao isolar o suicida, bloqueia-se a idéia de que alguém faria o mesmo.

rese

nha

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O jornalismo de declarações está disseminado na im-prensa brasileira. A culpa,

segundo Fausto Macedo - repórter de política do Estadão e convidado para esta mesa-redonda - é a indústria das indenizações. O repórter é reprimi-do com a ameaça de que a matéria o leve à Justiça e haja perda financeira. Começar nesse universo de intrigas e discursos carregados de segundas intenções é difícil. Que o diga o ex-aluno do curso Upiara Boschi: tinha menos de um ano de formado quando teve que entrevistar os candidatos ao governo de Santa Catarina.

Coberturajornalísticaeleitoral

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20 SEMANA REVISTA

Semana Revista: Vivemos hoje um jornalismo político mais basea-do em declarações oficiais do que em pesquisa, imersão, aprofundamento. O senhor mesmo disse, em outras entrevistas, que são raros os repór-teres que têm coragem em assumir uma denúncia. Como chegamos a esse ponto?

Fausto Macedo: Um dos motivos é a indústria da indenização. Os pro-cessos são realizados não exatamente contra o repórter, mas contra o jornal para o qual ele trabalha. E isso provo-ca um recuo das redações, intimida. É um dos motivos desse jornalismo de-claratório. De dez anos para cá essa in-dústria da indenização se fortaleceu.

SR: Por sua experiência, como o repórter deve lidar quando se depa-ra com interesses políticos que nem sempre estão explícitos?

FM: A maior parte dos grupos de comunicação são empresas, têm inte-resses políticos. Nós, repórteres, traba-lhamos de acordo com a linha editorial defendida pelo jornal. É o interesse empresarial, diferente da censura que exercia a Polícia Federal nos anos 70. Ali, você sabia exatamente que era o censor que chegava à redação ali por

volta das cinco da tarde, pegava os textos e cortava o que achava que ti-nha que cortar. Era a censura do regi-me que a gente atravessava naquela época. Hoje é o regime empresarial, uma censura mal-disfarçada. Não há campo para romantismos, sabe? Para dizer que a imprensa é absolutamente livre. Não é!

SR: Existe alguma margem de ma-nobra do repórter para driblar esse in-teresse político superior, do patrão?

FM: Tem gente que está tentando driblar isso aí. Nossa profissão é essen-cialmente social, preocupada em in-formar. Quando a gente corre atrás de uma informação, é um serviço para o público, e não um motivo espúrio. Até houve o episódio de uma colega nossa, da Folha, que fez nada mais nada me-nos que dar um furo de reportagem. Ela publicou, no dia 28 de abril, que existia uma investigação contra Daniel Dantas. Para a Polícia Federal, a repor-tagem foi criminosa. Até nisso a gente corre o risco de ser enquadrado, por

VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

entr

evis

ta Sujar os sapatos, sem ilusõespor Pedro Santos

Com 34 anos dedicados ao jornalismo, Fausto Ma-cedo não se ilude quando

o assunto é política editorial, e acredita que a liberdade de imprensa não é absoluta. Mesmo assim, há margem de manobra.

Valéria Gonçalvez/AE

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21SEMANA REVISTA

um delegado que achou que, ao publi-car a reportagem, havia interesse em avisar a tal da organização criminosa. No dia-a-dia, a gente vai tentando dri-blar essa pressão interna, dos veículos; e externa, que vem das ações. Isso pro-voca intimidação nas redações. Mas, por outro lado, é bom para que o re-pórter tome cada vez mais cautela.

SR: O senhor acredita que de modo geral as pessoas vêem o jornalismo político fora do cotidiano delas e pre-ferem ler outros cader-nos, como o de cultura e o esportivo?

FM: Não posso dizer que o jornalismo polí-tico seja rejeitado, mas não tem o apego que devia ter do leitor. Eles preferem mesmo outros cadernos, o de Cultura, de Esportes, o noticiário policial, que tem apelo. Pelo descrédito que vive a política, o leitor não se interessa pelo que deveria se interessar.

SR: E como fazer para mostrar para as pessoas que a política vai além dos anos de eleição, da festa partidária, dos presentinhos dos políticos?

FM: É, não pode realmente ficar na-quele jornalismo declaratório idiota, de ir ao Congresso pegar a mera de-claração de político. Tem que buscar formas de captar o leitor. E tem de pu-blicar com precauções. Mesmo porque nós não somos juízes, somos repórte-res. Não temos o direito de julgar nin-guém, nem de nos apaixonar por uma fonte ou de odiar um investigado. Não nos cabe fazer juízo de valor. Nos cabe apenas informar.

SR: O senhor está defendendo um

tipo de neutralidade ou é mais respei-to à fonte?

FM: Neutralidade. Quando digo que o repórter não deve se apaixonar pela fonte é que ele não deve ir com muita sede ao pote. Porque a fonte também tem interesses.

SR: Certa vez o senhor disse que seus piores momentos profissionais eram quando suas matérias eram en-gavetadas inexplicavelmente. Como a empresa jornalística, como o Estadão, influencia na produção das pautas para a editoria de Política?

FM: É nessa apura-ção do dia-a-dia que você esbarra às vezes em algum tema que ou não é de interesse do jornal ou porque atinge alguém das relações da empresa. Em qualquer veículo de comunica-ção é assim.

SR: Nesses casos, quando você chega

com a matéria pronta e ela é engave-tada: os motivos não são realmente inexplicáveis, não é?

FM: Há casos em que logo no come-ço da apuração você já recebe a orien-tação do que não interessa para o jor-nal. O repórter tem que entender que é funcionário da empresa. Nós não temos essa liberdade que as pessoas de fora do nosso meio imaginam que existe. Ain-da assim, não podemos ignorar que há jornais, tevês, rádios e sites que fazem um bom trabalho, apesar das amarras, das limitações por interesses políticos dos patrões. Salvo aí as exceções das pequenas municipalidades, onde os ve-ículos locais não têm a autonomia que os maiores têm nas capitais.

VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

Quando a gente corre atrás de uma informação, é um

serviço para o público, e não um

motivo espúrio

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22 SEMANA REVISTA

Vamos considerar as matérias que são rotuladas como sensa-cionalistas sob o viés de alguns

vetores que constituem a natureza do jornalismo. A confirmação do laço so-cial, que faz povo e nação, ao lado da vi-gilância, que resguarda as democracias, têm norteado a produção jornalística e alimentado o ideário dos que a tomam como responsabilidade social.

Ora, tal orientação determina que a tarefa narrativa do jornalismo se desdo-bre em apontamentos sobre os modos corretos de ser, sobre as atitudes desejá-veis em nome do equilíbrio social.

Lembrando o pensamento de Mi-chel Foucault, pensamos essa con-dição enquanto função disciplinar. O número de matérias que cobram atitudes justas confirma a dis-posição discipli-nar. Nesse caso, quando falamos sobre a pauta jornalística em termos de acaso, de sedução ou de interesses do mercado escamoteamos sua outra razão de ser.

Na pauta estamos comprometidos, como já nos alertou Pierre Bourdieu, com duas lógicas que comandam o jor-nalismo. Por um lado, a lógica do furo, que gera a procura da notícia mais quente, por outro, a do julgamento dos pares, uma vez que os próprios jorna-listas se tornam avaliadores das figuras proeminentes em seu meio.

Assim posta, a pauta é dimensiona-da por mecanismos internos ao campo do jornalismo. Mas a estes mecanismos

se sobrepõe a natureza disciplinar, pois as escolhas são norteadas pelos aconte-cimentos que chamam a atenção, justa-mente por infringirem ditames sociais. O princípio da escolha é de ordem nor-mativa o que a torna instrumento dis-ciplinar.

Desde a expansão do jornalismo no século XIX vemos a priorização de temas hoje rubricados como sensacio-nalistas. Por esta época, face ao nasci-mento da população (as grandes con-centrações urbanas) e face à instalação das Nações (enquanto Estados), há uma

política de contenção para que um e outro se submetam à or-

dem, para que a primeira se veja refleti-da na segunda e, assim, conforme-se à administração imposta. Nascem as so-ciedades disciplinares, movimento que o jornalismo acompanha.

“Evidentemente por uma moral rigorosa: daí esta formidável ofensiva de moralização que incidiu sobre a população do século XIX (...) foi absolutamente necessário constituir o povo como um sujeito moral, portanto separando-o da delinqüência, portanto se-parando-o nitidamente do grupo dos de-linqüentes, mostrando-os como perigosos não apenas para os ricos, mas também para os pobres, mostrando-os carregados de to-

artig

o A Força Disciplinar no Sensacionalismo Por Profª. Drª. Mayra Rodrigues Gomes

Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes da USP

VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

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23SEMANA REVISTA

Bibliografia

BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. A influência do jornalismo. Rio de Janeiro, Zahar Editor, 1997.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro, Edições Graal, 2001.

dos os vícios e responsáveis pelos maiores perigos. Donde o nascimento da literatura policial e da importância nos jornais, das páginas policiais, das horríveis narrativas de crimes”

(FOUCAULT, 2001, p. 133)

Ora, somos despistados da natureza dessas “horríveis narrativas de crimes”, no que diz respeito a sua função s o c i a l , quando as reduzi- mos ao vetor do furo, ou a um sub-produto da sociedade de espetáculo.

Como pon-to de reflexão, tomamos o recente caso do assassinato da menina Isa-bella Nardo-ni. Todos os veículos se concentraram na tragédia, explorando os detalhes da família e suas conexões. A opinião pública, dizem que por influência das mídias, logo se colocou contra o pai e a madrasta.

A televisão foi exímia em mostrar a população reunida em ato de protesto, acusando-os de assassinos e clamando por justiça. Esse é o quadro do espetácu-lo, incentivado e explorado pelas mídias.

Contudo, é também o quadro em que materializam os dispositivos disci-plinares. O povo sai às ruas porque esse é um crime que mexe com um dos eixos sagrados da estrutura social, a saber, a família. A família, enquanto idéia fon-te, é depositária de anseios, esperanças, idealizações.

A reação do povo, tanto quanto dos

espectadores de jornais televisivos, se constrói como resposta à afronta dire-cionada a um dos principais focos, afi-nal, de disciplinaridade.

“De modelo, a família vai tornar-se ins-trumento, e instrumento privilegiado, para o governo da população e não modelo qui-mérico para o bom governo”

(FOUCAULT, 2001, p. 289)

Além disso, ao pensarmos a exposi-ção da criminalidade, devemos lembrar que a própria construção narrativa é repleta de indicações, organizadas em torno das figuras do vilão e do herói, que pontificam sobre o bem e o mal. Não faltaram, na história de Isabella, os

ditames sobre os modos de agir dos pais, da polícia, os modos da cole-ta de testemu-nhos e provas etc. Em todos estes casos, todo o tempo, a norma foi apontada e in-vocada.

Sob a ótica que expusemos, essas notícias, um tanto espalhafatosas, têm uma função de adestramento. Elas prescrevem sobre certo e errado, sobre falta e punição, configurando os modos de ser, veia mestra dos dispo-sitivos disciplinares.

VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

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24 SEMANA REVISTA

À minha frente, os oito candidatos a governador de Santa Catarina. Ao lado, os 16 vereadores e o prefeito de Floria-nópolis, além de outros três jornalistas convidados. Apertado em uma camisa que não usava há meses, nervoso e sem ter certeza sobre o que perguntar, eu praticamente fazia a minha estréia na cobertura de política do jornal.

Não fazia um mês que o editor me cha-mou para conversar sobre a vaga que esta-va aberta, na editoria de política. “Se você não se adaptar, a gente pode tentar rema-nejar mais para frente”, disse. Eu tinha uma pequena passagem pela editoria de geral e uns cinco meses de esporte no meu currí-culo de jornalista iniciante e via a política como um lugar em que chegaria quando tivesse mais experiência. Foi desnecessário.

Poucas vezes me senti tão foca quanto naquela noite em que a Câmara de Vere-adores promoveu o debate com os candi-datos ao governo estadual. Acabei sendo escolhido para representar o jornal naquele evento – que foi transmitido pelo canal de TV da instituição.

Quem assistiu, certamente lembra que o debate foi morno até que um jornalista (não eu) perguntasse algo que resultou em troca de farpas entre o ex-governador e o prefeito Dário Berger, que assistia ao debate ao lado de seu então líder de governo, vereador Ju-arez Silveira. As farpas se transformaram em bate-boca, que acabou com os dois re-gistrando boletins de ocorrência.

Ninguém vai lembrar do repórter de nome estranho, sorteado para fazer uma pergunta para o candidato Mano-

el Dias – justo um dos que ele não tinha preparado nada. Lembro vagamente da pergunta que fiz, só de que gaguejei mui-to e saí vivo. A missão estava cumprida e a matéria sobre a briga de Amin e Berger impressa no jornal do dia seguinte.

Naqueles primeiros dias, qualquer posse de secretario em São José me tirava o sono. Se tivesse que falar com deputado ou prefeito, ficava nervoso. Aí, olhava para a colega mais experiente e pedia o telefone do assessor. Ela respondia com a frase que eu passaria a dizer tempos depois para quem fazia pedidos semelhantes. “Liga direto pra ele, o telefone é tal”. Ligar direto pro deputado? Calma, eu sou novo aqui, dava vontade de dizer.

Pouco tempo depois eu acabei pro-movido para a cobertura estadual - tchau, São José! - e recebia na redação o governador reeleito Luiz Henrique da Silveira, em entrevista exclusiva após a vitória. A outra repórter estava de férias e a “missão” caiu no meu colo. Assim, 2006 foi o ano em que comecei desem-pregado e sem experiência profissional e acabei entrevistando o governador.

Dois anos depois, a diferença é que agora sou o repórter mais antigo da editoria. Não vejo vantagem ou mérito nisso, sinto muita falta daquela colega a quem eu perguntava muito mais do que o telefone do assessor – e ela sem-pre sabia o que responder. Infelizmen-te, é a tendência: redações cheias de gente jovem ligando diariamente para os mais experientes, os assessores. Isso explica muita coisa.

crôn

ica Lembranças de um repórter semi-experiente

VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

Upiara Boschi, ex-aluno do curso de jornalismo da UFSC, há dois anos era foca, hoje é quem está há mais tempo na editoria de política do jornal A Notícia

Page 23: Semana Revista (Set2008)

A partir da experiência profis-sional e do conhecimento de casos históricos, os convida-

dos discutirão algumas questões acer-ca dos limites do jornalismo investiga-tivo. Qual a fronteira entre o papel do jornalista investigativo e do Estado? Até que ponto a ética profissional limi-ta o investigador? A que meios pode o jornalista recorrer para perseguir os objetivos da pauta? A mesa abordará também temas como a coerção social e jurídica a que são submetidos alguns profissionais, as técnicas e instrumen-tos do jornalista investigativo, a rela-ção com as fontes, o off, a segurança do repórter durante a apuração, os acordos e parcerias, etc.

Limitesdojornalismoinvestigativo

Page 24: Semana Revista (Set2008)

perfil

A ditadura não acabou para Roger Rodríguez. Sua considera-ção pelas famílias que sofreram, o desejo de encontrar a ver-dade e o faro para a sujeira o levam a vasculhar uma época

que muitos preferem esquecer.

Olho de repórter e coração de mãePor Adriana Seguro

Como sanções às descobertas que publicou, além de ser preso, Rodríguez foi ameaçado diversas vezes, sem contar os processos.

26 SEMANA REVISTA VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

Como bom investigador, ele quer preencher todas as lacunas de infor-mação. Quando interrogado, fornece respostas completas, talvez como ele gostaria que suas fontes lhe dessem. Na entrevista por e-mail, perguntado sobre sua idade, responde: “Tenho 48 anos, estou casado há 30 com minha compa-nheira Sara, tenho três filhos (Natalia, de 27, Sebastian, de 26 e Virginia, de 15) e um neto de um ano e meio chamado Renzo.” Juan Roger Rodríguez Chana-dari é jornalista há 30 anos e repórter do jornal La República desde 2001.

Rodríguez tem um histórico de resis-tência e se sente honrado por ser o últi-mo processado e o primeiro anistiado pela justiça militar da ditadura uruguaia (1973-1985). Ele ficou preso durante três semanas em 1984 por denunciar, no se-manal La Voz, maus tratos às presas

políticas do país. “Hoje, como na-quela época, in-vestigo as viola-ções aos direitos humanos, por que entendo que não é passado, e sim presente. Os

desaparecidos seguem desaparecidos a cada dia. O delito continua sendo cometi-do e não pode haver futuro se não se sabe a verdade do que ocorreu e ocorre.” Há 25 anos, o jornalista pesquisa como foi o processo repressivo uruguaio. “Analiso

por quais irracionalidades as vítimas fo-ram escolhidas. Isso me permite chegar a importantes conclusões que derrubam as histórias oficiais, criadas pela própria di-tadura e pelos governos permissivos que a sucederam.”

No último dia 13 de agosto, Rodrí-guez compareceu a um Tribunal de Apelação, para responder em segunda instância a um processo de difamação e injúria, no qual o juiz lhe havia sido favo-rável em março. A história começou em 30 de novembro de 2007, no julgamento do general Gregório “Goyo” Alvarez. O repressor Iván Paulós era testemunha e aparecia pela primeira vez ante a justiça. Paulós veio acompanhado de dois guar-da-costas. Um era o coronel Eduardo Ferro, que seqüestrou a ativista uruguaia Lilian Celiberti e o estudante Universin-do Rodríguez em Porto Alegre, em 1978. O outro poderia se passar por um desco-nhecido, se não fosse a observação aguça-da de Rodríguez.

O anônimo levava uma arma embai-xo do casaco, flagrada por um fotógrafo do La República. “Comecei a investigar quem era e pude confirmar que tinha um passado obscuro”, afirma o jornalista. O major aposentado Enrique Mangini ha-via sido, quando estudante, integrante de um grupo de ultradireita, o Juventud Uruguaya de Pie (JUP). Tinha participado da invasão a uma escola em 11 de agosto de 1972, que terminou no assassinato do estudante Santiago Rodríguez Muela. A

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27revista da semana 27SEMANA

REVISTA

Hoje, como naquela época (da ditadura uruguaia), investigo

as violações aos direitos humanos,

porque entendo que não é passado, e sim

presente.

VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

denúncia foi publicada no diário e Man-gini indiciou Rodríguez. O jornalista saiu novamente ileso da última apelação.

Como sanções às descobertas que publicou, além da prisão, Rodríguez foi ameaçado diversas vezes, sem contar os processos. “Não as considero penalidades, e sim condecora-ções. Meu único sofrimento é o fato de não se saber toda a verdade. Minha pena é que haja mães que morram sem saber onde estavam seus filhos e filhos sem saber o que aconteceu com seus pais. Estou convencido de que encontrar a verdade é parte da cura dessas penas. E isso, trato de ajudar a fa-zer.”

Rodríguez conta que a situação mais difícil que já enfrentou em trabalho foi manter, durante seis meses, uma relação profissional com um repressor argenti-no, que aceitou ser seu informante. “Por muito tempo, ele jogou comigo um jogo cruel pelo qual só respondia às pergun-tas ‘corretas’, mas não me ajudava com as dúvidas. Foi desgastante. Até que um dia eu lhe disse: ‘O que eu quero, você tira de mim só com cinco minutos de cho-que elétrico, mas faz oito horas que eu estou falando para que você diga o que eu quero.’ Acho que esse dia ele deixou de me ver como um inimigo e começou a colaborar.” O jornalista foi persistente e colheu bons frutos. Através dos detalhes fornecidos pela fonte, Rodríguez teve papel fundamental na localização de Si-món Riquelo, filho da presa política Sara Méndez.

Simón Riquelo estava desaparecido há 26 anos. O rapaz havia sido tomado das mãos da mãe em 1976, com 22 dias

de vida. Somente em 2002, como resul-tado paralelo da investigação de mais de um ano que Rodríguez fazia para a revis-ta Posdata, aconteceu o reencontro. Pelo trabalho, recebeu o XIX Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo, do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, organiza-ção não governamental de Porto Alegre. Entre outras coisas, o jornalista também

denunciou o “segun-do vôo”, um traslado clandestino de opo-sitores seqüestrados na Argentina para o Uruguai, onde eram executados. A desco-berta do vôo secreto permitiu ainda revelar a existência de uma prisão clandestina na

província de Córdoba, na Argentina, conhecida

como Valparaíso.Outro furo do repórter, que envolve

o Brasil, foi sobre o assassinato do ex-presidente João Goulart (1961-1964). Em 2002, ele publicou no La Republica uma entrevista com o ex-agente secreto do Uruguai Mario Barreiro Neira, realiza-da num presídio de segurança máxima perto de Porto Alegre, que levantaram suspeitas sobre a morte de João Goulart. Segundo Neira, medicamentos de Jango foram envenenados, quando suspeitou-se que ele planejava voltar de surpresa para o Brasil. Jango morreu dia 6 de dezembro de 1976, na Argentina, oficial-mente de ataque cardíaco. No início de 2008, a declaração sobre o assassinato foi feita em público e reacendeu o interesse da imprensa e da família sobre o caso. Uma comissão especial procedeu inves-tigações que apontaram fortes indícios para o assassinato.

Page 26: Semana Revista (Set2008)

28 SEMANA REVISTA

repo

rtag

emConhecida por manifestações e declarações polêmicas, a ONG Re-pórteres Sem Fronteiras também oferece auxílio a jornalistas que sofrem repressão

60 anos após a Declaração Universal dos Direitos Humanos ter sido adotada, as pes-

soas ainda não têm direito de se manifestar livremente em pelo menos 77 países.

ONG luta pelo direito de informarPor Marina Veshagem

VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

O site da ONG Repórteres Sem Fronteiras assim resume o motivo de sua criação: “em

alguns países um jornalista pode passar vários anos na prisão, por uma palavra ou uma foto. Porque aprisionar um jornalista é eliminar uma testemunha essencial e amea-çar o direito de todos à informação. Repórteres sem Fronteiras, fundada em 1985, trabalha diariamente pela liberdade de imprensa.”

O relatório anual da ONG Anistia Internacional fez, em 2008, um balan-ço entre o que foi prometido pela De-claração Universal dos Direitos Hu-manos de 1948 e o que foi cumprido até agora. Uma das conclusões a que chegou a organização é que, 60 anos depois de a Declaração ter sido adota-da pelas Nações Unidas, pessoas não têm direito de se ma-nifestar livremente em pelo menos 77 países.

Em outubro de 2007, a instituição Repórteres Sem Fronteiras (RSF) iniciou uma campanha pela liberdade de imprensa na China inspirada nos jogos Olímpicos de 2008, em Pequim. A página inicial do site da organização (www.rsf.org) contém referência dire-ta à reivindicação, que incluiu também uma petição. A China mantinha pre-sos, em outubro, aproximadamente 100 jornalistas e ativistas pela liberda-de de imprensa.

Para a RSF, enquanto o mundo estivesse atento aos Jogos, centenas de jornalistas e blogueiros estariam presos. Em dezembro de 2007, cerca dos 30 mil jornalistas credenciados para a cobertura dos jogos foram fi-chados para identificação dos “falsos jornalistas”.

A Repórteres Sem Fronteiras move campanhas no mundo todo pela defe-sa de jornalistas, escritores, usuários de internet e outros que possam ser vítimas de perseguição pelo exercício do direito à expressão. Também se propõe a lutar para a diminuição da censura e combater as leis destinadas a restringir a liberdade de imprensa, assistir jornalistas ou meios de comu-nicação em dificuldades (gastos com advogados, médicos, etc) e as famílias dos repórteres presos, além de traba-

lhar pela melhoria da segurança dos jornalistas, principalmente nas zonas de conflito.

Há seções nacionais da RSF em nove países, o que permite que ela se estenda pelo mundo. São elas: Ale-manha, Áustria, Bélgica, Canadá, Es-panha, França, Itália, Suécia e Suíça. A organização é composta por uma rede de mais de cento e vinte corres-

Page 27: Semana Revista (Set2008)

29VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

pondentes e trabalha em colaboração com associações locais ou regionais de defesa da liberdade de imprensa.

A RSF registra os atentados à li-berdade de imprensa no mundo e, então, organiza cartas de protestos, que são enviadas aos governos, e comunicados aos meios de comuni-cação, como forma de mobilização e informação do pú-blico. No site há sempre um “barô-metro” atualizado sobre os atentados a jornalistas (ver quadro).

A organização faz ainda um ba-lanço anual da liberdade de im-prensa no mundo. Diversas pessoas e grupos - como organizações colabo-radoras, correspondentes, jornalistas, investigadores, juristas ou militantes dos direitos humanos - respondem um questionário de cinqüenta per-guntas. São levantados dados de 169 nações, as demais não dispõem de informações suficientes.

Os 14 primeiros países da classifi-cação de 2007 – com melhores índices de liberdade de imprensa – são euro-peus. Já dentre os últimos 20, apenas um é americano, Cuba, e sete são asi-áticos. Dentre eles está a China, com 50 - dos 64 - casos de pessoas detidas

no mundo por expressarem-se na in-ternet.

O Brasil está na 84ª posição na classificação, o que o inclui nos pa-íses com problemas na liberdade de imprensa. A colocação se deve ao re-gistro do assassinato de dois jorna-listas brasileiros em 2007: Luiz Car-los Barbon Filho e Robson Barbosa

Bezerra, sendo que o último não foi tratado como assassinato liga-do à profissão. A organização afirma ainda que o país ainda não conseguiu acabar com as agressões nem com as ten-

tativas de atentado contra a impren-sa, representadas por medidas de censura prévia e garantidas pela Lei de Imprensa outorgada em 1967.

A Repórteres sem Fronteiras se financia pela venda de álbuns de fotografias, calendários, leilões, do-ações, colaborações com empresas privadas, dentre outros. É registra-da na França como organização sem fins lucrativos e, em 2005, recebeu do Parlamento Europeu o Prêmio Sakharov para a Liberdade de Pen-samento.

*Veja o site www.rsf.org para saber mais.

SEMANA REVISTA

O Brasil é o 84° país na classi-ficação dos países com melhor liberdade de imprensa, o que preocupa a ONG. A organiza-ção afirma ainda que o país ainda não conseguiu acabar com agressões nem com as

tentativas de atentado contra a imprensa.

18 0 132 7 67jornalistas

mortoscolaboradores

mortosjornalistas

presoscolaboradores

presoscyberdissidentes

presos

O barômetro de liberdade de imprensa (2008)

Page 28: Semana Revista (Set2008)

drop

s

Esta não é uma lista definitiva dos melhores livros – não acre-ditamos nisso. Elaborada a partir das dicas de professores e profissionais, apresenta livros de jornalismo investigativo que

devem ser lidos. Confira.

30 SEMANA REVISTA VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

Os cinco mais do momentoPor Wesley Klimpel

Instinto de Repórter, Elvi-ra Lobato

O livro, de 2005, mostra os passos da produção de 11 grandes reportagens.

“É importante por refletir sobre os limites éticos no traba-lho.” Mauro Silveira. Também indica-do por Carlos Lins

Cabeça de turco, Günter Wallraff

Jornalista se passa por turco para mostrar a discriminação sofri-da pelos imigrantes na Alemanha da década de 80.

“O recurso de se disfarçar foi etica-mente justificável.” Dauro Veras

Jornalismo Investigativo, Dirceu Fernandes Lo-pes e José Luiz Proen-ça (org)

Mestrandos e dou-torandos entrevistam vários jornalistas do

país, para saber os bastidores e técni-cas de grandes reportagens investiga-tivas.

“Traz boas visões, algumas anta-gônicas, sobre o tema.” Luis Eblak

Narcoditadura, Percival de Souza - Vencedor do Prêmio Wladimir Herzog

Conta a história do as-sassinato de Tim Lopes, do desenvolvimento do

crime organizado e da evolução do jornalismo investigativo no país.

As garras do Condor, Nil-son Cesar Mariano

Revela os bastidores da operação que abalou o Cone Sul durante as décadas de 70 e 80.

“A obra mostra um tra-balho investigativo significativo na luta contra a violação dos direitos humanos na América Latina.” Mauro Silveira

Leia também:Jornalismo Investigativo, Leandro FortesJornalismo Investigativo, O fato por trás da

notícia, Cleofe M. de SequeiraTodos os Homens do Presidente, Robert

Woodward e Carl BernsteinRota 66, Caco BarcellosOs donos do Congresso, Elvis Bonassa/

Fernando Rodrigues/Gustavo Krieger

Participaram na elaboração dessa lista os jorna-

listas Carlos Lins, Dauro Veras, Diane Duque,

Luis Eblak, Mauro Silveira e Percival de Souza.

Page 29: Semana Revista (Set2008)

profissãonoespelhoA

Desde que foi proposta, em 2004, a criação do Conselho Federal de Jornalismo divide

opiniões. O Conselho teria como fun-ção “orientar, disciplinar e fiscalizar” o exercício da profissão e das ativida-des de jornalismo - inclusive com pos-sibilidade de cassação dos registros profissionais. Em 2006, o projeto de lei que criava o CFJ foi vetado e abriu-se espaço para debates.Outra forma de regulamentar a pro-fissão é a exigência ou não do diplo-ma de graduação, assunto também polêmico. A decisão final do Supremo Tribunal deve sair em breve, mas a julgar pelo histórico de discussões, o tema continuará sendo pauta.

Page 30: Semana Revista (Set2008)

As exigências do diploma e de uma atuação profissional e ética no Jorna-lismo são os pilares da discussão mais antiga da área. De um lado, entidades e profissionais defendem a criação de um órgão fiscaliza-dor – o Conselho Federal dos Jor-nalistas (CFJ) – do outro, jornalistas e empresários desa-provam a proposta em nome da liber-dade de expressão. “Qualquer órgão que represente ameaça à liberda-de de informação, precisa ser rejeita-do enfaticamente pela sociedade e por seus represen-tantes democráticos”, disse William Bonner em 2004, em uma entrevista para à revista Veja.

O projeto de lei para a criação do CFJ, baseado na lei que cria a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), foi colocado em pauta pela primeira vez em Florianópolis, no Congres-so Nacional de Jornalistas, em 1990. O texto foi discutido durante anos

em sindicatos, audiências públicas, universidades e câmaras municipais e, em 2002, enviado formalmente ao Governo Federal.

Após dois anos de espera o projeto chegou à Câmara dos Deputados e os principais veículos de comunica-ção do país posicionaram-se contra a aprovação do projeto. A edição da revista Veja da semana seguinte trazia na capa: “A tentação autoritária: as in-vestidas do governo do PT para vigiar e controlar a imprensa, a televisão e a

cultura”. Nas pági-nas internas, decla-rava: “Lula se deixa enganar por uma associação de asses-sores de imprensa de empresas esta-tais que se fazem passar por jornalis-tas e manda para o Congresso um projeto de lei que representa o mais sério ataque à liber-dade de expressão no Brasil desde o

regime militar”. A Federação Nacional dos Jorna-

listas (FENAJ), entidade que repre-senta todos os Sindicatos dos Jor-nalistas do país e responsável pelo projeto de lei, respondeu publica-mente os ataques recebidos: “Muitos jornalistas e parlamentares não se de-ram ao trabalho de ler o projeto de lei enviado ao Legislativo. Lá não consta nenhum artigo que limite a liberdade

32 SEMANA REVISTA VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

A confusão que deixou marcas por Juliana Passos e Juliana Sakae

A entrada do projeto de lei que cria o Conselho Federal dos Jornalistas,

em 2004, foi repercutida com revolta na mídia. Até hoje, a questão é mal compreendidare

port

agem

A edição de 14/08/2004 trouxe a posição contrária da revista à criação do CFJ

Page 31: Semana Revista (Set2008)

de imprensa ou institua a censura. Ao contrário, propugna-se a garantia da liberdade de imprensa e de expres-são” (Tendências/Debates: Folha de S. Paulo, 18 de agosto de 2004).

O debate da criação do CFJ passa também pela discussão de como se dará este processo. O jornalista Mau-rício Tuffani, ex-editor e redator-che-fe da revista Galileu, cri-tica a redação do projeto de lei: “Ser contra o CFJ não significa necessaria-mente ser defensor dos barões da mídia nem ser contra qualquer tipo de regulamentação, assim como ser a favor dessa proposta não implica ser teleguiado dos minis-tros José Dirceu ou Luiz Gushiken”.

No mesmo ano que entrou na Câ-mara o projeto sofreu alterações, rea-lizadas não só pela FENAJ como pelos relatores do projeto. A idéia inicial da Federação de vincular a emissão do registro profissional – que deixaria de ser função do Ministério do Trabalho e ficaria a cargo do Conselho – a apre-

sentação do diploma e a obrigatorie-dade do registro das empresas não consta mais no projeto, mas já está prevista por lei para todas as ativida-des regulamentadas por conselhos de fiscalização profissional.

Depois das acaloradas discussões em torno da criação do CFJ em 2004, o debate continua. No dia 27 de julho

deste ano o Ministério do Trabalho criou um grupo de estudos para discutir a profissão e viabilizar sua regulamentação. Os nove membros serão represen-tantes de três categorias, patrões, trabalhadores e funcionários do Ministé-rio do Trabalho e Empre-go, e deverão entregar um relatório até outubro.

Além da criação do Conselho, será julgado neste ano no Supremo Tri-bunal Federal a obrigatoriedade do diploma (leia mais na página 35) e a reformulação ou anulação da Lei de Imprensa.

Leia mais:www.semanadojornalismo.ufsc.br

“Ser contra o CFJ não significa

necessariamente ser defensor dos barões

da mídia nem ser contra qualquer tipo de regulamentação

.

Qual o papel de um conselho?Considerada uma autarquia fede-

ral, os conselhos tëm como função defender os direitos não apenas da categoria, mas principalmente da sociedade em relação aos profissio-nais. Conheça o papel dos conselhos de outras áreas:

> Conselho de Farmácia: defende que a farmácia não seja um esta-belecimento comercial, mas que dê prioridade à saúde, proibindo a ven-

da de revistas, refrigerantes e balas e obrigando a permanência de um farmacêutico em todo período de funcionamento. > Conselho de Engenharia, Arquite-tura e Agronomia: fiscaliza as cons-truções e interdita os locais quando existe risco à população. > Conselho de Medicina: caça o re-gistro do médico que não age de acordo com o Código de Ética da profissão, como acontece quando profissionais do SUS cobram por atendimento.

VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008 33SEMANA REVISTA

Page 32: Semana Revista (Set2008)

O diploma para o exercício da pro-fissão de jornalista deixou de ser obri-gatório no Brasil entre outubro de 2001 e 2005. Com isso, a discussão sobre a necessidade de formação superior para trabalhar na área tornou-se as-sunto polêmico. Em grande parte dos países europeus não é obrigatório um diploma em jornalismo para exercer o ofício. Porém em todos existe uma regulamentação e alguma maneira de selecionar quem poderá gerar conteú-do para os veículos de comunicação.

As primeiras publicações surgiram no Brasil com a vinda da corte portuguesa para o país, em 1808. O jornal que surgiu era considerado ofi-cioso, ou seja, tratava de assuntos de inte-resse da família real. Com a República, o jornalismo deixou de ser artesanal e se profissionali-zou. O número de publicações aumentou e se segmentou.

Até a cria-ção da primeira faculdade de Jornalismo do Brasil – a Fun-

dação Cásper Líbero, em São Paulo, em 1947 – os profissionais se forma-vam dentro das redações. Em 1969, foi criada a primeira lei de regulamenta-ção da profissão. Dez anos depois, em março de 1979, o decreto foi revisto e aprimorado.

A nova versão, o decreto nº 83.284, propõe que “o exercício da profissão de jornalista requer prévio registro no órgão regional do Ministério do Traba-lho”, para o qual o diploma é exigido. Além da obrigatoriedade de formação superior, é também através desse texto que as funções exercidas pelo jornalis-ta foram definidas – redator, noticiaris-ta, repórter, rádio repórter, repórter de setor, arquivista-pesquisador, revisor, ilustrador, repórter fotográfico, repór-ter cinematográfico e diagramador.

Em 2001, a juíza Carla Rister expe-diu uma liminar, na qual extinguiu a obrigatoriedade de formação superior para o exercício da profissão. Em 2005, a decisão foi revogada e o diploma voltou a ser obrigatório. A votação de-finitiva deve acontecer ainda este ano.

Diploma, esse desconhecidopor Marina Ferraz

A guerra da obrigatoriedade ou não da graduação em Jornalismo parece não ter

fim. E os profissionais das reda-ções não cansam de lutar.

34SEMANA REVISTA

repo

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Page 33: Semana Revista (Set2008)

VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

Alemanha: regulamentada por meio do reconhecimento das empresas jornalísticas e das organizações profissionais, por um período de aprendizado prático de 18 a 24 meses.

Bélgica: o diploma não é obrigatório mas existem vantagens salariais para os diplomados.

Dinamarca: o acesso ao ofício é condicionado à licença emitida pelo sindicato nacional dos jornalistas.

Espanha: as regras no país são ter nacionalidade espanhola, inscrição no registro de jornalistas, diploma em ciências da informação ou experiência profissional entre dois e cinco anos.

Itália: não há obrigatoriedade de formação superior mas é necessário o registro na ordem dos jornalistas.

Argentina: para trabalhar como jornalista não é necessário diploma universitário em nenhuma área, basta provar que se atua na profissão.

Chile: não é necessário estar ligado a nenhum órgão de imprensa para exercer o Jornalismo nem ter diploma universitário para desempenhar a função.

Grã-Bretanha: é necessário um estágio em empresa jornalística ou curso preparatório do Conselho Nacional de Treinamento de Jornalistas.

Grécia: no país, existem duas opções diploma em Jornalismo ou experiência de três anos na área.

França: não há obrigatoriedade de qualquer formação superior.

O diploma pelo mundo Assim como o Brasil, muitos países regulamentaram o ofício apenas no sécu-lo XX. O Conselho Europeu de Deontologia do Jornalismo estipulou em 1993 que os profissionais da área devem ter uma formação adequada. Essa forma-ção varia de país para país, podendo ser horas de trabalho ou cursos. //

35SEMANA REVISTA

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36 SEMANA REVISTA

A revista Veja é a publicação semanal de maior circulação no país e possui um caráter

de legitimidade e veracidade. Em seu discurso, porém, encontram-se fato-res considerados de jornalismo sen-sacionalista. No entanto, Veja não se assume como tal e, para isso, constrói suas reportagens sob as prescrições jornalísticas. O artigo pretende revelar pontos sensacionalistas encontrados no discurso de Veja e como a mesma se posiciona no jornalismo brasileiro como publicação séria, verdadeira e confiável, analisando uma reportagem sobre o caso Isabella Nardoni.

O conceito de sensacionalismo pode ser definido como:

“Modo de produção discursivo da in-formação da atualidade, processado por critérios de intensificação e exagero gráfico, temático, lingüístico e semântico, contendo em si valores e elementos desproporcionais, destacados, acrescentados ou subtraídos no contexto de representação ou reprodução de real social”

(Pedroso apud Angrimani, 1995, p. 14)

O termo vem de “provocar sensa-ção”, através da abordagem do tema, seja pelo texto, foto, ilustrações. Logo, a mesma notícia pode ser sensaciona-lista ou não, dependendo do modo de produção e veículo que a publica. Marcondes Filho descreve a prática sensacionalista como:

“o grau mais radical da mercantilização da informação: tudo o que se vende é apa-

rência e, na verdade, vende-se aquilo que a informação interna não irá desenvolver me-lhor do que a manchete. (...) O jornalismo sensacionalista extrai do fato, da notícia, a sua carga emotiva e apelativa e a enaltece. Fabrica uma nova notícia que a partir daí passa a se vender por si mesma”

(Marcondes Filho apud Angrimani, 1995, p. 15)

Um dos pontos altos do discurso sensacionalista é a sua narrativa. O relato transporta o leitor, é como “se ele estivesse lá, junto ao estuprador, ao as-sassino, ao macumbeiro, ao seqüestrador, sentindo as mesmas emoções” (Pedroso apud Angrimani, 1995). É preciso nar-rar a notícia em tom dramático, dar detalhes, voz à testemunha e princi-palmente à vítima ou parente desta. A linguagem utilizada não admite neu-tralidade ou distanciamento. É uma linguagem mais coloquial, clichê, que faz com que o leitor se entregue às emoções.

“A linguagem editorial precisa ser cho-cante e causar impacto. O sensacionalismo não admite moderação”

(Angrimani, 1995, p. 40)

A violência é um tema recorrente tanto em jornais considerados sérios quanto aos sensacionalistas. A repor-tagem estudada traz morte e violência, assuntos comuns em veículos sensa-cionalistas. Esses temas atraem leitores independentemente do nível cultural ou econômico (Angrimani, 1995). O que difere os jornais sensacionalistas é a valorização do assunto, já que o veí-culo sensacionalista coloca uma “lente

artig

o O não-sensacionalismo de Veja Por Lívia Andrade

VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

Page 35: Semana Revista (Set2008)

37SEMANA REVISTA

de aumento” sobre o fato (Angrimani, 1995).

A cobertura da violên-cia na mídia n a c i o n a l a p r e s e n t a problemas de informação, ao tratar sus-peitos como condenados e apresentar bo-letins de ocor-rências como sentenças judi-ciais (Agência de Notícias dos Di-reitos da Infância, 2001). O atual jor-nalismo não con-textualiza, não explica; limita-se a entrevistar testemunhas e narrar os atos de violência (ANDI, 2001).

Luís Nassif escreveu sobre o pro-blema do timing ao entrar e sair de as-suntos polêmicos:

“O primeiro a avançar um pouco mais, mesmo que não haja elementos consis-tentes para comprovar a acusação, faz o alarde para firmar a posição de pioneiris-mo, caso as acusações tenham fundamento. Depois, quando as acusações começam a se dissolver, há uma resistência em se render aos fatos”

(Nassif apud Benette, 2002, p. 71) Angrimani (1995) descreve que o

sensacionalismo pode ser visto como uma forma diferente de passar infor-mação, como uma opção de estratégia usada pelos meios de comunicação. Assim, mesmo veículos não conside-

rados sensacionalistas podem ter algu-mas vezes na sua produção momentos

de sensacionalismo.Os veículos tentam se afas-

tar dessa denomi-n a ç ã o pelo fato de que os l e i t o r e s associam o termo a fato-res como erro de a p u r a ç ã o , d i s t o r ç ã o , deturpação, e d i t o r i a l

agressivo, en-tre outros, que, para Angrimani,

são acontecimentos isolados que po-dem ocorrer também dentro de jornais informativos comuns. Por causa dessa associação, a publicação considerada sensacionalista é coloca à margem, afastada da mídia “séria” (Angrimani, 1995).

Em 23 de abril de 2008, Veja publi-cou uma reportagem especial de capa sobre a morte de Isabella Nardoni, ocorrida três semanas antes. Naquela semana, o pai e da madrasta da meni-na haviam sido indiciados. Na capa, foi publicada uma foto do casal, na qual apenas parte dos rostos aparece em meio ao escuro, foto comum tirada de criminosos dentro do carro de polí-cia. Para completar o ar de bandidos, a manchete é dada em fonte chamati-va: “Foram eles”. A revista coloca uma linha fina em cima da manchete, em letras amarelas, em uma fonte muito

VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

O caso Isabella ganhou capa da Veja duas vezes: em 9/04 e duas semanas depois, com destaque em 23/04

Page 36: Semana Revista (Set2008)

menor: “Para a polícia, não há mais dúvidas sobre a morte de Isabella”.

A reportagem especial em oito pá-ginas recebe como título dois adjetivos nada imparciais: “Frios e Dissimula-dos”. Dessa vez a conclusão é a opinião clara da revista. O texto traz informa-ções sobre acontecimentos na família horas antes do crime. É seguido de um relato da vida do pai e da madrasta, bem com sua relação, fazendo juízo de valor dos dois personagens através da voz de amigos e parentes não identifi-cados no texto. A reportagem aborda ainda a avó materna e a mãe da meni-na, através de relatos de amigos tam-bém não identificados, narrados com forte teor sentimental, além de fotos e uma ilustração dos fatos descritos naquela noite. Apenas no último pará-grafo a reportagem explica que agora a polícia pode pedir a prisão preventiva e que o casal deverá ser julgado.

Ao contrário de veículos vistos como sensacionalistas, a revista apre senta alguns pontos em sua linha edi-torial que a caracterizam como fonte fiel à verdade, mesmo que a revista assuma sua linha opinativa. Para isso, a revista de maior circulação nacional se mostra como “uma instituição que está autorizada a falar, porque é detentora de um poder legitimado pelo seu status” (Au-gusti, 2005, p. 80). Nilton Hernandes

afirma que Veja tem uma ideologia e “vai construir o real em função

dessa ideolo-gia, e não o

contrário”. O dono da revista, Ro-berto Civi-

ta, assume a publicação como aquela que dá a verdade última sobre tudo. Hernandes afirma que Veja transfor-ma o problema de ser a última mídia a noticiar a seu favor, já que assim pode dar a última verdade, julgando o que é verdade e o que é mentira.

E de onde vem essa legitimidade atribuída a Veja? Uma das estratégias é o uso de fontes oficiais para justificar as suas teses. A impressão que o leitor fica é que a revista ouviu tantas pesso-as, e dessas, tantos especialistas, que o que ela diz só pode ser verdade. Mui-tos leitores não percebem que, muitas vezes, as fontes defendem o mesmo ponto de vista, por mais numerosas que sejam. Na reportagem analisada, a tese é que o pai e a madrasta mataram Isabella, mesmo antes de isso ser jul-gado pela Justiça. Para isso, a repórter coloca na boca de policiais os fatos afir-mados como verdades finais. “A polí-cia está convencida de que Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá com-binaram jogar Isabella pela janela...”. Outro fator que dá credibilidade ao discurso da revista é o caráter explica-tivo que o veículo possui em seus tex-tos, como se esses não fossem abertos à discussão ou interpretação.

O texto analisado traz a linguagem como a de um jornal sensacionalista. As frases e termos são recheados de adjetivos, figuras de linguagem e ou-tros elementos que “mostram, a todo o momento, a opinião do jornalista” (Augusti, 2005). A narrativa procu-ra envolver o leitor, levá-lo ao crime num tom dramático e assume um tom sentimental ao tratar da mãe e avó da vítima. O título da matéria traz apenas dois adjetivos: “Frios e Dissimulados”. A linha-fina confirma a tese a ser de-

artig

o

38 SEMANA REVISTA VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

Page 37: Semana Revista (Set2008)

39SEMANA REVISTA

Bibliografia

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DOS DIREITOS DA INFÂNCIA. Balas perdidas: um olhar sobre o com-portamento da imprensa brasileira quando a criança e o adolescente estão na pauta da violência. Brasília: ANDI, 2001.

ANGRIMANI, Danilo. Espreme que sai sangue: um estudo do sensacionalismo na imprensa. São Paulo: Summus, 1995.

AUGUSTI, Alexandre. Jornalismo e comporta-mento: os valores presentes no discurso da revista Veja. Dissertação – UFRGS – Programa de Pós-Gra-duação em Comunicação e Informação. Porto Ale-gre, 2005.

BENETTE, Djalma Luiz. Em branco não sai: um olhar semiótico sobre o jornal impresso diário. São Paulo: Códex, 2002

BUENO, Marina. Leituras de Veja. Observatório de Imprensa, Seção Aspas. Disponível em http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/asp080520026.htm. Acesso em 07/07/2008.

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LINHARES, Juliana. Frios e Dissimulados. Veja,

São Paulo: Abril, ano 41, n. 2057, p. 84-91, 23 de abril, 2008.

NASCIMENTO, Patrícia Ceolin. Jornalismo em revistas no Brasil: um estudo das construções discur-sivas em Veja e Manchete. São Paulo: Annablume, 2002.

fendida: “Pai e madrasta mataram Isabella, numa seqüência de agressões que começou ainda no carro, conclui a polícia”. Ao longo do texto são cons-tatados termos como “tranqüilos, fi-lhinho de papai, esquentada, relação tumultuada, família harmoniosa, pro-vavelmente aterrorizadas”, “espetácu-lo de frieza e dissimulação”, etc.

A publicação utiliza-se de formas opinativas, mas apresenta-se sob as prescrições jornalísticas (Nascimen-to, 2002). Para isso, usa a impessoali-dade da terceira pessoa (“Não se sabe ainda o que motivou o crime...”); fontes oficiais (“Pai e madrasta ma-taram Isabella, numa seqüência de agressões que começou ainda no carro, conclui a polícia”); e coloca as acusações na boca das fontes na nar-rativa (“Em determinado momento, como disseram à polícia testemunhas presentes à festa, a menina fez algo que enfureceu o pai”).

Apenas no último parágrafo da re-portagem, Veja esclarece que os sus-peitos ainda não foram condenados: “A polícia tenciona pedir a prisão pre-ventiva de Nardoni e Anna Carolina. Se condenados ao final do processo...”

Faz parte da tradição das revistas nacionais terminar suas reportagens com a opinião do jornalista (Augusti, 2005). Logo, o texto transcorre entre informações concretas e teses defendi-das pela revista. “Nessa transposição de linguagem é que pode ocorrer o sensacionalismo” (Angrimani, 1995, p. 41) O leitor precisa ter espírito crítico para saber quando se passa da lingua-gem objetiva para a sensacionalista, devendo estar atento às intenções dis-cursivas presentes na notícia.

Veja é fonte de diversas pesquisas

e ataques críticos. Encaixada den-tro dos conceitos jornalísticos, ela se mostra verdadeira ao leitor “for-mador de opinião” do país. Foi aqui mostrado que para repercutir do jeito que o faz, a publicação faz uso de diversos elementos presentes no jornalismo sensacionalista.

O erro do sensacionalismo é o exa-gero e a condução do leitor à conclusão de algo que não é real. Na reportagem analisada, recursos sensacionalistas fazem o leitor concluir a tese defen-dida por Veja: o pai e a madrasta da menina são culpados, mesmo antes de um julgamento.

VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

Page 38: Semana Revista (Set2008)

recém-formado em Jornalismo na UFSCO CFJ pode fortalecer e qualificar os jornalistas e, ao mesmo tempo, va-lorizar o jornalismo pe-rante a sociedade, já que as suas principais pro-postas são ter a respon-sabilidade de expedição de registros profissionais (hoje em dia tarefa do Ministério do Trabalho) e a elaboração e aplicação de um Código de Ética. Porém, acredito que a criação só será válida se realmente houver uma ampla discussão sobre o tema nas universidades e empresas jornalísticas, se ele tiver total isenção financeira e se for uma entidade independente e apartidária.

CFJ em pauta no curso da UFSC

professor-doutor em HistóriaDesde que seja assegurada sua indepen-dência, sobretudo em relação ao poder po-lítico do país, a criação do CFJ é mais do que necessária. Como em relação a outras profissões, a sociedade precisa contar com mecanismos efetivos para a responsabi-lização dos maus profissionais, indepen-dentemente da possibilidade de recurso à Justiça. O Código de Ética dos jornalistas brasileiros apresenta um texto que con-templa as questões mais relevantes do exercício profissional, mas se depara com um obstáculo grande - sua inaplicabilidade para muitos casos. O fato de atingir apenas os jornalistas filiados aos sindicatos, com a penalidade máxima de exclusão da en-tidade para os transgressores condenados, deixa de fora muito jornalista antiético, que nem tem interesse em se filiar no órgão de representação da categoria.

Mauro Cesar Silveira

professor-doutor em ComunicaçãoA legitimação de uma profissão só ocorre quando ela própria tem o controle sobre o seu mercado de trabalho, determinan-do quem pode ou não pode ingressar neste mercado, e quem deve ser excluído dele porque não tem ética ou comportamento profissional: ou seja, é quem diz como e por quem a profissão deve ser exercida. É o que ocorre na Medicina, no Direito, nas Engenharias e até nas Relações Pú-blicas, algumas das muitas profissões que já tem os seus Conselhos. No Jornalismo, as empresas pressionam contra o Conselho Federal porque elas querem continuar sozinhas com este controle, que deveria ser dos profissionais. Felizmente, para os brasileiros, os donos de hospitais, de planos de saúde e de construtoras não têm o poder que têm os conglo-merados de mídia. Os conselhos profissionais são um instrumento que a civilização desenvolveu para limitar o arbítrio do poder econômico.

Eduardo Meditsch

opin

ião

professor-doutor em Comunicação e SemióticaAinda hoje o registro profissional dos jornalistas é concedido pelo governo, minha opinião é a de que os jornalis-tas, por meio de um Conselho, devem fornecer o registro. As discussões e possíveis abusos no exercício profis-sional passariam para comissões de ética vinculadas ao Conselho.

Francisco Karamprofessora-doutora em Ciências da Co-municaçãoNós, jornalistas, não podemos fiscalizar o exercício profissional – e não só o exercício ir-regular, mas o bom exercício, o exercício ético. Legislar acerca da profissão não resulta em censura, resulta numa jornalismo melhor.

Maria José Baldessar

Felipe Seffrin

VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 200840 SEMANA REVISTA

Page 39: Semana Revista (Set2008)

Sair do estilo convencional é abandonar os pilares éticos? Fred Melo Paiva, editor do ca-

derno Aliás, do Estadão, e a equipe do programa CQC, da Band, procuram outros caminhos para fazer jornalis-mo – com humor e adjetivos –, têm respeito dos leitores e da audiência e dizem sempre se preocupar com a ética.

Ao biografar alguém, o que se deve deixar de fora em respeito à pessoa? Ruy Castro biografou Carmen Miran-da, Nelson Rodrigues, Garrincha e é reconhecido como um dos melhores do gênero no Brasil. Extra, a Semana Revista traz a opinião do autor sobre outro gênero popular nos jornais: a crônica.

Diante de tantos desafios éticos, o quê é primordial na formação jorna-lística? Cremilda Medina, professora-doutora de Comunicação da Universi-dade de São Paulo, virá à VII Semana do Jornalismo dar a sua opinião. Por aqui, você lê o quanto essa discussão já rendeu entre profissionais e profes-sores brasileiros.

Lugaremcomum

Page 40: Semana Revista (Set2008)

Sonhei que tomava um expresso descafeinado com Fred Melo Paiva em uma daquelas tardes

paulistanas sem cor e sem graça. Era domingo, dia de publicação do anexo mais adverbial do jornalismo tupi-guarani, o Aliás, publicado no Esta-dão.

Sentado em uma mesa de canto, o jornalista vestia uma camisa bran-ca com listras verticais cinzas, de gola meio aberta e um jeans básico. Olhava pra um livro de capa escura que tinha em mãos quando me aproximei. Reconheci-o ra-pidamente dos tempos em que estudava na UFSC e este foi convidado para uma palestra na Semana do Jornalismo. Fred Melo Paiva abriu o evento com uma conversa in-formal sobre as pas-sagens por Playboy, Veja, IstoÉ, Trip, respectivamente, e pelo jornal paulis-tano onde agora trabalha.

Naquela épo-ca, já era sua fã. Fã, não, porque estudante de jornalismo não admite tietagem. Então, já admirava seu tra-balho no caderno Aliás, considerado muito ousado em vista do conser-

vadorismo do jornal que o publica. Aproveitei o encontro inusitado nes-ta tarde para me oferecer a uma vaga qualquer, nos tempos de vaca magra dos jornais impressos, seja no Esta-dão, seja em qualquer veículo que ti-vesse um amigo.

Embora haja controvérsias, Fred Melo Paiva não segue regras comuns a que estamos acostumados no jorna-lismo. Em seus textos, as fontes não

afirmam, rosnam. O gerúndio não predomina, mas é usado sem restrições.

Expressões piegas que aprendemos a ter ojeriza,

Fred utiliza com charme e ironia: “foi a gota d’água”

ou “errar é humano”. Em contrapartida, cada de-

talhe de seus extensos parágrafos é pensado minuciosamente, como ele próprio confessa. Os adjetivos são a bola da vez:

- Acho o precon-ceito com o adjetivo apenas um precon-ceito - e, como todos, idiotas. Não acho que os utilizo exa-cerbadamente. Eu

os utilizo quando cabe e se necessá-rios, mas realmente sem preconceito com ele, coitado.

Suas contracapas já humanizaram

VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

perfil Eu não sou Cruzeirense, não

Por Juliana Gomes

Um papo com o jornalista atleticano que favorece o tipo de texto não encontrado em outras partes do Estadão

42 SEMANA REVISTA

Page 41: Semana Revista (Set2008)

Boris, um labrador americano e vir-gem que está no Brasil a trabalho; e a uma cadela que também “jamais deu uma trepadinha” funcionária do Cor-po de Bombeiros de São Paulo. Cláu-dio Lembo, ex-governador paulistano, confessou ao jornalista que só anda com seu Ford Ka preto, mesmo tendo direito a um carro oficial.

Dos textos mais comentados na se-gunda-feira, aquele sobre os quaren-ta moradores da favela Funchal que trabalharam na construção do prédio da Daslu, junto à Margem do Rio Pi-nheiros. Fred passou uma semana na favela e foi o primeiro a colocar um dedo de hipocrisia na repercussão que a mídia vinha dando à inauguração da loja. Foi comparado a Gabriel Garcia Márquez em artigos do site Obser-vatório da Impren-sa por resgatar uma qualidade perdida do jornalismo, a ca-pacidade de contar histórias pela pala-vra dos seus prota-gonistas, e não pelo viés do jornalista.

O caderno de do-mingo em que traba-lha, o Aliás, é o que a imprensa internacio-nal chama de Week Review. As reuniões de pauta são feitas na segunda e terça-feira de cada semana, mas como ainda não aconteceu muita coisa nesses dias, as discussões acabam sendo uma tenta-tiva de intuir o que prevalecerá como tema principal e o que desaparecerá do noticiário até o fim de semana:

- A seleção das pautas se baseia

neste compromisso com a semana, mas não apenas com isso. Sua pauta deve ser menos noticiosa e mais dada à reflexão, à crítica, à opinião. Da mesma forma, no caso da reportagem publicada na contracapa, procuramos marcar diferença com relação às re-portagens diárias. O assunto desta úl-

tima página é muitas vezes tema que já foi noticiado nos últi-mos dias, mas que o corre-corre do jornal não permite maior aprofundamento . Em outras oportuni-dades, a contracapa é dedicada a perfis de personagens da se-mana, celebridades ou não.

A apuração das reportagens de Fred Melo Paiva também não campeia o pa-

drão. Se a pauta é sobre uma família cuja casa é inundada constantemente pelas enchentes, Fred não pergunta apenas a que altura a água alcançou. Uma das peculiaridades de apuração está no que ele mesmo confessa cha-mar de “perguntas absurdas”, mesmo

VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

* imagem disponível em https://pandabooks.website-seguro.com/autores.php?id=139

Acho o preconceito com o adjetivo apenas um preconceito - e, como todos, idiotas. Não acho que os utilizo exacerba-damente. Eu os utilizo quando cabe e se necessários, mas realmente sem preconceito com ele, coitado.”

43SEMANA REVISTA

Page 42: Semana Revista (Set2008)

se o personagem for um estuprador ou um poeta:

- Para que time torce? Você gosta de Bossa Nova? Assiste novela? Que disco tem na sua vitrola? Gosta de car-ro antigo?

Depois de gravar as respostas, Fred ouve cada detalhe para en-tender até como cada pessoa pronuncia uma palavra. Nada daquela pressa e das cinco mil pau-tas que o jornalista de hardnews está acostumado. Fred adora parágrafos e escreve muito devagar. Pensa meticulosamente cada legenda de foto, cada intertítulo. Por fim:

- Gasto muitas horas tentando achar o título ideal. Jamais utilizei nome de filme ou de música. Eu me proíbo mui-tas coisas e estas são duas delas.

Fred foi punk. Depois, virou ateu e comunista, mas continua sendo des-

ses que não gosta de governo. Já foi petista, não é mais, e continua não gostando de governo. Não escapou do batismo na igreja, até teve uma avó que foi freira, e é da cidade gran-

de, a sexta mais populosa do país, Belo Horizonte.

Não perguntei como chegou a São Pau-lo, já que a maioria dos jornal i s tas

– Fred traba-lha há 12 anos

– almejam pelo menos um free-la e uma vaga no

trânsito paulista. É flexível, gosta de jazz

e samba, de Jimi Hendrix. No es-porte, não tem negócio. Perguntei se

torcia pro Cruzeiro, ele rosnou: - Eu não sou cruzeirense não. Sou

Galo e ponto. Filho meu que quiser ser Cruzeiro terá de sair de casa. E corta-rei a mesada! E o retirarei de meu rico testamento.

VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

A seleção das pautas se ba-seia neste compromisso com a semana, mas não apenas com isso. Sua pauta deve ser menos noticiosa e mais dada à reflexão, à crítica, à opinião.

ilustrações: Alexandre Tcheto

”44 SEMANA

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Trechos de Fred Melo Paiva:

Abre as portas a nova DasluA gente é pobre mas é limpinho. O problema é que aqui

não tem rede de esgoto e são mais de 200 barracos, espa-lhados pelo beco, e mais oito vielas. Já viu a merda que isso dá, né? A senhora deve estar estranhando a quantidade de fio que sai daquele poste e se divide em vários outros, in-terligando tudo. É gato, menina. Tudo gato. E tem cachorro também. A senhora consegue ver aquele pit bull branco? É o Dólar. E o rottweiller? É o Fidel. Agora veja só que confusão: gato com cachorro, pit bull com criança, o esgoto passan-do no meio, música alta, vizinho fazendo churrasco na viela, todo mundo na rua em pleno dia de semana. Pois é. Isso aqui tem nome. Chama favela. E a gente gostaria de apresentar ela à senhora como uma forma de lhe dar as boas-vindas:

Eliana Tranchesi, favela. Favela, Eliana Tranchesi.

”O herói resgatador

Quinze pessoas estavam tomando o café da manhã quan-do ouviram o barulho do motor se desacelerando - na ensur-decedora sinfonia de um Boeing 707, era apenas mais um barulho no meio dos outros barulhos. De modo que ninguém se importou com ele, à exceção de uma senhora. Ela tinha escutado o barulho e visto lá fora um clarão. “Aconteceu al-guma coisa?”, perguntou ela a um dos comissários de bordo. Na cabine da aeronave, o mecânico de vôo acabava de de-tectar um problema: o motor havia pegado fogo e ele pôde observar “nitidamente o efeito de pós-combustão por 3 ou 4 segundos”. A peça tinha de ser isolada do resto do equipa-mento, sob pena de provocar um incêndio. O avião precisava descer.

”VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008 45SEMANA

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Page 44: Semana Revista (Set2008)

VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

CronicandoPor Luisa Frey

“O que eu tenho, doutor? Você está com uma doença crônica, sinto muito”.

*foto: editora objetiva

repo

rtag

em

Não. O assunto não é esse tipo de “cronicidade”. A crônica em questão é aquele texto

leve e curto, sobre um fato cotidiano, que se lê no jornal. Ou então em um livro que traz uma coletânea desses textos. É o caso de Ungáua!, o recém lançado volume que reúne 101 crô-nicas de Ruy Cas-tro, publicadas na Folha de S. Paulo entre fevereiro de 2007 e março de 2008. E não é só o nome dado à obra que intriga em Ruy. Sua visão jor-nalística e sobre o gênero crônica tam-bém é bastante particular.

Comecemos pelo curioso nome “Ungáua”. É o que o Tarzan, inter-pretado por Johnny Weissmuller no cinema, dizia ao macaco, ao elefante e aos outros bichos quando queria lhes dar alguma ordem. “Falava apenas ‘Ungáua!’ e o bicho entendia imedia-tamente o que tinha de fazer”, expli-ca Ruy. Talvez essa seja uma analogia com a espontaneidade e a fácil com-preensão da crônica. Mas escrevê-la é bem mais complexo do que parece.

A crônica exige um grande exercício de observação e síntese. “Me obriga a ficar atento ao que está se passando,

o que é bom, porque tendo a ser meio desligado da vida real”, diz Ruy. Ele conta também que quando começa uma crônica só tem uma idéia vaga do assunto, que vai tomando forma à me-

dida que escreve. O cronista leva cerca de duas ho-ras para escrever aqueles 1777 ca-racteres permiti-dos pela Folha, incluindo todas as mudanças fei-tas no texto.

Mas não só redigir essa cria-turinha é difícil. Defini-la tam-bém o é: afinal, o

que é uma crônica?A professora de português, mestre

em Teoria da Literatura e cronista Re-gina Carvalho diz que a característica principal do gênero é justamente não ter característica nenhuma: tudo pode ser crônica. “A única definição possível é a de que ela é um texto literário para jornal. E assim, como texto literário, tem toda a liberdade de linguagem, estilo, temática. As limitações lhe vêm impos-tas pela publicação”, afirma Regina. Ruy, por sua vez, define a crônica como um comentário bem escrito, que leva em conta os mandamentos imutáveis do jornal: o quê, como, quem, quando, onde. O cronista brinca que sua inspi-

46 SEMANA REVISTA

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47SEMANA REVISTAVII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

ração para escrever vem do horário de fechamento do jornal e que o cenário carioca é quase sempre um bom ponto de partida, mas não é o único. Ele expli-ca que em Ungáua! há poucas crônicas que se passam no Rio, mas a maneira de ver o mundo, esta sim, é sempre cario-ca. “Todos aqueles cronistas capixabas (Rubem Braga, Carlinhos Oliveira), mi-neiros (Fernando Sabino, Paulo Men-des Campos), pernambucanos (Nelson Rodrigues) e até paulistas (Elsie Lessa) só se tornaram cronistas no Rio. Só uma metrópole em que se possa andar a pé fornece material para crônica”.

Aqui entra em questão também a brasilidade da crônica. Para o cronista carioca, não há dúvidas de que esse é um gênero tipicamente brasileiro. E muitos também o dizem. A professora Regina lembra, entretanto, que há crônicas em outros países, mas com características diferenciadas. Cita como exemplo o Uruguai e seu popular escritor Eduardo Galeano. Ele ficou famoso não só por sua obra As veias abertas da América Latina, mas também por seus livros de crônicas, como Bocas do Tempo, publi-cado em português. Segundo ela, o que houve no Brasil é que a crônica atingiu uma popularidade muito grande.

E por falar em popularidade, para

Ruy Castro, um romancista tende a ser bem mais valorizado que um cronista por o romance ser coisa mais séria, que dá muito mais trabalho. Ele mesmo foi consagrado por seus livros de reconsti-tuição histórica e biografias. Era no tem-po do rei - Um romance da chegada da Corte, por exemplo, tomou dez meses do autor para ser escrito após um ano de estudos sobre o cenário do século XIX. Regina cita o romancista Cristóvão Te-zza, e sua idéia de que todos amam um cronista, mas ninguém conhece um ro-mancista. “E olhem que o Tezza tem re-nome nacional! Mas o que se pode espe-rar num universo em que se lê pouco?”, diz a professora. Ela afirma não saber se as pessoas lêem o jornal, mas ter certeza de que as crônicas elas lêem.

Regina acredita que a crônica deve falar do cotidiano com leveza e humor. E também bronquear quando preciso, porque há coisas que revoltam até o cro-nista mais bem-humorado do mundo. A professora acrescenta que a crônica tem como função trazer um pouco de beleza e reflexão para a vida das pessoas, de uma forma que elas possam assimilar e ter prazer com isso.

Sem rodeios, Ruy Castro diz que uma boa crônica deve ser simplesmente interessante de ler.

Ungáua!O livro recém-lançado reúne 101 crônicas publicadas por Ruy Castro na

página 2 da Folha de São Paulo, entre fevereiro de 2007 e março de 2008. O autor aborda com leveza e ironia temas cotidianos como futebol, música, cinema e também aqueles menos prazerosos como política, drogas e vio-lência. Tudo isso com seu jeitinho carioca de ver o mundo. Um exemplo do estilo genial é Ungáua!, crônica que dá título ao livro.

A palavra era dita por Tarzan no cinema diante de qualquer situação uma espécie de “Vamos lá, macacada!”. Segundo o cronista, é exatamente essa a estratégia do presidente Lula.

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VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

rese

nha Onde não sobram nem

faltam caracteresPor Camila Brandalise com colaboração de Cauê Oliveira e Gabriel Rosa

Apuração minuciosa, texto irretocável e personalidades marcantes tornaram clássi-cas essas obras de Ruy Castro

O anjo pornográficoCompanhia das Letras,

1992464 p.

O Anjo Pornográfico

Ao caminhar no Rio de Janeiro dos anos 50, o jornalista e dra-maturgo Nelson Rodrigues se

deparou com um marido dando uma sova na mulher por, diziam as vizi-nhas, ser tratado como cachorro por ela. As mulheres o animavam: “bate mais! Bate mais!”. Depois da surra, a esposa se jogou aos pés do marido e suplicou perdão. Dali, Nelson criou uma de suas mais famosas máximas: “mulher gosta de apanhar”.

A sensibilidade em analisar a rea-lidade cotidiana de Nelson Rodrigues trouxe o reconhecimento público e literário. Em O Anjo pornográfico, Ruy Castro conta com minúcia a vida de Nelson, do jornalismo policial aos palcos do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Mais do que qualquer conto ou peça ou noticia escrita por ele, es-petacular mesmo foi sua própria his-toria.

Chega de Saudade

Chega de SaudadeCompanhia das Letras,

1990464 p.

Se João Gilberto deu o nome, Ruy Castro contou a história. A Bos-sa Nova, para quem a musicava,

com certeza daria um belo romance, tão instigante são os seus bastidores, recheados de amores, paixões e trai-ções. No livro Chega de Saudade, a com-posição do autor foi juntar os persona-gens famosos, os amigos e os inimigos, e colocar o período na linguagem das

estórias. O cenário, a boemia carioca, é o palco das tragédias, dramas e comé-dias vividas no tempo da Bossa.

O livro já é um sucesso só pelos protagonistas: Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Nara Leão, Carlos Lyra, Ro-naldo Bôscoli, Maysa, Johnny Alf, Elis Regina. É pra quem gosta de música, de história e de Brasil.

48 SEMANA REVISTA

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VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

Estrela SolitáriaCompanhia das Letras, 1995

536 p.

Estrela Solitária

Não é com freqüência que ou-vimos o nome de Manuel dos Santos. Mas Garrincha

todos conhecem. Mesmo pra quem não acompanhou os jogos de futebol, o mito permanece. O “demônio das pernas tortas” é o personagem prin-cipal da biografia Estrela Solitária.

As várias glórias e tragédias que per mearam a vida do famoso Mané ren-

dem bela obra. É importante sabermos hoje, tanto quanto nossos pais que o viram atuando, quem foi o grande herói do bicampeonato no Chile. E mais do que isso, a história confronta a força dessa imagem heróica com as engrenagens da vida do Manuel dos Santos, o homem simples do interior que ganhou o país com suas pernas.

Carmen – uma biografiaCompanhia das Letras,

2005632 p.Carmen - Uma Biografia

Ao ler Carmen, não se mergulha somente na vida da “peque-na notável”, mas também no

ambiente do Rio de Janeiro das pri-meiras décadas do século XX e em Hollywood.

Exímio na pesquisa, Castro pas-sou cinco anos vasculhando a vida de Carmen Miranda e a descreve desde o nascimento em Portugal – por aciden-

te, como enfatiza o autor-, até a morte em 1955, nos Estados Unidos.

A elegante baiana estilizada, que se tornou ícone tropicalista, não pelas suas músicas mas sim pela figura, este-reotipa do Brasil e pelos seus trejeitos, é revivida no livro em seu mundo des-pudorado, como se ainda continuasse cantando: “Sou brasileira, vivo feliz, gosto das coisas de meu país”.

Tempestade de Ritmos

Depois da Bossa Nova e do samba, Ruy Castro levou o jazz às prateleiras das livra-

rias. A coletânea de artigos lançados na Istoé, Folha, Veja e no Estadão e es-critos entre 1978 e 2006 é um reflexo do gosto musical de Ruy, ainda que essa não seja a proposta inicial do li-vro.

Com histórias no mínimo curiosas

sobre Louis Armstrong ou Ray Char-les, e informações sobre o surgimen-to dos filmes falados, entre outras curiosidades, Tempestade de Ritmos merece respeito de qualquer jazzista de plantão. Ah, vá lá, e não só dos jazzistas. Afinal, mesmo dando al-guns discretos puxões de orelha nos roqueiros, Ruy Castro fala de música como poucos brasileiros.

Tempestade de RitmosCompanhia das Letras,

2007440 p.

49SEMANA REVISTA

Page 48: Semana Revista (Set2008)

50 SEMANA REVISTA

Na cabeça uma toca de banho

para ser identificada como caloura – brin-cadeira dos vete-ranos na primeira semana de aula –, olhos brilhantes e bem focados na entrevistadora, Caro-lina Azevedo gesticula ansiosamente ao falar o que espera aprender no curso de jornalismo da UFSC. Confessa que ainda não sabe exatamente o que deve apren-der entre teoria e prática da profissão. Carolina leu a grade de horários, sabe as funções básicas de um jornalista, mas admite: “Não dá para colocar na cabeça de um calouro o que é o curso. Eu só vou saber o que preciso e o que faltou quando estiver lá na frente, trabalhando e souber realmente o que é a profissão”.

Aqueles que já passaram pela univer-sidade, pelo mercado de trabalho e hoje estão na academia entendem que para criar o currículo é preciso, antes, definir

o perfil de profissional que se pretende formar.

A formação essencialmente teórica, ainda presente em diversos cursos do Brasil, muitas vezes não prepara para as

demandas do mer-cado. Os cursos en-caram a questão de se reformular para que seus alunos te-nham condições de entrar no mercado de trabalho e, ao mesmo tempo, têm a responsabilidade de formar jornalistas com conhecimento. “Nós não vemos o mercado como um inimigo”, afirma a

professora Márcia Marques sobre a pos-tura adotada na Universidade de Brasília (UnB).

A professora diz que o propósito tra-çado pelo curso brasiliense é “mais do que preparar pessoas para escrever em jornalismo, é formar cidadãos capazes de pensar, elaborar, avaliar, propor mudan-ças nos meios de comunicação”. Foram dois anos de encontros em que os pro-fessores discutiram autores como Paulo Freire e Edgard Morin e fizeram debates e pesquisas com os alunos até chegarem ao modelo do novo currículo, implan-tado em 2005. Na nova grade, a divisão de dois anos práticos e dois teóricos não existe mais. Nas aulas práticas, os profes-

VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

repo

rtag

em Entre a técnica e a teoria por Joana Neitsch e Juliana Passos

Currículos de jornalismo no Brasil tentam conciliar idéias e práticas.

Page 49: Semana Revista (Set2008)

51SEMANA REVISTA

sores se revezam durante o semestre ao ministrarem disciplinas em diferentes la-boratórios, abordando os mesmos temas de pauta. A medida está em fase de expe-rimentação, na tentativa de interagir com diferentes mídias e aprofundar a reflexão teórica durante as experiências práticas.

A primeira proposta de um curso de jornalismo no Brasil foi feita em 1918, no Congresso Brasileiro de Jornalismo, de acor-do com a dissertação de Eduardo Medistch. A idéia era um curso voltado à prática, ba-seado em um jornal-la-boratório – influências do modelo que ganha-va força nos Estados Unidos.

Mas o primeiro curso de jornalismo, fundado em 1947, se-guiu um caminho inverso. O currículo elaborado pela Fundação Cásper Líbero era predominantemente humanístico, com ênfase em estudos éticos, jurídicos e literários. O governo passou a influenciar na concepção dos currículos com a cria-ção do Conselho Federal de Educação. Em 1962, o Conselho elabora o primeiro currículo mínimo, com uma grade de disciplinas obrigatórias para todos os cursos de jornalismo do país.

Fatos como a Revolução Cubana ge-raram uma preocupação sobre a postura de resistência que o jornalismo vinha to-mando no terceiro mundo diante da po-lítica dos Estados Unidos. Essa situação levou a Unesco a criar em 1959 o Centro Internacional de Estudos Superiores de Jornalismo para a América Latina (Cies-pal), com sede em Quito, Equador.

A influência da organização no Bra-

sil foi tamanha que o segundo currículo mínimo de jornalismo foi elaborado du-rante o regime militar por Celso Kelly, técnico treinado no Ciespal. Esse novo currículo, apresentado em 1969, enfatiza a tecnificação do ensino e cria a figura do comunicador polivalente ou comunica-dor social, capaz de dominar técnicas de jornalismo, relações públicas, publicida-

de e propaganda, de acordo com as neces-sidades do mercado. O diploma passou ser obrigatório para o exercício da profissão. Recomendava-se aos cursos de jornalismo nos países sul-ameri-canos que passassem a se ser chamados de comunicação social.

Discussões e des-contentamentos com

as mudanças de 1969 deram origem à criação de um novo currículo em 1979. A nova proposta pretendia voltar-se para a reflexão crítica, mas o que acabou ocor-rendo foi uma burocratização e a respon-sabilidade do ensino técnico-profissional foi transferida para os estágios nas em-presas.

A partir da década de 80 a tecnificação imposta pelo governo militar é reforçada pelas exigências do mercado. Empresá-rios reclamavam que a formação do jor-nalista era incompatível com as funções que exerceriam depois de terminada a faculdade e usavam isso como argumen-to para não haver obrigatoriedade de di-ploma.

Em 1984 foi formulado o currículo mínimo que estabelecia um tronco co-mum de disciplinas para a formação do comunicador social e seis habilitações es-

VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

O primeiro curso de jornalismo fundado no

país pela Fundação Cásper Líbero ia de encontro à proposta de focar mais na prática do Congresso

Brasileiro de Jornalismo e abordava questões éticas,

jurídicas e literária

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52 SEMANA REVISTA

pecíficas, sendo uma delas o jornalismo. A parte técnica da profissão deveria ser ensinada em laboratórios, mas em mui-tas universidades ficou comprometida devido à falta de estrutura.

Durante a década de 90 os cursos fo-ram fazendo ajustes de acordo com as necessidades que detectavam. Na UFSC adotou-se a nomenclatura jornalismo em 2000. A publicação do comunicado em 5 de julho, pelo então chefe de departa-mento Hélio Schuch, justifica: “A forma-ção de jornalistas não cabe em apenas dois anos, como simples habilitação. Com um mer-cado de trabalho cada vez mais exigente e dinâmico, a graduação deve ampliar e qualificar a capacidade dos alunos, com um ensi-no de enfoque profissio-nal, e isso demanda um tempo bem maior”.

A utilização do tronco comum na estrutura do currículo não resolve o que para o professor dou-tor Eduardo Meditsch é uma das maiores deficiências dos estudantes de jornalismo: a falta de conhecimento sobre a realidade brasileira. Meditsch conta que foi procu-rado por uma grande empresa de comu-nicação para dar um curso sobre o tema aos jornalistas. O professor é autor do li-vro O conhecimento do Jornalismo e chegou a propor para o currículo da UFSC que em cada fase fosse abordado um mesmo tema sobre a realidade do Brasil em todas as disciplinas, como economia, meio-am-biente e política.

O Conselho Nacional de Educação de-finiu em 2001 novas diretrizes, com mais flexibilidade, para a formação de um pro-fissional do jornalismo nos Parâmetros

Curriculares Nacionais. De acordo com as novas diretrizes, o curso ainda é clas-sificado como uma habilitação da área de Comunicação Social, e o ensino deve ser focado na produção e disseminação das informações do momento presente. A graduação também deve se relacionar com outras áreas sociais, culturais e eco-nômicas. “Os cursos antigos têm agora a oportunidade e o compromisso de pro-moverem as adequações necessárias às expectativas e ao dinamismo da socieda-de” avaliam os professores Eron Brun e

Jorge Ijuim em artigo leva-do ao Intercom em 2003.

A flexibilidade radi-cal na grade curricular é defendida pelo professor da UFSC, Mauro Silveira. Desde que entrou na gra-duação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, nos anos 70, ele acre-dita que a função da uni-versidade é potencializar vocações. Para o professor os estudantes deveriam ter

uma boa base teórica e a opção de cursar disciplinas técnicas de acordo com suas áreas de maior interesse no jornalismo. “Eu percebi no próprio exercício da pro-fissão que muitas coisas que vi na facul-dade não me serviram de nada” explica ele, mas reconhece que isso exigiria mais recursos e uma melhor estrutura na uni-versidade brasileira.

Formado no curso de jornalismo da UFSC no final de 2007 e primeiro lugar no trainee do jornal Estadão no mesmo ano, Vitor Hugo Brandalise Júnior percebe em seu pouco tempo no mercado que o ensino técnico lhe foi muito bem ensinado. Ele também reconhece as deficiências em sua for-

VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

Para Meditsch, a maior deficiência do estudante de

jornalismo é a falta de conhecimento sobre a realidade brasileira e nem

mesmo a formulação dos currículos a partir de um tronco comum

soluciona esse problema

repo

rtag

em

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VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

mação. “Falta conhecimento periféri-co sobre tudo. Falta estudo. E, since-ramente, de dentro do mercado, ao menos da grande mídia, não é fácil corrigir essas falhas na formação”.

Leia maisO professor de jornalismo da UFSC Hélio Schuch fala da mudança de nomenclatura do cursohttp://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/da05072000.htm

O conhecimento do jornalismo: o elo perdido no ensino da comunicação, Eduardo Barreto Vianna Meditsch. Editora da UFSC.

Primeira proposta de um curso de jornalismo no Brasil, no Congresso Brasileiro de Jornalismo

Conselho Nacional de Educação define novas diretrizes de ensino nos Parâmetros Curriculares

Nacionais, e o jornalismo continua sendo uma habilitação de comunicação social

O curso de comunicação social surge com um tronco comum às diversas áreas de comunicação e seis habilitações, sendo uma delas jornalismo

É criado um currículo com o objetivo de incentivar a reflexão-crítica do jornalismo

Um novo currículo mínimo é elaborado por Celso Kelly (técnico treinado no Ciespal), com ênfase nos aspectos técnicos do ensino de jornalismo

A UNESCO funda o Centro Internacional de Estudos Superiores de Jornalismo para a América Latina (Ciespal)

Criação do primeiro curso de jornalismo do Brasil na Fundação Cásper Líbero, em São Paulo

Criação do primeiro currículo mínimo para cursos de jornalismo no Brasil

Cronologia

53SEMANA REVISTA

Page 52: Semana Revista (Set2008)

No início deste ano, uma seleção inusitada de personalidades recebeu uma visita em comum. Gretchen, Pa-dre Quevedo, Leão Lobo, Raul Gil, Datena e Marcelinho Carioca tive-ram de enfrentar um dos problemas da fama: dar entrevista a um repór-ter inexperiente. Cada um à sua vez, inadvertidamente viu o microfone cair, ouviu os comentários gagueja-dos e respondeu às perguntas mais inoportunas disfarçadas de ingenui-dade. Mas o disfarce caiu no dia 17 de março, quando estreou o Custe o que Custar, ou simplesmente CQC. O repórter Danilo Gentili demons-trou que, quando se trata de enganar seus entrevistados, não tem nada de inexperiente.

Criado em 1995 na Argentina pela produtora Cuatro Cabe-zas, que hoje realiza também a versão transmitida pela Band, o CQC (originalmente “Cai-ga Quien Caiga”) faz su-cesso em países como Chile, Espanha, França e Itália. E aqui não foi diferente: em pouco mais de dois me-ses a audiência no horário (segundas-feiras às 22h15) do-brou, passando de 3 para 6 pontos. O

número pode não parecer extraordi-nário, porém, não expressa o público total. Mais de oitocentos vídeos, só da versão brasileira, estão dispo-níveis no YouTube. “Isso é muito positivo. Não está refletido no IBO-PE, mas esse não é nosso principal objetivo. Temos vontade de falar as coisas”, considera o argentino Die-

go Barredo, diretor do Custe o Que Custar. E milhares de

pessoas estão ouvindo o que eles têm a falar.

Os apresentadores são Marcelo Tas, Marco Lu-que e Rafael Bastos, sen-

do que o último também integra a equipe de re-pórteres, junto com Oscar Fi-lho, Felipe An-dreoli, Rafael Cortez e Dani-lo Gentili. De

eventos sociais ao Congresso Na-

repo

rtag

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54 SEMANA REVISTA VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

CQC, o programa jornalístico mais comentado do mo-mento, onde os repórteres

usam terno e gravata mas vivem perdendo a elegância.

De séria já basta a realidade por Carolina Moura, colaboração Juliana Frandalozo

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cional, do Museu de Arte Moderna às Olimpíadas na China: tudo isso é pauta para o CQC. O que identifica e diferencia o programa são as repor-tagens que divertem e criticam ao mesmo tempo.

A associação entre humor e jorna-lismo não é algo recen-te. A charge é um gêne-ro consagrado no Brasil, que tem origem nas ca-ricaturas do século XIX. A principal caracterís-tica dessas ilustrações é a sátira em relação à política e aos costumes da época. A charge brasileira tem grandes nomes como Angeli, que já foi publicado em vários países.

Marcio Acselrad, professor do curso de Comunicação Social – Jor-nalismo, na Universidade de Forta-leza, escreveu que o humor é uma estratégia cultural capaz de apro-ximar o homem da consciência de sua realidade. No artigo “O humor como estratégia de comunicação”*, ele apresenta o riso como “uma for-ma de lidar com as questões mais graves e profundas a partir de uma

superfície apaziguadora mas ferina, sutil e sarcástica”. A piada não cul-tua o homem; desmascara-o, mostra-como ele é.

Ninguém está protegido da sátira. As figuras de poder, sérias e conser-vadoras, podem se tornar as mais

cômicas. E o programa americano The Daily Show prova isso desde 1996. São clássicas as críticas ao presidente Bush, tratando até as-suntos como a Guerra do Iraque de forma

bem-humorada. Adam Chodikoff, responsável por assistir a horas de noticiários para usar de material para o programa, afirmou em entre-vista ao Washington Post que não se trata de uma perseguição: “Eu que-ro fazer o programa o mais sagaz, o mais engraçado possível. Não acor-do toda manhã dizendo ‘eu tenho que pegá-lo, eu tenho que pegá-lo!’”. O produtor-executivo David Javer-baum considera os noticiários muito ruins no que fazem (“My opinion is they suck at their jobs”). Nesse cená-rio, o Daily Show faz conexões e dá

VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008 55SEMANA REVISTA

O que identifica e diferencia o programa

são as reportagens que divertem e

criticam ao mesmo tempo

Page 54: Semana Revista (Set2008)

destaque a informações que ficam perdidas em meio ao turbilhão de notícias diárias. Barredo, diretor do CQC, faz uma avaliação parecida, ainda que não tão dura, da mídia no Brasil e na Argentina. “O jornalis-mo tem uma solenidade às vezes absurda, que oculta certas críticas da realidade e expõe com naturalidade coisas in-justas”, comenta. É aí que o humor entra: para falar sem rodeios e desmoralizar com senso crítico. “É uma ferramenta para der-rubar barreiras, chegar às pessoas. Ele está muito ligado à inteligência, quebra paradigmas.”

Apesar de a mistura não ser novi-dade, ainda surge a pergunta: entre jornalismo e humor, onde reside a ética? Segundo Barredo, do início ao fim. Toda a equipe de produção do programa é formada por jornalistas, inclusive profissionais que vieram de importantes veículos impressos do país. A ética do jornalismo vale

para o CQC. Ques-tionado sobre

o off no caso da e n t r e -v i s t a c o m M ã e

Diná, na qual ela fala sobre o presidente Lula ao pensar que o mi-crofone está desli-

gado, Barredo diz que o limite é o respeito às

pessoas. Quando algo pode prejudicar alguém

e não tem importância jornalística, não vai ao ar. Por isso eles foram tão convictos na campanha para entrar no Congresso, após serem proibi-dos de gravar no local: “não houve desrespeito. É tudo verdade, o men-

salão, o caixa dois. Está provado”.

A maior dificuldade em produzir o CQC, para o diretor, é ser sempre original. Esse é um pro-

blema identificado por ele no jorna-lismo tradicional ao seguir mecanis-mos que acabam gerando repetições, sempre fazendo as mesmas pergun-tas. Que pergunta um repórter do CQC lhe faria em uma entrevista? “Provavelmente perguntaria quando teria um salário mais alto. Eu man-daria ele trabalhar mais se quisesse ganhar o aumento”.

* O humor como estratégia de comu-nicação, de Marcio Acselrad. Disponível no site www.compos.org.br

repo

rtag

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56 SEMANA REVISTA VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

Humor censurado

Em abril, o Congresso Nacional proibiu as gravações do CQC na repartição federal e trouxe a discussão sobre o humor no jor-nalismo, questão capa da revista Imprensa em julho. A matéria de Danilo Gentili sobre a reforma tributária foi o que desencadeou a reação do Congresso, que justificou sua de-cisão dizendo que o conteúdo do CQC era humorístico, e não jornalístico.

O repórter, que não é formado em jor-nalismo mas tinha credenciais de imprensa, começou uma campanha para que pudesse voltar a gravar no local. “Não é uma dita-dura, mas a censura está aí”, disse Gentili. A equipe do programa se mobilizou e lan-çou uma campanha em TV, rádio e internet, onde juntou 260 mil assinaturas de apoio. O CQC só pôde voltar ao Congresso no dia 30 de junho, quando recuperou a autorização do Senado.

Entre jornalismo e humor, onde

reside a ética? Do início ao fim

Page 55: Semana Revista (Set2008)

Anos 80, período de abertura política, pós ditadura. Perído conturbado, bombas e censura. É nesse contexto que uma pergun-ta a Paulo Maluf torna célebre um repórter: “Muitas pessoas não gostam do senhor, di-zem que o senhor é corrupto. É verdade isso, deputado?”. Se tratava de Ernesto Varela, personagem interpretado por Marcelo Tas, que ironizava personalidades políticas da época com questionamentos diretos e des-concertantes.

O repórter fictício surgiu em 1983 no programa Olhar Eletrônico, da TV Gazeta, no desespero para preencher as duas horas semanais do programa. “Começamos com uma reportagem que explicava a dívida ex-terna brasileira num terreno abandonado na Avenida Paulista. Foi calculado o preço de cada cacho de banana plantado ali no metro quadrado mais caro do Brasil. E assim su-gerimos às autoridades a saída para a crise nacional: derrubar todos os prédios dos ban-cos da Paulista para a produção daquele tipo de banana. O governo militar não aceitou a sugestão e a dívida externa está aí até hoje. Mas a televisão ganhou um novo persona-gem: o repórter Ernesto Varela”, contou Tas no livro Made in Brazil – Três Décadas do Vídeo Brasileiro.

Varela falou de economia, política, espor-tes e entrevistou personalidades de verda-de. Com seus óculos de armação vermelha – adereço improvisado, mas que se tornou marca registrada - saía para fazer as pergun-tas que todo mundo tinha na cabeça, mas não tinha coragem de fazer. Existia um rotei-

ro bem elaborado, entretanto, com a câmera ligada, o improviso era a lei. Foram muitos os entrevistados, como Pelé, Nelson Piquet, o vice-presidente da República Aureliano Chaves, o deputado federal Fernando Hen-rique Cardoso, a Guarda do exército verme-lho na União Soviética e Chico Buarque em cima do palanque das Diretas-Já.

O fiel câmera Valdeci era personagem importante no quadro, Varela pensava alto e conversava com o cinegrafista, que foi vi-vido primeiramente por Fernando Meirel-les. Toniko Melo assumiu o papel durante a “Copa do Mundo” e em “Cuba”, e Hen-rique Goldman foi o Valdeci em “Varela em Nova York”.

O quadro deu tão certo que, em 1984, a convite da Abril-vídeo, a equipe criou o programa Crig-Rá, com experimentação de vários formatos e participação de muitas ou-tras pessoas. Em 1987 Tas foi morar nos Es-tados Unidos e marcou o fim da temporada do Varela, mas ele ainda voltou a aparecer na televisão, rádio e teatro. Hoje, Ernesto Varela está adormecido, mas Marcelo Tas afirma que o repórter politicamente correto pode voltar a qualquer momento.

VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

mem

óriaO repórter politicamente correto

por Marina Veshagem

Ernesto Varela fazia pergun-tas simples, ingênuas e di-retas para os personagens

da história de verdade.

Melhores momentos:Entrevista com Nelson Marchezan – deputado

federalNelson - Eu represento bem o povo que sofre.Varela - Deputado, o senhor acredita no que o

senhor diz?

Entrevista com Nabi Abi Chedid – deputado e vice-presidente da CBF

Nabi - Brasileiros como você são responsáveis pelo desvirtuamento das coisas, vamos falar de futebol, não vamos falar de política, eu não falo de política aqui.

Varela - Então uma pergunta futebolística para terminar a entrevista. Qual é a sua próxima jogada?

Para Maluf : “Você acha que a beleza física do senhor prejudicou-o nessa campanha?”

57SEMANA REVISTA

Page 56: Semana Revista (Set2008)

1. Fala “xoxota” no top five2. As várias possessões para chamar “OOooo TOP FIVE!”3. Com Ronaldo Fenômeno4. Fala que os travestis querem aumento de pênis5. Mandando um tiajjjuan

1. Luque imitando o Tas2. Tas rindo do Luque, sempre3. O beijomeliga4. Entrada de motoboy no intervalo5. Fala que “seu pau é uma vela preta”

OOOOoooo TOP FIVE!

58 SEMANA REVISTA VII Semana do Jornalismo - 15 a 19 de setembro de 2008

Procure e assista na internet os melhores momentos dos repórteres e apresentadores, escolhidos em votação exclusiva para a Semana Revista:

1. Cemitério em Brasília2. Jogando lixo na prefeitura3. Rafinha pit-bull, em Brasília 4. “Proteste Já” da Sabesp5. Com o prefeito de Mairiporã

1. No palco com Tihuana2. Oscar apanhando do Babenco3. Esporro do Zé do Caixão4. Feira erótica5. Parada gay

1. Com Daniel Dantas2. Cortez na Cumbre3. CQTeste4. Inauguração da ponte Otávio Frias de Oliveira5. Cortez entrega óculos para o Lula

1. Repórter inexperiente com padre Marcelo Rossi2. Lançamento da biografia do Maluf3. Danilo sendo expulso do Congresso4. Leitura com Carla Perez5. Exposição de Duchamp no MAM

1. Link da China (e “comendo iguarias chinesas”)2. Fala que Marta Suplicy é interesseira3. Com Lula, na China e em Heliópolis4. Showmissa do padre Marcelo5. Vernissage do Chico Anysio

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