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CURSO DE DIREITO
“PATERNIDADE AFETIVA: CONCEITO DE FILIAÇÃO E POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS A RESPEITO”
RAQUEL SOUTO GRACIANI
RA: 475388/8 TURMA: 3109- A FONE: (11) 3696-3547 E-MAIL: quelsg@yahoo.com.br
São Paulo
2009
ii
PATERNIDADE AFETIVA: CONCEITO DE FILIAÇÃO E POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS A RESPEITO.
Monografia apresentada à Banca Examinadora do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, como exigência parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito, sob a orientação da Professora Ana Elizabeth Lapa Wanderley Cavalcanti.
São Paulo
iii
2009
4
BANCA EXAMINADORA:
Professor Orientador:________________________________
Professora Ana Elizabeth Lapa Wanderley Cavalcanti
Professor Argüidor: _________________________________
Professor Argüidor: _________________________________
5
Dedico este trabalho a Deus e a Sidnéia, minha mãe.
Agradeço à professora Ana Elizabeth que, com tanto desprendimento me orientou. Também agradeço
6
aos meus amigos Reginaldo, Vera Lúcia e Marisa pelo apoio e incentivo constantes.
Sinopse
Após a chegada da Carta Magna de 1988, surge um novo conceito de
paternidade que é fundado no afeto, e que vem ganhando cada vez mais espaço
nos ensinamentos doutrinários e também nas decisões judiciais dos tribunais
pátrios.
A idéia da verdade biológica como verdade absoluta para a resolução de
conflitos concernente a atribuição ou desconstituição da paternidade, acaba sendo
abrandada em decorrência da interpretação sistemática da Constituição Federal em
vigência e do Código Civil de 2002, que apontam para a possibilidade das relações
paterno-filiais serem originadas tão-somente no afeto.
Assim, o presente trabalho tem por escopo expor a eficácia e o
reconhecimento jurídico da chamada paternidade afetiva, analisando-se, para tanto,
a evolução histórica da família e do direito de família, os princípios constitucionais e
normas infraconstitucionais que dão base ao mesmo, as modalidades de
paternidade afetiva apresentadas como posse de estado de filiação, adoção à
brasileira e inseminação artificial heteróloga, bem como o conceito de filiação. Por
fim, cabe ressaltar, que foram expostas ao longo do presente, decisões judiciais que
privilegiaram o vínculo paterno-filial socioafetivo.
7
SUMÁRIO
Introdução....................................................................................................................... 8
1 Evolução Histórica Do Direito De Família. ............................................................ 10
1.1 Evolução da Família no Tocante à Filiação, e o Código Civil de 1916. ........14
1.2 Evolução Legislativa do Direito de Família: A Igualdade de Filiação............19
2 Paternidade Afetiva Sob o Enfoque dos Princípios Constitucionais Consagrados na Constituição Federal de 1988....................................................................................... 24
2.1 Base Jurídica ao Novo Paradigma da Socioafetividade: Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002. .................................................................................28
3 Paternidade Afetiva ............................................................................................... 31
3.1 Modalidades de Paternidade Afetiva: Posse de Estado de Filiação, Adoção à Brasileira, Inseminação Artificial Heteróloga.............................................................40
3.2 Conceito de Filiação .....................................................................................46
4 Paternidade Afetiva nas Ações de Desconstituição e Identificação de Filiação. .. 49
4.1 Investigação de Paternidade: Direito da Personalidade. ..............................49
4.2 Ação de Impugnação de Reconhecimento. ..................................................53
4.3 Ação de Negatória de Paternidade...............................................................56
4.4 Ação Anulatória de Registro. ........................................................................59
Conclusão..................................................................................................................... 63
Bibliografia .................................................................................................................... 66
8
Introdução
A sociedade brasileira vem passando por uma grande evolução no âmbito
do direito de família. A Douta Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul, Maria Berenice Dias, defende a idéia de que não se deve mais falar em
“direito de família” e sim em “direito das famílias” 1, tal a evolução em que este
campo tem experimentado.
No tocante à filiação, também ocorreram mudanças substanciais sobre o
assunto. Hodiernamente impera-se o princípio da afetividade como construtor dos
laços familiares, influenciando incisivamente a respeito da paternidade no direito
pátrio.
Assim este trabalho tem por propósito trazer à baila uma realidade fática que
vem ocupando espaço no âmbito jurídico, com criações doutrinárias, bem como
jurisprudenciais, que é a paternidade afetiva.
Para tanto, fora dividido em quatro capítulos o tema em questão, sendo que
no primeiro capítulo estudamos a evolução da família e do direito da família, bem
como a evolução legislativa no tocante especificamente à filiação. Tais
considerações são importantes a fim de ser possível entender o porquê do
alargamento do conceito de parentesco e de filiação, nos fazendo pensar na longa
caminhada que o direito brasileiro transcorreu para se chegar à igualdade de
filiação, e assim, na filiação sócioafetiva.
A seguir, no segundo capítulo, tratamos dos princípios constitucionais que
dão bases sólidas para o conceito de paternidade afetiva, cabendo destacar os
princípios do melhor interesse da criança, da dignidade da pessoa humana, bem
como da afetividade. Nessa mesma esteira, a fim de promover solidez jurídica à
relação paterno-filial afetiva, estudamos também os dispositivos Constitucionais e
Infraconstitucionais previstos no Código Civil de 2002 que, conjuntamente acabaram
1 Maria Berenice Dias. Manual de Direito das Famílias, p. 35
9
por preencher o vácuo da lei em não prever expressamente a posse de estado de
filiação, e outras modalidades de paternidade afetiva.
No terceiro capítulo estudamos a paternidade afetiva em si, bem como as
três formas em que ela se apresenta, quais sejam, a posse de estado de filiação, a
adoção à brasileira e a inseminação artificial heteróloga. Neste mesmo âmbito,
analisou-se o conceito de filiação, que, devido às mudanças concretizadas após a
Constituição Federal de 1988, acabou por sendo ampliado, em decorrência,
notadamente, do princípio constitucional da igualdade da filiação.
E, por fim, no último capítulo analisamos algumas ações de identificação e
desconstituição da relação paterno-filial, quais sejam, as ações de impugnação ao
reconhecimento de filiação, de impugnação de paternidade, anulatória de registro e,
de investigação de paternidade, objetivando, para tanto, ressaltar a forte influência
da paternidade sócioafetiva nas decisões judiciais, bem como nos ensinamentos
doutrinários.
Diante do exposto, cabe salientar, portanto, que o presente trabalho teve por
desígnio ressaltar a importância do novo conceito de paternidade no Brasil, e a sua
colocação jurídica no cenário do direito brasileiro. Conquanto, é um tema atual e
ainda de grande polêmica. Afinal, quem nunca ouviu a famosa frase que pai é
aquele que cria e não o que gera?
10
1 Evolução Histórica Do Direito De Família.
Inicialmente, é importante ressaltar que o instituto de direito de família vem
passando por significativas mudanças ao longo da história. Este, nas palavras de
Everton Leandro Costa, “é um dos ramos da ciência jurídica com maior evolução
desde a promulgação do primeiro Código Civil Brasileiro” 2.
Observa-se, assim, que a sociedade brasileira passou por diversas
transformações nesse âmbito que acabaram por se refletir no Direito.
O núcleo familiar tradicional, constituído tão somente pelo matrimônio, do
qual advinham os filhos legítimos e se estruturava em um modelo hierárquico
patriarcal, passou por uma série de modificações.
Hoje não se fala somente na família constituída pelo casamento, ou em
pátrio-poder e em filhos ilegítimos, adulterinos ou espúrios, mas sim, em diversos
tipos de entidades familiares, em poder-dever e em igualdade de filiação.
Prepondera-se, atualmente, outra concepção do que seja família. Se antes
apenas a família legítima, ou seja, a que tinha origem no casamento, era amparada
e reconhecida pelo Estado, hoje podemos verificar uma ampliação do conceito de
família, contudo, pela valorização jurídica do afeto.
Para a Douta desembargadora Maria Berenice Dias, “A valorização do afeto
nas relações familiares não se cinge apenas ao momento de celebração do
casamento, devendo perdurar por toda a relação.” 3, logo em seguida, continua o
raciocínio afirmando que, “cessado o afeto, está ruída a base de sustentação da
família, e a dissolução do vínculo é o único modo de garantir a dignidade da
pessoa.” 4.
2 Paternidade sócio-afetiva. Instituto Brasileiro de Direito de Família. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=274>. Everton Leandro Costa. Acesso em: 16 de julho de 2009. 3 Maria Berenice Dias. Manual de Direito das Famílias, p. 28 4 Maria Berenice Dias. op cit, p. 28
11
Em outras palavras, utilizadas pelo professor Paulo Lobo, tem-se que “a
família atual está matrizada em paradigma que explica sua função atual: a
afetividade. Assim, enquanto houver affectio haverá família” 5.
Não somente o conceito de família se alargou pelo preceito acima descrito,
qual seja, o afeto, mas também houveram alargamentos no conceito de paternidade
bem como no de filiação, sendo amplamente discutido na doutrina e jurisprudência o
que hoje faz parte de uma realidade social, a paternidade afetiva.
Porém, antes de se falar sobre o que vem a ser a paternidade afetiva e a
sua repercussão no mundo jurídico, é importante fazer uma construção histórica da
evolução da família, para se entender como que hoje se chegou a este conceito, que
acabou por dar primazia ao afeto do que a própria verdade biológica ou jurídica para
se estabelecer quem é o pai de uma criança.
Nesse contexto, utilizo os ensinamentos do professor Orlando Gomes6, que
em seu livro “Direito de Família”, acompanhou a evolução da família em três
situações distintas e sucessivas encaradas pela sociedade sob o prisma do
desenvolvimento econômico, assim fez aproveitando o modelo italiano que o
separou nas fases pré-industrial, da revolução industrial e do capitalismo avançado.
Sob este prisma, tem-se que o grupo familiar, na fase pré-industrial tinha
uma formação extensiva, com incentivo à procriação. Formavam comunidades rurais
marcadas pelo exercício da atividade produtiva, a família “produzia praticamente
tudo o que consumia. A casa era o centro de produção doméstica, da qual
participavam todos os membros” 7.
Acrescenta-se a estes, os ensinamentos de Maria Berenice Dias que
apontou que nesta fase o “crescimento da família ensejava melhores condições de
sobrevivência a todos, O núcleo familiar dispunha de perfil hierarquizado e
patriarcal” 8
5 Paulo Lobo. Direito Civil: Famílias, p. 1. 6 Orlando Gomes. Direito de Família, p. 17-21. 7Orlando Gomes. op cit, p. 17. 8 Maria Berenice Dias. Manual de Direito das Famílias, p. 28
12
Já, na fase da revolução industrial, “A produção doméstica é substituída pela
produção fabril.” 9. Havia, assim, uma maior necessidade de mão-de-obra, que
ensejou a entrada das mulheres e menores nas fábricas, modificando-se
sobremaneira a realidade e o papel da família.
A título de complementação ao que fora acima mencionado, Maria Berenice
Dias assinalou que, com o ingresso da mulher no mercado de trabalho, o homem
deixou “de ser a única fonte de subsistência da família, que se tornou nuclear,
restrita ao casal e a sua prole. Acabou a prevalência do caráter produtivo e
reprodutivo da família, que migrou para as cidades e passou a conviver em espaços
menores. Isso levou à aproximação de seus membros, sendo mais prestigiado o
vínculo afetivo que envolve seus integrantes.” 10
Por fim, na fase do capitalismo avançado, a organização da família passou a
se caracterizar “pela ampliação das tarefas de satisfação das necessidades de seus
membros e pela institucionalização das atividades e das listas de prestações para
satisfazê-las” 11. Orlando Gomes explica que neste período, a família passou a ter
uma função de consumo, convertendo-se o objetivo de bem- estar em uma
“necessidade política, todos aspirando à saúde, alimentação, repouso, lazer,
instrução, condições favoráveis de trabalho e de vida decente sem os controles
sociais tradicionais” 12.
Acentuaram-se nesta fase os laços de afeto, carinho e amor, entre os
membros da família, atenuando-se por vez o modelo patriarcal e hierárquico que
antes a compunha. Veja o posicionamento do autor:
“Outro é hoje o comportamento dos membros de
uma família nuclear. Não mais o marido tirano, mulher
submissa e filhos aterrados. O ambiente familiar descontrai-
se e as relações entre marido e mulher e entre pais e filhos
travam-se numa atmosfera bem diferente, cada qual destes
9 Orlando Gomes. Direito de família, p. 17. 10 Maria Berenice Dias. Manual de Direito das Famílias, p. 28 11 Orlando Gomes. Direito de família, p. 17 12 Orlando Gomes. Direito de família, p. 18
13
membros do grupo movendo-se com liberdade, ou ao menos
compreensão dos outros”.13
Nesse ponto, cabe salientar mais uma vez as seguintes palavras utilizadas
pelo professor Orlando Gomes:
“Agrade ou não, o ‘traço dominante da evolução da
família é – na correta observação de Levy Bruthl – a sua
tendência a se tornar um grupo cada vez menos organizado e
hierarquizado e que cada vez mais se funda na afeição
mútua.
Essa tendência reflete-se no campo do Direito de
Família determinando a modificação de conceitos jurídicos
básicos e a substituição de princípios fundamentais.” 14.
Destarte, faço uso das palavras de Rafaele F Rocha e Gleick Meira Oliveira
para concluir “que a família evoluiu e continua evoluindo sob a conquista do afeto.” 15.
Não é pra menos que o próprio conceito de família mudou. De acordo com
as autoras supracitadas, hoje, acabamos por nos deparar com “outra realidade
social; um novo conceito de família onde pais e filhos são unidos pelos laços do
amor. Passou-se a visualizar os vínculos familiares pela ótica da afetividade” 16
Nesse ponto, passo a destacar logo abaixo as palavras utilizadas pelo professor
Paulo Lobo, que escreveu sobre o assunto:
“A família atual busca sua identificação na
solidariedade (art. 3º, I, da Constituição) como um dos
fundamentos da afetividade, após o individualismo triunfante
dos dois últimos séculos” 17
13 Orlando Gomes. Direito de família, p. 18 14 Orlando Gomes. Direito de família, p. 21. 15Paternidade Sócio-afetiva: o afeto faz apelo à paternidade. Instituto Brasileiro de Direito de Família. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigos=451>. Rafaele F. Rocha e Gleick Meira Oliveira. Acesso em: 16 de julho de 2009. 16 Rafaele F. Rocha e Gleick Meira Oliveira.op cit. 17 Paulo Lobo. Direito Civil: Famílias, p. 2.
14
Ora, concomitantemente com a evolução da família, ocorreram
transformações também, especificamente, no campo da parentalidade, modificando-
se o conceito de filiação e o papel do pai na relação paterno-filial.
Com primazia nas relações de afeição mútua, ocorreu aquilo que muitos
doutrinadores chamam de desbiologização da paternidade. Também uma frase que
há muito tempo existia e que agora vem tomando cada vez mais destaque neste
palco, é que pai é aquele que cria. Assim, conforme Thiago Felipe Vargas Simões
citou em seu artigo “A família afetiva – O afeto como formador de família” pode-se
dizer que:
“Inegável é que o afeto encontra-se presente nas
relações familiares tradicionais, sendo caracterizadas no
tratamento/relação mútuo entre os cônjuges e destes para
com seus filhos, que se vinculam não só pelo sangue, mas
por amor e carinho.” 18
É neste prisma que passamos para o próximo tópico, em que se dará maior
enfoque à evolução da família nas relações de parentesco, no que tange à
paternidade e filiação.
1.1 Evolução da Família no Tocante à Filiação, e o Código Civil de 1916.
Como fora visto no tópico anterior, antes que a família chegasse a um ponto
de democratização, “coordenação e comunhão de interesses e de vida” 19, ela
estava estruturada em um modelo patriarcal e hierarquizado, no qual era legitimado
“o exercício dos poderes masculinos sobre a mulher – poder marital, e sobre os
filhos – pátrio poder.”20
18 A família afetiva - O afeto como formador de família. Instituto Brasileiro de Direito de Família. Disponível em: <http://www.ibdfam,org.br/?artigos&artigos=336>. Thiago Felipe Vargas Simões. Acesso em: 10 de abril de 2009. 19 Paulo Lobo. Direito Civil: Famílias, p. 2. 20 Paulo Lobo. op Cit., p. 2
15
A união do homem à mulher por meio do casamento era o meio exclusivo
pelo qual se constituía a família, pelos ensinamentos de Luiz Roberto de
Assumpção, “Os filhos nascidos dessa união sentiam, diretamente, tais efeitos, uma
vez que sua legitimidade dependia da preexistência desta na relação dos pais, sem
o que lhes era, em princípio, negado o acesso à condição jurídica de filhos e sua
respectiva proteção.” 21 Podendo-se citar o seguinte:
“A radiografia da estrutura da família revelava um
conjunto, composto de adultos (cônjuges) e crianças (filhos)
em que, por força deste enfoque, a relação paterno-filial
estava vinculada à conjugal, tanto que um dos direitos e
deveres decorrentes do casamento era a guarda, sustento e
educação dos filhos legítimos” 22
Destarte, constata-se que o sistema de filiação fora fortemente influenciado
pela família patriarcal, “com base em uma orientação advinda do direito romano, a
qual postulava que da união do homem com a mulher decorriam dois tipos de filhos,
o legítimo (quando os pais eram casados entre si), e o ilegítimo (fruto de um caso
havido fora do concubinato).” 23.
Era sobre esta concepção de família acima exposta, que surgiu a Lei n°
3.071, de 1° de Janeiro de 1916 (Código Civil), incorporando em sua legislação toda
a estrutura supracitada, reinando na mesma um modelo extremamente desigual
entre os componentes familiares, altamente discriminatório e evidentemente a
proteção jurídica se voltava para o campo patrimonial dessas relações.
Assim, na antiga legislação civil, a relação paterno-filial e os direitos desta
decorrente, havia “origem no casamento e na consangüinidade, garantindo proteção
somente à família legítima, afastando os filhos de uniões não matrimonializadas de
21 Luiz Roberto de Assumpção. Aspectos da paternidade no Novo código Civil, p.31 22Luiz Roberto de Assumpção. Aspectos da paternidade no Novo código Civil, p.32. 23 Filiação socioafetiva: Uma nova dimensão afetiva das relações parentais. Instituto Brasileiro de Direito de Família. Disponível em:<http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigos=381>. Ana Surany M. Costa. Acesso em: 16 de julho de 2009.
16
qualquer proteção legal, além de qualquer possibilidade de ameaça aos filhos
oriundos do enlace matrimonial.” 24
Os filhos, portanto, sofriam um tratamento social e jurídico desigual, alguns,
nem podiam ser reconhecidos como tal, sendo a estes restringidos direitos dos quais
os filhos legítimos gozavam.
Além disso, tem-se que outras formas de classificação em relação aos filhos
foram surgindo, adjetivos como espúrios, adulterinos, bastardos, ilegítimos eram
amplamente utilizados. Nesse sentido, estão as seguintes palavras de Ana Surany
M. Costa, vejamos:
“os filhos ilegítimos se subdividiam em dois grupos:
os naturais, oriundos do concubinato, representando uma
terceira que surgiu no direito pós-clássico; e os espúrios, que
receberam tal designação devido a impedimentos de os pais
se casarem à época de sua concepção. Ressalte-se que a
filiação espúria se subdivide em espúrios incestuosos, cujo
impedimento decorre de parentesco próximo dos genitores,
ou de afinidade; e, espúrio adulterino, cujo impedimento se dá
em função de um deles já ser casado com outra pessoa.
Havendo, dessa forma, a violação do dever de fidelidade
recíproca.” 25
Os artigos 337 e 358 do Código Civil de 1916 em sua redação original, bem
retratam a nítida separação que era feita no tocante à filiação legítima e ilegítima,
bem como a resistência no reconhecimento dos filhos concebidos fora do casamento
ou oriundos de impedimento legal entre o casal. Assim, quanto ao primeiro artigo,
temos in verbis: “São legítimos os filhos concebidos na constância do casamento,
ainda que anulado (art. 217), ou mesmo nulo, se se contraiu de boa-fé (art. 221), e
no segundo, in verbis: “Os filhos incestuosos e os adulterinos não podem ser
reconhecidos”.
24 Filiação socioafetiva: Uma nova dimensão afetiva das relações parentais. Instituto Brasileiro de Direito de Família. Disponível em:<http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigos=381>. Ana Surany M. Costa. Acesso em: 16 de julho de 2009. 25 Filiação socioafetiva: Uma nova dimensão afetiva das relações parentais. Instituto Brasileiro de Direito de Família. Disponível em:<http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigos=381>. Ana Surany M. Costa. Acesso em: 16 de julho de 2009.
17
Ocorre que, assim como se operaram mudanças de paradigmas no que
concerne à concepção da família, em decorrência do estreitamento dos laços de
afeto entre seus membros, igualmente, as formas de identificação da parentalidade
sofreram mutações, sobretudo em decorrência da cessação da discriminação havida
entre os filhos, bem como no surgimento, conforme aduz Maria Berenice Dias, em
“novos conceitos e uma linguagem que melhor retrata a realidade atual: filiação
social, filiação sócio-afetiva, posse de estado de filho.” 26, cabendo ressaltar o que
se segue:
“Ditas expressões nada mais significam do que a
consagração, também no campo da parentalidade, do novo
elemento estruturante do direito de família. Tal como
aconteceu com a entidade familiar, a filiação começou a ser
identificada pelo vinculo afetivo paterno filiar. Ampliou-se o
conceito de paternidade, que passou a compreender o
parentesco psicológico, que prevalece sobre a verdade
biológica e a realidade legal.” 27
Assim, tem-se que, acompanhando a evolução histórica da família, a relação
paterno-filial também passou a ser identificada pela presença da afetividade. Nesse
sentido:
“Ser pai era considerado algo da ordem natural e
da ciência, mas as mudanças sócio-econômicas e culturais
que consolidaram nos últimos tempos, juntamente com a
promulgação da Constituição Federal de 1988, mostraram-
nos que a paternidade requer envolvimento afetivo e
primordialmente resguardar a dignidade da pessoa humana e
os interesse da criança.
Culturalmente vem sendo analisada que a
paternidade não é somente um ‘dado’, ela ‘se faz, se constrói
26 Maria Berenice Dias. Manual de direito das famílias, p. 320. 27 Maria Berenice Dias. op cit., p. 320.
18
com o passar do tempo, com dedicação, atenção, respeito,
carinho, zelo, etc.” 28
Esse estreitamento na relação entre o pai e o filho foi tão grande que hoje é
amplamente discutido aquilo que os doutrinadores passaram a chamar de
paternidade afetiva. Conforme o texto acima exposto aufere-se que ser pai não é
apenas um dado. Não parte de uma presunção legal ou de uma verdade biológica.
Ser pai hoje, se deve, sobretudo, a uma construção social afetiva.
Ora, conforme as mudanças ocorridas no seio da sociedade operaram-se
mudanças também em nosso sistema jurídico. Assim, pode-se dizer que:
“A lei corresponde sempre ao congelamento de uma
realidade dada, de modo que a família juridicamente regulada
nunca é multifacetada como a família natural. Esta preexiste
ao Estado e está acima do direito. As modificações da
realidade acabam se refletindo na lei, cumprindo assim sua
vocação conservadora.” 29
Pouco a pouco o Código Civil de 1916 fora sendo modificado pelos novos
valores que iam se inserindo na sociedade. Constituição após Constituição, lei após
lei foram surgindo acompanhando a evolução no campo da família e culminando, por
fim, na promulgação da Constituição Federal da República de 1988, que consagrou
princípios que agora regem e tomam lugar nas soluções de conflitos no âmbito
familiar e que servem de norte quando nos deparamos com a realidade de uma
filiação afetiva e o reconhecimento de direitos e deveres oriundos desta em relação
ao pai.
Diz-se, então, ser a Carta Federal de 1988 um divisor de águas entre o
modelo autoritário instituído pelo Código Civil de 1916, e o igualitário posto naquela.
E é neste contexto que passamos para o próximo tópico que irá dispor sobre
a evolução legislativa no que concerne à filiação, desde a concepção patrimonial do
código civil de 1916, até a promulgação da atual Constituição.
28 Paternidade sócio-afetiva. Instituto Brasileiro de Direito de Família. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=274>. Everton Leandro Costa. Acesso em: 16 de julho de 2009. 29 Maria Berenice Dias. Manual de Direito das Famílias, p. 27
19
1.2 Evolução Legislativa do Direito de Família: A Igualdade de Filiação.
Sabe-se que o direito evolui conforme vão se operando mudanças na
sociedade. Sob este enfoque, cabe ressaltar os ensinamentos de Orlando Gomes,
quando, ainda em seu livro “Direito de família”, enfatizou que a tendência da família
em se fundar cada vez mais em afeição mútua repercutiria no campo do direito,
“determinando modificações de conceitos jurídicos básicos e a substituição de
princípios fundamentais”.30
Ora, o direito de família não poderia ficar fora das bruscas transformações
ocorridas ao longo do século XX, “sendo certo que a partir de 1° de janeiro de 1917,
data em que entrou em vigor o referido Código tanto o legislador ordinário como o
constituinte, sentiram a necessidade de modificar aquela primitiva codificação,
adaptando o regramento substantivo às mutações sociais e que até hoje vem se
adaptando gradativamente”31.
Sob este enfoque, sigo a sequência realizada por Luiz Roberto de
Assumpção, que em seu livro “Aspectos da paternidade no novo código civil”, bem
esquematizou a evolução legislativa no campo da família sob o enfoque da luta pela
igualdade dos filhos no campo jurídico, que pelas palavras deste, “tem uma história
marcada por inomináveis injustiças, desigualdades e discriminações”.32
Primeiramente, cabe frisar que as Constituições anteriores ao Código Civil
de 1916, ou seja, as de 1824 e 1891, não faziam qualquer menção sobre a família.
Somente, com o advento da constituição de 1934 é que se passou a ter referencia
explícita à mesma.
A Constituição acima citada reservou um capítulo inteiro para a família,
sendo que em seu artigo 144, determinou, in verbis, que: “A familia, constituída pelo
30 Orlando Gomes. Direito de família, p. 21. 31 Paternidade sócio-afetiva. Instituto Brasileiro de Direito de Família. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=274>. Everton Leandro Costa. Acesso em: 16 de julho de 2009. 32 Luiz Roberto de Assumpção. Aspectos da paternidade no Novo código Civil, p. 19
20
casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado”. Podendo-se
observar que ela passou a reconhecer apenas as famílias legítimas.
A próxima Carta constitucional, ou seja, a de 1937, após estabelecer que a
família seria constituída pelo casamento indissolúvel (artigo 124), designou em seu
artigo 126 que deveria ser facilitado o reconhecimento dos filhos naturais, igualando-
os, após o respectivo reconhecimento, aos filhos legítimos.
Já as Constituições Federais de 1946 e a de 1967, não mencionaram
qualquer norma sobre a filiação ilegítima. Porém, o Decreto Lei n. 4737, de 24 de
setembro de 1942, trouxe, nas palavras de Luiz Roberto de Assumpção, uma
“arrojada evolução legislativa sobre o estado de filiação legítima” 33, porquanto
“permitiu o reconhecimento voluntário e forçado dos filhos adulterinos” 34, que só
poderia ser feito após o desquite do pai.
Outro progresso importante se deu com a introdução da Lei n. 883, de 21 de
outubro de 1949, que acabou por amenizar a discriminação havida no campo da
filiação, dispondo em seu artigo 6º, que todos os filhos concebidos fora do
casamento teriam o direito de serem reconhecidos, no entanto, este reconhecimento
estava subordinado à dissolução conjugal.
Continuava, no entanto “a proibição do reconhecimento de filhos incestuosos
e dos adulterinos na constância do casamento, vedação somente banida do nosso
direito pela Constituição Federal de 1988”.35
Logo, adveio a Lei n. 6.515 de 26 de dezembro de 1977- Lei do Divórcio,
que “introduziu substanciais alterações no direito de família, tanto no campo das
causas permissivas da dissolução da sociedade conjugal quanto do direito do
reconhecimento voluntário e forçado do filho havido fora do matrimônio”36, porém,
“não permitiu o reconhecimento pleno e incondicional dos chamados filhos
espúrios.”37
33 Aspectos da paternidade no novo Código Civil, p. 20. 34 Aspectos da paternidade no novo Código Civil, p. 20. 35 Luiz Roberto de Assumpção. Aspectos da paternidade no Novo código Civil, p.22. 36 Luiz Roberto de Assumpção. Aspectos da paternidade no Novo código Civil, p.23 37 Luiz Roberto de Assumpção. p. cit., p. 23.
21
Foi assim que surgiu a Lei n. 7.250 de 14 de novembro de 1984, que
introduziu o §2º no artigo 1º da legislação acima citada, designando que o filho
havido fora do matrimonio poderia ser reconhecido pelo cônjuge separado de fato a
mais de cinco anos contínuos, mediante sentença transitada em julgado.
Somente com o advento da Carta Magna de 1988 é que se acabou de vez
com a desigualdade na filiação permeada nas legislações anteriores.
“A história legislativa do reconhecimento judicial da
paternidade denota a crise do sistema esculpido no Código
Civil de 1916, que distinguia, de forma discriminatória e
injustificada, os filhos ‘legítimos’ dos ‘ilegítimos’,
categorizando a filiação e imprimindo proteção superior aos
filhos havidos na constância do casamento” 38
Desta forma, tem-se que a atual Carta Magna foi o fruto da evolução social e
legislativa do direito de família, podendo-se afirmar que:
“No curso do século XX, os contornos familiares,
inicialmente traçados, sofreram gradativas modificações, de
modo que, quando a Constituição Federal de 1988 passou a
tratar da família, encontrou a mulher casada em melhor
situação jurídica, os filhos ilegítimos com maior acesso aos
status de filiação reconhecida e as relações extramatrimoniais
produzindo efeitos jurídicos” 39
Maria Berenice Dias ao citar as palavras de Zeno Veloso em seu livro
“Manual de direito das famílias”, enfatizou que a Constituição de 1988, “num único
dispositivo, espancou séculos de hipocrisia e preconceito” 40. Isto porque:
“Instaurou a igualdade entre o homem e a mulher e
esgarçou o conceito de família, passando a proteger de forma
igualitária todos os seus membros. Estendeu igual proteção à
família constituída pelo casamento , bem como à união
estável entre o homem e a mulher e à comunidade formada
por qualquer dos pais e seus descendentes, que recebeu o
38 Luiz Roberto de Assumpção. Aspectos da paternidade no Novo código Civil, p.15 39 Luiz Roberto de Assumpção. Aspectos da paternidade no novo Código Civil, p. 15 40 Maria Berenice Dias. Manual de direito das famílias, p. 30
22
nome de família monoparental. Consagrou a igualdade dos
filhos, havidos ou não do casamento, ou por adoção,
garantindo-lhes os mesmos direitos e qualificações.” 41
A Douta Desembargadora continua dizendo que “essas profundas
modificações acabaram derrogando inúmeros dispositivos da legislação então em
vigor, por não recepcionados pelo novo sistema jurídico” 42, assim, utilizou-se das
palavras de Luiz Edson para enfatizar que “após a Constituição, o Código Civil
perdeu o papel de lei fundamental do direito de família” 43
Realmente, conforme o texto supramencionado, a Constituição Federal de
1988 foi um grande marco jurídico, trazendo importantes inovações no que tange à
proteção jurídica da família, e mais especificamente, sendo precisamente o que
interessa para o deslinde deste trabalho, na proteção jurídica das relações paterno-
filiais.
Ora, com a implantação do modelo igualitário de filiação na Carta Magna,
que expurgou a possibilidade de se fazer distinção entre filhos seja qual for a
origem, pode-se aferir que a mesma acabou por dar prioridade às relações oriundas
do afeto. Assim, temos que, quer seja o filho de origem biológica ou não, a proteção
jurídica é estendida a todos eles sem qualquer distinção.
Diante disso é que nos deparamos com uma nova realidade jurídica, qual
seja, a da filiação afetiva e, neste mesmo raciocínio, a da paternidade socioafetiva.
Vem ganhando cada vez mais força, a conotação de que pai é aquele que
cria e constrói uma relação de afeto com o filho. A paternidade afetiva vem a ser,
portanto, a valorização do sentimento de afeição e amor. Nesse sentido:
“Hoje, temos por bem, dar valor ao sentimento, a
afeição, ao amor da verdadeira paternidade, não sobrepujar a
origem biológica do filho e desmistificar a supremacia da
consangüinidade, visto que a família afetiva foi
constitucionalmente reconhecida e não há motivos para os
41 Maria Berenice Dias.Manual de direito das famílias, p. 30/31 42 Maria Berenice Dias. Manual de direito das famílias, p. 31 43 Maria Berenice Dias. op cit. p.31.
23
operários do direito que se rotulam como biologistas e se
oporem resistência à filiação sociológica. Essa é a realidade!” 44
Frisa-se, nesse contexto, o comentário proferido pelo professor Nelson Nery
Junior e pela professora Rosa Maria de Andrade Nery ao artigo 1.593 do Código
Civil:
“Existem fatos que importam ao direito por trazer-lhe
conseqüências, criando ou extinguindo situações jurídicas
existentes. Esses fatos que importam para o direito, por criar,
modificar, extinguir ou transmitir direitos são ocorrências do
mundo dos fatos com interesse para o direito. (...) A
afetividade é um desses fatos que podem gerar efeitos
jurídicos de, até mesmo, criar o parentesco civil por ‘outra
origem ’” 45
É nesse sentido que os Tribunais pátrios vem consolidando em suas
decisões o amparo jurídico das filiações afetivas em detrimento da filiação
meramente biológica. Ainda que não haja previsão legal expressa agregando o
conceito de paternidade afetiva em sua amplitude, ou seja, com o reconhecimento
legal, por exemplo, dos filhos de criação, ou a “posse de estado de filho” que será
estudada mais à frente, tem-se, contudo, o reconhecimento jurídico dessas relações,
com inúmeros acórdãos que elevam e dão primazia ao vínculo afetivo
A seguir serão apontados os princípios e dispositivos legais que oferecem
base jurídica ao novo conceito amplamente utilizado da paternidade afetiva para
soluções de conflitos e designação da verdadeira filiação.
44 Paternidade sócio-afetiva. Instituto Brasileiro de Direito de Família. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=274>. Everton Leandro Costa. Acesso em: 16 de julho de 2009. 45 Nelso Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery. Código Civil Comentado, p.1060
24
2 Paternidade Afetiva Sob o Enfoque dos Princípios Constitucionais Consagrados na Constituição Federal de 1988.
Antes que se passe para o conceito de paternidade afetiva em si, deve-se
ter em mente os princípios constitucionais que dão respaldo para o mesmo.
Ab initio, podemos rapidamente citar o princípio da dignidade da pessoa humana, como princípio fundamental, o qual se pode dizer que “é o mais universal
de todos os princípios. É um macroprincípio do qual se irradiam todos os demais:
liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade e solidariedade, uma coleção de
princípios éticos”.46
É importante destacar de antemão este princípio, porque com a instituição
deste, o legislador constituinte acabou por destacar a pessoa no cenário jurídico.
“Tal fenômeno provocou a despatrimonialização e a personalização dos institutos
jurídicos, de modo a colocar a pessoa humana no centro protetor do direito” 47.
Assim, conjugado este princípios aos demais, é que teremos bases sólidas
ao reconhecimento jurídico da paternidade afetiva.
Outro princípio importantíssimo para a concretização da paternidade
socioafetiva é o princípio da igualdade. Conforme os ensinamentos de Maria
Berenice Dias:
“O sistema jurídico assegura tratamento isonômico e
proteção igualitária a todos os cidadãos no âmbito social. A
idéia central é garantir igualdade, o que interessa
particularmente ao direito, pois está ligada à idéia de
justiça.”48
Sob esse mesmo aspecto, pode-se observar que a Constituição Federal
houve por bem destacar o respectivo princípio, fazendo-o repetir nos artigos 5º
caput, 5º inciso I, 226 §5º, e especificamente no artigo 227 §6º, o qual instituiu a
igualdade de filiação, dispondo que “Os filhos, havidos ou não da relação de
46 Maria Berenice Dias. Manual de direito das famílias, p. 59 47 Maria Berenice Dias. Manual de direito das famílias, p. 60 48 Maria Berenice Dias. Manual de direito das famílias, p. 62
25
casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas
quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. Vejamos as seguintes
palavras de Maria Berenice Dias:
“A supremacia do princípio da igualdade alcançou
também os vínculos de filiação, ao ser proibida qualquer
designação discriminatória com relação aos filhos havidos ou
não da relação de casamento ou por adoção (CF 227 §6º.).
Em boa hora o constituinte acabou com a abominável
hipocrisia que rotulava a prole pelas condições dos pais.”
O princípio da igualdade veio, desse modo, a influenciar diretamente nas
relações paterno-filiais, pois, “Agora a palavra ‘filho’ não comporta nenhum adjetivo
(...) Filho é simplesmente filho.” 49
Por conseguinte, temos o princípio da proteção integral a crianças e adolescente como direito fundamental, o qual, como Maria Berenice Dias bem
asseverou, incorporado “à doutrina da proteção integral, e vedando referências
discriminatórias entre os filhos (CF 227 §6º), alterou profundamente os vínculos de
filiação.” 50
Os direitos das crianças e dos adolescentes são universalmente
reconhecidos, sendo compreendido que os menores de 18 anos necessitam de uma
específica atenção por sua qualidade de serem sujeitos em desenvolvimento, de
modo que, todos devem zelar pela proteção destes, tanto a família, quanto a
sociedade e o Estado.
Portanto, a Constituição Federal de 1988 abordou a proteção do menor com
prioridade absoluta, assegurando-lhe em seu artigo 227, caput, notadamente, o
direito à dignidade, ao respeito, à convivência familiar, bem como o colocando à
salvo de toda a forma de discriminação.
Nesse contexto, surgiu o Estatuto da Criança e do adolescente, com a
finalidade de assegurar todos os direitos e garantias fundamentais aos menores,
assim como consagrados na constituição (artigo 3º, 4º, 15 e 18, ECA).
49 Maria Berenice Dias. Manual de direto das famílias, p.65 50 Maria Berenice Dias. Manual de direito das famílias, p. 65
26
“O estatuto rege-se pelos princípios do melhor
interesse, paternidade responsável e proteção integral,
visando a conduzir o menor à maioridade de forma
responsável, constituindo-se como sujeito da própria vida,
para que possa gozar de forma plena dos seus direitos
fundamentais”. 51
Ora, pelo princípio do melhor interesse da criança que rege o respectivo
estatuto, consignatário do princípio da proteção integral a crianças e adolescentes, é
que são dirimidos os problemas concernentes à paternidade. Nos vários casos em
que o judiciário é obrigado a atuar, deve-se ter em mente este princípio, para se
determinar, por exemplo, quem é o pai da criança em uma ação de investigação de
paternidade, seria o genitor da criança? Ou aquele que por longos anos cuidou
desta como se filho seu fosse, exercitando, portanto, a paternidade afetiva?
Nessa esteira, cabe salientar as palavras do professor Paulo Lobo que
apontou que o princípio em comento “além de servir de regra de interpretação e
resolução de conflitos entre direitos, deve-se ressaltar que ‘nem o interesse dos
pais, nem o do Estado pode ser considerado o único interesse relevante para a
satisfação dos direitos das crianças”’52 Podendo se destacar também o seguinte:
“O princípio não é uma recomendação ética, mas
diretriz determinante nas relações da criança e do
adolescente com seus pais, com sua família, com a
sociedade e com o Estado.” 53
Por fim, podemos citar o princípio da afetividade, um dos mais importantes
princípios consagrados na Constituição, tendo em vista que foi por meio deste que
se operaram as principais mudanças no âmbito do direito de família, sendo uma
dessas modificações e a que realmente interesse ao presente estudo, a modificação
do conceito de paternidade.
Muito embora a Constituição não haja feito referencia expressa ao afeto em
seu texto, pode-se dizer que este princípio implícito, “resultou da evolução da família
51 Maria Berenice Dias. Manual de direito das famílias, p. 65 52 Paulo Lobo. Direito civil: Famílias, p. 54 53 Paulo Lobo. Direito civil: Famílias, p. 55
27
brasileira, nas últimas décadas do século XX, refletindo-se na doutrina jurídica e na
jurisprudência dos tribunais.” 54, podendo ser encontrado numa interpretação
sistemática e teleológica dos dispositivos constitucionais.
Seguindo o raciocínio de Paulo Lôbo 55, temos que os fundamentos para o
princípio da afetividade se encontram nos artigos 227, §6º, o qual estabeleceu a
igualdade entre os filhos seja qual for a sua origem, no artigo 227, §§ 5º e 6º,
estabelecendo a adoção como escolha afetiva, colocando os filhos adotivos em
plano de igualdade aos filhos consangüíneos, no artigo 226, §4º que instituiu a
família monoparental, formado por qualquer dos pais e seus descendentes, sendo
estes de origem biológica ou afetiva, e, por fim, no artigo 227, que resguarda a
convivência familiar às crianças e aos adolescentes, seja qual for a origem da família
(biológica ou não).
Também o Código Civil de 2002 não utilizou a palavra afeto em seu texto,
mas também o retratou, ainda que timidamente, nos artigos 1.584, parágrafo único,
1.511, 1.593, 1.596. Dentre estes, frisa-se o artigo 1.593 do qual é possível se
identificar a valoração do afeto na admissão de “outra origem à filiação além do
parentesco natural e civil.” 56
Nesse esteira, podemos observar que, “Com a consagração do afeto a
direito fundamental, resta enfraquecida a resistência dos juristas que não admitem a
igualdade de filiação biológica e a sócioafetiva. O princípio jurídico da afetividade faz
despontar a igualdade entre irmãos biológicos e adotivos e o respeito a seus direitos
fundamentais” 57
Acrescenta-se também que, a afetividade, conforme ensinamentos do
professor Paulo Lobo, é um dever jurídico “oponível aos pais e filhos e aos parentes
entre si, em caráter permanente, independentemente dos sentimentos que nutram
54 Paulo Lobo. Direito civil: Famílias, p. 48 55 Paulo Lobo. op cit., p. 48 56 Maria Berenice Dias. Manual de direito das famílias, p. 68. 57 Maria Berenice Dias.Manual de direito das famílias, p. 67.
28
entre si” 58, diferente do afeto, “como fato psicológico ou anímico, porquanto pode
ser presumida quando este faltar na realidade das relações” 59.
Tendo em vista o exposto, constata-se que os princípios constitucionais
da igualdade, da proteção integral a crianças e adolescentes do qual decorre o
princípio do melhor interesse da criança, bem como os princípios da dignidade da
pessoa humana, e o princípio da afetividade, afastam por vez qualquer discussão
sobre a origem da filiação, ou da paternidade.
2.1 Base Jurídica ao Novo Paradigma da Socioafetividade: Constituição Federal de 1988 e o Código Civil de 2002.
A paternidade afetiva ganha força jurídica, em primeiro lugar, com o advento
da Constituição Federal de 1988.
No artigo 227, §6º, da atual Constituição, pode-se auferir que, um século
inteiro de positivação de nosso direito foram lançados por terra, ao ser instituído a
igualdade de filiação, seja qual for a sua origem, concebida ou não na constância do
casamento.
“A Constituição Federal, ao adotar o sistema único de filiação, está, na
verdade, garantindo a todos os filhos o direito à paternidade, não mais se admite
que aqueles que biologicamente não são filhos não sejam juridicamente
considerados como tais.” 60
Consolidado estava que não havia requisitos a serem preenchidos para ser
pai.
Do mesmo modo, posteriormente, a fim de se adequar aos novos preceitos
trazidos pela Constituição atual, alterando assim, dispositivos legais já
58 Paulo Lobo.Direito civil: Famílias, p. 49 59 Paulo Lobo.Direito civil: Famílias, p. 48 60 Parto Anônimo e o Princípio da Afetividade: Uma Discussão da Filiação à Luz da Dignidade da Pessoa Humana. Instituto Brasileiro de Direito de Família Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=454>. Danielle Dantas Albuquerque. Acesso em: 16 de julho de 2009.
29
ultrapassados, fora que em 10 de janeiro de 2002 surgiu a Lei n. 10.406, conhecida
como novo Código Civil, rompendo com os valores instituídos no antigo Código,
como o estabelecimento de presunções de filiação ligado à sua legitimidade, bem
como estabelecendo no artigo 1.593 o parentesco fundado em “outra origem” que
não seja o da consangüinidade.
Também, no artigo 1.596, da nova legislação civil, temos uma cópia do
artigo constitucional supramencionado, suplantando a igualdade na filiação, quer
seja ela originada por vínculos de sangue, quer seja ela ligada apenas pelos
vínculos do afeto.
Além disso, podemos encontrar a paternidade afetiva nos seguintes artigos
do Código Civil: a) 1.597, V, que presumem concebidos na constância do casamento
os filhos havidos por inseminação artificial heteróloga, b) 1.605, II, que admite a
prova da posse de estado de filiação para elidir defeitos, ou a falta do termo do
nascimento e, c) 1.614, que estabelece que os filhos maiores não podem ser
reconhecidos sem o seu consentimento, podendo vir a rejeitar o pai biológico que o
reconheceu, bem como o filho menor poderá impugnar o reconhecimento nos quatro
anos que se seguirem a maioridade.
Nesse sentido, nas palavras de Paulo Lôbo, temos que:
“A Constituição rompeu com os fundamentos da
filiação na origem biológica e na legitimidade, quando igualou
os filhos de qualquer origem, inclusive os gerados por outros
pais. Do mesmo modo, o Código Civil de 2002 girou
completamente da legitimidade e de sua presunção, em torno
da qual a legislação anterior estabeleceu os requisitos da
filiação, para a paternidade de qualquer origem, não
erradicando mais e exclusivamente a origem genética.
Portanto, a origem genética, por si só, não é suficiente para
atribuir ou negar a paternidade, por força da interpretação
sistemática do Código Civil e de sua conformidade com a
Constituição.” 61
61 Paulo Lobo. Direito Civil: Famílias, p. 221
30
Nesse contexto, é importante ressaltar as palavras que Marcelo Di Rezende
Bernardes inseriu em seu artigo “Pai biológico ou afetivo? Eis a questão”, vejamos:
“Acreditamos, por certo, que este instituto jurídico
familiar identificado como paternidade socioafetiva, mesmo
ainda não respaldado com solidez pela legislação civil em
voga, mas que já vem sendo admitido pelos Tribunais do
país, enquadrado como um fato e integrado ao sistema de
direto, concretizará como a mais importante de todas as
formas jurídicas de paternidade, onde seguirão como filhos
legítimos os que descendem do amor e dos vínculos puros de
espontânea afeição, tendo um significado mais profundo do
que a verdade biológica.” 62
62 Pai biológico ou afetivo? Eis a questão. Instituto Brasileiro de Direito de Família. Disponível em:<http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=195>. Marcelo Bernardes Di Rezende. Acesso em: 16 de julho de 2009.
31
3 Paternidade Afetiva
Existem três critérios de atribuição da paternidade em nosso direito.
Além do critério sócioafetivo, objeto de nosso estudo, que é “fundado no
melhor interesse da criança e na dignidade da pessoa humana, segundo o qual pai é
o que exerce tal função, mesmo que não haja vínculo de sangue” 63, temos também
a paternidade jurídica e a biológica.
O vínculo parental jurídico vem a ser aquele previsto no artigo 1.597 do
Código Civil, “que estabelece a paternidade por presunção, independentemente da
correspondência ou não com a realidade (CC. 1.597).” 64
Nas palavras do professor Paulo Lobo, podemos constatar que o direito, em
matéria de filiação, “sempre se valeu de presunções, pela natural dificuldade em se
atribuir a paternidade ou maternidade a alguém (...) Essas presunções têm por
finalidade fixar o momento da concepção, de modo a definir a filiação e certificar a
paternidade, com os direitos e deveres decorrentes”65.
Acompanhando ainda o raciocínio deste autor, podemos enumerar algumas
presunções que estão previstas no Código Civil de 2002, vejamos:
A presunção pater is est quem nuptia demonstrant, pelo qual se aufere que
“o marido da mãe é o pai de seus filhos” 66, há, neste caso, a atribuição da
paternidade presumida a alguém, não sendo possível questioná-la se o marido da
mãe não o negar.
Temos também a presunção da paternidade, “atribuída ao que teve relações
sexuais com a mãe, no período da concepção”. 67 A presunção de exceptio plurium
63 Maria Berenice Dias. Manual de direito das famílias, p. 322. 64 Maria Berenice Dias. op cit., p. 322. 65 Paulo Lobo. Direito Civil: Famílias, p. 195 66 Maria Berenice Dias. Manual de direito das famílias, p. 323. 67 Paulo Lobo. Direito Civil: Famílias, p. 195
32
concubentium, que se opõe àquela, “quando a mãe tiver relações com mais de um
homem no período provável de concepção”.68
E, por fim, as tradicionais presunções: “de paternidade do marido, para os
filhos concebidos cento e oitenta dias após o início da convivência conjugal” 69, bem
como a de paternidade “para os filhos concebidos até trezentos dias após a
dissolução da sociedade conjugal”70
Como afirma Paulo Lobo71, a presunção pater is et, merece maior destaque,
porquanto, antes dos avanços tecnológicos e da disseminação do exame de DNA,
era difícil afirmar com exatidão quem realmente era o pai biológico do filho, assim a
sociedade acabou por se socorrer à presunção de que o marido da mãe é sempre o
pai dos filhos que nasceram da coabitação entre eles, evitando assim, a incerteza da
paternidade. Nesse raciocínio, vejamos o seguinte trecho escrito por Roberto
Paulino Albuquerque Junior:
“Para a geração que formou a sua consciência
jurídica em meio ao direito civil tradicional vivenciando a sua
transição para o direito civil contemporâneo, chega a ser
intuitivo associar o instituto da filiação ao paradigma do
biologismo. Nesse âmbito determina-se a filiação pela origem
biológica, com o auxílio de presunções legais tendentes a
facilitar a sua identificação prática, adotadas em razão das
limitações científicas que impediam, antes do advento dos
testes de DNA, a certeza a respeito da origem genética” 72
Ora, as presunções de paternidade estavam previstos no Código Civil de
1916, e foram recepcionados pelo novo Código Civil, valendo destacar trecho dos
ensinamentos de Maria Berenice Dias sobre o assunto:
“No afã de livrar-se do dever de dar proteção a
todos os cidadãos, principalmente a crianças e adolescentes,
cria o Estado mecanismos para que os filhos integrem
68 Paulo Lobo. Direito Civil: Famílias, p. 195 69 Paulo Lobo. op cit, p. 195. 70 Paulo Lobo. op cit, p. 195 71 Paulo Lobo. op cit, p. 195 72 Roberto Paulino de Albuquerque Junior. A Filiação Socioafetiva no Direito Brasileiro e a Impossibilidade de Sua Desconstituição Posterior. Revista Brasileira de Direito de Família, p. 54.
33
estruturas familiares. Por isso a família é considerada a base
da sociedade e recebe especial proteção. Tentando
emprestar-lhe estabilidade, a lei gera um sistema de
reconhecimento de filiação por meio de presunções:
deduções que se tiram de um fato certo para a prova de um
fato desconhecido. Independentemente da verdade biológica,
a lei presume que a maternidade é sempre certa, e o marido
da mãe é o pai de seus filhos. A prática é tão antiga que tal
presunção é identificada por uma expressão latina: pater is
est quem nuptiae demosntrant”73
Pode-se acrescentar que o Código Civil de 2002, no artigo 1.597, trouxe três
novas presunções, a da fecundação por inseminação artificial homóloga, por
inseminação artificial de embriões excedentários e a fecundação por inseminação
artificial heteróloga, com prévia autorização do marido.
No entanto, conforme aduz Paulo Lobo, todas as espécies de presunções
acima mencionadas de concepção, “têm sido desafiadas pelo avanço da
biotecnologia e pela disseminação do exame de DNA. Todavia, a origem genética
apenas pode prevalecer quando não se tenha constituído alguma das modalidade
de filiação socioafetiva (adoção, posse de estado de filiação e concepção por
inseminação artificial heteróloga)”74
O Vinculo parental biológico, “é o preferido, principalmente em face da
popularização do exame de DNA” 75.
Sob o aspecto do vínculo biológico, pode-se extrair que a paternidade é
atribuída àquele que for pai geneticamente. Nesse sentido:
“Como acontecimento natural, ou biológico, a
filiação é o vínculo entre gerado e genitores, assentado no
fato fisiológico da procriação, engendrado pelo encontro
vitorioso das células germinativas sexuais: a masculina
(espermatozóide) e a feminina (óvulo).” 76
73 Maria Berenice Dias. Manual de Direito das famílias, p. 323. 74 Paulo Lobo. Direito Civil: Famílias, p. 195 75 Maria Berenice Dias. Manual de Direito das famílias, p. 322. 76 Luiz Roberto de Assumpção. Aspectos da paternidade no novo Código Civil, p. 63
34
Maria Berenice Dias sustenta que “Até hoje, quando se fala em filiação e em
reconhecimento de filho, sempre se esteve a falar em filiação biológica. Em juízo
sempre foi buscada a verdade real, sendo assim considerada a relação de filiação
decorrente do vínculo da consangüinidade.” 77
Como visto anteriormente, o sistema legal de presunção da paternidade
acabou por esvaziar-se diante da verdade real (biológica). Nas palavras de Luiz
Roberto de Assumpção, “A busca pelo estabelecimento da paternidade não pode
mais decorrer de uma presunção legal, devendo-se considerar que toda pessoa tem
o direito de conhecer sua origem genética, um direito de personalidade à descoberta
de sua real identidade, que não é mais um vínculo presumido por disposição de lei.” 78 E continua:
“Abrem-se as portas, na perspectiva da filiação, à
busca da verdade real, ou biológica, da paternidade, a ela se
subordinando a paternidade jurídica, que antes impunha uma
verdade fictícia a alguns e a outros impedia a declaração da
paternidade em respeito à instituição familiar codificada.
A perquirição da ascendência biológica põe o
sistema de presunções legais em crise, tornando plenamente
justificada a indagação sobre a paternidade genética" 79
Logo, nas palavras do autor supracitado, tem-se que a “determinação
científica da paternidade é a evolução do estado atual da legislação brasileira, visto
que o Código Civil de 1916 não se referiu a essa modalidade de evidência,
predominando nela a idéia da paternidade baseada nas presunções juris tantum
assinaladas pelo texto codificado.” 80
Essa febre pela determinação da paternidade biológica foi possível, como
visto anteriormente, pelos avanços científicos relativo à engenharia genética “em
particular a descoberta do exame pericial em DNA, pelo qual se reputa determinada
77 Luiz Roberto de Assumpção. Aspectos da paternidade no novo Código Civil, p. 327 78 Luiz Roberto de Assumpção. Aspectos da paternidade no novo Código Civil, p. 84 79 Luiz Roberto de Assumpção. Aspectos da paternidade no novo Código Civil, p. 85 80 Luiz Roberto de Assumpção. Aspectos da paternidade no novo Código Civil, p. 86
35
paternidade com confiabilidade absoluta, desvalorizando em muito, as decisões
fundadas apenas em presunções nessas lides” 81
No entanto, cabe frisar comentário feito por Roberto Paulino de Albuquerque
Junior, que pontuou que o paradigma do biologismo, “passou a ser contestado a
partir do momento em que a doutrina volveu os olhos para existência de um outro
fundamento para a filiação, verdadeiramente de ordem cultural e desde sempre
radicalmente presente na adoção: a socioafetividade”82 .
O Vínculo parental socioafetivo, acaba por colocar em xeque a verdade
real, trazendo um novo paradigma de paternidade fundada em laços afetivos
recíprocos entre pais e filhos. Nesse ponto, pode-se ressaltar a citação feita pelo
mesmo autor supramencionado:
“O direito torna-se capaz de perceber, através da
construção doutrinária então emergente, que paternidade e
maternidade não são geração, mas sim afetividade e
serviço.”83
Como anteriormente observado, “a paternidade biológica foi, durante muito
tempo, a regra geral. Era o vínculo consangüíneo entre uma pessoa e aqueles que
lhe deram a vida que estabelecia o parentesco.” 84
No entanto, começaram a surgir novas indagações colocando em dúvida a
realidade biológica frente à verdade sócioafetiva.
Não obstante, tenha sido uma grande conquista da evolução da
biotecnologia a chegada do exame de DNA, que passou a determinar com exatidão
o genitor do concebido, mais uma vez, de acordo com Carlos Brandão I. Silva e
Luciana Calado Pena, o direito “foi chamado a responder uma nova questão: não
81 Luiz Roberto de Assumpção. Aspectos da paternidade no novo Código Civil, p. 89 82 Roberto Paulino de Albuquerque Junior. A Filiação Socioafetiva no Direito Brasileiro e a Impossibilidade de Sua Desconstituição Posterior. Revista Brasileira de Direito de Família, p. 59. 83 Roberto Paulino de Albuquerque Junior. op cit, p. 59. 84 Luiz Roberto de Assumpção. Aspectos da paternidade no novo Código Civil, p. 51.
36
basta a certeza biológica da paternidade. É necessário observar o efetivo exercício
da paternidade, apenas alcançado com a socioafetividade.” 85. Vejamos:
“Existem, assim, os filhos que permaneciam e
permanecem com a certeza da paternidade biológica e
registral, mas sem a paternidade afetiva, uma vez que o
resultado da investigação da paternidade não inseriu o pai, no
aspecto afetivo/emocional, em suas vidas” 86
Nesse sentido cabe destacar trecho escrito por Dimas de Messias de
Carvalho em seu artigo “Filiação jurídica – Biológica e socioafetiva”, vejamos:
“A descoberta do exame genético consistente nas
leituras das impressões digitais do DNA, ao contrário de
solucionar as investigações de paternidade como a princípio
se imaginava, fez surgir saudável discussão doutrinária e
jurisprudencial sobre o valor do vínculo biológico para
configurar a relação paterno-filial, valorizando cada vez mais
a relação socioafetiva e o melhor interesse do filho,
desaguando no que a doutrina consagrou de desbiologização
da paternidade. No moderno direito de família a paternidade
socioafetiva passou a ser mais valorizada que a genética,
esvaziando-se a prova biológica como fator preponderante
para comprovar a verdadeira paternidade e impor uma
relação paterno-filial a quem não quer ser pai.” 87
A paternidade socioafetiva que se traduz na convivência afetiva e
estabilidade das relações familiares, acaba por atribuir um papel secundário à
verdade biológica. Enfim, qual é a função ou o papel que o pai deve exercer hoje
para ser considerado como tal? Será pai aquele que meramente foi genitor ou
aquele que criou e proporcionou meios para o desenvolvimento de seu filho?
85 Paternidade e seus aspectos registral, socioafetivo e biológico: A viabilidade jurídica de seus desmembramentos e os efeitos jurídicos decorrentes. Instituto Brasileiro de Direito de Família. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=380 >. Carlos Brandão I. Silva e Luciana Calado Pena. Acesso em: 10 de abril de 2009. 86 Carlos Brandão I. Silva e Luciana Calado Pena, op cit. 87 Filiação jurídica- Biológica e socioafetiva. Instituto Brasileiro de Direito de Família. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=512>. Dimas Messias Carvalho. Acesso em: 16 de julho de 2009.
37
Atualmente, a função ou o papel do pai mudou. Pai não é mais aquele que
apenas oferece a manutenção do lar, estando alheio aos anseios psicológicos dos
filhos. Muito embora isto seja necessário, o papel do pai vai além da proteção
meramente patrimonial, ultrapassando, muitas vezes, os vínculos consangüíneos,
para se fazer transparecer a verdadeira paternidade que se revela nos vínculos de
afeto construído entre pais e filhos.
Nas palavras bem conceituadas de Roberto Paulino de Albuquerque Júnior,
temos que “Pai é, pois aquele que educa, sustenta e dá afeto, ao passo que aquele
que meramente procria, outra coisa não é senão o genitor”88.
Desse modo, temos que a real concepção do que é ser pai se revela por
meio da paternidade socioafetiva, esta, por sua vez, refere-se à construção de
vínculos afetivos e sociais entre pai e filho, apresentando-se, pois, conforme
Adalgisa Wiedeman Chaves bem asseverou, “como o fruto do nascimento mais
emocional e menos fisiológico, reside antes no serviço e amor que na procriação” 89.
Desse modo, a paternidade não pode ser vista apenas pelo ângulo do
vínculo da consanguinidade, o ideal seria que o pai afetivo coincidisse com o pai
biológico e o jurídico, no entanto, nem sempre isso acontece, havendo muitos casos
em que apenas existirá a paternidade sócio-afetiva, como pode se observar nos
casos de inseminação artificial heteróloga, na posse de estado de filiação e na
adoção à brasileira, que logo após, serão especificamente tratadas neste assunto.
Assim, surge este novo critério para atribuição do vínculo parental, fundado
nos princípios enumerados no capítulo 2 deste trabalho, notadamente no princípio
do melhor interesse da criança e o macroprincípio da dignidade da pessoa humana,
no qual, repita-se, ser “pai é o que exerce tal função, mesmo que não haja vínculo
de sangue” 90.
88 Roberto Paulino de Albuquerque Junior. A Filiação Socioafetiva no Direito Brasileiro e a Impossibilidade de Sua Desconstituição Posterior. Revista Brasileira de Direito de Família, p. 76. 89 Adalgisa Wiedemann Chave.Parentalidade.Revista Brasileira de Direito de Família, p. 149. 90 Maria Berenice Dias. Manual de direito das famílias, p. 322.
38
A doutrina e a jurisprudência tem se declinado para a atual função do que é
ser pai e tem dado primazia à paternidade sócio-afetiva, quando vista isoladamente,
em detrimento das demais.
Vejamos por exemplo o caso hipotético de uma criança que, não acolhida
pelo seu genitor, é registrada por outrem que lhe trata como se filho dele fosse, ou
seja, envolvendo-a com amor, educando-a, criando-a, protegendo-a, assumindo
assim, o verdadeiro papel de um pai. Depois de longos anos, quem sabe, resolve o
genitor desconstituir o registro alegando a sua falsidade.
Neste caso, é incabível que seja privilegiada a paternidade biológica em
detrimento da afetiva. Não obstante a criança tenha o direito de conhecer a sua
origem genética em atenção aos direitos da personalidade, a realidade dos fatos
mostra, no entanto, que quem realmente assumiu o papel de pai foi aquele que
registrou a criança e a tratou como se filho fosse.
Não há como se desconstituir uma relação construída pelas bases sólidas
do amor para que se dê lugar à apenas um dado biológico. O genitor nada veio a
influir na formação intelectual, moral, física, cultural, social e psicológica da criança,
não podendo ser considerado como pai. Isso sem contar o dano que o filho sofrerá
de ordem psicológica, se, hipoteticamente, por força de decisão judicial seja dado
maior primazia ao vínculo consangüíneo em detrimento do vinculo afetivo.
Nesse sentido, está a seguinte decisão do Egrégio Superior Tribunal de
Justiça:
“RECONHECIMENTO DE FILIAÇÃO. AÇÃO
DECLARATÓRIA DE NULIDADE. INEXISTÊNCIA DE
RELAÇÃO SANGÜÍNEA ENTRE AS PARTES.
IRRELEVÂNCIA DIANTE DO VÍNCULO SÓCIO-AFETIVO.
(...)
- O reconhecimento de paternidade é válido se
reflete a existência duradoura do vínculo sócio-afetivo entre
pais e filhos. A ausência de vínculo biológico é fato que por si
39
só não revela a falsidade da declaração de vontade
consubstanciada no ato do reconhecimento. A relação sócio-
afetiva é fato que não pode ser, e não é, desconhecido pelo
Direito. Inexistência de nulidade do assento lançado em
registro civil.
- O STJ vem dando prioridade ao critério biológico
para o reconhecimento da filiação naquelas circunstâncias em
que há dissenso familiar, onde a relação sócio-afetiva
desapareceu ou nunca existiu. Não se pode impor os deveres
de cuidado, de carinho e de sustento a alguém que, não
sendo o pai biológico, também não deseja ser pai sócio-
afetivo. A contrario sensu, se o afeto persiste de forma que
pais e filhos constroem uma relação de mútuo auxílio,
respeito e amparo, é acertado desconsiderar o vínculo
meramente sanguíneo, para reconhecer a existência de
filiação jurídica.
Recurso conhecido e provido.”
(Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n.º
2006/0070609-4. REsp 833712/RS. Terceira Turma. Ministra
Nancy Andrighi. Data do julgamento: 17/05/2007, grifei).
Outro caso interessante, diz respeito aos filhos de criação, que detém a
posse de estado de filiação, que, sem que haja a regularização do vinculo entre o
pai e o filho, aquele adota este informalmente sem obedecer aos parâmetros
estabelecidos em lei para a adoção, tratando e apresentando o último à sociedade
como se filho dele fosse
Para Wiedemann Chave, temos que “Em princípio, tais pessoas não
possuem qualquer liame jurídico, mas o elo afetivo e social criado é tão forte que
geram efeitos que o Direito não pode ignorar.” 91
91 Wiedemann Chave.Parentalidade.Revista Brasileira de Direito de Família,p. 149.
40
Essas hipóteses serão concretamente visualizadas no próximo tópico em
que trataremos da posse de estado de filiação, adoção à brasileira e brevemente da
inseminação artificial heteróloga.
3.1 Modalidades de Paternidade Afetiva: Posse de Estado de Filiação, Adoção à Brasileira, Inseminação Artificial Heteróloga.
Pode-se dizer que a posse de estado de filiação é a concretização da
paternidade afetiva, “é a filiação tipicamente socioafetiva”. 92, atrelada ao princípio
da aparência. Senão, vejamos:
“A ‘posse de estado de filho’ pode ser entendida
como sendo uma relação afetiva, íntima e duradoura,
caracterizada pela reputação frente a terceiros como se filho
fosse, e pelo tratamento existente na relação paterno-filial, em
que há o chamamento de filho e a aceitação do chamamento
de pai - são os filhos, pais e mães de criação, do coração.” 93
No conceito exteriorizado pelo professor Paulo Lobo, a “posse de estado de
filiação refere à situação fática na qual uma pessoa desfruta do status de filho em
relação à outra pessoa, independentemente dessa situação corresponder à
realidade legal” 94.
Para Maria Berenice Dias, a posse de estado de filho, ou o termo também
utilizado por esta, o estado de filho afetivo, surge “Quando as pessoas desfrutam de
uma situação jurídica que não corresponde à verdade (...) A aparência faz com que
todos acreditem existir situação não verdadeira, fato que não pode ser desprezado
pelo direito” 95.
92 Roberto Paulino de Albuquerque Junior. A Filiação Socioafetiva no Direito Brasileiro e a Impossibilidade de Sua Desconstituição Posterior. Revista Brasileira de Direito de Família, p. 64 93 Filhos de criação- o valor jurídico do afeto na Entidade Familiar. Instituto Brasileiro de Direito de Família. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigos=424.> Janaína Rosa Guimarães. Acesso em: 10 de abril de 2009. 94 Paulo Lobo. Direito Civil: Famílias, p. 211. 95 Maria Berenice Dias.Manual de Direito das Famílias, p. 333
41
Para Orlando Gomes tornar patente o estado de filiação é “ter título
correspondente, desfrutar as vantagens a ele ligadas e suportar seus encargos. É
passar a ser tratado como filho” 96
Assim, o estado de filiação afetiva independe da realidade jurídica ou
biológica, ela se expressa, tão somente, “através de contínua relação de convivência
e afeto, desempenhando-se no plano fático os papéis de pai e filho” 97. Nesse
sentido, estão os ensinamentos de Paulo Lôbo:
“O estado de filiação compreende um conjunto de
circunstâncias que solidificam a presunção da existência de
relação entre pais, ou pai e mãe, e filho, capaz de suprir a
ausência do registro de nascimento. Em outras palavras, a
prova da filiação dá-se pela certidão do registro do
nascimento ou pela situação de fato” 98
Para ficar claro o que seja a posse de estado de filho, utilizo-me da
comparação feita entre o estado de filiação e a união estável, por Roberto Paulino
de Albuquerque Júnior, vejamos:
“Aqui a analogia imediata seria com a união estável,
situação de fato desprovida de maiores formalidades
constitutivas e na qual inexiste presunção de convivência,
devendo ser ela comprovada para que se tenha como
existente a entidade familiar”99
A prova do estado de filho afetivo se faz através de três elementos básicos:
nomen, tractus e fama.
O nomen consiste no uso do nome da família, tem havido discussões de que
este não é um requisito determinante ou decisivo para afastar o estado de filiação se
o mesmo não estiver presente, tendo em vista a informalidade da situação, que
muitas vezes faz com que o filho não detenha o nome dos pais.
96Orlando Gomes. Direito de família, p. 324. 97 Roberto Paulino de Albuquerque Junior. A Filiação Socioafetiva no Direito Brasileiro e a Impossibilidade de Sua Desconstituição Posterior. Revista Brasileira de Direito de Família, p. 65. 98 Paulo Lobo. Direito Civil: Famílias, p. 211 99 Roberto Paulino de Albuquerque Junior. A Filiação Socioafetiva no Direito Brasileiro e a Impossibilidade de Sua Desconstituição Posterior. Revista Brasileira de Direito de Família, p. 64.
42
Tractus refere-se ao tratamento, ou seja, “quando o filho é tratado como tal,
criado, educado e apresentado como filho pelo pai” 100, em outras palavras,” é o
exercício fático da paternidade”101, e por isto, o elemento mais relevante e decisivo
para a atribuição da paternidade afetiva.
E, por fim, o reputatio, ou fama, diz respeito ao reconhecimento público da
relação paterno-filial. “Essa publicidade não precisa se estender a todos os que
conhecem os pais e filhos, mas também não existe quando do conhecimento quase
que secreto de apenas alguns íntimos” 102.
Situação comum do estado de filiação afetiva, sãos os casos dos filhos de
criação, em que não há qualquer liame jurídico ou biológico entre pai e filho, apenas
o vínculo afetivo, em que, por livre vontade, o pai escolhe criar a criança como se
filho seu fosse.
Assim é que a posse de estado de filho, “constitui modalidade de parentesco
civil de ‘outra origem’, isto é, de origem afetiva (CC 1.593)” 103, a paternidade,
portanto, se caracteriza não pelo determinismo biológico nem “por força de
presunção legal, mas em decorrência de uma convivência afetiva”. 104
Muito embora não haja previsão legal quanto à posse de estado de filiação,
o que é lamentável, tem-se que a paternidade afetiva está neste caso, respaldada
nos princípios constitucionais do melhor interesse da criança e da dignidade da
pessoa humana, como vistos no capítulo anterior.
Em que pese este instituto estar à margem da lei, decisões importantes dos
tribunais estaduais passaram a tutelar e a reconhecer a relação afetiva estabelecida
entre pais e filhos de forma contínua e duradoura. Vejamos a seguinte decisão
proferida pelo E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
“AÇÃO DECLARATÓRIA. ADOÇÃO INFORMAL.
PRETENSÃO AO RECONHECIMENTO. PATERNIDADE
100 Maria Berenice Dias. Manual de Direito das Famílias, p. 334 101 Roberto Paulino de Albuquerque Junior. A Filiação Socioafetiva no Direito Brasileiro e a Impossibilidade de Sua Desconstituição Posterior. Revista Brasileira de Direito de Família, p. 65. 102 Roberto Paulino de Albuquerque Junior. op cit, p. 65. 103 Maria Berenice Dias. Manual de direito das famílias, p. 334 104 Maria Berenice Dias. op cit., p. 335.
43
AFETIVA. POSSE DO ESTADO DE FILHO. PRINCÍPIO DA
APARÊNCIA. ESTADO DE FILHO AFETIVO.
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA.
PRINCÍPIOS DA SOLIDARIEDADE HUMANA E DIGNIDADE
DA PESSOA HUMANA. ATIVISMO JUDICIAL. JUIZ DE
FAMÍLIA. DECLARAÇÃO DA PATERNIDADE. REGISTRO.
A paternidade sociológica é um ato de opção,
fundando-se na liberdade de escolha de quem ama e tem
afeto, o que não acontece, às vezes, com quem apenas é a
fonte geratriz. Embora o ideal seja a concentração entre as
paternidades jurídica, biológica e socioafetiva, o
reconhecimento da última não significa o desapreço à
biologização, mas atenção aos novos paradigmas oriundos
da instituição das entidades familiares.
Uma de suas formas é a “posse do estado de filho”,
que é a exteriorização da condição filial, seja por levar o
nome, seja por ser aceito como tal pela sociedade, com
visibilidade notória e pública.
Liga-se ao princípio da aparência, que corresponde
a uma situação que se associa a um direito ou estado, e que
dá segurança jurídica, imprimindo um caráter de seriedade à
relação aparente.
Isso ainda ocorre com o “estado de filho afetivo”,
que além do nome, que não é decisivo, ressalta o tratamento
e a reputação, eis que a pessoa é amparada, cuidada e
atendida pelo indigitado pai, como se filho fosse.
O ativismo judicial e a peculiar atuação do juiz de
família impõe, em afago à solidariedade humana e veneração
respeitosa ao princípio da dignidade da pessoa, que se
supere a formalidade processual, determinando o registro da
filiação do autor, com veredicto declaratório nesta
investigação de paternidade socioafetiva, e todos os seus
consectários.
44
APELAÇÃO PROVIDA, POR MAIORIA.”
(TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL. SÉTIMA CÂMARA CÍVEL. Apelação Cível
n. 70008795775. Relator Des. José Carlos Teixeira Giorgis.
Data do julgamento: 23/06/04).
Também a paternidade afetiva pode se expressar através da “adoção à brasileira”, a qual vem a ser a “declaração falsa e consciente de paternidade e
maternidade de criança nascida de outra mulher, casada ou não, sem observar as
exigências da lei para a adoção.” 105
Paulo Lobo ainda suscita que, embora ilegal, a adoção à brasileira acaba por
cumprir o preceito esculpido no artigo 227 da Constituição Federal, qual seja,
assegurar à criança e ao adolescente o direito à convivência familiar.
Assim, muito embora se configure numa ação criminosa, prevista no artigo
242 do Código Penal, dita adoção fundada em sentimentos nobres, não vem a ser
repudiada pela sociedade. Nesse sentido:
“A adoção à brasileira, fundada no ‘crime nobre’ da
falsificação do registro, é um fato social amplamente
aprovado, por suas razões solidárias” 106
Assim, é que se indaga se seria possível pleitear a invalidade do registro,
mesmo frente à sua falsidade, quando já estabelecida uma relação paterno-filial
calcada na afetividade.
Ora, pelos ensinamentos de Paulo Lôbo, temos que a invalidade do registro
não poderá ser obtida quando se obtém o estado de filiação afetiva, “especialmente
quando o pedido de invalidação foi feito pela própria pessoa declarante” 107, também
aponta que, “A primazia da origem genética, normalmente postulada por interesses
105 Paulo Lobo. Direito Civil: Famílias, p. 225 106 Paulo Lobo. op cit., p. 225. 107 Paulo Lobo. Direito Civil: Famílias, p. 226
45
econômicos ou de herança do indigitado procriador genético anos após, dissolveria
a convivência familiar, violando o princípio constitucional de sua prioridade” 108
Os tribunais estaduais, dando relevância ao instituto jurídico da paternidade
afetiva, vêm se posicionando no sentido de reconhecer a relação paterno-filial
socioafetiva na “adoção à brasileira”. Mesmo nas ações negatória de paternidade se
tem dado primazia ao envolvimento afetivo em detrimento do vínculo biológico.
Vejamos algumas decisões do tribunal de justiça do Rio Grande do Sul:
“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO
NEGATÓRIA DE PARTERNIDADE. ADOÇÃO À
BRASILEIRA. PATERNIDADE SÓCIOAFETIVA. Caso típico
de adoção à brasileira. Apelante que registrou como filha,
mesmo sabendo não ser o pai biológico, em face de
casamento com a mãe da menina. Reconhecimento de
paternidade socioafetiva. NEGARAM PROVIMENTO, POR
MAIORIA.”
(Apelação Cível Nº 70030682330, Oitava Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova,
Julgado em 16/07/2009).
“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. SUCESSÕES.
AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE REGISTROS.
ADOÇÃO À BRASILEIRA. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA
EVIDENCIADA. DESNECESSIDADE DE LAVRATURA DE
NOVOS REGISTROS DE NASCIMENTO. Recurso da parte
autora desprovido, e recurso da parte ré provido.”
(Apelação Cível Nº 70025405457, Sétima Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Raupp
Ruschel, Julgado em 29/04/2009)
“EMENTA: APELAÇÃO. INVESTIGAÇÃO DE
PATERNIDADE. OCORRÊNCIA DE ADOÇÃO À
108 Paulo Lobo. Direito Civil: Famílias, p. 226
46
BRASILEIRA E PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. Caso em
que recusa em se submeter à prova pericial pelo DNA não
leva à presunção da paternidade biológica, porquanto esta,
ainda que verdadeira, fica supera pela ocorrência de adoção
à brasileira e pela configuração da paternidade socioafetiva.
DERAM PROVIMENTO. POR MAIORIA.
(Apelação Cível Nº 70017604836, Oitava Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator Des. Luiz Ari
Azambuja, Julgado em 21/12/2006)
Por fim, vale mencionar a inseminação artificial heteróloga como uma das
modalidades de paternidade afetiva, que se difere das anteriormente mencionadas
por estar expressamente disposto em lei, no artigo 1.597, inciso V, do Código Civil,
sendo assim, uma forma de relação socioafetiva por presunção legal.
Esta “se dá quando é utilizado sêmen de outro homem, normalmente doador
anônimo, e não o do marido, para a fecundação do óvulo da mulher” 109, desde que
o marido previamente o tenha autorizado.
Neste caso não é possível que se tenha a impugnação da paternidade pelo
marido, sendo o consentimento dado pelo mesmo de caráter irrevogável.
Destarte, pode-se dizer que: “a tutela legal desse tipo de concepção vem
fortalecer a natureza fundamentalmente socioafetiva, e não biológica, da filiação e
da paternidade.” 110
3.2 Conceito de Filiação
Com as modificações ocorridas nos últimos tempos no âmbito do direito de
família, o conceito de filiação acabou por se modificar também.
109 Paulo Lobo. Direito Civil: Famílias, p. 200 110 Paulo Lobo. Direito Civil: Famílias, p. 201
47
O princípio da afetividade consagrado na Constituição Federal de 1988, bem
como o artigo 227 da mesma, que estabeleceu a unicidade da filiação, proibindo a
distinção entre os filhos seja qual for a sua origem, acabaram por dar um novo tom
ao conceito de filiação.
Merece ser transcrito, nessa esteira, os ensinamentos de Paulo Lobo que,
ao apontar que o conceito de filiação no Brasil é único, por não se admitir qualquer
discriminação ou adjetivação, afirmou o seguinte:
“Filiação é conceito relacional; é a relação de
parentesco que se estabelece entre duas pessoas, uma das
quais nascida da outra, ou adotada, ou vinculada mediante
posse de estado de filiação ou por concepção derivada de
inseminação artificial heteróloga.” 111
Para Carlos Roberto Gonçalves, “Filiação é a relação de parentesco
consangüíneo, em primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa àquelas que a
geraram, ou a receberam como se a tivessem gerado”. 112
Vejam, se antes do advento da atual constituição, filho era apenas aquele
considerado quando tido na constância do matrimônio, sendo que para o
reconhecimento de filhos havidos fora do mesmo haviam que ser enfrentados
severas barreiras, e ainda, haviam aqueles que nem podiam ser reconhecidos e
foram ganhando espaço aos poucos, como é o caso dos filhos adulterinos e
incestuosos, sendo que estes últimos somente com o advento da Carta Magna em
referência é que acabaram também a ter o direito de serem considerados filhos,
podemos sugerir que hoje, não existem mais fronteiras o exercício do direito ao
estado de filiação.
Assim temos que, filho é aquele que é tratado como tal. Seja oriundo da
consangüinidade, ou por presunções (pater is este), seja fruto de parentesco civil
assim como o Código Civil de 2002 denomina os originados da adoção, ou seja, até
mesmo, aqueles que detêm o estado de filiação, ou seja, os que gozam da posse de
estado de filiação, ou posse de filho afetivo.
111 Paulo Lobo. Direito Civil: Famílias, p. 192 112 Carlos Roberto Gonçalves. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família, p. 285
48
Nesse contexto podemos citar a doutrina de Maria Berenice Dias, que bem
explicou a amplitude atual do conceito de filiação:
“O prestígio da verdade afetiva frente à realidade
biológica impôs o alargamento do conceito de filiação. Nos
dias atuais, (...) dá-se relevo a sentimentos nobres, como o
amor, o desejo de construir uma relação afetuosa, carinhosa,
reunindo as pessoas num grupo de companheirismo, lugar de
afetividade, para o fim de estabelecer relações de
parentesco.” 113
Conquanto haja a paternidade pautada apenas no vínculo sociológico e
afetivo, tem-se também, a filiação afetiva, derivada, como visto anteriormente, da
posse de estado de filiação. É por conta disto que Maria Berenice Dias assinala que
o prestígio da verdade afetiva acabou por alargar o conceito de filiação, pois dentro
deste conceito por certo que estaria inserto os filhos afetivos sendo oriundos de
parentesco de “outra origem” que não fosse o natural (artigo 1.593, CC/02).
113 Maria Berenice Dias. Manual de Direito das Famílias, p. 310
49
4 Paternidade Afetiva nas Ações de Desconstituição e Identificação de Filiação.
São três as ações que visam a desconstituir o vínculo de parentesco
formado entre o pai e o filho, sendo estas, a ação impugnação de reconhecimento, a
ação negatória de paternidade e a ação anulatória de registro. Por outro lado, uma
ação visa a identificar a filiação, qual seja, a de investigação de paternidade. Logo a
seguir veremos cada uma delas e como os tribunais vem se posicionando a respeito
do reconhecimento da paternidade afetiva por meio destes mecanismos judiciais.
4.1 Investigação de Paternidade: Direito da Personalidade.
Seguindo os ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves114, temos que a
ação de investigação de paternidade pode ser utilizada pelo filho quando não
reconhecido voluntariamente, podendo este se utilizar do mecanismo judicial para o
reconhecimento “forçado ou coativo”, sendo que esta ação se refere a um direito
personalíssimo, imprescritível e indisponível assim como dispõe o artigo 27 da Lei n.
8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente),
O professor Paulo Lobo115 enriquece o ensinamento acima transcrito
dizendo que a referida ação não tem mais por escopo atribuir a paternidade aos
genitores da criança, apesar deste ser um fator que deve se levar em conta, em sua
concepção, este já não é o fator determinante, conquanto o que se pretende
investigar é o “estado de filiação” que pode ou não advir da origem genética,
concluindo que se ocorresse o contrário disto “seria mais fácil e rápido deixar que os
peritos ditassem sentenças de filiação” 116
Assim, cabe ressaltar que a ação de investigação de paternidade não se
presta apenas ao reconhecimento forçado da filiação, isto porque em virtude da
114 Carlos Roberto Gonçalves. Direito civil brasilieiro: direito de família, p. 317. 115 Paulo Lobo. Direito Civil: Famílias, p. 240. 116 Paulo Lobo, op cit., p. 240.
50
paternidade socioafetiva podemos nos deparar com uma ação de investigação
proposta pela criança que já exerce a posse de estado de filiação em relação ao seu
pai afetivo, neste caso a respectiva ação seria apenas o exercício do direito da
personalidade de que todos tem de conhecer sua origem genética.
O professor Paulo Lobo117 bem efetuou esta distinção entre o estado de
filiação e o direito da personalidade ao conhecimento da origem genética, quando
afirmou que o estado de filiação pressupõe a convivência familiar consagrada na
Constituição Federal em seu artigo 227, sendo comprovada “com a estabilidade das
relações afetivas desenvolvida entre pais e filhos” 118, já no que concerne ao direito
do conhecimento a origem genética explicou que o mesmo “integra o direito da
personalidade de qualquer indivíduo, que não se confunde com o direito de família” 119. Assim, podemos citar um trecho extraído de seu livro que bem explica esta
distinção:
“O direito ao conhecimento da origem genética não
está coligado necessária ou exclusivamente à presunção da
paternidade. Sua sede é o direito da personalidade, que toda
pessoa humana é titular, na espécie direito à vida, pois as
ciências biológicas têm ressaltado a insuperável relação entre
medidas preventivas de saúde e ocorrências de doenças em
parentes próximos. (...) O estado de filiação deriva de
comunhão afetiva que se constrói entre pais e filhos,
independentemente de serem parentes consangüíneos.
Portanto, não se deve confundir o direito da personalidade à
origem genética como direito à filiação, seja genética ou não.” 120
Maria Berenice Dias acrescenta que todos os filhos têm o direito a aludida
ação, “ainda que alguém esteja registrado como filho de outrem (...) o registro pode
ter decorrido de adoção à brasileira ou ser falso, não importa. Pode até ser fruto de
reprodução assistida heteróloga. Nada pode impedir a busca da verdade
117 Paulo Lobo. Direito Civil: Famílias, p. 240 118 Paulo Lobo, op cit., p. 240. 119 Paulo Lobo, op cit., p. 240. 120 Paulo Lobo. Direito Civil: Famílias, p. 203-204.
51
biológica”121. E ainda, “Nem o surgimento de filiação afetiva como o pai registral –
que não é o pai biológico – tem o condão de impedir o uso da ação investigatória” 122. Afirmando, portanto, que todos têm o direito ao conhecimento de suas origens
genéticas.
No entanto, a Douta Desembargadora várias vezes frisou que “Além da
identificação da verdade biológica, é necessária que fique comprovada a não
existência de vínculo de filiação gerador da posse de estado de filho” 123, isto
porque, para a autora, o vínculo afetivo tem maior relevância em face do vínculo
meramente biológico. Sendo assim, se na ação de investigação de paternidade ficar
“comprovado que o autor goza da condição de filho afetivo frente ao pai registral,
vínculo que goza de relevância maior, limita-se a declarar a ascendência genética” 124, não atribuindo a paternidade forçada ao genitor.
Nesse sentido, cabe salientar que, a fim de resguardar o princípio
constitucional do melhor interesse da criança, bem como os direitos consagrados no
artigo 227, caput, da Carta Magna como de prioridade absoluta da criança, temos
que, se ao final da ação de investigação não ficar comprovada a paternidade
socioafetiva, faz-se mister estabelecer o estado de filiação entre o genitor e o autor
da ação, não obstante não seja possível ao Estado obrigar o genitor a exercer a sua
função de pai, este deverá resguardar ao menos o sustento material daquele que foi
gerado por meio dele.
Porém, como acima observado, o vínculo consangüíneo não deve se
sobrepor ao vínculo sócioafetivo quando este já estiver sido estabelecido. Nesse
sentido, mais uma vez estão os ensinamentos de Maria Berenice dias:
“Precisa ser assegurado ao autor o direito de
conhecer suas origens, sem que essa identificação importe
em desconstituição da filiação jurídica ou socioafetiva, pois
não pode valorar a identidade biológica sobre os laços
afetivos. Preserva-se o direito de personalidade de conhecer
121Maria Berenice Dias. Manual de Direito das famílias, p. 349 122 Maria Berenice Dias. op. Cit., p. 349 123 Maria Berenice Dias. Manual de Direito das famílias, p. 350. 124 Maria Berenice Dias. op cit., p. 350.
52
a ascendência biológica, para transplante de órgãos, cautelas
quanto a impedimentos matrimoniais e verificação da
possibilidade de contrair doenças transmissíveis
genéticamente.” 125
Nesse sentido, encontram-se algumas decisões proferidas em nossos
tribunais, que dão primazia ao vinculo paterno- filial sócioafetivo em detrimento do
meramente biológico. Abaixo destaco três decisões proferidas pelos Tribunais de
Justiça de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, respectivamente:
“AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE -
EXAME DE DNA - PATERNIDADE SÓCIO AFETIVA. -
Apesar do resultado negativo do exame de DNA, deve ser
mantido o assento de paternidade no registro de nascimento,
tendo em vista o caráter sócio afetivo da relação que
perdurou por aproximadamente vinte anos, como se pai e
filha fossem.”
(Apelação Cível Nº 1.0105.02.060668-4/001, Oitava
Câmara Cível, Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Relator
Des. Teresa Cristina da Cunha Peixoto, Julgado em
26/04/2007).
“INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULADA
COM REGULAMENTAÇAO DO DIREITO DE VISITA –
Inversão dos fatos descritos na inicial acompanhada de prova
robusta para a prática de atos sexuais abusivos praticados
pelo autor contra a mãe da ré, esta fruto de relações
incestuosas de que o autor é o responsável – Fatos
demonstrados que desqualificam a pretensão vestibular de
fixação do vínculo parental – Outrossim, possui a ré
reconhecimento de paternidade por Carlos Leopoldino,
estabelecido o vínculo paterno sócio-afetivo que remanesce e
nem é objeto do pedido vestibular – Sentença de parcial
procedência – Apelação acolhida em parte para anular a
125 Maria Berenice Dias. Manual de Direito das famílias, p. 350/351.
53
sentença e no mérito, aplicando o parágrafo 3º do art. 515, do
CPC, julgando improcedente a ação, invertidos os ônus
sucumbenciais, com determinação de providências.”
(Apelação Cível com revisão Nº 625.507-4/6-00,
Quinta Câmara de Direito Privado, Tribunal de Justiça de São
Paulo, Relator Des. Oscarlino Moeller, Julgado em
01/07/2009).
“APELAÇÃO. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE.
VÍNCULO SOCIOAFETIVO QUE SE SOBREPÕE AO
VÍNCULO BIOLÓGICO. É absolutamente certo e
inquestionável, até admitido pelo autor desde o início da
ação, que o pai registral é o verdadeiro pai há quase vinte
anos. A paternidade socioafetiva se sobrepõe à paternidade
biológica. NEGARAM PROVIMENTO. POR MAIORIA.”
(Apelação Cível Nº 70018836130, Oitava Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator Des.
Rui Portanova, Julgado em 03/05/2007).
4.2 Ação de Impugnação de Reconhecimento.
Antes de falarmos da ação de impugnação ou contestação de
reconhecimento, que para vários autores se afigura como o oposto, ou o avesso da
investigação da paternidade, porquanto visa a desconstituir a relação de parentesco,
cabe discutirmos brevemente sobre o reconhecimento de filhos, que se encontra
disciplinado nos artigos 1.607 a 1.617 do Código Civil de 2002.
Sabe-se que antes do advento da Constituição Federal de 1988, somente os
filhos naturais podiam ser reconhecidos. No entanto, com a evolução legislativa no
âmbito do direito de família fora-se pouco a pouco sendo admitindo o
reconhecimento amplo de filhos havidos fora do casamento, sendo, que somente
com o advento da Carta Magna supracitada é que realmente houve por bem dar um
54
fim na história de discriminação na esfera da filiação, consagrando o direito a todos
de poderem gozar do estado de filiação e da convivência familiar.
Assim, o direito ao estado de filiação poderá ser exercido por meio do
reconhecimento da paternidade, que pode se dar de forma espontânea ou judicial, e,
conforme ensina Maria Berenice dias126, o reconhecimento gera efeitos ex tunc, bem
como a sua eficácia é declaratória.
Ainda, conforme este mesmo ensinamento, tem-se que somente os filhos
que foram havidos fora do casamento é que podem ser reconhecidos, conquanto os
nascidos dentro do matrimônio “gozam de presunção legal de serem filhos dos
cônjuges” 127.
A Douta desembargadora ainda nos ensina que o conhecimento voluntário é
“ato livre, pessoal, irrevogável e de eficácia erga omnes (...) é irretratável e
indisponível, pois gera o estado de filiação. Assim, inadmissível arrependimento” 128.
No entanto, conforme afirma Paulo Lobo129, o reconhecimento depende para
a sua plena eficácia, do consentimento do filho, ainda que posterior. Isto porque o
artigo 1.614 do Código Civil em vigência dispõe que, in verbis: “O filho maior não
pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o
reconhecimento, nos quatro anos que se seguirem à maioridade, ou à
emancipação.”.
Nesse contexto, passo a salientar o mecanismo utilizado pelo filho
reconhecido para o exercício de seu direito à impugnação do reconhecimento
realizado, que se traduz na ação de contestação ou de impugnação de
reconhecimento.
126 Maria Berenice Dias. Manual de Direito das Famílias, p.338 127 Maria Berenice Dias, op cit., p. 338. 128 Maria Berenice Dias, op. cit., p. 338. 129 Paulo Lobo. Direito Civil: Famílias, p.243
55
Nas palavras de Paulo Lobo, temos que esta ação “prestigia a liberdade e
autonomia das pessoas e procura a assegurar que em qualquer caso o
reconhecimento não seja contrário ao interesse dos filhos” 130.
Conforme aduz Maria Berenice Dias131, a referida ação também emana do
direito da personalidade do menor, tratando-se “do direito de não ter como genitor
quem o reconheceu como filho”, para tanto não é necessário provar que inexiste a
paternidade biológica, bem como que houve erro ou falsidade no registro.
Dessa forma, sendo a aludida impugnação um ato de liberdade, o filho
reconhecido pode contestar como visto acima, até mesmo a paternidade
estabelecida no registro pelo pai biológico, porquanto, muito embora haja o vínculo
consangüíneo entre estes, o vínculo meramente biológico não pode ser fato
determinante para o julgamento da ação, conquanto já estiver sido estabelecida uma
relação paterno-filial com outrem, que de forma efetiva assumiu o papel de pai.
Nesse sentido, cabe ressaltar as seguintes palavras de Paulo Lobo:
“O art. 1.614 do Código Civil harmoniza-se com o
modelo de família e de filiação tutelado pela Constituição,
além de realizar o princípio da liberdade de ter o pai afetivo e
não o determinado pela biologia. O reconhecimento do
genitor biológico não pode prevalecer sobre a paternidade
construída na convivência familiar, que freqüentemente
ocorre entre a mãe que registrou o filho e outro homem, com
quem casou ou estabeleceu união estável, e que assumir os
encargos da paternidade.” 132
O mesmo ocorre com aquele que, não tendo vínculos biológicos com o
menor, o registra, cabendo desconstituir a relação jurídica estabelecida por meio da
ação negatória de paternidade, conquanto não se verifique também o vínculo
sócioafetivo.
130 Paulo Lobo,op cit p. 243. 131 Maria Berenice Dias. Manual de Direito das Famílias, p. 351 132 Paulo Lobo. Direito Civil: Famílias, p. 245
56
Nessa esteira, cabe destacar importante decisão proferida no Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul, que frente à ação ajuizada de impugnação de
reconhecimento de paternidade, a filha reconhecida buscava desconstituir a sua
relação jurídica com seu pai registral. Nota-se que, embora o mesmo não seja seu
pai biológico, o respeitável Juízo reconheceu que havia a relação paterno-filial
afetiva e manteve o vínculo expresso no registro de nascimento. Vejamos:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO A
RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE.
IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO EM QUE PESE A
COMPROVADA INEXISTÊNCIA DE LIAME
CONSANGÜINEO ENTRE PAI E FILHA.
1. O autor, mesmo sem ser casado com a mãe da
demandada, com quem manteve relação irregular e, segundo
diz, sem compromisso de fidelidade à época da concepção,
em ato jurídico sem qualquer mácula reconheceu
voluntariamente a paternidade da menina. 2. Ao longo do
processo não fez prova de qualquer vício de consentimento
capaz de anular aquele ato jurídico. 3. Além disto o
reconhecimento de paternidade é irrevogável, devendo ser
preservada a relação de parentalidade mesmo se o exame de
DNA denunciar a ausência de vínculo biológico, porque na
atualidade o parentesco pode resultar de consangüinidade ou
outra origem, como dispõe o art. 1.593 do CCB.
NEGARAM PROVIMENTO À UNANIMIDADE.”
(Apelação Cível Nº 70014576730, Sétima Câmara
de Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator
Des. Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 07/06/2006).
4.3 Ação de Negatória de Paternidade.
A ação de contestação ou impugnação ou negatória de paternidade também
visa a desconstituir o vínculo de parentesco, no entanto, a legitimidade ativa desta
57
ação pertence ao marido da mãe que, por conta da presunção pater is est, se vê
autorizado pelo Código Civil vigente a contestar a paternidade do filho nascido de
sua mulher (artigo 1.601 do Código Civil de 2002).
Nessa esteira, é importante lembrar que na égide do Código Civil de 1916,
conforme os ensinamentos do professor Carlos Roberto Gonçalves133, o marido da
mãe só poderia contestar os filhos desta se comprovasse que na época em que se
deu a concepção ele se achava fisicamente impossibilitado de coabitar com ela ou já
estavam legalmente separados.
Ainda sob a luz do doutrinador supracitado, temos que a atual lei civil
acabou por ampliar o campo de cabimento da referida ação, suprimindo “todas as
limitações à contestação de paternidade (...) levando em conta o desenvolvimento
da ciência a possibilidade de se apurar o ‘pai biológico’ com a desejada certeza
científica, em razão da evolução dos exames hematológicos.”134 e, ainda, a declarou
imprescritível conforme se extrai do artigo supramencionado.
No entanto, não obstante a ação de contestação de paternidade sirva
exatamente para se elidir a presunção de que o marido da mãe é sempre o pai de
seus filhos, deve-se atentar para o fato de que nem sempre a ausência de vínculo
biológico com este é por si só fato determinante para que se desconstitua a relação
jurídica estabelecida entre pai e filho, porquanto, conforme os princípios
constitucionais do melhor interesse da criança e da dignidade da pessoa humana, é
mister que, em todos os casos seja observado se já houve por estabelecido a
relação socioafetiva, não sendo esta objeto de desconstituição.
Nesse ponto, cabe ressaltar os ensinamentos de Paulo Lobo que assinalou
que “a pretensão de impugnação não poderá ser exercida se fundada apenas na
origem genética, em aberto conflito com o estado de filiação.” 135, assim, além de
provar o pai jurídico de que não detém vínculos biológicos com a criança, deverá
provar também que não constituiu o vínculo afetivo com esta.
133Carlos Roberto Gonçalves. Direito Civil Brasileiro: Direito de família, p. 296 134 Carlos Roberto Gonçalves, op cit., p. 296. 135 Paulo Lobo. Direito Civil: Famílias, p. 221
58
Nesse mesmo pensamento temos vários julgados dos Tribunais de Justiça
dos estados, que atribuíram, mais uma vez, real valor jurídico à paternidade afetiva.
Passo a destacar quatro decisões proferidas naqueles, duas do Rio Grande do Sul,
uma de São Paulo e uma de Minas Gerais, respectivamente.
“APELAÇÃO CÍVEL. NEGATÓRIA DE
PATERNIDADE. AUSÊNCIA DE PATERNIDADE BIOLÓGICA
CONFIRMADA POR EXAME DE DNA. INEXISTÊNCIA DE
PATERNIDADE SOCIOAFETIVA.
Não há razão para que se prestigie uma
paternidade, registrada em estado de erro.
O autor registrou o réu pensando que era pai da
criança.
Paternidade excluída pelo exame de DNA .
Não há indício de afetividade entre pai e filho.
NEGARAM PROVIMENTO”
(Apelação Cível Nº 70025905688, Oitava Câmara
de Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator
Des. Rui Portanova, Julgado em 27/11/2008).
“APELAÇÃO CÍVEL. NEGATÓRIA DE
PATERNIDADE. ADOÇÃO À BRASILEIRA. PATERNIDADE
SOCIOAFETIVA.
Ainda que o exame de DNA aponte pela exclusão
da paternidade do pai registral, fato, de resto, confirmado pelo
próprio réu/filho, mantém-se a improcedência da ação
negatória de paternidade, se configurada nos autos a adoção
à brasileira e a paternidade socioafetiva. Precedentes.
Apelação desprovida.”
(Apelação Cível Nº 70014089635, Oitava Câmara
de Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator
59
Des. José S Trindade, Julgado em 16/03/2006).
“Paternidade reconhecimento voluntário
incomprovação de vício do consentimento prevalecimento,
ainda que fem face de exame de D.N.A. excludente da
paternidade. Apelo provido para julga improcedente a ação.”
(Apelação Cível com revisão Nº 619.080.4/7-00,
Décima Câmara de Direito Privado, Tribunal de Justiça de
São Paulo, Relator(a) Des. Testa Marchi, Julgado em
11/08/2009)
“AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE -EXAME
DE DNA - PERÍCIA EXCLUDENTE DA PATERNIDADE -
DIREITO DE FAMÍLIA - EVOLUÇÃO - HERMENÊUTICA -
DEMONSTRAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE VÍNCULO SÓCIO-
AFETIVO - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. Em princípio,
quando o lastro genético não subsiste, segundo a perícia -
exame de DNA, a declaração da não paternidade é medida
que se impõe, visando proteger até mesmo direito do próprio
menor. Entretanto, se comprovada a existência da
paternidade sócio-afetiva, como no caso dos autos, a
improcedência do pedido formulado na ação negatória de
paternidade é medida que se impõe.”
(Apelação Cível com revisão Nº 1.0701.06.166161-
0/001, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça de Minas
Gerais, Relator Des.Geraldo Augusto, Julgado em
04/03/2008)
4.4 Ação Anulatória de Registro.
A ação anulatória de registro muitas vezes vem cominada com as ações
vistas nos tópicos anteriores, mas é ação autônoma que poderá ser ajuizada quando
60
houver por verificado a hipótese de erro ou falsidade de quem declarou a
paternidade, conforme aduz o artigo 1.604 do Código Civil de 2002.
Ora, conforme este mesmo artigo, pode se auferir que ninguém poderá
vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo como já
observado, nos casos de erro ou falsidade do registro.
O professor Paulo Lobo136 inseriu em sua doutrina o que seria erro e
falsidade, explicando que “O erro é o desvio não intencional da declaração do
nascimento, concernente ao próprio ato do registro (erro material), imputável ao
oficial de registro, ou da informação do declarante legitimado (...) concernente à
atribuição da paternidade ou maternidade da pessoa” 137, e exemplifica este último
dizendo que “o erro da declaração pode ter derivado de outro erro, como na hipótese
de troca voluntária ou involuntária de recém-nascidos por parte do hospital” 138
Já, a falsidade de registro corresponde ao oposto do erro, aqui a declaração
é efetuada intencionalmente, porém, ela é falsa ou “contrária à verdade do
nascimento” 139. Nessa esfera, Paulo Lobo lembrou que aqueles que registram filho
de outrem como próprio, incorrem em crime previsto no artigo 242 do Código Penal,
porém, a pena pode deixar de ser aplicada, quando se verificar motivo de
reconhecida nobreza. E complementa dizendo que neste caso, a invalidade do
registro não poderá ser vindicada pelo declarante que, conscientemente registrou
filho de outrem como seu.
Nesse ponto, cabe transcrever trecho dos ensinamentos acima expostos que
excluem as hipóteses de falsidade do registro, vejamos:
“Não haverá falsidade quando o registro for
determinado por decisão judicial, em processo de
investigação de paternidade. Também não haverá falsidade
se o declarante for o marido da mãe, sabendo não ter o filho
136 Paulo Lobo. Direito Civil: Famílias, p. 210 137 Paulo Lobo, Direito civil: famílias, p. 210 138 Paulo Lobo, op cit., p. 210 139 Paulo Lobo, op cit., p. 210
61
sua origem genética, porque prevalece a presunção pater is
est, cuja perfilhação foi conscientemente assumida” 140
Também, pode-se acrescentar a este os ensinamentos da Douta
desembargadora Maria Berenice Dias141 que, apontou que nem mesmo na adoção à
brasileira se vê configurado as hipóteses de erro ou falsidade de registro que
possibilita a sua anulação, explicando que “Não cabe a alegação de erro quando a
paternidade foi assumida de forma livre e voluntária. A paternidade deriva do estado
de filiação, independentemente de sua origem, se biológica ou afetiva.” 142.
Mais uma vez vemos que a paternidade afetiva vem ganhando apreço na
doutrina, que aponta que deve ser verificado antes de determinar o cancelamento do
registro de nascimento se há ou não a relação paterno-filial socioafetiva entre o pai
registral e o filho registrado em seu nome, que, em nome dos princípios
constitucionais do melhor interesse da criança e da dignidade da pessoa humana
deverá prevalecer mesmo em meio à inexistência do vínculo biológico. Nesse
sentido, expõe-se a seguinte decisão:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE
NULIDADE DE ATO JURÍDICO. ANULAÇÃO DE REGISTRO
DE NASCIMENTO. VERDADE REGISTRAL QUE DEVE
PREVALECER. EXISTÊNCIA DE VÍNCULO
SOCIOAFETIVO. AUSÊNCIA DE PROVA DA
INCAPACIDADE DO PAI REGISTRAL POR OCASIÃO DO
ATO DE RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE. O
reconhecimento da paternidade é ato irrevogável, a teor do
art. 1º da Lei nº 8.560/92 e art. 1.609 do Código Civil. A
retificação do registro civil de nascimento, com supressão do
nome do genitor, somente é possível quando há nos autos
prova cabal de ocorrência de um dos vícios de
consentimento. Tendo o autor reconhecido e registrado a
requerida como sua filha, mesmo sabendo que não detinha a
paternidade biológica, impõe-se manter hígido o registro civil.
Ausência de prova de que, na ocasião do registro, o autor já
estava acometido de doença mental que o incapacitava para
140 Paulo Lobo, op cit., p. 210 141 Maria Berenice Dias. Manual de Direito das famílias, p. 328 142 Maria Berenice Dias. Manual de Direito das Famílias, p 328
62
os atos da vida civil. O matrimônio contraído pelo autor dois
anos depois do reconhecimento da paternidade indica que
possuía capacidade para o ato. Interdição que somente
ocorreu cinco anos depois do registro de nascimento.
Verdade registral que deve prevalecer, em face do liame
socioafetivo existente entre as partes. Reduzida a multa por
litigância de má-fé, para se adequar ao valor da causa (§ 2º,
art. 18 do CPC ). APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE.
(Apelação Cível Nº 70028029270, Sétima Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator:
André Luiz Planella Villarinho, Julgado em 12/08/2009)
63
Conclusão
Diante do que fora visto neste trabalho, pode-se chegar à conclusão de que
a paternidade, vista pelo ângulo socioafetivo, gradativamente ocupa espaço no
âmbito jurídico, e a tendência é que esta ganhe cada vez mais relevância em
detrimento das outras formas de atribuição de paternidade, quais sejam, a jurídica e
a biológica.
Isto porque, de acordo com o exposto no início do trabalho, a propensão da
família atual é a de continuar a evoluir sob o aspecto do afeto, sendo muito bem
colocadas as palavras de Orlando Gomes 143, quando disse que a tendência da
família era a de se tornar um grupo cada vez menos organizado e cada vez mais
fundado na afeição mútua.
Ora, o afeto é a base da construção dos relacionamentos familiares, não é
para menos que a Douta Desembargadora Maria Berenice Dias144 expôs que se
cessado o afeto toda a base de sustentação da família estará ruída.
Não é diferente no que tange a relação paterno-filial, porquanto a visão
hodierna do que é ser pai, está intimamente ligada ao efetivo exercício da função
paterna, que é a de proporcionar amor, carinho, educação e sustento para o seu
filho.
Assim, não obstante o ideal seria que tanto o afeto quanto a identidade
genética estivessem presentes na relação paterno-filial, não raramente encontramos
pais biológicos que não querem assumir a posição de pais, e outros que, mesmo
não havendo vínculo consangüíneo com seu filho, optam por exercer esta função,
cumprindo assim, os preceitos esculpidos no artigo 227, caput, da Constituição
Federal 1988, que tratam dos direitos fundamentais das crianças e dos
adolescentes. Sendo imperioso, desta forma, que a paternidade afetiva prevaleça
143 Orlando Gomes, Direito de fanília, p. 21. 144 Maria Berenice Dias, Manual de direito das familias, p. 28.
64
nesta situação sobre a meramente biológica, porquanto melhor atende aos
princípios gravados na Carta constitucional.
No entanto, urge observar que, não obstante o Estado não possa forçar o
genitor de seu filho a assumir efetivamente a sua função de pai, conquanto não haja
estabelecido o vínculo afetivo com outrem, aquele deverá assumir os encargos
materiais de sustento da criança, porquanto esta não pode se ver desamparada por
aquele que de forma irresponsável não a aceitou como filho.
Por outro lado, pode-se concluir também, que, muito embora não haja
expressamente prevista a paternidade afetiva na legislação pátria, a mesma detém
sem sombras de dúvidas solidez jurídica, conquanto da análise dos princípios
esculpidos na Carta Magna em vigência, quais sejam, o princípio da dignidade da
pessoa humana, da igualdade, da proteção integral a crianças e adolescentes, do
melhor interesse da criança, bem como o da afetividade, pode-se aferir que há a
possibilidade jurídica da relação paterno-filial ser fundada tão-somente no afeto.
Ademais, pode-se destacar o artigo 1.593 do Código Civil de 2002, que
admitiu a filiação oriunda de “outra origem” que não a biológica, o que não poderia
ser diferente tendo em vista o artigo 227, § 6º da Constituição Federal de 1988 que
estabeleceu a igualdade entre os filhos seja qual for a sua origem.
Ora, conclui-se, portanto, que o direito de família caminha para a completa
aceitação da paternidade afetiva, não sendo para menos que várias decisões
proferidas nos Tribunais pátrios se curvam neste sentido, elevando e dando primazia
à relação paternal socioafetiva em detrimento das demais.
65
66
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