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8/14/2019 Discipulado Como Metodo de Evangelizacao Julio Cesar
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O Discipulado como mtodo de Evangelizaoum paralelo entre a Igreja das origens e a Igreja atual
Julio Csar Fontoura
O fato de fazermos profisso de f nele ainda no significa que sejamos
seus discpulos. (Ernst Ksemann).
O primeiro sculo da histria da Igreja no foi um perodo muito diferente da era em
que vivemos. A mensagem da Igreja Primitiva no se processou unicamente de forma
verbal. Apesar de ser uma instituio imperfeita, com compreenso limitada das
implicaes da Palavra de Deus para a misso que tinha sido encomendada, a Igreja
comunicou ao mundo de sua poca um estilo de vida radicalmente diferente. Vivendo e
crescendo como um corpo ntegro, a Igreja se submeteu s ordens do seu Senhor.
Fazendo uso de mtodos flexveis e adequados s oportunidades que surgiam, embora
sem depender deles, este pequeno nmero de homens e mulheres, conseguiu no curto
prazo de uma gerao levar o evangelho a todo o mundo conhecido.i
A Igreja de hoje diferente da apresentada nos primeiros sculos. Cada membro,
cada rgo, atua segundo seus prprios critrios, sem relao com o resto do corpo.
Tristemente despedaada, a Igreja se comporta timidamente frente aos urgentes
problemas do mundo. Perdeu muito da sua autoridade e vive das glrias do passado,
procurando impor sua influncia atravs dos jogos polticos.ii Desiludida face ao seu
pequeno crescimento e impotente perante os complexos problemas que enfrenta em um
mundo em desintegrao outras vezes triunfalista, orgulhosa de seu ativismo e do seu
crescimento numrico ambguo a comunidade que Jesus Cristo estabeleceu para
continuar sua misso na terra tem procurado vrias solues. Separada do mundo em
que vive, dedica a maior parte de suas energias e recursos na defesa de seus prprios
interesses e instituies. Desorientada, a Igreja, ora recorre a quantos novos mtodos
acha, ora se deixa seduzir por "evangelhos" estranhos, ora se lana procura de
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solues extremas. Muitas vezes a Igreja vive num gueto, ignorante das angstias domundo e no percebe que a falta de pertinncia de sua mensagem tem fechado os
coraes de muitos verdade do evangelho.iii
Guilherme Cook observa que quando, no meio de nosso ativismo, paramos para
pensar, perguntamo-nos o porqu da discrepncia to evidente entre a igreja dinmica do
livro de Atos com seu crescimento e a triste realidade na qual muitos de ns vivemos.
Notamos tambm a apatia dos membros de nossas igrejas, quando seus lderes
impelidos por programas denominacionais em cujo planejamento provavelmente no
participam, os instam a evangelizar. E quando os pastores so motivados a participar de
um novo programa ou de um mtodo recm-elaborado, com promessas de xito
garantido, se perguntam por que devem tent-lo, quando nenhum mtodo ou programa
at agora obteve uma transformao permanente na vida de nossas igrejas.iv
A evangelizao muito freqentemente aparece como atividade espordica tanto
desligada da vida normal de muitas igrejas como mais uma das mais muitas coisas boas
que a igreja deve fazer. Centraliza-se em especialistas, pastores, evangelistas e
missionrios. Gasta-se muito tempo e dinheiro em esforos evangelsticos, inclusive
usando poderosos satlites. Com freqncia os resultados so escassos se os medirmos
no apenas em termos de novos membros nas igrejas, mas tambm pelo seu efeito na
sociedade. Ainda que muitas igrejas cresam numericamente, freqentemente falta nelas
o mesmo grau de crescimento na compreenso de suas implicaes finais da Palavra de
Deus para seu estilo de vida, estrutura, proclamao, enfim, para a misso integral de
Deus no mundo.v
Os problemas que mencionamos acima sero resolvidos apenas com o
reestabelecimento do discipulado aquele institudo por Jesus e praticado pelos primeiros
cristos. No h outro meio pelo qual atingiremos a maturidade espiritual e religiosa a
qual Jesus tanto almejou que seus contemporneos judeus chegassem. Na verdade, no
deveramos estar almejando atingir a maturidade religiosa e espiritual dos primeiros
cristos, deveramos sim, buscar super-los, pois estamos olhando a cruz de uma
distncia maior do que eles, portanto, possumos uma viso bem mais ntida de todo o
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processo ocorrido no sculo I do que os primeiros cristos. Eles estavam muito prximosao evento para que pudesse realmente visualizar a cruz sem que perdessem o foco.
O discipulado a nica forma de relacionamento que existe entre o cristo e Cristo.
A retrica religiosa do cristianismo moderno, na maioria das vezes, nos leva a usar
a palavra "discpulo" de forma um tanto vaga. No esforo de se mostrar pertinente, a
oratria de plpito e os devaneios teolgicos tendem a empregar o termo "discpulo" em
tantos significados ou em sentidos to amplos quanto possvel. Lucas, em Atos dos
Apstolos, estende o uso do termo "discpulo" a todos os cristos de seu tempo. Os
evangelhos, no entanto, restringem-se a usar o termo somente queles que realmente
seguiramvi Jesus durante o seu ministrio pblico.
Uma pergunta fica latente: O que ser um discpulo? Houaiss define discpulo
como "aprendiz, aluno; aluno disposto a continuar o trabalho do seu mestre; seguidor de
um ideal".vii Ser um discpulo no uma questo to simples como a princpio possa
parecer. Ns cristos no podemos dizer apenas que "discipulo" significa "estudante" ou
"aluno" e encerrar o assunto. O discipulado uma instituio de suma importncia para o
ministrio pblico de Jesus. Sem o discipulado talvez hoje no teramos o cristianismo
como uma religio de propores universais, pois, foi essa forma de relao entre os
cristos e o seu Senhor de total exigncia que fez com que a mensagem de Jesus
alcanasse as pessoas e os lugares mais distantes do mundo antigo. Ser que sem essa
forma de relao to intensa e exigente, o cristianismo, em menos de trs sculos, teria
se tornado a religio oficial do imprio romano? Ser que por exigir tanto de seus
membros (dedicao exclusiva) que o cristianismo se expandiu to rapidamente?
Essas questes so importantes a fim de que faamos um paralelo entre a situao
da Igreja dos primrdios e a Igreja de hoje. Atravs da comparao entre as situaes
dessas duas Igrejas poderemos constatar as falhas e as deficincias existentes na igreja
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a qual frequentamos. Apresentaremos, tambm solues baseadas no modelo utilizadopelos primeiros cristos e por Jesus.
1. O uso do termo discpulo
O termo "discpulo" aparece 72 vezes em Mateus, 46 em Marcos, 37 em Lucas e
78 em Joo. Em contraste, com exceo de Atos, com 28 ocorrncias jamais com
referncia aos discpulos durante o ministrio de Jesus a palavra "discpulos" est
ausente do restante do Novo Testamento, no aparecendo nas epstolas de Paulo, nas
outras epstolas do Novo Testamento, na epstola aos Hebreus e no livro de Apocalipse.
"Discpulos" no era a forma usual de os cristos da primeira ou segunda geraes
falarem entre si ou a respeito dos outros. Portanto, o termo "discpulos" nos Evangelhos
no deve ser explicado como uma retroprojeo anacrnicaviii da forma de falar dos
membros da igreja primitiva para o tempo do ministrio pblico de Jesus. O critrio da
descontinuidadeix tambm se verifica nesse caso. Meier comenta que esse julgamento
corroborado pela total ausncia ou rara ocorrncia da palavra "discpulo" em grande parte
dos mais antigos escritos cristos fora do Novo Testamento (pais apostlicos).x
A palavra discpulo tambm no aparece em toda a Septuaginta, bem como nos
deutero-cannicos e nos pseudepgrafos. John P. Meier observa que "o Antigo
Testamento em grego no contm a palavra-chave (mathts) usada no sculo I a.D.
para designar os discpulos de Jesus, da mesma forma que as Escrituras judaicas em
hebraico e aramaico quase no apresentam a palavra-chave (talmd) usada pelo menos a
partir do sculo II a.D. como termo tcnico para designar os discpulos dos rabinosxi".
Somente em Flon (c.a. 25 a.C 50 a.D.) que encontramos um autor judeu,
escrevendo em grego, e que usa mathts em suas obras. Embora Flon por vezes (14
ocorrncias em toda a sua obra literria 12 volumes) use a palavra no sentido geral de
um estudante, ou algum que recebe instruo de um professor, tpico seu emprego de
mathts dentro do contexto de sua concepo mstica sobre a pessoa "perfeita" que
recebe ensinamentos diretamente de Deusxii.
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Flvio Josefo (c.a. 37 100 a.D) a exemplo de Flon, tambm utiliza pouco o termomathts (15 ocorrncias em toda a sua obra literria 10 volumes). Em Josefo a palavra
tem o sentido geral de algum que aprende com o exemplo do outro (Ant. 1.11.3 200).
Mais importante, Josefo usa mathts para descrever vrias figuras do Antigo
Testamento, colocadas em uma relao mestre-discpulo. Meier comenta que " revelador
que o mais prximo paralelo judaico do sculo I que conseguimos encontrar para o uso de
mathts nos Evangelhos com relao aos discpulos de Jesus venha dos escritos de
Josefo, um judeu culto da Palestina que acabou imerso na cultura grego-romana, embora
asseverasse (pelo menos j no fim da vida) ter sido um fariseu.xiii
Wilkinsxiv sustenta que no grego clssico possvel distinguir os seguintes
significados de mathts: (1) Uso geral inicial: "aprendiz", "estudante diligente da matria
sob considerao"; (2) Uso tcnico, com um sentido de dependncia direta de uma
autoridade superior: (3) Uso tcnico no especfico: "adepto", algum que adota o modo
de vida de um meio cultural e (4) Sentido tcnico-especializado: "aluno institucional".
Apesar de esses significados se terem mantido no mundo helnico, ocorreu uma
tendncia de se usar mathts sobretudo no sentido de adepto de um filsofo, de um
grande pensador do passado, ou de uma figura religiosa. Pode-se perceber que, para os
primeiros cristos de fala grega, mathts se adaptaria naturalmente aos devotados
adeptos do grande mestre, Jesus.
O termo talmdque, brevemente seria o termo tcnico para um estudante da Tor
entre os rabinos, tambm no ocorre nos escritos no-bblicos descobertos em Qumran.
Isso estranho em vista da grande quantidade de escribas em atividade em Qumran e do
intenso estudo das Escrituras. Mais estranho ainda que, a ausncia no hebraico e
aramaico acompanhada da ausncia no grego, ou seja, nos registros pseudepgrafos
que, como sabemos, so manuscritos datados entre o sculo II a.C. e o sculo I a.D.
Podemos concluir tambm que ao que parece o uso macio de mathts para os
discpulos de Jesus nos quatro Evangelhos no seria nem uma projeo de um emprego
encontrado no Antigo Testamento (massortico ou Septuaginta), na literatura
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intertestamental ou de Qumran, nem uma retroprojeo da designao usada comumentepara crentes cristos no sculo I a.D.
Paralelos de Relacionamentos Mestre-Discpulo
Depois de estudar as grandes escolas do perodo grego-romano, R. Alan
Culpeppperxv tenta isolar nove caractersticas das vrias escolas que analisou:
1. nfase na amizade ou no companheirismo entre os discpulos.
2. Origens em um fundador reverenciado como sbio exemplar.
3. Ensinamentos e tradies do fundador prezados pelos discpulos.
4. Participao na escola, participao baseada na condio de discpulo do
fundador.
5. Atividades comuns, tais como ensino, aprendizado, estuo e escrita.
6. Refeies comunais.
7. Regras prticas relativas admisso, permenncia e progresso na escola.
8. Algum grau de distncia da sociedade.
9. Meios organizacionais de assegurar a existncia continuada da escola.
Em seguida compar-las com a "escola" de Jesus e conclui que "a exigncia
absoluta deste, como condio para o discipulado, a nica nas antigas tradies
escolsticas; em nenhuma outra tradio a exigncia de compromisso levada a um nvel
comparvel".xvi Porm, Culpepper observa certo paradoxo na "escola" de Jesus,
construda sobre as exigncias to cruis. Muitas vezes, um grupo vivendo um etos
radical em torno de um lder carismtico pode ter limtes rgidos, apartando-o dos que
levam uma vida menos radical. No mundo antigo, tais limites eram em geral mais claras
nas refeies comunitrias conduzidas por algum grupo religioso ou filosfico especial.
Essas refeies representavam a camaradagem ntima e a vida compartilhada; por isso,
eram com frequncia vedadas a forasteiros. Era esse o caso, ao que parece, dos fariseus
por volta do tempo de Jesus. Tanto nas refeies como na vida diria, Qumran levava ao
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extremo a separao exigida pela regras judaicas de pureza, criando uma comunidadeem forma de seita na margem noroeste do mar Morto.
Tanto mais surpreendente, portanto, uma prtica caracterstica de Jesus e seus
discpulos (junto com os que o apoiavam sem deixar suas casas), a saber, a
confraternizao mesa aberta a forasteiros, mesmo aos desprezveis publicanos e
pecadores. Comenta Meier que justamente nesse ponto que Culpepper v mais uma
extraordinria diferena em relao s outras escolas da antigidade, vrias das quais
tambm realizavam refeies comunais, mas apenas dentro do grupo. Destarte,
contemplamos mais uma caracterstica bsica de um verdadeiro discpulo de Jesus: ele
no exclui os que so marginalizados pela sociedade, pelo contrrio, os trazem para a
comunho mesa.
Ao longo de todo o perodo greco-romano, vrias figuras filosficas e religiosas
reuniram ao seu redor pessoas que poderiam ser classificadas como seguidores,
partidrios, estudantes ou discpulos. Tais pblicos receptivos sorviam e cultivavam os
ensinamentos de seu lder, iniciando assim a formao de vrias tradies intelectuais ou
religiosas, que eram ento passadas de gerao em gerao. Algumas dessas "escolas"
podem ser citadas: pitagricos, platnicos, aristotlicos, epicuristas, esticos, "escola de
Qumran", "casa de Hilel", "escola de Flon".
No apenas as condies socioeconmicas, polticas e intelectuais de uma
sociedade em particular, mas tambm o talento e impacto pessoal do grande mestre
fundador moldavam a "escola" em contornos especficos. Como figura religiosa no
perodo grego-romano, no surpresa que Jesus tivesse algumas semelhanas com
outros mestres filosficos ou religiosos de seu tempo, notadamente no tocante a seu
desejo de cercar-se de seguidores ou estudantes. Todavia, tambm no podemos ignorar
as caractersticas distintivas dos discpulos reunidos em torno do Jesus histricoxvii.
A forma de relao mestre-discpulo mais prxima da instituda por Jesus
encontrada no Antigo Testamento. No por no aparecer o termo talmd que no
possumos a relao mestre-discpulo figurada no Antigo Testamento. WilKins assinala
apropriadamente que a realidade social de um relacionamento mestre-discipulado vai
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muito alm do limitado vocabulrio sobre o discipulado no Antigo Testamento
xviii
. Notamosque talmdocorre apenas em 1 Cr 25.8 referindo-se a um msico aprendiz estudando seu
ofcio. O adjetivo e substantivo verbal limmd ("instrudo", "habituado" e, como
substantivo, "discpulo") ocorre seis vezes no Antigo Testamento, sempre na literatura
proftica. Otto Kaiser observa que "meus discpulos" em Is 8.16 se refere aos discpulos
reunidos em torno do profeta Isaas, discpulos que ouvem e testemunham suas
profeciasxix. Alm da mera terminologia, a realidade social do relacionamento mestre-
discpulo em Israel existia sob vrias formas em crculos de profetas, escribas e sbios.
Devemos ressaltar tambm que havia muita semelhana entre Jesus e os rabinos
judeus posteriores e seus discpulos. Shaye Cohen observa que "os discpulos dos
rabinos do sculo II a.D. tinham muitas caractersticas em comum com os discpulos de
Jesus. Os discpulos dos rabinos, como os de Jesus, estavam sempre com seu mestre".
Cohen indica tambm a diferena vital entre Jesus e os rabinos, diz ele: "Jesus no era
apenas um professor (...) era tambm um profeta e fazia curas, e as tradies a seu
respeito claramente se originam em parte do relato bblico sobre Elias e seu discpulo
Eliseu. Em contraste, os rabinos do sculo II no afirmavam ser homens santos ou
taumaturgos (...)"xx.
Cohen, corretamente, aponta para Elias e Eliseu, pois essa relao a que mais
se parece com aquela mantida entre Jesus e seus discpulos. Elias, como sabemos, entre
os profetas do Antigo Testamento apresentado como (1) Um profeta e taumaturgo
itinerante, atuando no Norte de Israel e (2) que faz um chamado peremptrio a outro
indivduo (Eliseu) para abandonar casa, famlia e o trabalho comum para segui-lo, servi-lo
e, por fim, suceder-lhe no ministrio do profeta.
Josefo, por exemplo, em sua autobiografia (Vida de Josefo, 2 11,12) nos fornece
algumas informaes sobre as formas de discipulados os quais ele se submeteu durante
a sua vida. Ele conta que por volta dos 16 anos de idade (c.a. 53-54 a.D.), ele decidiu
sozinho adquirir algum conhecimento sobre os principais movimentos religiosos existentes
no judasmo da Palestina de seu tempo: os fariseus, os saduceus e os essnios. Alm de
experimentar cada um desses movimentos sucessivamente, ele ouviu falar de um asceta
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solitrio judeu chamado Bannus, que praticava ablues rituais no deserto.Aparentemente por sua prpria iniciativa, Josefo veio a ser seguidor zeloso e viveu com
ele durante trs anos. Por fim retornou a Jerusalm com a idade de 19 anos e comeou a
viver como fariseu. Todavia, pode se dizer que, nenhuma dessas formas de "discipulado"
semelhantes quela vista entre Jesus e seus discpulos.
Os Discpulos de Joo Batista
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Marcos, Q, a tradio especial de Lucas, Joo e Josefo, afirmam que Joo Batista
tinha discpulos. Entretanto, existem algumas diferenas entre o discipulado de Jesus e o
"discipulado"xxi do Batista. Primeiro; Joo no exigiu nenhum tipo de discipulado. Joo, ao
contrrio de Jesus, no "chamava" os indivduos diretamente para serem seus discpulos,
nem exigia que vivessem por um perodo prolongado em um crculo ao seu redor.
Segundo; a ampla maioria dos que eram batizados, retornavam aos seus lares e mesmo
aqueles que optavam em permanecer ali algum tempo poderiam abandonar o grupo
quando lhes aprouvesse. Os seguidores de Joo no compartilhavam dos momentos
mais ntimos de Joo, ou seja, no havia um ensino integral, tanto por atos quanto por
palavras.
Pelos dados que foram mostrados acima, conclui-se que, antes da vida de Jesus,
no encontramos nenhum autor judeu que fale de discpulos ao menos de forma
semelhante aos que Jesus rene em torno de si.xxii Se o discipulado de Jesus
totalmente sem paralelos no mundo grego-romano contemporneo a ele e a relao
anloga mais prxima, aquela mantida entre Elias-Eliseu, no reflete todos os aspectos
do discipulado de Jesus, ento pergunta-se: "Quais eram os traos distintivos que
definiam uma pessoa como discpulo de Jesus no sentido estrito?"
Quem pode ser discpulo de Jesus?
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Com sua mensagem Jesus dirige-se ao pblico, ao povo em geral. Mas para ele oestar voltado para o povo ainda no era o bastante. Nos Evangelhos vemos um grupo de
pessoas que lhe eram mais prximas. Esse fato esclarecedor para conhecermos sua
personalidade, pois mostra que ele queria estar perto das pessoas, que no queria
percorrer seu caminho como um grande solitrio.
Na Igreja de hoje, Jesus se encontra mais solitrio do que nunca. Muitos esto na
multido apenas como meros espectadores atnitos. No estamos sendo mais aquele
grupo mais ntimo de Jesus, estamos afastados. Para haver aproximao s pelo
discipulado isso possvel. A pergunta chave : Quantos esto dispostos a ser discpulos
de Jesus?
Veremos quais so as exigncias do discipulado afim de que possamos "calcular o
preo" (Lc 14.28) e decidir qual atitude tomaremos.
O Chamado ao discipulado
Somente Jesus pode chamar ao discipulado. Uma das caractersticas mais
evidentes no discipulado de Jesus o fato de ele prprio chamar seus discpulos
esse um direito exclusivo e personalssimo de Jesus.xxiii Analisando os casos
paralelos de relao mestre-discpulo do mundo greco-romano, bem como no
prprio judasmo, no presenciamos nenhum caso similar ao discipulado de Jesus,
onde o mestre escolhe seu prprio aluno. Scrates, por exemplo, ia por toda parte
persuadindo a todos (Apologia, XVI), Josefo que escolhe seus mestres e a quem
seguir (Vida de Josefo, 2 11,12), e Joo Batista jamais exigiu um discipulado.
Joachim Gnilka observa que o fato de Jesus mesmo tomar a iniciativa de chamar
seu discpulo, faz com que sua forma de discipulado se distancie das praticadas
pelos rabinos. A relao mestre-discpulo entre os rabinos judeus, diz Gnilka, o
discpulo quem escolhia seu mestre, por via de regra aquele quem esperava
aprender mais, podendo tambm passar para outro, e como Jesus se deixa
associar idia proftica do seguimento. No porque Jesus fosse um rabino
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conhecido que o seguimento se inicia e se torna possvel, mas porque ele chamana plenitude do seu poder carismtico. O carter nico deste seguimento se
expressa em que no caso de Elias no o profeta quem chama, mas em ltima
anlise Deus, o que representado pelo ato simblico de lanar o manto sobre
quem chamado (cf. 1 Rs 19.19-21). Em Jesus falta um smbolo deste tipo. Ele
chama por sua palavra.xxiv
John Meier observou que em vrias fontes diferentes dos Evangelhos, Jesus
sempre toma iniciativa de chamar as pessoas para segui-lo. O chamado de Jesus
peremptrio (decisivo), dirigido a pessoas que no tomaram a iniciativa de pedir para
segui-lo. O ser humano que foi chamado, larga tudo quanto tem, no para fazer algo que
tenha valor especial, mas simplesmente por causa daquele chamado, porque, de outro
modo, no pode seguir os passos de Jesus. A esse ato no se atribui o menor valor. Uma
vez chamada para fora, a pessoa tem que abandonar a existncia anterior; tem que
simplesmente "existir" no sentido rigoroso da palavra. O que velho fica para trs,
totalmente abandonado. O discpulo arrancado de sua relativa segurana de vida e
lanado incerteza completa; de uma situao previsvel e calculvel para dentro do
imprevisvel e fortuito; do domnio das possibilidades finitas para o domnio das
possibilidades infinitasxxv.
O melhor exemplo de chamado ao discipulado aquele onde Jesus comissiona
Mateus para ser seu discpulo. Jesus viu Mateus sentado diante da mesa dos impostos e
disse-lhe: "Segue-me". Mateus se levantou e o seguiu. Esse chamado muito
semelhante com os comissionamentos dos profetas do Antigo Testamento (cf. Gen 22.1;
x 3.4; 1 Sm 3.4; Is 6.8; Jr 1.4,5; Ez 2.1-8; Os 1.2; Am 7.15; Jn 1.1,2). A resposta dos
chamados no foi outra que essa: "Eis-me aqui" (Gen 22.1; x 3.4; 1 Sm 3.4,6,8).
Existe uma situao em Q onde um homem declara a Jesus que ir segui-lo,
entretanto, Jesus lhe mostra que a condio de que, ser um de seus seguidores no
uma atividade gloriosa. O entusiasmo suscitado pelo ensinamento e pelos milagres no
deve iludir, pois o seguimento de Jesus exigente. Em suma: a resposta de Jesus chama
a ateno do entusiasta para o fato de que este no sabe o que faz.
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Q EvT
Quando Jesus viu a multido ao seu redor,
deu ordens para que atravessassem para o
outro lado do mar. Ento, um mestre da lei
aproximou-se e disse: "Mestre, eu te
seguirei por onde quer que fores". Jesus
respondeu: "As raposas tm suas tocas e
as aves do cu tm seus ninhos, mas o
Filho do homem no tem onde repousar a
cabea" (Mt 8.18-20xxvi).
Quando andavam pelo caminho, um
homem lhe disse: "Eu te seguirei por onde
quer que fores". Jesus respondeu: "As
raposas tm suas tocas e as aves do cu
tm seus ninhos, mas o Filho do homem
no tem onde reclinar a cabea" (Lc
9.57,58).
Disse Jesus: "As raposas tem suas tocas, e
os pssaros tem seus ninhos, mas o Filho
do Homem no tem onde recostar a cabea
e descansar" (lgion 86).
Outro detalhe nessa passagem que o homem oferece-se, ele prprio, para seguir a
Jesus, ou seja, no foi chamado. Observa Bonhoeffer que ningum pode chamar-se a si
prprio. O abismo entre a oferta espontnea ao discipulado e o verdadeiro discipulado
continua abertoxxvii.
Marcos, Q e L e Joo nos proporcionam uma adequada mltipla confirmao de
um elemento bsico do discipulado: para tornar-se um discpulo de Jesus, preciso
partir deste a iniciativa de emitir uma ordem imperativa para segui-lo. Meier observa
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que o hbito de Jesus tomar a iniciativa e chamar discpulos para segui-lo em sentidoliteral no era exclusivo dele entre os mestres judeus na Palestina do sculo I a.D,
entretanto, pode-se afirmar que o modo de Jesus conquistar discpulos parace ter sido
incomum, se no nico, no judasmo da Palestina do seu tempo.
O CHAMADO SEM OPOSIO
"Soa o chamado, e imediatamente segue o ato obediente da pessoa que foi
chamada. A resposta do discpulo no uma confisso oral da f em Jesus,
mas sim um ato de obedincia"(Dietrich Bonhoeffer).
O chamado de Jesus no admite oposio nem demora, sejam quais forem as
circunstncias. O ser humano que foi chamado larga tudo quanto tem, no para fazer algo
que tenha valor especial, mas simplesmente por causa daquele chamado, porque, de
outro modo, no pode seguir os passos de Jesus. A esse ato no se atribui o menor
valorxxviii. Seguir Jesus no possua valor nenhum perante a sociedade israelita, pelo
contrrio, seus discpulos eram vistos com olhos da desconfiana e sempre eram
repelidos de qualquer convvio social.
Mas voltando ao cerne desse item, o chamado ao discipulado no admite demora
em razo do reino de Deus estar prximo (cf. Mt 10.7).
A tradio Q nos mostra essa caracterstica do chamado de Jesus em Mt
8.21,22//Lc 9.59,60.
Mateus Lucas
Outro discpulo lhe disse: "Senhor, deixa-
me ir primeiro sepultar meu pai". Mas Jesus
lhe disse: "Siga-me, e deixe que os mortos
sepultem os seus prprios mortos" (Mt
A outro disse: "Siga-me". Mas o homem
respondeu: "Senhor deixa-me ir primeiro
sepultar meu pai". Jesus lhe disse: "Deixe
que os mortos sepultem seus prprios
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8.21.22). mortos; voc, porm, v e proclame oReino de Deus" (Lc 9.59,60).
Notamos que, muito por alto, a objeo lembra a vocao de Eliseu, s que l
tratava-se unicamente de despedir-se de pessoas vivas (1 Rs 19.20, compare com Lc
9.61s.). Mesmo assim podemos considerar esse dito
xxix
como totalmente descontnuo,no s ao mundo judeu, bem como a todo mundo greco-romano. Essa exigncia, "deixe
que os mortos sepultem seus mortos" no aparece de novo no Novo Testamento e no
apresentada como obrigaco imposta aos cristos no restante da literatura crist
primitiva. Meier comenta que esse dito chocantemente descontnuo com a moralidade
fundamental to cara tanto a judeus como a cristos (ver Gen 35.29; Tb 14.10-13). Tanto
Hengel como Sanders, pelo critrio da descontinuidade, defendem a autenticidade do
lgio. O enterro digno dos mortos por parentes ou amigos prximos [em especial o filho
do falecido era uma das mais sagradas obrigaes, reconhecida em todo o antigo mundo
mediterrneo. Louvada pela devoo judaica, era uma das mais importantes expresses
prticas da obedincia ao quarto mandamento do Declogo ("honra teu pai e tua me").
Parece no ter havido rejeio a essa obrigao de um enterro decente nas prticas
crists primitivas mesmo quando o morto no era um parentexxx].
Uma tradio de Lucas aborda o mesmo ponto (Lc 9.61,62).
Ainda outro disse: "Vou seguir-te Senhor, mas deixa-me primeiro voltar e
despedir-me da minha famlia". Jesus respondeu: "Ningum que pe a mo no
arado e olha para trs apto para o Reino de Deus".
Gnilka expe uma idia diferente da que mostramos acima. Ele afirma que o ponto
crucial desta palavra aparece com plena nitidez quando se atenta que se est falando
aqui de mortos em dois nveis de compreenso diferentes. Uma vez so os fisicamente
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mortos, como o pai que o filho deseja sepultar. Da outra so os espiritualmente mortos,que morreram porque no se dispuseram ou no se dispem para receber a mensagem
salvfica de Jesus. Ao avaliar essas duas espcies de morte, para Jesus a segunda
mais grave. Por isso o jovem homem deve fazer o que mais necessrio, e isto sem
demora.xxxi
2.2. Seguindo Jesus Fisicamente abandonando o lar
Seguir Jesus no era uma simples metfora para absorver e praticar seus
ensinamentos. Ele chamava as pessoas para segui-lo literal e fisicamente, enquanto
realizava vrias jornadas de pregao na Galilia, na Judia e em regies circunvizinhas.
Meier observa que "no era possvel seguir Jesus simplesmente ficando em casa e
estudando seus ensinamentos, ou freqentando sua escola e assistindo s suas palavras
ao estilo Ben Sira. A prpria idia de que tornar-se um aluno significava abandonar laos
familiares e posses em nome de um ministrio itinerante seria contrria ao etos de Bem
Sira, que inculcava em seus estudantes os deveres de um filho para com pai e me e
recomendava a sbia fruio dos bens de cada um (p. ex. Eclo 3.1-16; 7.27-28; 14.11-16;
31.8-11)xxxii". Bonhoeffer comenta que "ser discpulo significa dar determinados passos. J
o primeiro passo que segue ao chamado separa o discpulo de sua existncia anterior.
Assim, o chamado ao discipulado cria imediatamente uma nova situaoxxxiii. Permanecer
na situao antiga e ser discpulo impossvelxxxiv". Como j vimos, no existe paralelo no
mundo greco-romano para essa caracterstica do discipulado de Jesus.
O chamado peremptrio de Jesus para que o seguissem ficava aberto no apenas
geogrfica, mas tambm temporalmente. No estabelecia nenhum limite tempo
obrigao de segui-lo. No havia um programa de estudos que, uma vez completado,
liberasse um discpulo do constante acompanhamento a Jesus. Tornar-se seu discpulo
no era um compromisso temporrio, aps o qual a pessoa podia esperar ser promovida
igualdade com Jesus. Isso difere muito do relacionamento normal de um estudante
rabnico com seu mestre. O objetivo de um discpulo rabnico, ao se tornar aluno de um
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rabino famoso, era aprender a sua sbia e fiel interpretao da Tor, transmitida no spela instruo oral do mestre (cuidadosamente repetida e memorizada), mas tambm por
sua conduta diria (observada ao participar da vida da famlia). Em geral, esperava-se
que essa vida de discpulo fosse uma etapa transitria. Quando o estudante completasse
seu perodo de instruo da Tor, estaria livre para deixar seu mestre e iniciar sua prria
carreiraxxxv.
Segundo o Evangelho de Lucas (9.59-62), Jesus chamava discpulos, no para
estudar a Tor, mas para experimentar e proclamar o reino de Deus atividades que
aparentemente os prendiam a ele e sua mensagem por um futuro indeterminado. Voltar
atrs daquele chamado o que seria equivalente a desistir de seguir Jesus era mostrar-
se inapto para o reino. Uma vez que um discpulo atendesse ao chamado, aos olhos de
Jesus no era mais livre para "cair fora"xxxvi.
2.3. Riscos de Perigos e Hostilidades
Os custos imediatos de seguir Jesus fisicamente eram bvios: deixar casa, famlia
a trabalho. Alm disso, Jesus aparentemente advertia seus discpulos que hostilidades e
perigos poderiam estar reservados a eles no futuro, assim como a ele prprio. Meier
comenta que felizmente, quando perguntamos se o Jesus histrico na realidade ensinava
a seus seguidores que o discipulado viria ao alto preo de hostilidade e sofrimentos,
temos mais do que conjecturas genricas em que nos basear. A abundante mltipla
confirmao de fontes demonstra que Jesus de fato alertou seus discpulos do terrvel e
possivelmente fatal custo de segui-loxxxvii.
SALVAR OU PERDER A VIDA
Marcos Q Joo
Pois quem quiser salvar sua Pois quem quiser salvar a Aquele que ama a sua vida
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vida, a perder, mas quemperder a sua vida por minha
causa e pelo evangelho, a
salvar (Mc 8.35).
sua vida, a perder, masquem perder a sua vida por
minha causa, este a salvar
[a encontrar] (Lc 9.24//Mt
16.25).
a perder; ao passo queaquele que odeia a sua vida
neste mundo, a conservar
para a vida eterna (Jo
12.25).
Conforme observa Taylor, "poucas palavras de Jesus so to bem atestadas comoessa". Meier conclui que Jesus nessas passagens est falando de salvar ou perder toda a
vida ou existncia de algum, e no de "salvar alma"xxxviii. A mensagem basicamente
essa: um discpulo que se agarra egosta ou covardemente vida presente como a um
bem definitivo perder o bem definitivo da verdadeira vida no reino de Deus, ao passo que
aquele que voluntariamente arrisca (ou na realidade sofre) a perda da vida presente
salvar/conservar/achar a vida verdadeira no reino. O discipulado significa a renncia
antiga vida, com todos os seus laos, seguranas e expectativas, se o discpulo quiser
achar ou conservar a nova forma de vida que ser possvel com o advento do reino de
Deus.
Antes de decidirmos dar um primeiro passo em direo ao discipulado, devemos
estar conscientes dos custos. Jesus diz isso atravs de parbolas (cf. Lc 14.28-33). Jesus
no queria um compromisso irresponsvel que s esperasse receber benos, portanto,
assim como um construtor estima custos ou um rei avalia foras militares, assim como
tambm cada pessoa deve considerar o que Jesus espera dos seus seguidores. Caso
no haja esse reflexo pode ocorrer que o sal perca o sabor, no servindo
conseqentemente para nada (cf. Lc 14.34).
NEGANDO-SE A SI MESMO E TOMANDO A CRUZ
"Ser crucificado sinnimo de sofrer e morrer rejeitado e repudiado por fora
da necessidade divina"(Bonhoeffer, Discipulado, p. 44).
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repulsivo de algum ter de dar adeus a toda vida (incluindo bens e meios de sustento), atodo um passado (com todos os vnculos familiares) e a todo um futuro (com todos sos
seus planos e projetos) poderia ser imaginado por um judeu da Palestina no sculo I, que
estava bastante familiarizado com esse tipo de execuo. A total perda de controle sobre
sua prpria vida (na verdade, at sobre as funes corporais em pblico) se tornava tanto
mais apavorante pela vergonha e zombaria que acompanhavam essa morte lenta e
dolorosa.xxxix
Seguir Jesus dizer no a si mesmo como o centro da existncia ("negar-se a si
mesmo") com uma severidade to radical, que esse comprimisso poderia ser igualado
mais horripilante e humilhante das mortes ("tomar a sua cruz"). Meier comenta que
somente quando se aprecia a fora desses dois "meios" para o discipulado, colocados
entre as duas ocorrncias do verbo "seguir", possvel sentir o choque da segunda
ocorrncia, que representa o clmax, e ento exprime uma ordem peremptria: "Se
algum quiser seguir-me [isto , tornar-se meu discpulo], que primeiro diga no sua
vida inteira e [metaforicamente] arraste sua cruz para a vergonhosa execuo pblica, e
[assim, passando por essa morte de toda a sua vida anterior] siga-me [como meu
discpulo]"xl. Gnilka explica que a metfora empregada por Jesus embora o seu
entendimento inclusse a prontido para o martrio no se limitava a isto, inclua tambm a
hostilidade, desprezo, restries, sofrimento. Embora fosse uma palavra de alerta, permite
concluir que j no tempo de Jesus, e mais precisamente ento, seguir a Jesus no
colocava a pessoa numa estrada triunfal.xli
Bonhoeffer observa que a cruz j est preparada desde o incio; falta apenas lev-
laxlii. Muitos acham que tem que sair por ai a procura de uma cruz qualquer, seja onde for,
ou que deve procurar voluntariamente o sofrimento, Jesus diz que existe uma cruz j
preparada para cada um de ns, uma cruz a ns destinada e atribuda por Deus. Cada
qual tem que suportar a medida de sofrimento e rejeio que lhe reservada. Essa
medida varia de pessoa para pessoa, pois a um Deus honra com maior sofrimento,
dando-lhe, inclusive, a graa do martrio; a outro porm, no permite que seja tentado
alm de suas foras. No entanto, a cruz uma s.
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A cruz imposta a cada crente. O primeiro sofrimento com Cristo, ao qual ningumescapa, o chamado que nos separa para fora das vinculaes com o mundo. a morte
do velho ser humano no encontro com Jesus Cristo. Quem entra no discipulado entrega-
se morte de Jesus, expe sua vida morte. Isso assim desde o princpio; a cruz no
o fim horrvel de uma vida piedosa e feliz, mas se encontra no comeo da comunho com
Jesus Cristo. Todo chamado de Jesus conduz mortexliii.
Como, porm, saber o discpulo qual a sua cruz? Ele a receber ao entrar no
discipulado do Senhor sofredor; na comunho de Jesus, reconhecer sua cruz. O
sofrimento , pois, a caracterstica dos seguidores de Cristo. O discpulo no est acima
de seu mestre (Mc 8.31 par.).
Mas a graa barata no promete isso! Ela diz que o cristo ser prspero, que ser
curado de suas enfermidades, que Deus no o quer para ser cauda e sim cabea (no o
que Jesus ensina em Jo 13.14-17).
Alm de repetir a forma da fala em Marcos (Mt 16.24//Lc 9.23) com ligeiras
variaes, Mateus e Lucas tambm preservam uma forma de Q para esse lgio, apesar
de divergirem um pouco nas palavrasxliv. O Q confirma o sentido do dito o qual se resume
basicamente uma advertncia para seus discpulos (e candidatos) da absoluta
seriedade de segui-lo e das graves conseqncias que eles poderiam enfrentar.
Mateus Lucas
Ento Jesus disse aos seus discpulos: "Se
algum quiser acompanhar-me negue-se a
si mesmo, tome a sua cruz e siga-me" (Mt
16.24).
Jesus dizia a todos: "Se algum quiser
acompanhar-me, negue-se a si mesmo,
tome diariamente a sua cruz e siga-me" (Lc
9.23)
ENFRENTANDO HOSTILIDADE DA FAMLIA
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Nem todo sofrimento e toda oposio de que Jesus falava viriam de estranhos oudas autoridades. Uma parte muito prtica da cruz que Jesus prometia a seus discpulos
era a discrdia com famlias e parentes, provocada pelo fato de eles literalmente o
seguirem atravs da Palestina. No mundo mediterrneo, antigo e tambm moderno, o
governo em grande escala normalmente inimigo, o mal necessrio que deve ser
mantido a distncia. Aquilo em que se confia, com que se conta e para que se contribui de
bom grado a famlia ampliada de cada um, a rede de segurana primria na sociedade
campesina. A antiga sociedade mediterrnea era, em grande parte, uma sociedade de
"personalidade didica", onde se formava e se mantinha a identidade de um indivduo
com relao a outros da sua unidade social sendo esta ltima, em geral, a famlia
ampliada. Dar adeus, por um perodo indefinido, aos vnculos de proteo emocional e
financeira, rejeitar o nico "grupo de opinio" cuja palavra todos os dias afetava a vida de
seus membros, tomar o caminho escandaloso de abandonar famlia e trabalho em uma
sociedade regida pelo binmio honra-vergonha tudo isso tornava difcil a opo para o
campons judeu comum da Galilia ou da Judia, fosse homem ou (especialmente)
mulher. A priori, portanto, seria de esperar que Jesus alertasse seus seguidores desse
preo realista do discipulado. Com efeito, existe mltipla confirmao de novo em
Marcos e Q de que ele falou a seus discpulos sobre o custo domstico de segui-lo.
Marcos Q
Pedro ento lhe disse:
V: ns deixamos tudo e te seguimos.
Jesus respondeu:
Todo aquele que deixar casa ou irmos
ou irms ou me ou pai ou filhos ou campos
por causa de mim e por causa da boa
notcia, h de receber nesta vida cem vezes
Ento Pedro lhe respondeu:
V: ns deixamos tudo o que nosso e te
seguimos.
Jesus lhes disse:
Eu vos asseguro que vs, que me tendes
seguido, no mundo renovado, quando o
Filho do Homem sentar em seu trono de
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mais em casas e irmos e irms e mes efilhos e campos, com perseguies, e no
mundo futuro vida eterna (Bblia do
Peregrino).xlv
glria, tambm vs sentareis em dozetronos para reger as doze tribos de Israel. E
todo aquele que por mim deixar casas,
irmos ou irms, pai ou me, mulher ou
filhos, ou campos, receber cem vezes
mais e herdar vida perptua (Bblia do
Peregrino). xlvi
Ento Pedro disse:
V: ns deixamos tudo o que nosso e te
seguimos.
Respondeu-lhe:
Eu vos asseguro que ningum que tenha
deixado casa ou mulher ou irmos ou
parentes ou filhos pelo reino de Deus,
deixar de receber muito mais nesta vida e
vida eterna na era futura (Bblia do
Peregrino).xlvii
"Ns deixamos tudo e te seguimos". O que Pedro quis expressar quando disse
essa frase? Pedro e o restante dos doze aguardavam alguma recompensa por terem se
dedicado exclusivamente a Jesus. Jesus lhes responde que eles receberiam ainda nesta
vida cem vezes mais do que deixaram. Mas se analisarmos com cuidado essa resposta
dada por Jesus notamos que o que os apstolos iriam receber em vida era uma nova
famlia a famlia crist. Em Atos dos Apstolos verificamos que muitos deixavam suas
posses aos ps dos apstolos (At 4.35), a multido dos fiis no chamavam de prpria
nenhuma de suas posses; ao contrrio, tinham tudo em comum (cf. At 4.32).
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No relato especfico de Mateus aparece o elemento novo da promessa dos dozetronos aos discpulos. Primeiro Jesus se dirige aos doze com uma promessa escatolgica.
A paliggenesia a nova criao (Is 65.17; 66.22). Quando Jesus glorificado ocupar seu
trono real (Sl 110.1) como rei e juiz, tambm os doze apstolos atuaro como juzes,
julgando as tribos de Israel que no tiverem aceito Jesus como Messias. Outros
interpretam como governo dos apstolos na Igreja, o novo Israel, em que Jesus
glorificado o rei. Depois se dirige a todos, prometendo-lhes que "recebero o cntuplo e
herdaro a vida eterna". Ser apenas uma promessa? Em tal caso, o cntuplo chegar na
consumao. Mateus dintingue dois tempos como Marcos? Ento o cntuplo j se d
neste mundo, na vida da Igreja.
Q EvT
"Quem ama seu pai ou sua me mais do
que a mim no digno de mim; quem ama
seu filho ou sua filha mais do que a mim
no digno de mim" (Mt 10.37).
"Se algum vem a mim e ama o seu pai,
sua me, sua mulher, seus filhos, seus
irmos e irms, e at sua prpria vida mais
do que a mim, no pode ser meu discpulo"
(Lc 14.26).
"Todo aquele que no odeia seu pai e sua
me no ser capaz de ser meu discpulo,
e todo aquele que no odiar seus irmos e
suas irms, e no tomar sua cruz no meu
caminho no me serve a mim" (lgion 55).
Disse Jesus: "Aquele que no odeia seu pai
e sua me como eu no poder ser meu
discpulo. E aquele que no ama seu pai e
sua me como eu no poder ser meu
discpulo, pois minha me (...) mas minha
verdadeira me me deu a vida" (lgion
101).
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Jesus ao proferir essas palavras almejava mostrar aos discpulos que h anecessidade de optar por Jesus sem reservas quando a famlia se ope ao compromisso
do discipulado ou faz ao futuro discpulo exigncias conflitantes. Querendo ou no, o
chamado de Jesus ao discipulado provavelmente acarretaria uma violenta diviso em
certas famlias da Palestina (cf. Mt 10.34-36//Lc 12.51-53).
Os discpulos de Jesus no devem pensar que ele veio para trazer a paz na terra
(ou talvez, a paz para a terra de Israel), mas sim uma espada de divisionismo: filho contra
pai, filha contra me, nora contra sogra (a nora era obrigada a mudar-se para a casa dos
pais do marido e tornar-se parte de sua famlia). Assim, as formas mais ntimas de
vnculos sociais, os laos nos quais todo judeu palestino costumava se apoiar quando
tudo mais falhasse, so exatamente os que Jesus viera afrouxarxlviii.
3. Concluso
A despeito do fato de os seguidores comprometidos com Jesus serem chamados
de seus "discpulos" (mathtai, literalmente, "aprendizes"), o verbo "seguir" (akolouthe)
descreve sua atividade nos Evangelhos muito mais do que o verbo "aprender"
(manthan). Eles eram chamados literalmente a abandonar lar e famlia para seguir Jesus
em suas jornadas, para partilhar e receber formao do seu ministrio proftico de
proclamao do reino, com todos os perigos decorrentes, e no simplesmente para
aprender a memorizar certos pronunciamentos doutrinrios, legais ou ticos. Estudantes
rabnicos, por certo, partilhavam a vida de seu mestre, imitavam sua conduta e
memorizavam suas palavras. Mas isso no significava imitar um ministrio de profecias e
curas em um contexto escatolgico. O discipulado de Jesus consiste basicamente:
1) Jesus chamava a si a iniciativa de decidir quem poderia ser seu discpulo. Ele
confrontava determinados indivduos com sua ordem imperiosa para segui-lo, uma
ordem que no admitia oposio ou demora.
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2) Portanto, ao usar o termo "seguir", ele no visava a fazer uma metfora piedosa,mas queria dizer acompanhamento literal e fsico em suas jornadas de pregao
pela Palestina. Conseqentemente, os que aceitavam o comando de segui-lo
tinham que abandonar casa, famlia e outros vnculos aos quais estavam
acomodados.
3) Alm dessas dificuldades, Jesus advertia seus discpulos de que poderiam
enfrentar outros sofrimentos: hostilidade e mesmo oposio mortal, incluindo a
oposio das suas prprias famlias alienadas.
Jesus fez uma exigncia radical a seus discpulos: eles deveriam estar
absolutamente comprometidos com ele e sua misso.
Os discpulos de Jesus possuam como caractersticas:
1) Os discpulos de Jesus so marcados pela obedincia a seu chamado
peremptrio, pela negao de si mesmos e exposio a hostilidade e perigo; esses
trs traos consituem a vida radical e severa dos discpulos de Jesus.
2) Contudo, esse grupo radical, marcado, por esses trs traos, ensinado a ser
radicalmente aberto aos outros, mesmos aos que esto "fora dos limites".
Poderamos ter descrito mais profundamente o discipulado, porm, isso tornaria o
texto muito cientfico, a leitura teria que ser realizada de forma mais pausada e no final
surtiria o mesmo efeito. Creio que no tenha entrado por demais nas consideraes
textuais, histricas e metodolgicas. O meu objetivo era descrever o discipulado institudo
por Jesus, contudo, decidi faz-lo levando em considerao a crtica textual e histrica,
hoje to repudiada pelos ortodoxos. Muitos tomam tal atitude achando que os cristos dos
bancos das igrejas no esto interessados pelas abordagens "crticas". Particularmente,
no tenho notado essa falta de interesse. Acho que esses "ortodoxos" esto que no
esto interessados que "simples" cristos conheam profundamente a Palavra de Deus.
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2 PARTE
AS CONDIES ATUAIS
1- O Discipulado e os Mtodos de Evangelizao Atuais
O ato de chamar ao discipulado no a grosso modo a mesma coisa que
evangelizar. Segundo o lexicgrafo Houaiss "evangelizar" "converter (algum) religio,
pregando o evangelho"xlix. Segundo esse significado, Jesus no evangelizava. Jesus
discipulava. O discipulado, portanto, foi a base da evangelizao de Jesus.
Se o discipulado foi a base da evangelizao promovida por Jesus na Palestina do
sculo I, ento como "imitadores de Cristo" deveramos utilizar esse mtodo hoje.
Sabemos que isso no est ocorrendo nas igrejas crists do mundo inteiro e
principalmente, no caso brasileiro em especfico. Existe uma disputa entre denominaes
crists brasileiras a qual quem possui a maior quantidade de membros considerada a
melhor igreja, a mais abenoada e a nica correta.
"O evangelismo moderno est sempre preocupado em perguntar quantos se
converteram e so agora membros de igrejas. Poucas vezes pergunta quantos
rejeitaram o evangelho devido aos requerimentos radicais que Cristo faz sobre
suas vidas. O perigo da preocupao pelo sucesso numrico tem causado
uma reduo nas exigncias do evangelho, obscurecendo o significado do
discipulado e acomodando a mensagem evangelstica quilo que o auditrio
acha mais aceitvel" (Jim Wallis, Agenda foi Biblical People [New York, Harper
& Row, 1976], pp. 27-28).
1.1. A Graa Barata
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"O discpulo de Jesus no tem o direito nem o poder de impingir a palavra dagraa a qualquer pessoa a qualquer hora. Toda insistncia, o correr atrs do
outro, o proselitismo, toda tentativa de convencer o outro por fora prpria,
tudo isso perigoso" (Dietrich Bonhoeffer, Discipulado, So Leopoldo/RS:
Editora Sinodal, 2004, p. 116).
Esse problema alm de no ser atual tambm no se restringe ao Brasil.
Bonhoeffer na dcada de 30 (Europa) j alertava a questo da "graa barata", ou seja,
aquela que conquistada sem nenhum esforo do beneficiado (crente). Os cristos
estavam sendo "salvos" somente pela f, mas que f? "De que adianta, meus irmos,
algum dizer que tem f, se no temos obras? Acaso a f pode salv-lo? l" F sem obras
no morta? Assim tambm a f, por si s, se no for acompanhada de obras, est
morta. Que obras? Alguns exegetas prefeririam que esses versculos no existissem,
outros torcem e destorcem o significado dessas palavras para adapt-las as suas
confisses. Existem trabalhos extensos somente para tratar desse tema. No entanto, a
inteno de Tiago muito clara. Paulo em Romanos 3.28 proclama a justificao pela f
"sem obras da lei" (pistei chris ergn nomou), no, porm, por f "sem obras". O que
Paulo designa de "fruto da justia" ou fruto do Esprito (Rm 6.22; Gl 5.22s.; Fp 1.11),
Tiago denomina de "obra". Portanto, no so sacramentos, nem a caridade, nem a
humildade. Obras so as obras do evangelho. Uma pessoa ao receber a pregao (seja
ela escrita, falada, por sinais, ou por atitudes)li provocada em sua existncia atual, ou
seja, ela compelida a uma tomada de deciso, ela precisa nascer de novo, viver em
Cristo Jesus, estou certo? Ela nasce de novo no discipulado, como uma criana em fase
de amamentao, totalmente dependente de sua me (Deus). O modo de vida do cristo
s pode ser um o discipulado no h outro. Esse modo de vida no mais como
aquele anterior, ele totalmente novo e seus efeitos so as obras do evangelho - daquele
que vive pelo evangelho na condio de discpulo. F sem obras por tanto morta. O
discpulo age conforme a f e produz as obras do evangelho.
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Leonhard Goppelt comenta que Tiago tem em vista no uma teoria hertica, masum comportamento prtico: um cristianismo para o qual Deus e a justificao somente
pela f se tornaram teorias filosficas das quais se est convicto que j no influenciam o
comportamento. Um cristianismo de convices pode estabelecer-se em vrios contextos.
Pode ser um ortodoxismo morto que se afoga no intelectualismo; pode, de igual modo, ser
um liberalismo cristo muito burgus, que vive de conformidade com o mundo e
transforma a graa em graa baratalii.
A graa barata a inimiga mortal de nossa Igreja. Graa barata significa a graa
como doutrina, como princpio, como sistema; significa perdo dos pecados como
verdade geral, significa o amor de Deus como conceito cristo de Deus. Quem o aceita j
tem o perdo de seus pecados. A Igreja participa da graa j pelo simples fato de ter essa
doutrina da graa. Nesta Igreja, o mundo encontra fcil cobertura para seus pecados dos
quais no tem remorsos e no deseja verdadeiramente libertar-se. Como a graa faz tudo
sozinha, tudo tambm pode permanecer como antes. A graa barata a pregao do
perdo sem arrependimento, o batismo sem a disciplina comunitria, a Ceia do
Senhor sem confisso dos pecados, a absolvio sem confisso pessoal. A graa
barata a graa sem discipulado, a graa sem cruz, a graa sem Jesus Cristo vivo,
encarnadoliii. A graa preciosa, entretanto, o evangelho que se deve procurar sempre de
novo, o dom pelo qual se tem que orar, a porta qual se tem que bater. Essa graa
preciosa porque chama ao discipulado, e graa por chamar ao discipulado de Jesus
Cristo; preciosa por custar a vida ao ser humano, e graa por, assim, lhe dar a vida;
preciosa por condenar o pecado, e graa por justificar o pecador. Essa graa ,
sobretudo, preciosa por ter sido preciosa para Deus, por ter custado a Deus a vida de seu
Filho "vocs foram comprados por preo" e porque no pode ser barato para ns
aquilo que custou caro para Deus.liv
Tendo em vista esses conceitos, Bonhoeffer observa que na Igreja de sua poca
tornaram-se baratos a mensagem e os sacramentos; batizou-se, confirmou-se, absolveu-
se todo um povo sem perguntas nem condies; por humanitarismo, deu-se o santurio
aos zombadores e incrdulos, dispensaram-se rios sem fim de graa, mas o chamado ao
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30
discipulado rigoroso de Cristo ouvia-se cada vez mais raramente
lv
. Ao final de suaexposio conclui o telogo:
"A graa barata foi muito cruel para nossa Igreja Evanglica"
"A graa barata decerto foi tambm cruel pessoalmente para a maioria de ns.
No nos abriu, antes fechou o caminho para Cristo. No nos chamou ao
discipulado, antes nos endureceu na desobedincia".
"A mensagem da graa barata tem arruinado mais cristos do que qualquer
mandamento de obras".
Notamos quanto atual o problema apontado por Tiago e por Bonhoeffer. As
pessoas modernas acham o discipulado muito exigente e no almejam aceitar tais
condies, jugando-as desnecessrias. Como as igrejas precisam de um crescimento
numrico de seus membros a qualquer custo, ela de amolda para esses "acomodados",
oferece-se uma "graa barata".lvi Esta a graa que as igrejas esto ofertando a todos
por a, no exigem nenhuma "meia volta" (metania) por parte do suposto convertido,
nenhum vnculo com a igreja (exceto o dzimo) e ainda lhe prometem prosperidade
financeira, amorosa, fisca, etc.lvii Guilherme Cook faz uma tipologia das Igrejas no Brasil,
dividindo elas em trs categorias:
1) Ele chama a primeira de "igreja do duplo funil". Na frente, ela tem uma porta
grande como um funil, por onde entra muita gente, em resposta a apelos que
destacam as ofertas que Cristo faz (salvao, gozo, paz e o cu ao fim da vida).
Contudo, diz o autor, esta mensagem no esclarece, antes de responderem ao
apelo, qual a fundamental exigncia do Reino de Deus (obedincia total a ele em
todos os aspectos da vida as obras que Tiago fala), que est tambm no corao
do evangelho. Explica Cook que "nossa responsabilidade anunciar que o
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Salvador que oferece a redeno pela f, tambm o Senhor que exigir, dapessoa que o aceitar obedincia incondicional. O Esprito Santo lhe ensinar as
implicaes prticas dessa obedincia em um longo processo de crescimento". E
depois quando o novo crente admitido na igreja, acha, muitas vezes, uma
comunidade fechada e legalista que, agora, exige dele uma conduta bem diferente,
cheia de proibies, e aquela obedincia sobre a qual no se falou antes que ele
fizesse sua profisso de f. tambm uma comunidade que no liga para os
problemas do mundo (s fica pensando no cu), e onde existe pouca vivncia em
comunidade. Como resultado, esta igreja tem tambm um funil nos fundos, por
onde sai um sem-nmero de pessoas disciplinadas pela igreja ou desiludidaslviii.
"A Igreja no Brasil mundialmente famosa pelo seu evangelismo, porm
pouco se diz respeito do enorme nmero de pessoas que some da Igreja. A
verdade crua que, apesar de milhares que esto vindo a Cristo e se unindo
Igreja, muitos no ficam e outros so afastados antes de compreenderem
quais as verdadeiras exigncias de Cristo. Os pastores no esto preparados
para ensinar os novos crentes. Muitos lderes caem na cilada do legalismo, da
escravido financeira e da heresia".lix
2) A segunda igreja, Cook denomina "rodoviria" pela grande transitoriedade do seu
povo. Tanto e entrada como a sada, como tambm a parte do meio, so grandes
demais. Muita gente entra pela porta frente, vagueia no prdio sem rumo fixo, at
encontrar a oportunidade de sair ou mudar para outro lugar ou outra igreja. Nesta
igreja tambm se prega a "graa barata", mas diferente da igreja anterior porque
em seu interior no existem alvos coerentes. Conseqentemente, os membros no
sabem para onde se orientar e esto insatisfeitos, de passagem entre a grande
porta na frente e a grande porta nos fundos.
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3) A terceira igreja uma igreja fundamentada sobre padres bblicos. Suamensagem as boas novas do senhorio de Cristo sobre todas as coisas. Tem uma
porta estreita na frente por onde nem todos podem entrar porque, como o jovem
rico, acham rdua demais a vida de obedincia e de sacrifcio que Cristo requer
deles. Porm dentro da igreja existe amplitude e um estilo de vida coerente e
equilibrado, orientado para Deus, a Bblia, o prximo e o corpo de Cristo em sua
totalidade. Por esta razo, a igreja tem tambm uma porta pequena nos fundos por
onde poucas pessoas procuram fugir, ou por problemas de disciplina, ou porque
so excludas, porque a comunidade crist se preocupa com elas e as corrige em
amor e as poucas pessoas que saem so aquelas que acham muito difcil o custo
do discipulado. Um dos fatores que mais tm contribudo para o crescimento
integral de algumas igrejas que conhecemos o impacto da mensagem vivida por
estas congregaes em meio de suas comunidades. Os sermes evangelsticos e a
forma de ser se transformaram em experincias que permitem que toda a
vizinhana observe o estilo de vida da igreja. Os estudos bblicos e os cultos de
orao rotineiros, antes to dominados por um dos lderes, se fizeram mais
dialgicos, mais sensveis s inquietudes dos participantes e aos problemas
cotidianos da comunidade. A dimenso pedaggica, tanto congregacional como
dos ncleos de discipulado, ressalta constantemente no evangelho do Reino de
Jesus Cristo e suas implicaes totais para a vida das igrejas. Os crentes saem ao
mundo para compartilhar sua f de forma sensvel e espontnea. Novos crentes se
incorporam de forma natural ao seio das comunidades e permanecem ali atrados
pelo amor que sentem e que demonstram em formas concretas. Este amor
extravasa tambm em aes em favor dos que sofrem por causa do pecado
pessoal e social.
1.2. O Movimento G-12
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A forma com que Jesus lidava com seus seguidores veio a pauta das discussesteolgicas com o Movimento que se auto-denomina G-12lx. Esse movimento se introduziu-
se inicialmente no seio do neopentecostalismo, com o propsito de provocar o
crescimento das igrejas evanglicas atravs de pequenos grupos conhecidos como
clulas.lxi Essas clulas atuam em reunies nas casas dos fiis e geralmente so
compostas por doze pessoas. O nmero doze refere-se ao modelo do discipulado de
Jesus Cristo, que separou para si doze homens para instruo, capacitao e testemunho
das boas novas.
No vejo algo de anti-bblico na idia principal do movimento. Dividir o grupo em
dois estratos ( lder e doze alunos) uma forma de aproximar os discpulos de seu
discipulador (o lder da clula). Na verdade discipulado seria algo mais prximo e ntimo
que uma clula, seria uma convivncia pessoal e permanente entre lder e discpulos.
Segundo o ponto de vista bblico, a clula est mais prxima do discipulado do que a
Igreja.
Fazendo uma anlise histrico-crtica dos Evangelhos, percebemos que Jesus
jamais intencionou em instituir uma ekklsia, pelo contrrio, chamou todo Israel ao
arrependimento (= meia volta). No criou uma comunidade de santos como fizeram os
fariseus e os essnios. Destarte, o programa de clulas tm todo apoio bblico em sua
forma estrutural.
Quanto s reunies serem realizadas na prpria casa dos discpulos, esse era o
local de reunio do cristianismo dos primeiros cristos. Atente para que Wayne A. Meeks
observa:
"Os lugares de reunio dos grupos paulinos, e provavelmente da maioria de
outros grupos cristos primitivos, eram casas particulares".lxii
Portanto, Castellanos est correto quando declara:
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"...o princpio dos doze um revolucionrio modelo de liderana que consisteem que a cabea de um ministrio seleciona doze pessoas para reproduzir
seu carter e autoridade neles para desenvolver a viso da igreja, facilitando
assim a multiplicao; essas doze pessoas selecionam a outras doze, e estas
a outras doze, para fazer com elas o mesmo que o lder fez em suas vidas".lxiii
No h nada de revolucionrio no mtodo, ele a cpia daquilo que Jesus fez na
Palestina no sculo I d.C. O modelo dos 12 funciona como um processo de crescimento
espiritual e ministerial, que chamado de "Escada do Sucesso". Ele compreende quatro
etapas:
1) Evangelizao: ocorre nas clulas. A clula responsvel pelo ensino e formao
dos discpulos.
2) Consolidao: a etapa da confirmao da f do indivduo. Isso ocorre nos
encontros. So trs tipos de encontros: o pr-encontro, o encontro e o ps-
encontro. Castellanos diz que os encontros so:
"Retiros de trs dias, durante os quais o novo crente compreende a dimenso
exata do significado do arrependimento, recebe cura interior e liberto de
qualquer maldio que tenha imperado em sua vida. Logo a seguir se capacita
como guerreiro espiritual, com ministrao do enchimento do Esprito Santo.
[...] mediante conferncias, palestras, videos e prticas de introspeco, se
leva o novo conhecimento ao arrependimento, libertao de ataduras e
sanidade interior".lxiv
3) Treinamento: oferecido pela escola de lderes de cada igreja. Os novos
discipuladores so capacitados para dirigir as clulas e difundir a viso dos 12.
4) Envio: a etapa final, quando os novos lderes assumem a liderana de grupos
em clulas, com a misso de preparar outros discipuladores.
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No vejo a priorinada que no seja apoiado na prpria vida do nazareno quanto ao
modo estrutural do G-12.
O problema do G-12 apenas surge quando conhecemos a que pregado nas
clulas. Prosperidade, batalha espitiritual e idolatria so alguns dos temas mais cotados
dentro das clulas e das igrejas que utilizam esse mtodo. O problema no est na
estrutura do mtodo, mas no carter dos lderes. Portanto, est certo o professor Alberto
Kenji Yamabuchilxv quando observa que no Brasil existem ramos do neopentecostalismo
que, na nsia de se buscar o sagrado de forma diferenciada e/ou de atrair uma multido
de fiis, tentam dialogar tanto com o cristianismo histrico (catlico-romano,
protestantismo) como com o misticismo e eseoterismo (Nova Era, religies afro-
brasileiras). Alm disso, esses ramos tm um forte discurso proselitista, quase
manipulador, que atrai os sedentos por novidades msticas, o que explica o seu
crescimento notvel e seu avano em todos os segmentos de nossa sociedade.
Os desvios doutrinrios e teolgicos que o movimento G-12 prega so facilmente
refutveis:
1) Teologia da Prosperidade: O sermo da montanha como a constituio do
novo povo de Deus, o protocolo da Nova Aliana. Jesus neste sermo se dirige a
todos os que o escutam, multido, aqueles que futuramente poderiam ser seus
discpulos. Seu discurso, como notamos na primeira leitura que fazemos,
exigncia incondicional, convite a uma constante superao de si mesmo, denncia
de mesquinhezas e infidelidades, oferta a misericridia de Deus. Nesse discurso
Jesus no promete prosperidade a nenhum de seus futuros discpulos. Ele diz:
"Felizes os que tm fome"; "Felizes os perseguidos"; "No acumuleis riquezas na
terra"; "No andeis angustiados pela comida e bebida para conservar a vida ou pela
ropa para cobrir o corpo"lxvi. No vejo nesses versos nada que se assemelhe com o
que se afirma na teologia da prosperidade. Essa doutrina possui como
caracterstica uma exagerada confiana na prosperidade material. O "ter" e
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sinnimo de f legtima e de aprovao divina. A teologia da prosperidade no dizrespeito apenas riqueza material, mas tambm sade fsica perfeita. As
enfermidades so sinais de pecado ou de domnio satnico. Por isso, o doente,
seja convertido ou no, precisa passar por "libertao", ou seja, precisa ser
exorcizado para gozar a vida como Filho do Rei. Esse pensamento remonta
exatamente ao mundo contemporneo a Jesus. Gerd Theissen lxvii e Eduard
Lohselxviii mostram como era a crena popular nos milagres naquela poca:
"O cristianismo primitivo pertence ao pice de uma crena em milagres na
Antiguidade".lxix
"A vida e o destino do homem dependiam de foras sobrenaturais"
2) Batalha Espiritual: particularmente creio nos milagres, todavia, eles apenas so
milagres se me so abscnditoslxx. Sigo a linha do telogo Rudolf Bultmann lxxi.
Portanto, no creio em batalha espiritual, demnios personificados que atuam na
esfera terrena, que possam possuir o ser humano, etc.lxxii As igrejas histricas do
mundo todo tm sido desafiadas nestas ltimas dcadas a dar respostas s
nfases de um movimento dentro das suas fileiras que ficou conhecido como
"movimento da batalha espiritual". Esse crescente interesse em crculos
evanglicos por Satans, demnios, espritos malignos, e o misterioso mundo dos
anjos, corresponde ao surto de misticismo atual, um interesse crescente no mundo
nos dias de hoje pelos anjos maus e bons, e pelo oculto. Mas no somente no
mundo, dentro da prpria igreja crist assistimos o crescimento vertiginoso da
busca pelo miraculoso e sobrenatural, na esteira do neopentecostalismo. Esse
movimento caracterizado por uma leitura das Escrituras e da realidade sempre
em termos da ao sobrenatural de Deus. Deus percebido somente em termos de
sua ao extraordinria. Assim, para o neopentecostal tpico, Deus o guia na vida
diria atravs de impulsos, sonhos, vises, palavras profticas, e d solues aos
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seus problemas sempre de forma miraculosa, como libertaes, livramentos,exorcismos e curas.lxxiii
3) Idolatria: nas igrejas que adotaram o mtodo do G-12 existe muitos tipos de
idolatria, como adorao a objetos inanimados, adorao a tronos, a personagens
bblicos feitos de barro ou metal, simulacros de instrumentos do templo de
Jerusalm e/ou do Tabernculo, etc. Tudo isso anti-bblico.
Fora esse problemas doutrinrios, ainda se tem a questo do mtodo
evangelstico. Os defensores do movimento G-12 pregam que o mtodo a ltima
soluo para a Igreja do milnio. Destarte, so exclusivistas. Somente eles esto
corretos. Isso uma caracterstica tanto do judasmo, como do cristianismo. Os catlicos
afirmavam que no existia salvao fora da Igreja, os protestantes que a salvao
obtida somente pela f, ou seja, pelos protestantes (somente os protestantes possuam
f) e os pentecostais dizem que os salvos so aqueles batizados pelo Esprito Santo e
falam em lnguas.
Antes de tocar no problema do vedetismo dos lderes do movimento G-12, lembro
que Jesus escolhe doze discpulos onde um o traiu Judas, portanto, o discipulado de
Jesus no produziu um aproveitamento de 100%, mas de 91,6%.
Vejamos uma infeliz declarao dada pelo pastor Joel Ferreira:
"O meu aproveitamento na Igreja era uma porcentagem de 33% de cada
convertido, ou seja, cada 100 que eu convertia eu batizava 33, 34, era uma
mdia muito ruim. Hoje eu tenho uma mdia de quase 100% de
aproveitamento".
Essa mdia foi alcanada j pela Igreja Catlica em diversas ocasies, quando na
Idade Mdia a Igreja conseguia converter um rei brbaro, todo o seu povo era convertido
e batizado, entretanto, eles continuavam adotando as prticas pags que praticavam no
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paganismo. Como conseqncia dessa prtica houve uma paganizao da IgrejaCatlica. A situao dos neopentecostais hoje a mesma. Convertem, batizam, e se
paganizam. Talves esteja faltando um conhecimento adequado de histria da Igreja aos
defensores do movimento G-12.lxxiv
Segundo esses mesmos defensores do G-12, o movimento se prope a restaurar a
Igreja nos moldes da Igreja primitiva em Atos dos Apstolos. Todos os demais modelos
eclesiais so reputados como obsoletos ou ultrapassados. Concordo que o nico mtodo
para se chegar a uma Igreja mais condizente com os preceitos bblicos, aquele
praticado pela Igreja primitiva e principalmente por Jesus. Mas no vejo nas
caractersticas doutrinrias do movimento muita coisa de bblico.
O exorcismo, milagres e curas jamais foram o "carro-chefe" da pregao de Jesus,
de Paulo e dos apstolos. Eles aconteciam como excees. A meta de converter e batizar
tambm no foi a meta principal de Jesus e dos apstolos. A meta era trazer o povo a
metania (a meia-volta) em vista da vinda do reino de Deus. Era preparar o povo para o
reino de Deus. Nem Jesus e muito menos os apstolos agiram com independncia de
Deus.
Concluindo, devemos considerar os aspectos positivos e negativos do movimento
conhecido como G-12. Os aspectos positivos consistem basicamente na sua estrutura e
organizao. Castellanos est correto quando afirma:
"Pedi a direo do Senhor, e Ele prometeu dar-me a capacidade de preparar a
liderana em menos tempo. Pouco depois abriu um vu em minha mente,
dando-me entendimento em algumas reas das Escrituras, e preguntou-me:
"quantas pessoas Jesus treinou?" Comeou desta maneira a mostrar-me o
revolucionrio modelo de multiplicao atravs dos doze. Jesus no escolhe
onze nem treze, mas sim doze".lxxv
O que o G-12 aponta como qualidades :
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a) Alm de "clericalista" e "pulpitocntrica", a evangelizao tem sido tradicionalmenteeclesiocntrica e "templocntrica". Ou seja, para muitos a evangelizao s pode ser
feita dentro de um templo, um salo pblico ou em um estdio. "centrpeta", quer
dizer, que vai de fora para dentro, ao invs de "centrfuga", que vai de dentro para
fora. Exige ao mundo acudir a um determinado lugar, para escutar um comunicador
profissional, ao invs de enviar a Igreja ao mundo com a mensagem. Se analisarmos
friamente o xito desse evangelismo verificaremos que ele depende, em grande
parte, da presso de fatores externos como a personalidade e fama do comunicador,
a eficincia do programa ou a atrao de uma ideologia. lxxvi O G-12, entretanto, ao
limitar em doze o nmero de integrantes da clula, apresenta uma relao mais
pessoal entre lder e discpulo. A contrrio das igrejas e templos luxuosos que
comportam 500, 1000, 1500 membros em um culto, onde no h uma relao
pessoal entre o lder da igreja e seus membros. A evangelizao deve ser
simultaneamente "centrpeta" e "centrfuga". Deve chamar primeiramente o povo de
Deus para dentro, a se reunir para adorao, comunho e reflexo sobre a Palavra
de Deus, para em seguida, envi-lo ao mundo, fora das quatro paredes do templo,
das estruturas eclesisticas e das frmulas doutrinais estreitas, para comunicar sua f
atravs dos mltiplos elos da vida cotidiana. Sua fonte de inspirao provm
simultaneamente de fatores externos no mundo e do impulso interno do Esprito de
Deus.
b) A doutrina do sacerdcio universal do crente foi e continua sendo uma das pedras
principais da Reforma Protestante. No obstante, esta doutrina nunca foi mais do que
teoria, com exceo das igrejas da chamada "Reforma Radical" ou Anabatista. Os
reformadores no conseguiram evitar separao, cada vez mais acentuada entre as
funes de um clero dotado de poderes espirituais e temporais e de privilgios
especiais, e as funes de um laicato, deles dependente para os meios da graa
divina. Tal a grave situao em nossos dias, que podemos observar o fenmeno
curioso de igrejas mais tradicionais (luteranas e episcopais e alguns setores do
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catolicismo) que esto redescobrindo o princpio protestante do sacerdcio universaldo crente, enquanto muitas igrejas evanglicas "livres", que no passado reagiram
contra o clericalismo das igrejas oficiais, agora concentram cada vez mais as funes
do ministrio em mos de especialistas executivos eclesisticos, pastores,
missionrios e evangelistas.lxxvii Em alguns casos, estes lderes se transformam em
verdadeiros papas. O G-12 restaurou o sacerdcio universal da reforma, o qual os
protestantes h muito esqueceram. A responsabilidade por todas as atividades da
Igreja devem ser divididas e compartilhada com todos os membros, principalmente a
liderana. Para um evangelizao integral deve ser existir uma ao conjunta de toda
a igreja para realizar tal empreendimento.
c) Os pr-encontros, encontros e ps-encontros so reunies que, sem os respectivos
exageros os quais apontamos anteriormente, so um meio eficaz para aproximar
cristos que hoje esto to individualizados nas igrejas histricas e pentecostais. O
pastor Alberto Kenji Yamabuchi, assim como ns, cr que possamos considerar o
valor positivo dos encontros. Ele diz: "Seria interessante pensarmos sobre a
promoo de verdadeiros encontros espirituais em nossas igrejas, que envolvam
principalmente os novos convertidos. Neles poderamos oferecer os pontos
fundamentais da f da s doutrina, alm de outras informaes importantes sobre
nossa denominao. E claro, estabeleceramos uma maior comunho com os
novos irmos".lxxviii A igreja catlica, junto com o Movimento G-12, deu um passo a
frente na questo de diminuir o abismo existente entre os membros de suas igrejas,
com o encontro de casais.lxxix
Os pontos negativos consistem em:
a)Vedetismo pastoral
b)A prtica da regresso psicolgica
c)Cura interior
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d)Deificao do homeme)Confisso positiva
f)Teologia da Prosperidade
g)Triunfalismo
h)Guerra espiritual
i)Maldio hereditria
1.3. O Movimento de Crescimento de Igrejas
Os pastores esto cada vez mais utilizando mtodos evangelsticos os quais
buscam produzir uma melhor eficincia, ou seja, um maior nmero de "convertidos".
Esses convertidos, todavia, em sua grande maioria, mal do seus primeiros passos na f
crist, quem dir ser discpulos de Jesus. Existe uma total deturpao dos objetivos da
Igreja na atualidade. Alguns dirigentes esto mais preocupados em "ganhar almas" do
que fazer discpulos. Isso traz conseqncias gravssimas para a Igreja.
Um dos sinais mais claros de que alguma coisa est errada com o crescimento de
muitas igrejas no Brasil o grande nmero de pessoas que simplesmente somem dessas
igrejas. Isso se d pelos seguintes motivos:
1) Nosso legalismo excessivo e culturalmente insensvel, que choca os novos crentes
e que impe um conceito de disciplina que nem sempre concorda com o esprito da
Bblia.
2) Nosso individualismo exagerado e a conseqente falta de vida em comunidade
dentro de nossas igrejas.
O mtodo de evangelizao utilizado por Jesus e pelos apstolos no foi outro que
no o discipulado. Devamos seguir este mtodo bblico ao invs de, por exemplo, optar
pelos mtodos do Movimento de Crescimento de Igrejas, os quais so baseados em
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teorias que estiveram em voga no ramo de administrao de empresas e que muitasvezes falou nas previses que fez.lxxx
Veremos no que consiste o Movimento de Crescimento de Igrejas.
De alguns anos para c alguns setores da igreja evanglica tm sido tomados de
um desejo incontido de crescimento a qualquer custo. Em funo disso o Movimento de
Crescimento de Igreja tem se intesificado com toda fora. O crescimento de algumas
igrejas locais tem sido obtido s custas do sacrifcio da verdadeira doutrina e do
abandono de uma liturgia sadia. Com isso, os templos e os sales tm ficado lotados em
suas reunies. Como a evangelizao moderna tem sido antropocntrica, dizendo ao
ouvinte aquilo que se pensa que o incrdulo quer ouvir, tambm a forma do culto tem sido
elaborada de modo atrair pessoas para adorar a Deus. Antes que verdadeiros
adoradores, essas igrejas esto "criando" pessoas preocupadas com o consumo musical
e litrgico, querendo ouvir o que lhes agrada, e no o que Deus quer dizer para elas. O
pregador se tornou algo como um apresentador de programa de entretenimento televisivo.
No af de se ter a igreja lotada, tudo formulado para agradar aos freqentadores
em potencial. O culto onde se tem a pregao expositiva das Escrituras logo
abandonado e substitudo por um mais prximo de um programa de auditrio o louvor
o "carro-chefe". Define muito bem o professor Heber Carlos de Campos o mtodo de
evangelizao do Movimento de Crescimento de Igrejas:
"O Movimento de Crescimento de Igrejas tem se concentrado numa forma de
culto ao gosto do esprito de nosso tempo e de uma evangelizao barata, ao
invs de ser o produto da obra soberana do Esprito de Deus no meio do seu
povo, e dum posicionamento correto do seu povo para com a Palavra de
Deus".lxxxi
Irei resumir no que realmente consiste o Movimento de Crescimento de Igrejas em
face da limitao de espao que se impe. Esse movimento prioriza o resultado numrico
e no qualitativo da converso. Tambm suprime todo o papel de Deus na converso do
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homem, acreditando serem capazes de "prever" o resultado de um trabalho evangelsticoanalisando dados estatsticos.lxxxii O inacreditvel que esse mtodo de evangelizao est
mais difundido dentre as igrejas carismticas, as quais so as que mais dizem enfatizar a
funo do Esprito Santo. Outra caracterstica desse movimento gerada pela afirmao
que o pastor "ao assumir a direo de uma igreja, est sendo chamado a administar um
negcio".
O Movimento de Crescimento de Igrejas, todavia, chama ateno das igrejas
histricas para os seguintes pontos. Na esfera da evangelizao, chamou a ateno s
responsabilidades individuais e coletivas na proclamao do Reino de Deus. Nesse
sentido tem, corretamente, denunciado a acomodao e sacudido as igrejas,
incentivando-as a colocarem em prtica as determinaes de Jesus contidas em Mt
28.18-20. Outro ponto que devemos reconhecer a correta nfase, colocada pelos
fundadores do Movimento, no conceito de converso como a conseqencia primordial da
evangelizao.
KENNETH STRACHAN
Durante os ltimos anos da dcada de 1950, Kenneth Strachan, destacado lder
evanglico latino-americano, comeou a refletir sobre a evangelizao no contexto da
organizao evangelstica, que tinha herdado dos seus pais escoceses: a Misso Latino-
Americana. Preocupava-o cada vez mais o pequeno crescimento numrico de muitas
igrejas e a exagerada dependncia delas de especialistas do evangelismo, para o
cumprimento da Grande Comisso.
Por sua vez, chamou-lhe a ateno o acelerado crescimento de grupos de uma
grande diversidade teolgica e ideolgica como so os Testemunha de Jeov, os
adventistas e vrios grupos pentecostais. Quais eram as causas desse crescimento?
Perguntou-se Strachan. Seguramente este fenmeno no se podia atribuir a uma doutrina
ou ideologia que todos tivessem em comum, nem ao uso de um mesmo mtodo.
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Finalmente, aps muito estudo de casos determinados, chegou seguinte concluso,proclamada por alguns como "O Teorema de Strachan":
"O crescimento numrico de qualquer movimento est em relao direta ao
xito do movimento em mobilizar a totalidade de seus membros numa
constante propagao de seus princpios".
No podemos resumir a causa do crescimento numrico da Igreja apenas ao xito
de se mobilizar membros para o empreendimento evangelstico, mas certamente, isso
possui uma grande influncia nos resultados. Na terceira parte desse estudo iremos ver
quando e como um crescimento numrico se verifica na Igreja. O importante notar que
Strachan parte do comportamento de grupos os quais diramos antagnicos a fim de
extrair um melhor mtodo evangelstico para as i
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