29
FACULDADE CESMAC DO SERTÃO JOSÉ CORREIA DA SILVA JÚNIOR ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política versus tripartição dos poderes pela análise da ADPF 347/DF PALMEIRA DOS ÍNDIOS AL 2019.1

ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política ... · A noção de separação dos poderes é oriunda da Grécia antiga com Platão em sua obra “A República”

  • Upload
    others

  • View
    2

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política ... · A noção de separação dos poderes é oriunda da Grécia antiga com Platão em sua obra “A República”

FACULDADE CESMAC DO SERTÃO

JOSÉ CORREIA DA SILVA JÚNIOR

ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política versus tripartição dos poderes pela análise da

ADPF 347/DF

PALMEIRA DOS ÍNDIOS – AL 2019.1

Page 2: ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política ... · A noção de separação dos poderes é oriunda da Grécia antiga com Platão em sua obra “A República”

JOSÉ CORREIA DA SILVA JÚNIOR

ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política versus tripartição dos poderes pela análise da

ADPF 347/DF

Trabalho de Curso apresentado como requisito final para conclusão do curso de Direito da Faculdade CESMAC do Sertão, sob a orientação do Prof.Me. José Ailton da Silva Júnior.

PALMEIRA DOS ÍNDIOS – AL

2019.1

Page 3: ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política ... · A noção de separação dos poderes é oriunda da Grécia antiga com Platão em sua obra “A República”
Page 4: ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política ... · A noção de separação dos poderes é oriunda da Grécia antiga com Platão em sua obra “A República”

JOSÉ CORREIA DA SILVA JÚNIOR

ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política versus tripartição dos poderes pela análise da

ADPF 347/DF

Trabalho de Curso apresentado como requisito final para conclusão do curso de Direito da Faculdade CESMAC do Sertão, sob a orientação do Prof.Me. José Ailton da Silva Júnior.

APROVADO EM: ___/___/_____

BANCA EXAMINADORA

__________________________________

Orientador: Prof.Me. José Ailton da Silva Júnior

__________________________________

Professor examinador

__________________________________

Professor examinador

Page 5: ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política ... · A noção de separação dos poderes é oriunda da Grécia antiga com Platão em sua obra “A República”

ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política versus tripartição dos poderes pela análise da ADPF 347/DF

BRAZILIAN JUDICIAL ACTIVISM: judicialization of politics versus tripartition of

powers by analysis of ADPF 347 / DF

José Correia da Silva Júnior Graduanda do Curso de Direito pela Faculdade CESMAC do Sertão.

E-mail:[email protected]

Orientador: Prof. Me. José Ailton da Silva Júnior Professor Titular II da Faculdade CESMAC do Sertão

E-mail: [email protected]

RESUMO O presente trabalho concentra-se em analisar e verificar a ocorrência do ativismo à brasileira dentro das medidas tomadas pela ADPF 347/DF com a incorporação do Estado de Coisas Inconstitucional e como tais medidas se configuram como uma ameaça ao sistema de freios e contrapesos da tripartição de poderes. Para chegar a esta concepção foi necessário discorrer sobre possível as definições do que se considera ativismo e judicialização da política, passando inicialmente pela tripartição de poderes de Montesqueiu e do artigo 2º da Constituição Federal de 1988. Utilizando do método de revisão bibliográfica é que a pesquisa atinge a sua finalidade de demonstrar o perigo de uma exacerbada valorização do judiciário dentro do contexto do ativismo e da judicialização da política.

Palavras chave: Ativismo, Ativismo à brasileira, Judicilização da política, Tripartição de poderes,

STF, ADPF

ABSTRACT The present article focuses on analyzing and verifying the occurrence of Brazilian activism within the measures taken by ADPF 347 / DF with the incorporation of the unconstitutional State of Things and how such measures constitute a threat to the tripartition's brakes and balances system. of powers. In order to arrive at this conception, it was necessary to discuss the possible definitions of what activism and judicialization of politics are considered, starting with the tripartition of Montesqueiu's powers and of article 2 of the Federal Constitution of 1988. Using the method of bibliographical revision is that the research Its purpose is to demonstrate the danger of an overvaluation of the judiciary within the context of activism and the judicialization of politics.

Keyword: Brazilian activism, Judicilization of politics, Tripartition of powers, STF, ADPF

Page 6: ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política ... · A noção de separação dos poderes é oriunda da Grécia antiga com Platão em sua obra “A República”

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 5

2 O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES ..................................................... 7

2.1 Evolução da separação dos poderes ................................................................ 7

2.2 A Teoria de Montesquieu em “O Espírito das Leis” ........................................ 8

2.3 A organização do Estado Tripartite ................................................................. 10

2.4 O Estado Tripartite brasileiro ........................................................................... 11

3. O PROTAGONISMO DO PODER JUDICIÁRIO E O STF .................................... 13

3.1 Judicialização da política ................................................................................. 14

3.2 Ativismo judicial ................................................................................................ 16

3.4 Ativismo judicial à brasileira ............................................................................ 18

4 ADPF 347: JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E ATIVISMO JUDICIAL À

BRASILEIRA DENTRO DA TRIPARTIÇÃO. ............................................................ 19

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 22

Page 7: ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política ... · A noção de separação dos poderes é oriunda da Grécia antiga com Platão em sua obra “A República”

5

1 INTRODUÇÃO

No ano de 2015 o Supremo Tribunal Federal julgou a Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), ajuizada pelo Partido Socialismo

e Liberdade que tratava da violação dos direitos fundamentais dos presos no

sistema carcerário brasileiro que eram submetidos a situações degradantes de

violação a dignidade da pessoa humana.

Liminarmente foram deferidas medidas de urgência como a implantação nas

varas estaduais da realização da audiência de custódia, com a finalidade de analisar

a circunstância da prisão em flagrante e análise da necessidade da conversão da

preventiva, visando “desafogar” o sistema carcerário, fazendo com que os artigos

9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de

Direitos Humanos ratificados pelo Brasil fossem cumpridos.

Bem como determinou que o Executivo libera-se os recursos contingenciados

e proibiu novos contingenciamentos, bem como determinando que os recursos

fossem utilizados para a melhoria das unidades prisionais existentes e a construção

de novas unidades, haja vista o reconhecimento do Estado de Coisas

Inconstitucional, instituto esse que não é próprio do ordenamento jurídico brasileiro,

mas colombiano.

A análise do presente artigo reside na discussão doutrinária das decisões

tomadas nesta ADPF, uma vez que o deferimento das liminares pelo STF interfere

diretamente em questões orçamentárias próprias do poder executivo e da

administração pública.

Sendo assim o conteúdo pesquisado tem como objetivo analisar a ADPF

347/DF e o reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional no contexto de

ativismo judicial, judicialização da política como uma forma de configuração de um

ativismo à brasileiro dentro do sistema de freios e contrapesos da tripartição de

poderes estabelecido no artigo 2º da Constituição Federal, inspirado na teoria de

Montesquieu.

Para tanto foram delimitados os seguintes objetivos: em primeiro momento

analisar o desenvolvimento da teoria tripartite e a sua aplicação no nosso

ordenamento, depois o segundo objetivo está em analisar o fenômeno da

judicialização da política, do ativismo e a ocorrência do ativismo a brasileira.

Superado tais objetivos chega-se ao principal que é analisar os demais objetivos

Page 8: ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política ... · A noção de separação dos poderes é oriunda da Grécia antiga com Platão em sua obra “A República”

6

dentro da ADPF 347/DF e seus desdobramentos com o ECI dentro do contexto de

judicialização da política e ativismo judicial e como dentro deste contexto se tem a

ocorrência do ativismo à brasileira e possível violação da tripartição de poderes.

Com o fito de organizar a pesquisa e chegar ao seu fim, a mesma foi

estruturada em três capítulos que se traduzem nos seu objetivos, no primeiro

capítulo é feita uma explanação da teoria tripartite com o seu surgimento,

configuração e aplicação no contexto brasileiro. O segundo capítulo se concentra em

definir o protagonismo judicial e a relação deste protagonismo com o ativismo e a

judicialização da política, trazendo os conceitos de cada fenômeno, bem como

definindo o ativismo à brasileira, por fim o último capítulo analisa a ADPF 347/DF e a

incorporação do ECI e o seu enquadramento como ativismo à brasileira e a

judicialização da política e o risco que decisões desse tipo podem ter dentro do

nosso ordenamento.

A pesquisa se justifica relevante na medida em que discute fenômenos

contemporâneos que se fazem presente no judiciário e como esses fenômenos se

manifestam na corte constitucional e se isso afeta a tripartição de poderes que

sustenta o estado democrático de direito, utilizando-se do método de revisão

bibliográfica pela pesquisa explicativa qualitativa, onde foram utilizadas obras ao

quais aos autores se debruçaram sobre o tema e partes da própria sustentação e

trechos do julgamento da ADPF.

Page 9: ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política ... · A noção de separação dos poderes é oriunda da Grécia antiga com Platão em sua obra “A República”

7

2 O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES

2.1 Evolução da separação dos poderes

A idéia de tripartição dos poderes dentro do estado deriva da necessidade da

desconcentração do poder, situação contrária ao modelo da monarquia, promovendo

assim uma limitação do poder estatal quanto a sua atuação, mas antes de

passarmos para a sua aplicabilidade é preciso entender a sua origem.

A noção de separação dos poderes é oriunda da Grécia antiga com Platão em

sua obra “A República” (2004), onde afirmava que a não separação dos poderes se

tornaria prejudicial ao homem, pois este acabaria por perder a sua virtude.

Posteriormente, inspirado nas idéias de Platão, surge Aristóteles (1998), onde

afirmava existir no governo três poderes essenciais: um poder deliberativo sobre os

negócios do estado, um poder executivo dos atos de ação do estado, e a função

judicial do estado manifestado pelo poder judicial.

Sendo assim, Aristóteles (1998) considerava que a concentração do poder do

estado em um único homem, além de fazer com que esse perdesse a sua virtude,

poderia ser considerado perigoso e injusto.

Maquiavel (2007) também tentou por definir a separação de poderes pela

noção de tripartição de poderes em sua obra “O príncipe”, onde trazia a noção de

três poderes onde os mesmos serviam para beneficiar o rei, na medida em que

trazia o poder legislativo que se concentrava no parlamento, executivo pela figura do

rei, e do judiciário como poder autônomo.

É curioso notar que Maquiavel louva essa organização porque dava mais liberdade ao rei. Agindo em nome próprio o Judiciário poderia proteger os mais fracos, vítimas de ambições e das insolências dos poderosos, poupando o rei da necessidade de interferir nas disputas e de, em consequência, enfrentar o desagrado dos que não tivessem suas razões acolhidas. (DALLARI, 2012, p.216)

Sendo assim poderia o rei manter a sua imagem, na medida em que era

poupado de julgar conflitos e ate mesmo da edição de leis, sendo encarado por

Maquiavel como uma forma de benefício para o rei.

Page 10: ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política ... · A noção de separação dos poderes é oriunda da Grécia antiga com Platão em sua obra “A República”

8

Posteriormente podemos encontrar os ensinamentos de John Locke (2003), o

qual, após a Revolução Gloriosa na Inglaterra em 1688 e 1689, que gerou a edição

da Bill of Rights, responsável pela limitação do poder estatal, trazia os poderes do

Estado divididos entre o Poder Legislativo exercido pelo Parlamento, Poder

Executivo responsável por executar as leis e o federativo responsável pelas relações

internacionais, mas ainda não se tinha uma idéia de poderes com pesos iguais, pois

Locke considerava o poder legislativo como superior.

Eis que surge o Iluminista Montesquieu que com sua obra O Espírito das Leis,

destrincha a separação dos poderes, oferecendo um modelo de tripartição dos

poderes, sendo tal teoria adotada pelo constitucionalismo moderno.

2.2 A Teoria de Montesquieu em “O Espírito das Leis”

Foi com Montesquieu em que surge a noção de separação de podes que foi

incorporada ao constitucionalismo, mas antes é preciso fazer uma análise da obra

que traz em seu bojo a teoria da tripartição de poderes. A publicação da obra

ocorreu em meados do século XVIII, em um cenário inglês de monarquia

constitucional que era posterior a Revolução Gloriosa de 1689.

Traz o livro, três espécies de governo: monarquia, república e despotismo,

demonstrando a características de cada governo e a suas diferenciações, através da

natureza e princípio de governo. Para a república o seu destaque consiste no amor

pelas leis, no patriotismo. Enquanto na monarquia preza-se pelo princípio da honra e

o despótico este tem como natureza e princípio o temor, a análise destas formas de

governo se concentrava nos conceitos que cada forma trazia sobre a liberdade.

E foi sob a forma da análise da liberdade que Montesquieu busca formas de

proteção da liberdade, chegando assim a tripartição dos poderes, trazendo o

sistema político inglês como aquele capaz de proteger a liberdade. Assim a

liberdade pode ser protegida por um mecanismo constitucional chamado

Constituição. Segundo a concepção de Montesquieu a liberdade “A liberdade é o

direito de fazer tudo o que as leis permitem;” (MONTESQUIEU, 2009, p.166)

Foi em seu Capitulo VI do Livro XXI – Da constituição da Inglaterra que

aflorou a teoria da tripartição de poderes. Para Montesquieu, a liberdade não pode

Page 11: ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política ... · A noção de separação dos poderes é oriunda da Grécia antiga com Platão em sua obra “A República”

9

existir onde existe o temor, onde um mesmo magistrado não pode concentrar o

poder legislativo e o executivo, bem como não pode ser unido o poder de julgar.

Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado do poder legislativo e do executivo. Se estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse unido ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor. Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo exercesse os três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as querelas entre os particulares. (MONTESQUIEU, 2009, p.168)

Então, um estado poderá conservar e proteger a liberdade quando for dotado

de três poderes, devendo estes poderes serem exercidos por figuras distintas.

Estudando a constituição inglesa pós Revolução Gloriosa, foram constatados por

Montesquieu três poderes: legislativo, executivo e judiciário. O primeiro consiste no

fazer as leis, corrigindo as já feitas, o segundo tem o poder de executar essas leis, e

o terceiro tem o poder de julgar demandas particulares e crimes.

Destaca-se que essa divisão na visão de Montesquieu consiste na forma de

impedir a aniquilação da liberdade política, permitindo que um poder freie o outro,

estando o poder da lei assegurado, afastando a tirania. Na Inglaterra o poder

Executivo era exercido pelo monarca, enquanto o poder legislativo por dois órgãos:

Câmara Alta composta pelos representantes da nobreza e pela Câmara Baixa

representando o povo, onde cada câmara tem o poder de iniciativa de lei, aprovar ou

vetar projetos vindos de uma das câmeras.

Quanto ao poder de julgar, este quando exercido deve apenas pronunciar

suas sentenças com base na lei, por não ser um poder de pessoas, mas sim o poder

das leis, partindo da concepção que “teme-se a magistratura e não os magistrados”.

Ressalta ainda que poderá o legislativo auxiliar o poder executivo, tendo o executivo

a faculdade impedir atos legislativos, mas as leis não poderão estar subordinadas as

vontades do executivo, pois a lei é a “vontade geral do estado”, correspondendo

aquilo que chama de “espírito da lei”, onde esta deve ser formulada pelo legislativo

com interferência do executivo, por meio da sanção ou veto.

O poder executivo, fazendo parte do legislativo apenas pela sua faculdade de impedir, não poderia participar dos debates das questões públicas. Não é mesmo necessário que as propostas partam dele porque, podendo sempre desaprovar as resoluções, pode rejeitar as decisões das

Page 12: ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política ... · A noção de separação dos poderes é oriunda da Grécia antiga com Platão em sua obra “A República”

10

proposições que desejaria não fossem feitas. (MONTESQUEIU, 2000, p.123)

O interessante da obra é que esta traz mais que uma teoria jurídica, e sim

uma teoria social, pois Montesquieu denota a necessidade dos três poderes serem

compostos por mais de uma potência social, no caso o rei, a nobreza e o povo, onde

através disso é possível alcançar a divisão de poderes.

Estamos assim diante daquilo que antecedeu que definimos como sistemas

de freios e contra pesos, checks and balance, onde os poderes são independentes e

harmônicos entre si. Montesquieu percebeu, assim, que o núcleo da constituição

inglesa é a formulação de uma engenharia institucional, onde o poder controla o

poder, compondo um “governo moderado”, composto pelo rei como elemento

monárquico, câmara alta como elemento aristocrático e a câmara baixa como

elemento de democrático, aos quais devem ser combinados para evitar o colapso

institucional.

2.3 A organização do Estado Tripartite

Cumpre de grande importância mencionar que Montesquieu não se dedicou

em moldar um modelo de estado democrático que fosse baseado na limitação do

poder pelo poder, com freios e contrapesos, mas sim dar legitimidade ao sistema

monárquico, dando-lhe um caráter constitucional.

Mas apesar tal observação os estados liberais acolheram a tese de

Montesquieu, então com o fito de enfraquecer o poder estatal e a limitação imposta

pela constituição é que o estado moderno adota como dogma a separação de

poderes.

Na Declaração da Virgínia de, 1776, fora adotada a teoria de Montesquieu em

seu parágrafo 5º “que os poderes executivo e legislativo do Estado deverão ser

separados e distintos do judiciário.” Sendo a teoria reproduzida pelo artigo 16 da

Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e em nas

constituições dos Estados Unidos.

Surgiu assim à associação do Estado Democrático e a sua estreita relação

com a tripartição de poderes, fazendo surgir o sistema de freios e contrapesos ou

checks and balance.

Page 13: ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política ... · A noção de separação dos poderes é oriunda da Grécia antiga com Platão em sua obra “A República”

11

Especificando a teoria montesquiana é possível compreender que a mesma,

''é concebida como um sistema em que conjugam um legislativo, um executivo e um

judiciário, harmônicos e independentes entre si, tomando, praticamente, a

configuração que iria aparecer na maioria das Constituições. '' (DALLARI, 2012,

p.219)

Por esta teoria o Poder Legislativo só praticaria atos gerais, que consistem na

emissão de regras gerais e abstratas, limitando assim, o Poder Executivo, que só

pode este agir por meio de atos especiais, decorrentes da norma geral. Quanto ao

Poder Judiciário este lhe restou à função de impedir o abuso dos poderes, bem

como julgar a constitucionalidade das leis, julgando conflitos intersubjetivos, tendo

também a missão garantidora dos direitos fundamentais, surgindo assim uma função

fiscalizadora. (DALLARI, 2011, p.2018)

Após discutirmos sobre a tripartição de poderes, é possível perceber que o

nosso texto constitucional adotou tal teoria, tendo assim o estado brasileiro três

poderes independentes e harmônicos entre si, o judiciário, executivo e legislativo,

constituindo-se como um Estado Democrático de Direito.

2.4 O Estado Tripartite brasileiro

No Brasil, um dos fundamentos da República Democrática vigente na

Constituição de 1988 é a previsão como princípio fundamental a tripartição dos

poderes para que o mesmo seja constituído sob a forma de Estado Democrático,

promovendo a garantia de direitos individuais e sociais presentes no texto

constitucional pela distribuição de competência do Estado, conforme previsão do

artigo 2º da Constituição Federal: “Art.2º. São Poderes da União, independentes e

harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário” (BRASIL, 1988).

Outra característica do estado tripartite que fora incorporada com a

Constituição de 1988 é a de condição de cláusula pétrea a separação de poderes,

não sendo possível se tornar objeto de deliberação proposta que tende a abolir a

separação de poderes, conforme o artigo 6º, §4º, III.

Como mencionado anteriormente a nossa Constituição de 1988 estabelece

como fundamento a tripartição de poderes, dividindo-se em legislativo, executivo e

judiciário, onde cada um detém a sua função típica e atípica, bem como garantiu

Page 14: ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política ... · A noção de separação dos poderes é oriunda da Grécia antiga com Platão em sua obra “A República”

12

independência, autonomia e harmonia, não sendo possível que um poder seja

superior ao outro, percebemos assim uma característica do estado tripartite

brasileiro daquele retratado por Montesquieu, pois o brasileiro carrega a flexibilidade

quanto a harmonia entre os poderes, sendo o termo tripartição de poderes rejeitado

por alguns doutrinadores, conforme sustentam Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino,

“ao que tradicionalmente se denomina ‘separação de poderes’ representa, na

realidade, a distribuição de certas funções a diferentes órgãos do Estado, ou seja, ‘a

divisão de funções estatais’”.(PAULO. ALEXANDRINO, 2009, p.388)

A fim de combater o desequilíbrio das funções estatais foi estabelecido o

sistema de freios e contrapesos, estabelecendo garantias e prerrogativas para o

exercício de suas funções.

De outro lado, cabe assinalar que nem a divisão de funções entre os órgãos do poder nem a sua independência são absolutas. Há interferências, que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o demando de um em detrimento do outro e especialmente dos governados. (SILVA, 2005, p. 110).

Este sistema também estabelece um limite à autonomia de cada poder,

minimizando a interferência de um poder na esfera do outro, por outro lado a

autonomia só poderá ser afetada no caso de abuso de poder para que seja

preservado o equilíbrio na separação dos poderes entre o executivo, legislativo e

judiciário.

Page 15: ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política ... · A noção de separação dos poderes é oriunda da Grécia antiga com Platão em sua obra “A República”

13

3. O PROTAGONISMO DO PODER JUDICIÁRIO E O STF

Ao longo da história cada poder teve sua parcela de “glória”, com o estado

liberal vimos a ascensão do legislativo, já com o Wellfare State surge o executivo

como protagonista, nas últimas décadas com a crescente judicialização e que surge

o protagonismo judicial para efetivar e salvaguardar garantias e direitos

fundamentais que se encontram positivados nos ordenamentos, tendo tais

positivações decorrentes do pós 2ª Guerra Mundial com a introdução de valores

éticos e morais.

Sendo assim o Estado Constitucional de Direito que surge no pós 2ª Guerra

Mundial inaugura um novo constitucionalismo com a supremacia da Constituição,

figurando o poder judiciário como um garantidor daquilo que o Executivo não é

capaz de garantir dentro das garantias e direitos fundamentais na sua efetivação,

por ser este o guardião da Constituição.

Neste cenário surge a Constituição de 1988, inaugurando o protagonismo

judicial no nosso ordenamento através da sua efetividade através do princípio da

universalidade da jurisdição, não permitindo que nenhuma lesão ou ameaça deixe

de ser examinada pelo poder judiciário, deixando que tudo seja levado ao judiciário.

(LEWANDOWSKI, 2009, p.5)

Neste novo constitucionalismo os tribunais ganham um novo papel na

sociedade, destacando-se a supremacia da Constituição, um maior leque de

abrangência da legislação, permitindo uma nova interpretação das normas, fazendo

com que diversas demandas passem pelo crivo do judiciário, haja vista a

abrangência de diversas áreas pelo texto constitucional e do dever de zelo a

Constituição pelo Supremo Tribunal Federal.

Ainda no mesmo sentido podemos citar o professor e Ministro do STF Luís

Roberto Barroso (2008, p.274) que:

No Brasil, particularmente, em razão de uma Constituição extensa e analítica, a constitucionalização do Direito assumiu uma feição dúplice: a) a vinda para a Constituição de princípios relacionados com múltiplas áreas do Direito, incluídos o direito civil, administrativo, penal, processual e outros; b) a ida de princípios constitucionais fundamentais, como o da dignidade da pessoa humana, aos diferentes domínios do direito infraconstitucional, dando novo sentido e alcance a suas normas e institutos. Associado à constitucionalização do Direito, verificou-se um processo extenso e profundo de judicialização das relações sociais e de questões politicamente

Page 16: ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política ... · A noção de separação dos poderes é oriunda da Grécia antiga com Platão em sua obra “A República”

14

controvertidas, que acendeu o debate acerca do papel do Judiciário e da legitimação democrática de sua atuação.

É são justamente estes fatores que fazem surgir um novo papel para os

tribunais, e no caso do presente artigo destacamos o Supremo Tribunal Federal na

medida em que resguarda e implementa ditames constitucionais, pois devido a

inércia dos poderes executivo e legislativo acaba se tornando, o judiciário,

protagonista para suprimir as lacunas que surgem, justamente sob este aspecto é

que devemos fazer análise dessas decisões sobre a tripartição de poderes pelo

olhar do ativismo e da judicialização da política.

Então é perceptível que a Constituição de 1988 simbolizou a ascensão do

poder judiciário no tocante ao exercício da atividade e da legislação constitucional de

onde podemos extrair duas palavras que se relacionam com a atividade jurisdicional:

ativismo e judicialização da política, ao qual muitas das vezes são confundidas como

sinônimos, sendo necessária a sua diferenciação que será feita a seguir.

3.1 Judicialização da política

A judicialização da política surge quando o tribunal deixa de julgar com

decisões técnicas e jurídicas os casos submetidos ao seu crivo, passando a dirimir

sobre questões sociais utilizando-se de decisões políticas e morais, ao qual

podemos chamar de judicialização da política, sendo tal prática permitida pelo leque

de competências trazidas pela Constituição de 1988.

Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo – em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios e a administração pública em geral. (BARROSO, 2008, p.03)

Percebemos assim que a judicialização é o fenômeno que leva questões

sociais e políticas para a apreciação do judiciário, mas é importante mencionar que

tais questões deveriam ter sido solucionadas por outras esferas públicas, levando-se

assim a uma dificuldade em conservar a separação de poderes, na medida em que

o judiciário passa a interferir na esfera poder legislativo e executivo, por tratar de

Page 17: ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política ... · A noção de separação dos poderes é oriunda da Grécia antiga com Platão em sua obra “A República”

15

questões que não originalmente responsabilidade do poder judiciário, ocorrendo

aquilo que Barroso (2008) define como “judicialização da vida”.

Tal fato pode ter sido originado, como dito anteriormente, pela abertura que a

Constituição de 1988 deu ao judiciário e aos Tribunais em aumentar a sua

abrangência, bem como pela deficiência de representatividade política, sem contar

que questões polêmicas dentro da sociedade acabam sendo levados para o crivo do

judiciário.

Diante de tal situação se instala uma dificuldade aonde a Constituição vem

por interferir na política, na medida em que permite que matérias que são de pauta

tradicionalmente política deixem de serem decididas pelos agentes eleitos pelo

povo, para que sejam submetidas ao judiciário, mas é também necessário denotar

que a inobservância do cumprimento de políticas públicas também não poderia

deixar de passar pelos olhos do judiciário.

O fenômeno da judicialização, por fim, pode ser atribuído a fatores como o

processo de redemocratização do país com a Constituição de 1988, fortalecendo e

expandido o poder judiciário. Bem como a tendência de uma constitucionalização

abrangente por trazer na Constituição matérias que eram tratadas pela política e

pela legislação ordinária, permitindo que, por exemplo, fins estatais virem objeto de

ações judiciais. (BARROSO, 2008, p.4)

Outro fator relevante para a judicialização, conforme os ensinamentos de

Barroso (2008) é o da abrangência do sistema de controle de constitucionalidade,

levando assim qualquer questão política moral e relevante seja levada ao STF, como

fora o caso da APF 347, que será abordada mais a frente.

Mas vale mencionar que tal prática não encontra óbice no texto constitucional

na medida em que o Tribunal acaba por cumprir e aplicar a Constituição quando

decide sobre tais matérias, uma vez que os demais poderes se resguardam e se

mostram silentes diante de tais temas, “a solução de assuntos polêmicos [...] acaba

sendo transferida para a autoridade judicial porque o custo da decisão é muito alto e

pode prejudicar a imagem do político e suas pretensões eleitorais” (LEITE, 2011,

p.182), mas mesmo assim ainda que o texto permita é necessário verificar a

extensão interpretativa do tema para que competências não sejam usurpadas e

venha ferir a tripartição de poderes.

Assim, a judicialização da política é um fenômeno social em que questões de

ordem moral e politicamente relevantes são levadas ao crivo do judiciário, ampliando

Page 18: ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política ... · A noção de separação dos poderes é oriunda da Grécia antiga com Platão em sua obra “A República”

16

assim a atuação dos tribunais na medida em que diante da inércia ou ineficiência do

poder legislativo e executivo o judiciário é obrigado a decidir sobre tais questões,

ocasionando politização da justiça.

3.2 Ativismo judicial

Quando falamos de judicialização da política é possível que se faça confusão

entre este tema e o do ativismo judicial, pois guardam estreita relação entre um e

outro, mas carregam origens diversas, na medida em que a judicialização é um

fenômeno brasileiro oriundo do sistema constitucional vigente e da ampliação

hermenêutica do texto constitucional, onde o judiciário foi obrigado a decidir sobre o

tema.

Diferente da judicialização, o ativismo ocorre quando se expande a

interpretação da norma constitucional em uma postura proativa, conforme leciona

Clarissa Tassinari “postura, um comportamento de juízes e tribunais, que, através de

um ato de vontade, isto é, de um critério não jurídico, proferem seus julgamentos,

extrapolando os limites de sua atuação” (TASSINARI, 2012, p.130).

Quanto ao ativismo à doutrina diverge quanto a sua necessidade, utilidade e

na concordância ou não da prática ativista nos tribunais, para o Ministro Luis

Roberto Barroso o ativismo carrega a postura proativa na medida em que atende

aos anseios da sociedade, mas que acarreta na exibição da fraqueza do poder

legislativo.

A ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente ,contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas.(BARROSO, 2008, p.06)

Em entendimento diverso encontramos doutrinadores que consideram que o

ativismo judicial seria prejudicial a separação de poderes na medida que permite que

Page 19: ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política ... · A noção de separação dos poderes é oriunda da Grécia antiga com Platão em sua obra “A República”

17

o judiciário invada a ceara do legislativo, onde sobre o conceito de ativismo temos

Elival da Silva Ramos (2010)

Por ativismo judicial, deve-se entender o exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio ordenamento que incumbe, institucionalmente, ao Poder Judiciário fazer atuar, resolvendo litígios de feições subjetivas (conflitos de interesse) e controvérsias jurídicas de natureza objetiva (conflitos normativos). Essa ultrapassagem das linhas demarcatórias da função jurisdicional se faz em detrimento particularmente, da função legislativa, não envolvendo o exercício desabrido da legiferação (ou de outras funções não jurisdicionais) e sim a descaracterização da função típica do Poder Judiciário, com incursão insidiosa sobre o núcleo essencial de funções constitucionalmente atribuídas a outros Poderes. (RAMOS, 2010, p.308)

Diferente da judicialização da política que surge do modelo constitucional

adotado pela nossa Constituição de 1988, o ativismo remonta aos Estados Unidos,

onde a expressão “ativismo judicial” fora utilizada por uma revista chamada Reviste

Fortune que descrevia o perfil dos noves juízes que compunham a suprema corte

daquele país em 1947, onde detinha uma conotação positiva de início, onde um de

seus sentidos era o de criação de legislação judicial. (ROMÃO apud KMIEC, 2017,

p.110)

Mas como fora visto anteriormente, o ativismo detém por parte da doutrina

alguns aspectos negativos e de oposição como foi colocado pelos ensinamentos de

Elival da Silva (2010), mas diante do que foi mencionado neste capítulo é possível

extrair que o ativismo deriva do cumprimento do Estado Social, onde é tido como um

comportamento proativo de juízes, mas também tido fora dos limites da função

jurisdicional por alguns doutrinadores.

Quanto a sua estruturação no nosso país, ainda utilizando-se dos

ensinamentos de Elival da Silva Ramos (2010), podemos destacar o nosso modelo

de estado e Constituição, a ascensão do neoconstitucionalismo no nosso

ordenamento e doutrina, crise política institucional e a oportuna ascensão o judiciário

e a atividade normativa do Supremo Tribunal Federal, onde ainda é possível

perceber por parte da doutrina que o ativismo praticado no Brasil é diverso daquele

dos Estados Unidos podendo significar um ativismo a brasileira, que será

posteriormente melhor destrinchado.

Page 20: ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política ... · A noção de separação dos poderes é oriunda da Grécia antiga com Platão em sua obra “A República”

18

3.4 Ativismo judicial à brasileira

Como mencionado no tópico anterior o termo ativismo surgiu nos Estados

Unidos, onde ganhou notoriedade após o uso do termo em uma matéria de jornal, é

imperioso também destacar a confusão entre o termo ativismo e judicialização da

política no cenário brasileiro.

Enquanto a judicialização da política advém de “condições sociopolíticas” com

a ampliação da ordem hermenêutica, revelando a deficiência dos outros poderes

pela interferência do judiciário, enquanto o ativismo advém da postura do julgador

que seu ato de vontade, denotando a extrapolação dos limites impostos pela

tripartição de poderes pelo judiciário, através de decisões sem critérios jurídicos.

(STRECK, 2014, p.65)

Então diferente do que se vê com o ativismo que denota uma postura proativa

do magistrado, o ativismo a brasileira se configura não como uma postura proativa,

mas como um ato de vontade do julgador que acaba por “quebrar” o sistema

harmônico e de poderes independentes entre si, onde os tribunais, em especial o

Supremo Tribunal Federal acaba por ter decisões de juízo pessoal, como dito

anteriormente do ato de vontade, no lugar da legalidade.

Diante das questões que foram trazidas e que podemos passar para a

problemática central do artigo, onde será analisado o instituto de Estado de Coisas

Inconstitucional adotado Supremo Tribunal Federal na decisão da ADPF 347/DF

ajuizada pelo partido Socialismo e Liberdade que tratava das violações de direitos

fundamentais no sistema carcerário e de ações para tratar do problema carcerário

no Brasil.

Page 21: ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política ... · A noção de separação dos poderes é oriunda da Grécia antiga com Platão em sua obra “A República”

19

4 ADPF 347: JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E ATIVISMO JUDICIAL À

BRASILEIRA DENTRO DA TRIPARTIÇÃO.

No ano de 2015 o Supremo Tribunal julgou a Arguição de Descumprimento de

Preceito Fundamental – ADPF ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL),

que tinha como objeto o reconhecimento da violação de direitos fundamentais da

população carcerária, cobrando providências sobre o cenário carcerário do país.

Quando tratamos do referido julgamento é preciso que nos atentar ao pedido

de reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional no que tange a situação

carcerária brasileira, na medida em que a superlotação e a violação massiva de

direito fundamentais e as condições desumanas dos presídios brasileiros, situação

está tida como incompatível com a Constituição Federal brasileira, onde tais

violações foram atribuídas à má gestão pública.

Assim se faz necessária a análise do instituto do Estado de Coisas

Inconstitucional, o mesmo é oriundo da Corte Constitucional da Colômbia onde é

preciso que se façam presentes três requisitos para o seu reconhecimento que

consistem na observância e constatação de uma violação massiva e reiterada dos

direitos fundamentais, omissão ou ineficiência de políticas públicas sobre o

problema, bem como quando a solução do problema estiver atrelada a ações de

diversos órgãos. (CAMPOS, 2015)

Trazendo esses pressupostos para a nossa realidade é fácil a sua

constatação e reconhecimento dada à crise do sistema carcerário brasileiro,

revelada pelo não respeito à dignidade dos encarcerados, apesar da existência de

políticas públicas as mesmas são ineficazes diante do encarceramento massivo

provocado pelo poder judiciário, provando a mau funcionamento estrutural do estado

que provoca esta violação massiva dos direitos fundamentais, necessitando da

interação dos três poderes para o alcance da solução. (BASTOS; KRELL, 2017,

p.11)

Nas palavras do Relator Ministro Marco Aurélio, que se utilizando de palavras

que demonstravam a monstruosidade do sistema carcerário brasileiro é possível

perceber o reconhecimento do instituto do Estado de Coisas Inconstitucional pelo

Supremo Tribunal Federal:

Diante de tais relatos, a conclusão deve ser única: no sistema prisional brasileiro, ocorre violação generalizada de direitos fundamentais dos presos no tocante à dignidade, higidez física e integridade psíquica. A superlotação

Page 22: ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política ... · A noção de separação dos poderes é oriunda da Grécia antiga com Platão em sua obra “A República”

20

carcerária e a precariedade das instalações das delegacias e presídios, mais do que inobservância, pelo Estado, da ordem jurídica correspondente, configuram tratamento degradante, ultrajante e indigno a pessoas que se encontram sob custódia. As penas privativas de liberdade aplicadas em nossos presídios convertem-se em penas cruéis e desumanas. Os presos tornam-se ―lixo digno do pior tratamento possível‖, sendo-lhes negado todo e qualquer direito à existência minimamente segura e salubre. Daí o acerto do Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, na comparação com as ―masmorras medievais‖. (BRASIL, 2015, p.6-7)

Diante do preenchimento de tais requisitos e do preenchimento dos requisitos

da ADPF a mesma fora admitida e tivera deferido liminarmente por seu relator o

Ministro Marco Aurélio a implantação das audiências de custódia a serem realizadas

no prazo de 24 horas para que seja verificado o estado da flagrância, verificando a

necessidade da manutenção da prisão, com a finalidade de haver o cumprimento

dos artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção

Interamericana de Direitos Humanos.

Determinou ainda que os recursos oriundos do Fundo Penitenciário Nacional

(FUNPEN) não fossem retidos pelo Executivo, obrigando a União a liberar os valores

em saldo acumulado para alcançar a sua finalidade proibindo um novo

congestionamento, onde percebemos assim a interferência do poder judiciário na

esfera do poder executivo e possivelmente do legislativo, podendo tal medida das

audiências terem sido tomada por projeto de lei.

Durante o julgamento da ADPF 347 o seu relator o Ministro Marco Aurélio

utilizou expressões como “inferno dantesco”, “vergonha nacional” quando se referia

a situação degradante e do crescimento desordenado da população carcerária, dado

a política do encarceramento em massa. Nas sustentações diversos argumentos

foram propostos contrários e a favor da incorporação do Estado de Coisas

Inconstitucional no sistema jurídico brasileiro, onde posições defendiam que a

incorporação de tal instituto significaria uma forma de ativismo levado pela

judicialização da política, pois tal medida significaria a interferência nas

competências dos demais poderes.

Lênio Streck traz uma visão contrária ao uso do ECI, onde podemos destacar

a falta de consistência da teoria, podendo se transformar em uma nova forma de

ativismo.

Em um país continental, presidencialista, e que os poderes Executivo e Legislativo vivem às turras e as tensões tornam o Judiciário cada dia mais

Page 23: ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política ... · A noção de separação dos poderes é oriunda da Grécia antiga com Platão em sua obra “A República”

21

forte, nada melhor do que uma tese que ponha a “cereja no bolo”, vitaminando o ativismo. (STRECK, 2015)

Com isso o ECI se transforma numa forma de ativismo à brasileira na medida

em que se permite ao judiciário a interferência direta nas políticas públicas onde

ignora o sistema democrático e representativo, pois os membros do judiciário não

foram eleitos pelo povo. (ABBOUD, 2016, p.741)

Deve-se refletir como se poderiam tornar coisas inconstitucionais, transferir a

responsabilidade para o judiciário em demonstrar a incompetência dos outros

poderes, não tendo o judiciário à formula para que se chegue a solução dos

problemas ocasionados pela ineficiência ou da ausência de políticas púbicas.

Mesmo que a Constituição assegure essa dita “interferência” é preciso

analisar o alcance do texto constitucional, pois o sistema é composto por freios e

contrapesos e um poder não pode ter uma palavra mais forte que o outro. O ativismo

nos nossos tempos pode ser perigos, onde se deve evitar a chamar o judiciário para

atuar, mas segura-lo. (TASSINARI,2013, p.134)

No presente caso percebe-se que ouve uma usurpação das competências do

executivo, pois por mais que se houvesse a necessidade e se tivera uma boa

intenção no presente caso, não caberia ao judiciário agir da maneira que agiu, em

fazer tais determinações, ultrapassando assim a esfera do poder executivo.

Page 24: ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política ... · A noção de separação dos poderes é oriunda da Grécia antiga com Platão em sua obra “A República”

22

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que foi exposto é que enxergamos ou pelo menos se chega perto

de enxergar que o ativismo pode significar uma ameaça para a tripartição de

poderes, pois mesmo que se manifeste como uma postura pro ativa do judiciário

pode-se concluir que esta postura que fora adotada no Brasil com o ativismo à

brasileira vai além da interpretação do texto constitucional, ela detém viés político e

gera decisões baseadas em ato de vontade.

Assim a judicialização da política apesar de diversa do ativismo acaba por

demonstrar a fraqueza do executivo, quanto o ativismo demonstra a fraqueza do

legislativo, mas é preciso mencionar que não poderia simplesmente um juiz ou

tribunal decidir além da lei, do texto constitucional e passar a inventar o direito, como

ocorreu com APDF 347/DF onde a mesma trouxe um elemento de julgamento que

não é brasileiro, que não fora estruturado pelo nosso ordenamento jurídico.

Percebe-se assim que no julgamento da ADPF 347/DF existe a ocorrência

dos dois fenômenos, vejamos: em um primeiro momento ocorre a judicialização da

política com o ajuizamento da ADPF para demonstrar o problema carcerário

brasileiro, e no julgamento das liminares ocorre o ativismo judicial uma vez que se

deixa de interpretar a Constituição para reconhecer um sistema que não se faz

presente no nosso ordenamento, neste caso o ECI.

As medidas adotadas neste julgamento demonstram não tão somente a

ineficácia do executivo e do legislativo, como também usurpa competência, tendo o

judiciário se sobreposta ao executivo com a determinação da liberação do FUNPEN

e da proibição de novos contingenciamentos de recursos, sem que se se leva em

considerações procedimentos administrativos e orçamentários pertencentes à

administração pública.

Em um sistema de harmônico de freios e contrapesos não pode existir um

poder mais forte que o outro, o ativismo judicial à brasileira é perigoso, permitir esta

abertura pelo STF, cenas corriqueiras do judiciário decidindo coisas próprias da

administração pública será cada vez mais corriqueiro, podendo um juiz chegar a

decidir até mesmo o local da construção de um posto de saúde.

O Estado de Coisas Inconstitucional é perigoso, por não trazer limites a que

tipo de coisa pode ser considerado inconstitucional, é ainda mais como coisas

Page 25: ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política ... · A noção de separação dos poderes é oriunda da Grécia antiga com Platão em sua obra “A República”

23

poderão ser considerados inconstitucionais, ate aonde vai esse limite do controle de

constitucionalidade.

Page 26: ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política ... · A noção de separação dos poderes é oriunda da Grécia antiga com Platão em sua obra “A República”

24

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABBOUD, Georges. Processo Constitucional Brasileiro. São Paulo: RT, 2016.

ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

BARROSO, Luís Roberto. A americanização do direito constitucional e seus

paradoxos: teoria e jurisprudência constitucional no mundo contemporâneo.

Disponível

em:<http://revistas.unibrasil.com.br/cadernosdireito/index.php/direito/article/view/459/

436>. Acesso em: 22 jul. 2019.

______. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Disponível

em:<https://www.direitofranca.br/direitonovo/FKCEimagens/file/ArtigoBarroso_para_

Selecao.pdf >. Acesso em: 22 jul. 2019.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. ADPF 347. Rel. Min. Marco

Aurélio, julgado em 09/09/2015. Disponível em: <

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10300665 >.

Acesso em 29 jul. 2019

CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Devemos temer o “Estado de Coisas

Inconstitucional”? Consultor Jurídico, 15.10.2015. Disponível

em:<www.conjur.com.br/2015-out-15/carlos-campos-devemos-temer-estado-coisas-

inconstitucional#author> Acesso em: 27.07.2019.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo:

Saraiva, 2012.

EUA. Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia, de 16 de junho de 1776.

Declaração de direitos formulada pelos representantes do bom povo de

Virgínia, reunidos em assembléia geral e livre. Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-

cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-

1919/declaracao-de-direitos-do-bom-povo-de-virginia-1776.html>. Acesso em: 29

jun. 2019.

FRANÇA. Declaração de direitos do homem e do cidadão, de 26 de agosto de

1789. Versa sobre os direitos naturais. Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-

cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-

Page 27: ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política ... · A noção de separação dos poderes é oriunda da Grécia antiga com Platão em sua obra “A República”

25

1919/declaracao-de-direitos-do-homemedo-cidadao-1789.html>. Acesso em: 28 jun.

2019.

HARTMAN, Gary; MERSKY, Roy M.; TATE, Cindy L. Landmark Supreme Court

cases: the most influencial decisions of the Supreme Court of the United

States. New York: Checkmark Books, 2007. p. 467-468.

LEITE, Roberto Basilone. Déficit político do poder judiciário brasileiro: A falta de

efetividade no desempenho de suas funções institucionais e o ativismo judicial

como interferência indevida em área de atuação própria do poder político. Tese

(Doutorado em Direito) - Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis,

2011. Disponível

em:<http://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/95174>Acesso em: 22 jul.

2019.

LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo Civil. Trad. Alex Marins, São

Paulo: Martin Claret, 2003.

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Trad.: Pietro Nassetti. 2. Ed. São Paulo: Martin

Claret, 2007.

MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado.

4. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009.

PLATÃO. A República. Trad. Enrico Corvisieri, São Paulo: Nova Cultural, 2004.

RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parâmetros dogmáticos. São Paulo:

Saraiva, 2010.

ROMÃO, Luis Fernando de França. A politização do poder judiciário e as causas

do ativismo judicial. Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-

Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI, Itajaí, v.12, n.1, 1º

quadrimestre de 2017. Disponível em:<www.univali.br/direitoepolitica - ISSN 1980-

7791>. Acesso em: 22 jul. 2019.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo:

Malheiros, 2005.

STRECK, Lênio. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias

discursivas. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

TASSINARI, Clarissa. Ativismo judicial: uma análise da atuação do judiciário

nas experiências brasileira e norte-americana. Dissertação (Mestrado em Direito)

- Universidade do Vale do Rio dos Sinos. São Leopoldo, 2012. Disponível em:

Page 28: ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política ... · A noção de separação dos poderes é oriunda da Grécia antiga com Platão em sua obra “A República”

26

< http://www.repositorio.jesuita.org.br/handle/UNISINOS/3522>Acesso em: 22 jul.

2019.

________. Jurisdição e Ativismo Judicial: Limites da atuação do Judiciário.

Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.

Page 29: ATIVISMO JUDICIAL À BRASILEIRA: judicialização da política ... · A noção de separação dos poderes é oriunda da Grécia antiga com Platão em sua obra “A República”

27