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A LUTA POR EDUCAÇÃO DO CAMPO COMO ESTRATÉGIA DE RESISTÊNCIA
CAMPONESA NO TERRITÓRIO CEARENSE.
Cicero Danilo Gomes do Nascimento1
danilo-k1@hotmail.com
Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA
Aldiva Sales Diniz2
aldivadiniz@gmail.com
Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA
GT5: Movimentos Sociais e Estratégias de Resistência.
Resumo
A produção apresentada é resultado de pesquisa realizada junto ao curso de Mestrado Acadêmico em
Geografia (MAG), da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), Sobral (CE), materializada na
Escola Estadual de Ensino Médio Francisco Araújo Barros, no Assentamento de Reforma Agrária
Lagoa do Mineiro, Itarema, Ceará. Aqui, propomos apresentar análises realizadas por trabalho de
campo e entrevistas com os camponeses ali assentados, além de militantes do Setor de Educação do
MST/CE. Na oportunidade, buscamos discutir o papel e a importância da luta para a conquista da
escola do campo, atualmente, considerada o maior símbolo de conquista através da luta do MST. De
fato, a luta pela efetivação da Educação do Campo configura como uma das estratégias de resistência
para garantir a permanência da classe camponesa no campo.
Palavras-chave: Educação do Campo. Movimentos sociais. Resistência camponesa.
1. Introdução
A luta por Educação no interior do Assentamento de Reforma Agrária Lagoa do
Mineiro, trilha caminhos vinculados à luta por terra, da mesma maneira que vem lutando por
1Licenciatura Plena em Geografia pela Universidade Regional do Cariri – URCA, Crato - CE, Mestre em
Geografia pelo programa de Pós-graduação Mestrado Acadêmico em Geografia na Universidade Estadual Vale
do Acaraú – UVA, Sobral – CE. Pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisa em Geografia Agrária – GEA,
vinculado ao CNPq – Território, Espaço e os Movimentos Sociais. Linhas de Pesquisa: Sociedade, Ensino,
Cultura, Gênero e Reforma Agrária. 2Doutorado em Geografia (Geografia Humana) pela Universidade de São Paulo, Docente do curso de Graduação
em Geografia e do programa de Pós-graduação Mestrado Acadêmico em Geografia na Universidade Estadual
Vale do Acaraú – UVA.
uma Reforma Agrária Popular. Assim, um princípio fundamental capaz de reafirmar a luta
pela conquista do território camponês. Esse foi o principal ponto na pauta de luta do MST
após a conquista da terra/território no Ceará.
A luta por escola e uma Educação do Campo no assentamento Lagoa do Mineiro
surgiu através das necessidades enfrentadas pela juventude camponesa em dar continuidade a
sua formação escolar. Ao concluírem a etapa do Ensino Fundamental, os jovens eram
obrigados a percorrer quilômetros de distância em busca de novos conhecimentos, deixavam
suas casas cotidianamente para irem estudar nas escolas de Ensino Médio que só existiam na
sede do município de Itarema.
Assim, a luta pela Educação dentro do assentamento foi materializada através de
articulações entre a classe trabalhadora camponesa com o desejo de garantir o avanço no
ensino e permanência na terra aos jovens camponeses.
2. Da luta à conquista da educação do campo, a realidade dos(as) camponeses(as) do
assentamento lagoa do mineiro.
Através de várias iniciativas dos camponeses junto à sua juventude, buscaram
reivindicar naquele momento da luta, aquilo que era uma necessidade do assentamento: o
acesso e direito à Educação de Ensino Médio que viesse atender todos os jovens que
sonhavam em concluir essa etapa de sua formação. Desta forma, a luta por educação tornou-
se prioridade para os camponeses.
A história da educação neste assentamento não está separada da história da
luta pela terra e a reforma agrária, desta forma o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra no estado do Ceará sempre pautou em suas
reivindicações a educação frente às necessidades de escola e acesso ao
ensino médio por parte da juventude camponesa que anseia concluir seu
ensino e ser atendida na efetivação deste direito. (DAMASCENO, 2015, P.
54) As primeiras escolas do assentamento apresentavam características simples em sua
estrutura, eram cômodos de casas de taipa e chão batido, construídas pelos assentados,
conforme relatos da Dona M. B3 (2016, entrevista):
[...] quando nois comecemos aqui porque como eu lhe falei, as escolas aqui
quando começou era no chão. Não tinha acesso para as crianças. Nois fumos
lutando por melhorias. Nois fumos lutando, quando foi num período ai, a
gente pensou, menino a gente vai querer aqui no assentamento uma escola de
qualidade [...]. (DONA M. B, 2016, ENTREVISTA)
3M. E. I. S., filha de agricultores, conhecida como Dona M. B., assentada no Assentamento Lagoa do Mineiro,
entrevista realizada em 20 de maio de 2016.
Como um dos primeiros resultados da luta dos assentados por Educação foi a
conquista de sete escolas de Ensino Fundamental junto ao Governo Municipal de Itarema. Foi
o momento de reafirmação da luta da classe trabalhadora camponesa por Educação para as
crianças do assentamento, segundo Damasceno (2015, p.54):
Desde o início da luta e a organização do assentamento, a educação foi
pautada como ação prioritária, principalmente no município, onde se
conquistou a construção de sete escolinhas de ensino fundamental completo,
sendo uma em cada comunidade que compõe o assentamento com média de
40 famílias residindo em cada localidade. Hoje, vamos encontrar no assentamento, em pleno funcionamento, essas sete escolas
de Ensino Fundamental, conquistadas junto ao Município, através de reivindicações e lutas,
distribuídas em cada uma das sete comunidades. Após mais essa conquista, a juventude
camponesa sentiu a necessidade de avançar na sua formação dentro do próprio assentamento.
Queriam o direito ao Ensino Médio sem a obrigatoriedade de deixar suas casas para percorrer
quilômetros de distância para ter acesso à Educação. Assim, podemos afirmar que seria o
segundo momento da luta por Educação: a luta por uma Educação do Campo na modalidade
de nível Médio. Segundo Ceará (2012),
A luta por acesso ao ensino médio tem sido um grande desafio enfrentado
pela juventude, sendo que os mesmo deslocavam-se para a sede do
município que ficava a 34 km. O deslocamento se dava por meio de dois
transportes do assentamento contratados pela prefeitura municipal de
Itarema, um saindo as 5:30hs e retornando 13:30hs e o outro fazendo o
roteiro do ensino fundamental dentro do próprio assentamento. O
deslocamento dos educandos do ensino médio prejudicava muito devido ao
horário e o tempo que estes levavam para se deslocarem até a sede do
município. (CEARÁ, 2012, P. 16),
Para que pudessem chegar a esse estágio da luta por uma Educação do Campo foram
realizadas formações com a juventude do assentamento, reuniões com educadores (as) e
membros das comunidades, todo orientados pelo Setor de Educação do MST. Assim,
gestando uma frente de luta organizada, buscando resolver as necessidades de escolas que
viessem atender o Ensino Médio no campo. Foram realizadas várias ações de luta por
Educação do Campo e escolas do campo. “Nesse contexto, a partir das lutas desenvolvidas em
2007, o MST/CE conquistou junto ao Governo do Estado o compromisso de construção de
escolas de nível médio em assentamentos indicados pelo MST” (SILVA, 2013, p. 45)
Com esse avanço da classe trabalhadora do campo, veio a necessidade de se discutir
sobre os assentamentos que iriam receber as cinco primeiras escolas acordadas junto ao
Governo do Estado. Essa tomada de decisão coube conforme Gomes (2013), que:
Após garantir essa primeira conquista, tornou-se necessário prosseguir na
caminhada, dar mais um passo. Era preciso escolher em quais assentamentos
seriam construídas as escolas. Este passo se deu na direção estadual do
MST-CE, a partir do levantamento realizado no coletivo desta instância, em
que se indicaram os seguintes critérios, orientadores da escolha:
Assentamentos com grande quantidade de jovens que estavam tendo
problemas com a continuidade dos estudos; Assentamentos populosos e
próximos a outros assentamentos; Assentamentos que são marcos histórico
na luta pela terra no Ceará, na luta do MST. (GOMES, 2013, P. 43)
Assim sendo, segundo nos informou Silva (2013), a partir de 2009 quatro escolas
foram construídas nos seguintes assentamentos de reforma agrária:
Lagoa do Mineiro, em Itarema; 25 de Maio, em Madalena; Santana, em
Monsenhor Tabosa; e Maceió, em Itapipoca; uma escola construída no
Assentamento Pedra e Sal, no município de Ibaretama, que não possui
vínculo com o MST; outras quatro já estão em andamento nos assentamentos
Nova Canaã, em Quixeramobim; Conceição Bonfim, em Santana do Acaraú;
Salão, em Mombaça e Santana do Cal, em Canindé. (SILVA, 2013, p.45)
Entre os critérios definidos pela direção estadual do MST/CE, o assentamento Lagoa
do Mineiro foi contemplado com a construção de uma das escolas4 do campo, a EEM
Francisco Araújo Barros, que faz parte da Rede Estadual de Educação. Uma escola pública
construída pelo Governo do Estado do Ceará5, em 2011 (ver Figura 01), constituída pelos(as)
seus(as) educandos(as), educadores(as), gestores, funcionários, comunidade do entorno da
escola, além da participação do Coletivo Regional e Estadual de Educação do MST, do Setor
de Educação do MST/CE, acompanhada pela Coordenadoria Regional de Desenvolvimento
da Educação (CREDE 03), Secretaria Estadual de Educação (SEDUC), por meio da
Coordenadoria da Diversidade e Inclusão Educacional, criada em 2011 na SEDUC.
Hoje, nos seus quase seis anos de existência, essa escola é a realização de sonhos,
fruto de muita luta e resistência da classe camponesa.
4EEM Mª Nazaré de Sousa (Nazaré Flor), Itapipoca; EEM Florestan Fernandes, Monsenhor Tabosa; EEM João
dos Santos (João Sem-Terra), Madalena; EEM Pe. José Augusto Régis Alves, Jaguaretama; 5Na época tínhamos como Governador Cid Ferreira Gomes, do Partido Socialista Brasileiro (PSB)
Figura 01 – Placa Oficial do Governo Estadual do Ceará.
Fonte: NASCIMENTO, C.D.G. 2015.
De acordo com os escritos feitos por Damasceno (2015, p. 66), a escola do campo:
Iniciando o funcionamento em 2011 como escola regular de ensino médio, é
propósito das comunidades do Assentamento Lagoa do Mineiro que a Escola
Estadual de Ensino Médio do Campo Francisco Araújo Barros se constitua
como escola de formação técnica, oferecendo, dentre outros, o Curso
Técnico em Agropecuária, com ênfase em agroecologia e na convivência
com a zona costeira (litoral), Turismo Comunitário, dentre outros, o que é
ainda uma reivindicação pautada com a SEDUC. Seu nome é uma homenagem ao agricultor Francisco Araújo Barros, assassinado ainda
quando lutavam pela permanência na terra, como afirma Silva (2013, p. 48), que:
Os trabalhos de base com as comunidades foram importantes na discussão
do projeto de escola, mas também na tomada de decisões estratégicas como a
definição dos nomes das escolas, a partir da indicação coletiva das
comunidades de cada Assentamento, homenageando referências da luta
popular e pela reforma agrária no Ceará [...].
Nesse processo em construção, foi necessário trabalho coletivo e organizado entre os
camponeses. À medida que eram erguidas as paredes da escola pela empresa responsável, a
construção do seu Projeto Político Pedagógico (PPP) estava em curso, como está no escrito
abaixo:
Enquanto erguiam-se as paredes do prédio escolar, um amplo processo de
participação popular na construção do seu projeto político pedagógico foi
vivenciado, combinando uma seqüência de trabalho de base, encontros,
articulação com a Secretaria de Educação do Estado do Ceará e oficinas
pedagógicas. Esta construção foi toda compartilhada entre as comunidades
que formam o Assentamento Lagoa do Mineiro e representante dos
assentamentos onde seriam construídas outras Escolas do Campo, num
processo formador e de construção coletiva. A escolha do nome, a
mobilização em torno dos educadores e gestores; a definição da área para o
campo experimental da agricultura camponesa e da Reforma Agrária; a
gestão participativa; a organização curricular, dentre outros aspecto da
escola foram amplamente discutidos com o objetivo de constituir uma escola
que contribua para o desenvolvimento do campo da agricultura camponesa e
popular; da Reforma Agrária; das pessoas que moram e vivem do trabalho
camponês. (CEARÁ, 2012, P. 02)
Além dessas articulações coletivas entre os assentamentos do Ceará, também
realizaram trabalhos em busca de experiências já materializadas as quais viessem contribuir
com a construção do projeto em curso. Tais experiências foram adquiridas tanto no Estado
cearense com as experiências da Escola Família Agrícola (EFA), da mesma forma como nos
Assentamento de Reforma Agrária dos estados do Paraná e Rio Grande do Sul, através das
experiências realizados pelo Instituto de Educação Josué de Castro. Damasceno (2015, p. 57)
revelando que,
Todo o esforço articulado foi por um projeto de escola da classe trabalhadora
camponesa, para isso fez-se necessário um movimento de mobilização,
elaboração coletiva e formação envolvendo os cinco assentamentos, tanto
aqueles nos quais as escolas já se erguiam quanto os que estavam em
processo de negociação. Mobilizações locais e com as brigadas e
coordenação estadual do setor de educação nos assentamentos
impulsionaram o processo.
Também houve a realização de seminário6 de apresentação de experiências
de ensino médio no campo contando com a participação de outros estados
com as experiências desenvolvidas nos assentamentos [...].
Segundo analisou Silva (2013, p. 49)
Esse seminário contou com as experiências do Instituto Josué de Castro
(RS), da Escola Família Agrícola Dom Fragoso (CE), da Escola Itinerante do
Rio Grande do Sul (RS) e da Escola Estadual Salete Strozak (PR) e com a
participação de representantes dos Assentamentos onde as referidas escolas
estavam sendo construídas, do MST/CE, da SEDUC, das Secretarias
Municipais de Educação, das Universidades e de outras Organizações
Sociais e Governamentais relacionadas com o tema.
Portanto, os reflexos dessa organicidade na época da construção da escola do campo e
do seu Projeto Político Pedagógico tornaram possível a análise de como estão organizados os
camponeses, atualmente, principalmente nas ações que dizem respeito às atividades
desenvolvidas na escola do campo. Como eles se colocam ao defender o papel da escola
dentro do assentamento, até porque para os camponeses ali presentes, a conquista da escola do
campo EEM Francisco Araújo Barros foi a segunda maior vitória na história da luta do MST,
como nos afirmou Dona C. L.7 em uma conversa “a escola foi uma conquista mais importante
até mesmo que a Igreja Católica da comunidade8” (2015, Entrevista).
Como relatado anteriormente sobre o desejo de conquistar uma escola do campo, uma
Educação do Campo, seria necessário muita luta por essa conquista. Antes, as escolas que
6“Seminário Escolas do Campo: compartilhando experiências”, realizado em novembro de 2009, com o objetivo
de construir, a partir de experiências consolidadas e da reflexão coletiva, referências para os projetos das escolas
de ensino médio do campo. (SILVA, 2013, P. 49) 7F. M., conhecida como C. L., filha de agricultores, assentada no Assentamento Lagoa do Mineiro, Entrevista
realizada em 01 de março de 2016. 8Igreja de Nossa Senhora da Libertação, que leva o nome da Santa Padroeira do Assentamento de Reforma
Agrária Lagoa do Mineiro.
existiam no assentamento eram apenas com o Ensino Fundamental, com condições precárias
para que os alunos viessem a aprender, pois quando essas escolas tiveram início, as aulas
eram ministradas com os educandos e educandas sentados no chão, foi muita luta ocorrida
para a conquista de uma escola que assumisse a construção da identidade camponesa, que
discutisse a realidade do campo, contrapondo a lógica do capital. A escola do campo é
construída com um caráter revolucionário, segundo MST (2001, p. 05):
A Escola do Campo nasce sob um projeto transformador, tendo como sujeito
camponeses e camponesas, assentados e assentadas da Reforma Agrária que
com sua luta cotidiana constroem outro país, outra educação, outra escola, de
vida e resistência frente ao Sistema Capitalista.
A EEM Francisco Araújo Barros é hoje um dos maiores símbolos de luta já
conquistados, antes distante da realidade dos camponeses, materializado e em pleno
funcionamento, conforme depoimento:
[...] hoje eu vejo a nossa escola Francisco Araújo Barros dentro do nosso
assentamento uma das melhores coisas, das melhores conquistas que nois já
ganhamos foi essa escola, que é uma escola de qualidade, é uma escola que
tá abrangendo as localidades tudinha! Tão levando os filhos pra lá, até de
Amontada, ótima, boa e foi isso que nois desejemos desde o início, e foi isso
que nois conseguimos e hoje ela tá lá, bonita com nossos filhos trabalhando.
(DONA M. B., 2016, ENTREVISTA)
De fato, para quem nunca teve a oportunidade de ver como funciona a vida nas escolas
do campo, jamais vai imaginar que no meio da faixa litorânea cearense, a 22 km da sede do
município de Itarema, existe uma estrutura igual a que vimos no Assentamento Lagoa do
Mineiro. A primeira impressão daqueles que não conhecem a realidade dos assentados é de
espanto, mas é importante salientar que toda essa estrutura, que possuem as escolas do campo
presentes no estado do Ceará, somente foi possível através de muita luta com enfrentamentos
e ocupações, inclusive de órgãos do Governo do Estado do Ceará.
Em sua estrutura, a Escola de Ensino Médio Francisco Araújo Barros localizada na
comunidade Barbosa, sendo uma das 07 (sete) que constituem o assentamento, possui amplo
espaço que está dividido como nos mostra o Ceará (2012),
A escola Francisco Araújo Barros, está localizada na Comunidade de
Barbosa, no Assentamento Lagoa do Mineiro Itarema, com uma área
construída de 3.250,72 m², envolvendo 04 blocos:
coordenação pedagógica, almoxarifado, sala de professores, banheiro
masculino e feminino;
vídeo, biblioteca, e laboratório de ciências;
organização dos estudantes;
cozinha, depósito, pátio coberto, quadra coberta, banheiro feminino e
masculino, anfiteatro e outros espaços de circulação. (CEARÁ, 2012, P. 18),
Além do exposto acima, a escola atende uma demanda de alunos advindos atualmente
de 25 comunidades9 localizadas no entorno do assentamento Lagoa do Mineiro, desde outros
assentamentos, comunidades de pescadores e indígenas, os Tremembé.
Por mais que a estrutura da escola esteja localizada no assentamento Lagoa
do Mineiro, existe uma característica no perfil dos educandos recebidos na
escola Francisco Araújo Barros que precisa ser enfatizado. A escola recebe
educandos de comunidades de pescadores, pequenos produtores, assentados
e indígenas (povos Tremembés de Almofala) entre os municípios de
Amontada e Itarema. (DAMASCENO, 2015, P. 67) Ao analisarmos a figura 02, vamos identificar que ao longo dos seus cinco primeiros
anos, o número de alunos da escola do campo é expressivo. Nos três primeiros anos há uma
oscilação quantitativa, nos anos que seguem de 2014 a 2016 ocorre uma redução na
quantidade, no último ano, com uma média de 249 educandos distribuídos em oito turmas nos
turnos manhã e tarde. Essa supressão ocorreu devido à quantidade de jovens que vivem no
campo atualmente, o que seria outro caminho de discussões.
Figura 02 – Matriculas dos(as) educandos(as) da EEM Francisco Araújo Barros (2011-2016)
Fonte: Secretaria da EEM Francisco Araújo Barros, 2016.; Org: NASCIEMNTO, C.D.G. 2016.
A escola possui em suas proximidades uma área de 10 ha de terras doadas pelo
Assentamento Lagoa do Mineiro, homologado pelo INCRA para realização de experimentos
feitos pelos alunos junto aos professores, denominado “Campo Experimental”, segundo
analisou Damasceno (2015),
O campo experimental tornaria se território do ensaio, da experimentação, da
pesquisa, da construção de novas alternativas tecnológicas, da organização
coletiva, da cooperação para o trabalho, de experimentação do novo campo
9Os educandos e as educandas da escola Francisco Araújo Barros são oriundos das comunidades de Brilhante,
Comundongo, Trapiá, Touro, São Gabriel, Santo Antônio, Assentamento Macaco II, Batedeira, Vila do Coco,
Patos, Morro dos Patos, assentamento Pachicu, assentamento Patos Bela Vista, Assentamento Salgado
Comprido, assentamento Lagoa do Jardim, assentamento Melancias, Aguapé, Varjota e as sete comunidades de
Lagoa do Mineiro. (CEARÁ, 2012, P. 19)
em construção: da agroecologia, da sustentabilidade ambiental, da soberania
alimentar, da convivência com o semiárido, da resistência cultural, um
espaço educativo e pedagógico “novo”. (DAMASCENO, 2015, P. 59).
Ainda segundo a autora citada, o campo experimental não é apenas espaço físico, mas
uma estratégia, um conjunto de ações de fortalecimento da agricultura camponesa e da
Reforma Agrária Popular, a partir da escola. “Um laboratório onde experimentamos,
pesquisamos, inventamos tecnologias para a agricultura camponesa, a partir da realidade
produtiva de cada comunidade.” (DAMASCENO, 2015 p. 59).
O campo experimental segundo o Ceará (2012), é de fato, o:
Território do ensaio, da experimentação, da pesquisa, da construção de novas
alternativas tecnológicas, da organização coletiva, da cooperação para o
trabalho, de experimentação do novo campo em construção: da agroecologia,
da sustentabilidade ambiental, da soberania alimentar, da economia solidária,
da convivência com o semi-árido, da resistência cultural. (CEARÁ, 2012, P.
34).
Sendo o campo experimental o ensaio da pesquisa, conforme analisou Damasceno
(2015), as escolas estão desenvolvendo experiências produtivas com tecnologias de
convivência com o semiárido como exemplo, as Mandallas Produtivas. Estas se encontram
organizadas em formatos circulares. No centro tem um tanque contendo água e com criatório
de peixes, patos e galinhas em torno do tanque. Seguindo a organização em círculos, têm
canteiros de hortas, plantação de milho, feijão, bananeiras, pés de mamão, etc. Sua forma em
círculo é uma representação do sistema solar, onde tudo e todos estão inteiramente integrados.
Segundo Damasceno (2015, p. 6) é
O Sistema Mandalla de produção é caracterizado como uma tecnologia
alternativa de produção baseada nos princípios agroecológicos e em especial
na permacultura. Nesse sistema há integração da produção vegetal com os
animais, produção agropecuária com a produção agroindustrial.
Ainda no Campo Experimental, têm experiências sendo desenvolvidas, tais como:
minhocário, viveiro de mudas, unidade irrigada experimental de cultivo de diferentes tipos de
macaxeira (mandioca), uma sala de aula externa, também chamada de “cajueiro do saber”,
trilha do conhecimento, para além de outras atividades ainda em processo de implantação. É
importante mostrar que esse trabalho aproxima, tanto os membros da escola, como a
comunidade do seu entorno a participar coletivamente na construção desse processo
socioeducativo.
Por último, foi construído o vestiário da escola com vários banheiros femininos e
masculinos para atender os educandos da instituição, principalmente no momento após as
atividades físicas e nos dias em que os alunos permanecem em tempo integral na escola para
realização das atividades da base diversificada do currículo escolar. É esse o momento ímpar
da aprendizagem dos educandos, quando é feito a relação teoria e práxis fortalecendo, cada
vez mais, a construção de conhecimentos que visam fortalecer a luta do movimento.
No tocante ao próprio assentamento, os espaços onde ocorrem as ocupações, os
campos de enfrentamentos e as manifestações em diferentes lugares são salas de aula para
formação, enquanto sujeitos sociais buscando sua reafirmação enquanto camponeses. Nestes
espaços, estão sempre resgatando sua identidade, cultura e direitos que sempre foram negados
pelo Estado atrelado a atender a lógica das empresas do sistema capitalistas. É a luta diária
contra o agronegócio. Em um contexto mais amplo, podemos afirmar com base nas
experiências vivenciadas na Educação discutida na escola do campo que se ensina e aprende
em qualquer lugar, principalmente na luta. De acordo com Freitas (2009, p. 28),
Lutadores e construtores (portanto, militantes) necessitam, entretanto, saber
se autodirigir e se auto-organizar na batalha – são sujeitos em luta, luta
também ensina. Não no sentido capitalista do individualismo e da
competição, mas no espírito da organização coletiva para a consecução das
grandes tarefas.
Pensar como a Educação do Campo contribui para a reafirmação da luta pelo território
camponês, é a principal questão a ser respondida nesse contexto, aliada à outras questões
inerentes ao fortalecimento da pesquisa realizada.
Com base no organograma abaixo (Figura 03), podemos destacar como a gestão da
escola Francisco Araújo Barros está organizada, segundo exposto em Ceará (2012, p. 38):
Figura 03 – Organicidade Da Gestão Escolar
Fonte: Ceará (2012), Org. NASCIMENTO, C.D.G. 2017.
Vamos observar que, dentro dessa organicidade, há a materialização do trabalho
coletivo da classe trabalhadora do campo, expressão de caráter democrático a qual todos estão
inseridos nesse processo de formação política, social e humana, com a participação do núcleo
gestor da escola, seus educadores e educadoras, educandos e educandas, funcionários e
membros das comunidades do assentamento. Conforme Freitas (2009, p. 96),
Os membros da escola espalham-se por comissões e comitês e organizam-se
coletivamente na assembleia escolar para estabelecer acordos e implementar
pactos. Os cargos são efêmeros e intercambiáveis, de forma a não estimular
a formação de “burocratas” especializados.
Essa forma de organização coletiva reafirma o compromisso da classe camponesa e do
MST na perspectiva de construir uma sociedade organizada a partir das ações promovidas
por/para seus sujeitos sociais presentes no campo.
Outro importante debate é identificar o perfil dos educandos que frequentam a EEM
Francisco Araújo Barros, advindos de diferentes comunidades, expondo uma diversidade de
contextos específicos, mas inseridos dentro de uma mesma realidade: todos são filhos e filhas
de camponeses e camponesas. São eles, segundo nos mostra os escritos em Ceará (2012),
Com foco no ensino médio, deverá atender prioritariamente aos jovens, tanto
das comunidades do Assentamento, quanto circunvizinhas. A abrangência
territorial de atendimento da escola é uma especificidade que deverá ser
considerada, uma vez que reunirá jovens que têm em comum, o fato de
serem camponeses (as), contudo, diferenciam-se, dentre outras coisas, pela
diversidade de contextos específicos das comunidades de origem, por um
lado, enriquecendo o universo escolar pela diversidade de experiências; mas,
por outro, tornando mais complexa a relação escola-comunidade. (CEARÁ,
2012, P. 19)
Podemos afirmar que os sujeitos beneficiados nesse processo são todos os povos que
vivem no campo e dependem da terra para sua sobrevivência e manutenção da família. Os
camponeses são aqueles que têm a terra como a própria vida dos homens, mulheres, crianças,
jovens e idosos. São eles(as) camponeses(as).
Sabemos que esse processo de conquista e organização das escolas do campo foi
através da luta coletiva e organizada do MST, conforme nos mostra M. J.10
[...] o movimento é um dos sujeitos nesse processo onde nós buscamos a
partir das necessidades das comunidades, construir o debate, construir os
coletivos da educação, o movimento sempre está buscando o coletivo que
fomente nas brigadas, nos trabalhos [...]. Em primeiro lugar nós entendemos
que a questão, o compromisso com a reforma agrária, que sem reforma
agrária não tem camponês, sem a terra não tem camponês, a luta pela terra
ela é central nesse nosso projeto de educação. (M. J., 2016, ENTREVISTA)
Sobre sua organicidade, uma frente bastante significativa para a conquista e
reafirmação da fração do território camponês, M. J. afirma que:
Nós temos o desafio de envolver as pessoas, de envolver as escolas, de
envolver as crianças, que o nosso trabalho começa com as crianças, na
educação infantil, na educação fundamental, hoje nós temos um trabalho
muito bonito que se chama “Crianças construindo soberania alimentar”,
10
M. J. S., integrante do Setor de Educação do Movimento dos Sem-Terra (MST), Ceará, entrevista realizada em
14 de janeiro de 2016.
geralmente é realizado todo um debate sobre agroecologia com as crianças, o
amor a luta, o amor a terra, então o MST é um sujeito que tá nessa
construção, não é só a educação, o movimento é um conjunto de ações, de
organicidade. (M. J., 2016, ENTREVISTA)
Além da conquista e organização das escolas do campo, o papel dessas escolas é
fundamental para a formação humana dos sujeitos sociais inseridos, nesse processo de luta,
em busca da construção de uma sociedade. De fato, somente torna-se possível essa relação,
segundo relatou M. J.:
Valorizando seus saberes, valorizando sua cultura, valorizando a questão da
sua produção agrícola diante mesmo da realidade que vivemos no semiárido
nordestino. Então, a gente busca conhecimento que venha fortalecer a
permanência dessas famílias nas comunidades, principalmente conhecimento
tecnológico voltado para a agricultura. Então, as nossas escolas tem esse
papel de fazer com que fomentar essa questão dessas melhorias. Essas
transformações tecnológicas, de acordo com a agroecologia, de acordo com
as necessidades dos camponeses e camponesas, construir soberania
alimentar, contribuir com essa questão da sua organização, mas também
contribuir com a renda, como nós ter renda nos territórios, que algo muito
difícil e uma das ações do movimento é a questão da feira. Criar feiras
municipais. Estamos na luta por os mercados campo e cidade, que vai ter um
em Fortaleza que a ideia é que ele seja abastecido por todos os
assentamentos do Ceará [...].
A nossa juventude ela vive um processo de expropriação muito forte e a
escola do campo tem problematizado essa expropriação. Ela tem
problematização justamente a indenização da identidade camponesa que
muitos jovens, tipo assim, o campo não é lugar para viver e nós com as
escolas do campo afirma o campo um lugar de luta, um lugar de vida, lugar
de permanência [...]. (M. J., 2016, ENTREVISTA)
A escola do campo não pode ser vista somente como simples espaço físico construído
com “tijolos e areia”, além de outros materiais de construção. Não é espaço onde os jovens se
concentram para aprender conteúdos “engessados”, segundo a lógica imposta pelo capital e os
interesses do agronegócio. A escola vai além de muros de concreto, segue rumo à construção
de um sujeito crítico, intelectual, fortalecendo a luta ideológica. Essa é uma das frentes
construídas pelo MST, ao longo de sua trajetória de lutas para a reafirmação da luta da classe
trabalhadora camponesa. A escola do campo é a própria sociedade em movimento. É o
camponês conquistando autonomia e liberdade, se reinventando em suas bases para
permanecer forte diante dos conflitos que vão surgindo no campo, “[...] tudo no movimento é
um longo processo de gestação.” (STEDILE E FERNANDES, 2005, p. 77).
Conforme afirmou Freitas (2009, p. 28)
A escola não deve ser seccionada e isolada da prática social da criança em
seu meio. Aqui, a função da escola não será de sobrepor à formação inicial
da criança uma “segunda natureza”, mas construir na prática social, no meio
e a partir do meio, um sujeito histórico – lutador e construtor – onde a
ciência e a técnica entram como elemento importante desta luta e construção.
Ainda, contribuindo com essa discussão sobre o desempenho da escola do campo,
Silva (2013, p. 33) afirma, “uma escola vinculada aos interesses da população do campo, sua
cultura, seu trabalho, suas lutas e sua vida; que promova o desenvolvimento do campo como
lugar de viver e ser feliz, não como lugar de atraso; uma escola do campo.” Assim, temos uma
escola construída a partir do MST, com base nas experiências orgânicas já vivenciadas.
3. Considerações Finais
De fato, a conquista da EEM Francisco Araújo Barros, assim, como a conquista das
demais escolas do campo, a construção coletiva dos seus respectivos Projetos Políticos
Pedagógicos, sua composição curricular e todos os elementos são conquistas resultantes de
muita luta por uma Educação do Campo capaz de reafirmar a luta pela conquista do território
camponês. Essa seria a continuidade de toda uma articulação forjada pelo MST como
estratégia de resistência contra o capital.
Assim, após romper a cerca do latifundiário, os camponeses avançam na luta
rompendo a cerca da ignorância, proporcionando a toda a classe camponesa a esperança de
que são os protagonistas na construção de uma sociedade como um novo homem e uma nova
mulher.
A construção de uma sociedade requer necessariamente a garantia da formação
intelectual dos seus sujeitos sociais, no caso do MST que sempre lutou diante de três frentes, a
frente de luta na formação de massa, frente de luta intelectual e frente de luta institucional.
Vejamos que o Movimento dos Sem Terra, nos últimos anos tem avançado consideravelmente
em todas elas.
Na frente de massas com atuação estratégica, unindo o campo e a cidade nessa
formação, na luta intelectual, principalmente através da educação do campo em Assentamento
de Reforma Agrária no Ceará como em todo o país, o Movimento tem garantido enormes
conquistas partindo na contraposição ao modelo vigente de educação que está posto no Brasil.
Na última frente, a luta institucional, a qual atualmente é a que o MST tem buscado atuar com
maior intensidade no campo das lutas travadas contra as ações do capitalismo.
Neste sentido, podemos constatar que a luta do MST por uma educação do campo é a
luta por direitos que ao longo da história desse país lhes foram sequestrados, privados de ter
acesso à terra, à educação, à saúde, à moradia, ao trabalho livre e autônomo. A classe
camponesa, que sempre sofreu os golpes do capitalismo, hoje comemora a conquista da
Educação do Campo, valorizando a cultura, a identidade o trabalho, a realidade,
principalmente a liberdade e autonomia da classe camponesa. A Educação do Campo é o
sistema estrategicamente constituído com a missão de reafirmar a luta pela conquista do
território camponês.
Referências Bibliográficas
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Escola De Ensino Médio Francisco Araújo Barros. Assentamento Lagoa do Mineiro, Itarema
/CE, 2012.
DAMASCENO, Cosma dos Santos. Contribuições e desafios da Escola do Campo
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MST – Ceará. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em
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https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/159884. Acesso em 30 de março de 2016.
FREITAS, Luiz Carlos de. A luta por uma pedagogia do meio: Revisando o conceito. In: A
comuna escolar; tradução de Luiz Carlos de Freitas e Alexandre Marenich. –1ª edição. São
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GOMES, Maria de Jesus dos Santos. Experiências das Escolas de Ensino Médio do Campo
do MST Ceará: dois projetos de campo e de educação em confronto. Rio de Janeiro,
Monografia de Especialização - Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação
Osvaldo Cruz - FIOCRUZ, 2013.
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do MST-CE nº 01/02, Ceará, 2011.
SILVA, Paulo Roberto de Sousa. Trabalho e Educação do Campo nas Escolas de Ensino
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Trabalhadores Rurais Sem Terra no Estado do Ceará. Rio de Janeiro (RJ), Monografia de
Especialização -Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação Osvaldo Cruz -
FIOCRUZ, 2013.
STÉDILE, João Pedro, FERNANDES, Bernardo. Mançano. Brava gente – A trajetória do
MST e a luta pela terra no Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2015.
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