View
216
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013
1
A RELAÇÃO DA UNIVERSIDADE COM A EDUCAÇÃO DE
PESSOAS JOVENS E ADULTAS
RUBIM, Sandra Regina Franchi (UEM)
OLIVEIRA, Terezinha (Orientadora/UEM)
Introdução
Vivemos um momento da sociedade capitalista em que o processo de globalização
acelerou as transformações sociais resultantes, principalmente, dos avanços científicos e
tecnológicos de diversos setores. A globalização, a terceira revolução industrial, a
multipolaridade econômica, a tendência neoliberal, a produção flexível, a sociedade do
conhecimento e exclusão social, a supressão dos limites, a terceirização são algumas
manifestações que ouvimos e vemos diariamente. Tudo isso, por conseguinte, tem
gerado grandes alterações no modo de agir, pensar e viver das pessoas.
Essas rápidas mudanças nos revelam os desafios que a escola e os professores,
como formadores e cidadãos, devem enfrentar para responder pedagogicamente às
delineações dos novos tempos.
Nota-se, em meio aos debates que investigam questões das diferentes instituições
sociais, uma significativa preocupação nas reflexões que permeiam o tema globalização
e suas consequências. Entre especulações e prenúncios, dúvidas e medos advindos desse
fenômeno a educação tem o seu lugar.
Averiguamos, entretanto, que com o surgimento da globalização, com a
concretização do capitalismo, as tecnologias, as redes de informação e o saber se
concentram nas mãos de poucos, gerando, segundo Frigotto (1996), indivíduos que se
encontram à margem da sociedade, que não participam da produção dos elementos da
cultura do seu meio social.
Nesse contexto, verifica-se que os educandos da Educação de Jovens e Adultos
(EJA) se encontram limitados por uma realidade econômica que os alijam dos plenos
direitos à cidadania. Podemos pontuar que a exclusão a que são submetidos se oriunda,
Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013
2
de certa forma, da necessidade de lutar pela sobrevivência, tendo que priorizar o
trabalho, secundarizando a educação escolar. Logo, estes sujeitos dificilmente têm
acesso aos bens produzidos pela humanidade, tanto os bens materiais quanto os
intelectuais. Neste sentido, a instituição escolar configura-se como um dos exíguos
espaços, a que estes trabalhadores poderão ter contato com o conhecimento científico,
como meio de se integrar e poder transformar a sua realidade.
Diante disso, observamos que a apropriação do saber se constitui enquanto
condição para a humanização. Ressaltamos que, quanto maior for o acesso do homem
ao mundo da cultura, maior será a possibilidade de seu desenvolvimento humano. O
homem necessita ter contato com as diferentes expressões humanas, de ordem material
ou intelectual, para desenvolver e aprimorar sua humanidade.
Observamos, assim, que a educação, em todos os períodos da história, procura
abrir caminhos que possibilitem novos horizontes para a formação humana. Nesse
sentido, acentuamos que a nossa abordagem educacional, neste capítulo, relaciona-se ao
entendimento que a educação ocorre e perpassa as relações sociais, como uma exigência
de formação para a vida em sociedade.
Consideramos que o processo educativo se organiza em duas dimensões: a
formação e a instrução. Percebemos a recorrência da compreensão de que a
universidade tem a finalidade de formar. Podemos, assim, nos indagar: Será que
compreendemos o significado do termo formação? Nossa inquietação, nesses termos, se
insere no âmbito da formação. Mediante a necessidade de responder as requisições
econômicas, sociais e culturais da contemporaneidade, percebemos que na esfera
educacional a instrução está se sobrepondo à formação.
Em face dessas considerações, temos como pretensão uma análise sobre as
diretrizes da Educação Básica do Estado do Paraná (PARANÁ, 2008), com ênfase na
Modalidade de Educação Profissional, que traz consigo o discurso de acatar a dimensão
do trabalho como princípio educativo. Nesse contexto, a proposta desse capítulo, com
aporte teórico em documentos oficiais e artigos, se constitui em verificar a articulação
entre as propostas do Ministério da Educação (MEC) e Secretaria de Estado da
Educação (SEED/PR). Desse modo, procuramos vislumbrar, se seria possível, diante
dos Programas apresentados pelo MEC e Agências Internacionais (Brasil
Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013
3
Profissionalizado, E-TEC-Brasil, Projovem, Proeduse, Proeja, Profuncionário,
Proinfantil), e apoiados pela Secretaria do Estado do Paraná, efetivar uma educação que
corrobora para o processo de humanização.
Entendemos, nesse cenário, que a Universidade deveria se preocupar com a
formação humana, tanto no que se refere aos elementos teóricos como práticos.
Atribuímos, pois, que aos seus integrantes a responsabilidade da construção do
conhecimento que formará toda a sociedade, inclusive os docentes que irão atuar nas
diferentes instituições de ensino, seja na Educação Básica, na Educação de Jovens e
Adultos, entre outros. Portanto, seu compromisso com o saber, que se constitui como
cerne de sua atividade, se faz relevante. Acreditamos que este compromisso, por meio
da produção científica e da ação política, oportuniza a promoção da melhoria da vida
em sociedade. A nosso ver essa instituição desempenha um dos papeis mais
significativos na sociedade. Assim, se a Universidade não cumpre com o seu papel,
projeta sua deficiência a todos os demais setores.
Com o objetivo, enfim, de nos aproximarmos do entendimento da dinâmica entre
globalização e educação, dando ênfase a importância da formação para o processo de
humanização, ressaltamos que lançaremos mão do método da História Social. Para
Cardoso (1997), a perspectiva da Historia Social possibilita um estudo histórico
problematizado e a utilização de conhecimentos provenientes de diferentes momentos e
campos de pesquisa.
Políticas Educacionais da Educação de Jovens e Adultos: algumas considerações
Inicialmente queremos pontuar que a política educacional dever ser entendida
como constituinte da política social, enquanto articulações que exprimem as relações e
as forças sociais em disputa, ou seja, a luta de classe e as mediações econômico-sociais
presentes na sociedade. Observamos, pois, que a política educacional empreendida no
Brasil a partir da década de 1990, ocorreu como resultado de tensões e realizações,
segundo Deitos (2010, p. 209), de “[...] forças econômicas e políticas hegemônicas que
sustentam proposições que revelam forte tendência [...] de cunho liberal ou social-
Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013
4
liberal e definem significativamente os rumos das políticas públicas e da educação
nacional”.
De acordo com Fonseca (1996), nessas condições, a partir da primeira metade da
década de 70, percebemos o início da cooperação internacional, técnica e financeira, na
esfera social brasileira. Deu-se, no entanto, ainda na primeira metade do século XX, a
colaboração de órgãos multilaterais à educação do nosso país, como o Banco
Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e o Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID). Desde então se instaurou uma relação técnica entre Brasil e
Estados Unidos. Na sua primeira fase, a integração entre ambos resultou para o nosso
país a apropriação do ideário de educação para todos, presente nas formulações da Lei
Brasileira de Diretrizes e Bases (LDB) de 1961.
Na sequência dessas relações os acordos econômicos passaram a ter um caráter
bilateral, baseados na inflexibilidade financeira e na condicionalidade. Firmaram-se
diversas políticas educacionais de cooperação com o BIRD, resultando concessões de
créditos à educação, vista como condição de crescimento econômico. Nesse contexto,
insere-se um novo olhar para o ensino profissionalizante, como meio de provisão “[...]
de técnicos para o setor produtivo, especialmente no nível de 2º grau” (FONSECA,
1996, p. 232).
Podemos abalizar, porém, que esses créditos eram acompanhados de pesados
encargos, rígidas regras e altas taxas de juros. Assim, o discurso de modernização da
escola, adequação do ensino à competitividade do mercado internacional, incorporação
das técnicas e linguagens da informática e da comunicação, abertura da universidade
aos financiamentos empresariais, pesquisas práticas, produtividade, passaram a serem
algumas das palavras comuns para a educação.
Pode-se afirmar, portanto, que a educação sob o ponto de vista da preparação
vocacional ou profissional, serve-se, “[...] da teoria do capital humano para justificar
que esse nível de educação deve ser considerado um investimento pessoal e questionar o
financiamento público” (AZEVEDO, 2008, p. 1). Essa ideia, por conseguinte, contribui
para a instauração da política do estado mínimo.
Vejamos, pois, em consonância com o pensamento tecido acima as proposições de
Coraggio (1996, p. 77-78):
Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013
5
As políticas sociais estão orientadas para dar continuidade ao processo de desenvolvimento humano [...]. Sua bandeira é investir os recursos públicos “nas pessoas”, garantindo que todos tenham acesso a um mínimo de educação, saúde, alimentação, saneamento e habitação, bem como às condições para aumentar a expectativa de vida e para alcançar uma distribuição mais eqüitativa das oportunidades [...] (grifos no original).
Ao analisarmos o indivíduo inserido nessa visão, torna-se plausível a conclusão de
que as contradições presente na sociedade não oferecem igualdade de condições para a
classe popular alcançar uma melhoria de vida. E é, nesse sentido, que o ingresso dos
alunos provenientes das classes populares na EJA, contribui para a ideia de que a
educação abre oportunidades para seu sucesso na vida, ou até mesmo como
possibilidade de ascensão social.
Lembremos, aqui, que não queremos eximir os indivíduos de suas
responsabilidades, de suas escolhas, pois eles possuem livre arbítrio, e este demanda
conhecimento para se tomar caminhos que lhes possibilitem o desenvolvimento
humano. Queremos enfatizar a necessidade de investimentos estatais que possibilitem
melhores condições de acesso ao conhecimento e de ampliação do mercado de trabalho.
O que nos parece evidente, pois, seria a ideia de que o Estado, tendo cada vez
menos obrigação de intervenção, transfere suas responsabilidades para outras
instituições e/ou ao voluntarismo. Esse procedimento nos leva a perceber a redução da
esfera de ação do Estado. Incumbe-se, por conseguinte, encargos aos Estados ou aos
municípios, bem como a setores privados. Podemos entender que essas propostas
quanto à política educacional restringem a ação do Estado à garantia da educação
básica, e deixando os outros níveis sujeitos as leis de oferta e procura.
Verificamos que os dados da realidade social são alarmantes, como explicita o
Documento Base PROEJA:
[...] o número absoluto de sujeitos de 15 anos ou mais (que representam 119,5 milhões de pessoas do total da população) sem conclusão do ensino fundamental (oito anos de escolaridade), como etapa constituidora do direito constitucional de todos à educação, é ainda de 65,9 milhões de brasileiros. Da população economicamente ativa, 10 milhões de pessoas maiores de 14 anos e integradas à
Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013
6
atividade produtiva são analfabetas ou subescolarizadas (BRASIL, 2007, p. 19).
Esses números, muitas vezes, usados como justificativa do atraso econômico, não
podem nos levar a passividade e à impotência. Acreditamos na possibilidade de
mudanças das circunstâncias por meio de ações humanas, individuais e coletivas. Como
postula Mészaros (2002) torna-se crucial uma transformação social qualitativa, que
acarrete uma mudança estrutural nas políticas sociais.
Acreditamos que todo o ser humano contribui para a formação de uma concepção
de mundo predominante. Esse propósito dependerá das forças sociais que se confrontam
e que defendem seus interesses.
A expansão e a universalização do processo educacional é constituinte como componente da política social que é resolvida no processo contraditório da repartição da riqueza socialmente produzida numa sociedade de classes e como resultado do embate pela disputa da riqueza nela produzida, a educação, e particularmente a implementação da política educacional, imbricada como parte desse processo, recebe o tratamento na dimensão das forças sociais em jogo (DEITOS, 2010, p. 213).
Nesse sentido, acreditamos que o binômio razão e conhecimento podem viabilizar
condições para o entendimento do mundo. Por meio do conhecimento, o homem toma
consciência do papel que deve desempenhar na sociedade, contribuindo, por sua vez,
seja para a transformação dessa sociedade seja para a sua preservação e
desenvolvimento humano. Eis aqui a relevância do diálogo entre o Ensino superior e
outras modalidades de ensino. A formação de docentes qualificados e comprometidos
com a formação de seus alunos constitui-se como o cerne da responsabilidade da
Universidade.
Educação Profissional integrada à Educação de Jovens e Adultos: possiblidades e limites em relação à formação humana
Segundo Kuenzer (1997), o movimento de desescolarização e empresariamento
(Programa de Expansão da Educação Profissional/PROEP e o Plano Nacional de
Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013
7
Qualificação do Trabalhador/PLANFOR) da Educação Profissional esteve inserido no
processo de redefinição do ajuste estrutural requerido pela dinâmica das relações sociais
na economia política da globalização. Nesse contexto, investiu-se com prioridade em
políticas educacionais de qualificação profissional compensatória.
Inserido no discurso de focalização do gasto educativo, o Estado passou a
investir primeiro na educação primária, por conseguinte, na educação secundária e, por
último, dedicou-se verbas públicas reduzidas à educação pós-secundária, como afirma
Coraggio (1996, p. 116, grifos no original), priorizadas “[...] em habilidades técnicas ou
na ‘importação’ de serviços educativos em disciplinas sofisticadas. Como resultado
conseguiram uma ampla base de capital humano orientado tecnicamente, apto para o
desenvolvimento econômico rápido”.
Diante destas considerações, para analisar com criticidade a demanda da
Modalidade de Educação Profissional no Brasil, faz-se necessário refletir sobre o
discurso trazido em documentos oficiais nacionais e internacionais para essa
modalidade de ensino.
Vamos, então, traçar em linhas gerais alguns aspectos das trajetórias
educacionais. Com base em Kuenzer (1997) podemos dizer que o período de 1964/1974
ficou marcado pelo autoritarismo e pelas reformas institucionais na educação sob a Lei
nº. 5692/71(Reforma de Ensino de 1º e 2º graus). Neste momento, esta Lei foi pensada
com ênfase na profissionalização, com objetivo de preparar “bons empregados” para
atender o crescente empresariado, que naquele momento assumiu o controle econômico
do País. A Lei nº. 5692/71 trouxe consigo a obrigatoriedade de uma habilitação
profissional a todos os que cursavam o 2º Grau. Essa proposta acabou por esvaziar a
escola de conteúdo científico, o que levou a despolitização. Infelizmente, atribuiu-se a
escola a responsabilidade de preparar e aumentar a força de trabalho qualificada. Neste
cenário, a educação passou a ser vista como instrumento para formar um cidadão que
tivesse perfil para responder a essas exigências.
A partir dos anos 90, assinalam Lima Filho, Cêa e Deitos (2011), o Brasil
percebe a relevância de investimentos na educação profissional. Segundo esses autores,
essa predileção se dá em um momento de adensamento da crise do desemprego,
ocorrendo um aumento de alternativas informais de inserção ao mercado de trabalho.
Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013
8
Desse modo, o governo cria inúmeras políticas de qualificação profissional, “[...] como
que cumprindo sua tarefa institucional ante a lógica competitiva e concorrencial que
passa a predominar nas relações socioeconômicas” (LIMA FILHO; CÊA; DEITOS,
2011, p. 24).
Na década de 90, então, visualizamos em relação ao MEC, a reordenação
estrutural e operacional do ensino técnico-profissional. Esse encaminhamento separa,
literalmente, a Educação Profissional da Educação Escolar nas Instituições públicas. Em
contradição, a essa demanda, a iniciativa privada, por meio de recursos públicos teve
essa modalidade incentivada, possibilitando sua diversificação e ampliação. O desmonte
da educação profissional na rede pública teve sua materialidade com o Decreto nº.
2.208/ 07 e o programa PROEP. No Paraná, Programas como o Programa de Expansão,
Melhoria e Inovação do Ensino Médio (PROEM) teve suas finanças subsidiadas pelo
BID. Por meio deste programa assistimos o verdadeiro laboratório para criação e
experimentação de alternativas para o Ensino Técnico (FERRETTI, 1997).
O Plano Nacional de Educação/PNE (2011/2020) propõe a sistematização da
educação nacional, no item Educação Tecnologia e Formação Profissional. O Ministério
da Educação sugere fazê-lo a partir da Educação Básica na Modalidade Profissional,
assim retoma-se essa Modalidade nos Estados. O programa catalisador desse processo
ficou denominado de Brasil Profissionalizado. Nesse programa, estão instituídos os
cursos de nível técnico à distância. Torna-se plausível lembrar, que o Governo Federal,
em 1994, sancionou a Lei nº. 8948, a qual impedia que este investisse na Rede pública.
Exceção se daria se houvesse parceria com o Estado, Município e, principalmente, com
a iniciativa privada.
Nesse contexto, não se investiu em novas escolas em âmbito federal. Essa
década marcou a isenção de concursos públicos para professores ou técnicos
administrativos para Modalidade de Educação Profissional. No caso do Estado do
Paraná houve um desmonte de escolas e cursos da Rede Pública dos cursos técnicos
instalados. O Governo Lula alterou essa legislação (Lei nº. 11.195/2005), o que
propiciou a criação de 214 novas escolas técnicas.
Nessa conjuntura, em junho de 2005, no Brasil, surge o Programa de Integração
da Educação Profissional ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e
Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013
9
Adultos (PROEJA), viabilizado pelo decreto nº. 5.478/2005. Este programa propunha a
criação de cursos vinculados aos Centros Federais de Educação Tecnológica, Escolas
Técnicas Federais, Escolas Agrotécnicas Federais. Com o decreto nº. 5.840/2006 passa
a ser denominado de Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a
Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, mantendo, todavia,
a mesma sigla. Esse decreto estendeu a implementação desse Programa para instituições
de ensino público estadual e municipal, bem como às entidades vinculadas ao Sistema S
(SESC, SENAC, SESI, SENAI, SEST, SENAT, SESCOOP, SEBRAE e SENAR).
Ampliou-se também a oferta de cursos e programas do PROEJA no nível da Educação
Fundamental (BRASIL, 2006).
Nota-se, porém, que o PROEJA, segundo Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005, p.
1104), revela-se como uma política de qualificação profissional “[...] compensatória à
ausência do direito de uma educação básica sólida e de qualidade”.
Sabemos que financiamentos para essa Modalidade, também, advém do Banco
Mundial e das Agências Internacionais que, certamente, não pensam a categoria
trabalho pautado em uma visão que possibilite a formação humana na sua totalidade. O
documento normativo do PROEJA, aponta que a irreversibilidade do desemprego “[...]
obriga a redimensionar a própria formação, tornando-a mais abrangente, permitindo ao
sujeito, além de conhecer os processos produtivos, constituir instrumentos para inserir-
se de modos diversos no mundo do trabalho” (BRASIL, 2007, p. 13).
Observamos, pois, que não devemos nos esquecer das limitações para que esse
Programa se transforme em política pública, que vislumbre a elevação de escolaridade
integrada à educação profissional para pessoas jovens e adultas. Entretanto, enfatizamos
que, embora haja uma interdependência do PROEJA com as políticas hegemônicas, as
políticas sociais se constituem enquanto campos de tensão, enquanto objetos de
contestação entre os segmentos sociais. Entendemos que essas disputas possuem a sua
razão de existência nas demandas postas pelas vindicações dos trabalhadores.
Nesse contexto, nós educadores devemos buscar o entendimento das rápidas
mudanças requeridas pelo FMI, Banco Mundial e BID. O educador que possui
dificuldades de perceber certas influências desses órgãos na esfera educacional,
possivelmente, não terá condições de auxiliar os sujeitos de aprendizagem a uma maior
Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013
10
compreensão e desvelamento do social. Se a escola não possibilitar ao educando uma
análise mais crítica, reflexiva, significativa da realidade em que vive, poderá se deparar,
pois, diante da impossibilidade de formar o sujeito educando. Um indivíduo que possua
uma formação para além do senso comum, provavelmente, poderá desenvolver uma
autonomia intelectual. Esta autonomia, por conseguinte, oportunizará melhores
condições para o desenvolvimento de uma consciência social. Esse indivíduo
certamente será menos ingênuo diante dos fatos que lhe são apresentados de forma tão
naturalizadas.
A Universidade Enquanto Possibilidade de Formação Humana
Quando os cursos de Pedagogia estão preocupados com uma maior inserção da
didática em seus currículos entendemos que a instrução para a atuação profissional
estaria em foco. Não rechaçamos, pois, essa preocupação. Compartilhamos com a ideia
de que a Universidade deveria preparar para o trabalho. Lembramos, porém, que a
Universidade deveria ter como escopo a formação do homem para que ele tenha uma
compreensão da totalidade. Dessa forma, não seria possível retirar o trabalho da
realidade social. Não desprezamos o mundo do trabalho, pois este se constitui como
base da existência física humana. Pressupomos, então, uma formação que não esteja
subjugada pelo mundo. Portanto, acreditamos que caberia à Universidade priorizar uma
formação intelectual, com princípios universais, que possibilite a atuação prática
eficiente do formado.
Entendemos que os educadores precisam compreender a categoria trabalho como
princípio educativo, que permite a formação humana. Certamente, esse entendimento
possibilitará que haja intervenção da escola na busca de um homem histórico e social.
Compactuamos com Arroyo (1992) ao afirmar que o processo educativo não
pode vir desvinculado do trabalho, das identidades, dos tempos e espaços de
socialização. Conduz a esse sentido, o entendimento de que buscamos bases materiais e
intelectuais, a fim de compreendermos melhor a formação humana, a construção e
apreensão do conhecimento, valores, cultura. Só assim, teremos compreensão dos
encontros entre existência e consciência; trabalho e cultura; vivência e saber. Esse
Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013
11
entendimento macro nos permite a apropriação de condições de renovar, pensar, romper
paradigmas, ratificar nossa práxis pedagógica para além da escola.
Assim, poderemos lutar contra a recorrência do discurso que o sistema
capitalista seja alienante, retirando do sujeito a responsabilidade dos atos humanos.
Verificamos, pois na atualidade certa indução para a adaptação e para a passividade, que
estimula a conformação de ver o ensino e a pesquisa à mercê das demandas econômicas,
técnicas, administrativas. Assinalam que devemos estar presos às últimas receitas do
mercado. Reduzem o ensino geral, marginalizam a cultura humanista. A História nos
permite apreender que a conformação, a apatia, a inércia levam a perda da reflexão, da
capacidade inventiva, criadora, sensível. Faz-se necessário, porém, uma educação
humanista, que possibilita a revitalização de uma cultura geral que, por meio da
filosofia, expõe os problemas humanos fundamentais e conclama a reflexão.
Uma educação, entretanto, voltada para instrução, possibilita que o processo
ensino-aprendizagem, ao invés de oportunizar a autonomia pelo pensamento e
conhecimento, dirija o homem a um estado de passividade e imobilidade. A uma
condição denominada por Kant (2005), em sua obra Resposta a pergunta o que é
esclarecimento, de “menoridade”, ou seja, a incapacidade do homem conduzir-se pelos
seus próprios pensamentos. De acordo com a perspectiva Kantiana, um homem
esclarecido seria aquele que não está condicionado ao pensamento do outro; seria aquele
que tem autonomia de escolhas.
Verificamos que a sociedade nos dias atuais se encontra com certo
distanciamento desse esclarecimento, da perspectiva Kantiana. A velocidade na
transmissão das informações e a rapidez dos avanços tecnológicos se instituem como
marca predominante. Nota-se que essa aceleração se inscreve no cotidiano das pessoas,
diminuindo o tempo disponível para seus afazeres, inclusive para o próprio pensar.
Muitas vezes, delega-se ao outro tomada de decisões e posturas individuais ou coletivas.
Kant (2005), no entanto, indica que a decisão de fazer o uso público da razão
acerca de todas as coisas pode encaminhar o homem para o esclarecimento. Para o
autor, o posicionamento filosófico, que se materializa pela formação intelectual,
oportuniza a apropriação da liberdade, resultante da natureza contemplativa ou teórica
da filosofia. A formação, por meio de um ensino totalizante, capacitaria o homem a
Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013
12
lançar mão de sua própria razão. Essa formação acadêmica, que abarca diferentes áreas
do conhecimento, desenvolveria nos indivíduos o potencial de percepção, de reflexão,
de síntese das informações ofertadas pelo mundo, bem como de elaboração de novos
conhecimentos sobre esse arcabouço. Assim, o indivíduo poderia se deslocar do censo
comum para a consciência filosófica, utilizando tudo isso em sua prática social,
transformando sua realidade.
Esse filosofar consiste em uma atitude interior diante da realidade, que
transcende as margens da materialidade imediatista, que caracteriza o mundo do
trabalho, ou seja, da utilidade, dos resultados, do exercício de uma função, das
necessidades, da produtividade. Esclarecemos, no entanto, que não desprezamos o
mundo do trabalho, pois este se constitui como base da existência física humana.
Torna-se premente, buscarmos uma formação humanizadora. Segundo Arroyo
(1992), a incumbência das políticas educacionais seria assegurar o direito à educação de
qualidade, ao conhecimento historicamente acumulado. O Estado deveria viabilizar o
projeto social de formação/qualificação, sob a concepção da educação como um bem
público. Como postula Azevedo (2008, p. 4) “[...] as políticas públicas deveriam tomar
a educação, em todos os seus níveis, como um direito fundante da gramática cidadã.
Isso é o que torna a educação, em sentido teórico e prático, um bem público”.
Neste sentido, torna-se necessário que a Academia, as Instituições de Pós-
graduação, os Institutos de Pesquisa estabeleçam um diálogo com os intelectuais que
teorizam e praticam a educação escolar básica e, em nosso caso específico, na
Modalidade de Educação Profissional e de Educação de Jovens e Adultos. Esse diálogo
precisa pautar-se em políticas educacionais, que possam debater currículo, diretrizes,
propostas pedagógicas no intuito de fortalecer as práticas de ensino.
O papel do professor comprometido com a transformação dessa sociedade se faz
fundamental, assumindo uma posição de mediador no processo de transmissão e
assimilação do saber aos alunos advindos das classes populares. Afinal, entendemos que
a escola se constitui como um dos parcos espaços a que os educandos da EJA terão
acesso ao conhecimento, tão essencial à humanização do homem. Se essa formação
integrar conhecimento geral e profissional poderá munir os alunos com conhecimentos
que os oportunize um melhor entendimento de sua realidade social e econômica,
Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013
13
percebendo inclusive as contradições presentes na sociedade. Desse modo, o aluno
poderá ter condições de realizar uma leitura mais sólida do mundo que o cerca, para,
assim, se posicionar nele.
Considerações Finais
Diante do exposto, concluímos que esse estudo nos permite uma nova forma de
ver a EJA no Brasil. A intenção de garantir o acesso à educação pela Constituição
Federal (BRASIL, 1988) permeia todo o discurso dos documentos oficiais. Nas
Diretrizes Curriculares e nos Projetos Políticos Pedagógicos das escolas observa-se uma
significativa importância à formação do homem para a cidadania.
Segundo Azevedo (2008), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (UNESCO) se constitui como um dos organismos nacionais, que
lança para a educação um olhar mais humanizador; que concebe a educação como um
bem público, que, por conseguinte, em sua essência seria um direito social de todos.
Embora haja no discurso uma intenção para a formação humana, na interpretação e na
aplicabilidade ocorre o inverso. Averiguamos, então, uma relevância à formação de
sujeitos para atender as necessidades do mercado de trabalho em detrimento de uma
formação para a emancipação humana.
Constatamos, ainda, que uma política pública para atender a EJA necessita de
investimentos capazes de garantir o acesso dos sujeitos alunos na escola e a
permanência com sucesso, além da continuidade da oferta de estudos aos jovens,
adultos e idosos. Consideramos a necessidade de maior fortalecimento de políticas
que ultrapassem a condição de campanhas e programas emergenciais, que pretendem
apenas a superação de índices. Torna-se necessário a oferta de uma educação embasada
em princípios qualitativos e não quantitativos. A educação, por ser um direito social
conquistado por meio de muitas lutas sociais, para ser provida com qualidade para todos
incumbe-se ao Estado, segundo Azevedo (2008, p. 25) a destinação de “[...] orçamento
público, na forma de investimento e custeio, o montante necessário com vistas a prover
um direito social inalienável e inegociável”.
Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013
14
A nossa reflexão se dá no sentido de acompanharmos se as políticas
educacionais primam pela qualidade social, por meio de uma prática pedagógica que
possibilite a humanização do sujeito. Queremos salientar que, entendemos a Educação
de Pessoas Jovens e Adultas como uma possibilidade de inclusão social.
Importa, pois, ressaltar que à educação - Básica, Profissional, Superior ou outras
-, cabe-se a busca da formação humana, ultrapassando a função reprodutora do processo
de socialização. A pedagogia teria como principal objetivo o estudo que envolve
conteúdos, hábitos e valores que orientam o homem a agir como cidadão, se
desvencilhando da “menoridade” refletida por Kant. Esse autor afirma que o homem
necessita ser ensinado desde seu nascimento, tanto em suas funções mais primárias
como alimentação, quanto em suas funções consideradas como superiores como o
discernimento e a reflexão. Nessas condições, para que o ser humano se torne um
cidadão de fato exige-se o aprendizado de saberes e hábitos próprios de um cidadão.
Ao observar a sociedade atual percebemos que a busca pela autoafirmação do
homem por meio da materialidade ganha proporções significativas. Observamos que o
mundo da utilidade moderna subjuga a própria formação humana. Nesse panorama,
constatamos que os setores educacionais assumem a tutoria e, por meio de regras e
preceitos, direciona o homem ao uso mecânico da razão, privilegiando, assim, a função
de instrução e não a de formação.
O desafio da escola contemporânea se firma no cumprimento de seu papel
hegemônico na transmissão do conhecimento historicamente construídos, capacitando
os alunos para refletirem com criticidade e agir com comprometimento.
A educação, que prepara o homem para viver coletivamente, necessita ser
condizente com os anseios da sociedade, todavia, a responsabilidade com a formação
humana se institui como um imperativo. As instituições educacionais, professores e
todos aqueles que de uma forma ou outra se envolvem no processo de ensino devem se
comprometer com um método educacional que oportuniza o desenvolvimento do
conhecimento no indivíduo, para que esse consolide sua autonomia intelectual. Esse
reconhecimento dos educadores como agentes transformadores inseridos no processo,
pode ser o primeiro passo para a efetivação de mudanças significativas na educação,
seja na básica, na profissionalizante ou na superior.
Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013
15
REFERÊNCIAS
ARROYO, Miguel González. Fracasso-sucesso: o peso da cultura escolar e do ordenamento da educação básica. Em Aberto. Brasília, vol. 11, nº. 53, p. 46-53, 1992. AZEVEDO, Mário Luiz Neves de. A Educação Superior como um Bem Público: desafios presentes - teoria do capital humano, individualismo e organismos multilaterais. Seminário Redestrado – Nuevas Regulaciones en América Latina Buenos Aires, 7., 2008, Buenos Aires. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. BRASIL. Decreto nº. 5.840, de 13 de julho de 2006. Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA. Brasília, MEC: 2006. Disponível on-line em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/decreto/D5840.htm>. Acesso em: 02 fev. 2013. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. PROEJA – Educacional profissional técnica de nível médio integrado ao ensino médio. Documento Base. Brasília: MEC: 2007. Disponível on-line em: <http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf2/proeja_medio.pdf>. Acesso em: 02 fev. 2013. CARDOSO, Ciro Flamarion. História e Paradigma Rivais. In: CARDOSO, C. F; VAINFAS, R. (orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 1-23. CORAGGIO, José Luis. Propostas do Banco Mundial para a Educação: sentido oculto ou problemas de concepção? In: DE TOMASI, L; WARDE, M. J; HADDAD, S. (orgs.). O Banco Mundial e as Políticas Educacionais. São Paulo: Cortez, 1996, p. 75-123. DEITOS, Antonio Roberto. Políticas Públicas e Educação: aspectos teórico-ideológicos e socioeconômicos. Acta Scientiarum. Education, Maringá, vol. 32. nº. 2, p. 209-218, 2010. Disponível on-line em: <http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/ActaSciEduc/article/view/118869/11869>. Acesso em: 25 fev. 2013. FERRETTI, Celso. Formação Profissional e Reforma do Ensino Técnico no Brasil: anos 90. Educação & Sociedade. Campinas, vol. --, nº. 59. Disponível on-line em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-73301997000200002&script=sci_arttext>. Acesso em: 25 mar. 2013. FONSECA, Marília. O Financiamento do Banco Mundial à Educação Brasileira: vinte anos de cooperação internacional. In: DE TOMASI, L; WARDE, M. J; HADDAD, S.
Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013
16
(Orgs.). O Banco Mundial e as Políticas Educacionais. São Paulo: Cortez, 1996, p. 229-251. FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria; RAMOS, Marise (Orgs.). Ensino Médio Integrado: concepção e contradições. São Paulo: Cortez, 2005. FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e a Crise do Capitalismo Real. São Paulo: Cortez, 1996. KANT, Imamnuel. Resposta à Pergunta: Que é esclarecimento? Textos Seletos. Petrópolis: Editora Vozes, 2005. KUENZER, Acácia Zeneida. Ensino Médio e Profissional: as políticas do Estado Neoliberal. São Paulo: Cortez, 1997. LIMA FILHO, Domingos Leite; CÊA, Georgia Sobreira dos Santos; DEITOS, Roberto Antonio. O PROEJA e as Possibilidades de sua Afirmação como Política Pública: o financiamento em questão. In: LIMA FILHO, D. L; SILVA, M. R; DEITOS, R. A. (orgs.). PROEJA - educação profissional integrada à EJA: questões políticas, pedagógicas e epistemológicas. Curitiba: UTFPR, 2011, p. 23-37. MÉSZÁROS, ISTVÁN. Para Além do Capital: Campinas: Editora da Unicamp, 2002. SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ. Diretrizes Curriculares. Curitiba: 2008.
Recommended