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AUTO-REGRAS E PATOLOGIA COMPORTAMENTAL 1
Roberto Alves Banaco
Pontiffcia Universidade Gat61ica de Sao Paulo
Defini~oes neceasarlas e cabiveis
Varias pessoas, que eu admire, iniciaram seus textos com citacoes
liter arias para introduzirem suas ideias. Para referir-me a apenas algumas
delas, Maria Amelia Matos (1981) citou Chico Buarque quando discorreu sabra
controle aversivo; Julio de Rose (1993) citou Jorge LUIs Borges quando
analisou classes de estfmulos. Creio que eles (e a comunidade cientffica) me
psrdoarao, tanto pela lrnitacao dessa forma de introduzir um texto, quanto pela
duvidosa grandiosidade da personalidade que usarei na minha 'citacao
introdut6ria'.
Segundo Bhagwan Shree Rajneesh (1984) "Se Deus criou qualquer colsa
que apareca na face da Terra, se a Existencia Ihe da tor cas para aparecer,
quem sou eu para rejelta-Ia?", Essa citacao esta colocada aqui, para ilustrar a
meu desconforto com 0 nome desta apresentacao. 0 desconforto principal vern
do termo 'pa!oJ9J1.iacomportamental'. Segundo 0 Behaviorismo Radical, todo a
qualquer comportamento e selecionado por continqencias fila e ontogeneticas.
A crenca nessa selecao leva ao impedimento de um julgamento sabre as
comportamentos. Parafraseando Rajneesh, se acredito na sele980 do
comportamento par continqencias, quem sou eu para classificar algum
comportamento como patolcpico? A crenca na selecao leva a, no rnlnimo,
pensar que todo e qualquer comportamento seja adaptativo, dentro das
continqenclas que 0 rnantern. E se for posslvel proceder a uma analise
funcional da situacao na qual 0 comportamento dito 'patoloqico' se insere,
cheqar-se-a a conclusao de que aquele seria 0 unico comportamento que
poderia acontecer, dadas daquelas continpencias. No entanto, tarnbern
acredito que 0 trabalho do analista do comportamento nao seja apenas
J Palestra apresentada durante 0illEncontro Brasileiro de Psicoterapia e Medicina ComportamentaI, promovido pela ABPMC, em
Campinas, SP, de 23 a 25 de setembro de 1994.
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'contemplar' 0 mundo e se maravilhar com as benesses ou se condoer com as
agruras que quer Deus, quer a Existencla; quer as relacoe s com 0 Ambiente
coloquem as nossas vistas. Apesar de serem adaptativos no sentido de terem
side selecionados, alguns comportamentos causarn sofrimentos as pessoas
que os emitem ou aquelas que estao a sua volta. Dessa forma, defendo que
meu papel como analista do comportamento seja a) descobrir, junto com 0
cliente, as continqenclas que rnantern sua queixa b) mudar essas
continqencias, nas reJag6es do comportamento do cliente com 0 ambiente, de
forma a c) minimizar seu sofrimento.
o segundo desconforto se da com 0 termo 'auto-regra'. Novamente,
segundo 0 behaviorismo radical, toda a regra e urn comportarnento verbal e
este tipo de comportamento e modelado por contlnqencias sociais. No livro
Sobre 0 Behaviorismo, Skinner (1982)afirma que: "Diferentes comunidades
geram tipos e quantidades diferentes de auto-conhecimento e diferentes
maneiras de uma pessoa explicar-se a si mesma e aos outros ... As perguntas
feitas pelos pstcoloqcs rnentalistas e as feitas pelos behavioristas
naturalmente produzem diferentes especies de autoconhecimento." (p. 146-
147). Se tambern acredito nisso, nao posso utilizer 0 termo 'auto-regra' sem.
expl icar, de saida, que nao acredito que qualquer regra 'emerja' sem que
hajam condig6es ambientais e de hist6ria de vida de quem a formula para que
ela seja formulada 2. Portanto, tambern as auto-regras nao deveriam ser
classificadas como 'auto'.
Com efeito, circula nos bastidores terapeutico s a informacao de que os
clientes de terapeutas psicanalistas tern complexo de Edipo, que clientes que
passam por terapias analfticas produzem sonhos junguianos, que pessoas que
'caem nas rnaos' de analistas do comportarnento sofrem a acao do retorco, que
espfritas explicam seus comportamentos por 'encostos' de espfritos
obsessores, que judeus e presbiterianos sentem culpa em relacao a Deus, s6
para citar alguns exemplos daquilo que quero dizer. Apesar disso, entender as
regras e 0 papel que podem desempenhar no controle dos comportamentos e
Z Para esclarecimento deste ponto remeto 0 leitor para 0 capitulo 3 (0 eu iniciador) do livro Questoes recentes na analise
comportamental, de B. F. Skinner, 1991.
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tarefa do analista do comportamento. Segundo Zettle (1990), "As auto-regras
podem ser vistas como esHmulos que especificam continqencias que sao
produzidos pelo comportamento verbal da propria pessoa." (p.47). Observa-sa
que, especificar continqencias verbalmente, produzindo estfmulos que
ccntrolam comportamentos, tem side util para a especie humana. Regras,
avisos, conselhos, instrucoes tern trazido grande economia de tempo e
sofrimento para os homens, assim como tern servido para 0 controle de uns
sobre os outros (mas essa e uma drscussao que nao cabe aqui). As
comunidades verbais model am e mantern 0 comportamento de seguir regras; e
elas devem ter uma funcao mais retorcadora do que aversiva para os seres
humanos, porque permanecem em seus repert6rios comportamentais (Catania,
1984). Nesse contexto, os indivfduos podem aprender a observar0
mundo
segundo algum enfoque particular e passam, depois de algumas experlenclas
repetidas, tarnbern a formular regras sobre suas experiencias. segundo esse
enfoque.
A regra como especificadora de contlnqenclas
Em seu capitu!o sobre comportamento verbal, Catania (1984) encadeia
claramente algumas ideias que serao ute is para a analise a que me proponho.
Diz ele: "0 comportamento verbal pode ter corisequencias verbais ou nao
verbais; mas de uma forma ou de outra, a consequencia e geralmente uma
rnudanca no comportamento do ouvinte. Por exemplo, se dissermos a alquem.
que esta prestes a sair, que vai chover, vamos alterar a probabilidade de que
a pessoa pegue urn guarda-chuva." (p.237). Mais adiante, continua: "Uma
caracterlstica importante da instrucao e a de substituir as conttnqencias
naturais por estfmulos discriminativos verbais Esta propriedade da
instrucao verbal tem implicacoes cujo alcance e muito grande. As lnstrucoes
podem modificar 0 comportamento do ouvinte em sttuacoes em que as
consequencias naturais sao, por si mesmas, ineficientes ou eficazes apenas a
longo prazo." (p.239).
A partir dessas definicoes posso desenvolver rnais urn pouco minhas
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idetas sobre 0 tema desta aprasentacao. Estarei me referindo aqui a uma
tormulacao verbal (uma regra) que substitua uma contlnqencia (segundo urna
hist6ria de vida particular), cujo emitente e ouvinte sejam a mesma pessoa. E,
e claro, que essa regra deve ter 0 controle sobre a probabilidade de
determinado comportamento do emitente/ouvinte aparecer. Se toda a regra
especificasse uma continqencia real, acredito que nao haveria a necessidade
de analis a-las por causarem sofrimento. Nao e novidade para ninquern que as
pr6prias continpencias se encarregam de causa-las - e criar regras para
controlar comportarnentos que evitem ou minimizem esses sofrimentos e um
comportamento adaptativo que a cultura se incumbe de modelar. A
necessidade maior de analise se da quando a regra nao especifica uma
continqencia verdadeira, ou seja, quando a regra refere-se a um tipo muito
particular de experiencia que ocorre em determinado perfodo curto de tempo.
quase uma coincidencla de 'mau gosto' - que faz com que ela especifique,
acidentalmente, uma continqencia que nao existe. Pela literatura sobre
comportamentos supersticiosos (Ferster, Culbertson e Boren, 1977), quando a
uma resposta segue-se, temporalmente, determinados eventos prazerosos ou
que tragam algum alivio a quem a emitiu, ainda que nao exista uma relayao de
causa e efeito entre resposta e eventos subsequente s, essa continqencia
temporal e suficiente para manter essa resposta. E entao, a este tipo de
comportamento, que eu you referir-me daqui para a frente: criar regras a partir
de uma visao muito particular de mundo. Essa regra deve descrever urna
relacao de causa-efeito entre respostas e eventos inexistente, e modular urn
segundo comportamento que, quando emitido, traz sofrimento a pessoa que 0
emite ou a outras pessoas pr6ximas a ela.
Urn exemplo
Para tornar mais clare 0 que venho expondo ate agora, gostaria de
ilustrar esta apresentacao com uma analise sobre os comportamentos de um
rapaz Clue estou atendendo, indicado por urn psiquiatra. Esse rapaz, agora
'Com 20 anos veio com a queixa de pensamentos obsessivos de auto-Iesao,
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que faziam com que ele nao pudesse concentrar-se nas suas atividades do dia
a dia. Acompanhando esse quadro, vinha a suspeita do psiquiatra de que ele
'tivesse' uma depres sao.
Iniciei a analise com 0 'destrinchamento' da queixa. Em primeiro lugar
procurei saber por que 0 psiquiatra considerava que ele 'tivesse' uma
depressao, Segundo 0 relato do proprio rapaz, que charnarer de Lufs (nome
fictfcio), era porque ele nao 'tinha vontade' de fazer nada 0 dia tocto. 'Li' esse
descricao como se ele estivesse me dizendo: nao existe nada no meu
ambiente que reforce meus comportamentos. Pedi a ele que me descrevesse
suas atividades diarias, que eram as seguintes: levantava-se da cama e ia
para a faculdade, cursar tres disciplinas de primeiro ana nas quais havia sido
reprovado no primeiro perfodo de curso. Por ter ficado em dependancia em
tres disciplinas, nao cursava mais nenhuma porque nao era possiveJ, pelo
regimento da faculdade, seguir adiante em seu curso nessas condicoes.
Chegava a faculdade em tempo suficiente para nao se atrasar para 0 inlcio
das aulas. Durante as aulas nao conseguia concentrar-se e prestar atencao,
embora tentasse entender tudo 0 que os professores falavam. sara de
faculdade tao logo suas aulas terminassem, voltando para sua casa. La, em
sua casa, passava 0 resto do dia em companhia de sua mae, que mostrava
preocupacao 0 tempo todo com posslveis acidentes que poderiam acontecer
com seu pai - que e executivo e passa 0 dia inteiro em seu ascritorio. Era
nesse perfodo, em sua casa, que os pensamentos obsessivos de auto-lasao
apareciam. Esses pensamentos de auto-Iesao eram basicamente os seguintes:
senti a medo de ter vontade de jogar-se pela janela, ou de enfiar 0 lapis no
olho, de cortar sua mao com a faca, etc. Quando 0 pai chegava em casa, a
noite, sua mae expressava 0 mais profundo alivio porque nada acontecera a
ele (pai). Jantavam todos juntos e ele se retirava para seu quarto (depois de
tomar um indutor de sono) quando deitava e assistia tetevlsao que concorria
com os pensamentos de seus medos, ate ter sono e dormir. Nos finais de
semana, nao sara porque nao tinha amigos e nao gostaria de sair sozinho - na
verdade nao tinha a meno: .de!a de onde poderia ir sozinho e sentir-se-ia
muito rejeitado se 0 fizesse. Nao gostava de sair com seus pais, que faziam
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programas chatos, como ir a concertos ou assistir 6peras em casa de casais
amigos, ficando LUIs, portanto, em casa, entregue aos seus pensamentos
obsessivos de auto-Iesao.
Numa analise rapida podemos perceber que ele estava inserido num
ambiente extremamente pobre de fontes de retorcamento. Tentei obter
lnformacoes complementares sobre OS fatos que causavam-Ihe mais
sofrimento. Em relacao aos pensamentos obsessivos que Ihe acometiam, tudo
o que sabia dizer sobre e/es era que, no final do dia, tinha uma sensacao de
alivio, por nao terem se concretizado - exatamente como sua mae, que
agradecia a Deus, pelo marido ter chegado sao e salvo a casa, depois de tanta
prsocupacao que ela passara. A hip6tese que formulei depois dessa descricao
era de que este 'allvio', 0 melhor sentimento que esse rapaz tinha durante
todo 0 seu dia, era provocado pelos pensamentos que sinalizavam urna
possibilidade de auto-Iesao, que nao acontecia 3. Exatamente como sua mae,
ele havia aprendido a 'esquivar-se' de possiveis acontecimentos ruins,
'pensando' que eles poderiam acontecer. Sabidamente, os comportamentos
supersticiosos dessa natureza, sao mantidos porque sao seguidos,
temporalmente, pelo nao aparecimento do aversivo que 'tentam evitar'. Uma
grande parte de comportamentos supersticiosos que emitimos, aparentemente,
tem essa tuncao: evitar aversivos. Amuletos, correntinhas, cristais, e outras
coisas parecidas que portamos conosco servem para 'dar-nos protecao' dos
males que nos circundam. Oracoes, mentalizacoes, velas para 0 anjo de
guarda, incenses que acendemos, agua fluidificada que bebemos servem para
'Iimpar 0 ambiente', 0 corpo e a alma dos maus fluidos. Continuando com a
minha hip6tese, eu supus que esse rapaz acreditasse que evitava aversivos
com seus pensamentos sobre auto-Iesao - e sentia-se aliviado quando os
evitava. Desde que encontrava-se inserido num contexto pobre de
rerorcadores, esse aJfvio era extremamente reforcador para ele. Aprendeu a
obte-lo, provavelmente, observando sua mae com suas preccupacoes que
3 Fall tenho a menor ideia de como essa cadeia de comportamentos, se e que ela existe se instalou. Ele nao consegue Iembrar-se de
quando foi que comecaram a The ocorrer esses pensamentos, nem com que rapidez Sua freqnencia aumentou. Mas, como diz LUlU
Santos, "Niio existiria som se niio houvesse 0 silencio" (Certas coisas); nao seria incorreto SUpOIque Luis pudesse provocar alguma
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'aparentemente' protegiam seu pai, E, por imitacao, passou a emitir 0
comportamento de 'pensar na vontade de auto-lesao' (que elevava muito sua
ansiedade), seguido pela nao consecucao do ate que 0 pensamento
especificava - e isso era acompanhado de allvio.
Conforme ja apontei, ninguern estranharia 0 comportamento de usar um
patua, compartilhado por grande parte das pessoas, com historias de vida
semelhantes nesse senti do: usa-to e ser 'protegido' dos males da vida. Se os
males acontecerem, mesmo usando 0 amuleto, as pessoas em geral S9
perquntarn 0 quanta nao teria sido pier se nao 0 tivessem usado!!! Mas ter
pensamentos de auto-lesao, para sentir-se aliviado, e um comportamento
muito particular - e por isso, algumas vezes interpretado como patoloqtco.
Funcionalmente sao identicos: evitam aversivos e sao modelados por regras
que nao descrevem continpencias reais - nada tem aver usar um amuleto e
evitar os males da vida. A diterenca reside no tate de que usar um amuleto,
em geral, nao causa sofrimento; no caso de LUIs, seu comportamento
supersticioso causava sofrimento pelo aumento da ansiedade que provocava.
Quando me deparei com esse quadro, tanto de queixas quanto de hipcteses,
resolvi nao dar atencao aos comportamentos obsessivos e iniciei uma
estratep!a de aumentar 0 nurnero de fontes de retor carnento no ambiente dele.
Minha conduta clfnica estava orientada pela crenca de que, se fosse posslvel
oferecer a LUIs, retorcadores rnais poderosos do que 0 sentimento de 'alfvio',
e se minhas hipote ses todas fossem verdadeiras, os comportamentos
obsessivos cessariam.
Um dos aspectos que deveriam ser analisados era a dificuldade que LUIs
apresentava em seguir seus estudos. Ficar em dependencia em tres
disciplinas, num primeiro perfodo de uma faculdade, antes de parecer um
problema de incapacidade intelectual ou de depres sao, pareceu-me urn
problema de escolha profissional 4 Quando perguntado por que havia
situacao ansi6gena que fosse seguida, depois de 'desmontada', por urn sentimento born.
4 Esta talvez seja urna das dificuldades mais marcantes entre as teorias que buscam dentro do individuo as respostas para as
dificuldades de seus clientes e 0 behaviorismo. Para essas teorias, 0problema esta nele, cliente - e e nele que se buscam altemativas.
Para 0behaviorista, 'falta de motivacao para determinada atividade' significa que 0problema esta na atividade, que nao e reforcadora
para 0cliente.
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escolhido essa faculdade para cursar, nao soube dizer. Sabia que trabalhar
com Economia (a faculdade que cursava) nao era exatamente a profissao que
queria exercer mas, quando prestou 0 exame vestibular, sabia que seria facil
entrar naquela faculdade. Alern do mais, se parasse esse curso agora, nao
gostaria de ter que passar novamente pelo exame vestibular e nao saberi a
com qual curso poderia substituir a faculdade que esta cursando. Por nao
saber a resposta a essa questao, continuava fazendo a mesma coisa. Aqui
revelam-se algumas regras. 'Se nao se sabe com 0 que mudar, nao se deve
mudar'; tarnbem percebi que 0 exame vestibular deve ter side uma situacao
aversiva para ele ja que ele dizia claramente que 'vestibular, nunca mais [[ l' (a
segunda regra). Mas, para que ele possa vir a ter ref'orcadores na area
profissional e se quiser manter urn nivel untversttar!o, ele tera que prestar urn
novo exame. Disso eu sabia, e ele tentava, no rnlnirno, nao ver eSSB
continqencia. Com 0 objetivo de aumentar a motivacao para prestar urn novo
exame, eu me esforcei em descobrir reforyadores para 0 p6s vestibular.
Conforme fui perguntando a ele que disciplinas nos 1.Q. 2.Q.iclos ele 'gostava'
mais (na verdade estava tentando descobrir 0 que algum dia havia retorcado 0
seu comportamento), ele fo; percebendo que havia feito uma ma escolha
quando optou por Economia. Como nao vislumbrava a possibilidade de
trabalhar na area da disciplina que 'gostou' um dia na vida (Geografia)
escolheu a protlssao pela facilidade de entrar na faculdade. Foi retorcado por
prestar 0 exame nessas condicoes, mas esse retorcador nao esta sendo
suficiente para manter seu comportamento de estudar.
Estamos, no momento, tentando buscar intormacoes sobre quais
atividades profissionais podem estar ligadas a Geografia. Embora ele nao se
apresente exatamente 'entusiasmado' com essa atividade de busca, por
enquanto tem se mantido neta. 0 objetivo dessa estrateqia e conseguir fazer
com que ele 'perceba' que existe uma carreira possivel, que exerca atividades
que ele um dia gostou de fazer - portanto existe a chance dele ter mais
'interesse' nos estudos. A regra de que essa area nao era promissora
profissionalmente, partilhada por ele e por outras pessoas significativas de
seu ambiente, fez com que fosse descartada a possibilidade de que ele se
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aprofundasse nesse estudo. Com a busca das intormacces estou tentando
mudar a regra e a probabilidade de que ele venha a submeter-se a um novo
exame vestibular e a urn outre curso mais adequado para si, ou seja, que
encontre atividades mais reforcadoras do que cursar Economia. A analise do
fato de nao ter amigos revelou que ele nao tinha as habilidades de 'olhar' para
as pessoas a sua volta, de prestar atencao no que os outros falavam e/ou
faziam, comportamentos descritos por uma 'auto-regra' de que nao 'era capaz
de ficar perto de pessoas'. Alem disso, acreditava que nao era interessante
para ninquem (no que tinha total razao): nao sabia falar sobre nada e nada Ihe
interessava a ponto de buscar mais intormacoes. Comecei, portanto, a
aumentar 0 repert6rio social desse cliente, atraves da pr6pria relacao
terapeutica. Apresentei model os de como 'olhar' para 0 outro, como expressar-
se para garantir a formacao de urn vfnculo social e de como ouvir aquilo que
era dito a sua volta. Conforme ele ia treinando essas habilidades dentro da
sessao, meu planejamento previa que ele precisaria se expor a situacao
natural para que pudesse ser reforcado. Ainda que de modo escasso, ele
estava cornecando a ampliar seu repert6rio para manter-se perto de pessoas,
As 'auto-regras' que ele havia formulado, as quais especificavam
continqencias quase verdadeiras como 'eu nao sou interessante, portanto
ninquern me quer por perto', tiveram que ser confrontadas. Era verdadeiro que
ninquem 0 'queria', ninpuem 0 procurava, ninguern 0 'desejava' par perto, no
sentido de que ele nao fazia falta a ninquem. Mas ele nao era lnsuportave l,
nao incomodava com sua presence. Para que 0 comportamento social que ele
'ensaiava' na sessao pudesse ser modelado e mantido por continqericias
naturais, eu precisava que ele estivesse perto de pessoas fora do meu
consult6rio. Portanto, 'facilitei' a expcsicao a continqencia, especificando
novas regras que diziam: 'fique perto das pessoas e observe 0 que elas fazem;
o pior que pode acontecer e aquilo que voce ja sabe - que elas nao gostam de
voce - e isso voce ja tem forcas para agOentar'. Com uma nova regra - minha,
que depois virou 'auto' para ele - 'nao sou interessante, mas nao sou
insuportave!', pude fazer com que ele se expusesse a sttuacce s socials:
chegar mais cedo e sair mais tarde da faculdade, aproximando-se das pessoas
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de sua classe, ainda que fosse para ficar absolutamente calado. Essa auto-
regra foi sendo gradual mente modificada, assim como as regras de A
Revolucao dos Bichos foram modificadas de 'Todos os animais sao iguais'
para 'Todos os animais sao iguais, mas alguns sao rnais iguais que os outros'
(Orwell, 1974). De 'nao sou interessante, portanto ninquern me quer', foi
mudada para 'nao sou interessante, mas nao sou insuportave!', e,
posteriormente, para 'nao sou interessante ainda, mas nao sou insuportave!'. A
modiflcacao se dava nao na regra, mas no confronto da regra com a
continqencla. Quando a regra desimpedia a exposicao a continqencia, ela era
mudada e mantida pela continqencia. Gradativamente, 0 que eu pedia a ele,
alern da aproximarao, era 'prestar atencaovas pessoas para contar-me quem
elas eram, 0 que faziam, que Impressao davam, sobre 0 que falavam, etc. A
medida em que ele foi emitindo esses comportamentos de observar 0 outro, e
relatar para mim 0 que estava acontecendo, pudemos ir revendo uma outra
sequencia de 'auto-regras' que ele emitia: 'Nao sei quem sao as pessoas, nem
do que elas gostam - nao posso, portanto, aqrada-las e por isso nao posso
aproximar-me delas'. Novamente quase tudo era verdade - menos a ultima
afirmativa, que ele ja estava testando e percebendo que ela nao descrevia a
continqencia. Ele podia aproximar-se das pessoas, ainda que nao soubesse
nada sobre elas. A aproxirnacao em si nao seria capaz de torna-lo
suficientemente aqradavel para que elas voltassem a prccura-lo, e esse era 0
pr6ximo comportamento que eu precisava que ele desenvolvesse na direcao de
facilitar a inlclacao de interacces sociais. Quando Luis passou a 'prestar
atencao nas pessoas', comportamento que tinha como unlca tuncao aparente
trazer intormacces para mim, ampliou seu repert6rio social e nao podia mais
dizer que 'nao conhecia as pessoas'. Ele s6 podia dizer, agora, que 'nao era
conhecido'. Por gra<;as de Deus, da Exlstencia ou quem sabe do Ambiente,
numa oportunidade na qual ele aproximou-se de um outro rapaz, para
simplesmente ficar calado, este 'precisava', naquele momento, de alquern que
simplesmente 0 escutasse. Como era tudo 0 que l.uis sabia fazer naquela
situacao - escutar - foi 0 que fez, desta vez quase 'paralisado' porque, pela
primeira vez numa situacao social, sentiu-se requerido. 0 resultado dessa
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experiencia foi que 0 outre mostrou-se extremamente agradecido por ele ter
ouvido, e passou a procura-Io, nao apenas para falar, mas tambern para sair e
se divertir - enquanto fala. Com grande ansiedade, muita conversa e muita
revisao de auto-regras que descreviam falsas continqencias, LUIs cornecou,
gradativamente, se expor ao ambiente e ser reforc;ado. Como eu ja supunha
em minha hip6tese inicial, os pensamentos auto-Iesivos cornecararn a ser
substituldos por outras atividades, e 0 'alfvio' sentido pela nao consecucao
desses pensamentos passou a ser urn sentimento menos agradavel que a
'alegria' que ele cornecou a sentir por estar em companhia de outras pessoas.
Na verdade, estou querendo dizer que, "companhia", passou a ser mais
reforc;ador do que 'nao executar a auto-Iesao'. LUIs 'saiu' da depressao e
deixou de emitir os pensamentos obsessivos atraves dos procedimentos de
'testar a regra pela axposlcao a continqencla'; e nos demos, Luis e eu, bem
com esses procedimentos. Hoje tenho certeza que ele segue uma nova 'auto-
regra' que eu acabei modelando em seu repert6rio: 'duvide de toda a regra que
voce seguir ou que alquern descrever para voce. Se tiver sofrimento envolvido
nela, teste-a. Se a continqencia for verdadeira, paciencia. Se nao for, voce, no
minimo, evitara sofrimento'.
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