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Candombá – Rev ista Virtua l, v . 1, n. 2, j u l – dez 2005 ISSN 1809-0362
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Boletim Informativo
FACULDADES Jorge Amado. Boletim Informativo do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, Salvador, Ano 1, n. 2, dez. 2005.
Rosiléia Oliveira de Almeida∗
Virgília Cerqueira∗∗
1 Por que amar a Ilha de Maré?
O programa Jorge Amando a Maré corresponde
a um conjunto de atividades integradas de ensino,
pesquisa e extensão que começamos a desenvolver na
Ilha de Maré – Salvador-BA, a partir de novembro de
2005, com o envolvimento de professores e alunos do
curso de Licenciatura em Ciências Biológicas das
Faculdades Jorge Amado, podendo futuramente se
estender a ações interdisciplinares, envolvendo as
diversas áreas de conhecimento, com o estabelecimento
de parcerias com outros cursos.
A definição da Ilha de Maré como locus das ações
decorre das condições únicas do lugar, que têm favorecido
o desenvolvimento deste projeto. Em primeiro lugar, a
proximidade e facilidade de acesso pelos alunos das
Faculdades Jorge Amado (FJA), o que garantirá a
continuidade das ações, com pouco desgaste físico. Em
segundo lugar, a d isponibil idade de meios convencionais
de transporte (linhas de ônibus urbanas e embarcações
que partem da Praia de São Tomé de Paripe ou do
Terminal Marítimo), a baixo custo e com regularidade e
diversidade de horários, inclusive aos finais de semana, o
que permitirá a participação inclusive dos alunos que
trabalham, perfil em que se enquadra a maioria dos
alunos matriculados nos cursos de Licenciatura das FJA.
Outro fator é que não constatamos na localidade ações
educativas da natureza proposta, embora esta seja uma
demanda da população.
A intenção é gerar a possibilidade dos professores
em formação construírem conhecimentos nas suas áreas
∗ Professora do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas das Faculdades Jorge
Amado – Salvador – BA e doutoranda em Educação pela Unicamp – Campinas –
SP. E-mail: rosi_oliveira@terra.com.br ∗∗ Aluna do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas das Faculdades Jorge
Amado – Salvador – BA. E-mail: virgiliac@ig.com.br
de conhecimento, de forma contextualizada, percebendo
as vinculações entre a produção do saber e as
necessidades de interpretação e de intervenção na
realidade. Também temos como propósito proporcionar
oportunidades para que os alunos desenvolvam as
habilidades requeridas pela pesquisa científica e exercitem
atitudes de comprometimento com o desenvolvimento em
bases tecnicamente competentes, socialmente justas,
ambientalmente corretas e que respeitem a diversidade
cultural.
2 Amor à primeira vis(i)ta...
A iniciativa de elaboração de uma proposta de
trabalho na Ilha de Maré partiu dos alunos da turma LBN
2004.1B do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas,
os quais sentiram a necessidade e o desejo de se
engajarem em ações comunitárias. Através delas, eles
poderiam aplicar os conhecimentos adquiridos no curso na
busca de soluções de problemas e, assim, incorporar uma
dimensão social e ética à sua formação.
A Ilha de Maré não foi escolhida por acaso. Ela foi
escolhida por ser um local privilegiado para o exercício da
ÉTICA ECOLÓGICA, entendida aqui não apenas como
CUIDAR DA NATUREZA, mas também CUIDAR DOS SERES
HUMANOS QUE DEPENDEM DA NATUREZA PARA SUA
SUBSISTÊNCIA. Sendo assim, qualque r intervenção nas
formas de relação dos seres humanos com os
ecossistemas, visando preservá-los, deve estar atenta às
possibilidades de mudança cultural dos grupos sociais
envolvidos e às possíveis repercussões dessas mudanças
nas subjetividades e nas d imensões concretas das vidas
das pessoas.
A partir do relato de experiência de uma das
alunas da referida turma, funcionária de uma escola
localizada no bairro de São Tomé e estagiária de uma
outra escola localizada no mesmo bairro, o grupo de
alunos tomou conhecimento da realidade vivenciada
cotidianamente pelos estudantes, moradores da Ilha de
Maré, que desejam dar continuidade aos seus estudos a
partir da 5ª série do Ensino Fundamental. Como a Ilha
dispõe apenas de escolas do primeiro ciclo do Ensino
Fundamental (1ª a 4ª série), os estudantes levantam cedo
e tomam o barco de Transporte Escolar para se
deslocarem, em um percurso de aproximadamente 30
minutos, até o atracadouro da Praia de São Tomé, onde
tomam um outro transporte até as escolas mais próximas.
Como os lugarejos da Ilha de Maré não dispõem de
atracadouros, as crianças, mesmo na época do frio, têm
que suspender ou retirar seus uniformes para entra rem no
barco. Alguns vão de caiaque até o barco, mas não é raro
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ele virar, molhando todo o material escolar dos
estudantes.
Essas crianças relatam uma série de condutas de
turistas e dos habitantes da região que requerem ações
educativas, como, dentre outras, o hábito de defecar nos
próprios barcos, lançando as fezes na Baía de Todos os
Santos, e o costume de lançar lixo no mar, durante o
trajeto de barco. Muitos destes problemas, embora sejam
associados comumente aos comportamentos individuais,
decorrem da omissão do poder público em desenvolver
políticas públicas nas áreas de saneamento, saúde e
educação. Outra prática local que traz sérios danos ao
ecossistema marinho é o uso de bombas para a captura
de peixes.
Em visita realizada em 12 de novembro de 2005 a
Itamoabo, um dos lugarejos da Ilha de Maré, um grupo de
alunos da FJA que até lá se deslocaram, com o
acompanhamento de professores, com o objetivo de
coletar informações necessárias ao planejamento das
primeiras ações vinculadas a esse programa, pôde
construir suas primeiras impressões sobre a Ilha de Maré.
Um dos aspectos que mais chamou a atenção do
grupo foi a grande quantidade de bananeiras na flora local
(Fig. 1 e 2). À sua importância econômica para a
população local já se referia o poeta brasileiro Manuel
Botelho de Oliveira, no poema À Ilha de Maré, de cunho
nativista e ufanista, que exalta os frutos e legumes da Ilha
da Maré. Foi publicado em Lisboa, em 1705, no livro
Música do Parnasso. (Anexo A).
Fig. 1. Itamoabo, Ilha de Maré – Salvador, BA. Vista, ao entardecer. Vegetação com predominância de coqueiros e bananeiras.
As bananas no Mundo conhecidas
por fruto e mantimento apetecidas,
que o céu para regalo e passatempo
liberal as concede em todo o tempo,
competem com maçãs, ou baonesas
com peros verdeais ou camoesas.
Também servem de pão aos moradores,
se da farinha faltam os favores;
é conduto também que dá sustento,
como se fosse próprio mantimento;
de sorte que por graça, ou por tributo,
é fruto, é como pão, serve em conduto.
( OLIVEIRA, 1967, p. 5-6.)
No poema, o autor destaca a diversidade de frutas
e legumes, que existiam em abundância na Ilha de Maré,
no século XVII, e que contribuíam para tornar as terras
brasileiras sedutoras à colonização efetiva e à exploração
econômica pelos portugueses. O autor refere-se às
sensações gustativas associadas tanto aos vegetais
nativos (coqueiros, cajus, pitangas, pitombas, araçases,
bananas, pimenta, mamão, maracujá, ananazes,
mangavas, mangarás, inhames, batatas, carás, mandioca,
aipins, milho e arroz), quanto àqueles trazidos à Ilha de
Maré pelos portugueses (laranjas da terra, laranjas da
China, limões, cidras amarelas, uvas moscatéis, melões,
melancias, figos, romãs e cana), onde davam frutos ainda
mais saborosos que na Europa. Sem contar a riqueza de
peixes e mariscos (polvos, lagostins, camarões,
caranguejos, ostras...).
Fig. 2. Bananeiras, na comunidade de Itamoabo, Ilha de Maré – Salvador, BA.
Nos dias atuais, a importância econômica e nutricional de
peixes e mariscos, bem como de legumes e verduras
ainda prevalece na Ilha de Maré. Em pesquisa sobre as
condições nutricionais de crianças em comunidades de
pescadores, Santos et al. (2004) constataram que a dieta
alimentar das crianças de 1 a 5 anos, da comunidade de
Bananeiras da Ilha de Maré, era então constitu ída por
peixe, marisco e, com menor freqüência, carne bovina ou
frango; legumes (abóbora, batata inglesa); frutas (banana
da prata, laranja e manga); leite em pó integral; feijão;
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macarrão; farinha de mandioca e óleo. No entanto,
através de entrevistas pôde-se constatar que a
alimentação das crianças era monótona.
Os resultados indicaram que, apesar do baixo nível de
renda da população local, a dieta das crianças da Ilha de
Maré era mais rica em micronutrientes (vitaminas e sais
minerais) do que a das crianças da localidade de Santo
Amaro da Purificação, onde a renda das famílias é maior.
Esse resultado foi atribuído pelas autoras ao maior
consumo de produtos hortifrutigranjeiros na Ilha de Maré.
No entanto, a análise dos dados antropométricos das
crianças gerou dados preocupantes acerca de seu estado
nutricional, pois 66,2% delas estavam eutróficas, 7,7%
estavam com sobrepeso; 3,1% estavam eutróficas, com
déficit de crescimento; 20% estavam com alguma forma
de desnutrição - desnutrição atual (7,7%), desnutrição
pregressa (4,6%) ou desnutrição crônica (7,7%) - e 3,1%
estavam em risco nutricional.
Segundo o resultado da referida pesquisa, as
condições de saneamento básico também estavam
precárias: embora 82,7% das casas possuíssem água
tratada, apenas 34,6% possuíam rede de esgoto e 73,1%
das famílias referiram que existia esgoto a céu aberto na
vizinhança. O lixo era acondicionado em sacos plásticos
em 46,2% das casas, sendo este coletado regula rmente
pelo serviço público em 71,2% dos casos. Com relação à
presença de animais vetores de doenças, 67,3% das
famílias entrevistadas comentaram que existiam roedores
na casa ou próximo desta e 96,2% afirmaram existirem
insetos próximos ou dentro das moradias.
Em resumo, a baixa renda das famílias, as
precárias condições sanitárias e a alimentação monótona
têm prejudicado o desenvolvimento das crianças. A
condição nutricional das crianças da Ilha da Maré só não é
mais grave devido aos hábitos alimentares, associados à
atividade pesqueira, que envolvem um grande consumo
de alimentos protéicos e também ricos em lipídios
insaturados, bem como o de frutas e verduras. O consumo
de alimentos fontes de micronutrientes também é
favorecido na Ilha de Maré devido à disponibilidade de
área para o cultivo particular de pequenas hortas e
pomares. Pelas ruas também se vê por todo lado galinhas
com suas crias. (Fig. 3)
Fig. 3. Jegues, galinhas com pintinhos e cesta de lixo. Rua do Cemitério. Itamoabo, Ilha de Maré – Salvador, BA.
Na visita à comunidade de Itamoabo constatamos
a existência de problemas de saneamento básico. Em
frente à entrada da Escola Municipal de 1ª à 4ª série
constatamos a existência de esgoto a céu aberto, sendo
que as crianças, para chegarem à escola, têm que, ou
pulá-lo, ou percorrerem um caminho alternativo mais
longo. (Fig. 4 a 6).
Fig 4. Esgoto a céu aberto, em frente à Escola Municipal, com passagem que comunica duas ruas.
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Fig.5. Esgoto em frente à escola.
Conversando com uma moradora local e com uma
professora da escola tomamos conhecimento de que há
ratos e insetos nas proximidades. (Fig. 7). A escola
promove atividades educativas com os alunos, durante as
quais busca alertá-los para a atuação de tais animais
como vetores de doenças. No entanto, a melhoria da
qualidade de vida da população local demanda a
conscientização e a atuação pró-ativa da comunidade,
exigindo, dos poderes públicos, políticas de geração de
renda, de saúde, de saneamento básico e de educação
para a localidade.
Fig 6. Esgoto l ocalizado em frente à Escola Municipal
Fig. 7. Professora da escola e moradora de residência localizada em frente à Escola Municipal.
Como a Ilha de Maré dispõe apenas de escolas que
atendem o primeiro ciclo do Ensino Fundamental (Fig. 8),
cerca de 500 estudantes deslocam-se a 12 colégios da
rede pública situados no continente. A P refeitura Municipal
de Salvador passou a oferecer, a partir de 2005,
transporte escolar marítimo gratuito até Salvador. O
traslado é realizado por sete embarcações padronizadas e
com a marca da Prefeitura, sempre no turno matutino,
horário preferido por causa das marés.
A Prefeitura apresenta um projeto de construção
de uma escola na Ilha de Maré, com turmas até a 8ª série
do Ensino Fundamental, além de um posto de saúde para
atendimento básico. Ao lado dos dois prédios haveria
anexos para que os médicos, professores e funcionários
pudessem se hospedar. (ILHAS...., 2005).
Fig. 8. Escola Municipal de 1ª à 4ª série, localizada em Itamoabo, Ilha de Maré, Salvador-BA.
Em conversa com duas moradoras de Itamoabo
tomamos conhecimento de que, embora exista na Ilha de
Maré um posto de saúde, o atendimento médico ocorre
apenas em dois dias da semana, das 8 às 12 horas.
Mesmo o serviço de atendimento médico emergencial
prometido pela Prefeitura, não tem, segundo elas,
funcionado satisfatoriamente.
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Embora a Prefeitura afirme ter colocado uma das
embarcações de transporte escolar à disposição da
população 24 horas por dia, para transporte de
habitantes, em caso de emergência (como, por exemplo,
no caso de acidentes e partos), uma moradora nos relatou
que seu filho sofreu um acidente, cortando o supercílio, e
que ela teve que transportá-lo, com recursos próprios,
num dos barcos de transporte de passageiros, aguardando
o seu horário de partida para Salvador.
Outra dificuldade encontrada pela população local
é quanto ao transporte de produtos industrializados ou
para a construção civil, pois têm que ser adquiridos em
Salvador e transportados de barco até a Ilha, sendo
complicado seu desembarque, devido à inexistência de um
atracadouro. O embarque de passageiros e de
mercadorias com destino a Salvador envolve a mesma
dificuldade. (Fig. 9 e 10).
Fig. 9. Embarque de mantimentos e passageiros. Itamoabo, Ilha de Maré – Salvador, BA.
Fig. 10. Embarque de mantimentos e passageiros. Itamoabo, Ilha de Maré – Salvador, BA.
Na ilha, devido à topografia com montanhas e
vales, o transporte dos mais variados produtos é feito,
principalmente, por jegues. (Fig. 11).
Fig.11. Uso de jegues como meio de transporte de mantimentos e de pessoas. Itamoabo, Ilha de Maré, Salvador – BA.
Diante da dificuldade de transporte de materiais de
construção, a população local encontra soluções criativas
para minimizar os custos: as escadarias e a rampa que
ligam as comunidades de Itamoabo e Santana, por
exemplo, foram construídas com a substituição das britas
por pequenas conchas de moluscos. (Fig. 12).
Fig. 12. Conchas de moluscos usadas em substituição à brita na construção civil. Itamoabo, Ilha de Maré, Salvador-BA.
Segundo o dono de uma pousada e também
proprietário de um dos restaurantes da praia de
Itamoabo, o custo da construção civil na Ilha de Maré é
três vezes superior ao verificado em Salvador, em
decorrência das dificuldades de transporte dos materiais.
(Fig. 13 e 14).
Fig. 13. Pousada. Itamoabo, Il ha de Maré, Salvador – BA.
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Fig. 14. Casa em construção. Santana, Ilha de Maré, Salvador – BA.
Vários habitantes locais nos relataram que um dos
serviços que melhor funciona na Ilha de Maré é a coleta
de lixo. No entanto, suspeitamos que esse serviço não
esteja sendo realizado com muita eficiência, pois embora
tenhamos constatado a presença de cestas de lixo (Fig. 3)
vimos terrenos baldios e esgotos com lixo em Santana
(Fig. 5 e15) e percebemos a inexistência de cestas de lixo
na praia de Itamoabo.
Fig. 15. Terreno baldio com vegetação queimada e lixo. Santana, Ilha de Maré, Salvador, BA.
Na praia de Itamoabo constatamos também que os
turistas colocam as mesas dos bares sobre as rochas, ao
final da tarde, quando a maré está baixa. (Fig. 16 e 17).
As garrafas de cerveja e outros dejetos são dispostos
sobre as rochas, poluindo a água do mar, quando a maré
volta a subir.
Fig. 16. Trecho da praia de Itamoabo, com mesas sobre as rochas. Ilha de Maré, Salvador, BA.
Fig. 17. Rochas da praia de Itamoabo, com mesas. Ilha de Maré, Salvador, BA.
As possib ilidades de investimento da população
local em negócios que propiciem geração de emprego e
renda são limitadas. Segundo uma moradora, embora
exista a promessa de se instalar na localidade uma
agência do Banco Popular do Brasil, o que confirmamos
pela publicidade realizada pela Secretaria de Comunicação
da Prefeitura Municipal de Salvador (SECOM, 2005), na
realidade a instalação da referida agência ainda não se
concretizou. O prédio está sendo construído, mas os
moradores não têm notícia de quando passará a
funcionar, o que evidencia que a propaganda dos órgãos
públicos tem se antecipado às ações ou, então, não tem
sido um eficiente meio de comunicação com a população
local.
3. As primeiras ações...
Nos dias 19 e 20 de novembro retornamos à Ilha
de Maré para darmos início às primeiras ações do
Programa, que foram desenvolvidas no lugarejo de Praia
Grande.
A atividade de ensino envolveu a exibição do
filme Procurando Nemo (Fig. 18 a 20), para alunos do
primeiro ciclo do Ensino Fundamental da Escola Municipal
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de Praia Grande, no dia 19 de novembro, com o objetivo
de discutir as relações ecológicas existente no ecossistema
marinho e aspectos ligados à diversidade biológica e às
formas sustentáveis de se utilizá-la como meio de
subsistência e como fonte de renda pelas comunidades de
pescadores.
Fig. 18. Cena do filme Procurando Nemo. Fonte: <http:// www.disney.com.br/nocinema/nemo/>. Acesso em: 6 nov. 2005.
Iniciamos a atividade com uma conversa informal
com os alunos, visando identificar o que conheciam sobre
o mar, caracterizar os animais marinhos que lhes são
familiares e o que deles sabem no que se refere aos
seguintes aspectos: onde vivem, do que se alimentam,
como obtêm alimento, sua forma, seu tamanho, seu peso,
sua cor, como se locomovem, como nascem, como se
defendem de predadores, que mudanças sofrem ao longo
da vida, que relações mantêm com outros seres vivos e de
que cadeias e teias tróficas participam.
Como essa atividade foi realizada no Dia Nacional
da Consciência Negra, a maior parte dos adultos do
lugarejo estava participando de uma caminhada que
rodeou toda a ilha e que durou em torno de seis horas.
Dessa forma, as crianças que estavam sozinhas ou em
pequenos grupos pelas ruas e que perceberam o
movimento na escola foram se aproximando curiosas e
foram convidadas para também assistirem o filme. Como
havia 36 crianças com faixas etárias diversificadas, desde
bebês de colo levados pelos irmãos até crianças de 10
anos, evitamos estender o bate-papo inicial e
reorientamos as atividades subseqüentes para que todos
pudessem participar.
Fig. 19. Exibição do filme “Procurando Nemo”.
Fig. 20. Exibição do filme “Procurando Nemo”.
Após a projeção do filme realizamos a
interpretação coletiva das cenas que mais chamaram a
atenção das crianças e identificamos práticas humanas
retratadas no filme que alteram o equilíbrio da vida
marinha.
Em seguida, buscamos relacionar o filme com o
contexto local, pedindo aos alunos que identificassem no
filme animais marinhos que existem na fauna local e nos
relatassem atividades dos turistas e pescadores que
prejudicam o equilíbrio ecológico, problematizando o uso
de redes e de bombas na pesca e levantando formas de
preservar o ambiente marinho.
Pedimos que os alunos elaborassem um desenho
relacionado ao filme. (Fig. 21). Em 75% dos desenhos a
relação dos seres humanos com o mar aparece retratada
pela presença de pescadores, mulheres, barcos, crianças,
casas e árvores com frutas, em 69,6% há cenas em que
aparecem barcos, indicando que as cenas que mais
chamaram a atenção dos alunos foram aquelas da captura
de Nemo pelo barco e a da fuga dos peixes da rede de
pescaria. (Fig. 22). Em 39% aparecem estrelas-do-mar,
em 22,2% arraias, 16,5% siris/caranguejos, 14%
tubarões, 14% baleias.
Em todos os desenhos aparecem pequenos peixes
isolados ou formando cardumes. Em desenhos isolados
aparecem imagens de baiacu, peixe-espada, peixe-abissal,
água viva, golfinho, polvo e “sereia”. Ao longo da
atividade fomos ajudando as crianças a nomear o que
desenharam, mas, como o grupo de crianças era muito
grande, não foi possível conversar com todas elas, de
forma que não conseguimos compreender alguns
desenhos das crianças muito pequenas.
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Fig. 21. Criança elaborando um desenho sobre o filme.
Fig. 22. Desenho em que é retratada a cena da fuga da rede pelos pei xes
Enquanto os alunos desenhavam, construímos um
cartaz com as impressões em tinta das mãos de todos os
alunos. (Fig. 23)
Fig. 23. Confecção de cartaz em que os alunos deixaram suas marcas.
Como no grupo havia uma criança com
necessidades especiais aproveitamos para refletir sobre a
atitude de superproteção de Marlin, pai de Nemo, pelo
fato de ele ter uma nadadeira defeituosa, e da importância
de respeitarmos e reconhecermos que todas as pessoas
têm habilidades próprias e são capazes de auto-
superação. Ao final da atividade pedimos a dois alunos,
Marcela e Hugo, que, representando os colegas,
mostrassem para toda a turma as marcas de suas mãos, o
que fizeram com muito orgulho e foram aplaudidos por
todos. (Fig. 24).
Fig. 24. Crianças mostrando para os colegas as suas marcas.
Pedimos às crianças que respondessem, por
escrito, qual dos animais marinhos existentes no mar
próximo à Ilha de Maré que eles achavam mais
interessante. Foram citados os seguintes animais:
tubarão, cavalo-marinho, peixe, siri, camarão, “sereia”,
cardume, peguari, tartaruga e sururu. Perguntamos o que
eles sabiam sobre esses animais. Sobre o tubarão,
destacaram sua ferocidade:
• Ele pode atacar mais de dez pessoas no dia
• Ele come gente e vive a 20 quilômetros daqui.
• Ele morde e é muito feroz.
Em relação aos peixes, siris e camarões, sururus, a
maioria das referências foi sobre seu uso como alimento:
• Eles servem para comer.
• Faz moqueca, frita, faz ensopado.
• É bom para comer.
• Ele frita e faz moqueca.
Quanto ao siri, um aluno comentou que:
• Ele se enterra na areia e corre ligeiro para o mar.
Sobre o cardume, um aluno destacou que:
• Ele nada junto e é muito bonito.
Sobre os animais marinhos em geral responderam que:
• Vivem no mar, se alimentam, nadam e podem ser criados.
Perguntamos o que eles gostariam de saber sobre
os animais marinhos que vivem próximo à Ilha de Maré.
• Eu gostaria de saber se o cavalo marinho come o que? Se ele vive bem no mar e como el e consegue nadar.
• Eu gostaria de saber se o tubarão não comesse gente e outras coisas o que ele comeria!
• Eu gostaria de saber muito sobre as cores [do cardume].
• Eu gostaria de saber como o peixe nasce.
• Por que que o siri fica enterrado na areia?
• Eu gostaria de saber do que o tubarão se alimenta.
• Como o siri corre dentro da água.
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• Como criar o peixe.
• Saber como o peixe, o siri e o camarão nadam.
• Eu gostaria de saber porque o Nemo parecia com o pai dele.
A atividade de ensino foi encerrada com muita
brincadeira de roda! (Fig. 25)
Fig. 25. Brincadeira de roda em frente à escola.
A atividade de pesquisa objetivou ter indícios
sobre como os moradores da Ilha de Maré produzem a sua
subsistência e sobre sua percepção da biodiversidade local
e dos impactos das atividades humanas no meio
ambiente. Pretendíamos, também, conhecer a relação
afetiva dos moradores com a Ilha.
Utilizamos como estratégia de aproximação dos
habitantes a apresentação do Poema À Ilha de Maré,
publicado em 1705 (Anexo B) e da reportagem Ilhas
Abandonadas, publicada como matéria de capa do Jornal A
Tarde, em 2005, ou seja, 300 anos após o poema
exaltador das belezas da ilha. Na reportagem (Anexo C)
são denunciados os problemas sociais e de saneamento
básico, infra-estrutura, saúde e educação das ilhas
situadas na Baía de Todos os Santos que fazem parte do
município de Salvador. (Fig. 26 e 27).
Fig 26. Crianças retornando da escola. Fonte: A TARDE, Salvador, 13 nov. 2005. Foto de Haroldo Abrantes.
Fig 27. Porcos freqüentando praia da Ilha de Maré. Fonte: A TARDE, Salvador, 13 nov. 2005. Foto de Haroldo Abrantes.
Foram realizadas observações das condições de vida
da população e entrevistamos 100 moradores do lugarejo
de Praia Grande.
Dos 100 entrevistados apenas 6 disseram ter
conhecimento da existência do poema de Manoel Botelho,
mas nenhum fez comentários sobre o seu conteúdo. As
pessoas que nunca t inham ouvido falar do poema ficaram
muito curiosas, o que favoreceu nossa aproximação e
diálogo com elas.
As pessoas entrevistadas apresentavam uma ampla
distribuição de tempo de residência na Ilha de Maré
(Gráfico 1)
Tempo de residência na Ilha de Maré - Salvador - BA
Menos de 10 anos 9,0%
Entre 10 e 19 anos 15,0%
Entre 20 e 29 anos 18,0%
Entre 30 e 39 anos 14,0%
Entre 40 e 49 anos 13,0%
Entre 50 e 59 anos 14,0%
Entre 60 e 69 anos 9,0%
70 ou mais anos 8,0%
Através das entrevistas tomamos conhecimento de
que os principais meios de subsistência da população da
Ilha de Maré são: a colheita de frutas, a pescaria, a
mariscagem, o artesanato e a agricultura. No artesanato
predominam em Praia Grande a fabricação de munzuás
(armadilha para captura de frutos do mar), balaios e
cestos feitos com canabrava, comercializados na feira de
São Joaquim, a produção de redes de pescaria e a
confecção de esteiras, tendo como matéria-prima folhas
de bananeira. Outras fontes de sustento também foram
citadas, mas com menor freqüência, como a criação de
frangos, a caça, a manutenção de hortas, a realização de
transporte marít imo em embarcações na baía de Todos os
Santos e o trabalho como assalariados na Base Naval e no
Porto de Aratu. (Gráfico 2)
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Meios de subsistência segundo moradores - Ilha de Maré - Salvador - BA
Pescaria 89
Artesanato 43
Mariscagem 33
Agricultura 28
Colheita de frutas 17
Manutenção de hortas 5
Assalariado 3
Criação de frangos 1
Embarcações 1
Caça 1 A freqüência de citações é superior à quantidade de entrevistas devido às respostas serem abertas e múltiplas.
Os alimentos produzidos na Ilha de Maré são
utilizados para sustento próprio da população e o
excedente é comercializado em Paripe. Entre os produtos
comercializados os entrevistados referiram-se à farinha de
mandioca, às frutas e aos doces caseiros, especialmente o
de banana. Na agricultura são produzidos mandioca,
batata, cana e milho. Quanto à produção de hortaliças, ela
é pequena na Ilha, sendo que grande parte dos produtos
consumidos são adquiridos em Salvador. Várias frutas são
encontradas em abundância na ilha (Gráfico 3).
Frutas abundantes segundo moradores - Ilha de Maré - BA
Banana 88
Manga 86
Goiaba 27
Coco 19
Jambo 15
Caju 9
Abacate 8
Cajá 6
Laranja 6
Jenipapo 5
Acerola 4
Mamão 4
Araçá 2
Fruta-pão 1
Tangerina 1
Cacau 1
Tamarindo 1
Caqui 1 A freqüência de citações é superior à quantidade de entrevistas devido às respostas serem abertas e múlt ip las.
Confirmamos com os entrevistados que a Ilha da
Maré é um pólo ainda hoje produtor de renda de bilro,
mas ficamos sabendo que a produção se concentra nos
lugarejos de Santana e Itamoabo, sendo de natureza
domiciliar. Em Praia Grande a produção é pequena. São
utilizados na produção da renda almofadas (feitas de
folhas de bananeira), linha de crochê, papelão para molde,
alfinetes e os bilros, que apresentam uma haste
confeccionada de caules de plantas, extraídos do
manguezal da ilha, com uma semente em uma das
extremidades que pode ser de coco, de cabeça de frade ou
de nogueira.
Em relação às embarcações, tomamos
conhecimento de que a madeira para sua construção vem
de fora da ilha, de Salvador ou de Valença.
Quando perguntamos a que os moradores atribuem
o fato de a nutrição das crianças da Ilha de Maré, segundo
pesquisas, ser melhor do que a das crianças de outras
comunidades de pescadores, a maioria fez referência à
alimentação rica em peixes e frutos do mar frescos (62) e
em frutas frescas (41). Vários fizeram referência genérica
aos alimentos frescos e sem produtos químicos (18) e
poucas pessoas fizeram referência às verduras (2).
Na Ilha de Maré são utilizadas várias plantas como
remédio, segundo os entrevistados (Gráfico 4).
As plantas são empregadas para uma grande
diversidade de enfermidades: inflamações, cólicas
abdominais, febre, gripe, pressão alta, gases;
impaludismo, diarréia; verminoses, cálculos renais dores
nas costas, dores de fígado, dores de dente, dores em
geral e, ainda, para colesterol alto, para o coração, como
calmante e como expectorante.
Plantas usadas como remédio segundo moradores - Ilha de Maré - Salvador - BA
Aroeira 43
Erva-cidreira 41
Alumã 25
Capim-santo 24
Erva-doce 18
Pitanga 10
Boldo 8
Fedegoso 8
Canela-de-Velho 7
Carqueja 7
Velome 7
Quebra-pedra 6
Eucalipto 5
Espinho-cheiroso 4
Mãe-boa 4
Maria-preta 3
Tamarindo 3
Tapete de oxalá 3
Vassourinha 3
Pulga-do-campo 3
São Gonçalinho 2
Quioiô 2
Benzetacil 2
Mastruz 2
Acerola 1
Umbu 1
Alfazema 1
Murici 1
Malva-branca 1
Caju 1
Anador 1
Papanicolau 1
graviola 1
Folha-de-leite 1
A freqüência de citações é superior à quantidade de entrevistas devido às respostas serem abertas e múltiplas.
Quanto aos animais terrestres existentes na i lha,
pelas informações dos habitantes, parece não haver uma
grande diversidade (Gráfico 5) Um morador informou que
na ilha já existiram até jacarés.
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Animais existentes segundo os moradores - Ilha de Maré - Salvador - BA
Boi 21
Cavalo 20
Porco 15
Tatu 14
Jegue 12
Cachorro 10
Galinha 8
Teiú 5
Égua 5
Gato 3
Pássaros 2
Gato do mato 1
Burro 1
Cobra 1
Veado 1
Paca 1
Bode 1
Cabra 1
A freqüência de citações não coincide com a quantidade de entrevistas devido às respostas serem abertas e múltiplas.
Embora na Ilha de Maré existam bois e porcos, as
carnes desses animais são pouco consumidas. No caso da
carne de boi, devido à sua raridade. Já no que se refere à
carne de porco, por ela não fazer parte dos hábitos
alimentares locais. Os porcos criados na Ilha são
comercializados em “Salvador”.
Apesar da aparente homogeneidade da ilha quando
avistada ao longe, essa nossa primeira aproximação
permitiu-nos perceber que a organização sócio-econômica
atual ainda hoje tem influência da configuração nela
existente no passado durante o período colonial. Naquela
época havia um engenho de cana em Santana. Em
Bananeiras, havia um quilombo e em Praia Grande ficava
a senzala. Hoje, Santana tem uma população com melhor
poder aquisitivo, as residências têm melhor aparência, o
comércio é mais estabilizado e a população tem a pele
mais clara, resultado da miscigenação dos negros com
portugueses e espanhóis. Em Bananeiras, as condições
sócio-econômicas são desfavoráveis, assim como em Praia
Grande, mas verifica-se um maior nível de mobilização
social. Em Praia Grande reside uma população composta
predominantemente por netos e bisnetos de escravos,
com pele mais pigmentada que nos outros lugarejos.
Apesar da rica diversidade biológica e cultural
existente na Ilha, são imensas as dificuldades enfrentadas
pelos habitantes, especialmente a falta de emprego, a
travessia de barco pelos estudantes e a falta de
saneamento básico.
A atividade de extensão envolveu a ação educativa na
comunidade no dia 20 de novembro, sobre saneamento
básico e animais vetores de doenças, com ênfase na
dengue, uma vez que estávamos no Dia Nacional de
Combate à Dengue. Foram colados cartazes em pontos
comerciais (bares, mercados, etc.) e conversamos com
vários moradores em suas residências, distribuindo uma
pequena Cartilha Ilustrada contra a Dengue (Anexo B).
Além dessa nossa iniciativa, não constatamos
nenhuma outra ação voltada para a prevenção da dengue
em Praia Grande, no final de semana em que lá
permanecemos.
O programa Jorge Amando a Maré é coordenado pela Profª
Rosiléia Oliveira de Almeida e contou com a participação dos
seguintes alunos no desenvolvimento das atividades de campo
descritas: Virgília Cerqueira Santos, Sandra Suely Santana de
Oliveira, Alba Leite de Oliveira, Tarcísia Bispo dos Santos, Maria
Bárbara Correira Baracho, Uilza N. Sales, Cássia Sales, Juvenilda
dos Santos e Valdeci Lemos Serafim.
4 Referências
ILHAS de Salvador vão contar com transporte escolar
marítimo. Jornal da Mídia, Salvador, 10 maio 2005.
Disponível em: <www.piatafm.com.br>. Acesso em: 6
nov. 2005.
OLIVEIRA, Cláudia. Ilhas são paraísos esquecidos. A
Tarde, Salvador, 13 nov. 2005. Caderno Local, 10-11.
OLIVEIRA, Manuel Botelho de. À Ilha de Maré. In: RAMOS,
Péricles Eugênio da Silva. (Org.) Poesia Barroca. São
Paulo: Melhoramentos, 1967. Disponível em:
<http://www.bibvirt.futuro.usp.br>. Acesso em: 06 nov.
2005.
SANTOS, Neuza Maria Miranda dos et al. Avaliação das
condições nutricionais de crianças em comunidades de
pescadores: Ilha de Maré e Santo Amaro da Purificação,
BA. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE EXTENSÃO
UNIVERSITÁRIA, 2., 2004, Belo Horizonte. Anais... Belo
Horizonte, 1998. Disponível em:
<www.ufmg.br/congrext/saude/Saude 42.pdf>. Acesso
em: 6 nov. 2005.
* * *
ANEXO A
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À Ilha de Maré
Manuel Botelho de Oliveira
À ILHA DE MARÉ TERMO DESTA CIDADE DA BAHIA
SILVA
J az ob líqua fo rma e pro longada
a te rra de Maré toda ce rcada
de Ne tuno, que tendo o amor constante ,
lhe dá muitos abraços por amante ,
e botando- lhe os braços dentro de la
a pre tende gozar, por se r mui be la.
Nesta assistência tanto a senhoreia,
e tanto a ga lante ia ,
que, do mar, de Maré tem o ape lido ,
como quem preza o amor de seu que rido:
e por gosto das prendas amorosas
f ica maré de rosas,
e v ivendo nas ânsias sucessivas,
são do amor marés v ivas;
e se nas mortas menos a conhece,
maré de saudades lhe pa rece.
Vista por fo ra é pouco ape tecida,
porque aos olhos por fe ia é pa recida;
porém dentro habitada
é muito be la , muito desejada,
é como a concha tosca e deslustrosa,
que dentro cria a pé ro la fe rmosa .
Erguem- se ne la oute iros
com sobe rbas de montes a ltane iros,
que os va les por humildes desprezando,
as presunções do Mundo estão mostrando,
e que rendo se r príncipes subidos,
f icam os vales a seus pés rendidos.
Por um e outro lado
vá rios lenhos se vêem no mar salgado;
uns vão buscando da C idade a v ia,
outros de la se vão com alegria;
e na desigua l o rdem
consiste a fe rmosura na desordem.
Os pobres pescadores em save iros,
em canoas l igeiros,
f azem com tanto abalo
do trabalho marít imo regalo;
uns as redes estendem,
e vá rios pe ixes por pequenos prendem;
que a té nos pe ixes com ve rdade pura
se r pequeno no Mundo é desventura:
outros no anzo l f iados têm
aos m íse ros pe ixes enganados,
que sempre da vil isca cobiçosos
pe rdem a própria v ida por gulosos.
Aqui se cria o pe ixe regalado
com ta l sustância , e gosto preparado,
que sem tempero algum para apetite
f az gostoso conv ite,
e se pode d ize r em graça ra ra
que a mesma natureza os tempera ra.
Não falta aqui marisco saboroso,
pa ra tira r fastio ao me lindroso;
os polvos rad iantes,
os lagostins f lamantes,
camarões exce lentes,
que são dos lagostins pobres pa rentes;
re trógrados crangue jos,
que fo rmam pés das bocas com festejos,
ostras, que alimentadas
estão nas pedras, onde são ge radas;
enf im tanto marisco , em que não fa lo ,
que é vá rio pe rrex il pa ra o rega lo .
As p lantas sempre ne la reve rdecem,
e nas fo lhas pa recem,
deste rrando do Inve rno os desfavores,
e smera ldas de Abri l em seus ve rdores,
e de las por adorno ape tecido
faz a d ivina F lo ra seu vestido .
As f ruitas se produzem copiosas,
e são tão de le itosas,
que como junto ao mar o sít io é posto,
lhes dá salgado o mar o sa l do gosto.
As canas fe rt i lmente se produzem,
e a tão breve d iscurso se reduzem,
que, porque crescem muito,
em doze meses lhe sazona o f ruito,
e não que r, quando o f ruto se dese ja ,
que sendo ve lha a cana , fé rt il sej a.
As la ranjas da te rra
poucas azedas são , antes se ence rra
ta l doce nestes pomos,
que o tem cla rif icado nos seus gomos;
mas as de Portuga l entre a lamedas
são primas dos l imões, todas azedas.
Nas que chamam da China
grande sabor se af ina,
ma is que as da Europa doces, e me lhores,
e têm sempre a ventagem de ma iores,
e nesta ma ioria ,
como ma iores são, têm ma is va lia .
Os l imões não se prezam,
antes por se rem muitos se desprezam.
Ah se Ho landa os gozara !
Por nenhuma prov íncia se troca ra .
As cidras amarelas
ca indo estão de belas,
e como são inchadas, presumidas,
é bem que estej am pe lo chão ca ídas.
As uvas moscaté is são tão gostosas,
tão ra ras, tão m imosas;
que se Lisboa as v ira , imagina ra
que a lguém dos seus pomares as furta ra ;
de las a produção por copiosa
pa rece m ilagrosa,
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porque dando em um ano duas vezes,
ge ram dous pa rtos, sempre , em doze meses.
Os me lões ce lebrados
aqui tão docemente são ge rados,
que cada qua l tanto sabor a lenta,
que são fe itos de açúcar, e pimenta ,
e como sabem bem com mil agrados,
bem se pode d ize r que são le trados;
não fa lo em Va la riça , nem Chamusca:
porque todos ofusca
o gosto destes, que esta te rra abona
como próprias de lícia s de Pomona .
As me lancias com igua l bondade
são de tal qua lidade,
que quando docemente nos recre ia,
é cada me lancia uma co lme ia ,
e às que tem Portugal lhe dão de rosto
por insulsas abóboras no gosto .
Aqui não fa ltam f igos,
e os solicitam pássa ros am igos,
ape titosos de sua doce usura ,
porque cria ape tite s a doçura;
e quando acaso os matam
porque os f igos ma ltra tam,
pa recem mariposas, que embebidas
na chama a legre , vão pe rdendo as vidas.
As romãs rubicundas quando abe rtas
à v ista agrados são, à l íngua ofe rtas,
são te souro das f ruitas entre a fagos,
po is são rubis suaves os seus bagos.
As f ruitas quase todas nomeadas
são ao Brasil de Europa trasladadas,
por que tenha o Brasil por ma is façanhas
a lém das próprias f ruitas, as estranhas.
E tra tando das próprias, os coqueiros,
ga lha rdos e f rondosos
criam cocos gostosos;
e andou tão l ibe ra l a na tureza
que lhes deu por grandeza ,
não só pa ra bebida, mas sustento,
o nécta r doce , o cândido a limento .
De vá rias cores são os ca jus be los,
uns são ve rme lhos, outros amare los,
e como vários são nas vá rias cores,
também se mostram vários nos sabores;
e criam a castanha ,
que é melhor que a de F rança, Itál ia, Espanha.
As p itangas fe cundas
são na cor rub icundas
e no gosto p icante comparadas
são de América g injas d isfa rçadas.
As p itombas douradas, se as dese jas,
são no gosto me lhor do que as ce rejas,
e pa ra te rem o primor inte iro ,
a ventagem lhes levam pe lo che iro .
Os a raçazes grandes, ou pequenos,
que na te rra se criam mais ou menos
como as pê ras de Europa engrandecidas,
com e las va riamente pa recidas,
de vá rias castas marme ladas belas.
As bananas no Mundo conhecidas
por f ruto e mantimento ape tecidas,
que o céu pa ra rega lo e passatempo
l ibe ra l as concede em todo o tempo,
competem com maçãs, ou baonesas
com pe ros ve rdeais ou camoesas.
Também se rvem de pão aos moradores,
se da fa rinha faltam os favores;
é conduto também que dá sustento ,
como se fosse próprio mantimento;
de sorte que por graça, ou por tributo,
é f ruto , é como pão, se rve em conduto .
A p imenta e legante
é tanta, tão d ive rsa, e tão p icante ,
pa ra todo o tempero acomodada ,
que é muito aventa jada
por f re sca e por sadia
à que na Asia se ge ra, Europa cria.
O mamão por f reqüente
se cria vulga rmente ,
e não o preza o Mundo,
porque é muito vulga r em se r fe cundo.
O marcujá também gostoso e f rio
entre as f ruitas merece nome e brio;
tem nas pev ides ma is gostoso agrado,
do que açúcar rosado;
é be lo, cord ia l, e como é mole,
qual suave manja r todo se engo le.
Ve re is os ananases,
que pa ra re i das f ruitas são capazes;
vestem- se de esca rlata
com majestade gra ta,
que pa ra te r do Império a grav idade
logram da croa ve rde a ma jestade;
mas quando têm a croa levantada
de p icantes espinhos adornada,
nos mostram que entre Re is, entre R ainhas
não há croa no Mundo sem espinhas.
Este pomo ce lebra toda a gente ,
é muito ma is que o pêssego exce lente,
po is lhe leva aventagem gracioso
por ma ior, por mais doce, e ma is che iroso.
Além das f ruitas, que esta te rra cria,
também não fa ltam outras na Bahia;
a mangava m imosa
sa lpicada de t intas por fe rmosa ,
tem o cheiro famoso,
como se fo ra a lm ísca r o lo roso;
produze-se no mato
sem que re r da cultura o duro tra to,
que como em si toda a bondade apura ,
não que r deve r aos homens a cultura.
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Oh que ga lha rda f ruita , e sobe rana
sem te r indústria humana,
e se Jove as t ira ra dos pomares,
por ambrósia as puse ra entre os manja res!
C om a mangava be la a seme lhança
do macujé se a lcança;
que também se produz no mato inculto
por sobe rano indulto:
e sem faze r ao me l injusto agravo ,
na boca se desfaz qua l doce favo .
Outras f ruitas d isse ra, porém, basta
das que tenho descrito a vá ria casta;
e vamos aos legumes, que p lantados
são do Brasil sustentos duplicados:
os mangarás que brancos, ou ve rme lhos,
são da abundância espe lhos;
os cândidos inhames, se não m into,
podem tira r a fome ao ma is f am into.
As ba ta tas, que assadas, ou cozidas
são muito ape tecidas;
de las se faz a rica ba ta tada
das Bélg icas nações so licitada.
Os ca rás, que de roxo estão vestidos,
são ló ios dos legumes parecidos,
dentro são alvos, cuja cor honesta
se quis cobrir de roxo por modesta .
A mandioca, que Tomé sagrado
deu ao gentio amado,
tem nas raízes a fa rinha oculta:
que sempre o que é fe l iz, se d if iculta .
E pa rece que a te rra de amorosa
se abraça com seu f ruto de leitosa;
de la se faz com tanta a tiv idade
a fa rinha , que em fácil brev idade
no mesmo d ia sem trabalho muito
se a rranca , se desfaz, se coze o f ruito;
de la se faz também com ma is cuidado
o be ij u rega lado,
que fe ito tenro por curioso amigo
grande ventagem leva ao pão de trigo.
Os a ip ins se aparentam
coa mandioca , e ta l favor a lentam,
que tem qualque r, cozido, ou se ja assado,
das castanhas da Europa o mesmo agrado.
O milho , que se p lanta sem fad igas,
todo o ano nos dá fáce is e sp igas,
e é tão fe cundo em um e em outro fi lho ,
que são mãos l ibe ra is as mãos de m ilho.
O a rroz semeado
fe rti lmente se vê mult ip licado;
ca le -se de Va lença, por estranha
o que tributa a Espanha ,
ca le -se do Oriente
o que come o gentio, e a l ísia gente;
que o do Brasil quando se vê cozido
como tem ma is substância, é ma is crescido.
Tenho explicado as f ruitas e legumes,
que dão a Portuga l muitos ciúmes;
tenho recopilado
o que o Brasil contém para invejado,
e pa ra prefe rir a toda a te rra ,
em si pe rfe itos quatro AA ence rra .
Tem o primeiro A, nos a rvoredos
sempre ve rdes aos o lhos, sempre ledos;
tem o segundo A, nos a res puros
na tempérie agradáveis e seguros;
tem o te rce iro A, nas águas f ria s,
que re f rescam o pe ito, e são sadias;
o quatro A, no açúcar de le itoso ,
que é do Mundo o regalo ma is m imoso.
São po is os quatro AA por singula res
Arvoredos, Açúcar, Águas, Ares.
Nesta i lha está mui ledo, e mui v istoso
um Engenho famoso,
que quando quis o f ado antigamente
e ra R e i dos engenhos preminente ,
e quando Holanda pé rf ida e nociva
o que imou, renasceu qua l F ênix v iva.
Aqui se fabrica ram três cape las
d itosamente belas,
uma se esmera em fo rta le za tanta ,
que de abóbada fo rte se levanta;
da Senhora das Neves se ape lida,
renovando a p iedade escla recida ,
quando em devoto sonho se viu posto
o nevado candor no mês de agosto.
Outra cape la vemos fabricada,
A Xav ie r ilustre dedicada,
que o Maldonado Pá roco entendido
este edif ício f e z agradecido
a Xavie r, que foi em sacro a lento
g ló ria da Igreja, do J apão portento .
Outra cape la aqui se reconhece,
cujo nome a engrandece,
po is se dedica à C once ição sagrada
da Virgem pura sempre imaculada ,
que fo i por singula r e ma is fe rmosa
sem manchas lua , sem espinhos rosa .
Esta Ilha de Maré, ou de a legria,
que é te rmo da Bahia,
tem quase tudo quanto o Brasil todo ,
que de todo o Brasil é breve apodo;
e se a lgum- tempo Cite ré ia a achara,
por e sta sua Chipre despreza ra,
porém tem com Maria ve rdade ira
outra Vênus me lhor por padroeira.
***
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ANEXO B
Cartilha ilustrada contra a Dengue
O mosquito que transmite a dengue, o
Aedes aegypti, precisa de água parada
e limpa para se reproduzir. C om
medidas simples e preventivas , é
possível impedir que isso aconteça.
Veja como se faz.
1. Nunca deixe água parada em pneus,
pratos, bacias, etc.
2. Mantenha bem tampados todos os
depósitos de água.
3. Após regar as plantas, lave os pratos de
apoio dos vasos.
4. Alerte os adultos para limparem as lajes e
calhas de casa.
5. Lave os bebedouros de aves e animais toda
semana, esfregando bem a parte interna.
6. Guarde garrafas vazias de cabeça para
baixo.
7. Coloque sempre o lixo em sacos plásticos e
feche-os bem.
8. Na estação das chuvas e do calor, é preciso ficar mais alerta, aumentando os cuidados. Faça a
sua parte: ajude a repassar essas informações para seus familiares, amigos e vizinhos!
Fonte: http://www.picarelli.com/o_povo_na_tv/report 27022003a.htm com base na Revista Nova Escola
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Fonte: OLIVEIRA, Cláudia. Ilhas são paraísos esquecidos. A Tarde, Salvador, 13 nov. 2005. Caderno Local, p. 10-11
ANEXO C – Ilhas Abandonadas
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