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THAIS HELENA DA SILVA LEITE
REISZ, Karel e MILLAR, Gavin. A técnica da montagem cinematográfica. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1978.
Fichamento do capítulo sobre A MONTAGEM DO SOM-Trabalho de aproveitamento do curso de Comunicação Social- habilitação em Audiovisual, da Universidade Federal do Espírito Santo, disciplina de Edição, como requisito parcial da nota da avaliação semestral do profº.José Soares de Magalhães Filho.
VITÓRIA
2013
GENERALIDADES
Ao contrário da visão, a audição recebe estímulos simultâneos vindos de qualquer direção, desde que sejam suficientemente fortes. Podemos ouvir muitos sons diferentes ao mesmo tempo, provenientes de várias direções. Quando um novo som atinge o nosso campo auditivo, ao invés de eliminar os outros, passa a fazer parte do som global que ouvimos.(p.265).
Corroborando com esse pensamento, ALVES salienta que,
O formato dos pavilhões (das orelhas) possibilita a audição praticamente em todas as direções. A disposição dos órgãos auditivos, de ambos os lados da cabeça, estabelece um desfasamento (diferença de fase) temporal na percepção das fontes sonoras que não se encontram num plano equidistante dos dois ouvidos. A combinação destas características permite ao sistema auditivo situar no espaço o emissor com razoável precisão, seguir-lhe os movimentos, estabelecer a direção e avaliar a distância.1
Partindo da análise dos autores citados, podemos dizer que o ser humano ao escutar, forma
como que camadas sonoras que remetem o receptor a signos, que interagem para compor a
significação.
O áudio na produção audiovisual conduz a uma leitura subliminar e uma leitura direta, uma
metafórica, uma ideológica (com as musicas, os efeitos sonoros, os diálogos); compõe uma
totalidade fragmentária indissolúvel com a imagem. No processo da recepção, essas
camadas de entendimento concomitantes, buscam a verossimilhança, afinal, partindo de
uma análise gestáltica,
o todo é formado por partes interatuantes, que podem ser isoladas e vistas como independentes e depois reunidas no todo. (DONDIS, 2003, p.51)
A título de ilustração, no filme “A lista de Schindler” (1993) de Spilberg, aos 19 min,
quando as famílias judias são retiradas de sua casa e vão para os guetos, a paisagem sonora é
formada pelo som de passos, ruído de porta abrindo, falas em alemão, som de carro
1 ALVES, Jorge. O som e o audiovisual. in http://www.ipv.pt/forumedia/3/3_fi6.htm, acessado em 22.11.2013.
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brecando para estacionar, cascos de cavalos tocando o chão, uma voz de criança agredindo
verbalmente os judeus, o som de uma pedra sendo jogada e o diálogo entre Schindler
(personagem principal) que, num plano conjunto, após descer do carro, está na porta de um
dos prédios com agentes da SS. Toda essa paisagem envolta por uma musica melancólica de
orquestra. Cada um desses sons trás um signo, que existe em si (como a voz da criança, seu
timbre ofensivo, a dureza fonética) e que juntos, criam uma nova representação.
De fato, é bastante comum que uma pessoa não ouça quaisquer sons quando concentra a atenção em outra coisa (...) porém, se ocorrer uma mudança de qualidade e volume de som, minha atenção seria involuntariamente desviada (p.266) .
Essa mudança do volume do som conduz o espectador a seguir a nova sequência, mesmo
que outras pequenas histórias estejam presentes na narrativa principal.Porém, segundo
TANAKA2, baseada em ideias de LURIA (1979)
O ato de focar a atenção em um determinado estímulo e não noutro está ligado ao interesse e à seleção dos estímulos para optar pelo preponderante. No foco, todo aparelho psíquico está funcionando em prol desse interesse (...) portanto, é possível afirmar que a atenção tem caráter seletivo consciente e exige memória.
Ou seja, a mudança de qualidade e volume de som atrai nossa atenção, mas permanecer na
linha de raciocínio do filme, se sensibilizar com ele, depende muito mais das memórias que
formamos, do patrimônio cultural de cada um, das ideologias que permeiam o individuo que
está vendo o filme.
Em “Zuzu Angel” (2006) de Sérgio Rezende, no final do filme, quando a personagem
principal descobre o que aconteceu com seu filho (pergunta que ela passou o filme todo
buscando a resposta), por meio de uma carta de um torturador, as cenas em flash back são
apresentadas com um volume maior para amplificar a dramaticidade: grito masculino e
musica trilha(cena do sal grosso entupindo a boca do filho de Zuzu ) e musica trilha
constante. Corta. Musica trilha continua e a voz do personagem tenente fazendo um
2 em seu artigo, “Atenção: reflexão sobre tipologias, desenvolvimento e seus estados patológicos sob o olhar psicopedagógico”(2008)
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depoimento (imagem de Zuzu atormentada lendo). Vários planos rápidos do menino sendo
arrastado num corredor envolto por fumaça-som de tosse alta. Corta. Ele amarrado e
arrastado por um jipe-som de tosse alta e a musica com um solo alto de piano. O aumento do
volume do som quando se inicia a cena que vai narrar como foi a morte do filho de Zuzu,
atrai a atenção, mas “acreditar”, pensar naquele momento como representação do real,
pensar que a ficção só é possível se for “baseada em fatos reais”, depende das memórias, do
patrimônio cultural de cada espectador, de suas ideologias.
As mudanças gerais de nível e qualidade de som – em contraposição com os sons isolados como por exemplo, os diálogos – devem ser feitas mediante uma espécie de fusão auditiva (grifo meu), e não por um simples corte. Com as mudanças de som (...) têm que ser gravadas num filme como se correspondessem a um processo mental subconsciente na vida real, é preciso que ocorram gradativamente para que não perturbem a plateia. O método de gravar várias trilhas sonoras separadamente, e, em seguida, regravá-las em diferentes volumes, foi desenvolvido para possibilitar essas transições gradativas (p.267)
Na lista de Schindler (1993), com 1h:10min de filme , decide-se pelo envio das pessoas do
gueto para os campos de concentração e é feita a retirada das famílias. Uma menina de mais
ou menos 5 anos destaca-se da multidão (a cena é em preto e branco e seu vestido é
vermelho fosco), consegue passar desapercebida e entra em um dos prédios já vazios, sobe
as escadas e esconde-se embaixo da cama. Escuta-se o som de muitas botas marchando.
Corta com o fechar dos seus olhos e as mãos colocadas no ouvido, os passos continuam e
depois do corte é a cena da marcha dos soldados nazistas, ou seja, o mesmo som de passos.
Não é necessário gravar cuidadosamente todos os sons que acompanhariam as imagens na vida real (...) só é necessário gravar os sons que tenham especial importância (p.266/7).
No filme “A Missão”(1986) de Roland Joffé, quando o primeiro jesuíta conseguiu contato
amistoso com a nação indígena guarani da região de Foz de Iguaçu, ele está no meio da
floresta tocando flauta doce. Ouve-se apenas o som da flauta, o farfalhar de folhas, e um
pássaro gorjeando. É claro que numa mata temos uma paisagem sonora de inúmeros sons,
que, se fossem reproduzidos naquela cena poderiam desviar a atenção do espectador da
intenção do diretor que era o encontro entre dois mundos, duas culturas.
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SONS NÃO SÍNCRONOS
Esses sons não síncronos devem ser gravados na trilha sonora lado a lado com os síncronos, se é que se deseja um efeito global fiel. Mais ainda: -veremos que os sons não síncronos são, de certa forma, os mais importantes. (...) o processo subconsciente pelo qual, do som global que nos rodeia, selecionamos para a nossa atenção determinados ruídos, excluindo outros da nossa consciência, favorece geralmente os não síncronos (...) que tendem a atrair a nossa atenção, uma vez que indicam algo que não havíamos percebido antes e que, além do mais, queremos perceber . (p.267/8)
Como no filme “A lenda do pianista do mar” de Giuseppe Tornatore (1998), quando o
personagem que trabalha na casa de máquinas, que havia morrido na cena anterior vai ser
jogado ao mar , um menino que ele criou, de mais ou menos 7 anos, o personagem
principal, que nunca saiu do navio, está no plano junto com outras pessoas da tripulação.
Ele é a única criança. Voz do capelão fazendo uma oração, som de mar, som de vento, som
de choro feminino, num plongée que fecha um primeiro plano no menino, continua os quatro
sons anteriores e se sobrepõe o fungar dele profundo e curto como se segurasse o choro,
numa alusão a sua nova realidade de solidão, que vai exigir dele que fique adulto rápido e
sugere a presente tristeza pela perda da sua referência afetiva. Como disse REISZ, é o “som
que queremos perceber”, o espectador está focado no menino e em suas reações.
QUALIDADE DO SOM
Conhecendo as exigências dramáticas da sequência, o montador deve procurar gravar efeitos cuja qualidade seja adequada (...) a tonalidade acrescentaria algo ao efeito dramático da cena (p 269/.270).
No filme “O som ao seu redor” (2012) de Kleber Mendonça Filho, Bia é personagem de um
dos núcleos (filme estruturado em três narrativas que dialogam, no estilo Lars von Trier).
Ela é casada, tem dois filhos e mora num apartamento em Recife. Representa a classe média
brasileira, aprisionada, sem muitas aspirações, que leva uma vida tediosa, onde sua maior
preocupação é o latido do cachorro do vizinho. A tonalidade que foi gravado o som do latido
(estridente) do cachorro vai irritando a personagem e quem está vendo o filme, amplificando
o sentimento de clausura e estresse.
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ANÁLISE DE UMA TRILHA SONORA
Para manter o realismo, não se podia lançar mão dos efeitos óbvios, artificiais e exagerados de som e imagem. O som é sempre natural; contribuiu para o efeito dramático unicamente pelas variações de tonalidade e pelas cuidadosas variações de ritmo e premência da trilha sonora (p.274)
Mas, dependendo da opção dramática do diretor ele pode
ignorar a perspectiva do som natural (p.275)
No filme Homem de aço (2013) de Zack Snyder, Hans Zimmer que elaborou a trilha
sonora, montou uma intrincada peça que ele chamou de Escultura de Percussão, para fazer o
som do aço, 3 que ele “toca” com um serrote especial (contato do aço com aço) produzindo
um som muito peculiar; em outros momentos, essa peça é tocada com duas baquetas,
resultando num som mais oco, mais grave.
No caso da personagem estar passando por um momento de hipersensibilidade,
a trilha sonora pode tornar-se mais subjetiva (...) crescem o volume e a insistência do som (p.276)
No filme “Meia Noite em Paris”(2011) de Woody Allen, o personagem principal transporta-
se para a Belle Époque francesa, à noite, numa esquina, e sempre que essa passagem vai
acontecer, quando um carro vem buscá-lo, escuta-se o sino de uma igreja badalando
insistentemente, sobe a musica tema e ele muda de época. É um momento que ele espera
ansiosamente todas as vezes, quando encontrará os grandes nomes da literatura, da pintura
(afinal ele é um escritor e seu talento não é reconhecido por aqueles que o cercam na vida
“real”). A partir da segunda vez, esperar o carro transmite um sentimento de
hipersensibilidade, quando nos sentimos fãs prestes a ver seus grandes ídolos.
A trilha sonora pode reforçar a dramaticidade de uma sequência cujo som e imagens foram planejados simultaneamente(...) as associações sonoras das imagens acentuam o efeito global. (p.277)
3 http://www.youtube.com/watch?v=RSFMh0KKl9c#t=71, acessado em 23.11.2013
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No filme O Baile (1983) de Etore Scolla, que não tem nenhuma cena com diálogo, a
sonoplastia fez essa relação de sincronia de som e imagem de uma forma que o som “fala”
ao espectador o que está acontecendo e vai acontecer. Aos 40:36 num baile que está tocando
uma musica que é tema do filme, e que já foi apresentada duas vezes (criando assim uma
prévia referência afetiva), para de ser tocada ao sinal de mão de um homem, com trajes
nazistas (câmera subjetiva, plano geral). Os pares no salão ficam paralisados (dois
intermináveis segundos de silêncio que falam das variadas sensações provocadas: espanto,
rejeição e que ao mesmo tempo faz aflorar o coletivo, um sentimento único de inimigo
comum). Um plano fechado de um casal vai descendo até seus pés, e a imagem e o som dos
casais batendo os pés firmemente no chão, intensifica o sentimento de resistência a invasão
alemã, irmanando o espectador à cena.
A qualidade peculiar dos sons pode perturbar constantemente o espectador; e se os ruídos não tiverem uma importância dramática especial, os desvios de atenção terminarão por diminuir o impacto dramático (p.278/9)
No período do Regime Militar ocorreu um sucateamento da estrutura cinematográfica
brasileira; muitos filmes por falta de aparelhagem adequada, mão de obra especializada, ou
até por falta de formação, material para estudo e com uma produção que era muito cara, os
cineastas não conseguiam ter um padrão de qualidade principalmente na questão do som.
No final de Fome de Amor (1967) de Nelson Pereira dos Santos , os personagens são
divididos em dois grupos: um, fica em terra e outro vai para uma ilha cantando uma
marchinha de carnaval. Dois personagens caminham à esmo pela mesma ilha (Mariana e
Alfredo) e podem ser vistos pelo grupo. Plano geral da ilha e ouvimos o som de risadas
(conclui-se que é dos que estão “em terra”). Entra a voz de Mariana que está longe
caminhando, falando em espanhol, com tratamento de voz de narrador. Causa um
estranhamento que incomoda, porque passa a sensação de falta de cuidado.
Importante salientar que, mesmo um filme que tenha um primoroso cuidado com o som, se
for exibido num cinema que não tenha um uma estrutura de som compatível com a
qualidade do filme produzido, poderá interferir na recepção de tal maneira, comprometendo
toda a impressão do espectador sobre o filme, pois, a dramaticidade da peça audiovisual foi
adulterada na transmissão.
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O SOM E A MONTAGEM DO FILME
Muitas vezes, o som pode ser usado com sucesso, não para criar uma atmosfera idêntica á das imagens, mas para reforçar esta última mediante um contraste. Também nesse caso, o espectador nãodeve perceber o conflito entre o som e a imagem (...) o ideal é não se dar tempo para que o espectador perceba o som e as imagens separadamente; é preciso que ele receba o impacto conjunto de ambos, sem perceber o contraste (p.280)
No documentário “Tropicália” (2012), basicamente feito com imagens de arquivo, o diretor
Marcelo Machado aos 8 minutos, colocou uma cena do “Terra em Transe”, com a trilha
sonora original e após um fad out, Caetano Veloso em off fala sobre sua chegada ao Rio de
Janeiro e sua ida ao cinema para ver aquele filme que estamos assistindo, e simultaneamente
à sua fala, sobe a musica Tropicália, as imagens do “Terra em transe” continuam, e começa
a voz de Glauber Rocha (off) falando sobre seu filme. Corta para uma filmagem de Glauber,
também em preto e branco sobre o carnaval na década de 1960. Em 1 minuto, espectador
não percebe o contraste, nem tampouco percebe a mudança para a imagem-som, agora sim
sincrônica, de uma entrevista em que Glauber está falando sobre o Rei da Vela.
Empregando-se uma trilha sonora contínua, pode-se obter uma continuidade visual aparentemente suave com uma série de cenas mais ou menos desconexas. Um acompanhamento musical pode dar unidade a uma sequência de montagem, fazendo-a parecer um todo unificado. Quando o ouvido recebe um fluxo sonoro razoavelmente uniforme na mudança de uma sequência para outra, o som tende a unir as duas e a tornar aceitável a transição. Do mesmo modo, o som pode, muitas vezes, ser sobreposto a um corte para torná-lo fisicamente fluente. (p.280)
Muitas vezes, o prolongamento do som de um plano para outro em sequências dialogadas é não apenas aconselhável por motivos dramáticos, mas também essencial para a fluência; frequentemente, é preciso cortar de um plano estático de um ator para outro, quando não há movimento que proporcione um corte visualmente fluente. Em tais casos, o prolongamento do som pode solucionar o problema (...) Em certas ocasiões, um som abrupto, ouvido no momento exato do corte, pode ter o mesmo efeito (p.281).
No filme já citado, a “Lenda de pianista do mar ou a lenda de 1900”, quando o caixão do
marinheiro é jogado no mar, um som com um volume mais alto, de algo caindo no mar, se
sobrepõe ao som do choro de uma mulher, ao som do vento, ao som das ondas do mar que já
estavam presentes na cena. Daí corta para um primeiro plano do comandante do navio. Ou
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seja, aquele volume mais alto, repentino, remete o ouvinte àquela morte, centraliza sua
atenção e seus pensamentos, desviando sua atenção do corte, tornando-o imperceptível.
“É preciso antes reforçar a ideia de que a arquitetura sonora, as relações cromáticas e o processo de edição-montagem formam uma espécie de totalidade fragmentária indissolúvel....a arquitetura sonora não existe de forma submissa ao diagrama imagético, nem tão pouco o conjunto de imagens híbridas existentes no filme se articula de maneira superior aos significantes sonoros. Ambos, com suas especificidades estéticas e de articulações sintáticas, formam um território autônomo, sem fronteiras e sem espaços para o lugar comum. (NUNES, 1994, p.108-109)
BIBLIOGRAFIA
ALVES, Jorge. O som e o audiovisual. in http://www.ipv.pt/forumedia/3/3_fi6.htm, acessado em 22.11.2013.
DONDIS, Donis A. (2003) Sintaxe da Linguagem Visual. Rio de Janeiro: Martins Fontes.
NUNES, Pedro.(1994) As relações estéticas no cinema eletrônico: um olhar intersemiótico sobre A última tempestade e Anjos da noite. Tese de mestrado. São Paulo: PUC/SP.
TANAKA, Priscila Junko. Atenção: reflexão sobre tipologias, desenvolvimento e seus estados patológicos sob o olhar psicopedagógico, in http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1415-69542008000100004&script=sci_arttext, acessado em 23.11.2013.
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