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mitologia da pesada
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MITOLOGIAQ
História do paganismo de vários povos da antiguidade,
^ Egípcios, Assírios, Babilónios, Persas, Gregos, Romanos, Indús,
^^^N. Scaodinavos. Bretões e Gauleses, e sucintas^~ '
fôes dos seus usos e costumes em relação com as suas crenças religiosas
INTERPRETAÇÃO E EXPLICAÇÃO DÃS DIVERSAS PASSAGENS
MITOLÓGICAS DOS «LUSÍADAS»
POR
j^ivBiisro ^:etiicitijl t^jlo-iio
ANTIGO PROFESSOR DA ESCOLA NORMAL PRIMÁRIA DE LISBOA
PROfESSOR EFECTIVO DA ESCOLA PRIMÁRIA SUPERIOR
"ADOLFO COFJ.HO"
EDITORES
J. RODRIGUES ô C^186, RUA DO.OURO. 188
LISBOA
MITOLOGIAHistória do paganismo de vá^-Jos povos da antiguidade,
Egipcios, Assírios, Babilónios imersas. Gregos, Romanos, Indús,
Scandinavos. Bretões e Gauleses, e sucintas
narrações dos sens u.sos e costumes em relação com as suas crenças religiosas
INTERPRETAÇÃO E EXPLICAÇÃO DAS DIVERSAS PASSAGENS
MITOLÓGICAS DOS LUSÍADAS»
POR
ANTIGO PROFESSOR DA ESCOLA NORMAL PRIMÁRIA DE LISBOA
PROFESSOR EFECTIVO DA ESCOLA PRIMÁRIA SUPERIOR
"ADOLFO COELHO"
EDITORES
RODRIGUES ô C.^
186, RUA DO OURO, 188
LISBOA
Conip. e inip. nas Of. Or^f. do Museu Comercial de Lisboa — R. do Quelhas, 6-A
Duas palavras do autor
A mitologia, história dos deuses, dos semi-deuses e dos
heróis, tem grande importância para todos os que querem son-
da-r os tenebrosos mistérios das religiões pagãs, observar as
diferentes idades, os costumes, as cerimónias religiosas, os
cultos, os oráculos, emfim tudo quanto mais ou menos anda
ligado à vida dos nossos antepassados.
Aos pintores, aos escultores, e muito especialmente aos
poetas não é ela menos necessária para lhes facilitar a inteligên-
cia dos poemas gregos, romanos e ainda modernos; os qua-
dros antigos e modernos, as estátuas, os variados ornamentos
dos monumentos serão verdadeiros enigmas para os que igno-
ram a fábula.
A este nosso trabalho juntámos outro não menos útil, in-
terpretação e explicação das diversas passagens mitológicas do
nosso grande poema nacional, os '^Lusíadas-» ; julgando assim
prestar um valioso benefício à mocidade estudiosa, oxalá pos-
sam os jovens alguma cousa aproveitar e destas lições colher
também uma moral sã, a par dos conhecimentos julgados indis-
pensáveis para o fim a que nos propuzemos.
Mitologia dos Gregos e dos Romanos
CAPITULO I
Origem da mitologia — Países considerados como berço do paganismo —Deuses falsos — Vantagens dos estudos mitológicos.
Dá-se o nome de mitologia às fábulas ou crenças erróneas
que formavam a base da religião dos Gregos e dos Romanose de todos os outros povos da terra, com excepção dos Judeus.
Ao culto dos falsos deuses, ao culto dos ídolos, dá-se o nomede idolatria ou paganismo.
Duas foram as causas principais da origem da idolatria:
A ignorância e a corrupção do coração humano.
Os povos depois do dilúvio perverteram-se e conservaram
apenas, de Deus, uma idea imperfeita, acabando por prestar
homenagem aos astros, aos elementos, às cousas materiais,
divinizando assim o sol, a lua, tudo o que brilha no firma-
mento, a terra e tudo o que ela encerra, o ar, a água, o fogo,
e imaginando uma multidão de seres diferentes aos quais atri-
buíram os fenómenos que se dão no Universo.
A matéria em breve se viu animada e personificada, cada
um dos seus elementos adquiriu inteligência, pensamento e
vida como seres dotados de vontade e de energia. O céu, esse
espaço imenso, tornou-se o primeiro dos deuses; ao ar deram
o nome át Júpiter, ao sol chamaram Osíris, Apolo, etc. Cada
homem, cada cidade, cada região teve as suas divindades locais
e protectoras, colocaram-nas nos lares, nos jardins, nas flores-
tas, à beira dos rios, etc.
Não foi porém só a natureza exterior divinizada, as paixões
foram deificadas; as más inclinações, a fraude, o roubo, a men-
tira, o ódio tiveram altares. Levantaram-se templos aos guer-
reiros ; os pastores foram metamorfoseados em sátiros, faunos,
silvanos, as pastoras em ninfas que, ou se escondiam nas gru-
tas, ou habitavam um palácio de cristal no fundo das águas;
os pescadores viram-se transformados em tritões deitados
sobre as ondas ou nos juncais dos rios ; os cavaleiros torna-
ram-se centauros, metade homens, metade cavalos.
O nascer e o ocaso dos astros, a periodicidade das estações,
as variações da atmosfera, as inundações regulares de alguns
rios, as magnificências da criação que eles não sabiam explicar,
todos estes fenómenos foram considerados seres sobrena-
turais.
Foi no Egipto e na Fenícia que estas crenças e estas su-
perstições apareceram primitivamente. Os egípcios eram umpovo composto de barqueiros, de pescadores, de pastores nó-
madas, habitando as margens do Nilo, dados à caça e à pesca;
o seu sistema religioso ressentiu-se das suas ocupações, na
sua origem era apenas o culto prestado aos astros e aos ele-
mentos da natureza; mais tarde foi-lhe introduzido o culto dos
animais, do boi como auxiliar mais útil do cultivador, do cão
guarda dos rebanhos, do gato inimigo dos crocodilos e dos
ratos que infestavam o Egipto; por ultimo veio o culto das
plantas úteis, tais como o loto, arvore cujo fruto alimentava
os habitantes.
Do Egipto, as crenças supersticiosas passaram para a Gré-
cia onde foram levadas por colónias não só egípcias mas tam-
bém fenícias. A Grécia estava então quási deserta e era habi-
tada somente por povos muito pobres, espalhados aqui e ali,
que se alimentavam de bolota e outros frutos naturais. Os gre-
gos, sendo um povo vaidoso, crédulo e de uma imaginação
incessantemente despertada pelas belezas do clima, deleitan-
do-se com a narração dos contos maravilhosos, acolheram com
entusiasmo as crenças que os colonos lhes trouxeram. Antes
da vinda destes estrangeiros, diz Heródoto, os gregos ofereciam
sacrifícios aos deuses, mas não lhes davam nomes nem sobre-
nomes, chamavam-nos genericamente deuses, e só muito tarde
é que lhes conheceram os nomes trazidos pelos egípcios.
Então povoou-se de deuses o céu, a terra e os infernos,
conferiu-se a divindade aos homens e aos animais, às plantas
e às fontes, aos astros no céu e às almas no Tártaro. A poe-
sia veio com todos os seus encantos e com todos os seus
caprichos adornar essas invenções mitológicas; assim a aurora
era uma deusa muito joven que todas as manhãs despertava
as horas; o sol (Apolo) esse deus de uma arrebatadora beleza,
guiava o seu deslumbrante carro e mergulhava todas as
tardes os seus raios nas ondas do mar; a hxdi^iFebo) como seu crescente inundava o céu da sua pálida luz; as águas
murmurantes ('as ninfas) suspiravam e choravam à beira
das fontes; a agitação do ar, o vôo dos zéfiros; o arco-íris, a
faixa de íris, a mensageira de Juno ; o som repetido pelos ro-
chedos, a ninfa Eco, que se lastimava; tudo se animava e tudo
se transformava neste mundo da Fábula, tudo era deus.
Os romanos espalharam por toda a parte as superstições
dos gregos, mas Roma foi mais além do que a Grécia no ca-
minho da mitologia. Construiu em frente do Capitólio umgrande templo, o Panteon, onde reuniu as divindades de todos
os países; nesse templo havia pelo menos trinta mil deuses
sem contar com os que presidiam ao nascimento de cada
planta, com os que cuidavam de cada flor, etc.
Com a suave luz do Evangelho as tradições santas do pas-
sado reviveram, a idea de um Deus único foi reabilitada e de-
sapareceram então todas essas divindades de barro que o
mundo pagão tinha adorado e sobre as suas ruínas !evantou-se
um sinal venerado, a cruz de Cristo, misterioso emblema da
liberdade, igualdade e fraternidade dos povos.
O estudo da mitologia não é um estudo inútil e sem inte-
resse, antes pelo contrário. A religião dos povos está de tal
modo identificada com os seus costumes, o seu carácter e a
sua história, que não podemos bem estudar e bem compreen-
der a fisionomia de cada um deles, se lhe tirarmos o elemento
religioso. Os poetas, os escritores da antiguidade e ainda os
nossos escritores modernos falaram e falam a língua mitológica
e para bem compreender os seus pensamentos escondidos sob
o véu da alegoria, forçoso é conhecer as origens, onde os foram
procurar. A maior parte dos deuses e semi-deuses, dos heróis
de que fala a Fábula são símbolos dos reis, dos heróis, dos sá-
bios que precederam os tempos históricos, e além disto a Fá-
bula ainda nos oferece um conjunto de alegorias que represen-
tam ideas atraentes e instructivas. Orfeão, mais antigo e o
mais misterioso dos poetas gregos, ora é representado no meio
dos tigres e dos liões que vêm deitar-se a seus pés, ora no
meio dos florestas onde os ventos se calam para ouvir os ma-
viosos sons da sua lira; representam-no assim porque a sua
voz era tão melodiosa, que os homens os mais ferozes se en-
terneciam com os seus cânticos. Tântalo, deitado no meio de
um lago orlado de arvores, de frutos deliciosos e morrendo de
fome e de sede, é a imagem do avarento, miseravelmente ator-
mentado no meio dos seus tesouros.
Prometeu, atado a um rochedo e continuamente dilacerado
por um abutre que lhe devora o fígado, é o símbolo do re-
morso que despedaça uma consciência culpada. Finalmente os
pintores e os escultores mais célebres, à Fábula foram muitas
vezes buscar o assunto para as suas obras primas; impos-
sível é pois apreciá-las dignamente, ignorando a história mito-
lógica dos assuntos que eles quiseram representar.
Os antigos distinguiram quatro ordens de deuses: A pri-
meira ordem compreendia os deuses supremos ou Maioruni
Gentium, por serem conhecidos e venerados em todas as
nações; na segunda ordem estavam incluídas os que eram
chamadas Dii minoram gentium, estes não tinham lugares no
céu, eram considerados como divindades urbanas, Ovídio cha-
mou-as a plebe deos ; os Semi-deiises ocupavam a terceira or-
dem, eram oriundos de um deus e de uma mortal ou de ummortal e de uma deusa, nesta ordem estavam incluídos os
Heróis; a quarta ordem era constituída pelas virtudes, que
tinham formado os grandes homens e pelas misérias da vida
devinizadas.
Os vinte deuses da primeira ordem dividiam-se ainda emduas classes : Júpiter, Neptuno, Mercúrio, Apolo, Marte, Vul-
cano, Juno, Ceres, Minerva, Vesta, Diana e Vénus formavam
o conselho de Júpiter e eram chamadas Deuses Consentes ; os
outros oito deuses não tinham assento neste conselho e cha-
mavam-se Dii Selecti. As outras divindades davam o nome de
Indigetes ou Semones, o mesmo que semi-homens.
A maior parte dos grandes homens da antiguidade consi-
deraram todas estas divindades como quimeras e o seu culto
como uma superstição.
A Sócrates custou-lhe bem cara a liberdade com que de-
clarou os seus sentimentos; Cícero zombou claramente dos
deuses, já quando escarnece dos agoureiros, já nos seus livros
Sobre a natureza dos deuses, que foram condenados; Luciano
e Séneca ludribriaram tanto quanto puderam essas divindades;
Calimaco e Juvenal chamaram loucura a tudo o que se publi-
cava como fábulas dos infernos; apesar de tudo isto, todos
estes e outros grandes homens viviam nesta religião, prova-
velm.ente porque se não animavam a expôr-se ao ressentimento
de uma plebe grosseira, ousando pensar e falar de um mododiferente acerca de tantos deuses, cujo número Varrão, grande
teólogo do paganismo, elevou até trinta mil e Juvenal consi-
derou-o tal que dizia que o Atlas gemia debaixo do peso do
céu por causa desse tão grande e elevado número.
CAPITULO I!
O Caos — O Destino — Criação do mundo — Genealogia dos deuses --
Primeiras idades do mundo — Origem do homem — Fábula de Pro-
meteu — Origem da mulher— Fábula de Pandora.
O Caos, segundo as narrações mitológicas, é o mais antigo
dos deuses, bem como a Noite; são estes os únicos deuses
que nunca tiveram princípio, mas tiveram fim. O Caos morreu
por causa da criação e a Noite por causa da luz. Todos os
outros deuses tiveram princípio, mas são considerados imortais.
O Caos presidiu a esta massa informe de que tudo mais
foi criado.
O Caos e a Noite tiveram um filho, o Destino, divindade
cheia de todo o poder, a quem estavam sujeitos todos os
deuses e que tinha nas suas mãos a sorte dos mortais.
O Destino era representado sob a forma de um velho cego,
como se êle próprio ignorasse o curso das suas leis inevitáveis;
era também surdo, não se comovia com os pedidos dos outros
deuses ou dos homens; a seus pés estava o globo da terra e
nas suas mãos a urna, que encerrava a sorte dos mortais.
As três Parcas eram os seus ministros, os seus decretos
estavam escritos num livro de bronze, onde eram consultados
pelos deuses; uma das Parcas ditava as suas ordens inevitáveis,
a outra escrevia-as sobre tábuas de bronze com um estilete de
ferro, a terceira executava-as fiando os destinos humanos.
Este Deus era coroado de estrelas e um scetro de ferro
era o emblema do seu inflexível e soberano poder.
O Destino era uma falsa imagem de Deus. A nossa religião
ensina-nos que um Deus poderoso governa o mundo e que
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a sua vontade regula o destino das nações e dos homens, en-
sina-nos também que não é inflexível, pois podemos atrair so-
bre nós os seus benefícios pelas nossas súplicas.
Os povos, que tinham perdido o conhecimento do verda-
deiro Deus, não acreditaram, apesar de tudo, que o mundo ti-
vesse sido abandonado ao acaso ou dirigido pelo capricho^
/ \
dos deuses cheios de vícios e paixões, que eles adoravam na
sua cegueira; e, como tivessem conservado uma idea obscura
da Providência, colocaram acima dêles e dos próprios deuses
uma divindade soberana, mais cega e inflexível e deram-lhe o
nome de Desfino.
O Destino era superior a todos os outros deuses, era umNúmen cego que governava todas as cousas por uma neces-
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sidade inevitável ; também liie chamavam Fado, tinha o
seu culto e os seus oráculos, mas nunca lhe erigiram está-
tuas.
Criação do mundo
A criação do mundo foi assunto das meditações de todos
os povos.
Dispersos os homens pela superfície do globo, à medida
que se multiplicaram, afastando-se dos lugares onde foi o
berço do género humano, perderam a lembrança das grandes
cousas que se tinham passado nos dias da criação e acabaram
por desvirtuar a tradição da Bíblia.
Admitiram uma matéria primordial chamada caos; era umamassa inerte, informe e grosseira, um conjunto confuso de ele-
mentos discordantes e mal unidos. Inimigos uns dos outros,
todos estes elementos reiinidos, mas em desordem, o frio e o
calor, o seco e o húmido, os corpos moles e os corpos duros,
os corpos pesados e os corpos leves, guerreavam-se constan-
temente. Por fim um deus, não se sabe qual, pôs fim a esta
desordem, a esta luta; separou a terra do céu, a água da terra
e o ar mais puro do mais impuro; destruído este caos, sepa-
rados os elementos dando a cada um o lugar que devia ocu-
par, esse deus estabeleceu entre eles leis de uma imutável har-
monia. O fogo, leve e subtil, levado para o caminho dos céus,
ocupou as regiões mais altas; o ar, corpo mais leve depois
do fogo, colocou-se junto dele; as nuvens, os nevoeiros, os
ventos e o raio 'agruparam-se no meio dessas regiões e para
além foram suspensos, como outras tantas lâmpadas de ouro,
o sol, a lua, as estrelas, etc ; este todo, suavemente arredondado
para servir de abóbada deslumbrante a um espaço imenso
chamado céu, era a habitação dos deuses.
A terra, desembaraçada de todos estes corpos que pesavam
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sobre ela, caiu pelo seu próprio peso e com ela se precipita-
ram todos os elementos pesados e espessos, a água seguiu-a,.
espalhando-se em volta dela, introduzindo-se até ao íntimo
das suas entranhas e envolvendo a sua superfície como um cinto.
A terra era então nua e árida; à voz do deus desconhecido
animou-se repentinamente, os campos tornaram-se planícies
relvosas, formaram-se os vales, as florestas revestiram-se de
folhagem, os montes ergueram-se coroados de rochedos, a
água rebentou dos flancos das montanhas levando a fertili-
dade às planícies e aos prados que se cobriram de frutos e
de flores ; os águas povoaram-se de peixes, a terra de animais e
o ar de aves de toda a espécie.
Depois desta grande obra, o deus, que a tinha feito, ecli-
psou-se e não tornou mais a aparecer: desaparecerão Caos.
Genealogia dos deuses
A terra e o céu, Coeliis et Tellus, ficaram como dois gran-
des deuses, casaram, da sua união nasceram muitos seres
varões e fêmeas, que participaram da sua divindade. Desta
grande família ocupavam os primeiros lugares Saturno, Oceano,
Cibele ; os segundos, os Ciclopes obreiros de Vulcano, traba-
lhavam nos raios de Júpiter no monte Etna, nas forjas de
Leninos e noutros lugares ; os Titães duma insolência e altivez
ferozes e por fim os Centinianos, que tinham cem braços emvolta do corpo e cinquenta cabeças apoiadas em largos hom-
bros e eram tão feios que Coelus encerrou-os nas cavernas da
terra.
Os filhos de Coelus e de Tellus também se casaram ; Sa-
turno teve três filhas Vesta, Ceres, e Juno e três filhos Plutão,
Neptuno e Júpiter. Da união do Oceano com Tetis nasceram
os rios e três mil filhas. Aqui termina a genealogia dos gran-
des progenitores dos deuses.
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Primeiras idades do mundo
Antes do século ou idade de feno, em que começa a his-
tória das desgraças e dos crimes da humanidade, três raças
diferentes apareceram sobre a terra ; a mitologia oferece-nos
a descrição de quatro idades do mundo, história alegórica da
decadência sempre crescente das gerações humanas.
Os deuses fizeram aparecer a raça de ouro ; os homensgovernados por Saturno viviam como deuses, isentos de guer-
ras, de doenças e de crimes ; o coração livre de cuidados, longe
do trabalho e da dor, não conheciam os frios do inverno nem
os calores ardentes do estio ; a primavera era eterna e a terra
produzia por si só tock)s os frutos, flores e cearas; rios
de leite e de néctar corriam nos campos e o mel escorria empermanentes regatos da casca dos carvalhos; a velhice não
alterava o vigor dos corpos, a morte era para eles um suave
sono e a vida o gozo de todos os bens.
Esta raça extinguiu-se, e todos os que a compunham des-
ceram ao seio da terra e tornaram-se génios protectores, encar-
regadas de velar pela felicidade dos mortais.
Os pintores representaram a raça ou idade de ouro por umadonzela apoiada a um ramo de oliveira, os cabelos caídos em ma-
deixas de ouro sobre os hombros, tendo nos braços um açafate
de flores e de frutos.
Os habitantes do Olimpo criaram em seguida a raça de
prata muito inferior à precedente. Os homens começaram a
sofrer os rigores do inverno e os ardentes calores do estio; a
terra teve de ser cultivada, inventaram então a charrua, cons-
truíram abrigos nas rochas, nas moitas, nos troncos das arvo-
res; a vida tornou-se mais curta, a sua infância era de cem
anos, chegados à mocidade viviam ainda algum tempo sujeitos
às doenças, fruto da sua inexperiência e dos seus vícios, por-
que se esqueciam de adorar os deuses e de lhes oferecer sacri-
15
fícios. Júpiter chamou-os ao seio da terra, fazendo-os desapa-
recer e tornando-os de igual modo génios tutelares mas de
ordem inferior aos da raça de ouro.
A raça ou idade de prata representada igualmente por umamulher menos bela que a da raça de ouro, com um vestido branco
bordado a prata, tendo na cabeça uma grinalda de flores
brancas e nos pés botas de prata, está à porta de uma chou-
pana encostada a uma charrua tendo na mão um molho de
espigas.
Júpiter produziu uma terceira raça a idade de bronze. Oshomens eram violentos, arrebatados, de uma força indomável,
só gostavam da guerra, tinham armas de bronze, casas de
bronze e tudo, quanto lhes servia, era de bronze. Vítimas da
sua própria violência, foram sepultados nos infernos.
Esta idade é pintada sob a figura de uma mulher arrogante,
numa atitude audaz, tendo na cabeça um capacete de bronze
e na mão uma maça.
Finalmente apareceu a idade de ferro. Os crimes invadiram
a terra, a justiça e a boa fé fugiram e no seu lugar reinaram a
fraude, a traição, a violência e a sede das riquezas. Então os
campos cubriram-se de sebes, construiram-se barcos para ex-
plorar os mares, os homens penetraram no interior das mon-
tanhas à procura do ouro e da prata, a harmonia entre os
irmãos e entre os amigos desapareceu, os filhos perderam o
respeito aos pais, os homens desprezaram a vingança das
deuses. Júpiter para castigar esta raça ímpia afogou-a nas
águas de um dilúvio.
Personifica esta idade uma mulher de olhar feroz, armada
para o combate, tendo aos pés trofeus de guerra.
O poeta Hesíodo admite, entre a raça de bronze e a de
ferro, uma outra, a raça dos lieróis mais justa e mais valente. Amaior parte deles pereceram vítimas de guerras sanguinolentas,
uns sob os muros de Tebas, outros no cerco de Tróia; aos
mais ilustres áQ.\x-\\\ts, Júpiter, habitações separadas das mor-
16
tais, ilhas onde a terra fértil se cobria três vezes no ano de
flores e de frutos deliciosos.
Origem do homem
Eis como a Fábula conta a origem do homem :
Japeto, um dos quatro Titães, da sua união com Climene,
uma das filhas do Oceano, teve dois filhos, Prometeu e Epi-
nieteu, o primeiro engenhoso e previdente, o segundo impre-
vidente e estúpido. Prometeu engenhoso tomou um bocado
de barro, amassou-o e deu-lhe a forma humana, fez assim umaestátua inanimada, faltava-lhe pois o sopro da vida. Minerva
admirando a beleza desta obra e querendo contribuir para a
sua perfeição, transportou Prometeu ao céu onde êie reco-
nheceu que era o fogo que animava todos os corpos celestes;
roubou Prometeu uma faísca deste fogo, meteu-a dentro de
uma cana-frecha (planta da família das umbelíferas) e trouxe-a
para a terra. Então animou a sua obra, a estátua de barro;
fez-lhe entrar na alma a timidez da lebre, a finura da raposa, o
orgulho do pavão, a ferocidade do tigre e a força do leão e
daqui proveio a raça humana.
Nesta fábula vê-se pois alterada a tradição transmitida por
Moisés sobre a criação do primeiro homem. Segundo os livros
santos, Deus fez o homem do barro e insuflou-lhe o seu
espírito para o animar. Prometeu fez a mesma cousa, empregou
o barro para modelar o corpo do homem e o fogo celeste
para o animar, mas juntou-lhe os diversos instintos dos ani-
mais, de modo que em vez de ser feito à imagem de Deus, o
homem da idolatria foi feito à imagem dos animais.
Prometeu expiou o seu roubo com um cruel suplício. Júpi-
ter mandou-o amarrar a um rochedo do monte Cáucaso, onde
um abutre lhe devorava o fígado à medida que lhe ia renas-
cendo. Este suplício devia durar trinta mil anos ; mas passados só
trinta, Hérculos livrou Prometeu deste suplício matando o abutre.
Origem da mulher
Júpiter não quis destruir a obra de Prometeu, mas, para
contrabalançar as vantagens que o homem podia tirar do uso
do fogo celeste, mandou a Vulcano, seu filho e deus do fogo,
que formasse com barro o corpo de uma donzela. Feita esta,
recebeu o nome de Pandora e muitos presentes dos deuses
;
Vénus deu-lhe a beleza, Mercúrio a eloquência, Minerva umvestido branco com um cinto prateado, uma grinalda de flores
e uma coroa de ouro para a cabeça. Depois Júpiter mandou-a
a Prometeu com uma caixa misteriosa onde estavam encerra-
dos todos os males. Prometeu desconfiando do presente de
Júpiter e suspeitando alguma cilada, não quis receber Pandora
nem a caixa. Epimeteu, seu irmão, seduzido pela beleza de Pan-
dora, desposou-a e abriu imprudentemente a caixa fatal, dela
sairam todos os males que têm atormentado a humanidade;
quando Epimeteu fechou a caixa apenas lá ficou a esperança,
único bem concedido aos mortais. A Fábula de Pandora é
também uma tradição alterada da criação da primeira mulher.
Foi pois, segundo a Fabula, Pandora a mãe dejòdo o gé-
> nero humano. q^ (^KÁA^y^ ^> iu\i^^ '\
^ O/ Í^Jt^ 6í)L^r,0t :/5tJ)-,v^^ ,., .
CAPITULO 111
Coelus e Telliis. Saturno, Personificação do tempo — Saturno destronado
Sua habitação na terra — Culto de Saturno. Seus atributos. Guerra
dos Titães. Atlas — Cibeles ou Vesta. As Vestais.
Coelus e Tellus
Na genealogia ^os deuses, Coelus ou o Céu, chamado tam-
bém Urano e Tellus ou Terra chamada também Titea, foram
a origem dessa multidão de deuses que povoaram os mares,
os bosques e os ares; Coelus assustado da multiplicidade dos
seus filhos, da deformidade dos Ciclopes, da ferocidade dos
Centimanos e do força prodigiosa dos Titães, prendeu-os, es-
condeu-os à luz do dia e sepultou-os nos profundos abismos
confiando-os à guarda de um deus tenebroso que habitava as
profunduras da terra.
Saturno
Saturno um dos Titães, foi o único que achou graça perante
seu pai. Tellus que amava ternamente todos os seus filhos
apesar da fealdade das suas formas e da perversidade dos seus
costumes, pensou em liberta-los. Mandou vir Saturno e depois
de o ter instigado à revolta, armou-o com uma fouce, que
fabricara com o ferro tirado do seu seio.
Saturno feriu o pai e do sangue que brotou dessa ferida
e cujas gotas caíram sobre a terra, nasceram os Gigantes, as
Ninfas dos bosques e mais tarde as Fúrias. .
SATURNO
Livres os prisioneiros, disputaram entre si a herança paterna.
Titan que era o mais velho, devia possuir o soberano poder,
mas, cedendo às instâncias de sua mãe, abdicou a favor de
Saturno, filho predilecto de Tellus, com a condição de devorar
todos os filhos varões que lhe nascessem.
Saturno aceitou estas condições e executou-as religiosa-
mente, porque liavia lido nos decretos inexoráveis do Destino
que seria um dia destronado por um dos seus filhos.
Saturno, depois de ter destronado o pai, casou-se com
20
Cíbeles, sua irmã, encarregada de lhe fazer devorar, à nascença,
os filhos varões. Porém conseguiu Cíbeles poupar três filhos,
Júpiter, Neptuno e Plutão, substituindo-os por pedras envol-
vidas em faxas, que Saturno devorou sem suspeitar do logro.
Anos depois, Titan, tendo dado pela fraude, atacou o irmão,
apoderou- se dele e encerrou-o numa estreita prisão. Saturno
foi libertado por seu filho Júpiter e colocado novamente no
seu trono , mas, sempre desconfiado, esqueceu este benefício
e armou ciladas ao filho, cuja ambição temia. Júpiter provo-
cado por sua mãe conspirou contra Saturno, expulsou-o do
céu e apoderou-se do soberano poder.
Saturno destronado
O velho exilado refugiou-se na Itália, na região onde
reinava y^/zc) e onde encontrou nobre e generosa hospitalidade.
Jano dividiu com êle o seu reino e essa parte da Itália, onde
o deus fugitivo encontrou um asilo, ficou-se chamando Lúcio
(La tium).
Saturno civilizou estes povos ainda selvagens, deu-ihes leis,
ensinou-os a cultivar as terras e governou com tanta brandura,
que o seu reinado foi chamado a idade de ouro, época tão
célebre na tradição da antiguidade.
A benevolência de Jano para com o deus proscrito foi
premiada: Saturno concedeu-lhe o dom de adivinhar e a
sciência do passado; eis a razão porque os romanos represen-
tavam Jano com dois rostos, um voltado para o passado e o
outro para o futuro; levantaram-lhe em Roma um templo
célebre, cujas portas se abriam em tempo de guerra e se
fechavam em tempo de paz.
Numa, rei dos romanos instituiu em honra át Jano, umasfestas, a que deu o nome de Jogos Ao-onais ; celebravam-se
três vezes no ano, nos meses de Janeiro, Maio e Dezembro
:
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consistiam em combates e o seu nome vem de Agon, que emgrego quere dizer combate.
Acabado o seu desterro, Saturno subiu novamente ao céu
e foi especialmente encarregado de presidir ao movimento
regular das horas e ao curso periódico das estações, razão
esta porque Saturno é tido como o deus do tempo e os
Gregos o chamaram Chronos, (tempo).
A maior parte dos factos atribuídos a este deus são alegó-
ricos. O tempo devora tudo quanto produz, por isso Saturno
é representado devorando os filhos, é armado de uma fouce,
porque ceifa todos os seres; as horas são fracções do tempo,
Saturno tem junto de si uma ampulheta, porque desta espécie
de relógio se serviam os antigos para medir o tempo; o tempo
é rápido, é velho como o mundo, Saturno tem azas e figura
um velho curvado ao peso dos anos; finalmente o tempo
descobre tudo, por isso os sacerdotes de Saturno só tinham
a cabeça descoberta durante as ceremónias religiosas.
Culto de Saturno
Saturno teve altares em toda a parte, mas o seu culto foi
principalmente honrado entre os romanos. Em memória do
seu desterro no Lácio e da felicidade, que gozaram estes povos
durante o seu reinado, Roma instituiu festas memoráveis cha-
madas Saturnais; começavam a lõ de Dezembro e duravam
três dias: os nossos três dias de Carnaval, com as suas
alegrias desordenadas, são uma imagem e talvez uma remi-
niscência dessas festas antigas.
Durante a festa das Saturnais, tudo respirava prazer e
alegria, não se tratava de negócio algum sério, os tribunais
estavam fechados, as escolas em férias, o povo saía da cidade
só para se divertir no monte Aventino, davam-se presentes
e sumptuosos banquetes, as posições sociais confundiam-se
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e invertiam-se, assim os senhores tomavam os lugares dos
escravos, serviam-nos a mesa obrigados a ouvir os seus ditos
e mofas, tudo isto em memória dessa igualdade, que reinou
na terra nos dias da idade de ouro.
Escolhiam-se estes dias de festas para dar ao povo o
espectáculo dos combates dos gladiadores, porque se pensava
que o derramamento de sangue humano devia honrar digna-
mente o deus que havia espalhado o de seu pai.
Os cartaginezes, por uma abominável e cruel superstição,
chegaram a sacrificar a Saturno vítimas humanas principal-
mente crianças.
Os antigos habitantes das Gálias e outros povos tambémacolheram nos seus países este culto sacrílego.
Guerra dos Titães
Titan havia sido precipitado no fundo do Tártaro por
Saturno seu irmão. Seus filhos, os Titães, dotados de umaforça prodigiosa, revolvendo os rochedos e as montanhas,
despedaçaram as portas da prisão e em breve escalaram o
Olimpo; a luta foi fonga e encarniçada e quando a vitória já
pendia a favor dos Titães, Vulcano e os Ciclopes trouxeram a
Saturno e a seus filhos armas terríveis forjadas nas fornalhas
do monte Etna, o raio para Júpiter, o tridente para Neptuno e
o capacete de bronze para Plutão.
Fulminados, rolaram até aos abismos profundos da terra,
só Atlas conseguiu salvação na fuga, mas Júpiter lançou-lhe
um raio, o Titan foi petrificado ficando-ihe os pés estendidos
ao longo do Mediterrâneo e a cabeça levantada até às nuvens
e para castigo da sua revolta foi condenado a suportar eter-
namente o céu sobre os hombros.
A história do Atlas é uma alegoria moral : Um homemcom este nome reinou na região da Africa limitada pela costa
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do Mediterrâneo e pela cadeia de montanhas chamada Atlas
;
ajDaixonado peio estudo da astronomia, este príncipe man-
dou construir um observatório no cume de uma das mon-
tanhas e ia ali estudar a marcha e as fases dos astros; foi êle
que descobriu as Plêiades, constelação assim chamada porque
a sua aparição no céu anuncia a estação propícia aos nave-
gadores; Atlas deixou os elementos da astronomia aos egípcios,
pelo que recebeu deles o título de deus e o monte, onde êle
tinha o observatório, o seu nome.
Ensinou igualmente esta sciência a Hercules que a levou
para a Grécia e por isso a Fábula diz que este herói ajudou
Atlas a sustentar o peso do céu,
Cibeles
Ciheles, filha de Coelus e de Telliis é a deusa da terra.
Dào-lhe também os nomes de Ops, Réa, Vesta ; esposa de
Saturno, soube subtrair à voracidade do marido os filhos
Júpiter, Neptuno e Plutão; chamavam-lhe também boa deusa
e mãe dos deusos e dos homens.
Era na Lídia e na Frigia que se celebrava com maior pompao culto desta deusa, também foi adorada em Roma sob o
nome de Vesta confundindo-a muitas vezes com sua filha
Vesta, deusa do fogo.
Cibeles escolheu para seu sacerdote Atis, pastor da Frigia,
confiou-lhe o seu culto e ordenou-lhe que fizesse voto de cas-
tidade , o sacerdote desobedeceu-lhe aliando-se com a ninfa
Sangarida ; a deusa como castigo transformou-o em pinheiro
e desde então esta árvore foi-lhe consagrada. Os seus sacer-
dotes denominados Galos, Coribantes, Dáctilos, celebravam
as suas festas dançando em roda da sua estátua ao ruido dos
cimbalos (pratos) e dos tambores dando horríveis uivos e
fazendo horrorosas contorsões.
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Representavam esta deusa sustentando um disco, uma torre
sobre a cabeça, uma chave na mão, rodeada de feras ou
sobre um carro tirado por quatro liões.
Ainda que Cibeles tenha também o nome de Vesta convémnão a confundir com a deusa Vesta cujo culto foi introduzido
em Roma por Numa ; esta Vesta era o símbolo do fogo.
Em honra de Vesta, Numa, segundo rei de Roma, mandouedificar um templo onde os homens não podiam entrar: neste
templo ardia sem interrupção, de noite e de dia, o fogo sa-
grado, cuja a guarda era confiado a donzelas chamadas vestais
que passavam trinta anos da sua vida no templo dedicadas
ao culto da deusa.
Quando uma donzela era designada pela sorte para ser ves-
tal, tiravam-na logo à familia e conduziam-na ao templo, as
portas fechavam-se e ela morria para o mundo; cortavam-lhe
o cabelo e penduravam-no nos ramos de uma arvore sagrada;
se acontecia alguma vestal adoecer, saia do templo numa liteira
e era levada pelos sacerdotes para casa de alguma velha damaonde a tratavam ; esta honra era disputada pelas damas roma-
nas.
A única ocupação das vestais era alimentar incessante-
mente o fogo sagrado; se este fogo se apagava, a cidade en-
chia-se de tristeza e esperava-se uma grande calamidade; a im-
prudente, que deixava apagar o fogo, era julgada no fórum e
castigada pelo sumo pontífice com um chicote.
A que quebrava o voto de virgindade, que fizera consa-
grando-se a Vesta, era enterrada viva num lugar chamadocampo maldito com o seguinte cerimonial:
• A culpada era expulsa do templo, tiravam-lhe os vestidos
de sacerdotiza e revestiam-na com uma comprida túnica preta
e, atada com cordas a uma liteira coberta de armação lúgubre,
era conduzida ao lugar do suplício; na cidade reinava um si-
lencio profundo, as portas fechavam-se á passagem do lúgu-
bre cortejo; chegada ao campo maldito, faziam-na descer por
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uma escada de cordas a uma pequena cela escavada no seio
da terra, onde encontrava uma cama, uma lâmpada, um pouco
de azeite, pão, leite e água, em seguida fechavam a abertura
do fosso e tapavam-na com terra.
A ordem das vestais durou mais de onze séculos; sob o go-
verno dos primeiros imperadores romanos adquiriu privilégios
consideráveis e honras extraordinárias; nesse tempo viam-se
saírem do templo, passearem num carro magnifico escoltado
por lictores e seguidas de uma multidão de escravos; nos cir-
cos eram-lhes reservadas os melhores lugares. O imperador
Teodoro, fechando todos os templos do paganismo, aboliu
esta célebre ordem.
CAPÍTULO IV
Divindades do Céu
Jápitèt — Sua infância e educação — Divisão do império de Saturno -
Guerra dos gigantes, combate contra Tifeu — Fuga dos deuses para o
Egipto, regresso ao céu — Conspiração dos deuses contra Júpiter, sua
victória - Corte de Júpiter.
Havia na Tessália uma alta montanha chamada Olimpo,
o seu cume estava sempre coberto de neves e nos seus flan-
cos abrigavam-se todos os salteadores daquela região.
Um rei da Tessália chamado Júpiter, dotado de uma audá-
cia e de uma força extraordinária, exterminou-os a todos e,
para pôr o país a coberto das incursões de semelhantes aven-
tureiros, construiu num dos mais elevados picos destes mon-
tes uma formidável fortaleza; alargando o seu poder e os seus
domínios, não podendo governar sosinho os seus vastos es-
tados, dividiu-os pelos seus irmãos Neptuno t Plutão; guardou
para si a parte oriental, a ocidental rica em minas de ouro e
de prata deu-a a Plutão e a Neptuno coiicedeu-lhe as ilhas dis-
IDersas pelo mar.
Os poetas apoderaram-se desta lenda histórica, desfigura-
ram-na obedecendo à sua caprichosa vontade, fizeram de Jú-
piter o rei do céu e do monte Olimpo a sua habitação celeste,
de Neptuno o deus dos mares e de Plutão o dos infernos.
Alguns autores querendo explicar esta divisão do universo
entre os três filhos de Saturno dizem ser a divisão que Noéfez da terra pelos seus três filhos: Com ou Cão teve a Africa,
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Jafet as ilhas, penínsulas, os lugares marítimos da Ásia com
o Arquipélago e a Europa, Sem herdou a Ásia: estas aparên-
cias da verdade parecem ter uma explicação; no Egipto encon-
Iramos Júpiter Amou que parece ter bastante afinidade com
>TJV^ij/
JÚPITER
Cttm\ a parte destribuída a Jafet é de uma grande similhança
com o domínio marítimo de Neptuno e por último sabe-se que
muitas cidades da Ásia foram consumidas pelo fogo e por
este facto provavelmente a referência ao reino de Plutão.
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Júpiter, sua infância e educação
Júpiter, o mais poderoso dos deuses, o senhor do céu e
da terra, era, segundo a Fábula, filho de Saturno e de Cibeles
Sua mãe, para o subtrair à voracidade de Saturno, escondeu-o
numa ilha do Mediterrâneo, ilha de Creta, e confiou-o à guarda
dos seus sacerdotes, chamados Curetes, Coribantes, Idéas, ou
Dáctilos; com receio de que os vagidos da criança denuncias-
sem o seu esconderijo, ordenou aos sacerdotes que danças-
sem fazendo acompanhar a dança com estrondosos gritos,
toques de tambores e de escudos uns nos outros ; a esta cadên-
cia de escudos chamavam êies dáctUo.
Uma ninfa chamada Amdltea foi transformada em uma cabra
branca para amamentar o pequeno deus, duas outras ninfas
chamadas Melissas foram encarregadas de o criar. A cabra foi
divinizada também pelos poetas, supozeram-na suspensa no
firmamento, onde brilha como estrela no meio das principais
constelações. Conta-se que um dia a cabra sagrada, saltando
nos bosques, quebrara um chavelho;
y//7-^/7f/' presenteara as
ninfas que cuidaram da sua infância com esse chavelho, dan-
do-lhe a virtude de produzir tudo o que elas desejassem : é o
chavelho da abundância tão celebrado dos poetas.
Divisão do império de Saturno
Júpiter crescendo tornou-se vigoroso e forte, poude então
"tomar a defesa de seu pai Saturno, que os Títães tinham des-
tronado e encarcerado; nem sempre, porém, se mostrou filho
submisso e dedicado, porque, como já vimos, expulsou seu
pai do céu. Tornado senhor supremo de um império usurpado,
repartiu esse império com os irmãos; Neptuno ficou sendo o
soberano dos mares, dos rios e das fontes; Plutão do Tártaro,
do Inferno e do Erebo ; Jiipiter reservou para si o Céu.
29
Toda a história deste deus é uma série de alegorias a que
os poetas juntaram o maravilhoso; assim eles no-lo represen-
tam, ora aliando-se com Metis, o pensamento; ora com Te-
mis, a justiça e a lei ; ora com Eurinomia, a navegação ; ora
com Ceres, a agricultura; ora com Mnemosina, a memória;
ora com Latonc, a luz; alianças simbólicas nas quais encon-
tramos alguns atributos imperfeitos da divindade.
Guerra dos gigantes, combate contra Tifeu, fuga dosdeuses para o Egipto, regresso ao céu
Júpiter {omon para esposa sua irmã Juno. As núpcias foram
celebradas no Olimpo com grande magnificência; foram con-
vidadas todas as divindades do céu, da terra, do mar, dos
infernos, os grandes e os pequenos deuses. Uma pobre ninfa
chamada Qiielonea perdeu-se no caminho, chegou tarde e por
este motivo foi metamorfoseada em tartaruga. Às bodas de
Júpiter, depois de alguns dias de descanso, sucedeu uma guerra
terrível que veio perturbar a alegria e a tranquilidade do Olimpo.
De Tellus, a Terra, descendia uma raça, feroz e hedionda
de gigantes, de formas monstruosas, com serpentes nos pés,
a barba esquálida, braços inumeráveis armados de garras, sem-
pre sujos de sangue e pó; irrequietos e turbulentos, só se
achando bem quando praticavam o mal. Pretenderam escalar
o céu e CQrcãr Júpiter, para isso amontoaram rochedos sobre
rochedos, montanhas sobre montanhas, o monte Ossa sobre
o Pelion e, quando atingiram a região das nuvens e das tem-
pestades, atacaram o céu. Júpiter chamou em seu socorro
todos os deuses e deusas ; Stix, filha do Oceano foi a primeira
a chegar e em recompensa, Júpiter decretou que todos os
juramentos feitos em nome de Stix fossem sagrados e invio-
láveis.
Os dois exércitos em breve se encontraram frente a frente;
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O combate foi terrível, de uma e outra parte a resistência foi
igual;Júpiter aparecia em toda a parte, multiplicava-se, os raios
choviam, porém os gigantes ofereciam tenaz resistência e
ameaçavam esmagar tudo com os seus cem braços fazendo
chover no OMmpo árvores e rochedos. Os imortais tiveram
medo e fugiram, apenas três ou quatro deuses ou deusas
ficaram com Júpiter, que não desesperando da sua causa,
envolvendo-se numa nuvem, desceu à terra e veio buscar Hér-
cules, seu filho.
Um antigo oráculo anunciara que os gigantes seriam inven-
cíveis se os deuses não chamassem em seu auxílio um sim-
ples mortal. Chegado ao local do combate, Hércules, o herói,
levanta a sua maça e prosta a seus pés um dos mais temíveis
gigantes e a cada uma das suas pancadas um gigante a
mais é precipitado nos infernos;Júpiter volta à carga
armado de raios e trovões ; Vulcano seu filho, deus do fogo,
irás varas de ferro incandescentes; Cibeles chega também
arrastando pelos cabelos a medonha e horrenda cabeça de umgigante que ela transforma em pedra. Finalmente os gigantes
fogem, Encetado, o mais terrível de todos, é o único que ainda
permanece às portas do Olimpo procurando arrombá-las para
esmagar os deuses, mas Minerva avança com o seu carro de
fogo e Encetado amedrontado foge; então a poderosa deusa,
levada nas azas dos ventos, toma a Cicília nos seus braços,
arremessa-a para a frente do gigante, toma-lhe a passagem e
sepulta-o sob o monte Etna,
Esta luta dos gigantes contra Júpiter recorda a luta dos
maus anjos contra Deus ; é também o símbolo dos temíveis
efeitos da uâiureza; Júpiter é o deus das regiões superiores
do ar, ou antes o próprio ar; as montanhas parecem sair das
entranhas da terra e querer com os seus soberbos cumes,
quási sempre cobertos de neve, escalar o céu ; o vulcão no
momento da sua erupçào dir-se-ía um gigante que se agita e
cuja boca vomita turbilhões de fogo.
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Eis como a Fábula conta o nascimento de Minerva, que se
houve tão valente e corajosamente na luta contra os gigantes.
Júpiter, atormentado um dia por uma grande dôr de cabeça,
pediu a seu filho Vulcano que lhe rachasse a cabeça com ummachado, este executou a ordem e logo de dentro do crâneo
de Júpiter saiu Minerva majestosa e armada de lança e capa-
cete; Minerva era o símbolo da inteligência.
Juno, esposa de Júpiter, era ciumenta e vingativa; à vista
da joven deusa saída do cérebro de Júpiter, irritou-se e pro-
curou logo todos os meios de satisfazer a sua vingança. Ovelho Saturno compadeceu-se das suas lamentações e das suas
lágrimas, deu-lhe dois ovos dum volume extraordinário, pro-
metendo-lhe que deles sairia um sêr hediondo, disforme e de
uma força tão grande, que destronaria ////í/Y^/'.
Os dois ovos foram colocados com muito cuidado sobre
a terra e pouco tempo depois soube-se com terror que ummonstro tinha nascido numa caverna da Cilicia; este monstro
horrendo tinha cem cabeças de serpentes que ultrapassavam
as mais altas montanhas e vomitavam fogo, as suas mãos es-
tendiam-se de um polo ao outro e cada uma delas estava
igualmente armada de cem cabeças de serpentes, emfim de
todo o corpo coberto de penas saía uma multidão de víboras;
a vóz era horrorosa, tinha os mugidos do touro, os silvos
agudos do dragão, os uivos do lobo e os rugidos da pantera,
este monstro chamava-se Tifeu, Tifon ou Tifo.
Resolveu Tifeu vingar os seus irmãos, os gigantes, e ata-
cou o Olimpo. Os deuses, aterrados abandonaram o céu e fugiram
para o Egipto, metamorfoseados em corvos, bezerras, bodes,
cegonhas, gatos, ratos, etc, os egípcios logo construíram tem-
plos em todas as cidades para alojar os fugitivos. Júpiter que
ficara só em frente do monstro, experimentou destruí-lo comos seus raios, mas em vão, tomou então a fouce de Saturno
adaptou-lhe uma lâmina de diamante fabricada por Vulcano e
fê-la girar em todos os sentidos; Tifeu deixou-o fatigar-se e em
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momento oportuno, dum salto lançou-se sobre êle, apoderou-se
da fouce, cortou-lhe os braços e as pernas, envolveu-o numa pele
de animal feroz e foi escondê-lo numa caverna confiaiido-o à
guarda de um enorme dragão. Pouco tempo depois, Mercúrio
e Pan, aproveitando a falta de vigilância do guarda, entregaram
2l Júpiter as pernas e os braços, o qual recuperou logo as forças
e tomando o seu carro puxado por cavalos alados perseguiu
Tifeii com grande ardor, deitando sobre êle milhões de raios
:
finalmente sepultou-o debaixo do monte Etna onde Tifeu
raivoso está continuamente vomitando fogo.
Este Tifeu, o último e o mais terrível dos gigantes, filhos
da Terra, representa o furor dos ventos e os poderosos efeitos
do fogo subterrâneo.
Júpiter, desembaraçado para sempre destas raças impuras,
chamou todos os deuses que se apressaram a voltar para o
céu.
Conspiração das deuses contra Júpiter, sua vitória
Juno não se emendara do ciúme e um dia ousou conspirar
conixdL Júpiter e conseguiu o apoio de todos os habitantes do
céu. A conspiração ia em bom caminho e ia ter bom êxito
qwdiwáo Tetis, uma das divindades do Oceano, conhecendo os
perigos a que estava exposto Júpiter, foge do seio das ondas
liberta o famoso Briarco, um dos gigantes sepultados sob as
montanhas, e dirige-se com êle para o Olimpo a fim de fazer
abortar a conspiração; chegado ao céu, senta-se ao lado de
Júpiter e devido aos seus cem braços e cinquenta cabeças con-
tém os deuses em respeito, de modo que os conspiradores não
ousaram empreender cousa alguma. Juno, porém quis dar o
sinal da revolta, mas o gigante toma-a nos braços, suspende-a
na abóbada celeste presa por uma cadeia de ouro e a cada pé
prende-lhe uma pesada bigorna. Mais tarde Vulcano tentou li-
33
bertar sua mãe e, quando já tinha quebrado um dos anéis da
caàeia, Júpiter deu-lhe tão grande pontapé que Vulcano andou
nove dias pela vasta extensão do ar e foi finalmente cair na
ilha de Leninos; na queda quebrou uma perna e ficou sempre
coxo. Tempos depois Juno foi libertado por ordem de Júpiier
e a pedido dos deuses; então a paz voltou ao Olímpio, graças
a Briarco.
Corte de Júpiter
Júpiter organizou então o pessoal da sua corte ; colocou o
seu trono no meio do Empíreo, trono de ouro que era sustido
pela Justiça e pelo Pudor, aos lados estavam Juno sua irmã
e esposa, Neptuno deus dos mares, Mercúrio deus da elo-
quência e do comércio, Apolo deus do sol e da luz, Marte
deus de guerra, Vulcano deus do fogo, Ceres deusa da agri-
cultura, Minerva deusa da sabedoria e das artes, Vesta deusa
do lar doméstico, Diana deusa da caça e da lua e Vénus deusa
da beleza. Estes eram os deuses e deusas chamados a deli-
berar sobre os destinos do mundo e dos homens, formavam
o conselho e a corte de Júpiter e representavam os doze me-
zes do ano.
O alimento dos deuses era a ambrósia, a bebida o Néctar,
que os tornavam imortais e incorruptíveis; Hebe, deusa da
mocidade, filha de Júpiter e de Juno, era a copeira, encarre-
gada de deitar esta bebida divina nos copos dos deuses; uma
vez Hebe tropeçou, por desgraça sua, na presença dos deuses
e foi logo substituída por Ganíniedes, joven troiana de umabeleza arrebatadora e que Júpiter fizera roubar por uma águia.
Havia também na corte celeste um deus subalterno, chamado
Momo, cujo entretenimento era examinar as acções dos deu-
ses e dos homens, censurá-las livremente, não poupando nin-
guém nos seus gracejos e zombarias; tornando-se insuportá-
3f
34
vei, foi expulso do céu. Costumam representar este deus comum bastão ou scetro na mão, a cabeça coberta com um capuz
d€ diversas cores e guarnecida de guizos e no rosto umamáscara
Explicação histórica quealguns autores dão á fábula de Júpiter
No tempo de Abraão, um famoso príncipe chamado Calas
ou Vmniis reinava na Trácia, na Frigia e numa parte da Grécia^
era casado com Titea, sua irmã, de quem tivera filhos e entre
outros Saturno, que apesar de mais moço tomou o lugar de
Titan, seu irmão mais velho e fez morrer o pai de sentimento
ou de um modo violento, Saturno celebrou com Titan um tra-
tado pelo qual Saturno, se comprometia a matar todos os fi-
lhos machos ou a sacrificá-los, condição esta que Saturno pro-
curou cumprir fielmente. Rhea ou Ops, sua irmã e esposa, achou
meio de salvar Júpiter, substituindo-o por outra criança que
Saturno imolou, depois mandou-o ocultamente para a ilha de
Creta; pela mesma forma é provável que tivesse também salvo
Neptuno e Plutão. Titan conhecendo que seu irmão o en-
ganava, revoltou-se com outros príncipes e aprisionou Sa-
turno que foi libertado por Júpiter ]á crescido, mas este re-
ceando o seu poder fez-lhe novamente guerra e obrigou Sa-
turno a ir refugiar-se na Itália, onde foi bem recebido por Ja/u\
rei daquela região.
Depois disto Saturno excitou os Tiíães, seus sobrinhos,
conira Júpiter, que vencendo-os, se assenhoreou de um grand^'
império, Júpiter depois de um glorioso reinado, morreu na
ilha de Creta, onde lhe erigiram um túmulo com o seguinte
epitáfio: Aqui jaz Zan, que se chamava Júpiter.
As aventuras úq Júpiter são explicadas pelo seguinte modo:
Júpiter reservou para si os países orientais, a Tessália e o
35
OlimjDo; Plutão teve as províncias do ocidente até á Espanha;
Neptuno teve na sua dependência todo o mar Mediterrâ-
neo com as suas costas e ilhas. Então tomou-se o Olimpo
pelo céu, como habitação áç: Júpiter; da Espanha, onde Pla-
tão mandou explorar as minas, não mais se falou, como país
dos mortos.
Os deuses que os poetas associaram a Júpiter, são os
vários senhores da sua corte segundo a sua ocupação; assim
Mercúrio era seu ministro e embaixador; Neptuno ou Eolo o
almirante das suas frotas; Vulcano, seu general, comandante
da artilharia; Marte, o general de todos os seus exércitos;
Como, seu mordomo mór; Apolo, hábil mestre, ensinava
a Academia das musas, isto é as cantoras -e as dançarinas;
Harpias, as cadelas deste príncipe. O combate dos gigantes,
era uma conspiração dos seus inimigos, que o atacaram no
monte Olimpo, fortaleza que êle construíra na Tessália.
(r
CAPITULO V
Viagens de Júpiter sobre a terra, Licaon metamorfoseado em lobo, Filemoii
e Baucis — O dilúvio, Deucalião e Pirra — Culto e atributos de Jú-
piter, Júpiter Olímpico. Jogos Olímpicos. Principais atletas, Milo o
Crotoniato.
Viagens de Júpiter sobre a terra,
Licaon metamorfoseado em lobo, Filemon e Baucis
Júpiter reservando para si o império do céu ficara com umdireito de soberania universal sobre o mundo.
Como bom rei, gostava de percorrer as diversas regiões
submetidas ao seu poder; a terra e os seus liabitantes eram
principalmente o objecto da sua benevolência e solicitude; a
raça humana já estava habituada a vê-lo disfarçado em viajante,
iniciando os homens nas descobertas úteis e suavizando os
seus costumes selvagens e ferozes. As guerras que teve que
sustentar interromperam essas viagens, mas recomeçou-as logo
que se viu desembaraçado dos seus inimigos. Os homens,
tinham-se pervertido novamente, entregues às suas más incli-
nações; a piedade, a gratidão, a justiça, a hospitalidade, tinham
desaparecido da terra. «
Júpiter um dia veio à Arcádia onde reinava Licaon: este
príncipe tão avarento quanto cruel e inóspito, mandava matar,
diziam, todos os estrangeiros que chegavam aos seus estados
;
tendo recebido Júpiter no seu palácio, não podia desconhecer
a divindade do seu hóspede pela majestade do rosto e pelas
homenagens que lhe prestavam todos os pastores da região.
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Entretanto querendo experimentar essa divindade, mandou
servir ao soberano dos deuses, num festim, os membros de umacriança que mandara degolar para esse fim ; à vista deste man-
jar execrável, Júpiter armou-se com os seus raios, num mo-
mento o palácio incendiou-se e ficou reduzido a um montão
de cinzas; Licaon fugiu para os bosques, não como homemmas metamorfoseado em lobo, dando uivos medonhos; ape-
sar de assim transformado conservou ainda alguns vestígios
da sua forma primitiva, rosto feroz, olhos ardentes; tudo nele
respirava aquela ferocidade que lhe era natural.
Esta fábula é uma alegoria imaginada pelos poetas para
caracterizar a impiedade e representar a ferocidade dos lobos
que infestavam em grande número as florestas da Grécia.
Júpiter abandonou esta região inóspita e dirigiu-se para a
Frigia acompanhado de seu filho Mercúrio, onde não encon-
traram acolhimento mais benévolo. Vão pedir hospitalidade a
cem casas e todas se lhes fecham, com excepção de umaúnica, uma humilde cabana coberta de colmo; nesta cabana a
piedosa Baiicis, de idade avançada, vivia com seu marido
Fiiemon, tão velho como ela; eram pobres, mas a sua resi-
gnação íornara-lhes suportável e suave essa pobreza.
Apenas os deuses entraram nesta humilde pousada, os
dois velhos apressaram-se a obsequiá-los com o que tinham,
servindo-lhes uma modesta refeição de algumas iguanas e umvaso cheio de vinho, usando para com eles das maneiras as
mais afáveis e da melhor boa vontade. Um prodígio, porém,
encheu os dois velhos de grande admiração e temor: o vaso,
à medida que se esvasiava, enchia-se imediatamente de vinho,
de maneira que este ia sempre aumentando e não diminuindo;
quiseram também imolar um pato, guarda único da sua ca-
bana, mas a ave foje e vai refugiar-se entre os pés dos dois
imortais, que proíbem que o matem; então Júpiter dá-se a
conhecer e, para os recompensar, mandou-lhes que o seguis-
sem até ao cume de um monte; ao olharem para trás viram
^5
38
todo o lugar e seus contornos submergidos à excepção da
pequena cabana, que foi transformada em um templo. En-
quanto admiram este prodígio e deploram a sorte dos seus
visinhos, Júpiter promete-lhes conceder tudo o que pedissem.
Os bons velhos desejaram somente ser ministros daquele
templo e não morrer um sem o outro; os seus pedidos foram
atendidos.
Conservaram a guarda do templo toda a vida e, quando
chegaram à mais avançada velhice e se achavam já cançados
de viver, estando à porta do templo contando a viajantes a
história destes lugares, Filenion reparou que Baucis se con-
vertia em tília e Baucis ficou pasmada ao ver que Filenion era
transformado em carvalho, então se disseram o último adeus.
k
,
O dilúvio, Deucalião e Pírra
*f YJupiter subiu novamente para o Olimpo profundamente
\A/ '
irritado da malícia e da corrupção dos homens. Convocou ime-
diatamente o conselho dos deuses; assentado no seu trono,
três vezes sacode a cabeleira para dela fazer sair os pensamen-
tos, que o preocupam, e três vezes o céu, a terra e os mares
tremeram; então conta as suas viagens sobre a terra, o horrendo
festim de Licaon e declara ter resolvido fazer perecer esta raça
num dilúvio universal, exceptuando Deucalião, príncipe pie-
doso e Pirra sua mulher, que reinavam na Tessália: os deu-
ses aprovaram esta resolução.
Logo todos, os elementos se desencadeiam com furor, os
ventos acumulam no céu os nevoeiros, os vapores e as nuvens,
o sol oculta os seus raios, a natureza inteira fica mergulhada
numa profunda escuridão, abrem-se as nuvens, torrentes de
água inundam a terra; Neptuno o deus dos mares fende as
costas, abre os diques, desfaz os rochedos que costeam o
Oceano, levanta as águas dos rios até trasbordarem ; as águas
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então cobrem toda a terra; as searas, as árvores, os rebanhos,
os templos, as casas, tudo é arrebatado, os homens morrem
afogados, ajDesar de todos os esforços sôbre-humanos para
alcançarem as grandes alturas na ância de encontrarem salva-
ção, e por todo este mar imenso apenas se enxerga vogando
a barca que transporta Deiicaleão e sua esposa.
Nove dias depois a barca de Deiicaleão pára no cume do
monte Parnaso na Fócida. Os dois velhos dão graças aos
deuses pela sua salvação e, quando as águas descem e que o
sol reaparece no céu brilhante e sem nuvens, choram ao vêr
a desolação que vai por toda a terra viúva dos seus habitantes
;
dirigem-se para o templo de Delfos a fim de consultar o orá-
culo de Apolo: <<Saí do templo, lhes diz o oráculo, tirai os
vossos cintos, cobri a cabeça com uni véu, lançai os ossos da
vossa mãe para trás das costas». Os dois esposos interpre-
tando as palavras do oráculo, compreendem que a mãe era a
terra e que os seus ossos eram as pedras ; afastando-se e
agarrando em pedras foram-nas atirando sem se voltarem
para trás, as que saíram das mãos de Deucalião foram trans-
formadas em homens e as atiradas por Pirra em mulheres,
assim foi povoada novamente a terra.
Esta tradição, do dilúvio universal descrito na Bíblia Sa-
grada, encontra-se em quási todos os povos, mais ou menosdesvirtuada.
Culto e atributos de Júpiter;
Júpiter Olímpico
Este castigo, terrível monumento da cólera de Júpiter des-
pertou nos homens a idea do seu supremo poder, pelo que
era adorado em todas as partes do Universo ; nos caminhos,
nas montanhas, nos vales, nas vilas, nas cidades, por toda a
parte se encontravam as suas estátuas e os seus templos, a
êle se sacrificavam as ovelhas mais brancas as melhores cabras,
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ofereciam-Ihe hecatombes, isto é sacrifícios de cem bois e
!evantavam-liie estátuas de ouro e de marfim ; os seus sacerdo-
tes eram poderosos, o chefe ou o grande FLarnine (Flanien
Dialis), em Roma, ocupava a cadeira de marfim dos senado-
res, tinha o anel de ouro dos cavaleiros, a toga dos côn-
sules, os feixes de varas dos lictores.
Júpiter o deus dos deuses, o deus supremo, uns represen-
tam-no sentado num trono de ouro ou de marfim, tendo numadas mãos um feixe de raios e na outra um scetro, emblema do
seu poder, aos pés uma águia com as asas abertas e nas gar-
ras um feixe de raios; outros fazem-no com sobrancelhas
pretas, aspecto triste, na mão o raio e aos pés a águia, aos
lados sentados o Respeito e a Equidade e diante dele duas
taças, a do bem e a do mal, que espalha à sua vontade pela
humanidade.
O carvalho era-lhe consagrado por ser êle quem ensinou
os homens a sustentarem-se de bolota, Erigiram-lhe sumptuosostemplos, sendo o mais grandioso o de Olímpia, cidade do
Peloponeso na Grécia; no meio deste templo elevava-se a
estátua de Júpiter, feita de ouro e de marfim, obra-prima de
Fídias o mais célebre escultor da antiguidade.
Júpiter recebeu tantos cognomes como de lugares, ondetinha altares ; na Líbia denominavam-no Amon, no Egipto Osíris,
Capitolino em Roma, mas o mais ilustre era o át Júpiter Olím-
pico, ou porque era no Olímpio que êle habitava com toda a
sua corte, ou por causa da instituição dos jogos Olímpicos
assim chamados de Olímpia, cidade da Elida no Peloponeso,
junto da qual se celebravam de quatro em quatro anos com-pletos. Ao quinto ano, depois de passado por completo o
quarto, celebravam-se esses jogos e o espaço que decorria en-
tre um e outro jogo chamava-se Olimpíada, modo célebre
de contar os anos na antiguidade; os primeiros jogos oh'mpi-
cos celebraram-se no ano do mundo 3196.
41
Jogos Olímpicos
No primeiro dia, ao nascer do sol, já a multidão do povo
se apinhava no templo de Júpiter onde o sacerdote imolava as
vítimas; acabado o sacrifício todos se dirigiam para umaimensa e ampla arena orlada de árvores, ao meio da qual se
levantava uma tenda para os doze juízes que presidiam à festa;
começavam então as corridas a pé, sendo o espaço a percorrer
um stádio, pouco mais ou menos a medida de duzentos
metros, mais tarde foi introduzida a corrida a cavalo ou emcarros e aumentada a pista,
O segundo dia era consagrado à luta: os atletas ou luta-
dores untavam primeiro os membros e o corpo com azeite
para terem mais agilidade e escorregarem mais facilmente das
mãos do adversário; travada a luta, agarravam-se e procuravam
peia força ou destreza derrubarem-se, isto até ao momento emque qualquer dos adversários caindo se confessava vencido-
O terceiro dia era o do cesto; os atletas tinham manoplas
de coiro guarnecidas de metal ou de chumbo, travavam a luta
dando-se murros e muitos vezes um só destes murros sobre
a cabeça do adversário era o suficiente para lhe produzir a
morte.
Ao jogo do cesto sucedia no quarto dia o do disco, era o
exercício mais inofensivo; consistia em conservar-se em equi-
líbrio em um pé sobre uma vara ponteaguda e atirar o mais
longe possível um disco ou malha de pedra ou de metal cuja
forma e peso variavam à vontade dos concorrentes.
No quinto dia finalmente faziam-se os jogos de destreza e
as pantomimas.
Os jogos Olímpicos, segundo dizem, foram instituídos por
Hércules, um dos ciiretes ou coribantes encarregados da cria-
ção de Júpiter na ilha de Creta; foram várias vezes interrom-
pidos até que se celebraram com regularidade, com um brilho
42
extraordinário, por ordem de um oráculo. Os vencedores ti-
nham por única recompensa uma simples coroa de oliveira ou
de loureiro além de muitas prerogativas; as corridas de coches
faziam a parte mais brilhante destes espectáculos.
Principais atletas, Milo o Crotoniato
A história transmitiu-nos os nomes de alguns atletas dos
mais famosos ; entre outros cita-nos os de Teágenes, de Milo
de Crotona e de Polidanias.
Teágenes mascido em Tasos pequena cidade visinha da
Lacedemónia, ganhou muitas vezes a vitória nos jogos Olím-
picos e os seus concidadãos levantaram-lhe uma estátua. Umhomem invejoso desta honra ia todas as noites fustigara estátua
e de tal modo o fazia que ela uma noite caiu e esmagou-o.
Os filhos do morto citaram a estátua homicida perante o tri-
bunal que a condenou a ser lançada ao mar; pouco tempo
depois uma grande fome assolou todo o país, os Tásios con-
sultaram o oráculo que lhe ordenou o restabelecimento da
estátua no seu templo, o flagelo cessou e desde então Teáge-
nes foi considerado como um semi-deus.
O mais vigoroso de todos os atletas foi Milo o Croto-
niato; um dia, nos jogos Olímpicos, carregou com um touro
aos hombros dum extremo ao outro da pista sem descansar,
chegando ao termo da carreira matou-o com uma punhada
e comeu-o nesse mesmo dia. Envelhecendo, nunca julgou que
as suas forças tivessem enfraquecido, e um dia, passeando só
num bosque, viu um carvalho com uma grande fenda feita
pelos rachadores, quis separar as duas partes com as mãos,
estas porém pegaram-se ao carvalho e faltando-lhe as forças,
as duas partes tornaram a unir-se, apertando fortemente os
braços do velho atleta; o infeliz, não podendo sair desta po-
sição, teve uma morte horrorosa sendo devorado pelos lobos.
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Polidamas, natural da Tessália, era rival e amigo de MUo;na sua infância esganou um leão e mais tarde nos jogos Olím-
picos fez parar um carro puxado pelos mais vigorosos e esfor-
çados cavalos; teve um fim tão tra'gico como o seu amigo:
Achava-se um dia numa caverna, quando a abóbada aluiu,
iodos os que ali se achavam fugiram, êle só, fiando-se dema-
siadamente na sua força e querendo suster um rochedo foi
por este esmagado.
CAPÍTULO VI
Juno, seus filhos — Hebe, deusa da mocidade— História de Tereo e de
Progne— Vinganças de Juno, história de Latona e de Niobe — Culto e
atributos de Juno.
Juno e seus filhos
Juno, entre os gregos Hera, filha de Saturno e de Cibeles, era
irmã diÇ^ Júpiter, de Neptuno, de Plutão, de Ceres e de Vesta;
seu pai, dizem, tinha-a devorado à nascença como os outros
filhos, mas, com o auxílio de uma bebida misteriosa, saiu no-
vamente do estômago ; sua mãe, para a subtrair à voracidade
de Saturno, escondeu-a cuidadosamente numa cidade da Jónia
ou do Peloponeso, em Samos ou em Argos ; estas duas cida-
des disputam a glória de terem criado a rainha dos deuses,
a soberana do céu e da terra.
Os seus primeiros anos são envolvidos em mistérios, ora
lhe dão por amas as ninfas dum rio que corre próximo de
Argos, ora as filhas de Samos; outras fábulas a consideram
também criada pelas Horas. Quando chegou à maioridade as
amas envolveram-na nas suas asas e foram-na depor no Olimpoao lado dos irmãos. Júpiter tomou-a para sua principal esposa
e os esponsais foram celebrados com grande magnificência.
Mas Júpiter usando do seu privilégio de rei dos deuses e
dos homens tomou ainda para suas mulheres muitas deusas
e um grande número de simples mortais. Juno foi sempremuito ciumenta e além de atormentar seu esposo com cons-
tantes queixas e questões, perseguiu cruelmente a maior parte
das suas rivais; ao ciúme juntava um espírito orgulhoso e vin-
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gativo, a sua história é a narração dos seus ressentimentos e
das suas vinganças.
Do enlace úq Júpiter com Juno nasceram muitos filiios. Oprimeiro foi Vulcano ; sua mãe achou-o tão feio e disforme,
que envergonhada de o ter dado à luz, condenou-o a fabricar
os raios de Júpiter nas cavernas da terra. Vulcano é o deus
do fogo.
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O segundo foi Minerva, a deusa da sabedoria, saída docérebro do soberano dos deuses. A inteligência e a harmonia
presidem ao movimento de todos os corpos celestes no meio
desse fluido representado por Júpiter.
A seguir, o gigante Tifeo, a personificação das tempesta-
des que assolam a terra e os mares. É Juno a atmosfera que
está em guerra aberta com o esposo e desta luta nascem as
agitações, os vapores maléficos, as tempestades e as erupções
vulcânicas.
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Júpiter representa o ar superior, o éter, fluido puro, leve e
subtil; Juno o ar inferior, pesado e espesso, chamado a
a atmosfera; e, como as agitações desta atmosfera perturbam
incessantemente a paz do ar superior, daqui o dizer-se que
Júpiter e Juno não viviam em boa harmonia.
HEBE, DEUSA DA MOCIDADE
Depois de uma curta reconciliação, os dois esposos indis-
põem-se novamente e vê-se então aparecer um quarto filho, o
terrível Marte, deus da guerra, da destruição e da carnificina.
A concórdia e a harmonia pareceram renascer um momento
ainda no viver dos dois esposos e apareceu então mais uma
filha, a gloriosa Hebe, deusa da mocidade, da primavera. Os
deuses acharam-na tão bela que a encarregaram de lhes servir
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à mesa o néctar e a ambrósia, Em breve porém foi substi-
tuída por Oaiiímedes e então sua mãe conservou-a junto de si,
mais tarde casou-a com Hércules, o deus da força e a pedido
deste remoçou o velho lolao seu sobrinho, O nascimento de
Hebe é uma encantadora alegoria da primavera, que nasce da
harmonia de todos os elementos. Esta agradável estação espa-
lha a fecundidade e a vida sobre toda a natureza, coroa de
flores a terra, dá o canto e a alegria às aves e parece remoçar r^^
o velho inverno.,
/nW^^"^^
História de Tereo e de Progne
Foi durante a época desta reconciliação entre Júpiter e
Juno que os mitólogos dão o nascimento de Filomela e de
Progne, ou do rouxinol e da andorinha, mensageiros da pri-
mavera.
Havia na Trácia um príncipe chamado Tereo ; vira em Ate-^-^^^
nas Progne, filha de Pandion rei daquela região e desposara-a;t' u. L^mas a donzela não podia resolver-se a abandonar sua irmã
querida. Filomela; depois de repetidas instâncias, Pandion
consentiu em separar-se das suas duas filhas, que partiram i£/U/-^
com Tereo para a Trácia. A viagem foi feliz, mas Filomela an-
dava sempre triste como se advinhasse a desgraça que a
ameaçava; para repousar das fadigas da viagem, Tereo con-'^
duziu as duas princesas a um castelo perto do mar; desenca- ^deando-se repentinamente uma horrorosa tempestade, Filo-
mela, cheia de medo, retirou-se para um quarto isolado do
castelo, Tereo aproximou-se dela para a animar, mas com a
intenção de lhe dar a morte, ultra]a-a e tomando-a pelos cabe-
los torce-lhe os braços e encarcera-a, íendo-lhe previamente
cortado a língua. O bárbaro voltou para junto da esposa e
disse-lhe que a irmã morrera fulminada e consumida por umraio, e retomaram ambos o caminho da Trácia. Passou-se assim
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um ano, Filomela continuava fechada no velho castelo sob a
vigilância de dois homens encarregados de lhe darem o ali-
mento; um destes homens, porém, comovido pelas lágrimas
da infeliz prisioneira, trouxe-lhe um dia, a seu pedido, umaagulha, pano e lã; Filomela entregue ao seu trabalho passava
os dias e as noites a bordar sobre o pano as suas desgraças
e acabado o bordado enviou-o a sua irmã Progne. Esta, indi-
gnada e furiosa, procurou libertar Filomela e vingar-se do
cruel Tereo, para isso aproveitou uma ocasião propícia que
então se apresentou : Celebravam-se na Trácia festas em honra
do deus Baco (festas das Orgias), durante as quais as mu-
lheres saiam das suas casas e livremente dansavam de dia e
de noite nas ruas; Progne foge do palácio vestida de bacante,
a cabeça coroada de pâmpano e de hera, corre através das flo-
restas, chega à prisão da irmã, liberta-a e voltam ambos para o
palácio de Progne, sequiosas de vingança. Durante a noite
Progne entra no quarto onde dormia seu filho Ifis, crava-lhe
um punhal no coração e corta-lhe a cabeça ; no dia seguinte
houve um grande banquete dado por Tereo e entre as iguarias
servidas aos convivas estava a carne da infeliz criança ; termi-
nado o banquete, abriram-se as portas do salão, Filomela
apareceu então vestida de branco, trazendo na mão a cabeça
de Itis e atirou-a para cima da mesa. Tereo, à vista disto,
levantou-se dando dilacerantes gritos e desembainhando a es-
pada quis imolar as duas princesas, porém elas jà tinham fu-
gido ; um navio preparado de ante-mão transportou-as rapida-
mente para Atenas; Tereo perseguiu-as, mas não poude
alcançá-las porque as duas princesas acolheram-se a casa de
seu pai donde não ousaram sair, Tereo porém vigiava cons-
tantemente o palácio para se apoderar delas.
Por fim cheias de aborrecimento e de tristeza foram meta-
morfoseadas por um deus; Progne em andorinha, Filomela emrouxinol, Tereo foi também transformado em gavião e Itis empintasilgo.
49
A andorinha é triste e inquieta, voa rente à terra, empo-leira-se nos mastros dos navios e faz o ninho nas biqueiras
dos telhados, é Progne triste pela ausência da sua irmã, pro-
curando-a por toda a terra e fugindo num navio.
O rouxinol tem o canto gemente, ama os retiros, as moitas,
os silvados, é Filomela chorando as suas desgraças no fundo
do velho castelo.
O pintasilgo tem o canto suave e alegre, é vivo, tem o
brilho de uma flor, o seu ninho é feito de penugem e de musgo,
é Itis, criança cheia de vida e de alegria e desconhecendo as
tristezas deste mundo.
Vinganças de Juno, história de Latona e de Niobe
Juno, notando que as viagens de Júpiter se multiplicavam
e vendo-se abandonada, tornou-se cada vez mais ciumenta e,
embora cosesse consigo em segredo a vergonha e o despeito
que lhe causava este abandono, jurou vingar-se; porém seu
esposo leviano e subtil escapava sempre às ciladas^ que ela
lhe armava.
O Destino dissera-lhe que Júpiter teria de Latona dois
filhos que viveriam em companhia do pai no meio dos puros
espaços do éter; estes dois filhos seriam Apolo e Diana, o
sol e a \ua. Juno tomada da mais violenta cólera resolveu per-
seguir Latona com todo o seu ódio; muito perto do templo
de Delfos havia um antro medonho onde estava um dragão
monstruoso chamado Piton; Juno implora dojnonstro auxílio
e concurso para a sua vingança; o dragão percorre então as
florestas, as montanhas e os vales em perseguição de Latona,
esta é forçada a andar vagabunda de uma região para a outra,
atormentada pela fome e pela sede e sempre perseguida pelo
infatigável dragão, cujos silvos horrorosos ouve por toda a
parte. Uma tarde, depois de ter andado errante por vales e
4
50
montanhas, muito afadigado e despreocupada já do dragão,
procurou descansar à beira de um lago e saciar-se com as suas
límpidas e cristalinas águas, mas alguns pastores que perto
apascentavam os seus rebanhos perseguem-na e não a deixam:
mitigar a sede; então Latona, no seu desespero, invoca o deus
dos deuses e os pastores foram transformados em rãs.
Latona afasta-se destas inóspitas regiões e refugia-se na
Ásia tomando a forma de uma loba; errante e vagueando pelas
costas do mar, fatigada e quási desfalecida, invoca a morte e
conta as suas desgraças às ondas que vinham morrer a seus
pés; Neptuno o deus do mar ouve as suas lamentações e mo-
vido de compaixão faz surgir do meio das águas uma ilha que
lhe serve de abrigo, a ilha de DcLos que por muito tempo flu-
tuou sobre as vagas do mar Egeu.
,Lcitona, transformada em codorniz, voa rapidamente para
a ilha maravilhosa e, ali sentada ao pé de uma oliveira, dá à
luz duas belas e esbeltas crianças, Apolo o deus da luz e do
sol e Diana a caçadora ou a lua. As crianças cresceram, a dra-
gão Piton porém expiava sempre a presa e um dia, chegando
à ilha ai^roximou-se dos berços das crianças e prestes a ian-
çar-se sobre elas, foi visto por Apolo que tomando rapidamente
o seu arco e as setas fere mortalmente o monstro.
Latona, alegre e orgulhosa da beleza dos seus filhos, embreve esqueceu todas as suas desgraças tornando-se violenta
e implacável ; os povos para a aplacar e a tornar benevolenta
levantaram-lhe altares e templos; os tebanos sabendo que ela
devia passar na sua cidade, juncaram as rua de flores, orna-
mentaram as portas das casas e prepararam-se para ir ao seu
encontro levando ramos de loureiro.
Niobe, filha de Tântalo, esposa de Anfion rei de Tebas e
mãe de catorze filhos, invejosa das honras preparadas para
Latona, exigiu que lhe prestassem a ela essas honras dizendo
que com mais justo tí^tulo as merecia. Latona ofendida confiou
aos seus. filhos o cuidado de a vingar deste ultrage.
5!
Apolo vendo um dia nas planices de Tebas os filhos de
Niobe matou-os; aos seus dolorosos gritos as irmãs destes
infelizes príncipes acodem às muralhas e no mesmo instante
são feridas mortalmente por setas invisíveis atiradas por Diana.
Niobe ao saber semelhante desgraça corre desgrenhada e tré-
mula e, muda de dor e de desespero, fica junto dos filhos re-
gando os seus corpos de abundantes lágrimas; tornando-se a
pouco e pouco imóvel, a vida retira-se e é transformada emrochedo ; as suas lágrimas correm como regatos pelas fendas
do rochedo insensível.
A^uitas foram as vítimas da vingança e do ciúme de Juno;não tolerava que zombassem ou gracejassem da sua beleza,
ou que alguém se considerasse superior ou mais bonita do
que ela. Pigas, rainha dos Pigmeus, atreveu-se um dia a con-
siderar-se mais bela do que a rainha dos deuses, foi transfor-
mada em grou; as filhas de Proeto, para castigo da mesma au-
dácia, foram metamorfoseadas em bezerras bravas. O pastor
Paris, filho de Priamo, rei dos troianos, foi perseguido du-
rante toda a sua vida, êle e os seus, por ter dado a Vénus o
prémio da beleza que era igualmente disputado por Juno e
e por Minerva; este ressentimento foi a causa da ruína de Tróia.
A ninfa Eco foi castigada a não repetir mais do que a última
palavra daquilo que preguntavam, não só por haver falado
indiscretamente de Juno, mas também por a haver enganado
escondendo-lhe os amores áQ Júpiter.
Culto e atributos de Juno
O culto de Juno, ainda que universalmente espalhado por
todos os países, era principalmente honrado em Argos, Samos,
Cartago e Roma. Na Argólida, em todas as cidades, havia alta-
res levantados a Juno, mas o templo mais magestoso era em
52
Argos; no centro desse templo estavam as suas armas e a sua
estátua, tudo em ouro e marfim.
Esta deusa costuma ser representada por uma formosa e
esbelta mulher, tendo na cabeça um diadema, na mão umscetro de ouro, aos pés um pavão, sua ave favorita, e sentada
num trono ou num coche puxado por pavões.
Cartago cidade edificada perto do mar, poderosa pelo seu
comércio, escolhera y«/zí7 para sua deusa protectora.
Em Roma gosava Juno de um culto privilegiado; era a di-
vindade matrimonial, presidia aos casamentos, ao adorno, às
jóias e aos penteados das damas romanas; celebravam-se emsua honra festas anuais, e durante elas vinte e sete donzelas
percorriam as ruas da cidade vestidas de branco e cantando
hinos em sua honra. No templo sacrificavam-lhe cordeiros e
uma bácora no primeiro dia de cada mês ; o sacrifício de be-
zerros era proibido por ter sido sob a forma de uma vitela
que ela fugira para o Egipto durante a guerra dos deuses
contra Tifeo,
CAPITULO Vil
Diana
Diana, seu nascimento e seus atributos — Vinganças de Diana, histórias de
Acteon e de Orion -^ Culto de Diana e seus templos.
Diana, irmã de Apolo, era filho át Júpiter e de Latona. Otriste destino de sua mãe lançara a sua alma numa profunda
melancolia e dera-ihe uma grande aversão ao casamento, pelo
que fez voto de virgindade; escolhia de preferência os retiros,
a solidão dos bosques, a sombra e o silêncio das noites para
sua habitação.
Teve três cargos distintos: presidir às florestas e à caça;
alumiar o mundo durante a noite; vigiar as almas nos infer-
nos: Diana caçadora ou Artemisa na terra; Diana, a lua ou
Febe, no céu; Diana a tenebrosa, a guarda dos infernos, tam-
bém chamada tiecate.
Diana caçadora habita os bosques, as montanhas e as cos-
tas do mar; calçando um coturno, vestindo uma leve túnica, aos
hombros um carcaz (aljava das setas) na mão um arco, se-
guida de oitenta ninfas, que tomam cuidado da sua matilha
de cães e das suas armas, percorre as florestas caçando e à
tarde assentada à beira mar deita as suas redes. Esta deusa
dotada de um carácter irrascível e vingativo, fez sentir mais
duma vez os efeitos da sua cólera aos imprudentes que se
atreveram a provocá-la.
54
Vinganças de Diana, histórias de Acteon e de Orion
Um hábil caçador chamado Acteon percorria incessante-
mente os bosques e as montanhas, os vales e as planícies
para surpreender os animais e caçá-los ; um dia, perseguindo
*f l^^ mu
DIANA
com ardor um javali, perdeu-se na floresta e achou-se por
acaso à borda de um lago, onde Diana com as suas ninfas
se banhava e repousava das fadigas do dia. Irritada por ser
assim surpreendida, atirou ao rosto do caçador uma porção
de água; Acteon fugiu, mas foi transformado em veado e no
55
mesmo momento os seus cães não o reconhecendo sob aquela
forma atiraram-se a êle e despedaçaram-no às dentadas.
Diana, numa das suas corridas, encontrou outro caçador,
a quem deu morte não menos deplorável, seu nome era Orion'.
Orion era filho de um homem muito pobre e velho; na
época em que os deuses visitavam a tevrpi, Júpiter, Neptuno e
Minerva vieram pedir hospitalidade a este velho, que os aco-
lheu com bondade matando para eles o único boi que pos-
suía; os deuses reconhecidos prometeram concederdhe o que
pedisse; pediu um filho e o seu pedido foi logo satisfeito: os
deuses amassando um pouco de barro meteram o barro na
pele do boi e horas depois saiu da pele o jovem Orion, a
mais bonita das crianças; a sua estatura era a de um gigante,
os seus exercícios mais favoritos, a caça e a pesca.
Diana invejosa da muita habilidade do jovem Orion, ven-
do-o um dia deitar as suas redes ao mar, quis dar uma prova
da sua destreza na presença de Apoio, que a dasafiara, e rete-
sando o seu arco feriu mortalmente o jovem caçador.
Confusa e arrependida deste acto de crueldade, obteve de
Júpiter a permissão de suspender o corpo da sua vítima na
abóbada celeste, onde forma uma das mais brilhantes conste-
]açõ.es. Outros dizem que Orion morreu com a picada de umescorpião.
Culto de Diana e seus templos
Sacrificavam a Diana cordeiros, corças, javalis e muitas ve-
zes vítimas humanas ; num dos seus templos na Taurida, ou
Criméa, sacrificavam-lhe todos os estrangeiros que as tempes-
tades arrojavam às praias; úq Delos, donde Diana tomou o
nome de Delia, como também o de Cintia do monte Cinto,
o culto desta deusa não tardou a espaliiar-se por toda a
Grécia.
56
O seu templo em Éfeso era uma obra prima de arquitec-
tura e uma das sete maravilhas do mundo •; todos os povos
iam ali levar as suas ofrendas, a Ásia inteira ali depusera os
seus tesouros e lhe consagrara cem anos de trabalho; no dia
do nascimento de Alexandre Magno, um louco de nome Eros-
trato, para imortalizar o seu nome, deitou fogo a este sump-
tuoso edifício.
Diana celeste ou a lua, era uma divindade bemfeitora, pre-
sidia ao sono do homem, alumiava os caminhos aos viajantes,
dirigia o movimento das marés e a marcha das estações. Re-
presentavam-na sob a forma de uma donzela de olhar meigo
tendo na cabeça uma meia lua. A Diana celeste só se sacrifi-
cavam ovelhinhas brancas, emblemas da mansidão.
Diana a tenebrosa, ou Hecate^ outros também a confun-
dem com Prosérpina, mulher de Plutão, era uma divindade
temida e implacável e por isso os homens, para que as suas
almas não andassem errantes nas margens do Stix (rio do in-
ferno), ofereciam-lhe, quando vivos, grandes sacrifícios.
Diana foi algumas vezes representada com três cabeças de
animais, umas vezes com as cabeças do cavalo, do javali fêmea
e do cão, outras com as do touro, do cão e do leão; era então
a deusa triforme em virtude das suas tríplices funções.
Diana também era invocada pelas mulheres no nascimento
dos seus filhos e davam-lhe o nome de Lncina confundindo-a
com Juno ou com a sua filha.
Chamavam-na também Trivia, por que a adoravam nas en-
cruzilhadas dos caminhos (áo latim Triviuni), onde a maior
parte das vezes estavam as suas estátuas.
' As sete maravilhas do imiiulo eram: — 1.'^ Os jardins suspensos de
Semíramis; 2.=» Os nuiros de Babilónia; 3.« As pirâmides do Egipto; 4.» A
Estátua át Júpiter Olímpico; 5.a O colosso de Rodes, gigantesca estátua
de bronze representando Apolo ou o sol ; 6 a O templo de Diana em Éfeso;
7.^ O mausoléu, magnífico túmulo mandado erigir por Artemisa a seu es-
poso Maiísolo rei da Caria.
CAPITULO Vil!
Apolo
Nascimento de Apolo — Desgraças de Apolo — Estada de Apolo sobre a
terra — As Musas — Culto de Apolo, seus templos, seus oráculos e
seus atributos ~ Zodíaco suas constelações e outras — História dos
quatro músicos famosos da antiguidade, Anfion, Arion, Lino e Orfeu.
Nascimento de Apolo
Apolo, também chamado Febo, era filho de Latona e de
Júpiter, nasceu na ilha de Delos, onde Latona se acolheu para
fugir à perseguição de Juno; tendo apenas cinco dias de
idade matou a serpente Piton, a morte deste monstro deu-lhe
o nome de Pítia e em sua honra foram instituídos os jogos
Plticos, que se celebravam em Delfos todos os quatro anos.
Nesta vitória de Apolo sobre a serpente vê-se a feliz influên-
cia do sol que seca os pântanos e sanea a terra. Apolo comofilho que era dos deuses, deixou a terra para ir sentar-se no
meio dos imortais que ficaram encantados com a sua beleza
arrebatadora, com os maviosos sons da sua voz e com os melo-
diosos sons da sua lira; Júpiter fê-lo deus da luz, da poesia,
da música, das letras, das belas artes, da eloquência, da medi-
cina e dos augúrios ; é êle que guia o carro do sol puxado por
quatro cavalos, Piroo, Eoo, Eion e Flegon, cujo ardor impe-
tuoso e cujos movimentos êle regula ; é igualmente êle que
preside à assemblea das Musas e que as inspira.
5S
Desgraças de Apolo
No Olimpo, Apolo distinguiu-se por uma série de acções
gloriosos; assim ora o vemos disputar a Mercúrio o prémio
da corrida; ora o dã luta a Marte e vencê-los a um e outro; mas
estes dias de felicidade foram de curta duração e Apolo teve
de experimentar cruéis desgraças.
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Jlyv-
Um de seus filhos, o jovem Faetonte ou Eridano, jogando
um dia com Epafo teve com êle uma desavença, este lançou-
-Ihe em rosto que não era filho do Sol, como êle imaginava;
Faetonte indignado foi-se queixar a sua mãe Climenes que lhe
aconselhou que fosse ter com o pai ; entrou no palácio do
V
59
Sol, achou-o sentado no seu trono, onde só brilhavam ouro e
diamantes ; logo que Apolo deu fé dele, despojou-se dos seus
raios e jurou pelo Stix conceder-Ilie quanto êle desejasse.
Faeíonte pediu-Ihe o governo do seu carro somente por umdia; Apolo, apesar de ter empregado debalde tudo para o des-
viar de semelhante empresa, confiou-lhe o carro dando-lhe as
instruções necessárias para prevenir algum desastre; apenas
chegou ao horizonte, os cavalos estranhando a mão do novo
condutor, tomaram o freio nos dentes e aproximando-se muito
da terra tudo foi abrazado pelo ardor do Sol. Júpiter para
remediar tal desastre e castigar Faeíonte fulminou-o e preci-
pitou-o no Eridano, um dos rios da Itália, que ao presente
tem o nome de Pó. Suas irmãs e Cicno seu amigo tanto cho-
raram por êle que foram metamorfoseadas em álamos e Cicno
em cisne.
Esta lenda é a imagem poética de uma grande secura.
Não foi só esta a única desgraça que afligiu o coração pa-
terno de Apolo.
Tinha êle um outro filho da ninfa Coro/iis, Esculápio, a
quem ensinara a medicina; Júpiter fulminou-o por êle haver
ressuscitado Glauco, filho de Minos e Hipólito \\\\\o de Teseo.
Apolo no seu desespero matou os Ciclopes que tinham fabri-
cado os raios e esta acção foi causa da sua expulsão do céu
sendo condenado a um ano de exílio sobre a terra.
Estada de Apolo sobre a terra
O filho de Latona refugiou-se em casa de Admeto, rei da
Tessália, que lhe confiou a guarda dos seus rebanhos. Suavi-
zava as tristezas do seu exílio e consolava-se das suas des-
graças, tirando da sua flauta os mais harmoniosos sons, jun-
tando os pastores dos arredores, ensinando-lhes os deveres
pastoris, organizando jogos para lhes desenvolver as força?
60
e iniciando-os na sciência da astronomia. Mercúrio agravou a
sua desgraça tirando-lhe o arco e o rebanho e deixando-lhe só
a flauta O deus Pari e o sátiro A/ízrs/Vzs ousaram um dia desa-
fiá-lo para se ver quem melhor cantaria e tocaria. O primeiro
desafio realizou-se na Frigia, e o rei Midas, cujo ouvido era
duro para a música, deu preferência ao deus Pan ; Apolo, para
se vingar, fez que lhe crescessem as orelhas como as de umburro as quais teve de esconder debaixo de um barrete de
púrpura. Midas teve que revelar este segredo ao seu barbeiro,
que prometeu guardá-lo; mas não podendo suportar tão grande
fardo, o barbeiro fez uma cova na terra e confiou-lhe esse
grande segredo, tapando-a em seguida com mais terra. Nesia
cova nasceu um canavial cujas canas traíram o infortúnio de
Atidas repetindo as palavras saídas da boca do barbeiro: Mi-
das, o rei Midas tem orelhas de burro.
Do sátiro Marsias tirou Apolo ainda maior vingança : de-
pois de o ter vencido na presença dos homens e das m.usas,
atou-lhe as mãos atrás das costas, prendeu-o a uma árvore e
€sfolou-o vivo.
Apolo, roubado por Mercúrio, mal julgado por Midas e
desafiado por Marsias, é o simbolo dos poetas sobre a terra
;
a astúcia, o mau gosto e a inveja aliam-se contra êies, umaredu-los à miséria, a outra não sabe avaliar o seu génio e esta
disputa-lhes a glória. Mercúrio, deus dos ladrões, triunfa im-
punemente do poeta que se resigna à miséria, mas este vin-
ga-se do mau gosto pelo ridículo, e da inveja pela cólera. Ocastigo do crítico ignorante, de Midas, é justo, mas a do
poeta medíocre poderá parecer um pouco severo, ainda que para
dizer a verdade, nada há mais insípido do que os maus versos.
Apolo, durante o seu exílio, foi forçado a trabalhar para vi-
ver; para isso ofereceu os seus serviços a Laomedoníe, rei
dos troianos, ajudando-o a reedificar as muralhas de Tróia,
onde trabalhou com Neptuno, e, quando concluiu a obra, nada
lhe pagaram.
61
As Musas
Foi também durante o seu desterro que Apolo presidiu ao
conselho das Musas, filhas de Júpiter e de Mnemosina.
As Musas eram em número de nove, habitavan ora o,
Olimpo, ora o Hélicon na Beócia, ora o Parnaso na Fócida;
as fontes como Hipocrene, Castalia e o rio Permesse lhes
eram consagrados.
A fonte Hipocrene nascera de uma patada do cavalo Pégaso,
nascido do sangue de Medusa; este cavalo tinha asas e é
sobre êle que os poetas pretendem elevar-se até ao céu.
Ovídio conta que nestas virgens imortais, quando elas foram
tomar posse do Parnaso,aceitaram a hospitalidade de PireneUy
príncipe bárbaro que tinha invadido a Fócida e a Daulida comum exército de soldados trácios; não tardando a compreender
os desígnios deste hospedeiro pérfido, Apolo deu-lhes asas
para fugir; Pireneu querendo segui-las através dos ares, caiu
do alto da torre donde elas tinham voado e quebrou a cabeça;
esta aventura exprime a independência e a dignidade das
Musas que fogem para longe dos tiranos e dos bárbaros, raça
indigna de ouvir as suas divinas canções.
Eis outro facto cujo sentido não é impenetrável: As filhas
de Piéro, rei da Tessália, em número de nove, foram pelas
Musas, desafiadas um dia, sobre quem melhor faria versos :
tinham elas sido muito aplaudidas nas cidades da Tessália e
da Acaia, e este sucesso tinha-as enchido de vaidade e per-
turbado a razão. Este temerário desafio tornou-se-lhes funesto;
no templo das Musas, os seus versos e a sua música encon-
traram juízes severos e rivais facilmente vitoriosos ; depois
desta prova foram metamorfoseadas em pegas, donde se vê o
que significa a tagarelice destas aves; os primeiros sucessos
das Piérides nos domínios paternos e perante juízes compla-
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centes não serão a imagem dessas ilusões de família que
levam muitas vezes as filhas a julgarem-se verdadeiras Musas?
As musas representadas com os atributos das artes ou
ou sciências a que presidiam, eram as seguintes
:
. Clio (quer dizer em grego, a fama) musa da história,
registava os altos feitos dos heróis e as memórias do passado;
é representada tendo na cabeça uma coroa de loureiro, numadas mãos uma trombeta e na outra um rolo de pergaminho.
Tália (amante dos festins) musa da comédia, é representada
ora vestida de bacante por ter sido nas festas do deus Baco
que teve origem a comédia, ora tendo simplesmente numa das
mãos um rolo e na outra uma máscara.
Eiiterpe (a que encanta) musa da música e dos cantos líri-
cos, atribuíram-lhe a invenção da flauta; representam-na comuma coroa de rosas na cabeça e instrumentos de música
aos pés.
Melpomene (a cantora) musa da tragédia, canta os versos
heróicos. Magestosamente vestida, tinha a fronte austera e
grave, numa das mãos scetros e coroas e na outra um pu-
nhal.
Erato, musa dos amores, presidia à poesia lírica. Represen-
tavam.-na na figura de donzela prasenteira, coroada de mirto e
de rosas, tendo em uma das mãos uma lira e junto de si umpequeno Cupido com asas, arco e aljava.
Terpsícore, musa da dança e da música. Tinha a figura de
uma donzela viva, coroada de grinaldas, com uma arpa na
mão e vários instrumentos de música à roda de si.
Polímnia, musa que presidia à ode ou à poesia lírica e à
retórica; dizem que foi a inventora da harmonia, representavam-
-na coroada de pérolas, vestida de branco, com a mão direita
em acção de orar ou de impor silêncio.
Caliopc, presidia à eloquência e à poesia heróica ; repre-
sentavam-na como uma donzela coroada de louro, ornada de
grinaldas, ar magestoso, na mão direita uma trombeta e na es-
63
querda um livro e junto dela mais três, a Ilíada, a Odissea e a
Eneida.
Urania, presidia à astronomia; era representada por umadonzela vestida com roupas azuis, coroada de estrelas, susten-
tando um globo com amba's as mãos e rodeada de muitos ins-
trumentos de matemática.
As Musas não habitavam sempre o mesmo lugar, viajavam
montadas no cavalo maravilhoso chamado Pégaso.
Os antigos nunca começavam as suas refeições sem, de
copo na mão, saudarem e invocarem as Musas; os poetas in-
vocavam-nas igualmente para os seus cantos.
Ofereciam-lhes o loureiro e a palmeira e representavam-nas
muitas vezes agrupadas em volta de Apolo, jovens, belas, ves-
tidas com graça e. simplicidade, ornadas com todos os seus
atributos.
Terminado o tempo do seu desterro, Apolo subiu ao céu
;
seu pai deu-lhe o carro do sol para guiar. Quando a Aurora
de dedos rosados se retirava para o 'seu palácio do Oriente, o
carro do sol retomava o seu curso enflamado através da abó-
bada celeste e os seus cavalos escorrendo suor iam mergu-
Ihar-se à tarde nas ondas do mar.
Apolo é pois a personificação do sol, origem da fecundi-
dade e da vida.
Culto de Apolo, seus templos, seus oráculos
e seus atributos
O culto de Apolo espalhou -se por todas as regiões da terra
em festas, em templos e em oráculos. Na Grécia celebravam-se
em sua honra as neoniénias ou novUúnios; em Roma as calen-
das a fim de tornar propício o deus dos dias, dos meses e das
estações ; consagravam-lhe a palmeira, o loureiro, o galo, a ci-
garra, o leão, o gavião e o fénix emblema do seu poder.
64
O templo mais afamado consagrado a Apolo era o de Del-
fos, na Focida, ao pé do monte Parnaso e a estátua mais cé-
lebre, a que é conhecida sob o nome de Apolo do Belveder
;
esta estátua era uma obra prima da escultura antiga ; o deus
é representado tendo o seu arco prejDarado para matar a ser-
pente Pifon, de estatura superior à de um homem numa ati-
tude que denota socêgo, majestade e grandeza.
Representam ordinariamente Apolo sob a figura de ummancebo sem barba, a cabeça coroada de louro, uma lira de
ouro na mão e presidindo ao conselho das Musas umas ve-
zes, outras num coche tirado por quatro cavalos, percorrendo
o Zodíaco.
Os oráculos mais célebres de Apolo eram proferidos em
Delfos; chamavam-se oráculos todas as respostas transmitidas
aos homens pelos deuses. A sacerdotisa do templo de Apolo
chamava-se Pítia ou Pitonisa, só profetizava uma vez por ano
no começo da primavera ; três dias de iniciação e de jejum
eram necessários para decidir o deus a manifestar os seus de-
cretos. A sacerdotisa banhava-se na fonte de Castália para se
purificar, bebia da sua água profética e mastigava folhas dos
loureiros que cresciam junto à fonte, então quando o templo tre-
mia até aos seus alicerces e trovejava, estes sinais anunciavam
a presença do Deus. Em seguida a sacerdotisa era conduzida
sobre um tripode até a entrada de uma caverna donde saiam
vapores sufocantes; ali esgotada pela abstinência, aquecida
pelos vapores subterrâneos, a pítia passava a ter horríveis con-
vulsões, a espuma saía-lhe da boca, os cabelos erriçavam-se-lhe,
dava gritos assustadores e de quando em quando pronunciava
palavras mal articuladas que os sacerdotes recolhiam cuidado-
samente e transmitiam à multidão ávida de conhecer as res-
postas do deus.
Os gregos antes de empreenderem qualquer empresa
importante consultavam sempre o oráculo.
6S
O Zodíaco
Os antigos astrónomos, observando o curso do so!, nota-
rartn que este astro percorria um caminho circular e dividiram-
-no em doze partes correspondentes a cada mês do ano. Nes-
tes doze espaços estavam colocadas outras tantas constelações
chamadas os doze palácios do sol, nos quais Apolo entrava
sucessivamente.
A primeira constelação chamada Aries (carneiro), correspon-
dia ao mês de março; era o carneiro do velocino de ouro, so-
bre o qual Frisco e Heles atravessaram o Helesponto.
A segunda era Taiirus (o touroy, correspondia ao mês de
abril ; dele se serviu Júpiter para fazer transportar a Creta a
bela Europa, filha de Agenor, rei da Fenícia, a qual deu o
seu nome a uma das três partes do mundo então conhecido.
A terceira chamava-se Geiníni (os gémeos), mês de maio,
eram Castor e Polux, filhos de Leda e de Júpiter.
A quarta, Câncer (carangueijo), mês de junho; este Câncer
era o monstro enviado por Juno contra Hércules para o impe-
dir de matar a hidra do lago de Lema. A quinta era Leo
(o leão), mês de julho, representava o leão da floresta de Ne-
mea, morto por Hércules. A sexta constelação era Virgo
(a virgem), mês de agosto, era Tétnis, deusa da justiça. A sé-
tima era a Libra (a balança), mêz de setembro, era a balança sus-
pensa no céu por Astrea, deusa da paz, quando tornou a su-
bir ao céu depois de abandonar a terra manchada pelos crimes
dos homens. A oitava constelação era Scórpio (escorpião), ou-
tubro, era o escorpião cuja picada fez morrer o gigante Orion.
A nona Sagittarius (sagitário), novembro, era o centauro Chi-
ron, preceptor de Aquiles. A décima Caper ou Capricornus
(capricórnio), dezembro, era a cabra Amaltea ama de Júpiter.
A wnáéoSmdL, Aquarius (aquário), janeiro, julga-se que era Ga-níniedes copeira dos deuses. A duodésima finalmente Pisces
5
66
(os peixes), fevereiro, eram os peixes que transportaram Vé-
nus e seu filho além do Eufrates, durante a guerra dos deuses
contra Tifeo; segundo outros eram os golfinhos que levaram
Anfitrite a Neptuno. À reunião destas doze constelações
agrupadas em volta do órbita percorrida pelo sol chamaram
os antigos zodíaco, duma palavra grega que significa animal.
A existência destas diversas constelações e ainda de outras,
anda ligada a factos mitológicos, por isso mencionaremos
mais o que a fábula conta de algumas outras constelações :
Origem da Grande Ursa: Calisto, uma das ninfas de Diana
foi amada por Júpiter;Juno sempre desvelada em espiar as
ações de Júpiter e inimiga implacável de todas aquelas que
com ela podiam ter parte no coração de seu marido, por vin-
gança meíamorfoseou-a em urso e Júpiter colocou-a no céu
formando a constelação do Grande Urso.
Arcturo ou Boieira: Arcas, o filho de Calisto, tendo cres-
cido, entregava-se ao prazer da caça; um dia estando para
atirar uma seta mortífera contra sua mãe, Júpiter para evitar
este matricídio metamorfoseou-o em estrela e co!ocou-a no
céu junto à mãe formando o Arcturo ou a Boieira.
Pequena Ursa: compõe-se de estrelas que representam as
ninfas que foram as amas át Júpiter.
Plêiades eram sete filhas de Atlante, apareciam na prima-
vera, estação própria para a navegação, o seu nome vem de
pleo, verbo grego, que significa navegar.
Hiades eram outras sete filhas de Atlas, assim chamadas
de Hias, seu irmão, que amavam em extremo, e que íendo-o
perdido despedaçado por um leão, não cessavam de chorar a
sua morte; os deuses comovidos transformaram-nas emestrelas, esta constelação, era chamado pelos poetas pluviae
:
as chuvas abundantes que elas produzem as consideram comolágrimas, que elas ainda choram; também lhe davam o nomede nimbosa Hias.
Hespero, rei da África, os poetas fingem que êle foi mu-
67
dado em estrela da tarde, chamada Hespems, quando segue o
sol para o poente, e Lúcifer quando o precede ao nascente.
Orion, a mais brilhante das constelações, foi um grande
caçador; sendo ferido por uma serpente, Diana o transfor-
m.ou em constelação; caça agora no céu acompanhado de seus
cães, duas outras constelações, Grande e Pequeno Cão.
A abóboda celeste foi povoada de astros e constelações aos
quais a imaginação dos gregos ligou histórias comovedoras.
Todos os povos do Oriente adoravam o Sol com o nomede alguns dos seus reis ; os Chaldeus e os Fenícios com o
nome de Belo, os Egípcios com o de Osíris e de tioro, os
Amonitas com o de Molocli, os Moabitas com o de Belfegor e
as Persas com o de Mitras.
História de quatro músicos famososda antiguidade
Anfion, era esposo da infeliz Niobe tão cruelmente casti-
gada, os Tébanos consideram-no como fundador da sua cidade.
Este príncipe cultivou a música com grande sucesso, recebeu
lições do deus Mercúrio que lhe deu uma lira de ouro, ao
som da qual, diz a Fábula, construiu os muros de Tebas ; as
pedras, sensíveis à suavidade dos seus acordos vinham por si
mesmas colocar-se umas sobre as outras.
Arion, considerado como o inventor do ditirambo, nasceu
em Metimne na ilha de Lesbos. Viveu na corte de Periandro,
rei de Corinto, percorreu a Sicília e a Itália, encantando os
povos pela sua maviosa voz e pelos acordes da sua lira.
Tendo embarcado com os seus tesouros num navio corín-
tio afim de regressar para junto de seu amigo Periandro, os ma-
rinheiros excitados pela cubica formaram o projecto de o
assassinar para se apoderarem das suas riquezas; mas Apolo
descubriu-lhe num sonho o perigo que o ameaçava. Arion
68
pediu, suplicou, implorou, a nada se moveram estes corações
ferozes; sem socorro, sem esperança, obteve porém permissão
para tocar o seu alaúde antes da morte e cantar o seu hino da
morte imitando por esta forma a coragem do cisne ao expi-
rar; então revestiu-se com o seu fato das festas, a cabeça
coroada de flores, a lira na mão, colocou-se de pé à popa
do navio e preludiando uma invocação aos deuses do mar, fez
ouvir os acordes os mais harmoniosos; era uma melodia tão
suave e tão triste que os delfins se juntaram em roda do
navio; terminado o canto, Arion lançou-se ao mar e um dos
delfins o transportou através das ondas à praia onde o depôs
são e salvo junto ao cabo Tenaro (hoje cabo Matapan) e daqui
foi para Corinto. Os pérfidos marinheiros chegaram mais tarde
e responderam ao rei, que os interrogara acerca da sorte de
Arion, que êle morrera durante a viagem; o poeta apareceu,
então, e os culpados, convencidos do seu crime, foram cruci-
ficados por ordem de Periandro. A lira de Arion e o delfim,
que o salvou, foram colocados no céu onde se transformaram
em brilhantes constelações.
Uno, foi também um músico célebre, atribuem-lhe a inven-
ção do ritmo e da melodia; foram seus discípulos Orfeu e
Hércules; este último, repreendido um dia pelo professor,
num acesso de cólera quebrou-lhe a cabeça com o cabo de
marfim da sua lira.
Orfeu, honra e orgulho da Grécia, poeta e músico;jovem
ainda viajou por todos os países, estudando os costumes e as
religião dos povos, depois voltou à Trácia donde era oriundo.
Os habitantes desta região viviam espalhados pelos bosques
e pelas montanhas, à sua voz, reúniram-se todos, edificaram
templos e cidades, passando da vida selvagem às doçuras e
benefícios da vida civilizada. Os poetas embelezando as mara-
vilhas desta civilização disseram que êle tocava a lira com
tanta perfeição e melodia, que as árvores e os rochedos dei-
xavam os seus lugares, os rios suspendiam as suas corren-
69
tes e as feras concorriam em tropel ao redor dele para o es-
cutarem.
Orfeu desposou a ninfa Euridice ; o dia das suas núpcias
foi um dia de dor e de luto. Euridice, correndo pelo prado,
foi mordida por uma serpente escondida debaixo da erva e
morreu desta mordedura; Orfeu inconsolável de a ter per-
dido, querendo recuperá-la a todo o preço, toma a sua lira e
desce aos infernos ; chegado a beira do Stix, adormece o Cer-
bero, enorme cão encarregado de guardar a entrada do sombrio
palácio de Plutão; com o mavioso som da sua lira penetra
até ao trono do deus Plutão, que êle enternece também a
ponto do próprio deus chorar pela primeira vez. Então todas
as divindades dos infernos concordam em restituir a Orfeu a
esposa com a condição porém que não haveria de olhar para
trás até que de todo tivesse saído dos infernos; não podendo
resistir à sua impaciência, Orfeu volta-se para ver se Euridice
o seguia, porém ela desapareceu na mesma ocasião. Depois
desta desgraça e no seu desespero retirou-se Orfeu para o
monte Rodope, vivendo só, inconsolável e entregue à sua
grande dor. As bacantes, irritadas e invejosas da sua eterna
tristeza, despedaçaram o seu corpo, dispersaram-lhe os mem-bros pelos campos e lançaram a cabeça ao Ebro ; até ao úl-
timo suspiro, Orfeu chamou sempre a sua querida Euridice e
a sua língua jà gelada murmurava: Euridice! Euridice!
CAPITULO IX
Minerva
Seu nascimento e suas façanhas. — Discussão entre Minerva e Neptuno.
Vinganças de Minerva. — Culto, imagens de Minerva e suas festas
Nascimento e façanhas de Minerva
Apolo, o deus das belas artes, ensinando aos homens a
poesia e a música, melhorara a seu destino e preparara-os para
receber com vantagem os benefícios da civilização. Uma outra
divindade, mais poderosa do que o deus da harmonia, porque
punha em jogo todas as faculdades do homem, continuou
essa obra de regeneração; foi Minerva, filha áe Júpiter, deusa
da sabedoria, da inteligência e da indústria.
O nascimento de Aiinerva anda ligado a várias alegorias
maravilhosas. Júpiter, num acesso de furor, devorara a sua
primeira mulher, Metis, isto é a reflexão : a digestão tornara-se
trabalhosa, o sangue refluía violentamente ao cérebro do deus;
as dores que sofria tornaram-se insuportáveis, chamou então Vul-
cano e ordenou-lhe que lhe desse sobre a cabeça uma pancada
com um machado; Vulcano obedeceu e logo que o machado
penetrou na cabeça do soberano dos deuses, dela saiu imedia-
tamente uma virgem armada dos pés à cabeça; o Olimpo, a
terra e o mar tremeram, o Sol parou ; os Ródios, assustados
por este fenómeno, imaginaram que algum grande prodígio se
operara na mansão dos deuses e apressaram-se a levantar na
71
sua cidade um altar a fim de se tornar propícia a divindade
desconhecida, que manifestava por aquela forma o seu poder;
Júpiter grato por este zelo religioso fez cair sobre a ilha umachuva de ouro.
MINERVA
Minerva, concebida no cébero áo. Júpiter, assimilara todas
as substâncias divinas encerradas no pensamento do deus dos
deuses e assim foi chamada a deusa da sabedoria, da força e
da indústria.
Esta Minerva foi sem dúvida um homem dos tempos anti-
gos, de poderoso génio, de inteligência excepcional; a nave-
72
gação, a agricultura e a astronomia que êle ensinou aos
homens, explicam essas perturbações que tiveram o céu, a
terra e os mares. Os Ródios sendo os primeiros a aplicar os
meios de comunicação que êle lhes descobrira, tornaram-se
ricos e poderosos; diz-se também que os poetas, contando-nos
a extranho parto át Júpiter, quiseram ensinar-nos que o pen-
samento, antes de sair do cérebro, deve ser profundamente
amadurecido pela reflexão e que antes de agir, é preciso medi-
tar e pensar bem.
Não tardou Minerva a Utilizar-se do nobre ardor que a
animava. Ajudou poderosamente seu pai na guerra dos gigan-
tes contra os deuses; sempre na brecha, combateu valente-
mente contra os seus terríveis inimigos ; com a sua lança tres-
passou o gigante Palas, estendeu-o morto a seus pés e
arrancando-lhe a pele cobriu com ela o seu imortal escudo.
Orgulhosa desta grande façanha tomou do gigante o nome e
fez-se considerar deusa da guerra.
Na época em que os deuses visitavam a terra para espalhar
as invenções úteis à vida humana, Minerva também desceu do
céu à terra e por toda a parte, por onde passava, o seu nomeera abençoado, porque ensinou aos homens a escrita e a pin-
tura; reunia em volta de si as donzelas e ensinava-lhes a arte
de fiar a lã, de a tecer, de semear pelo pano grinaldas, flores
e caprichosos bordados; querendo que os benefícios destes
preciosos conhecimentos chegassem a todos os cantos da terra,
escavou troncos de árvores cortados na floresta de Dodona,
deitou-os às ondas e, para os dirigir sobre a vasta extensão
dosxmares, colocou à popa um leme que dava à massa flu-
tuante a direcção que o piloto queria.
Quis também presidir à expedição dos Argonautas, de
que mais adiante falaremos.
73
Discussão entre Minerva e Neptuno
O povo, que Minerva preferia a todos os outros, era o povo
grego. Sob a inspiração da deusa, um egípcio da cidade de
Sais, chamado Cécrops, veio ajudá-la na sua obra da civiliza-
ção; ambos de acordo com Neptuno, o deus dos mares, reú-
nem nas planícies da Ática os povos dispersos e organizam
doze burgos protegidos dum lado pelo mar e do outro por
fortes cidadelas. Acabada a obra, Neptuno e Minerva disputam
entre si a honra de dar o nome à cidade e não chegando a
um acordo resolvem levar a questão à corte de Júpiter. Osdoze maiores deuses descem do Olimpo e resolvem que dará
o nome à cidade aquele que produzir cousa mais útil para o
novo povo. Neptuno fere a terra com o seu tridente e subita-
mente dela nasce um cavalo, de olhar scintilante, crinas erri-
çadas, nervoso e belo; Minerva por sua vez fere a terra coma sua lança e aparece então uma magnifica oliveira carregada
de frutos, emblema da paz e da agricultura. Julgada a paz mais
útil aos homens do que a guerra, decidiram os deuses em fa-
vor de Minerva e a cidade foi chamada Atenas de Atene,
nome que os gregos davam a Minerva.
Segundo Vossio, esta fábula tem a seguinte explicação:
Entre os marinheiros, que reconheciam Neptuno por seu diri-
gente, e o povo, que seguia o partido do senado, houve grande
e acalorada contenda ; o povo por sentença do Areópago ven-
ceu e a vida campestre foi preferida à dos piratas.
Vinganças de Minerva
As devindades pagãs, criadas pelos homens, deviam res-
sentir-se da sua mancha original e por isso todas tinham al-
guma ou algumas das fraquezas do género humano; a pró-
74
pria Minerva, a mais nobre expressão da moral antiga, não
era isente dessas fraquezas.
Orgulhosa e soberba, ciosa da sua superioridade castigou
com rudeza todos os imprudentes mortais que ousaram lutar
com ela.
Uma jovem Lídia chamada Arac/ie de princípios obscuros
e pobre, tornara-se célebre pelos seus trabalhos de destríssima
bordadora ; todos admiravam o seu talento e pouco a pouco
o orgulho invadira-lhe o coração.
Minerva quis ver esta rival. Oculta a sua divindade sob a
forma de uma velha rica, encostando-se a um bordão, chega
junto de Aracne, examina os seus bordados e indica-lhe algu-
mas faltas no matiz e no colorido ; Aracne lança à estrangeira
um olhar cheio de desprezo e de cólera, então Minerva revela
a sua divindade e manifesta-se em todo o seu esplendor;
Aracne não se impressiona e julgando ultrapassar a deusa
em habilidade, ousa desafiá-la, Minerva aceita o desafio e põemambas mãos à obra.
Minerva pinta sobre a tela a cidade de Atenas com as suas
doze colinas e o mar; os doze deuses maiores revestidos
duma augusta magestade e assentados no meio de um povo
imenso; Neptuno batendo sobre a terra com o seu tridente
fazendo sair dela um cavalo duma maravilhosa beleza; em se-
guida representa-se a si própria, de capacete na cabeça, lança
na mão, fazendo desabrochar uma oliveira de pálida folhagem
;
finalmente plntâ Jã/jiter, saindo do grupo dos deuses para vir
coroá-la.
Aracne, para humilhar o orgulho de Minerva, rebaixa o
poder dos deuses representando as suas fraquezas e desgra-
ças; pinta y///;/Yí'/- vencido pelo gigante Tifo: os deuses aban-
donando o Olimpo no momento do combate e fugindo para
o Egipto sob a forma de animais imundos; Vulcano, expulso
do céu, debatendo-se no espaço e precipitado nas cavernas de
Lemnos; Latona transformada em loba para fugir à persegui-
75
ção duma serpente; emfim Apolo, matador dos Ciclopes, redu-
zido a fazer-se pastor. Em volta da tela havia ramos de era en-
trelançados de flores; o tecido era de uma delicadeza sem
igual e o matiz de tão grande riqueza, que a deusa irritada
pelo sucesso da jovem Lídia, quatro vezes lhe dá sobre a cabeça
com a lançadeira de buxo que tinha na mão.
Arame, não podendo sobreviver a esta afronta, prentende
enforcar-se, então Minerva compadecida dela não quere que
ela morra, tranforma-a em aranha e condena-a a ficar suspensa
nas cabanas para ali urdir as suas teias sem interrupção.
Não é esta a única vingança que se censura à deusa da
sabedoria. Na I.íbia vivia uma donzela duma grande beleza, a
sua cabeleira era incomparável; chamava-se Medusa, uma das
três Gorgones, filhas de Forco e de Ceta, divindades do mar;
envaidecida dos dons que a natureza lhe prodigalizara, ousou
um dia antepor-se a Minerva. A deusa irritada por esta audácia,
transformou em horríveis serpentes os cabelos de Medusa e
deu-lhe aos olhos a faculdade de mudar em pedra todos aque-
les para quem ela olhasse; assim em toda a parte onde se en-
contrava a Gorgone, os homens e os animais eram subitamente
transformados em pedras, tornando-se deserta a região que ela
liabitava. Minerva encarregou Perseu de ir matar Medusa e
para o garantir dos terríveis efeitos do seu olhar, deu-lhe umespelho mágico que o tornava invisível; o herói munido deste
talisman, chega à Líbia, apresenta-se diante de Medusa, sem
ser visto por ela, e corta-lhe a cabeça; do sangue saído de
Medusa nasceu o célebre cavalo Pégaso e de cada gota que
caiu sobre a terra nasceu uma serpente. Perseu serviu-se da
cabeça de Medusa em todas as suas expedições, visto que os
seus olhos continuavam a ter a mesma propriedade; antes de
morrer deu-a a Minerva que a pregou no seu escudo.
Cita-se ainda de Minerva uma outra vingança: Era proibido
aos mortais contemplar os deuses em todo o seu explendor
sem a sua licença, sob pena de serem severamente castigados.
76
Um dia, um pobre velho chamado Tirésias, foi levado
por acaso ao pé da fonte Hipocrene, onde se encontrava Mi-
nerva no meio das ninfas. A implacável deusa privou-o da vista,
mas em seguida arrependendo-se deste acto cruel, concedeu-lhe
como compensação o dom de predizer o futuro, fez-lhe pre-
sente dum bastão para o guiar com segurança e prometeu-lhe
de o fazer viver onze idades do homem. Este Tirésias tornou-se
o mais célebre advinho do mundo, usou muitas vezes deste
dom profético durante as longas guerras que assolaram Tebas,
sua pátria, e mais tarde os tebanos reconhecidos levantaram-lhe
um túmulo e honraram-no como um deus; tinha um oráculo
em Orcomenes.
Minerva, ainda que dotada duma profunda sabedoria, nempor isso despresava o galanteio; inventara a flauta, e um dia,
em que tocava este instrumento na presença de Juno e de
Vénus, estas duas deusas riram-se das caretas que ela fazia;
Minerva foi ver-se ao espelho e cheia de despeito atirou fora
a flauta votando a uma morte funesta quem a achasse, foi o
sátiro Marsias quem a apanhou para sua desgraça.
Culto, imagens de Minerva e suas festas
O culto de Minerva espalhou-se rapidamente por todas as
regiões ; o primeiro homem que o' trouxe para a Grécia foi
Cecrops egípcio, o fundador de Atenas. As cidade que a hon-
raram com um culto particular foram Sais no Egipto, Rodes e
principalmente Atenas. Nesta cidade celebravam-se todos os
cinco anos festas chamadas as grandes Panaténeas que
atraiam um imenso concurso de povo; havia prémios para a
corrida e para a luta, como os havia para os combates de poesia
e de música; estes combates eram seguidos de banquetes
públicos e de sacrifícios, os assistentes empunhavam ramos
de oliveira. Além destas festas solenes os Atenienses celebra-
77
vam iodos os anos em honra da mesma deusa as pequenas
Panaténeas ; tinham-!lie também dedicado um templo magní-
fico, chamado Partenom, onde estava a sua estátua de ouro e
de marfim, uma das mais admiráveis obras primas do escultor
Fidias.
A cidade de Tróia tinha também a estátua de Minerva
num dos seus templos.
Esta estátua, chamada Paládio, tinha três metros de altura,
na mão direita uma lança, uma roca e um fuso na esquerda;
máquinas ocultas no corpo desta estátua faziam-lhe mover os
diferentes membros. Segundo a fábula, o Paládio havia caído
do céu e segundo Ovídio este facto dera-se no tempo de lio,
descendente de Dardano. Segundo outros, Dardano recebeu
de Júpiter o verdadeiro Paládio e por este modelo mandara fa-
zer uma segunda estátua perfeitamente semelhante e a colocou
no meio da cidade; foi deste Paládio que os gregos se apos-
saram ; emquanto ao verdadeiro, esse foi levado por Eneas
com as estátuas dos grandes deuses transportando tudo para
a Itália.
Também se dizia que o Paládio fora feito com os ossos
de Pelops, um dos primeiros reis do Peloponeso e que a ruína
de Tróia dependia da sua conservação : Heleno, filho de Pria-
mo, descontente por, depois da morte de Paris, terem dado
Helena por esposa a Deifobo, seu irmão, entregou-se aos
gregos e deu-lhes a saber este segredo; então os gregos
arrancaram-no do santuário onde estava e a ruína de Tróia foi
consumada.
Em Roma celebravam-se também as Minervais ; na época
em que estas festas se celebravam, os estudantes davam aos
seus professores presentes chamados Minervais, e em quanto
elas duravam, os tribunais, as academias, e os liceus estavam
fechados e ornamentados com ramos de oliveira.
Consagravam a Minerva a coruja e o mocho, imagens da
sua penetrante sagacidade e representavam-na sob uma figura
78
nobre e majestosa, os cabelos flutuantes, na cabeça um capa-
cete, e por cima deste uma coruja, numa das mãos uma lança,
a outra apoiada à égide ou escudo no meio do qual estava
colocada a cabeça de Medusa; junto dela diversos instru-
mentos, atributos das artes e das sciências. A égide era umescudo cuberto com a pele de um monstro chamado Egidc
que vomitava fogo pela boca, Minerva matou-o : esta arma-
dura imprimia grande terror.
Não foi só Palias o nome que deram a Minerva; chama-
vam-na também Paríhenia, porque era virgem; Coesia pelos
seus olhos azuis; Tritónia, do lago Tritão de uma fábula que
supunha ser ali a sua origem: a palavra Trito significa cérebro
e como ela nasceu do cérebro de Júpiter, daí talvez mais certo,
o chamarem-na Tritónia; algumas vezes também lhe deram o
nome Hippia, cavaleira.
Atribulam também muitas invenções a Minerva: a das
belas artes, o uso do azeite, a arte de fiar, a de bordar, eíc.
CAPITULO X
Mercúrio
Seu nascimento e latrocínios. — Serviços prestados aos deuses por Mer-
cúrio. — A ninfa Io e Argo. — Seu culto, imagens e atributos.
Reinando Osíris no Egipto, um homem chamado Hermes
ou Mercúrio dotado de grandes qualidades, tornara-se célebre
pelo bom sucesso das negociações delicadas de que o tinham
encarregado; nomeado ministro e administrador do Egipto na
época em que Osíris partira para a conquista da índia,
este homem sábio e muito hábil restabelecera a ordem nas fi-
nanças e regularizara as inundações do Nilo por numerosos ca-
nais, que mandara construir e depósitos onde eram recolhidas
as águas para os anos de seca. O comércio e a indústria flo-
resceram, abrindo nas nações estrangeiras mercados para onde
se exportavam os ricos produtos da terra do Egipto e novos
portos, onde os navios dos povos visinhos vinham trazer as
suas mercadorias. Ensinara também a agrimensura a fim de o
povo saber medir os terrenos, que quási sempre ficavam desor-
ganizados depois das grandes inundações do Nilo.
Como nesta época as gerações se extinguiam sem transmi-
tir às que se seguiam a lembrança dos seus antepassados, in-
ventou sinais misteriosos, caracteres sagrados, chamados iero-
glifos, que inscritos nos frontispícios dos templos e sobre a
pedra dos obliscos, representavam todos os factos da história
80
egípcia; finalmente construíra também observatórios para que
os astrónomos pudessem estudar no silêncio da noute, as
revoluções e as fazes dos astros.
Foi este homem célebre que o comércio divinizou; mas
como então a lialdade e a boa fé nem sempre presidiam aos
tratados e aos compromissos e se empregavam manobras frau-
dulentas nas transacções, criou-se um deus enganador e deslial
encarregado de obrigar o homem a transigir com a sua cons-
ciência. Mercúrio foi pois o deus da eloqiiência, do comércio
e dos ladrões, era filho de Júpiter e de Maia, uma das filhas
de Atlas; foram suas amas, na sua infância, as quatro esta-
81
ções de quem recebeu todas as qualidades para bem desem-
penhar a missão de que foi incumbido: a Primavera deu-!he
a sua linguagem florida e sedutora, o Verão a sua devorante
actividade, o Outono a sua experiência e a sua sabedoria,
emfim o Inverno a sua dureza e o seu rigor; delas recebeu
ainda essa maravilhosa aptidão de mudar de formas conforme
as circunstâncias e os seus caprichos.
A sua inclinação pelo roubo não tardou a mostrar-se; no
dia seguinte, ao do seu nascimento, pôs logo em prática as
doutas lições das suas amas: Neptuno procurou em vão o seu
tridente, Vénus o cinto, Marte a sua espada e Vulcano as suas
ferramentas, o recemnascido tudo roubara. Vendo correr pelo
monte Ciíeno o pequeno Cupido com a sua aljava aos hombros,
a travessa criança foge do berço e volta em breve com umfeixe de frechas roubadas ao filho de Vénus; no dia seguinte
avistando na planície de Pilos um rebanho de bezerras guiado
por Apolo, sai pela mansa da habitação das Estações, espreita
a presa escondido na concavidade de um rochedo, e, em-
quanto o deus da harmonia se entrega aos seus cantos e
aos acordos da sua lira e se esquece de vigiar o gado. Mer-
cúrio aproxima-se do rebanho, desvia-o do seu caminho, obri-
ga-o a andar recuando e esconde-o no fundo de um bosque
;
à tarde Apolo chama as bezerras, e admirado procura-as por
toda a parte, o rebanho tinha desaparecido; enfurecido, procura
as suas armas para castigar o ladrão, mas também o arco e
as frechas haviam sido roubados. Um único homem tinha
visto fugir o ladrão, era Bato, o mais antigo pastor da região.
Mercúrio comprou a sua discrição dando-lhe uma das mais
belas bezerras, mas em breve duvidoso e desconfiando voiía
disfarçado junto do velho pastor e promete-lhe dois bois se
êle lhe indicasse o ladrão; Bato deixa-se seduzir e vende o seu
segredo, então Mercúrio irritado abandona o seu disfarce e
transforma o perjuro em pedra de toque. Entretanto Apolo
acaba por descobrir o autor do roubo e vai ao monte Cilene
6
82
para reclamar as suas bezerras, e encontra Mercúrio no berço
brincando com as suas frechas; com afagos ardilosos a criança
consegue aplacar a sua cólera, entra em acordo com Apolo e
presenteia-o com uma concha de tartaruga em que havia
quatro cordas harmoniosas; Apolo encantado deste presente
oferece-lhe em troca uma varinha de aveleira que tinha a pro-
priedade de reconciliar os que se achavam separados pelo ódio.
Mercúrio nao tardou a fazer uma experiência: vendo duas
serpentes que se atacavam, atira a varinha para entre os dois
repetis, imediatamente fazem as pazes e entrelaçando-se en-
roscam-se à mesma varinha; Mercúrio fixa-as com um prego
de ouro à varinha e forma um scetro que chama o seu ca-
•áiiceiL
Pouco tempo depois deixou as suas queridas amas e subiu
para o Olimpo a fim de tomar o seu lugar entre os imortais,
tuas um dia tendo tido a imprudência de tocar num raio de
Júpiter para o esconder, a mão calcinara ao contacto com o
fogo celeste e foi traído pelo agudo grito que soltara. O deus
dos deuses então expulsou-o do céu, Mercúrio voltou para
entre os homens, e fez-se pastor como Apolo e o seu rebanho
aumentava a olhos vistos pelos roubos que fazia aos pastores
visinhos. Durante muito tempo os pastores conservaram o uso
de colocar a sua estátua à entrada dos seus apriscos para os
livrar dos ataques nocturnos dos ladrões; estes, à vista do seu
deus venerado, passavam adiante e iam exercer os latrocínios
mais longe.
Mercúrio, aborrecido da vida pastoril, revestiu o seu manto
de orador e percorreu as grandes cidades, juntando o povo
nas praças públicas e abrindo escolas para aí ensinar as regras
da oratória. O seu génio irrequieto não poude acomodar-se
por muito tempo a este género de vida, abandonou a tribuna
para se dedicar ao comércio e às especulações industriais;
então as fortunas mais sólidas desfizeram-se pelas manobras
fraudulentas da cobiça e da má fé.
83
Serviços prestados aos deuses por Mercúrio.
Acabados os dias do seu exílio, Mercúrio tornou a subir
para o Olimpo e pela sua solicitude em prestar serviços aos
imortais soube bem depressa conquistar a sua estima e con-
fiança, tornou-se o mensajeiro dos deuses, o embaixador e o
plenipotenciário át Júpiter; este então confiou-lhe uma missão
delicada e difícil : Júpiter transformara em bezerra a ninfa Io, fi-
lha de Ilíaco, a fim de a preservar do ódio ciumento da im-
placável y////í7; havia muito tempo que Juno procurava por toda
a parte a sua rival sem a poder encontrar; vendoaquela bezerra
branca que vagueava nas margens do Peneo (rio da Tessália),
suspeitou que a ninfa estivesse escondida sob esta forma, agar-
rou-a pelas armas e confiou-a à guarda do seu fiel Argo, mons-
tro com cem olhos em volta da cabeça e que, quando dormia, só
fechava dois de cada vez e os outt:os velavam sem^xe. Júpiter
comovido de dó pelo triste destino desta donzela, encarregou
Mercúrio de matar Argo e dar à ninfa a sua primitiva forma.
Então Mercúrio põe asas nos pés, toma a seu caduceu,
fende os espaços e desce à terra. Chegado à Tessália, encontra
um rebanho de cabras, furta-o e ai disfarçado em pastor sentar-se
no rochedo onde estava Argo; a noite começava a declinar,
Alercúrio toma a lira e tira dela sons tão plangentes que o
monstro dos cem olhos não podendo mais resistir às doçuras
do repouso, adormeceu e então aproveitando este momentopropício corta-lhe a cabeça com a sua espada; depois tocando
Io com o caduceu dá-lhe a sua primitiva forma. Juno, grata
ao fiel guarda e sentindo o seu triste destino, quis que a sua
lembrança fosse eterna, espalhou os seus cem olhos, comoutras tantas pedras preciosas, sobre as penas do pavão, sua
ave favorita.
Júpiter encantado pelo bom sucesso desta missão, recorreu
novamente à sua astúcia numa outra circunstanciar Semeie,
84
filha de Cadmo, cedendo aos pérfidos conseliios át Juno pe-
diu a Júpiter que se lhe mostrasse com toda a sua glória e
QX[)\t\^áor•, Júpiter não podendo recusar-lhe esta graça, porque
jurara por Stix conceder-lhe tudo quanto ela pedisse, deixou-se
ver com toda a sua glória, a fronte coroada de relâmpagos e
armado dos seus raios; logo porém o palácio se incendiou e
Semeie e seu filho Baco ficaram sepultados sob os escombros
do edifício. Júpiter ordenou então a Mercúrio para libertar a
mãe e o filho; o ágil mensageiro desce com a rapidez dumafrecha e chegado aos lugares abrazados, procura Semeie e seu
filho, apenas encontra a criança transporta-a imediatamente
para o Olimpo e esconde-a na barriga da perna de Júpiter
para a subtrair aos olhares ciumentos da rabujenta Juno.
Já vimos como Mercúrio^ depois da guerra dos Titâes,
ajudara Júpiter a amarrar Prometeu ao monte Cáucaso. Aprópria Juno maravilhada da sua destreza e da sua habilidade,
perdoou-lhe a morte de Argo e encarregou-o de castigar o
insolente mortal que a tinha ultrajado; era Ixion, rei dos La-
pitas. Mercúrio tendo-o encontrado no vale da Tessália preci-
pitou-o amarrado de pés e mãos no fundo do Tártaro e ligou-o
com cadeias de ferro a uma roda que girava sem interrupção.
O destro mensageiro ajudou ainda Plutão, rei dos infernos,
a conduzir Prosérpina, filha de Ceres para as profunduras do
Tártaro; em recompensa deste serviço, Platão deu-lhe uma
nova e terrível função a desempenhar nos infernos: todas as
airnas dos mortos encontravam, quando saiam dos corpos que
tinham habitado, o deus alado, que as conduzia às margens
do Stix; Caronte, o velho barqueiro dos infernos, transpor-
tava-as na sua barca, depois de ter recebido de cada uma certa
moeda para pagar a travessia.
As que não traziam ao inflexível velho o preço da pas-
sagem eram condenadas a vaguear cem anos pelas margens
do rio; por este motivo os antigos tinham o cuidado de pôr de-
baixo da língua ou na mão dos mortos uma pequena moeda.
85
Cem anos depois, dizem, Mercúrio ia buscar essas almas
aos infernos, levava-as para a terra e introduzia-as em novos
corpos. Sobre esta migração se fundou a metempsicose, crença
religiosa trazida do Egipto por Pitágoras. Conta-se deste
filósofo, que um dia tendo visto um escudo suspenso na abó-
bada de um templo, exclamou subitamente « / Eis o escudo
que eu trazia no cerco de Tróia sob o nome de Euforbei-» Pri-
meiro as almas passavam do corpo humano para o dum ani-
mal, depois para uma planta e finalmente voltavam ao grupo
da humanidade passados cem anos; mais tarde decretou-se
que esta migração das almas só se operava nos corpos da
mesma natureza.
Esta crença é ainda adoptada por alguns povos da Índia:
tem sacerdotes chamados bramenes encarregados de manter
caravançarás (espécie de estalagem pública no Oriente) onde
se acumulam todos os animais doentes, porque imaginam que
sob esta forma estão talvez escondidos alguns dos seus pa-
rentes e amigos.
Culto, imagens e atributos de Mercúrio
As diversas missões de que Mercúrio era encarregado es-
palharam o seu culto em todas as partes do mundo. No Egipto
sacrificavam-lhe abestruzes, emblemas da sua velocidade;
na Grécia, as línguas das vítimas, símbolo da sua eloquência;
na Itália, ofereciam-lhe o primeiro figo e as premícias dos fru-
tos. Diante das portas das casas e ao longo dos caminhos
erigiam em sua honra pequenas estátuas de pedra chamadas
liermes para livrar os proprietários dos ladrões.
Na Achaia aviha um oráculo célebre que era consultado
por todos os povos da Grécia; os que saiam do templo de-
viam tapar os ouvidos, mas apesar disso deviam mostrar-se
sempre muito atentos ao que poderiam ouvir pelo caminho.
S6
porque a primeira palavra que conseguissem ouvir devia ser
a resposta do oráculo.
Os Atenienses, os Cretenses e os Babilónios consagraram
a Mercúrio seis dias no ano, e durante eles os senhores de-
viam servir à mesa os seus escravos, como nas Saturnais de
Roma, Em Roma, no mês de maio, todos os negociantes da
Itália afluiam ao templo de Mercúrio; com a toga arregaçada
purificavam-se nas águas lustrais e ajoelhados sobre as lages
do templo, imploravam a indulgência do deus para as suas
fraudes passadas e futuras ; depois desta estranha invocação,
colocavam uma porca sobre uma fogueira e ofereciam mel,
leite e figos.
Representavam Mercúrio sob a forma de um jovem, ágil,
sempre risonho, meio coberto com um manto, com asas nos
pés e na cabeça e nos hombros, ordinariamente com o seu
caduceu na mão. Como mensageiro dos deuses tinha asas
brancas e o dedo sobre a boca; como deus dos negociantes
costumava ter uma bolsa na mão; como guia das almas, da-
vam-lhe uma varinha e asas pretas nos pés; como deus da
eloquência, tinha uma cadeia de ouro suspensa nos lábios
;
como deus dos pastores, trazia um carneiro aos hombros
;
como deus da música, sustinha uma tartaruga, porque as liras
eram feitas das conchas destes animais e era por isso que os
latinos chamavam à lira, testado, tartaruga.
Davam a Mercúrio vários nomes
:
Cyllenius, do nome da montanha Cyllene, onde nascera;
Noniius, pelas leis de que era autor; Carnillus, por servir os
deuses; Vialis, por presidir aos caminhos.
Mercúrio foi o inventor dos pesos e das medidas.
CAPÍTULO XI
Marte
Seu nascimento. — Suas façanltas contra os Titães e no cerco de Tróia. —Belona, irmã de Morte, deusa da guerra. - Marte honrado em Roma,
atributos deste deus e seu culto.
Nascimento de Marte
Minerva deusa da sabedoria e da inteligência servia-se da
guerra apenas como dum meio para forçar os homens a acei-
tar os benefícios da civilização; Minerva é também a sabe-
doria armada que vinga e mantém o direito das nações
;
acontecia muitas vezes que um povo impelido por instintos
selvagens, pelo furor das conquistas, levava às nações visi-
nhas o terror e a desolação, esta força brutal foi também divi-
nizada, criou-se então um deus para absolver esses excessos
sangrentos e culpáveis ; os gregos cliamaram-no Ares e os
romanos Marte, este duplo nome é a expressão duma mesmadivindade, implacável, que só se encontrava bem no meio do
sangue e das ruínas.
Marte, deus da guerra, segundo os gregos, era filho At Jú-
piter e át Juno, segundo os romanos, era filho imicamente de
Juno e narravam assim o seu nascimento i/ttAZo, indignado \iOv-
qwe Júpiter havia dado ao mundo Palas, foi ter com o Oceano
para que este lhe ensinasse a fazer o mesmo; indo de
caminho, assentou-se à porta do templo da deusa Flora para
descansar; Flora perguntou-lhe o motivo da sua viagem e
88
prometeu-lhe ensinar o que ela desejava, com a condição
de nunca o participar a pessoa alguma; mostrou-lhe então a
deusa uma flor, sobre a qual assentando-se qualquer mulher
logo ficava sendo mãe; Juno por este modo deu à luz Marte
e o nomeou deus da guerra.
Façanhas de Marte contra os Titães
e no cerco de Tróia
Marte, quando criança, aprendeu com Priapo^ um dos
Titães, a estrangular ursos e tigres. Na revolta dos Titães,
ajudou Júpiter a expulsar do Olimpo esses terríveis inimigos ;
mais tarde, desavindo-se com os Aloides, raça titânica, foi
feito prisioneiro, encarcerado nas entranhas da terra, devendo
a sua libertação a Mercúrio. Sempre pronto para o combate,
sempre em luta, matou Alirrócio um dos filhos de Neptuno
que o fez julgar pelo tribunal dos gregos em Atenas, sendo
absolvido porque Alirrócio tinha destruído todas as oliveiras
plantadas nos campos. Este tribunal tornou-se mais tarde
bastante célebre e recebeu o nome de Areópago, porque a
primeira causa submetida à sua jurisdição foi a de Ares ou de
Marte, que lhe deu o seu nome.
Durante o cerco de Tróia, Marte desceu do Olimpo ar-
mado dos pés à cabeça e veio combater em favor dos troia-
nos, mas o valente Diómedes feriu-o com a lança e tão grande
e tão terrível foi o grito, que Marte tirou do peito ferido, que
os dois exércitos, gregos e troianos, fugiram cheios de terror.
Belona, irmã de Marte, deusa da guerra
Marte teve uma irmã, Betona, deusa tão poderosa e tão
temível como seu irmão, deleitando-se, como êle, com a cruel-
dade das batalhas: esta deusa tinha a seu cargo preparar o
coche e aparelhar os cavalos sempre que seu irmão ia para a
guerra; acompanhava-o nos combates, os seus olhos deitavam
chamas, os cabelos soltos, um chicote ensanguentado na mão,
escoltada pela Discórdia, pela Fuga e pelo Terror, divindades
terríveis, esmagava debaixo das rodas do seu carro as crian-
ças, os velhos e as mulheres.
Marte honrado em Roma, atributos deste deus,
seu culto
O culto de Ares foi pouco espalhado na Grécia onde não
tinha templos; unicamente Sparta venerava uma das suas es-
90
tatuas, mas esta estátua estava amarrada para que não suce-
desse o deus passar-se para os inimigos. Em Roma foi sempre
muito venerado o deus Marte; os romanos consideravam-no
como o fundador do seu império e passava por ser o pai de
Rómulo e de Remo : Numa, segundo rei de Roma, instituiu
em honra de Marte um colégio de sacerdotes chamados Sâ-
lios ; a origem desta instituição sacerdotal tem alguma cousa
de estranho e de maravilhoso, conta-se a este respeito o se-
guinte: Uma peste terrível devastava a cidade, um escudo caiu
do céu e subitamente o flagelo desapareceu ; Numa foi con-
sultar, segundo o costume, a ninfa Egéria, que lhe respondeu
que aquele escudo daria a submissão de todos os povos do
Universo à cidade que o guardasse. O rei, para impedir que o
roubassem, mandou fabricar onze escudos perfeitamente iguais
e confiou-os à guarda de 12 sacerdotes; todos os anos estes
sacerdotes percorriam a cidade dançando, vestidos com umatúnica de púrpura, armados de lanças, e levando aos hombros
os escudos sagrados ; estas festas chamavam-se Ancílias, da
palavra latina ancília (escudos), duravam três dias, faziam-se
no princípio de Março e durante elas ninguém podia casar
nem empreender cousa de importância.
Costumavam representar Marte sob a forma de um guerreiro
terrível. O abutre, emblema da sua força, e o galo, o da vigilân-
cia, eram-lhe consagrados; em sua honra sacrificavam touros,
carneiros, cavalos e algumas vezes prisioneiros de guerra.
Cada país se tem gloriado de ter um Marte, assim comoum Hércules ; isto deu ocasião aos gregos para reunir à his-
tória do seu Ares o que se dizia dos outros. Um dos princi-
pais é Belo, a quem se atribui a invenção das armas e a arte
de acampar; segundo alguns escritores daqui vem a origem
da palavra Bel/um, que significa guerra.
Marte, tinha vários nomes: entre os gregos, Ares; os la-
tinos chamavam-no Oradivus, durante a paz e Quirinus du-
rante a guerra.
CAPÍTULO XII
Vénus
Seu nascimento. — Julgamento de Paris — As três Graças — Culto e atri-
butos de Vénus — Fábula de Psique - História da ninfa Eco e de
Narciso.
Vénus, seu nascimento
Os pagfãos, como ja vimos, tinham personificado não so-
mente os fenómenos da natureza, mas também as faculdades
físicas ou intelectuais do homem, as suas virtudes e os seus
vícios, as suas qualidades e excentricidades. A beleza foi tam-
bém divinizada e a esta nova divindade chamaram os latinos.
Vénus, os gregos Afrodite, isto é nascida da espuma ; Vénus
era filha do Céu e do Mar, contando-se o seu nascimento
pelo seguinte modo
:
Urano tendo sido ferido por Saturno, algumas gotas do
seu sangue caindo no Oceano, imediatamente se formaram
flocos de espuma branca como a neve, e de entre as ondas
viu-se então sair uma donzela duma beleza arrebatadora, em-
balada pelas vagas e acariciada pelo suave sopro dos zéfiros
;
os Tritões e as divindades do mar colocaram-na sobre umagrande concha e foram depô-la na ilha de Chipre; assentada
na praia, sacudiu a sua longa cabeleira toda molhada espa-
lhando suaves perfumes; coroada de rosas subiu, brilhante e
92
radiosa, para o Olimpo. À sua chegada, a admiração foi grande
e geral, Júpiter adoptou-a por sua filha e colocou-a no trono
ao lado das outras deusas. Todos os deuses a cubicaram para
VÉNUS
esposa, mas foram todos repelidos, só Vulcano, que não se
tinha manifestado por causa da sua deformidade e da sua
feialdade, foi preferido a todos os seus rivais por vontade so-
berana ÚQ Júpiter. O casamento de Vénus com Vulcano, o mais
disforme dos deuses, significa que o império da beleza se es-
tende mesmo àqueles que não têm o dom de agradar.
Julgamento de Paris
Pouco tempo depois, um acontecimento imprevisto veio
perturbar as alegrias no Olimpo. Todos os deuses assistiam
93
às bodas de Tetis e de PeLeii; no meio do banquete, a deusa
Discórdia, que não tinha sido convidada, querendo vingar-se
desta afronta atirou para cima da mesa uma maçã de ouro
com esta inscrição: «Para a mais bela». Todas as deusas
quiseram apoderar-se da maçã, mas Júpiter interveio e entre-
gou a decisão desta importante polémica a um pastor da
Frigia chamado Paris, célebre pela sua beleza, sabedoria e
inteligência; Paris era filho de Príamo, rei de Tróia, e guar-
dava os rebanhos de seu pai no monte ida.
As pretensões das outras deusas foram julgadas improce-
dentes, ficando apenas três rivais, Juno, Minerva e Vénus,
que compareceram perante o julgador: ///azí?, e Minerva para
conseguirem vencer, prometeram a Paris, uma honras e rique-
zas, a outra sabedoria e virtude; Vénus nada prometeu, mas
o seu porte nobre e decente, o seu sorriso cheio de graça, a
doçura dos seus olhos, encantaram o jovem troiano que lhe
deu o prémio da beleza.
As três Graças
As companheiras inseparáveis de Vénus eram as três Gra-
ças, Aglaia também chamada Pasitéa, Tália e Eufrosina,
filhas de Júpiter e de Eurinome segundo uns e segundo ou-
tras de Baco e de Vénus. Estas deusas dispensavam aos ho-
mens inexgotáveis benefícios e eram representadas sob as
formas as mais graciosas e as mais puras; sempre novas e
não podendo envelhecer, indicavam que a lembrança dum be-
nefício deve ser inalterável; davam-se as mãos e dançavam a
roda para indicar que os deveres recíprocos dos homens, duns
para com os outros, apertam os laços de afeição e de reconhe-
cimento. Representavam-nas habitualmente, uma tendo uma
rosa, a outra um ramo de murta e a terceira um dado. A Gré-
cia estava cheia de templos e estátuas que lhes eram consa-
94
grados ; nas refeições invocavam-nas em alta voz e faziam liba-
ções em sua honra, ofereciam-lhes bolos de milho, mel e leite.
Culto e atributos de Vénus
O culto de Vénus foi célebre em toda a Grécia e sobre
íudo na ilha de Chipre, em Pafos, em Citera, em Giiido e emAmatonte ; em todas as cidades lhe levantaram templos ma-
gníficos, sacerdotisas com a fronte coroada de murta serviam
nesses templos, ofereciam-lhe leite, me!, pombas e algumas"
vezes incenso e perfumes; o templo de Citera passava pelo
mais antigo de todos os que Vénus tinha na Grécia, o que deu
ocasião a dizer que esta deusa nasceu no mar perto desta ilha.
Em Roma, terminadas as libações, degolavam uma cabra
branca, a carne da vítima era lançada a uma fogueira e subme-
tida à acção dum fogo de genebra e de acanto, em seguida
algumas romanas vestidas de branco avançando para o altar
ali depunham algumas madeixas do seu cabelo, que depois
eram suspensas na abóbada do templo.
Consagravam a Vénus o mirto, a maçã, a rosa, o cisne e a
pomba; era representada ora sobre um coche puxado por ca-
bras, ora numa concha levada por pombas, acompanhada por
uma multidão de Nereidas e de Tritões nadando em redor.
O famoso Praxíteles tinha feito uma Vénus, que passava por
uma obra-prima da escultura antiga, esta estátua colocada no
templo de Gnide, atraía um imenso concurso de povo que vi-
nha admirá-la.
Fábula de Psique
Vénus tinha um filho, chamado Cupido ou o deus do amor
que, contra vontade de sua mãe, desposou Psique-, a Fábula
conta assim a sua história:
95
Numa certa cidade reinava um rei que tinha três filhas, to-
das três muito bonitas; por mais encantos que tivessem as
duas mais velhas não era impossível dar-lhe louvores propor-
cionados ao seu mérito, mas para a mais nova, a sua beleza
era tão rara e tão maravilhosa, que toda a eloquência humana
não tinha termos para a exprimir; os povos e os reis vinham
depor as suas homenagens aos pés desta beleza sobrenatural
cuja alma era ainda mais bela, (Psique em grego significa alma
ou coração). O culto de Vénus foi desprezado, os seus altares
já não recebiam flores, nem incenso, nem ofertas ; a deusa, po-
rém, profundamente irritada por este abandono, meditou umavingança terrível. Os pais de Psique foram consultar o oráculo
de Mileto acerca da sorte da sua filha querida, o oráculo, se-
cretamente inspirados pelo implacável ressentimento de Vénus
respondeu : «Colocai sobre unia montanha escarpada essa don-
zela, vestida de noiva ; não espereis para ela um esposo do
sangue dos mortais, mas um mostro da raça das víboras,
cruel, horrendo, voando pelo espaço infinito e servindo-se do
ferro e do fogo para destruir o mundo>K Os pais e o povocedendo ao oráculo conduzem para o lugar do seu exílio a
infelis Psique que depois dos mais ternos abraços e dos últi-
mos adeuses, sobe a encosta da montanha, em cujo sopé
havia um medonho precipício, e chegada ao cume, assenta-se
e de fatigada que estava adormece profundamente.
Ao despertar, a montanha e o precipício tinham desapare-
cido; Psique encontra-se então num jardim maravilhoso, cheio
de bonitas árvores no meio das quais corre uma fonte trans-
parente como o cristal/ não longe dali vê-se um magnifico
palácio, cujas paredes são revestidas de ouro e de alabastro
incrustadas de pérolas e diamantes. Tudo isto é obra do pró-
prio filho de Vénus, do Amor, que escolheu Psique para sua
esposa: Psique, porém,. não vê pessoa alguma nesta habitação
encantada, somente um dia ouve i^ma voz que lhe diz: «Aqui
sois senhora e soberana, mandai e sereis obedecida^. Um outro
96
dia, a mesma voz disse-lhe ainda : Não procureis conhecer-me
porque vos perdereis.-» Todas as tardes, quando as trevas
começavam a envolver a terra, o esposo misterioso entrava
na habitação de Psique e de manhã, ao nascer da aurora, de-
saparecia logo.
Entretanto Psique obtivera do seu esposo licença para ver
as suas irmãs; Zéfiro transportou-as nas suas azas para o
país da magfia; à vista das deslumbrantes riquezas que rodeiam
a sua irmã mais nova e da felicidade que ela parece gozar,
uma negra inveja se apodera das suas almas e, querendo per-
der Psique, aconselham-na a procurar conhecer o ser invisível
que executava todas as suas vontades; Psique cede aos seus
pérfidos conselhos e na noite seguinte, no momento em que
o seu esposo estava adormecido, levanta-se sorrateiramente
acende a lâmpada e, em quanto se debruça para contemplar
as suas feições, a sua mão trémula deixa cair uma gota de
azeite quente num hombro do deus; o /Í//Z(7r desperta brusca-
mente, desaparece e com êle desaparecem também o palácio
encantado e os jardins maravilhosos ; Psique encontra-se só,
abandonada no meio de um medonho deserto; perdida de
cabeça e desesperada, precipita-se numa torrente, mas as
ondas recebem-na com respeito e depõem-na com ternura na
margem oposta.
As suas indignas irmãs, querendo saber o resultado da
sua perfídia, põem-se a caminho para o palácio; sobem ao ro-
chedo donde Zéfiro as transportara para esta habitação encan-
tada, mas Zéfiro não quere emprestar-lhes as suas azas e elas
caem no precipício onde encontram a morte, justo castigo da
sua maldade.
Psique, não podendo morrer, entrega-se ao seu triste des-
tino, e vagueia errante por todas as regiões, procurando o
esposo que perdera ; repelida por todos e cedendo ao deses-
pero vai ter com Vénus, lança-se a seus pés e lacrimosa im-
plora perdão. A inflexível deusa não quere perdoar-lhe e im-
'97
põe-lhe trabalhos superiores às suas forças : obriga-a a ir
buscar água preta e fétida a uma fonte guardada por horrorosas
serpentes; a procurar em lugares inacessíveis um floco de lã
de ouro no dorso de um carneiro sagrado; a separar empouco tempo, num imenso monte de grãos de cevada, o trigo
e a aveia que estavam misturados. Um socorro invisível a au-
xilia a vencer estas deficuldades, mas Vénus ainda não fica
satisfeita; ordena a Psique que desça aos infernos e vá pedir
a Prosérpina uma caixa misteriosa que ela lhe deve entregar.
Sempre guiada pelo seu invisível protector, que não é outro
senão o seu divino esposo, ela entra no sombrio palácio de
Plutão e recebe das mãos de Prosérpina a caixa recomen-
dando-lhe de não a abrir.
Mas Psique, não podendo resistir ao desejo de ver o que
a caixa continha, abre-a; um vapor espesso e fétido se espa-
lha em torno dela e cai desmaiada; felizmente o filho de
Vénus velava por ela, faz reentrar o vapor na caixa fatal, resti-
tui a vida à sua encantadora e fiel esposa e ambos tomam o
caminho do Olimpo. Júpiter condoído pela narração deste
doloroso destino, ordena a Vénus que esqueça o seu ressen-
timento. A reconciliação foi sincera. Psique foi admitida à
mesa dos deuses e recebeu a imortalidade.
História da ninfa Eco e de Narciso
A beleza, esse dom gratuito da natureza, torna algumas ve-
zes aquele que a possui orgulhoso, cheio de vaidade e amante
de si mesmo; a história de Narciso mostra-nos os tristes
efeitos desta louca paixão. Narciso, jovem adolescente, dotado
de uma beleza maravilhosa, era o orgulho e a alegria da sua
família. Sua mãe consultara o oráculo sobre o seu futuro
;
respondeu-lhe que êle chegaria a uma longa e feliz velhice
se pudesse não chegar a conhecer-se, isto é, ignorar sempre
o dom fatal que recebera ao nascer.
7
^8
Narciso gostava de percorrer os bosques, os frescos vales
e os verdes prados ; uma jovem ninfa, chamada Eco, que a
ciumenta Juno expulsara do céu e que ainda perseguia com o
seu ódio, vira muitas vezes o formoso Narciso, escondida
numa caverna, mas não ousava sair do seu retiro e falar-ihe
com medo de ser surpreendida pela implacável deusa.
Aborrecida de viver sempre só, de não poder dizer a outra
pessoa as suas penas e as suas tristezas, sentiu-se atacada de
uma profunda melancolia e consumindo-se de dor, em breve só
lhe restavam os ossos e a voz; Juno finalmente teve dó dela
e transformou-a em rochedo, dando-Ihe o dom de repetir os
últimos sons e as últimas palavras da voz que ouvisse.
Não longe dos lugares testemunhas desta triste aventura,
corria uma fonte tão límpida que, nem pastores, nem rebanhos,
nem aves, nem os animais selvagens, nem as próprias fo-
lhas das árvores jamais turbaram a pureza das suas águas.
Ali veio Narciso um dia descansar das fadigas da caça e do
calor; encantado da limpidez desta fonte e cheio de sede,
resolve-se a beber água, mas, em quanto bebe, avista a
sua imagem no espelho das águas e fica extasiada e imóve!
como uma estátua de mármore; nada o pode mover daquele
lugar, nem a fome nem a necessidade do repouso ; incessan-
temente debruçado sobre o cristal das águas, consome-se,
derrete-se como a cera diante de uma leve chama ou comoum floco de neve, onde penetra um raio de sol. Suas irmãs
as Naiades, procuraram-no por muito tempo e apenas encon-
traram no lugar do seu corpo uma flor amarela chamada
Narciso.
CAPÍTULO Xllí
Divindades da Terra
CIBELE, CERES E PLUTO
Cibele (deusa da terra)
Seu nascimento, seus nomes diversos, o pastor Aíis, culto e atributos de
Cibele.
Se O céu ou o Olimpo tinha os grandes deuses por habi-
tantes, a terra tinha também, segundo a Fábula, as suas divin-
dades. A terra já tinha sido personificada sob o nome de
Telus, esposa de Cceliis e mãe de Saturno e de Cibele. MasTelus era apenas um poder improdutivo, era a terra nua e
árida, desaparecendo diante de uma divindade mais poderosa e
mais activa, a mãe dos grandes deuses, a criadora dos homens.
Cibele ou a Terra, sua filha, é esposa de Saturno e mãe de
Plutão, de Neptuno e de Júpiter. Depois da expulsão de
Saturno e da divisão do império do mundo, Cibele reservou
para si a soberania da terra.
Foi na Lídia e na Frigia que esta deusa foi principalmente
honrada; o cuidado do seu culto foi confiado a um pastor
frígio de nome Atis, que tendo-se tornado culpado de deso-
bediência foi transformado por Cibele em pinheiro; daqui vemser-lhe consagrado o pinheiro.
100
Da Frigia o culto de Cibele passou para a Grécia e para
a Itália. Os seus sacerdotes chamados Galos, Curetes, Cori-
bantes ou Dátilos, celebravam as suas festas dançando ao
ruído dos címbalos (pratos) e dos tambores, dando gritos e
CIBELE
horríveis uivos. Reprentavam Cibele sob a forma de umamulher robusta e geralmente sentada para mostrar a fecundi-
dade e a estabilidade da terra, numa das mãos tinha uma chave
e na outra um. tambor ou disco, figurando o globo da terra;
a cabeça era coroada de torres e o seu carro era puxado por
leões.
101
Ceres (deusa da agricultura)
Roubo de Prosérpina, viagens e vinganças de Ceres — Culto, festas e ima-
gens de Ceres
Cibele teve duas filhas, fano e Ceres; a primeira casada
com Júpiter, foi viver entre os esplendores do Olimpo, junto
do seu augusto esposo. Ceres, não quis abandonar sua mãe,
ficou junto dela, ensinando os homens a cultivar a terra, a
semeá-la e a colher as sementeiras. Ultrajada por Neptuno,
seu irmão, sentiu desta ofensa uma dor tão viva, que fugiu
para longe de todos e foi viver no fundo de uma caverna es-
cura e desconhecida. A terra, privada da sua benéfica influên-
cia, tornou-se mculta e estéril e os homens morriam dizima-
dos pela fome. Júpiter, assustado com este despovoamento,
mandou o deus Pan em sua procura; Pau achou-a nos bos-
ques da Arcádia. Júpiter, sabedor do asilo da deusa, enviou-Ihe
uma embaixada composta de imortais suplicando-lhe para re-
tomar as suas benéficas funções; Ceres não podendo resistir a
estas súplicas, recomeçou as suas viagens habituais e então
viu-se reaparecer a fertilidade e a abundância.
Roubo de Prosérpina, viagens e
vinganças de Ceres
O lugar, que Ceres preferia a todos os outros, era, sem dú-
vida, a Cicília, por causa da fertilidade desta região chamadapelos antigos o celeiro da Itália ; foi ali que sofreu a grande
dor de perder a sua filha querida, Prosérpina. Plutão, o deus
dos infernos, não podendo encontrar uma esposa que se re-
solvesse a viver com êle no seu tenebroso império, resolveu
arranjar uma, custasse o que custasse. Um dia, passando pela
102
Sicília, viu num risonho vale visinho do monte Etna, Porscr-
pina com outras ninfas a colher flores; um só instante bastou
ao rei dos infernos para a ver e roubar; saiu de improviso
do seio da terra e levou-a no seu carro; a deusa toda trémula
CERES
chama por sua mãe e pelas suas companheiras e na sua grande
dor, rasga a sua túnica branca e lança ao vento as flores que
tinha colhido; mas Plutão excita cada vez mais os seus cava-
los e rapidamente passa por vales, lagos, montanhas, etc; umaninfa porém ouviu os gritos dolorosos da sua companheira,
saiu da sua gruta e estendeu os braços para impedir a pas-
sagem ao raptor. Plutão então agarrou no scetro e feriu vigo-
rosamente a terra, esta abriu-se e proporcionou a Plutão umapassagem livre até ao Tártaro. Ciano, a ninfa que pretendeu
103
impedir a passagem a Plutão, foi transformada no lago que
tem o seu nome.
Ceres, inconsolável pela perda da sua filha querida, quis
procurá-la por toda a terra e por todos os mares; não repou-
sando nem de noute nem de dia, para isso acendeu dois
archotes no alto do monte Etna, percorrendo todas as re-
giões da terra no seu carro puxado por dois dragões alados.
Chegada à Lícia, cançada e desfalecida, pretendeu saciar a sede
com a água de uma fonte e debruçou-se para beber; uns
camponeses, porém, permitiram-se persegui-la com as suas
zombarias ; Ceres irritada transformou-os em rãs e continuou
o seu caminho.
Um outro dia, apertada pela fome, entra na cabana de umavelha que lhe apresenta uma beberragem composta de ce-
vada e de mel, emquanto Ceres bebe a longos tragos, umacriança, chamada Stélio, de olhar duro e insolente, pára de-
fronte dela e ri da sua avidez ; a deusa ofendida atira com o
resto da beberragem ao rosto da criança que subitamente foi
metamorfoseada em lagarto e se foi esconder numa toca.
Ceres continuou a sua corrida através dos desertos da
Ática, chegada ao lugar onde depois foi Eleusis, disfarça-se
numa pobre velha e assenta-se ao pé de uma fonte; as quatro
filhas de Celeo, rei daquela região, vem buscar água a esta
fonte e cheias de dó per esta pobre velha que chorava, infor-
mam-se com bondade da causa da sua dor; ela então diz-se
naufragada e abandonada na costa pelos piratas e que deseja
ganhar a vida educando crianças. As princesas levam-na a sua
mãe Metanira, que a convida a sentar-se, Ceres, porém, recusa
os tapetes de púrpura por não convirem à sua triste posição
e aceita apenas uma esteira feita de folhas secas.
Metanira confia à deusa seu filho Triptolenw ; Ceres, de-
cidida pelo reconhecimento a conferir a esta criança a imorta-
lidade, prodigaliza-lhe os cuidados mais ternos, esfrega-o comambrósia, aquece-o no seu seio durante o dia e à noute pu-
104
rifica-0 pelo fogo. A rainha tendo-a surpreendido nas suas
invocações nocturnas, dá um grito de desespero, vendo o seu
filho no meio das chamas e queixa-se dolorosamente; então
Ceres abandona o seu disfarce e manifesta-se com todo o seu
esplendor e majestade de deusa, censura Metaiiim da sua
imprudência, que privava o filho da imortalidade que ela preten-
dia dar-lhe e ordena que lhe levante um altar num grande
templo onde no futuro se celebrarão, instituídos por ela, ilus-
tres mistérios. No dia seguinte Celeo convoca o povo, anuncia
os acontecimentos da noute e as ordens da deusa; depois com
o voto de todos, edifica em ELeusis o templo e o altar que
misteriosas ceremónias deviam no futuro, tornar tão famosas.
Quando Ceres abandonou a cidade onde recebera ião be-
névola hospitalidade, Triptolemo não podendo decidir- se a aban-
donar a sua carinhosa ama, seguiu-a em todas as suas
viagens. Ceres fez-lhe presente de uma charrua e de uma grade
e iniciou-o nos segredos da agricultura;percorreram juntos
os desertos da Sitia, onde Linco, rei desta região, quis por
inveja mandar matar Triptolemo, mas foi metamorfoseado emlince. Ceres e Triptolemo voltaram à Ática, onde a deusa se
separou do seu companheiro de viagem para ir ainda em pro-
cura de sua filha. Triptolemo ensinou aos habitantes da Ática
a arte de cultivar a terra e de fazer pão e, depois da sua morte
em reconhecimento, eles levantaram-lhe um templo e um altar.
Entretanto Ceres, depois de inutilmente procurar a filha,
voltou à Cicília e chegado às margens do Ciano avistou umvéu branco que flutuava sobre as águas; reconheceu-o comosendo o véu de sua filha; foi então que a ninfa Aretusa lhe
disse que Prosérpina tinha sido raptada pelo deus dos infer-
nos. Ceres retoma o seu carro, sobe ao Olimpo, lança-se aos
pés de Júpiter e suplica-lhe que lhe mande entregar a sua fi-
lha. O deus dos deuses, comovido pela sua dor, cede às suas
súplicas e promete mandar restituir-lhe a filha, sob condi-
ção de Prosérpina não ter tomado alimento algum depois
105
da sua entrada iio reino de Plutão. A pobre mãe cheia de
alegria e de esperança, desce aos infernos, torna a ver a sua
filha bem amada e quando a arrasta para fora do tenebroso
império, o guarda de Prosérpina, Ascalafo, declara que viu
a deusa comer alguns grãos de romã; Ceres, na cólera con-
verte Ascalafo em mocho e desesperada vai novamente dirigir
as suas súplicas ao deus dos deuses; mas Júpiter, não podendo
anular a sua primeira decisão, para suavisar ao menos a dor
daquela mãe, ordena que Prosérpina passe seis meses junto de
Ceres e os outros seis junto do esposo ; do mesmo modo o
grão de trigo está metido na terra durante seis meses e reapa-
rece em seguida para ser ceifado.
Ceres é a personificação da terra cultivada e fecunda ; as
suas corridas através do mundo representam a agricultura
propagando-se de região em região. Triptolemo, que não
quere separar-se da sua carinhosa ama, é o agricultor fixo ao
solo, não podendo separar-se dele, porque a terra cultivada cui-
dadosamente lhe oferece uma fonte inexgotável de riquezas.
Culto, festas e imagens de Ceres
Ceres é pois a deusa da agricultura, todos os povos lhe
levantaram altares e multiplicaram as suas festas à porfia; nos
seus templos sacrificavam-lhe uma porca, ou porque este animal
devasta as cearas ou porque ensina os homens a remecher a
terra ; também lhe sacrificavam um carneiro com os chave-
lhos engrinaldados de rosas e murta.
Uma cidade, entre todas, se distinguiu pelo seu zelo reli-
gioso por esta deusa, foi Eleusis, cidade da Ática; era ali que
estavam as suas alfaias agrícolas, os seus oráculos, o seu tem-
plo privilegiado e os seus verdadeiros adoradores.
Todo o grego devia antes da sua morte fazer-se iniciar nos
mistérios da boa deusa, sob pena de ser considerado como
106
ímpio e sacrílego. Julgava-se, que os iniciados eram objecto'dos
cuidados particulares dos deuses, que eram mais felizes que os
outros homens durante a vida e que depois da morte iam ocupar
os primeiros lugares nos Campos Elisios; para que estas vanta-
gens não fossem concedidas aos indignos a escolha dos candida-
tos era rigorosa; os escravos e os grandes culpados, eram excluí-
dos das iniciações, que se faziam em Eleusis todos os cinco anos.
Estas festas, chamadas Eleusinas, duravam nove dias, os
sacerdotes, para as tornarem mais imponentes e majestosas,
empregavam uma pompa e magnificência extraordinárias.
No primeiro dia, os neófitos ou candidatos, depois de se
terem purificado com a água lustral {água em que se mergu-
lhava um tição aceso apanhado no lar dos sacrifícios) e coroado
com murta, entravam no santuário, onde o grão sacerdote, os
obrigava a jurar que guardariam silêncio sobre o que vissem
ou ouvissem ; então faziam-se ouvir ruídos pavorosos, a terra
parecia tremer, fantasmas e outras figuras estranhas apareciam
no meio das trevas, depois, essas sombras desapareciam subi-
tamente para darem lugar a luzes deslumbrantes. A seguir, a
estas diversas provas e a outras cerimónias, os candidatos
recebiam a sua consagração definitiva, purificavam-se ainda
uma última vez, e com a cabeça coroada de fitas, entravam
então no grande santuário, onde estava a estátua da deusa re-
vestida de finas roupas de púrpura bordadas a ouro ; então
o grão sacerdote abria de par em par as portas do templo, a
multidão entrava e enchendo de vinho duas urnas de barro,
quebrava-as e atirava os bocados para o oriente e para o oci-
dente, símbolo da vida humana; depois a multidão dispersava.
Os iniciados conservavam com grande respeito religioso o
fato que haviam vestido no dia da iniciação e, quando já
estava usado e velho, consagravam-no à deusa.
Celebravam-se ainda em honra de Ceres outras festas cha-
madas Tesmofôrias, em reconhecimento das leis sábias que ela
dera aos mortais.
107
Ceres é representada sob a figura de uma mulher bela e
majestosa, a cabeça coroada de espigas, tendo numa das mãosuma fouce e na outra um molho de espigas ; outras vezes
põem-lhe também numa das mãos um archote, em memória
das viagens que fez à procura da filha.
Ceres mostrou-se implacável para com um rei da Tessáha.
chamado Eresiqueton, que despresando o seu culto, devastou
um bosque que lhe era consagrado; para o castigar desta pro-
fanação, enviou-lhe uma tão horrível fome, que o obrigou a
devorar todos os seus bens, sem jamais se poder saciar. Redu-
zido à extrema penúria, vendeu a sua própria filha, chamada
Metra, que dotada por Neptuno com o dom de se transformar,
passava de mão em mão sob diversas figuras, sempre vendida
a novos senhores ; este recurso porém não foi suficiente e
Eresiqueton aguilhoado sempre pela fome acabou por morrer
devorando os seus próprios membros. Esta fábula representa
os homens ávidos, que, em vez de cultivarem a terra, se apres-
sam a gosar dos seus produtos.
PLUTO ou PLUTUS
Pltito, deus das riquezas, seus atributos
Pluto, personificação da riqueza, era filho de Ceres e de
Jasion, isto é da agricultura e do trabalho ; na sua juventude,
era dotado de uma excelente vista, mas como se gabasse, umdia diante do soberano dos deuses, de só proteger os que
eram virtuosos e justos, Júpiter, fazendo-lhe perder a vista,
quis que as riquezas viessem a tocar indiferentemente tanto aos
bons como aos maus. Em Atenas, este deus velava pela guarda
do tesouro público e representavam-no sob a figura dum velho
cego e coxo com uma bolsa na mão. Vinha lentamente, diziam
os antigos, mas fugia agilmente.
CAPITULO XIV
Baco(deus do vinho)
Seu nascimento — Suas viagens e conquistas — Seu culto e festas
Seu nascimento
O primeiro homem que, segundo narram os antigos, plan-
tou e cultivou a vinha e transmitiu essa preciosa descoberta
aos homens, conseguiu deles todo o respeito e inolvidável
gratidão; seu nome perpetuou-se na memória dos homens, e.
quando começou a apoteose da natureza, colocaram-no na
ordem dos deuses sob o nome de Baco; a sua vida, como a de
todas as divindades, encontra-se cheia de incidentes maravi-
lhosos e sobrecarregada de símbolos. Segundo a mitologia
grega, Baco, deus do vinho e da alegria, era filho de Júpiter
e de Semeie, princesa tebana. Sua mãe, cedendo aos conse-
lhos pérfidos da ciumenta y«/7í7, pediu instantemente a Júpiter
que se lhe mostrasse com toda a sua glória, brilho, majestade
e poder, o que êle lhe concedeu dificultosamente; foi vítima
da sua curiosidade, porque Júpiter apareceu-lhe armado de
raios, relâmpagos e trovões que pegaram fogo ao seu palácio
e ela pereceu nas chamas. Semeie estava para dar à luz umfilho que foi salvo por Mercúrio, levando-o nas suas azas
para o 0\\m\)o; Júpiter, para o subtrair aos olhares da sua im-
109
placável esposa, escondeu-o na barriga da perna; explica-se
esta circunstância, dizendo que a criança foi criada sobre umamontanha da índia chamada Meros, palavra que na h'ngua
grega significa barríg^a da perna.
< \:\y
BACO
Algum tempo depois, o pequeno Baco saiu do seu escon-
derijo e foi confiado aos cuidados da sua velha tia Ino, que
lhe deu por amas as Ninfas e as Horas e mais tarde umagricultor chamado Sileno encarregou-se da sua educação e
ensinou-lhe a cultura da vinha. Juno, tendo descoberto o lugar
onde se ocultava a criança, perseguiu-a para não escapar à sua
v'ingança; um dia Baco, muito fatigado, adormecu à sombra
de uma árvore, Juno mandou-lhe uma enorme serpente de
duas cabeças; ao ruído feito por este animal, Baco acordou e
110
teve tempo de o estrangular. Uma outra y^z,Juno feriu-o de
loucura e Baco pôs-se a correr o mundo até à Frigia, onde
Cibele o curou, depois de o ter admitido nas iniciações do
seu culto. Ainda escapou a outro perigo : tinha adormecido
na ilha de Naxos, quando os piratas tírios, inspirados por
Juno, vieram roubá-lo e prendê-lo; mas o deus despertando
quebrou os laços e na sua cólera transformou os piratas emdelfins.
Viagens e conquistas de Baco
Baco entretanto cresceu, e, depois de ter ajudado lúpiter
duma maneira gloriosa a vencer oá gigantes, resolveu fazer-se
herói e ultrapassar a glória dos mais ilustres conquistadores.
Os seus projectos de conquistas nada tinham de terrível e de
sanguinário, o seu único deseja era levar a civilização e a arte
de fazer o vinho às regiões mais remotas; partiu pois para as
índias acompanhado do velho Sileno e dum grupo de homens
e de mulheres armados de tirsos (lança ou dardo ornado de
era e pâmpano, terminado em pinha) e de tambores. Baco ia
no seu carro puxado por dois tigres, levava a cabeça coroada
de era e de pâmpano e um tirso lhe servia de scetro. O exér-
cito civilizador chegou finalmente à terra desejada que empouco tempo foi submetida ao suave e pacífico domínio do
deus das vindimas e as nações visinhas vieram, de sua livre
vontade, submeter-se à sua lei: depois de lhes ter ensinado a
arte de cultivar a vinha, depois de ter estabelecido por toda a
parte a mais perfeita harmonia, Baco embarcou levando con-
sigo o amor e a saudade dos povos que havia conquistado.
Baco seguiu o caminho da Grécia; o seu navio embalado
pelas vagas foi impelido para a ilha de Naxos, ilha selvagem
e deserta que já lhe havia sido fatal ; um dia passeando ao pé
de um rochedo, contra o qual o mar vinha quebrar-se, ouviu
111
uma voz lastimosa que parecia sair do fundo de uma gruta,
aproxima-se, escuta, e de repente uma donzela, pálida, de ca-
belos desgrenhados, corre a deitar-se ao mar; Baco, mais rá-
pido que o raio, precipita-se e detem-na à borda do abismo.
Esta infeliz era Ariana, filha de Mirtos, rei de Creta, abando-
nado por Teseo, seu esposo, nesta árida costa ; ela conta a
Baco as suas dores, as suas noites de angústia passadas nesta
medonha solidão e as lágrimas que derramou ; o deus reani-
ma-a, consola-a com benévolas palavras ; o socêgo renasce a
pouco e pouco na sua alma, consente em viver e em ser sua
esposa. Alguns anos depois Ariana morre e o seu corpo foi
transportado ao céu para entre as constelações.
Baco, para se distrair da sua dor, abandonou a ilha de Na-
xos e derigiu-se para a Ática ; todas as cidades porfiaram emlhe abrir as suas portas e o povo juncava de flores os cami-
nhos por onde passava.
O rei da Ática, Inaco, deu-lhe hospitalidade no seu palá-
cio; chegado o tempo das vindimas, este príncipe reuniu to-
dos os pastores do vale de Atenas e deu-lhes a provar o sumodas uvas; encheram-se os copos e os pastores, habituados à
água das fontes, em breve sentiram os efeitos da embriaguez;
julgando-se envenenados, precipitaram-se contra o rei a quemmataram e lançaram o seu corpo a um poço. Sua filha Erigone
inquieta pelo destino de seu pai, procurou-o por toda a parte;
atraída pelos latidos de uma cadelinha chamada Mera, que se-
guia sempre o dono, e seguindo o caminho que a cadelinha
lhe indicava puxando-a pelo vestido, dirige-se até à borda do
poço e ali descobriu, horrorizada, o corpo do pai todo ensan-
guentado e mutilado ; no seu desespero, enforcou-se numaárvore que sombreava a fonte, e a fiel Mera, sempre deitada
no mesmo lugar, morreu de fome e de dor.
Júpiter fez transportar estas três vítimas para o firma-
mento; Inaco veio a ser a constelação do Boieiro, Erigone a
da Virgem e Mera ficou fazendo parte da canícula sob o nome
1Í2
de Sirio, Os pastores, para expiarem o seu crime, levantaram umaltar a Inaco e instituíram em sua honra festas que se celebra-
vam balouçando-se sobre uma corda atada a duas árvores.
Baco, sempre inconsolável pela perda de Ariana, quis des-
cer aos infernos para tornar a ver sua esposa querida, entrou
•.»ss .-
SU.ENO
no sombrio império de Plutão e ali permaneceu três anos; em
seguida voltou à terra e, quando viu que a cultura da vinha
estava popularizada num grande número de regiões, com-
preendeu que a sua missão estava acabada e subiu para o
Olimpo, levando a saudade e o reconhecimento dos povos,
contudo deixou na terra seu velho pai adoptivo, Sileno, como
se fora êle próprio. Sileno era um velho corpulento, calvo,
baixo, sempre dotado de bom humor, jovial, de copo na mão
113
que tão depressa estava vasio como se enchia logo, sempre
embriagado, caminhando umas vezes montado num burro, ou-
tras a pé encostado a um tirso. Sileno fixou a sua residência
na Arcádia, submeteu esta região e o seu domínio foi tão
suave que os habitantes lhes ergueram altares. Todas as vezes
que havia qualquer festa no Olimpo, o bom Sileno via chegar
sempre um mensageiro dos deuses para o transportar às re-
giões celestes onde com satisfação e alegria se sentava à mesa
dos imortais, que êle deliciava com os seus ditos e gracejos.
Culto e festas de Baco
O culto de Baco, originário do Egipto, propagou-se rapi-
damente por toda a terra; em Atenas, as suas festas, chama-
das Dionísias, de Dionísio seu nome, celebravam-se com a
maior magnificência; realizavam-se todos os anos nos meses
de março e de setembro; logo ao amanhecer o seu templo era
adornado de tapeçarias, de pâmpano e de era ; os sacerdotes
levavam processionalmente a sua estátua através das vinhas
e pelas montanhas, em seguida vinham as Bacantes, Bassa-
rides, Tijíades ou Ménades sacerdotisas do deus, dançando
cadenceadamente, cantando hinos, trazendo açafates de ouro
cheios de frutos e de serpentes domesticadas; quando o cor-
tejo passava nas ruas, os habitantes matavam um porco às
portas das suas casas ; chegados a uma figueira plantada fora
das muralhas, os sacerdotes sacrificavam um bode e voltavam
triunfantemente trazendo o holocausto e a estátua até ao adro do
templo, onde queimavam então as gorduras e as entranhas das
vítimas, sendo o resto da carne distribuída pelos assistentes.
À tarde havia um grande banquete presidido pelas bacantes
e que degenerava a maior parte das vezes em orgia, em con-
sequência das copiosas libações feitas em honra do deus da
vinha.
8
114
Estas festas chamavam-se também Bacanais do nome de
Baco, ou Trietcrica por se celebrarem de três em três anos e
ainda Orgias pelo entusiasmo e furor com que se faziam.
Roma adoptou as Dionísias gregas sob o nome de Baca-
nais e lá, também elas perderam o carácter religioso e sagrado,
tornando-se a origem de imoralidades e de desordens, a tal
ponto, que o senado se viu obrigado a suprimi-las; mas os
costumes populares prevaleceram, a lei tornou-se nula e as
mesmas festas reapareceram, depois de uma curta interrupção,
mais infames e mais licenciosas ainda. Os sacerdotes de Baco,
coroados de era, o rosto sujo de borras de vinho, passeavam
processionâlmente o seu padroeiro com todos os seus atribu-
tos; a seguir vinham as bacantes cobertas com peles de tigres
atadas na cintura com era, umas de cabelos desgrenhados
com archotes acesos, outras, armadas de tirsos e de tambo-
res, de olhar chamejante e furiosas, corriam, dançavam, sal-
tavam convulsivamente no meio do cortejo ; depois, u.ma mul-
tidão de homens vestidos de sátiros arrastando bodes ornados
de grinaldas e destinados a serem imolados; finalmente o deus
Pan, com a sua flauta, seguido do velho Sileno que a custo
se podia conter nas pernas de embriagado que estava ; em to-
das as paragens que o cortejo fazia, ou se imolava um bode,
porque comia a vinha em flor, ou uma pega, ave faladora,
por ser a imagem viva da indiscrição dos bebedores.
Bac^3 era m.uito cioso das honras que lhe eram devidas e
castigava cruelmente os que ousavam recusar-lhas, a Fábula
transmitiu-nos algumas das suas vinganças: Penteo, rei de
Tebas, não tendo querido tomar parte nas orgias- que se ce-
lebravam em honra do deus do vinho, mandou que lhe trou-
xessem Baco amarrado de pés e mãos ; Baco transformou-se
em Acetes, um dos seus pilotos, e logo que o meteram na
prisão, saiu dela sem ser visto, e tal furor inspirou à família
real que a sua própria mãe e suas tias fizeram em pedaços a
Penteo.
115
Liciirgo, rei da Trácia, foi privado da vista por ter querido
parar a marcha dos sacerdotes de Baco. As filhas de Mineo,
rei de Orcomenes na Beócia, culpadas de não terem interrom-
pido os seus trabalhos durante as festas de Baco, foram
metamorfoseadas em morcegos.
Representavam Baco sob a forma de um mancebo de ca-
beleira loura e flutuante, sobre um carro puchado por tigres
ou panteras, a cabeça coroada de pâmpano e de era e algumas
vezes por cima desta coroa dois chavelhos, alusão à primeira
junta de bois que foi jungida para o trabalho da terra; numa
das mão um íirso com uma videira entrelaçada, na outra umcopo. Geralmente Baco, o conquistador e o civilizador, tinha
só o tirso ; Baco, o deus dos bebedores, tinha o copo e estava
sentado sobre uma pipa e dos hombros pendia-lhe uma pele
de leopardo.
Semelhança interessante entre
Baco e Moisés
BACO MOISÉS
Baco nasceu no Egipto, e
teve duas mães: Júpiter e Se-
meie; foi encontrado aban-
donado pela mãe na ilha de
Naxo ; esta circunstância, de
ter sido salvo das aguas, deu-
-Ihe o nome de Misas, que
quer dizer salvo das àgiias.
Baco passou o mar Roxo
com um grande exército, com-
posto de homens e de mulhe-
res e foi fazer a conquista da
índia.
Moisés, natura! do Egipto,
teve duas mães, uma que o
deu a luz, outra que o ado-
ptou ; foi abandonado nas
margens do Nilo, chamaram-
-no Moisés, que quer dizer
salvo das águas.
Moisés atravessou o mar
Vermelho e com um nume-
roso exército de homens e de
mulheres entrou na Arábia e
fez a conquista da Terra da
Promissão.
116
A fábula dá hastes a este
Deus e mete-Ihe na mão umtirso formidável.
Baco foi criado numamontanha chamado Nisa.
Baco castigou cruelmente
Penteo, filho de Echioti e de
Agave, por impedir os teba-
nas de celebrar as suas fes-
tas.
A Bacj se deve a inven-
ção do vinho.
Moisés tinha na testa dois
raios de luz e trazia na mãouma vara milagrosa.
Moisés passou quarenta
dias sobre o monte Sinai.
Moisés puniu severamente
Faraó, que recusou deixar
sair o povo israelita para ir
fazer sacrifícios.
Foi no tempo de Moisés
que se achou o famoso ca-
cho de uvas da Terra da Pro-
missão e que foi transportado
com muito trabalho por dois
homens.
Além de Dionísio do nome Dios deus e de Nisa cidade
onde foi criado, teve Baco outros nomes: Evan e Hyie, que
significam valor t filho pelas maravilhas que obrou na guerra
dos gigantes, palavras que Júpiter repetia muitas vezes para o
animar; Liber e Liceus, porque o vinho inspira a liberdade e
dissipa a melancolia; Bromio, laco ou Baco pelo som dos gri-
tos que davam as Bacantes.
Vulcano(deus do fogo)
Nascimento, trabalhos, culto e atributos de Vulcano. — Os Ciclopes
Houve um homem chamado Vulcano que foi o primeiro
que descobriu a acção do fogo sobre os metais, que soube
extraí-los das montanhas onde estavam sepultados e que, com
117
a ajuda de fornos escavados nos rochedos da ilha de Lemnos,
os modelou segundo os seus caprichos e necessidades. Ospovos, em reconhecimento, colocaram-no entre os imortais,
fizeram-no filho de Júpiter e de Juno e veneraram-no comodeus do fogo.
VULCANO
Sua mãe, envergonhada por êle ser extremamente feio e
disforme, não podia consolar-se de o ter dado à luz; apesar
de tudo Vulcano amava muito a sua mãe e a tal ponto, que
tendo Júpiter, num acesso de cólera, mandado suspender /////£>
à abóbada celeste por uma cadeia de ouro, êle apressou-se a li-
bertá-la; infelizmente para ê\e, Júpiter viu-o e precipitou-o, comum pontapé, do céu ; o desgraçado atravessou durante nove
dias as regiões aéreas e veio cair na ilha de Lemnos.
118
Os habitantes da ilha prodigalizaram-lhe todos os cuidados,
mas êle ficou sempre coxo por ter quebrado uma perna; Vid-
cano querendo mostrar o seu reconhecimento a este povo
hospitaleiro, ensinou-lhe a tirar a faísca escondida na pedra, a
alimentar a chama e a servir-se dela para fundir os metais e os
modelos; estabeleceu forjas e pôs-se fabricar utensílios de la-
voura, colares e braceletes para as donzelas, armaduras de
bronze e de aço para os guerreiros, etc. Os deuses ouviram
falar das maravilhosas obras do hábil astista e quiseram ter tam-
bém produtos da sua indústria; Vulcano viu-se obrigado a
aumentar as suas forjas e a admitir companheiros.
Escavando as montanhas para delas extrair os metais, o
mármore e o granito, encontrou uma raça de homens mons-
truosos, atados dois a dois e metidos em imensas cavernas,
eram os Ciclopes, filhos de Ccelus e de Teliis, que Júpiter
aprisionara nas entranhas da terra por terem tomado parte na
revolta dos Titães,
Segundo a história, os Ciclopes foram os primeiros habi-
tantes da Cicília, estabeleceram-se nas vizinhanças do monte
Etna, que os poetas consideravam como a oficina de Vulcano.
Esses seres hediondos e disformes tinham um só olho
redondo e enorme no meio da testa; Vulcano conhecendo o
partido que poderia tirar destes robustos gigantes, habituados
a viver nos subterrâneos, presenteou Júpiter com uma arma
poderosa suplicando-lhe que desse a liberdade aos cativos para
eles o ajudarem nos seu trabalhos, a súplica foi deferida e os
Ciclopes em número de cem chegaram à ilha de Lemnos e fa-
bricaram uma quantidade enorme de raios para o soberano
dos deuses durante a guerra dos gigantes.
Mais tarde foi também com um desses raios que o deus
da medicina. Esculápio, foi fulminado. Apolo fez cair a sua
vingança sobre os ferreiros de Vulcano, os quais foram todos
mortos às frechadas; Vulcano, privado dos seus companheiros,
abandonou os seus fornos e voltou para o Olimpo, onde cons-
119
truiu um palácio de ouro e de cristal dividido em tantas com-
partimentos espaçosos quantas eram as divindades e fez mais
um trono de ouro para o soberano dos deuses. O infantigá-
vel artista, para agradar a Tetis, divindade do Oceano, forjou
uma armadura de aço e de bronze para seu filho Aquiles e
foi êle ainda que fabricou o famoso scetro de Agamemnon, o
colar de Hermione, a coroa de Ariadne, as armas de Eneas,
o palácio do Sol, o celebre cão de bronze que forjou e animou,
etc, obras-primas da história fabulosa.
Vulcano teve templos no Egipto, na Grécia e em Roma;Ale/lés, rei do Egipto, levantou-lhe em Mênfis um templo de
uma grade magnificência que os seus sucessores porfiaram
em embelezar. Em Atenas, celebravam-se festas em sua honra,
eram corridas chamadas Lampadofores, ou porta-archotes,
uma espécie de combates de lança; os cam piões levavam na
mão uma tocha acesa e aquele, cuja tocha se apagava durante
a corrida, era obrigado a sair vergonhosamente, da arena e o
que era vencido, tinha de a dar ao primeiro que tivesse che-
gado à baliza.
Rómulo primeiro rei de Roma, mandou construir fora das
muralhas um templo dedicado a este deus e instituiu festas
chamadas Vulconais, que duravam oito dias; durante elas
acendiam-se fogos em diversos bairros da cidade e nas coli-
nas, no brazeiro lançavam todos os animais que encontravam;
a guarda do templo era confiada à vigilância de quatro cães;
consagravam-lhe o leão, porque este animal, quando se enfu-
rece, parece lançar fogo pelos olhos.
Representavam este deus encostado a uma bigorna, os bra-
ços nus, os cabelos desgrenhados, as pernas cambaias, a
cabeça ou descoberta ou com um boné redondo e pontea-
gudo, na mão um martelo e na outra uma tenaz.
Vulcano, como já dissemos, desposou Vénus, deusa da
beleza.
120
Esta fábula de Vulcano parece ter tido a sua origem emTiibalcain, filho de Lamech, a quem a Bíblia atribui a arte de
fundir e bater os metais.
Os poetas deram a Vulcano os sobrenomes de Lemnias da
ilha de Lemnos, Mulciber por forjar o ferro, e Tardlpes por
ser coxo.
CAPÍTULO XV
Divindades subalternas
Pales — Flora — Zéfiro — Pomona — Vertumno — Pan — Termo ou Ter-
mino — Silvano — Sátiros — Faunos — Ninfas.
As grandes divindades terrestres eram Cibeles ou a terra,
Ceres ou a agricultura, Baco ou a vinha, Vulcano ou o fogo
A imaginação dos homens, uma vez de posse do mundomaterial, e sempre pronta a produzir, não se deteve nestas
personificações superiores, agrupou em volta de si uma mul-
tidão de elementos dos quais fez outros tantos deuses.
A terra inteira, com tudo o que ela encerra e o que pro-
duz, foi traduzida em pessoas divinas ; os prados, as flores,
os frutos, as estações, os bosques, os caminhos, as fontes e
as montanhas, tiveram as suas divindades particulares, mas o
culto destas divindades não foi universalmente reconhecido,
e daqui a qualificação de deuses subalternos que lhes foi
dada ; o círculo dos seus atributos era restrito e não saía da-
quilo a que presidiam.
Pales era a deusa dos pastores e dos rebanhos, tinha emRoma festas chamadas PalíUas ou ParíUas que se celebravam
no mês de março, época do ano em que a germinação se desen-
volve, eram especialmente solenizadas pelos pastores que supli-
cavam da deusa a sua benéfica solicitude para o alimento dos
rebanhos.
122
Ao nascer do dia os pastores vestiam os seus melhores
fatos, purificavam os rebanhos e os currais fazendo à entrada
fogueiras alimentadas com enxofre, pinho, loureiro e rosma-
ninho; depois desta purificação expiatória, ofereciam pela mão
do sacerdote, leite, mel e bolos de farinha de milho ou de
puro trigo, em seguida realizava-se uma refeição pública e à
noute acendiam em diferentes bairros fogueiras que se diver-
tiam a saltar e em volta dos quais dançavam fazendo-se acom-
panhar de tambores, pratos e cantigas; estas festas também
se celebravam no primeiro de maio, dia da fundação de Roma.
Flora era a deusa das flores, a graciosa alegoria da prima-
vera, teve por esposo o louro Zéfiro cujo tépido sofro acari-
cia as flores e dá vida à natureza. Foram os Sabinos os
primeiros que lhe dedicaram templos e que mais tarde, quando
passaram a fazer parte do povo romano, introduziram em
Roma o culto desta deusa. As suas festas eram anuais e cha-
mavam-se Florália, duravam seis dias, começavam no mês de
abril, estas festas produziram os jogos Florais, tão famosos na
antiguidade; estes jogos celebravam-se em Roma durante a
noute, à luz dos archotes, no grande circo da rua Patrícia ; o
sentimento religioso, que os caracterizava na sua origem, de-
sapareceu bem depressa e estas reuniões nocturnas trouxeram
consigo grande quantidade de escândalos e de desordens.
Representavam Flora brilhante de frescura e de juventude, no
meio dos lírios e das rosas, tendo uma cornucópia donde
saem frutos e flores.
Outros autores dizem que houve em Roma uma dama, que
vivia muito licenciosamente e que, por sua morte, nomeou o
Senado seu herdeiro; esta dama chamava-se Cloris, mas como
este nome recordava as suas dissoluções, foi-lhe substituído
pelo de Floro.
Ponwna presidia aos frutos, aos pomares e aos jardins, foi
esposa de Vertiunno divindade das estações. Pomona fizera
voto de nunca se casar e Vertiunno foi abrigado a exgotar
123
junto dela todos os recursos para conseguira sua união; para
vencer todos os obstáculos que se opunham ao seu desejo,
implorou e conseguiu dos deuses o favor de mudar de figura
à sua vontade. Primeiro mostrou-se à deusa sob a forma de
um jovem lavrador curvado sobre a charrua desde o nascer
até ao pôr do sol; vendo que Pomona colhia os seus frutos e
cultivava as suas árvores sem. dignar-se ao menos deitar-lhe
um olhar, tomou a feição de um ceifeiro, ceifando sempre comum ardor sem igual, mas Pomona nada se importava com êle
;
reapareceu terceira vez sob a forma de um vinhateiro, mas não
124
foi mais feliz e voltou à tarde para a sua cabana triste e de-
sesperado; finalmente apresentou-se-lhe sob as feições de umavelha muito faladora que Pomona, aborrecida de viver só, to-
mou para o seu serviço; Vertiimno^ tendo ganho a pouco e
pouco as boas graças da deusa, desfez-se um dia das rugas e
dos anos e apresentou-se-lhe risonho e alegre, Pomona con-
sentiu finalmente em tomá-lo por esposo. Esta transformação
de Vertumno representa o ano com as suas variações sucessi-
vas; o lavrador é o símbolo da primavera, o ceifeiro o do es-
tio, o vinhateiro o do outono e a. velha o do inverno.
O culto de Pomona vindo da Etrúria, introduziu-se emRoma. Representavam esta deusa ornada de ramos com frutas e
flores. Vertumno tinha em Roma um templo e em outubro cele-
bravam-se as suas festas; representavam-no sob a forma de
um joven coroado de flores e de espigas, aos hombros umapele de animal selvagem e na mão um podão para podar as
arvores.
Pan, na tradição egípcia era considerado como o princí-
pio da fecundidade da natureza, e como tal, colocado no nú-
mero dos deuses, em cada cidade do Egipto tinha templos e
estátuas. No mito grego, Pan era uma divindade secundária
e subalterna, presidindo aos campos e às florestas. A Fábula
ora o considera filho de Júpiter, ora de Mercúrio; nasceu comchavelhos, pernas e pêlo de bode; À sua aparição, as ninfas
da Arcádia fugiram espavoridas, dando gritos de terror; seu
pai não podendo encontrar-lhe uma ama, pegou nele às costas
e transportou-o para o Olimpo; à vista desta pobre e malfa-
dada criatura, os imortais e principalmente Baco deram tão
grande gargalhada que a abóbada do Olimpo toda estremeceu.
Pan., reconduzido à Arcádia, e não podendo por causa da
sua fealdade viver com os homens, foi para os bosques e
fez-se companheiro dos bodes e dos lobos. Tendo sabido
que os Titães se reiiniriam sobre a terra para escalar o Olimpo,
foi ao lugar dessa reiinião; previamente tinha apanhado à
125
beira-mar muitas conchas e delas fez sair sons tão pavorosos^
que os Titães cheios de susto puzeram-se a fugir em todas as
direcções (daqui a origem da expressão terror pânico). Deve-se
a este deus a invenção da flauta de sete canudos, chamada
pelos gregos Syrínx, isto é, um instrumento composto de
sete canudos de canas cortados desigualmente ; esta des-
PAN
coberta tornou-o tão orgulhoso, que ousou desafiar o pró-
prio Apolo; foi vencido neste certame e sabe-se que Midas,
tendo-lhe atribuído a vitória, recebeu, em castigo da sua igno-
rância, orelhas de burro.
Pan era o deus dos pastores, dos vales verdejantes e fér-
teis, das florestas sombrias e espessas, protegia os rebanhos,
vivificava os pastos e domesticava os animais selvagens. NaGrécia pouca atenção se prestou a esta divindade, mas emRoma foi muito venerada e cheia das maiores homenagens.
As festas, que se celebravam, em Roma em honra do deus
126
Pau no mês de Fevereiro, chamavam-se Lupercales, do lugar
denominado Z.«/-7é'/rfí/, que Evandro lhe consagrou e em memó-ria de Rómulo e Remo terem sido amamentados por uma loba;
os seus sacerdotes, pela mesma razão, eram chamados Lupeni;
ofereciam-lhe leite, mel, duas cabras e um cão; a pele
das vítimas, cortada pelos sacerdotes em tiras, servia
para chicotes com que as crianças brincavam. Comopersonificação da natureza fecunda e produtora de todas as
cousas, representavam Pan com chavelhos, símbolo dos raios
do sol ; com uma pele de animal selvagem estrelada sobre o
peito, imagem da abóbada celeste com os astros ; encarnação
viva e purpúrea, para designar o calor e o brilho do céu ; as
pernas e os pés cheios de pêlos, alegoria da natureza inferior
ou da terra com as árvores e as plantas ; como guarda dos
bosques e protector dos rebanhos, tinha o corpo de um bode
e um cajado na mão.
Termo ou Termino era um deus de origem romana inven-
tado por Numa Pompílio. Os primeiros habitantes de Romaeram salteadores e escravos fugitivos, habituados ao roubo e
ao saque. Numa para proteger as propriedades, fez limitar os
campos com umas pedras quadradas as quais tornou divindades
imóveis e implacáveis. Também lhe levantou um templo sobre
a rocha Tarpeia. Quando Tarquínio, o suberbo, quis construir
sobre o monte Capitólio um templo a Júpiter, foi preciso de-
molir os altares e estátuas que ali se encontravam; todos os
deuses benévolos consentiram na sua mudança, só o deus
Termo ficou sempre no seu lugar agarrado ao rochedo; êsíe
conto espalhou-se pelo povo para lhe persuadir que a causa
mais sagrada, que êle tinha, eram os limites dos campos e
por esta razão os que tinham o atrevimento de mudá-los eram
entregues às Fúrias sendo permitido matá-los.
Celebravam-se no mez de fevereiro as festas chamadas
Terminais e em quanto elas duravam (Terminália) os marcos
das estradas, das ruas e dos campos estavam ornados de gri-
127
naldas de fíôres, regavam-nos com leite e tingiam-nos com o
sangue dos cordeiros imolados em honra do deus Termo. Es-
tas festas celebravam-se no último dia do mês de Fevereiro e
terminavam assim o ano.
Antes de Numa PompUio, os romanos adoravam Júpiter
sob o nome de Júpiter Terminalis, e os gregos honraram o
deus protector dos limites com o nome áo. Júpiter Horiíis.
Silvano, divindade campestre, era o protector das florestas
e dos bosques, passava por ser filho de Fauno, com o qual
se confundia muitas vezes.
Era venerado em toda a Itália e em Roma tinha dois tem-
plos, um sobre o monte Viminal, outro à beira-mar; os seus
sacerdotes, que formavam um dos principais colégios de Roma,
ornavam os seus altares com ramos de pinheiros e de cipres-
tes. Silvano era o inimigo dos rapazes, por causa sem dúvida
da inclinação, que quási todos os rapazes têm para quebrar os
ramos das árvores.
Sátiros eram deuses campestres, habitantes dos bosques
sombrios, eram de uma pavorosa fealdade, peludos, chavelhos
na cabeça e pés de bode; como eles assustavam e punham
em debandada os rebanhos, os pastores, para os tornarem pro-
pícios, ofereciam-lhes os primeiros frutos e os filhos recem-
nascidos das suas ovelhas.
Faunos, divindades campestres da mesma forma e da
mesma natureza dos sátiros, tinham também as mesmas atri-
buições, mas eram menos peludos, com chavelhos mais pe-
quenos e menos selvagens. Na ordem hierárquica, tinham umacerta superioridade sobre os seus irmãos de origem.
Descendiam de Fauno, terceiro rei de Itália, que foi o pri-
meiro que ensinou os trabalhos da agricultura aos habitantes
da região ; consagravam-lhes o pinheiro e a oliveira.
Ninfas, primitivamente eram as almas dos mortos, que os
poetas faziam voltar do Tártaro e andar vagueando em volta
dos túmulos e das habitações que tinham deixado sobre a
128
terra ; viam-nas r.os vales, à beira dos rios e das fontes, à en-
trada das grutas, sob formas ligeiras, aérias, vaporosas, envol-
vidas em nuvens e nevoeiros. Mais tarde deram o nome de
Ninfas às donzelas saídas do sangue dos deuses e dos
homens, eram sempre novas, não eram imortais, mas podiam
morrer depois de uma revolução indeterminada de séculos : ouniverso estava cheio destas graciosas divindades ; as que
redemoinhavam nas esferas do céu chamavam-se Urânias, as
que habitavam grutas de cristal no fundo das aguas cliama-
vam-se Oceânidas, Oceânitidas e Naíades ; as Oreadas po-
voavam as montanhas e as Napeias percorriam os bosques
e os prados ; as ninfas das florestas eram as Hamadriades,
as ninfas das árvores as Dríades e estas nasciam e morriam
com a árvore que protegiam; as Nereides comandavam sobre
o mar e destas a mais ilustre chamava-se Tetis, que inspirou
amor a Júpiter, mas este a deu por esposa a Peleu, pai de Aquiles.
As ninfas tinham em Roma um templo célebre que foi in-
cendiado por Clódio pelos fins da república. Ofereciam-Ihes
leite, mel, bolos e mais tarde sacrificavam-lhes cabras e cor-
deiros. Representavam-nas sob a forma de donzelas, sempre
jovens, trazendo açafates ou urnas, os cabelos anelados e flu-
tuantes sobre os hombros.
O nome Ninfa significa uma moça desposada de pouco
tempo, uma noiva; depois foi dado a deusas que se repre-
sentavam sob a figura de donzelas. Os poetas entendiam que
todo o universo estava cheio de ninfas e por isso davam este
nome não só a damas ilustres, mas também a simples pastoras
e a todas as donzelas célebres pela sua gentileza e dignas de
figurarem nos seus poemas.
Numa Ponipíiio, para persuadir o povo romano, de que o
culto religioso, que ententou estabelecer, era divino, dizia-se
inspirado pela ninfa Egéria.
Também se julga que a palavra ninfa vem de linfa, água
ou da palavra fenícia nefas, alma.
CAPÍTULO XVI
Divindades do mar
Oceano — Tetis " alguns rios deuses e as Oceânitides ou Oceânides
—
Neptuno e Anfitrile.
O mar com as suas águas incorruptíveis, as suas marés, a
sua imensidade, o seu poder e as suas tempestades excitou
vivamente a imaginação dos homens. Da mesma maneira que
fizeram do céu e da terra divindades isoladas, personificaram
a água e fizeram dela um ser encarregado de governar tudo o
que dependia do seu vasto império. A fonte murmiiradora,
o rio majestoso, o lago imóvel, a corrente impetuosa, torna-
ram-se os tributários desse deus poderoso, chamado Oceano,
filho de Cceliis e de Telas ; habitava no fundo dos mares numpalácio de coral e de pérolas, tendo por scetro um tridente e
por trono uma concha incrustada de pedraria. Representa-
vam-no deitado sobre as ondas, por cima da fronte duas
tenazes de caranguejo e aos pés um monstro marinho, comuma urna imensa, inexgotável, de onde saem em cachão grandes
jactos d'água. Oceano desposou Tétis e desta união nasceram
rios e um grande número de Oceânitides ou Oceânides.
Todos estes filhos herdaram de seu pai uma porção da
divindade e gozavam de quási todas as prerrogativas do velho
Oceano na esfera da acção que lhes era reservada.
Os rios mais célebres e que eram considerados como
deuses nas narrações mitológicas eram o Aguelôo, o Eurotas,
o Pactolo e o Tíbre.
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Aqiielôo tem a sua origem nas montanhas do Pindo e vai
lançar-se no mar Jónico.
Um dia que Hércules perseguia Dejanira, noiva deste rio,
deus, Aqiielôo enfurecido subitamente à vista do seu rival pre-
cipitou-se fora das suas margens e inundou com as suas
águas os campos marginais. Hércules conseguiu domá-lo e
atravessou-o a nado; então Aquelôo tomou a forma de umtouro, mas não foi mais feliz, porque na luta perdeu um dos
chavelhos e envergonhado da sua derrota foi esconder-se no
fundo da sua nascente.
Eurotas, rio da Lacónia, regava a cidade de Sparta; os es-
partanos adoravam-no como um deus e davam-lhe o nomeRio-reí, nome que ainda conserva. As margens desta rio eram
orladas de murta, de loureiros e de oliveiras; Diana a caça-
dora gostava à tarde de se banhar nas suas frescas e límpidas
águas; foi também nas suas margens que Dafne foi transfor-
mada em loureiro e que Castor e Polux, filhos áo. Júpiter, se
entregavam aos seus exercícios gimnásticos
Pactoio, rio da Frigia, recebeu de Midas o maravilhoso
dom de levar nas suas águas pequenas lâminas de ouro; dizia-
-se também que as pedras das suas margens, uma vez coloca-
das junto de um tesouro, davam sons tão estranhos e tão mis-
teriosos que os ladrões fugiam cheios de medo.
Tibre, rio de Itália, atravessa a cidade de Roma, é personi-
ficado pelos pintores e pelos poetas sob a figura de um velho,
com os cabelos coroados de flores e de frutos, símbolo da
fertilidade das suas margens. A seus pés está deitada umaloba amamentando Rómulo e Remo.
Entre outros, eram também deuses, os rios Alfeo na Pe-
loponeso, o Cefiso na Ática, o Scamandro e o Simois emTróia.
Todos estes deuses rios eram representados sob a forma
humana com uma barba de limos, a cabeça coroada de juncos
e sobraçando uma urna de onde saem as ondas; quando as
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suas águas eram navegáveis tinham mais uma âncora, um leme
ou um remo.
As Oceânítides eram representadas por meninas de olhos
azuis, cabelos molhados e da côr das ondas; eram as padroei-
ras dos navegantes cujas barcas elas conduziam através da
imensa extensão dos mares, protegendo-os contra os recifes e
contra as tempestades, por isso, no momento dedes fraldarem
as velas, todos os marinheiros lhes dirigiam súplicas; se du-
rante a travesssia uma tempestade se levantava, sacrificavam-
-Ihes um touro preto, e o sangue da vítima, recolhido numaurna, era deitado gota a gota no mar para lhe apaziguar o furor.
O velho Oceano, assustado com a multiplicidade dos seus
filhos, recuou perante a dificuldade de divididir o seu império
em parte iguais ao número dos pretendentes, e, de acordo comsua esposa Tetis, resolveu desembaraçar-se de um tão pesado
fardo para a sua idade e cedeu o império dos mares a seu
sobrinho Neptuno, contudo, reservou para si o direito de so-
berania os seus Estados e conservaram o seu nome.
Neptuno(deus dos mares)
Nascimento, festas, viagens, culto e atributos de Neptuno.
Neptuno deus dos mares, era filho de Cibele e de Saturno;
como seus irmãos e irmãs escapou à voracidade do pai, gra-
ças a sua mãe, que fez engulir a Saturno um potro envolvido
em cueiros ; Cibele fez descer o menino, com todas as precau-
ções do Olimpo e escondeu-o num curral da Arcádia con-
fiando-© aos cuidados de um pastor chamado Arno. Depois de
crescido, ajudou seu irmão Júpiter na luta contra os Titães
que êle encarcerou no Tártaro depois de os prender comgrossas cadeias.
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Na guerra dos Gigantes, não mostrou a mesma coragem,
foi visto como um dos primeiros a fugir do Olimpo sob a
forma de um cavalo; mais tarde conspirando com os outros
imortais contra o soberano dos deuses, foi expulso do céu e
NEPTUNO
condenado a passar um ano sobre a terra. Um dia, quandocom Apolo, seu companheiro do exílio, passeava à borda domar, encontrou Laomedotite, o Troiano, ocupado a levantar as
muralfias da cidade de Tróia. Este príncipe pediu aos dois
proscritos que o ajudassem no seu trabalho ; Neptuno cortava
as pedras, colocava-as umas sobre as outras cimentada combarro; Apolo animava os trabalhadoros e operários com os
acordes da sua lira harmoniosa; acabada a obra, Laomedonte
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recusou-lhes o salário estipulado e para se subtrair ao paga-
mento mandou-os sair dos seus estados.
Apolo e Neptuno não fizeram esperar muito tempo a sua
vingança; o deus do sol fez cair sobre a região um calor
abrasador, infectou o ar com axalações pestíferas e os troia-
nos morreram em grande número. Neptuno, por sua vez,
inundou os campos de Tróia e fez nascer um monstro mari-
nho que devorava todos aqueles que a peste ou a inundação
poupava.
Os troianos foram consultar o oráculo, que lhes respondeu
que para apaziguar a cólera dos deuses era necessário ex-
por uma donzela a ser devorada pelo monstro ; deitaram-se
sortes e duma urna devia sair o nome da vítima; o grão sacer-
dote então, no meio da silenciosa consternação dos assistentes
chamou por tiesione, filha única de Laotnedonte; a infeliz arran-
cada dos braços de seu pai, foi conduzida ao lugar do suplí-
cio, mas Hércules libertou-a, matando o monstro.
Entre Neptuno e Minerva travou-se também renhida luta
porque ambos aspiravam à honra de dar o seu nome à nova
cidade que Cecrops acabava de fundar na Ática; como já vimos,
Minerva, produzindo uma oliveira carregada de frutos, venceu
Neptuno que tinha feito sair da terra um soberbo cavalo.
Semelhante luta se travou ainda entre estas duas divinda-
des acerca da cidade de Teágenes, mas desta vez, levada a
questão perante Júpiter, este resolveu conciliar as duas ambi-
ções dando o título de rei a Neptuno e o de protectora a
Minerva: por alusão a esta contenda os habitantes de Teáge-
nes nas suas moedas tinham gravado num lado o tridente de
Neptuno no outro a efígie de Minerva.
A história fabulosa de Neptuno encerra, como a dos outros
deuses, sob o véu da alegoria, alguma verdade moral ou a
descoberta de uma nova arte; a origem do cimento data da
construção das muralhas de Tróia, que Neptuno tornou indes-
trutível ; os primeiros arquitectos contentavam-se em assentar
134
as pedras umas em cima das outras sem as unir, mais tarde
consolidaram nas revestindo-as duma camada de areia molhada
que o sol endurecia : esta dupla acção da água e do sol foi
personificada sob os nomes das duas divindades que presi-
diam a estes dois princípios,
Neptuno, com a sua côr morena, os olhos esverdeados, a
barba cheia de limos, com a sua coroa de juncos marinhos e
de tridente na mão, não podia encontrar mulher alguma que
quizesse desposá-lo; aborrecido de viver só no fundo das águas,
resolveu recorrer à astúcia para conseguir o que ambicionava.
Mandou, como embaixador, um delfim, a uma das filhas do
Oceano, chamada Anfitrite; o eloquente mensageiro, chegado
junto da Oceânitide, deu conta da sua missão, falou-lhe da
beleza e do poder do deus e do imenso império que lhe era
destinado, se ela acolhesse de bom grado a proposta que lhe
era feita ; Anfitrite cedeu ; foi marcado o dia das núpcias e
todos os habitantes do elemento líquido foram convidados a
vir honrar o cortejo do seu jovem soberano; então viu-se de
todas as partes chegarem as aves aquáticas, os peixes, os
enormes cetáceos, os rios, as Oceânitídes e uma multidão
inumerável de Nereidas.
À frente do cortejo avançavam os Tritões, de cabeleira
verde e molhada, tirando dos seus búzios sons retumbantes;
em seguida vinham quatro corcéis marinhos, de ventas fume-
gantes, crinas eriçadas, que puchavam sobre rodas de ouro a
concha real de Neptuno, o poderoso deus dos mares, com a
fronte cingida de um magnífico diadema, tendo numa das
mãos o seu temível tridente e com a outra acariciando as on-
das; à sua direita marchava a real esposa rodeada das suas
irmãs e de jovens ninfas ; todo o resto da população das
águas exultava de alegria em torno das duas augustas di-
vindades ; o cortejo dirigiu-se para a ilha de Citera, onde se
deviam celebrar os esponsais.
Neptuno, rei dos mares, aluindo as montanhas e as flores-
135
tas, transpondo o horizonte em três passadas, movimentando
à sua vontade os ventos e as tempestades, era uma divindade
poderosa, temida como tal e universalmente adorada.
Atenas, que pelo seu comércio marítimo atingiu um tão
alto grau de poder e de prosperidade, não se mostrou ingrata
para com o seu deus tutelar; consagrou-lhe especialmente o
mês de dezembro ; durante este mês tão fecundo em tempes-
tades, ornavam o templo deste deus com extraordinária ma-
gnificência e dirigiam-lhe preces públicas. Entre os gregos
Neptuno era também chamado Poseidon que significa quebra-
-navios, e Hípios que quer dizer cavaleiro porque houve umNeptuno que ensinou o seu povo a governar os cavalos.
Os jogos em honra de Neptuno celebravam-se no istmo
de Corinto e chamavam-se ./í7o-í7s ístmicos; ali concorria quási
toda a Grécia, havia prémios para os vencedores e coroas de
pinheiro; constavam de corridas, jogo do dardo, do disco,
poesias e música; quando, a Grécia passou ao domínio roma-
no introduziram nestes jogos combates de animais; atribui-se
a instituição destes jogos a Teseo, que se dizia filho de Ne-
ptuno:
Em Roma, Neptuno, como deus dos mares, tinha festas
que se celebravam no mês de fevereiro; este mês era-lhe espe-
cialmente consagrado, porque era, antes da chegada da prima-
vera, que os navios partiam; então faziam-se libações comágua do mar, do rio ou da fonte, depois o sacerdote imo-
lava sobre os altares um touro branco ou um cavalo, os arús-
pices examinavam as entranhas das vítimas para conhecer o
futuro.
Como domador de cavalos, Neptuno, tinha na mesma ci-
dade festas chamadas Consuais, instituídas por Rómulo ; du-
rante estas festas numerosas cavalgadas percorriam os diver-
sos bairros de Roma e, em cada paragem, imolavam-lhe umcarneiro ou um touro.
Representavam Neptuno sempre armado do seu tridente,
136
ora de pé sobre as ondas, ora sobre um carro ou sobre urna
concha puchada por quatro cavalos ou quatro delfins, as rodas
douradas deslizam pela superfície das águas e em volta sal-
tam-lhe os Tritões ou as Oceânitides.
Anfitrite, esposa de Neptuno, também tinha o seu carro,
que era sempre acompanhado pelas Delfins, cujas escamas se
assemelhavam a escudetes azuis e de ouro, e que brincando
aos tombos pelas ondas as faziam rebentar em branca es-
puma; após vinham os Tritões tocando nos seus búsios. Ocarro de Anfitrite era tirado por cavalos tão cândidos, que
escureciam a neve e rasgando o mar salgado, deixavam na
sua esteira muito ao longe um vasto sulco. O carro da deusa
era de uma só concha de pasmoso feitio, mais alva que o
marfim, as rodas eram de fino ouro. Um tropel de Ninfas
com capelas de flores, vinham em cardume nadando em se-
guimento do carro e os seus belos cabelos ondeavam ao sa-
bor dos ventos ; os Tritões conduziam os cavalos e pegavam-
-Ihes nas douradas rédeas. A deusa tendo na mão um scetro
de ouro, de semblante sereno e afável magestade, parece afu-
gentar os ventos e as negras borrascas.
CAPITULO XVII
Divindades secundárias e subalternas
do império das águas
Nereo — Proteo — Aristeo — Tritão — Glauco — Melicerta, ou Palemon —Fôreis — Sereias e Arpias — Eólo — Zéfiro — Aurora — Alciones.
A imensa extensão das águas em breve se encontrou po-
voada duma multidão de seres de formas estranhas, criadas ao
capricho dos poetas, que deles fizeram divindades secun-
darias.
Nereo, filho do Oceano e de Tétis, desposou Doris, sua
irmã; desta união nasceram as Nereidas, ninfas do mar, espe-
cialmente honradas pelos marinheiros, porque elas tinham o
poder de aplacar as tempestades. Pelas costas do mar Egeo
«stavam espalhadas pequenas capelas levantadas em honra
das Nereidas e ornadas de conchas e de ramos verdes. Sacri-
ficavam-lhes algumas vezes cabras brancas e ofereciam-lhes
também leite, mel e azeite; representavam-nas sob a forma de
graciosas donzelas, com os compridos cabelos esmaltados
de pérolas.
Nereo recebera dos deuses o dom de profecia e o poder
de se transformar à sua vontade para escapar aos importunos
que vinham consultá-lo sobre o futuro.
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Predisse ao troiano Paris os males que o rapto de Elena
devia trazer sobre a cidade de Tróia; foi ainda êle que fez
conhecer a Hércules os meios de se apoderar dos pomos de
ouro do jardim das Espérides. Representavam Nereo sob a
figura de um velho de longa barba azulada e rodeado das
suas filhas, dançando em coro.
As suas filhas, notáveis pela graça dos seus movimentos
e beleza das suas feições, constituíam o ornamento do cortejo
de Neptuno. Os heróis desejavam a aliança destas graciosas
divindades, personificação das vagas e das ondas e que pela
graça dos seus movimentos e brilho variado das suas cores
feriram a imaginação dos povos visinhos do mar.
Proteo era filho do Oceano e de Tétis ; Neptuno confiou-
-Ihe a guarda dos seus rebanhos compostos de focas, e tanta
aptidão e zelo empregou no desempenho desta função que
foi dignamente recompensado dando-lhe o deus do mar, o
dom da sciência do passado, do presente, do futuro e o dotou
ao mesmo tempo da faculdade de tomar todas as formas para
escapar às obessões dos importunos visitantes; apesar disso,
duas vezes se deixou surpreender: Menelau, rei de Sparta,
desejava saber em que lugar Paris tinha ocultado Elena, que
êle tinha raptado; soube do oráculo que só Proteo lhe podia
descobrir esse retiro, mas que, para abordar o divino profeta,
seria preciso surpreendê-lo durante o sono e prendê-lo comgrossas cordas.
Menelau seguiu estas instruções e acompanhado de três
campanheiros de armas, entrou ao nascer do dia na gruta
onde Proteo dormia no meio do seu rebanho;para melhor o
surpreender, envolveram-se em peles de focas; em silêncio
aproximam-se de Proteo, caem sobre êle e prendem-no forte-
mente. O deus apanhado de improviso, transforma-se subita-
mente ora em leão, serpente e pantera, ora em fogo devorador
e torrente rápida ; exgota todos os recursos, mas a cada nova
transformação, prendem-no mais fortemente e por fim vencido,
139
exgotado pela fadiga, decide-se a falar e disse a Menelan o
que êle desejava saber.
Aristeo era filho de Apolo e de Cirene, a sua educação foi
confiada às ninfas da Tessália que lhe ensinaram a arte de
construir colmeias. Um dia que êle perseguia Euridice, esposa
.de Orfeo, uma serpente escondida na erva mordeu-o no cal-
canhar e pruduziu-lhe uma ferida mortal; as ninfas, irritadas
pela perda da sua companheira, destruíram as colmeias e as
abelhas de Aristeo; este, cheio de desgosto e de dôr, dirige-
-se para a gruta que sua mãe habitava, e todo lacrimoso, conta-
-Ihe as suas desgraças. Cirene consola-o e dá-lhe o conse-
lho de ir consultar Proteo, mas ao mesmo tempo dà-lhe tam-
bém instruções do que era preciso para assegurar o bom su-
cesso da sua empresa. Aristeo surpreende o deus adormecido
à borda do mar e prende-o com boas cadeias; o deus, para
lhe escapar, experimenta as mais estranhas transformações,
mas Aristeo persegue-o sem descanso e consegue que êle re-
tome a sua verdadeira figura; então Proteo explica-lhe a causa
dos seus infortúnios e manda-lhe sacrificar à sombra lacri-
mosa de Euridice quatro touros de um ano e outras tantas be-
zerras brancas; acabado o sacrifício, Aristeo viu sair das en-
tranhas das vítimas um enxame de abelhas que foi meter-se
nas colmeias colocadas em volta da sua cabana.
Tritão, filho de Neptuno e de Anfitrite, meio homem,meio peixe, era o mensageiro e o arauto de Neptuno, cujo
carro êle precedia, fazendo sair do fundo das águas toda a
população marinha, ao ruído terrível do seu búzio. A fim de
cumprir com mais rapidez as mensagens do seu soberano,
deram-lhe uma legião de tritões inferiores, encarregados de
levarem as ordens do deus dos mares a todas as potências
deste vasto império. Eram representados com uma longa ca-
beleira azulada, orelhas grandes, olhos azuis, mãos com garras,
braços em forma de barbatanas e o peito coberto de ervas
marinhas, o resto do corpo terminava em forma de peixe.
140
Glauco, antes de fazer parte das divindades do mar, era
um jovem pescador da Beócia. Um dia reparando que os pei-
xes, que punha na praia, recobravam força tocando em certas
ervas, e se tornavam a lançar à água, imaginou que essas er-
vas continham propriedades estranhas e misteriosas e teve o
desejo de comer das mesmas ervas; fazendo-o, sentiu-se
atacado da mesma vertigem e precipitou-se logo para o mar.
Oceano e Tetis, recolhendo-o nas suas grutas, lhe tiraram
a natureza mortal e depois de o purificar na água de cem rios,
comunicaram-lhe o dom da imortalidade. Os Beócios sabedo-
res desta apoteose, levantaram ao novo deus marinho um tem-
plo onde os pescadores concorriam em grande número para o
tornar propício por meio de sacrifícios e de súplicas.
Melicerta era filho de Atamante, rei de Tebas, e de Ino,
sua segunda mulher. Atamante tendo abandonado Nefele, sua
primeira mulher, Frixo e Hele, filhos desta, temendo o furor
da madrasta, apoderaram-se de um carneiro, cuja lã era da côr
do ouro e que era o tesouro da casa e montados sobre êle
fugiram ; Hele, atravessando o mar, caiu na água e deu o seu
nome ao Helesponto. Frixo porém chegou à Colchida, onde
sacrificou a Júpiter o carneiro; foi este depois colocado no
Zodíaco, ficando Ftos rei da região com a sua pele, que man-
dou guardar num templo consagrado ao deus Marte. A deusa
hino para castigar Ino perturbou o espírito de Atamante até ao
ponto de a querer matar e aos filhos.
Ino fugiu com Melicerta, seu filho, e precipitou-se no mar
;
Neptuno teve piedade dela e admitiu-os no número das divin-
dades marinhas, Ino com o nome de Leucotoe e Melicerta como nome de Polemon. Os romanos adoravam Ino sob o nomede Matuta e Polemon sob o de, Portuno, este deus protegia a
entrada dos navios nos portos.
Fôreis, outro deus marinho de segunda ordem, era filho de
Neptuno. Expulso por Atlas do país da Córsega e da Sarde-
nha, foi ter com o pai, que lhe deu a imortalidade; os mari-
141
nheiros invocavam-no durante as tempestades; teve uma fillia^
a ninfa Scila; esta, vítima do ciúme de Circe, famosa mágica,
hanhou-se, sem o saber, numa fonte envenenada e viu-se logo
transformada num monstro iiorroroso armado de doze garras,
seis cabeças e seis gargantas que ladravam constantemente
para assustar os marinheiros; foi tal o horror que de si pró-
pria concebeu, que se precipitou em um golfo do mar da Si-
cília. O barulho das ondas, que neste lugar se vão quebrar nos
rochedos, deu ocasião aos poetas de fingirem que eram os la-
tidos do dito monstro; a passagem, entre este golfo e outro
de nome Caríbdes, é assas perigosa para os navios e por isso,
quando se quer escapar de Scila corre-se o risco de cair emCaribdes, ou vice-versa. Dizem que Cãribdes era uma mulher
cruel que assaltava os passageiros para roubá-los ; furtou al-
guns bois a Hércules pelo que foi transformada em um mons-
tro marinho ou em um pego fronteiro ao de Scila. Caríbdes
hoje chama-se Galofaro e Scila, Scilo ; são dois perigosos ca-
chopos. Fôreis era também pai das Forcides e das G jrgones e
gerou a serpente que guardava os pomos de ouro das Es-
peu des.
Sereias eram ninfas célebres pela melodia encantadora das
suas vozes, eram filhas do rio Acheloo e de Caliope ; primiti-
vamente eram em número de três e habitavam a Sicília, terra
amada e muito querida de Apolo. Companheiras de Prosér-
pina, inconsoláveis pelo rapto da sua jovem amiga, pediram
aos deuses que lhes concedessem azas para voar em persegui-
ção do raptor; não tendo podido encontrá-lo, vieram refugiar-
-se nas costas do mar, entre a ilha de Capréa e a Itália; umoráculo predissera-lhes que elas viveriam sempre se pudessem
deter os viajantes que navegavam perto das costas, mas mor-
reriam logo que deixassem passar um mortal sem o seduzir
pelas suas vozes maviosíssimas, por isso, logo que no hori-
zonte despontava uma vela, uma arrebatadora harmonia se fa-
zia ouvir no meio do murmúrio das ondas; os marinheiros
142
atraídos por estes cantos melodiosos, paravam como que en-
cantados, esquecendo a pátria, o fim da viagem, a comida e a
bebida e morriam à fome. Apesar de tudo, quando os Argc-
nautas passaram junto da ilha que elas habitavam, fizeram
todos os esforços para os atraírem; Orfeu tomou a sua lira e
encantou-as de tal modo que se tornaram mudas e deitaram
os seus instrumentos ao mar.
Ulisses, rei de Itaca, no regresso da guerra de Tróia, tam-
bém soube escapar às suas seduções, atando-se ao mastro do
seu navio e tapando os ouvidos dos companheiros com cera.
Então as Sereias precipitaram-se nas ondas e os deuses me-
íamorfosearam-nas em rochedos.
Representavam-nas sob a forma de mulheres formosas d:i
parte superior do corpo até à cintura e o resto em forma de
pássaros com penas ou de cauda de peixe. As principais Se-
reias foram Lancosia, Lisia e Partenope que deu o nome a Ná-
poles onde morreu. Esta cidade foi reedificada por Falaris que
lhe deu o nome de Neapolis, que significa cidade nova.
As Arpias eram três irmãs, filhas de Neptuno e da Terra,
a mais célebre chamava-se Cleno : eram divindades malfei-
toras, desencadeavam os ventos e as tempestades lançando
a peste e a fome por toda a parte, viviam geralmente na Trácia
e nas ilhas do mar Jónico. Eram monstros com o rosto de
mulher, o corpo de abutre, com azas, garras nos pés e nas mãos
e orelhas de urso, infectavam tudo com as suas imundícies; cons-
tantemente expulsas voltavam logo ao mesmo lugar. Estas
arpias, dizem, que eram bandos de corsários que pilhavam os
mares e infestavam as costas do mar.
Eolo era o poderoso rei dos ventos e filho de Júpiter, ha-
bitava as sete ilhas Vulcânicas, chamadas Eólias, em volta das
quais murmuravam sons harmoniosos, que eram o ruído dos
ventos que tinha encerrado nas profundas cavernas debaixo
do seu palácio e que armado do seu tridente fazia sair ou en-
trar à sua vontade. Ulisses tendo abordado aos seus estados
143
foi por ele presenteado com muitos odres dentro dos quais
estavam recolhidos os ventos; os companheiros de Ulisses não
podendo refrear a sua curiosidade, abriram os odres, donde,
saindo os ventos, fizeram uma horrível desordem e suscitaram
uma tão furiosa tormenta, que Ulisses perdeu todas as suas
naus e salvou só a sua pessoa sobre uma táboa.
Os ventos submetidos às ordens de Eolo dividiam-se emduas famílias: uns, saídos dos gigantes, os mais temíveis, tur-
vavam o ar e originavam as tempestades; outros, filhos dos
deuses, eram favoráveis, aos mortais. Os quatro ventos princi-
pais eram: Boreas, vento do norte; Aiistro, vento do sul; Euro,
vento do oriente; Zéfiro, vento do ocidente, este é o mais
agradável e o mais próprio para a fecundidade da terra.
O mais impetuoso era o Bóreas,. que habitava a Trácia, a
mais setentrional das regiões então conhecidas; as suas azas
estavam carregadas de furacões, a barba e os cabelos envol-
vidos de nevoeiros, de nuvens e de chuva e dos seus pés le-
vantavam-se espessos turbilhões de poeira, os seus olhos dei-
tavam raios e relâmpagos e a terra e os mares tremiam quando
êle soprava.
Zéfiro era o vento tutelar dos marinheiros, a sua brisa era
branda e tépida; quando se fazia sentir, os navios saiam da
Itália e dirigiam-se para as ilhas; Zéfiro desposara Flora, a
deusa das flores.
Representavam-no como um mancebo belo e louro, de as-
pecto agradável, coroado de grinaldas, com azas de borboleta,
deslizando levemente através dos ares e semeando flores pelo
caminho.
Elo era um príncipe conhecido pelo nome de Hipotas ou
Hipotes que reinava perto da Cecília; tinha um grande conhe-
cimento da navegação e prognosticava os ventos muitas ve-
zes o que foi bastante para lhe darem o governo dêles.
Aiirjra, filha do Sol, presidia ao nascimento do dia, era
uma donzela deslumbrante, com os dedos rozados, com um
144
vestido côr de açafrão, envolvidas em nuvens diáfanas, saindo
todas as manhãs de um palácio brilhante como o ouro numcarro côr de fogo puchado por quatro cavalos brancos.
Em volta da roda desse carro, dando-se as mãos, estão as
Horas. Amou ternissimamente Titon, príncipe e mancebo cé-
lebre pela sua formosura, de quem teve um filho, a que cha-
mou Memnort. A paixão para com aquele príncipe foi tão
grande, que havendo-Ihe proposto lhe pedisse à vontade qual-
quer cousa em penhor da sua afeição, conseguiu uma prolon-
gada vida até que chegou a uma extrema velhice em que foi
convertido em cigarra por Júpiter que lhe deu a imortalidade.
A Aurora abre as portas do céu e anuncia todas as ma-
drugadas a vinda de seu pai. Meninon, filho da Aurora e de
Titon, socorreu Priamo na guerra de Tróia, aí foi morto por
Aquiles e dele descendem as aves chamadas Memnonides. Osegípcios levantaram uma estátua em honra de Meninon. Al-
ciones, eram aves marinhas que tinham a propriedade de fazer
ninho sobre as ondas do mar, ainda mesmo no maior rigor do
inverno.
Os filhos são respeitados pelo mar e pela tempestade, a
sua criação limita-se a 14 dias, que os marinheiros, chamamdies Alcionei, sete antes de 20 de Dezembro e sete depois,
Explica-se esta metamorfose do seguinte modo:Alcione, esposa de Ceix, rei de Traquínia tendo visto em
sonhos o naufrágio do navio em que seu marido tinha par-
tido para Delfos, ao nascer a Aurora, correu à praia viu umcadáver flutuando, que reconheceu ser do seu marido, quis lan-
çar-se às ondas para o abraçar, mas os deuses movidos de
compaixão a transformaram bem como o marido em Alciones.
CAPÍTULO XVIII
Divindades dos Infernos
PLUTÃO (deus dos infernos)
Império, culto, atributos, imagens e ministros de Plutão — Os juízes — As
Parcas — As Fúrias — Caronte — Nemesis — Manes.
Estudando as crenças religiosas dos diversos povos da
terra, encontramos sempre a idea duma eterna providência que
se apodera da alma, quando sai do corpo, para a colocar nas
regiões que ela merece habitar; regiões sombrias e terríveis
para aqueles que levaram a vida a cometer crimes ; regiões pa-
cíficas e felizes para os que não foram manchados pelo vício,
o mundo pagão, que apenas conhecia o nosso hemisfério e
que punha os limites da terra nos rochedos do Atlas e nas
planices da Espanha, imaginava para além desses limites umespaço vasío, infinito e tenebroso que levava ao império dos
mortos ; era o Erebo, onde habitava a Noite, sempre envol-
vida em nuvens ; esta sombria deusa ora viaja no espaço so-
bre um carro de ébano puchado por dois cavalos pretos, ora
percorre o seu império com um vôo rápido e silencioso,
ocultando nas dobras do seu manto um enxame de fantasmas
e de sonhos, pairando aos lados o Sono e a Morte. No Erebo,
as almas privadas de sepultura, erravam cem anos, antes de
10
14Ó
irem ocupar as habitações que lhes eram destinadas; de lá umcaminho tenebroso conduzia ao Aqueronte, rio terrível em
cujas margens se acumulavam as almas dos mortos esperando
que o barqueiro dos infernos, o velho Caronte, as recebesse
na sua barca ; quatro outros rios atravessavam ainda esta
sombria região, o Stix, ou rio do ódio, cujas águas acres e
mordentes roiam os mais duros metais; o Cocito, o rio dos
gemidos e das angústias, alimentado com as lágrimas dos
malvados; o Flegeton, onde corriam torrentes de chamas, e fi-
nalmente o Letes, rio do esquecimento, cujas águas as sombras
dos mortos eram obrigadas a beber para esquecer o passado
e os males que tinham sofrido na terra.
Além do Aqueronte havia uma muralha de bronze e à
porta da entrada vigiava um enorme cão, chamado Cerbero,
com três cabeças e três gargantas, o qual deixava livremente en-
trar as almas que desciam aos infernos, mas devorava sem dó
nem piedade as que pretendiam dali sair.
Entrava-se então no Tártaro, prisão formidável, para onde
iam as pessoas de má vida, ser atormentadas com todo o gé-
nero de horrores e de suplícios. Segundo Esiodo, o mais céle-
bre escritor da teogonia antiga, o Tártaro estava tão afastado
da terra como do céu, lá estavam encerrados os gigantes, os
Ciclopes ; para guardar estas divindades, Plutão fixara ali a
sede do seu governo. Assentado sobre um trono de bronze,
armado de uma comprida forquilha, em cima de um carro de
ouro ou de bronze puxado por quatro cavalos pretos, Plutão
presidia assim ao seu vasto e sombrio império.
Filho terceiro de Saturno e de Ops, Plutão, também cha-
mado Dis, Orgus, Febrmis e pelos gregos Ades; foi subtraído
à voracidade de seu pai por um estratagema da mãe, que, como auxílio de uma bebida fez com que o marido vomitasse o
jovem Plutão, que êle tinha devorado logo à nascença. Con-
tribuiu poderosamente para vitória de Júpiter sobre os Tltães,
armado como estava de um capacete que o tornava invisível;
147
em recompensa deste grande serviço, seu irmão deu-lhe o go-
verno do Tártaro.
Plutão permaneceu por muito tempo só no seu triste reino,
nenhuma deusa consentia em unir-se-Ihe pelo matrimónio, por
isso um dia raptou Prosérpina, filha de Júpiter e de Ceres,
PLUTÃO, AS PARCAS E AS FÚRIAS
quando ela andava colhendo flores na Cicília, no vale de Etna;
Prosérpina passou então a viver junto de Plutão sempre triste
e melancólica, mas resignada, tendo por companheiras a
Morte, o Ódio, a Ipocrisia, a Traição, a Vingança, a Guerra
e a Discórdia.
Plutão, divindade odiada, temida e inexorável, não teve na
Grécia nem altares nem templos; o seu culto celebrava-se no
interior das florestas. Em Roma levantaram-lhe um templo que
só estava aberto durante o mês de Fevereiro, mês que lhe era
consagrado; os sacrifícios eram ali celebradas durante a noute
148
à pálida luz das lâmpadas, sobre altares adornados com ramos
de ciprestes; imolavam-lhe ordinariamente uma junta de touros
pretos, sacrificavam-nos aos pares porque este número funesto
era agradável ao deus dos infernos, ao passo que o número
ímpar agradava às divindades do céu. O sumo.sacerdorte apo-
derava-se da vítima, queimava incenso, depois de presa e atada
abria-lhe o ventre com uma faca com cabo de ébano no mo-
mento em que ela olhava para a terra, em seguida era lançada
na fogueira afim de ser inteiramente consumida, as cinzas eram
em seguida recolhidas numa urna e levadas processionalmente
dando três voltas ao templo. O cipreste e o narciso eram-lhe
consagrados.
Representam ordinariamente Plutão sobre um trono de
ébano, rodeado das Fúrias e das Parcas, na mão direita
um scetro e na cabeça um capacete ou uma coroa ; outras
vezes além do scetro tem também umas chaves ; está sobre umtrono ou num carro conduzido por cavalos negros. O capa-
cete é o emblema das nuvens e dos nevoeiros que envolvem
os infernos, as chaves significam que as portas da vida estão
fechadas para aqueles que descem aos infernos.
Não longe do palácio de Plutão, estava o tribunal onde as
almas dos mortos eram julgadas segundo as suas acções
neste mundo, este tribunal era formado por três juízes Mi/ws,
Eaco e Raciamanto. Para evitar a confusão que poderia produ-
zir a inumerável multidão de mortos que todos os dias se
apresentava perante este tribunal, estabeleceram-se duas portas,
uma para as almas vindas da Europa, outra para as vindas da
Ásia; as primeiras estavam sob a jurisdição de Eaco e as se-
gundas sob a de Radamanto ; Minos presidia ao conselho e
decidia soberanamente da sorte de umas e outras.
Estes juízes tinham sido reis na terra, afamados pela sua
sabedoria e justiça. Minos era filho de Júpiter e da Europa;
rei da ilha de Creta, civilizou o seu reino, deu leis sábias e jus-
tas ao seu povo e tornou-o feliz pela doçura do seu governo.
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Eaco era filho áeJúpiter e de Egina ; reinou na ilha de Enó-
pia a que chamou Egina em honra da sua mãe; no seu reinado,
uma horrível fome seguida de uma peste mais horrível ainda
despovoou os seus Q.?,\2iáo?,\ Júpiter deu-lhe o poder de trans-
formar as formigas em homens, donde lhes vem o nome de
MirmidÕes.
Este príncipe, o mais justo dos reis do seu tempo, gover-
nou os seus súbditos com tanta justiça, que mereceu depois
da sua morte um lugar de destaque entre os juízes dos infer-
mos. Radamanto era filho também de Júpiter e da Europa e
portanto irmão de Minos; forçado a abandonar a itha de Creta
depois de um homicídio involuntário, retirou para a Lícia, onde
fundou uma colónia que governou com admirável imparciali-
dade; os povos formavam um ião elevado conceito acerca da
sua rectidão, que quando queriam faiar de um julgamento justo,
ainda que severo, diziam : E um julgamento de Radamanto.
Júpiter, para o recompensar, nomeou-o também juiz nos
infermos. Destes três juízes representados como velhos auste-
ros, Minos era o mais considerado e por esse motivo o pre-
sidente do tribuna!;possuía o scetro, emblema da sua sobe-
rania, e a urna fatal onde estavam encerrados os destinos da
humanidade.
Um pouco mais longe viase um antro imenso, alumiado
pela sombria luz dos archotes resinosos, onde viviam três ve-
lhas, coxas, macilentas, coroadas de flocos de !ã branca comflores de narciso, as Parcas, três filhas de Ereho e da Noute,
ou segundo alguns poetas, de Júpiter e de Temis. A mais
nova de entre elas, chamada Cloto, tinha uma roca, cuja base
tocava no Tártaro e o cimo no céu, estava cheia de lã branca
ou preta misturada com um pouco de ouro e de seda; ao
lado estava Laquesis outra irmã, que fazia girar o fuso com a
mão esquerda, e com a direita, o fio, que corria entre os dedos.
Atropos, a terceira irmã, era a Parca inflexível, inexorável ; ar-
mada de uma tesoura, ia e vinha de um para o outro lado da
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caverna e cortava o fio logo que a voz do Destino designava
uma vítima.
Alguns poetas davam às Parcas, outra origem, outros
exercícios e outros nomes, tais como, Vénus, Minerva, Aíarte
ou Martia, Nona, Décima e Marta, etc.
Estas misteriosas divindades são só alegorias escondidas
sob diversos atributos. Velhas e encarquilhadas, representavam
a eternidade dos decretos divinos ; o antro sombrio, que ha-
bitavam, era o símbolo, da obscuridade que envolve os desti-
nos dos mortais. Coxas, designavam a desigualdade dos aci-
dentes da vida humana.
A roca de Cloto representava os acontecimentos passados
agrupados em volta da vida ; o fuso de Laqiiesis era a imagem
do presente; a tesoura de Atropos, a imagem do futuro. A lã
branca, misturada de ouro e de seda, designava uma vida longa
e feliz; a lã preta, uma vida curta e infeliz. Senhoras da sorte
da humanidade inteira, distribuindo a felicidade e a infeli-
cidade, estas divindades tiveram templos em todos os paí-
ses ; sacerdotes, coroados de flores, sacrificavam-lhes ovelhas
pretas.
As Fúrias eram também divindades infernais, filhas doAqneronte e da Noute ; eram três, Alecto, Megera e 77-
sífone.
Ministras das vinganças dos deuses e particularmente de
Plutão, eram encarregadas de castigar os que tinham mal vi-
vido, os grandes criminosos, introduzindo nas suas almas o
terror, atormentando-os com toda a espécie de visões as mais
horrorosas, executando assim as sentenças de Minos.
Eram a imagem dos remorsos que despedaçam incessante-
mente a alma dos perversos.
As Fúrias tinham templos e altares nas florestas da Grécia
e da Itália. Era com um verdadeiro pavor que se aproximavam
destes recintos sagrados: o ímpio era imediatamente atacado de
qualquer flagelo, mas o homem injustamente perseguido ali
151
encontrava um asilo inviolável. Os gregos, com o fim de apla-
car a cólera destas divindades, davam-ihes o nome de Eumé-
nides ou deusas bondosas ; também as chamavam Erinies, o
que significa perturbações de espirito. Representavam-nas comum aspecto severo e ameaçador, tendo numa das mãos achas
acesas e na outra serpentes.
Caronte, cujo nome adquiriu uma grande celebridade, era
outra divindade infernal, filho de Erebo e da Noute.
Era um velho robusto, triste, de rosto enrugado, barba com-
prida e olhos negros ; era encarregado de transportar para além
do Aqueronte, mediante um óbulo, as almas dos que ali eram
conduzidos por Mercúrio.
Antes de receber um passageiro na sua barca, o inflexível
barqueiro dos infernos exigia sempre o pagamento da tra-
vessia; por este motivo, os antigos tinham o cuidado de meter
na boca dos mortos uma moeda, a que chamavam o dinheiro de
Caronte ; o velho barqueiro repelia sem piedade as almas que
não pagavam o preço da sua passagem, as quais eram conde-
nadas a andar vagabundas cem anos pelas margens do rio
com as almas daqueles cujos corpos não tinham tido sepul-
tura,
Neniesis era uma das mais terríveis divindades pagãs. Filha
de Júpiter e da Necessidade, ou de Erebo e da Noute, vigiava
os crimes dos homens ou as suas boas acções, castigando o
vício e recompensando a virtude; perseguia os culpados ine-
xoravelmente e ninguém escapava à sua vingança. O seu culto
era universalmente espalhado. Quinze capelas tinham sido
edificadas em sua honra em volta do lago Moeris, lago ondeos egípcios colocavam a última habitação dos bons e dos
maus. Em Roma chamavam-na Neniesis a Santa, julgando
torná-la favorável com este nome hsongeiro. No Capitólio, Ne-
niesis tinha um altar onde os soldados iam depositar as suas
ofertas antes de irem para a guerra. Representavam-na coberta
por um véu, para indicar que a vingança divina é impenetrá-
152
vel, encostada a um leme, símbolo da sua acção incessante
sobre todo o universo.
Numa das mãos segurava um arciíote com que alumiava
as consciências e descobria os segredos da alma, na outra
um chicote de serpentes com que castigava os maus.
Os antigos pela palavra Manes entendiam ora os deuses
infernais, ora as sombras dos mortos. Estes deuses infernais
chamavam-se Larvce ou Lemiires.
Os poetas distinguiam quatro cousas no homem: o corpo,
que por sua dissolução, era reduzido a terra, ou a pó; a alma,
que passava ao Tártaro ou aos Campos Elísios, segundo os
seus méritos, ou ao céu, tratando-se dos heróis; a sombra,
que andava errante à roda da sepultura; finalmente o simulacro
ou fantasma, que habitava no vestíbulo dos infernos.
A palavra Manes significava também os suplícios; mas
propriamente as deuses Manes eram os génios dos mortos;
deuses estabelecidos para cuidarem das sepulturas e das som-
bras; julgava-se que erravam, à roda dos túmulos.
O temor e o respeito faziam ter a estes deuses uma extrema
veneração, recomendavam-se-lhes sempre as almas dos mor-
tos, por isso era costume escrever sobre os túmulos a fórmula
D. M. (Dlís manibus).
CAPITULO XIX
Descrição do Tártaro — Suplícios cios grandes culpados nos infernos —Sisifo — Salmoneu — Fiegias — Ixion — Tântalo — As Danaidas — OsTitães Ticio — Campos Elísios.
No Tártaro havia uma prisão eterna, cercada por uma trí-
plice fila de muralhas, pelas águas de três grandes rios, coberta
de lagos infectos, atravessada por torrentes de fogo, cheia de
fornalhas ardentes, povoada de monstros e de fúrias que
pousavam, como aves de rapina, sobre as almas dos mauspara as despedaçar sem dó nem piedade.
Nesta prisão repercutiam de dia e de noute gritos de dor e
de desespero dados pelos ingratos, pelos traidores, pelos
amigos infiéis, pelos hipócritas, pelos assassinos, pelos per-
juros e pelos ímpios. Ali estavam Tântalo ,Ixion, Sisifo e
outros grandes culpados que tinham apavorado a terra comos seus crimes.
Sisifo, filho de Eolo, passava por ser o fundador da ci-
dade de Corinto, que enriqueceu e tornou poderosa à custa
das regiões visinhas, onde exercia horrorosas piratarias.
Todos os estrangeiros, que vinham aos seus estados, ma-
tava-os sem piedade mandando-os esmagar debaixo de enor-
mes pedregulhos; Teseii, rei de Atenas, livrou a Ática deste
salteador. Mortalmente ferido, quando exalava o último sus-
piro, chamou os seus fiéis servidores e querendo pôr à prova
a sua dedicação e afeição, recomendou-lhes que deixassem o
seu corpo sem sepultura.
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As ordens de Sisifo foram executadas como êle determi-
nara, porém, irritado por se ver tão bem obedecido, e desejando
vingar-se, pediu a Plutão licença para voltar alguns dias à
terra; apenas saiu do Tártaro, esqueceu o compromisso que
tomara para lá voltar, e retomou o seu género de vida habi-
tual, vida de astúcias, de perfídias e de crueldades.
Os deuses viram-se obrigados a mandar em sua persegui-
ção Mercúrio, que se apoderou de Sisifo e o fez voltar para
os infernos. Para o castigar da sua desobediência e dos cri-
mes, com que maculara a sua vida, condenaram-no a fazer ro-
dar continuamente uma grande pedra roliça da raiz de ummonte ao alto dele, donde para logo tornava a cair impelida
por uma força desconhecida ; imagem sensível das misérias
inevitáveis da vida humana.
Muito perto de Sisifo via-se Salmoneu, seu irmão, rei da
Elida no Peloponeso. Entre outras loucuras, este príncipe or-
gulhoso e cruel, teve a de se fazer deus em vida. Por sua or-
dem as estátuas dos deuses foram derrubadas e substituídas
peia sua ; o nome do poderoso Júpiter foi apagado do frontis-
pício dos templos e aí inscrito o seu;para atrair as homena-
gens da multidão, imaginou construir uma ponte de bronze
que atravessava uma parte da cidade e sobre ela, durante a
noute, mandava rodar um carro cujas rodas rápidas e retum-
bantes imitavam o ribombar do trovão; então ali, imitando Jú-
piter tonante, atirava archotes acesos sobre uma multidão de
infelizes que os seus satélites matavam sem serem vistos. Em-quanto Salmoneu se divertia a fulminar os seus súbditos, Jú-
piter fulminou-o também e precipitou-o no fundo do Tár-
taro.
Flegias, filho de Marte, era rei dos Lapitas, povo da Tes-
sália. Tinha uma filha chamada Coronis, que foi roubada por
Apolo. O infeliz pai, desvairado pela dor, correu ao templo de
Delfos e incendiou-o ; Apolo, irritado, matou-o e precipitou-o
nos infermos, onde foi condenado a ficar eternamente esten-
155
dido por baixo de uma rocha, cuja queda sempre iminente ame-
açava esmagá-lo.
Ixion, filho de FLegias, sucedera a seu pai como rei dos
Lapitas. Desposando a filha de um príncipe vizinho, chamado
Dioneu, não somente recusou pagar ao sogro o que lhe pro-
metera, mas chamou-o a sua casa em Larissa, sob pretexto de
uma reconciliação e matou-o, precipitando-o num fosso cheio
de brasas ardentes. Executado este crime, as Fúrias compare-
ceram logo com os archotes ardentes, lançando o terror na
alma do assassino e entregando-o a todos horrores do mais
profundo desespero; incessantemente assaltado pelas mais
horrorosas visões, maldito pelos homens, repelido de todos,
implorou o perdão de Júpiter, que, comovido pelas suas lá-
grimas e pelo seu arrependimento lho concedeu e o admitiu
mesmo à mesa dos deuses. Ixion pagou esta nobre hospitali-
dade com a mais negra ingratidão: ousou insultar ////zí?, au-
gusta esposa do senhor dos deuses. Júpiter, desta vez, mos-
trou-se inflexível e inexorável, precipitou o culpado no Tártaro
e mandou-o atar a uma roda rodeada de serpentes que ro-
dando sem interrupção devia eternizar o seu suplício.
Tântalo, filho át Júpiter, era um poderoso rei da Frigia;
a sua vida foi uma série contínua de fraudes e de crimes. Umdia recebeu os deuses à sua mesa e querendo provar a sciência
dos seus divinos hóspedes, mandou-lhes servir os membrosdo seu filho Pélops. Os deuses não tocaram neste horrível
manjar, somente Ceres, deixando-se enganar devorou umhombrdo a pobre criança, que Júpiter ressuscitou e a quem deu
um hombro de marfim para subtituir o que lhe faltava. Então
todos os deuses pediram z. Júpiter que desse a este homemsacrílego um castigo que igualasse a grandeza do seu crime.
Tântalo foi precipitado no Tártaro. Encontra-se ali mergulhado
até à cintura no meio de um lago cujas águas são de umaadmirável limpidez e cujas margens estão cobertas de árvores
carregadas de frutos. Devorado pela sede, atormentado pela
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fome, quere beber, mas apenas abaixa a cabeça, as águas fogem
rapidamente; quere comer, experimenta colher um fruto, mas o
ramo retira-se no momento em que julga agarrá-lo ; este tor-
mento renova-se todos os dias, a cada momento, e dura eter-
namente.
Os poetas fizeram deste suplício o emblema do avarento
que não ousa tocar no tesouro que amontoa e no meio do
qual vive constantemente atormentado.
Entre os grandes criminosos castigados nos infernos encon-
travam-se ainda as Danaides, filhas de Dariao, rei de Argos,
Eram em número de cinquenta e casadas com cinquenta filhos
de Egipto, rei do Egipto ; foi contra sua vontade que Danaoconsentira nesta aliança, porque o Oráculo predissera que êle
morreria às mãos dos genros; para prevenir o perigo que o
ameaçava, reuniu as suas filhas e íez-lhes jurar que elas degola-
riam os maridos na própria noute das núpcias, todas pro-
meteram obedecer e mantiveram a sua palavra ; uma só, cha-
mada Hipermnestra, movida de compaixão, salvou o esposo
Lincéii, preferindo expor-se à cólera do pai do que manchar-se
com um assassino abominável : as irmãs não tardaram a receber
o castigo de tão nefando crime e foram expiá-lo nos infernos
condenadas a deitar eternamente água num tonel sem fundo,
água que iam buscar a uma fonte inexgotável.
Percorrendo a sombria habitaçãp dos infernos, lá se encon-
travam nas prisões do Tártaro, os Titães, esses filhos orgu-
lhosos do Céu e da Terra, cuja história já é conhecida. Entre
estes estavam Gias. Coto e Briaren, que tinham cinquenta
cabeças e cem braços inofensivos : não muito afastado encon-
trava-se também um enorme gigante cujo corpo cobria nove
geiras de terras, era Tiào, que tendo desacatado Latona foi
morto por Apolo e Diana e precipitado no Tártaro, onde uminsaciável abutre lhe devora o fígado e as entranhas que, para
seu suplício crescem constantemente.
157
Saiamos agora destes lugares de trevas, de dôr e de lamen-
tos e entremos nos Campos ELísios, habitação das almas vir-
tuosas. Lá se encontram os filhos bons e piedosos que hon-
raram e cuidaram da velhice dos seus pais, os reis que se
dedicaram à felicidade dos seus povos, os guerreiros que
CARONTE
derramaram o seu sangue pela Pátria, emfim todos os justos
que os deuses quiseram recompensar. Uma primavera eterna
reina nestes lugares felizes perfumados pelo agradável cheiro
das flores, onde o sol e os astros nunca são veiados pelas
nuvens, e onde a terra sempre fecunda, renova os seus produ-
tos três vezes por ano e apresenta alternativamente flores
158
OU frutos. Era ali que corria com um suave murmúrio o rio
Letes, as suas águas tinham o condão de, logo que fossem
bebidas pelas almas, lhes fazer esquecer todos os males da
vida : por esta forma as lembranças da terra não alteravam a
felicidade dos homens justos, que não tinham dores, nem so-
frimento algum, nem mesmo a velhice.
Ali as almas bemaventuradas tinham ainda todos os pra-
zeres que durante a vida tinham gozado de preferência : assim
Aquiles perseguia nos bosques os animais ferozes; Nestor
contava as suas façanhas; os robustos atletas exercitavam-se
na luta e entregavam-se a combates, onde já não corria o san-
gue ; os sábios velhos falavam dos mistérios do céu, cantando
louvores aos deuses e indo sentar-se nos banquetes onde só
reinava uma encantadora alegria.
Lá se encontravam Cécrops, egípcio, fundador de Atenas
e que ensinara aos gregos a cultura da terra; Eriqiieton, o pri-
meiro que inventou o uso da moeda, para facilitar o comércio,
entre os povos da Grécia; Triptolemo, a quem Ceres ensinou
a servir-se da charrua; Codro, antigo rei de Atenas, que dis-
farçado em simples soldado, se entregou a uma morte certa
para que se cumprisse o oráculo, que prometera a vitória à
nação, cujo rei morresse no combate contra os inimigos; umoutro príncipe que se sacrificara pelos seus súbditos; final-
mente todos os que tinham sido bons e virtuosos em vida, não
havendo distinção entre os mortais, quei fossem escravos, quer
senhores, pois ao passo que muitas vezes os senhores perver-
sos e orgulhosos eram precipitados no Tártaro, os escravos^
que durante a vida foram bons e humildes, eram conduzidos
aos Campos Filísios para ali gozarem e esquecerem a vida tor-
mentosa que tiveram na terra; reinava ali a mais perfeita igual-
dade.
Os Campos Elísios representavam para os antigos uma ha-
bitação tão deliciosa e tão encantadora, que os colocavam ora
nas ilhas Afortunadas (as Canárias), ora, segundo melhor opi-
159
nião, além das colunas de Hércules, nos belos campos da
Bética (Andaluzia na Espanha).
Fenelon, no Telémaco, descreve os Campos Elísios comoum verdadeiro paraízo christão; seja como fôr, é muito pro-
vável que a antiga tradição do Paraízo terrestre, servisse aos
antigos para idealizar os seus Campos Elísios.
CAPÍTULO XX
Divindades alegóricas
A Guerra ou Belona — A Discórdia ; as núpcias de Peleu e de Tétis —A Fama — A Vitória — A Fortuna — A Necessidade — A Ocasião -
O Silêncio— O Sono -Os Sonhos ; Morfeu — A Verdade — O Pudor —A Justiça. Outras divindades. — Deuses Penates — Os Génios.
Seriam precisas inúmeras páginas para descrever todas as
divindades alegóricas inventadas pelos antigos;personificaram
e divinizaram todas as paixões, todos os sentimentos da alma,
todas as virtudes como todos os vícios, todos os bens comotodos os males. Limitar-nos-emos pois a descrever só as prin-
cipais para não nos tornarmos supérfluos e fastidiosos,
A Guerra era personificada sob a figura de uma mulher,
Belona, chamada pelos gregos Enyo, cuja significação è ma-
tar, diziam-na filha de Fôreis e de Ceto ; era encarregada de
preparar o carro e os cavalos de seu irmão Marte, quando
êle ia para a guerra; umas vezes acompanhava este deus ca-
minhando à frente do carro agitando com grande ruído umchicote ensanguentado, outras sentadas no próprio carro, exci-
tando os dois fogosos corséis, Pavor e Formido (o medo e o
terror) quer com o chicote ensanguentado, quer com a ponta
de uma lança. Belona possuía em Roma um templo célebre
junto da porta Carniental, mandado construir no ano 46Q (ou
161
285 antes de Cristo) por Apio Cláudio afim de cumprir umvoto feito por êle durante a guerra dos Samnitas. Ali se reii-
nia o senado sempre que tratava de discutir e aprovar as hon-
ras do triunfo a prestar a qualquer general romano vencedor ou
quando recebia em audiência os embaixadores estrangeiros. Dois
outros templos, não menos famosos, eram consagrados ao culto
de Belona nas duas cidades com o mesmo nome de Cotnana
uma na Capadócia, outra no Ponto. Uma corporação pode-
rosa de sacerdotes, Belonários, exercia uma autoridade sem
limites e o chefe dessa corporação, o sumo sacerdote era quasi
igual ao rei ; em Coinãna, na Capadócia o número dos sacer-
dotes, elevava-se, dizem, a mais de seis mil; celebravam as
festas de Belona com danças extravagantes, saltos frenéticos,
gestos convulsivos; faziam incisões no corpo com as espadas
e ofereciam à deusa o sangue que escorria dessas feridas. Ospoetas representam Belona com os cabelos espalhados ao
vento, nos olhos o fogo, numa das mãos um archote e na ou-
tra o chicote ensanguentado.
A Discórdia, divindade, maléfica, era chamada Eris ou Atea
entre os gregos; companheira fiel de Belona é ela a causa de
todos os assassínios, das guerras e das questões que dividem
os povos e as famílias. Consideram-na filha da Noite, irmã de
Nemesis e das Parcas e mãe do Trabalho, da Fome, da Peste,
da Tristeza, das Perfídias, da Injustiça e do próprio Juramento
que é bem funesto aos mortais quando são perjuros. Os pin-
tores e os escultores representam a Discórdia tendo na cabeça
serpentes em vez de cabelos, numa das mãos um archote ar-
dente, na outra uma cobra ou um punhal, a boca espumosa,
as mãos ensanguentadas e os fatos em desordem ou esfar-
rapados. Esta divindade foi expulsa do céu por causa das
perturbações que constantemente produzia no Olimpo, reali-
zando-se pouco depois as núpcias de Tetis e de-Peleu.
Tetis, a mais bela das Oceânidas, foi requestada a prin-
cípio por Apolo, por Neptuno, e pelo próprio Júpiter, o se-
11
162
nhor dos deuses. Um oráculo havia predito que o filho de
Tetis seria maior que o seu próprio pai, por este motivo os
deuses assustados retiraram os seus pedidos de casamento
com Tetis; então foi obrigada a receber em casamento umsimples mortal; desposou Peleu, e as suas núpcias foram ce-
lebradas com grande magnificência no monte Pelion assistindo
todos os deuses e deusas. Só a Discórdia não fora convi-
dada; para se vingar, apareceu inesperadamente no festim e
atirou para cima da mesa aquela celebre maçã de ouro emque estavam escritas estas palavras : à mais bela das mortais
;
essa maçã fatal deu ocasião ao julgamento de Paris, ao prin-
cípio da guerra de Tróia e foi origem de outras desgraças.
Os antigos supunham que Júpiter caminhava sempre acom-
panhado de um numeroso cortejo em que se notava principal-
mente a Fama, filha de Titan e da Terra e encarregada de
publicar os crimes dos deuses que haviam exterminado os
gigantes, seus filhos. Representavam-na como um monstro
tendo tantos olhos, tantas orelhas, bocas e linguas, como plu-
mas, fazendo-se acompanhar sempre duma trombeta, emblema ^da sua poderosa voz. Virgílio^ o príncipe dos poetas latinos,
fez a seguinte descrição da Fama: De todos os flagelos, a
Fama é o mais rápido, da sua mobilidade provém todas as
suas forças e é correndo que ela as aumenta.
Pouco temível a princípio, em breve se eleva aos ares, e
com os pés assentes no chão esconde a cabeça nas nuvens
;
se as suas azas são rápidas, os pés não são menos ligeiros
;
monstro horrível, imenso, de noute vôa entre o céu e a terra
e nunca dorme, de dia está sempre de atalaia ou no cimo dos
palácios ou no alto das torres, daí amedronta as grandes ci-
dades, e não é menos obstinaz em semear a mentira do que a
verdade.
A Fama «publica os crimes e as façanhas dos homens.
Mensageira indiferente da verdade e da mentira, vai semeando
uma e outra através do mundo.
163
Entre as divindades, que formavam o séquito de Júpiter
notava-se também a Vitória, irmã da Força e do Valor; os
gregos chamavam-na Niké. Os romanos representavam-na com
azas, mas os gregos figuravam-na sem elas, julgando assim
obrigá-la a permanecer entre eles. Tinha muitos templos emRoma, em toda a Itália e na Grécia. Sila, victorioso de todos
os seus inimigos, estabeleceu jogos públicos em honra desta
164
divindade. A sua estátua em Roma foi um dia atingida por umraio que lhe levou as azas, Pompeu, tomando este sucesso por
bom agouro, compôs uns versos em que dizia que a Vitória já
não tendo azas, nunca mais podia abandonar Roma. No Capi-
tólio, em Roma, havia na sala do senado uma estátua da Vi-
tória que foi a última estátua pagã que o Cristianismo fez
desaparecer dos monumentos públicos. As medalhas onde a
Vitória se achava representada sobre uma proa de um na-
vio, indicavam uma vitória naval. Os antigos puseram numadas mãos da Vitória uma palma e na outra uma coroa e colo-
cavam-na sobre um globo.
A Fortuna, também tinha o seu lugar no Olimpo pagão.
Esta divindade alegórica, filha do Oceano segundo uns, de
Júpiter e de Nemesis segundo outros, concedia as riquezas e
a pobreza, os prazeres e os trabalhos. O primeiro poeta que
falou da Fortuna foi Homero, e segundo êle, é considerada
como a divindade mais soberana, e diz-nos ainda que ela era
uma das ninfas que colhia flores com Prosérpina, quando
esta foi raptada.
A mais antiga de todas as imagens da Fortuna via-se emSmirma; era obra de Bupalo, famoso escultor que a represen-
tou tendo o céu sobre a cabeça e numa das mãos a cornu-
cópia de Amaltea.
Arquíloco^ pinta-a sob a forma de uma velha, com fogo
na mão direita e água na esquerda, para mostrar que ela repar-
tia os bens e males a seu capricho. Cada poeta dava-lhe, a seu
belo prazer, novos atributos: Uns, pintam-na cega, sempre em pé,
com azas nos pés, e um destes sobre uma bola que se revolve
e o outro no ar; outros, a representam andando sem cessar
sobre uma roda ou sobre um carro tirado por cavalos cegos;
outros ainda, a fizeram calva, tendo um topete de cabelos,
sobre a testa.
A Fortuna era adorada em muitas cidades da Grécia. EmRoma também lhe prestavam culto particular no Panteon. Foi
165
O rei Túlio Hostilio o primeiro que lhe dedicou um templo;
Sérvio Túlio imitou-o, chegando a haver em Roma dez tem-
plos dedicados à Fortuna: outros havia noutras regiões, rnas
o mais célebre era o de Ancio onde lhe faziam contínuas
ofertas.
A Necessidade, filha, segundo uns, e mãe, segundo outros, da
Fortuna, acompanhava-a sempre. Esta divindade alegórica era
adorada em toda a terra e o seu poder era tal que o próprio
Júpiter lhe obedecia. Tinha em Corinto um templo onde só
os sacerdotes tinham o direito de entrar. Representavam-na comas mãos de bronze com longos e compridos cravos ou picos,
símbolo da sua inflexibilidade.
A Ocasião, na Grécia era um deus, em Roma uma deusa.
Esta divindade alegórica presidia ao momento mais favorável
de conseguir uma empresa. Pintam-na quási como a Fortuna,
daqui o terem-na confundido com esta divindade.
O Silêncio era venerado pelos antigos como um deus sob
os nomes de Sisalion e de Harpocrates e representado comum dedo sobre os lábios ; era filho de Osíris e de /s/5. Colo-
cavam a sua estátua a maior parte das vezes às portas dos
templos para indicarem que um religioso recolhimento era
muito agradável aos deuses; a simples imagem deste deus
recordava aos homens que eles deviam respeitar o segredo
das cartas cujo carimbo trazia essa imagem sendo a violação
deste segredo considerado como um sacrilégio. Ovidio en-
sina-nos que os antigos honravam também o Silêncio debaixo
da figura de uma deusa que se chamava Tacita ou Muta.
O Sono, outra divindade alegórica, filho de Erebo e da
Noite, irmão da Morte e da Esperança, habitava, segundo os
poetas, os monte Cimcrios perto do Bósforo. O seu palácio
era um antro profundo, habitação tranquila e inacessível aos
raios do sol, precedido de uma avenida semeada de papoulas.
Os poetas representavam-no estendido a dormir sobre umleito de folhas, os Sonhos rodeavam-no e Morfeu, seu princi-
166
pai ministro, mantinha um silêncio eterno nesta sombria ha-
bitação.
O poeta Ovídio faz a seguinte descrição do palácio do
Sono: «Havia no país dos Cimérios uma caverna profunda
escavada nos flancos de uma montanha, era a habitação igno-
rada do Sono ; nunca o sol ali penetrou. A terra em volta pro-
duz sombrios nevoeiros e estes lugares são apenas alumiados
pela luz duvidosa de um eterno crepúsculo. Ali, nem o canto
da ave vigilante, nem a voz do fiel cão, nem os balidos dos
rebanhos, nem o ciciar das folhas agitadas pelo vento, nem os
gritos do homem se fazem jamais ouvir, é o império do mudorepouso. À entrada da caverna cresce uma seara de papoulas
e de ervas soporíferas. Ali, não há porta que ranja sobre os
gonzos, nem guarda que vigie a porta. Ao meio encontra-se
um leito de ébano, cheio de uma expessa penugem e coberto
dum tecido negro onde o deus descança os seus lânguidos
membros. Em volta estão aqui e ali os Sonhos sob formas
ilusórias, tão numerosos como as espigas dos campos, as fo-
lhas das florestas ou as areias das praias».
Não se deve confundir o Sono com Morfeu, seu filho»
deus do sono e o primeiro dos Sonhos.
Os Sonhos são os filhos do Sono. -Os três Sonhos princi-
pais só habitam os palácios, são eles Morfeu, Fobétor e Fan-
taso. Morfeu só tomava a aparência dos homens, davam-lhe azas
de borboleta e com uma papoula tocava naqueles que queria
adormecer. Fobétor, cujo nome exprime terror ou medo, tomava
a forma dum tigre, dum leão, duma serpente, emfim de todos
os monstros selvagens que inspiram maior terror aos homens.
Fantaso tem um emprego diferente dos outros dois, trans-
formasse em terra, em rio, em planta, em rochedo, imita todos
os seres inanimados. Os outros Sonhts frequentam só as ha-
bitações do povo, sob formas ora agradáveis ora assustado-
ras ; uns são falsos, outros verdadeiros, os primeiros saem dos
infernos por uma porta de marfim, os segundos por uma porta
167
de chavelho ; estes anunciam bens ou males reais, aqueles
são apenas puras ilusões e vãos fantasmas da imaginação.
A Verdade é filha do Tempo e mãe da Virtude. Repre-
A JUSTIÇA
sentam-na sob a forma de uma virgem nua, tendo na mãoum espelho.
O Pudor tinha templos em Roma e em Athenas. Repre-
sentam-na ora sob a forma de uma mulher velada, ora sob a
forma de uma virgem apontando com o dedo para o rosto,
para mostrar que é principalmente no rosto e nos olhos que
o pudor deve aparecer.
168
Alcona e Adonéa presidiam às viagens.
Testónia, deusa dos viajantes fatigados.
Ate, deusa maléfica, tinha prazer em conduzir os homensàs calamidades, perturbando-lhes o espírito.
Baptes, deusa da impudicícia.
Como, presidia aos festins e aos enfeites.
Fídio, deus das alianças.
Laverna, ou Fuzina, deusa protectora dos ladrões.
Libitina tinha a intendência dos funerais.
Liberdade, honrada pelos romanos com muitos templos e
estátuas.
Averriinci, eram deuses que só tinham uma virtude mal-
feitora, eram invocados para apartar os males; o principal den-
tre eles era Avernincus e no número destes deuses estavam o
Medo, a Palidez, a Febre, as Tempestades, a Calúnia, a Po-
breza, a Inveja, etc.
Anactes, deuses só conhecidos dos gregos, eram todos os
que se tornavam célebres pelas suas acções.
Pataicus, eram deuses fenícios, cujas estátuas eram coloca-
das na popa dos navios como seus protectores, deram origem
aos deuses Penates dos gregos e dos romanos.
Palices eram dois irmãos sicilianos que foram deificados,
davam oráculos sobre os negócios duvidosos fazendo conhe-
cer os verdadeiros.
Quási todos os rios se consideravam como deuses e re-
presentavam-se geralmente em figuras com chavelhos de touro,
porque o murmúrio das águas se parece com o mugido destes
animais.
Terminaremos a enumeração das principais divindades ale-
góricas pela Justiça, filha de Júpiter e de Temis. Representam-
-na como uma mulher tendo numa das mãos uma balança e
na outra uma espada. Supõem-na também assentada numa
pedra, pronta a prescrever os castigos para o vício e as re-
compensas para a virtude.
Deuses Penates
Os deuses Penates ou Lares eram os protectores dos im-
périos, das cidades, dos caminhos, das casas particulares, da-
qui vem chamarem-nos os Lares públicos, Publici ; aos do
mar, Permarinl ; aos dos caminhos, Viales ; aos dos campos,
Riirales; aos dos inimigos, Hostiles; aos das casas particulares,
Familiares; davam-lhes também o nome de Prcestites, o que
quere dizer, dar auxílio. O povo escolhia estes deuses se-
gundo a sua devoção e colocava-os na ordem e categoria que
queria. Também eram deuses Penates, as almas dos que ti-
nham bem servido o estado, rasão porque em algumas me-
dalhas se lia Laribas Augiisti.
O culto prestado a estes deuses, consistia em ter a sua
estátua ou imagem no lugar mais escondido da casa, a que
chamavam Larariíim.
Alumiavam-nos com lâmpadas, símbolos da vigilância e
imolavam-lhes cães, animais domésticos e fiéis ; era uso, quando
as crianças deixavam um certo ornato, chamado bulia, que
traziam ao pescoço, depô-lo aos pés dos deuses domésticos
;
além destes cultos particulares também lhes prestavam culto
público nos campos e os dias de festa eram chamados Coni-
pitalitii; era também uma das ceremónias, suspender nas ruas
pequenas figuras de homens feitos de cera e de lã e pedir a
estes deuses que desviassem a sua cólera encaminhando-a
para estes simulacros.
170
Os romanos faziam os Penates filhos de Júpiter e de La-
riinda, mas parece que este culto veio dos Frígios, pois se-
gundo Virgílio, Eneas teve cuidado de levar consigo os seus
deuses Penates, ordem que recebera dos deuses pela boca de
Heitor.
Segundo a Bíblia já o sogro de Labão tinha em casa deu-
ses Penates, idolos que Jacob de lá tirou e que a Bíblia cha-
mou Terofini.
Os Génios
Cada homem tinha dois génios, um feliz, outro infeliz, que
presidiam ao seu nascimento e velavam especialmente sobre
êle, de modo que a sorte de cada homem dependia de umdos génios ser ou não superior ao outro ; cada terra tinha
também o seu génio e esta idea provinha provavelmente da
opinião, de que o ar e o mundo estavam cheios de espíritos
que regulavam os seus movimentos. Os génios das mulhe-
res chamavam-se Lunones. Havia Génios mais poderosos
que outros, daqui o dizerem os autores que o Génio de An-
tónio temia o de Augusto. Estas pequenas divindades eram
representadas sob a figura de um mancebo que tinha numadas mãos um vaso de beber e na outra a cornucópia da abun-
dância; veneravam-nos sobre tudo no dia do nascimento de
qualquer criança. Q Génio de qualquer terra representava-se
muitas vezes sob a forma de uma serpente.
Os pintores costumam representar uma nação sob a figura
de um Génio ou de uma mulher coin as armas dessa nação.
CAPÍTULO XXI
Heróis ou Semi-deuses
ESCULÁPIO
À frente dos semi-deuses e dos heróis bemfeitores da hu-
manidade, colocaremos Esculápio, deus da medicina.
Esculápio ou Asclêplos, era filho de Apolo e de Coroais,
Coronis fora infiel a Apolo com um mancebo chamado Ischis
ou Isis; Apolo matou este rival e das entranhas da sua damainfiel, a quem Diana dera a morte, tirou Esculápio, que foi
criado pelo Centauro Chiron. Apolo passou a sua vida nos jar-
dins, onde adquirira conhecimento das simplices (drogas de
que se compõem os remédios). Fez magníficas curas tais comoa de Hipólito filho de Teseu, chegando a dizer-se que êle o
tinha ressuscitado; adiantou tanto a medicina, que Plutão, ir-
ritado contra êle, queixou-se a Júpiter, e este o ferio com umraio; Apolo chorou muito o filho caro e Júpiter para o conso-
lar recebeu-o no céu, onde Apolo o transformou em astro cha-
mado Osieus ou Serpentário.
Esculápio foi o pai de Macaon e de Podalirio, célebres mé-
dicos que acompanharam os gregos na guerra de Tróia.
O culto de Esculápio espalhou-se por toda a Grécia e pela
Itália e em Epidauro, cidade do Peloponeso onde lhe levan-
taram um soberbo templo.
172
Representam Esculápio sob a forma de um velho de longa
barba, tendo na mão um pau a que está enroscada uma ser-
pente, ao lado tem um galo.
A serpente é o símbolo da vigilância e da prudência, vir-
tudes muito necessárias ao médico.
^
/fes
ESCULÁPIO
Hércules
Hércules — Sua infância — Suas primeiras façanhas — Escoliia de Hércules
entre a Virtude 'e a Volúpia — Os seus trabalhos — A sua morte — Asua apoteose.
Na opinião vulgar dos gregos e dos romanos, os heróis
eram homens gerados quer por um mortal e uma deusa, quer
por um deus e uma mortal. Chamavam-nos também semi-deu-
ses. Por sua morte, estes homens privilegiados voltavam para
o céu e confundiam-se com os deuses.
De todos os heróis, o mais célebre é sem contradição
Hércules.
Hércules foi filho de Júpiter e de Alcniena, filha de Elec-
trion rei de Mecenas ; foi chamado pelos gregos Heracles ou
Alcíde, deus da força. Estas palavras, significam a glória de
fano, para mostrar que as perseguições desta deusa tornam o
peregrino recomendável à posteridade. Chamava-se Alcides donome de seu avô materno Alceu, também lhe davam os gre-
gos ainda outros nomes, Tirúitio, da cidade de Tirinto, ondefoi educado ; Musagetes que quer dizer companheiro das Mu-sas ; Pânfago, por causa do seu grande apetite.
Hércules teve um rival Euristeu ; Júpiter jurara que destes
dois o que nascesse primeiro, teria todo o poder sobre o ou-
tro, isto foi o bastante para que Juno prolongasse a gravidez
174
de Alcmena e fizesse nascer primeiro Euristeu resolvendo
perseguir continuamente Hércules, expondo-o a toda a sorte
de perigos e trabalhos de que êle saía sempre vencedor; sem
esperar que Hércules crescesse, Juno quis perdê-lo desde o
N
HERCULES
berço e para este fim enviou-lhe duas horríveis serpentes, que
o pequenino despedaçou sem custo ; foi esta a sua primeira
façanha.
Desde este momento, o divino Tirésías predisse a glória
do jovem herói e anunciou que um dia êle venceria os gi-
gantes.
175
Conta-se que fiino, a pedido de Palas, abrandou o seu
ódio contra Hércules, consentindo em amamentá-lo com o seu
leite, porém Hércules mordeu-a tão fortemente que ela o repe-
liu para longe de si e algumas gotas de leite caindo na abó-
boda celeste originaram aquela parte alva do céu que se chama
via láctea; é esta uma série seguida e irregular de estrelas in-
finitas que tornam aquela parte do céu mais clara.
A educação de Hércules foi confiada aos mais hábeis mes-
tres. Autolico ensinou-lhe a guiar um carro e a lutar; Euríte,
rei da (Ecalia a disparar a seta; Eumolpe, a música; Lino, a
arte de tirar os sons da lira; Castor e Polux, os exercícios
gimnásticos; Cliiron, deu-lhe lições da sciência e da moral.
Hércules, aproveitou muito de todas as lições, somente, re-
belde à música, um dia quebrou o seu instrumento sobre a
cabeça de Lino que ficou imediatamente morto.
Hércules chegara à idade de 18 anos, idade em que os
mancebos senhores já das suas acções, mostram se seguirão o
caminho da virtude, se o do vício. Um dia, estava Hércules
sentado num lugar solitário entregue às suas reflecções, quando
viu avançar duas mulheres de uma alta estatura: uma, juntando
a nobreza à beleza, os seus únicos ornamentos eram os da
natureza ; vestia de branco, nos seus olhos reinava o pudor,
e em todo o seu porte um ar de modéstia, era a Virtude. Aoutra, era tão nutrida, que a gordura denotava bem a sua lan-
guidez, o rosto estava tão pintado que se lhe não conheciam
as cores naturais, de um olhar impudente e preparada de modoa fazer sobresair a sua beleza a fim de procurar admiradores,
era a Volúpia. Chegadas junto de Hércules, a segunda toma a
dianteira à primeira e fala-lhe deste modo:«Hércules, vejo que não sabes que caminho deves seguir;
se me quiseres acompanhar, conduzir-te-ei pelos caminhos
mais fáceis e mais risonhos, nenhum prazer te será recusado,
nenhum desgosto afligirá a tua vida; não terás que temer nema guerra nem os trabalhos, a tua única ocupação será procu-
176
rar bebidas e manjares que te deleitem e só pensarás no meio
mais curto de ser feliz; encher-te-ei de tesouros: sacrificar tudo
à felicidade, eis o privilégio daquele que me seguir». A Vir-
tude então avançou por sua vez e falou também deste modo;
«Eu também, Hércules, me apresento perante ti, não é porque
ignore de quem descendes, a tua educação revelou-me o teu
carácter. Se escolheres o meu caminho, brilharás entre os
grandes homens pelas tuas façanhas e pelas tuas virtudes; não
te iludirei prometendo-te os prazeres ; à custa do trabalho é
que os deuses dão a felicidade. Se queres que o teu corpo
se torne robusto e vigoroso, lem.bra-te que tens de o subme-
ter ao império da alma e às fadigas; dou a felicidade e a gló-
ria aos que escutam a minha voz; os jovens, tem o prazer de
ouvir os elogios dos velhos e estes gostam de recolher os
respeitos da juventude. Quando o termo fatal chegar, o esque-
cimento do túmulo não os aniquilará eternameniT a sua me-
mória sempre florescente viverá um longo futuro».
Hércules entusiasmado por estas palavras, deixa a Volúpia
e segue a Virtude. Desde este dia tomou a resolução de ex-
terminar por toda a parte os monstros que devastavam a terra,
os salteadores, os tiranos ímpios e os destruidores da huma-
nidade, de fazer caçar os flagelos que opunham obstáculos
aos progressos da civilização: foi então que começou essa
longa série de façanhas gloriosas, de que as mais célebres são
denominadas os doze trabalhos de Hércules.
Os doze trabalhos de Hércules
O primeiro dos doze trabalhos foi a luta de Hércules con-
tra um leão furioso que assolava a floresta de Nemea.
l.« Ataca o terrível animal com setas, mas vendo que as
setas deslizavam pela pele sem o ferir, apodera-se dele, aperta-o
nos seus poderosos braços e estrangula-o. Depois carre-
177
gado com esta presa monstruosa, vai a Micenas e apresentá-se
a Euristeu que recua horrorizado de medo. Desde este dia
Hércules quiz trazer sempre a pele do lião como um escudo e
como um monumento da sua victória.
2.0 — O herói foi em seguida combater a hidra de Lerna,
monstro horrível, nascido de Tifon e de Equidna que assolava
os pântanos de Lerna e toda a Argolida. Esta hidra tinha sete
cabeças e quando lhe cortavam uma, logo nascia outra mais
terrível. Hércules, notando este prodígio, ordenou a lolas, seu
sobrinho e companheiro que, logo que êie lhe cortasse umacabeça, queimasse imediatamente a ferida com um ferro embrasa
;por esta forma conseguiu vencer tão horroroso monstro.
Hercules, depois de morta a hidra molhava no sangue domonstro as setas, e este sangue venenoso tornava incuráveis
e mortais todas as feridas que elas faziam.
3.0 — Uma corça com pés de bronze e pontas de ouro habi-
tava o monte Ménado, e conseguira escapar sempre aos caça-
dores pela sua ligeireza.
Um ano inteiro a perseguiu Hércules com tanta constância,
que por fim a apanhou nas margens do rio Ladon, na Arcá-
dia, t" levou-a ao rei de Micenas, que lhe ordenara de lha
trazer viva, porque sendo ela consagrada a Diana não queria
feri-la ou matá-la.
4.0 — Egual sorte teve o javali de Erimanto.
Este animal pela vingança de Diana, destruía toda a Arcá-
dia. Hércules, após uma longa luta, apanhou o javali vivo e le-
vou-o a Euristeu rei de Micenas, que vendo-o esteve a ponto
de morrer de susto.
5.0 — Hércules foi obrigado a limpar os currais de Augias
rei da Elida; nestes currais havia três mil bois; a lama e o es-
trume enchiam os currais, por isso Hércules, para executar
este grande trabalho, mudou o curso do rio Alfeu.
Augias prometera-lhe dar como salário a décima parte da
12
178
sua manada, mas terminada a obra recusou-se a cumprir a sua
promessa, pelo que Hércules o destronou e o matou.
6/^ — Deu caça às aves do lago Stinfalo que eram em tão
grande número que escureciam o dia. Estas aves eram gigan-
tescas, alimentavam-se, como as águias, de presas vivas; ti-
nham azas, bico, cabeça e garras de ferro e as suas pernas
eram tão duras, agudas e rápidas, que saídas do corpo fun-
cionavam como setas, produzindo as mais cruéis feridas
;
Hércules exíerminou-as todas ; estas aves eram as Harpias.
7. — Agarrou um touro furioso que deitava ciiamas pelas
ventas. Êsíe touro montruoso tinha sido mandado por Ne-
ptuno para Creta, onde reinava Minos, que havia privado o
Deus de um bom touro que lhe prometera em sacrifício.
8.'3 — Puniu Busiris e Diómedes pelas suas crueldades. Oprimeiro sacrificava a Neptuno todos os estrangeiros que ti-
nham a infelicidade de entrar nos seus estados ; Hércules sa-
criíicou-lhe o filho e o sacerdote que ministrava estes abo-
mináveis sacrifícios. O segundo era rei da Trácia e filho de
Marte; tinha quatro cavalos fugosos, Podargo, Lanipon,
Xanto e Dino os quais vomitavam fogo pela boca. O tirano sus-
tentava-os com carne humana; Hércules apoderou-se dos cava-
los e entregou-lhes Diómedes, que eles devoravam num istante.
9.^ — Combateu as Amazonas, mulheres célebres pela sua
coragem e pela destreza com que disparavam os seus arcos.
Derrotou-as e aprisionou a rainha Hipólita que deu em casa-
mento a Teseu, seu amigo e companheiro nas aventuras.
lO.o — Cumpridos estes noves trabalhos, ainda restavam
três não menos difíceis. Gerião. rei de Gades na ilha de Erícia
ou Cadíx na Espanha, era um gigante famoso a quem a Fábula
dá três corpos, seis mãos, seis pés e seis azas; passava pelo
mais forte dos homens e fazia guardar os seus rebanhos por
um cão de duas cabeças; dizia-se também que sustentava os
bois com a carne dos seus súbditos. Hércules, por ordemde Euristeu combateu este feroz tirano e o seu cão, matou-
179
-OS a ambos e tirou-Ihe os rebanhos. Durante a sua per-
manência na Espanha, Hércules separou em dois o istmo
que unia a Europa à África, deu aos dois fragmentos do ro-
chedo os nomes de Calpe e de Abila e abriu uma passagem
entre o Mediterrâneo e o Oceano, o estreito de Gibraltar, tam-
bém chamado Colunas de Hércules.
11.'^ — Depois da derrota de Gerião, Hércules conduziu o
seu rebanho para as margens do Tibrè e adormeceu. Caco,
gigante monstruoso, cuja boca vomitava torrentes de chamas
e de fumo, aproveitou-se do sono de Hércules para lhe roubar
algumas bezerras, tirando-as pela cauda e recuando, as fez en-
trar na sua caverna no Monte Aventino. Ao amanhecer, quando
Hércules conduziu o seu gado para o pasto, as bezerras es-
condidas na caverna de Caco começaram a dar mugidos, o que
deii a conhecer a Hércules o roubo de que tinha sido vítima;
então correndo à caverna, retirou de lá o enorme rochedo que
lhe defendia a entrada, apodera-se de Caco dando-lhe umamorte horrorosa, punindo-o assim de todos os seus roubos,
12.0 — Euristeu, que temia que Hércules lhe tirasse o trono,
encarregou-o de árduas empresas e entre elas ordenou-lhe que
fosse colher os Pomos de ouro do jardim das Hespérides,
ninfas célebres que habitavam, segundo se conta, nas visinhan-
ças do monte Atlas, perto de Lixa cidade da Mauritânia, país
que além de ser queimado pelos ardores do sol, tinha os jar-
dins guardados por um dragão de cem cabeças; Hércules vtn-
ceu o dragão matando-o e apoderou-se dos pomos de ouro.
Os pomos de ouro eram, segundo as aparências, laranjas e ci-
dras, de que os jardins da Mauritânia Tingitana estavam cheios;
estes jardins foram chamados Hespérides pela sua situação,
pois se julgava que o sol ia esconder-se ali todas as tardes.
Finalmente Euristeu ainda lhe ordenou que descesse aos
infernos e de lá arrancasse o célebre Cérbero, cão de três ca-
beças e que guardava a entrada do palácio de Plutão para que
ninguém de lá saísse.
180
Hércules desceu ao sombrio império e, depois de ter pela
sua audácia vencido todos os obstáculos, tirou o Cérbero do
domínio de Plutão, prendeu-o e levou-o para a Tessália, onde,
no seu furor, o feroz animal espalhou espuma raivosa sobre
várias plantas que se tornaram venenos mortais.
Terminados os seus doze trabalhos, hércules, tendo posto
fim a todas as suas expedições perigosas, entendeu não dever
descançar, e continuou a percorrer a terra, tomando a defesa
dos fracos e dos oprimidos e castigando as injustiças e vio-
lências.
Seria bastante longa a narração dos altos feitos deste herói,
limitar-nos-emos a descrever somente alguns dos principais.:
Tomou parte na expedição dos Argonautas, expedição de que
adiante trataremos. Libertou Hesíone, filha de Laomedon, que
tinha sido exposta sobre um rochedo para servir de pasto a
um monstro marinho. Na Espanha matou Busiris, tirano cruel
que mandava matar todos os estrangeiros que chegavam aos
seus estados. Na Líbia combateu o gigante Anteo, filho de
Neptuno e da Terra e rei de Irasa; este gigante, a quem a Fá-
bula dá sessenta e quatro côvadas de altura, atacava todos
os que passavam pelas areias da Líbia, onde se embuscava,
ali os obrigava a lutar com êle, e vencendo-os, facilmente os
matava; tinha feito voto de edificar a Neptuno, seu pai, umtemplo com as caveiras dos homens; desafiou Hércules para
um combate, este herói lançou-o várias vezes por terra, masem vão, porque a Terra sua mãe, cada vez que êle lhe tocava,
lhe dava novas forças, até que por fim o levantou ao ar e osufocou apertando-o entre os braços.
Hércules desposou Dejanira, filho de Baco, que estava
prometida a Achelôo, rei de uma parle da Etólia; Achelôo vendoque o seu rival era mais forte, tranformou-se em serpente, emtouro e por fim em homem com cabeça de boi ; Hércules arran-
cou-lhe um dos chavelhos e depois conseguiu desposar Deja-
níra; em seguida pretendeu passar o rio Eveno com a sua nova
181
conquista; como o rio fosse muito cheio o Centauro Nesso
oíereceu-se a Hércules para lhe passar a esposa, este aceitou
o oferecimento e passou em primeiro lugar; o Centauro venáo-o
distante, quiz atentar contra a honra de Dejanira, Hércules
então despediu-lhe uma seta tinta no sangue da hidra e feriu-o
mortalmente; o Centauro porém antes de morrer exerceu
sobre Hércules uma cruel vingança; fez presente a Dejanira
do seu vestido banhado no seu sangue, pedindo-lhe que o
guardasse em sua memória e assegurou-lhe que, se o seu ma-
rido o vestisse, nunca amaria outra senão a ela, os efeitos
foram funestos: Dejanira julgando, que seu marido preferisse
Jole, filha de Eurito rei de Echalia, enviou-lhe o vestido do
Centauro quando êle ia fazer um sacrifício sobre o monte
Oeta. Logo que Hercules o vestiu, um fogo violento se apode-
rou dele e entrou num furor espantoso, mas tornando a si,
estendeu a pele do lião de Nemea sobre a pira, deitou-se emcima, meteu debaixo da cabeça a sua clava e ordenou a Filo-
ctetes que ateasse o fogo e assim se queimou. Os deuses o
imortalizaram recebendo-o no Olimpo, onde mais tarde despo-
sou Hebe, deusa da mocidade.
Chamou-se Heráclides os descendentes de Hércules, as
quais mataram Euristeu para se vingarem das perseguições
que êle fez a seu pai. Estes Heráclides entraram no Pelopo-
neso, e apossaram-se desta região, que até então tinha sido
ocupada pelos Pelópidas.
Hércules é representado sob a forma de um homem ro-
busto, com a clava na mão, nos hombros a pele do lião de
Nemea e o arco guarnecido de setas. A árvore que lhe foi
consagrada foi o álamo, porque quando este herói desceu ao
inferno, fez uma coroa das folhas desta árvore ; cada folha tem
duas cores, uma branca, que é a parte que toca na cabeça,
outra negra, a que não toca.
CAPÍTULO XXII
Perseu
Perseu — Seu nascimento — Suas proezas -- Belerofonte — Chiniera — Te-
seu — O Minotauro — História de Dédalo e de Ícaro — História de
Peritoo — Expedição dos Argonautas — Orfeu — Castor e Polux —Nestor.
Perseu, um dos maiores heróis (^) da antiguidade, nasceu
de Júpiter e de Danae em uma íôrre de bronze. Acrísio, rei
dos Argivos, tinha uma única filha chamada Danae ; tendo
sabido do oráculo que seu neto lhe roubaria a coroa e a vida,
fez encerrar a filha numa torre de bronze e repeliu todas as
propostas de casamentos que lhe eram feitas;porém Júpiter,
que tinha concebido um grande afecto a esta princesa, trans-
formou-se em chuva de ouro a fim de entrar na torre ; outra
fábula conta que Preto, irmão de Acrísio se fizera passar por
Júpiter, corrompera a fidelidade dos guardas da jovem prin-
cesa, penetrou na torre e tornara-se marido de Danae, que
deu à luz um filho chamado Perseu. Acrísio sabendo do fa-
cto, mas não acreditando que Júpiter tivesse feito a honra de
(') A palavra herói é derivada do nome de Juno, (Hera em grego) o
que fez dar a um dos seus filhos o nome de fierói\ e daqui começaram os
gregos a dá-lo aos homens grandes e célebres pelos seus feitos e pelos
grandes serviços prestados à pátria.
183
visitar sua filha, fez morrer a ama da criança, e encerrou a mãee o filho num cofre e lançou-o ao mar. O cofre foi levado
pelas ondas a uma das ilhas do arquipélago dos Ciciadas,
onde Dictis, irmão do rei Polidectes que descendia de Nep-
tuno, o recebeu dando um bom tratamento a Danae e ao me-
nino, O oráculo não deixou de se cumprir, porque Perseii umdia matou o avô Acrisio num torneio.
Polidectes mandou educar Perseii pelos sacerdotes de Mi-
nerva; porém mais tarde temendo-lhe o poder e os feitos que
já pareciam anunciar estar ali um herói, procurou os meios de
o afastar da corte.
Convidou todos os seus cortezões para um grande ban-
quete, ordenando a cada um deles de lhe oferecer de presente
um magnífico cavalo, pensando que Perseu, julgando-se im-
potente para satisfazer um presente de tal natureza, abando-
naria voluntariamente os seus estados. Com efeito, Perseu ar-
dendo em desejo de se assinalar por qualquer feito notável,
disse ao rei que lhe traria de presente a cabeça de Medusa,
uma das Gorgones, três irmãs que reinavam nas ilhas Gorga-
des, visinhas de Cabo Verde.
Polidectes aplaudiu este generoso desejo e animou viva-
mente Perseu a tentar esta empresa, persuadido de que ele se-
ria vítima de tão arrojado cometimento. Os deuses comovidos
da inocência de Perseu, vieram em seu auxílio ; Minerva deu-
-Ihe o seu espelho ou a sua Egida, para lhe servir de escudo;
Mercúrio as suas azas e a sua espada, feita por Vulcano, e
Plutão o seu capacete. Toda esta armadura divina, que os
poetas deram a Perseu, é uma pura alegoria ; as asas de Aier-
cúrio eram sem dúvida um bom navio à vela, o capacete de
Plutão, significa o segredo que era necessário guardar nesta
expedição e o escudo de Minerva a prudência, com que Per-
seu se conduziu.
Medusa era uma das três Gorgones, estas tinham apenas
um olho, um dente e um chavelho, de que se serviam alterna-
184
íivamente ; outros mitologistas porém representam Medusa
como uma perfeita formosura, dando-Ihe os mais belos cabe-
los e asseguram, que pelo seu esplendor, que comparam ao do
ouro, é que se fez amar de Neptuno; fosse como fosse, este
deus chegou ao ponto de enganar Medusa no templo de Mi-
nerva, pelo que esta deusa bastante irritada lhe mudou os ca-
belos em serpentes.
Munido pois das armas divinas, Perseu dirigiu-se para o
lugar onde as Gorgones haviam fixado a sua residência, que
uns dizem ter sido na Líbia, e outros além do Oceano Oci-
dental, e encontrou-as adormecidas. As Gorgones tinham o
poder de converter em pedras todas os que para elas olhassem
;
Perseu, para não ser petrificado, fixou a vista no seu escudo,
onde se espelhavam todos os objectos, e armado da sua es-
pada, aproximou-se e cortou a cabeça a Medusa. Afirma-se que
do sangue, que saiu da ferida de Medusa nasceu o cavalo
Pégaso, que com uma patada fez brotar a fonte de Hipoc.rene e
ainda das gotas, que cairam na terra nasceram em África nu-
merosas serpentes.
Perseu consagrou a Minerva a cabeça de Medusa, que
depois foi gravada com as suas serpentes na formidável Egida
desta Deusa.
Depois desta façanha, Perseu, atravessando a vasta exten-
são dos ares, chegou à Mauritânia, onde reinava Atlas, e pe-
diu hospitalidade a este príncipe; mas Atlas, avisado pelo
oráculo, para se acautelar contra um filho áe. Júpiter, recusou
receber o jovem herói, pelo que foi logo castigado, porque
Perseu mostrando-lhe a cabeça de Medusa, foi logo petrifi-
cado e transformado nessas grandes montanhas, que ainda
hoje conservam o seu nome.
Perseu continuou as suas aventuras ; chegado às costas da
Etiópia, soube que Andronieda filha de Ceseu, rei da Etiópia,
e de Cassiopea, havia sido, por consulta do Oráculo, exposta
sobre um rochedo para ser tragada por um monstro marinho.
185
Perseu montado no cavalo Pégaso, passa junto do rochedo,
livra Andromeda das prisões, com a cabeça de Medusa petrifica
uma parte do monstro, e rende a outra pela espada, no mo-
mento em que o monstro ia devorar a sua vítima.
Entregue a princesa à sua família, pouco depois Perseu des-
posou-a, Fineu, a quem a princesa Andromeda havia sido pro-
metida em casamento algum tempo antes, tendo notícia de
que se celebravam as núpcias de Andromeda, correu ao palá-
cio com gente armada para matar o seu rival; Perseu defen-
deu- se muito tempo com o auxílio de Palas e estando a
ponto de ser vencido pelo número, serviu-se da cabeça de
Medusa, à vista da qual Palas e os seus companheiros foram
transformados em pedras.
Perseu desejando tornar a ver sua mãe, chegou à ilha de
Serife, onde teve que combater a injustiça e a violência de
Polídecto; matou este tirano cruel e embarcou depois para o
Pelopneuso com Danae e Andromeda. Foi então que se veri-
ficou a predição do oráculo. Acríslo, avô de Perseu, sabendo
que este herói se aproximava de Argos, quis vê-lo e foi até
Larlssa, sobre o rio Peneu, chegando ali no dia em que se
celebravam os jogos públicos. Perseu desejoso de mostrar a
sua destreza entrou no torneio e feriu com um golpe mortal
Acríslo que por acaso se encontrava entre os espectadores,
visivelmente o aflito por este assassino involuntário, não que-
rendo reinar numa região que recordava incessantemente ao
seu espírito a lembrança de um parricídio, cedeu a Argólída
a Megapento, filho de Preto e recebeu dele em troca o terri-
tório de Tlrlnto onde edificou a cidade de Micenas que veio a
ser a capital dos seus estados.
Ignora-se o tempo e o modo como morreu Perseu. Osfamosos feitos deste herói lhe deram lugar no Olimpo depois
da sua morte e da sua família se formaram as constelações
Andromeda, Cassiopeia, etc, e até o monstro teve lugar de-
baixo do signo da Balela.
186
Os atenienses consagraram-lhe um templo e teve uma es-
tátua em Micenas e na Ilha de Sesifo.
Belerofonte era filho dum rei de Corinto, tendo morto Be-
let, seu irmão, refugiou-se na- corte de Preto, rei de Argos,
que o acolheu favoravelmente. Stenobea, mulher de Preto ca-
BELEROFONTE COMBATE A QUIMERA
tivou-se da sua presença, êle porém não a atendeu , a rainha
irritada dos seus despresos, acusou-o ao marido inventando
que êle havia atentado contra a sua honra.
O rei para não violar as leis da hospitalidade, enviou-o a
Jobates seu sogro, rei da Lícia com fingidas cartas de reco-
mendação, mas Jobates não querendo igualmente manchar-se
no sangue dum homem, que sentara à sua mesa, decidiu-o a ir
combater a Quimera, monstro horrível, que devastava a Lícia;
este monstro tinha a cabeça de leão, o corpo de cabra, a cau-
da de dragão e vomitava continuamente chamas.
187
O moço herói desfez o monstro a tiros de flecha, tendo-
-Ihe Minerva dado para esta expedição o cavalo Pégaso. Mais
tarde Belorofonte soberbo com os seus triunfos e maravilho-
sas viagens através dos ares, ousou servir-se do cavalo Pé-
gaso para escalar o Olimpo; íDrecipitado vergonhosamente docavalo para a terra, por esta vagueou tristemente até à sua morte.
Narram alguns poetas que havia na Lícia um monte onde
abundavam os leões, as cabras e as dragões e como Belero-
forite chegou a destruí-los, livrando a região destes animais,
daqui se tomou ocasião para dizer que êle vencera a Qui-
mera, sendo as chamas que ela vomitava erupções vulcânicas
do monte.
Teseu, filho de Egeu, rei de Atenas, por sua mãe era neío
de Pelofjs, o mais poderoso rei do Peloponeso. Desde a sua
infância mostrou Teseu o que havia de vir a ser algum dia.
Os trabalhos de Hércules entusiasmaram Teseu, de noute
soHhava com as façanhas deste herói e durante o dia sentia-se
animado de uma nobre emulação e desejava ardentemente imi-
tá-lo. Em breve teve ocasião de dar provas da sua coragem
destruindo e matando tiranos e salteadores terríveis ; dentre
estes mencionaremos Falaris, rei da Cicília, que metia dentro
de um touro de bronze homens vivos, fazendo-os ali quei-
mar a fogo lento para ter um cruel prazer em os ouvir gritar
imitando o gemido do touro; Procuste ou Procruste famoso
salteador da Ática, que fazia estender os seus hóspedes sobre
um leito de ferro, cortando as pernas aos que em comprimento
excediam o leito e puxando-as com cordas aos que eram mais
pequenos.
DepoiB de ter combatido estes dois tiranos, resolveu Teseu
libertar a sua pátria do vergonhoso e cruel tributo que pagava
a Minos, rei de Creta. Este príncipe irritado pelo assassínio de
seu filho Androgeu feito pelos Atenienses e pelos de Megara
invejosos de êle lhes ter ganho o prémio numa luta, tomou as
armas para lhe vingar a morte e fez uma cruel guerra a estes
188
dois povos. Os Atenienses vencidos pediram a paz, Minosconcedeu-lha com a condição de lhe enviarem todos os anos
sete mancebos e outras tantas donzelas que ele fazia devorar
pelo Minotauro no Labirinto.
TESEU
O Minotauro era um monstro metade homem, metade touro,
habitava a Labarinto construído por um famoso artista cha-
mado Dédalo; este Labirinto era um vasto recinto cheio de
bosques e de edifícios dispostos de maneira que quem ali en-
trasse uma vez nunca mais de la podia sair.
Teseu ofereceu-se voluntariamente para ir a Creta com as
vítimas designadas pela sorte. Depois de dirigir preces e sa-
crifícios aos deuses embarcou num navio cuja vela era preta,
prometendo a seu pai Egeu que, se voltasse vencedor, substi-
tuiria a vela preta por uma branca.
189
O herói partiu com o coração cheio de coragem e de es-
perança de libertar o seu país de um tributo tão horrível e
de que fortuna, que sempre favorece a grandeza de ânimo e
juntamente a justiça, lhe forneceriam os meios de vencer a sua
empresa. Chegado a Creta, Ariadne, filha de Minos, tendo-se
apaixonado por êle e tocada de compaixão pela sorte das ví-
timas, deu-lhe um novelo e ensinou-lhe os meios de sair do
Labirinto. Munido deste auxílio, matou o Minotauro, saiu
com os seus companheiros do Labirinto, embarcou nova-
mente para o Atiça, levando consigo Ariadne a quem prome-
tera casamento, promessa que não cumpriu, abaiidonando-a
na ilha Naxos. A alegria do seu triunfo e o prazer de tornar a
ver a terra de Atiça fizeram-lhe esquecer o que havia prome-
tido a seu pai e não pôs a vela branca. Egeu, seu pai, que
não tinha esoerança alguma de que o filho voltasse, avistou
um dia ao longe a vela negra e não duvidando, por este sinal
de luto, de que o filho tinha sido vítima do monstro, perdido
de dôr e desespero precipitou-se no mar, que ainda hoje con-
serva o seu nome.
Durante este tempo, Dédalo hábil artista que havia cons-
truído o Labirinto, e que fora autor de vários inventos comoa machada, o nível, as velas dos navios, as estátuas, etc, in-
correu no desagrado e cólera de Minos e foi encerrado noLabirinto com seu filho ícaro. Não vendo meio algum de sair
desta prisão, pediu aos servidores de Minos cera e penas, como pretexto de querer fazer uma cousa admirável, então fez
umas azas para si e para o filho e voaram; antes porém avi-
sara o filho de que não voasse muito alto, para que o sol lhe
não derretesse a cera com que estavam presas as penas das azas,
nem muito baixo, para que os vapores do mar lhe não abran-
dassem o vôo; porém ícaro não pôde conter-se e elevou-se tão
alto que Sol derreteu-lhe a cera das azas obrigando-o a cair nomar que teve o seu nome.
190
A fábula de Dédalo e de Icard é uma alegoria que se aplica
aos primeiros ensaios de navegação à vela.
Entretanto Teseii, pacífico possuidor do trono de Atenas,
dedicou-se a reformar o governo da Atiça ; reuniu numa só
cidade todos os habitantes da região, dividiu o povo em três
íríbus, às quais concedeu grandes privilégios, reservando para
si unicamente o direito de veiar pela segurança das suas leis.
Persuadido de que só a religião podia pôr um freio salutar
às paixões humanas, instituiu muitas festas religiosas e reno-
vou os jogos ístmicos em honra de Neptuno.
Depois de cumprir todos estes trabalhos pacíficos, o he-
rói entregou-se novamente às suas expedições aventurosas.
Venceu as Amazonas, república de mulheres, que não tolera-
vam homens entre elas; segundo a fábula estas heroínas habi-
tavam na Capadócia à borda do rio Termodon. Tomou parte
no combate dos Centauros e dos Lapitas. A fama de Teseu
fez com que Peritôo rei dos Lapitas o quizesse conhecer, po-
rém só se viram os dois depois de jurarem uma amizade per-
pétua; algum tempo depois Peritôo despozou Deidâmia ou
Hipodâmia ; Teseu foi convidado para as núpcias a que
assistiram também os Centauros povos da Tessália, os pri-
meiros que inventaram a arte de domar os cavalos e de atacar
os inimigos montados neles, chegando-se a confundir cavalo
e cavaleiro num só animal, donde a designação de hipo-cen-
tauros a tais cavaleiros. Os Centauros, excitados pelo vinho,
tentaram roubar a mulher de Peritôo matando muitos Lapitas
que se opuzeram a tal atentado; Teseu vingou nos Centauros
a injúria feita a seu amigo e a morte dos seus vassalos.
Depois Teseu e Peritôo tentaram ainda uma grande em-
presa: Teseu ouvira falar da beleza de Helena, filha de Tindaro
e de Leda, reis de Esparta e propôs a l^eritôo o projecto de a
roubar, o que os dois executaram;pouco depois Castor e
Poliix, irmãos de Helena vieram à frente de um poderoso
•exército retomar sua irmã ; esta guerra foi chamada a guerra
191
das Tindàridas. Depois para auxiliar Peritôo e para o recom-
pensar entrou com êle numa segunda empresa
:
Peritôo amava Prosérpina, mulher de Aidoneii, rei do Epiro:
resolveram pois rouba-la, porém os dois não foram felizes e re-
ceberam o seu justo castigo ; Peritôo foi devorado pelos cães
de Aidoneu e Teseii foi encerrado numa obscura prisão, donde
só saiu devido às súplicas de Hércules. Os poetas, apoderan-
do-se desta lenda histórica, contaram que Peritôo e Teseii
desceram ao inferno para roubar Prosérpina, mulher de Plutão;
Peritôo foi devorado pelo Cérbero e Teseu feito prisioneiro no
Tártaro e condenado a um eterno suplício foi libertado por
Hércules.
Durante o cativeiro de Teseu os Atenienses esqueceram os
seus benefícios e favoreceram os seus inimigos. Menesteu
apoderou-se da autoridade soberana e Teseu no seu regresso,
vendo-se friamente recebido, retirou-se para casa de Licómedes
rei da ilha de Sciros.
Este príncipe, amigo dos Atenienses e de Meresteu, fingiu
recebê-lo com amisade, mas foi só para o perder com mais
segurança, matando-o à traição. .Mais tarde, Simão mandou trans-
portar para Atenas as cinzas e as armas de Teseu e construir-
-Ihe um túmulo que se tornou um asilo inviolável e sagrado
para os infelizes, para os fracos e para os oprimidos.
Expedição dos Argonantes
A história fabulosa da Grécia não tem acontecimento mais
célebre nem mais cheio de ficções do que a conquista do ve-
locino de ouro; esta expedição foi cantada por muitos poetas
e entre outros por Apolónio de Rodes e por Valério Flaco.
Esão, rei da Tessália, enfraquecido pela idade trans-
mitira a dignidade real a seu filho Jasão, e, até que este
192
atingisse a maioridade, confiou a regência a um dos seus
parentes ctiamado Pelias. Chegado a idade de maior, Jasão
veio reclamar o reino de seu pai, mas Pélias, antes de lhe en-
tregar a coroa, impôs-lhe a condição de ir procurar à Colchida
o velocino de ouro. Frixo e Hele sua irmã, filhos de Atamante,
rei de Tebas, não podendo suportar o mau tratamento de Ino,
sua madrasta, fugiram do seu país sobre um carneiro, cuja lã
era de ouro. Chegados ao termo da sua viagem, Frixo sacri-
ficou ao deus Marte o carneiro e suspendeu o velo de ouro
num bosque onde foi guardada preciosamente, porque o
Oráculo havia predito que o rei seria morto por aquele que
viesse roubar o velo de ouro. Pelias esperava que Jazão não
voltasse desta empresa, tão cheia de perigos ; mas o herói
ávido da glória, fiando-se na sua coragem e na sua audácia,
empenhou-se em levar a sua aventura a um bom fim. Os he-
róis mais famosos da Grécia, Hércules Castor, Palux, Néstor,
Orfeu Telanion, Teseu e muitos outros quizeram tomar parte
na empresa que devia imortalizar os seus nomes.
Partiram do cabo Magnésia num navio chamado Argos,
que ultrapassava em grandeza todos os outros navios cons-
truídos até então; Tifis, hábil marinheiro, cuja vista era muito
penetrante, descubria os escolhos; Orfeu, com os seus cantos
e a sua lira, animava a coragem dos seus companheiros e tor-
nava suportáveis os aborrecimentos de tão melindrosa viagem.
Depois de terem abordado a diversas regiões onde passaram
maravilhosas aventuras, depois de terem felizmente vencido
todas as dificuldades e perigos duma longa navegação, os Ar-
gonautas chegaram às muralhas de Ea, capital da Colchida.
O rei da região, Etas, avisado da chegada dos estrangeiros
e sabedor do fim da sua viagem, não recusou entregar a Jasão
o velocino de ouro, mas impôs-lhe condições impossíveis de
cumprir.
O herói devia atrelar a uma charrua de diamante dois tou-
ros que vomitavam chamas e lavrar quatro geiras dum campo
193
que nunca pudera ser lavrado; devia semear os dentes dumdragão os quais produziriam homens armados, que êle devia
exterminar um por um e por fim combater e matar o dragão
que guardava o velo de ouro; além disto era preciso que todos
estes trabalhos fossem executados no prazo de três dias. Me-dea filha do rei, enamorando-se de Jasão, facilitou-lhe a con-
quista, dando-lhe secretamente os meios de conseguir a
victória.
Aproveitando a escuridão da noute, adormeceu o dra-
gão, tirou o velo de ouro do carvalho onde estava suspenso
e rapidamente embarcou com Medea e os seus companheiros.
No dia seguinte, FJas, sabendo do roubo e da fuga dos cul-
pados, tratou de os perseguir. Estando a ponto de os agarrar,
Medea, para conjurar o perigo que os ameaçava, degolou seu
irmão Absirto, fê-lo em pedaços e espalhou-lhe os membros
pelos campos. Este doloroso espectáculo deteve o infeliz pai
que não continuou a sua perseguição, para recolher os restos
do seu querido filho, Finalmente as Argonautas, sempre guia-
dos por Jasão e Medea, chegaram às costas da Tessália e an-
tes de se separarem, juraram um mútuo auxílio nas guerras
que tivessem de sustentar e convencionaram celebrar, em de-
terminadas épocas, jogos guerreiros em honra de Júpiter.
Eis o que conta a fábula acerca da viagem dos argonau-
tas. Comparando as diversas circunstâncias desta narração e
tirando-Ihe todo o maravilhoso com que a descrevem os poetas,
pelas conjecturas que a história pode fazer, devemos conside-
rar a expedição dos Argonaiiías como uma expedição militar
e comercial, empreendida por ilustres guerreiros da Grécia,
cujo fim seria recuperar os tesouros que Frixo levara para o
Colchida, ao mesmo tempo estabelecer o comércio marítimo e
formar novos estabelecimentos ou novas colónias nos países
que descobrissem. Os gregos organizaram uma espécie de es-
quadra da qual fazia parte o navio Argo que conduzia todos
os chefes ; mal acolhidos pelo rei Etas, e forçados a fugir,
13
194
correram os maiores perigos voltando à Grécia só com urr
único navio. Jasão recebeu depois da sua morte as honras re
servadas aos heróis.
Orfeu, o mais famoso músico da antiguidade, era filho di
Apolo e da musa Caliope. Conta-se dele, que com a harmo
nia da sua lira e da sua voz suspendia o curso dos rios mai:
caudalosos, atraía a si os mais ferozes animais e dava movi
mento às árvores e aos rochedos. Todos estes contos fabulo
SOS são outras tantas metáforas para demonstrar, ou a perfei
ção do seu talento, ou a arte maravilhosa, que êle soube empregar para abrandar os costumes ferinos dos Trácios d(
seu tempo e tirá-los de uma vida selvagem para as doçura'
da sociedade. O seu talento porém nunca brilhou tanto com<
nos Infernos onde por tal forma encantou PLiitão e Proserpim
que lhe concederam o regresso de sua mulher Euridice, sol
condição de não olhar para ela antes de chegar à terra ; mas <
seu amor impaciente o enganou e assim que volveu os olho
para ver se Euridice o seguia, foi ela novamente conduzid,
para os Infernos. Desesperado da perda de Euridice, renunciei
a toda a convivência com as mulheres e retirou-se para (
-monte Rodope. As mulheres da Trácia ofendidas pelo des
prezo a que êle as votara, resolveram vingar-se; um dia, en
que se celebravam as festas de Raco, aproveitando-se do pre
tendido furor que lhes inspirava este deus, despedaçaram-no
depois foi convertido em cisne e a sua lira foi colocada entr
os astros ornada de nove formosas estrelas.
Outros Orfeus houve, mas tudo o que eles têm feito atri
buiram-no unicamente ao que acompanhou os Argonautas n
sua expedição.
Castor e Polux. Segundo a Mitologia, Júpiter preso d(
amor de Leda, mulher de Tindaro, rei de Sparta, usou de un
estratagema para conseguir os seus desígnios. Transformoi
Vénus em águia e tomou êle mesmo a figura de cisne, que
sendo perseguido pela águia foi refugiar-se nos braços da raí
195
nha; esta a princípio atemorizou-se, mas depois encantada dos
seus melodiosos cantos concedeu-lhe dois ovos; de um nas-
ceram Polux e Helena, áo outro Castor e CUtemnestra, os
dois primeiros ju!garam-se filhos de Júpiter e os outros dois
reconheceram Tindaro como seu pai, porém uns e outros são
conhecidos com o nome de Tindarides. Os dois irmãos foram
na expedição do Velocino de ouro onde assinalaram o seu va-
lor, além disto Polux tornou-se tão notável que foi o primeiro
dos atletas e Castor imortalizou-se na arte de domar os cava-
los ; além desta glória particular, tiveram outra comum, que foi
a de limpar o mar dos piratas, pelo que foram reputados pelos
marinheiros como divindades favoráveis e invocadas para se
alcançar bom vento e feliz navegação.
Nestor, foi também um dos chefes da expedição dos Ar-
gonautas e da armada dos gregos na guerra contra Trota, vi-
veu trezentos anos.
CAPITULO XXIII
Cádiíio, fundação de Tebas ~ História de Laio — CEdipo - O monstro
Sfinx ou Esfinge — Desgraças de CEdipo — Primeira guerra de Tebas— Os sete chefes e Polinice — Guerra dos Epígonos.
Cádmo era filho de Agenor rei da Fenícia e irmão de Eu-
ropa; esta princesa era tão formosa, que Júpiter se enamorou
dela e a raptou pela seguinte forma:
Transformando-se num touro branco, desceu à praia do
mar, onde Europa costumava ir passear; esta encantando-
-se da beleza singular desse touro, animou-se a chegar junto
dele, a afagá-lo, e por fim a montá-lo; Júpiter lançou-se imedia-
tamente às águas com tanta legeireza que a princesa só teve
tempo de gritar e transportou-a para Creia, onde tornou a to-
mar a forma divina. Agenor, ignorando o destino da filha, or-
denou a Cádnio, seu filho, que a fosse procurar por todo o
universo com a proibição de aparecer na sua presença sem
ela. Cádmo depois de muitas indagações inúteis e querendo
subtrair-se à cólera de seu pai foi consultar o oráculo de Apolo
acerca do asilo que devia escolher. O oráculo, sem responder
à sua pergunta, ordenou-lhe que se dirigisse a um camposolitário onde encontraria uma bezerra, que a montasse e,
onde ela parasse, fundasse aí uma cidade e à região desse o
nome de Beócia (palavra grega que significa bezerra).
Logo que saiu do oráculo, Cádmo viu avançar para êle, a
passos vagarosos e sem guarda, uma bezerra, apodera-se dela,
monta-a e deixa-se guiar à vontade por ela e em silêncio adora
197
O deus que o conduz, passa as águas do Cefiso, os campos de
Panope, a cidade de Fócida e por fim chega a um campoonde a bezerra pára e descança deitando-se sobre a relva.
Câdmo dá graças ao deus, beija com respeito esta terra es-
trangeira e saúda estas montanhas e planícies desconhecidas
;
prepara-se para oferecer um sacrifício a Júpiter e ordena aos
EDI PO E A ESFINGE
seus companheiros que fossem a uma fonte visinha buscar a
água necessária para as libações. Nesta fonte, situada numacaverna profunda, estava um dragão, monstro horrendo, que
lançando-se sobre os companheiros os devorou a todos.
Cádmo, inquieto pela sorte dos companheiros foi procurá-
-los e teria sido igualmente vítima do dragão, se Minerva não
fosse em seu auxílio e o ajudasse a matá-la. Por conselhos
desta deusa, Cádmo semeou os dentes do Dragão e deles
nasceram logo homens armados que animados de um furor
estranho se atacaram resultando do combate a morte de todos
198
com excepção de cinco que o ajudaram a fundar a nova ci-
dade, a que chamou Tebas. Cádmo passa por ter ensinado
aos gregos o uso do alfabeto e de ter introduzido no Pelopo-
neso a maior parte das divindades do Egipto e da Fenícia.
Acerca do roubo de Europa dizem alguns fabulistas que
eia passou da Fenícia para Creta, porém foi roubada por alguns
mercadores para o moço rei Astério e que o navio, em que a
transportaram, tinha na proa um touro branco.
. Diodoro porém diz que Europa fora roubada por um capi-
tão cretense chamado Tauro de quem ela teve três filhos, Mi-
nas, Sarpedonte e Radamanto e que Astério, desposando-a de-
pois e não tendo filhos dela, adoptara os três filhos de
Tauro.
A cólera dos deuses pareceu não poupar o reino fundado
por Cádmo, que acabara os seus dias no exílio. Seu filho Po-
lidora morreu despedaçado pelos bacantes, seu neto Labdaca
morreu prematuramente deixando apenas um filho ainda no
berço e rodeado de inimigos. Esta criança chamada Laia, che-
gado à idade de reinar, depois de ter perdido e recuperado
duas vezes a coroa, desposou Jocasta, filha de Menece ; as
maiores calamidades estavam reservadas para os dois. O orá-
culo havia predito que o filho de Jocasta mataria o pai, por
isso Laio ordenou s. Jocasta que matasse o filho, logo que ele
nascesse; mas esta mãe, terna e compassiva, não podendo
resolver-se a tão cruel execução e querendo ao mesmo tempo
assegurar os dias do marido, que muito amava, logo que nas-
ceu a criança encarregou um soldado de o ir expor às fera''s
;
este movido de compaixão por esta tenra vítima, contentou-se
de o suspender pelos pés numa árvore num lugar deserto so-
bre o monte Citeron, crendo que êle ali morreria por falta de
socorro, mas a sorte destinara-o para extraordinários suces-
sos. Forbas, pastor de Políbio, rei de Corinto, acudindo aos
gritos do menino, desatou-o e levou-o ; a rainha de Corinto,
quiz vê-lo e não tendo filhos, considerou-o como presente do
199
céu, afeiçoou-se a êle ternamente, educou-o e deu-llie o nomede Édipo.
Chegado à idade da razão, sabendo Édipo os perigos que
tinha corrido e que não era filho de Políbio, consultou o orá-
culo de Apolo para saber quem era o seu verdadeiro pai. Foi-
-Ihe respondido que êle o acharia na Fócida. Pôs-se logo a
caminho e encontrou num estreito atalho um velho, que lhe
ordenou com altivez e arrogância que lhe deixasse a passagem
livre e quiz contrangê-lo a isso pela força. Este velho era
Laio
Édipo cedendo a um movimento de cólera, precipitou-se
sobre êle e matou-o, verificando-se por esta forma a predição
do oráculo. Outros julgam que Laio foi morto por seu filho
numa revolução popular. Depois dêsíe funesto acidente, Creonte,
pai de Jocasta fez publicar por todas as cidades gregas, que
focasta e a sua coroa pertenceriam àquele que libertasse os te-
banos dos males que os afligiam. Tebas era então devastada
por um monstro, chamado Esfinge, que tinha a cabeça de.
uma donzela, o corpo de um cão, as garras de lião, as azas
de uma águia e a cauda armada com o dardo.
Este monstro habitava uma montanha ou monte chamadoFiceo e dali acometia as pessoas que passavam, propunha-lhes
a explicação de difíceis enigmas, que as Musas lhe sugeriam
e devorava todos os que não podiam explicá-los. O enigma,
que propunha ordinariamente aos tebanos, era o de um ani-
mal, que anda de manhã com quatro pés, ao meio dia comdois e à tarde com três; o destino do monstro consistia emque êle perderia a vida logo que o seu enigma fosse explicado.
O nome de Esfinge vem da palavra gregra Splnnoein quesignifica embaraçar. Édipo quiz pois expôr-se a todos os peri-
gos e conseguiu decifrar o enigma entendendo por aquele ani-
mal o homem que na memenice se arrasta sobre os pés e mãos,
no meio dia da sua idade anda sobre os dois pés e na decli-
nação da sua vida sustém a velhice com um bordão. A Esfinge
200
depois desta explicação precipitou-se do alto de um rochedo
e fez-se em pedaços, ou segundo outras, lançou-se ao mar.
Os tebanos foram livres dos estragos da Esfinge e Édipo, que
SC reputava como filho de Poííbio, desposou Jocasfa sua mãe,
viuva de Laio, seu pai, a quem êle matara, cumprindo-se por
esta forma tudo quanto o oráculo predissera, Édipo de sua
mãe e esposa teve dois filhos, Eteocles e Poliiiice e duas filhas
Antigone e Ismene.
Este desventurado príncipe não se reconheceu parricida
nem incestuoso, senão por ocasião de uma espantosa peste
que infestou o país. Consultado o oráculo, a sua resposta foi
que a calamidade só acabaria depois de ser desterrado o ma-
tador de Laio. Édipo mandou fazer diligências para descubrir
o assassino e só então é que soube o mistério do seu nasci-
mento, e se reconheceu culpado da morte de seu pai. Depois
de ter visto Jocasta, que se privara da vida, tendo uma moite
violenta, teve horror de si mesmo, arrancou os olhos e fazen-
do-se conduzir por Antigone, sua filha, entregou a seus dois
filhos a coroa e retirou-se para Atenas onde veio a falecer
Eteocles e Polinice os dois filhos cingiram a coroa de Te-
bas alternativamente, cada um, um ano, mas esta convenção
originou entre eles um grande ódio e a mais dura guerra que
houve entre os gregos nos tempos heróicos.
O infortúnio de Édipo serviu de as^nto a uma infinidade
de tragédias.
Eteocles, que era o mais velho dos dois irmãos, subiu pri-
meiro ao trono, mas finalizando o ano, recusou-se a ceder o
lugar ao irmão, segundo o convencionado, sendo esta a ori-
gem da famosa guerra de Tebas, em que os gregos, pela pri-
meira vez, mostraram alguns conhecimentos da arte militar.
Até então viam-se tropas reunidas sem ordem acometer umaregião e retirar-se depois das hostilidades e crueldades passa-
geiras ; na guerra de Tebas notaram-se projectos organizados
com prudência e seguidos com firmeza, povos diferentes sub-
201
metidos à mesma disciplina, opondo uma coragem igual aos
rigores da estação, às lentidões de um cerco e aos perigos
dos combates diários.
Polinice para sustentar os seus direitos armou toda a Gré-
cia contra o irmão, pediu auxílio a Adrasto, rei de Argos, que
lhe deu sua filha em casamento e lhe prometeu poderosos so-
corros.
Além de Polinice e de Adrasto, teve esta guerra ainda mais
cinco chefes, o bravo Tideii, genro de Adrasto, o impetuoso
Capaneu, o advinho Anfiaras, Hiponiedoii e Paiienopen
e por isso esta guerra foi chamada a dos sete diefes. A seguir
a estes guerreiros, todos distintos pelo seu nascimento e pelo
seu valor, apareceram em ordem inferior de mérito e de digni-
dade, os principais habitantes da Messénia, Arcádia e da Ar-
gôlida. Posto o exército em marcha entrou na floresta de Ne-
mea onde os seus generais instituíram jogos que se celebra-
ram por muito tempo com a maior solenidade em honra de
Júpiter Nenieu.
Depois de ter passado o istmo de Corinto, o exército en-
trou na Beócia e forçou as tropas de Etéocles a encerrarem-se
nos muros de Tebas. Os gregos ainda não conheciam a arte
de se apoderarem de uma praça defendida por uma forte guar-
nição ; todos os esforços dos sitiantes se dirigiam para as por-
tas e toda a esperança dos sitiados consistia nas frequentes
saídas. De uma parte e doutra os mortos eram numerosos; já
o egrégio e animoso Capaneu, que havia sido o primeiro a es-
calar as muralhas estava morto tendo sido precipitado da es-
cada de que para esse fim se tinha servido, quando Etéoches e
Polinice resolveram terminar a luta por um duelo entre os
dois.
Fixado o dia e o lugar, na presença dos dois exércitos, os
dois irmãos animados do mesmo furor travaram um renhido
combate de que ambos foram vítimas; os seus corpos foram
queimados, porém o ódio que em vida tinham um ao outro
202
conservou-se ainda depois de mortos, pois da mesma fogueira
em que queimaram os seus corpos surgiram duas chamas dis-
tintas para que as suas cinzas se não confundissem.
Diz a Fábula que estes dois irmãos, tinham tão grande
ódio um ao outro que os dois já haviam pelejado no ventre
dejocasta, sua mãe.
Creonte, irmão áo. Jocasta, foi encarregado durante a me-
noridade de Laiidamas, filho de Eteocles, de continuar esta
guerra que se tornava de dia para dia cada vez mais funesta
para os sitiantes e que acabou por uma vigorosa sortida feita
pelos Tebanos. O combate foi medonho, Tideii e a maior parte
dos generais pereceram; Adrasto, constrangido a levantar o
cerco, não poude honrar com funerais os que ficaram no campo
da batalha, foi preciso que Teseu, rei de Atenas, interpuzesse
a sua autoridade para obrigar Creonte a submeter-se ao direito
das gentes, que já então começava a ser introduzido.
A vitória dos Tebanos apenas adiou por algum tempo a
sua ruína. Os sete chefes tinham deixado filhos dignos de os
vingar; chegados à maioridade os príncipes, Alcnieon filho de
Anfiarau, Egialeu filho de Adrasto, Dioniedes filho de Tideu,
Peomaco filho de Partenopeu, Stenelo filho de Capaneu, Ter-
saidro filho de Polinice, e Polidoro filho de Hipomedon, conhe-
cidos pelo nome de Epígonos, isto é sucessores, entraram à
frente de um exército formidável nas terras dos inimigos; embreve vieram às mãos e os Tebanos, tendo perdido a batalha,
abandonaram a cidade que foi devastada e saqueada.
Tersandro, filho e sucessor de Polinice, foi morto alguns
anos depois no cerco de Tróia ; depois da sua morte, dois
príncipes da mesma família reinaram em Tebas.
A história de Édipo e as duas guerras de Tebas foram
assunto do poema épico de Stácio, poeta latino, e de várias
tragédias dos poetas gregos. Esquilo, Sofocles e Euripides.
CAPITULO XXIV
Tróia — Guerra de Tróia, causas e preparativos da expedição — Cerco de
Tróia —Cólera de Aquiles — Morte de Patroclo — Combate de Heitor
e de Aquiles — Tomada de Tróia.
Nenhuma tradição tem corrido séculos e séculos como a
guerra de Tróia que foi destruída trezentos anos depois da
sua fundação e depois de ter sofrido um cerco de dez anos
;
mas, se o fundo histórico é verdadeiro, a maior parte das cir-
cunstâncias são fabulosas.
O primeiro dos reis troianos foi Dardano, filho át Júpiter
e de Electra, o qual depois de ter reinado na Itália, saiu dali
por ter morto casualmente seu \xn\?i.o Jasio retirando-se para a
Frigia. Alguns autores fazem-no originário de Samotrácia, e
parece que Virgílio, que compôs o seu poema somente para
lisonjear os Romanos, inventou esta fábula para fazer ver que
eles descendiam dos Troianos e de Eneas.
Seja como fôr, Dardano desposou a filha do rei Teucro,
senhor do país e edificou a cidade de Tróia no território que
estava defronte do bósforo de Trácia, quási sete centos anos
antes da fundação de Roma.
Eriqiietónio, filho de Dardano, teve por sucessor seu fiho
Tros, que deu o nome à cidade de Tróia e o de Troada a
todo o território. Um dos filhos de Tros, Ho deu o nome de
Ilion a uma cidade, que fundou em Tróia e este nome esten-
deu-se também à cidade.
204
Laoniedonte, fiho de Ho, edificou as murallias desta cidade
de tal modo que a obra foi atribuída a Apolo, deus das belas
artes e o Neptuno, que levantou diques para a defender do
furor das ondas do mar. A Fábula acrescenta, que estes deu-
ses se vingaram da perfídia de Laoniedonte, que lhes recusou
o salário convencionado, assolando o país; funda-se esta fábula
em que Laoniedonte empregara na edificação das muralhas as
ofertas dos templos destes deuses, sob condição de as restituir
novamente aos sacerdotes, o que não fez, razão por que a fá-
bula diz que êle enganara os deuses.
O repouso que a Grécia gosou depois da segunda guerra de
Tebas não podia ser duradouro; os chefes desta expedição ti-
nham voltado cheios de glória e os soldados carregados da pi-
lhagem ; uns e outros mostravam-se com a altivez que dá a
vitória, contando aos seus filhos e aos amigos a série de tra-
balhos que sofreram e as façanhas que executaram, infla-
mando por esta forma as imaginações e despertando em
todos os corações a sede ardente dos combates; um aconte-
cimento súbito desenvolveu essas impressões funestas.
Em Tróia, rodeado de uma família numerosa, composta
quási toda de jovens heróis, reinava Prianio, por outro nome
Podarco ; o seu reino rico e poderoso espalhava na Ásia, o
mesmo brilho que o reino de Micenas na Grécia.
A casa de Arg-os, estabelecida nesta última cidade, reco-
nhecia por chefe Aganiemnon filho de Atreu ; o poder deste
príncipe e de Menelau, seu irmão, que desposara Helena, her-
deira do reino de Sparta, dera uma grande influência a esta
parte da Grécia que de Pelops, seu avô, recebera o nome de
Peloponeso.
Tântalo, seu bisavô, reinou primeiro na Lídia e, contra os
direitos mais sagrados reteve prisioneiros um príncipe troiano
de nome Ganimedes ; mais recentemente ainda, Hércules, des-
cendente dos reis de Aro-os, destruirá a cidade de Tróia, ma-
tara Laoniedonte, aprisionara Prianw e apoderara se de sua filha
205
Hesiene que dera em casamento a Telanion, rei de Salami':a
e um dos Argonautas.
A lembrança destes ultrages, que tinham ficado impunes,
acendera nas casas de Priamo e de Agamemnon um ódio herl-
ditário e implacável, irritado de dia para dia pela rivalidade do
poder. Paris filho de Priamo com o consentimento de seu pai,
que aproveitava todas as ocasiões para se vingar dos maustratos que recebera durante o seu cativeiro, organizou umafrota e dirigiu-se para a Grécia a fim de exigir a restituição
de Hesione.
Paris, chegando à Lacedemónia à corte de Menelaii, ficou
logo enamorado da beleza de Helena e apesar de ter sido re-
cebido com uma generosa hospitalidade, esquecendo os direi-
tos sagrados da honra, roubou Helena e jurou não a restituir
emquanto lhe não fosse entregue sua tia Hesione; os Atridas,
filhos de Atreii, Agamemnon e Menelau, quizeram, mas emvão, obter por meios suasórios e brandos uma satisfação de
tão grande ultraje; Priano apenas viu no seu filho um vinga-
dor das ofensas que a sua casa e a Ásia tinham recebido da
parte dos gregos e repeliu todas as conciliações que lhe pro-
puzeram.
A esta estranha notícia, as nações da Grécia agitam-se comouma floresta açoutada pela tempestade e a guerra foi declarada.
Os reis e os príncipes animados dos mesmos sentimentos
reiinem-se em Micenas, juram reconhecer Agamemnon comochefe, vingar Menelau e reduzir a cinzas a cidade de Tróia;
entre os principais guerreiros distinguiam-se Néstor, rei de
Pilos, afamado pela sua eloquência; Ajax, filho de Oileu, rei
da Locrida; Ulisses filho de Laertes, rei de Itaca, famoso
pela sua prudência; Ajax, filho de Telamon, rei de Salamina;
Diómedes, rei da Etólia; Idomeneu, que reinava em Creta;
Podalírio e Macaon, filhas de Esculápio, que possuíam todos
os segredos da arte de curar; finalmente Aquiles, o mais va-
lente dos gregos.
206
Aquiles,- era filho de Peleu, rei dos Minnidones na Tessál'a
€ de Tetis, filha de Nereii; sua mãe, tendo sabfdo que os des-
tinos prometiam a seu filho, ou poucos dias acompanhados
de uma glória imortal, ou uma longa vida, mas sem honra,
mergulhou-o no lago Stígio para o fazer invulnerável; mas
como o segurasse pelo calcanhar, esta parte não poude rece-
ber a virtude que a água comunicou a todo o resto do corpo.
A educação da criança foi confiada ao Centauro Quironte que,
alimentando-o com o tutano dos ossos de leão e tornando-o hábil
em todos os exercícios corporais, o fez o mais forte e o mais
valente dos homens. Tetis tendo sabido do oráculo que seu
filho se cubriria de uma glória imortal e que a cidade de Tróia
não podia ser tomada, emquanto seu filho não fosse a este
cêrGQ, onde havia certamente de morrer, mandou-o disfarçado
em trajos de donzelo para a corte de Licomedes rei de Siros,
onde foi educado com Deidamia, sua filha,
Ulisses sabendo por um espião chamado Asio que Aquiles
estava disfarçado na corte de Licomedes, disfarçou-se com o trajo
de mercador e assim foi introduzido no quarto de Deidamia,
onde apresentou muitas peças de valor, que a princesa e as
damas da sua corte admiraram, mas teve a astúcia de trazer de
mistura espadas, capacetes e outras armas, às quais Aquiles
lançou a mão; esta inclinação viril o deu a conhecer. Tetis \o\
constrangida a deixá-lo partir, mas primeiro lhe mandou fazer
por Vulcano armas de uma excelente têmpera. Partiu pois
Aquiles com os seus companheiros, tendo antes desposado
Deidamia de quem teve um filho chamado Pirro.
Depois de longos preparativos, o exército, composto de
cerca de cem mil homens reuniu-se em Aulida, cidade marí-
tima da Beócia, defronte da ilha Eubea, chamada hoje Negro-
ponto : uma frota composta de mais de mil e duzentas naus
(pequenas barcas) esperou ali o vento favorável para transpor-
tar aquele grande exército às costas de Troada.
A cidade de Tróia defendida por muralhas e baluartes era
207
também protegida por um exército numeroso comandado por
Heitor, o valente filho de Priamo, auxiliado por um grande
número de príncipes aliados que juntaram as suas tropas às
dos troianos.
Os gregos tendo desembarcado apesar da resistência dos
troianos, formaram um campo entrincheirado com as barcas
que retiraram para a praia; não conhecendo porém nenhuma
das máquinas inventadas para forçar as muralhas das cidades
sitiadas, foram obrigados, para combater os troianos, a esperar
que eles saíssem dos seus baluartes e viessem à planície que
se estendia entre a cidade e o acampamento; então os guer-
reiros de um e do outro lado armados de lanças, espadas, setas
etc, cobertos de capacetes, de couraças e de escudos tiveram
encontros terríveis em que se atacavam com furor; as che-
fes, tornadas soldados, mais ciosos de dar grandes exemplos
do que sábios conselhos, precipitavam-se onde o perigo era
maior e deixavam quási sempre ao acaso o sucesso que não
sabiam preparar nem seguir; as tropas chocavam-se e deban-
davam em confusão, como as ondas do mar impelidas e repe-
lidas pela tampestade, à noute o combate cessava, a cidade e o
acampamento servia de asilo aos vencidos, assim a vitória
custava muito sangue e nada produzia, sitiantes e sitiados pas-
saram assim nove anos de combates sem resultado.
Havia uma perfeita comunidade de armas e sentimentos en-
tre todos os guerreiros durante a guerra de Tróia.
Aquiles, Patroeio, Ajax, Diomedes, Ateleno, Idomeneu e
tantos outros combatiam muitas vezes uns ao lado dos outros,
arremeçando-se na confusão e dividindo entre si os perigos e
a glória; outras vezes no mesmo carro, um guiava, ao passo
que outro ou outros afastavam a morte reenviando-a ao ini-
migo; a perda de um guerreiro exigia uma pronta satisfação
da parte do seu companheiro de armas.
No décimo ano do cerco, Agamemnon apoderou-se da filha
de Crises, sacerdote de Apolo; este deus, para vingar a injú-
208
ria feita ao seu sacerdote, enviou uma peste que fez grandes
estragos no campo dos gregos, até que o Agoureiro Calcante
declarou, que para a fazer cessar devia êle restituir a seu pai
a donzela Criseide. ''
Agamemnon imaginava, que Aquiles sugerira a Calcante
este conselho, e para se vingar obrigou Aquiles a abandonar
também Hipodamia filha de Brises; Aquiles ficou tão escan-
dalizado, que se retfrou para a sua tenda e nada o moveu a
voltar a tomar as armas. Os troianos aproveitando a retirada
de Aquiles bateram várias vezes os seus inimigos cercando-os
por sua vez no seu acampamento, chegando por vezes a forçar
o seu entrincheiramento; mas, nem os perigos dos gregos, nem
as súplicas de Agamemnon, demoveram Aquiles, contudo con-
sentiu que seu amigo Patroclo combatesse com as suas armas
e com as suas tropas.
Heitor não podendo pelejar com Aquiles acometeu Patroclo
venceu-o facilmente, e matou-o porque, ainda que tivesse to-
mado as armas de Aquiles, não tinha a sua força; esta morte
causou uma ta! dor em Aquiles, que esqueceu as ofensas de
Agamemnon e possuído de grande furor só pensou em vin-
gar a morte do seu amigo e companheiro.
Tetis, sua mãe, trouxe-lhe novas armas divinas, ainda obra
de Vulcano, notando-se entre elas um escudo de um trabalho
admirável; fortificado pelo néctar e ambrósia que Minerva lhe
ofereceu por ordem de Júpiter, Aquiles lança-se no meio dos
combatentes, à sua aparição e à sua voz os troianos tomam
a fuga e desordenadamente se lançam no rio Xanto os que
puderam fugir aos golpes mortais do herói ; os cadáveres
amontoados detiveram as águas do rio, que fatigado de tanta
carnificina pediu tréguas. Aquiles nada escuta, a nada se move;
então o Xanto irritado, sai fora do seu leito e precipita-se
sobre os gregos; o seu herói, que a princípio recua, ani-
mado por Neptuno e por Minerva resiste e o Xanto chama
em seu socorro o Simoense e outros rios tributários; neste
209
momento Juno envia Vulcano que força os rios'a reentrar nos
seus leitos e o intrépido guerreiro recomeça imediatamente a
sua perseguição aos inimigos com novo ardor. ChQgdiúo Aquiles
às portas de Tróia, só encontrou resistência de parte de Hei-
tor na porta Sêea, então os dois arremetem um contra o outro
num desespero e num ódio cruel; neste duelo o herói troiano
ficou vencido sucumbindo com honra nesta luta mortal.
Dizem que Aquiles para saciar a sua cólera, despojara a
vítima das suas armas e dos vestimentos, lhe furara os calca-
nhares por onde fizera passar uma correia e atando-o por esta
forma ao seu carro o arrastou três vezes à roda dos muros da
cidade cercada, prestando em seguida honras fúnebres a Pa-
trácio, imolando os cativos e celebrando jogos efh honra do
amigo que deplorava.
Na noute seguinte, o rei Prianio foi à tenda de Aquiles^
lançou-se de joelhos a seus pés pedindo-lhe em lágrimas os
restos inanimados de seu filho e oferecendo-lhe uma grossa
quantia para resgate. Aquiles havia jurado deixar o corpo de
Heitor sem sepultura e abandoná-lo para ser devorado pelos
cães e pelas aves, mas à vista desse velho Prianio suplicante
que lhe falava também do seu velho pai, permitiu-lne levar os
tristes restos do seu filho querido.
Aquiles, tendo visto do alto das muralhas Polixena, filha
de Prianio, ficou de tal modo enamorado dela, que a mandoupedir em casamento a seu pai, com a promessa de lhe dar armas
para defender sua pessoa e seu estado ; Prianio aceitou a oferta,
mas, como Aquiles para celebrar este casamento tivesse ido ao
templo de Apolo Timbriano, Paris, para se vingar da morte
de seu irmão Heitor, matou-o com um tiro de seta. A Fábula
diz que Aquiles fora ferido no calcanhar, única parte em que
êle era vulnerável, sendo o tiro guiado por Apolo, porque só
um deus era capaz de tirar a vida a um tão valoroso guerreiro ;
a seta cortou-lhe o tendão a que chamam o Tendão de Aquiles.
Homero nada diz deste amor nem desta traição, refere ape-
14
210
nas que 'Aqiitles foi ferido combatendo, combate que durou
um dia inteiro. Tetis, sabendo da morte de seu filho, saiu do
seio das ondes com uma multidão de Ninfas para vir choiar
sobre o seu corpo; as Nereidas rodearam o leito fúnebre comgritos lamentáveis e revestiram o corpo de vestes imortais;
as Musas fizeram ouvir também os seus gemidos e prantos
lúgubres; duraram estas lamentações dezasete dias e ao décimo
oitavo fòi seu corpo queimado numa pira, as suas cinzas foram
juntas em uma urna de ouro e misturadas com as de Patro-
cio, encerradas num túmulo construído sobre a praia do Heles-
ponto no promontório Sigeu onde a deusa sua mãe fez cele-
brar jogos e combates pelos mais valentes da armada.:>' Aquiles^, foi honrado como um senii-deus e a sua morte ser-
viu de assunto a muitas tragédias francesas.
No fim do décimo ano, os gregos, cansados dum tão longo
cerco e de tantos ataques inúteis, recorreram a um estratagema
:
construíram um enorme cavalo de madeira, esconderam no seu
ventre soldados armados e fingiram em seguida uma retirada;
renunciando a tal empresa, deixaram o cavalo de madeira na
praia como uma homenagem inviolável oferecida a Minervãé
Os troianos de nada suspeitando, procuraram fazer entrar o
cavalo para a cidade, o que conseguiram; porém, durante a
noute, os gregos sairam das entranhas do animal e, emquanto
os troianos dormiam, abriram as portas da cidade aos seus
companheiros, que esse tempo já estavam de volta e se tinham
aproximado das muralhas. A maior parte dos habitantes surt
preendida no seu sono, pereceram aos golpes dos seus inimi-
gos e em breve o incêndio devorou a cidade iluminando comos seus sinistros clarões essas scenas de destruição e de car-
nificina. Tróia com os seus templos, os seus palácios, as suas
muralhas destruídas e reduzidas a cinzas; o velho Prianio
expirando ao pé dos altares e seus filhos degolados ; Eciiba,
sua esposa, Cassandra, sua filha Andromaca, viuva de Heitor,
muitas outras princesas carregadas de ferros e arrastadas como
211
escravas através do sangue que corria nas ruas, no meio dumpovo inteiro devorado pelas chamas ou destruído pelo ferro,
tal foi o desastroso fim desta guerra fatal.
Os gregos não gozaram do seu triunfo, o seu regresso foi
assinalado pelos mais cruéis reveses. Menesteii, rei de Atenas,
não voltou à pátria, morreu na ilha de Meios : Ajax, rei dos
Locros, pereceu com a sua frota. Ulisses, depois de ter su-
portado as fadigas de um cerco de dez anos, ainda teve de
lutar outro tanto tempo com a sorte até chegar à /faca sua
pátria.
Agaméninon encontrou o seu trono ocupado por um indi-
gno usurpador e pereceu traído por sua esposa Clitemnestra.
Outros como Idonieneu, Filoctete, Diómedes, Teucro, traídos
pelas seus amigos, foram forçados a irem procurar em países
longínquos uma nova pátria. No espaço de algumas gerações
a maior parte das casas soberanas, que haviam destruído a de
Priamo, cairam e aniquilara.m-se; oitenta anos depois da
destruição de Tróia, uma parte do Peloponeso passou para o
domínio dos Heraclidas ou descendentes de Hércules.
A queda de Tróia fez tal ruído na Grécia e na Ásia que
serve ainda de época principal nos anais das nações: este
acontecimento forneceu assunto aos poemas mais antigos e
mais belos: Homero, na Iliada, cantou a cólera de Aquiles e
os combates dos gregos sob os muros de Tróia e no seu
poema, chamado Odissea, conta as viagens e aventuras de
Ulisses-: Virgílio, o mais perfeito dos poetas latinos, descreve,
na sua Eneida, um admirável quadro da última noute da in-
feliz Tróia.
Alguma verdade histórica há acerca da guerra de Tróia,
que foi arruinada no ano dois mil oito centos e setenta do
Mundo, trezentos anos depois da sua fundação; afirmam al-
guns autores que nele pereceram mais de oito centos mil gre-
gos e outros tantos troianos ; apesar pois de haver um fundo
histórico, é contudo a sua narração revestida de muitas cir-
212
cunstâncias fabulosas ou muitos dos seus factos transforma-
dos em fábulas: é de crer, que o facto de os gregos se terem
retirado para um monte próximo chamado Hipias, que emgrego quer dizer cavalo, ou que a máquina de que se ser-
viram para abater os muros da cidade, terminada por umacabeça de cavalo em lugar de um carneiro como era costume,
este facto tivesse dado origem à fábula do cavalo de madeira.
Virgílio, falando desta prodigiosa máquina, diz que o artí-
fice que a construiu foi Epeus.
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CAPITULO XXV
Consequências da guerra de Tróia — Viagens e aventuras de Ulisses —Ajax — Néstor — Filoctete — Heróis troianos — Aventuras de Eneas
Aventuras de Ulisses — Regressando para Itaca no mar
Jónio, Ulisses perdeu uma parte dos seus companheiros, quando
uma tempestade, arremessou o seu navio para as costas dos
Latofagos na África; depois arribou à Sicília, onde Polifemo,
o mais famoso dos Ciclopes, devorou seis dos seus compa-
nheiros; Ulisses, a quem êle tinha prometido não o comer
senão no fim de todos, embriagou-o e tirou-lhe o olho que
tinha no meio da testa. Eolo puzera à disposisão de Ulisses
todos os ventos metidos em odres, mas tendo apenas necessi-
dade do Zéfiro, deste só se serviu; os seus companheiros,
querendo ver o que os odres continham, furaram-nos, então
os ventos soltando-se espalharam a desordem por toda a parte
e causaram uma tempestade, arremessando Ulisses e os seus
companheiros para os LestrigÕes, onde foram quási todos de-
vorados. No promontório da Toscana, habitava uma célebre
encantadora Circe, filha do Sol, e irmã de Aetes, rei da Col-
chida ; tendo Ulisses enviado os seus companheiros para reco-
nhecer o país, Circe os transformou em diversos animais, por
meio de uma bebida, que lhes deu; Ulisses não somente se
livrou dos seus encantos por meio de uma erva que lhe deu
Júpiter, mas também obrigou-a a restituir-lhe os seus compa-
nheiros na sua primeira forma, depois desposou-a e dela teve
um filho chamado Telegono.
214
Conta a fábula que Factusa, filha do Sol, guardando umdia os gados do seu pai, os companheiros de Ulisses sem em-
bargo de proibição, que êie lhes tinha feito, sentindo-se opri-
midos pela fome, atacaram o rebanho ; mas os pedaços de carne,
que quiseram fazer cozer, levantaram tão horrorosos gritos, que
fugiram dali nas suas naus e logo depois naufragaram todos,
excepto Ulisses, que numa táboa abordou à ilha de Ogigia,
onde a ninfa Calipso, que ali reinava, lhe fez um bom acolhi-
mento, retendo-o ali sete anos, contudo Ulisses preferiu Pené-
lope e a sua pátria, à imortalidade que a ninfa lhe ofereceu.
Tendo Ulisses visado o olho a PoUfemo, filho de NeptunOy
este deus sublevou contra êle os ventos e teria perecido se
não tivesse sido socorrido pela ninfa Leucotoe que lhe minis-
trou uma tábua que o levou à ilha dos Feaques, no mar Adriá-
tico, hoje denominado Corfu : Alcinoo, que ali reinava, depois
de lhe ter dado tempo de descançar das fadigas, deu-lhe naus
e homens que o reconduziram a ftaca.
Chegado a /laca, Ulisses, disfarçado em pobre mendigo,
somente se descubriu a Telémaco, seu filho; apresentou-se a
Penélope, sem dela ser conhecido, fez-lhe uma falsa narração
da viagem de Ulisses, dizendo-lhe que o havia hospedado emsua casa na ilha de Creta e assegurou-lhe que em breve êle
chegaria. Soube então com satisfação da boca de Penélope
como ela tinha passado a sua vida, e as lágrimas que derra-
mara com a mágua de não tornar mais a ver o seu caro esposo;
ela contou-lhe mais, que não podia evitar a perseguição dos
seus pretendentes, príncipes moços seus visinhos, que lhe as-
seguravam que o marido era morto;que lhes havia proposto
para o dia seguinte, por inspiração de Minerva, o exercício de
tirar o anel com o arco de Ulisses, prometendo casar com o que
conseguisse armar esse arco. Ulisses aprovou este expediente,
esperando achar nele um meio de se vingar destes persegui-
dores;^ estes por seu lado aceitaram também a proposta da
rainha, mas em vão tentaram armar o arco, então Ulisses com
215
facilidade o arinoii e ao mesmo tempo atirou contra todos os
pretendentes aos quais tirou a vida, sendo ajudado nesta em-
presa por seu filho e pelo seu fiel criado Eiibeo; finalm.ente
reinou Ulisses pacificamente na sua ilha com a sua querida
e fiel Penélope. Uma outra infelicidade e desventura acompa-
nhou Ulisses até à sua morte: Tircsias havia prognosticado
que Ulisses havia de morrer às mãos de um dos seus filhos
;
para desviar esta infelicidade, quis Ulisses, fugir para uma so-
lidão, mas o oráculo verificou-se. Telegóneo, filho de Ulisses
e de Circe, veio ao seu palácio para lhe render homenagem^
negaram-lhe a entrada, levantando-se um grande tumulto por
este motivo; Ulisses, correndo a apaziguá-lo, seu mesmo filho
o matou sem o conhecer.
Ajax, filho de Telamon, rei de Saluniina, foi, depois de
Aquiles, o mais belo e o mais famoso dos gregos que se assina-
laram no cerco de Tróia: duas vezes feriu Heitor, matou emcombate Sarpedon e outros guerreiros valorosos entre os troia-
nos. Ajax e Ulisses disputaram entre si a posse das armas de
Aquiles depois da morte deste herói; Ulisses com a sua eloquên-
cia moveu tão fortemente os outros chefes gregos, que eram os
árbitros, que decidiram a seu favor. Ajax irritado por esta deci-
são, teve tal furor, que caiu num delírio violento; este furor au-
mentando gradualmente levou-o ao extremo de matar um reba-
nho de carneiros, imaginando encontrar entre eles Againeninon,
Menclau, o seu rival e os outros chefes que haviam decidido
contra êle; depois recuperando a razão e entrando em si, enver-
gonhado do seu erro e da desordem, a que chegou, que o ri-
dicularizava perante o exército grego, matou-se com a sua pró-
pria espada. Do sangue da sua ferida nasceu uma flor chamada
Jacinto.
Houve no exército grego outro Ajax, filho de Oileo, rei
da Lócrida. Este distinguiu-se pela sua habilidade e destreza
no exercício das armas, porém era feroz, brutal e ímpio, violara
no templo de Minerva, Cassandra, filha de Prianio: salvando-
216
-se de muitos perigos, e principalmente de um naufrágio,
a que Minerva o expuzera, para o punir do seu sacrilégio,
acolheu-se a um rochedo exclamando com orgulho
:
Aqui escaparei, contra a vontade dos deuses.
No mesmo momento Neptuno, indignado do seu atrevi-
mento, abriu o rochedo com um golpe do seu tridente e en-
guliu-o, precipitando-o sob as ondas.
Nestor, rei de Pilos, distinguira-se muito novo ainda por
brilhantes acções; no cerco de Tróia fez-se assinalar pela sa-
bedoria dos seus conselhos e pela coragem nos combates
Depois da destruição de Tróia, Nestor voltou à Grécia, onde
no seio da sua família gozou a paz e a felicidade de que o
seu espírito justiceiro, a sua sabedoria e a sua avançada idade
o tornavam digno. Ignora-se em que época e de que modomorreu, os antigos contam que viveu trezentos anos.
Filocteíes um dos mais célebres guerreiros que cercaram
Tróia, foi amigo e companheiro de Hércules, de quem herdou
as suas setas tintas no sangue da hidra, monstro venenoso,
com a condição de não revelar nunca o lugar da sua sepul-
tura, onde elas estavam encerradas juntamente com as 5uas
cinzas. Tendo o oráculo de Delfos declarado que Tróia não
podia ser tomada sem os gregos estarem de posse destas se-
tas, foram enviados deputados a Flloctetes para saberem emque lugar essas setas estavam depositadas ; a princípio Flloc-
tetes resistiu a todas as súplicas, mas depois foi constrangido
a declarar esse lugar e, para não violar o seu juramento, mos-
trou-o dando com o pé sobre o solo, onde estava sepultado o
corpo de tiércules ; mas foi bem castigado pela sua indiscri-
ção, pois dirigindo-se no seu navio para Tróia, uma das setas
lhe caiu sobre o pé, que fora o instrumento da sua perfídia, e
da ferida resultou um tão grande fétido que determinou os
seus companheiros a abandoná-lo na ilha de Lemnos. Foi nesta
ilha, onde outrora tinham abordado os argonautas, que só e
abandonado de todos durante dez anos sofreu as horrorosas
217
dores, que os poetas da antiguidade e posteriormente Fenelon
descreveram com tão comovedora eloquência: uma caverna lhe
servia de habitação e saciava a sede com a água de uma fonte
onde bebiam as aves que êle caçava para sua alimentação.
Entretanto, depois da morte de Aquiles, a assistência de
Filoctetes e as setas de Hércules foram julgadas indispensá-
veis para a tomada de Tróia, foi então Ulisses encarregado
de ir buscar Filoctetes, o qual chegado ao campo dos gregos,
tomou imediatamente parte nos combates e matou Paris com
uma das setas de Hércules. Depois da destruição de Tróia,
Filoctetes não ousou voltar à sua pátria, por causa da úlcera
que o devorava ainda, deteve-se na Calábria, onde fundou
uma cidade e dizem que foi aí que êle foi curado por Ma-chaon, filho de Esculápio. Filoctetes forneceu a Sofocles, poeta
grego, assunto para uma das mais belas tragédias que a
antiguidade nos transmitiu.
Heróis troianos — Os chefes dos troianos foram Heitor,
Paris, Heleno, Deifobo, Troilo, Polidora ; Meninon, filho de
Titon e da Aurora; Pentesilea, rainha das Amazonas; Reso,
rei da Trácia; Sarpedante, filho át Júpiter ; Eneas ; Antenor:
Elpenor^ rei de Eubea e Corebo.
Eneas e suas aventuras depois da destruição de Tróia —Eneas pela parte paterna era do sangue real de Tróia e do
sangue dos deuses por parte da mãe. Era filho de Anquises
e segundo a fábula, sua mãe foi Vénus; depois Heitor, foi
o mais valente dos príncipes troianos ; afamado pela sua sabe-
doria e pela sua piedade combateu até ao último momentosempre pela defesa da pátria. Depois do incêndio de Tróia,
Eneas, fugitivo da sua pátria, carregado com os seus deuses
e com seu pai, acompanhado de seu filho Ascânio, retirou-se
a um porto do Frigia pouco distante do monte Ida, onde
embarcou e se fez à vela para o norte em direcção à Trácia;
como aqui não pudesse estabelecer-se, virou de rumo e passou
à ilha de Creta sem maior sucesso ; de Creta passou ao Epiro
218
nos estados de Pirro, onde Eleno lhe deu bom acolhimento
;
restabelecido das suas fadigas, tornou-se ao mar e chegou a
Drépano na Sicília, onde perdeu seu pai Anquises.
Finalmente estando próximo do país Latino, Eolo a pe-
dido de Juno levantou uma medonha tempestade, destroçou
a frota, mas Eneas teve a fortuna de arribar a Cartago : vol-
tando segunda vez à Sicília, aqui celebrou com exéquias o
aniversário da morte de Anquises, depois foi a Cumas con-
sultar a Sibila deste nome e chegou à foz do Tíbre no país
Laurentino.
O projecto de Eneas era, chegado à Trácia, fundar uma
cidade mas, sugestionado por grito lamentável saído do tú-
mulo de PoUdoro, desistiu do seu intento ; abandonando Creta
depois de uma horrível tempestade, os deuses declararam-lhe
em sonhos que eles o chamavam à Itália.
Nas ilhas Strofades foi perseguido pelas Arpias: estes
monstros medonhos cairam sobre os troianos no momentoem que eles iam tomar a sua refeição, da qual se apoderaram.
Eneas teve a satisfação de encontrar no Epiro Andromaca,
viuva de Heitor, que havia desposado Pirro e que depois este
dera em casamento a Eleno.
A demora em Drepano, se foi por um lado funesta a Eneas,
por outro foi vantajosa pelos socorros que ali encontrou para
a sua viagem e pela bondade de Acestes, rei da Sicília e des-
cendente ainda do sangue real troiano.
Acolhido com grande benevolência por Dido, rainha de
Cartago, que por êle se havia apaixonado, pela sua esbelta fi-
gura, e pelo prazer de ouvir-lhe contar os seus infortúnios, ali
esteve retido durante algum tempo, mas, nem as vantagens de
um reino que ela lhe oferecia, nem o amor, nem as lágrimas de
Dido o detiveram e obedecendo às ordens dos deuses partiu e
abordou às margens do Tibre, onde outros perigos o esperavam.
Latino, que ali reinava, o recebeu favoravelmente, prome-
teu-lhe em casamento sua filha Lavinia, mas Eneas teve um
219
terrível competidor e rival em Turno, rei dos Rutulos, que a
seu favor tinha Arnata, esposa de Latino. Eneas aliou-se comEvandro que, além de lhe dar tropas, lhe deu também seu filho
Palas para as comandar; o seu partido fortificou-se logo como auxílio dos Tirrenos, que a tirania de Mezcncio, seu rei, fez
revoltar, por esta forma conseguiu Eneas pôr-se em estado de
fazer frente ao seu rival. Os principais sucessos desta guerra
foram devidos ao auxílio que Juno e Vénus dispensaram a cada
uma das partes ; a primeira de nada se esqueceu para perder
Eneas, porém Vénus tomou o partido a seu favor, fez com que
Vulcano lhe ministrasse armas que o tornaram invencível.
Os Rutulos incendiaram as naus do príncipe troiano em-
quanto êle havia ido buscar o auxílio dos Tirrenos, mas embreve essas naus foram transformadas em Ninfas marinhas
por Cibele, que as protegia. Eneas em um combate perdeu
Falante e os seus dois companheiros Niso e Eusiano, masvingou-lhes a morte com a de Mezêncio, de Lauso seu filho
e de Camila, a famosa rainha dos Volscos, muito hábil e des-
tra em atirar a seta e que era a alma do partido de Turno:
Eneas fora ferido, mas Vénus o curou imediatamente.
Finalmente os dois rivais vieram às mãos em um duelo,
onde Turno perdeu a vida, Eneas, vencedor, desposou Laví-
nia; fundou uma cidade a que deu o nome de sua esposa e
por morte de Latino tomou posse do seu reino. Pouco depois,
atacado pelos Etruscos, marchou contra eles e desapareceu de
repente no meio do combate; os latinos acreditaram que
Eneas tinha bido arrebatado para os céus pelos deuses e lhe
prestaram honras divinas. Ovídio conta que Vénus tendo con-
seguido át Júpiter um lugar no Olimpo para seu filho, encar-
regou o rio Numicio, que corre no Lado, de o purificar, de-
pois do que, ela o levou para o Olimpo e o constituiu umdeus. Isto parece fundado em que Eneas tendo caído neste
rio e não tendo aparecido mais, os latinos julgaram que êle
havia sido elevado aos céus.
220
Emas foi adorado pelos romanos sob o nome át Júpiter
Indigete.
As viagens e aventuras de Eneas forneceram a Virgílio, o
mais perfeito dos poetas latinos, assunto para o Eneida, poemaimortal que tem sido a admiração de todos os séculos.
A história de Eneas tem um fundo histórico verdadeiro. É
opinião constante e geral, que houve um Eneas, filho de An-
qidses^ que desposou Creusa de quem houve um filho, Jiilo
ou Ascânio ; este Eneas defendeu com zelo e coragem a sua
pátria e depois de uma total ruína escapou com sua famí-
lia, fugindo para o monte ida, e aqui fizera um tratado com os
gregos, que lhe permitiram a retirada embarcando numa frota
a qual depois de muitos contra tempos chegou à Itália, onde
foi recebido pelo rei Latino.
Também é histórico que Eneas desposou Lavinia, fiiha do
rei Latino ; que seu filho Ascânio fundou a Alba-Longa e que
os seus descendentes em número de catorze reinaram no país
Latino até Númitor avô de Rómulo, fundador de Roma.
CAPITULO XXVI
Animais e vegetais consagrados
aos deuses e deusasRb
Epítetos por que eram conhecidos os deuses, as deusas e os principais
heróis — Algumas passagens da Fábula e breves interpretações — Mora-
lidade que se pode tirar de algumas fábulas.
A Ceres, era consagrado o /jorco, porque este animal fos-
sando a terra devasta as cearas ou porque ensinava por esta
forma os homens a cavá-la e a lavrá-la ; também lhe sacrificavam
o carneiro ornamentado de grinaldas de rosas e de murta.
A Apolo, consagravam o louro, porque esta árvore nunca
perdendo a sua verdura é o símbolo da imortalidade ; o corvo,
porque presidindo este deus às advinhações, o voo e o canto
do corvo servia muitas vezes de regra aos agouros; tambémlhe eram consagrados a palmeira, o galo, a cigarra e o leão
emblema do poder.
A Baco, sacrificavam & pega, porque o vinho faz falar indis-
cretamente; e o bode, porque este animal destrói os olhos da
videira. .
A Mercúrio, sacrificavam queimando as línguas das vítimas,
porque a eloquência lhe pertencia; também a bácora e ofere-
ciam-lhe mel, leite e figos.
222
A Vénus, as mulheres consagraram-lhe os cabelos, a murta,
a maçã, a rosa, o cisne e a pomba.
A Plutão, sacrificavam ovelhas pretas ou uma junta de bois
pretos sem mancha alguma.
A Marte, consagrava-se o galo, para mostrar a vigilância
que requere o emprego das armas, ou porque um dos seus
guardas, chamado Electrion, foi transformado nesta ave; tam-
bém o abutre, como emblema da sua força.
A Minerva, primeiramente foi consagrada a gralha, mas
esta perdeu a sua graça por lhe ter dito cousas desagradáveis
sendo substituída pelo bufo; também lhe eram consagrados a
coruja e o mocho imagem da sua penetrante sabedoria.
k Juno, era consagrado o pavão; no primeiro dia de cada
mês em Roma sacrificavam-lhe ovelhas, bácoras ou bezerras
por ter sido sob a forma de bezerra que ela fugiu para o Egipto,
durante a guerra dos deuses contra Tifeu.
A Saturno, os cartagineses sacrificaram-lhe vítimas huma-
nas, principalmente crianças.
A Diana, eram imoladas ovelhas brancas ou cordeiros em-
blemas da doçura e da mansidão.
A Cibeles, era consagrado o pinheiro.
A Vulcano, consagravam o leão, porque este animal quando
ruge parece lançar fogo pelos olhos,
A Neptuno, quando deus do mar, consagravam o touro
branco ou o cavalo; quando domador de cavalos, um carneiro
ou um touro. '""oo oo
Aos Sátiros, ofereciam os primeiros frutos e os cordeiri-
nhos recemnascidos.
Aos Faunos, eram consagrados o pinheiro e a oli-
veira.
As Ninfas, ofereciam leite, mel, bolos, cabras e cor-
deiros.
Às Fúrias, consagravam carneiros ou rolos, o narciso, o zim-
bro, o cedro e o cipreste.
223
A Hércules, era consagrado o álamo, porque, quando
aquele herói desceu aos infernos, fez uma coroa das folhas
desta árvore e a parte delas, que tocava na cabeça, conservou
a côr branca e a outra se fez negra com o fumo daquela triste
morada.
l^T*
;[;'•
epítetos
JÚPITER
Diespiter ou Dieipafer, o pai do dia,
Feretrius, por causa dos despojos tomados aos inimigos
e que eram levados ao templo, que Rómulo lhe edificou para
este fim. Haspitalis ou Xenius, por presidir à hospitalidade.
Stator, em memória de ter feito parar os romanos quando
fugiram dos sabinos.
Olímpico, porque se julgava que lhe era muito agradável
o monte Olimpo. Anitnon, título com que era honrado singu-
larmente na Líbia; osiris no Egipto e CapitoLino em Roma.
Camões também lhe chama Tonante por se lhe atribuir o
poder de criar as trovoadas e Padre, sinónimo de pai, por
ser o mais respeitado dos deuses.
JUNO
Os gregos lhe chamavam here, a grande senhora ou Me-
gale. Lucina, quando presidia aos partos, e também pela mesma
razão Pronuba ou Natális. Domiduca, por que acompanhava
os noivos.
Matuta, nome que lhe davam em Roma.
Saniia, pelo culto particular com que a veneravam em
Samos; segundo a antiga Mitologia, y////í7 significava algumas
vezes a Terra.
225
DÍANA
Como divindade celeste, cliamavam-na Lua ou Febea do
nome de seu irmão Febo ; como divindade terrestre Diana e
algumas vezes Dietina, do nome da ninfa a quem muito amava.
Como divindade dos infernos, ali presidia com o título de
Prosérpina ou Hecate.
APOLO
Déíio, por ter nascido na ilha de Delos.
Febo, aludindo à luz e ao calor do sol.
Deifico e Clario, por ter oráculos em Delfos e em Claros.
Pião, pela vitória que alcançou sobre a serpente Piton
;
Acíaco, do promontório Acio peia vitória de Augusto impera-
dor romano; Palatino, porque Augusto lhe mandou erigir ummagnífico templo no monte Palatino.
MINERVA
Palas, com este e com o nome de Minerva presidia indi-
ferentemente às sciências e à guerra. Partenia, porque era
virgem ; Cesia, por ter olhos azuis ; Tritónia, do lago TritoUy
donde se julgava ter ela saído ; Hipia, isto é, cavaleira,
MERCÚRIO
Hermes, isto é intérprete; Cilenius, ou Cileneo, de Cilene
montanha onde nascera ; Nomio, por causa das leis de que era
autor ; Camilo, porque serve os deuses ; Vialís, porque tinha
a inspecção sobre os caminhos.
15
226
MARTE
Os gregos chamavam-no Ares, que significa socorrer; os
latinos, Gradivns ou Quiriniis, o primeiro representava Marte
em tempo de guerra, o segundo em tempo de paz.
VÉNUS
Camões trata-a por varias epítetos : Acidália, por se banhar
numa fonte deste nome ; Cipria, Citerea^ Pafia, Idália, Eri-
cina, por ser venerada em Chipre, Citera, Pafos, Idália, e
Erix ; Dioiíe ou Dionea, por ser filha, de Dione.
CERES
Eleusina, do nome da cidade Eleuse onde se faziam as suas
festas ; Tesniofore, ou Leorisladora, peias leis que estabeleceu
entre os Atenienses.
CiBELES
Magna mater, por ser considerado como mãe da maior
parte dos deuses; Berecintia, Dindimene, Idea do nome de di-
versas montaniias onde era venerada; Ops e Teliis, porque so-
corria os homens e presidia à terra; Rliea, do grego reo, que
significa correr, manar, porque da terra proyém todas as cousas.
BACO
Dionísio, de dios deus e Nisa onde ele foi criado ; Evane Hiie o que significam valor e filho, pelas maravilhas que
obrou na guerra dos gigantes.
227
Liber e Lieus, porque sendo êle inventor do vinho este
dissipa a melancolia e inspira a liberdade; Broinio, laco e Baco
pelos gritos que davam as bacantes parecendo andar doidas
;
Camões chama-lhe Tioneii por ser filho de Tióne ou Cibele,
Tebano, por ter nascido em Tebas no Egipto.
VULCANO
Lemniiis, da ilha de Lemnos, onde caiu depois do pontapé
de Júpiter; Aiiílciber e Tardipes, porque era coxo.
NEPTUNO
Os gregos lhe chamavam Poseidon, que significa quebra
navios, e Hípios que quere dizer cavaleiro, pois houve umNeptuno que ensinou o povo a guiar os cavalos.
PLUTÃO
Chamava-se 'D/5 ou Dives nomes que significam riquezas
às quais presidia; Urgiis, porque êle constrangia a morte;
Febníus, pelas lustrações que lhe faziam nas cerimónias
fúnebres. Também era conhecido pelo nome de Ades. Camõestambém lhe dá o epíteto de Dite.
HÉRCULES
Alcides, do nome de seu avô Alceu; Tirinfio, da cidade de
Tirinto onde foi criado. Musagetes, companheiro das musas.
Pãn/ago, por causa do seu grande apetite; Virgílio chama-
-Ihe Santo e Medias filius, para dar a entender que êle era fi-
lho de Júpiter.
ALGUMAS PASSAGENS DA FÁBULAE BREVES INTERPRETAÇÕES
Infortúnio de Piramo e de Tisbe
Piramo e Tisbe amavam-se terna e carinhosamente, mas
não se podiam ver, porque os pais de um e da outra viviam
em desarmonia. As suas casas eram visinhas e contíguas e por
uma fenda que havia na parede é que comunicavam os seus
pensamentos. Uma noite combinaram encontrar-se num lugar
fora da cidade de Babilónia, perto do túmulo de Nino, debaixo
de uma amoreira branca, onde ajustariam fugir para um país
distante e casarem contra a vontade dos pais. Tisbe chegou
primeiro e tendo sentido uma leoa com a goela ensanguen-
tada, fugiu com tanta precipitação que deixou cair o véu; a
leoa agarrando o véu fê-lo em bocados e deixou neles sinais
de sangue.
Piramo, chegou ao lugar combinado e conhecendo os ves-
tígios da fera e os restos do véu, não duvidou que Tisbe
tivesse sido devorada e cheio de dor trespassou-se com a sua
espada. Tisbe, saindo do lugar onde se escondera, correu para
a amoreira e encontrou o seu caro Piramo exalando o último
suspiro; não duvidando também de que Piramo se tivesse
suicidado, ao ver os restos do seu véu ensanguentados, cau-
sadores do seu erro, atravessou-se com a mesma espada; as
amoras tintas do seu sangue perderam a côr branca.
229
Âtafanta e Hipomene
Atalanta, de uma formosura extraordinária, era filha de
Ceneu, rei da Arcádia. O oráculo havia predito que Atalanta
casaria, mas que, pouco depois, sem cessar de viver, deixaria
de ser criatura humana,
Atalanta para evitar esta desgraça, resolveu ficar virgem e,
como era tão ligeira como formosa, desafiava todos os preten-
dentes a uma corrida, sob condição de ser ela o prémio do
vencedor, ao passo que os vencidos perderiam a vida. Hipo-
mene, filho de Macareu e de Merope e neto de Neptuno, não
se atemorizou com a morte dos muitos pretendentes que ha-
viam sido vencidos e apresentou-se para o desafio. Atalanta,
sabendo-o fneto de Neptuno, ficou cativa da sua gentileza e
da sua nobreza. ,
Antes de se efectuar a corrida, Hipomene solicitou de Vé-
nus a sua protecção. Esta deusa deu-lhe três pomos de ouro,
que Hércules havia deixado no jardim das Hespérides e ensi-
nou-lhe como se havia de servir deles. Deu-se o sinal para a
corrida e Hipomene estando próximo a ser vencido, atirou umapós outro os pomos de ouro e tão oportunamente, que Ata-
lanta, entretendo-se a apanhá-los, ficou para trás e veio a ser
o prémio de Hipomene. Vénus, para se vingar da ingratidão
de Hipomene, que não reconheceu quanto lhe devia, inspirou-
-Ihe uma tão grande paixão pela esposa que os dois não sou-
beram respeitar o templo de Cibele, onde estavam. A deusa
Cibele, para se vingar da profanação do seu templo, transfor-
mou-os em leões e obrigou-os a puxar o seu carro.
Meleagro e outra Atalanta
Meleagro, era filho de Eneo^ rei da Etólia, e de Altea.
O destino de Meleagro estava ligado à história de um ti-
230
ção que as Parcas tinham posto no fogo, emquanto sua mãeo dava à luz, havendo ao mesmo tempo proferido estas pala-
vras: Este menino viverá tanto quanto este tição durar. AsParcas tendo-se em seguida retirado, Altea pegou no tição e
apagou-o cuidadosamente. Um dia Eneo, pai de Meleagro,
ofereceu sacrifícios a todos os deuses, para lhes dar graças da
fertilidade do ano e esqueceu-se da deusa Diana. Esta deusa
irritada enviou um terrível javali, que assolou todas as visi-
nhanças da cidade de Calidónia. Toda a flor da mocidade
grega, de que faziam parte Teseu, Jason, Castor, Polux e Ale-
leagro, se juntou para dar caça ao terrível javali. Meleagro ia
à frente e teve a honra de matar a fera e, como Atalanta, a
quem êle amava, dera o primeiro golpe na fera, tomando este
pretexto presenteou-a com a cabeça do javali ; os irmãos de
Altea, invejosos desta preferência, quizeram tirá-la a Atalanta:
Meleao-ro porém não consentiu e teve de lutar com eles ma-
tando-os; depois desta luta Me/eag-ro recebeu Atalanta por
esposa. Esta Atalanta era filha de outro rei da Arcádia cha-
mado Jasio.
Generosidade de Coreso Calirroe
Coreso era um sacerdote de Baco, que estando loucamente
apaixonado por Calirroe, só recebia dela desprezos. Baco,
para se vingar, castigou os Calidónios com uma espécie de em-
briaguez que, privando-os da razão, os levava ao suicídio. Con-
sultado o oráculo de Dodone, respondeu que Baco estava
ofendido na pessoa do seu sacerdote e que o único meio de
se livrarem daquele infortúnio era sacrificarem Calirroe ao
deus Baco pelas mãos do sacerdote Coreso, porém qualquer
outra pessoa poderia substituir Calirroe. Ninguém se apre-
sentou a substituir Calirroe, pelo que foi ela levada ao altar do
sacrifício por Coreso, que mais inflamado de amor, que de
231
vingança se matou com o próprio cutelo do sacrifício. Calir-
roe só tarde reconheceu o amor de Coreso e consumida pelos
remorsos, não lhe sobreviveu muito tempo, matando-se junto
de uma fonte que recebeu o seu nome.
História de Céfalo, bisavô de Uíisses
Céfalo, filho de Deioneu, desposara Procis, filha de Ere-
feii, rei de Atenas; um e outra eram perfeitamente belos e for-
mosos. Debalde concebeu a Aurora uma forte paixão por Cé-
falo; a ternura, com que amava a sua esposa, tornou-o
insensível a todas as promessas e a todas as amabilidades
desta deusa; esta insensibilidade não a desgostou nem a fez
desanimar, e por isso um dia raptou-o; Céfalo, porém, só pen-
sava na sua querida Procrls. A Aurora então exasperada de
tão grande constância, ameaçou-o e predisse-lhe que um dia
viria em que êle desejaria nunca ter visto a esposa; Céfalo^ a
a estas palavras, ficou cheio de grande ciúme e resolveu ex-
perimentar a fidelidade de Procrls.
A Aurora ajudou-o a disfarçar-se de modo a não ser reco-
nhecido ; Procrls, ao dar pela sua ausência caiu em grande
desespero, porém esta prova de amor não o convenceu: usando
ainda de outros meios para provar a sua fidelidade, foram todos
inúteis ; por fim recorreu aos presentes; com grande desgosto
e dor, vendo que Procrls se rendia, deu-se então a conhecer.
Procrls teve tão grande vergonha da sua fraqueza, que fugiu
para os bosques, onde se encontrou com Diana. Céfalo, não
podendo viver tanto tempo longe dela e tendo-lhe um tão
grande amor, perdóou-lhe, tornou-a a receber e fez-lhe presente
de um cão, chamado Lelaps e de um dardo, que Diana lhe
tinha dado. Este dardo tinha a virtude de ferir sempre o
alvo e de voltar ensangiientado para o dono; o cão era do-
tado de uma velocidade extraordinária, mas um dia foi meta-
232
morfoseado em pedra, quando estava prestes a vencer uma ra-
posa, que Temis tinha enviado para assolar as visinhanças de
Tebas. Céfalo ia todos os dias à caça e quando se encontrava
fatigado e cheio de calor ia repousar para o bosque em sítio
fresco e ameno e chamava pelos Zéfiros dizendo, «Vem Au-
rora, vem dar alívio ao meu tormento, vem, tu es a minha
vida».
Estas palavras, mal interpretadas, chegaram aos ouvidos de
Procris, que julgou o marido infiel. Para o surpreender com a
sua rival, Procris foi ocultar- se num mato visinho do local
onde Céfalo costumava repousar; em breve Céfalo chegando
aquele lugar, como de costume, principiou a chamar pelos
Zéfiros com aquelas palavras cheias de ternura; ao mesmotempo Procris, não podendo conter-se, fez alguns movimen-
tos; as folhas do mato agitaram-se e Céfalo, julgando que era
uma fera, atirou-lhe o dardo; aos gritos dela correu a socor-
rê-la e reconheceu então ser a sua amada Procris, que lhe ex-
pirava nos braços.
Esta fábula tem um fundo de verdade. A Aurora significa
que Céfalo ia à caça de madrugada.
Procris teve uma intriguista que perturbou o seu viver como marido; os dois separaram-se, mas depois reconciliaram-se.
Céfalo matara a esposa por engano, mas atendendo-se aos fac-
tos atrazados, julgou que o fizera por um resto de ressenti-
mento e o Areópago condenou-o a desterro perpétuo. Céfalo
era bisavô de Ulisses.
Sucessos de Midas
/Aidas, filho de Gordio e de Cibele, era rei da Frigia ou da
Lídia. Baco, quando foi para a conquista da índia, passou pe-
los seus estados; Sileno, marido da ama de Baco, amava muito
o vinho, e encontrando uma fonte cheia desta preciosa bebida,
233
embriagou-se de tal maneiro que teve de ficar nos estados de
Mídas, onde este rei lhe fez o melhor acolhimento que se po-
dia esperar. Baco no seu regresso passou pela corte do rei
Midas, ouviu de Sileno o acolhimento que êle lhe dera, e
como recompensa desta boa hospitalidade obrigou Midas a
pedir-lhe qualquer graça, com a promessa de lha conceder.
Este rei imprudente pediu, que tudo em que tocasse se con-
vertesse em ouro ; em breve se arrependeu deste pedido, por-
que, converíendo-se em ouro tudo quanto êle tocava, correu o
risco de morrer de fome. Implorou novamente Baco, que o
mandou banhar-se no Pactolo, rio da Lídia, que descia do
monte Tmoio. Depois deste banlio, a graça concedida a yW/-
flffls passou para este rio, cujas areias transportavam ouro.
Esta fábula é a imagem de um príncipe tão económico que
se tornou avarento e que reinando num país fértil conseguia,
com a venda dos seus gados e dos seus produtos, somas con-
sideráveis, o que parece deduzir-se da conversão em ouro tudo
quanto tocava. A avareza deste príncipe obrigou-o a mudar de
vida; sabendo que o Pactolo transportava ouro nas suas
areias, abandonou a cultura das terras para recolher o ouro
deste rio.
O grande Pan é morto
O piloto Tamur, estando uma tarde no seu navio junto às
ilhas do mar Egeu, êle e todos os seus companheiros ouviram
uma voz, que lhe ordenara, que quando chegasse a um certo
lugar, gritasse que o grande Pan era morto. Chegado a esse
lugar, apenas pronunciou estas palavras, de toda a parte se
ouviram lamentos e gemidos, como se fossem de pessoas
muito aflitas com esta notícia. O imperador Tibério, consultou
os doutos teólogos do paganismo, os quais explicaram estas
palavras como puderam e souberam, aplicando-as ao deus Pan.
Segundo Eusébio, este grande Pan ^vdi Jesus Cristo, cuja morte
234
causou uma dôr e uma consternação geral e que sucedeu,
como resa a história, no reinado de Tibério.
Como Ifis sendo donzela passou a ser um mancebo
LigdOy habitante de Festo, tinha ordenado a sua esposa
Teletusa, que, se desse à luz uma filha, a matasse. Teleiusa,
mais terna e amorosa do que seu marido, criou, como menino,
aquela que nascera das suas entranhas e que chamara Ifis
Ligdo andou sempre enganado e, quando o menino chegou à
idade de casar, contratou o seu casamento com uma donzela
da mesma cidade, chamada lanie. Teletusa fez adiar por varias
vezes o dia do casamento sob vários pretextos; exgotados es-
tes, viu-se na necessidade de recorrer à deusa Isis, que mudouIfis em mancebo e só então desposou lante.
Tão fria comq uma estátua
Pigmaíião, rei de Tiro, era irmão da célebre Dido.
As torpezas das Propetides, habitantes da cidade de Ama-tonte em Chipre, fizeram-lhe conceber um grande desprezo
pelas mulheres e por isso viveu longo tempo solteiro, sem se
entregar a nenhuma. Tendo feito uma estátua de marfim repre-
sentando uma mulher, ficou ela tão perfeita e tão formosa, que
se apaixonou por ela e recorreu a Vénus para que a animasse
e lhe desse vida; a deusa ouviu-o e Pigmaíião desposou a
estátua de quem teve um filho chamado Pafo, o fundador da
cidade de Pafos.
Esta fábula só quere dizer que aquele príncipe achou meio
de tornar sensível alguma donzela bela e formosa, que para
êle só mostrava frieza e daqui o provérbio: Tão fria como umaestátua.
235
Origem dos charlatães
O seita Abarís, era grande sacerdote de Apolo; este deus
deu-lhe o dom da profecia e uma seta sobre a qual voava pe-
los ares, Abarís representa aqueles hábeis charlatães, que tém
indústria de ganhar dinheiro, andando de terra em terra fazendo
enganos.
Ãcalo
Àcalo ou Calo, era sobrinho de Dédalo; inventou, dizem,
muitos instrumentos, como a serra, o torno, a roda, de que se
servem os picheleiros, eíc. Dédalo invejoso de tanta habilidade
do sobrinho e receando perder a sua reputação ofuscada pela
dele, resolveu matá-io secretamente; diz a Fábula, que ele o
precipitou do alto do cidadela de Minerva e que esta deusa,
que favorecia as belas artes, o recebera no meio dos ares e o
metamorfoseara em perdiz.
Acanta
Esta planta foi uma ninfa que Apolo transformou em reco-
nhecimento de ter sido dela amado. A semelhança do nomedeu origem à metamorfose.
Gigantes Alordes
O gigante Aloio tinha desposado Ifimédia ; esta tendo sido
roubada por Netiino dera à luz Oto e EfialteSy cognominados
Aloídes.
236
Aloeo criou-os como seus próprios filhos e eles cresciam
nove polegadas todos os meses, por este meio chegaram a ter
uma grandeza desconforme e uma força superior; empreende-
ram destronar Júpiter. Quando Marte se opunha a esta em-
presa, foi por eles encerrado numa prisão de bronze, onde fi-
caria sempre, se Mercúrio o não viesse livrar. Os deuses con-
siderando-se inferiores a estes terríveis inimigos, recorreram a
um artifício: Diana, vendo-as sobre um carro, transformou-se
em corça e iançou-se no meio deles; querendo atirar-lhes as
suas setas, feriram-se um ao outro e morreram das feridas.
Estes dois Aloides, filhos de Netnno, eram sem dúvida
dois famosos corsários notáveis pelos seus roubos e impossí-
veis de serem subjugados.
Marte vencido e preso por eles, era provavelmente algum
general, que foi enviado contra eles ; Mercúrio que o libertou
era algum negociante que o resgatou.
O artifício de Diana indica que Júpiter achou meio de os
desunir e de os tornar inimigos um do outro, vencendo-os
pela falta de união e por tanto de força.
Ciíoeron
Um pastor da Beócia, chamado CitcEron, aconselhou umdia Júpiter a fingir um novo matrimónio afim de obrigar /////í?
a submeter-se e com quem o deus estava indiferente. Júpiter
reconhecido por este conselho, que tinha resultado satisfatório,
transformou Citceron na montanha que tem o seu nome. Tam-
bém se diz que Citceron era um rei de Plateas, na Beócia, que
passava pelo maior sábio do seu tempo e que achou meio de-
reconciliar Júpiter e Juno.
237
Metamorfose de Egípio
Epiípio, mancebo da Tessália, obteve à força de presentes,
a afeição de Timandra, Neofron, filho desta formosa mulher,
ganhou pelo mesmo artifício o coração de Bulis, mãe de Egí-
pio ; mas isto passou-se de maneira que Egípio cometeu umincesto com sua mãe; um e outro tiveram tanto horror deste
abominável crime e os remorsos foram tão grandes, que os
deuses condoídos metamorfosearam os filhos em abutres e as
mães em corvos.
Conto de Epiménides
Epiménides era um cretense, que dormiu cincoenta anos e
que, despertando, viu que tudo tinha mudado; quiz entrar emsua casa, não o conheceram a princípio; um irmão, o mais
novo, mas que então já era de idade avançada, é que o reco-
nheceu. A notícia deste facto espalhou-se por toda a Grécia e
depois consideraram-no como um homem favorecido e prote-
gido pelos deuses e iam consultá-lo, como se fosse um Orá-
culo. Diógenes Laércio, que conta esta tradição popular, acres-
centa que, os que não podiam acreditar que Epiménides
dormira tanto tempo, o tiveram como um vagabundo, percor-
rendo a terra para adquirir o conhecimento dos simples.
Nó Górdio
Górdio era filho de um lavrador; o nó, que unia o jugo
do seu carro ao temão, era dado com tanta subtileza, que nin-
guém o podia desatar.
Outros dizem, que Górdio era pai de Midas, rei da Frigia,
238
que tinha um carro, cujo jugo era ligado ao temão por um nó
que tinha tantas voltas, que não era possível descobrir onde
começava nem onde acabava. Foi este o nó Gàniio, que Ale-
xandre A4agno cortou.
Hero e Leandro, passagem do Helesponto
Hero, sacerdotisa de Vénus, era amada por Leandro man-
cebo da cidade de Abidos. Leandro passava todas as noites o
estreito do Helesponto a nado para ir ver Hero, que estava
numa torre, onde ela tinha o cuidado de pôr um farol. Esta
empresa temerária teve um fim desgraçado; Leandro foi sub-
mergido por uma tempestade, o seu corpo foi levado pelas
ondas até à torre e Hero, que o reconheceu, atirou-se do alto
da torre para o mar, onde desapareceu para sempre.
Donde vem a palavra Mausoléu
Mansolo, rei da Caria, é quem deu o nome aos Mauso-
léus, pelo soberbo túmulo, que Arteniisa, sua mulher, lhe
mandou fazer. Este Mausoléu era uma das sete maravilhas do
mundo, tinha 411 pés de circuito e 140 de altura e compreen-
dia uma pirâmide da mesma altura; foi construído pelos me-
lhores arquitectos da Grécia. A rainha Arteniisa, para comemo-rar mais a memória do seu marido, estabeleceu jogos fúnebres
e grandes prémios a todos os poetas e oradores que a eles
concorressem.
História de Peribea, mãe de Ajax
Peribea era filha de Alcatoo, rei de Megara.
Alcatoo, sabendo que Peribea, amava Telamon, rei de Sa-
lamina, ordenou que a deitassem ao mar; a pessoa encarregada
239
desta barbaridade contentou-se com vendê-la a Teseii, que
movido da ternura, que ela tinha por Telarnon, a conduziu a
Salamina, onde ela deu à luz Ajax, que depois, por direito de
nascimento, herdou a coroa.
Piedade, de CSeobJs e de Biton, recompensada
Cleobis e Biton eram filhos de uma sacerdotisa de Argos
:
um dia fallando-lhe os cavalos para a levarem no seu carro ao
templo, os filhos atrelaram-se ao carro e !evaram-na.
A mãe então pediu aos deuses que concedessem a seus
filhos a melhor cousa em prémio da sua piedade; os filhos
morreram ambos de repente, como se isto fosse a melhor
cousa que pode acontecer ao homem, para se ver livre das mi-
sérias da vida.
Moralidade que se pode tirar de algumas fábulas
Faetonte guiando o carro do sol e a corrida desordenada
dos cavalos abrazando a terra e o céu; a fugida de ícaro do
labirinto, voando com azas de cera e não seguindo os conse-
lhos do pai para satisfazer os seus desordenados caprichos,
cujo resultado foi o derretimento das azas e a sua queda no
mar, dão-nos a conhecer as funestas consequências da am-
bição.
O suplício de Tântalo morrendo de fome e sede no meio
de tudo quanto podia satisfazer uma e outra cousa; a fábula
das Harpias, três monstros devoradores, Cleno, Ocipete e
Aelo, com rosto de donzela, corpo de abutre, azas nos hom-
bros e unhas nas mãos, roubando tudo quanto achavam ou
deixando infecto com o seu tacto, são a imagem do avarento
insaciável.
240
A metamorfose de Narciso formoso e belo que extasiando-
-se na fonte ao ver a sua imagem a ponto de ficar apaixo-
nado por si mesmo morreu desta amorosa paixão, representa
bem aquelas pessoas que por uma louca vaidade só se amama si próprios.
Nas Fúrias atormentando constantemente Orestes repre-
sentando-lhe o horror do seu parricídio e no abutre que roia
o fígado de Prometeu, que nunca deixava de crescer, é fácil
reconhecer os remorsos de uma má consciência,
A fábula de Medusa, cuja cabeça tinha a virtude de con-
verter em pedra todos os que para ela olhavam, representa
bem o efeito que produz uma paixão até fazer perder o juízo.
Perseu, montado no cavalo Pégaso, levando na mão umespelho em forma de escudo dado por Minerva, as azas de
Mercúrio, a espada feita por Vulcano e o capacete de Plutão,
para cortar a cabeça a Medusa, dá-nos a entender que a dili-
gência e a sabedoria são necessárias para o bom sucesso de
uma empresa; o espelho e o capacete tinham a propriedade
de o deixar ver tudo e não ser visto por ninguém.
CAPÍTULO XXVIl
Mitologia dos Egípcios
Principais divindades — Osíris. Suas instituições. Suas viagens. A sua mor-
te - Isis. Suas aventuras — Tifon, o génio do mal — Orus. Seus bene-
fícios — Deuses secundários — Animais sagrados. O boi Apis.
Os egípcios adoraram primeiro os elementos e os astros,
a seguir personificaram-nos e tornaram-nos divindades de
quem os sacerdotes contavam maravilhosas aventuras, tendo
cada uma os seus templos e os seus sacrifícios. As duas prin-
cipais divindades do Egipto eram Osíris e Isis. Osíris o sol e
ísis a lua.
Osíris é considerado como o grande civilizador do Egipto;
soberano do rico vale do Nilo, depois de Júpiter, seu pai, en-
sinou aos povos o uso que se podia fazer dos frutos da terra;
inventou os instrumentos da agricultura, cultivou a vinha e
forneceu os primeiros cachos maduros para a fabricação do
vinho. Os metais, por sua ordem, foram arrancados do seio da
terra e deles fizeram armas para exterminar os animais ferozes
que disputavam o solo ao homem. Osíris substituiu os costu-
mes grosseiros e bárbaros por leis suaves e humanas; edificou
a cidade de Tebas, levantou um grande templo a Júpiter, insti-
tuiu festas, sacerdotes e todo o ceremonial do culto. Ao mesmoU
242
tempo Isis, a augusta esposa deste deus, dava a conhecer aos
povos o trigo e a cevada, dois presentes muito apreciáveis.
Osíris torna o Egipto feliz, porém isso não é bastante,
quere que o mundo inteiro participe de todas as vantagens
que goza o seu império e pensa emespalhar a civilização por toda a terra.
Assim confia a Isis o governo dos
Seus estados, dá-Ihe por conselheiro o
sábio Hermes, por outro nome Mercú-
rio^ o superintendente dos negócios de
Júpiter e para chefe das tropas o valente
Hércules ; em seguida parte à frente
de um exército numeroso, cujas armas
deviam ser a música, as artes e a
poesia; passa à Etiópia onde uma mul-
tidão de sátiros vem engrossar o seu
cortejo; os povos desta região apres-
sam se a submeter-se às suas leis be-
néficas e só os abandona depois de
lhes ter fertilizado os campos e ensi-
tiado a aproveitar as águas do Nilo. Da Etiópia passa à Ará-
bia e às Incitas onde torna conhecidas muitas invenções úteis
e organiza cidades consideráveis. Resolvendo voltar aos seus
estados, toma outro caminho no seu regresso; chega à Trácia
onde mata o rei Licurgo, que tentava opor-se às suas intenções,
deixa na Macedónia seu filho Macedo, de quem esta região
deriva o seu nome e encarrega Trptolemo de ir ensinar aos
Atenienses a arte de cultivar os campos e a vinha. -juioi
Durante a ausência de Osíris, seu irmão Tifon, que^ 'aspi-
rava à coroa, revoltara-se; mas Isis, dirigida pelos conselhos de
Hermes e sustentada pelas armas de Hércules derrotou os
seus partidários; então Tifon, derrotado em Anfea, fingiu
esquecer os seus projectos de usurpação e reconciiiou-se
com Isis. bi33Be ,2^}^^! uiuí
OSÍRIS
243
Algum tempo depois Osíris reaparece triunfante no meio dos
seus povos a quem encheu de novos benefícios iniciando no-
vas descobertas; Tifon, afectando grande alegria, convida Osí-
ris para um grande banquete a que assistem setenta e dois
conspiradores; por ordem de Tifon, no auge da alegria do
banquete, uns escravos trazem um cofre preciosíssimo que ex-
cita a admiração de todos: Tifon promeíe-o
àquele cujo corpo se ajuste perfeitamente ao
cofre, todos fazem a experiência, porém ne-
nhum fica nas condições estipuladas; então
Osíris experimenta também e coloca-se dentro
do cofre, onde o seu corpo se ajusta perfei-
tamente; logo os conspiradores se lançam
sobre êle, fecham-no no cofre, cobrem-no de
chumbo e abandonam o corpo do infeliz
príncipe às águas do Nilo que o levam para
o Mediterrâneo, onde entra pela embocadura
do rio chamado Tanitica,
Isis estava na cidade de Cliernis, quando
soube do horrível atentado de que havia sido
vítima seu esposo; vencida a princípio pelo ex-
cesso da sua grande dor, em breve se reanima
com a esperança da vingança e o desejo de prestaras ultimas
honras a seu marido, veste-se de luto e começa as suas aven-
turas. Segue o curso do Nilo, até onde começa o Delta, aqui
se detém numa incerteza dolorosa até que algumas crianças
lhe indicam o braço do rio, por onde o cofre fatal entrou no
Mediterrâneo; chegada ao mar, não é mais feliz, nenhum ves-
tígio encontra que lhe revele o curso que havia seguido o
cofre; toma então por companheiro de viagem o deus Anubis,
dotado da forma e do faro de cão, que sem dúvida saberá se-
guir o curso tomado pelo cofre; assim guiado chega às costas
da Fenícia e com efeito o cofre detivera-se nas proximidades
de Biblos, no meio dos canaviais, dentro de um vejetal que
ISIS
244
em pouco tempo atingira dimensões maravilhosas; o rei de
Biblos, entusiasmado pela beleza desta árvore, mandou-a cor-
tar e do seu caule fizera uma das colunas do seu palácio.
Isis avança até às portas de Biblos, assenta-se junto de
uma fonte onde as damas da rainha a avistam e a interro-
gam; em seguida é conduzida perante a rainha que lhe con-
fia o filho para o amamentar. Alguns dias se passam assim
até que a humilde ama, aparecendo sob a forma de uma pode-
rosa deusa, declara o fim da sua viagem e reclama a coluna
que encerra o corpo do seu esposo ; o rei de Biblos entrega-
-Ihe o cofre e ela íransporta-o para o Egipto, para a cidade de
Buto, onde secretamente estava sendo criado seu filho Oriís^
e ali o esconde no meio de uma sombria floresta; uma noute
porém, Tifon andando à caça longe do seu palácio, embienha-
-se na floresta e encontra o cofre, cuja forma e feitio êle bemconhecia; abre-o, tira de dentro o cadáver do irmão, corta-o
em catorze pedaços e espalha-os em sítios afastados uns dos
outros. Isis não tarda em ter conhecimento deste atentado;
desolada e triste por mais uma vez ter perdido o seu esposo
querido, embarca num barquinho de papiro e recomeça as suas
buscas; percorre as sete embocaduras do Nilo e por fim en-
contra os bocados do corpo de Osíris, vai sepultá-los na ex-
tremidade meridional do Egipto; em Filos e em todos os sítios
onde encontrou os pedaços do cadáver do infeliz monarca
mandou edificar templos.
Esta fábula tem uma explicação:
Osíris é o sol, o princípio que anima e fecunda o mundo
;
è também o céu e o Nilo, esse benéfico rio do Egipto. As via-
gens de Osiris e as suas conquistas no Oriente, que havia
civilizado, são o símbolo de curso do sol que espalha por
toda a parte a sua fecundidade.
Isis, é a lua, o ar, a terra de preferência, isto é a do Egipto
inundado e fertilizado pelo Nilo. Os gregos confundiram Isis
com Io, que foi metamorfoseada em vaca, chamaram-lhe tam-
245
bém Ceres, por que os egípcios lhe atribuíram a invenção da
agricultura.
Tifon, è o ardor excessivo do sol que produz a seca, é o
vento do deserto que sopra abrazador e destruidor, é o mar
que faz desaparecer nos 3eus abismos o Nilo, é emfim, tudo
quanto é nocivo, o génio do mal, inimigo das divindades ben-
fazejas. O lago Serbonis, cujas águas são fétidas, era o seu tú-
mulo e o crocodilo o seu símbolo ; o sal, considerado como a
espuma de Tifon, era interdito aos sacerdotes egípcios, bem
como o peixe, que era o símbolo do ódio.
Depois de Osíris e de Isis, o mais célebre dos deuses egíp-
cios era Ori/s, de quem os gregos fizeram Apolo.
Educado com ternura e solicitude por sua mãe, Oriís de-
clarou e fez guerra a Tifon, venceu-o, mas pouco depois
morreu às mãos dos seus inimigos.
/s/5 tendo encontrado o cadáver de seu filho no Nilo, deu-
-Ihe nova vida, a imortalidade e ensinou-lhe a medicina; Orus
tornou-se célebre em todas as regiões da terra enchendo-as de
benefícios. Oras era o calor vivificante do sol.
Entre outras divindades havia Ftá, Neite, Mendes, Anion,
Tot, Harpocrate, Btibastis, Bufo e Serapis. Sob o nome de
Ftá disignavam os deuses o fogo que vivifica a natureza in-
teira, é o deus que os gregos chamaram Vulcano ; o mais
célebre dos seus templos era em Mênfis. Neite, era o sabe-
doria suprema, a Minerva ou Palas dos gregos, adoravam-
-na particularmente em Sais ; Mendes, o Pãn dos gregos, de-
signava ao mesmo tempo a natureza e a inteligência; Anion,
que os gregos chamaram Júpiter, era o deus supremo, con-
fundiram-no com Osíris, era adorado sobretudo em Mênfis e
em Tebas; Tot, chamado Mercúrio pelos gregos, era o inven-
tor das sciências, Tot em egípcio significa coluna, chamavamassim este deus, porque era nas colunas que se gravavam as
narrações dos acontecimentos e factos notáveis; entre os gre-
gos, as colunas chamadas Hermes, eram o depósito da sciência
246
e o seu deus chamavam-no também Hermes. Harpôcrate, que
algumas vezes é confundido com Onís, era o sol fraco, ainda
quando começa o seu curso no inverno; como o representavam
com um dedo nos lábios, os gregos chamaram-no o deus dosilêncio. Biibastis, que os gregos chamaram Diana, era a lua
nascente; a festa desta deusa, celebrada em todo o Egipto, era
uma das maiores solenidades; durante elas o Nilo era coberto
de barcas ricamente ornamentadas e cheias de viajantes que
entoavam cânticos de alegria; na cidade de Bubastis, que lhe foi
consagrada, adoravam também os gatos, a quem faziam magnífi-
cos funerais. Bufo, designava a lua cheia, pretendiam ter ela ali-
mentado Onís e Bubastis; os gregos chamaram-na Latona,
mãe de Apolo e de Diana; tinha um oráculo célebre na mesmacidade a que davam o nome de Buto.
Com o nome de Serapis designavam o sol, que se afasta
do nosso hemisfério e avança até ao trópico nos mezes de
inverno, também designavam com este nome o Nilo; o mais
célebre e o mais frequentado de todos os templos consagra-
dos a Serapis era o de Canope.
Os egípcios não se contentaram só de adorar os astros e
as forças da natureza personificadas, adoraram também certas
plantas e quási todos animais de que se nutriam, sendo cada
espécie consagrado a uma divindade; havia homens dedicados
ao serviço dos animais sagrados e as suas funções tornavam-
-nos respeitados pelo povo, estas funções eram hereditárias;
quando os animais morriam, sepultavam-nos, uns nos próprios
lugares da sua morte, outros em sepulturas particulares que
lhes eram consagradas.
Nem todos os animais eram igualmente adorados, mas o
Egipto inteiro prestava culto ao boi, porque o povo acreditava
que a alma de Osíris tinha habitado muito tempo o corpo
deste animal que supunham encerrar ainda a alma deste
deus, era chamado o boi Apis e era reconhecido por ter
certos sinais particulares. O boi Apis tinha em Mênfis dois
247
templos magníficos, que êle habitava alternadamente e onde o
iam consultar como oráculo. Todos os anos se celebrava a
sua festa, que durava sete dias, durante os quais o passeavam
pela cidade com grande pompa acompanhado dos seus sa-
cerdotes.
O boi Apls devia viver só um certo numero de anos; che-
gado ao limite marcado pelos livros sagrados, os sacerdotes
conduziam-no às margens do Nilo e afogavam-no solenemente
com as ceremónias prescritas. Depois da morte do boi Apls,
os sacerdotes rapavam os cabelos da cabeça em sinal de luto;
em todo o Egipto o sentimento era geral até se encontrar ou-
tro para o substituir. Quando os sacerdotes encontravam outro
boi Apis, o sentimento de dor tornava-se daí em diante emalegria, conduziam-no para a cidade do Nilo, onde durante
quarenta dias era tratado unicamente por mulheres; em seguida
embarcavam-no num navio ornamentado com magnificência e
levavam-no pelo Nilo até Mênfis, onde o guardavam no templo
de Ftá ; o novo Apis era objeto de adoração dos povos até
à sua morte.
Além dos deuses superiores adoravam os egípcios ainda os
Cabires, deuses inferiores investidos de um certo poder. Estes
deuses, no número de sete, eram representados sob a forma
de anões com grande barriga e cabeça monstruosa. Eram ar-
mados com martelos e julgavam-nos guardas do Egipto,
Depois da conquista do Egipto por Alexandre, sob o do-
mínio dos Ptolomeus, a religião modificou-se, e as homena-
gens prestadas a Osíris passaram para Serapis em Alexandria,
onde concorriam todos os doentes do corpo e do espírito soli-
citando a respectiva cura.
Os sacerdotes do Egipto, depositários da sciência e os
mais poderosos do estado, reservavam para si unicamente o
conhecimento dos grandes princípios religiosos e deram à cre-
dulidade dos povos fábulas obscuras, cujo sentido a sua inte-
ligência não era capaz de atingir.
CAPITULO XXVIII
Mitologia dos Babilónios
e dos Persas
Culto dos Babilónios— Belo. Seu templo — Culto dos Persas— Zervane-
-Akerene — Ormuzd ou o bom princípio — Ahriman ou o mau princí-
pio — Mitra ou o génio do sol — Os magos — Zoroastro.
Mitologia dos Babilónios
Os babilónios, povos da Ásia que habitavam uma vasta
região regada pelos rios Tigre e Eufrates, adoravam os astros
e prestavam culto particular ao sol ou ao fogo. A sua princi-
pal divindade era Belo ou Bal, que tinha um templo magnífico
edificado sobre as ruínas da famosa torre de Bobei ; este tem-
plo era um edifício quadrangular tendo cada lado cerca de
áo\s estádios ou trezentos e sessenta metros; no meio elevava-se
uma torre de um estádio ou cento e oitenta metros de altura
e outro tanto de largura; sobre esta primeira torre estava cons-
truída uma segunda da mesma altura, sobre a segunda umaterceira e assim sucessivamente até ao número de oito, de
modo que a altura total era de mil quatro centos e quarenta
metros; subia-se até ao cimo por uma rampa, que circulava por
249
fora de cada uma das torres; no ponto mais elevado achava-
-se o santuário consagrado à divindade e ainda por cima uma
espécie de observatório astronómico.
Os Caldeus eram os sábios, e os sacerdotes babilónios ; ob-
servavam com cuidado o curso dos astros, fazendo grandes
progresso na astronomia, mas também se entregavam ao estudo
da astrologia, sciência falsa e absurda, por meio da qual pre-
tendiam conhecer e advinliar o futuro.
Mitologia dos Persas
Os persas povos da Ásia como os babilónios, eram afa-
mados desde tempos remotos pela sua sabedoria; o seu culto
era de uma simplicidade extrema, adoravam a água, a terra, o
ar, os ventos e também os astros que brilham na abóboda
celeste, mas não prestavam homenagem aos animais imundos;
adoravam o sol com um profundo respeito, sobretudo o sol
nascente; honravam particularmente o fogo, invocavam-no
nos sacrifícios e conduziam-no sempre à frente do rei,
quando em marcha, a guarda do fogo sagrado era confiada
aos magos ; também prestavam culto à lua ; não tinham tem-
plos e era no cimo das montanhas que adoravam os seus
deuses ; os magos eram os sábios, os sacerdotes dos persas,
e os depositários de todas as cerimónias do culto.
Os persas reconheciam um deus supremo, eterno e infinito,
isto é o tempo sem limite; este deus, que não teve princípio
nem fim, era chamado Zervane — Akerene dêle' nasceram, Or-
muzd ou Oremaze e Ahriman ; Ormuzd era o princípio da luz,
Ahrímani o das trevas.
Ormuzd, o princípio da luz e do bém, é o autor de tudo o
que há de bom na ordem moral e na ordem física, nutre e
conserva a espécie humana, dá a todos os seres o fogo, que
os anima, cobre as árvores e as plantas de flores e de frutos,
vigia pelo justo, abre o caminho da pureza a quem tem sede
250
do bem e ajuda o homem na hora da morte. Orniuzd reina
sobre a terra do Iran, terra da luz e da justiça, mas a sua ha-
bitação é na mais elevada das três esferas celestes, que comu-
nicam com a terra pela ponte Tchínevad, cuja guarda é con-
fiada a génios luminosos; o sol gira por cima do seu trono e
parece estar suspenso nesse zimbório ma-gnífico que ilumina
á presença de Ortniizd, como um rico diamante na extremi-
dade de uma cadeia preciosa.
Oriniizd é considerado como o criador dos sete Amschas-
pands, espíritos bemfeitores e imortais, e como o pai dos Izeds^
génios inferiores que presidem aos dias e aos meses do ano e
que estão incessantemente ocupados na felicidade dos homens
e do mundo. Os Izeds, como bons servos, são dóceis e fiéis
cumpridores das ordens dos Amschaspands e de Orniuzd.
Aliriman é o princípio do mal, o princípio das trevas, é o
adversário irredutível de Orniuzd, vivendo ambos em luta per-
pétua. Em todos os lugares, onde Orniuzd leva a branda e
pura claridade, a ordem, as virtudes, a fecundidade e a vida, o
mau Ahriman procura logo introduzir a medonha escuridão,
a desordem, os vícios, a esterilidade e a morte, por esta forma
Ahriman contraria em tudo Orniuzd; aos génios tutelares e
benéficos Izeds, opõe Ahriman outros tantos malfazejos cha-
mados Devs, aos Amschaspands, príncipes dos Izeds, opõe
êle os príncipes dos Devs.
A habitação de Ahriman é nos infernos, o seu império é
o Turan, região árida, onde se estendem vastos desertos inces-
santemente percorridos por hordas selvagens insaciáveis de
sangue; tudo o que aflige os homens, tudo o que perturba
a ordem da natureza, é obra de Ahriman; os crimes, o deses-
pero, as doenças, a peste, as tempestades, os tremores de terra,
tudo provém desse deus maléfico. Ormiizd está constantemente
ocupado em beneficiar e conjurar todos estes flagelos ; é umaluta constante entre estas duas divindades em todos os luga-
res e a todos os instantes.
251
Doze mil anos, segundo diz o texto sagrado, foram dados
pelo deus Zervane-Akerenc para a luta entre Ormuzd e Ah-
riman, este período é dividido em quatro idades iguais ; na pri-
meira idade Ormuzd é o único senhor do universo, foi nessa
idade que êle criou a luz, as três esferas celestes, a terra, o sol,
a lua e todos os outros astros que brilham no firmamento. Nosegundo período, o princípio do mal, Ahriman, quere começar
a luta, cria as trevas, mas na presença do brilho do seu rival,
o esplendor deslumbra-o e volta ao seu tenebroso império onde
permanece sepultado durante esta segunda idade. Ormuzd, que
o desespero de Ahriman deixa em socêgo, continua a sua
acção benéfica criando os génios encarregados de velar pelo
mundo e principalmente pelos homens. No começo da terceira
idade, que corresponde ao periodo actual da humanidade, Ahri-
man a quem a sua malícia revelou ter chegado o período da
sua acção maléfica, entra no império de Ormuzd, à frente das
Devs, porém não podendo suportar o brilho do seu rival, desce
à terra com o coração cheio de ódio e de vingança ; toma en-
tão a forma de uma serpente e depois de ter manchado como seu sangue impuro todos os produtos da terra, esconde-se
junto da árvore Reivas, árvore misteriosa nascida do sangue
de Ikaiomorts, primeiro homem formado por Ormuzd e que
Ahriman havia morto ; esta árvore em vez de ramos, tinha dez
casais humanos, cujos descendentes povoaram a terra.
Ahriman aproxima-se de Meschia e de Meschiana, o pri-
meiro casal descendente dum dos ramos desta árvore para os
seduzir, oferecendo-lhes leite de cabra e frutos; conseguido o
seu fim, faz-lhes perder a felicidade e a imortalidade; então tra-
va-se, entre o bom e o mau princípio, uma série de combates en-
carniçados e nesta luta mortal, o génio do mal parece levar o
melhor sobre o génio do bem; de dia para dia o homem é
avassalado pelos males os mais insuportáveis e morreria infa-
livelmente, se o benéfico Ormud não viesse em seu auxílio.
O triunfo do borh princípio tem sido preparado pelo cor-
252
rer dos tempos e deve-se manifestar por um cometa maléfico,
que escapando aos olhares da lua encarregada de vigiar os
seus movimentos, atravessará o espaço e chocará com a terra
que será reduzida a cinzas e devorada por um fogo imenso; as
almas humanas passando através das chamas purificar-se-hão,
em vão os maus génios e todos os servos de Ahnmaii tenta-
rão um último esforço contra o poderoso Ormuzd, eles pró-
prios serão purificados pelas chamas que hão de consumir
toda a criação visível; do seio deste imenso incêndio surgirá
um novo universo, um novo céu, uma nova terra mais pura»
mais perfeita que a antiga e destinada à imortalidade; então
desaparecerão os crimes, o mal, os choros e o inferno; o pró-
prio Ahriman, confundindo-se com Ormuzd no Eterno, can-
tará louvores à luz, e todas as almas arrebatadas por esta su-
blime harmonia, gozarão de uma ventura inalterável e eterna.
Mitra, ou o génio do sol, é o mais brilhante e o mais po-
deroso dos bons génios, dos Izeds ; Ormuzd é o seu criador
a quem ê!e reconhece como soberano da natureza; tem mil
olhos e mil ouvidos para melhor ver e ouvir o que se passa
no universo: é êle que dispensa à terra a luz e o calor, é êle
que a cobre de flores e de frutos, é êle que coloca no trono
os bons reis, à frente das províncias governadores fiéis e no
comando dos exércitos os mais bravos guerreiros.
Deve-se invocar Mitra três vezes ao dia, ao nascer da au-
rora, ao meio dia e ao pôr do sol ; é o único que entre os per-
sas tem um culto especial acompanhado de ceremónias reli-
giosas e sagradas; os mistérios deste deus eram celebrados
no fundo de uma gruta e, para ser neles iniciado, era preciso
ser sujeito a duras e longas provas, que sendo a princípio
brandas se tornavam cada vez mais violentas e quási insofrí-
veis ; os adeptos eram encarcerados, sujeitavam-nos a longos
jejuns, a flagelações cruéis, a todo o género de tormentos que
punham muitas vezes a sua vida em perigo. Os que podiam
resistir a estas terríveis provas, eram baptizados; no rosto
253
era-lhes impresso um sinal peio qual eram consagrados ao bomprincípio; eram depois iniciados pelos sacerdotes nos dogmasmisteriosos, cujo segredo não podiam revelar, estando sujeitos
aos mais severos e cruéis castigos; finalmente punham-lhes na
cabeça uma coroa, que eles não aceitavam dizendo «Mitra é a
minha coroa»;guardavam a espada que lhe ofereciam ao
mesmo tempo e desde logo eram declarados soldados de Mi-
tra e saudavam todos os assistentes em nome dos seus irmãos
de armas.
Mitra é ordinariamente pintado sob a forma de um man-
cebo esbelto e robusto, armado de uma espada que está en-
terrando na garganta de um touro; este touro é o emblema do
ano solar, que morre para renascer imediatamente. Os persas,
que não tinham templos, como os gregos e os romanos, tam-
bém não tinham estátuas para os seus deuses.
A guarda do culto de Mitra e a execução das ceremónias
religiosas eram confiadas aos magos, sacerdotes que gozavam
dum poder quási ilimitado e de uma grande consideração;
consuitavam-nos sobre todos os negócios importantes e as
suas respostas eram considerados como oráculos; hão só lhes
confiavam a educação dos príncipes, mas até o rei, antes de
ser coroado, era sujeito a uma espécie de exame perante eles;
algumas vezes chegavam a abusar do seu poder, sendo temi-
dos pelos próprios soberanos. Havia um dia no ano em que
lhes era permitido aparecer em público, nesse dia era celebrada
a festa do massacre em comemoração dum acontecimento que
havia perturbado a paz da Pérsia : um dos magos, depois de
ter enganado o povo, apoderara-se do trono, mas em breve o
povo, conhecedor da mentira, encolerizado, matou o usurpador
e todos os seus partidários.
As doutrinas da religião dos persas estão compendiadas
no Zend-Avesta, livro sagrado composto por Zoroastro, que
é considerado como o fundador e o chefe, ou antes como o
reformador da religião dos magos; segundo a opinião mais
254
comum, este filósofo célebre nasceu pelos fins do império dos
Medas, poucos anos antes da subida de Ciro ao trono da
Pérsia, pelo ano 564 antes de Jesus Cristo ; a sua vida é pouco
conhecida, sabe-se no entretanto que passou a sua juventude
na prática do bem, meditando sobre a reforma religiosa e, comotodos os reformadores, não foi isento dos ódios, da inveja e
das perseguições dos outros; mas a sua doutrina mais pura
que todas as crenças religiosas seguidas nas províncias da
Pérsia, acabou por triunfar de todos os obstáculos, conseguiu
o respeito dos povos e o seu nome foi glorificado.
CAPÍTULO XXIX
r
Mitologia dos índios ou Indus
Brahm ou Bagavan — Brahma — Vichenou. Suas encarnações ou transfor-
mações — Siva — Bonda — Os Brahmes ou Brahmanes.
Nos índios ou indus há duas épocas de mitologia: a época
antiga, cujas fábulas tem grande analogia com as da Grécia e
a época moderna em que as fábulas antigas são substituídas
por outras não menos estravagantes mas duma aparência mais
filosófica. Os índios adoravam primitivamente os elementos e
os astros, a água e o fogo, o sol, etc; acreditavam, comoainda hoje a maior parte, que as almas separando-se do corpo
humano vão animar o corpo de um animal ou de uma planta
;
esta migração das almas chama-se metempsicose. O deus prin-
cipal era Indra, comparado em tudo a Júpiter, combatia na
tempestade contra o demónio Vritra^ monstro em forma de
serpente que encerrava no seu corpo as águas da benéfica
chuva. Agni era o deus do fogo, as outras divindades eram a
Aanra, os Açvines comparados a Castor e Polux e represen-
tavam os dois crepúsculos, o da manhã e o da tarde; Voruna,
o céu da noute, o Urano dos gregos; Aditi, a terra, mãe dos
doze deuses solares Savitri, Mitra, Vichnu, etc; o deus dos
256
mortos lama; as Pitris ou as almas dos antepassados e mui-
tos outros.
O sentimento da unidade divina, encontrado nas fábulas
antigas da índia, aparece também nas fábulas modernas ape-
sar de tudo quanto elas encerram
de monstruoso.
O seu deus supremo é Brahm,
chamado também Baghavan, deus
eterno, absoluto, cuja imensidade
abraça o universo inteiro; este ser
supremo divide-se em três, cujo
conjunto forma a Trimurti ou trin-
dade indiana, composta dos três
deuses Brahnia, Vichtia e Siva.
Brahma, é o princípio criador;
Vichnii o princípio conservador, e
Siva, o princípio destruidor. Ba-
ghavan, o graude Deus delega
os seus poderes na triniiirtri e
numa multidão de divindades su-
balternas. ORfl -iKTIliO 10(|
Brahma é o primeiro mem-bro da trimurtri e passa por ser
o criador de todas as cousas; d.escendente de Baghavan por
uma série de transformações desconhecidas, nasceu com qua-
tro cabeças e teve por berço um loto ou Iodam; assentado
no cálice da flor dessa árvore, Brahma dirige admirado os seus
olhares para todos os lados, os olhos das suas quatro cabeças
apenas vêem vastas águas cobertas de trevas; aterrorizado por
este panorama e não podendo conceber o mistério da sua ori-
gem, fica imóvel, mudo e absorto na sua contemplação; correm
os tempos, e de súbito uma voz se faz ouvir e lhe aconselha
implorar Baghavan; Brahma dirige-lhe as suas súplicas e logo
'<!>'• deus supremo lhe aparece sob a forma humana tendo mii
A TRIAIURTI:d^^ ,\-
1257
cabeças; Brahtna prosta-se por terra, canta louvores ao grande
deus, que, querendo recompensar o seu adorador, faz desapa-
recer as trevas, mostrando-lhe os mundos ainda em gérmen
e como que adormecidos e dá-Ihe o poder de os fazer sair
deste abismo luminoso. Depois de ter passado um grande nú-
mero de anos a contemplar este sublime panorama, Brahmacomeça a obra da criação: primeiro faz nascer as sete giíarsas,
ou esferas estreladas, alumiadas pelos devatas, génios benéfi-
cos, depois criou a terra com duas magníficas lâmpadas, o sol
e a lua; fijialmente formou as sete patalas ou regiões inferio-
res, tendo por archotes oito carbúnculos colocados sobre
as cabeças de oito serpentes; é aqui que habitam as daitias
ou acuras, génios funestos, amigos das trevas e do mal.
Mas na terra não havia habitantes; as vedas ou livros sagra-
dos dos Indús contam que de Brahma nasceram quatro filhos;
um saído da boca, outro do braço direito, outro da coixa di-
reita e o último do pé direito, donde descendem as quatro
castas de que adiante falaremos. Acrescentam os livros sagrados,
que desde então proibiu toda e qualquer aliança entre as cas-
tas, escreveu na fronte de todos os homens o que lhes devia
acontecer desde o nascimento até à sua morte; doutrina fata-
lista, que recorda a acção do Destino na mitologia grega.
Vichna é a segunda pessoa da trindade indiana, é o con-
servador de tudo o que foi criado por Brahma; as incarna-
ções ou transformações de Vichnii constituem uma parte
essencial da crença dos indús; as principais são as seguintes:
Um dia um homem piedoso, chamado Satiavrata, fazendo
as suas abluções no rio, agarrou um peixe que meteu dentro
de um pequeno aquário; ao fim de algumas horas o peixe ti-
nha crescido tanto, que já não cabia no aquário; meteu-o de-
pois numa tina mas «m breve esta também era pequena, foi
crescendo e sucessivamente metido num tanque, num lago,
num rio e finalmente no Oceano; este peixe era Vichnu que
dirigindo-se a Satiavrata lhe disse: «Em sete dias, para casti-
17
258
gar o demónio Haíagriva, que devorou os livros sagrados,
tudo será submergido, mas tu verás por cima das águas umgrande navio no qual entrarás com casais de todos os animais
e grãos de todas as plantas». Satiavrata obedece e apenas
entra no navio, o Oceano transbordando inunda toda a terra,
então Vichfiu, levantando-se do seio das ondas sob a forma
de um peixe formosíssimo, armado de um chavelho gigantesco
ataca o demónio, mata-o e recupera os livros sagrados.
Uma outra vez o monte Merii, no cume do qual, segundo
a mitologia indiana, está colocada a terra, submer^ia-se no
mar; os homens, prestes a perecerem, imploraram o deus
conservador; Viclinu toma a forma de uma imensa tartaruga e
apressa-se a evitar a queda do monte gigantesco. Pouco depois
um gigante, mau génio, ameaçava submergir a terra uma se-
gunda vez; Víchnu toma a forma de um javali e levantando
nas suas fouces (dentes) a terra, coloca-a novamente em equi-
líbrio sobre as águas.
Mas as mais célebres incarnações de Víchnu são as de
Rama e de Criclina.
Viclinu, querendo libertar o mundo das crueldades dumtirano chamado Ravana, toma, sob o nome de Rama, a
forma dum jovem e esbelto príncipe, poderoso e forte, pede
em casamento a princesa Sita, cuja mão era disputada por mi-
lhares de príncipes estrangeiros e pelo próprio cruel Ravana;
porém, o pai de Sita declarara que sua filha seria o prémio da
destreza reunida ao vigor e só a obteria quem soubesse mane-
jar um arco imenso, inapreciável presente da divindade; no
dia marcado para a luta, o arco é trazido por uma multidão de
escravos; todos os príncipes, uns após outros, procuram pe-
gar-lhe, porém todos os esforços foram em vão e nenhum é
capaz de o mover; então Rama, aproximando-se, levanta-o
como um simples brinquedo, estende-o e com tanto vigor o
fez que, quebrando-o pelo meio, se ouve logo um som terrí-
259
vel; reconhecido vencedor, o jovem herói desposou a bela e
virtuosa Sita.
Ausente por algum tempo e ocupado em destruir os gigan-
tes que infestavam os bosques e os desertos, o feroz Ravanarapta Sita e leva-a para a ilha de Lanka, situada para além dos
limites da terra; a esta notícia, Rama põe-se a caminho para
reconquistar a sua esposa querida, faz aliança com Sungriva, rei
dos macacos, vindo em seu auxílio também uma legião de ursos;
chega à borda do mar, porém reconhecendo quási impossível
a passagem para a ilha de Lanka, os macacos atiram para o
mar enormes blocos de pedra e consegue por esta forma arran-
jar uma ponte de rochedos sobre a qual os ursos e os macacos
passam sem perigo; chegados a Lanka, travam então umasérie de batalhas em que Ravana acaba por ser vencido e
morto no meio de gigantes, seus aliados. Rama, não julga
porém terminada a sua tarefa, civiliza os povos pela agricultura,
dá-lhes leis sábias, inicia-os na religião, nos deveres de socie-
dade e nas artes, em seguida sobe para a mansão celeste
donde vigia com Sita a felicidade dos mortais.
Vichnu queria combater a injustiça por toda a parte onde ela
se apresentasse. Kansa, gigante famoso pelas suas iniquidades
destronara seu irmão que reinava em Matura; um oráculo pre-
dissera que um dia seu próprio sobrinho lhe tiraria a coroa e
a vida; Kansa, preocupado com estes sinistros terrores, jurou
mandar matar todos os filhos de sua irmã, a bela Devaki, a
qual deu à luz sete, que foram todos impiedosamente degola-
dos; por fim nasceu um oitavo, que recebeu o nome de Cri-
chna, era o próprio deus Vichnu que tomara esta forma para
pôr termo aos crimes do usurpador. Em vão Kansa envia os
seus guardas ao palácio de sua irmã, em vão ordena uma ma-
tança geral de todas as crianças de pequena idade; o meninodivino escapa sempre ao seu furor, pois havia sido transpor-
tado para além da ribeira lamuna, para a cidade dos pastores;
ali fora alimentado, ali crescera, sendo os jogos da sua infân-
260
cia dedicados a combates contra os gigantes e contra os mons-
tros que devastavam a terra. Chegado o tempo em que o
ímpio Kansa devia sucumbir, Crichna dirige-se a Matura
onde o tirano, alegre por ver o inimigo nas suas mãos, mas
aterrorizado pela lembrança das antigas profecias, propõe a
Crichna provas que hão de fazer brilhar o seu vigor aos olhos
do povo reunido, apresentando-lhe um arco gigantesco para
éle o manejar; tinha este arco a propriedade de dar a morte ao
temerário que o manejasse. Crichna não o maneja, parte-o, o
povo aplaude; Kansa furioso, ordena aos seus guardas que
prendam o insoiente que afrontara o seu poder; Crichna,
com uma simples vista fere de morte todos os que ousam to-
car-lhe, Kansa fica sem defensores, o terror torna-o imóvel e
mudo, cai do trono e é arrastado pelo chão até exalar o úl-
timo suspiro.
Siva é a terceira pessoa da trímurti; consideram-no vulgar-
mente como o deus destruidor e por esse facto o inimigo de
Brahma, o criador e de Vichnn, o conservador; também é con-
siderado como deus produtor, dando uma forma nova a tudo
o que morre; nada de mais poderoso e de mais elevado do
que Siva, produtor; nada de mais terrível e de mais monstruoso
do que Siva, destruidor.
Como deus produtor, representam-no levado por umtouro branco, caindo-!he a água celeste sobre a fronte cuberta
de expessos cabelos e rodeado por uma multidão de divinda-
des que lhe prestam homenagem; como deus destruidor, Siva
é levada por um tigre de dentes aguçadas e de boca aberta
por onde lhe sai fogo, o corpo cingido de serpentes e nas
mãos uma espada e um facho.
Depois dos deuses da trimurti, que originaram três seitas,
vem um outro deus supremo Buddha, cujas sectários são nu-
merosíssimos na Ásia.
Apenas o deus Buddha nasceu, mergulharam-no na água
divina, envolveram-no em pano preciosíssimo e confiaram-no
261
aos cuidados de setenta donzelas : sete lhe davam o banho,
sete o vestiam, sete o embalavam, sete velavam pela limpeza
dos seus fatos, sete o divertiam com os seus jogos, finalmente
as restantes trinta e cinco o deliciavam com os seus melodio-
sos cânticos e harmoniosa música instrumental. Na sua infân-
cia anunciou o que seria um dia; nunca o ouviram chorar,
nunca se entregou aos jogos próprios da sua idade; tornado
adulto abandonou os pais, os amigos, todas as grandezas deste
mundo e resolveu tornar-se anacoreta, retirando-se para umdeserto ; aqui incessantemente entregue às suas meditações,
tinha por habitação uma cabana coberta de folhas, por vesti-
dos a casca das árvores e uma pele de leopardo, e para ali-
mento raízes e frutas, A austeridade da sua vida atraíu-lhe
alguns discípulos, que foram iniciados na sua doutrina; depois
os ricos, os poderosos, os príncipes da terra, vieram escutar
as suas lições e, como êle, logo se entregaram à prática rigo-
rosa da sua devoção; chegado à idade de oitenta anos, dizem
os livros sagrados, julgando cumprida a sua missão, desapare-
ceu nos ares, mas antes de abandonar a terra, predisse que a
sua doutrina duraria cinco mil anos.
A divisão dos indús em quatro classe ou castas remonta,
dizem, a uma grande antiguidade e existe ainda hoje; estas
quatro castas não tem relação entre si nem se misturam por
alianças. A primeira é a dos brahmes ou brahmines, os sábios,
a segunda a dos nairs, radjahs ou ràdjeputas, destinados a
governar e a guerrear; a terceira, a dos agricuUores e nego-
ciantes; finalmente a quarta a dos artistas e de todos os que
exercem qualquer ofício. Os párias não formam casta alguma,
vivem num estado de miserável objecção, são detestados pelas
outras castas e podem ser insultados e maltratados impune-
mente.
Os brahmeSy chamados também brahmines ou brahmanes
são os sábios dos indús, nesta casta estão os sacerdotes, os
sábios e os funcionários ; nos tempos antigos os brahmes eram
262
muito respeitados peio povo, não pagavam tributos, auxiliavam
os príncipe, com os seus cotlseiiios e junto dele desempenha-
vam as mesmas funções, que os magos junto dos reis da Pér-
sia; gozam ainda hoje dum grande poder entre os indús e
distinguem-se das outras castas por um fato especial e por
um cordão composto de três outros formados de nove fios
cada um, cujo algodão, de que são feitos, deve ser colhido
pela própria mão do brahme, cardado e fiado pelas pessoas
desta tribu, a fim de só passar por mãos puras.
Só aos brahmes assiste o direito de ler os livros sagrados
e os radjahs são os únicos que podem ouvir a leitura. A mo-ral, ensinada por estes livros, é reduzida aos seguintes pontos
principais: «Não matar, abstinência do uso do vinho e da
carne, fazer abluções, orações e sacrifícios» ; mas não existe a
caridade nem o amor do próximo, por esta forma um índio
que não ousa matar uma mosca ou um insecto nocivo, tam-
bém não ousa estender a mão para livrar um pária de cair
num precipício.
Sem dúvida, se encontramos nos livros sagrados dos indús
vestígios dos princípios naturais da equidade, da justiça, do
respeito aos pais, que formam a moral universal, também essa
moral existe misturada com as mais grosseiras e as mais
cruéis das superstições: não era raro ver pais e mães com os
filhos nos braços lançarem-se sob as rodas de um carro para
serem esmagados a fim de merecerem a felicidade eterna e as
viuvas deixarem-se queimar vivas juntamente com as cinzas
dos maridos.
Todas as classes adoram o Ganges^ o rio por excelência;
em certas épocas do ano e em dias marcados, os indús vão
banhar-se nas águas do rio sagrado, acompanhando as suas
abluções com cerimónias as mais extravagantes.
CAPITULO XXX
Mitologia dos povos do norte
da Europa
Crenças religiosas dos Escandinavos — Alfadur — Odin — Frigga — Balder
— Thor — Crenças religiosas dos Bretões — Crenças religiosas dos
Gauleses ou Celtas — Teut ou Teiitatés — Herta — Os druidas — Osbardos — As sacerdotisas druidas.
Mitologia dos Escandinavos
A mitologia da Escandinávia é puramente uma obra dos
bardos ou Scaldas, antigos poetas da Dinamarca, da Suécia,
da Noruega e da Islândia.
Os bardos cantavam os seus versos nos campos, nas ci-
dades e nos palácios dos reis. O mais antigo monumento da
mitologia dos povos do norte é o poema intitulado Edda, que
descrevia a formação do mundo pela seguinte forma:
«No começo dos tempos, Alfadur, o pai universal, o pai
dos deuses, fez nascer dois mundos; o Nifleim, mundo dos
nevoeiros, escuro e gelado, e o Muspelheim, mundo da luz,
do fogo abrazador e brilhante; entre estes dois mundos, es-
tendia-se um espaço infinito, um abismo imenso. Quando os
264
ventos começaram a soprar, os raios do sol do Muspelheim
ericontraram-se com os gelos do Nifleim, estes derreteram-se,
caíram em gotas e estas gotas animadas pela força do vento
deram origem a Itner, o gigante do gelo. De Imer nasceram
três filhos e das famílias destes provieram os gigantes do
gelo. Ao mesmo tempo que Imer, nasceu a vaca Audumbla,
que se alimentava lambendo os gelos salgados; um dia, cabe-
los de homem saíram destes gelos, a seguir a cabeça e por
fim um homem completo, que foi chamado Bure; seu filho,
chamado Bor, casou com Belsta, filha de um gigante e teve
três filhos, Odin, Vila e Vé, que mais tarde foram deuses, se-
nhores do céu e da terra.
Os filhos de Bor eram bons e os de Imer maus, andavam
sempre em guerra; por fim os filhos de Bor mataram o gigante
do gelo, lançaram o seu cadáver nos infernos e criaram umnovo mundo; o sangue do gigante alimentou os mares e os
rios, a sua carne formou a terra, os seus ossos tornaram-se
em rochedos e os seus dentes em pedra; da sua barba e dos
seus cabelos nasceram as plantas e as árvores e do cérebro,
lançado ao ar, vieram as nuvens ; depois desta obra, os filhos
de Bor, passeando um dia à borda do mar, viram dois troncos
de árvores, blocos informes que eles animaram e de que fize-
ram dois seres humanos ; um dos filhos de Bor deu-lhes vida
e alma, um outro o movimento e a razão, e o terceiro, a figura e
a faculdade de falar, de ouvir e de ver. Foi assim que do freixo
nasceu o homem, chamado Askur e do amieiro a mulher, cha-
mada Embra, que foram a origem da raça humana,
A mitologia da Escandinávia conta doze ases ou deuses
posteriores a Alfadiir; Odin, o mais antigo e o mais poderoso
entre eles, é considerado como o rei de todos; habitam Asgard,
cidade celeste que está no centro do universo e é aqui que se
decide tudo quanto deve acontecer na terra e no mar: umaponte de três cores, que os homens chamam arco-íris, serve
para os ases descerem à terra.
265
Odin tinha três palácios na cidade celeste: o primeiro, or-
namentado com magnífico esplendor, servia de habitação a to-
dos os deuses e ali Odin presidia ao conselho dos deuses; o
segundo continha o trono mágico, do cimo do qual os olhares
de Odin abrangiam o mundo inteiro ; o terceiro, chamado Va-
Ihalla, era uma habitação de delícias, rodeado de bosques e
de risonhas colinas, era aí que se reuniam as almas dos heróis
mortos no campo da honra.
Em Valhalla, a vida dos bemaventurados decorria em lutas
constantes e sanguinolentas e em alegres banquetes, mas to-
das as feridas recebidas durante os combates eram imediate-
mente cicatrizadas, quando tocava para o banquete; os heróis
bebiam hydromel e as suas taças eram cheias pelas valkírias
ou disas, deusas de uma inefável beleza, que, não sendo filhas
nem do céu nem dos infernos, nem dos deuses nem dos ho-
mens, e o mistério do seu nascimento sendo impenetrável,
eram consideradas como a personificação das virtudes huma-
nas. Durante o banquete dos heróis um bardo ou poeta delei-
tava as almas com os seus contos e sons harmoniosos tirados
da sua arpa de ouro.
Odin está no seu trono e de lá pode contemplar tudo o que
se passa no mundo;para executar as suas viagens ou expe-
dições heróicas, serve-se de um cavalo de oito pernas, dotado
de uma maravilhosa velocidade; dois corvos chamados umMugin, isto é, espírito, o outro Miinin, isto é, memória, estão
empoleirados nos seus hombros, são os mensageiros do deus,
e vem todas as tardes trazer-lhe o que viram e ouviram entre
os homens.
Friga, a augusta esposa do rei dos deuses, partilha do
seu trono sublime, pode, como êle, dirigir os seus olhares por
todas as regiões da terra, conhece os destinos de todos os
homens, mas não tem o poder de os fixar nem de os mudar;
como emblema da terra, Frigga recolhe os restos mortais da
266
humanidade, ao passo que Odin, emblema do céu, recebe as
almas em Valhalla.
Entre os filhos de Odin notavam-se: Balder, o deus da elo-
quência e da sabedoria, dotado de uma tão grande magestade,
que os seus olhares eram brilhantes; Tyr, o deus da coragem,
cujos olhares produziam feridas mortais; finalmente Thor, o
mais valente dos filhos de Odin; a sua autoridade estendia-se
até aos ventos, às estações e às tempestades, ultrapassando
em força e em destreza todos os outros deuses, era conside-
dado como o defensor e o vingador dos habitantes do céu; a
moca, que tem na mão e que lança ao ar contra os mágicos e
contra os gigantes, significa o raio; além desta moca, cujas
pancadas eram mortais, usava também manoplas de ferro e
um cinto ou boldrié que tinha a propriedade de lhe duplicar
as forças.
A assemblea dos deuses reúne-se ordinariamente debaixo
de um grande freixo; esta árvore é a maior de todas, os
seus ramos cobrem a superfície do mundo, a sua copa toca
nos céus, tem três grandes raízes, das quais uma vai até ao
sombrio império; uma águia, cujo olhar penetrante descobre
tudo e tudo vê, pousa nos seus ramos; um esquilo sobe e
desce constantemente para dar as suas informações ; muitas
serpentes enroscadas ao caule esforçam-se por destruí-lo
;
numa fonte visinha, três donzelas ou antes três fadas, chama-
das nornas, tiram assiduamente água para regar a árvore; esta
água tern o dom de manter a beleza da sua folhagem e depois
de refrescar os seus ramos, cai novamente para a terra em or-
valho e com este as abelhas fazem o seu mel; na fonte dois
cisnes fazem ouvir o seu canto melodioso; as três nornas,
conservam-se sempre debaixo do freixo, decidem da sorte e
da vida dos homens, enviando-lhes alternativamente os bens
e os sofrimentos, uma preside ao passado, outra ao presente e
a terceira ao futuro.
Tais são, em resumo, os principais factos da mitolologia dos
267
escandinavos, vejamos agora quais as conjecturas históricas
que podem servir para explicar estes factos.
As antigas crónicas do norte referem que, no primeiro sé-
culo da era cristã, Frigo, valente chefe de um povo asiático
chamado Ases, sendo expulso das margens do mar Cáspio
pelos romanos, veio procurar uma nova pátria no norte da Eu-
ropa e dirigiu-se para o noroeste do mar Negro, submetendo
todos os povos que encontrou na sua passagem. Tomou então
o nome de Odin, deus supremo dos Seitas; usurpando umnome tão próprio para atrair o respeito dos povos, quis servir
assim os seus projectos ambiciosos. Depois de ter conquistado
a Dinamarca, chegou à Suécia, onde foi recebido com grandes
honras pelo rei desta região; os suecos vieram prestar-lhes as
suas homenagens e em breve Odiíi governou com um poder
absoluto; fez novas leis, introduziu neste povo os usos do seu
país e estabeleceu um conselho ou tribunal supremo de doze
senhores ou sacerdotes, que administravam a justiça, velavam
pela segurança pública, presidiam ao novo culto e conservavam
fielmente o depósito dos conhecimentos religiosos, que êle
havia introduzido na Suécia: em seguida estendeu a sua reli-
gião e a sua autoridade por toda a Noruega.
Voltando à Suécia, sentindo aproximar-se o seu fim, não
quis sofrer as consequências da doença nem esperar a morte,
que tantas vezes afrontara nos combates, e, reunindo os seus
amigos e companheiros, feriu-se nove vezes com a ponta da
sua lança e declarou que ia para a Scitia reiinir-se aos outros
deuses num festim eterno, onde receberia com grandes hon-
ras os que com bravura morressem pelejando.
Viagens de Thor
Os deuses do Norte, bem como os da Grécia e da ftália
gostavam muito das viagens , e por vezes também, não dei-
xavam de aparecer na terra sob a forma de simples mortais.
268
O deus Thor também empreendeu e fez as suas viagens,
embora algumas vezes tivesse visto em perigo a sua divin-
dade. Nas suas corridas frequentes, o deus Thor servia-se tam-
bém de um belo carro com dois lugares puxado por dois bo-
des muito ágeis.
Um dia Thor resolveu fazer uma longa viagem sobre a
terra, mas receando aborrecer-se por andar só, tomou para
companheiro o astuto Loke, engenhoso e muito hábil.
jrujpela tarde, os deuses, fatigados de terem viajado todo o
dia no seu belo carro, entraram ^na casa de um camponês para
repousar, o qual, reconhecendo que eles eram dois deuses, se
prontificou a conceder-lhes a hospitalidade pedida para a noute.
Thor e Loke, antes de se deitarem, quizeram comer alguma
cousa, mas infelizmente o camponês nada tinha que lhes
desse. Decidiu-se Thor a matar os seus dois bodes e cozi-
nhou-os com um explêndido molho; desta refeição participaram
também o camponês e os seus filhos.
O camponês tinha um filho chamado Tialfe e uma filha
Raska; Thor recomendou-lhes que recolhessem cuidadosa-
mente todos os ossos dos bodes nas peles que estavam es-
tendidas ao pé da mesa; mas Tialfe deu pouca importância a
esta recomendação; com uma faca quebrou o osso da perna
de um dos bodes e chupou o tutano, sem que ninguém desse
por isso. No dia seguinte Thor, querendo pôr-se a caminho,
tocou nas peles dos animais e deu novamente vida aos dois
bodes; atrelando-os ao carro, notou que um deles coxeava e
que era precisamente aquele a quem Tialfe tinha quebrado a
perna para satisfazer a sua gulosice.
O deus Thor que era fácil de se irritar, descobrindo que
lhe tinham desobedecido, esteve a ponto de reduzir tudo e to-
dos a pó, porém o camponês e sua familia deitaram-se-lhe aos
pés implorando perdão; Thor, comovido, concedeu o perdão
pedido com condição que Tialfe e Raska o seguiriam nas suas
viagens no lugar dos dois bodes ; entregando o coxo ao cam-
269
ponês e montando no outro proseguiu o seu caminho. Embreve, Tialfe, que era muito ágil, teve de tomar às costas a
mala de Thor e todos quatro, depois de atravessarem a nado
muitos mares, chegaram finalmente a um país desconhecido.
Uma tarde os viajantes chegaram a uma vasta planície,
onde nem uma árvore havia para se abrigarem ; a noute estava
escura, não sabiam para onde se haviam de dirigir, quando o
acaso os levou a um grande palácio, que eles tomaram pela
casa de qualquer personagem importante daquela região. Comoninguém se apresentasse para lhes abrir a porta, a noute esti-
vesse adiantada e eles bastante fatigados, entraram sem cere-
mónia alguma e passaram o resto da noute no primeiro quarto
que se lhes ofereceu. Porém não foi sem algum susto, porque
de tempos a tempos a casa parecia agitada por um leve abalo
de terra acompanhado de um ruído igual ao do trovão.
Thor que era o mais valente dos quatro, apenas dormitou;
logo que amanheceu, saiu da casa, e a primeira cousa que
encontrou foi estendido por terra e profundamente adormecido
um homem imenso, um gigante que roncava com todas as
suas forças e produzia ainda o estranho ruído que os viajantes
tinham tomado durante a noute, por uma tempestade longínqua.
Thor teve vontade de aproveitar o sono do gigante para lhe
quebrar a cabeça, mas despertando, o deus contentou-se emlhe preguntar o nome a fim de se não comprometer.
O gigante respondeu-lhe logo: «! Chamo-me Skrymero. sei
que tu és o pequeno deus Thor! íQuem é que te deu licença
de entrar com os teus companheiros na minha luva e de passar
a noute no dedo mínimo ?> Ficaram todos estupefactos do pe-
rigo que tinham corrido, pois bastava que o gigante se lem-
brasse de calçar a luva para morrerem todos asfixiados sem
darem por isso.
Skrymer não era mau, propôs a Thor e aos companheiros
viajarem juntos, no que concordaram; tomando debaixo dobraço uma enorme mala, poz-se em marcha, porém os passos
270
que dava, eram tão grandes que muitas vezes se viu obrigado
a parar para que os companheiros o alcançassem.
Na noute seguinte, os viajantes tendo necessidade de des-
cançar, Skr}>mer foi deitar-se debaixo de um grande carvalho
e concedeu aos companheiros tomarem a sua refeição que
encontrariam na sua mala; apesar de todos os esforços em-
pregados, Thor e os companheiros tiveram de passar essa
noute sem ceia, porque nunca puderam abrir a mala, que jul-
garam ser obra de magia.
Thor, que tinha grande apetite, vendo que o gigante havia
zombado deles e, tendo-se apoderado dele um tão grande fu-
ror, resolveu matar o gigante durante o seu sono. Pela meia
noute, tomou a sua moca e com ela deu tão vigorosa pancada
na cabeça do gigante que julgou-o morte; este porém, meio
acordado, chamou Thor t perguntou-lhe se lhe tinha caído umgrão de areia atraz da orelha. Por conselho de Loke, o deus,
fingindo dormir, não respondeu e o gigante continuou a roncar
ainda com mais violência.
Um momento depois, Thor levantou-se e decedido desta
vez a não errar a pancada, tomou as suas precauções e deu
uma formidável pancada no rosto do gigante com a sua moca;
este pareceu apenas mecher-se e, sem despertar completamente,
murmurou : «Oh ! Oh ! há aves nesta árvore, acabo de sentir a
queda de uma pena no meu rosto».
Thor compreendeu então que era preciso renunciar a des-
fazer-se, pela violência, deste gigante invulnerável; na primeira
ocasião separou-se dele, assim como os seus companheiros;
Skrymer, que ja lhes tinha tomado amizade, antes do os dei-
xar, preveniu-os que em breve entrariam na cidade de Utgard,
capital dos gigantes e aconselhou-os a que, durante a sua
permanência ali, não se vangloriassem, porque lá não sofre-
riam o orgulho dos pequenos homens.
Os viajantes continuaram a sua viagem para esta famosa
274
cidade de Utgard, mas infelizmente esqueceram os conselhos
de Skrymer e sofreram as consequências dessa imprudência.
Logo que descobriram a capital dos gigantes, reconhece-
ram que era uma cidade rodeada de grades e fechada por
enormes varões de ferro; parecia-lhes impossível ali penetrar,
mas, à medida que se aproximavam, iam notando que o po-
diam fazer com facilidade, visto serem homens muito mais pe-
quenos que os seus habitantes. Nesta cidade as casas eram de
uma altura espantosa, os homens de uma estatura enorme e a
habitação do rei parecia tocar nas nuvens.
Admitidos neste palácio monstruoso, os viajantes foram
conduzidos à presença do rei que, vendo-os, lhes dirigiu umsorriso, que apesar de amigável tinha alguma cousa de assus-
tador, porque apertando os lábios para não mostrar uma boca
enorme, fizera uma carantonha horrorosa. Felizmente Thor
e os seus companheiros não eram medrosos, fizeram umareverência ao rei, que os acolheu com uma benevolência par-
ticular, advertindo-os porém, que só podiam permanecer na
cidade de Utgard os estrangeiros que em qualquer arte fossem
superiores aos habitantes do país.
Estas palavras produziram uma certa inquietação nos via-
jantes que se entre-olharam como a pedir conselho.
Recordaram-se então do conselho do gigante Skrymer, mas
ja era tarde.
i Vejamos, disse então o rei ao deus Loke, qual é o teu
talento? Loke, que tinha muita astúcia e malícia, mas nenhumgosto pelo trabalho, pois nunca exercera profissão alguma
útil, respondeu que a sua arte era comer mais do que
ninguém e que estava pronto a sustentar desafio fosse comquem fosse. Ao ouvir este pequeno personagem sustentar se-
melhante proposta, o rei esforçou-se para não dar uma grande
gargalhada, mandou logo chamar um dos seus cortezãos, de
nome Loge e ordenou que se medisse com o estrangeiro na
arte da voracidade.
272
Trouxeram logo uma enorme travessa cheia de carne que
foi colocada no meio da- sala ; os dois campiões assentaram-se
em volta e começaram então o desafio; quando chegaram ao
meio da travessa, constatou-se logo que Loke tinha comido só
a carfie, ao passo que Loge devorara a carne e os ossos ; to-
dos os assistentes declararam Loge vencedor e Loke retirou-se
envergonhado.
i E tu, mancebo, disse o rei gigante a Tialfe, tens tam-
bém alguma arte?
Seguramente, respondeu este sem se desconcertar; a mi-
nha arte é vencer a corrida a qualquer dos mais hábeis cor-
redores.
A esta resposta, o rei chamando um outro dos seus corte-
zãos, de nome Hugo (que na língua dos gigantes quere dizer
pensamento)^ ordenou-lhe de se medir com o estrangeiro na
corrida. Posto numa planície vasta e coberta de gelo bem unido
em breve Hugo deixou o seu concorrente para trás que, arque-
jante e vermelho de vergonha, se viu forçado a confessar-se
vencido no meio das vaias dos espectadores.
O rei voltando-se então para Thor, preguntou-lhe em que
arte queria êle dar provas de superioridade, êle cuja força, e
coragem eram conhecidas por toda a terra. O deus respondeu
-
-lhe que desejava unicamente disputar a algum gigante o ta-
lento de beber.
O rei mandou trazer logo um comprido chavelho cheio de
certo licor; preveniu Thor que os melhores bebedores do país
o esvaziavam dum só trago, um grande número em dois, e
que não havia em todos os seus estados senão um pequeno
número que o esvaziava em três. Thory persuadido que o rei
pretendia apenas intimidá-lo, tomou o chavelho e, como tivesse
muita sede, julgou que iria esvaziá-lo sem tomar a respiração.
Grande foi a sua surpresa, quando, ao retirá-lo dos lábios, no-
tou que havia ainda grande quantidade de licor no cha-
velho.
273
Thor, então, sem se confessar vencido, entregou o chave-
lho ao copeiro-mor, alegando que ele tinha algum brochedo.
Pediu ao rei que lhe permitisse a desforra, fazendo um as-
salto de força, tendo-se prevenido previamente com o seu cinto
maravilhoso.
Nós temos, disse-lhe o rei, entre nós um jogo de pouca
importância, em que se exercitam só as crianças, estou certo
que o acharás muito fácil; consiste em levantar do chão o meugato, de modo que as suas patas deixem de tocar na terra.
Acabando de dizer estas palavras, um enorme gato, côr
de fogo, saltou para o meio da saia. Thor, fazendo-lhe festas,
quiz passar-!he a mão por debaixo do ventre para o levantar,
porém todos os seus esforços foram inúteis. Desta vez, Thor,
ficou desconcertado e o rei para o consolar disse-lhe, rindo,
que este pequeno jogo não era para homens de estatura tão
pequena.
Se sou pequeno, respondeu Thor com cólera, desafio quemquer que seja para lutar comigo.
O gigante rindo mais uma vez, chamou a velha Hela, sua
primeira ama, e ordenou-lhe que lutasse com Thor.
A princípio o deus, vendo que o rei zombava dele, ten-
tou retirar-se, mas temendo ser acusado de ter tido medo de
uma velha, consentiu na luta. O combate pro!ongou-se sem
vantagem para um, nem para a outra, até que Thor caiu por
terra; o gigante mandou cessar imediatamente a luta e procla-
mou que de futuro ninguém na sua corte consentiria em me-
dir-se com um atleta, que se deixara vencer por uma velha.
Depois destas provas, os estrangeiros foram conduzidos
para uma sala, onde os esperava um magnífico festim ; ali pas-
saram a noute e pela manhã retomaram a sua viagem tendo
sido acompanhados até às portas da cidade pelo rei e a sua
comitiva; logo que sairam, a cidade desapareceu, assim comoos gigantes; os viajantes acharam-se então numa vasta planí-
cie e tomaram o caminho de Asgard onde foram descançar.
18
274
Antes de se retirarem, o gigante explicou a Thor, como fo-
ram todos vencidos nos desafios:
O gigante, que se batera com Loke, era a Chama que devora
tudo; o que ganhou a corrida a Tialfe era o Pensamento, que
é mais rápido que o relâmpago.
O chavelho, que Thor tentou esvasiar, tinha uma das extre-
midades no oceano de modo que seria preciso beber toda a
água do oceano para êle ficar seco. O gato era a enorme ser-
pente de Asgard que envolve o mundo inteiro. A velha Hela
é a morte que cedo ou tarde subjuga os homens os mais in-
trépidos e os mais robustos.
Por esta forma foi abatida a vaidade e o orgulho dos via-
jantes.
A morts de Balder
Balder, bom, belo, amável, dotado de bom coração e de
uma bondade sem limites, habitava com sua esposa Nana umexplêndido palácio no meio da deslumbrante claridade que
brilha nos céus. Balder era o deus da eloquência e da paz.
Um dia o bom Balder teve um sonho, que o inquietou
e muito o assustou, pois se julgava ameaçado de uma grande
desgraça e a sua vida corria um grande perigo. Aterrado foi
procurar sua mãe Friga e contou-Ihe o mau sonho que o ator-
mentava. Friga, que lia no futuro, descobriu logo o que havia
de acontecer e procurou evitar os efeitos de tão desgraçado
preságio.
Ordenou à mensageira Gna que fosse à sua cavalariça, to-
masse o seu melhor cavalo, fendesse os ares e as águas e fosse
a todas as partes do mundo conjurar todos os seres e todos
os elementos para pouparem o seu querido Balder. Gna exe-
cutou prontamente a sua missão; Friga recebeu o juramento
do fogo, da água, do ferro e dos outros metais, das árvores,
275
das pedras, da terra, das aves, dos animais, dos peixes, das
serpentes e até das doenças, de que o pacífico Balder seria
poupado e nada sofreria. Os deuses costumavam reiinir-se no
palácio de Odin para celebrarem vários jogos, e como não
ignoravam que Balder era invulnerável, para êle dirigiam
principalmente as suas setas, as pedras, as estocadas, etc.
Entretanto Loke, deus malfeitor, que não ignorava o que
Friga fizera para poupar Balder, não duvidou que a mensa-
geira Gna na sua rápida corrida, tivesse tido algum esqueci-
mento e tomando a forma de uma velha veio felicitar a deusa
Frlga peia ventura de não ter mais apreensões pela vida do
seu querido filho. Friga recebeu com prazer as suas felicita-
ções mas mostrou os seus receios de Ona se ter esquecido
de obter a promessa de alguma pequena planta, ainda que fraca
mas digna de atenção. O astuto Loke não quis ouvir mais e
não tardou a descobrir que essa planta fraca e pequena, que
Gna despresara, era a pequena planta parazita, o a§arico, que
cresce sobre os carvalhos.
Logo foi cortar um ramo e aguçando-o veio misturar-se
com, os outros deuses. Entre estes havia um deus chamadoHoder, que presidia aos jogos, mas estava um pouco afastado
porque tinha a desgraça de ser cego. O malvado Loke aproxi-
mou-se dele e sob o protexto de que, se êle atirasse contra
Balder e o atingisse, isto lhe daria muita honra, induziu-o a
atirar a seta tendo na ponta o agaríco e tão certeiro foi o golpe
que o matou imediatamente. Toda a família dos deuses ficou
imersa em profunda dor e consternação, só Loke teve alegria,
porque era mau; mas a sua traição foi imediatamente desco-
berta e Loke, embora se tivesse metamorfoseado em salmão,
foi perseguido pelos deuses que, puxando-o pela cauda, o
obrigaram a retomar a sua primitiva forma, o carregaram de
cadeias e lhe colocaram por cima da cabeça uma serpente cujo
veneno lhe caia gota a gota sobre o rosto, o que lhe produzia
dores horríveis e tão intensas, que dava gritos lam.entáveis e
276
sacudia com violência as cadeias produzindo, segundo julga-
vam os Escandinavos, os tremores de terra.
Nana esposa de Balder, não sobreviveu à sua dor e mor-
reu também.
Os funerais dos dois esposos foram grandiosos, sendo os
seus corpos queimados e bem assim o anão que corria sem-
pre na frente de Balder e o cavalo de que ê!e se servia. Oditi
depôs sobre a fogueira um grande anel de ouro como lem-
brança. Por esta forma se celebravam, também os funerais dos
eis e dos chefes de guerra dos povos do norte.
O inferno dos Escandinavos
Terminadas as exéquias de Balder e de Nana, Friga pro-
meteu uma grande recompensa a quem descesse aos infernos
a pedir à cruel Hela que deixasse Balder voltar a habitar esitre
os deuses.
Herniod, cognominado o Ágil, outro filho de Odin encar-
regou-se desta espinhosa missão, embora a ninguém fosse
permitido sair da mansão da Morte, depois de lá ter entrado.
Seu pai emprestou-lhe o seu excelente cavalo para a viagem
ser mais rápida e mais rapidamente terem a resposta impa-
cientemente desejada.
Sleipner, com as suas oito patas, era certamente o melhor
de todos os curseis e Hermod, o Ágil, o mais leve de todos
os cavaleiros, mas do céu aos infernos era longe e bem longe;
nove dias e nove noutes o viajante percorreu vales profundos
e tenebrosos antes de chegar ao primeiro rio do império de
Hela; chegado à margem deste rio, Herniod não sabia comopassar para a outra, quando avistou a pouca distância umaponte coberta por um brilhante tecto de ouro e guardada por
uma mulher armada como um guerreiro.
277
A passagem era vedada a qualquer vivente, mas tendo Her-
mod declarado, quem era e que vinha da parte de Odin e de
Friga reclamar Balder, foi-ihe permitida a passagem.
Hennod, ciiegado a Nifleim, habitação dos covardes ou
dos mortos pela doença, ficou admirado do espectáculo que
lhe ofereciam estes tristes lugares. Ao meio deste inferno havia
uma fonte donde nasciam esses rios envenenados, que haviam
produzido outrora o poderoso Imer e a raça dos Gigantes e
cujos sinistros nomes eram: Angústia, Inimigo da alegria,
Perdição, Sorvedouro, Rugido e Tempestade ou Ruidoso.
Hermod, sempre intrépido, com um saito do seu cavalo
galgou o rio e a barreira que o separavam de Hela. Esta
deusa, cujo corpo era metade azul, metade côr de carne, tinha
a seus pés um galo preto e o seu cortejo era formado por
sombrias divindades, oferta que em tempos lhe fora feita por
Odin; a alguns passos mais longe Hermod reconheceu Balder
no palácio da Morte ao lado de Nana.
Então Hermod s\X{)\\q.ou à deusa autorização para que Balder
subisse com êle para o céu, onde a sua ausência mergulhara
em dor toda a família dos deuses e o Universo inteiro; e tanto
assim era, que confundindo-se Balder com o sol, a sua desa-
parição mergulhara a natureza inteira em profundas trevas e
tristeza.
Hela, insensível a princípio aos rogos de Hermod, deixou-
-se enternecer finalmente com as lamentações fraternais cheias
de grande dor e não querendo prolongar por mais tempo a
aflição de todo o Universo, permitiu que o deus Balder vol-
tasse para Ásgard, sob condição de que no mundo inteiro
não houvesse um só ser, animado ou inanimado, que não der-
ramasse lágrimas pela sua perda.
Hermod torna a montar no seu excelente cavalo, volta para
o seio dos deuses, levando para Odin o anel de Balder e para
a deusa Friga um dedal de ouro que Nana lhe enviava emlembrança da sua constante amisade.
278
Caminhando, Herniod notou que atravessava nove mundosdependentes do reino de Hela; teve um grande medo quando
passou junto de um inferno ainda mais terrível que o Nifleim.
A porta deste lugar terrível, que se chamava Nastrond, era
construída de cabeças de serpentes prontas a vomitar torren-
tes de veneno sobre os perjuros e os assassinos, que deviam
vir no fim do mundo expiar os seus crimes nesta fúnebre pri-
são. A porta era guardada por um lobo monstruoso que dava
uivos horríveis.
Sabendo da resposta de Hela todos os deuses se poseram
em campo para suplicar a todos os seres que chorassem a
morte de Balder. Os homens, os animais ferozes e não fero-
zes, as árvores, os metais, os próprios rochedos prestaram-se
a esta manifestação de dor geral e foram tantas as lágrimas
que houve um dilúvio universal. Os deuses julgavam-se já se-
guros de tornar a ver Balder quando um deles descubriu no
fundo de uma caverna muito escura, uma velha brucha emquem ninguém tinha pensado. Esta velha era o malvado Loke
que tomara esta forma para enganar os deuses.
Em vão lhe suplicaram que tomasse parte na dor univer-
sal, a nada o malvado se moveu e a cruel Hela guardou a sua
presa.
Esta fábula é fácil de se compeender: o luto universal é o
tempo de inverno, tão triste e tão longo nas regiões polares
;
mas o desgêlo e a abundância das águas acompanham o re-
gresso do calor e da luz.
Osíris, entre os egípcios, Hercules entre os gregos fizeram
de igual modo a mesma viagem fúnebre, donde se pode con-
cluir que uma mesma idea deu lugar às mesmas invenções
entre os diferentes povos da terra.
A Fábula de Balder não termina ainda e segundo os poe-
tas escandinavos outra é a sorte definitiva desses deuses doNorte, tão selvagens e tão terríveis nos seus combates e nos
seus jogos.
279
Esses poetas bárbaros chamados Scaldas, tinham por
missão cantar as aventuras dos deuses e os louvores aos he-
róis caídos no campo da batalha. Eram bem recebidos emtoda a parte, nas cidades, no campo e mesmo no palácio dos
reis. Estes scaldas assemelhavam-se aos rapsodos que percor-
riam a Grécia cantando as poesias de Homero e ainda aos me-
nestréis, jograis e trovadores que em época mais recente iam
na Europa de cidade em cidade, de castelo em castelo, cantando
as façanhas dos guerreiros e outros cânticos compostos ou
aprendidos durante a sua vida errante.
Eis, o que os scaldas contavam do destino da famífia de
Odin que, apesar do seu poder no céu, não devia ser eterna
:
Um dia virá, diziam esses poetas, um dia chamado o Cre-
púsculo dos deuses, em que os homens se tornarão tão maus,
que o mundo inteiro entrará em guerra aniversal.
Então o Ser eterno, que reinava antes do gigante Imer ter
sido produzido pelo gelo dos infernos, decedir-se-há a des-
truir os homens, o Universo e tudo o que existe. Haverá pri-
meiro um inverno sem fim, o lobo Fenris despedaçará os seus
grilhões,e lançar-se-há sobre o sol para o devorar; a sua giiela
será tão grande que tocará ao mesmo tempo no céu e na terra;
um outro monstro devorará a lua e a grande serpente de As-
gard, fugindo do mar, vomitará sobre o mundo inteiro tor-
rentes de veneno.
Ao mesmo tempo, Surtar, o preto, sairá dos infernos ar-
mado de uma espada de fogo; em.barcará com os maus génios
num navio imenso construído com as unhas dos mortos e fará
tremer os homens e os deuses. Tornar-se à o chefe dos gi-
gantes e caminhará à sua frente contra o céu.
O céu então se abrirá de meio a meio, Heimdal tocará a
sua trombeta e a este sinal os deuses, comandados por Odin,
se reunirão para combater os gigantes ; os dois exércitos en-
contrar-se-hão numa planície imensa, travarão horríveis com-
bates, e neles sucumbirão Thor e os outros deuses ; o próprio
280
Odin será devorado }3elo lobo Fenns, que morrerá logo após
a vitória, assim como Loke, a grande serpente e a malvada
Hela.
Então Balder sairá da habitação dos mortos, mais brilhante
e mais radiante do que nunca; os seus raios iluminarão umnovo mundo, todos os homens justos e bons se lhe reunirão,
ao passo que os maus cairão no Nastrond onde serão eterna-
mente atormentados por lobos monstruosos.
Esta crença era comum a todos os povos da antiguidade
e assim é, que vemos entre os persas Ormiizd e Ahriman, que
depois de um último combate, devem no fim dos tempos re-
novar o mundo e estabelecer o reino do brilhante Mithra. Idea
de uma vida futura, onde cada um será julgado segundo as
suas obras, idea comum a todos os povos da terra.
Mitologia dos bretões
É de crer que os primeiros habitantes da Gran-Bretanha
não construíssem templos aos seus deuses, os seus sacerdo-
tes, os druidas consideravam a natureza inteira como o templo
da divindade; o exercício da sua religião era praticado nas
florestas, cujas sombras majestosas inspiravam o temor e o re-
colhimento. Os bosques eram tão sagrados, que não era per-
mitido abater as árvores ; só se aproximavam deles com umrespeito religioso e somente para os ornamentarem com flores
e troféus; este respeito provinha da grande idea que formavam
da divindade, persuadindo-se que os templos eram insuficien-
tes para a conter e que as estátuas a não podiam representar.
Os bretões acreditavam na magia, nos sortilégios e nos pre-
ságios: segundo a sua opinião, as nuvens eram a habitação das
almas depois da morte; os valentes e virtuosos eram recebi-
das com alegria nos palácios aéreos dos seus pais, ao passo
que os maus e os covardes eram banidos da habitação dos
281
heróis e condenados a vaguear impelidos pelos ventos : umherói nunca podia entrar no palácio dos seus pais, se os bar-
dos, isto é, os poetas, cuja principal missão era celebrar as fa-
çanhas e as virtudes dos guerreiros, não lhe cantassem o hino
fúnebre; o esquecimento desta cerimónia deixava a alma an-
dar errante pelos nevoeiros do lago Sego com outras almas
igualmente abandonadas e infelizes.
Não acreditavam que a morte pudesse quebrar os laços do
sangue e da amizade; as sombras não cessavam de se inte-
ressar pela sorte dos que lhes tinham sido queridos sobre a
terra; os montanheses, sobretudo, compraziam-se com as mais
sombrias ideas e iam por vezes passar a noute nas charnecas
onde no sibilar do vento e no murmúrio da corrente julgavam
ouvir a voz dos que já não existiam e quando o sono os sur-
preendia consideravam os sonhos como preságios certos do
futuro.
Os bons e os maus espíritos não apareciam pela mesma
forma; os bons mostravam-se durante o dia nos vales riso-
nhas e solitárias, os maus só apareciam durante a noute no
meio das tempestades e dos ventos ; aos espíritos se atribulam
os efeitos naturais, assim o eco era o espírito da montanha; o
ruído surdo, que precede as tempestades, era o rugido do es-
pírito da colina ; as arpas dos bardos resoando com o vento
eram os preságios da morte de uma grande personagem ; umchefe ou um rei nunca perdia a vida sem que as arpas dos
bardos o tivessem profetizado.
Mitologia dos gauleses ou celtas
O que nos é conhecido da religião dos gauleses ou celtas
mostra-nos que esses povos primitivos viviam nas trevas de
uma grosseira superstição ; no entretanto adoravam um deus
supremo, criador do céu e da terra e supunham-no pai dos
282
outros (jeuses, chamavam-no Teat ou Teutatés, faziam-no tam-
bém o deus da guerra, do trovão e dos relâmpagos ; adora-
vam-no sob diversos emblemas, ora sob a figura de um car-
valho quando lhe suplicavam que comunicasse a sua sabedoria
às assembleas do povo; ora sob a figura de um chuço quando
lhe pediam a victória.
Era também o deus do comércio, vigiava pela segurança
dos viajantes nos caminhos públicos, Teutatés era objecto de
um culto sanguinário e terrível, nos seus altares eram degola-
das o consumidas vftimas humanas. Ainda, como o Mercúrio
dos gregos, Teutatés tinha a missão de conduzir todos os dias
aos infernos as almas dos mortos.
A principal deusa era a Terra a quem chamavam Herta;
abaixo de Teut e de Herta havia um grande número de deu-
ses inferiores, destes os mais importantes eram : Taram ou
Taranés, o deus do céu, o juiz supremo, a divindade por ex-
celência abaixo de Teut. Hesus, que parecia ter sido o Des-
tino e a quem consagravam o carvalho; de todos os deuses
adorados pelos celtas o mais poderoso e o mais temido era
Hésus, cujo nome significava: Terror. Representavam-no sob
a figura dum mancebo imberbe, semi-nu, tendo aos pés umramo de árvore por êle cortada. Ogmi.us, o deus da eloquên-
cia e da poesia, que os seus discípulos seguiam presos às
orelhas por cadeias de ouro ou de âmbar; representavam-no
sob a figura de um velho calvo e barba branca. Como o Hér-
cules dos gregos, trazia a moca e o arco e vestia uma magni-
fica pele de leão,
Os gauleses também prestavam culto ao sol, à lua e ao
mar, tinham o maior respeito pelos bosques, pelas fontes, pe-
los lagos, pelos rios e pelos pântanos, porque julgavam-nos
habitações das divindades; estavam convencidos de que os
deuses não permetiam o mal, e de que a sua cólera contra os
culpados se apaziguava por meio de sacrifícios sanguinolentos,
imolavam vítimas humanas durante as calamidades públicas;
283
algumas vezes depois de uma batalha, construíam em forma
de colosso ou de gigante uma grande gaiola de vime, metiam-
-Ihe dentro os prisioneiros de guerra e a seguir deitavam-lhe
fogo.
UMA SACERDOTISA DRUIDA
As regiões de Gália também tinham os seus deuses parti-
culares, assim Vosége, era adorado nas montanhas chamadas
284
Vosges; Penním nos Apeninos, Ardiiinne na floresta de Ar-
dennes; o génio das Arvernes nas montonhas de Àuvergne;
Nimes tinha o seu deus Nemaiisus, Autum a sua deusa Bi-
bracte, e Besançon o seu génio Vesontio. Estas divindades in-
ventadas pelas Druidas, eram representadas sob várias figuras
das quais algumas chegaram até nós.
Os gauleses tinham no meio das suas florestas, sítios con-
sagrados ao culto e às cerimónias religiosas; uma expessa
floresta de carvalhos era o templo do seu deus supremo; exer-
ciam as funcções religiosas os sacerdotes e as sacerdotisas,
denominados druidas.
Os druidas eram os chefes da religião, tinham uma grande
autoridade, nada se empreendia sem os consultar, adminis-
travam a justiça, vigiavam a educação da mocidade e decidiam
à sua vontade a paz ou a guerra. Em certas épocas do ano
reiiniam-se em assembleas para deliberar acerca dos negócios
de utilidade pública, a mais solene destas assembleas era a
que se reunia uma vez por ano na floresta de Carnutes (país
de Chartres ou nos arredores de Dreux), ali concorriam os
povos das províncias de toda a Gália.
Os druidas eram encarregados de todas as cerimónias re-
ligiosas, sacrifícios, ofertas, orações públicas, prediziam o fu-
turo, consultavam os deuses, exerciam estas funções e gozavam
todas estes poderes sem contestação alguma ; os druidas es-
colhiam de preferência as florestas da Armorica (Bretanha)
para a celebração dos seus mistérios
A religião, que ensinavam, era uma mistura das mais extra-
vagantes superstições; consideravam como sagradas certas
plantas e ao colhê-las observavam todas as ceremónias pres-
critas ; a verbena deviam colhê-la antes do nascer do sol, no
primeiro dia dos caniculares e depois de terem oferecido à
Terra um sacrifício de expiação, em que se empregavam frutos
e mel ; colhida assim, a verbena tinha todas as virtudes,
285
curava todas as doenças e esfregando-se com eia obtinha-se
tudo quanto se desejava.
A mais solene de todas as suas cerimónias era a que se
abservava ao colher o agarico dos carvalhos; esta planta para-
sita nasce nos ramos de certas árvores, mas os druidas acre-
ditavam que Deus tinha especialmente escolhido o carvalho
para lhe confiar o agarico, que devia servir nas cerimónias re-
ligiosas. Colhiam-no em determinadas épocas, principalmente
no começo do ano, no fim do inverno, quando a árvore, des-
pojada das suas folhas, deixava ver melhor a verdura eterna
deste fruto sagrado; esta festa era anunciada por um cântico,
cujo estribilho final era: Au gui! Van neuf! isto é, vamos
colher o agarico sagrado, eis o novo ano que começa ; o chefe
dos druidas trajando uma vestimenta branca, subia ao carva-
lho, cortava o agarico com um podão de ouro, os outros drui-
das recebiam, em baixo, os bocados numa túnica de fina lã,
pocque eles não deviam tocar na terra; o agarico era conside-
rado como um remédio para todos os males e muitas vezes
uma pequena parcela deste precioso talisman custava o sacri-
fício de dois touros brancos.
Na guerra, os bardos ou adivinhos, espécie de sacerdotes
inferiores, acompanhavam os guerreiros e excitavam-nos com
seus cânticos e predições ; as mulheres sacerdotisas, drui-
das, eram sobretudo muito respeitadas, regulavam, de acordo
com os sacerdotes, tudo o que respeitava aos sacrifícios e às
outras cerimónias da religião; sempre vestidas de longas tú-
nica brancas, com um cinto de cobre, prediziam o futuro de-
pois de terem observado os astros ou as entranhas das víti-
mas ; consultavam-nas como profetisas, cujos oráculos eram
infalíveis.
Os gauleses apesar destes grosseiros e bárbaros costumes,
reconheciam um deus supremo que governava o mundo, acri-
ditavam igualmente na imortalidade da alma, e admitiam as
recompensas e os castigos numa outra vida.
286
Monumentos dos Druidas ou Celtas
O culto que os gauleses prestavam às plantas e aos fenó-
menos da natureza, tinham por único santuário as profundezas
das florestas, que então abundavam na Gália. O uso, espalhado
entre os antigos, de levantarem templos às divindades, era
quási desconhecido pelos gauleses. Entretanto a raça céltica dei-
xou num grande número de lugares monumentos de umaconstrução grosseira, que não estão ainda completamente ex-
plicados pelos sábios.
O que distingue sobretudo estes vertígios de um grande
povo, é que esses monumentos estão desprovidos de qualquer
ornamentação; com efeito é de crer, que os druidas proibiam
aos seus discípulos o uso dos instrumentos de ferro para mo-
delar e pulir a pedra.
Ora levantavam enormes pedaços de pedra em pé sobre a
terra e a que davam o nome de Menhirs (pedras longas,) ou
de Peulvans (pilares de pedra.) Ora se enconttam os Dolmens
(mesas de pedra,) que são enormes lages de grés ou de gra-
nito, em número de três pelo menos; a maior serve de mesa
sustentada por duas outras colocadas aos lados, de modo a
figurar uma espécie de pórtico ou arcada.
Algumas vezes estes dolmens formam galerias mais ou me-
nos compridas, fechadas numa das extremidades por enormes
rochedos, a que dão o nome de Grutas ou de Corredores,
cobertos.
Em certos lugares, sobretudo nas praias da antiga província
da Bretanha e nas costas do País ds Gales na Inglaterra, en-
contram-se numerosos menhirs colocados isoladamente ou emgrupos em forma circular, comparados a um exército de gigan-
tes petrificados ; neste caso, esta espécie de monumento recebe
o nome de Cromlechs (Círculos de pedra.)
Noutras localidades da antiga Gália descobriram-se blocos
287
postos em equilíbrio sobre outras pedras e a que o menor
impulso bastava para os pôr em movimento sem ter o perigo
de caírem do seu pedestal inabalável. Estes munumentos são
chamados pedras oscilantes. Eram comumente considerados
como antigos vestígios da religião dos druidas e como altares
sobre os quais ofereciam sacrifícios ; devemos ainda notar que
estes restos frequentes do trabalho dos antigos celtas são de
épocas muito remotas.
Antes da conquista romana, os gauleses, não podendo ex-
plicar por que força sôbre-humana estes blocos imensos ti-
nham sido transportado para os lugares, onde ainda hoje se
vêem, imputavam-nos a Génios ou a Fadas, cujo poder sôbre-
-natural invocavam.
Representavam o Génio sob a forma de um anão disforme
e horrendo, de cabelos crespos, garras nas mãos, pés de bode,
olhos pequenos e penetrantes. Diziam-nos escondidos nas en-
tranhas da terra, onde forjavam o ferro.
As Fadas que os gauleses supunham de pequena estatura,
eram segundo a sua crença, seres misteriosos e muitas vezes
maléficos, que só se mostravam durante a noute, ora sob a
forma de uma velha fiando na sua roca, ora sob a forma de
uma donzela vestida de branco e a fronte coroada de verdura
ou coberta por um véu. Julgavam-nas sentadas algumas vezes
ao pé das fontes, ou no fundo dos bosques, a maior parte das
vezes junto dos monumentos druidas, onde julgavam que elas
preferiam a sua estada habitual.
Atribuiam-lhes também o dom de descobrir os segredos e
de prever o futuro.
Os monumentos druidas, sobretudo os doímens, pareciam
ter servido outrora de sepulturas, pois mais de uma vez, esca-
vando-os, se tem encontrado ossos humanos. Geralmente os
dolmens eram cobertas com um monte de terra em forma de
cone ou de pirâmide, a que davam o nome de Tuniulus.
Nas escavações feitas nestes monumentos também se tem
288
encontrado armas de pedra ou de bronze, machadas, facas de
jaspe, colares e outras jóias de ouro com que se ornavam os
sacerdotes e os guerreiros das nações célticas. É para notar
que quási numca se encontra o ferro nestes túmulos, parece
que estes povos antigos !he desconheciam o uso; por este
facto, estes tempos remotos se dividem unicamente em duas
épocas diferentes: Idade de pedra e Idade de bronze.
Em alguns destes monumentos celtas encontram-se tam-
bém profundamente gravados na rocha, sinais incompreensí-
veis muito semelhantes aos caracteres hierogiíficos ou antes
à escrita rúnica (letras ou caracteres usados pelos povos do
norte). Contudo esta escrita, em vez de representar, como nos
escandinavos, diversas figuras de animais, parece ter sido for-
mada de caracteres tirados dos ramos das árvores e das plan-
tas, entrelaçados e combinados de diferentes modos.
Mitologia dos Germanos
As crenças religiosas dos germanos eram pouco mais ou
menos as dos gauleses, a sua divindade principal era Herta
{a Terra), acreditavam nos oráculos e nas profecias; as mulhe-
res, sobretudo, eram consideradas aptas para profetizarem e
por este motivo a algumas delas testemunhavam o seu maior
respeito; a sua mais célebre profetisa foi Velléda, que contri-
buiu poderosamente para a insurreição dos Batávios contra os
Romanos, no ano 70 da era cristã; depois do insucesso desta
tentativa foi feita prisioneira e conduzida para Roma.
CAPITULO XXXI
Hábitos, usos e costumes dos povos antigos no que diz respeito às suas
crenças religiosas — Templos, altares — Sacerdotes, pontífices — Ini-
ciações — Mistérios — Sacrifícios, vítimas — Oráculos — Preságios, au-
gures.
Templos, altares
É ignorada a época em que foram construídos os primei-
ros templos; primitivamente os deuses eram honrados de ummodo grosseiro, altares de pedra ou de relva eram os únicos
preparativos para os sacrifícios.
Nos primeiros tempos, foi no cume das montanhas que os
gregos prestaram homenagem à divindade; dos egípcios apren-
deram eles o uso de levantar monumentos aos seus deuses,
construções em que muitas vezes empregaram grande magni-
ficência; os romanos imitaram-nos. Colocavam no interior dos
templos as estátuas dos deuses, que muitas vezes eram de
ouro, de ébano, de marfim, ou de qualquer outra matéria
preciosa e bem assim pinturas, ornamentos, armas tomadas
aos inimigos, troféus, escudos, etc.
Os templos dos antigos eram divididos em diferentes sec-
ções : em primeiro lugar havia o vestíbulo, onde estava a
piscina que continha a água lustral, que servia para purificar
os que queriam entrar no templo ; a segunda secção destinada
aos assistentes, correspondia à nave das nossas igrejas ; a ter-
19
290
ceira era o iugar santo, onde o povo não podia entrar; os pa-
gãos tinham grande respeito pelos templos, era-lhes proi-
bido ali escarrar ou assoar-se e algumas vezes era de joelhos
que subiam os degraus do templo.
Os primeiros altares foram de relva, depois de pedra, de
madeira ou de mármore, eram de diferentes grandezas emrelação com a importância dos deuses a quem eram dedicados,
eram ornamentados com flores e relva e sempre menos altos
que as estátuas dos deuses. Antes de haver templos, os altares
eram construídos nos caminhos ou nos bosques, cada altar
tinha o nome ou o distintivo do deus a quem era consagrado
bem como a designação do acontecimento, que deu lugar à
sua construção, ou de qualquer outra circunstância memo-rável.
Os templos, as estátuas, os altares, ofereciam" um asilo
inviolável aos malfeitores e aos criminosos, por isso muitas
vezes usavam subterfúgios para os castigar: as portas dos
templos eram rodeados de paredes e o refugiado sofria os
tormentos da fome, ou lançavam fogo aos altares e o refu-
giado via-se forçado a abandoná-los. Ainda que o privilégio
de santuário fosse concedido a um grande número de templos,
de bosques sagrados onde havia altares, nesses lugares a
imunidade era relativa; assim alguns ofereciam asilo a todos
os culpados, quaisquer que fossem os seus crimes, outros só
prestavam asilo a uma certa classe ou ao culpado de tal ou tal
crime; o templo de Diana em Éfeso, por exemplo, era um re-
fúgio seguro para os devedores, como o de Tescu para os
escravos ou para os homens de baixa condição, quando dese-
javam fugir à cólera dos senhores ou aos vexames de qualquer
cidadão; esta honra, reservada a princípio aos altares dos deu-
ses, estendeu-se em seguida às estátuas e aos túmulos dos
grandes homens.
291
Sacerdotes, pontífices
Os povos antigos, reconheciam os sacerdotes, como os
únicos medianeiros entre os deuses e os homens, levavam
junto dos altares os votos e as ofertas do povo, junto dos mor-
tais eram os intérpretes das vontades do céu, a eles unica-
mente pertencia o direito de regular o modo das súplicas e as
diferentes formas de sacrifícios.
No Egipto, os sacerdotes ocupavam o primeiro lugar de-
pois dos reis, gozavam grandes privilégios e grandes rendi-
mentos, as suas terras eram isentas de qualquer imposto; de-
positários da religião e das sciências, respeitados pelo povo,
gozavam também grandes honras junto dos reis, de cujas ac-
ções e conduta eram os supremos reguladores ; submetidos a
muitas práticas supersticiosas só podiam trajar vestidos de li-
nho e sapatos de papiro e eram obrigados cada dia e cada
noute a fazer duas abluções com água fria.
Guardavam os livros sagrados em que estavam escritas
com todas as minudências os princípios do governo e os mis-
térios do culto divino, uns e outros eram envolvidos emsímbolos e enigmas que, encubrindo a verdade, tornavam-na
mais respeitável aos olhos do povo. Do mesmo modo as pi-
râmides do Egipto, os obeliscos, as colunas dos templos, as
estátuas, numa palavra todos os monumentos públicos eram na
sua maior parte ornados de hieroglíficos, isto é de escritos
simbólicos oferecendo, numa série de imagens, a representa-
ção de seres animados ou de objectos inanimados, de animais
ou de figuras extravagantes : a lebre significava uma atenção
viva e penetrando, porque este animal tem o sentido do ou-
vido muito delicado ; o peixe significava o ódio e o hipopótamo
todo o desejo de fazer o mal.
Em muitas cidades da Grécia e particularmente em Atenas
as funções religiosas eram confiadas aos principais magistra-
292
dos escolhidos as mais das vezes entre os homens que se
consagravam ao culto dos deuses, eles Cinicamente deviam
fazer os sacrifícios oferecidos pelo bem do estado ; a digni-
dade de sacerdote era algumas vezes hereditária, conseguida
pela sorte, e ainda muitas vezes dependia do favor dos prín-
cipes ou da eleição popular.
Em Roma, os sacerdotes eram escolhidos geralmente
entre os cidadãos mais distintos pelos seus empregos e di-
gnidades ; uns, os pontífices ofereciam sacrifícios a todos os
deuses, outros, como os flamines e os sálios dedicavam-se
a qualquer divindade em particular; os pontífices forma-
vam um colégio célebre, cujo chefe, chamado grande pontí-
fice, acupava uma das mais altas dignidades romanas; eram
considerados como pessoas sagradas, gozavam da precedên-
cia a todos os magistrados e eram os presidentes dos jogos
do circo e do anfiteatro.
Iniciações
A religião do povo, no Egipto, compunha-se das mais es-
travagantes superstições, mas os sacerdotes tinham uma reli-
gião particular, cujos dogmas eram revelados a um pequeno
número de indivíduos que eram submetidos a provas de toda
a espécie, chamadas iniciações: os iniciados juravam solene-
mente guardar um segredo absoluto de tudo o que lhes era
revelado; o principal desses dogmas era a imortalidade, mas
neste, como em todos os outros, as crenças dos egípcios eram
contaminadas de erros os mais grosseiros.
Os sacerdotes ensinavam que, depois da destruição docorpo, a alma passava sucessivamente para os corpos dos ani-
mais, que vivem na terra, entrando novamente, depois de umperíodo de três mil anos, no corpo humano; esta passagem
da alma para o corpo de um animal era considerada com um
293
castigo; e, como se julgava que esta passagem só se fazia
depois da completa destruição do corpo humano, procura-
vam retardar o mais possível o momento dessa destruição
absoluta, e para este fim embalsamavam os corpos com o
maior cuidado, preservando-os tanto quanto possível da cor-
rupção.
No Egipto ainda hoje se encontram nos túmulos antigos
múmias perfeitamente conservadas, estando ali depositadas há
mais de três ou quatro mil anos.
Mistérios
Os gregos, como os egípcios, tinham adoptado certas ceri-
mónias, chamadas mistérios, relativas ao culto das suas prin-
cipais divindades; os mais famosos mistérios eram os de Ce-
res, em cuja honra eram celebradas de cinco em cinco anos
solenes festas em Eleusis, na Ática ; estas festas datavam da
mais remota antiguidade, e de todas as solenidades gregas as
Eleiísinas eram as mais misteriosas. Tudo com efeito era mis-
terioso nestas solenidades: as recompensas prometidas aos
iniciados depois da sua morte, o segredo inviolável que lhes
era imposto, as cerimónias que precediam a iniciação, as que
se faziam no próprio templo, ora no meio de uma escuridão
profunda, ora à claridade das mais vivas luzes, tudo era feito
de modo a produzir grande impressão nos assistentes; a en-
trada do templo era severamente interdita aos homicidas, aos
ímpios, e a todos os que se entregavam a uma vida efemi-
nada e de devassidão.
No reinado do impera*dor Adriano, estes mistérios foram
introduzidos em Roma, celebrando-se corn as mesmas cerimó-
nias da Grécia, mas com mais liberdade e desregramento
moral.
294
Sacrifícios, vítimas
Nos primeiros tempos, os sacrifícios apenas consistiam emsimples ofertas de plantas reduzidas a cinzas sobre os altares
com as suas folhas e frutos ; depois foram as plantas substi-
tuídas por mirra, incenso e perfumes preciosos ; os sacrifícios
de animais vieram mais tarde mas com alguma dificuldade; o
homem teve por muito tempo horror em matar os animais
destinados ao trabalho e companheiros dele ; o uso da carne
nos banquetes, operou uma revolução nos sacrifícios e o san-
gue das vítimas tornou-se para os deuses uma homenagem
mais preciosa que as plantas e as raízes.
As vítimas imoladas pelos egípcios nos sacrifícios eram di-
ferentes segundo as diversas províncias; numas se sacrificavam
cabras, noutras carneiros, etc, mas em todas se sacrificavam
bois e em nenhuma se podia imolar vacas.
Nos gregos e entre os romanos, os sacrifícios eram umaparte essencial da religião; cada divindade tinha as suas víti-
mas favoritas e para cada sacrifício havia prescrições especiais,
em conformidade com o culto prestado a cada uma; as víti-
mas oferecidas aos deuses infernais deviam ter a côr preta, e
branca as oferecidas aos outros deuses. A Diana sacrificavam
uma corça, a Hecate uma cadela, a Vénus uma pomba, Marte
reclamava para os seus altares um animal feroz e selvagem, a
Ceres era sacrificada a porca marra, animal perigoso para as
searas, e a Baco o bode, animal inimigo das vindimas.
A escolha e o número das vítimas dependia da fortuna dos
cidadãos que ofereciam o sacrifício; os pobres, que não po-
diam sacrificar animais verdadeiros, faziam-nos de cera, de barro
ou de qualquer outra matéria.
Antes dos sacrifícios, eram estes preparados por meio de
purificações que consistiam em abluções na água lustral ; o
vaso, que continha a água sagrada, era colocado à porta do
295
templo; a água' era sagrada logo que se mergulhava no vaso
um tição ardente apanhado no altar ou simplesmente um ramo
de loureiro ou de oliveira.
A vítima devia ser sã e sem mancha; quando entrava no
templo deitavam-lhe sobre a cabeça, antes de a degolar, al-
guns punhados de cevada assada com sal; oferecido o sacrifí-
cio, dividiam a vítima pelos deuses, pelos sacerdotes e por
todos os assistentes, que a tinham apresentado; a parte, que
cabia aos deuses era devorada pelas chamas, a dos sacerdotes
constituía o seu rendimento, a terceira era consumida em umbanquete oferecido pelos sacrificantes aos seus amigos.
Oráculos
Chamavam-5e oráculos as respostas transmitidas aos ho-
mens pelos deuses: os oráculos mais célebres foram os do
Egipto, da Grécia e da Itália; eram considerados como a von-
tade dos deuses, a quem consultavam nas ocasiões difíceis,
não somente para os negócios públicos mas ainda para os da
vida privada. A paz, a guerra, uma inovação no governo, o
estabelecimento de uma colónia ou de novas leis, eram moti-
vos suficientes para consultar a vontade dos deuses. Algumas
vezes era uma sacerdotisa, que falava em nome do deus, comoem Delfos na Fócida; outras, o próprio deus não se despre-
zava em dar a resposta de viva voz, como Júpiter Anion, cujo
templo era na Líbia; em Dodone no Epiro faziam falar as mu-
lheres, as pombas e até os troncos das árvores, noutros luga-
res as respostas eram recebidas durante o sono, que era pre-
parado com disposições misteriosas, com jejuns, sacrifícios e
expiações.
k Sibila ou sacerdotisa de Cutnas, na Itália, escrevia ordi-
nariamente as respostas em folhas de árvores que deixava
expostas aos ventos junto da sua caverna.
296
Segundo a crença comum dos povos antigos, alguns ho-
mens favorecidos pelos deuses, participavam do conhecimento
íntimo da sua vontade e prediziam o futuro por meio dos
sonhos, pelos sacrifícios e pela observação das aves.
As Sibilas eram virgens a quem o céu concedeu a virtude
de lerem o futuro, contavam-se ordinariamente dez: A Pérsica,
a Libica, a Deifica, a Cárnea, a Eritrea, a Samia, a dimana, a
Helespontina, a Frigia e a Tiburtina.
A mais célebre de todas foi a Sibila de Camas na Itália; a
fábula misturada com a história diz nos que se chamava Dei-
fobe, filha de Glauco e sacerdotisa de Apolo; este deus, per-
dido de amores por ela, ofereceu conceder-lhe tudo o que ela
desejasse: pediu ela o viver tantos anos quantos eram os grãos
de areia que tinha na mão, mas esqueceu-se de pedir a con-
servação da frescura da sua m.ocidade durante esse longo
prazo; apesar disso, Apolo ofereceu-lhe essa conservação, se
anuísse ao seu amor; Deífobe preferiu a glória de uma casti-
dade inviolável, de sorte que teve uma triste e languida velhice.
Esta Sibila, que se dizia inspirada pelo deus Apolo e que era
a que melhor conhecia o futuro, dava os seus oráculos no
fundo de uma cova, que havia no templo deste deus; esta cova
tinha cem portas donde saíam outras tantas vozes terríveis,
que faziam ouvir as respostas da profetisa. Deifobe era também
sacerdotisa de Hecate, que lhe confiara a guarda dos bosques
sagrados do Averno. Os versos desta Sibila foram guardados
com grande cuidado pelos romanos e foram tidos em grande
segredo.
Formou-se em Roma um colégio de quinze pessoas para
vigiar sobre a conservação desta colecção; tinham uma grande
fé nas predições que ali se continham, e assim esta colecção
era uma espécie de oráculo permanente, com frequência con-
sultado pelos Romanos, como o de Delfos o era pelos gre-
gos.
Os romanos consagraram um templo à Sibila de Climas
297
no mesmo lugar onde eia tinha dado os seus oráculos e a
honraram como uma divindade.
Preságios e augures
Dos animais imolados tiravam geralmente preságios felizes
ou infelizes; se a vítima opunha resistência em aproximar-se
do altar, se procurava fugir ao golpe fatal, se expirava numalonga e terrível agonia, ou, se ferido de uma morte repentina,
caía antes de ferida pelo cutelo, eram sinais de preságios fu-
nestos; peio contrário, os deuses pareciam favoráveis e bemdispostos a receber a homenagem que lhes era prestada, se a
vítima caminhava livremente até ao altar, se recebia a morte
com resignação e expirava sem dar um gemido; em seguida
fazia-se a observação atenta das entranhas da vítima; se elas
estavam inteiras, sãs, bem colocadas, se tinham uma bonita
côr, tudo isto eram sinais favoráveis; no caso contrário, era umpreságio funesto. Se as chamas que consumavam as entranhas
da vítima, eram puras, sem fumo e não diminuíam de intensi-
dade, senão após a desaparição total dos objectos que deviam
consumir, era sinal de que se podia esperar do sacrifício umfeliz resultado: se por desgraça, o fogo se acendia com custo,
se a chama se dividia, ou se extinguia, se era negra e expessa,
o sacrifício era considerado como desfavorável e rejeitado pela
cólera dos deuses.
As aves forneciam preságios felizes ou infelizes, segundo a
sua diferente natureza, o lugar em que apareciam, ou o modopor que se apresentavam à vista; considerava-se, como umanúncio dum acontecimento muito feliz, o concurso de muitas
aves de diferente espécie, esvoaçando em volta de uma pessoa;
a aparição de uma águia, voando suavemente no espaço da
direita para a esquerda, era o mais feliz preságio que os deuses
podiam conceder; as andorinhas, deslizando no seu vôo junto
298
à terra ou parando em qualquer lugar, era também um sinal
favorável ; o cisne anunciava o bom tempo, a sua presença era
muito apreciada pelos marinheiros ; os corvos consagrados ao
deus Apolo, haviam dele recebido o dom da profecia; quando
grasnavam à direita era um sinal favorável, à esquerda um fu-
nesto; se crocitavam fortemente, se se guerreavam com furor,,
era este o sinal das mais terríveis calamidades.
Em Roma, os ministros da religião especialmente encarre-
gados de examinar no altar as entranhas das vítimas chama-
vam-se arúspices. Os augures eram os sacerdotes escolhidos
para consultar o futuro pelo vôo e pelo canto das aves ; go-
zavam de uma grande consideração entre o povo, e os primei-
ros cidadãos aspiravam à honra de pertencer ao seu grupo ou
colégio ; nos templos criavam-se galinhas, chamadas galinhas
sagradas, que serviam para os preságios ; estes preságios eram
felizes ou funestos, segundo elas comiam com maior ou menor
avidez o alimento, que se lhes deitava. Os progressos da
razão humana, os escritos dos sábios e dos homens ilustres,,
fizeram cair pouco a pouco no descrédito todas estas grossei-
ras superstições, até que desapareceram por completo nos po-
vos civilizados.
CAPITULO XXXII
Festas — Jogos, anfiteatros — Jogos fúnebres, funerais — Cerimónias usa-
das para os casamentos — Educação das crianças — Comidas — Animais
e vegetais consagrados aos deuses e às deusas.
Festas
Assim como foi do Egipto que para os gregos vieram emgrande parte as divindades pagãs, assim foram os egípcios os
primeiros que instituíram as festas em honra dessas divinda-
des. As festas principais do Egipto foram estabelecidas emdeterminadas épocas naturais do ano e referiam-se quási todas
às inundações do Nilo : a mais solene, chamada a festa das
lamentações de Isis, instituída em memória da morte de Osíris,
era uma festa de luto e de lágrimas ; mais tarde veio a festa de
Osíris aparecido, durante esta festa todo o Egipto se entre-
gava à alegria ; depois veio a da ressurreição do deus, na
época em que as plantas começavam a nascer; finalmente no
mês de julho, havia a festa do nascimento de Oras, emblema
da estação, em que o sol dá vida a tudo, enchendo a atmos-
fera do seu benéfico calor.
Além destas festas que eram gerais em todo o Egipto, ha-
via as festas particulares, dos quais algumas atraíam ao local,
onde se celebravam, grande concorrência de gente, tais comoas festas de Biibastis na cidade deste nome, as de Minerva em
300
SãíS, as do Sol em HeliopôUs, as de Buto ou de Latona, na
cidade do mesmo nome ; cada uma destas festas tinha as suas
cerimónias particulares.
As mais antigas festas gregas tinham o cunho da alegria
dos mortais, do reconhecimento e de gratidão para com os deu-
ses; tinham por fim principal dar graças à divindade, apasiguar
a sua cólera ou obter deles algum benefício, honrar a memó-ria dum amigo, dum cidadão ilustre ou tornar alegres os pe-
ríodos de descanço dos trabalhos ríisticos ; mas pouco a
pouco os gregos tendo estendido o culto a um número con-
siderável de deuses, também aumentaram as festas e o tesouro
público supria as despesas de todas estas solenidades sendo
algumas delas revestidas de grande magnificência; durante
estas festas cessavam todos os trabalhos, os tribunais estavam
fechados e o povo nesses dias só pensava em se divertir, fin-
íre as festas mais solenes distinguiam-se as denominadas
Panaténeas instituídas em honra de Minerva e em que toma-
vam parte todos os povos da Ática; nestas festas além das
lutas ordinárias dos atletas, havia também concursos de poesia
e de música; os combates eram seguidos de festas públicas
e de sacrifícios e todos os assistentes tinham rfa mão um ramo
de oliveira, árvore consagrada a Minerva^ protectora de Atenas;
ao mesmo tempo eram concedidas amnistias aos presos e coroas
de ouro aos cidadãos que tinham honrado a Pátria.
Para enumerar todas as festas celebradas entre os roma-
nos seria preciso transcrever o seu calendário. Havia três es-
pécies de festas:/^s/fls invariáveis, isto é as celebradas em
cada mês, umas vezes em honra de um dos doze grandes deu-
ses, outras em honra dos deuses inferiores, as dos mercadores
as das vestais, etc ; as festas fixas em certo e determinado dia
pelos magistrados ou pelos sacerdotes; emfim, as festas cele-
bradas acidentalmente por ordem do cônsul, do pretor ou do
grande pontífice: nem em todas estas festas se suspendiam os
301
trabalhos habituais, só um pequeno número delas se celebra-
vam universalmente.
Jogos, anfiteatros
Havia na Grécia jogos solenes instituídos pelos heróis e
que se celebravam em épocas determinadas; eram os jogos
Olímpicos, os Nemeos, os ístmicos e os Pitios ; nesles jogos
eram disputados os prémios da força, da destreza, da poesia e
da música; receberam estes jogos o título de sagrados, não só
porque eram altamente considerados em toda a Grécia, mastambém por serem uma homenagem prestada aos deuses ou
aos heróis deificados ; eram sempre acompanhados de pom-posos sacrifícios. O principal fim da instituição destes jogos
era unir os diversos povos da Grécia, chamando-os a reuniões
periódicas, alimentando por esta forma entre os cidadãos a
coragem e o amor da glória e fortificando o corpo com exer-
cícios violentos capazes de tornar a juventude própria para
sustentar as fadigas da guerra.
Nestes jogos que atraíam não somente de toda a Grécia,
mas dos países visinhos, uma prodigiosa multidão de especta-
dores e de combatentes, os vencedores eram premiados comuma simples coroa de oliveira ou de loureiro, os gregos não
acreditavam que um mortal pudesse levar mais longe os seus
desejos; as maiores honras eram contudo reservadas para os
que ganhavam o prémio nos jogos Olímpicos e no regresso
para a sua pátria eram conduzidos num carro de triunfo ; nal-
gumas cidades recebiam presentes consideráveis, tinham direito
aos primeiros lugares nas assembleas públicas e eram susten-
tados por conta do Estado; o cidadão, que saía vencedor de
todos os exercícios, era honrado como uma divindade, a sua
glória nivelava com a dos guerreiros mais ilustres, e as honras
que lhe eram prestadas estendiam-se à sua família, aos seus
concidadãos e à própria cidade onde havia nascido.
302
Os romanos tinham um grande número de jogos; uns pe-
riódicos, que se faziam em épocas fixas, outros extraordinários
e ainda outros chamados votivos. Entre os primeiros, os mais
solenes eram os que se chamavam, por excelência, os grandes
fogos ou os Jogos romanos, instituídos em honra de Júpiter,
de Juno e de Minerva; havia também os jogos seculares, que
se celebravam de cem em cem anos pela conservação do Es-
tado; estas solenidades eram revestidas de uma grande magni-
ficência. Os Jogos extraordinários eram dados pelas magistra-
dos ao começarem a exercer o seu cargo ou pelos imperadores
ao começarem a governar. Chamavam-se votivos os jogos
prometidos, para se conseguir qualquer bom êxito ou para o
povo se livrar de qualquer calamidade.
Os romanos eram apaixonados pelos combates dos gladia
dores e dos animais ferozes ; estes espectáculos eram dados
num vasto edifício chamado anfiteatro, ou circo, onde no cen-
tro havia uma praça oval, reservada para os combates, a que
davam o nome de arena; em volta desta havia uma espécie de
jaulas abobadadas, onde estavam, numas os gladiadores, nou-
tras os animais ferozes, que deviam combater e outras ainda
eram reservatórios de água destinados a transformar a arena
em lago para as naumaquias ou combates navais ; o anfiteatro
era descoberto mas, quando chovia ou fazia calor, era coberto
com toldos de seda e de púrpura com brocados de ouro ; o
mais célebre anfiteatro foi o começado pelo imperador Ves-
pasiano e inaugurado por seu filho Tito; este colossal edifício
tinha quinhentos metros de circunferência e oitenta arcadas,
podia conter cento e vinte mil espectadores, as suas ruínas ainda
hoje são muito admiradas e conhecidas pelo nome de Coliseu.
Jogos fúnebres, funerais
Os antigos tinham X^mhém Jogos fúnebres, que celebravam
nos funerais dos reis, dos príncipes, dos heróis e dos primeiros
303
magistrados; em Roma, sob o governo dos imperadores, estes
jogos acarretavam ao estado despesas extraordinárias ; o povo
comparecia sempre vestido de luto e, quando terminados, havia
festins públicos em que os assistentes se vestiam de branco,
Plutão passava por ter sido o primeiro que ensinara as ceri-
mónias a cumprir nos funerais, daí vem, os poetas considera-
ram-no como soberano dum império imenso e tenebroso,
situado nas entranhas da terra; eram de uma alta importância
os últimos deveres para com os mortos, que variavam de
povo para povo.
Os egípcios embalsamavam os corpos com muito cuidado
empregando incenso, mirra e outras plantas aromáticas ; emcada cidade havia um lugar que servia de sepultura comum;a de Mênfis era a mais célebre e era separada de cidade por
um lago. Quando morria qualquer indivíduo, era logo sub-
metido a um julgamento, onde se examinavam as boas ou
más a ções que praticara durante a sua vida; cada cidadão ti-
nha o direito de acusar, os próprios reis não estavam isentos
deste julgamento; aos tiranos, aos traidores e aos sacrílegos
era vedada a sepultura comum e os seus corpos ficavam ex-
postos nos campos onde serviam de pasto às aves e aos ani-
mais ferozes.
A maior parte dos povos da Grécia e os romanos tinham
pouco mais ou menos as mesmas cerimónias nos funerais. Oprimeiro cuidado para com o morto era fechar-lhe os olhos,
este dever sagrado pertencia ao parente mais próximo, o fi-
lho prestava-o aos pais, o irmão à irmã, etc ; lastimava-se a
sorte do desgraçado que expirava, sem que uma mão amiga
lhe prestasse este triste e último serviço. O corpo era em se-
guida lavado, esfregado com um óleo ou perfumes, envolvido
num manto e coberto por um pano rico, de ordinário branco;
depois de coberto e coroado de flores era colocado no vestí-
bulo da casa, onde durante alguns dias se executavam diver.
sas cerimónias religiosas.
304
Era uso pôr na boca do morto geralmente debaixo da lín-
gua, uma moeda chamada nauluni, óbulo destinado a Caronte^
para pagamento da passagem da alma na sua barca no rio dos
infernos, também colocavam ao lado do corpo um bolo de flor
de farinha e mel destinado a apaziguar o terrível cão Cerbero.
O momento da saída do corpo de casa era cheio de adeu-
ses expressos numa formula consagrada; à frente marchavam
os tocadores de flauta executando áreas fúnebres, a seguir iam
os parentes e os amigos; algumas vezes por luxo e por vai-
dade afluía aos funerais uma enorme concurrência de mú-
sicos e de carpideiras que manifestavam todos os sinais do
mais violento desespero.
Nos primeiros tempos os corpos eram enterrados; mais
tarde queimavam-nos, julgando que o fogo purificava a alma
desembaraçando-a desse envólucro grosseiro e tornando-lhe
mais fácil o seu vôo para a mansão celeste; a ermação fazia-se
pela seguinte forma: Os parentes, depois de uma súplica diri-
gidaaos ventos, deitavam o fogo à lenha e lançavam na fo-
gueira vários perfumes assim como'os fatos, que pertenceram ao
morto; acabada a fogueira, regavam-na com vinho e recolhiam
as cinzas numa urna, que depositavam debaixo da terra emlugar inacessível à luz do dia. Depois dos funerais, o parente
mais próximo dava à família e aos amigos um banquete, du-
rante o qual todos os convivas, enalteciam as boas acções
daquele, a quem acabavam de prestar a última homenagem. Era
um sinal de bom preságio a consumação imediata do corpo
pelo fogo.
Cerimónias usadas nos casamentos
O casamento foi sempre honrado em toda a Grécia; em Ater
nas, as donzelas, antes do seu casamento, deviam comparecer
perante a deus Diana para lhe implorar o seu consentimento
e no seu altar depunham objetos preciosos; os homens, prepa-
305
ravam com bastante cuidado a sua habitação; os pais das noi-
vas não se esqueciam também de consultar os deuses ofere-
cendo pomposos sacrificios;quando, examinando as entranhas
das vítimas, se conhecia qualquer mau preságio, as cerimónias
religiosas eram suspensas e o casamento não se realizava; qual-
quer outro preságio funesto produzia o mesmo efeito; o encon-
tro de rolas, aves consideradas como símbolos da constância e
da fidelidade, era o sinal mais feliz que se podia desejar; o en-
contro de duas gralhas prometia uma vida longa e feliz, t^ríiàép
pelo contrário, anunciava a separação ea infelicidade; daqui pí"6-
vém as palavras do canto nupcial: Donzela, caça a gralha. Esta
fórmula: Que nada de mau entre aqui, inscrita por cima da porta
com o nome do dono da casa, era considerada como de umefeito maravilhoso contra os maus preságios.
A côr das vestimentas dos noivos variava muito, cada umse vestia o melhor que podia e em conformidade com a sua
condição: as noivas traziam na cabeça grinaldas formadas
com diferentes plantas e flores sendo a mais preferida a murta;
a casa onde se celebrava a festa nupcial era igualmente orna-
mentada.
A noiva devia trazer um vaso próprio para queimar a ccí-^
vada e todos os objectos lhe deviam recordar os deveres da
sua nova condição e os trabalhos caseiros que ela tinha de
executar.
À chegada dos noivos à sua nova habitação espalhavam
sobre as suas cabeças figos e outras espécies de frutos, para
atrair sobre eles a abundância; o dia da partida era consagrado
com uma grande festa celebrada na casa paterna; num ban-
quete sumptuoso reuniam-se os membros das duas famílíá^j'
a este banquete só se era admitido depois de se tomar umbanho e de se ter mudado de fato; durante o banquete havia
música, cantos e bailes; os noivos eram presenteados com bo-
los de diversas formas.
20
306
'
'
Educação das crianças
As práticas usadas para com as crianças eram pouco mais
ou menos as mesmas nas diferentes partes da Grécia. As
crianças, a seguir ao seu nascimento, eram lavadas num vaso
cheio de água quente e em seguida friccionadas com azeite;
os Lacedemónios davam-lhe um banho de vinho, as crianças
fracas deviam ou sucumbir a esta prova ou pelo contrário ela
devia facilitar-lhes o desenvolvimento dos temperamentos ro-
bustos e vigorosos ; Sparta preferia a tudo possuir cidadãos
capazes de servir e defender a pátria.
Os Atenienses envolviam o recém-nascido em faixas bemapertados para conservar os membros direitos e bem confor-
mados; as crianças spartanas, pelo contrário libertas destas
faixas, nem por isso deixavam de ser menos belas e menosvigorosas, a sua educação era inteiramente diferente da das
outras crianças da Grécia; habituavam-nas muito cedo a toda
a espécie de alimentos, caminhavam sem medo mesmo durante
as trevas e jamais davam exemplo de caprichosas e contuma-
zes, estado ordinário das crianças amimadas; a excelência desta
educação era tão geralmente reconhecida, que era a Sparta
que iam buscar e escolher a maior parte das amas.
Em Atenas envolviam as crianças recém-nascidas em ligadu-
ras ou faixas que tinham representada uma cabeça de Medusa,
julgavam os pais que por esta forma colocavam os filhos sob
a proteção de Minerva; as famílias de certa distinção usavam
pôr as crianças em berços dourados em forma de dragões re-
cordando assim o facto de um dos chefes mais antigos da
Ática, Erichtónio, dever a sua vida a dois dragões, què por
Minerva foram colocados junto dêle, quando em criança fora
exposto. ..qmBT;Ao quinto dia, depois do seu nascimento, a criança era le-
vada em passeio três vezes em volta da habitação e só então
307
era considerada como habitante da casa e colocada sob a guarda
dos deuses domésticos; grinaldas de folhas de oliveira, colo-
cadas por cima das portas da habitação, indicavam o nascimento
de uma criança do sexo masculino; a lã anunciava o nascimento
de uma menina, recordando assim os trabalhos ordinários da
mulher; ao sétimo ou décimo dia, a criança recebia o nome;esta ceremónia era celebrada com sacrifícios aos deuses e umbanquete para o qual convidavam todos os amigos da família;
o nome era escolhido geralmente dentre os de quaisquer ante-
passados da família, perpetuando por esta forma a sua memória.
Refeições
Nos primeiros tempos os festins dos gregos eram geralmente
consequência de qualquer acto de devoção para com os deuses;
só se fazia uso livre do vinho e de certas comidas nestas oca-
siões solenes, porém a pouco e pouco o luxo e a prodigalidade
foi-se introduzindo na maneira de viver da maior parte dos
povos da Grécia, com excepção dos Lacedemónios que conser-
varam sempre as suas refeições públicas e a sua frugalidade.
Os gregos faziam três refeições sendo a última a principal,
as duas outras eram simples; a refeição principal compunha-se
de três partes distintas; na primeira serviam-se ostras, ervas
amargas ou outros acepipes próprios para despertar o apetite;
a segunda compunha-se de manjaress ólidos em abundância;
a terceira de comidas mais delicadas, tais como doces, bolos,
etc. O dono da casa algumas vezes apresentava a lista dos
manjares e cada convidado podia escolher à vontade; a bebida
ordinária era o vinho simples ou misturado com mel; um dos
convidados era designado pela sorte para presidente ou rei do
banquete e como tal decidia qual devia ser o número de taças
de vinho que cada um devia beber; umas vezes eram três emhonra das Graças, outras nove em honra das Musas.
308
Antes do banquete era uso tomarem banho e friccionar o
corpo com óleos perfumados, o que faziam na própria casa
de quem os convidava; antes e depois da refeição lavavam-
sempre as mãos. r
Os romanos tinham também três refeições, o almoço pela
m.anhã, o jantar ao meio-dia e a ceia ou refeição principal às
quatro horas e esta era dividida em duas partes. Nos primeiros
tempos serviam-se de assentos de madeira para estarem à
mesa, depois com o luxo foi introduzido o uso dos leitos e
das almofadas cubertas de ricos panos ou tapetes segundo a
jerarquia e fortuna do dono da casa; os convivas repousavam
sobre esses leitos com a cabeça e o tronco do corpo apoiado
ao braço esquerdo e as pernas estendidas ou levemente cur-
vadas: entretanto, o antigo costume de se assentarem, nunca
foi inteiramente abandonado e tinha-se uma grande estima por
aqueles que, pela sua austeridade de costumes, se conserva-
vam fiéis a esse velho uso.
A mesa era considerada como sagrada e estava sob a pro-
tecção de Júpiter, o deus da hospitalidade ; o banquete só se
começava depois de oferecer em sacrifício aos deuses as pri-
mícias, a primeira destas oblações era feita a Vesta, deusa
protectora do lar; algumas vezes ornamentavam as mesas comas imagens dos deuses. Nos primeiros tempos as mesas eram
de madeira sem ornatos, mais tarde foram ornadas de matérias
as mais preciosas, marfim, prata e até de ouro ricamente
cinzelado.
CAPITULO XXXIII
Interpretação e explicação
das diversas passagens mitológicas
dos Luzíadas
Canto 1
Est. 3 — O* sábio grego, Ulisses ; o Troiano, Eneas. Nep-
tuno, deus do mar. Marte, deus da guerra. Musa, referência a
Caliope, musa da eloqiiencia e de poseia heróica.
Est. 4 — Tágides, ninfas do Tejo. Febo, o mesmo que
Apolo, deus do sol e da poesia, inspirador das Musas. Hipo-
crene, fonte do cavalo Pégaso, no monte Hélicon na Beócia,
era consagrada às Musas e as suas águas davam inspiração
poética.
Est. 8 — Santo rio, rio da Ásia ciiamado Ganges, supu-
nham ser um dos quatro rios saídos do paraíso, é o rio sa-
grado dos indús, que se imaginavam purificados, quando se
banhavam nas suas águas.
Est. 14 — Aurora, deusa da manhã encarregada de abrir
ao sol as portas do Oriente.
Est 18 — Argonautas, navegadores da nau Argos, cujo
chefe foi Jasão, foram à Cólquida procurar e conquistar o ve-
locino de ouro, carneiro, cuja pele tinha pelos de ouro.
310
Est. 19 — Proteo, filho de Neptuno deus marinho, gover-
nava os peixes do mar e tinha o dom da profecia.
Est. 20— Tonante, epíteto de Júpiter, porque manejava os
raios e os trovões.
Neto do velho Atlante, Mercúrio, mensageiro dos deuses,
filho de Júpiter e de Maia, neto de Atlas, fabuloso rei da
Mauritânia, que sustentava o mundo sobre os hombros.
Est. 22 — Padre, refere-se a Júpiter— Vulcano, filho de
Júpiter de e Juno, deus do fogo, fabricava os raios que Júpi-
ter vibrava. *
Est. 30— Padre Baco, deus do vinho, filho de Júpiter, e de
Semeie; Gamões designa-o por diferentes epítetos tais comoTioneu, Lieu etc.
Est. 31 — Fados, deuses do destino que sabiam o fu-
turo.
Doris, mãe das ninfas do mar, as Nereidas. Nisa, cidade
mitológica, residência favorita de deus Baco; havia várias M-5^5, uma na índia, outra na Grécia e outra no Egipto.
Est. 32— Parnaso, monte na Grécia consagrado a Apolo e
às Musas, próximo havia uma fonte chamada Cartália, cuja
água fazia poetas todos os que dela bebiam.
Água de esquecimento, água do rio Letes do inferno, quem
a bebia esquecia todo o passado.
Est. 33 — Vénus, deusa da beleza, os romanos diziam ser
ela mãe de Eneas, pai de Ascânio fundador de Alba Longa,
cidade na Itália, tronco dos romanos ; Vénus, segundo o lu-
gares onde era venerada, assim se chamava, Citerea, Dionéa,
Pá/ia, Idália, etc.
Est. 34 — Citérea, epiteto de Vénus, da ilha de Citera onde
era venerada. Parcas, três divindades do inferno, Cloto, La-
quesis, Atropos, eram filhas de Erebo e da Noite, determina-
vam o destino da humanidade.
Est. 41 — Mavorte, forma alatinada, o mesmo que Marte
^
deus da guerra.
311
Est. 42 — Tifeu, um dos mais famosos gigantes, meio ho-
mem e meio serpente, com a cabeça chegava ao céu.
Segundo outros era um deus secundário da mitologia, que
estando em conversa com Vénus, e aterrado com a chegada
dos gigantes, para se livrar deles, os converteu em peixes; O
poeta refere-se à constelação zodiacal os Peixes, sendo o mêsde Março aquele em que o sol entra no signo Peixes.
Est. 46 — Faeton, filho do Sol e de Climene, foi autorizado
pelo pai a governar o carro do sol durante um dia, mas apro-
ximando-se demaziadamente da terra, ficaram várias regiões
da África abrazadas; foi castigado x)Ov Júpiter que o fulminou,
precipitando-o no rio Pó (Pado); as suas irmãs Helíades, cha-
madas Lampetusa, Lampêcia, e Faetusa, porque o choraram,
foram transformadas em álapids ç. faias.
Est. 49— Lleo, epiteto de Baco.
Est. 51 — Calisto, filha de Licaon, rei da Arcádia, transfor-
mada por Juno em ursa e por Júpiter em estrela por isso aqui
Calisto quer e dizer noite. Aqiieronte, um dos rios ou lagos do
inferno para onde o barqueiro Caronte levava as almas.
Est. 56 — Febo, Apolo deus do sol.
Est. 59 — hlperiónío, nome dado ao sol por ser filho de
Hipérion.
Est. 73 — Orão Tebano, o mesmo que Baco porque sua
mãe Semeie era de Tebas.
A fábula conta que Júpiter resolvera matar Semeie, que es-
tava grávida dele, mas não queria matar-lhe o feto, por isso
tirou-lho do ventre e meteu-o na coxa da perna onde o con-
servou até se completar; a criança que nasceu veio a ser Bcoa
que esteve assim, durante a gestação, uma parte»no ventre da
mãe, outra na coxa da perna do pai, daqui o dizer-se que Bacotinha duas mães.
Est. 96 — Anfitrlte, deusa do mar,, filha ào^Nereu e de
Doris e esposa de Neptuno.
312
As filhas de Nereu são as Nereidas, ninfas do mar, eram
cinquenta.
Est. 100 - Deusa celebrada em Citera, era Vénus.
Est. 102 — Deusa guardadora, Vénus, que vigiava constan-
temente a felicidade dos portugueses.
Canto II
Est. 1— Deus nocturno, Erebo, filho do Caos e da Noite,
porteiro do sol; porque, junto com os Titães, quis escalar o
céu foi precipitado por Júpiter nos infernos.
Est. 10 — Nascido de duas mães, refere-se a Baco filho de
Semeies em cujo ventre esteve até que Júpiter o recolheu na
coxa da perna, donde nasceu, pôr isso o poeta lhe dá duas
mães.
Est. 12 — Tioneo, epiteto de Baco, por ser neto de Tione.
Est. 13 — Moça de Titão, Aurora, filha do Sol, abre as
portas do céu e anuncia todas as madrugadas a vinda do sol.
Est. 18— Ericina, epíteto de Vénus, por ser adorada emErix ou Erice na Sicília.
Est. 19 — Alvas filhas de Nereo, as Nereidas ninfas do
mar.
Est. 20 — Nesta estância o poeta refere-se às ninfas marí-
timas, das quais o poeta nomeia três, Cloto, Nise e Nerin? ;
imaginavam-se as ninfas com o busto de mulheres formosas
e o resto do corpo à semelhança de peixes, cujas escamas
com a luz do sol parecem de prata ou argênteas.
Est. 21 — Tritão, o primeiro Tritão, que deu o nome aos
outros tritões, era filho de Neptuno e de Atifitrite; os tritões
eram os deuses protectores da navegação, tinham metade do
corpo com a forma humana e a outra metade com a forma de
peixe. Dione, epiteto de Vénus, outros dizem Dione mãe de
Vénus.
313
Est. 27— Lícia, país na Ásia Menor onde havia um orá-
culo de Apolo, os seus habitantes foram convertidos em rãs
por terem recusado água a Latona, mãe de Apolo.
Est. 34 — Onde faz seu filho, o ninho, refere-se a Cupido
filho de Vénus, era o deus do amor.
Est. 35 — A primeira parte desta estância refere-se ao pleito
havido entre Juno, Minerva e Vénus; sendo na selva Idea,
bosque de ida, onde Priamo sentenciou a favor de Vénus de
clarando-a a mais formosa. A segunda parte refere-se ao pas-
tor Acteon, que tendo surpreendido Diana nua a sair do banho
foi por ela metamorfoseado em veado, vindo a ser devorado
pelos seus cães.
Est. 41 — Grão Tonante, Júpiter.
Est. 45 — Ulisses, um dos maiores heróis da luta dos Gre-
gos contra os troianos, refere-se o poeta à chegada de Ulisses
à ilha de Ogigia, onde se deixou seduzir durante sete anos por
Calipso que lhe prometera a imortalidade se ficasse com ela:
mas Ulisses nunca esquecendo a sua Itaca, sua pátria e a sua
fiel companheira Penélope, abandonou Calipso e continuou a
sua viagem. Antenor, um dos chefes troianos que, segundo
dizem vendeu a pátria aos Gregos. Emas, outro chefe dos
troianos, filho de Vénus e de Anquises ; depois de destruída
Tróia, Eneas empreendeu uma viagem por vezes tormentosa,
até que chegou ao País Latino, onde desposou Lavinia filha
do rei, e os seus descendentes vieram a ser os progenitores
de Rómulo e Remo fundadores de Roma.
Est. 50 — Grão Mavorte, Marte deus da guerra.
Est. 56 — Eilho de Maia, Mercúrio, mensageiro át Júpiter,
era filho de Júpiter e de Maia.
Est. 57— Cileneo, epíteto dado a Mercúrio por ser adorado
em Cilene, monte do Arcádia.
Est. 58 — Fama, filha de Titan e da Terra, representada
por Virgílio, poeta latino, por um monstro que tem tantos
olhos, orelhas, bocas e línguas, como penas.
314
Est. 62 — Diómedes, rei fabuloso da Trácia, tirano que ali-
mentava os seus cavalos com carne humana, Hércules fê-lo
devorar pelos seus próprios cavalos.
Busiris, rei fabuloso do Egipto, sacrificava a Neptuno to-
dos os estrangeiros que entravam nos seus estados, Hércules
sacrificou-lhe o filho e o próprio sacerdote que fazia esses
abomináveis sacrifícios.
Est. 69 — Rigor de Marte, deus da guerra, toma-se pela
própria guerra, como a fúria de Vulcano representa a arte-
Iharia.
Est. 72 — Europa, filha de Agenor, rei da Fenícia, foi rou-
bada por Júpiter metamorfoseado em touro (um dos signos
do Zodíaco)— Luz febea, luz do sol. — Flora, deusa das flo-
res e dos jardins.
Amaltea, cabra que amamentou Júpiter; um dos seus cor-
nos, cheio de frutos e flores pelas ninfas, foi o símbolo da
abundância.
Est. 78 — Palas, epíteto de Minerva, presidia com um e
outro título indiferentemente, à guerra e às sciências; tambémtinha os epítetos de Parfenia por ser virgem, Cesia por ter
olhos azuis, Tritônia por se julgar ter ela saído do lago Tri-
ton e Nípia o mesmo que cavaleiro.
Est. 82 — /taco, o mesmo que Ulisses. — Alcino, rei dos
Trácios, acolheu Ulisses à sua volta de Tróia e mandou-o para
itaca numa nau mágica.
Est 89 — O filho de Latona, Apolo, filho áQ Júpiter e de
Latona, era o deus da medicina, da poesia, das artes, dos re-
banhos e do sol, também se chamava Febo.
Est. 90— Cíclopas ou Ciclopes, gigantes filhos de Poli-
fenw, um dos gigantes mais valentes; tinham um olho circular
ao meio da testa e forjavam os raios de Vulcano, estabelece-
ram-se nas visinhanças do monte Etna na Sicília.
Est. 92 — Memnon, filho de Titon e da Aurora, fabuloso
rei que socorreu Priamo na guerra de Tróia.
315
Est. 65 — Filha de Taumanfe, íris, deusa executora dos
mandatos de Juno que em recompensa dos seus serviços a
colocou no céu, personifica o Arco-íris.
Est. 103 — Hespérides, filhas de Hespero, eram três e cha-
mavam-se Egle, Aretiisa e Heseretusa, tinham jardins perto de
Lixa, cidade da Mauritânia, país queimado pelos ardores do
sol. Nestes jardins estavam os pomos de ouro guardados por
um dragão, Hércules matou o dragão e entrou nesse jardim,
esta foi uma das proezas deste herói. Estes pomos de ouro
eram, segundo as aparências, laranjas e cidras de que os jar-
dins da Mauritânia estavam cheios. Dava-se o nome de Hes-
pérides o estes jardins, pela sua situação ao ocidente, onde se
julgava que o sol se ia esconder todas a^, tardes.
Est. 105 — Apolo, deus do sol. — Eolo, deus dos ventos
e das tempestades.
Est. 112 — Nesta estância refere-se Camões aos gigantes
que tentaram escalar o céu e que Júpiter precipitou nos abis-
mos. Perito e Teseu, Perito ou Peritoo rei dos Lapitas, Teseu
filho de Neptuno e de Etra ou de Egeo rei de Atenas e neto
de Pelope o mais poderoso rei do. Peloponeso. Estes dois
heróis foram muito amigos um do outro e tentaram descer ao
inferno para roubar Prosérpina, mulher de Plutão, mas ficaram
lá presos, sendo libertados por Hércules que aprisionou o
Cerbero.
Nereo, filhíj de Tétis e do Oceano, pai dos rios.
Canto 111
Est. 1 — Caliope, era urna das nove musas, presidia à elo-
quência e á epopeia; as musas eram filhas át Júpiter & áe
Mnemosine deusa da mç:móx\^. — Inventor da medicina, o mesmoque Apolo, deus da medicina e da poesia. — Orfeu, filho de
Apolo e de Caliope, segundo outros era filho de Caliope e de
316
Eagro, rei da Trácia; era um notável músico, a doçura do seu
canto destruía a braveza das feras e encantava as divindades
infernais. — Dafne, Clícia e Leucotóe eram os nomes de três
ninfas amadas por Apolo; Dafne foi convertida em loureiro,
Clícia em girassol e Leiícótoe em árvore do incenso.
Est. 2 — Aganlpe, fonte do monte MéLlcon na Beócia, fa-
zia poetas os que bebiam a sua água. — Rindo, monte con-
sagrado a Apolo e às musas.
Est. 14 — Antenor, um dos chefes troianos.
Est. 16 - Pirene, filha do rei Bebrício, foi amada por Hér-
cales e, tendo sido morta pelas feras, foi encontrada por Hér-
cules e sepultada sob esses montes, donde lhes vem o nomede Pirenéas.— Estremo trabalho do Tebano, alude o poeta ao
estreito hoje Gibraltar e à fábula de Hércules, o tebano, por
ter nascido em Tebas e que separou as montanhas de Calpe
e de Abila abrindo o estreito, a que depois se chamou Colu-
nas de Hércules.
Est. 22 — O velho que os filhos come, refere-se o poeta a
Saturno dos latinos ou Cronos dos gregos, que devorava os
próprios filhos.
Est. 32 — Progne, filha, de Pandion, rei de Atenas e de
Xeuxipe, irmã de Eilomela e mãe de Itis ; Progne e Filomela
para se vingarem de Tereo pai de Itis, mataram-lhe o filho e
deram-lho a comer: foram convertidas, Progne em andorinha,
Filomela um rouxinol, Tereo em poupa e Itis em faisão,
Medea, célebre maga, filha de um rei da Colquida; com os
seus sortilégios e feitiçarias conseguiu adormecer o dragão
que servia de guarda ao velocino de ouro, concorreu assim
para que este fosse arrebatado por Jasão, chefe dos argonau-
tos e com êle fugisse; mas abandonada \iox Jasão, logo que
chegou à Tessália, para se vingar, estrangulou por suas pró-
prias mãos os filhos que dele tivera.
Scila, filha de Niso, rei de Megara; foi causa da morte do
pai, por amar a Minos, rei de Creta.
317
Est. 39— Scinis, ladrão que devastava a Ática, matava as pes-
soas, de que se apoderava; atando-os aos ramos das árvores
que dobrava e abaixava até ao chão, e endireitando-se estes
subitamente, faziam em pedaços os pacientes.
—
Perilo, famoso
artífice que fabricou para Falaris rei da Sicília, um touro de
bronze, onde este tirano metia os homens vivos fazendo-os
queimar ali por um fogo lento, tendo grande prazer em os ou-
vir gritar imitando o gemido de um touro.
Est. 44 — Formosa dama, Pentehlêa, rainha das Amazonas,
república de mulheres que não sofriam homens entre elas,,
apenas se contentavam de ver os maridos uma vez por ano e
sacrificavam todos os filhos machos que tinham; Penteriléa
socorreu Prlamo no cerco de Tróia e morreu num combate
singular contra Aquiles.
As amazonas habitavam na Capadócia à borda do rio Ter-
modonte.
Est. 51 — Animais... que Neptuno, etc, refere-se o poeta
àquela contenda havida entre Neptuno e Minerva sobre o
nome que se havia de dar a Atenas, decedindo os deuses que^
o que produzisse cousa mais útil à cidade lhe darfa o seu nome:
Neptuno feriu a terra com seu tridente e fez dela sair um ca-
valo, símbolo da guerra, mas perdera a causa porque Minerva
(Atene) produziu a oliveira, símbolo da paz. ^
Est. 56 — Naiades, ninfas das fontes e das ribeiras.
Est. 57— Nesta estância refere-se o poeta à lenda fabulosa
de que Lisboa foi fundada por Ulisses, herói da guerra de
Tróia ou Dardania.
Est. 67— Flava Ceres, filha de Saturno e de Cibeles, en-'
sinou aos homes a agricultura.
Est. 71 — Némesis, divindade encarregada de punir os
maus.
Est. 77— Medusa, uma das três Gorg^oies, as outras duas
irmãs eram Steno e Euriala ; Medusa e as irmãs reinavam nas
ilhas Gorgades, tinham um só olho, um só dente e um só
318
chavelho de que se serviam alternadamente; segundo alguns
poetas, Medusa era muito formosa, os seus cabelos eram fios
de ouro, Neptuno fez-se amar por ela, Minerva irritada mudouos cabelos de Medusa em serpentes. Anteo, gigante filho da
Terra, assaltava todos os que passavam na Líbia, porque fizera
voto de construir a seu pai Neptuno um templo feito de ca-
veiras de homens ; num combate com Hércules foi morto por
este.
Est. 83 — Libitina, deusa que tinha a intendência dos fu-
nerais.
Est. 98 — Atropos, uma das parcas, era a que com a te-
soura fatal cortava o fio da vida.
Est. 100 — Sentiram is, rainha fabulosa da Assíria, a quem
se atribui a fundação de Babilónia e dos seus jardins sus-
pensos.
£5/. 126— Nino, rei lendário da Assíria, dizia-se que a
mãe Semiranús fora criada por pombas.
Est. 131 — PoUcena, princesa filha de Priamo rei de Tróia,
foi degolada por Pirro sobre o túmulo de Aquiles, entregou-se
à morte com -um valor heróico que encheu de admiração os
gregos : esta princesa era filha de Hecuba, esposa de Priamo,
a esta se refere o epíteto, Mãe velha, do segundo verso.
Est. 133 — Tjestes e Atreu, filhos de Pelope e de Hipoda-
mia: estes dois irmãos são célebres na fábula pelas excessivas
afrontas que se fizeram um ao outro ; Tiestes enganou Europa,
mulher de seu irmão e teve dela dois filhos, que Astreu ma-
tou, e tendo convidado Tiestes para um banquete a fim de
celebrar as pazes que haviam feito, deu-lhe a comer os mem-bros dos seus dois filhos: os poetas dizem que o sol retroce-
deu no seu curso negando a luz a um crime tão horroroso.
Est. 131 — Alcides, nome de Hércules, do nome de seu
avô materno Alceu.— Teseu, rei da Ática, venceu tiranos e mons-
tros como Hércules praticou prodígios de valor.
Est. 140 — helena, mulher de Menelau rei de Esparta,
^19
roubada por Paris, filho de Priamo rei de Tróia, causa da guerra
e cerco de Tróia.
Est. 141 - Onfale, fiilia do rei da Lídia; esta princesa fez
muitos presentes a Hércules que veio por fim a ser seu amante
e que mudou, para lhe agradar, a sua clava em roca e a pele
de leão em ornatos mais próprios de mulher que de herói;
Onfale o fez fiar entre as mulheres da sua comitiva. — O fi-
lho de Alcmena, o mesmo que Hércules; Alcmena era mulher
de Anfitrlon, príncipe tebano, mas Júpiter disfarçou-se na fi-
gura do marido, enganou-a e dela nasceu Hércules.
Canto IV
Est. 5 — Astianás, filho de Andromaca e de Heitor. Andro-
macQy mandou construir um' túmulo a Heitor^ seu primeiro
marido;quando os gregos entraram em Tróia, quiseram dar a
morte a Astianás, mas Andromaca escondeu-o no túmulo de
Heitor; denunciado pelo olhar constante de sua Mãe que con-
tinuamente o dirigia para o túmulo, Ulisses descubriu-o e pre-
cipitou-o do alto das muralhas.
Est. 21 — Animais de Neptuno, veja-se a explicação dada
na est. 51 do canto in.
Est. 27— Astrea, filha de Temis, era considerada comodeusa da justiça ; habitou sobre a terra emquanto durou a
idade de ouro, mas horrorizada pelos crimes dos homens nas
outras idades, subiu ao céu e colocou-se naquela parte do
Zodíaco, que se chama o signo da Virgem ; o sol entra neste
signo no mês de Agosto.
Est. 33 — Sumano, o mesmo que Plutão deus dos infer-
nos.
Est. 40 — Estigio lago, rio no inferno, onde Tetis mãe de
Aquiles o banhou para o tornar invulnerável, mas como o se-
gurasse pelo calcanhar, esta parte do corpo não recebeu a água
320
do rio e por isso ficou vulnerável ; era por este rio que os
deuses costumavam jurar e se acontecia serem perjuros, eram
privados do néctar por espaço de um século.
Est. — 41 Trifauce cãj, Cerbero, cão do inferno, tinha três
cabeças, guardava a entrada do palácio de Plutão, donde não
deixava sair ninguém ; hércules prendeu-o com cadeias, Or-
feu adormeceu-o ao som da sua lira, e a Sibila, que conduziu
Eneas aos Infernos, o atormentou com um bolo.
Est. 49 — Tetis, deusa do mar. — Alcides sobrenome de
Hércules.
Est. 55 — Tirintio, sobrenome de Hércules, da cidade de
Tirinto, onde foi educado.
Est. 63 — Belo Adónis, filho de Ciniras, rei de Chipre, e de
Mirra. Adónis foi ternamente amado por Vénus, Marte ciu-
mento pela preferência de Vénus, .incitou um javali contra Adó-
nis, que o despedaçou. Vénus veio em auxílio de .Adónis mas
chegou tarde, então transformou-o em anémona Adjnis teve
um templo grandioso em Chipre. Segundo a história Adónis
foi um príncipe da Fenícia dotado das melhores qualidades de
alma e de corpo e por quem o povo mostrou grande mágoa
depois da sua morte. Este príncipe andando à caça foi mordido
por um javali, mordedura que o deixou entre a vida e a morte
durante um ano e daí o dizer-se que êie tinha ido aos infernos
e voltado. O culto de Adónis zomeQow na Fenícia espalhando-
-se pelos países vizinhos, Egipto, Assíria, e até na Judea, onde
foi muitas vezes reprovado pelas profetas.
Est 65 — Morfeu, um dos três principais filhos do Sono
e da Noite, os outros dois foram Eabetor e Eantaso; o Sono
tinha um palácio com duas portas, uma de chavelho por onde
saíam os sonhos verdadeiros, outra de marfim para os sonhos
enganadores ; Morfeu era o deus dos sonhos.
Est. 72 — Alfeu e Aretusa; Aretusa, ninfa, filha de Nereu
e de Doris, era companheira de Diana ; um dia fora banhar-
-se no rio Alfeu, este rio, divinizado, apaixonou-se por ela e
3?1
perseguiu-a aíé Siracusa; Aretusa implorou o socorro de Diana
que a converteu na fonte do seu nome; Alfeu foi então por
debaixo da terra para misturar com as dela as suas águas, masnão o conseguiu; foi Aretusa que viu passar Plutão com Pro-
sérpina que êle havia roubado e informou Ceres desse facto.
Est. 75 — Febo, o deus do Sol ou o próprio Sol.
£5/. 80— Euristeu, irmão de Hércules (Alcides) foi seu ri-
val. Júpiter havia feito juramento que destes dois, o que nas-
cesse primeiro, mandaria o outro. Juno empregou todos os
seus esforços para que Alcniena desse à luz primeiro a Euris-
teu. Euristeu foi um inimigo de Hércules e ura tirano, ex-
pondo-o a toda a sorte de perigos de que se saiu sempre
vencedor.
Leão Cleoneu, um dos doze trabalhos de Hércules: afogou
o leão da selva Nemea da aldeia de Cleone, depois de o ter
reduzido ao aperto de uma gruta donde não podia escapar.
Hércules em memória desta vitória trouxe sempre a pele do
leão.— Harpias duras, outro trabalho de Hércules: destruiu as
aves do lago Stinfale que eram tão numerosos que escure-
ciam o sol. estas aves eram as Harpias.— Porco de Erimanto,
outro trabalho do mesmo herói : este animal suscitado pela
vingança de Diana, destruía toda a Arcádia, Hércules pren-
deu-o e levou-o a Euristeu.— Hidra brava, era a hidra de Lerna,
serpente com sete cabeças que renasciam ao passo que as
derrubavam, também foi morto por Hércules. — Finalmente o
poeta refere-se ainda a outra façanha de Hércules: desceu ao
inferno para retirar de lá seu amigo Teseu e Perito, que lá ti-
nham ido para roubar Prosérpina a Plutão.
Dite, o mesmo que Plutão, deus do inferno, que era ba-
nhado pela lagoa Estige.
Est. 83 — Minias, povos da Tessália, chamados os Argo-
nautas, foram na nau Argos procurar o velo de ouro.
Est. 93 — Nesta estância refere-se o poeta às quatro ida-
des, ouro, prata, bronze e ferro.
21
322
Est. 103 — Filho de Japeto, é Prometeu que roubou o fogo
do céu para dar vida ao primeiro homem que êle formou de
barro.
Est. 104 — Moço miserando, o mesmo que Faeton que foi
precipitado por Júpiter no rio Eridano (Pó) por guiar ma! o
carro do Sol, seu pai.
Grande arquitector, refere-se a Dédalo, o homem mais in-
dustrioso do seu tempo, inventou muitos instrumentos sendo
excelente na arte de fazer estátuas; os poetas dizem que apren-
dera de Minerva a arquitectura; a sua obra mais célebre foi o
labirinto onde êle foi metido e ícaro, seu filho, e donde poude
sair devido a ter obtido cera e penas com que fez azas para
si e para o filho; mas este voando muito alto, a cera foi derre-
tida pelo sol e caiu no mar que depois conservou o seu
nome.
Houve dois labirintos, um no Egipto, que era uma das ma-
ravilhas do mundo, outro em Creta muito mais pequeno.
Canto V
Est. 2 — Animal Nenieio, o leão de Nemea morto por
Hércules, aqui é o signo do Zodíaco chamado Leo ou Leão.
Est. 4— Anteu, rei de África, a fábula fà-lo filho da Terra,
acometia todos os que passavam pelas areias da Líbia, Hércu-
les levantando-o ao ar sufocou-o nos seus braços.
Est. 11 — Donadas, as ilhas Gargonas antigamente habi-
tadas pelas Gorgonas, filhas de Fôreis, das quais a mais notá-
vel era Medusas, cujos cabelos foram transformados por Mi-
nerva em serpentes. As Gorgonas habitavam na costa ociden-
tal da África, próximo das Hespérides.
Es. 13 — Ca/isto, ninfa da Arcádia, companheira de Diana
cedeu à paixão de Júpiter transformado na deusa Diana; Juno
transformou-a em ursa, tempos depois seu filho Arcas, an-
323
dando à caça ia a feri-la com um dardo quando foi impedido
de o fazer por Júpiter, que o transformou em ursa: foram
ambos colocados no céu sendo Calisto a grande ursa, Hé-
lice, ou o carro e seu filho a estrela chamada Bootes, Aretofi-
los, Ouarda de bois ou Boieira. Perto do Polo Árctico há
ainda outra constelação a Pequena Ursa que serve de guia
aos navegantes.
Est. 15 — Apolo, o deus do sol.
—
Eolo, o deus dos ventos.
Os últimos dois versos desta estância referem-se à passagem
mitológica de Juno ter conseguido de Tetis e do Oceano, que
as duas Ursas nunca se banhariam no mar, como o fazem ou-
tras estrelas e planetas.
Est. 28 — Polifemo, filho de Neptuno e de Europa, namo-
rou-se da ninfa Galaíea, filha de Nereu e de Doris a quem,
para lhe mover o coração, levantou um templo, porém não o
conseguiu por que ela era amada do pastor Acis; esta prefe-
rência irritou o Ciclope que esmagou o rival com um rochedo
que lhe atirou. Este gigante tinha um só olho no meio da
"testa, que lhe foi vasado por Ulisses. — Pele de Colchos,
alusão ao velocino de ouro.
Est. 40— Colosso de Rodes, uma das sete maravilhas do
mundo, estátua de bronze representando Apolo à entrada de
uma das portas da ilha.
Est. 51 — Encetado, Egeo, Centiniano, Adamastor, eram
gigantes, filhos da Terra, que tentaram escalar céu.
Est. 52 — Esposa de Peleo, Tetis mulher de Peleo e mãede Aquiles. — Filhas de Nereu, as Nereidas, ninfas, filhas de
Nereu e de Doris, presidiam ao mar; as Driades., que presi-
diam aos bosques e aos prados; as Naiades, guardas das fon-
tes e dos rios ; as Oreades, as que habitavam os montes.
Est. 58 — Montes sotopostos, alusão aos gigantes que para
€scalar o céu haviam posto montes sobre montes e Júpiter^
para os castigar, soterrou-os debaixo desses montes.
324
Est- 61 — Flegon, Pirois, Eóo, e Eton, tx^m os cavalos que
puxavam o carro do sol.
Est. 63 — Camenas, o mesmo que as Musas gregas.
Est. 80 — Raninusia, o mesmo que Nemesis deusa da vin-
gança, castigava os maus e os que abusavam dos favores da
Fortuna, era filha da Noite e do Oceano, chamavam-lhe tam-
bém Adrastia e o nome de Raninusia viniia-lhe do culto par-
ticular que lhe tributavam em Ramno na Ática.
Est. 86 — Eneas, príncipe troiano, herói da Eneida de Ver-
gílio. — Ulisses, rei de Itaca, filho de Laertes e esposo de Pe-
nélope, o principal herói grego do cerco de Tróia, cantado
por Homero na Odissea.
Est. 88—Magas, mulheres que praticavam a magia.— C/>ré',
célebre encantadora que habitava um promontório da Toscana,
era filha do Sol e de Perse, transformou os companheiros de
Ulisses em animais, Ulisses não só se livrou do seu encanto
como o obrigou a restituir os seus companheiros à primeira
forma. — PoUfemo, um dos gigantes que escalou o céu. — Sire-
nas, monstros meio homens, meio peixes, que atraíam pelo
seu canto os viajantes aos escolhos do mar da Sicília. — Loto,
árvore cujos frutos faziam esquecer a pátria; Driope, ninfa do
Arcádia arrancou um dia um ramo ao loto para o seu filho
brincar, Baco, a quem o loto era consagrado, para a castigar,
transformou-o em árvore e o menino foi acome tido da mesmadesgraça.
Est. 89 — Odres, são os odres em que Eolo meteu os ven-
tos e os entregou a Ulisses quaudo saiu da Eólia para os
largar depois, quando lhe aprouvesse. — Calipso, ninfa, rainha
da ilha Ogígias onde abordou Ulisses numa táboa, esta rainha
acolheu Ulisses tão bem que ali o reteve durante sete anos.
— Harpias^ eram filhas de Taumante t de Electra e irmãs de
íris segundo uns e segundo outros de Neptuno e da Terra;
eram três monstros devoradores, Cleno, Ocipete e AeLi, como rosto de donzelas, o corpo de abutre, azas nos ombros
325
chamavam-se também Aves Stinfalides; furtavam tudo quanto
encontravam ou deixavam infecto com o seu tacto.
Est. 91— Mancebo Delis, Apolo, nascido na ilha de Delas.
— Irmão de Lampecia, Faetonte, irmão de Lanipecia, guiou
mal o carro do sol e Júpiter por esse facto lhe lançou um raio
e o jDrecipitou no rio Pó ou Eridano.
Est. 99 — Caliope, musa da epopeia.— Filhas do Tejo, Tá-
gides, ninfas.
Canto VI
Est. 1 — Hércules ao mar abriu caminho, caminho aberto
pelo famoso Hércules que fendendo a montanha que impedia
a comunicação do mar Mediterrâneo com o Atlântico, fez o es-
treito de Gibraltar, Colunas de Hércules.
Est. 6 — Tioneo, epíteto de Baco por ser filho de Tióne.
Est. 8— Nereidas, ninfas marítimas, filhas ds Nerceu—Húmidas deidades, divindades marítimas que habitavam o
o fundo do mar.
Est. 10 — Velho Caos— Deus primitivo, simbolizava a con-
fusão primitiva dos elementos, é velho, por ser mais antigo do
que a Terra.
Est. 11 — Prometeu, iniciador do género humano; depois
de ter formado o homem com o barro, deu-lhe vida, roubando
o fogo do céu;Júpiter castigou-o, amarrando-o a um rochedo
onde um abutre lhe vinha devorar o fígado ; era filho de Ja-
peto.
Est. 13 — Tifeo, chefe dos gigantes que pretenderam esca-
lar o céu, foi fulminado por Júpiter e sepultado no vulcão
Etna na Sicília.
— Os últimos quatro versos desta estância referem-se à
história do cavalo de Neptuno e da oliveira de Minerva, que
vem narrada na mitologia.
326
Est. IA — Lieii, um dos cognomes de Baco.
— Ninfas, as Nereidas e as Oceânides.
Est. 16 — Tritão, filho de Neptuno, andava montado em ca-
valos marinhos.— Sa/flc/a, epíteto de Anfitrite, esposa de Nep-
tuno e mãe de Tritão, Salácia era o antigo nome de Alcácer
do Sal. — Tritão servia-se de um grande búsio, como corneta,
quando queria chamar os outros deuses marinhos.
Est. 18— Febe, a lua, segundo a crença popular, na lua
cheia são os mariscos mais volumosos.
Est. 19— Dardânia, Tróia, cujas muralhas foram construí-
das por Neptuno.
Est. 20 — Padre Oceano, padre por ser um deus dos de
maior categoria, segundo a mitologia era filho de Céu ou Urano
e da Terra ou Gaea, marido de Tetis, pai das Oceânides e
personificava o mar. — Nereu, devindade marinha, marido de
Dóris e pai das ninfas do Mediterrâneo (Nereidas).— ProteOy
filho de Neptuno, recebera deste deus o dom de adivinhar o
futuro e por isso já sabia o que Lieu (Baco) pretendia de
Neptuno.
Est. 21 — A segunda esposa de Neptuno era Anfitrite filha
de Ceio, o mesmo que Urano e de Vcsta, deusa do fogo.
Est. 22 — Delfim, o mesmo que golfinho, a mitologia in-
cluía-o no número das divindades secundárias e foi um del-
fim que incitou Anfitrite a ser esposa do rei do mar.
A outra esposa de Neptuno era Tetís a que os versos
desta estância se referem.
Est. 23 — Atamante, rei de Tebas, teve por esposa íno
filha de Cadmo, fundador de Tebas: esta princesa vendo o
marido enfurecido, fugiu-lheeatirou-se ao mar com um filhinho
que levava, sendo ambos convertidos em divindades marítimas
ficando ela com o nome de Leucotea e a criança com o de
Melicerte ou Palenion. — Panopea, nome de uma das nereidas.
Est. 24 — O deus, que foi homem e depois convertido empeixe, foi Glauco, pescador que tendo encontrado um peixe
327
iTiorto, o aproximou de uma erva, que o resuscitou e comendaêle também dessa erva foi logo convertido em peixe atirando-se
ao mar, sendo depois disto feito um deus marítimo.
—
Sirce e
Sila; esta era amada por Glauco, porém Sirce que também oamava e a quem êle desprezava, vingou-se de Sila envenenando
a água em que ela se banhava, pelo que veio a ser convertida
em cão; então Sila desesperada desta tranformação atirou-se
ao mar onde veio a ser convertida no escolho rochoso que
tem este nome no mar da Sicília.
Est. 25 — Tebano, outro cognome de Baco.
Est. 26 — Padre Oceano, personificação do mar, como se
tivesse existência separada da de Neptuno.
Est. 27— Os dois primeiros versos encerram uma alusão
à tentativa dos gigantes, filhos de Urano, para chegar ao céu;
os dois seguintes outra alusão à viagem dos Argonautas.
Est. 28 — Os quatro primeiros versos formam uma perí-
frase alusiva à tradição de ter sido Luso, fundador da Lusitâ-
nia, companheiro de Baco.
Est. 29— Mínias, os argonautas, cavaleiros da Tessália.
— Boreas, divindade personificando o vento Norte, filho de
Titão Astreu e da Aurora.
— Aquilo, outra divindade representando o vento Nordeste.
Est. 33 — O grande senhor, Júpiter. — Fados, divindades
que estabelecem com antecedência o futuro.
Est. 35 — Eolo, rei dos ventos.
Est. 37 — Hipótades^ epíteto dado a Eolo, por ser neto de
Hipótades, rei lendário de Tróia.
Est. 43 — Erínis, nome de uma das Erínias, Euniénides ou
Fúrias, divindades que se ocupavam em castigar os crimes
humanos.
Est. 58 — Mavorte, Marte, deus da guerra.
Est. 63 — Animal de Mele, carneiro com lã de ouro ; Heley
filha de Atamas, rei da Beócia, fugindo do ódio da madrasta,
quis passar o Ponto (mar), sobre esse carneiro, mas caiu ao
328
mar onde se afoí^ou, a este sítio se chamou Helesponto, hoje
estreito dos Dardanelos.
Est. 76 — Noto, Austro, Boreas, Aquilo; os dois primeiros
eram os nomes com que os poetas latinos designavam o vento
sul e os dois últimos o vento norte.
Est. 77— Alcioneas, aves marítimas cujo nome vulgar é
maçaricos; diz a fábula que Alcione era filha de Eolo e esposa
de Ceice e que tendo este morrido veio o cadáver dar à praia
onde se achava Alcione que, não podendo sobreviver a tão
grande dor se atirou ao mar e Tetis transformou -as a ambos
em Alcides ou Alcioneas.
Est. 78— O grão ferreiro, refere-se Camões a Vulcano deus
do fogo, que fabricou os raios com que Júpiter aniquilou os
Titães que pretendiam escalar o céu:
— Grande Tonante é. Júpiter. — Grande dilúvio, alusão ao
dilúvio da mitologia grega em que figuram Dencalião e sua
mulher Pirra.
Est. 85— Amorosa Estrela, Vénus personificada na estrela
de alva; amorosa, epíteto de Vénus; é Vénus que no céu go-
verna esta estrela.— 0/'/í7/z/'^, divindade mitológica, era um caça-
dor que se enamorou de Diana e que não tendo respeitado
esta deusa, foi, por essa audácia, transformado na constelação
do mesmo nome; a esta constelação davam os latinos o epí-
teto de ensífero que significa armado de espada.
Est. 88 — Oritia, nome de uma ninfa marítima amada por
Boreas.
Est. 90 — Galatea, ninfa amada pelo gigante Polifemo.
Canto VII
Est. 9 — Os dentes de Cadmo; Cadmo, segundo a mitolo-
gia, foi por ordem do pai, rei da Fenícia, procurar sua iimã
Europa, raptada por Júpiter; parou na Beócia, onde os com-
329
panheiros foram vítimas de uma serpente que Cadmo matou
;
os dentes desta serpente foram espalhadas pela terra e deles
nasceram homens que se mataram uns aos outros.
Est. 10 — Aleto, nome de uma das Farias chamadas Eré-
nias ou EumeIlides, filhas da Terra e viviam no Tártaro (in-
ferno).
Est. 19 — No último verso desta estância há uma alusão à
lenda mitológica de que alguns povos do Egipto se denomi-
navam lotófagos por se alimentarem com o aroma das flores
do lótus, chegando-se a esquecer da pátria quem as comia.
Est. 24 — Anteii, gigante da fábula, filho de Neptuno, a
quem Hércules matou, tinha dominado em Marrocos.
Est. 29— Rpdope, monte da Trácia, onde as árvores, se-
gundo a fábula, se moviam para ouvir o canto de Orfeu, con-
siderado o maior músico da antiguidade, sua mulher era Euri-
dice, que morreu no próprio dia das núpcias, mordida por
uma serpente.
Est. 40 — Brâmenes, sectários da religião de Brama, ente
criador dos índios, como deus conservador é chamado Vixnu,
e Xiva como deus destruidor e renovador, o que constitui
a trindade dos indús ou índios.
Est. 47— Quimera, monstro fabuloso, composto de muitas
cabeças de vários animais e vomitando fogo.
Est. 48 — Júpiter Amon, epíteto ^'t Júpiter; Baco estando
na Líbia e tendo grande sede, invocou Júpiter que lhe apare-
ceu sob a forma de carneiro, este batendo com as patas no
chão fez brotar uma fonte; Baco em agradecimento levantou
nesse lugar uma estátua a Júpiter na forma de um carneiro
e deu-lhe o nome de Amon. — No Egipto era Amon adorado
como deus do sol e tinha um templo em Tebas. —Jano, rei
fabuloso do Lácio, era representado por uma estátua com dois
rostos porque Saturno lhe dera a faculdade de saber o passado
e prever o futuro. — Briareu, gigante fabuloso com cinquenta
cabeças e cem braços.
—
Anúbis Menfitico, deus egípcio re-
330
presentado com o corpo humano e cabeça de cão, adorado
em Mênfis, antiga capital do Egipto.
Est. 52— Dedálea faculdade, talento de Dédalo, arquitecto
da fábula que fez o labirinto de Creta onde foi encerrado o
Minotauro, monstro filho de Mirtos.
Est. 53— Esta estância é uma alusão à fabulosa Semiramís,
rainha da Assíria, a quem se atribui a fundação de Babilónia e
a construção dos jardins suspensos, uma das sete maravi-
lhas do mundo; Semiraniis era a Vénus da mitologia dos
assírios.
Est. 67 — Délio, nome patronímico de Apolo, deus do
Sol, por ter nascido na ilha de Deios — ígneos carros, carro
em brasa, o Sol, guiado por Apolo.
Est. 79 — Canace, personagem da fábula, tem na mão di-
reita uma pena com que escreve uma carta ao irmão a dizer-lhe
que se vai matar e na esquerda o ferro com que pretende aca-
bar a vida, suicidou-se por ordem de seu pai EoLo por haver
tido amores incestuosos com seu irmão Macareu.
Est. 85 — Proteu, recebera como já se disse de Neptuno
o dom de adivinhar, mas quando não queria responder às
preguntas transformava-se. — Canienas, musas, epíteto apli-
cado às ninfas do Tejo, a quem o poeta faz invocação.
Canto VIII
Est. 3 — Filho e companheiro refere-se a Luso do tebano,
epíteto de Baco, por ter nascido em Tebas.— Campo Elísio ou
Campos Elísios eram a habitação fabulosa das almas virtuosas,
o paraíso dos gregos e dos romanos.
£5^. 4 — Os últimos quatro versos desta estância é uma
alusão a Ulisses, herói grego, que se tornou notável no cerco
de Tróia e se considera o fundador de Lisboa. — Palas, umdos nomes de Minerva, deusa da sabedoria e da guerra.
331
Est. 8 — Aves de Júpiter, as águias, aves estimadas por Jú-
piter e que são representadas a seu lado.
Est. 27— Betona, deusa das batalhas. — Lei Letea, vem de
Letes, rio do inferno; Letes significa esquecimento, as almas,
que habitavam as suas margens e bebiam as suas águas, es-
queciam-se do passado.
Est. 32— Ceres, deusa das searas. — Neptuno deus do
mar.
Est. 45 — Arúspices, feiticeiros, agoureiros, nome dado aos
sacerdotes romanos que sacrificavam as aves e os animais e
pretendiam adivinhar o futuro pelos sinais que fingiam ver nas
entranhas das vítimas.
Est. 91 — Polidoro, era filho de Prianio, rei de Tróia, levava
da parte do pai grandes valores para depositar nas mãos do
rei da Trácia, e este matou-o para se não saber quem recebera
tais valores. — /4í-m/í7, rei fabuloso de Argos, tinha uma filha
Danae guardada numa fortaleza de bronze, e Júpiter conver-
tendo-se em chuva de ouro, entrou na fortaleza e raptou-a,
desta união nasceu Perseii.
Canto IX
Est. 18 — Deusa Cipria, Ve'nus; Cipria, adjectivo patroní-
mica de Chipre, havia nesta ilha muitos templos consagrados
a Vénus.
Est. 19 — Anfiônea Tebas, Baco, nasceu em Tebas, refere-
-se pois este deus nascido nas anfiôneas Tebas a Baco e Te-
bas é anfiônea porque as suas muralhas foram construídas por
Anfião, filho de Júpiter, e músico tão encantador que as pró-
prias pedras vinham ao som da sua lira colocarem-se no lugar
onde eram precisas.
Est. 20 — Conta desse a seu filho, é o filho de Vénus,
Cupido, representante do amor; a influência de Cupido é tal
332
que os deuses descem do céu à terra para amar entes huma-
nos e a estes o amor dá prazeres celestes, — Portas Hercula-
nas, estreito de Gibraltar, obra de Hércules.
Est. 22 — Aquáticas donzellas^ nereidas, símbolo das be-
lezas femininos do Oriente.
Est. 23 — Nesta estância refere-se o poeta a Eneas filho de
Vénus e de Anquises, príncipe troiano e diz que a deusa para
o proteger, quando êle naufragou em Castago, conseguira por
intermédio de Cupido, que a rainha desta cidade se apaixo-
nasse por êle e o recebesse bem e rememora a maneira comoDido conseguiu o espaço de terreno para fazer a cidade de
Cartago aludindo à pele de boi, que ela dividiu em tiras muito
estreitas para limitar o campo, que pedira ao chefe dos indíge-
nas, para nele construir uma casa para viver.
Est. 24— Nos dois primeiros versos há uma alusão aos cis-
nes e à ficção poética de que os cisnes são as aves agoureiras
da morte. — Peristela, uma moça que Cupido converteu empomba por ter ajudado Vénus a colher flores, fazendo comque ela colhesse maior quantidade do que êle.
Est. 25 — Idálios montes, montes na ilha de Chipre e que
eram a residência de Cupido. — Filho frecheiro, alude às fre-
chas invisíveis de que Cupido está armado para ferir os cora-
ções.
Est. 26 — Acteon, caçador mitológico que perseguindo umveado encontrou Diana em completa nudez saindo do rio
onde fora banhar-se; Diana irritada converteu-o em veado que
os próprios cães devoraram.
Est. 30 — Meninos voadores, Sagitários reiinidos por
Cupido, aguçando as farpas das setas para trespassarem os
corações das ninfas.
Est. 35 — Vulcâneas redes, Vulcano envolvera sua esposa
Vénus em uma rede fina e rija quando a surpreendeu em coló-
quio amoroso com Marte, alusão às damas surpreendidas emadultério.
333
Est. 36 — Dione, epíteto de Vénus. — Frecheiro, Cupido,
munido de frechas e setas.
Est. 37— Armas Tifeas, os raios de Júpiter contra Tifeu,
Cupido não teve medo dos raios celestes, porque, tendo sido
assaltado pelos gigantes capitaneados por Tifeu, para os evitar
converteu-se em peixe.
Est. 38 — As parcas são Cloto, Laquésis e Atropos repre-
sentadas nesta estância como sabedoras do futuro.
Est. 40 — Filhas de Nereu, Nereidas.
—
Dons de Flora e de
Zéfiro, dádivas da deusa das flores e de Zéfiro, vento do oeste
brando e suave.
Est. 44 — Deusa gigantea, a Fama, segunda filha da terra
e irmã dos gigantes.
Est. 48 — Ebúrnea lua, arco de marfim que o Cupido usa
para disparar as setas contra as ninfas e, como para disparar
com mais força, junta as pontas do arco afim de retezar a corda
daqui vem a expressão Os cornos juntou da ebúrnea lua.
Est. 52— Acidália, epíteto de Vénus tomado da fonte desse
nome na Beócia.
Est. 53 — Delos, ilha do arquipélago dos Ciciadas, diz a
fábula que foi nesta ilha que nasceram Apolo e Diana filha de
Júpiter e de Latotia. — Citerea, epíteto de Vénus.
Est. 56 — Dafne, ninfa que foi convertida em loureiro no
momento de ser surpreendida por Apolo que a perseguia; os
cabelos de Dafne eram louros.
Est 57— Alcides, cognome de Hércules que andava co-
roado de folhas de álamo.— Louro deus, Apolo que se coroava
de louro. — Cibele, filha de Ceio, esposa de Saturno e mãeát Júpiter, de Neptuno e de Plutão. — Cipariso, nome de ummoço grego que teve tanta paixão pela morte de uma corça„
que êle estimava, que veio a falecer dessa paixão e por isso
foi convertido em cipreste símbolo do luto.
Est. 58 — Ponwna, deusa dos frutos e dos jardins.
334
EsL 60 — Flor Cesifia, o mesmo que narciso; Cisifo era
um rio da Grécia, onde nasceu Narciso, que enamorando-se
da sua própria imagem que via no espelho das águas, foi por
Vénus convertido na flor que chamou narciso. — Neto de Cini-
tas, era Adónis, moço de beleza efeminada, transformado por
Vénus em anémona. Deusa Páfia, Vénus, adjectivo patronímico
derivado de Pafos, cidade da ilha de Chipre, onde havia umtemplo consagrado a Vénus.
Est. 61 — Aurora, deusa personificando a parte de céu que
aparece vermelha ao nascer do sol. — Zéfiro, vento brando do
oeste. — Flora, deusa das flores.
Est. 62 — Flores hiacinturas, Jacintos; Jacinto era um jo-
vem estimado de Apolo e que por este foi transformado emflor do mesmo nome, quando involuntariamente o matou.— C/í?'-
ris, ninfa das flores, esposa de Zéfiro.
Est. 66 — Erjcina, epíteto de Vénus.
Est. 73— Deusa caçadora, alusão a Diana, quando foi vista
nua pelo caçador Actéon.
Est. 74 — Irmã de Febo, Diana,
Est. 76— Efise, nome de uma ninfa.
Est. 85 — Tetis, segundo a mitologia grega era filha de
Urano e da Terra, desposou o Oceano, foi mãe de N^.reu, das
ninfas fluviais e das Oceânides, ninfas do mar, personificava a
água.
Est. 90— Olimpo, morada dos deuses.— Azas da Fama,
alegoria em que a Fama figura de mulher com azas.
Est. 91 — Eneas, troiano, filho de Vénus e de Anquises.
— Quirino, Rómulo fundador de Roma.— Do\?, Tebancs, Hér-
cules e Baco, ambos nascidos em Tebas. — Os outros nomes
são deuses e deusas de que trata a mitologia.
Est. 92- -índigetes, nome dos deuses indigenas padroei-
ros de uma região.
335
Canto X
Est, 1 — Larissea adúltera, a ninfa Coronis, nascida emLarissa região da Grécia, dos seus amores com Apolo nasceu
Esculápio, deus da medicina, Apolo matou-a por ela lhe ter
sido infiel, amando também um mancebo da Tessália.— Favó-
nio, vento fraco de oeste.
Est. 4 - Ambrozia, com ela se nutriam os deuses no Olimpo
e ela lhes dava a imortalidade. —Jove, o mesmo que Júpiter.
Est. 5—Profundo reino, o mitrno.— Sirena, Sereia, ser mi-
tológico representado por uma mulher formosa com cauda de
peixe; com a sua maviosa voz as sereias atraíam os navegantes
aos cachopos da Sicília e aí os faziam naufragar.
Est. 6 — Bela ninfa, uma das sereias, que cantando profe-
tizava as proezas dos portugueses no Oriente.
Est. 7— Prôteo, o deus marinho que tinha o dom de adi-
vinhar.
Est. 8 — lopas, poeta mítico, da Eneida discursava na
presença de Dido, rainha de Cartago, em estilo elegante acerca
dos astros e de assuntos scientíficos. — Deniodoco, persona-
gem mítico da Odissea, pronunciava em estilo sublime o elogio
de Ulisses na presença de Alcino, rei da Féácia, nome fabu-
loso de uma região numa ilha do mar Jónio. — Caliope, musada eloquência.
Est. 9 — Rio do esquecimento, Letes, rio do inferno, as
sombras que bebiam a sua água, esqueciam o passado.
Est. 12 — Aquiles, herói grego, foi um dos guerreiros que
foi ao cerco de Tróia, é a personificação da coragem militar^
fora mortalmente ferido no calcanhar por uma seta envenenada
disparada por Paris.
Est. 24 — Há nesta estância uma alusão à contenda entre
os dois heróis da Ilíada, Ajax e Ulisses: ambos queriam ficar
com as armas de Aquiles, por se considerar cada um o mais
336
valoroso no cerco de Tróia ; os juízes resolveram que as ar-
mas, fossem dadas a Ulisses por ter usado de uma eloquência
doce, astuta e frivola; Ajax porém era o mais bravo guerreiro,
e tendo sido vencido por Ulisses nesta contenda, enloqueceu
e suicidou-se.
Est. 25 — Apolíneos raios, raios do Sol, Apolo era o deus
personificação do Sol.
Est. 60 — Heitor português, comparado com Heitor troiano,
filho de Priamo, o mais valente dos chefes troianos e que foi
vencido por Aquiles.
Est. 74 — Rodas da fortuna, Fortuna, divindade personifi-
cando o acaso, era representada por uma estátua de mulher,
de olhos vendados, sobre uma roda, que ia sendo substituída
por outras, das quais umas representavam o passado e outras
o futuro.
Est. 88— Carreta, designação popular da constelação Ursa
Maior.— Cinosura, Ursa menor, na mitologia nome de umaninfa, que por Júpiter foi transformada em estrela. — Andrônieda
constelação boreal, na mitologia nome de uma filha de Cefeu,
rei da Etiópia e de Cassiopea rainha da mesma região.— Cefeu
e Cassiopea são também constelações; a Cassiopea era muito
formosa e por isso disputava o prémio da beleza às Nereidas,
Júpiter inventou um monstro que assolava a Etiópia, consul-
tado o oráculo, respondeu que era necessário expor Andro-
meda aos furores do monstro; as Nereidas então para se vinga-
rem ataram Andromeda a um rochedo e ia ser devorada pelo
monstro quando apareceu Perseu que a libertou, sendo então
ela e os pais transformados em estrelas. — Drago, constelação
boreal, na mitologia monstro fabuloso representado com azas,
garras de leão e cauda de serpente, houve também um dragão
que guardava os pomos de ouro no jardins das Espérides e
outro que era guarda do Tosão de Ouro que os Argonautas
roubaram.— Orionte, nome do caçador que Diana transformou
em constelação. — Cisne, constelação boreal; na mitologia
337
Cicnus filho do rei da Ligúria, e amigo de Faetonte, por cuja
morte chorou tanto, que foi transformado em cisne e colo-
cado no céu. — Lebre, outra constelação boreal, a lebre que
Orion perseguia quando andava à caça. — A Nau, outra cons-
telação, a nau Argos. — Lira, constelação boreal, na fábula a
lira de Orfeu, filho de Apolo,
Est. 89 — Nesta estância, Saturno, Júpiter, Marte, Vénus,
Mercúrio são os planetas assim chamados — Diana é a lua
com três rostos porque os poetas a fingiram com três formas :
Lucina, deusa que presidia ao nascimento, no céu; Diana,
deusa da caça, na terra; Prosérpina nos infernos; os três ros-
tos são as três fazes da lua, quarto crescente, lua cheia e
quarto minguante.
NDICE
Pag.
Cap. I — Origem da mitologia — Países considerados como ber-
ço do paganismo — Deuses falsos. Vantagens dos
ejstudos mitológicos 5
Cap. II — O Caos — O Destino — Criação do mundo — Geneolo-
gia dos deuses — Primeiras idades do mundo —Origem do homem — Fábula de Prometeu — Ori-
gem da mulher — Fábula de Pandora 10
Cap. III — Coelus e Tellus — Saturno, personificação do tempo —Saturno destronado, sua habitação na terra — Culto
de Saturno, seus atributos. Guerra dos Titães ou Ti-
tans — Atlas — Cibeles ou Vesta — As Vestais ... 18
Cap. IV — Júpiter — Sua infância e educação — Divisão do impé-
rio de Saturno — Guerra dos gigantes, combate
contra Tifeu — Fuga dos deuses para o Egipto, re-
gresso ao céu — Conspiração dos deuses contra Jú-piter, sua vitória — Corte de Júpiter 27
Cap. V — Viagens de Júpiter sobre a terra, Licaon metamorfo-
seado em lobo - Filemon e Baucis O dilúvio, Deu-
calião e Pirra — Culto e atributos de Júpiter, Júpiter
Olímpico — Jogos Olímpicos — Principais atletas,
Milo o Crotoniato 36
Cap. VI — Juno, seus filhos — Hebe, deusa da mocidade — His-
tória de Tereo e de Progne — Vinganças de Juno —História de Latona e de Niobe. — Culto e atributos
de Juno 44
Cap. VII — Diana, seu nascimento e seus atributos — Vinganças de
Diana, histórias de Acteon e de Orion. — Culto deDiana e seus templos 53
340
Cap. VIII — Nascimento de Apolo — Desgraças de Apolo — Estada
de Apolo sobre a terra — As Musas — Culto de
Apolo, seus templos, seus oráculos e seus atributos
— Zodíaco, suas constelações e outras — História
dos quatro músicos famosos da antiguidade, Anfion,
Arion, Lino e Orfeu 57
Cap. IX — Minerva — Seu nascimento e suas façanhas - Discus-
são entre Minerva e Neptuno — Vinganças de Mi-
nerva — Culto, imagens de Minerva e suas festas 70
Cap. X — Mercúrio e seu nascimento e latrocínios — Serviços
prestados aos deuses por Mercúrio — A ninfa Io e
Argo - Seu culto, imagens e atributos 7Q
Cap. XI — Marte — Seu nascimento — Suas façanhas contra os
Titães e no cerco de Tróia — Belona, irmã de Marte,
deusa da guerra — Marte honrado em Roma, atri-
butos deste deus e seu culto 87
Cap. XII — Vénus — Seu nascimento — Julgamento de Paris —As três Graças — Culto e atributos de Vénus —Fábula de Psique — História da ninfa Eco e de
Narciso 91
Cap. XIII — Divindades da Terra. — Cibele, Ceres e Pluto ... 99
Cap. XIV — Baco — Seu nascimento — Suas viagens e conquistas
— Seu culto e festas — Vulcano 108
Cap. XV — Divindades subalternas. — Palas, Flora, Zéfiro, Po-
mona, Pan, Termo ou Termino, Silvano, Sátiros,
Faunos e Ninfas 121
Cap. XVI — Divindades do mar. — Oceano — Tetis — Alguns rios
deuses e as Oceânides 129
Neptuno — Nascimento, festas viagens, culto e atribu-
tos 131
Cap. XVII — Divindades secundárias e subalternas do impé-
rio das águas. Nereo — Proteo Aristeo Tri-
tão — Glauco Melicerta ou Palemon — Fôreis —Sereias e Arpias — Eolo — Zéfiro — Aurora — Al-
ciones 137
Cap. XVIII- Divindades dos infernos. -P/m/í7£j - Império, culto,
atributos, imagens e ministros de Plutão — Os juízes
— As Parcas — As Fúrias — Caronte — Nemesis —Manes 145
Cap. XIX — Descrição do Tártaro — Suplícios dos grandes culpados
nos infernos - Sisifo — Salmoneu — Flégias — Ixion
341
— Tântalo - As Donaides —Os Titães — Ticio —Campos Elísios 153
Cap. XX — Divindades alegóricas. — A Guerra ou Belona — ADiscórdia ; as núpcias de Peleu e de Tetis ~ A Fama— A Vitória — A Fortuna — A Necessidade — AOcasião — O Silêncio — O Sono — Os Sonhos; Mor-
feu — A Verdade — O Pudor — A Justiça — Outras
divindades — Deuses Penates — Os Génios 160
Deuses Penates 169
Cap. XXI - Esculápio — Hércules —Os trabalhos. 173
Cap. XXII Perseu —Seu nascimento — Suas proezes. Belerofonte
— Chimera - Teseu - O Minotauro — História de
Dédalo e de ícaro - História de Peritoo — Expedi-
ção dos Argonautas — Orfeu — Castor e Polux —Nestor 182
Cap. XXIII — Cádmo, fundação de Tebas - História de Laio — OE-
dipo — O monstro Sfina ou Esfinge — Desgraças
de CEdipo — Primeira guerra de Tebas — Os sete
chefes e Polinice — Guerra dos Epígonos 196
Cap. XXIV — Tróia — Guerra de Tróia, causas e preparativos da ex-
pedição — Cerco de Tróia — Cólera de Aquiles
Marte de Patroclo — Combate de Heitor e de Aqui-
les — Tomada de Tróia 203
Cap. XXV — Conseqiiências da guerra de Tróia — Viagefis e aven-
turas de Ulisses — Ajax — Nestor - Filoctete — He-
róis troianos — Aventuras de Eneas 213
Cap. XXVI — Animais e vegetais consagrados aos deuses e deusas
— Epítetos por que eram conhecidos os deuses, as
deusas e os principais heróis — Algumas passagens
da Fábula e breves interpretações — Moralidade que
se pode tirar de algumas fábulas 221
Cap. XXVII Mitologia dos Egípcios. — Principais divindades
- Osíris, suas instituições, suas viagens e a sua
morte — ísis, suas aventuras — Tifon, o génio do
mal — Orus, seus benefícios — Deuses secundários
Animais sagrados, o boi Apis > 241
Cap. XXVIIl — Mitologia dos Babilónios e dos Persas. —Culto d os Babilónios - Belo, seu templo — Culto dos
Persas — Zervane — Akerene — Ormuzd ou o bomprincípio — Ahrinian ou o mau princípio — Mitra ou
o génio do sol — Os magos — Zoroastro 248
342
Cap: XXIX — Mitologia dos índios ou Indús. — Brahtn ou Ba-
gavam — Brahma — Vichnu — Siva — Bonda — OsBrahmes ou Brahmanes 255
Cap. XXX — Mitologia dos povos do norte da Europa.
Crenças religiosas dos Escandinavos — Alfadur —Odin — Frigga — Balder — Thor — Crenças religio-
sas dos Gauleses ou Celtas — Teut ou Teutates —Herta — Os druidos — Os bardos — As sacerdotisas
druidas 263
Monumentos dos Druidas ou Ceifas 286
Mitologia dos Germanos 288
Cap. XXXI — Hábitos, usos e costumes dos povos antigos no que
diz respeito às suas crenças religiosas — Templos,
altares ~ Sacerdotes, pontífices — Iniciações — Mis-
térios — Sacrifícios, vítimas — Oráculos -j- Preságios,
augures 289
Cap. XXXII — Festas — Jogos, anfiteatros, funerais —Cerimónias
usadas para os casamentos — Educação das crian-
ças — Comidas — Animais e vegetais consagrados
aos deuses e às deusas 29<3
Cap. XXXIII — Interpretação e explicação das diversas passagens
mitolóligas dos Luzíadas
:
Canto 1 309
Canto II 312
Canto III 315
Canto IV . ..• 319
Canto V 322
Canto VI 325
Canto VII 328
Canto VIII 330
Canto IX 331
Canto X 335
ERRATAS
'ág.
344
pág.
OBRAS DO /AES/AO AUTOR:
Adoptadas nas escolas primárias de ensino geral, .ias primárias supe-
riores e nas normais primárias.
Exercícios graduados de desenho — Para todas as ciasses das . :-
las prmiárias.
Sinopses gramaticais portuguesas.
Lições rudimentares de educação cívica.
Taboada e simples noções de aritmética e de sistema métrico.
Noções elementares de geometria.
Sciências Naturais por Fduardo Andrea e Albino Penlra Magno.
Sinopses gramat;caJ-= .ancêsas — Para as escolas primárias superiores.
Lectures Françaises Selecta para as escolas primárias superiores.
História resumida da Literatura portuguesa — Para as escolas nor-
mais primárias e para os liceus.
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