View
2
Download
0
Category
Preview:
Citation preview
FACULDADE CESMAC DO SERTÃO
JOSÉ CORREIA DA SILVA JÚNIOR
ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política versus tripartição dos poderes pela análise da
ADPF 347/DF
PALMEIRA DOS ÍNDIOS – AL 2019.1
JOSÉ CORREIA DA SILVA JÚNIOR
ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política versus tripartição dos poderes pela análise da
ADPF 347/DF
Trabalho de Curso apresentado como requisito final para conclusão do curso de Direito da Faculdade CESMAC do Sertão, sob a orientação do Prof.Me. José Ailton da Silva Júnior.
PALMEIRA DOS ÍNDIOS – AL
2019.1
JOSÉ CORREIA DA SILVA JÚNIOR
ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política versus tripartição dos poderes pela análise da
ADPF 347/DF
Trabalho de Curso apresentado como requisito final para conclusão do curso de Direito da Faculdade CESMAC do Sertão, sob a orientação do Prof.Me. José Ailton da Silva Júnior.
APROVADO EM: ___/___/_____
BANCA EXAMINADORA
__________________________________
Orientador: Prof.Me. José Ailton da Silva Júnior
__________________________________
Professor examinador
__________________________________
Professor examinador
ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política versus tripartição dos poderes pela análise da ADPF 347/DF
BRAZILIAN JUDICIAL ACTIVISM: judicialization of politics versus tripartition of
powers by analysis of ADPF 347 / DF
José Correia da Silva Júnior Graduanda do Curso de Direito pela Faculdade CESMAC do Sertão.
E-mail:juniorcorreianet@gmail.com
Orientador: Prof. Me. José Ailton da Silva Júnior Professor Titular II da Faculdade CESMAC do Sertão
E-mail: ailtonsjunior@gmail.com
RESUMO O presente trabalho concentra-se em analisar e verificar a ocorrência do ativismo à brasileira dentro das medidas tomadas pela ADPF 347/DF com a incorporação do Estado de Coisas Inconstitucional e como tais medidas se configuram como uma ameaça ao sistema de freios e contrapesos da tripartição de poderes. Para chegar a esta concepção foi necessário discorrer sobre possível as definições do que se considera ativismo e judicialização da política, passando inicialmente pela tripartição de poderes de Montesqueiu e do artigo 2º da Constituição Federal de 1988. Utilizando do método de revisão bibliográfica é que a pesquisa atinge a sua finalidade de demonstrar o perigo de uma exacerbada valorização do judiciário dentro do contexto do ativismo e da judicialização da política.
Palavras chave: Ativismo, Ativismo à brasileira, Judicilização da política, Tripartição de poderes,
STF, ADPF
ABSTRACT The present article focuses on analyzing and verifying the occurrence of Brazilian activism within the measures taken by ADPF 347 / DF with the incorporation of the unconstitutional State of Things and how such measures constitute a threat to the tripartition's brakes and balances system. of powers. In order to arrive at this conception, it was necessary to discuss the possible definitions of what activism and judicialization of politics are considered, starting with the tripartition of Montesqueiu's powers and of article 2 of the Federal Constitution of 1988. Using the method of bibliographical revision is that the research Its purpose is to demonstrate the danger of an overvaluation of the judiciary within the context of activism and the judicialization of politics.
Keyword: Brazilian activism, Judicilization of politics, Tripartition of powers, STF, ADPF
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 5
2 O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES ..................................................... 7
2.1 Evolução da separação dos poderes ................................................................ 7
2.2 A Teoria de Montesquieu em “O Espírito das Leis” ........................................ 8
2.3 A organização do Estado Tripartite ................................................................. 10
2.4 O Estado Tripartite brasileiro ........................................................................... 11
3. O PROTAGONISMO DO PODER JUDICIÁRIO E O STF .................................... 13
3.1 Judicialização da política ................................................................................. 14
3.2 Ativismo judicial ................................................................................................ 16
3.4 Ativismo judicial à brasileira ............................................................................ 18
4 ADPF 347: JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E ATIVISMO JUDICIAL À
BRASILEIRA DENTRO DA TRIPARTIÇÃO. ............................................................ 19
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 22
5
1 INTRODUÇÃO
No ano de 2015 o Supremo Tribunal Federal julgou a Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), ajuizada pelo Partido Socialismo
e Liberdade que tratava da violação dos direitos fundamentais dos presos no
sistema carcerário brasileiro que eram submetidos a situações degradantes de
violação a dignidade da pessoa humana.
Liminarmente foram deferidas medidas de urgência como a implantação nas
varas estaduais da realização da audiência de custódia, com a finalidade de analisar
a circunstância da prisão em flagrante e análise da necessidade da conversão da
preventiva, visando “desafogar” o sistema carcerário, fazendo com que os artigos
9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de
Direitos Humanos ratificados pelo Brasil fossem cumpridos.
Bem como determinou que o Executivo libera-se os recursos contingenciados
e proibiu novos contingenciamentos, bem como determinando que os recursos
fossem utilizados para a melhoria das unidades prisionais existentes e a construção
de novas unidades, haja vista o reconhecimento do Estado de Coisas
Inconstitucional, instituto esse que não é próprio do ordenamento jurídico brasileiro,
mas colombiano.
A análise do presente artigo reside na discussão doutrinária das decisões
tomadas nesta ADPF, uma vez que o deferimento das liminares pelo STF interfere
diretamente em questões orçamentárias próprias do poder executivo e da
administração pública.
Sendo assim o conteúdo pesquisado tem como objetivo analisar a ADPF
347/DF e o reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional no contexto de
ativismo judicial, judicialização da política como uma forma de configuração de um
ativismo à brasileiro dentro do sistema de freios e contrapesos da tripartição de
poderes estabelecido no artigo 2º da Constituição Federal, inspirado na teoria de
Montesquieu.
Para tanto foram delimitados os seguintes objetivos: em primeiro momento
analisar o desenvolvimento da teoria tripartite e a sua aplicação no nosso
ordenamento, depois o segundo objetivo está em analisar o fenômeno da
judicialização da política, do ativismo e a ocorrência do ativismo a brasileira.
Superado tais objetivos chega-se ao principal que é analisar os demais objetivos
6
dentro da ADPF 347/DF e seus desdobramentos com o ECI dentro do contexto de
judicialização da política e ativismo judicial e como dentro deste contexto se tem a
ocorrência do ativismo à brasileira e possível violação da tripartição de poderes.
Com o fito de organizar a pesquisa e chegar ao seu fim, a mesma foi
estruturada em três capítulos que se traduzem nos seu objetivos, no primeiro
capítulo é feita uma explanação da teoria tripartite com o seu surgimento,
configuração e aplicação no contexto brasileiro. O segundo capítulo se concentra em
definir o protagonismo judicial e a relação deste protagonismo com o ativismo e a
judicialização da política, trazendo os conceitos de cada fenômeno, bem como
definindo o ativismo à brasileira, por fim o último capítulo analisa a ADPF 347/DF e a
incorporação do ECI e o seu enquadramento como ativismo à brasileira e a
judicialização da política e o risco que decisões desse tipo podem ter dentro do
nosso ordenamento.
A pesquisa se justifica relevante na medida em que discute fenômenos
contemporâneos que se fazem presente no judiciário e como esses fenômenos se
manifestam na corte constitucional e se isso afeta a tripartição de poderes que
sustenta o estado democrático de direito, utilizando-se do método de revisão
bibliográfica pela pesquisa explicativa qualitativa, onde foram utilizadas obras ao
quais aos autores se debruçaram sobre o tema e partes da própria sustentação e
trechos do julgamento da ADPF.
7
2 O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES
2.1 Evolução da separação dos poderes
A idéia de tripartição dos poderes dentro do estado deriva da necessidade da
desconcentração do poder, situação contrária ao modelo da monarquia, promovendo
assim uma limitação do poder estatal quanto a sua atuação, mas antes de
passarmos para a sua aplicabilidade é preciso entender a sua origem.
A noção de separação dos poderes é oriunda da Grécia antiga com Platão em
sua obra “A República” (2004), onde afirmava que a não separação dos poderes se
tornaria prejudicial ao homem, pois este acabaria por perder a sua virtude.
Posteriormente, inspirado nas idéias de Platão, surge Aristóteles (1998), onde
afirmava existir no governo três poderes essenciais: um poder deliberativo sobre os
negócios do estado, um poder executivo dos atos de ação do estado, e a função
judicial do estado manifestado pelo poder judicial.
Sendo assim, Aristóteles (1998) considerava que a concentração do poder do
estado em um único homem, além de fazer com que esse perdesse a sua virtude,
poderia ser considerado perigoso e injusto.
Maquiavel (2007) também tentou por definir a separação de poderes pela
noção de tripartição de poderes em sua obra “O príncipe”, onde trazia a noção de
três poderes onde os mesmos serviam para beneficiar o rei, na medida em que
trazia o poder legislativo que se concentrava no parlamento, executivo pela figura do
rei, e do judiciário como poder autônomo.
É curioso notar que Maquiavel louva essa organização porque dava mais liberdade ao rei. Agindo em nome próprio o Judiciário poderia proteger os mais fracos, vítimas de ambições e das insolências dos poderosos, poupando o rei da necessidade de interferir nas disputas e de, em consequência, enfrentar o desagrado dos que não tivessem suas razões acolhidas. (DALLARI, 2012, p.216)
Sendo assim poderia o rei manter a sua imagem, na medida em que era
poupado de julgar conflitos e ate mesmo da edição de leis, sendo encarado por
Maquiavel como uma forma de benefício para o rei.
8
Posteriormente podemos encontrar os ensinamentos de John Locke (2003), o
qual, após a Revolução Gloriosa na Inglaterra em 1688 e 1689, que gerou a edição
da Bill of Rights, responsável pela limitação do poder estatal, trazia os poderes do
Estado divididos entre o Poder Legislativo exercido pelo Parlamento, Poder
Executivo responsável por executar as leis e o federativo responsável pelas relações
internacionais, mas ainda não se tinha uma idéia de poderes com pesos iguais, pois
Locke considerava o poder legislativo como superior.
Eis que surge o Iluminista Montesquieu que com sua obra O Espírito das Leis,
destrincha a separação dos poderes, oferecendo um modelo de tripartição dos
poderes, sendo tal teoria adotada pelo constitucionalismo moderno.
2.2 A Teoria de Montesquieu em “O Espírito das Leis”
Foi com Montesquieu em que surge a noção de separação de podes que foi
incorporada ao constitucionalismo, mas antes é preciso fazer uma análise da obra
que traz em seu bojo a teoria da tripartição de poderes. A publicação da obra
ocorreu em meados do século XVIII, em um cenário inglês de monarquia
constitucional que era posterior a Revolução Gloriosa de 1689.
Traz o livro, três espécies de governo: monarquia, república e despotismo,
demonstrando a características de cada governo e a suas diferenciações, através da
natureza e princípio de governo. Para a república o seu destaque consiste no amor
pelas leis, no patriotismo. Enquanto na monarquia preza-se pelo princípio da honra e
o despótico este tem como natureza e princípio o temor, a análise destas formas de
governo se concentrava nos conceitos que cada forma trazia sobre a liberdade.
E foi sob a forma da análise da liberdade que Montesquieu busca formas de
proteção da liberdade, chegando assim a tripartição dos poderes, trazendo o
sistema político inglês como aquele capaz de proteger a liberdade. Assim a
liberdade pode ser protegida por um mecanismo constitucional chamado
Constituição. Segundo a concepção de Montesquieu a liberdade “A liberdade é o
direito de fazer tudo o que as leis permitem;” (MONTESQUIEU, 2009, p.166)
Foi em seu Capitulo VI do Livro XXI – Da constituição da Inglaterra que
aflorou a teoria da tripartição de poderes. Para Montesquieu, a liberdade não pode
9
existir onde existe o temor, onde um mesmo magistrado não pode concentrar o
poder legislativo e o executivo, bem como não pode ser unido o poder de julgar.
Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado do poder legislativo e do executivo. Se estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse unido ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor. Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo exercesse os três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as querelas entre os particulares. (MONTESQUIEU, 2009, p.168)
Então, um estado poderá conservar e proteger a liberdade quando for dotado
de três poderes, devendo estes poderes serem exercidos por figuras distintas.
Estudando a constituição inglesa pós Revolução Gloriosa, foram constatados por
Montesquieu três poderes: legislativo, executivo e judiciário. O primeiro consiste no
fazer as leis, corrigindo as já feitas, o segundo tem o poder de executar essas leis, e
o terceiro tem o poder de julgar demandas particulares e crimes.
Destaca-se que essa divisão na visão de Montesquieu consiste na forma de
impedir a aniquilação da liberdade política, permitindo que um poder freie o outro,
estando o poder da lei assegurado, afastando a tirania. Na Inglaterra o poder
Executivo era exercido pelo monarca, enquanto o poder legislativo por dois órgãos:
Câmara Alta composta pelos representantes da nobreza e pela Câmara Baixa
representando o povo, onde cada câmara tem o poder de iniciativa de lei, aprovar ou
vetar projetos vindos de uma das câmeras.
Quanto ao poder de julgar, este quando exercido deve apenas pronunciar
suas sentenças com base na lei, por não ser um poder de pessoas, mas sim o poder
das leis, partindo da concepção que “teme-se a magistratura e não os magistrados”.
Ressalta ainda que poderá o legislativo auxiliar o poder executivo, tendo o executivo
a faculdade impedir atos legislativos, mas as leis não poderão estar subordinadas as
vontades do executivo, pois a lei é a “vontade geral do estado”, correspondendo
aquilo que chama de “espírito da lei”, onde esta deve ser formulada pelo legislativo
com interferência do executivo, por meio da sanção ou veto.
O poder executivo, fazendo parte do legislativo apenas pela sua faculdade de impedir, não poderia participar dos debates das questões públicas. Não é mesmo necessário que as propostas partam dele porque, podendo sempre desaprovar as resoluções, pode rejeitar as decisões das
10
proposições que desejaria não fossem feitas. (MONTESQUEIU, 2000, p.123)
O interessante da obra é que esta traz mais que uma teoria jurídica, e sim
uma teoria social, pois Montesquieu denota a necessidade dos três poderes serem
compostos por mais de uma potência social, no caso o rei, a nobreza e o povo, onde
através disso é possível alcançar a divisão de poderes.
Estamos assim diante daquilo que antecedeu que definimos como sistemas
de freios e contra pesos, checks and balance, onde os poderes são independentes e
harmônicos entre si. Montesquieu percebeu, assim, que o núcleo da constituição
inglesa é a formulação de uma engenharia institucional, onde o poder controla o
poder, compondo um “governo moderado”, composto pelo rei como elemento
monárquico, câmara alta como elemento aristocrático e a câmara baixa como
elemento de democrático, aos quais devem ser combinados para evitar o colapso
institucional.
2.3 A organização do Estado Tripartite
Cumpre de grande importância mencionar que Montesquieu não se dedicou
em moldar um modelo de estado democrático que fosse baseado na limitação do
poder pelo poder, com freios e contrapesos, mas sim dar legitimidade ao sistema
monárquico, dando-lhe um caráter constitucional.
Mas apesar tal observação os estados liberais acolheram a tese de
Montesquieu, então com o fito de enfraquecer o poder estatal e a limitação imposta
pela constituição é que o estado moderno adota como dogma a separação de
poderes.
Na Declaração da Virgínia de, 1776, fora adotada a teoria de Montesquieu em
seu parágrafo 5º “que os poderes executivo e legislativo do Estado deverão ser
separados e distintos do judiciário.” Sendo a teoria reproduzida pelo artigo 16 da
Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e em nas
constituições dos Estados Unidos.
Surgiu assim à associação do Estado Democrático e a sua estreita relação
com a tripartição de poderes, fazendo surgir o sistema de freios e contrapesos ou
checks and balance.
11
Especificando a teoria montesquiana é possível compreender que a mesma,
''é concebida como um sistema em que conjugam um legislativo, um executivo e um
judiciário, harmônicos e independentes entre si, tomando, praticamente, a
configuração que iria aparecer na maioria das Constituições. '' (DALLARI, 2012,
p.219)
Por esta teoria o Poder Legislativo só praticaria atos gerais, que consistem na
emissão de regras gerais e abstratas, limitando assim, o Poder Executivo, que só
pode este agir por meio de atos especiais, decorrentes da norma geral. Quanto ao
Poder Judiciário este lhe restou à função de impedir o abuso dos poderes, bem
como julgar a constitucionalidade das leis, julgando conflitos intersubjetivos, tendo
também a missão garantidora dos direitos fundamentais, surgindo assim uma função
fiscalizadora. (DALLARI, 2011, p.2018)
Após discutirmos sobre a tripartição de poderes, é possível perceber que o
nosso texto constitucional adotou tal teoria, tendo assim o estado brasileiro três
poderes independentes e harmônicos entre si, o judiciário, executivo e legislativo,
constituindo-se como um Estado Democrático de Direito.
2.4 O Estado Tripartite brasileiro
No Brasil, um dos fundamentos da República Democrática vigente na
Constituição de 1988 é a previsão como princípio fundamental a tripartição dos
poderes para que o mesmo seja constituído sob a forma de Estado Democrático,
promovendo a garantia de direitos individuais e sociais presentes no texto
constitucional pela distribuição de competência do Estado, conforme previsão do
artigo 2º da Constituição Federal: “Art.2º. São Poderes da União, independentes e
harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário” (BRASIL, 1988).
Outra característica do estado tripartite que fora incorporada com a
Constituição de 1988 é a de condição de cláusula pétrea a separação de poderes,
não sendo possível se tornar objeto de deliberação proposta que tende a abolir a
separação de poderes, conforme o artigo 6º, §4º, III.
Como mencionado anteriormente a nossa Constituição de 1988 estabelece
como fundamento a tripartição de poderes, dividindo-se em legislativo, executivo e
judiciário, onde cada um detém a sua função típica e atípica, bem como garantiu
12
independência, autonomia e harmonia, não sendo possível que um poder seja
superior ao outro, percebemos assim uma característica do estado tripartite
brasileiro daquele retratado por Montesquieu, pois o brasileiro carrega a flexibilidade
quanto a harmonia entre os poderes, sendo o termo tripartição de poderes rejeitado
por alguns doutrinadores, conforme sustentam Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino,
“ao que tradicionalmente se denomina ‘separação de poderes’ representa, na
realidade, a distribuição de certas funções a diferentes órgãos do Estado, ou seja, ‘a
divisão de funções estatais’”.(PAULO. ALEXANDRINO, 2009, p.388)
A fim de combater o desequilíbrio das funções estatais foi estabelecido o
sistema de freios e contrapesos, estabelecendo garantias e prerrogativas para o
exercício de suas funções.
De outro lado, cabe assinalar que nem a divisão de funções entre os órgãos do poder nem a sua independência são absolutas. Há interferências, que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o demando de um em detrimento do outro e especialmente dos governados. (SILVA, 2005, p. 110).
Este sistema também estabelece um limite à autonomia de cada poder,
minimizando a interferência de um poder na esfera do outro, por outro lado a
autonomia só poderá ser afetada no caso de abuso de poder para que seja
preservado o equilíbrio na separação dos poderes entre o executivo, legislativo e
judiciário.
13
3. O PROTAGONISMO DO PODER JUDICIÁRIO E O STF
Ao longo da história cada poder teve sua parcela de “glória”, com o estado
liberal vimos a ascensão do legislativo, já com o Wellfare State surge o executivo
como protagonista, nas últimas décadas com a crescente judicialização e que surge
o protagonismo judicial para efetivar e salvaguardar garantias e direitos
fundamentais que se encontram positivados nos ordenamentos, tendo tais
positivações decorrentes do pós 2ª Guerra Mundial com a introdução de valores
éticos e morais.
Sendo assim o Estado Constitucional de Direito que surge no pós 2ª Guerra
Mundial inaugura um novo constitucionalismo com a supremacia da Constituição,
figurando o poder judiciário como um garantidor daquilo que o Executivo não é
capaz de garantir dentro das garantias e direitos fundamentais na sua efetivação,
por ser este o guardião da Constituição.
Neste cenário surge a Constituição de 1988, inaugurando o protagonismo
judicial no nosso ordenamento através da sua efetividade através do princípio da
universalidade da jurisdição, não permitindo que nenhuma lesão ou ameaça deixe
de ser examinada pelo poder judiciário, deixando que tudo seja levado ao judiciário.
(LEWANDOWSKI, 2009, p.5)
Neste novo constitucionalismo os tribunais ganham um novo papel na
sociedade, destacando-se a supremacia da Constituição, um maior leque de
abrangência da legislação, permitindo uma nova interpretação das normas, fazendo
com que diversas demandas passem pelo crivo do judiciário, haja vista a
abrangência de diversas áreas pelo texto constitucional e do dever de zelo a
Constituição pelo Supremo Tribunal Federal.
Ainda no mesmo sentido podemos citar o professor e Ministro do STF Luís
Roberto Barroso (2008, p.274) que:
No Brasil, particularmente, em razão de uma Constituição extensa e analítica, a constitucionalização do Direito assumiu uma feição dúplice: a) a vinda para a Constituição de princípios relacionados com múltiplas áreas do Direito, incluídos o direito civil, administrativo, penal, processual e outros; b) a ida de princípios constitucionais fundamentais, como o da dignidade da pessoa humana, aos diferentes domínios do direito infraconstitucional, dando novo sentido e alcance a suas normas e institutos. Associado à constitucionalização do Direito, verificou-se um processo extenso e profundo de judicialização das relações sociais e de questões politicamente
14
controvertidas, que acendeu o debate acerca do papel do Judiciário e da legitimação democrática de sua atuação.
É são justamente estes fatores que fazem surgir um novo papel para os
tribunais, e no caso do presente artigo destacamos o Supremo Tribunal Federal na
medida em que resguarda e implementa ditames constitucionais, pois devido a
inércia dos poderes executivo e legislativo acaba se tornando, o judiciário,
protagonista para suprimir as lacunas que surgem, justamente sob este aspecto é
que devemos fazer análise dessas decisões sobre a tripartição de poderes pelo
olhar do ativismo e da judicialização da política.
Então é perceptível que a Constituição de 1988 simbolizou a ascensão do
poder judiciário no tocante ao exercício da atividade e da legislação constitucional de
onde podemos extrair duas palavras que se relacionam com a atividade jurisdicional:
ativismo e judicialização da política, ao qual muitas das vezes são confundidas como
sinônimos, sendo necessária a sua diferenciação que será feita a seguir.
3.1 Judicialização da política
A judicialização da política surge quando o tribunal deixa de julgar com
decisões técnicas e jurídicas os casos submetidos ao seu crivo, passando a dirimir
sobre questões sociais utilizando-se de decisões políticas e morais, ao qual
podemos chamar de judicialização da política, sendo tal prática permitida pelo leque
de competências trazidas pela Constituição de 1988.
Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo – em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios e a administração pública em geral. (BARROSO, 2008, p.03)
Percebemos assim que a judicialização é o fenômeno que leva questões
sociais e políticas para a apreciação do judiciário, mas é importante mencionar que
tais questões deveriam ter sido solucionadas por outras esferas públicas, levando-se
assim a uma dificuldade em conservar a separação de poderes, na medida em que
o judiciário passa a interferir na esfera poder legislativo e executivo, por tratar de
15
questões que não originalmente responsabilidade do poder judiciário, ocorrendo
aquilo que Barroso (2008) define como “judicialização da vida”.
Tal fato pode ter sido originado, como dito anteriormente, pela abertura que a
Constituição de 1988 deu ao judiciário e aos Tribunais em aumentar a sua
abrangência, bem como pela deficiência de representatividade política, sem contar
que questões polêmicas dentro da sociedade acabam sendo levados para o crivo do
judiciário.
Diante de tal situação se instala uma dificuldade aonde a Constituição vem
por interferir na política, na medida em que permite que matérias que são de pauta
tradicionalmente política deixem de serem decididas pelos agentes eleitos pelo
povo, para que sejam submetidas ao judiciário, mas é também necessário denotar
que a inobservância do cumprimento de políticas públicas também não poderia
deixar de passar pelos olhos do judiciário.
O fenômeno da judicialização, por fim, pode ser atribuído a fatores como o
processo de redemocratização do país com a Constituição de 1988, fortalecendo e
expandido o poder judiciário. Bem como a tendência de uma constitucionalização
abrangente por trazer na Constituição matérias que eram tratadas pela política e
pela legislação ordinária, permitindo que, por exemplo, fins estatais virem objeto de
ações judiciais. (BARROSO, 2008, p.4)
Outro fator relevante para a judicialização, conforme os ensinamentos de
Barroso (2008) é o da abrangência do sistema de controle de constitucionalidade,
levando assim qualquer questão política moral e relevante seja levada ao STF, como
fora o caso da APF 347, que será abordada mais a frente.
Mas vale mencionar que tal prática não encontra óbice no texto constitucional
na medida em que o Tribunal acaba por cumprir e aplicar a Constituição quando
decide sobre tais matérias, uma vez que os demais poderes se resguardam e se
mostram silentes diante de tais temas, “a solução de assuntos polêmicos [...] acaba
sendo transferida para a autoridade judicial porque o custo da decisão é muito alto e
pode prejudicar a imagem do político e suas pretensões eleitorais” (LEITE, 2011,
p.182), mas mesmo assim ainda que o texto permita é necessário verificar a
extensão interpretativa do tema para que competências não sejam usurpadas e
venha ferir a tripartição de poderes.
Assim, a judicialização da política é um fenômeno social em que questões de
ordem moral e politicamente relevantes são levadas ao crivo do judiciário, ampliando
16
assim a atuação dos tribunais na medida em que diante da inércia ou ineficiência do
poder legislativo e executivo o judiciário é obrigado a decidir sobre tais questões,
ocasionando politização da justiça.
3.2 Ativismo judicial
Quando falamos de judicialização da política é possível que se faça confusão
entre este tema e o do ativismo judicial, pois guardam estreita relação entre um e
outro, mas carregam origens diversas, na medida em que a judicialização é um
fenômeno brasileiro oriundo do sistema constitucional vigente e da ampliação
hermenêutica do texto constitucional, onde o judiciário foi obrigado a decidir sobre o
tema.
Diferente da judicialização, o ativismo ocorre quando se expande a
interpretação da norma constitucional em uma postura proativa, conforme leciona
Clarissa Tassinari “postura, um comportamento de juízes e tribunais, que, através de
um ato de vontade, isto é, de um critério não jurídico, proferem seus julgamentos,
extrapolando os limites de sua atuação” (TASSINARI, 2012, p.130).
Quanto ao ativismo à doutrina diverge quanto a sua necessidade, utilidade e
na concordância ou não da prática ativista nos tribunais, para o Ministro Luis
Roberto Barroso o ativismo carrega a postura proativa na medida em que atende
aos anseios da sociedade, mas que acarreta na exibição da fraqueza do poder
legislativo.
A ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente ,contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas.(BARROSO, 2008, p.06)
Em entendimento diverso encontramos doutrinadores que consideram que o
ativismo judicial seria prejudicial a separação de poderes na medida que permite que
17
o judiciário invada a ceara do legislativo, onde sobre o conceito de ativismo temos
Elival da Silva Ramos (2010)
Por ativismo judicial, deve-se entender o exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio ordenamento que incumbe, institucionalmente, ao Poder Judiciário fazer atuar, resolvendo litígios de feições subjetivas (conflitos de interesse) e controvérsias jurídicas de natureza objetiva (conflitos normativos). Essa ultrapassagem das linhas demarcatórias da função jurisdicional se faz em detrimento particularmente, da função legislativa, não envolvendo o exercício desabrido da legiferação (ou de outras funções não jurisdicionais) e sim a descaracterização da função típica do Poder Judiciário, com incursão insidiosa sobre o núcleo essencial de funções constitucionalmente atribuídas a outros Poderes. (RAMOS, 2010, p.308)
Diferente da judicialização da política que surge do modelo constitucional
adotado pela nossa Constituição de 1988, o ativismo remonta aos Estados Unidos,
onde a expressão “ativismo judicial” fora utilizada por uma revista chamada Reviste
Fortune que descrevia o perfil dos noves juízes que compunham a suprema corte
daquele país em 1947, onde detinha uma conotação positiva de início, onde um de
seus sentidos era o de criação de legislação judicial. (ROMÃO apud KMIEC, 2017,
p.110)
Mas como fora visto anteriormente, o ativismo detém por parte da doutrina
alguns aspectos negativos e de oposição como foi colocado pelos ensinamentos de
Elival da Silva (2010), mas diante do que foi mencionado neste capítulo é possível
extrair que o ativismo deriva do cumprimento do Estado Social, onde é tido como um
comportamento proativo de juízes, mas também tido fora dos limites da função
jurisdicional por alguns doutrinadores.
Quanto a sua estruturação no nosso país, ainda utilizando-se dos
ensinamentos de Elival da Silva Ramos (2010), podemos destacar o nosso modelo
de estado e Constituição, a ascensão do neoconstitucionalismo no nosso
ordenamento e doutrina, crise política institucional e a oportuna ascensão o judiciário
e a atividade normativa do Supremo Tribunal Federal, onde ainda é possível
perceber por parte da doutrina que o ativismo praticado no Brasil é diverso daquele
dos Estados Unidos podendo significar um ativismo a brasileira, que será
posteriormente melhor destrinchado.
18
3.4 Ativismo judicial à brasileira
Como mencionado no tópico anterior o termo ativismo surgiu nos Estados
Unidos, onde ganhou notoriedade após o uso do termo em uma matéria de jornal, é
imperioso também destacar a confusão entre o termo ativismo e judicialização da
política no cenário brasileiro.
Enquanto a judicialização da política advém de “condições sociopolíticas” com
a ampliação da ordem hermenêutica, revelando a deficiência dos outros poderes
pela interferência do judiciário, enquanto o ativismo advém da postura do julgador
que seu ato de vontade, denotando a extrapolação dos limites impostos pela
tripartição de poderes pelo judiciário, através de decisões sem critérios jurídicos.
(STRECK, 2014, p.65)
Então diferente do que se vê com o ativismo que denota uma postura proativa
do magistrado, o ativismo a brasileira se configura não como uma postura proativa,
mas como um ato de vontade do julgador que acaba por “quebrar” o sistema
harmônico e de poderes independentes entre si, onde os tribunais, em especial o
Supremo Tribunal Federal acaba por ter decisões de juízo pessoal, como dito
anteriormente do ato de vontade, no lugar da legalidade.
Diante das questões que foram trazidas e que podemos passar para a
problemática central do artigo, onde será analisado o instituto de Estado de Coisas
Inconstitucional adotado Supremo Tribunal Federal na decisão da ADPF 347/DF
ajuizada pelo partido Socialismo e Liberdade que tratava das violações de direitos
fundamentais no sistema carcerário e de ações para tratar do problema carcerário
no Brasil.
19
4 ADPF 347: JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E ATIVISMO JUDICIAL À
BRASILEIRA DENTRO DA TRIPARTIÇÃO.
No ano de 2015 o Supremo Tribunal julgou a Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental – ADPF ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL),
que tinha como objeto o reconhecimento da violação de direitos fundamentais da
população carcerária, cobrando providências sobre o cenário carcerário do país.
Quando tratamos do referido julgamento é preciso que nos atentar ao pedido
de reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional no que tange a situação
carcerária brasileira, na medida em que a superlotação e a violação massiva de
direito fundamentais e as condições desumanas dos presídios brasileiros, situação
está tida como incompatível com a Constituição Federal brasileira, onde tais
violações foram atribuídas à má gestão pública.
Assim se faz necessária a análise do instituto do Estado de Coisas
Inconstitucional, o mesmo é oriundo da Corte Constitucional da Colômbia onde é
preciso que se façam presentes três requisitos para o seu reconhecimento que
consistem na observância e constatação de uma violação massiva e reiterada dos
direitos fundamentais, omissão ou ineficiência de políticas públicas sobre o
problema, bem como quando a solução do problema estiver atrelada a ações de
diversos órgãos. (CAMPOS, 2015)
Trazendo esses pressupostos para a nossa realidade é fácil a sua
constatação e reconhecimento dada à crise do sistema carcerário brasileiro,
revelada pelo não respeito à dignidade dos encarcerados, apesar da existência de
políticas públicas as mesmas são ineficazes diante do encarceramento massivo
provocado pelo poder judiciário, provando a mau funcionamento estrutural do estado
que provoca esta violação massiva dos direitos fundamentais, necessitando da
interação dos três poderes para o alcance da solução. (BASTOS; KRELL, 2017,
p.11)
Nas palavras do Relator Ministro Marco Aurélio, que se utilizando de palavras
que demonstravam a monstruosidade do sistema carcerário brasileiro é possível
perceber o reconhecimento do instituto do Estado de Coisas Inconstitucional pelo
Supremo Tribunal Federal:
Diante de tais relatos, a conclusão deve ser única: no sistema prisional brasileiro, ocorre violação generalizada de direitos fundamentais dos presos no tocante à dignidade, higidez física e integridade psíquica. A superlotação
20
carcerária e a precariedade das instalações das delegacias e presídios, mais do que inobservância, pelo Estado, da ordem jurídica correspondente, configuram tratamento degradante, ultrajante e indigno a pessoas que se encontram sob custódia. As penas privativas de liberdade aplicadas em nossos presídios convertem-se em penas cruéis e desumanas. Os presos tornam-se ―lixo digno do pior tratamento possível‖, sendo-lhes negado todo e qualquer direito à existência minimamente segura e salubre. Daí o acerto do Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, na comparação com as ―masmorras medievais‖. (BRASIL, 2015, p.6-7)
Diante do preenchimento de tais requisitos e do preenchimento dos requisitos
da ADPF a mesma fora admitida e tivera deferido liminarmente por seu relator o
Ministro Marco Aurélio a implantação das audiências de custódia a serem realizadas
no prazo de 24 horas para que seja verificado o estado da flagrância, verificando a
necessidade da manutenção da prisão, com a finalidade de haver o cumprimento
dos artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção
Interamericana de Direitos Humanos.
Determinou ainda que os recursos oriundos do Fundo Penitenciário Nacional
(FUNPEN) não fossem retidos pelo Executivo, obrigando a União a liberar os valores
em saldo acumulado para alcançar a sua finalidade proibindo um novo
congestionamento, onde percebemos assim a interferência do poder judiciário na
esfera do poder executivo e possivelmente do legislativo, podendo tal medida das
audiências terem sido tomada por projeto de lei.
Durante o julgamento da ADPF 347 o seu relator o Ministro Marco Aurélio
utilizou expressões como “inferno dantesco”, “vergonha nacional” quando se referia
a situação degradante e do crescimento desordenado da população carcerária, dado
a política do encarceramento em massa. Nas sustentações diversos argumentos
foram propostos contrários e a favor da incorporação do Estado de Coisas
Inconstitucional no sistema jurídico brasileiro, onde posições defendiam que a
incorporação de tal instituto significaria uma forma de ativismo levado pela
judicialização da política, pois tal medida significaria a interferência nas
competências dos demais poderes.
Lênio Streck traz uma visão contrária ao uso do ECI, onde podemos destacar
a falta de consistência da teoria, podendo se transformar em uma nova forma de
ativismo.
Em um país continental, presidencialista, e que os poderes Executivo e Legislativo vivem às turras e as tensões tornam o Judiciário cada dia mais
21
forte, nada melhor do que uma tese que ponha a “cereja no bolo”, vitaminando o ativismo. (STRECK, 2015)
Com isso o ECI se transforma numa forma de ativismo à brasileira na medida
em que se permite ao judiciário a interferência direta nas políticas públicas onde
ignora o sistema democrático e representativo, pois os membros do judiciário não
foram eleitos pelo povo. (ABBOUD, 2016, p.741)
Deve-se refletir como se poderiam tornar coisas inconstitucionais, transferir a
responsabilidade para o judiciário em demonstrar a incompetência dos outros
poderes, não tendo o judiciário à formula para que se chegue a solução dos
problemas ocasionados pela ineficiência ou da ausência de políticas púbicas.
Mesmo que a Constituição assegure essa dita “interferência” é preciso
analisar o alcance do texto constitucional, pois o sistema é composto por freios e
contrapesos e um poder não pode ter uma palavra mais forte que o outro. O ativismo
nos nossos tempos pode ser perigos, onde se deve evitar a chamar o judiciário para
atuar, mas segura-lo. (TASSINARI,2013, p.134)
No presente caso percebe-se que ouve uma usurpação das competências do
executivo, pois por mais que se houvesse a necessidade e se tivera uma boa
intenção no presente caso, não caberia ao judiciário agir da maneira que agiu, em
fazer tais determinações, ultrapassando assim a esfera do poder executivo.
22
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do que foi exposto é que enxergamos ou pelo menos se chega perto
de enxergar que o ativismo pode significar uma ameaça para a tripartição de
poderes, pois mesmo que se manifeste como uma postura pro ativa do judiciário
pode-se concluir que esta postura que fora adotada no Brasil com o ativismo à
brasileira vai além da interpretação do texto constitucional, ela detém viés político e
gera decisões baseadas em ato de vontade.
Assim a judicialização da política apesar de diversa do ativismo acaba por
demonstrar a fraqueza do executivo, quanto o ativismo demonstra a fraqueza do
legislativo, mas é preciso mencionar que não poderia simplesmente um juiz ou
tribunal decidir além da lei, do texto constitucional e passar a inventar o direito, como
ocorreu com APDF 347/DF onde a mesma trouxe um elemento de julgamento que
não é brasileiro, que não fora estruturado pelo nosso ordenamento jurídico.
Percebe-se assim que no julgamento da ADPF 347/DF existe a ocorrência
dos dois fenômenos, vejamos: em um primeiro momento ocorre a judicialização da
política com o ajuizamento da ADPF para demonstrar o problema carcerário
brasileiro, e no julgamento das liminares ocorre o ativismo judicial uma vez que se
deixa de interpretar a Constituição para reconhecer um sistema que não se faz
presente no nosso ordenamento, neste caso o ECI.
As medidas adotadas neste julgamento demonstram não tão somente a
ineficácia do executivo e do legislativo, como também usurpa competência, tendo o
judiciário se sobreposta ao executivo com a determinação da liberação do FUNPEN
e da proibição de novos contingenciamentos de recursos, sem que se se leva em
considerações procedimentos administrativos e orçamentários pertencentes à
administração pública.
Em um sistema de harmônico de freios e contrapesos não pode existir um
poder mais forte que o outro, o ativismo judicial à brasileira é perigoso, permitir esta
abertura pelo STF, cenas corriqueiras do judiciário decidindo coisas próprias da
administração pública será cada vez mais corriqueiro, podendo um juiz chegar a
decidir até mesmo o local da construção de um posto de saúde.
O Estado de Coisas Inconstitucional é perigoso, por não trazer limites a que
tipo de coisa pode ser considerado inconstitucional, é ainda mais como coisas
23
poderão ser considerados inconstitucionais, ate aonde vai esse limite do controle de
constitucionalidade.
24
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABBOUD, Georges. Processo Constitucional Brasileiro. São Paulo: RT, 2016.
ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
BARROSO, Luís Roberto. A americanização do direito constitucional e seus
paradoxos: teoria e jurisprudência constitucional no mundo contemporâneo.
Disponível
em:<http://revistas.unibrasil.com.br/cadernosdireito/index.php/direito/article/view/459/
436>. Acesso em: 22 jul. 2019.
______. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Disponível
em:<https://www.direitofranca.br/direitonovo/FKCEimagens/file/ArtigoBarroso_para_
Selecao.pdf >. Acesso em: 22 jul. 2019.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. ADPF 347. Rel. Min. Marco
Aurélio, julgado em 09/09/2015. Disponível em: <
http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10300665 >.
Acesso em 29 jul. 2019
CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Devemos temer o “Estado de Coisas
Inconstitucional”? Consultor Jurídico, 15.10.2015. Disponível
em:<www.conjur.com.br/2015-out-15/carlos-campos-devemos-temer-estado-coisas-
inconstitucional#author> Acesso em: 27.07.2019.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo:
Saraiva, 2012.
EUA. Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia, de 16 de junho de 1776.
Declaração de direitos formulada pelos representantes do bom povo de
Virgínia, reunidos em assembléia geral e livre. Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-
cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-
1919/declaracao-de-direitos-do-bom-povo-de-virginia-1776.html>. Acesso em: 29
jun. 2019.
FRANÇA. Declaração de direitos do homem e do cidadão, de 26 de agosto de
1789. Versa sobre os direitos naturais. Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-
cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-
25
1919/declaracao-de-direitos-do-homemedo-cidadao-1789.html>. Acesso em: 28 jun.
2019.
HARTMAN, Gary; MERSKY, Roy M.; TATE, Cindy L. Landmark Supreme Court
cases: the most influencial decisions of the Supreme Court of the United
States. New York: Checkmark Books, 2007. p. 467-468.
LEITE, Roberto Basilone. Déficit político do poder judiciário brasileiro: A falta de
efetividade no desempenho de suas funções institucionais e o ativismo judicial
como interferência indevida em área de atuação própria do poder político. Tese
(Doutorado em Direito) - Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis,
2011. Disponível
em:<http://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/95174>Acesso em: 22 jul.
2019.
LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo Civil. Trad. Alex Marins, São
Paulo: Martin Claret, 2003.
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Trad.: Pietro Nassetti. 2. Ed. São Paulo: Martin
Claret, 2007.
MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado.
4. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009.
PLATÃO. A República. Trad. Enrico Corvisieri, São Paulo: Nova Cultural, 2004.
RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parâmetros dogmáticos. São Paulo:
Saraiva, 2010.
ROMÃO, Luis Fernando de França. A politização do poder judiciário e as causas
do ativismo judicial. Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI, Itajaí, v.12, n.1, 1º
quadrimestre de 2017. Disponível em:<www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-
7791>. Acesso em: 22 jul. 2019.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo:
Malheiros, 2005.
STRECK, Lênio. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias
discursivas. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
TASSINARI, Clarissa. Ativismo judicial: uma análise da atuação do judiciário
nas experiências brasileira e norte-americana. Dissertação (Mestrado em Direito)
- Universidade do Vale do Rio dos Sinos. São Leopoldo, 2012. Disponível em:
26
< http://www.repositorio.jesuita.org.br/handle/UNISINOS/3522>Acesso em: 22 jul.
2019.
________. Jurisdição e Ativismo Judicial: Limites da atuação do Judiciário.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.
27
Recommended