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Coordenação Geral
Comissão Organizadora
André Bedendo de Souza
Marcus Vinicius Costa Alves
Professores Responsáveis
Profa. Dra. Isabel Marian Hartmann de Quadros
Prof. Dr. Jair Ribeiro Chagas
Coordenadores de Módulo
Módulo Introdutório – Marina Rezende e Guilherme Julian
Módulo de Modelos Experimentais – César Augusto de Oliveira Coelho
Módulo de Memória – Vanessa Manchim Favaro
Módulo de Neuropsicologia – Larissa Botelho Gaça
Módulo de Transtornos Psiquiátricos – Mayra Machado e Luiz Dieckmann
Módulo de Plantas e SNC – João Vitor Pildervasser
Módulo de Drogas de Abuso – Juçara Zaparoli
Módulo de Estresse – Mariella Bodemeier Loayza Careaga
Módulo de Cronobiologia – Bruno Jacson Martynhak
Módulo de Sono – Flávia de Mattos Egydio
Módulo de Exercício Físico – Valdir Aquino
Coordenador da Tutoria Científica
Gabriel Natan Pires
- 3 -
Patrocinadores
Apoio
- 4 -
Drogas de Abuso................................................................................................................5
Estresse..............................................................................................................................44
Sono...................................................................................................................................63
Exercício Físico................................................................................................................105
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1. CONCEITO DE DROGA E HISTÓRIA DO CONSUMO
De acordo com o “Glossário de álcool e drogas” da Organização Mundial de Saúde
(OMS), droga é um termo de uso variado. Em medicina, droga refere-se a qualquer substância
com o potencial de prevenir ou curar doenças ou aumentar o bem estar físico ou mental. Por
outro lado, em farmacologia refere-se a qualquer agente químico que altera os processos
bioquímicos e fisiológicos de tecidos ou organismos. Ainda, na linguagem comum, o termo se
refere especificamente as “drogas de abuso” e em geral ainda mais especificamente às drogas
ilícitas. Na linguagem mais comum “drogas” significam substâncias psicotrópicas ilícitas
(maconha, cocaína, crack, heroína, LSD, ecstasy, etc), cujo uso é tido necessariamente como
abusivo e que são alvos dos regimes de controle e proibição.
Farmacologicamente, as substâncias podem ser classificadas em psicoativas e em
psicotrópicas. As substâncias psicoativas são aquelas que agem no Sistema Nervoso Central (SNC)
com capacidade de modificar o curso do pensamento ou estados da consciência, podendo
causar efeitos estimulantes, euforizantes e/ou tranqüilizantes. Segundo a OMS são aquelas que
“alteram comportamento, humor e cognição”, isto é, agem alterando o funcionamento da nossa
rede neuronal. Na categoria das drogas psicoativas entram tanto as drogas lícitas e ilícitas quanto
medicamentos psiquiátricos, que não apresentam potencial de abuso, como os antidepressivos.
As drogas psicotrópicas são substâncias psicoativas (com capacidade de alterar humor,
comportamento e cognição), com capacidade reforçadora e passíveis de serem auto-
administradas, isto é, com potencial de serem abusadas por humanos e resultar em dependência.
1.1 USOS NA CULTURA
A etimologia do termo “droga” é das mais controversas. Entre as várias hipóteses
levantadas, a derivação do termo holandês droog é uma das mais aceitas. Droog se referia a
produtos secos e servia para designar, dos séculos XVI ao XVIII, um conjunto de substâncias
naturais utilizadas tanto na alimentação quanto na medicina. De acordo com o Diccionário da
Lingua Portugueza Recopilada, de Antonio de Moraes Silva, de 1813, droga seria: “todo gênero de
especiaria aromática; tintas, óleos, raízes oficiais de tinturaria, e botica; mercadorias ligeiras de lã,
ou de seda”.
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O consumo de substâncias psicotrópicas é um fenômeno recorrente e disseminado em
diversas sociedades e em diferentes momentos da história. Há uma imensa rede de significados
culturais, ritos e práticas de socialização associadas ao consumo de drogas ilícitas, drogas lícitas
incluindo tabaco (nicotina), alcoóis, café e chá (cafeína) e de outras substâncias de uso regional.
Assim, os múltiplos modos pelos quais essa existência e esses usos são concebidos e vivenciados
variam histórica e culturalmente.
“Drogas não são somente compostos dotados de propriedades
farmacológicas determinadas, que possam ser natural e
definitivamente classificadas como boas ou más. Sua existência e
seus usos envolvem questões complexas de liberdade e disciplina,
sofrimento e prazer, devoção e aventura, transcendência e
conhecimento, sociabilidade e crime, moralidade e violência,
comércio e guerra” (Goulart et al., 2008).
A vida da humanidade sempre esteve ligada ao uso de plantas, em particular com
aquelas que “alimentam o espírito”, (ou seja, com ação psicoativa). Em todas as religiões e
culturas antigas observa-se a atribuição de um caráter sagrado a uma bebida ou outra
substância com potencial de intoxicação. As bebidas alcoólicas merecem destaque por terem
tido uma importante e variada inserção na vida do homem. Quase todas as civilizações de que
temos notícia conheceram o álcool. Trata-se de uma droga consumida em múltiplas
circunstâncias e com várias motivações. Seu uso tem ocorrido no tempo de acordo com as
diferenças culturais, podendo variar inclusive dentro de uma mesma cultura.
A ciência desempenha um papel importante no estudo dos efeitos e composição das
drogas. Atualmente é comum se dizer que uma abordagem exclusivamente farmacológica da
questão não é suficiente, e que os efeitos tanto individuais e subjetivos, quanto os sociais do uso
de substâncias psicoativas só podem ser entendidos a partir de uma perspectiva biopsicossocial.
O objetivo deste capítulo é fornecer de forma sucinta informações sobre os principais
temas relacionados com Drogas de Abuso, sendo alguns deles dados epidemiológicos, as bases
neurobiológicas do circuito de recompensa, os mecanismos de ação farmacológica das drogas e
algumas estratégias de tratamento disponíveis.
1.2 GLOSSÁRIO
Segue abaixo uma definição breve de alguns termos-chave bastante recorrentes no
assunto. Eles podem ser úteis em um primeiro contato com o assunto. Muitos deles serão
retomados ao longo das seções com explicações mais extensas.
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Abuso: de acordo com o critério de diagnóstico do DSM-IV trata-se de um padrão mal-
adaptativo do uso/auto-administração de substâncias psicoativas. Manifesta-se por
conseqüências clínicas adversas recorrentes e significativas relacionadas ao uso da(s)
substância(s);
Abstinência: conjunto de sintomas psicológicos e fisiológicos de configuração e gravidade
variáveis que ocorrem após a redução, cessação ou interrupção do uso de substâncias
psicoativas;
Binge: consumo de doses altas e repetidas de substâncias psicoativas, em geral de
estimulantes (cocaína e anfetamina, mas álcool também), em geral em ocasiões isoladas
(por exemplo, em festas);
Craving (“Fissura”): fenômeno subjetivo que corresponde a uma necessidade intensa de
consumir a droga com o intuito de reduzir ou controlar os efeitos desagradáveis da retirada
de uma substância psicoativa;
Dependência: de acordo com o critério de diagnóstico DSM-IV é um conjunto de
fenômenos fisiológicos, comportamentais e cognitivos decorrentes da neuroadaptação
produzida pela administração repetida da droga. O uso da substância alcança alta
prioridade em relação às demais atividades do indivíduo. Caracterizada, dentre outros
fatores, com um desejo muitas vezes incontrolável de consumir a substância;
Rush: efeito agradável intenso, acompanhado de sentimento de competência e amor-
próprio, com desaparecimento de sensações desagradáveis seguida do consumo de uma
substância psicoativa;
Tolerância: adaptação decorrente do uso repetido de substâncias psicoativas na qual
doses maiores de uma substância devem ser administradas para se atingir um efeito inicial;
Uso disfuncional: uso de substâncias psicoativas que causa prejuízos em funções
psicológicas ou sociais, como perda de emprego por exemplo.
Uso nocivo: ocorre quando um padrão de uso está causando danos, físicos ou mentais, à
saúde do indivíduo.
2. EPIDEMIOLOGIA
Estudar epidemiologia significa estudar o que acontece com as populações. Aplicando
estes conceitos na área de drogas de abuso, é através da epidemiologia que saberemos quantas
pessoas consomem drogas, quais são os tipos de drogas mais usadas, em quais contextos elas são
consumidas, qual o perfil da população que está mais vulnerável ao consumo, qual seu impacto
na saúde e suas consequências sociais, entre outras questões. A investigação da epidemiologia
sobre o uso de drogas psicotrópicas e de seus problemas fornecem a base científica para um
melhor planejamento de políticas públicas a este respeito.
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No Brasil e na maioria dos outros países, o álcool é a droga mais consumida. De acordo
com o II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil (2007), cerca de
70% da população relatou já ter consumido bebida alcoólica pelo menos uma vez na vida
(Carlini, Galduróz et al. 2007), sendo que o primeiro consumo ocorre por volta dos 12 anos de
idade (Galduróz, Noto et al. 2004). No Brasil, a estimativa de dependentes de álcool foi de 12,3% e
de tabaco 10,1%, o que corresponde a populações de 5.799.005 e 4.700.635 de pessoas,
respectivamente (Carlini, Galduróz et al. 2007).
Com amplo consumo e início precoce, o impacto social gerado pelo álcool é muito maior
do que o impacto das outras drogas. O que chama mais a atenção é que não é só a
dependência do álcool que produz esses efeitos. O consumo de bebidas é responsável por 85%
das internações decorrentes do uso de substâncias psicoativas; 20% das internações em clínica
geral e 50% das internações masculinas psiquiátricas.
Segundo dados do UNODC (United Nations Office on Drugs and Crime - 2010) cerca de 210
milhões de pessoas no mundo usam drogas ilícitas a cada ano, e quase 200 mil destas morrem em
consequência do uso das drogas. Em 2009, entre 149 e 272 milhões (3,3% a 6,1%) da população
mundial entre 15 e 64 anos usaram drogas ilícitas pelo menos uma vez no ano anterior e estima-se
que metade destes podem ter se tornado usuários atualmente.
Considerando as consequências para a saúde, a prevalência global de HIV entre jovens
usuários de drogas injetáveis é de 17,9%, enquanto para hepatite C é de 50%. Mortes associadas
com o uso de drogas ilícitas são estimadas entre 104.000 e 263.000 pessoas entre 15-64 anos por
ano, e mais da metade destas mortes são decorrência de overdose fatal.
Dados da UNODC (2010) mostram que a maconha é a droga ilícita mais usada na
população geral, tendo sido consumida por 125 a 203 milhões de pessoas no mundo em 2001. Em
segundo lugar ficam os estimulantes como anfetamina, metanfetamina e ecstasy, em seguida
cocaína e opióides (ópio, heroína e opióides prescritos) (Figura – 1). De acordo com dados do II
Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil, o uso na vida de maconha
também aparece em primeiro lugar entre as drogas ilícitas, com 8,8% dos entrevistados (Para
maiores detalhes consulte Figura – 2 e Tabela - 1). Comparando-se estes dados com os de outros
países pode-se verificar que a prevalência de maconha é bem menor que o de países como os
EUA (40,2%), Reino Unido (30,8%), Dinamarca (24,3%), Espanha (22,2%) e Chile (22,4%). Porém,
superior à Bélgica (5,8%) e à Colombia (5,4%).
Vale ressaltar que, apesar da maconha ser a droga mais consumida na população geral
depois do álcool e tabaco, isso não é válido para algumas populações específicas, como os
adolescentes por exemplo. Esse “posto” é ocupado pelos inalantes (ex: loló, lança perfume, cola
de sapateiro), cujo consumo foi relatado por 15,5% dos estudantes brasileiros no V Levantamento
Nacional sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas entre Estudantes de Ensino Fundamental e
Médio (Galduróz, Noto et al. 2004). Esses dados nos mostram que em populações específicas a
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prevalência de consumo (porcentagem de pessoas que usam a droga) muda, assim como a
ordem das drogas mais consumidas. Se procurarmos informações sobre populações que vivem
nas ruas ou que frequentam ambulatórios, podemos nos surpreender com o quanto eles são
diferentes da maioria da população em relação ao uso de drogas.
FIGURA 1 – PREVALÊNCIA ANUAL DO USO DE DROGAS ILÍCITAS ENTRE OS ANOS DE 2009-2010. FONTE: UNODC.
Figura 2 - PREVALÊNCIA SOBRE (PORCENTAGEM) USO NA VIDA DE DIFERENTES DROGAS PSICOTRÓPICAS (EXCETO
ÁLCOOL E TABACO), NAS 108 CIDADES DO BRASIL COM MAIS DE 200 MIL HABITANTES (Carlini, Galduróz et al. 2007).
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Tabela 1. Distribuição dos 7.939 entrevistados*, segundo dependência de drogas, nas 108
cidades brasileiras com mais de 200 mil habitantes (Fonte: *Carlini, Galduróz et. al. 2007).
DEPENDÊNCIA
% de dependentes
DROGAS 2005
Álcool 12,3
Tabaco 10,1
Maconha 1,2
Benzodiazepínicos 0,5
Solventes 0,2
Estimulantes 0,2
2.1 OS PADRÕES DE CONSUMO DE DROGAS
A dependência de drogas preocupa a maior parcela da população, mas existem outras
formas de consumo que também merecem nossa atenção por serem mais prevalentes e por
também apresentarem impacto social e na saúde. Por exemplo, segundo a OMS, os malefícios
do consumo de álcool dependem da quantidade e frequência que ele é consumido. Esses
parâmetros nos remetem a padrões de consumo diferentes.
Os padrões de consumo são nomeados de acordo com o risco que eles oferecem. Dessa
forma, temos o usuário recreacional ou de baixo risco, que são aqueles que experimentaram ou
que usam drogas raramente e em quantidades menores. Já o uso de risco é caracterizado por
um padrão que gera vulnerabilidade às consequências do uso de drogas. Um exemplo é o
consumo exagerado aos finais de semana. O uso nocivo ou abuso é marcado por continuidade
do uso apesar das consequências experimentadas pelo usuário e a dependência é um transtorno
mental que merece avaliação mais detalhada, e será melhor abordado no próximo tópico.
2.2 CONCEITOS DE DEPENDÊNCIA
De acordo com o DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – 4ª
edição), a dependência de drogas faz parte de um espectro denominado “Transtornos por uso
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de substâncias”. A dependência caracteriza-se pela presença de um conjunto de sintomas
cognitivos, comportamentais e fisiológicos, indicando que o indivíduo continua utilizando uma
substância mesmo diante de problemas significativos relacionados com ela. Dentro deste
espectro também se ressalta o abuso de drogas, que consiste em um padrão de uso que acarreta
conseqüências adversas significativas e recorrentes relacionados ao uso repetido de determinada
substância.
A seguir, serão apresentados quadros com os critérios para dependência (Quadro 1) e
abuso de substâncias (Quadro 2). Embora no Brasil o Sistema Único de Saúde (SUS) adote os
critérios da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) para o diagnóstico da dependência,
o DSM-IV é mais freqüentemente utilizado e mais amplamente aceito nas pesquisas da área.
Quadro 1 – Lista dos critérios diagnósticos para dependência de substância segundo o DSM-IV.
CRITÉRIOS PARA DEPENDÊNCIA DE SUBSTÂNCIA
Trata-se de um padrão mal adaptativo de uso de substância, levando a comprometimento ou
sofrimento clinicamente significativo, manifestado por três (ou mais) dos seguintes critérios,
ocorrendo em qualquer momento no mesmo período de 12 meses:
(1) Tolerância, definida por qualquer um dos seguintes aspectos:
(a) Necessidade de quantidades progressivamente maiores da substância, para obter
intoxicação ou o efeito desejado;
(b) Acentuada redução do efeito com o uso continuado da mesma quantidade de
substância.
(2) Abstinência, manifestada por qualquer dos seguintes aspectos:
(a) Síndrome de abstinência característica da substância;
(b) A mesma substância (ou uma substância estreitamente relacionada) é consumida
para aliviar ou evitar sintomas de abstinência.
(3) A substância é frequentemente consumida em maiores quantidades ou por um período
mais longo de tempo do que o pretendido;
(4) Existe um desejo persistente ou esforços mal-sucedidos no sentido de reduzir ou controlar
o uso da substância;
(5) Muito tempo é gasto em atividades necessárias para a obtenção da substância (p. ex.,
consultas a vários médicos ou longas viagens de automóvel), na utilização da
substância (p. ex. fumar em grupo) ou na recuperação de seus efeitos;
(6) Importantes atividades sociais, ocupacionais ou recreativas são abandonadas ou
reduzidas em virtude do uso da substância;
(7) O uso da substância continua, apesar da consciência de ter-se um problema físico ou
psicológico persistente ou recorrente que tende a ser causado ou exacerbado pela
substância (p. ex. uso atual de cocaína, embora o indivíduo a reconheça como
indutora de sua depressão, ou consumo continuado de bebidas alcoólicas, embora o
indivíduo reconheça que uma úlcera piorou devido ao consumo de álcool).
Especificar se:
Com Dependência Fisiológica: evidências de tolerância ou abstinência (i. é, presença do Item
1 ou 2)
Sem dependência fisiológica: não existem evidências de tolerância ou abstinência (i. é, nem
item 1 nem item 2 estão presentes)
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Quadro 2 – Lista dos critérios diagnósticos para abuso de substância segundo o
DSM-IV.
CRITÉRIOS PARA ABUSO DE SUBSTÂNCIA
A. Trata-se de um padrão mal-adaptativo relativo ao uso de uma substância
que acarreta em prejuízo ou sofrimento clinicamente significativo,
manifestado por um (ou mais) dos seguintes aspectos, ocorrendo dentro de
um período de 12 meses:
(1) Uso recorrente da substância resultando em fracasso em cumprir
obrigações importantes no trabalho, na escola ou em casa (p.
ex, repetido ou fraco desempenho ocupacional relacionados ao
uso de substância; faltas, suspensões ou expulsões da escola
relacionadas à utilização de substância; negligência dos filhos ou
dos afazeres domésticos);
(2) Uso recorrente da substância em situações nas quais isto
representa perigo para a integridade física (p. ex., dirigir veículo
ou operar máquina quando prejudicado pelo uso da
substância);
(3) Problemas legais recorrentes relacionados à substância (p. ex.
detenções por conduta relacionada à substância);
(4) Uso continuado da substância, apesar de problemas sociais ou
interpessoais persistentes ou recorrentes causados ou
exacerbados pelos efeitos desta (p. ex., discussões com o
cônjuge acerca das conseqüências da intoxicação, lutas
corporais).
B. Os sintomas não satisfizeram os critérios para Dependência relativos a esta
classe de substância.
3. NEUROBIOLOGIA DA DEPENDÊNCIA DE DROGAS
3.1 ESTRUTURA E NEUROTRANSMISSORES ENVOLVIDOS
As substâncias psicotrópicas desempenham seu efeito reforçador por ativarem a via
dopaminérgica mesolímbica do cérebro, via esta proposta como sendo o “centro do prazer”. Esta
via origina-se na área tegmental ventral (VTA) do mesencéfalo e inerva o estriado ventral, inclusive
o nucleus accumbens (NAc) e outras estruturas límbicas como amígdala.
O NAc é uma estrutura altamente relacionada com o centro do prazer. A ativação de
neurônios dopaminérgicos, cujos corpos celulares estão localizados na VTA, resulta na liberação
de dopamina (DA) no NAc. Este processo é responsável pela sensação de prazer e bem estar.
A ativação dopaminérgica do NAc ocorre tanto frente a estímulos “naturais” como
recompensas intelectuais, conquistas atléticas, comida, sexo, etc. quanto em resposta às
substâncias psicotrópicas. A particularidade da ação via drogas de abuso é que a ativação
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dopaminérgica é muito mais intensa do que na ativação fisiológica, desencadeando alterações
neuroadaptativas que culminam com o desejo, muitas vezes impulsivo e irrepreensível, de
consumir a droga, dando início a um ciclo vicioso de abuso, dependência e abstinência.
A maioria das drogas de abuso, independente de seu mecanismo de ação específico,
partilham o fato de resultarem na ativação dopaminérgica do NAc. Cada uma das drogas possui
mecanismo de ação específico que alteram a fisiologia dos neurotransmissores, podendo estes ser
por meio da interferência na síntese e/ou armazenamento ou ainda atuando diretamente nos
receptores e/ou transportadores. Os efeitos resultantes podem ir desde uma estimulação suave
causada por uma xícara de café ou chá até aos efeitos profundamente modificadores
produzidos por alucinógenos. Para maiores detalhes consulte a Figura-3.
FIGURA 3 - ESQUEMA SIMPLIFICADO DAS AÇÕES AGUDAS DAS DROGAS DE ABUSO NA VIA VTA-NAC. PPT/LDT: TEGUMENTO
PEDÚNCULO PONTÍNUO / TEGUMENTO DORSO LATERAL; PCP: FENCICLIDINA; DA: DOPAMINA; VTA: ÁREA TEGMENTAL VENTRAL; OPIOID
PEPTIDES: PEPTÍDEOS OPIÓIDES; NAC: NÚCLEO ACCUMBENS (ADAPTADO DE NESTLER, 2005).
3.2 IMPORTÂNCIA DE OUTROS SISTEMAS
De forma simplificada o neurotransmissor relacionado com o prazer e dependência de
drogas é a DA, mas é importante ressaltar o papel de outros neurotransmissores neste
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comportamento, como a serotonina, noradrenalina, glutamato e GABA. Estes neurotransmissores
atuam em etapas e estruturas diferentes, porém todos desempenham papel modulador do
consumo/dependência de drogas.
Um exemplo da ação destes outros neurotransmissores neste complexo processo é a
participação do glutamato. As projeções glutamatérgicas do Córtex Pré Frontal (PFC) para o NAc
estão relacionadas com o controle do abuso/dependência: regulação da impulsividade,
emoções e ocorrência da ação.
3.3 CONFLUÊNCIA DE DIVERSOS FATORES
É importante salientar que o uso único ou esporádico não caracteriza dependência. A
liberação constante de DA, e consequente ativação do NAc ocasiona alterações
neurobiológicas as quais causam o quadro de dependência. Além da influência das bases
biológicas, a auto-administração de drogas se relaciona de forma complexa com outros fatores,
como as influências sociais, culturais e ainda individuais.
3.4 FATORES BIOLÓGICOS NA DEPENDÊNCIA
Dentro dos fatores biológicos, o quadro de desenvolvimento da dependência envolve a
participação de mecanismos de condicionamento, no qual há o estabelecimento da relação
entre a ação operante (administração da droga) e o reforço, e de mecanismos de formação de
hábito. No primeiro mecanismo descrito há diversos fatores influenciadores, mas o efeito
reforçador das substâncias (efeito euforizante da droga) desempenha papel de importância. Da
mesma forma, no segundo mecanismo há influência das associações estabelecidas.
DROGAS DE ABUSO COMO REFORÇADORES
Segundo a teoria do reforço proposta por Wise e Bozart (1982), o poder reforçador de
algumas drogas psicoativas é um dos fatores mais importantes no seu potencial de abuso. Muitos
comportamentos se perpetuam por serem reforçados positivamente ou negativamente.
REFORÇO POSITIVO: Drogas de abuso possuem a capacidade de serem reforçadoras, ou seja,
são capazes de manter, sustentar e aumentar a chance de ocorrência de
comportamentos relacionados ao consumo da droga. Os efeitos “reforçadores” das
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drogas de abuso são resultado da ativação dopaminérgica do NAc. A ativação das vias
dopaminérgicas mesolímbica e mesocortical parece ser essencial para a ocorrência do
reforço, principalmente o reforço positivo. Considera-se que a droga tem efeitos de
reforço positivo quando ela provoca uma sensação prazerosa como a euforia observada
após o consumo de cocaína ou baixa dose de álcool. O estabelecimento da relação com
o reforço positivo sofre influência de fatores como rapidez de ação da substância (quanto
mais rápido, maior a relação temporal entre resposta e reforço) e duração da ação
(administrações repetidas fortalecem o condicionamento);
REFORÇO NEGATIVO: Embora o poder reforçador positivo de uma droga seja fundamental
para caracterizá-la como droga de abuso, elas podem ser consumidas por reduzirem
sensações desconfortáveis, estados de disforia ou como consequência da retirada ou da
redução de um estímulo reforçador (como no caso da síndrome de abstinência). Este tipo
de reforço é denominado negativo, pois tem como objetivo contornar ou atenuar um
estado aversivo. Um exemplo desse uso pode ocorrer, por exemplo, quando a pessoa
ingere álcool para aliviar sintomas de ansiedade.
Desta forma, dependendo do contexto e do estado do organismo do indivíduo que a
consome, uma mesma substância pode ora ser considerada um reforçador positivo, ora negativo.
A influência do condicionamento pode ser estudada por meio de estudos experimentais
em modelos animais de auto-administração. Para maiores detalhes no assunto leia a seção
Modelos Animais ou o Capítulo de Psicologia Experimental.
DROGAS DE ABUSO E O CONDICIONAMENTO AO CONTEXTO
Sabe-se que em sujeitos dependentes de drogas diversos fatores podem desencadear ou
manter um padrão de recaída. As pistas ambientais têm um importante papel neste mecanismo,
tendo o potencial de eliciar o “craving” (ou fissura; definido como um intenso desejo pela droga)
e, conseqüentemente, reinstalar comportamentos de procura e consumo. Os estímulos ambientais
pareados com a droga, além de desencadear respostas subjetivas e autonômicas nos
dependentes, parecem produzir mudanças na ativação neural de determinadas estruturas
cerebrais.
A associação entre o contexto ambiental e os efeitos reforçadores podem ser estudados
em modelos experimentais animais através da técnica de preferência condicionada ao lugar
(CPP). Para maiores detalhes no assunto leia a seção Modelos Animais ou o Capítulo de Psicologia
Experimental.
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3.5 TOLERÂNCIA, SÍNDROME DE RETIRADA E SENSIBILIZAÇÃO
Um dos processos que parece contribuir de maneira importante na transição do consumo
moderado de drogas para o consumo abusivo são as alterações geradas no SNC pelo uso
repetido e crônico dessas substâncias. Essas alterações, ou adaptações, seriam geradas no
organismo como um mecanismo compensatório à presença constante da droga, de forma a
adaptar o funcionamento do organismo à situação “com droga”. É como se o organismo
estabelecesse um novo estado basal de funcionamento (que seria o estado com droga). Essas
adaptações não são decorrentes apenas dos efeitos psicofarmacológicos das drogas, mas
também dependem de fatores ambientais relacionados à droga e ao próprio estado psíquico do
indivíduo. Algumas dessas adaptações são a tolerância, síndrome de retirada e a sensibilização.
TOLERÂNCIA: é a necessidade de doses maiores para produzir um mesmo efeito inicial, ou o
inverso, uma mesma dose resultar em efeito inferior ao inicial. Por exemplo, para o efeito
analgésico da morfina ocorre uma forte tolerância após diversas administrações. Usada
como potente analgésico, a morfina sabidamente “perdia” seu efeito analgésico após o
uso prolongado, sendo necessárias doses cada vez maiores da droga para obter o mesmo
efeito inicial. Atualmente sabe-se que ao menos parte das adaptações responsáveis por
essa alteração de efeito ocorre no próprio SNC. É importante ressaltar que a “tolerância” é
um fenômeno que ocorre a um determinado efeito da droga e não à droga como um
todo. Por exemplo: os benzodiazepínicos produzem agudamente certo nível de sedação e
a este efeito sedativo ocorre tolerância com o uso repetido da droga. Já em relação aos
efeitos ansiolíticos dos benzodiazepínicos, não se observa tolerância (o que
terapeuticamente é vantajoso para essas drogas);
SÍNDROME DE RETIRADA: também denominada como síndrome de abstinência. É um conjunto
de sinais e sintomas psicológicos e fisiológicos decorrentes da retirada súbita da droga ou
administração de antagonistas dos receptores relacionados com as substâncias. Uma vez
retirada à droga, tem-se o início a ocorrência de uma série de sintomas, uma vez que o
organismo encontra-se em estado de desequilíbrio (já que estava acostumado à presença
da droga). Vale ressaltar que muitas das manifestações de retida são opostas aos efeitos
da droga;
SENSIBILIZAÇÃO: também denominada tolerância reversa, refere-se não a uma diminuição,
mas sim a uma potencialização de efeitos depois de repetidas exposições à droga, isto é,
doses menores passam a produzir efeitos relacionados com concentrações mais altas da
substância. Supõe-se que a potencialização do efeito euforizante das drogas ocorra em
paralelo a um aumento da sensibilidade do sistema de recompensa cerebral, ou seja,
como se os efeitos reforçadores da droga se tornassem cada vez mais salientes.
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4. MECANISMO DE AÇÃO FARMACOLÓGICA
As substâncias psicoativas podem ser classificadas didaticamente de diferentes formas.
Usualmente as mais utilizadas são: a Classificação dos Modificadores da Atividade Psíquica,
proposta por Lewin, a Classificação Geral das Substâncias Psicoativas, proposta por Delay e
Deniker, e a Classificação segundo Chaloult.
De forma resumida, de acordo com a Classificação dos Modificadores da Atividade
Psíquica, as substâncias são alocadas nos seguintes grupos: calmantes da vida psíquica, agentes
alucinógenos, substâncias embriagantes, hypnotica e estimulantes psíquicos. Já de acordo com a
Classificação Geral das Substâncias Psicoativas (revisada em 1980), a classificação é da seguinte
forma: psicolépticos (inclui os hipnóticos, tranqüilizantes, neurolépticos e timorreguladores),
psicoanalépticos (estimulantes do tônus mental, como estimulantes do humor e da vigilância),
psicodislépticos (“perturbadoras” do tônus).
Nesta apostila a classificação adotada baseia-se no modelo proposto por Chaloult em
1971. Esta classificação relaciona-se com os efeitos das substâncias, sendo a divisão em:
estimulantes, depressoras e alucinógenas. Nas próximas seções segue uma abordagem mais
detalhada quanto ao mecanismo de ação das principais drogas pertencentes a estas classes.
4.1 ESTIMULANTES
São drogas que de maneira geral aumentam a atividade do SNC, aumentando estado de
alerta, causando insônia, hiperexcitabilidade, redução do apetite, entre outros efeitos.
NICOTINA: princípio ativo com ação central e periférica derivada da planta Nicotiniana
tabacum. Esta planta é originária das Américas, sendo que sua administração pode ocorrer por
diferentes formas como: rapé (inalado), mascado, charutos e mais comumente, o cigarro.
FARMACOCINÉTICA: A queima do tabaco libera nicotina, a qual é facilmente absorvida por
via pulmonar ou por via mucosas da cavidade oral (charuto e cigarro). Ao tragar a fumaça, a
nicotina é absorvida pela circulação sanguínea, através do fluxo sanguíneo pulmonar, e com
extrema rapidez atinge o SNC. Um cigarro contém entre 1 e 6mg de nicotina, 20% disso é
absorvido pelo organismo. Um charuto contém de 15 a 40mg, porém como sua fumaça é em
geral retida na boca, em vez de tragada, a taxa de absorção é bem menor. A administração
aguda por via endovenosa de 60mg de nicotina pode causar a morte.
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EFEITOS NO ORGANISMO: A nicotina em baixas concentrações no SNC pode facilitar a atenção
e a memória. Porém, os efeitos estimulantes da nicotina são menos acentuados que os da
cocaína e da anfetamina, mas mais intensos do que os da cafeína. A nicotina produz
relaxamento da musculatura estriada, além de efeitos autonômicos resultantes da estimulação
inicial, seguida de bloqueio dos gânglios simpáticos e parassimpáticos. Pode também causar
náusea e vômito, por estimulação bulbar. Além disso, a nicotina produz efeitos sobre: ritmo
cardíaco, nível plasmático de ácidos graxos, coagulação, broncoconstrição, e menor saturação
de oxigênio. A exposição crônica às substâncias do cigarro pode favorecer a irritação e
inflamação das vias aéreas, enfisema e diferentes tipos de câncer.
MECANISMOS ESPECÍFICOS DE AÇÃO: A nicotina é um agonista total de receptores colinérgicos
nicotínicos. No SNC, os receptores nicotínicos relacionados com a liberação de DA na via de
recompensa parecem ser principalmente os pré-sinápticos. A ativação dos receptores nicotínicos
pela nicotina aumenta a liberação de DA no NAc. Esta ação parece estar relacionada com a
ativação dos receptores nicotínicos α4β2 e α7. Ao se fumar um cigarro, há uma liberação pulsátil
de nicotina no organismo. Inicialmente, os receptores nicotínicos em repouso são abertos pela
nicotina, o que leva à liberação de DA no NAc. Quando o cigarro termina, esses receptores ficam
dessensibilizados (deixam de funcionar por algum tempo) e ao retornarem novamente ao seu
estado de repouso, desencadeia-se a fissura e a síndrome de abstinência, uma vez que os níveis
de nicotina naturais no organismo não são suficientes para estimular a via dopaminérgica de
recompensa.
COCAÍNA: Em 1859, o cientista alemão Albert Niemann extraiu o alcalóide cocaína das
folhas de Erythroxylon coca. Este arbusto é natural das encostas andinas e regiões da Amazônia.
O conteúdo de alcalóide na planta varia de acordo com a espécie e da altitude em que é
cultivada; estas concentrações variam de 0,1% a 1,2%. A cocaína possui propriedades
estimulantes e chega ao usuário basicamente em três formas: o pó (cloridrato de cocaína), o
crack (cocaína + água + substância básica, ex.: bicarbonato de sódio ou soda caustica) e a
pasta ou merla (resíduo das primeiras fases da separação do pó). É bem absorvida pelas
membranas mucosas nasal, oral, intestinal e pelos pulmões. Também pode ser administrada por
via intravenosa (as concentrações no plasma sanguíneo são similares às do uso inalado). A
extração da cocaína é realizada em vários passos. O crack pode tanto ser originado diretamente
da folha da coca como do sulfato de cocaína (pasta de coca) ou do cloridrato de cocaína (pó).
Assim sendo, o crack nada mais é do que a cocaína na forma de base livre, sendo ele fumado,
enquanto o cloridrato é aspirado devido a diferenças intrínsecas da temperatura de sublimação
das substâncias.
FARMACOCINÉTICA: Na utilização intranasal a absorção da cocaína ocorre pelas membranas
nasofaríngeas, mas, por se tratar de uma substância vasoconstritora, limita sua própria absorção.
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A concentração máxima encontrada no plasma ocorre de 35 a 120 minutos após a
administração. Na administração pulmonar (crack e merla fumados) a velocidade de absorção
pode ser comparada com a via intravenosa, levando alguns minutos para atingir a circulação
sistêmica e o cérebro. O pico máximo de absorção é observado 6 a 8 minutos após a tragada. A
via intravenosa é uma rota mais longa para atingir o SNC, quando comparada a pulmonar. Esta
via demora porque a substância inicialmente faz o retorno venoso para, somente então atingir o
SNC.
EFEITOS NO ORGANISMO: Os efeitos agudos da cocaína podem ser compreendidos pelos itens
a seguir: euforia que frequentemente evolui para disforia, sensação de energia aumentada,
sensação de melhor funcionamento, aumento das percepções sensoriais, diminuição do apetite,
aumento da ansiedade, diminuição da necessidade de sono, diminuição do cansaço e fadiga,
aumento da autoconfiança, egocentrismo, delírios de cunho persecutório e sintomas gerais de
descarga simpática. No caso de uma overdose a cocaína pode matar seu usuário por exagero
dos efeitos fisiológicos produzidos pela droga. Estes efeitos letais seriam: infarto agudo de
miocárdio, arritmia cardíaca, hemorragia cerebral (AVC ou rompimento de aneurismas),
hiperpirexia (temperaturas acima de 42ºC), convulsões e parada respiratória. Durante o consumo
crônico de cocaína, ou mesmo após um binge, sintomas depressivos, desmotivação, sonolência,
paranóia e irritabilidade costumam ocorrer. Também podem ocorrer estados de psicose tóxica e
ataques severos de pânico. O desejo intenso de repetir o uso (fissura) devido aos aspectos
prazerosos da experiência do consumo de cocaína (crash), juntamente com os sintomas
depressivos de abstinência da droga, pode levar ao uso crônico compulsivo da cocaína.
MECANISMOS ESPECÍFICOS DE AÇÃO: É um inibidor dos transportadores de monoaminas (DA, NOR
e 5HT), com maior afinidade pelo transportador de DA (DAT). Agindo diretamente sobre o
transporte, ou recaptação, da DA liberada na fenda sináptica, a cocaína aumenta a
concentração sináptica deste neurotransmissor no NAc e em outras regiões, justificando o efeito
reforçador da droga. A inibição do DAT ocorre pela ligação da cocaína num sítio alostérico do
transportador (diferente do sítio de ligação da própria DA), o que leva a alterações
conformacionais no mesmo que impedem a ligação da DA. O mecanismo de ação das
anfetaminas é muito parecido com o da cocaína.
MDMA (ECSTASY): A MDMA (3,4-metilenodioximetanfetamina) é um derivado anfetamínico
com estrutura do tipo feniletilamina, que apresenta algumas propriedades farmacológicas
semelhantes aos estimulantes do SNC. Sua estrutura química também se assemelha à mescalina, o
que lhe confere efeitos que envolvem alterações de percepção sensorial (visual, tátil e auditiva).
FARMACOCINÉTICA: A principal via de administração do ecstasy é a oral, sendo os mais
comuns os comprimidos, tabletes e cápsulas. A MDMA sofre ampla distribuição pelos tecidos,
atravessando a barreira hematoencefálica. A meia-vida plasmática é de 6,7 horas, sendo
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necessárias de 6 a 8 meias-vidas para se obter a depuração completa da substância no
organismo. O metabolismo da droga é principalmente hepático e aproximadamente 65% da
droga é eliminada intacta pelos rins em 72h, mas a excreção dependerá do pH urinário.
EFEITOS NO ORGANISMO: Dentre os efeitos temos a alteração da percepção sensorial, euforia,
aumento da energia física, sensação de bem estar e sensação de proximidade e intimidade com
as pessoas. O uso frequente pode desencadear complicações como a neurodegeneração de
vias serotoninérgicas, perdas cognitivas e alguns transtornos psiquiátricos, como depressão e
transtorno de pânico. Em doses elevadas os efeitos incluem vômitos, ataxia, aumento da
acuidade para cores, alucinação visual, aumento de sensibilidade ao frio, dormência e
formigamento nas extremidades e hepatite tóxica. Em casos de overdose, reações como arritmia
cardíaca, taquicardia, palpitação, hipertermia, aumento do tônus muscular, insuficiência renal
aguda, hepatotoxicidade e morte podem ocorrer. Após repetidas doses pode-se apresentar
ataques de ansiedade e pânico, raiva, insônia persistente, psicoses e perda de peso.
MECANISMOS ESPECÍFICOS DE AÇÃO As principais vias de atuação do ecstasy são através da
influência sob as vias serotoninérgicas, noradrenérgicas e dopaminérgicas, incluindo uma
diminuição da recaptação destes neurotransmissores, consequente aumento dos níveis de 5-HT e
do ácido hidroxindolacético (5-HIAA) e uma redução na atividade da enzima
triptofanohidroxilase.
ANFETAMINAS: existem diversos tipos de anfetaminas, não havendo uma substância única
que as caracterize, no entanto, todas as substâncias sob este escopo são do grupo das
fenetilaminas. A primeira foi sintetizada em 1887 e estudada em relação a seus efeitos periféricos,
até que no início da década de 30, os primeiros efeitos no sistema nervoso central foram
relatados, sendo sua primeira versão comercial lançada na França. Seu uso é comumente
associado à diminuição da fadiga, aumento da vigília e diminuição do apetite. No Brasil, algumas
drogas deste grupo podem ser encontradas para uso terapêutico para tratamento do transtorno
do déficit de atenção e hiperatividade e narcolepsia, como o caso do metilfenidato (Ritalina®).
Desde 2011 a venda de anfepramona, femproporex e mazindol, ambos fármacos anorexígenos
feitos a base de anfetaminas, tiveram suas vendas proibidas pela Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA) uma vez que os benefícios de seus usos não serem superiores a seus riscos
(como os problemas cardíacos).
O abuso de anfetaminas é feito geralmente através da via oral (fumado), inalado ou
injetado. Por outro lado, o uso terapêutico é comumente feito por via oral (comprimidos). As
diferentes formas de administração estão diretamente relacionadas com a rapidez com que os
efeitos da substância são alcançados e de seu potencial reforçador. No uso oral, a
disponibilidade da droga é mais lenta, diminuindo seus efeitos reforçadores, porém no uso fumado
ou injetado, a anfetamina atinge picos de efeito muito mais rápidos, favorecendo os efeitos
reforçadores e consequentemente seu potencial de abuso.
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A metanfetamina, uma modificação da molécula de anfetamina, é utilizada como droga
de abuso, normalmente fumada, mas pode também ser aspirada ou injetada por via intravenosa.
Seu uso é mais comum em algumas regiões dos Estados Unidos e países asiáticos. Algum dos
nomes que identificam esta droga são ice, crystal ou meth.
Devido às diferentes substâncias enquadradas no escopo de anfetaminas, além das
versões ilícitas, que contêm misturas diversas, comumente utilizadas como droga de abuso, torna-
se difícil a definição do metabolismo e excreção exata das mesmas. A anfetamina possui uma
meia vida de 7 a 32 horas, mas esta depende do pH urinário. Sua excreção é renal e o
metabolismo é em grande hepático. A anfetamina é metabolizada em p-hidroxianfetamina e em
seguida a p-hidroxinorepinefrina. A duração dos efeitos decorrentes do uso de uma única dose
podem durar de 2 a 4 horas, sendo os efeitos residuais observados após períodos bem mais longos.
De maneira geral, a detecção do uso de anfetaminas pode se dar até dois dias através de
exames de urina.
Para fins facilitadores de explicação esta apostila optou por exemplificar a
farmacocinética e os efeitos no organismo a partir da substância metanfetamina. Porém, sempre
que cabível as diferenças serão ressaltadas.
FARMACOCINÉTICA: A metanfetamina é metabolizada no organismo para anfetamina, seu
principal metabólito ativo. Sua metabolização é hepática e a excreção renal, sendo esta
altamente influenciada pelo pH urinário. Sua biodisponibilidade varia de acordo com via de
administração: 90% quando fumada, 79% ao ser cheirada e 100% no uso intravenoso. Após
administração oral, o pico da concentração de metanfetamina ocorre entre 2,6 e 3,6 horas,
sendo sua meia vida de 10,1 horas, mas com considerável influência da variabilidade individual. A
partir do uso intravenoso sua meia vida se dá tardiamente (12,2 horas).
EFEITOS NO ORGANISMO: o uso de anfetaminas proporciona quadros de euforia, vigília
aumentada, diminuição do sono, taquicardia, midríase, elevação da pressão arterial, agitação
psicomotora, redução do apetite e aumento da atividade autonômica. Doses intoxicantes
podem causar efeitos como tremores, labilidade emocional, inquietação, irritabilidade, paranoia
e pânico. O uso de anfetaminas pode também causar quadros de hipertermia seguida de morte.
MECANISMOS ESPECÍFICOS DE AÇÃO: a anfetamina age basicamente de duas maneiras: a) ação
competitiva com a DA em seus transportadores (inibindo a recaptação); b) competindo com a
DA por seu transportador vesicular. No primeiro caso (a), a anfetamina ocupa sitio de ligação da
DA no seu transportador fazendo com que ela mesma seja transportada para o neurônio pré-
sináptico (aumentando a disponibilidade de DA na fenda). No segundo caso (b), a anfetamina
age sobre o transportador vesicular de DA. Consequentemente, a anfetamina ocupa o lugar
deste neurotransmissor dentro das vesículas sinápticas, favorecendo o aumento da concentração
intracelular de dopamina no neurônio pré-sináptico; resultando por fim na liberação de DA na
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fenda sináptica. Outro efeito como a inibição da enzima monoamina oxidase (responsável pela
degradação/metabolização) também pode ser observado em altas concentrações.
4.2 DEPRESSORAS
São as drogas que diminuem a atividade do SNC. Os principais efeitos destas drogas
envolvem a lentificação psicomotora e sonolência.
ETANOL: Todos os alcoóis possuem uma estrutura similar: um grupo hidroxila (−OH) ligado a
um carbono saturado. Existem inúmeros tipos de alcoóis, mas para fins de estudo do abuso de
álcool, nos deteremos no álcool etílico ou etanol, o princípio ativo das bebidas destiladas e
fermentadas.
FARMACOCINÉTICA: A forma de administração mais utilizada é a oral, visto que a principal via
de absorção é a gastrointestinal. Mas o etanol também pode ser absorvido pela pele ou pulmões.
Em alguns casos ele é injetado na circulação sangüínea ou ainda absorvido pela mucosa retal,
em casos de dependentes de etanol com problemas gastrointestinais, que os impossibilitem de
utilizar a via oral. A absorção do etanol ocorre com rapidez pelo estômago (local onde ocorre
20% da absorção) e intestino delgado (80%). Após a ingestão, a concentração plasmática
máxima é atingida entre 30 e 90 minutos.
EFEITOS NO ORGANISMO: O SNC é o órgão mais rapidamente afetado pelo etanol quando
comparado a qualquer outro órgão ou sistema. O etanol causa sedação, diminui ansiedade,
torna a fala pastosa, causa ataxia, diminuição da capacidade de julgamento e desinibição do
comportamento. O etanol, em pequenas doses ou nas doses iniciais, pode causar estimulação do
SNC através da liberação de catecolaminas. Podemos dividir em três fases gerais o uso nocivo do
etanol: período inicial - excitação e euforia, período médico-legal - turbulência e agressividade, e
período comatoso - “apagamento” do campo da consciência. Cronicamente, o etanol prejudica
todos os sistemas do organismo. No sistema hematológico, por exemplo, ocorre elevação do
volume corpuscular médio devido à deficiência de ácido fólico, podendo ocasionar anemia
megaloblástica, plaquetopenia e leucopenia, afetando o sistema imunológico. No sistema
gastrointestinal, pode provocar câncer, gastrite, úlceras (que podem gerar quadros de má
absorção), hepatite e cirrose. O câncer pode ocorrer na cavidade oral, esôfago, fígado,
pâncreas, cólon, reto e estômago. No sistema cardiovascular ocasiona miocardiopatia e
hipertensão. Além disso, temos as alterações no sistema endócrino/reprodutivo como a
diminuição do nível de ADH (hormônio anti-diurético), hipoglicemia, feminilização em homens,
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diminuição da libido e infertilidade. Além de carências nutricionais, lesões musculares e
dermatológicas.
MECANISMOS ESPECÍFICOS DE AÇÃO: Diferentemente da maioria das outras drogas, o etanol não
apresenta um único e claro mecanismo de ação. Ele pode agir simultaneamente e, dependendo
da dose utilizada, sobre diversos sistemas de neurotransmissão. Alguns dos efeitos conhecidos do
etanol são: potencialização da transmissão GABAérgica mediada pelos receptores GABAA
(haveria um sítio de ligação para o etanol no complexo-receptor GABAA); inibição da transmissão
glutamatérgica mediada pelos receptores NMDA; aumento da liberação de dopamina,
serotonina e peptídeos opióides na via mesolímbica. O aumento da liberação de dopamina pelo
etanol poderia ocorrer de maneira indireta, modulada pelos efeitos do etanol sobre os receptores
GABAA e NMDA (que modulam o funcionamento de neurônios dopaminérgicos mesolímbicos).
Contudo, há relatos de que o etanol seria capaz de estimular diretamente neurônios
dopaminérgicos da VTA.
OPIÁCEOS: De origem grega, a palavra ópio quer dizer suco. O ópio é o suco extraído da
papoula, Papaver somniferum. Ele é formado por uma série de substâncias químicas dotadas de
potentes efeitos farmacológicos. De todas estas substâncias, a mais conhecida e utilizada na
terapêutica é a morfina, cujo nome é derivado de Morfeu, o deus dos sonhos na mitologia grega.
São opióides naturais a codeína e a morfina; semi-sintéicos: a heroína; sintéticos: metadona,
propoxifeno fentanil e outros. São substâncias que produzem analgesia e induzem o sono. A dupla
ação farmacológica - analgésico e hipnótico - fez com que recebessem também a
denominação de hipnoanalgésicos ou narcóticos. A heroína é o opióide mais associado aos
casos de dependência. É considerada a droga mais euforizante da classe dos hipnoanalgésicos.
FARMACOCINÉTICA: São rapidamente absorvidos nas vias oral, pulmonar e mucosa nasal. As
vias intravenosa, intramuscular e subcutânea são usadas principalmente para potencializar e
acelerar os efeitos.
EFEITOS NO ORGANISMO: Os opióides são altamente geradores de reforço, principalmente
quando administrados por via intravenosa. Minutos após a administração da droga, uma série de
sensações que lembram um orgasmo, seguidos de sensação de flutuação, euforia e bem-estar
podem ser observados. Fisicamente podem ocorrer: rubor da pele, diminuição do ritmo
respiratório, analgesia, vômitos, constipação, constrição da pupila, perda do apetite, fala
arrastada, hipotensão ortostática e mucosas secas. Com o uso crônico, pode-se desenvolver
acentuada tolerância (ver seção de Neurobiologia) e doses cada vez maiores são necessárias
para conseguir a euforia. A tolerância é seletiva, sendo que os efeitos de miose e constipação se
alteram pouco durante o uso continuado, enquanto os demais efeitos (analgésico, euforizante e
depressor respiratório) apresentam acentuado grau de tolerância. Em poucos meses a
interrupção de um uso contínuo pode desencadear a síndrome de abstinência, que pode ser
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muito intensa: vômitos, diarréias, cólicas e piloereção. Além disso, o usuário pode apresentar um
quadro de prisão de ventre crônica, má digestão e visão prejudicada (devido à miose).
MECANISMOS ESPECÍFICOS DE AÇÃO: A morfina e outras drogas opiáceas atuam como agonistas
de receptores opióides, especialmente dos receptores µ (“mi”). A ativação de receptores µ leva à
inibição de neurônios GABAérgicos (inibitórios) que estariam inibindo os neurônios dopaminérgicos
mesolímbicos, causando assim uma “desinibição” dopaminérgica, levando à maior liberação de
dopamina na via mesolímbica.
BENZODIAZEPÍNICOS (BZD)/ BARBITÚRICOS (BBT): Utilizados na prática médica há muitos anos no
tratamento de transtornos de ansiedade e sono, essas duas classes de medicamentos muitas
vezes tem sua função médica desviada para o uso recreativo e abuso. Essas drogas apresentam
uma segurança comprovada quando utilizadas segundo a prescrição, porém a utilização de
maneira errônea ou associada a outras drogas de abuso elevam seus riscos de causar
dependência. Dentre os remédios dessas classes mais abusados são o Diazepan (Valium),
Alprazolan (Xanax) e Gardenal (Fenobarbital). A grande problemática envolvida com esses
medicamentos se dá pela falta de controle de uso e administração. Uso de medicamentos de
outras pessoas, uso de doses maiores ou de maneira diferente da prescrita e uso para outros
propósitos além do prescrito representam algumas das maneiras de como esses medicamentos
são abusados.
FARMACOCINÉTICA: BZD são administrados por via oral e BBT pela via oral, injeções
intramusculares ou intravenosas, e retalmente. Por apresentarem uma alta lipossolubilidade se
difundem para o SNC rapidamente exercendo seus efeitos fisiológicos. Estas duas classes de
medicamentos apresentam diferentes períodos de meia-vida e são classificados por essa
característica em: curto (inferior a 5 horas), intermediário (entre 6 e 12 horas) e longo (mais de 12
horas).
EFEITOS NO ORGANISMO: Dentre os principais efeitos dos BZD destacam-se a redução da
ansiedade, relaxamento muscular, redução do estado de alerta e indução de sono. Os BBT
induzem depressão do SNC podendo causar efeitos sedativo, anestésico e indução de sono. O
uso crônico desses medicamentos pode causar sonolência, vertigem, problemas de sono, dor de
cabeça e tolerância. Quando associados a outras drogas depressoras como álcool ou opiáceos
podem induzir a overdose e morte.
MECANISMOS ESPECÍFICOS DE AÇÃO: Tanto os BZD quanto os BBT atuam sobre o sistema
GABAérgico (receptores GABA). Eles modulam alostericamente este receptor de maneiras
específicas, mas que resultam em um aumento do influxo de cloro para o neurônio. Os BZD
aumentam a afinidade do receptor pelo GABA e a frequência (probabilidade) de abertura dos
receptores e os BBT aumentam o tempo de abertura desses canais.
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INALANTES: Muitos inalantes são solventes, mas nem todo solvente é inalante e vice-versa.
Solventes são substâncias capazes de dissolver outras e inalantes são todas as que podem ser
inaladas. Assim sendo, óxido nitroso é inalante, mas não é solvente. Em termos gerais, os inalantes
são substâncias que contêm em sua formulação hidrocarbonetos alifáticos, halogenados e
aromáticos como: benzeno, acetona, butano, hexano, querosene, éter, cloreto de etila, entre
outros. Os solventes são substâncias altamente voláteis que possuem a capacidade de promover
uma depressão não seletiva do SNC. No Brasil, as principais substâncias do grupo dos solventes
são: loló (mistura de clorofórmio e éter etílico); tiner (hexano); cola de sapateiro (tolueno) e
gasolina.
FARMACOCINÉTICA: São inaladas, ou seja, introduzidos no organismo através do nariz ou da
boca. Os efeitos produzidos pelos inalantes ocorrem segundos ou minutos após sua inalação. Eles
são rapidamente absorvidos através da parede alveolar do pulmão e distribuídos pela corrente
sanguínea. Atravessam facilmente a barreira hematoencefálica devido à sua natureza lipofílica,
tendendo, por esta razão, a acumular-se no tecido cerebral.
EFEITOS NO ORGANISMO: A inalação destas drogas altera a percepção, induzindo estados
hilariantes, vertigens, tonturas e alucinações. Como efeitos somáticos agudos destacam-se o
aumento da sensibilidade do coração à adrenalina, fotofobia, espirros, tosse, vômito e diarréia.
Cronicamente pode provocar lesões na medula óssea, nos rins, no fígado e nos nervos periféricos
(perda da força muscular).
MECANISMOS ESPECÍFICOS DE AÇÃO: Os solventes agem, de maneira geral, potencializando a
transmissão GABAérgica mediada pelos receptores GABAA.
4.3 PERTURBADORAS
Também conhecidas como drogas psicodislépticas ou alucinógenos, as drogas
perturbadoras são as que afetam o pensamento, a percepção e o humor. Os efeitos principais
ocorrem devido a alterações no funcionamento cerebral que resultam em vários fenômenos
psíquicos anormais. Esses fenômenos são parecidos aos que ocorrem em doenças mentais como
as psicoses (daí o motivo de se chamarem psicoticomiméticas). Esses perturbadores induzem
alucinações, delírios e ilusões.
MACONHA: A Cannabis sativa, também conhecida como cânhamo ou maconha, é uma
planta dióica que cresce em quase todos os tipos de solo. É nas inflorescências da planta feminina
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que se concentra o principio ativo. Os efeitos centrais da maconha são originados pelos
canabinóides, dos quais o mais importante é o Δ9 – tetraidrocanabinol (ou Δ9-THC). O Δ9-THC
atua principalmente no SNC, produzindo uma série de efeitos, além de vários outros efeitos
periféricos.
FARMACOCINÉTICA: A maconha pode ser administrada por via oral (alimentos e bebidas) ou
pulmonar (cigarro de maconha - “baseado”, “bongs” e vaporizadores). A absorção pulmonar de
Δ9-THC é muito rápida e minutos após a primeira tragada já é possível se detectar a presença de
THC no sangue e percepção dos efeitos subjetivos.
EFEITOS NO ORGANISMO: Muitos dos efeitos da maconha são subjetivos, ou seja, dependem,
além da dose, do indivíduo, de experiências anteriores, das pessoas que formam o grupo e seus
comportamentos, do ambiente, da expectativa e objetivos da reunião na qual ocorre o consumo
da substância. Quando usada individualmente, ou seja, o usuário estando sozinho, a maconha
produz sensação de sonolência, introspecção e apatia. Já em grupos, reuniões, os primeiros
sintomas constam de sensação de bem-estar, euforia, hilaridade, loquacidade e estados oníricos.
São observados os seguintes efeitos psicológicos agudos de maneira geral: período inicial de
euforia seguido de relaxamento e sonolência; perda da discriminação de tempo e espaço;
coordenação motora diminuída; prejuízo da memória recente; falha nas funções intelectuais e
cognitivas; retardo na capacidade de percepção sensorial, intensificando as sensações, os
sentidos e exagerando a sensibilidade; reações psicóticas com idéias paranóicas (altas doses).
Observam-se relatos de náusea, redução da produção de saliva, diminuição da força muscular,
taquicardia, hipotermia, hiperemia das conjuntivas, aumento do apetite e da gustação. Efeitos
crônicos refletem alterações de aprendizagem e memória, podendo estar associados a um
estado de amotivação conhecido como “Síndrome Amotivacional”. Em termos físicos, o uso
crônico da maconha pode acarretar bronquite e maior incidência de câncer de pulmão.
MECANISMOS ESPECÍFICOS DE AÇÃO: Seu princípio ativo, Δ9-THC, age sobre receptores
canabinóides no SNC e perifericamente. A ativação dos receptores canabinóides (principalmente
os CB1) nas regiões do sistema mesocorticolímbico pode levar a um aumento na liberação de DA
no NAc.
LSD25: A dietilamida do ácido lisérgico (LSD25) é uma substância sintética, porém originada
do fungo Claviceps purpurea. Trata-se de um líquido incolor, colocado em algum material para
ser ingerido (selos, doces, bebidas). Os efeitos do LSD25 são imprevisíveis. Dependem da
quantidade ingerida, personalidade do usuário, humor e expectativas.
FARMACOCINÉTICA: A absorção se dá por via oral e é rápida. Os efeitos aparecem cerca de
30 minutos após a ingestão e duram aproximadamente 6 horas.
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EFEITOS NO ORGANISMO: O LSD25 produz fenômenos alucinatórios. As sensações, apesar de
ilusórias, são "reais" para o usuário, provocando dor, prazer, medo, ansiedade, entre outras. Além
disso, o LSD25 provoca uma modificação na percepção de tempo, espaço, sensações do próprio
corpo e despersonalização (a pessoa não sabe mais quem ou o que é). O usuário pode ter "uma
viagem boa" (good trip) e ver formas coloridas ou uma “viagem ruim" (bad trip) com crises
depressivas e sentimentos de perda de controle. Pode ocorrer também sinestesia, provocando
sensações como ouvir uma cor, ver um som, ou seja, as sensações auditivas se traduzem em
imagens e as imagens se traduzem em sons. Seus efeitos incluem pupilas dilatadas, alteração da
temperatura corporal, aumento dos batimentos cardíacos e da pressão arterial, sudorese, perda
de apetite, falta de sono, boca seca e tremores. Mesmo doses muito altas de LSD25 não chegam a
intoxicar seriamente uma pessoa, do ponto de vista físico. Mas, o uso crônico de LSD25 pode levar
ao aparecimento de flashbacks. Este fenômeno ocorre após algum tempo (semanas, meses ou
anos) depois do uso de LSD25. É um fato de causa desconhecida que leva a pessoa,
repentinamente, a ter todos os sintomas psíquicos da experiência anterior, sem ter tomado de
novo a droga. O flashback pode ainda ser desencadeado por cansaço, intoxicação alcoólica ou
pelo uso abusivo de maconha.
MECANISMOS ESPECÍFICOS DE AÇÃO: O LSD25 é um alucinógeno indólico que age como agonista
de alguns receptores de monoaminas, especialmente os receptores serotonérgicos do tipo 5-HT2.
Esses receptores serotonérgicos também parecem de alguma forma regular a liberação de
dopamina mesolímbica.
5. TRATAMENTOS
O tratamento da dependência de drogas de abuso pode levar em consideração diversas
abordagens. A escolha do tratamento depende de diversos fatores, sendo alguns deles: o perfil
do dependente, a substância e o tempo de uso. As estratégias de tratamento devem ser bem
avaliadas, uma vez que a ocorrência de comorbidades (doenças correlacionadas) compromete
a eficácia das diferentes modalidades de intervenção. A apostila irá abordar de forma separada
as formas de intervenção.
5.1 TRATAMENTOS FARMACOLÓGICOS
De maneira geral, há medicamentos que podem auxiliar no tratamento da dependência
de drogas, atuando nos seguintes processos: supressão da fissura (craving); alívio dos sintomas de
retirada e das comorbidades (síndrome de abstinência), e por fim na redução do comportamento
de procura da droga, diminuindo o risco de recaída e reinstalação do consumo regular de
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drogas. Infelizmente, as medicações estudadas até o momento não preenchem simultaneamente
todas essas características. A seguir segue a descrição de alguns dos tratamentos farmacológicos
mais utilizados.
5.1.1 ÁLCOOL
O tratamento da síndrome de dependência do álcool envolve diferentes abordagens
farmacológicas. A primeira delas é chamada medicação de suporte e preventivos. Nela inclui-se
o uso de: multivitamínicos (com a finalidade de tratar a desnutrição grave resultante do uso
crônico do álcool), neurolépticos (para casos de alucinações), antieméticos (na ocorrência de
náusea e vômitos) e sulfato de magnésio (para histórico de convulsões). Alguns outros fármacos
são utilizados com a finalidade de tratar a síndrome de abstinência como os benzodiazepínicos,
anticonvulsivantes e β bloqueadores (para minimizar efeitos simpáticos).
Outra abordagem utilizada são os tratamentos aversivos. O mais difundido é através do
uso de dissulfiram. Esta droga inativa irreversivelmente a enzima (álcool-desidrogenase)
responsável pela degradação do acetaldeído (tóxico para o organismo). Com isso ocorre o
acúmulo deste composto, sendo os sintomas associados: rubor facial (progressivo para o corpo
todo), cefaléia latejante, dificuldades respiratórias, náuseas, vômitos, sudorese, etc. O efeito pode
durar de minutos a várias horas e, em casos de ingestão de grande quantidade de álcool, podem
ocorrer confusão mental e síncope. O tratamento se baseia em uma associação aversiva do
consumo do álcool com os sintomas provocados pelo dissulfiram, o que poderia levar o
dependente a uma redução no consumo. Este tratamento é bastante criticado atualmente,
principalmente quando utilizado sem o acompanhamento de profissionais.
Por fim, há tratamentos com o foco na redução da compulsão pelo álcool, sendo um
exemplo o Naltrexone. Este fármaco é um antagonista de receptores opióides. Os estudos com
esta droga demonstram que, quando associado à psicoterapia, ele pode ser efetivo no
tratamento de dependentes de álcool para a redução de dias bebidos, doses e frequência de
recaídas. Há fatores, principalmente genéticos, que parecem aumentar a eficácia deste
medicamento.
5.1.2 OPIÓIDES
A droga de uso clássico no tratamento da dependência de opióides é a metadona, um
analgésico sintético. Esta droga tem sido mais utilizada como terapia de manutenção no
- 29 -
tratamento da dependência de opióides. Esta intervenção consiste em uma abordagem
ambulatorial, na qual o paciente, já estabilizado, comparece à unidade de tratamento em dada
freqüência para tomar a medicação e obter acompanhamento do quadro de dependência.
A administrada nas doses recomendadas de metadona resulta em redução do craving e
dos sintomas de abstinência. Estes efeitos duraram cerca de 24 e 36h com ausência de euforia,
sedação ou analgesia.
Outra abordagem farmacológica baseia-se no uso do agonista opióide parcial
buprenorfina. Esta medicação oferece uma alternativa ao tratamento clássico com metadona,
por apresentar uma meia-vida mais prolongada (entre 46 e 48h) e um perfil farmacológico mais
seguro.
5.1.3 NICOTINA
O tratamento para a dependência de nicotina pode ser feito através do uso de três
classes diferentes de medicamentos, cada um com um objetivo/mecanismo de ação específico.
A primeira intervenção é terapia de reposição de nicotina (NRT), a qual tem como objetivo
fornecer nicotina de uma forma segura ao organismo para contornar os sintomas da síndrome de
abstinência. A nicotina pode ser disponibilizada por meio de adesivos transdérmicos, gomas de
mascar e spray nasal. Sua efetividade muitas vezes é comprometida devido ao mau uso/uso
inadequado dos medicamentos.
Um segundo medicamento utilizado é a bupropiona, um antidepressivo inibidor da
recaptação de NOR e DA. Com o aumento da concentração desses neurotransmissores ocorre
melhora dos sintomas relacionados com a retirada da droga e redução do craving.
Por fim, utiliza-se também a terapia com a vareniclina, um agonísta parcial dos receptores
nicotínicos α4β2. Este medicamento ao ativar os receptores nicotínicos reduz os sintomas de
abstinência, porém compete com a nicotina (agonísta total) impedindo seu efeito total. A terapia
com vareniclina mostra-se eficaz para a redução da fissura, mas seu uso tem sido relacionado
com efeitos adversos neuropsicológicos, como depressão e ideação suicida.
- 30 -
5.2 TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICO
5.2.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS
O abuso de drogas quanto a sua dependência são multidimensionais, interferindo em
diversas áreas da vida, tais como familiar, social, física, emocional, financeira e espiritual, que
comprometem o processo de recuperação do paciente. Por isso, o tratamento deve incluir um
conjunto de técnicas e abordagens que favoreçam a redução ou abstinência do consumo, a
reinserção social, melhora da qualidade de vida e do funcionamento ocupacional em qualquer
uma das áreas afetadas. Importante enfatizar que, devido à complexidade da doença, não há
um único modelo eficaz, e, em geral, os melhores resultados são obtidos através da combinação
entre eles. Dessa forma, tratamentos que utilizem abordagens transdisciplinares são indicadas.
Para que o tratamento seja efetivo, o National Institute on Drug Abuse (NIDA) estabeleceu
13 princípios que devem ser seguidos:
1) Nenhum tratamento é efetivo para todos os pacientes;
2) O tratamento necessita ser facilmente disponível;
3) O tratamento deve atender às várias necessidades e não somente ao uso de drogas;
4) O tratamento necessita ser constantemente avaliado e modificado de acordo com as
necessidades do paciente;
5) Permanecer em tratamento por período adequado é fundamental para a efetividade;
6) Aconselhamento e outras técnicas comportamentais são fundamentais para o
tratamento;
7) Medicamentos são importantes, principalmente quando combinados com terapia;
8) A comorbidade deveria ser tratada de forma integrada;
9) Desintoxicação é só o começo do tratamento;
10) O tratamento não necessita ser voluntário para ser efetivo;
11) A possibilidade de uso de drogas deve ser monitorada;
12) Avaliação sobre HIV, hepatites B e C e aconselhamento para evitar esses riscos;
13) Recuperação é um processo longo e que muitas vezes necessita de vários episódios de
tratamento;
5.2.2 AVALIAÇÃO
A avaliação deve considerar todos os aspectos biopsicossociais do indivíduo e tem como
objetivo: estabelecer aliança terapêutica que favoreça a adesão ao tratamento; compreender o
- 31 -
contexto em que a dependência se instalou bem como identificar os fatores que levaram a este
quadro; identificar fatores que mantém a dependência e também os que favoreçam a
abstinência; além de reunir condições para estabelecer a hipótese diagnóstica.
Para a elaboração do plano de tratamento, o diagnóstico deve ser clínico, motivacional,
psiquiátrico, neuropsicológico, entre outras próprias de cada área profissional (enfermagem,
assistente social, terapeuta ocupacional, psicólogo, etc.).
5.2.3 MOTIVAÇÃO
Para se estabelecer metas terapêuticas, é importante identificar qual a disponibilidade e a
prontidão do indivíduo para a mudança e, consequentemente, para o tratamento. De maneira
didática, a motivação foi descrita em estágios (Quadro 3/drogas) por Prochaska e DiClemente, e
diferentes tipos de abordagens e de postura do profissional deverão ser utilizadas em cada
estágio.
Entretanto, esses estágios não são rígidos, e a motivação do indivíduo pode transitar entre
as diferentes fases de maneira mais rápida ou mais lenta, conforme sua evolução e episódios de
lapsos (retorno do consumo após período de abstinência é pontual) ou recaídas (retorno ao
consumo e padrões de comportamento associado).
QUADRO 3: Estágios de Motivação para a Mudança
Pré-Contemplação: A mudança não é cogitada pelo indivíduo e ele não vê seu
comportamento como sendo problemático. Bastante resistente à qualquer orientação.
Ausência de ambivalência
Contemplação: Começa a estabelecer uma conexão entre seus problemas e os
comportamentos e começa a refletir sobre a necessidade de mudar, avaliam custo X
benefício de maneira mais realista. Ambivalência bastante presente.
Preparação: Reconhecimento do problema e compromisso com a mudança. Formulação
de plano a curto prazo, tais como pedir ajuda e iniciar desintoxicação. Ambivalência
menos presente.
Ação: Início efetivo das estratégias para mudança, há interrupção do consumo, mais
aberto e disposto para orientações terapêuticas. Ambivalência menos presente.
Manutenção: Pacientes que tiverem sucesso na fase de “ação” passam para a fase de
manutenção, caracterizada pela abstinência e reconstrução de um estilo de vida
saudável.
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5.2.4 TÉCNICAS E ABORDAGENS PSICOTERAPÊUTICAS MAIS UTILIZADAS
INTERVENÇÃO BREVE (IB): Prática bem estruturada, focal, objetiva e de tempo limitado
(variado de 5 a 30 minutos), cujo foco é a mudança de comportamento do paciente ao
ajudar no desenvolvimento de sua autonomia e fornecer capacidade de assumir iniciativa
e responsabilidade pelas escolhas. Pode ser feita por profissionais de diversas áreas de
formação, e está mais relacionada com os níveis de prevenção primária e secundária,
sendo mais direcionada para uso abusivo ou de risco. Por não contemplar muitos aspectos
envolvidos nos casos de dependência, para esses casos indica-se encaminhamento para
serviços especializados. Objetiva a identificação da presença de um problema, sugerir
estratégias para favorecer a mudança, e pode ser utilizada para prevenir ou reduzir o
consumo de drogas e os problemas associados. Metas são estabelecidas individualmente.
Possui 6 elementos como princípios, que podem ser identificados como FRAMES: Feedback
(devolutiva); Responsabilidade; Aconselhamento; Menu de opções; Empatia e Self-Efficacy
(auto-eficácia).
TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL (TCC): Integra técnicas e conceitos derivados das teorias
cognitiva e comportamental de maneira semiestruturada, objetiva e orientada para
metas. Parte do pressuposto que cognição, pensamentos e emoções são responsáveis por
fatores precipitadores ou mantenedores do comportamento, focando principalmente em
crenças negativas sobre o eu, pensamentos automáticos e crenças facilitadoras
relacionadas ao consumo de substâncias. Busca identificar e corrigir estas distorções
cognitivas e auxiliar no desenvolvimento de estratégias de enfrentamento das situações de
risco para os objetivos determinados no plano terapêutico. Também trabalha com a
motivação do paciente para a mudança, auxiliando-o a trabalhar sua ambivalência.
Dentre as técnicas aplicadas incluem-se os registro de pensamentos automáticos, análise
de vantagens e desvantagens, diário de auto-monitoramento, relaxamento, ensaio
comportamental, manejo de contingências, desenvolvimento de planos de
enfrentamento, técnicas para manejo da fissura e de emoções, desenvolvimento da
assertividade e resolução de problemas.
TERAPIA MOTIVACIONAL: É uma abordagem centrada no indivíduo. Sofre influência das
abordagens de aconselhamento centrado no paciente, terapia cognitivo-comportantal,
teoria sistêmica e psicologia social. Promove aconselhamentos fundamentados em
conceitos de motivação, ambivalência e prontidão para mudança, buscando aumentar
a motivação para a mudança do comportamento, resolução e exploração da
ambivalência, supressão de comportamentos disfuncionais e desenvolvimento de padrões
mais adaptativos. Tem como enfoque a postura do profissional, que deve ter como
atitudes preponderantes a colaboração, evocação e respeito pela autonomia do cliente,
através de um diálogo colaborativo.
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Possui 3 estilos de comunicação com o paciente (acompanhar, direcionar e orientar) e 4
princípios norteadores, sendo estes últimos:
o Resistir ao impulso natural do profissional de dissuadir o paciente a abandonar seu
comportamento em decorrência das consequências negativas, pois devem partir
do mesmo;
o Entender e explorar as razões intrínsecas para mudança do paciente;
o Escutar com empatia;
o Fortalecer o indivíduo, auxiliando-o a estabelecer estratégias de mudanças
significativas em sua vida.
Além disso, sua metodologia envolve fazer perguntas abertas, favorecer a reflexão, reforço
positivo e resumo dos assuntos discutidos para auxiliar sua compreensão.
PREVENÇÃO DE RECAÍDA: A incidência de recaída é alta durante o processo de tratamento, e
o profissional não deve traduzir como fracasso de tratamento, mas sim como um processo
natural que pode ser direcionado para revisão, aprendizado, fortalecimento das
estratégias terapêuticas e prevenção de futuras recaídas.
O modelo de prevenção de recaída foi construído a partir do referencial cognitivo-
comportamental e nos princípios de aprendizado social. Envolve um conjunto de técnicas
e estratégias de enfrentamento que ensinem o paciente a lidar com as situações de risco
e estados emocionais que possam resultar em uma recaída, e tais como conscientização
do problema, treinamento de habilidades de enfrentamento e modificação do estilo de
vida.
Figura 4: Modelo cognitivo-comportamental do processo de recaída. Fonte: livro dependência química –
prevenção, tratamento e políticas públicas
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5.2.5 OUTRAS TÉCNICAS E ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR
Além das técnicas mencionadas acima, existem outras que podem ser empregadas no
tratamento de dependência química. São elas: abordagem grupal, terapia familiar, terapia de
rede social e de 12 passos, e redução de danos.
Conforme a complexidade da doença, diversas áreas profissionais devem se integrar para
alcançar o sucesso no tratamento. Assim, a equipe profissional, que em sua maioria pode ser
formada por médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais,
nutricionistas, educadores físicos e pedagogos, deve ter uma boa interação e comunicação,
somando suas práticas para lidar com as demandas do dependente. Podem ser realizadas ainda
oficinas terapêuticas e profissionalizantes, orientações voltadas às diferentes áreas ocupacionais,
grupos psicoeducacionais, orientação social, desenvolvimento da cidadania, estabelecimento de
rede de suporte, prática de atividade física, orientação judicial, entre diversos outros, para assim
alcançar os objetivos determinados no plano terapêutico de cada paciente.
6. POLÍTICAS PÚBLICAS
Política pública pode ser definida como uma série ou um conjunto de ações desenvolvidas
ou fomentadas pelo Estado em seus diversos níveis (federal, estadual e municipal). Através de
uma política pública, busca-se o alcance de objetivos específicos relacionados a problemas ou
demandas dos indivíduos ou de determinados setores da sociedade. Funciona como norte,
ditando diretrizes e prioridades que devem ser seguidas pelas organizações governamentais e não
governamentais (privadas). Uma política pública sobre drogas deverá contemplar às diversas e
complexas questões da área, com especial atenção aos indivíduos inclusos em sua sociedade.
6.1 POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE DROGAS NO BRASIL
No Brasil, a primeira regulamentação sobre o tema Drogas ocorreu em 1938, através do
Decreto-Lei nº 891/38, conceituando o uso por uma concepção criminalizadora. No curso da
história, alterações legislativas culminaram na Lei 6368/76, estabelecida durante a ditadura militar,
que criminalizava o porte de drogas, sem diferenciar usuário de traficante.
Em 1993, foi criada a Secretaria Nacional de Entorpecentes, seguida da criação dos
Conselhos de Entorpecentes (Nacional, Estaduais e Municipais). Mais tarde, em junho de 1998,
- 35 -
seria então criada a Secretaria Nacional Antidrogas – SENAD, órgão este vinculado ao Gabinete
de Segurança Institucional da Presidência da República. Posteriormente, a SENAD teve seu nome
modificado para Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas.
A SENAD se torna assim o órgão responsável por articular, coordenar e integrar as ações
intersetoriais do governo nesta área. Após a realização do I Fórum organizado pela referida
entidade, a Política Nacional Antidrogas foi instituída em agosto de 2002. Em 2005, após
alterações de conteúdo e nomenclatura, aprovou-se a Política Nacional sobre Drogas (PNAD).
Entre os pressupostos da PNAD, destacam-se a busca pelo reconhecimento das diferenças
entre o usuário, a pessoa em uso indevido, o dependente e o traficante de drogas e,
consequentemente, tratamento diferenciado; priorização da prevenção do uso indevido de
drogas, por sua eficácia e menor custo social; garantia do tratamento adequado a toda pessoa
com problemas decorrente do uso de drogas; e o incentivo para a pesquisa, experimentação e
implementação de novos programas, projetos e ações em seus principais eixos.
A PNAD conta com alguns eixos principais que pautam seus objetivos e ações, sendo estes:
(1) prevenção; (2) tratamento, recuperação e reinserção social; (3) redução de danos
sociais e à saúde; (4) redução da oferta; (5) estudos, pesquisas e avaliações.
6.2 LEGISLAÇÃO
As políticas públicas sobre drogas influenciam a elaboração de leis e regulamentos sobre o
tema. Um exemplo desta influência é a Lei nº 11.343/2006 que traz como mudanças às Leis
anteriores: a exclusão da pena restritiva de liberdade para usuários e dependentes de drogas,
diferenciação do tratamento entre usuário/dependente de drogas e o traficante; porte da droga
continua caracterizado como crime, mas usuários não estarão mais sujeitos à pena restritiva de
liberdade, mas sim a medidas sócio-educativas aplicadas pelos juizados especiais criminais. Ficou
estabelecido também o fim do tratamento obrigatório para os dependentes, existente na
legislação anterior.
Importante frisar a existência do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) desde 1990,
que proíbe vender, fornecer ou entregar, à criança ou ao adolescente, produtos cujos
componentes possam causar dependência física ou psíquica. Dessa forma, tem-se como ilegal a
venda de bebidas alcoólicas e cigarros para menores de 18 anos. Recentemente, seguindo
princípio da Política Nacional sobre o Álcool, o Estado de São Paulo estabeleceu política de maior
controle dos estabelecimentos para que estes não vendam bebidas para menores, incluindo a
elaboração de penas mais severas a tais locais.
- 36 -
6.3 POLÍTICAS ESPECÍFICAS SOBRE CADA DROGA
ÁLCOOL: a Política Nacional sobre o Álcool (2007) dispõe sobre as medidas para redução
do uso indevido de álcool e sua associação com a violência e criminalidade. Um exemplo é a
difusão da alteração promovida no Código de Trânsito Brasileiro. A Lei 11.705 (19 de junho de
2008) tem a finalidade de estabelecer nível de alcoolemia e impor penalidades mais severas para
o condutor que dirigir sob a influência do álcool. A direção sob a influência de álcool ou de
qualquer substância psicoativa que determine dependência resultará em infração gravíssima,
multa e suspensão do direito de dirigir por 12 meses, bem como retenção do veículo até a
apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação. Para casos
de teste de alcoolemia cuja concentração de álcool por litro de sangue seja igual ou superior a 6
(seis) decigramas, estará tipificado um crime de trânsito e o motorista infrator estará sujeito à
prisão. Tal fato tem gerado constantes recusas por parte dos motoristas que se encontram sob
efeito do álcool a realizarem o teste. Ao recusar, o motorista estará sujeito apenas às penalidades
administrativas e não criminais.
TABACO: um dos marcos de restrição ocorre no ano de 2000, através da Lei n.º 10.167 que
restringe a publicidade de produtos derivados de tabaco, proibindo a veiculação em revistas,
jornais, televisão, rádio e outdoors. A partir de então, novas restrições começam a ocorrer e, em
2009, o governo do Estado de São Paulo institui a Política Estadual para o Controle do Fumo, que
proíbe o consumo em ambientes de uso coletivo, total ou parcialmente fechados. Outros Estados,
como o Rio de Janeiro e o Paraná, adotaram o mesmo modelo restritivo.
CRACK: Em maio de 2010, através de Decreto, o governo Federal institui o Plano Integrado
de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, com vistas à prevenção do uso, ao tratamento e à
reinserção social de usuários, e ao enfrentamento do tráfico de crack e outras drogas ilícitas.
AYHUASCA: Também em 2010, através de Resolução, o Governo Federal respeita as
decisões do CONAD (Conselho Nacional de Política sobre Drogas) sobre normas e procedimentos
compatíveis com o uso religioso da Ayahuasca e dos princípios deontológicos que o informam,
possibilitando assim o seu uso dentro do contexto religioso.
6.4 ELABORAÇÃO E AVALIAÇÃO DA POLÍTICA PÚBLICA SOBRE DROGAS
A elaboração de uma política pública sofre interferência de diversos setores sociais, entre
eles a mídia, os poderes executivos, legislativos, judiciários e a opinião pública. E neste jogo de
forças, as opiniões e interesses são muitas vezes antagônicos. Desta forma, torna-se claro que
- 37 -
algumas decisões e diretrizes acabam por privilegiar determinados setores, nem sempre voltados
à maioria da população ou a determinados grupos em maior vulnerabilidade.
Analisar e avaliar as ações e as intervenções possibilita a identificação da efetividade da
política. Portanto, as avaliações são necessárias para pautar novas ações e diretrizes, podendo
permitir uma melhor utilização do recurso público. Em alguns países, a cultura de avaliação das
políticas públicas já possui história. No Brasil, muito se tem a avançar neste campo.
7. METODOLOGIA DE PESQUISA EM DROGAS DE ABUSO
O método científico escolhido para responder às perguntas e hipóteses levantadas nos
objetivos de uma pesquisa é de suma importância para a correta investigação de um
determinado fenômeno. A pesquisa científica pode ser dividida sob diversas classificações. Esta
apostila fará a classificação de duas formas: os estudos experimentais e os não-experimentais, e a
partir das metodologias quantitativas e qualitativas.
Os estudos experimentais são aqueles que consistem em intervenção sobre os sujeitos
pesquisados e observação dos efeitos desta intervenção para se testarem hipóteses. Por exemplo,
estudo em animais com a aplicação de uma determinada droga e a observação dos seus efeitos
ou um ensaio clínico com seres humanos para se investigar os efeitos de uma determinada
substância/medicamento.
Os estudos não experimentais ou observacionais se restringem em observar os fenômenos,
sem manipular variáveis ou realizar intervenções. Embora seu principal objetivo seja diagnosticar
eventos, também se propõem a testar hipóteses, porém com vieses mais expressivos que nos
estudos experimentais.
A abordagem quantitativa baseia-se na descrição e na formulação de hipóteses prévias a
partir de técnicas de verificação sistemática, buscando por explicações causais e objetivas. O
modelo qualitativo preza pelo subjetivo, dando importância aos valores, crenças, hábitos, atitudes
e opiniões. Seu objetivo é compreender não só o fenômeno em si, mas todo o seu contexto.
Na seção abaixo, segue uma breve descrição das metodologias utilizadas na pesquisa
sobre o consumo de drogas.
- 38 -
7.1 OBSERVACIONAIS
Estudos observacionais baseiam-se na simples observação, a qual não há modificação da
realidade. Podem ser:
TRANSVERSAIS: estudos de uma população em um único momento; úteis para descrever a
prevalência de um fenômeno, sua freqüência instantânea e fatores de risco. Esta forma de
estudo é muito útil no norteamento da formulação de hipóteses. Tem como vantagens a
rapidez e a facilidade de execução e como desvantagem a impossibilidade de testar
hipóteses e formulações. Sua fonte de dados pode ser de estudos populacionais ou ainda
de indicadores epidemiológicos.
o Estudos populacionais: a população propriamente dita irá fornecer os dados. A
obtenção dos dados pode ser por métodos laboratoriais (maior fidedignidade e
custo) ou através da pergunta direta, por meio de aplicação de testes ou escalas
(menor fidedignidade e custo);
o Indicadores epidemiológicos: os dados serão coletados de forma indireta. A coleta
pode ser realizada em prontuários médicos, receitas, controle de internações
hospitalares, órgãos públicos (por exemplo: informação de apreensão de drogas
ilícitas com a Polícia).
ECOLÓGICOS: tem como objetivo determinar a prevalência de uma doença ou um fator de
risco em uma determinada área regional ou geográfica. O foco é uma parcela da
população ou um grupo específico. Úteis para descrever a prevalência de relações
ambientais associadas a uma população e para o desenvolvimento de hipóteses.
COORTE: trata-se de um estudo prospectivo, no qual ocorre o acompanhamento de um
indivíduo ou grupo ao longo do tempo. Tem como um de seus objetivos a descrição da
incidência de certa patologia. Por ter grande parte dos fatores associados controlados, é
um dos únicos modelos que permite o estabelecimento de relação de causa. São estudos
caros e com tempo de execução prolongado, que por muitas vezes resultam em perdas
de seguimento.
CASO-CONTROLE: o método tem como tema central o pareamento do seu grupo de escolha
com um grupo que não apresente o fator investigado. Os grupos devem ser compostos
por indivíduos semelhantes e comparáveis. Úteis para testar hipóteses elaboradas, assim
como o método de coorte.
7.2 EXPERIMENTAIS
Os estudos experimentais têm como objetivo testar por meio de um experimento ou
intervenção uma hipótese. Podem ser desenvolvidos em humanos ou animais de experimentação.
- 39 -
Os modelos de experimentação animal serão abordados mais especificamente na seção de
Modelos animais.
ESTUDO DE CAMPO: é aquela na qual o pesquisador vai ao local de interesse e desenvolve sua
atuação no ambiente comum ao fenômeno de interesse.
ESTUDO CLÍNICO: pode também receber a denominação de pesquisa clínica. São estudos
que envolvem a participação direta de um paciente/sujeito de pesquisa ou parte do
mesmo (amostras de sangue, cabelo, urina, etc.). Eles podem ser classificados em abertos
(ambos os envolvidos sabem da intervenção), simples (apenas o sujeito de pesquisa
desconhece a intervenção) ou duplo-cegos (voluntário e investigador desconhecem a
intervenção). Estes estudos podem ser simples, com um único grupo de tratamento, ou
com mais de um grupo de intervenção.
7.3 ABORDAGEM QUANTITATIVA
Como exposto nas seções anteriores, este método tem como objetivo a busca de
explicações causais e objetivas por meio da mensuração de parâmetros. Algumas de suas
características são: uso de técnicas estatísticas, emprego de uma grande quantidade de dados,
estudo de uma grande população, etc.
Estudos epidemiológicos
Em relação às drogas, o foco da epidemiologia é estudar a distribuição do uso das drogas
e acontecimentos relacionados a esse uso em uma determinada população e em um
determinado período de tempo. O objetivo é fazer um diagnóstico do uso de drogas com o
intuito de implementar programas preventivos e de intervenção, adequados à situação
identificada. A fonte de dados pode proceder de uma população geral, ou específica, ou
também de indicadores epidemiológicos, que fornecem dados indiretos do consumo, como
internações hospitalares, dados da mídia, apreensão de drogas pela polícia e laudos médicos.
7.4 ABORDAGEM QUALITATIVA
Este método visa compreender os fenômenos de forma mais ampla e sistêmica,
descrevendo e analisando culturas e comportamentos. Este método caracteriza-se pela
produção de dados descritivos, fornecidos de diversas formas lingüísticas como discursos, textos,
- 40 -
documentos, fotografias e registros históricos fornecidos tanto pela população estudada quanto
pela observação que o pesquisador faz dentro do grupo em estudo. Permite essencialmente a
investigação de sentimentos e opiniões da população pesquisada, que é observada como um
todo e não como uma variável dentro de um conjunto. O foco principal é a vivência que o
indivíduo ou grupo estudado têm do fenômeno buscado, ou seja, a visão do próprio investigado
sobre o que se busca investigar.
A amostra em geral é bem menor que a de um estudo quantitativo, uma vez que cada
indivíduo fornece dado substancial para análise do fenômeno, dispensando grandes volumes de
discursos. Entretanto, é importante destacar que a seleção da amostra é feita seguindo métodos
específicos, que, embora não obedeçam a cálculos estatísticos, são rigorosamente descritos
como influenciadores da compreensão do fenômeno e por isso devem ser elaborados da mesma
forma cuidadosa que a pesquisa quantitativa.
As técnicas para coleta de dados em um estudo qualitativo são diversas, sendo a escolha
baseada nos objetivos da pesquisa. O ideal é utilizar mais de uma técnica para maximizar a fonte
dos dados obtidos e com isso melhorar a compreensão do fenômeno estudado. As principais são:
OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE: visa familiarizar o pesquisador com o local onde ocorre a prática a
ser estudada. Ocorre através de visitas e observações do ambiente registradas em um
“diário de campo”, contendo informações preciosas sobre o setting investigado com
reflexões do próprio pesquisador. Em geral, busca-se também encontrar informantes-
chave, pessoas que estudam ou participam do fenômeno de forma mais externa do que
os investigados, por exemplo, profissionais de uma unidade básica de saúde. Os
informantes-chave também servem para indicar indivíduos para a composição da
amostra.
ETNOGRAFIA: método utilizado na antropologia cultural, no qual o pesquisador faz uma
imersão na cultura do grupo investigado e passa a conviver neste ambiente, conhecendo
e analisando as relações, experiências e dinâmicas que ocorrem dentro do grupo.
ENTREVISTA EM PROFUNDIDADE: Principal meio de se coletar dados da pesquisa qualitativa,
consiste na entrevista individual seguindo questionamentos básicos que partiram de
hipóteses e teorias do pesquisador, mas deixando o investigado à vontade para falar
livremente do tema estudado e principalmente, com o cuidado de não induzir as
respostas.
GRUPO FOCAL: esta técnica permite que sejam entrevistadas simultaneamente pessoas com
vivências semelhantes de um mesmo fenômeno, possibilitando o surgimento de um grande
número de idéias individuais que sofrem interação das opiniões comuns, através de
argumentos de concordância e discordância dos entrevistados. Cada participante é
estimulado a discutir com o grupo muito mais do que a responder especificamente às
questões do pesquisador.
- 41 -
7.5 MODELOS ANIMAIS
Algumas das características comportamentais da dependência, como uso, abuso, busca
e recaída, assim como as neuroadaptações que refletem em mudanças de comportamento,
como tolerância e sensibilização comportamental, podem ser estudadas em modelos animais de
laboratório.
A seguir estão exemplificados alguns modelos animais utilizados para o estudo de
fenômenos envolvidos na dependência de drogas.
AUTO-ADMINISTRAÇÃO: A característica fundamental deste modelo é que após um
procedimento de treino o animal adquire a capacidade de auto-administrar drogas. O
animal desempenha uma tarefa e obtém como recompensa a oferta da droga. Este
modelo possui alta correspondência com o potencial de abuso de determinada droga em
humanos. Tem sido considerada uma ferramenta muito útil na investigação da
neurobiologia do reforço positivo das drogas.
PREFERÊNCIA CONDICIONADA AO LUGAR: avalia os efeitos reforçadores condicionados de drogas
através de pareamentos sucessivos entre os efeitos da droga e um ambiente específico.
Ao final do pareamento o animal vai preferir o ambiente em que recebeu as doses da
droga com efeitos reforçadores.
SENSIBILIZAÇÃO COMPORTAMENTAL: no contexto de drogas de abuso, trata-se de um fenômeno
estudado a partir da sensibilização motora, isto é, há um aumento da locomoção do
animal após administração aguda de uma droga psicoativa, quando este animal é
exposto repetidamente à droga.
Para maiores informações sobre os procedimentos experimentais em modelos animais consulte
a apostila no capítulo de Psicologia Experimental.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Outros materiais didáticos:
Intervenção Breve para casos de uso de risco de substâncias psicoativas: módulo 4. Coordenação do
módulo: Denise De Michelli e Maria Lucia Oliveira de Souza Formigoni, 4. Ed, 2011.
- 44 -
Durante a vida, todos os organismos necessitam se adaptar dinamicamente às alterações
do meio interno para manter o equilíbrio dinâmico, também conhecido como homeostase, e às
alterações ambientais. Este equilíbrio interno e externo são constantemente ameaçados por
eventos genericamente denominadas estressores. O estresse ocorre quando o organismo está sob
ameaça real ou percebida. Buscando restabelecer o equilíbrio, o organismo lança mão de um
conjunto de respostas fisiológicas e comportamentais, que constituem os principais elementos da
resposta ao estresse. Pela relevância que apresenta para a sobrevivência, o estudo dos
mecanismos que compõem esse sistema de resposta se torna muito importante. É isto que
veremos agora.
1. HISTÓRICO
O termo estresse, originalmente utilizado na área da engenharia para descrever a força
que exerce tensão física em um corpo, representa para os sistemas biológicos qualquer condição
que perturba a homeostase (estabilidade dos sistemas fisiológicos que garantem a manutenção
da vida) fisiológica/psicológica do organismo. As consequências fisiológicas do estresse foram
estudadas pela primeira vez, em 1936, pelo endocrinologista Hans Selye. Ele definiu estresse como
a “resposta não específica do organismo a qualquer demanda” e para chegar a essa conclusão,
o endocrinologista observou que diferentes organismos apresentavam um padrão semelhante de
resposta fisiológica para estímulos sensoriais ou físicos. Posteriormente sugeriu a expressão
Síndrome de Adaptação Geral (SAG) que consistia em um conjunto de reações não específicas
desencadeadas quando o organismo era exposto a um estímulo que ameaça a manutenção da
homeostase. Esta resposta, de acordo com Selye, seria composta por três estágios:
• Fase de alarme: Promoção das respostas imediatas ao estresse, com a liberação de adrenalina,
levando à dilatação da pupila, aumento da frequência cardíaca e respiratória, sudorese;
• Fase de resistência: o organismo, neste estágio, realiza modificações para se adaptar ao
estressor, buscando resistir a ele – liberação de glicocorticóides. Caso o estímulo seja retirado, o
organismo volta às condições basais. Do contrário, a fase permanece, podendo levar à falência
dos mecanismos de defesa;
- 45 -
• Fase de exaustão: O organismo não consegue se adequar ao estressor, o que gera um
desequilíbrio interno. As reações presentes na primeira fase podem retornar mais acentuadas. É
neste momento que o estresse pode desencadear doenças ou levar até mesmo à morte.
Como dito anteriormente, os fatores que ameaçam a manutenção da homeostase são
genericamente denominados estressores. Eles podem ser tanto de natureza emocional quanto
física. Por serem de natureza diversa, os estressores requerem diferentes respostas e este fato
influencia tanto os sistemas que percebem esse estímulo quanto os mediadores que conduzem à
resposta adaptativa do organismo. Outro fator importante que regula a forma como o estressor
atingirá o organismo é sua duração. Estressores agudos como, por exemplo, um carro em alta
velocidade se aproximando, necessitam de uma resposta mediada de maneira rápida e de um
retorno à condição basal logo em seguida. Já estressores presentes de forma mais duradoura
(crônica) podem levar a alterações mais prolongadas e progressivas no organismo que, se
persistirem, podem modificar estruturas e sistemas. Outros fatores como a idade, gênero e
background genético também influenciam a maneira como o organismo irá lidar com o estímulo
apresentado.
2. A RESPOSTA DE ESTRESSE: SISTEMAS E MEDIADORES
Em uma situação estressante vemos a ativação de três sistemas principais que regulam as
funções corpóreas. O primeiro é o sistema nervoso voluntário, que recruta os músculos do nosso
organismo possibilitando que eles respondam às informações sensoriais. Como exemplo, pensem
em um banhista avistando um tubarão na praia. Quando o banhista perceber o perigo iminente,
ele sairá o mais rápido possível da água, sendo que, para isso, necessitará que seus músculos
Figura 1: Imagem do endocrinologista
Hans Selye. Retirada do site:
http://www1.umn.edu
- 46 -
estejam preparados. O segundo sistema é o sistema nervoso autônomo. Este é composto pelos
ramos simpático e parassimpático. O sistema nervoso simpático, em uma situação de risco,
encarrega-se de nos manter em alerta, enquanto que o parassimpático mantém os sistemas de
manutenção do corpo em funcionamento e atenua as respostas do ramo simpático. Por último,
temos o sistema neuroendócrino, que também auxilia a manutenção do funcionamento interno
do organismo. Os hormônios presentes nesse sistema são sintetizados tanto no sistema nervoso
central (SNC) quanto na periferia, e são responsáveis por estimular tecidos periféricos a liberarem
outros mediadores que afetam diversos processos fisiológicos.
Assim, a resposta fisiológica ao estresse envolve uma interação de sistemas que buscam
zelar pela manutenção da integridade do organismo. Dentro do componente neuroendócrino, o
sistema simpatoadrenal e o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA) representam ramos
importantes na reposta ao estresse. São estes que veremos com mais detalhes a seguir.
2.1. Sistema Simpatoadrenal
As células secretoras cromafins são componentes da medula das glândulas adrenais e
também são consideradas parte do sistema nervoso simpático. Axônios de neurônios pré-
ganglionares simpáticos, oriundos da raiz ventral da medula espinhal, formam sinapses
colinérgicas com essas células. Quando estimuladas, estas secretam catecolaminas, como
adrenalina (predominante) e noradrenalina. A adrenalina e a noradrenalina se ligam aos seus
receptores, denominados adrenoceptores, presentes em diversos órgãos, e exercem múltiplas
funções na resposta ao estresse, como: aumento da frequência e do volume cardíaco,
vasodilatação nos músculos e vasoconstrição na pele e intestinos. Essas alterações buscam
assegurar o suprimento de sangue para o cérebro e músculos, componentes essenciais para uma
resposta adequada à ameaça apresentada. Além disso, a adrenalina também estimula a
glicogenólise no fígado, que resulta em aumento na disponibilidade de glicose no sangue,
proporcionando “energia” para as respostas defensivas.
Embora a adrenalina e a noradrenalina não atravessem a barreira hematoencefálica, suas
ações periféricas encontram paralelo no cérebro pela noradrenalina sintetizada no locus
coeruleus. O locus coeruleus, considerado o principal núcleo noradrenérgico do sistema nervoso
central, participa da resposta comportamental frente à ameaça, aumentando a vigília, o alerta e
o foco da atenção, além de reduzir funções que não são essenciais em momentos de ameaça,
como o sono e a alimentação. Esse núcleo também participa da ativação do eixo HPA.
- 47 -
2.2. Eixo Hipotálamo Pituitária Adrenal (Hpa)
Um marco adaptativo fundamental do organismo para uma resposta adequada a uma
situação que ameace sua homeostase corresponde à ativação do eixo Hipotálamo – Pituitária –
Adrenal (Eixo HPA). Os produtos deste eixo desempenham importantes funções no organismo que
são mais marcantes durante uma situação de estresse. Estressores físicos ou psicológicos estimulam
a secreção do hormônio liberador de corticotrofina (CRH) por neurônios localizados na região
parvocelular do núcleo paraventricular do hipotálamo, que secretam o CRH no sistema porta
hipofisário. Na adeno - hipófise, o CRH e a vasopressina, produzida na porção magnocelular do
núcleo paraventricular do hipotálamo, atuam como estimuladores da secreção do hormônio
adrenocorticotrófico (ACTH) que, pela circulação sistêmica, atinge o córtex das glândulas
adrenais, estimulando a síntese e secreção dos glicocorticoides. Os glicocorticoides são
hormônios esteroides derivados do colesterol e secretados pela zona fasciculada do córtex da
adrenal. Eles são essenciais para o balanço das funções imunológicas, para a reação
inflamatória, e para a manutenção da homeostase neuroendócrina. Além disso, são os principais
promotores da retroalimentação (feedback) negativa sobre o eixo HPA, que visa controlar e
reduzir a liberação de CRH e ACTH. Os glicocorticoides estão sempre presentes no sangue, sendo
que sua secreção apresenta um ritmo circadiano bem definido, com um aumento em sua
concentração antes de períodos de atividade e sua diminuição no período de repouso.
Os glicocorticoides apresentam diversos efeitos que incluem a redução da captação e
utilização da glicose e aumento da gliconeogênese, resultando em aumento da disponibilidade
de glicose no sangue (hiperglicemia); aumento da quebra e redução da síntese de proteínas,
Figura 2: Esquema da glândula adrenal. Adaptado de http://pt-
br.infomedica.wikia.com.
- 48 -
fornecendo assim mais um substrato para geração de energia, fato muito importante em uma
situação de alta
demanda.
Em primatas, o principal glicocorticoide é o cortisol, enquanto que em roedores é a
corticosterona. Vale ressaltar que algumas das ações dos glicocorticoides ajudam a mediar a
resposta de estresse, enquanto que outras compensam a resposta primária ao estresse e ajudam
a restabelecer a homeostase.
3. RECEPTORES DE GLICOCORTICÓIDES
Os glicocorticoides exercem suas funções, tanto no sistema nervoso central quanto na
periferia, através de sua ligação com seus receptores intracelulares. Essa é uma superfamília de
receptores, da qual também fazem parte os receptores de hormônios esteroides sexuais,
tireoidianos, de vitamina D3 e do acido retinoico. Os receptores de glicocorticoides, dentro da
célula, fazem parte de um complexo citoplasmático de diversas proteínas, composto,
essencialmente, por um receptor, várias proteínas de choque térmico (heat shock proteins) e uma
molécula de imunofilina. A ligação do hormônio aos seus receptores leva à dissociação das hsp e
da imunofilina, a diversos estágios de fosforilação e a um aumento da afinidade do complexo
receptor – ligante pelos seus domínios nucleares.
Figura 3: Esquema da ativação do ramo neuroendócrino. Esquema adaptado e
retirado do site: www4.bordeaux-aquitaine.inra.fr
- 49 -
O efeito dos glicocorticoides depende de qual subtipo do receptor é ativado, sendo que
há dois: os mineralocorticoides (MR) e os glicocorticoides (GR). Em concentrações basais de
glicocorticoides, há uma elevada ocupação de MRs, uma vez que este receptor apresenta uma
maior afinidade pelo seu ligante, quando comparado ao outro subtipo. Já os GRs, por
apresentarem uma menor afinidade pelo seu ligante, são ocupados no pico do ritmo circadiano
ou quando estressores estimulam a elevação dos
glicocorticoides.
Quando ativados, os dois subtipos de
receptores exercem seus efeitos através da
regulação da transcrição de genes, processo que
pode acontecer de maneiras distintas. A primeira
envolve a ativação ou repressão da expressão
gênica pela ligação do receptor ativo a um ou
mais elementos de resposta a glicocorticoides
(GRE) presentes na região promotora de um gene
alvo (via indicada pelo número 1 no esquema
abaixo). A segunda maneira envolve a repressão
da transcrição gênica que foi iniciada por outros
fatores de transcrição, como NFκβ, CREB e AP – 1
(via indicada pelo número 2 no esquema abaixo).
Somado a esses efeitos nucleares,
atualmente tornou-se evidente que esses
receptores também podem disparar os eventos da
tradução de sinal quando ainda estão no
citoplasma da célula. O significado dessas ações “não genômicas” é que podem ser mais
rápidas, uma vez que não requerem alterações na síntese de RNAm/proteínas que tomam um
tempo maior.
Quando consideramos a distribuição desses receptores, tanto MRs quanto GRs estão
presentes nos tecidos periféricos e no sistema nervoso central. No cérebro, os GRs são
amplamente expressos, sendo abundantes no córtex pré-frontal, na amígdala, em neurônios
hipotalâmicos que expressam CRH, no hipocampo e nos corticotropos (células produtores de
ACTH) da hipófise. Os MRs por sua vez estão presentes no hipotálamo e em estruturas que
compõem o sistema límbico, como o hipocampo, na amígdala central e no septo lateral. Vale
ressaltar que há coexpressão desses receptores no hipocampo, giro denteado, núcleo
amigdaloide, septo lateral e em algumas áreas corticais.
A ativação tanto de MRs e GRs em situações de baixas e elevadas concentrações de
glicocorticoide respectivamente leva a alterações na integridade e função neuronal que se
Figura 4: Esquema das ações dos receptores de
glicocorticóides na transcrição de genes. Adaptado
de Carmen Sandi. Stress, cognitive impairment and
cell adhesion molecules. Nature Reviews
Neuroscience. 2004.
- 50 -
associam com alterações na regulação neuroendócrina e no comportamento. Em geral, os GRs
medeiam a maioria dos efeitos na resposta ao estresse, enquanto que os MRs medeiam a maioria
dos efeitos basais. Também vale ressaltar que o balanço dos efeitos mediados pelos dois subtipos
de receptores no sistema de estresse é de extrema importância para a regulação da atividade do
eixo HPA.
Quando observamos a relação entre a ocupação de receptores do tipo MR e GR,
percebemos que esta razão de ocupação é importante para a mediação dos efeitos dos
glicocorticoides em sistemas, como o imunológico, e processos, como os de aprendizagem e
memória. Um efeito muito mencionado e relacionado a isso é o perfil em curva em “U” invertido
que é observado quando se avalia o desempenho, por exemplo, da memória pela concentração
de glicocorticoides disponível, Assim, é visto que há, de maneira geral, um prejuízo no
desempenho quando temos concentrações muito baixas ou elevadas de glicocorticoides, e um
desempenho considerado ótimo quando estas concentrações estão em níveis intermediários. Este
efeito está corelacionado com a ocupação diferencial dos receptores do tipo MR e GR.
Figura 5: Representação esquemática da curva em “U invertido”, na qual o desempenho da memória varia em função da
ocupação dos receptores de glicocorticoides. Adaptado de Sonia J. Lupien. The Effects of stress and stress hormones on
human cognition: implication for the field of brain and cognition. 2007.
4. O CONCEITO DE ALOSTASE
Uma proposta mais recente para definir o processo de adaptação aos desafios que o
organismo é exposto é a alostase, que denota um processo de manutenção de algumas variáveis
fisiológicas dentro de certos limites, ou seja, manutenção da estabilidade através da mudança.
- 51 -
Existem diversos mediadores da alostase, sendo que os principais são as catecolaminas, o eixo
HPA e as citocinas.
Outro conceito complementar à ideia trazida pela alostase é o de estado alostático, que
se refere à alteração e manutenção da atividade dos mediadores da alostase em situações de
mudanças ambientais ou desafio. Assim, o estado alostático seria resultante de um desequilíbrio
dos mediadores, seja por excesso ou pela inadequada produção dos mesmos. Alguns exemplos
desse processo podem ser a hipertensão, o desequilíbrio do ritmo de secreção de cortisol após
privação de sono crônica e a elevação crônica de citocinas inflamatórias. O resultado
acumulado do estado alostático é conhecido como carga alostática. Se a resposta alostática é
inadequada, prolongada e a liberação dos mediadores não é corretamente finalizada, o
resultado para o organismo pode ser danoso, o que ficou conhecido com sobrecarga alostática.
O estresse pode, portanto, tanto “ajudar” como “prejudicar” o organismo. Quando
confrontado com um desafio físico crucial, as respostas de estresse devidamente controladas
garantem as condições necessárias para um enfrentamento das situações adversas. Além disso, a
resposta fisiológica aguda ao estresse protege o corpo e o ajuda a restabelecer ou manter a
homeostase. Contudo, se esse estresse continuar por um período prolongado, as respostas de
estresse podem falhar ou não ser finalizadas quando não são mais necessárias, fato que pode
contribuir para o desenvolvimento de doenças.
5. EFEITO DO ESTRESSE NOS DIFERENTES SISTEMAS
5.1. Sistema Cardiovascular
Em situações de estresse o organismo precisa de mais oxigênio e glicose (energia). Para
isso, o coração aumenta seu bombeamento sanguíneo, através de um incremento na sua
frequência e contratilidade. O principal mediador desses efeitos é a adrenalina, hormônio
Figura 6: Representação do processo de alostase e carga alostática.
Adaptado de vollediguithethart.webs.com
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presente no início da resposta de estresse. Além desses efeitos no coração, a adrenalina também
provoca vasoconstrição no trato gastrointestinal e vasodilatação na musculatura esquelética.
Essas modificações visam disponibilizar a energia necessária para efetuar todas as ações que
rantam a sobrevivência do organismo.
Contudo, se o estressor persistir, diversas alterações no sistema cardiovascular podem
ocorrer e desencadear doenças, como a hipertensão arterial.
A hipertensão arterial resulta da interação de diversos fatores, entre eles o estresse crônico.
Esta condição favorece a hipertrofia do coração, além de produzir fissuras nas paredes internas
das artérias, fato que, combinado com um processo pró-inflamatório induzido pela ativação
simpática, leva ao aparecimento de placas ateroscleróticas nos locais danificados desses vasos.
Além da aterosclerose, o rompimento dessas placas pode levar ao entupimento de vasos
de menor calibre presentes na periferia ou no sistema nervoso central.
A resposta de estresse também aumenta a concentração de fibrinogênio, uma proteína
importante para a cascata de coagulação. Assim, o organismo estará apto para o combate,
uma vez que ele terá mecanismos preparados para evitar o sangramento excessivo caso venha a
se ferir. Contudo, a hipertensão arterial está também associada a altas concentrações de
fibrinogênio e seu excesso, por sua vez, é um fator de risco para a formação de coágulos no
sangue, e um possível infarto e acidente vascular encefálico (AVE).
Outra importante relação é com a alimentação. Quando o corpo precisa de mais energia
para a reação de luta ou fuga (reação tipicamente relacionada com a resposta ao estresse), a
adrenalina e o cortisol trabalham juntos para manter o suprimento de energia balanceado. A
adrenalina aumenta a liberação de glicose do fígado e de ácidos graxos das reservas de
Figura 7: Adaptado de Glenn Dranoff. Cytokines in cancer pathogenesis and
cancer therapy. Nature Reviews Cancer. 2004.
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gordura, enquanto que o cortisol repõe essas reservas. Quando as concentrações de cortisol
estão cronicamente elevadas (por causa de um estressor, por exemplo), muita gordura é
armazenada no abdome e principalmente na parede dos vasos sanguíneos, aumentando o risco
de aterosclerose.
5.2. Sistema Imunológico
O sistema imunológico, o sistema nervoso central e o sistema endócrino interagem
amplamente entre si e este fato pode ser notado pela influência que diversos estressores exercem
sobre o sistema de defesa do organismo (sistema imunológico) tanto na sua resposta inata
(primeira linha de defesa do organismo, composta em geral por fagócitos) quanto na resposta
adquirida (aquela que surge perante uma infecção; apresenta uma alta especificidade
molecular contra o patógeno; composta por linfócitos), o que pode levar a alterações na nossa
saúde.
De maneira geral, diferentes estressores podem aumentar a susceptibilidade a agentes
infecciosos e a gravidade a doença causada por eles; podem reduzir a intensidade da resposta
imunológica a vacinas; podem retardar o processo de cicatrização e levar à reativação de vírus
latentes.
O eixo HPA e o sistema simpatoadrenal representam os dois principais mediadores desses
efeitos. Assim, a partir da ativação desses eixos, ocorre a liberação de hormônios como
catecolaminas, ACTH, cortisol, que podem conduzir as alterações quantitativas e/ou qualitativas
nas funções imunológicas. É interessante ressaltar que quase todas as células imunológicas
apresentam receptores para um ou mais desses hormônios, e a modulação feita por eles pode
ocorrer de maneira direta (ligação do hormônio ao seu receptor na superfície da célula) ou
indireta, pela sua interferência na produção de citocinas, como interferon γ (IFN – γ), fator de
necrose tumoral (TNF) e interleucinas 1, 2 e 6 (IL – 1, IL – 2 e IL – 6).
Os glicocorticoides atuam especificamente inibindo a migração/quimiotaxia de eosinófilos
e neutrófilos, além de suprimir a secreção de citocinas pró-inflamatórias (TNF, IL-1, IL-6, IL-8 e IL-12).
Além disso, os glicocorticoides, em conjunto com as catecolaminas, produzem uma alteração no
perfil dos linfócitos, levando ao predomínio da diferenciação dos linfócitos para um perfil TH2
(resposta mais humoral; composta por anticorpos), ao invés de um perfil TH1 (resposta mais
celular). O aumento da susceptibilidade a infecções pode ser entendido a partir dessa alteração
de perfil de linfócitos, uma vez que o organismo “estressado” se encontraria em uma situação
imunológica inadequada para combater um agente patogênico.
A imunossupressão e o efeito anti-inflamatório são os processos mais associados às ações
de hormônios da resposta ao estresse (em especial dos glicocorticoides). Por esse motivo, os
glicocorticoides são considerados anti-inflamatórios por excelência. Eles inibem tanto
- 54 -
manifestações precoces (rubor, edemas, dor), quanto tardias (cicatrização, reparo da lesão e
reações proliferativas) da inflamação. São capazes de reverter praticamente todos os tipos de
reações inflamatórias causadas tanto por patógenos invasores, estímulos físicos ou químicos, ou
por respostas imunológicas desencadeadas inadequadamente, como ocorre na doença
autoimune ou na hipersensibilidade. Atualmente, os estudos da relação entre o estresse e as
doenças alérgicas e autoimunes têm sido um campo de muito interesse.
O sistema imunológico, pela ação das citocinas pró-inflamatórias, também estimula o
sistema de resposta ao estresse em diversos níveis, tais como o hipotálamo, o sistema central
noradrenérgico, a hipófise e as glândulas adrenais. Estas últimas, perante o estímulo, aumentam a
secreção de glicocorticoides o que consequentemente leva a uma supressão na reação
inflamatória. A reação descrita acima demonstra mais uma alça de controle do organismo para
impedir uma resposta inflamatória exacerbada.
É também interessante destacar que a interação do estresse com o sistema imunológico
apresenta um padrão de curva em “U” invertido. Dessa forma, em uma situação de ameaça, na
qual o organismo pode sofrer lesões, há uma estimulação imunológica, caracterizada pelo
aumento da migração de leucócitos (do sangue para o tecido lesado) e pelo aumento da
resposta imunológica humoral. Contudo, em situações em que o estressor se apresenta por mais
tempo é observada uma imunossupressão, muito relacionada com o aumento de glicocorticoides
no organismo.
5.3. Sistema Nervoso Central
As ações dos glicocorticoides no sistema nervoso central são diversas, dependendo, entre
outros fatores, da área analisada, da disponibilidade do hormônio e de seus receptores. De
maneira geral, as ações destes hormônios envolvem a inibição de funções vegetativas
(reprodução, alimentação e crescimento), a ativação das alças de regulação através da
retroalimentação (“feedback”) e a facilitação de processos cognitivos, de atenção, alerta e
vigília.
A seguir, estudaremos um pouco os efeitos dos glicocorticoides em algumas áreas do
cérebro.
5.3.1. Hipocampo
O hipocampo, estrutura situada no lobo temporal medial, além de ser classicamente
relacionada com os processos de aprendizagem e memória também exerce um papel
importante na regulação do eixo HPA. Esta área atua, geralmente, como um “freio” do eixo,
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inibindo neurônios produtores de CRH do hipotálamo e, consecutivamente, levando a uma
redução na secreção de ACTH e glicocorticoides.
O hipocampo apresenta alta densidade dos dois tipos de receptores para glicocorticoides
e, aparentemente, os efeitos prejudiciais causados por estes hormônios, nesta região, são
mediados majoritariamente pelos receptores glicocorticoides (GR). No hipocampo de ratos foi
demonstrado que a ligação dos glicocorticoides aos seus receptores de baixa afinidade se
relaciona a efeitos adversos no metabolismo, sobrevivência celular e morfologia neuronal. Outros
estudos, com animais expostos a situações de estresse crônico (imobilização prolongada,
separação materna), mostram que nestes modelos há um remodelamento dos neurônios
hipocampais (encurtamento dos dendritos, perda de espinhas sinápticas e supressão da
neurogênese), especialmente na região do giro denteado. Vale ressaltar que este fenômeno não
é apenas mediado pelos glicocorticoides circulantes, mas também conta com a influência de
aminoácidos excitatórios, como o glutamato, e de outros mediadores e moduladores.
Devido a sua importância tanto para os processos mnemônicos quanto para a regulação
do eixo HPA, o mau funcionamento do hipocampo pode produzir prejuízo em memórias espaciais,
declarativas e episódicas, além de prejudicar a regulação do eixo HPA, levando à elevação de
sua atividade e exacerbação dos efeitos dos glicocorticoides.
Diversos estudos de neuroimagem estrutural em humanos também reforçam a existência
de uma relação entre o estresse e alterações morfológicas do hipocampo. Um deles relata que
indivíduos com distúrbios psiquiátricos relacionados com estresse, como transtorno de estresse pós-
traumático e depressão maior, apresentam redução no volume do hipocampo, fato também
encontrado em indivíduos portadores da síndrome de Cushing, os quais apresentam
hipercortisolemia (excesso de glicocorticoides na circulação sanguínea). A correção cirúrgica da
hipercortisolemia reverte parcialmente a redução de volume hipocampal, além de melhorar o
humor e a memória desses indivíduos.
Vale ressaltar que os efeitos dos glicocorticoides no hipocampo podem ser tanto
prejudiciais, como os citados acima, quanto benéficos, como os relatados em estudos de
consolidação de memória em animais e humanos que mostram um efeito facilitador desses
hormônios. O efeito dicotômico associado a esses hormônios está relacionado, de maneira geral,
com suas concentrações circulantes e, consequentemente, com a ocupação de seus receptores.
5.3.2. Amígdala
A amígdala, estrutura presente no lobo temporal e adjacente ao hipocampo, é associada
à função de atribuir saliência emocional e comportamental a eventos do ambiente. Tanto a
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lesão quanto a supressão farmacológica desta área previne o comportamento do tipo ansioso e
o efeito modulador de drogas na memória dependente de hipocampo, área com a qual a
amígdala se conecta direta e indiretamente.
Ainda sobre a relação da amígdala, do estresse e da memória, diversos estudos
demonstram que os hormônios de resposta ao estresse e os neurotransmissores liberados por esse
estímulo facilitam a consolidação e posterior retenção de informações presentes nos momentos
de alta carga emocional, sendo que esse efeito facilitador contaria com a ativação da
amígdala. Entretanto, os principais mediadores da resposta ao estresse também são associados
com um prejuízo na evocação da memória e da memória de trabalho (working memory), efeito
este que também parece contar com uma participação de certas regiões da amígdala.
Quando consideramos a duração do estressor, percebemos que protocolos de estresse
crônico, como o de imobilização crônica, que causa retração dos dendritos em certas regiões do
hipocampo, leva ao crescimento dos dendritos em neurônios da amígdala, em especial na sua
porção basolateral. O estresse crônico também está associado a um aumento do
comportamento agressivo entre animais que compartilham o mesmo ambiente, sendo este efeito
um reflexo da hiperatividade desta região.
Estudos em humanos reforçam os achados em animais os quais atribuem importância a
esta região para a emoção e o estresse relacionados a processos fisiológicos e comportamentais.
EFEITOS DO ESTRESSE CRÔNICO
HIPOCAMPO AMÍGDALA
Redução do volume Formação de espinhas sinápticas
Atrofia dos dendritos (reversível) Crescimento dos dendritos
Redução da neurogênese Hiperresponsividade
5.3.3. Córtex Pré – Frontal
O córtex pré – frontal região situada na porção anterior do lobo frontal está intimamente
relacionada com a regulação de funções cognitivas complexas, como o controle executivo e a
working memory, além de integrar informações provenientes de regiões corticais e subcorticais.
Outra função relevante associada a esta área é a do controle de cima para baixo (top – down
regulation) das respostas associadas a situações de estresse e ameaça e o da regulação de
Tabela 1: Sintetiza os efeitos do estresse crônico no hipocampo e na amígdala. Adaptada de Benno
Roozendaal, Bruce S. McEwen & Sumantra Chattarji. Reviews Neuroscience. 2009.
- 57 -
processos associados à maneira de lidar com estas situações, os quais são mediados por áreas
que incluem o hipocampo, a amígdala e o hipotálamo.
Quando pensamos nos efeitos do estresse nessa região, estudos em animais mostram que
o estresse crônico gera modificações estruturais e funcionais no córtex pré – frontal medial, em
especial na região do cingulado anterior, na área pré – límbica, infralímbica e orbitofrontal. Estas
modificações podem envolver tanto o encurtamento de dendritos, como ocorre no córtex pré –
frontal medial quanto o seu crescimento, como ocorre no córtex orbitofrontal (efeitos vistos após a
imobilização crônica dos animais).
Assim como outras regiões do cérebro, o córtex pré – frontal também apresenta receptores
para glicocorticoides. Já foi verificado que esses hormônios produzem modificações nessa região,
fato demonstrado através do tratamento crônico por três semanas com corticosterona que leva a
uma retração dos dendritos no córtex pré – frontal medial. Outro estudo em que foi realizado
tratamento crônico por quatro semanas com dexametasona (esteroide sintético) mostrou que
houve um prejuízo da memória de trabalho avaliada na tarefa do labirinto aquático de Morris.
6. MODELOS ANIMAIS PARA O ESTUDO DO ESTRESSE
Modelos experimentais ou animais têm sido extensivamente utilizados na pesquisa como
ferramentas que auxiliam na compreensão de fenômenos biológicos, progressão de doenças,
além do seu uso na elaboração de novos tratamentos para as doenças existentes. Quando
pensamos no estudo da resposta ao estresse e de suas implicações, percebemos que um bom
modelo experimental deveria ser capaz de reproduzir os aspectos presentes na resposta ao
estresse. Os modelos existentes hoje conseguem avaliar alguns dos parâmetros bioquímicos ou
fisiológicos presentes na resposta de estresse, mas ainda são incapazes de mimetizar
completamente as alterações fisiológicas, ou até mesmo patológicas, causadas pelo estresse.
Iremos rever a partir de agora alguns dos modelos utilizados no estudo do estresse. Para
facilitar a compreensão deste tópico, dividiremos os modelos experimentais a partir da natureza
da fonte estressora, ou seja, se o estressor é de natureza física ou psicológica.
- 58 -
6.1. Modelos Experimentais De Natureza Física Para O Estudo Do Estresse
6.1.1. Estresse Induzido Pelo Nado Forçado
Neste método, os animais são colocados em tanques cilíndricos contendo água, que pode
estar morna (20 °C) ou fria (4 °C), esperando – se que nadem. Em protocolos de estresse agudo, os
animais são mantidos nesta condição de minutos até horas (há protocolos que permitem que o
animal nade por até 2h00). Já nos protocolos de estresse crônico, os animais são colocados nessa
condição por alguns dias, em geral cinco, em sessões que duram até 2h00. Mesmo que
represente um método de indução de estresse, o nado forçado, em especial quando realizado
cronicamente, pode não ser tão efetivo, uma vez que os animais se habituam a situação.
6.1.2. Estresse Por Imobilização
A imobilização tem sido muito utilizada como um estressor para o estudo das alterações
biológicas, bioquímicas e fisiológicas nos animais. Este método pode ser realizado de duas formas
distintas. Na primeira, o animal é imobilizado dentro de um tubo cilíndrico de acrílico que possui
orifícios para entrada de ar. Na segunda forma, os membros (patas) do animal são fixados em
uma mesa com fita adesiva, imobilizando-o. Para protocolos de estresse agudo, os animais
podem ser mantidos nesta condição por aproximadamente 2h50. Já em protocolos de estresse
crônico, os animais podem ser imobilizados por até 10 dias. A vantagem presente nesta
metodologia é que ela produz uma condição de estresse físico inescapável na qual raramente há
adaptação.
6.1.3 Estresse Induzido Por Choque Nas Patas
Choque elétrico nas patas de intensidade moderada tem sido utilizado extensivamente
como estressor. Roedores em geral são susceptíveis a este procedimento e manifestam após sua
realização uma rápida resposta de estresse. O choque elétrico nas patas é realizado em uma
câmara que apresenta seu chão eletrificado (geralmente são pequenas barras paralelas). Para
protocolos de estresse agudo, os animais são expostos aos choques apenas uma vez. Já em
protocolos prolongados, animais podem ser expostos a este procedimento por alguns dias. A
- 59 -
vantagem presente neste método é que produz uma resposta de estresse notável nos animais. A
maior desvantagem é que os animais podem se machucar durante a aplicação dos choques.
6.2. Modelos Experimentais De Natureza Psicológica Para O Estudo Do Estresse
6.2.1. Estresse Induzido Pela Presença Ou Cheiro De Predador
O encontro de um animal com seu predador natural representa uma condição muito
estressante e ansiogênica. Dessa forma, a exposição de um roedor a seu predador natural (um
gato) ou ao odor do mesmo elicia a resposta de estresse. Esse tipo de paradigma tem sido
efetivamente utilizado na avaliação das alterações bioquímicas e fisiológicas induzidas por essa
situação estressante. Alterações em diversos comportamentos, como locomoção, e em
parâmetros endócrinos após a realização deste protocolo são observados. Esta metodologia é
empregada principalmente em procedimentos de estresse agudo, não sendo utilizada em
procedimentos crônicos, uma vez que o animal pode se habituar a presença/odor do predador.
6.2.2. Estresse Por Derrota Social
O paradigma de derrota social
representa um modelo ecológico de
estresse que é constituído por interações
agressivas que são inescapáveis,
imprevisíveis e intensas. O paradigma de
derrota social é considerado um modelo de
estresse psicossocial relevante, pois produz
alterações duradouras tanto
comportamentais quando fisiológicas nos
indivíduos derrotados. Neste modelo, há o
confronto entre um animal intruso (que não
habita o local) e um residente (que mora
no local). O animal intruso é colocado na
Figura 8: Caixa de condicionamento de medo ao
contexto também utilizada para aplicar os choques nas
patas. Imagem retirada do site: www.insightltda.com.br
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gaiola moradia do animal residente e lá permanece por alguns minutos. O comportamento de
derrota social é caracterizado por um conjunto de posturas exibidas pelo animal derrota, sendo
algumas destas: imobilidade, reações de escape, postura ereta defensiva.
6.2.3. Estresse Induzido Pelo Isolamento Neonatal
O paradigma de estresse neonatal em roedores produz alterações comportamentais e
fisiológicas duradouras. Estudos já demonstraram que roedores privados de contato social
apresentam alterações comportamentais, como um aumento na locomoção quando expostos a
um ambiente novo e um prejuízo no comportamento exploratório. O isolamento individual dos
filhotes mostra ser um método efetivo de estimulação do eixo HPA. Neste paradigma, o filhote é
removido da ninhada no segundo dias após o nascimento e mantido isolado da mãe e irmãos em
uma caixa aquecida por uma manta térmica. Este procedimento pode ter duração de 1h00 ou
mais e pode ser realizado por vários dias. Após o tempo de isolamento ter terminado, o filhote
retorna para sua ninhada.
6.3. Estresse Crônico Moderado
Quando pensamos em modelos animais para o estudo do estresse, um ponto crítico tanto
para os modelos de estresse físico quanto psicológico, é a adaptação que os animais podem
desenvolver principalmente em exposições prolongadas (estudos de estresse crônico). Dessa
forma, quando um mesmo estressor é apresentado repetidas vezes, a resposta do eixo HPA pode
se tornar estável. Por outro lado, quando utilizamos um paradigma constituído por diversos
estressores verifica-se uma elevação da corticosterona (importante mediador do eixo HPA)
quando esses animais são desafios com uma imobilização aguda. Assim, levando isso em
consideração, foi desenvolvido o modelo de estresse crônico moderado, que é constituído por
diversos estressores físicos e psicológicos que são apresentados ao animal de forma imprevisível,
buscando assim evitar a adaptação. Diferentes protocolos de estresse crônico moderado já foram
desenvolvidos, sendo que estes variam a duração de cada estressor e o período que o animal
será exposto a eles (de 10 a 40 dias).
- 61 -
7. A IMPORTÂNCIA DE TUDO ISSO
O estudo da resposta ao estresse se coloca como um vasto campo de investigação na
atualidade. Por ser um fenômeno que apresenta alto valor adaptativo para os seres vivos, a
compreensão dos mecanismos e mediadores envolvidos nesse processo e como seus efeitos
impactam nossas funções fisiológicas é algo extremamente valioso.
Tabela 2: Representação de um protocolo de 40 dias de estresse crônico moderado
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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- 63 -
1. CRONOBIOLOGIA
A Cronobiologia é a ciência que estuda as qualidades temporais dos organismos vivos. Ela
inclui o estudo dos ritmos biológicos caracterizados pela recorrência, a intervalos regulares, de
eventos bioquímicos, fisiológicos e comportamentais.
As variações que acontecem nesses intervalos correspondem às respostas adaptativas à
alternância dos dias e noites, estações do ano, fases da lua e outros ciclos ambientais. A
incorporação desses ciclos ambientais concede aos organismos a possibilidade de anteciparem
mudanças ambientais. Por exemplo: comportamentos de hibernação, migração ou reprodução
em certas épocas do ano. No caso dos seres humanos, o ciclo vigília-sono é considerado uma
adaptação ao ciclo claro-escuro.
Diz-se que os ritmos biológicos têm um caráter endógeno, já que ele persiste em ambientes
artificiais, constantes ou até mesmo na ausência de pistas ambientais. Isso quer dizer que esses
ritmos são determinados por fatores internos ao organismo. A demonstração desse caráter
endógeno advém de experimentos com plantas e animais que eram isolados de estímulos
ambientais, os quais agiam como dicas temporais.
No século XVIII, De Marian colocou uma planta chamada Mimosa pudica – “planta
dormideira” dentro de um baú em condição de escuro constante. Ele notou que as folhas
continuavam abrindo e fechando. Assim, concluiu que o ritmo não estava sendo determinado
pela oscilação luminosa ambiental, e propôs que esse ritmo endógeno fosse entendido como
uma propriedade intrínseca da planta. Experimentos semelhantes foram realizados com ratos de
laboratório, em que o ciclo de iluminação é 12:12 (12 horas claro e 12 horas escuro). Os ratos têm
hábitos noturnos, ou seja, o ritmo atividade-repouso deles é caracterizado pelo predomínio de
maior atividade no período de escuro. Quando submetidos a escuro contínuo, eles mantiveram
seu ritmo, porém, com uma duração um pouco diferente das 24 horas do período endógeno e,
nesse caso, o ciclo atividade-repouso estava em livre-curso. Do mesmo modo, seres humanos
mantidos em situações de isolamento temporal passavam a dormir e acordar com uma
periodicidade superior a 24 horas.
De modo geral, o período endógeno é diferente do ciclo ambiental a que se está
sincronizado, sendo um pouco maior ou menor. Sendo assim, surgiram alguns termos para
caracterizar a periodicidade dos ritmos:
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circadianos – oscilam em torno de um dia – entre 20 e 28 horas. Ex.: ciclo vigília-sono,
temperatura corporal, liberação da melatonina.
infradianos – ritmos de baixa frequência, com períodos maiores que 28 horas. Ex.: ciclo
mentrual (28 dias), produção de plaquetas no sangue (7 dias);
ultradianos – ritmos de alta frequência, com períodos menores que 20 horas. Ex.: disparo de
neurônios (milissegundos), batimentos cardíacos (minutos).
1.1 Ritmos Circadianos
Os ritmos circadianos são oscilações que ocorrem ao longo de 24 horas e que afetam as
funções do cérebro e do corpo, como temperatura corporal central, liberação de hormônios e
ciclo vigília-sono. É o principal marcapasso que regula esses ritmos está localizado no hipotálamo,
e situado no Sistema Nervoso Central (SNC), mais precisamente no núcleo supraquiasmático. O
SNC recebe a informação sobre a luminosidade ambiental, ciclo vigília-sono, e condição de
atividade. Em resposta a esses estímulos, produz sinais para regular o tempo de atividade e
comportamento.
Evidências recentes indicam que o ritmo circadiano é controlado intracelularmente por
mecanismos genéticos. Os mecanismos moleculares provenientes desta habilidade de “relógio
biológico” estão ainda sendo elucidados, mas parecem ser providos por meio de alças de
retroalimentação de transcrição e tradução associadas a eventos sinalizadores. Nesse sentido,
distúrbios do ritmo circadiano e fenótipos do sono começam a se correlacionarem com
anormalidades na regulação gênica dos ritmos circadianos. Cada célula do organismo possui seu
próprio ritmo e os núcleos supraquiasmáticos têm como função sincronizar estes ritmos para que
haja harmonia entre o meio interno e externo. O mecanismo molecular intrínseco de cada célula
é composto por diversos genes, chamados genes-relógio, dentre os quais estão: Bmal1, Clock,
Period1, Period2, Period3, Crypthochrome1, Crypthchrome2, Casein Kinase1 épsilon, Rev-erb e
Rora. Alterações nesses genes, como mutações ou polimorfismos, são capazes de atrasar ou
adiantar a fase dos ritmos endógenos, o que pode causar diferenças individuais na sincronização
com o meio ambiente.
Essas diferenças individuais decorrem tanto da preferência pelos horários de vigília e sono
quanto da quantidade de horas de sono consideradas necessárias. No que diz respeito aos
horários de vigília e sono, os indivíduos se classificam em matutinos, intermediários e vespertinos. Os
indivíduos matutinos são aqueles que preferem realizar suas atividades pela manhã, enquanto os
vespertinos preferem realizar suas atividades à tarde ou à noite. Os indivíduos intermediários (ou
indiferentes) são os que têm facilidade em se adaptar a qualquer um destes horários, e é neste
- 65 -
grupo que a maior parte da população está inserida. Existem ferramentas que classificam os
indivíduos quanto a sua preferência pelos horários de vigília e sono, como o questionário descrito
por Horne e Ostberg em 1976 e o questionário de Munique, descrito por Wittmann e
colaboradores em 2006. Quanto às horas de sono consideradas necessárias, existem os pequenos
dormidores, que precisam de, no máximo, 6h e 30min de sono; e os grandes dormidores, que
necessitam de, no mínimo, 8h de sono.
A temperatura corporal é um forte marcador do ritmo circadiano nos animais. A
diminuição da temperatura à noite coincide com níveis altos de melatonina, de modo que ocorre
uma relação inversa entre a temperatura e a melatonina. É importante lembrar que tanto o ritmo
da temperatura quanto da melatonina estão relacionados ao ciclo claro-escuro. Dentre as
diversas funções da melatonina, sugere-se que ela regule o declínio da temperatura, ou seja, ela
também teria um papel hipotérmico. E já que a melatonina controla, entre outros reguladores, a
temperatura corporal, quem controlaria a melatonina? Sugere-se que a luz. A luz desempenha um
papel fundamental na secreção dessa substância pela glândula pineal. Na ausência de luz,
durante a noite, há aumento da síntese dessa substância.
Outra ferramenta também utilizada no estudo dos ritmos circadianos a fim de se investigar
o ciclo vigília-sono é a actigrafia. Ela consiste em um instrumento – o actígrafo – em formato de
relógio de pulso que possui um sensor interno que registra os períodos de atividade e repouso. Os
dados registrados são transferidos para o computador, onde um software de análise fornece
informações a respeito do tempo de sono, tempo da vigília, latência para início do sono, além do
actograma, que permite visualizar o ciclo atividade-repouso de uma pessoa.
1.2 Modelo Regulatório Dos Dois Processos
Um dos modelos usados para explicar como ocorre a regulação do sono é o Modelo de
Borbély. Nesse modelo, o sono é visto como um processo de recuperação da fadiga, decorrente
de vigília anterior, a fim de que se mantenha o equilíbrio homestático do organismo – o Processo S.
O Processo S corresponde a um acúmulo de fadiga ou de um fator neuroquímico, que ocorre
durante o período de vigília promovendo o sono. Desse modo, quando o indivíduo dorme,
“desaparecem” a fadiga e essas substâncias acumuladas. Paralelamente, existe um componente
circadiano da regulação do sono – o Processo C. Esse processo funcionaria como um oscilador,
em que se observam valores mínimos de propensão ao sono ao final da fase clara, e valores
máximos de propensão ao sono no meio-período de sono, que ocorre algumas horas antes do
início da fase clara. Pode parecer meio contraditório, mas pense qual situação seria mais
desconfortável: ir dormir mais tarde, ou ser acordado às 4h da madrugada? Esse modelo prediz
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de modo qualitativo a relação entre a duração do sono e a fase circadiana do início do sono, ou
seja, esse modelo ajuda-nos a entender a regulação do sono, mas não a da vigília.
Os ritmos circadianos, principalmente entre os seres humanos, são sincronizados por pistas
ambientais como a luz, os fatores sociais, a alimentação, entre outros. Um desbalanço nessa
sincronização toda frequentemente traz consequências maléficas ao organismo. Certamente,
muitas pessoas gostariam de dormir mais, ou até mais tarde, mas as expectativas e cobranças da
sociedade (que ainda funciona muito mais durante o dia do que durante a noite) impedem que
as pessoas respeitem o curso natural de seus “relógios biológicos”. Nesse sentido, o
desenvolvimento de estudos na área da cronobiologia pode ajudar no entendimento e
tratamento dos transtornos do ritmo circadiano, bem como, na prevenção de riscos para saúde
causados, por exemplo, por trabalhos com horários irregulares.
1.3 Distúrbios De Ritmos
A melatonina possui receptores expressos na maioria dos órgãos, glândulas e tecidos, e,
desse modo, regula o padrão de secreção circadiano dos hormônios, o ciclo atividade-repouso e
a temperatura corporal central. Quando há uma ruptura da ritmicidade circadiana induzida por
fatores endógenos ou ambientais, o resultado será uma alteração nos padrões de secreção da
melatonina levando, frequentemente, a sintomas clínicos.
Dentre os distúrbios associados a causas exógenas (ambientais), estão:
1.3.1 Distúrbios de sono devido ao trabalho em turno ou noturno (shift work), é a principal
causa de dessincronização dos ritmos biológicos. É definido por: sonolência excessiva durante o
trabalho noturno, com insônia no período de sono diurno; perda do alerta durante as horas do
trabalho, principalmente no primeiro período da manhã. Consequências clínicas: alterações
comportamentais, distúrbios do sono, problemas de segurança no trabalho, regulação
metabólica e hormonal alterada, e susceptibilidade a câncer. Atinge de 5 a 10% dos
trabalhadores noturnos ou de turnos irregulares.
1.3.2 Distúrbio devido a vôos transmeridianos e jet lag – ocorre pela passagem rápida por
múltiplos fusos horários em longas distâncias de viagens aéreas transmeridianas, e resulta na
dessincronização do ritmo circadiano. Consequências clínicas: insônia, despertar precoce,
sonolência diurna, e perda da eficiência conhecida como “distúrbio de jet lag”. A intensidade
varia de acordo com a duração e intensidade do vôo, número de fusos atravessados e tolerância
individual.
Os distúrbios do ritmo circadiano de origem endógena são caracterizados por queixas de
insônia ou sonolência diária que primariamente resultam de alterações no sistema de timing
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circadiano interno ou desequilíbrio entre o horário de sono normal e o ambiente físico e social de
24h. Dentre os distúrbios associados a causas endógenas, estão:
1.3.3 Distúrbio do avanço de fase do sono – a maioria da atividade vespertina é
antecipada por uma obrigatoriedade precoce em ir para cama, com o despertar às 3h, ou antes.
Esse padrão é frequentemente observado em pessoas mais velhas. Em paralelo, ocorre um
avanço da temperatura central do corpo e do pico de secreção de melatonina, resultando em
uma alteração endógena do relógio biológico. Também pode ocorrer uma fotorrecepção
reduzida.
1.3.4 Distúrbio do atraso de fase do sono – é definida por uma anormalidade no tempo
de sono e vigília que são atrasados, resultando em dificuldade para despertar pela manhã a
tempo de realizar seus compromissos matutinos. Parece haver uma relativa contribuição dos
fatores endógenos e exógenos subjacentes a esse fenômeno. Este padrão é mais frequentemente
observado em jovens com pouca rigidez de horários e também em pessoas com preferência pela
noite. Em casos primários este distúrbio, em que não há fatores externos interferindo, o pico de
secreção de melatonina é espontaneamente atrasado.
1.3.5 Cegueira – pessoas que são totalmente privadas de percepção à luz apresentam
dessincronização de seu ritmo biológico e livre-curso.
1.3.6 Idade – o envelhecimento é associado com alterações do ciclo vigília-sono,
temperatura central corporal, ritmo cardíaco, pressão sanguínea, secreção hormonal e maior
incidência de diabetes do tipo II e câncer. Muitas causas podem estar envolvidas, incluindo
distúrbios de sono primários, depressão ou uso de medicação. Entretanto, alterações do relógio
biológico e regulações circadianas idade-dependentes parecem estar entre as principais causas
de desregulações do ciclo atividade-repouso associadas com insônia em sujeitos idosos.
2. HISTÓRICO DO SONO
Acreditava-se que o sono resultasse da evaporação dos alimentos no organismo. Segundo
essa hipótese, assim como o ar quente sobe, o alimento evaporado também subiria, provocando
sonolência. Curiosa é a explicação ligada a esse conceito da relação entre o sono na criança e o
tamanho da cabeça: as crianças, que dormem muito, têm a cabeça proporcionalmente maior
do que a do adulto porque muito mais alimento se evapora e nela penetra, dilatando-a! E quem
desenvolveu essa teoria foi ninguém menos que Aristóteles!
O sono, que já foi denominado como “o estado intermediário entre a vigília e a morte”, foi
por muito tempo considerado como um estado passivo do organismo. O sono era visto apenas
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como um estado inativo do cérebro, resultante da diminuição da percepção sensorial. Hoje se
sabe que o sono é um comportamento dinâmico, e que ele não é simplesmente a ausência da
vigília, mas sim uma atividade especial do cérebro, controlada por mecanismos elaborados e
precisos.
2.1 As Primeiras Descobertas
Vale citar alguns fatos que alteraram de modo significativo as abordagens e as
perspectivas relativas ao sono:
a- Os antigos fisiologistas e neurologistas não dispunham de instrumentos que
permitissem avaliar de forma mais precisa do que simplesmente observar indivíduos e animais
dormirem. Em meados do século XIX, o fisiologista alemão Ernst Kohlschütter decidiu medir a
profundidade do sono determinando o limiar de estímulo auditivo que despertava aqueles que
dormiam. Ele notou que esse limiar era muito alto durante a primeira hora de sono e depois
diminuia regularmente até o momento de acordar. Na verdade, ele encontrou quatro ou cinco
picos mais elevados durante a noite, mas considerou como artefato, sem perceber que havia
descoberto a ciclagem do sono. Um outro fisiologista alemão, Eduard Michelson, repetiu os
experimentos de Ernst com técnica mais apurada – estímulos de pressão sobre a pele – e
acreditou em seus dados, determinando as oscilações do limiar em função do tempo. Essa curva
é muito semelhante às determinadas na atualidade.
b- Entre 1920 e 1930, a invenção da eletroencefalografia mudou radicalmente a
abordagem experimental do sono. Depois de muita experimentação com animais de várias
espécies, usando um dos primeiros registradores eletrônicos construídos pela Siemens, em 1928, o
neuropsiquiatra alemão Hans Berger, conhecedor das pesquisas anteriores relativas ao sono,
registrou pela primeira vez a atividade elétrica do cérebro humano, e claramente demonstrou
diferenças nos padrões observados quando os sujeitos estavam acordados ou dormindo. Berger
nomeou os sinais registrados de “eletroencefalograma” (EEG). Foi neste momento que o
verdadeiro interesse científico sobre o sono começou: pela primeira vez, a presença do sono
podia ser estabelecida sem perturbar a pessoa que estava dormindo, e, mais importante, o sono
poderia ser continuamente e quantitativamente mensurado. Com o advento desta técnica, os
pesquisadores observaram que durante o sono humano a atividade elétrica continuava presente,
e a idéia do cérebro completamente “desligado” durante o sono mudou a partir de então.
c- Nos anos de 1937, 1938 e 1939, os fisiologistas americanos Loomis, Harvey e Hobart
descreveram as fases do que chamamos sono sincronizado (ou também, sono de ondas lentas).
d- Anos depois, Kleitman e Aserinsky, em 1953, descreveram a existência de uma fase
de dessincronização do sono. Kleitman e Dement deram o nome de sono REM devido à presença
- 69 -
de movimentos rápidos dos olhos (Rapid Eye Movements). O estágio de ondas lentas, em
oposição, foi nomeado como NREM (Non Rapid Eye Movements). A descoberta do sono REM se
deu pelos estudos que eles desenvolviam sobre os ciclos de atividade e inatividade de crianças.
Em seus experimentos, Kleitman observava os movimentos oculares das crianças, pois ele
acreditava que estes seriam uma possível medida da profundidade do sono. Em 1951, Kleitman e
seu aluno Eugene Aserinsky descreveram um aparente ritmo na motilidade ocular de crianças, e a
seguir decidiram estudar o mesmo fenômeno em adultos. Porém, desta vez, ao invés de utilizar a
observação direta como método, os autores utilizaram a eletrooculografia (EOG). Às vezes, no
registro do EOG durante o sono, eram vistas mudanças bruscas no potencial elétrico, associadas
com a movimentação rápida dos olhos. A seguir, motivados pela descoberta dos movimentos
rápidos dos olhos durante o sono, e pelo desejo de expandir e quantificar este fenômeno, William
Dement e Kleitman realizaram um total de 126 noites de registro de EEG de 33 sujeitos. Após
analisar todos os registros, os pesquisadores descobriram que existia uma sequência previsível de
padrões durante o curso do sono, que se repetia a cada 90 a 100 minutos. Na época destas
observações, o sono era considerado como um estado único. Porém, de acordo com as
observações destes experimentos, Dement e Kleitman dividiram os padrões de EEG durante o
sono em dois estágios distintos:
um estágio com ondas sincronizadas (ondas lentas),
e o outro com ondas dessincronizadas (ondas rápidas).
O sono em humanos desenvolveu-se muito nas últimas décadas. A invenção de técnicas
de registro simultâneo de várias funções (eletrooscilograma, pressão arterial, frequência cardíaca,
respiração, saturação de hemoglobina, etc.) propicia o avanço no entendimento e no
tratamento dos distúrbios de sono, que atingem uma parcela significativa da população mundial.
3. FILOGENIA DO SONO
Filogenia é a história dos seres vivos seguindo a teoria evolucionária, ou seja, em termos de
ascendentes, descendentes e incorporação sucessiva de modificações. A história evolutiva do
sono pode ser estudada com dois objetivos diferentes. Primeiro, para se compreender a própria
evolução e seus processos; segundo, para se compreender o próprio sono. Nesta última
abordagem, as características do sono de um grupo animal adaptado a um modo de vida
podem, por exemplo, revelar a função do sono nesse grupo.
Mas quais animais dormem? Com relação aos organismos unicelulares, não houve até o
momento nenhuma declaração da ocorrência de sono. Porém, existe ampla evidência de que
algumas cianobactérias, protistas, euglenozoas e dinoflagelados apresentam ritmo circadiano de
atividade.
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Em invertebrados, a identificação de estados equivalentes ao sono depende
principalmente de análises comportamentais (como a quiescência). Já foram constatados
estados equivalentes ao sono em abelhas, vespas, moscas, gafanhotos, borboletas, mariposas e
libélulas, inclusive com adoção de postura específica. Contudo, o invertebrado mais estudado
nesta área é a Drosophila melanogaster.
O sono comportamental já foi constatado em várias espécies de peixes, existindo desde os
peixes que nunca param de nadar (ex: alguns tubarões e atuns), até espécies que “dormem”
profundamente a ponto de poderem ser capturadas manualmente.
Os estudos de sono em anfíbios e répteis são muito importantes do ponto de vista
evolucionário. Nos anfíbios, o sono comportamental é geralmente associado com uma postura
específica (deitados ventralmente), olhos fechados, e aumento do limiar para a indução da
reação de alerta. Já com relação aos répteis, os dados indicam que ocorrem períodos de
quiescência nos quais os critérios comportamentais de sono são constatados. As pesquisas com
répteis atuais não produziram evidências convincentes da presença de sono REM ou de uma
organização do sono que possa sugerir um ciclo. De acordo com estas evidências, pode-se sugerir
que o sono REM não existiu em espécies reptilianas, entretanto evoluiu rapidamente com o
advento da endotermia.
O sono das aves é similar ao da maioria dos mamíferos. Todas as aves estudadas até o
momento mostraram ter sono de ondas lentas e sono paradoxal do ponto de vista eletrográfico. O
sono paradoxal das aves é acompanhado de movimentos oculares rápidos, e muitas delas
apresentam atonia muscular restrita a alguns músculos.
O sono já foi estudado em pelo menos uma espécie de cada ordem atual de mamíferos.
Dentre estes animais estudados sabe-se que todos dormem apresentando um estado de
imobilidade relativa, em geral com adoção de postura específica, necessidade de estímulos
sensoriais mais intensos para a indução de respostas e reversibilidade espontânea ou induzida
para a vigília.
4. O SONO EM ROEDORES
O rato é um animal noturno, isto é, a vigília predomina à noite e o sono durante o dia.
Durante o período escuro estes animais também dormem, porém, em menor proporção quando
comparado com o período claro. Os ratos dormem aproximadamente 13 horas por dia e
apresentam o sono estruturado de uma forma muito semelhante ao sono de humanos.
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Como ocorrem no EEG em humanos, no rato também se manifestam oscilações rápidas
(dessincronizadas) e lentas (sincronizadas). Em decorrência dessa distinção básica quanto à
frequência e amplitude das ondas, costuma-se dividir o sono em dois estados fundamentais que
são o sono de ondas lentas, ou sono sincronizado, e sono dessincronizado, ou sono paradoxal.
Assim, atualmente é aceito que no ciclo vigília-sono do rato pode-se detectar os seguintes
estágios:
• Vigília atenta ou ativa
• Sono sincronizado ou sono de ondas lentas
• Sono paradoxal
A vigília atenta é caracterizada por ondas ou ritmo teta, com alta frequência e baixa
amplitude no eletrocorticograma (ECoG) e tônus muscular elevado. Com a progressão do ciclo,
ocorre o aparecimento de ondas delta de alta voltagem e baixa frequência. No início do sono
surgem ondas delta, acopladas ou não aos fusos do sono. Esta fase do sono do rato é chamada
de sono sincronizado ou sono de ondas lentas, nessa fase o sono é mais profundo do que na
anterior, uma vez que o limiar para despertar o animal se eleva. A seguir, o sono evolui para o
sono paradoxal, e aparecem no ECoG ondas dessincronizadas. Assim como em humanos, os ratos
também apresentam atonia muscular e movimentos rápidos dos olhos nesta fase do sono, porém,
os movimentos do rostro e vibrissas são mais acentuados por serem albinos.
5. A ESTRUTURA DO SONO EM HUMANOS
O primeiro manual de estagiamento do sono de humanos adultos foi publicado em 1968.
Esta publicação foi realizada por um comitê formado por experientes pesquisadores em fisiologia
e distúrbios de sono, junto ao Brain Information Service. Em 2007, a Academia Americana de
Medicina do Sono publicou um novo manual para estagiamento do sono e eventos associados,
na tentativa de padronizar as regras, terminologia e especificações técnicas relacionadas à
polissonografia (PSG).
Basicamente, a descrição do sono humano normal compreende em 2 estados: o sono
NREM (convencionalmente dividido nos estágios N1, N2 e N3) e o sono REM, que se alternam
ciclicamente no decorrer do sono em intervalos que variam de 70 a 110 minutos. Cada sequência
NREM-REM forma um ciclo de sono que se repete de 4 a 6 vezes por noite, dependendo do
período total de sono.
Cada estado possui características bem definidas. O sono NREM apresenta EEG com
ondas sincronizadas e alguns grafoelementos característicos associados com tônus muscular
reduzido e atividade psicológica mínima. Já no sono REM, o EEG é dessincronizado, há a atonia
muscular, episódios de movimentos rápidos dos olhos, e os sonhos são típicos.
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Em um adulto normal, é comum observar o início do sono com a presença do estágio N1
do sono NREM com prevalência de ondas teta e ondas agudas do vértex, além de movimentos
oculares lentos. Indivíduos sonolentos podem iniciar em outras fases do sono como N2, por
exemplo. Quando se inicia no estágio N1, a seguir, o sono progride para o estágio N2, que é
caracterizado pela presença de fusos do sono e/ou complexos K. Com a progressão do estágio
N2, há o aparecimento gradual de ondas delta no EEG, caracterizando a entrada no estágio N3.
Após cerca de 90 minutos do início do sono, surge o primeiro episódio de sono REM (EEG
dessincronizado, atonia muscular, episódios de movimentos rápidos dos olhos), e que delimita o
final do primeiro ciclo do sono. Apesar da semelhança, os ciclos do sono apresentam algumas
características específicas no decorrer da noite. Geralmente, o estágio N3 ocorre em grandes
quantidades nos primeiros ciclos, diminuindo gradativamente, até a completa ausência no último
terço da noite. Em contraste, observa-se um aumento progressivo do sono REM.
6. BASES NEURAIS DO CICLO VIGÍLIA-SONO
A descoberta do sono como um estado ativo, com ciclos que apresentam alternância na
atividade elétrica cerebral, despertou na comunidade científica o interesse pelo estudo das bases
neurais responsáveis pelo ciclo vigília-sono. Atualmente, sabe-se que a alternância de um estado
ativo (vigília) para o sono deve-se devido à integração de diferentes sistemas neurais, e
neurotransmissores distintos, que influenciam a atividade elétrica cerebral e o estado
comportamental.
Os estudos pioneiros utilizando técnicas de transecções e lesões demonstraram que grupos
neuronais localizados no tronco encefálico poderiam ser responsáveis pelo estado de ativação
semelhante à vigília. Baseado nestes estudos, Moruzzi e Magoun (1949) descreveram a presença
de um sistema central promotor de vigília: o sistema de ativação reticular ascendente (SARA). O
SARA seria composto por grupos neuronais que se estendiam ao longo do tronco encefálico
gerando ativação prosencefálica, e consequente despertar comportamental. Entretanto, o
conceito do SARA vem sendo substituído pelos achados atuais de que o despertar não é
facilitado por um único sistema localizado no tronco encefálico, mas por diversos grupos neurais
presentes no tronco encefálico e prosencéfalo (telencéfalo e diencéfalo). Estes grupos celulares
são compostos por células noradrenérgicas no locus coeruleus, neurônios serotoninérgicos nos
núcleos da rafe, células que sintetizam acetilcolina localizadas no tegmento pedúnculo pontino e
no tegmento laterodorsal, neurônios glutamatérgicos no mesencéfalo, e grupos celulares na
substância negra e área tegmental ventral que sintetizam dopamina. Estruturas presentes no
prosencéfalo também participavam da vigília e ativação cortical. Neurônios que contêm
histamina presentes no núcleo tuberomamilar do hipotálamo posterior, células hipocretinérgicas
(também conhecidas como orexinérgicas) no hipotálamo posterior, neurônios colinérgicos no
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prosencéfalo basal, células que sintetizam neuropeptídeo Y no núcleo supraquiasmático e células
glutamatérgicas no córtex pré-frontal ventro-medial, contribuem para promover a vigília. Os
múltiplos sistemas neuronais responsáveis pela geração e manutenção da vigília utilizam diferentes
neurotransmissores que interagem entre si contribuindo de maneira única para o despertar
comportamental.
O início do sono ocorre em resposta aos processos homeostáticos e circadianos, ocorrendo
a inibição dos sistemas ativadores do tronco encefálico, hipotálamo e prosencéfalo basal
principalmente por meio de neurônios GABAérgicos. O sono sincronizado ou NREM está associado
ao aumento da atividade de células presentes no núcleo pré-óptico ventrolateral. Esta região
contém células GABAérgicas que projetam para os núcleos monoaminérgicos presentes no
tronco encefálico e neurônios no hipotálamo posterior, tendo uma ação inibitória sobre os
geradores da vigília e da ativação cortical. O sono REM apresenta diferenças fisiológicas e
comportamentais quando comparado com o sono NREM. A presença de movimentos rápidos dos
olhos, padrão de ativação cortical semelhante à vigília e a ausência de tônus muscular são as
características mais destacadas. Uma das características do sono REM mais estudadas é a
presença de atividade cortical semelhante à vigília associada a um estado comportamental de
sono (atonia muscular e redução da resposta a estímulos externos). Estudos demonstraram que
núcleos colinérgicos presentes na região pontomesencefálica, no tegmento pedúnculo pontino e
no tegmento laterodorsal, parecem ser essenciais para a ativação cortical durante o sono REM.
Neurônios GABAérgicos presentes no tronco encefálico projetam-se para o locus coeruleus e
núcleo dorsal da rafe cessando a atividade dessas células monoaminérgicas. Ainda, há projeções
GABAérgicas, com modulação da glicina, para motoneurônios presentes na medula espinhal,
atuando na atonia muscular.
Diversos estudos analisaram a ação de neurotransmissores específicos no ciclo vigília-sono.
Estes sistemas de neurotransmissão atuam de forma integrada e recíproca para gerar os
fenômenos fisiológicos e comportamentais que compõem esse ciclo.
Durante a vigília, principalmente durante a vigília ativa, os neurônios noradrenérgicos
presentes no locus coeruleus apresentam padrão elevado de ativação e redução durante o sono
de ondas lentas e praticamente cessam o disparo neuronal no sono REM. A manutenção da
ativação cortical e do tônus muscular parece ocorrer devido a um balanço na atividade
colinérgica e noradrenérgica. Porém, os neurônios colinérgicos presentes no prosencéfalo basal
também apresentam importante função na estimulação cortical durante o sono REM. Esses
neurônios apresentam elevada atividade durante a vigília e o sono REM, cessando a atividade
durante o sono NREM. Estudos conduzidos nas últimas décadas propõem que a serotonina teria
papel fundamental na promoção da vigília e inibição do sono REM. Entretanto, recentemente
propõe-se que a serotonina não deveria ser considerada nem um promotor da vigília e nem
promotor de sono, uma vez que o seu efeito no ciclo vigília-sono depende do grau de ativação
do sistema serotoninérgico, ação nos receptores específicos e momento circadiano desta
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ativação. Os neurônios glutamatérgicos representam o suporte principal para os sistemas de
ativação cortical e comportamental presentes na vigília. Contudo, o glutamato parece também
estar relacionado com a geração do sono REM, influenciando a ativação dos grupos neuronais
presentes no tronco encefálico. Neurônios histaminérgicos e hipocretinérgicos presentes no
hipotálamo posterior estimulam a ativação cortical por meio de projeções diretas ao córtex
cerebral e projeções excitatórias para outros sistemas de ativação. Estudos experimentais
demonstram que neurônios dopaminérgicos apresentam-se ativos durante a vigília, indicando
relação com estado de ativação cortical, mas não necessariamente com despertar
comportamental. A participação desse neurotransmissor também é descrita no sono REM. Tufik foi
o pioneiro em descrever uma supersensibilidade dos receptores dopaminérgicos D2 após um
período de privação de sono paradoxal em ratos. Além disso, lesão seletiva de vias
dopaminérgicas inibe a geração do sono paradoxal. Dados farmacológicos indicam que a ação
de drogas agonistas e antagonistas dos receptores dopaminérgicos podem tanto aumentar ou
diminuir sono NREM e sono REM. O GABA, principal neurotransmissor hipnogênico, modula os
sistemas de ativação por meio da inibição da ação dos neurotransmissores promotores de vigília
ou, ainda, inibindo a liberação destes neurotransmissores. Ainda, muitas vias neurais que regulam
o ciclo vigília-sono podem ser influenciadas por fatores que modulam a atividade dos sistemas de
neurotransmissão. Essas substâncias são compostos endógenos reconhecidos como sinalizadores
ou promotores de sono. Adenosina, prostaglandinas, citocinas e alguns hormônios apresentam
interação fundamental com os sistemas neuroquímicos reguladores do ciclo vigília-sono.
Figura 1. Representação do encéfalo do rato demonstrando os principais núcleos, regiões e
neurotransmissores que atuam no ciclo vigília-sono. As setas vermelhas indicam ativação (grupos
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neuronais que estão ativos durante a vigília), as setas azuis e verdes ação inibitória (neurônios
ativos na geração e manutenção do sono). ACh: neurônios colinérgicos; GABA: neurônios
gabaérgicos; Glu: neurônios glutamatérgicos; H: células histaminérgicas; NA: neurônios
noradrenérgicos; Orx: neurônios orexinérgicos (hipocretinérgicos); Cpu: caudato-putamen
(estriado); Cx: córtex; Gi, GiA e GiV: núcleo gigantocelular da rafe; GP: globo pálido; Hi:
hipocampo; LDTg: tegmento látero dorsal; Mes RF: região mesencefálica; opt: PH: hipotálamo
posterior; PnC e PnO: núcleos pontino; POA: área pré-optica; PPTg: tegmento pendúculo pontino;
Rt: núcleo reticular do tálamo; SN: substância negra; Th: tálamo; TM: núcleo tuberomamilar; VTA:
área tegmental ventral. Modificado de Jones, 2005.
7. FISIOLOGIA DO SONO
O sono é um fenômeno de grande importância para a manutenção da saúde e
qualidade de vida, sendo considerado um processo restaurativo que modula a regulação
homeostática dos sistemas autonômico, neuroendócrino e imunológico. Durante o sono, o SNC é
sede de intensa atividade, a qual é responsável pela quietude, pela inibição de várias funções e
pela ativação de outras. Alternando-se ritmicamente com o estado de vigília, o sono se apresenta
em diversas fases consecutivas que se repetem ciclicamente. No decorrer de uma noite de sono,
os sistemas e as funções fisiológicas sofrem alterações que acompanham os ciclos de sono. A
cada ciclo NREM-REM as respostas do organismo são diferentes. A seguir serão abordadas as
principais alterações fisiológicas relacionadas com os estágios do sono.
7.1 Sistema Cardiovascular
Analisada de maneira geral, a atividade cardiovascular basal é maior durante a vigília e
diminui ao longo do período de sono. Porém, apesar de reduzida durante a maior parte do sono,
em determinados momentos, essa atividade pode aumentar e atingir níveis até mesmo superiores
aos observados durante a vigília. É comum a pressão arterial sistêmica (PAS) e a frequência
cardíaca (FC) atingirem valores inferiores ao basal durante o estágio N3 e níveis significativamente
superiores aos da vigília na fase fásica do sono REM. Fisiologicamente, vários fatores podem
modificar a atividade do sistema cardiovascular durante o sono. Dentre esses, ressaltamos:
estágios de sono (REM e NREM), profundidade do sono durante os estágios do sono NREM
(estágios N1 a N3) e tempo de sono. Se analisarmos a curva pressórica durante o sono NREM,
veremos que, principalmente no estágio N3, há uma redução significativa da PAS. Essa diminuição
acontece de maneira lenta e gradual, de forma paralela à queda da atividade física e
metabólica, caracterizando o chamado descenso pressórico fisiológico noturno. É considerado
normal o descenso noturno que seja igual ou superior a 10% dos valores basais da vigília.
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A avaliação da atividade autonômica das pupilas revela que durante o sono de ondas
lentas elas estão mais contraídas, levando a um predomínio de atividade parassimpática sobre a
simpática. O débito cardíaco também diminui durante o sono normal, porém, outros parâmetros
cardiovasculares, como, por exemplo, a pressão arterial pulmonar e a fração de ejeção
ventricular (FEV), não se modificam de maneira significativa. Assim, a redução do débito cardíaco
que ocorre no estágio N3 parece estar mais correlacionada com a redução da FC do que com
as variações da FEV. Durante o sono REM, principalmente durante os episódios de movimentação
ocular rápida (fase fásica), observamos intensas flutuações tanto da PAS quanto da FC. Essas
oscilações podem ocorrer de um extremo a outro e não guardam relação com o grau de
atividade física ou metabólica do indivíduo.
Há uma grande dessincronização entre diversos parâmetros durante o sono REM, pois
nesse período a atividade cerebral é intensa (semelhante à vigília), a temperatura corporal é
baixa e a atividade muscular atinge seu menor grau. A PAS e a FC também estão diminuídas, mas
de tempos em tempos sofrem elevações bruscas durante o sono REM. Durante esses episódios
ocorrem descargas adrenérgicas intensas que resultam em elevação da PAS, da FC e da
dilatação pupilar. O tempo de sono é outro fator que modifica a atividade do sistema
cardiovascular. Ao longo do sono, o indivíduo perde líquido, reduz o volume intravascular e fica
sujeito a maior variação hemodinâmica. Além disso, os reflexos cardiovasculares são alterados
pelo estágio de sono, propiciando um mecanismo de defesa da PAS durante o sono REM.
7.2 Sistema Respiratório
Durante a vigília a respiração é controlada pelos comandos ventilatórios voluntário ou
comportamental (córtex cerebral) e involuntário ou metabólico (vias aferentes, controlador
central localizado no tronco cerebral e vias eferentes) que respondem à hipoxemia, hipercapnia
e acidose, além de terem influência mecânica da caixa torácica e do parênquima pulmonar.
Durante o sono há uma perda do controle voluntário e diminuição da resposta ventilatória de
controle involuntário, além de hipotonia dos músculos respiratórios (das vias aérea superior,
intercostais e acessórios). Essas alterações durante o sono levam ao estado fisiológico de
hipoventilação. Considerando a respiração apenas durante o sono, torna-se mais adequado
didaticamente descrevê-la separadamente pelas fases de sono NREM instável, NREM estável e
sono REM. O sono NREM instável inclui o estágio N1, início de N2 e os diversos despertares desse
período. O sono NREM estável inclui o estágio N2 estável e o estágio N3.
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7.2.1 Sono NREM instável
Durante esse período é comum observar um padrão respiratório de aumento
(hiperventilação) e diminuição (hipoventilação) da amplitude da ventilação, acompanhado de
curtas apneias centrais. Esse padrão é chamado de respiração periódica e ocorre em 40 a 80%
dos indivíduos normais, variando de acordo com a sensibilidade individual do controle da
ventilação e idade. Os períodos de hiperventilação coincidem com a vigília e os de
hipoventilação com o sono. Esse padrão dura em média 10 a 20 minutos e desaparece com o
aprofundamento e estabilização do sono (a partir do estágio N2 estável). Os fatores que
contribuem para esse tipo de padrão respiratório são: 1) diferença de sensibilidade ao dióxido de
carbono (CO2) entre vigília e sono e; 2) instabilidade entre os estágios iniciais do sono e
ocorrência de despertares.
7.2.2 Sono NREM estável
Durante esse período a ventilação se torna regular no que diz respeito à frequência e
amplitude respiratória. Ocorre uma redução na ventilação de 0,4 a 1,5 L/min (13 a 15% do valor
da vigília). Essa diminuição é progressiva com o decorrer dos estágios N1 ao N3. Os mecanismos
responsáveis por esse estado fisiológico de hipoventilação são: o aumento da contribuição da
caixa torácica na ventilação (apesar da baixa eficiência muscular) e o aumento da resistência
das vias aéreas superiores.
7.2.3 Sono REM
No sono REM ocorre um padrão respiratório imprevisível e irregular caracterizado por
súbitas alterações (aumento e diminuição) da frequência e amplitude da respiração,
interrompidos por apneias centrais de 10 a 30 segundos. Os períodos de hiperventilação
coincidem com os surtos de movimentos oculares rápidos. O resultado desse padrão de
respiração comparado com a vigília pode ser uma ventilação por minuto aumentada, diminuída
ou inalterada. A hipoventilação do sono REM se deve à redução da contribuição muscular da
caixa torácica e à resistência de vias aéreas inalteradas em comparação à vigília.
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7.3 Sistema Renal
A função dos rins é filtrar grandes quantidades de líquido do plasma, reabsorvendo os
constituintes necessários, sem, no entanto, reabsorver aqueles que são desnecessários.
Aproximadamente 1% do filtrado glomerular é eliminado como urina. Apesar do volume pequeno,
ele contém a maior parte dos produtos finais do metabolismo, altamente concentrados. Alguns
desses produtos são: uréia, ácido úrico, creatinina, fosfatos, sulfatos e excesso de ácidos. Em
relação ao sono, sabe-se que o fluxo de urina e a excreção de eletrólitos são maiores durante o
dia em comparação à noite, ainda que esta variação reflita parcialmente a modulação
circadiana. Além desse ritmo de 24 horas, o fluxo de urina e a osmolaridade oscila com o ciclo
NREM-REM. O sono REM é associado com a diminuição do fluxo de urina e aumento da sua
osmolaridade.
7.4 Sistema Digestório
Durante o sono ocorrem modificações no funcionamento do aparelho digestório
decorrentes da diminuição da influência do SNC. O estudo das alterações do sistema digestório
durante o sono possui algumas limitações, uma vez que os métodos de estudo são, em sua
maioria, muito invasivos e dificultam o sono do indivíduo. De modo geral, o sono provoca
diminuição da atividade do aparelho digestório. O fluxo de saliva é inibido (fato que prejudica a
neutralização do ácido intraesofágico quando ocorre refluxo gastroesofágico). Associada à
diminuição da secreção salivar, há uma redução na frequência de deglutição. Essa diminuição
no número de deglutições diminui também o número de contrações primárias. A associação
entre diminuição do volume de saliva e menor número de contrações primárias é particularmente
importante quando há ocorrência de refluxo gastroesofágico, situação em que a retirada e
neutralização do material refluído estão prejudicadas. A secreção gástrica apresenta maior
produção de secreção ácida entre 22 e 2 horas, independente do indivíduo estar dormindo ou
não. A motilidade intestinal é mais regular durante a noite do que durante o dia. Alguns estudos
têm demonstrado que a atividade do cólon (cólon transverso, descendente e sigmóide), tanto do
tônus como das contrações, está diminuída durante o sono e aumentada ao acordar. Durante o
despertar, há um aumento espontâneo da atividade do cólon. Entretanto, esta atividade difere
de acordo com o despertar, sendo caracterizada por contrações peristálticas de grande
amplitude mediante um despertar espontâneo e por contrações segmentares mediante um
despertar abrupto.
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Quando a pessoa dorme após a refeição, a atividade do intestino diminui e o padrão
motor interdigestivo retorna mais precocemente, ou seja, a duração dos movimentos do intestino,
característicos do período pós-prandial, está diminuída. Estudos realizados em humanos e em
animais confirmaram a relação entre a distensão do intestino e o sono. A hipótese que explica
esta observação é a diminuição do tônus vagal no intestino durante o sono. Embora o mecanismo
que explica essa condição ainda não esteja completamente desvendado, há possibilidades de
que seja consequência da liberação de hormônios gastrintestinais, como a colecistoquinina, ou
da estimulação do SNC pela distensão do intestino.
7.5 Sistema Endócrino
O sistema endócrino é bastante heterogêneo. Por ser um sistema formado por glândulas
distintas, sem relação funcional ou anatômica condicional entre si, os efeitos do sono sobre esse
sistema são variados. De fato, a relação entre sono e sistema endócrino não é global, mas sim
direcionada a cada órgão e, mais especificamente, à produção e secreção de cada hormônio.
A seguir serão discutidos alguns dos hormônios com relação mais bem estabelecida com o sono.
7.5.1 Hormônio Adrenocorticotrófico E Cortisol
O sono apresenta relações bastante conhecidas com o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal
(HPA), tanto em situações normais quanto em condições de estresse. Dentre os hormônios deste
eixo, dois destacam-se por sua relação com o sono: hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) e
cortisol.
O cortisol, hormônio secretado frente o estímulo de ACTH, é classicamente tido como
responsivo à variação circadiana, com valores máximos atingidos no início da manhã e valores
mínimos ao adormecer. Além disso, a atividade de ACTH e a consequente secreção de cortisol
aumenta abruptamente próximo ao horário de acordar. Ainda que se possam associar os níveis
de cortisol a variações circadianas, sabe-se que o sono e sua privação exercem grande controle
sobre os níveis plasmáticos desse hormônio. Nesse sentido, observa-se que despertares durante o
sono noturno acarretam em pulsos de liberação de cortisol e que a privação de sono em
roedores leva a aumentos significativos nas concentrações plasmáticas desse hormônio. Além
disso, nota-se que mediante a privação de sono o nadir da secreção de cortisol torna-se menos
pronunciado e ocorre previamente ao esperado em condições de sono normal.
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7.5.2 Aldosterona
Assim como o cortisol, a aldosterona apresenta ritmicidade circadiana, com picos e
nadires de secreção coincidentes. Contudo, ao contrário do observado com o cortisol, a
secreção de aldosterona é alterada pela manipulação do tempo de sono e possui relações mais
bem delimitadas com a estrutura de sono. Nesse sentido, salienta-se a concomitância do pico de
secreção de aldosterona com o sono REM e a alteração da funcionalidade da aldosterona
mediante inversão de turno. Além disso, nota-se que a privação de sono é capaz de inibir a
ascensão noturna dos níveis plasmáticos desse hormônio.
7.5.3 Hormônio Luteinizante (LH) e Hormônio Folículo Estimulante (FSH)
Dentre os hormônios gonadotrópicos, o FSH é responsável pelo início da espermatogênese,
enquanto que o LH é o estímulo primordial para a secreção da testosterona. Ainda não estão
completamente elucidados os mecanismos exatos entre esses dois hormônios e o sono, fato este
atribuído a limitações na sensibilidade dos ensaios de mensuração e o padrão secretório pulsátil
da gonadotrofina circulante. Alguns estudos, porém, têm descrito um aumento das
concentrações gonadotrópicas durante o sono em adolescentes de ambos os gêneros. Tanto LH
como o FSH apresentam atividades pulsáteis durante a noite sem nenhuma relação com a
secreção de testosterona. Durante o sono nos primeiros estágios da adolescência, no entanto, há
um aumento marcante da concentração plasmática de LH em contraste com a testosterona e
prolactina. LH e FSH não apresentam um ritmo circadiano distinto, e em homens adultos, pode
não haver variações entre o dia e a noite. Há uma escassez de estudos relacionados a esse tema,
no entanto sabe-se que esses hormônios podem variar de acordo com o tipo e intensidade dos
agentes estressores. Em humanos, períodos de estresse que incluem restrição de sono (ex:
treinamento militar), induzem aumento da concentração de LH, enquanto que o FSH mantém-se
inalterado.
7.5.4 Testosterona
A testosterona é um hormônio andrógeno que apresenta um papel importante no
desenvolvimento dos tecidos reprodutivos masculinos como testículos e próstata, além de
promover o desenvolvimento das características sexuais secundárias masculinas. Grande parte da
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testosterona (>95%) é produzida pelos testículos nos homens. Pequenas quantidades também são
encontradas em mulheres, sendo produzida pelas células tecais dos ovários, pela placenta e pela
zona reticular do córtex da adrenal. Nos testículos, a testosterona é sintetizada pelas células de
Leydig, além de ser necessária para as células de Sertoli no processo da espermatogênese. A
liberação de testosterona pelos testículos é episódica e ocorre em resposta ao estímulo pulsátil de
gonadotropina. Além disso, há um ritmo diurno na sua liberação, com pico por volta das 8 horas
da manhã e mínimas concentrações por volta das 20 horas. Alguns estudos demonstram que o
ritmo noturno da testosterona está relacionado aos ciclos de sono NREM-REM. Schiavi e
colaboradores demonstraram que em homens idosos saudáveis havia associações positivas entre
a eficiência de sono, a latência para sono REM, número de episódios REM e níveis de testosterona
plasmática. Inversamente, baixa eficiência de sono e redução no número de episódios de sono
REM foram associados com níveis atenuados de testosterona. Somado a isso, Luboshitzky e
colaboradores demonstraram que o aumento na testosterona noturna em homens jovens
saudáveis durante o sono ocorre no início do sono e atinge um platô após 90 minutos,
aproximadamente no primeiro episódio de sono REM. Os níveis de LH, no entanto, não diferiram
entre a vigília, sono REM e NREM. Estes dados revelam que o aumento da testosterona pode estar
causalmente relacionado ao primeiro episódio de sono REM, sendo que ambos o aumento de
testosterona e a latência do sono REM refletem um ritmo circadiano comum.
A liberação de testosterona exibe um acentuado ritmo diurno em jovens saudáveis. As suas
concentrações plasmáticas são baixas no início do sono e apresentam níveis máximos nas
primeiras horas da manhã, sugerindo que outros fatores, além do hormônio LH, controlam o ritmo
de secreção da testosterona. Um estudo envolvendo a fragmentação de sono em homens jovens
(dormiam 7 minutos a cada 20 minutos) demonstrou uma atenuação do aumento noturno de
testosterona, principalmente naqueles indivíduos que não tiveram sono REM durante a noite de
experimento. Somado a isso, estudos experimentais com ratos privados de sono por 96 horas
demonstraram uma redução consistente nas concentrações de testosterona, as quais não
retornaram aos seus níveis basais em 96 horas de rebote de sono.
7.5.5 Progesterona
Este hormônio pode influenciar diversos comportamentos, como por exemplo, reprodução,
humor, apetite, aprendizagem, memória, atividade sexual e ainda, a qualidade do sono e a
respiração. A progesterona produz um efeito hipnótico/indutor de sono e é um potente
estimulante para a atividade respiratória em homens. Por esse motivo, tem sido associada a uma
diminuição do número de episódios de apneias centrais e obstrutivas do sono.
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Considerando que a ereção é um fenômeno característico do sono paradoxal/REM, a
modulação exercida pela progesterona nos reflexos genitais poderia ser atribuída aos seus efeitos
sobre o sono paradoxal. Estudo recente mostrou que a mifepristona, antagonista de receptor de
progesterona, diminuiu a duração dos episódios de sono paradoxal, além de diminuir reflexos
genitais. Assim, esse achado sugere que a progesterona deva estar envolvida na regulação do
sono paradoxal.
7.5.6 Hormônio do crescimento (GH)
As concentrações plasmáticas do GH são estáveis e baixas durante toda vigília, sendo
abruptamente permeadas por pulsos de secreção. Dentre esses pulsos, o maior é observado em
associação ao início de sono. Além disso, há uma relação importante entre a secreção de GH e o
aparecimento de ondas delta no EEG, com forte correlação positiva entre a quantidade de
hormônio secretado e o tempo de sono de ondas lentas. Confirmando essa relação, a indução
farmacológica de sono de ondas lentas resulta em aumento na secreção de GH.
Os mecanismos pelos quais o GH é relacionado à latência de sono não estão
completamente elucidados. Nesse ponto, questiona-se se essa associação é devida a uma ação
direta sobre a secreção de GH ou se ela depende da relação do sono com hormônios
reguladores de sua liberação, como o hormônio liberador de hormônio do crescimento (GHRH), a
somatostatina e a grelina. Nota-se que a secreção de GH é claramente controlada pelas
condições de sono, ao passo que o controle circadiano é baixo. Este fato é constatado mediante
a privação de sono, quando observa-se que a secreção de GH é associada ao próximo episódio
de sono.
7.5.7 Prolactina
A prolactina é um hormônio diretamente ligado ao sono, com concentrações plasmáticas
bastante aumentadas nesse período em relação à vigília. Sabe-se que sua secreção inicia-se
entre 60 a 90 minutos após o início do sono, devido à diminuída inibição dopaminérgica. Contudo,
esse hormônio apresenta seu pico de concentrações plasmáticas nas primeiras horas (4 às 7
horas) da manhã. O controle sobre a secreção da prolactina parece responder principalmente à
variação circadiana. Todavia, nota-se que, independente do horário, a latência de sono tem
efeito estimulatório sobre a secreção desse hormônio, embora se observe menor amplitude de
liberação. Em linhas gerais, a prolactina modula o sono REM por meio de uma ação central. A
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injeção intracerebral de prolactina ou anticorpos anti-prolactina estimula ou inibe o sono REM,
respectivamente. É provável que a prolactina intracerebreal module o sono REM sob condições
fisiológicas, enquanto a prolactina da pituitária forneça estímulo adicional quando a secreção de
prolactina é alta, isto é, em situações de estresse. Estudos em humanos examinando os efeitos da
prolactina no sono são raros, entretanto, em pacientes com prolactinoma, o sono de ondas lentas
está seletivamente aumentado quando comparado aos controles, mostrando que a prolactina
também é capaz de modular o sono de ondas lentas.
Interessantemente, estudos em pacientes depressivos demonstraram redução nos níveis de
prolactina durante a privação de sono total. Além disso, em indivíduos jovens saudáveis restritos
de sono por 6 dias (4 horas de oportunidade de sono), a elevação noturna nos níveis de
prolactina mostrou-se abrupta, mas de curta duração, resultando em uma redução geral na
média dos níveis de prolactina das 24 horas. Outro estudo, porém, revela que homens jovens
saudáveis privados de sono por uma noite apresentaram aumento nos níveis de prolactina após a
privação de sono. Em idosos privados de sono, o mesmo efeito é observado, com aumento
marcante nos níveis de prolactina. Somado a isso, ratos privados de sono paradoxal por 96 horas
também apresentaram aumento significativo nos níveis de prolactina circulante, o qual foi
associado com o rebote aumentado de sono paradoxal.
7.5.8 Hormônio tireoestimulante (TSH)
A secreção de TSH é dada sob forte influência circadiana. São observados valores
aumentados durante a noite, pico concomitante ao início do sono e subsequente declínio, com
valores mínimos nas primeiras horas da manhã. Além da influência circadiana, nota-se uma
relação de inibição promovida pelo sono sobre a secreção do TSH. Em condições de restrição de
sono, a secreção de TSH pode estar aumentada em até 200%. Apesar disso, recentemente foi
descrita uma diminuição nos níveis plasmáticos desse hormônio após 14 dias de restrição de sono.
7.6 Sistema Imunológico
Diversos estudos levantam a hipótese de que o sono desempenha função essencial nos
processos imunológicos. Nesse sentido, a diminuição do tempo dedicado ao sono e os diversos
distúrbios têm sido associados a prejuízos nos mecanismos envolvidos na imunocompetência,
especialmente no que diz respeito ao aumento da susceptibilidade a patógenos como vírus e
bactérias. Em especial, as citocinas que estão diretamente envolvidas com ativação da resposta
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imunológica e resposta efetora da imunidade inata e adquirida apresentam uma função
essencial nos mecanismos de regulação do ciclo vigília-sono, uma vez que o sono e o sistema
imunológico compartilham várias moléculas regulatórias. Esses mediadores estão envolvidos tanto
na fisiologia do sono como no envolvimento do sono na resposta de fase aguda decorrente de
infecções. É sabido que a maioria das doenças infecciosas e distúrbios inflamatórios crônicos
afetam o sono. Muitos tipos de infecções como, por exemplo, viral, bacteriana, fúngica ou por
parasitas, afetam a quantidade de sono de ondas lentas e sono REM. Além disso, excesso de
sonolência é reportado em pacientes com mononucleose infecciosa, HIV-1 e resfriado comum
induzido por Rhinovírus.
7.7 Temperatura Corporal
A temperatura corporal é controlada pelo equilíbrio entre a intensidade da perda de calor
e a intensidade da produção de calor. Centros nervosos no hipotálamo, denominados de
termostato hipotalâmico, controlam a temperatura corporal pela regulação tanto da perda
como da produção de calor. Diversos estudos têm demonstrado a relação entre o ciclo vigília-
sono, ritmo circadiano e termorregulação. O hipotálamo, além de exercer o controle
termorregulatório, está envolvido com mecanismos regulatórios do sono. A temperatura corporal
reduz-se no início do sono, e os menores valores são observados no terceiro ciclo de sono. O
menor nível de regulação da temperatura corporal ocorre durante o sono NREM em comparação
a vigília, e a termorregulação está inibida durante o sono REM. De fato, no sono REM tanto o
sistema hipotalâmico quanto o cortical estão inativados fazendo com que a temperatura
corporal nos últimos estágios do sono seja baixa. Embora existam vários estudos sobre a
diminuição da temperatura durante o sono REM, ressalta-se que ocorrem simultaneamente
alterações na pressão sanguínea, fluxo sanguíneo e tônus vasomotor periférico, que estão sob
influência de diversos sistemas, interagindo independentemente dos controles termorregulatórios.
Em ratos, quando a temperatura ambiente é mantida abaixo de 24ºC o animal dorme
enrodilhado. Acima dessa temperatura ele tende a estirar-se, completando o estiramento em
torno de 30ºC. Entretanto, quantificando-se o tempo de sono verifica-se que abaixo de 24ºC e
acima de 30ºC o animal tende a dormir menos, aumentando os períodos de alerta; a redução do
sono ocorre à custa do sono paradoxal, mantendo-se o tempo de sono de ondas lentas
razoavelmente constante. Com isso, pode-se dizer que o sono paradoxal (diminui em função de
temperaturas muito baixas e muito altas. A Figura 2 mostra a variação circadiana da temperatura,
assim como sua variação ao longo de um ciclo de sono. Aclimatando ratos a temperaturas baixas
(14ºC) e posteriormente, fazendo-os dormir a temperaturas mais altas (24ºC) verificou-se que o
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sono paradoxal continua parcialmente suprimido, demonstrando um possível mecanismo
relacionado com a termorregulação intervindo na programação do sono paradoxal.
7.8 Controle da glicemia
Em geral, os níveis glicêmicos durante a noite permanecem estáveis ou apresentam
quedas discretas, mesmo considerando esse como um período de jejum que varia em média de 7
a 9 horas. Em contrapartida, períodos de jejum em tempos semelhantes, mas conduzidos com
indivíduos acordados implicam em queda marcante da glicemia. Essas constatações sugerem
que os mecanismos responsáveis pela manutenção da glicemia são de algum modo modulados
pelo sono. Em condições experimentais de infusão contínua de glicose, na qual a glicemia reflete
basicamente o uso deste metabólito, uma vez que sua produção endógena é suprimida, observa-
se diminuição na tolerância à glicose. Assim, nota-se um pico de glicemia na porção média da
noite, com valores 20 a 30% maiores que os valores basais. Após esse pico, a tolerância à glicose
volta a aumentar até os valores matutinos.
Estima-se que dois terços do decréscimo no uso de glicose durante o sono sejam devido à
queda do metabolismo cerebral, ao passo que o terço restante se justifica por diminuição do
metabolismo periférico. Mesmo durante o sono o uso de glicose não é constante, sendo mais
proeminente no sono REM do que durante o sono NREM. Os mecanismos de manutenção de
glicemia bem como o controle do uso da glicose durante o sono não são completamente
elucidados. A essas funções atribuem-se ação da insulina (cujos níveis atingem pico no meio da
noite e decaem em seguida), GH e melatonina.
7.9 Controle do apetite
Figura 2. Relação entre temperatura corporal
e sono. Em A, observa-se a variação
hipotética de temperatura em 24 horas. Pode-
se notar que as menores temperaturas
corporais são registradas no período noturno.
Em B observa-se, a relação dos estágios de
sono com a temperatura corporal. Nota-se
que a temperatura reduz com o
aprofundamento do sono, chegando aos seus
menores valores no sono REM, quando a
função termorregulatória está inibida. Em
ambos os gráficos, a barra cinza representa o
período de sono.
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A regulação entre sono e controle do apetite é claramente bidirecional. Sabe-se que
roedores privados de comida apresentam menor tempo total de sono. Já a privação de sono
pode acarretar em hiperfagia em humanos. A relação entre sono e alimentação é diretamente
ligada às hipocretinas ou orexinas. Esses neuropeptídeos, situados em neurônios do hipotálamo
lateral promovem tanto estimulação à vigília quanto à ingestão alimentar.
A atividade das orexinas depende basicamente de dois hormônios: leptina, secretado
principalmente pelas células adiposas e relacionada à saciedade; e grelina, secretada por
células do fundo do estômago e por células épsilon no pâncreas e relacionada à fome. Tanto
grelina quanto leptina são hormônios ligados ao sono e responsivos à sua privação. Assim, pode-se
afirmar que, ainda que as orexinas estejam intimamente ligadas ao controle do sono e da
ingestão alimentar, boa parte da relação entre esse dois fatores depende desses hormônios. A
leptina apresenta um aumento marcante de concentração plasmática noturna, parcialmente
dependente da ingestão alimentar prévia e é responsável pela supressão da fome durante a
noite. A curva normal de secreção desse hormônio, com seu característico pico noturno, é
mantida mesmo em condições de nutrição parenteral contínua, explicitando controle circadiano.
Contudo, a privação de sono diminui a amplitude da variação de secreção de leptina. Já a
secreção de grelina é mais responsiva à rotina alimentar, apresentando picos referentes às
refeições. Esse hormônio também apresenta pico de secreção noturno, sendo discretamente
posterior ao pico de leptina. Para esse hormônio, os efeitos da privação de sono são pequenos,
com discreta diminuição da amplitude do pico noturno de secreção. A Figura 3 apresenta um
esquema teórico relacionando o perfil de secreção de grelina e leptina.
Figura 3. Secreção de leptina e grelina durante 24 horas. A barra cinza representa o período de
sono e as linhas pontilhadas verticais representam as refeições. A linha mais escura representa
teoricamente a secreção de leptina, ao passo que a linha mais clara representa a secreção de
grelina.
8. PRIVAÇÃO DE SONO
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Nas últimas décadas, a população mundial tem vivido em uma situação evidente de
débito de sono. De modo geral, estudos recentes têm demonstrado que tanto a qualidade
quanto a quantidade de sono têm diminuído nas sociedades modernas. Em caráter de
exemplo, nota-se que nas últimas cinco décadas a média de sono por noite diminuiu em cerca
de duas horas. Com isso pode-se aplicar o termo privação de sono ou déficit de sono.
De modo geral, a privação de sono diz respeito a três condições distintas, todas
relacionadas a prejuízos ao tempo de sono: privação de sono per se, restrição de sono e
fragmentação de sono. Essas três condições podem ainda ser classificadas como agudas ou
crônicas e como totais ou parciais (Tabela 1). Por fim, a privação de sono observada
atualmente pode ser explicada por dois motivos principais: causas extrínsecas ou ambientais,
nas quais se enquadram o débito de sono devido a imposições da rotina de vida moderna, e
causas intrínsecas, referentes principalmente aos distúrbios de sono.
Tabela 1. Conceitos relacionados ao débito de sono.
Privação Restrição Fragmentação
Supressão total do sono ou de
um estágio específico
Diminuição do tempo total
de sono
Constantes superficializações e
despertares permeando o sono
Ex.: Trabalhadores em turno Ex.: Insônia Ex.: Apneia obstrutiva do sono
Crônico Agudo
Débito de sono por tempo prolongado Débito de sono pontual
Ex.: Profissionais de saúde em regime de
plantão Ex.: Uma noite passada em claro
Total* Parcial*
Referente ao sono de modo geral, sem
distinção de estágios Referente a algum estágio específico
Ex.: Trabalhadores em turno Ex.: Privação de sono REM
*conceitos mais usualmente relacionados à privação de sono. Para revisão, consulte
Rynolds e Banks (2010).
8.1 CAUSAS EXTRÍNSECAS
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Pode-se atribuir pontualmente o débito de sono atualmente observado na população a
dois importantes fatores: o advento da luz elétrica e o início da revolução industrial. Assim, a
condição de débito de sono é genericamente melhor aplicada às populações residentes em
países industrializados, como é o caso do Brasil. Nessas sociedades, o débito de sono gerado
pode ser atribuído a diversas causas ambientais, sendo elas diretamente relacionadas ao estilo
de vida moderno. Dentre essas causas pode-se citar o aumento das responsabilidades sociais
sem decréscimo concomitante de responsabilidades domésticas, atendimento às demandas
financeiras e profissionais, e adequação do estilo de vida atual ao conceito da sociedade 24/7,
ou seja, uma sociedade ativa e dinâmica 24 horas por dia, sete dias por semana. Nessas
condições a população é impedida de ter acesso tanto a sono de qualidade quanto de
quantidade adequada, sendo sujeita diversos distúrbios de sono.
Embora imposta pelo estilo de vida atual, a restrição ou privação de sono causada por
fatores ambientais é muitas vezes uma condição voluntária. Como exemplo disso, cita-se além
dos trabalhadores em turno, o fato de boa parte das opções de lazer e entretenimento
disponíveis atualmente serem oferecidas no período noturno. Em geral, as consequências da
restrição de sono por causas extrínsecas podem ser revertidas por medidas comportamentais,
que visam adequar o padrão de sono apresentado ao adequado.
8.2 CAUSAS INTRÍNSECAS
As causas intrínsecas ao débito de sono (incluindo fragmentação ou privação) dizem
respeito primordialmente aos distúrbios de sono. Como exemplo, o caso da síndrome da apneia
obstrutiva do sono (SAOS) e da síndrome das pernas inquietas, as quais causam a fragmentação
crônica do sono e sonolência excessiva diurna; ou da insônia, que leva à restrição de sono pela
diminuição de horas dormidas e a demais consequências durante o dia.
Os distúrbios de sono também são responsivos a fatores ambientais, ainda que em menor
grau. É o caso, por exemplo, da SAOS, uma síndrome cujos sintomas podem ser diretamente
relacionados à obesidade, que por sua vez tem sido tratada como uma consequência dos
hábitos de vida modernos. A ligação dos distúrbios de sono com causas ambientais tem
recebido cada vez mais atenção, uma vez que pode explicar as altas e crescentes prevalências
dessas condições.
Ainda que úteis em grande parte dos casos, medidas de higiene do sono e outras
medidas comportamentais não são tão efetivas às causas intrínsecas de débito de sono quanto
são as extrínsecas. Por esse motivo, tornam-se necessárias outras terapias que sejam diretamente
direcionadas ao distúrbio de sono em questão, para que de modo consequente o débito de
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sono seja sanado. Dentre as opções terapêuticas citam-se o uso de medicamentos, como
hipnóticos e antidepressivos; cirurgias, especialmente no caso de distúrbios respiratórios de sono
e também o uso do CPAP (Continuous Positive Air Pressure) e de aparelhos intraorais.
8.3 MÉTODOS DE PRIVAÇÃO DE SONO EM ANIMAIS
A função do sono é um tema ainda debatido e inconclusivo. Logo, estudos com a
privação e fragmentação de sono visam o melhor entendimento dos danos causados e por
consequência uma justificativa para a necessidade de dormir. Sendo assim, diversas
metodologias são empregadas para o estudo da privação de sono em animais, os quais são
excelentes modelos. Abaixo seguem breves resumos sobre os principais métodos de pesquisa
para roedores.
8.3.1 Método das plataformas
A privação de sono pelo método das plataformas é uma técnica utilizada para a
supressão exclusiva do sono paradoxal. Nesse método, o animal é colocado sobre uma
pequena plataforma circundada por água. Sobre essa plataforma, o animal é capaz de dormir,
apresentando a maior parte dos estágios do sono. Contudo, durante o sono paradoxal, em
função da perda do tônus muscular, o animal toca a água e acorda. Dessa maneira, valendo-
se da diminuição do tônus muscular, é possível privar seletivamente de sono paradoxal. O
primeiro uso da técnica da plataforma para privação de sono paradoxal foi feito por Jouvet em
1960, utilizando-a em gatos. Contudo, atualmente seu maior uso é em roedores.
Primeiramente, a privação de sono paradoxal em roedores era feito pelo método da
plataforma única, no qual um único rato era colocado sobre uma única plataforma. Contudo,
mediante essa metodologia notou-se que o isolamento e a restrição de movimento eram fatores
estressores e somavam-se ao estresse inerente à falta de sono. Assim, buscou-se atenuar o
estresse dispondo mais plataformas em um tanque. Mesmo nesse caso, notou-se que o
isolamento social também era um fator estressor importante.
Atualmente, o principal uso da técnica em questão é o método das plataformas
múltiplas modificado (Figura 4). Nesse caso, um grupo de animais é colocado em um ambiente
com diversas plataformas, proporcionando tanto a locomoção quanto a interação social dos
animais.
- 90 -
8.3.2 Gentle handling
O gentle handling consiste em manusear delicadamente o animal assim que este
apresenta indícios de sono. Um dos primeiros experimentos com esta metodologia foi feito por
Crile, em coelhos, em 1921. Este método, pela exigência da interferência constante do
experimentador, não permite períodos prolongados de privação de sono.
Ao contrário do observado no método das plataformas, que priva parcialmente de sono
paradoxal, o gentle handling é uma metodologia desenvolvida para a privação total de sono.
8.3.3 Disco giratório
O método do disco giratório consiste em conectar o animal a um polígrafo para
avaliação e estagiamento do sono e colocá-lo sobre um disco motorizado que, por sua vez,
está sobre um recipiente com água. Quando o animal inicia o sono, ou manifesta alguma fase
específica deste, um sistema automático aciona um motor que faz o disco girar e, para não ser
lançado para fora dele, o rato desperta e é obrigado a caminhar em sentido contrário ao da
rotação do disco. O animal controle para este método também se encontra no mesmo disco,
só que é despertado em fases não determinadas do seu ciclo vigília-sono. Essa metodologia
vem sendo alvo de críticas por dois motivos principais: 1) os animais são sujeitos à locomoção
forçada, de modo que a atividade física pode ser tomada como uma variável adicional, e 2)
falta de um controle adequado, uma vez que o animal controle pode ser também parcialmente
privado de sono.
8.3.4 Fragmentação de sono
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O método é recente e foi desenvolvido pelo grupo de um renomado professor e
pesquisador na área de sono (Dr. David Gozal). O dispositivo é desenhado para fragmentar o
sono e emprega estimulação tátil intermitente utilizando um dispositivo mecânico silencioso.
Uma barra de metal um pouco acima da superfície do chão da gaiola é coordenada em
intervalos de 2 minutos “varrendo” a gaiola de um lado ao outro por 9 segundos. Quando se
atinge o fim da gaiola, um relê
dispara a barra para ir na direção oposta. O método propoe o mínimo de interferência humana,
uma vez que os animais são mais sensíveis ao barulho do experimentador.
8.3.5 Privação de sono em drosófilas
Em geral, os métodos de privação restringem-se aos roedores. Todavia cada vez mais
novos modelos são propostos e têm demonstrado muito sucesso.
As drosófilas (Drosophila melanogaster) são muito utilizadas em experimentos envolvendo
sono e ritmo circadiano, uma vez que as mesmas possuem ciclos de vigília-sono parecidos com
os dos mamíferos. As moscas podem ser monitoradas utilizando diversos métodos: observação
visual, ultrassom, sistema de movimento por infravermelho e ainda métodos de vídeo-
monitoramento (Figura 5). O sono é determinado ao se observar que a mosca encontra-se em
repouso por mais de 5 minutos sem nenhum movimento. As drosófilas também apresentam o
processo S homeostático e o processo C, circadiano. Evidentemente, há limitações nos estudos
em virtude da não possibilidade de execução do EEG, todavia, o modelo é bastante importante
em estudos de genética e privação de sono com alterações moleculares.
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Figura 5. Circuito de vídeo que monitora o movimento e repouso de drosófilas em um período
de tempo. Imagem cedida pelo grupo de Centro de pesquisa em sono da Universidade da
Pennsylvania.
8.4 IMPACTO DA PRIVAÇÃO DE SONO
A privação de sono leva a diversos efeitos danosos aos seres humanos, sendo que esses
efeitos podem ser observados sobre parâmetros fisiológicos (principalmente sobre a secreção
hormonal, conforme previamente discutidos na seção de Fisiologia do Sono) além de alterações
do comportamento e cognição.
De um modo geral, o débito de sono e a consequente baixa qualidade do sono
influencia diretamente a rotina dos indivíduos. Uma noite mal dormida pode trazer
consequências indesejáveis e até mesmo provocar acidentes. A falta de sono pode provocar
alguns riscos sendo eles: cansaço e sonolência durante o dia, irritabilidade, alterações
repentinas de humor, perda da memória de fatos recentes, comprometimento da criatividade,
redução da capacidade de planejar e executar, lentidão do raciocínio, desatenção e
dificuldade de concentração. Já os riscos provocados pela falta de sono em longo prazo são:
falta de vigor físico, envelhecimento precoce, diminuição do tônus muscular, comprometimento
do sistema imunológico, tendência a desenvolver obesidade, diabetes, doenças
cardiovasculares e gastrointestinais e perda crônica da memória.
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Alterações moleculares também estão presentes, bem como a mudança de perfil de
expressão gênica após a privação de sono e após o rebote. Os genes são expressos de acordo
com a necessidade da célula, tecido de um organismo. A privação gênica pode ser alterada
simplesmente em SNC, como estudado maciçamente em roedores e drosófilas. Todavia,
estudos em humanos, mesmo que limitados, utilizando sangue periférico, podem ajudar a
entender os efeitos da privação em tecidos periféricos, não restritos ao SNC. Esses estudos
demonstraram uma significante queda da expressão de genes ligados ao sistema imune e
aumento de genes envolvidos em divisão celular, muito deles considerados genes de
progressão tumoral.
Dados do grupo do Sono da UNIFESP têm demonstrado ainda uma mudança no perfil
imunológico com alterações marcantes nas contagens de leucócitos em voluntários sadios
humanos. É importante ressaltar que muitos genes e moléculas do sistema imune, por exemplo,
não retornam aos níveis basais após um período de rebote, o que reflete danos ao organismo.
8.4.1 Efeitos Psicocomportamentais Da Privação De Sono
A privação de sono é capaz de alterar características comportamentais e modular
problemas psicológicos de maneira bastante ubíqua. Estes conhecimentos derivam de estudos
clássicos da década de 50, no qual indivíduos privados de sono REM apresentavam queixas de
irritabilidade, ansiedade e dificuldade de concentração. De fato, diversos são os
comportamentos influenciados pela privação de sono.
Um dos primeiros comportamentos cuja alteração foi observada mediante privação de
sono foi o comportamento agressivo. Desde a década de 60 reconhece-se que tanto a
privação total de sono quanto a privação seletiva de sono REM é capaz de potencializar
comportamentos agressivos tanto em animais de experimentação, mensurados através de
testes comportamentais específicos, quanto em humanos, observados pela manifestação de
comportamentos anti-sociais. De modo semelhante, o comportamento sexual apresenta
alterações mediante a privação de sono, com dados obtidos em roedores e extrapoláveis a
humanos. Sabe-se que a privação de sono é responsável pelo aumento da motivação, porém
relacionada à diminuição do desempenho sexual.
O comportamento alimentar, diferentemente dos comportamentos apresentados acima,
apresenta dados discrepantes entre estudos em animais (sobretudo roedores) e seres humanos.
Ao passo que em roedores a privação de sono acarreta em diminuição de peso corporal,
embora haja aumento do comportamento estereotipado de roer, em humanos há aumento do
comportamento alimentar, com concomitante ganho de peso e preferência por alimentos de
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elevada taxa calórica.
Por fim, o comportamento materno e a relação materno-infantil têm sido abordados
exclusivamente em humanos, sobretudo de maneira teórica. Especula-se que a privação de
sono durante o período da gravidez associada aos padrões de sono característicos deste
período pode predispor a déficits na interação entre mãe e filho.
Em relação a variáveis cognitivas, diversas associações podem ser feitas em relação à
privação de sono. Um dos efeitos cognitivos mais bem conhecidos da restrição de sono é o
déficit de atenção e concentração, diretamente ligado a maior incidência de acidentes de
trabalho mediante débito de sono. Quanto à memória, diversos relatos apontam para prejuízos
na aquisição, consolidação e evocação de novas informações. Contudo, embora estudos
recentes pareçam direcionar o conhecimento para o prejuízo global da memória mediante a
privação de sono, dados recentes têm questionado essas afirmações. Desse modo, os efeitos da
privação de sono parecem depender do tipo de memória analisada e do método e tempo de
privação de sono utilizada.
8.4.2 Trabalho por turno
Trabalhadores noturnos ou indivíduos cujo regime de trabalho não segue turno fixo são
cronicamente sujeitos à privação de sono. Incluem-se nesses casos motoristas de veículos a
motor, maquinistas de trens, pilotos de aeronaves, vigilantes, entre outros.
Para esses indivíduos, os efeitos da privação de sono e os consequentes déficits de
desempenho, vigilância alerta podem trazer diversos efeitos danosos. Nessa população, a
prevalência da excessiva sonolência diurna é altíssima e suas consequências podem ser
significativas, incluindo acidentes, resultados econômicos e públicos negativos, problemas para
a saúde, redução do desempenho profissional e acadêmico e comprometimento das funções
psicossociais. Por exemplo, grandes desastres industriais, como os de Chernobyl, Three Mile Island
e Bhopal, bem como acidentes graves, como os envolvendo a Exxon Valdez e a Challenger,
têm sido oficialmente atribuídos a erros de julgamento causados por sonolência no local de
trabalho.
A restrição crônica de sono pode ser observada em uma situação cada vez mais
frequente na população: o trabalho em turno. Esses trabalhadores são submetidos a um
desalinhamento entre o horário disponível para o sono e os ritmos endógenos do organismo,
como a temperatura e vigília, e também ritmos ambientais, como o ciclo claro-escuro e o ritmo
de atividades sociais. Assim, estes trabalhadores apresentam algum grau de restrição crônica de
sono.
- 95 -
Quanto à organização do trabalho em turnos, a Cronobiologia interpreta os prejuízos
causados como decorrentes de um distúrbio temporal do organismo. É unânime a constatação
de que o trabalho noturno seja ele fixo ou alternante com o trabalho diurno é prejudicial à
saúde. Afirma-se que um trabalhador em turnos alternados e/ou em turnos fixos noturnos está
sempre mudando seu horário de dormir e acordar, de se alimentar e de lazer em função da
mudança de seus horários de trabalho e isto pode levá-lo a ter agravos à sua saúde. Para esses
trabalhadores o desenvolvimento das atividades, muitas vezes, acontece na contramão da
sociedade, impulsionando-os a abdicar de momentos com a família, a trabalhar em momentos
que seriam de repouso e a expor-se a situações de alta demanda física e mental. As
consequências do trabalho em turnos vão desde a fadiga crônica, distúrbios gástricos, distúrbios
de sono até desordens psíquicas. Essas consequências variam de indivíduo para indivíduo, pois
há aqueles que pouco ou nada sofrem e não se queixam de nenhum tipo de dificuldade, até
aqueles situados no extremo oposto relatando queixas diversas.
O aumento mundial na utilização de sistemas de trabalho em turnos que envolvam
semanas reduzidas de trabalho explica o crescimento no número de estudos que enfocam os
reflexos na saúde dos trabalhadores expostos. A fadiga é um dos aspectos mais frequentemente
estudados com referência a trabalhos em turnos em semana reduzida de atividade (com turnos
diários superiores às oito horas, menos de 5 dias de trabalho e mais de dois dias de folga).
A literatura tem demonstrado que as pessoas que não dormem bem, tanto em termos
quantitativos como qualitativos, apresentam respostas mais lenta aos estímulos externos e
dificuldade de concentração. As repercussões no desempenho cognitivo observadas nesses
pacientes podem ser resultantes da hipoxemia que ocorre durante o sono, das alterações do
fluxo sanguíneo cerebral durante o período de vigília ou da sonolência excessiva diurna. Não
obstante a causa, esse déficit cognitivo pode comprometer a habilidade para desempenhar
uma série de atividades, dentre elas a capacidade de dirigir, além de alterar a sua percepção
crítica sobre a habilidade de dirigir naquela condição.
9. MEDICINA DO SONO E OS DISTÚRBIOS DE SONO
Os diversos estudos realizados em relação à função e efeitos fisiológicos do sono levaram à
caracterização de algumas alterações que aparecem com frequência na população. Esses
fenômenos, chamados de Distúrbios de Sono, são condições médicas caracterizadas pela
alteração na normalidade do padrão de sono de um indivíduo. O espectro de distúrbios de sono
é extremamente numeroso e complexo, englobando desde queixas leves até dramáticos casos
de morte súbita em recém-nascidos, insônia familiar fatal ou acidentes automobilísticos
decorrentes de sonolência excessiva diurna. Assim, torna-se claro que os distúrbios de sono podem
ter consequências graves, uma vez que interferem nas funções físicas, mentais e emocionais.
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Vários fatores contribuem para o surgimento de distúrbios de sono específicos. Dentre estes
fatores, a ansiedade, a dor, o abuso de drogas, as mudanças nos hábitos de sono e a obesidade
estão entre os mais importantes e influentes. Visto que esses fatores estão cada vez mais presentes
na sociedade, as queixas relacionadas à qualidade de sono vêm se tornando cada vez mais
prevalentes. Nesse sentido, um estudo epidemiológico realizado em 2007 na cidade de São Paulo
(Estudo EPISONO) mostrou que 55% da população gostariam de mudar o seu padrão de sono,
seja no horário de dormir ou no tempo total de sono. Além disso, 29% dessa população
apresentam sonolência excessiva diurna e aproximadamente metade dessas pessoas queixa-se
de que sente a sonolência pelo menos três vezes por semana.
9.1 OS DISTÚRBIOS DE SONO
Em razão dos inúmeros distúrbios de sono descritos foi implantada a Classificação
Internacional de Distúrbios de Sono (International Classification of Sleep Disorders - ICSD) (AASM,
2005). Em 2005 esta classificação sofreu uma alteração com o objetivo de descrever os distúrbios
de sono baseando-se em evidências científicas e clínicas. Ainda, essa classificação estruturou de
maneira organizada, clinicamente razoável e cientificamente válida os distúrbios do sono e dos
despertares. A ICSD fornece a descrição detalhada de 88 distúrbios de sono e apresenta oito
categorias principais: Insônias; Distúrbios Respiratórios relacionados ao sono; Hipersonias de
origem central, não causadas pelos distúrbios do ritmo circadiano do sono, distúrbios respiratórios
relacionados ao sono, ou outras causas de sono noturno interrompido; Distúrbios do ritmo
circadiano do sono; Parassonias; Distúrbios do movimento relacionados ao sono; Sintomas
isolados, variantes aparentemente normais e de importância não resolvida e Outros distúrbios de
sono.
Dentre os principais distúrbios de sono que afetam a população destacam-se a insônia, a
síndrome da apneia obstrutiva do sono, a síndrome dos movimentos periódicos de pernas, a
narcolepsia e as parassonias. Para o diagnóstico dos distúrbios de sono, alguns métodos de
investigação precisam ser utilizados em conjunto com os achados clínicos e o histórico do
paciente. Dentre os métodos usados para estes diagnósticos, temos a Polissonografia, o Teste
Múltiplo das Latências do Sono, o Teste de Manutenção da Vigília e a Actigrafia, que serão
abordadas em seções posteriores. As seções abaixo mostram as principais características dos
distúrbios mais importantes.
- 97 -
9.1.1 Insônia
A insônia pode ser definida como dificuldade para obter o sono, ou sensação de sono não
restaurador, após o episódio habitual de sono (ICSD, 1990). Os mecanismos pelos quais a insônia
se estabelece não foram totalmente estabelecidos. A insônia psicofisiológica ou comportamental
é a mais comum e tem como característica principal uma tensão somatizada com agitação e
aumento do tônus muscular. Esse distúrbio de sono atinge atualmente 13,5% da população de
São Paulo (critérios DSM-IV – Estudo EPISONO). Entretanto, 34,5% dessa população se queixam de
insônia (dificuldades para iniciar ou manter o sono, ou despertar precoce pelo menos 3x/semana).
Também conhecida como pseudoinsônia, a percepção inadequada do sono caracteriza-
se pela queixa de insônia sem alterações objetivas no sono. O diagnóstico deve ser de exclusão,
sendo a polissonografia um exame importante nesse caso. A insônia idiopática é uma inabilidade
de dormir que pode prolongar-se desde a infância. É associada às alterações do controle
neurológico do sistema de vigília-sono e pode se manifestar de três modos distintos: insônia de
início de sono, quando a latência de sono é aumentada; insônia de manutenção, quando
ocorrem despertares prolongados durante a noite com dificuldade de retomar o sono; e insônia
de final de noite, quando o corre um despertar precoce sem incapacidade de retomar o sono. A
insônia pode também estar associada a mudanças de fuso horário, mudança ambiental, barulho,
altitude, uso de estimulantes e ainda ao uso crônico de hipnóticos. As doenças médicas,
psiquiátricas, quadros musculares dolorosos ou doenças reumáticas também podem apresentar
insônia secundária.
9.1.2 Síndrome Da Apneia Obstrutiva Do Sono
Abrange um amplo espectro de sintomas e sinais, variando desde o ronco até os casos
mais graves de apneias com acentuada dessaturação da oxiemoglobina (queda de 4% do valor
basal) e despertares breves, que muitas vezes não são percebidos pelo paciente. A apneia é
observada, sobretudo em homens, tendo atualmente uma prevalência de 32,9% na população
de São Paulo (Estudo EPISONO). Esse distúrbio é caracterizado pela ocorrência de interrupção do
fluxo aéreo (redução de 80%) por mais de 10 segundos. De diagnóstico mais complexo, a
hipopneia é uma redução de 50% a 80% do fluxo respiratório em relação à linha de base do fluxo
respiratório basal, com duração maior do que 10 segundos.
As apneias podem ser obstrutivas, centrais ou mistas. As apneias obstrutivas são aquelas
nas quais as paradas respiratórias se devem à obstrução das vias aéreas superiores. Já as apneias
centrais se devem à distúrbios neurológicos nos quais áreas relacionadas ao controle ventilatório
estão inibidas. Por fim, as apneias mistas são compostas por um episódio de apneia central
- 98 -
seguida de um episódio de apneia obstrutiva. As consequências da apneia do sono obstrutiva são
o ronco alto e descontínuo, os episódios de ronco, a movimentação brusca do corpo para
restabelecer a respiração, sudorese profusa, sonolência diurna excessiva, cansaço crônico e
modificações da personalidade com redução do desempenho motor e intelectual. Esses
episódios vão também ocasionar fragmentação do sono com despertares frequentes para
vencer a obstrução e redução das quantidades do estágio N3 do sono NREM (sono delta) do
estágio de sono REM, uma vez que os eventos acontecem com mais frequência neste estágio.
9.1.3 Síndrome Dos Movimentos Periódicos Das Pernas
Na cidade de São Paulo, atualmente 2,5% da população apresenta índice de movimentos
periódicos de pernas maiores que 15 por hora de sono. As pessoas acometidas relatam
movimentos de membros inferiores acompanhado de sensações de "arrastamento" das pernas. A
maioria dos pacientes também apresenta movimentos estereotipados de membros inferiores
durante o sono, que correspondem aos movimentos periódicos de pernas. Os movimentos duram
em média de 0,5 a 5 segundos ocorrendo com frequência de um a cada 20 a 40 segundos. Cada
episódio de movimentos periódicos de pernas pode ter duração de alguns minutos a horas e, em
geral, os episódios causam despertares e diminuição da qualidade e eficiência do sono,
ocorrendo com maior incidência no terço inicial da noite.
9.1.4 Narcolepsia
A narcolepsia é considerada um distúrbio relacionado ao sono REM, e caracterizado por
sonolência excessiva diurna, ataques de sono irreversíveis e incontroláveis, cataplexia (perda
repentina do tônus muscular), alucinações hipnagógicas (que acontecem quando o indivíduo vai
dormir) e paralisia do sono. Esse distúrbio se manifesta de forma variável entre seus portadores em
relação aos sintomas e sua intensidade e somente 10% dos pacientes apresentam todos os
sintomas acima descritos. Estudos recentes têm investigado a etiologia desta doença e
identificaram que a hipocretina, um peptídeo importante na regulação do ciclo vigília-sono,
estava ausente ou em concentrações muito baixas em pacientes que apresentavam narcolepsia
com cataplexia. Além disso, estudos genéticos vêm sendo realizados e investigam a hipótese de
que a narcolepsia tenha uma base autoimune.
- 99 -
9.1.5 Parassonias
Parassonias são comportamentos peculiares e inconscientes que ocorrem durante o sono.
Esse tipo de distúrbio de sono em geral não prejudica o desempenho das atividades diárias dos
pacientes, uma vez que não são caracterizadas por acarretar sonolência excessiva diurna ou por
afetar a consolidação do sono. As parassônias podem ocorrer tanto no decorrer do sono de
ondas lentas (sonambulismo, terror noturno e enurese), quanto durante o sono REM (distúrbio
comportamental do sono REM).
9.2 METODOLOGIAS DE AVALIAÇÃO DO SONO EM HUMANOS
Em geral, a avaliação do sono é realizada por medidas subjetivas, que são obtidas com
instrumentos como as escalas de avaliação da qualidade do sono diário; e por medidas objetivas
como a polissonografia, que fornece informações objetivas como a latência de sono e eficiência
de sono. A utilização concomitante de métodos objetivos e subjetivos é comum e recomendável,
pois nem sempre a estrutura e parâmetros polissonográficos normais correspondem a relatos de
sono reparador.
9.2.1 Avaliação Subjetiva
A avaliação subjetiva do sono é uma ferramenta importante na triagem e suspeita de
algum distúrbio de sono. A avaliação é realizada sob a forma de questionários variados, validados
para identificar algumas características dos distúrbios de sono mais importantes. A Escala de
Sonolência de Epworth é frequentemente utilizada para triagem de sonolência excessiva diurna e
pode ser útil em suspeitas de narcolepsia e síndrome da apneia obstrutiva do sono. O Questionário
de Berlim é utilizado para identificação de risco para apneia obstrutiva do sono. O Questionário
de Pittsburgh é a principal ferramenta subjetiva para avaliação da qualidade de sono. Outros
questionários sobre movimentos periódicos de pernas e bruxismo do sono podem ser úteis para a
melhor caracterização clínica da situação do paciente. Além disso, a aplicação de questionários
com perguntas gerais sobre o sono (ex: hora que normalmente dorme e acorda, frequência de
acontecimentos diversos durante o sono) e sobre situações que ocorreram no dia anterior ao
exame da polissonografia (uso de medicamentos, cafeína, etc.) também são importantes para
caracterizar uma eventual alteração que possa vir aparecer no exame.
- 100 -
9.2.2 Polissonografia
A polissonografia foi introduzida na década de 50 e é o principal método para diagnóstico
de distúrbios de sono. O exame é realizado no laboratório de sono durante uma noite inteira, sob
as condições mais naturais possíveis. A polissonografia consiste do registro de várias funções e
fenômenos que ocorrem durante o sono como o eletroencefalograma (EEG), eletrooculograma
(EOG), eletromiografia (EMG) superfiiciais do mento e dos músculos tibiais anteriores, fluxo aéreo
nasal e bucal, movimentos respiratórios, saturação de oxiemoglobina e eletrocardiograma (ECG).
Dentre os diversos parâmetros que podem ser extraídos deste exame estão o tempo total de sono,
a eficiência de sono, a porcentagem de cada estágio do sono em relação ao tempo total de
sono, o índice de apneia/hipopneia (utilizado para o diagnóstico da síndrome da apneia
obstrutiva do sono), o índice de movimentos periódicos de pernas, o número de despertares por
hora e os níveis de saturação da oxiemoglobina.
9.2.3 Polissonografia “Split-night”
A polissonografia “split-night”, ou seja, “noite partida”, é uma adaptação da
polissonografia comum frequentemente utilizada em pacientes com características clínicas
indicativas para o uso do CPAP (Continuous Positive Airway Pressure), um aparelho para o
tratamento da síndrome da apneia obstrutiva do sono. Este aparelho gera um fluxo contínuo de
pressão positiva nas vias aéreas do paciente, fazendo com que o espaço das vias aéreas
superiores se torne maior, evitando o estreitamento e o colabamento dessas vias. Assim, o
procedimento reduz o número de apneias realizadas pelo paciente e é considerado o padrão
ouro para o tratamento da síndrome. O tratamento com CPAP, de forma geral é iniciado após
duas noites em que o paciente precisa realizar polissonografia: a primeira para diagnosticar a
síndrome; e a segunda para utilizar e realizar a titulação do CPAP, ou seja, determinar a pressão
ideal para obter os melhores resultados do tratamento. No entanto, para os pacientes cujas
características clínicas são sugestivas de apneia obstrutiva do sono, a polissonografia “split-night”
é indicada. Nesta modalidade de polissonografia, a primeira metade da noite é utilizada para
diagnosticar a síndrome. Uma vez estabelecido o diagnóstico, o paciente passa a colocar o
aparelho CPAP e, na segunda metade da noite, é realizada a titulação e determinação da
pressão ideal. Desta forma, o paciente não precisa realizar duas visitas ao laboratório do sono e já
pode começar o tratamento com antecedência.
- 101 -
9.2.4 Teste múltiplo das latências de sono
É o principal exame utilizado para o diagnóstico de sonolência diurna, sendo a narcolepsia
e a síndrome da apneia obstrutiva do sono as duas enfermidades mais importantes que
ocasionam sonolência excessiva. O procedimento consiste em cinco exames de polissonografia
durante o período diurno (mas em um ambiente com ausência de luz, com o indivíduo deitado na
cama) com duração de 20 minutos cada e com intervalos de duas horas. A média da latência
para o início do sono deve situar-se entre 10 e 20 minutos. As latências menores do que 10 minutos
podem ser indicativas de sonolência excessiva diurna. O registro de dois ou mais períodos de sono
REM é sugestivo de narcolepsia.
9.2.5 Teste de manutenção da vigília
Diferentemente do teste múltiplo das latências de sono, que mede a tendência do
indivíduo de iniciar o sono, a teste de manutenção da vigília mede a capacidade do paciente de
ficar acordado sob uma situação que promoveria sono. O protocolo para realização deste teste é
similar ao do teste múltiplo, no entanto, ao invés do indivíduo ficar deitado na ausência de luz, ele
fica sentado numa condição de “meia luz”, de forma que não seja um ambiente estimulante.
Neste caso, uma latência de sono menor que 11 minutos pode ser considerada patológica.
9.2.6 Actigrafia
O actígrafo é um aparelho do tamanho de um relógio de pulso que mede a atividade
motora, registrando a frequência e a duração do movimento. Na actigrafia são observadas as
fases de atividade e de repouso prolongado correspondentes à vigília e ao sono,
respectivamente. O actígrafo apresenta inúmeras vantagens sobre os outros instrumentos
utilizados, como baixo custo, fácil operação e pouca manutenção, além de registrar o ciclo
vigília-sono durante as 24 horas do dia. Além disso, outras variáveis podem ser acopladas ao
actígrafo, como a mensuração da temperatura corporal.
- 102 -
11. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foram abordados nesta seção aspectos importantes a respeito da Biologia e da Medicina
do Sono, um campo de estudo em crescente expansão e responsável por uma grande parcela
das discussões científicas na área da saúde atualmente. Foi possível descrever as funções e
alterações que o sono e sua falta podem acarretar ao organismo e os impactos que podem levar
à sociedade. Além disso, pesquisas na área básica têm relevância e aplicação direta tanto para
a clínica quanto para a população em geral, o que torna a ciência do sono um campo
multidisciplinar e translacional que desperta curiosidade em todos que se envolvem em sua
pesquisa.
- 103 -
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1. CONCEITOS BÁSICOS SOBRE EXERCÍCIO FÍSICO E ASPECTOS PSICOBIOLÓGICOS
Muitas pessoas tendem a pensar em Exercício Físico e Atividade Física como sinônimos.
Entrentando o estas duas condições são distintas ao passo que o Exercício Físico é definido como
uma sequência de movimentos realizados pela musculatura estriada esquelética de forma
planejada, estruturada e intencionada sub a orientação de um profissional qualificado, podendo,
esta, melhorar ou manter um ou mais componentes da aptidão física. Diferentemente do
Exercício Físico, a Atividade Física pode ser definida como qualquer movimento corporal,
produzido pelos músculos esqueléticos, que resulta em gasto energético maior do que os níveis de
repouso (Caspersen et al.,1985).
Além disso, existem outros conceitos que são utilizados tanto no meio esportivo quanto na
pesquisa científica e que são importantes para melhor compreensão das atividades realizadas
seja por praticantes recreacionais ou atletas de alto nível. Dentre eestes conceitos destaca-se a
aptidão física, que corresponde ao estado de funcionamento corporal caracterizado pela
capacidade de tolerar o estresse do exercício físico, e compreende alguns componentes como: a
força muscular - entendida como a capacidade de superar ou de se opor a uma resistência por
meio da atividade muscular - ; a capacidade aeróbia - conceituada como sendo a capacidade
de captar, transportar e utilizar o O2 - ; a flexibilidade - definida como a capacidade de
movimentar uma articulação através da sua amplitude de movimento disponível, sem atingir
demasiado estresse músculotendíneo - ; e a composição corporal - Composição corporal refere-
se às quantidades absolutas e relativas do que constitui o corpo - dentre outros. (Platnov 2004;
Astrand, 1952; Alter, 1996 e Wang et al.,1992)
Outro conceito que vem complementar o entendimento básico das atividades
desenvolvidas com o exercício físico é o treinamento físico, que se caracteriza como uma
intervenção na condição física do indivíduo com o objetivo de modificar as condições iniciais de
aptidão física com o uso repetido do exercício físico (McArdle et al., 1998; Robergs e Roberts,
2002).
Dessa forma, tal intervenção pode desencadear, em especial, dois efeitossobre o
organismo - as adaptações agudas: correspondem as respostas estruturais e funcionais
“imediatas” a prática do exercício físico, que funcionam para atender a demanda que o estímulo
dado exige do organismo no momento do exercício físico; e as adaptações crônicas: mudanças
- 106 -
estruturais e funcionais que são mantidas depois de repetidas sessões de exercício físico (Robergs
e Roberts, 2002).
Sabe-se que essas mudanças obtidas com a prática regular de atividade física ou de
exercício físico podem colaborar na melhora da qualidade de vida e aumento da longevidade
(ACSM, 2006), sendo essas atividades empregadas como intervenção não farmacológica
importante no tratamento de algumas doenças crônicas não-transmissíveis como: obesidade,
hipertensão arterial, diabetes, doenças cardiovasculares, entre outras (De Mello et al., 2010;
Dâmaso et al., 2006; Penedo e Dahn, 2005) Também atua no tratamento de distúrbios do sono (De
Mello et al., 2005; Passos et al., 2008; Esteves et al., 2009)e na melhora das funções cognitivas
(Cassilhas et al., 2007).
Ao elaborar um programa de exercício físico seja em protocolos de pesquisa científica ou
prescrição de treinamento em clubes e academias é necessário avaliar primeiramente “onde”
queremos chegar pra depois traçarmos a estratégia de “como” chegar. Nesse momento é
importante levar-se em consideração as características dos indivíduos (idade, gênero, nível de
aptidão física, possíveis limitações), o tipo de exercício físico (aeróbio ou resistido), o volume e a
intensidade, além de alguns princípios do treinamento físico tais como: princípio da
individualidade biológica, princípio da adaptação, princípio da sucessão das cargas e princípio
da especificidade (ACSM, 2006; Bompa e Cornacchia, 2000).
Um programa de exercício físico varia no decorrer do ano e o cronograma das atividades
a serem realizadas é conhecido como periodização, ou seja, como será dividido o programa de
exercício físico dentro de um dado período de tempo (Bompa e Cornacchia, 2000), contendo
microciclos, mesociclos e macrociclos.
Ao longo do tempo é possível observar a influência do exercício físico por intermédio de
avaliações sistemáticas, como por exemplo: avaliações antropométricas, de marcadores
bioquímicos ou testes de esforço máximo, realizadas no início do treinamento e periodicamente
após algum tempo dependendo das variáveis que se deseja observar, assim auxiliando a análise
dos resultados (Pompeu, 2004).
É importante ressaltar que da mesma forma que a falta de exercício físico pode ser
deletéria ao organismo, o excesso também tem mostrado conseqüências indesejáveis à saúde
(Thompson, 2009). Então, a prescrição de um programa de exercício físico realizada de forma
planejada proporciona maior segurança e amplia as possibilidades de se alcançar resultados
positivos.
- 107 -
1.1 Modelos Animais Para Exercício Físico
Os benefícios da prática de exercício físico ou mesmo de atividade física já foram
discutidos e são inquestionáveis, mas deve-se pensar a forma que essas respostas foram obtidas.
Existem muitas limitações experimentais quando se utilizam seres humanos, não se possibilitando,
na maioria das vezes, uma investigação mais aprofundada acerca do funcionamento ou do
mecanismo daquele efeito. Protocolos experimentais que utilizam animais como sujeitos, são
desenvolvidos quando não seria apropriado usar seres humanos para estudos do impacto do
exercício físico. Pesquisas mais experimentais envolvendo os efeitos do exercício físico e seus
impactos sobre organismos intactos são mais efetivamente realizados com seres humanos. No
entanto, para outros estudos, o uso de seres humanos é inviável nem desejável, pois envolveria
observações desses sujeitos ao longo de suas vidas, que é impraticável, ou a realização de
procedimentos invasivos, o que é antiético.
Com o intuito de mimetizar os efeitos fisiológicos do exercício físico em humanos, diversos
modelos animais foram propostos (Gonyea and Ericson, 1976; Roy and Sarkar, 1982; Wong and
Booth, 1988; Tamaki et al., 1992; Carson et al., 1995; Cutlip et al., 1997; Hornberger and Farrar, 2004).
A similaridade entre a microarquitetura de tecidos de humanos e ratos, além da possibilidade de
controlar os parâmetros biomecânicos, condições ambientais, nutricionais e genéticos, torna o
estudo com modelos animais bastante atrativos (Matsakas & Patel, 2009).
Alguns cuidados devem ser levados em consideração ao utilizar modelos animais que envolvam o
exercício físico, tais como:
- o quão relevante é a pergunta do estudo;
- qual o tipo de exercício físico mais adequado para observar os efeitos desejados;
- qual a melhor espécie animal a ser utilizada;
- utilizar o menor número de animais necessário para responder a pergunta;
- qual o melhor modelo de exercício físico para observar os efeitos desejados;
- o quão estressante é esse modelo;
- qual volume, intensidade e frequência de exercício físico serão utilizados;
- como será a adaptação dos animais ao modelo;
- qual o melhor horário para a realização do exercício físico, levando em consideração o
ritmo biológico da espécie a ser utilizada,
- cuidados com o laboratório.
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Representação gráfica do número de trabalhos publicados sobre exercício físico em modelos animais no pubmed
2. RITMOS CIRCADIANOS E EXERCÍCIO FÍSICO
Atualmente diversos estudos têm observado ritmicidade circadiana para as variáveis
relacionadas ao desempenho esportivo. Sendo assim, qualquer planejamento, prática ou
avaliação de exercício físico deve levar em consideração o efeito da hora do dia.
As primeiras investigações relacionadas ao desempenho esportivo iniciaram com a
observação dos resultados de atletas em campeonatos realizados em diferenciados momentos
do dia. De maneira geral, foi observado que os recordes apresentaram uma tendência em
ocorrer no início da noite quando comparados a outras horas do dia. Estes estudos, talvez tenham
sido os primeiros indícios científicos que comprovaram a existência de uma variação circadiana
no desempenho esportivo. Entretanto, este tipo de pesquisa recebe muitas críticas uma vez que
não há rigor científico no controle de fatores externos, a exemplo do controle da temperatura
ambiental, a estação do ano, a direção do vento, entre outros, podendo mascarar o que de fato
representa tal informação.
A partir da idéia de que as variáveis esportivas estão suscetíveis ao efeito da hora do dia,
bem como da dificuldade em controlar fatores externos, as pesquisas científicas realizadas em
laboratório ganharam notoriedade. Com o intuito de provar a existência de ritmo circadiano no
desempenho esportivo, algumas habilidades ou componentes do desempenho físico passaram a
ser analisados isoladamente.
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Alguns exemplos de componentes medidos isoladamente em condiçõeslaboratoriais
controladas e que apresentaram efeito da hora do dia são:
Desempenho psicomotor e habilidades motoras: com melhor resposta aocontrole motor e
cognitivo ocorrendo pela manhã, enquanto o tempo de reaçãosimples tende a ser melhor à
tarde;
Força muscular: o pico da força, independente do tipo de contração muscular e do
grupamento muscular utilizado, ocorre no período da tarde ou início da noite;
Exercícios de curta duração (Anaeróbio): com melhores resultados observados no período
da tarde;
Como se pôde observar, o melhor resultado para prática de uma modalidade esportiva
vai depender da variável investigada e da hora em que ocorre o seu pico. Além disso, deve-se
ressaltar que o esporte é formado pela associação de diversas variáveis relacionadas ao
desempenho e que tais variáveis podem não apresentar o mesmo ritmo circadiano.
Nesse sentido, para garantir um bom desempenho esportivo é importanteconhecer os
ritmos circadianos deste desempenho, os fatores que podem provocar alteração deste ritmo e,
acima de tudo, quais as características fisiológicas individuais dos praticantes de determinado
exercício físico.
Atualmente, a investigação sobre o caráter endógeno do ritmo circadiano do
desempenho esportivo, a partir da determinação do livre-curso em indivíduos cegos, têm sido
uma das linhas de pesquisa do CEPE. Em estudo recente, foi observado que a força de contração
isométrica de atletas cegos apresentaram acrofases ocorrendo em diferentes momentos do dia,
conforme o passar dos dias,caracterizando um verdadeiro ritmo circadiano endógeno e o seu
caráter em livrecurso. Assim, o período endógeno da força muscular, a exemplo da melatonina e
temperatura corporal, é maior do que 24 horas e estará sincronizado com o meio externo quando
o ciclo claro-escuro estiver presente.(Squarcine et al., 2012)
3. SONO E EXERCÍCIO FÍSICO
O exercício físico é comumente aceito como um importante aliado na promoção
do sono (Horne, 1981; Youngstedt, 2005). Estudos epidemiológicos demonstraram associações
positivas entre exercício físico e sono (Vuori et al., 1988; Sherrill et al., 1998; de Mello et al. 2000),
sendo o exercício físico considerado pela American Sleep Disorders Association (1991) uma
intervenção não farmacológica para a melhora da qualidade do sono.
- 110 -
Nas últimas décadas, uma grande variedade de estudos envolvendo diferentes tipos de
populações e o exercício físico aeróbio foram realizados na tentativa de avaliar os efeitos desse
tipo de intervenção na quantidade e qualidade do sono (Shapiro et al.,1975; Shapiro et al., 1981;
Torsvall et al., 1984; Horne et al., 1985; Montgomery et al., 1988; Driver et al., 1994; King et al., 1997;
Taylor et al., 1997; Youngstedt et al., 1997; O’Connor et al., 1998; Youngstedt et al., 2000; Oda, 2001;
Hague et al., 2003). Entretanto, ainda não existe um consenso na literatura sobre quais os efeitos
do exercício físico nos parâmetros do sono (Driver & Taylor, 2000; Youngstedt, 2005).
O aumento do tempo total do sono (TTS) (Shapiro et al., 1975; Youngstedt et al., 1997),
aumento da latência para o início do sono REM (Youngstedt et al., 1997; Hague et al., 2003),
aumento da quantidade de sono de ondas lentas (SOL) (Shapiro et al.,1975; Shapiro et al., 1981;
Horne et al., 1985; Taylor et al., 1997; Hague et al., 2003) e diminuição da latência para o início do
sono (Hague et al., 2003) e da porcentagem do sono REM (Shapiro et al.,1975; Driver et al., 1994;
Youngstedt et al., 2000; Hague et al., 2003) são as principais alterações observadas.
Em contraste, alguns estudos não encontraram diferenças significativas no sono após a
realização do exercício físico (Montgomery et al., 1988; Oda 2001; Faria et al., 2009).
Essas diferenças podem ser devido a diferenças no horário de realização de exercício, tipo
de exercício (aeróbio x resistido), diferenças nas características das amostras dos estudos (atletas
e indivíduos fisicamente ativos x sedentários) e diferenças no volume e intensidade das sessões de
exercício físico.
Alguns modelos teóricos foram propostos e explicariam a influência do exercício físico no
sono. São elas, a teoria termorregulatória, teoria da restauração corporal e a teoria da
conservação de energia (Driver & Taylor, 2000):
3.1 Teoria termorregulatória: um aumento acentuado da temperatura corporal central antes do
horário de dormir pode ativar os mecanismos de perda de calor corporal central, que por sua vez
estão relacionados à indução do sono. O exercício físico pode ser considerado um dos fatores
que proporcionam aumentos na temperatura corporal ativando dessa maneira esses mecanismos
termorregulatórios, facilitanfdo o início e manutenção do sono..
3.2 Teorias da restauração corporal e conservação de energia: o sono, por reduzir o requerimento
metabólico, pode ter a função de restauração teciduale/ou conservação de energia.A duração
do sono e a quantidade de SOL podem aumentar em função do aumento da energia
despendida e das micro-lesões teciduais ocorridas durante o dia. As contrações musculares
exigidas no exercício físico são estímulos capazes de promover depleção dos estoques de energia
e micro-lesões, ou seja, uma alta atividade catabólica durante a vigília pode favorecer a
atividade anabólica durante o sono, em especial durante o SOL onde ocorre a maior liberação
de hormônio do crescimento (GH) durante as 24 horas de um dia.
Mais recentemente, outras hipóteses também vêm sendo estudadas, sendo as principais o
efeitos ansiolítico e antidepressivo do exercício físico (Youngstedt, 2005).
- 111 -
Em relação ao mecanismo da redução dos níveis de ansiedade, Youngstedt (2005),
sugeriu este como a mais plausível justificativa para explicar os efeitos do exercício físico na
qualidade do sono. Como a ansiedade é um dos marcadores da insônia, um estímulo capaz de
a reduzir poderia promover o sono. Neste sentido, O’Connor et al., (2000) sugeriram que o
exercício físico agudo poderia reduzir o estado de ansiedade e a sua prática crônica poderia
resultar em redução no perfil de ansiedade.
A teoria antidepressiva sugere como um dos efeitos do exercício físico crônico, a redução
da depressão (O’Neal et al., 2000). Existem evidências de que a insônia seja um fator de risco para
o desenvolvimento da depressão, assim como de que a mesma pode decorrer deste transtorno
psiquiátrico. Está bem estabelecida na literatura a ação de diversos tratamentos antidepressivos
na redução do sono REM (Vogel et al., 1990). Como um dos efeitos do exercício físico agudo é a
redução do sono REM (Youngstedt et al., 1997), a prática regular de exercícios físicos poderia ser
uma alternativa para reduzir o nível de depressão e, em conseqüência, promover melhoras no
sono.
Quanto ao horário de realização do exercício físico e sua interferência no sono, parece
que os principais efeitos são observados quando o exercício físico é realizado entre 4 e 8 horas
antes do horário de dormir. Isso estaria ligado a um rápido declínio da temperatura corporal que
ocorre pouco tempo após o término da sessão de exercício físico (Youngstedt, 1997) e sustentaria
a hipótese termorregulatória.
Com o intuito de verificar a influência da hora de realização do exercício físico no sono,
Horne & Porter (1976) realizaram um estudo que comparou o efeito do exercício físico aeróbio
realizado nos períodos da manhã (10:00 às 12:00 horas) e da tarde (16:00 às 18:00 horas) no sono e
encontraram alterações significativas apenas no estágio 3 do sono NREM quando o exercício
físico aeróbio foi realizado no período da tarde.
Nessa linha de pensamento, Buxton et al., (2003) observaram que o exercício físico aeróbio
de alta intensidade realizado em diferentes horários do dia, promove um avanço de fase da
melatonina apenas no exercício realizado no início da noite, entre 17:30 e 19:30 horas. Nesse caso,
exercícios de alta intensidade realizados nos períodos da manhã e tarde não possuíriam qualquer
tipo de influência no sono porque não promoveram alterações no ritmo circadiano da
melatonina, enquanto que exercícios intensos realizados no início da noite poderiam aumentar a
propensão ao sono devido a um avanço de fase da melatonina (Buxton et al., 2003). Isso
explicaria o declínio da temperatura corporal central ocorrido após o término do exercício físico.
Outros estudos foram conduzidos em horários específicos do dia (Torsvall et al., 1984 - 12:00
às 19:00 horas; Montgomery et al., 1988 - período da tarde; O’Connor et al., 1998 - 90 minutos
antes do horário habitual de início do sono, Faria et al., 2009 – manhã, tarde e noite) sendo que
apenas no estudo de Torsvall et al., (1984) ocorreram alterações significativas no sono. Esses
resultados confirmam a afirmação de que podem ocorrer alterações significativas no sono
- 112 -
quando o exercício físico é realizado no período de 4 a 8 horas antes do horário habitual de início
do sono.
Além do tempo em cada estágio do sono, o exercício físico pode também alterar o
padrão eletroencefalográfico durante o sono. No estudo de Torsvall et al., (1984) o padrão do
sono foi avaliado após uma sessão de treinamento de corrida de 15-20 Km com intensidade
moderada, após uma sessão de treinamento de corrida de 30-40 Km realizado até a exaustão
voluntária sendo que também avaliaram o padrão do sono da noite seguinte à realização da
sessão de treinamento até a exaustão. Em relação a noite de sono basal, a latência para o sono
REM esteve aumentada e o sono REM esteve diminuído na noite de sono da sessão de exercício
físico até a exaustão e não ocorreram alterações significativas na duração do SOL em qualquer
condição. Entretanto, ocorreram aumentos significativos na densidade (onda delta com
amplitude maior) do EEG durante o SOL na noite de realização da sessão de exercício até a
exaustão.
Alterações na densidade do EEG durante o SOL também foram encontradas no estudo de
Hague et al., (2003) onde nos primeiros 10% da noite de sono a densidade do EEG dos estágios 3 e
4 estavam aumentados em relação a noite controle (sem treinamento físico).
Os efeitos do exercício físico resistido no padrão do sono foram pouco explorados. Em
alguns dos estudos realizados foram avaliados apenas o efeito crônico desse tipo de intervenção
na percepção subjetiva do sono de idosos sem avaliação objetiva por PSG (Singh et al., 1997;
Ferris et al., 2005).
Um estudo que utilizou o exercício físico resistido e avaliou o sono dos voluntários por meio
de registro polissonográficofoi o de Montgomery et al., (1988). Neste trabalho, o efeito do
treinamento de força no sono de atletas de levantamento de peso foi avaliado. Os resultados não
apontaram diferenças significativas em nenhum parâmetro do sono quando o treinamento físico
foi realizado em comparação com o dia de descanso. Vale ressaltar que os voluntários eram
atletas que treinavam em alta intensidade por no mínimo duas horas por dia, 5 dias por semana e
estavam no programa de treinamento há mais de 12 meses.
O efeito do exercício resistido em indivíduos sedentários também não promoveu alterações
no sono de indivíduos adultos. Faria et al., (2009) não encontraram alterações significativas nos
parâmetros do sono quando avaliaram a noite após a 1ª sessão de exercício resistido de
indivíduos sedentários que não tinham histórico nesse tipo treinamento.
A intensidade e duração (volume) do exercício físico, também podem ter influência no
sono. Quanto ao volume da sessão de exercício ou treinamento, em estudo de meta-análise,
Youngstedt et al., (1997) concluiram que o tempo mínimo de exercício capaz de promover
alterações no sono seria de 1 hora.
Montegomery et al., (1988) e Faria et al., (2009) ao avaliarem o efeito do exercício físico
resistido, não encontraram alterações significativas no sono. Como os dois estudos utilizaram
- 113 -
cargas (alta x moderada intensidade) e volume (2 horas x 40-45 minutos) respectivamente, isso
pode ser um indicativo de que o tipo de exercício físico pode ser o responsável pelas alterações,
considerando que cada tipo de exercício físico possui mecanismos de respostas e adaptações
fisiológicas diferentes.
Além disso, o exercício físico resistido promove um gasto calórico menor do que o exercício
físico aeróbio (Montgomeryet al., 1988) sustentando a hipótese da conservação de energia e da
restauração corporal (Driver & Taylor, 2000).
É preciso considerar a hipótese do efeito “teto e chão” quando utilizamos em pesquisas
indivíduos com boa qualidade de sono (Youngstedt et al., 2003), ou seja, a margem para
alterações no sono pode ter sido diminuída uma vez que os indivíduos que participaram dos
diversos estudos citados possuíam boa qualidade de sono. Neste sentido, Flausinoet al., (2012)
com o objetivo de investigar a influência de diferentes intensidades e duração de exercício
realizados antes do horário de dormir, sobre o padrão do sono, avaliaram 17 homens jovens,
saudáveis, não atletas, considerados bons dormidores. Todos, foram submetidos a cinco dias
randomizados e não consecutivos de exercício físico aeróbico em esteria com diferentes volumes
e intensidades, próximos ao horário habitual de dormir. Observou-se aumento estatisticamente
significativo na eficiência do sono (ES) entre todos os protocolos, quando realizada comparação
com os dados basais, aumento na latência para o sono REM entre dois experimentos; observou-se
ainda, diminuição na porcentagem do estágio 1 do sono, bem como nos despertares após o
início do sono. O exercício físico aeróbio realizado antes do horário de dormir, além de não ter
prejudicado a qualidade do sono desta população avaliada, mostrou-se eficaz na melhora de
algumas variáveis do padrão de sono, podendo ser considerado em abordagens que visem a
melhoria do padrão de sono.
O sono de boa qualidade é fundamental para a restauração física e mental. No caso do
exercício físico, existe uma relação em forma de “U” invertido (Figura 4) entre a fadiga induzida
pelo exercício físico e a qualidade de sono (Hobson, 1968), ou seja, a carga moderada do
exercício parece ser a que promove os melhores resultados no sono, enquanto a carga leve e
intensa não promove benefício algum ou promove até redução na qualidade do sono,
respectivamente.
O exercício físico em demasia bem como o sono de má qualidade, podem prejudicar o
rendimento durante os treinamentos e durante as competições; dessa forma, conhecer melhor o
padrão de sono pode ser uma referência importante para se alcançar melhor desempenho na
realização do exercício, bem como para controlar o nível de estresse do treinamento (Martins et
al., 2001).
- 114 -
Relação
entre a sobrecarga do exercício físico e a qualidade do sono.
3.3. Exercício Físico e Distúrbios Do Sono
A prática de exercícios físicos também tem sido avaliada como terapia não
farmacológica para os distúrbios do sono. Os principais distúrbios que vem sendo avaliados são: a
síndrome da apnéia obstrutiva do sono (SAOS), a insônia crônica primária e a síndrome das pernas
inquietas (SPI) associada aos movimentos periódicos de pernas (MPP).
Um estudo realizado com o objetivo de avaliar o efeito do exercício físico como terapia
coadjuvante ao tratamento convencional com aplicação de pressão positiva nas vias aéreas dos
pacientes com respiração espontânea durante o ciclo respiratório (CPAP) com SAOS, demonstrou
uma significante redução do índice de apnéia/hipopnéia (IAH) destes pacientes, de 32.8 (apnéia
grave) para 23.6 (apnéia moderada) (Giebelhaus et al., 2000), indicando que o exercício físico
pode contribuir para a redução da gravidade da SAOS.
Os distúrbios respiratórios do sono, como a SAOS, podem provocar uma redução no
desempenho cardiorrespiratório. Um estudo recente demonstrou associação significativa entre o
consumo máximo de oxigênio (VO2max) e o IAH de mulheres sedentárias (Cintra et al., 2009).
Outros estudos também descreveram associação negativa entre o IAH e a prática de exercícios
físicos em homens e mulheres com SAOS (Peppard e Young, 2004). Além disso, a freqüência
cardíaca de recuperação é significativamente mais baixa nos pacientes com SAOS grave
quando comparados aos pacientes com SAOS leve a moderada (Maeder et al., 2008). Com base
nestas informações, pode-se concluir que as pessoas com SAOS além de se beneficiar da pratica
de exercícios físicos como terapia complementar, estarão de certa forma protegidos de uma
perda na capacidade cardiorrespiratória.
- 115 -
Estudos epidemiológicos têm correlacionado as queixas de insônia com a prática de
atividades físicas. Um estudo realizado na cidade de São Paulo, com voluntários saudáveis e
idades acima de 25 anos, demonstrou que pessoas fisicamente ativas têm menos queixas de
insônia que pessoas sedentárias (De Mello et al., 2000).
O primeiro estudo clínico realizado com o objetivo de verificar os efeitos do exercício físico
no sono de insones foi realizado em 1995, por um grupo da Universidade de Stanford (Guilleminault
et al., 1995). Após quatro semanas de intervenção, foi observada uma tendência, não
significativa, de aumento no TTS e de redução na LS e no TVS dos insones, avaliados pelo diário do
sono e pela actigrafia. Eles também descreveram um effect size importante para as variáveis TTS e
Latência de Sono (LS) (0,39 e -0,36, respectivamente), indicando que embora os efeitos não
tenham sido significativos do ponto de vista estatístico, os autores os consideram importantes do
ponto de vista clínico.
Um estudo posterior foi realizado com o objetivo de verificar o efeito agudo de três tipos de
exercícios físicos na qualidade do sono e no estado de ansiedade de pacientes com insônia
crônica primária de acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 4a
Ed(DSM IV). Os pacientes selecionados para participar do estudo apresentavam idade média de
44 anos. Os resultados demonstraram que após uma sessão de exercício aeróbio moderado,
houve uma redução na LS (54%) e no tempo total acordado - TTA (36%) e um aumento no TTS
(21%) e na ES (18%) avaliados por polissonografia. Quanto à qualidade subjetiva de sono, foi
observado um significativo aumento no TTS (37%) e uma significativa redução na LS (40%) dos
voluntários do mesmo grupo. No estado de ansiedade também foi observada uma redução
significativa após a sessão de exercício aeróbio moderado (7%). Os resultados deste estudo
sugerem que uma sessão aguda de exercício aeróbio moderado poderia reduzir o estado de
ansiedade e melhorar a qualidade do sono dos pacientes com insônia crônica primária (Passos et
al, 2010).
Outro importante estudo realizado por Passos et al, 2011 teve como objetivo avaliaro efeito
do exercícioaeróbio moderado, realizado por um período de 6 meses,na qualidade do sono,
qualidade de vida e no perfil de humorde insones e,analisar seestes efeitosdifeririam entre o
exercício realizado no período da manhãe no final da tarde. Foram recrutados dezenove
indivíduos sedentárioscom insônia primáriacrônica,com idade média de45 anos. Os resultados
demonstraram significativa redução da latência parainício do sono (de 17,1 para 8,7min, p <0,01),
diminuição do tempo acordado após início do sono(de 63,2 minpara 40,1 min) e aumento
significativo naES (de79,8%para 87,2%). Em relação aos dados dos diários de sono foi encontrada
significativa redução nalatência de sono, melhora na qualidade do sono e sensação de
descanso ao acordar pela manhã. Não foram apresentadas diferenças significativas em relação
aos horários em que foram praticados os exercícios. Após o período de treinamento, algumas
medidas de qualidadede vida também apresentaram melhora significativae diminuição
significativafoi encontrada no perfilde humor: tensão-ansiedade,depressão e distúrbio total de
humor. A longo prazo, a prática de exercícioaeróbio moderadoprovocoumelhora significativaem
- 116 -
alguns parâmetros de sono, na qualidade de vida e no humor deindivíduos cominsônia crônica
primária.
Os exercícios físicos resistidos (musculação) também estão entre as modalidades de
intervenções utilizadas em protocolos experimentais para pessoas com queixas de sono. Em um
estudo, Singh et al., observaram uma melhora na qualidade do sono de idosos que apresentavam
sintomas depressivos associados à má qualidade de sono. A intervenção consistiu de um
programa de treinamento resistido, realizado três vezes por semana, durante um período de 10
semanas. Os resultados mostraram que o exercício físico resistido foi eficaz na melhora da
qualidade subjetiva do sono, da depressão, da força máxima e da qualidade de vida dos idosos.
Os efeitos dos exercícios físicos sobre osMPP também fazem parte dostemas de pesquisa.
Aukerman et al. (2006) avaliaram os efeitos de um programa de exercícios combinados (aeróbica
e força muscular), durante 12 semanas. Os resultados demonstraram que os sintomas de
SPIreduziram estatisticamente quando comparado ao grupo controle, a partir da 6a semana de
intervenção.
Esteves et al. (2009) realizaram um estudo com o objetivo de avaliar os efeitos do exercício
intenso exercício agudo e crônico sobre o padrão de sono em pacientes com MPP. Os resultados
demonstraram que após a pratica de exercício físico agudo houve um aumento na ES, no sono
REM e reduziu o tempo de vigília após o início do sono, enquanto que após o exercício físico
crônico foi observado um aumento da ES, do sono REM e uma redução da latência do sono.
Neste estudo, observou-se também uma correlação negativa entre a liberação de b-endorfina
após o exercício agudo intenso e o índice de MPP. Os autores concluíram que o exercício físico
pode melhorar os padrões de sono e reduzir os níveis de MPP.
4. HIPÓXIA, FUNÇÕES COGNITIVAS E EXERCÍCIO FÍSICO
Diversos fatores podem afetar as funções cognitivas. Dentre elas podemos citar o
exercício físico. Pois este é considerado um agente estressor que pode influenciar as funções
cognitivas por meio de mecanismos neuro-humorais e hormonais, podendo assim, afetar a
capacidade de formação de novas memórias imediatamente após a realização de exercício
agudo, bem como, contribuir no armazenamento de novas informações através do treinamento
físico sistemático. (Santos, 1994; Richardson et al.,1998)
O exercício físico parece influenciar as funções cognitivas em diversas faixas etárias. Na
infância, estudos demonstram que o exercício físico aeróbio de intensidade moderada pode
melhorar o controle cognitivo da atenção e o desempenho acadêmico (Hillman et al., 2009). Já
em crianças com transtorno do déficit de atenção e hiperatividade um estudo demonstrou que
- 117 -
o exercício físico agudo foi capaz de melhorar a atenção sustentada tanto em crianças que já
realizavam tratamento farmacológico quanto para as que não realizavam (Medina et al., 2010).
Por outro lado, os idosos também parecem se beneficiar com a prática de exercícios
físicos. Bixby et al.,(2007) verificaram que idosos que praticam exercício físico entre três e cinco
anos, obtêm uma melhora das suas funções cognitivas.
Estudos têm relatado que o exercício aeróbio pode estar relacionado à melhora na
função cognitiva. Em uma meta-análise, realizada por Colcombe e Kramer em 2003, os autores
verificaram que o aumento na aptidão aeróbia estava associado àmelhora nos processos
cognitivos dos indivíduos.
Em um estudo, por meio de dois experimentos, Colcombe et al. (2004) demonstraram que o
aumento na aptidão cardiovascular resultava em melhora das funções cognitivas. Tanto os
indivíduos com alta aptidão, como os que realizaram treinamento físico, obtiveram melhor
ativação do circuito atencional do cérebro, tendo este sido avaliado pela ressonância
magnética funcional. Corroborando com este estudo, em outro experimento observou-se que
após seis meses de treinamento aeróbio, houve aumento do volume cerebral na região pré-
frontal (área responsável pelo circuito atencional) e temporal (Colcombe et al., 2006).
Já os exercícios físicos resistidos também parecem melhorar, ou pelo menos manter, a
saúde física e mental dos idosos, pois, além de todos os benefícios advindos da sua prática,
estes também promovem o aumento da densidade mineral óssea, da força e da massa
muscular, possibilitando ao idoso uma maior autonomia e melhor qualidade de vida (Perrig-
Chiello et al.,1998).
Os trabalhos que associam as funções cognitivas aos exercícios físicos resistidos são
escassos, contudo, em um dos poucos trabalhos realizados para determinar os efeitos deste tipo
de exercício físico no funcionamento cognitivo verificou melhoras no bem-estar psicológico,
assim como nas tarefas de recordação livre e de reconhecimento após oito semanas de
treinamento (Perrig-Chiello et al.,1998). Já em outro estudo Cassilhas et al. (2007) observaram
que o treinamento físico resistido tanto em intensidade alta quanto baixa é capaz de melhorar
as funções cognitivas (atenção, função executiva e memórias de curto e longo prazo) de
idosos.
É importante ressaltar que o indivíduo que realiza tipos de exercícios físicos diferentes,
diversificando assim as suas atividades, parece estar positivamente relacionado com o seu
desempenho cognitivo quando da realização de testes de velocidade de processamento e de
flexibilidade mental (Angevaren et al., 2007). Entretanto, apesar de alguns estudos terem sido
realizados utilizando o treinamento combinado e com múltiplos componentes, ainda não há um
consenso sobre estas modalidades (Emery e Gatz, 1990; Okumiya et al., 1996; Williams e Lord,
1997; Carral e Pérez, 2007; Tanaka et al.,2009;).
- 118 -
Com relação aos mecanismos, estudos têm especulado que o exercício físico promove
aumento da atividade metabólica cerebral, o que faria com que a perda das funções
cognitivas se desse de forma mais lenta (Dustman et al., 1984; Kara et al., 2005).
Existem dois mecanismos básicos que têm sido sugeridos para explicar os efeitos dos
exercícios físicos sobre as funções cognitivas. O primeiro é denominado hipótese da circulação
sangüínea cerebral, que demonstra que o exercício induz ao aumento do fluxo de sangue
cerebral, o segundo é a hipótese da estimulação neurotrófica.
Existem evidências de que com o aumento da capacidade aeróbia há uma diminuição
da viscosidade sangüínea (que é um dos métodos utilizados para comprovar a hipótese da
circulação sangüínea cerebral) (Immanuel et al., 2006).
Já a influência do treinamento resistido ainda não está clara. El-Sayed em 1998 sugeriu
que o treinamento resistido também pode ser vantajoso, uma vez que a diminuição da
viscosidade sangüínea implicaria em maior fornecimento de oxigênio para os músculos, devido
a menor resistência ao fluxo sangüíneo. Contudo, quando a viscosidade sangüínea foi
mensurada, após o treinamento resistido de longo prazo em duas intensidades diferentes, não se
observaram diferenças significativas, embora tenha havido melhora significativa da cognição
(Cassilhas et al., 2007).
A segunda hipótese é a da estimulação neurotrófica. Segundo esta, os exercícios podem
elevar os níveis do IGF-1 (fator de crescimento semelhante à insulina), do fator neurotrófico
derivado do cérebro (BDNF), além de outros fatores de crescimento, estimulando assim a
neurogênese, aumentando a resistência aos danos cerebrais e melhorando as funções
cognitivas (Van Boxtel et al., 1997; Aleman et al., 1999; Ding et al., 2006; Okereke et al., 2007; Trejo
et al., 2007; Cassilhaset al., 2007).
O IGF-1 desempenha um papel anabolizante e neuroprotetor, sendo altamente expresso
no cérebro. Ele é essencial para o desenvolvimento cerebral normal, promovendo a projeção
dos neurônios em crescimento, a sua arborização dendrítica e a sinptogênese. Essa substância
garante a captação da glicose no tecido cerebral (Bondy et al., 2004), e existe em abundância
nas áreas responsáveis pela cognição, como o hipocampo e a região pré-frontal (Van Dam et
al., 2004).
Cassilhas et al., (2007) observaram um aumento dos níveis do IGF-1 em idosos que
praticaram exercício físico resistido por um período de seis meses. Este aumento ocorreu em
paralelo à melhora nas funções cognitivas nessa mesma população. Outro estudo também
observou aumento nos níveis do IGF-1 em idosos que realizaram treinamento aeróbio (Poehlman
et al.,1994), pelo que parece haver uma correlação positiva entre o consumo de oxigênio e os
níveis do IGF-1 (Haydar et al., 2000).
- 119 -
Além das relações do exercício físico com as funções cognitivas observadas até o presente
momento também é importante ressaltar a hipótese de que os efeitos da hipóxia também levam
a uma possível modulação de diversos sistemas do organismo, incluindo piora nos estado de
humor e nas funções cognitivas Lemos et al., 2010; Lemos et al., 2010; De Aquino Lemos at al.,
2012.
Muitas pessoas se expõem a condições de altitude tanto a trabalho quanto a lazer ou
ainda para a prática de esportes. Nesse contexto, essas pessoas podem sofrer conseqüências não
tão desejáveis em decorrência dos efeitos das grandes altitudes que reduz a pressão atmosférica
levando à redução das moléculas de oxigênio (O2) por unidade de volume, acarretando então a
hipóxia, que pode alterar diversas funções do organismo, tanto fisiológicas quanto
comportamentais, incluindo, especificamente as alterações cognitivas (Ohkuwa et. al., 2003;
Pavlicek et. al., 2005; Ortega et. al., 2004). Partindo deste pressuposto, diversos estudos mostram
que os efeitos da hipóxia podem estar associados a inúmeras alterações no escopo cognitivo.
Um experimento feito com ratos revelou que os efeitos crônicos da hipóxia diminuem as
taxas das catecolaminas (adrenalina, noradrenalina e dopamina), em diferentes regiões do
cérebro como estriatum, cerebelo, hipocampo e lobo frontal (Ohkuwa et. al, 2003). Assim, pode-
se observar que os danos podem ser ocasionados em diferentes regiões cerebrais. Mesmo assim,
alguns autores ainda relatam haver controvérsia sobre os prejuízos que podem estar associados às
funções cognitivas (Lieberman et. al, 2005).
A exposição aguda à hipóxia pode provocar no organismo alterações que podem causar
diversos eventos, tais como prostação, sonolência, fadiga muscular e mental (Buss e Oliveira,
2006). Mesmo assim, o mau funcionamento das funções cognitivas relacionada com o efeito da
hipóxia, pode provocar variabilidades individuais para cada tipo de pessoa, demonstrando que
alguns organismos são mais adaptáveis a altitude em relação a outros (Reilly e Waterhouse, 2003).
Um estudo realizado no Monte Everest em uma altitude de 5300 a 8000m com o objetivo
de monitorar a fala e os déficits cognitivos de um grupo de alpinistas, revelou que não é
surpreendente que alguns deles sejam mais resistentes a altitude do que outros alpinistas, sendo
que a monitoração da fala e as medidas cognitivas refletiram estas diferenças (Lieberman et. al,
2005).
O mau funcionamento de aspectos cognitivos em função da exposição à hipóxia tanto
em ambientes naturais de montanha quanto em simuladores de altitude pode gerar disfunções
psicomotoras, alterações nos processos de percepção como tempo de reação e discriminação
de cores; memória, aprendizagem, atenção, dentre outras alterações (Ortega et al., 2004;
Gilbson, et al., 1981; Hornbein, et al., 1989). Para o efeito da hipóxia não prejudicar tanto a
performance de indivíduos que se expõem a estas condições, ambientes com menor pressão
atmosférica, a aclimatização pode minimizar tais efeitos negativos da hipóxia, sendo que curtas
aclimatizações com períodos intermitentes sugere eficiente pré-adaptação ao corpo e àmente
- 120 -
humana, sem maiores prejuízos na escolha de tarefas durante estágios agudos da altitude intensa,
que pode variar entre 5000 a 7000 m de altitude acima do nível do mar (Leiffen et al., 1997).
Em um estudo com indivíduos de ambos o gênero comparou-se medidas de humor
durante o dia e à noite, sendo que a linha de base para o início da escalada foi determinada a
200m e o estudo foi dividido em dois grupos, sendo que o primeiro foi avaliado a 4.300m e o
segundo foi avaliado a 1.600m de atitude. Este estudo revelou que a 4.300m, os indivíduos
apresentaram pensamento claro, vertigem, sonolência e sentimento de infelicidade. Já a 1.600m,
os participantes apenas apresentaram sonolência durante este percurso (Shukitt e Banderet,
1988).
Um estudo investigou as circunstâncias anômalas das experiências perceptuais em um
grupo de 8 alpinistas expostos a uma altitude extrema, sobre 8.500m, sem oxigênio suplementar,
indicou que quase todos os atletas exceto um, relataram sentir ilusões, distorções de esquema
corporal, pseudo-alucinações visuais e auditivas, além disso, a privação social e a tensão aguda
parecem desempenhar um papel presente na gênese destas experiências (Brugger et. al., 1999).
Além dos problemas de memória, concentração, sonolência, dentre outros, gerados pela altitude,
também foi observado que tais indivíduos quando são expostos a grandes altitudes, ainda ficam
ausentes do mundo social e a tensão pode ser considerada algo inerente a estas situações.
Um estudo avaliou a relação entre estados de humor, incluindo ansiedade e mudanças de
performance no tempo de reação, habilidades psicomotoras e eficiência mental em 8 alpinistas
de gênero masculino entre 24 a 37 anos de idade, expostos em uma câmara hipobárica a 8.848m
acima do nível do mar, o que revelou que a exposição crônica à hipóxia pode provocar
alterações nos déficits de aprendizagem, nas habilidades psicomotoras e na eficiência mental.
Além disso, os indivíduos também apresentaram diversas mudanças nos níveis de humor,
depressão e ansiedade que possivelmente podem influenciar na performance de muitas tarefas,
além do aumento significativo no estado de fadiga (Bolmont, Thullier, Abraini, 2000);(Nelson, 1982);
(Shukitt e Banderet, 1988).
Diferentes funções de algumas áreas cerebrais tais como têmporo-parietal e as junções do
córtex pré-frontal também podem ser alteradas pela hipóxia (Arzy et. al, 2005). Com o aumento
da altitude em relação ao nível do mar de até 5000m mudanças no organismo humano podem
ocorrer, tais como menor resistência muscular nos braços e nas pernas, dores de cabeça, tonturas,
alterações visuo-motora, dificuldades para respirar e, além disso, também pode causar mudanças
no estado de personalidade como ideação paranóide, obsessão compulsiva e hostilidade.
A importância em analisar o papel da hipóxia sobre possíveis alterações cognitivas em
indivíduos expostos a esta condição pode ser importante para um entendimento mais amplo do
assunto que pode estar associado a mortes já ocorridas em condições de hipóxia.Com base nesta
linha de pensamento, na maior montanha do mundo, com 8848mde altitude acima do nível do
mar, morre um em cada oito pessoas que se expõe a esta condição e, para cada quatro que
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atingem com sucesso o cume do Monte Everest, há pelo menos um que perde a vida
(Loewenstein, 1999). De fato, é indubitável que o risco e o perigo são inerentes a esta exposição
ambiental adversa (Ortner, 1997).
As capacidades cognitivas em indivíduos não aclimatizados podem se alterar de acordo
com mudanças de altitude, por exemplo, a 2500m acima do nível do mar, a sensibilidade visual é
de 83%, atenção espacial 100%, memória de curto prazo 97% habilidade aritmética 100% e
tomada de decisão também 100% (McFarland, 1972). Estes índices comparados a 5000m acima
do nível do mar mostram uma mudança brusca em alguns das capacidades cognitivas, como se
pode ver, a sensibilidade visual corresponde a 48%, atenção espacial 57%, memória de curto
prazo 76% habilidade aritmética 86% e tomada de decisão também 90% (Ortega et al.,2006).
As observações relatadas até o momento foram sem exercício físico e muitas pessoas vão
para altitude fazer algum tipo de exercício. No entanto, os efeitos do exercício sobre o sono, a
cognição e o humor na hipóxia, ainda, não são tão bem desconhecidos.
De um modo geral, o exercício físico tem sido descrito na literatura científica como uma
forma de melhorar diversas funções do organismo, incluindo o padrão de sono, a memória, a
atenção, o estado de humor e o erro decisório (Monteiro e Filho, 2004; De Mello et al., 2005; Ando
et al., 2011; Chang et al., 2011; Chodzko-Zajko e Moore, 1994; Van Boxtel et al., Antunes et al.,
2006; Bos et al., 2011).
As relações entre o exercício físico e a cognição podem ser observadas no estudo de
Kumar et al., (2010), realizado com 60 pessoas saudáveis de ambos os gêneros, que teve por
objetivo avaliar os efeitos do exercício físico agudo na intensidade dos 60% aos 80% do consumo
máximo de oxigênio durante a sua realização, tendo os resultados mostrado que houve uma
melhora cognitiva. Labban e Etnier (2011) observaram 48 pessoas que realizaram 30 minutos de
exercício físico em uma bicicleta ergométrica, a uma intensidade de 70% do consumo máximo de
oxigênio, mostrando que houve melhora nas capacidades de memória de longo prazo. Em
relação ao estado de humor, Herring e O'Connor (2009) realizaram um estudo com 14 jovens
saudáveis, no qual investigaram os efeitos do exercício físico realizado a 70% do consumo máximo
de O2. Os resultados mostraram que, após uma sessão de exercício físico, houve modificações no
humor, incluindo o aumento do vigor e da fadiga.
Além do exercício físico agudo com intensidade moderada contribuir para a melhora das
funções cognitivas, este também está relacionado à manutenção do sono, auxiliando na
diminuição da sua fragmentação, no aumento do sono de ondas lentas, na diminuição da sua
latência e no aumento do seu tempo total (Guilleminault et al., 1995; Driver e Taylor, 2000;
Youngstedt et al., 2000). De acordo com O’Connor e Youngstedt (1995), o sono dos indivíduos que
fazem exercício é melhor do que os dos que não o fazem. Vuori et al., (1988) afirmaram que o
exercício físico melhora o sono da população em geral. Para mostrar a importância do exercício
físico sobre o sono, Youngstedt, O'Connor, Dishman (1997) revisaram 38 artigos sobre os efeitos do
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exercício agudo, os quais foram compilados em uma meta-análise. Os resultados observados
incluíram o aumento do sono de ondas lentas, o aumento na porcentagem de sono REM e do
tempo total de sono, após a realização do exercício agudo com intensidade moderada.
Assim, pôr a hipótese que o exercício físico agudo com intensidade moderada, realizado
em condição de altitude, pode influenciar nos efeitos da exposição à hipóxia aguda sobre a
memória, a atenção, o estado de humor, o erro decisório e as alterações no padrão de sono.
5. EXERCÍCIO FÍSICO E HUMOR
O estado de humor pode ser entendido como um conjunto de sentimentos, de natureza
efêmera, variando em intensidade e duração, geralmente envolvendo mais de uma emoção
(Lane e Terry, 2000), visto como uma representação da saúde psicológica do indivíduo (Boyle e
Joss-Reid, 2004).
O humor negativo é considerado um fator de risco para diversas doenças e o humor
positivo, dentro do intervalo normal, um importante preditor da saúde e da longevidade (Young,
2007).
Neste sentido a compreensão dos fatores que influenciam negativamente e positivamente
o humor se faz inerente a formação complementar de profissionais da área da saúde.
Sabe-se que o exercício físico é um importante preditor de saúde psicológica, sendo uma
alternativa não medicamentosa ao tratamento e a prevenção de doenças relacionadas a saúde
mental (Rethorst et al.,, 2009; Penedo e Dahn, 2005).
Assim, a linha de pesquisa que se dedica à investigação das repercussões físicas e
psicobiológicas decorrentes das alterações de humor em relação a respostas agudas ou crônicas
do exercício físico, tendo como alvo diferentes populações de ambos os gêneros, tanto jovens,
adultos e idosos, têm mostrado sucesso nas intervenções que envolvem o exercício físico.
5.1 Como Medir Variações Do Estado De Humor?
Como citado anteriormente, o humor compreende um conjunto de sentimentos,
geralmente envolvendo mais de uma emoção.
- 123 -
Neste sentido, instrumentos subjetivos autoavaliativos são propostos, sendo utilizados na
maioria das vezes em conjunto (mais de um instrumento por envolver diversas emoções), além de
medidas fisiológicas e bioquímicas que possam influenciar o estado de humor.
Dentre os diversos instrumentos disponíveis, pode-se citar Perfil do Estado de Humor (Profile
of Mood State Questionnaire -POMS)– deMcNair et al., (1971),composta por uma lista de 65
adjetivos relacionados ao estado de humor, resultando em seis fatores de humor ou estado
afetivos: tensão, depressão, raiva, vigor, fadiga e confusão.
As medidas fisiológicas e bioquímicas surgiram de maneira complementar, na tentativa de
elucidar os fatores que influenciam as variações do estado de humor em sua relação com o
exercício físico, surgindo posteriormente algumas hipóteses.
5.2 Hipóteses Do Humor
A primeira hipótese, relaciona o aumento das endorfinas circulantes, durante e após o
exercício físico, a sentimentos de euforia, redução da ansiedade, da tensão, da raiva e da
confusão mental (Morgan, 1985).
De maneira semelhante, a hipótese das monoaminas, preconiza que o exercício aumenta
o nível dos neurotransmissores noradrenalina (Dishman, 1997) e serotonina (Chaouloff, 1997), os
quais se encontram diminuídos em pessoas depressivas, podendo promover uma melhoria no
estado de humor (Werneck et al.,2005).
Em uma perspectiva fisiológica, a hipótese termogênica leva em consideração a
elevação da temperatura central como um dos mecanismos envolvidos na melhora do estado de
humor, através da redução da ansiedade (Koltyn, 1997).
5.3 Qual O Melhor Exercício ?
Os questionamentos na literatura acerca das variações no estado de humor influenciadas
pela prática do exercício físico giram em busca da relação ideal entre volume e intensidade. Em
outras palvras para obtenção de melhoras no estado de humor dos praticantes, são propostos
protocolos de exercício físico distintos em relação ao volume e intensidade.
De uma maneira geral, exercício aeróbio de intensidade moderada, em diferentes
modelos de prescrição, é o mais elucidado na literatura quanto a melhora do humor após sua
execução.
- 124 -
Hoffman e Hoffman (2008) aplicaram uma simples sessão de corrida (20min em intensidade
correspondente a 13 da escala de Borg), observando melhoras no humor de mulheres adultas,
fisicamente ativas e atletas.
Nabetani e Tokunaga (2001) observaram melhoras no humor de jovens fisicamente ativos
do gênero masculino, tanto para uma sessão de15min quanto para 30min com velocidades auto-
selecionadas compreendendo uma média de 80% da frequência cardíaca máxima, não
havendo diferenças entre as sessões de corrida.
Steptoe et al., (1993) investigaram respostas agudas do humor frente ao exercício
moderado e submáximo em bicicleta, para indivíduos ativos e sedentários do gênero masculino,
divididos em três grupos e/ou protocolos (20min a 50% do VO2máx,O 20min a 70% do VO2máx e
grupo controle) distintos. Os sujeitos ativos e inativos apresentaram aumentos de vigor, após dois
minutos da execução das sessões moderada e intensa, sem diferenças entre os mesmos.
Modalidades distintas de corrida e ciclismo possuem menor número de estudos e dados
ainda não conclusivos, sendo o exercício resistido o que mais cresce nos últimos anos com
resultados promissores em relação a variação de humor após sua execução.
Em relação ao exercício físico realizado de maneira sistemática e planejada (treinamento
físico), os estudos também são reduzidos porém com resultados semelhantes à sessão aguda ou
seja, treinamento aeróbio de intensidade moderada como referência na promoção de melhoras
no estado de humor.
6. DEPENDÊNCIA DE EXERCÍCIO FÍSICO (DE)
Os estudos com a temática da Dependecia de Exercício Físico, tiveram inico a partir da
década de 70, porém o objetivo principal do estudo era o de verificar os efeitos de um mês de
privação de exercício no padrão de sono dos praticantes regulares de exercício físico.
O pesquisador encontrou grande dificuldade em em compor sua amostra, pelo perfil de
sujeitos o qual proocurava (sujeitos que se exercitavam habitualmente de 5 a 6 vezes por
semana), os quais se sujeitassem a ficar o período estipulado sem praticar sua atividade regular,
mesmo oferecendo um incentivo financeiro.
O autor redirecionando o perfil de praticantes conseguiu realizar o estudo com sujeitos
que se exercitavam 3 a 4 vezes semanais, tendo como resultado que, os participantes reportaram
um aumento de ansiedade, tensão sexual, despertares noturnos, decréscimo no bem estar e na
convivência social quando privados de sua atividade habitual (Baekeland, 1970).
Em suma, o autor observou que corredores habituais que corriam de cinco a seis dias por
semana, se recusaram a interromper seu programa de exercício por um período de um mês e
- 125 -
que, corredores regulares, que corriam de três a quatro dias por semana quando privados desta
atividade, reportavam sintomas de abstinência, semelhantes aos vistos em outros
comportamentos abusivos (Hamer & Karageorghis, 2007).
Segundo Hausemblas e Dows (2002), a dependência de exercício deve ser caracterizada
e vista segundo os critérios para dependência de substâncias (modificada) apresentada no DSM-
IV (2004) sendo estes: tolerância, perca de controle, importância excessiva a atividade, tempo
gasto com a atividade, estreitamento do repertório social, redução de outras atividades,
realização da atividade em condições adversas, entre outros.
Ainda existem vários termos e definições distintas que se relacionam a temática da
dependência de exercício físico, encontramos na literatura trabalhos que se referem a temática
com os termos: exercício excessivo, exercício compulsivo, Obligatory Exercise, Exercise Addiction,
Dependence Exercise. Porém, segundo Haussenblas e Downs (2002), baseado nos critérios do
DSM-VI (2002), essa compulsão pela prática do exercício físico pode ser definida como
Dependência de Exercício sendo esta, uma ânsia pela atividade física, caracterizada por uma
vontade incontrolável de se exercitar bem como por uma intensa preocupação com o exercício,
ocorrendo alterações negativas do ponto de vista fisiológico e psicológico, quando o sujeito é
impedido de se exercitar.
Assim como outros comportamentos de dependência, a dependência de exercício
parece ser iniciada e ter relação com o envolvimento impulsivo/compulsivo pela atividade sendo
vista como dependência propriamente dita a partir do momento em que se estabelecem
sintomas de abstinência e tolerância (Freimuth et al., 2011)
Segundo estudo realizado por Sussman, Lisha e Griffiths (2011), a estimativa de DE na
população geral (americana) é de aproximadamente 3%, no entanto em grupos como, ultra-
maratonistas, estudantes de ciências do esporte, triatletas, este percentual parece ser mais
elevado. Um estudo conduzido pelo nosso grupo, encontrou que 35,34% em atletas brasileiros
parecem se envolver de forma compulsiva com a atividade praticada regularmente (Modolo et
al, 2009).
A prevalência real da DE não é conhecida, e a variabilidade dos dados existentes,
possivelmente refletem diferenças em função da grande diversidade de instrumentos envolvidos
na avaliação, pelos termos e definições utilizadas, forma de envolvimento, tipo de atividade
realizada e tipos de amostras envolvidas nos estudos (DeCoverley Veale, 1987, Hausemblas &
Downs, 2002, Meyer & Taranis, 2011).
Se relacionado a forma a qual tais sujeitos se tornam compulsivos pela prática do exercício
físico, Decoverley Veale (1987), descreve uma classificação para tipos de dependência de
exercício, sendo esta relacionada ao principal objetivo, que leva o sujeito a se exercitar.
- 126 -
Segundo Veale, a DE pode ser classificada em dois tipos distintos, dependência primária,
quando a motivação para se exercitar tem fins no exercício por si só, ou dependência secundária,
quando a motivação para se exercitar tem outros fins (o ganho ou perda de massa corporal,
melhora da forma física) sendo o exercício físico a principal ferramenta para alcançar o objetivo
principal (Decoverley Veale, 1987).
Considerando a importância do tema e os aspectos nele relacionados, algumas hipóteses
têm sido propostas no sentido de tentar explicar porque algumas pessoas desenvolvem a DE e
outras não, e quais os mecanismos psicobiológicos estariam envolvidos no desenvolvimento da
desta condição.
Em relação aos mecanismos psicobiológicos que possivelmente estão envolvidos com a
DE, hipóteses que apontam participação de substâncias com ação central e alterações na
percepção da imagem corporal tem ganhado destaque.
A hipótese da participação da Beta-Endorfina no desenvolvimento da DE é talvez a mais
clássica e conhecida, e está baseada no fato de ocorrer um aumento na liberação dessa
substância com o exercício físico, além de participar de processos de analgesia, com a ativação
de áreas cerebrais responsáveis por prazer e satisfação (Pierce et. al., 1993; Goldfarb & Jamurtas,
1998).
Já a hipótese mais conciliadora, aponta para uma combinação de alterações tanto
fisiológicas quanto psicológicas, sugerindo assim que, a DE poderia seguir o mesmo modelo de
reforço relacionado ao desenvolvimento da dependência de drogas psicoativas, ou seja, a
prática de exercícios apresentaria tanto propriedades de reforço positivo quanto negativo (Davis
& Scott-robertson, 2000).
Outra hipótese aponta na direção dos transtornos de imagem corporal como o principal
elemento motivador para a prática da atividade física excessiva. Estes transtornos também
estariam relacionados com a utilização de dietas e métodos de redução da massa corporal total,
com o intuito de adquirir uma forma física mais aceita socialmente (McCreary & Sasse, 2000).
Outro forte candidato na tentativa de explicar os mecanismos do desenvolvimento da DE
refere-se à participação das citocinas, particularmente da interleucina 6 (Il-6). Essa hipótese foi
recentemente proposta por Hamer & Karageorghis (2007), e se baseia na influência da periferia no
cérebro, onde as citocinas teriam um papel no sistema nervoso central, incluindo o sistema
serotoninérgico, noradrenérgico e o eixo HPA (Hipófise-Pituitária-Adrenal), promovendo mudanças
na atividade neuronal influenciando o comportamento. Em sujeitos saudáveis, a infusão de IL-6
recombinante, ocasiona um aumento das concentrações de IL-6 circulantes, similar ao observado
em uma condição de exercício resultando no aumento de fadiga, diminuição da concentração
e alterações na arquitetura do sono, aumento de ansiedade e humor deprimido.
- 127 -
O sistema endocanabinóide também pode estar envolvido com a DE, essa hipótese se
baseia no papel desse sistema como um elemento capaz de ativar mecanismos de reforço,
sendo que há ativação deste durante a prática de exercício agudo (Sparling et al, 2003, Dietrich
& McDaniel, 2004; Kanareck et. al., 2009; Heyman et. al., 2012 ). Os endocanabinóides parecem
apresentar uma profunda relação com o controle alimentar (Di Marzo e Matias, 2005), com a
analgesia e sensação de bem-estar (Kanarek et al., 2009), parecendo estar relacionado com
atitudes de recompensa e repetição do comportamento(Trezza, 2011). Dessa forma, pode se
considerar que esse reforço também poderia ser expresso na DE devido ao aumento da atividade
deste sistema durante o exercício físico (Heyman et al,. 2012).
Alguns autores apontam tentam explicar esta forma de envolvimento com o exercício a
partir da relação com a personalidade do sujeito, os estudos mostram que sujeitos com perfil,
perfeccionista ou narcisista parecem tem uma tendência a se envolver de forma compulsiva ou
exsessiva com exercício físico, principalmente pela busca de resultados ou questões relacionadas
a auto estima (Davis & Scott-Robertson, 2000; Hausenblas & Giacobbi, 2004, Hall et al., 2009,
Grandi et. al., 2011 )
Como já descrito, o exercício físico apresenta a possibilidade de se tornar uma obsessão.
No entanto, para a caracterização de fato da presença dos sintomas para dependência de
exercício, deve-se considerar a frequência e intensidade da realização do comportamento; as
motivações que o levam, a magnitude de manifestação quando este não é realizado.
Deve-se considerar também, outras manifestações negativas adjuntas que poder ser vistas
(Ex: alterações no sistema imune, na qualidade do sono, aumento da fadiga, dor, aumento da
ansiedade, irritabilidade, culpa, depressão) que influenciarão negativamente na saúde do sujeito,
quando este é impossibilitado de praticar (Mond et. al., 2006; Berczik, 2012).
Vale resaltar que, a temática da dependência de exercício físico, teve seu inicio adjunto a
estudos com privação de exercício físico, uma vez que os sinais e sintomas que se assemelham a
sindrome de abstinência foram reportados na ausência da prática, sendo a partir daí o exercício
físico visto como um possivel comportamento- dependente.
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