Angiomiolipoma Renal – Aspectos Imagiológicos e Abordagem · densidade de partes moles e que...

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Acta Radiológica Portuguesa, Vol.XXI, nº 81, pág. 37-41, Jan.-Mar., 2009

Recebido a 02/04/2008Aceite a 06/11/2008

Introdução

Aspectos Epidemiológicos e HistopatológicosEpidemiologicamente estão descritas duas formas, aesporádica (80% dos casos), mais frequente em mulheresde meia idade e a associada com a Esclerose Tuberosa(20% dos casos) ou com outras facomatoses. A formaesporádica tende a apresentar-se com lesões únicas eunilaterais, enquanto a forma associada à EscleroseTuberosa manifesta-se geralmente com múltiplas lesões,bilaterais e com dimensões maiores [2] [6] [10].O angiomiolipoma renal, também designado hamartomarenal, é um tumor benigno composto por gordura, músculoliso e vasos de parede espessada. A componente de gordurapredomina na maioria dos casos.A maioria destas lesões tem origem no córtex renal, tendocrescimento exofítico em 25% dos casos, fazendo neste

Angiomiolipoma Renal – Aspectos Imagiológicos eAbordagem

Renal Angiomyolipoma – Imagiologic Aspects and Management

Sónia Palma, João Leitão, Tiago Almeida, Manuel Abecasis, Isabel Távora

Serviço de Imagiologia Geral, Centro Hospitalar Lisboa Norte (Hospital de Santa Maria) - LisboaDirectora: Dra. Isabel Távora

Resumo

O angiomiolipoma renal tem uma prevalência na população adulta de 0,3% a 3,0% [1], sendo muitas vezes detectado em examesde rotina. Com este trabalho, os autores pretendem demonstrar aspectos imagiológicos e caracterizar o risco de hemorragia destaslesões, através da imagem. O angiomiolipoma renal é responsável por cerca de 16-20% dos casos de hemorragia peri-renalespontânea [1], que em 20% dos casos pode apresentar-se sob a forma de choque hipovolémico[6]. Neste contexto ou numaatitude profilática, a embolização constitui uma alternativa face à cirurgia conservadora [10].

Palavras-chave

Angiomiolipoma Renal; Ressonância Magnética; Tomografia Computorizada; Radiologia de Intervenção; Embolização.

Abstract

Renal Angiomyolipoma has a prevalence of 0,3% to 3,0% in the adult population [1], being most times incidentally detected inroutine examinations. With this work, the authors pretend to reveal imagiologic aspects and characterize the bleeding risk, byimage findings. Renal angiomyolipoma is responsible for 16-20% of patients with spontaneous perinephric hemorrhage [1],which in 20% of the cases can present as hipovolemic shock [6]. In this context or in a profilatic one, embolization represents analternative to sparing surgery [10].

Key-words

Renal Angiomyolipoma; Magnetic Resonance; CT Scanning; Intervention Radiology; Embolization.

caso diagnóstico diferencial com o liposarcomaretroperitoneal [1][2].A principal e mais frequente complicação destas lesões éa hemorragia retroperitoneal que sucede em 16% a 20%dos casos [1] e que segundo algumas séries podemanifestar-se sob a forma de choque hipovolémico até 1/3 dos casos para uma média de 20% [5] [7]. A tendênciahemorrágica destas lesões é condicionada pelairregularidade, tortuosidade e elementos aneurismáticosque caracterizam o componente vascular destes tumores.Histologicamente, a ausência de camada elástica nos vasostumorais justifica o potencial hemorrágico destas lesões.A transformação maligna foi raramente descrita [2][3].

Caracterização ImagiológicaO angiomiolipoma renal é o único tumor renal que podeser caracterizado com base na sua composição tecidular,estando o seu diagnóstico dependente da visualização degordura macroscópica passível de demonstraçãoimagiológica. A não visualização de gordura macroscópica

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intratumoral, obriga a colocar a hipótese de carcinoma decélulas renais.Historicamente é reconhecido que no Rx podem surgiráreas hipertransparentes, em angiomiolipomas volumosos,sugerindo o diagnóstico. Na Urografia de Eliminação surgeuma massa renal expansível, indistinguível do carcinomarenal.

EcografiaO angiomiolipoma renal é tipicamente uma lesãohiperecogénica, comparativamente ao parênquima renal.Contudo, este aspecto também existe em cerca de 32%dos pequenos carcinomas de células renais (<3 cm). Oangiomiolipoma apresenta mais frequentemente reforçoposterior enquanto o carcinoma de células renais revelamais frequentemente um halo hipoecogénio e áreasquísticas intratumorais. No entanto, nenhum destesaspectos é suficientemente específico para interromper aabordagem diagnóstica, até porque a hiperecogenecidadedestas lesões não se deve exclusivamente à presença degordura na lesão [2] [8].

Tomografia Computorizada (TC)Em TC estes tumores caracterizam-se por terem contornosbem definidos, e origem cortical, com predomínio devalores de atenuação negativos que caracterizam adensidade da gordura (<20 HU’S). Frequentemente,observa-se no seu interior pequeno componente comdensidade de partes moles e que traduz componentevascular ou muscular, hemorragia e/ou fibrose.A injecção de contraste iodado endovenoso não éhabitualmente necessária para caracterizar a lesão.Tratando-se de lesões tipicamente hipovasculares, a suacaptação é variável em função da constituição tecidularda componente com densidade de partes moles. Em 4,5 a5% dos tumores não é possível demonstrar a presença degordura, não sendo possível diferenciá-los do carcinomade células renais. O estudo de TC bifásico pode contudoauxiliar a diferenciar o angiomiolipoma renal com poucagordura do carcinoma de células renais, uma vez que oprimeiro apresenta tipicamente uma captação homogéneacom um washout tardio comparativamente à captaçãoheterogénea com washout rápido que caracteriza ocarcinoma de células renais [1] [2] [8].

Ressonância Magnética (RM)Para identificar a gordura tecidular em RM é necessárioexplorar as diferentes frequências de ressonância dosprotões da água e da gordura. A gordura apresenta tempode relaxamento curto em T1 e longo em T2 e por issorevela-se hiperintensa nas sequências ponderadas em T1e com hiposinal/sinal intermédio nas sequênciasponderadas em T2.Foram desenvolvidas múltiplas técnicas para detecção degordura em RM, entre as mais amplamente utilizadasencontram-se o desvio químico / chemical shift (in phaseand out of phase) e técnicas de supressão / saturação degordura.A técnica chemical shift (in phase and out of phase) émais sensível para detectar quantidades microscópicas degordura que as técnicas de supressão de gordura com

Fig. 1a e Fig. 1b – TC sem contraste, demonstrando volumosoangiomiolipoma renal à esquerda, complicado de hemorragia peri-renalque condiciona a visualização da componente de gordura.

Fig. 2 – TC sem contraste, demonstrando angiomiolipoma renal àesquerda, com predomínio da densidade de gordura característica emínima componente com densidade de partes moles.

selecção de frequência e mesmo que os valores deatenuação em TC. Por isso, o eco é adquirido no precisomomento em que os protões de água e de gordura estãoem fases opostas, ou seja anulam o sinal do voxel que oscontém.

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As técnicas de supressão de gordura de tipo SPIR (spectralpré-saturation inversion recovery) reduzem o sinal dovoxel que contém a gordura aplicando um pulso com umafrequência que satura os protões da gordura. Esta técnicaefectivamente reduz o sinal da gordura macroscópica(lipomas e teratomas) exigindo contudo camposmagnéticos homogéneos.A inversão de gordura também se verifica na sequênciaSTIR (short T1 inversion recovery), contudo a supressãode sinal nesta técnica depende das característicastecidulares em T1, por isso componentes com T1 idênticoao da gordura (hemorragia subaguda) também apresentamdiminuição de sinal.A RM permite a caracterização da maioria dosangiomiolipomas devido à deposição intratumoral degordura, que surge hiperintensa em T1 e hipointensa emout phase e nas técnicas com supressão de gordura.Contudo, e apesar das considerações técnicas referidas,alguns tumores de células renais podem conter gordura e,nomeadamente o subtipo de células claras, podemdemonstrar também diminuição de sinal em out-phase. Apresença de aspectos como a invasão da gordura peri-renalou do seio renal, a presença de pequenos focos de gorduranum tumor volumoso, sinais de invasão venosa, e a

presença de adenopatias loco-regionais ou a detecção decalcificações intratumorais visualizadas em TC sugeremcarcinoma de células renais.A RM não parece oferecer vantagens diagnósticasrelativamente à TC, no entanto poderá ser preferida emdoentes jovens devido à ausência de radiação ionizante.[1][2] [3][4][13]

Angiografia e Angio TCEm algumas séries publicadas verificou-se relação entre otamanho da lesão, formação de aneurismas e risco deruptura do angiomiolipoma. O factor preditivo dahemorragia parece ser preferencialmente o tamanho dalesão. No entanto, a presença de aneurismas e o seutamanho constituem importantes auxiliares nadeterminação do risco hemorrágico, nomeadamente paraaneurismas superiores a 5 mm [5][6][10].Relatos recentes indicam que as técnicas de angio TC eangio RM poderão desempenhar um papel semelhante aoda angiografia clássica na caracterização de pequenosaneurismas intra-tumorais, no entanto as séries e os casosclínicos publicados revelam uma acuidade inferior, semcontudo apresentarem elementos estatísticos concretos[5][6][8].

Fig. 3a e Fig.3b – RM revelando hipersinal característico na sequência T1, com hiposinal em T2.

Fig. 4a e 4b – Volumoso angiomiolipoma renal à esquerda com crescimento exofítico em sequências ponderadas em T1, sem e com supressão degordura.

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Abordagem Terapêutica e Radiologia de IntervençãoDas séries consultadas conclui-se que 80-90% dosangiomiolipomas com dimensões superiores a 4 cm, serãosintomáticos em algum momento e que destes, cerca de51% complicar-se-ão de hemorragia intratumoral [12].Durante as duas últimas décadas, a embolização destaslesões a partir da cateterização selectiva da artéria renaltornou-se popular não só na abordagem de lesõeshemorrágicas, como também na prevenção do crescimentodestas lesões [10] [11] [7].A abordagem terapêutica e de follow-up destas lesões éessencialmente condicionada pelo tamanho do tumor esintomatologia na apresentação, pelo que é proposta aseguinte metodologia [11] [7]:

• Lesões inferiores a 4 cm e assintomáticas não merecemabordagem terapêutica, recomendando-se o controloimagiológico por TC ou RM, considerando o risco decrescimento da lesão. Não está claramente definido ointervalo entre exames;

• Todas as lesões sintomáticas (maioritariamente ascomplicadas de hemorragia) deverão ser tratadas atravésde excisão cirúrgica ou de embolização;

• Para lesões superiores a 4 cm (mesmo queassintomáticas) está preconizado em alguns centros asua embolização devido ao risco de crescimento tumorale de hemorragia.

A embolização com cateter transarterial está reconhecidacomo opção terapêutica de lesões sintomáticas desdeMoorhead, em 1976, escasseando no entanto resultados alongo prazo. A série publicada por Yamakado em 2002[6], revela que a embolização pode ser útil na prevençãodo crescimento e da ruptura de aneurismas intra-tumorais,não só em lesões já complicadas de rotura como em lesõessimples.A recorrência da hemorragia após embolização pareceapresentar valores mínimos na forma esporádica doangiomiolipoma renal, atingindo os 30 % nos doentes comEsclerose Tuberosa, sendo contudo nestes que ela parecefortemente indicada pois permite poupar o parênquimarenal numa entidade tipicamente multifocal [10] .

Muitos investigadores utilizam etanol absoluto, com ousem etiodol (produto de contraste lípidico que ajuda aconcentrar as drogas na vascularização tumoral) comoprincipal material de embolização, porque é facilmenteadministrado com difusão rápida pela vascularizaçãotumoral, ocluíndo permanentemente as artérias a nívelcapilar, resultando em enfarte e necrose. Noutras sériesrecorreu-se a outros materiais para embolização como colase coils (hemorragia de vasos de maior calibre) devendolembrar a possibilidade de neovascularização com o usodestes últimos [7][8][10] .

Fig. 5 – Angiografia demonstrando a presença de pequeno aneurismaem angiomiolipoma.

Fig. 6 – Embolização com coils e cola de volumoso angiomiolipomacomplicado de hemorragia.

O follow-up de doentes submetidos a embolização não éconsensual, mas a maioria dos trabalhos defendem arealização de TC entre 6 a 12 meses, verificando-se namaioria das publicações uma diminuição ou manutençãodas dimensões da lesão, sem novos episódios dehemorragia. A diminuição das dimensões doangiomiolipoma será tanto menor quanto maior for ocomponente de gordura, considerando ahipovascularização deste tecido [9][10]

Conclusão

O angiomiolipoma renal caracteriza-se imagiologicamentepela presença de gordura macroscópica, que deve serdemonstrada através de TC ou de RM de forma a excluir aexistência de carcinoma de células renais evitando destemodo a cirurgia.Angiomiolipomas renais pequenos (< 4 cm) eassintomáticos devem ser abordados de formaconservadora com controlo imagiológico por ecografia ouTC a cada 6 a 12 meses, dependendo da disponibilidadedas técnicas e da experiência do pessoal médico local.Parece existir relação entre o tamanho e o número de lesõescom a formação de aneurismas e a rotura da lesão.

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Para além da óbvia abordagem cirúrgica para lesõesvolumosas e/ou sintomáticas a embolização pode surgircomo alternativa válida e com resultados demonstrados,permitindo a conservação do parênquima, a redução decustos e da morbi-mortalidade.

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Correspondência

Sónia PalmaServiço de ImagiologiaCentro Hospitalar Lisboa Norte - Hospital Santa MariaAvenida Professor Egas Moniz1649-035 LisboaEmail: soniapalma@iol.pt

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