View
298
Download
49
Category
Preview:
DESCRIPTION
DZ issue zero. Design magazine project of Sao Paulo Casper Libero University of Journalism, Brazil.
Citation preview
edição 1 - Ano I - R$ 15,00
de designRevista
Pela Equipe DZ
Em pé, da esquerda
para a direita:
Geoffrey, Gabriella e
Samantha; sentadas:
Mariana e Nathália.
Cadeira Vermelha e Azul, de Gerrit Rietveld, 1917. Foto: Divulgação
Expediente
Quem faz
Quer ido Lei tor
Capa
O sabor do novoEdiTOR Geoffrey Scarmelote
SEcRETÁRia dE REdaçãO Gabriella de Lucca
aSSiSTEnTE dE REdaçãOMariana Pasini
REviSãONathália Moraes
cOmERcialSamantha de Tommaso
REpORTagEmGabriella de Lucca, Geoffrey Scarmelote, Mariana Pasini, Nathália Moraes, Samantha de Tommaso
cOnSElhEiRO EdiTORialCarlos Roberto da Costa
EdiTORa dE aRTEFabiana Caruso
cOlabORadORESEduardo Foresti (texto), Rafael de Queiroz, Raquel Faila (fotos)
agRadEcimEnTOS Aliki Ribas, Camila Mamede, Diogo Bercito, Ethel Leon, Helena Jacob, Renato Assada e Ricardo Rosado
cOnTaTO falecom@dz.com.br
Analisar o rótulo e extrair o conceito. Enumerar novidades. Falar de sentimen-tos. Teletransportar momentos fotográfi-cos. Reunir as informações do mundo do design – editorial, de produto e de moda – pode soar superficial, fácil, pretensioso. Mas não é.
Chegar a esse produto que você, lei-tor, tem agora em mãos, foi um grande exercício – não apenas jornalístico, mas de paciência, jogo de cintura, trabalho em equipe. Deparamo-nos com uma natureza transformadora, como a do design, com a missão de fazê-la transformar. Quere-mos que, a cada página, você reflita e se inspire para o desenvolvimento de seus trabalhos. E, principalmente, enriqueça seu repertório pessoal e profissional.
DZ é uma revista bimestral de design que visa trazer ao mercado brasileiro uma publicação com conteúdo que incite à análise, ligado aos interesses tanto dos
profissionais como dos apreciadores des-sa área. Chegamos com a proposta de esmiuçar processos criativos, materiais, pessoas e ideias por trás de um produto. Viaje conosco pelos passos do moveleiro francês Michel Arnoult. Surpreenda-se, como nós, com a expansão do graffiti. Celebre, sem reservas, os 90 anos da escola de Bauhaus. Participe da história dessa revista e envie seus trabalhos para a seção Portfólio.
Sinta-se à vontade para, durante a lei-tura, explorar sua criatividade. Acredita-mos que a arte e o design devem ser in-centivados. A nossa intenção é oferecer, a cada página, possibilidades de reflexão e inspiração.
Esperamos que, ao final dessa expe-riência, você tenha aprendido, ampliado seus horizontes e, sobretudo, aguarde ansiosamente – como nós – pelo próxi-mo número.
FO
TO
: RA
Qu
EL
FAIL
A
108
44Nos passos de Arnoult
O caminho do francês que ensinou o
brasileiro a pensar na produção seriada de
móveis, com elegância e sustentabilidade
O iluminado
Ronnie Lot Sergio, proprietário da ViaLight,
prevê bons tempos para o design mundial e
ganha reforço do designer Karim Rashid
Sempre julgue um livro
pela capa
Nas prateleiras das livrarias, vence o design
mais criativo
Brincadeira de adulto
Feitos pra gente grande, os toy arts exigem
paciência e estilo para serem criados
Cinema em miniatura
O britânico Craig Lyons recria cartazes
de filmes clássicos com peças de Lego
Síndrome de Cinderela
Exclusivos, os sneakers mesclam tênis e
obras de arte
Vamos bater lata
Já incorporado à cultura urbana, o graffiti
ganha novos rumos e públicos
A Avó do Design Moderno
A comemoração dos 90 anos da escola de
Bauhaus, uma das mais influentes do mundo
17
17
68
24
30
36
445262
68
8
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
Nesta Edição
62
44Esparramados no sofá
Você acredita que um móvel possa
aliar design e conforto?
Afiadí
ssimas
Muito de arte, muito de técnica:
é a cutelaria artesanal
Irmãos Coragem
Fernando e Humberto Campana
contam como conquistaram as vitrines
estrangeiras de diversos segmentos
Bonequinha de luxo
A jovem estilista Karin Feller dá
as caras no mundo da moda
A marca Brasil
A produção nacional de joias e bijuterias
desponta lá fora e peita a crise do setor
“Minha vida é uma
montanha-russa”
A paulistana Fabiana Daniel combina
dinamismo e ousadia na vida e no trabalho
De vilão a mocinho
Veja porque a madeira de eucalipto é
um material resistente e versátil
Editorial
Notas
Compras
10 perguntas
sobre
Agenda
Biblioteca
Design BR
Opinião
Seções
17
80
88
96
104
108
116
128
0514
124136142145148150
SUMÁRIO
“Livrar o mundo da caretice, do óbvio e da escala de cinza e estampar um sorriso no rosto das pessoas”: esse é o lema de O Segredo do Vitório (www.osegredodovi-torio.com). A loja on-line está no ar desde novembro de 2008 e é repleta de produtos divertidos e diferentes – a maioria de lojas estrangeiras que não entregam no Brasil, como as norte-americanas Fred & Friends e Kikkerland.
O site foi criado pelo casal curitibano Paulo Stolfo e Flavia Bley, apaixonado por objetos coloridos e com design bem-humorado. A ideia por trás de ser apenas virtual, sem um espaço físico, foi a de atingir o nicho de pessoas acostumado a procurar esses produtos lá fora. “Apenas algumas lojas enviam para o Brasil. Quem dificulta é a Receita Federal, que tributa tudo com 60% do valor do produto mais o frete”, diz Flávia. “Sempre levávamos um susto com o que a Receita cobrava para retirarmos nossas compras nos correios. Pensávamos: ‘deve ter mais alguém neste país que gos-te dessas coisas!’, conta a proprietária do site. Agora, quem é o tal Vitório e qual o seu segredo... ah, isso eles não revelam!
Programado para iniciar suas atividades em agosto, no antigo Cassino da Urca, o Instituto Europeo di Design (IED) está sem data definida para abrir as portas no Rio de Janeiro. Segundo o vereador Eliomar Coelho (PSOL/RJ), não houve licitação para o funcionamento do Instituto, nem estudo de impactos ambientais sobre a área de ins-talação. O tombamento do prédio, cedido ao IED pelo ex-prefeito César Maia em 2007, também dificulta o andamento das obras.
O atual prefeito, Eduardo Paes, cogitou transferir a escola para o armazém 7 do Cais do Porto, mas recuou após reunir-se com os dirigentes do IED. Agora, a prefeitura tenta na Justiça o direito de concluir a reformado Cassino.
produtos Bem-humorados
Impasses atrasam chegada do Ied ao rIo
Criado pelos designers italianos Pasquale Volpe e Tommaso Minnetti, o projeto Good 50 X 70 convida profissionais de todo o mundo a criar cartazes voltados às cau-sas de diversas instituições internacionais, como WWF, Unicef, Anistia Internacional, Greenpeace e Unesco. Neste ano, 210 pôsteres – cujas medidas batizam a empreitada – foram selecionados para o catálogo, vendido no site www.good50x70.org. Os preços variam de 22 a 27 euros e a renda é revertida às agremiações participantes.
desIgn com propósIto
FiquE pOR dEnTRO daS úlTimaS dicaS dE dESign
Quentinhas
FO
TO
S: D
IVu
LGA
çã
O
14
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
Desde setembro no país, a marca fundada pelos skatistas americanos Rodney Smith, Eli Morgan Gessner e Adam Schatzcriaram, em 1993, deve abrir sua primeira loja no Brasil no primeiro semestre do ano que vem, no shopping Cidade Jardim, em São Paulo. Voltada para a urbanwear, a Zoo York foi uma das primeiras a difundir o skate, o hip-hop, o punk e o grafitti como estilo de vida.
Por aqui, a primeira coleção da grife apostou na mistura de estilos, no design e na estamparia. Tatuagens, grafites, ícones de Nova York, skate, surf e BMX são sempre parte do universo criativo da marca, que, por enquanto, vende seus produtos em lojas como Torquay e Tahai.
Zoo York quer loja próprIa no BrasIl
Motivadas por apelo ecológico e neces-sidade de reduzir custos, as empresas de diversos segmentos diminuem novamente as medidas de suas embalagens, que che-gam a ocupar apenas um quarto do volume anterior. Em alguns casos, a redução acon-tece com uma solução de design, sem que as quantidades sejam alteradas. Em outros, o produto é reformulado de tal maneira que, mesmo em versão compacta, tenha o mesmo conteúdo do original.
Até o início de 2010, cinco grandes fabricantes de bens de consumo, como Unilever e Procter&Gamble, devem colo-car versões menores de seus produtos nos supermercados brasileiros. Em tempos de crise financeira, garrafas, caixas e paco-tes menores significam menos gastos com insumos na produção e mais economia em transporte e estocagem.
O designer alemão Konstantin Grcic é o curador convidado para a primeira expo-sição de design da Serpentine Gallery, em Londres. Grcic trabalhará com o grupo de curadores fixos da galeria: Julia Peyton-Jones, Hans Ulrich Obrist e Kathryn Rattee. Convidar um curador de fora para selecionar e desenhar a exposição integra o conceito do pavilhão da Serpentine, que desde 2000 recebe projetos de artistas renomados.
A mostra Real Design vai de 26 de novembro a 7 de fevereiro de 2010 e exibirá ob-jetos de uso corrente, que estão em produção ou à venda. Haverá uma área com ori-gens e processos produtivos de algumas das peças expostas.
empresas reduZem emBalagens para cortar custos
novIdades na serpentIne galleY
NOTAS
16
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
nos passos de
autor de móveis simples e funcionais, que não descartam conforto, durabilidade e estética, o francês é uma fonte de inspiração para o século 21
Por Mariana Pasini
arnoul t
PERFIL
Quando chegou em terras brasi-
leiras, em 1950, Michel Arnoult
tinha ideias fervilhando na cabe-
ça. Muito provavelmente, algumas delas
diziam respeito ao presente que acabaria
deixando ao país: um novo modo de pen-
sar e fazer os móveis para a classe mé-
dia, combinando produção seriada, bom
gosto e durabilidade. Menos provável,
porém, era que ele soubesse o quanto
esses conceitos influenciariam toda uma
geração de designers.
Os produtos pensados por Arnoult têm
linhas elegantes e contidas, são hoje fei-
tos totalmente em madeira de refloresta-
mento e duram anos a fio. São cadeiras,
poltronas, sofás, mesas e estantes feitas
em formas econômicas e padronizadas,
com o diferencial de serem desmontá-
veis. É o resultado da sensibilidade des-
se desenhista que conseguiu detectar
um momento peculiar nas décadas de
1960 e 1970 no Brasil. Com a crescen-
te industrialização do país, a parcela da
população que vivia na cidade saltou de
19 milhões para 138 milhões de pessoas,
segundo o Instituto Brasileiro de Geogra-
fia e Estatística (IBGE).
arnoult previu cedo a importância da
produção nacional
18
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
A indústria começava a fomentar o consumo de-
senfreado. O então presidente da República, Juscelino
Kubitschek, anunciava os “50 anos em 5” que o Brasil
deveria avançar. A classe média crescia, mas suas ca-
sas e apartamentos diminuíam, o que não significava a
necessidade de poltronas, cadeiras e sofás feios e pou-
co resistentes. Arnoult se preocupava com o aproveita-
mento da matéria-prima e a produção racionalizada, o
que garantia um preço mais acessível a seus móveis.
Fazendo-os desmontáveis, facilitava seu transporte; ao
variar as formas e recombiná-las, tornava-os eternos.
Nenhuma de suas criações foi pensada como objeto de
ostentação: o alvo sempre foi o grande público.
Não está claro o paradeiro de boa parte dos projetos
e desenhos técnicos dos móveis que Arnoult criou. Isso
não impediu que a empresa Atec Original Design, com
escritórios em São Paulo e no Rio de Janeiro, reeditas-
se desde o ano passado alguns dos exemplares mais
importantes da Mobília Contemporânea, marca criada
pelo designer com dois sócios em 1955. A empresa fa-
brica os móveis a partir de produtos originais que foram
usados desde os anos 1960 e 1970 e duram até hoje.
“Recebemos muitos elogios pela reedição dessa linha”,
conta Silvia Serber, diretora de marketing da Atec. “E é
incrível: os móveis realmente eram e ainda são de uma
qualidade absurda. Podemos ver hoje, quarenta anos
depois, que ainda existem produtos inteiros da Mobília
Contemporânea”, completa.
Nomear as criações não era o forte do designer, con-
forme relatos da família. Com exceção da cadeira Ouro
Preto, cujo título Arnoult deixou designado, a Atec bati-
zou todos os relançamentos com os nomes de lugares
no Brasil admirados por ele, consultando sua família.
São dez produtos fabricados em eucalipto reflorestado
tingido no tom da imbuia, destinados tanto ao uso domi-
ciliar quanto para escritórios.
a mesa Angra tem o eucalipto trabalhado com o máximo de aproveitamento
19
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
PERFIL
Não é pequeno o número de desenhis-tas influenciados por Arnoult. Nascido no Rio Grande do Sul, Fernando Jae-ger é um deles. A partir de técnicas an-tigas de marcenaria, ele se preocupa em criar móveis sóbrios e “sem firulas”, num estilo quase espartano, como já foi considerado o trabalho de seu ins-pirador, e não tem preconceitos contra esse rótulo: “Talvez esse espartano esteja mais para ‘sintético’. Tem muito conceito atrás de um móvel assim. A ideia, a forma e a ergonomia mudam para atender a diferentes necessida-des”. As cadeiras Twist e Croma de Ja-eger são exemplos desses ideais. Os traços econômicos e sem formalidades originam formas anatômicas e corre-tas, que acolhem bem o corpo.
Nos anos 1980, Jaeger foi o repre-sentante do francês na rede Tok&Stok, criada em São Paulo. O gaúcho discor-re sobre madeiras e sustentabilidade
com o interesse e a familiaridade de quem sabe o que fala. Ao mesmo tem-po em que Arnoult tentava desenvolver projetos sustentáveis em eucalipto com a empresa brasileira Aracruz Celulose, nos anos 1980, o desenhista voltou-se para a madeira reflorestada. A opção ocorreu involuntariamente.
Ele havia escolhido, por acaso, a pi-nus -– madeira clara de reflorestamen-to cultivada pela empresa alemã Freu-denberg no interior de São Paulo. Mas acabou identificando-se com o cultivo sustentável, já que a floresta era cons-tantemente replantada e abastecia a indústria num ciclo ininterrupto. Jaeger ainda lembra do preconceito em rela-ção ao eucalipto naquela época: “Ha-via alguns aficionados, mas ninguém nunca o olhou como uma madeira pos-sível de ser usada na cadeia produtiva da indústria moveleira”, explica. “Viam-no como matéria-prima para celulose, carvão ou forno de pizzaria”.
O designer considera que o modo de pensar de Arnoult foi fundamental para que se fizesse um uso maior dessa ma-deira que, reflorestada, causa menos impactos na floresta nativa. Hoje, o eu-calipto é largamente utilizado para a fa-bricação de móveis, mas ainda existem entraves logísticos, como o transporte da madeira, que encarece o produto final, e empresas intermediárias en-tre a madeireira e o profissional, que
colocam preços mais salgados na matéria-prima. Sobre a dificuldade de encontrar madeira de reflorestamento para seus produtos, Jaeger tem um comentário singelo: “E daí?”.
Ele possui uma parte do seu sho-wroom em São Paulo destinada a clientes com orçamento limitado. Assim como a adoção de material sustentável, Jaeger pensa que é uma questão de atitude a ser tomada. “Isso tudo diz respeito a como o móvel é produzido. Se você usa mais opera-ções de máquina e mais matéria-pri-ma, obviamente ele será mais caro. Se você racionaliza isso, consegue móveis bons, duráveis, bem constru-ídos, confortáveis e com preços aces-síveis”, esquematiza.
insp i r ador
releituras da poltrona Pelicano feitas por Francisco cálio (ao lado e acima)
homenagem em milão Em 2003, aos 81 anos, Arnoult ga-
nhou a 17ª edição do Prêmio Design Museu da Casa Brasileira na categoria mobiliário, com a poltrona Pelicano. Es-truturada em 9 quilos de madeira reflo-restada e lona de algodão, fácil de mon-tar, foi uma das criações do francês que mereceram releituras de nove desig-ners brasileiros para a 1ª Mostra Brasil é Cosi. A mostra, integrante do projeto de mesmo nome que pretende divulgar o design brasileiro mundialmente, foi re-alizada no Salão Internacional do Móvel de Milão deste ano, entre 22 e 27 de abril. No espaço destinado a Arnoult, as releituras da poltrona, feitas por designers como Jum Nakao, Brunete Fraccaroli e Giovanna Nucci, alcança-ram a repercussão esperada.
Pedro Paulo Franco, designer e di-retor da loja A Lot Of, que idealizou e realizou a mostra, pensa que a escolha do homenageado casou perfeitamen-te com os objetivos do Brasil é Così.
“O cenário do design atual apresen-ta duas vertentes diferentes: produtos seriados com consciência ecológica, concentrando processos de fabricação junto a um único material, e preocupa-ções sociais e ecológicas, utilizando por exemplo madeira reflorestada”, afirma. “Essas conjunturas valorizam e respal-dam todo o trabalho de Arnoult.” Fran-co é otimista: “O mundo hoje está mais preparado para assimilar os seus pen-samentos”.
O designer paulistano Francisco Cá-lio foi um dos escolhidos para reler a Pelicano. “Fiz um trabalho descontraído, modernizei a poltrona, que já é um íco-ne”, comenta. Grande admirador de Ar-noult, Cálio discorre sobre a originalidade do francês com o entusiasmo de quem fala do trabalho de um mestre: “Ele foi um precursor. Inovou numa época em que as pessoas andavam conforma-das”, lembra Cálio. “Criou algo inusi-tado atemporal, com possibilidades e funções ilimitadas: onde você colocar o móvel, ele compõe perfeitamente, seja na varanda, na sala ou no escritório”.
O interesse maior de Arnoult era an-tes fabricar móveis duráveis do que en-riquecer com eles. Prova disso é a vida simples e elegante que levam os her-deiros do designer. Annick Arnoult, sua filha, mora no Butantã, em São Paulo, num sobrado típico de classe média, de espaços aconchegantes, móveis sóbrios e um quê de hippie. “Papai não era nada egoísta, não guardava segre-dos, estava sempre disposto a ajudar”, lembra a produtora musical. Tímida e reservada, ela fala do pai com humil-dade, carinho e brilho nos olhos. “Ele era workaholic, trabalhava muito, esta-va sempre inventando. As cadeiras da sala de jantar de nossa casa eram pro-tótipos dos desenhos e trabalhos dele. Mas ele era também absolutamente apaixonado pelo que fazia”, conta.
linhas leves
design espartano e sem firulas, as cadeiras twist,
de Fernando jaeger, seguem a linha do francês
PERFIL
Nascido em Paris em 1922, Michel Arnoult apren-deu marcenaria quando foi preso e obrigado a traba-lhos forçados pelas tropas nazistas. Após se formar na União das Artes Decorativas, na capital francesa, ele topou trabalhar na Cidade do México para a empresa Bloc & Cia. A inovação e a experimentação que se en-xergam em seu trabalho só poderiam ter saído da mes-ma mente inquieta e aventureira que, em 1950, dirigiu um jipe do México até Caracas e de lá para o Rio de Janeiro, motivada pela vontade de conhecer o arquiteto Oscar Niemeyer. E foi à porta dele que Arnoult bateu quando pisou em terras cariocas. Com a disposição de seus 28 anos, conseguiu um estágio no escritório do arquiteto, mas logo ficou claro que seu interesse maior era o design.
O clima no Brasil era diferente, ele logo notou. A população parecia ser mais aberta aos estrangeiros do que no México e menos afeita a frescuras como os eu-ropeus. Arnoult cursou a Faculdade de Belas Artes do Rio de Janeiro de 1951 a 1955 e então contratou um marceneiro em Curitiba para que ele fabricasse os mó-veis que desenhava. Estava criada a Mobília Contempo-rânea, empreendimento feito juntamente com os sócios Norman Westwater e Abel de Barros Lima. Com ela, os três venderam móveis simples e desmontáveis, e com o diferencial da venda por correio. Michel inaugurou o conceito Peg Lev: fabricados em série, seus produtos podiam ser comprados em supermercados e facilmente
montados em casa.Avesso a burocracias e ao trabalho
administrativo, Arnoult deixava-os por conta dos dois sócios. Em
1973, com 11 lojas no Brasil e o lançamento de novas linhas a cada três anos, a Mobília Contemporânea fechou as portas devido a complicações financeiras. Três anos depois, o francês inaugurou a Senta, que vinha com as mesmas propostas de sua primeira empresa: produtos charmosos, resistentes e leves, cuja montagem não con-sistia num desafio intelectual. Após o encerramento das atividades dessa companhia, ele compôs seus produtos para trabalhos sob encomenda.
A sustentabilidade começou a marcar seu trabalho em 1980, quando participou de uma pesquisa sobre eucalipto no Instituto de Pesquisa Tecnológicas da Uni-versidade de São Paulo. A partir dela, Arnoult encontrou novas técnicas de secagem para o eucalipto, e desenvol-veu sua linha a partir dessa madeira reflorestada, com a qual foi o precursor no Brasil. Àquela época, a Europa já não permitia a fabricação de móveis com madeira que não fosse certificada. Mesmo que a madeira utilizada por Arnoult antes desse período não fosse reflorestada, a produção de seus móveis sempre foi pensada tendo em vista o melhor emprego e o menor desperdício possíveis da matéria-prima.
Arnoult adotou o Brasil como pátria. Nunca aban-donou o sotaque no português, mas aos poucos apor-tuguesou o francês. Gostava do clima, da atitude, e de uma brasileira em particular. A paulista Norma Paulo de Freitas morava num apartamento em cima da pri-meira loja da Mobília Contemporânea e foi com ela que ele se casou, em 1959. Teve dois filhos, Jean e Annick, que herdaram os dotes artísticos do pai: ele é músico, ela é produtora musical e possui formação na área de Moda.
a história do designer que juntou boas ideias à produção racional e seriada
des-mon-
tan-do
ar-noul t
FO
TO
S: D
IVu
LGA
çã
O
poltrona e banqueta Ouro Preto, a única linha batizada pelo designer
PERFIL
O iluminadOPor Gabriella de Lucca
Ronnie Lot Sergio comandaa ViaLight, empresa que investe em luminárias assinadas pelo designer egípcio Karim Rashid
FOTO
: NAT
hÁL
IA M
ORA
ES
uma empresa falhará se não inovar criativamente. A afirma-ção do norte-americano Phillip Kotler – considerado o “pai do marketing” – durante visita ao Brasil, em 2007, não poderia ser melhor aproveitada pela ViaLight. O tímido Ronnie Lot Sergio, 33 anos, é diretor da empresa, sediada em São José do Rio Preto, sua cidade natal. A fala mansa e o sotaque do interior de São Paulo, com um so-noro “r” puxado, guardam muitas de suas ambições mais fortes.
Em março e setembro deste ano, o empresário lançou duas li-nhas de luminárias desenhadas por Karim Rashid, inaugurando o segmento de design da empresa de iluminação. Ele comanda a Via-Light desde 2004, quando tornou-se diretor. A partir daí, o primeiro passo foi adaptá-la ao seu perfil ad-ministrativo, deixando-a mais enxu-ta, competitiva e produtiva. Investiu em novos equipamentos, mais mo-dernos e eficientes, melhorando o processo fabril.
Também ampliou a participa-ção no mercado de varejo com abertura de showrooms em Lon-drina (PR), Araçatuba (SP) e em São José do Rio Preto. Hoje, os produtos chegam a praticamente todos os estados no Brasil, além do comércio com Argentina, Chile, Paraguai e Venezuela.
A ViaLight tem uma longa tra-jetória. Em 1984, o pai de Ronnie, Robin Santana Sergio, fundou-a como uma pequena loja de ilumi-nação. Ainda na década de 1980, foi o precursor das luminárias tubu-lares e fluorescentes, além de criar uma linha decorativa. Dez anos de-pois de sua fundação, Ronnie en-trou na empresa.
Ele havia terminado o ensi-no médio nos Estados unidos e, quando voltou para o Brasil, come-çou a cursar administração de em-presas na faculdade Dom Pedro II, em sua cidade natal. “Tinha in-teresse em arquitetura, mas optei por administração para poder con-ciliar com o trabalho. Acho que foi uma escolha mais sensata, tomei o rumo certo”, avalia. Orientado pelo pai, mas sem nenhum privilé-gio por ser o “filho do dono”, traba-lhou em diversos departamentos, aprendendo um pouco de cada função até se tornar um verdadei-ro homem de negócios.
hoje todo mundo
reconhece as
empresas italianas,
alemãs e espanholas
como fontes de
design de qualidade.
por que não ter algo
assim no Brasil?
25
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
PERFIL
investimentOsA experiência consolidada no mercado de luminárias
permitiu voos mais altos: a empresa assinou, no final de 2005, um contrato com o designer egípcio Karim Rashid. Lançou, em março deste ano, uma linha de luminárias assinadas por ele. “O Karim tem um trabalho reconheci-do mundialmente e isso agrega muito à nossa marca”, conta Ronnie. A escolha não foi mero acaso. O objetivo atual traçado pela ViaLight é focar em produtos de de-sign. O fato de Karim ser estrangeiro, longe de revelar qualquer preconceito em relação à produção nacional,
está ligado à possibilidade de internacionalizar a em-presa. “Com o Karim, a ViaLight fica mais valorizada”, analisa. “O produto pode ser oferecido e reconhecido no mundo inteiro”. Parcerias com o México e os Estados unidos já estão em andamento.
A maior preocupação de Ronnie é onde o produ-to será vendido. “Não adianta expor em qualquer lugar. É um artigo de design, a loja precisa ter esse perfil de venda”, explica. São oito tipos de luminárias divididas em duas linhas: uma delas é feita em aço com peque-
com o karim,
a vialight fica
mais valorizada.
nas cruzes e asteriscos desenhados, por onde passa a luz. Já a outra tem como matéria-prima o vidro e ainda não tem previsão de lançamento. Em São Paulo, elas podem ser encontra-das nas lojas A Lot Of e Zona D, mas devem ser comercializadas também em Teresina, Goiânia, Salvador, San-tos e Rio de Janeiro.
Atualmente, este novo segmento da empresa não tem pressa para se adaptar ao mercado e compreender sua dinâmica. A estratégia é conso-lidar o nome no Brasil e em seguida partir para outros mercados.
A ViaLight é dividida em três ra-mificações. A primeira delas é a VR, marca de luminárias e ventiladores de teto, para vendas em atacado, que pode ser encontrada nas lojas Leroy Merlin e Balarot. O brasileiro André Cruz é o diretor de design da marca desde o início do ano e redesenhou alguns produtos, além de criar no-vos. Há também a ViaLight Projetos, que é voltada para o setor hoteleiro e empresas, e tem seus produtos ven-didos nos show rooms. Ao perceber a necessidade de lançar luminárias com design, foi criada a ViaLight De-sign, que iniciou suas atividades com a coleção de Karim Rashid. “Este é um mercado que está em expansão, não podíamos ficar fora dele”, diz.
versão de mesa da luminária Ikon
FOTO
S: N
ATh
ÁLIA
MO
RAES
/ d
IvU
LgAç
ãO
próximO passOO dinamismo e a novidade do
mercado dão novo fôlego às ambi-ções da ViaLight. E para concretizar tantos projetos, Ronnie conta com a ajuda de seus dois irmãos mais novos, Gustavo – que cuida da área comercial e visita lojas por todo o Brasil como supervisor de vendas – e Fábio, responsável pelos forne-cedores internacionais. Casado há quase cinco anos, o empresário vive em sua cidade natal até hoje. Já teve um escritório da empresa em São Paulo, que não deu certo devido aos altos custos de manutenção.
Depois dessa nova empreitada, o degrau seguinte será a parceria com algum designer brasileiro, que já seja reconhecido. “Ainda é cedo para lançarmos alguém menos co-nhecido, às vezes ele é tão bom ou melhor, mas precisamos consolidar a nossa marca para depois investir em novos talentos e, quem sabe, ajudá-los a fortalecer seu nome”.
não adianta expor
em qualquer lugar.
É um artigo
de design.
o empresário ronnie lot sergio, comanda a vialight
27
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
PERFIL
O rosto alongado e de tra-ços fortes, escondido pelos óculos com armação de ace-tato, deixa transparecer o su-cesso no qual transforma tudo em que põe as mãos. Nascido no Cairo em 18 de setembro de 1960, filho de pai egípcio e mãe inglesa, Karim Rashid foi criado no Canadá, estudou na Itália e hoje mora nos Esta-dos unidos. Considerado um dos maiores nomes do design atual, sua imaginação não tem limites, seja projetando hotéis, baladas, restaurantes, sapatos e até produtos de limpeza. Hoje, tem mais de dois mil produtos lançados no mercado.
Formou-se em Desenho Industrial em 1982, na Car-leton university, em Ottawa, e seguiu para a Itália para terminar seus estudos com grandes designers como Ga-etano Pesce e Ettore Sott-sass. Em 1993, inaugurou seu estúdio em Nova York.
Workaholic assumido, estão entre seus clientes Prada, Is-sey Miyake, Method, umbra, Sony, Giorgio Armani, Gren-dene e Carolina Herrera. Ele também se arrisca como DJ e já tem dois CDs lançados e sete livros.
Karim tem 70 objetos na coleção permanente de 14 museus pelo mundo, entre eles o Museu de Arte Moder-na de Nova York (MoMa) e o Centro Pompidou, em Paris. Preocupado com o meio am-biente, está sempre inovando não só no design e na utiliza-ção de seus produtos, mas também na matéria-prima e em sua reutilização. Desen-volveu toda a linha de em-balagens Method, fabricante de produtos de limpeza eco-logicamente corretos. Suas fórmulas têm ingredientes biodegradáveis, derivados de materiais naturais como a soja e coco que surpreendem por seus formatos e cores.
Defensor do design de-mocrático ou “designocracia”, termo que inventou, afirma que não trabalha pensando apenas na classe mais alta, mas em todas as pessoas. Segundo ele, o design não é só visual ou estético, mas está por toda parte e repre-senta o que realmente é o mundo contemporâneo.
Há dois anos, Karim vive na ponte aérea com o Bra-sil, onde já desenhou para a grife Melissa, assinando as sandálias Aranha, High e Dynamik. No ano passado, participou de uma palestra no Boom SP Design, em ou-tubro. Na mesma época, inau-gurou sua exposição no Insti-tuto Tomie Ohtake, também em São Paulo, em cartaz até janeiro deste ano, exibindo suas últimas criações que ex-ploravam o rosa, cor favorita do designer.
dO designo queridinho
o designer egípcio karin rashid
28
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
KR
KR
KR
KR
dO designo queridinho
Você costuma dizer que sua missão é democratizar o design. Como trabalha para isso?
Desde criança, sempre me perguntei porque o design não poderia ser uma coisa mais democrática, que todo mundo pudesse aproveitar.
Mas hoje ele é vendido em qualquer lugar. Primeiro, tento criar objetos democráticos, que possam ser comprados por todo mundo. Depois, procuro disseminar a cultura do design para o maior número de pessoas. Ele provoca mudanças no nosso dia-a-dia, no conforto. Há muitos pontos em que eu penso simultaneamente na hora de criar, como métodos de produção, matérias, uso, tecnologia, conforto, comportamento, forma, estética, custo, mobilidade, transporte e o mais importante: a cultura da companhia para a qual estou trabalhando. Se não há um casamento entre minha ideologia e a deles, então o projeto não será bem-sucedido. O design não é um ato egoísta, ele é colaborativo e deve ser para todos, não só para a elite. Sempre comparo desenhar um objeto bastante democrático com escrever uma música que se torne um hit pop. Algumas pessoas podem fazer isso e, quando acontece, há um sentimento maravilhoso de que você consegue causar um impacto na memória das pessoas.
Quais materiais prefere usar?
Apesar de trabalhar com todos os materiais, amo plástico. Ele é muito melhor do que qualquer material natural e possui ótimas propriedades.
Agora estou trabalhando com diversos bioplásticos. A oportunidade de criar novas formas, objetos que são altamente complexos e orgânicos, só pode ser feita com plásticos e bioplásticos. Eles também são melhores do que processos rápidos de manufatura para fazer produtos mais democráticos. Eu trabalho pela frase “a forma segue o produto”, e as formas do futuro serão inspiradas pela matéria de cada artigo. Meu interesse é torná-las mais sensuais, humanas, evocativas e esculturais tanto quanto for possível, tentando encontrar uma nova forma que nunca existiu.
Porque o rosa é tão predominante nas suas criações?
Rosa é meu branco super otimista. É enérgico, fulgente, envolvente, uma coragem para o mundo masculino que domina a paisagem
que construímos. Existem muitas variações e tons de rosa para todos os gostos, todas as pessoas. A cor também comunica claramente a ideia de imaterialidade, entropia, energia e otimismo. Rosa é o novo preto! Alguém disse uma vez que eu faço formas masculinas virarem femininas. O mesmo vale para a minha cor favorita. A cor é um dos fenômenos mais belos da nossa existência. É vida. Para mim é uma forma de lidar e tocar com nossas emoções, nossa psique, nosso espírito. Algumas cores são suaves, outras são fortes, o que importa é que elas trabalhem juntas. Ela pode ser bem ou mal usada, mas ninguém deve ter medo dela. É uma euforia espiritual fenomenológica.
O que acha do design brasileiro?
O Brasil é um epicentro incrível de cultura, arte, beleza e contemporaneidade. Isso tudo é tão onipresente no país! Eu também
acho que a cultura é vibrante, positiva e otimista, e esse é o ambiente perfeito para o design. Mas o Brasil tem uma longa tradição de ter design feito apenas por brasileiros. Agora é que estão começando a sair do país e abrindo portas para designers de todo o mundo. A ViaLight é um grande exemplo disso.
rosa é meu
branco super
otimista
FOTO
S: d
IvUL
gAçã
O
PERFIL
sempre julgue um
livro pela
capa
Por Nathália Moraes
Nunca julgue um livro pela capa”, diz o
velho ditado popular. A máxima, dispa-
rada em situações que exigem análise
profunda, é o oposto do que sugere o design
editorial. Entre milhares de títulos expostos em
uma livraria, o que faz com que uma ou outra
publicação se destaque é a aparência. Fotogra-
fias de belas paisagens, cores fortes e marcan-
tes, padronagens que imitam tecidos e até o
título escrito de maneira rebuscada: vale tudo
para chamar a atenção do comprador. De pos-
se da obra, o leitor também se depara com um
outro tipo de desenho, que inclui a tipografia e
a diagramação.
Formado em Editoração pela Escola de Co-
municação e Artes da universidade de São
Paulo (ECA-uSP), Ricardo Assis é proprietário
da Negrito Produção Editorial, sediada em São
Paulo e há oito anos no mercado. A empresa,
que publica em média dez títulos por mês, sur-
giu da necessidade de Assis profissionalizar a
grande demanda de trabalhos que executava
como freelancer.
Ele acredita que um projeto bem feito é es-
sencialmente invisível. “O que a editoração deve
fazer é permitir o transe, aquele estado em que
a pessoa está em contato direto com a histó-
ria e as ideias do autor, sem sequer reparar no
tipo de fonte ou papel utilizados no livro”, expli-
ca. “Quando alguém agarra uma publicação e
a devora, página após página, existe um traba-
lho de editoração bem executado atrás da his-
tória interessante, pois o design permite essa
condição. Ao mesmo tempo, quem de nós não
tentou ler livros e mal passou da terceira pá-
gina?”, questiona Assis. “Muitas vezes a leitu-
ra pode ser tão desconfortável que, somada
às idéias do autor, nos afasta definitivamente
de uma obra.”
despeRtaR quem anda distRaído
de um bom pRojeto gRáfico pelas livRaRias é só o começo
“
capa do designer ricardo assis
PRODuçãO E INSPIRAçãOFábio uehara, também egresso da ECA-uSP, é
responsável pelo departamento de capas da Compa-
nhia das Letras. Sediada em São Paulo, há 22 anos
no mercado e com quase 2.500 títulos publicados
(mais de 230 só no ano passado), a editora mantém
três selos: Cia. das Letras, Companhia das Letrinhas
e Companhia de Bolso. Em todos, a produção conta
com profissionais contratados (designers) e colabora-
dores (pesquisa iconográfica e ilustradores).
“O destaque na prateleira vem pela criatividade e
elegância, uma tipografia alinhada, uma imagem plás-
tica bem escolhida e interessante. Tudo isso distribu-
ído em uma boa diagramação”, diz uehara, leitor as-
síduo desde criança que escolheu o ofício para unir o
gosto por leitura e desenho.
Na Companhia das Letras, a criação dos trabalhos
passa por diversas fases. “Os projetos são iniciados
com o editor-chefe, o editor responsável do livro e a
diretoria do departamento de produção. Depois, en-
tra o designer gráfico”, destrincha uehara. A equipe
é guiada pelo briefing, que pode ser tanto um estilo
a ser seguido, uma imagem sugerida pelo autor ou
o conteúdo do livro, deixando o capista apresentar a
sua própria interpretação da obra.
A Negrito Produção Editorial tem na literatura a refe-
rência para a paginação dos volumes. “O editor de arte
deve ter contato direto com o texto original do autor, en-
tender a estrutura, como é a divisão dos capítulos e das
partes, se a obra tem citações e notas de rodapé. Não
dá para fazer um bom projeto gráfico sem conhecer a
fundo a intenção de quem escreve”, acredita Assis.
não dá para
fazer um bom
projeto gráfico
sem conhecer a
fundo a intenção
de quem escreveFO
TOS:
dIv
ULg
AçãO
31
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
dESIgN gRÁFICO
capas de Fábio uehara, da companhia das letras. para cada livro, cores e imagens que traduzem a mensagem da obra. em Descobertas Perdidas, um de seus trabalhos favoritos, o destaque fica por conta da pirâmide maia em chichen Itzá, no méxico.
FOTO
S: d
IvU
LgAç
ãO
32
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
dESIgN gRÁFICO
trabalhos de ricardo assis, que ganhou o prêmio jabuti com o projeto de A Plumária Indígena Brasileira
GuERRA DE CANETASNão é raro o autor interferir na editoração sem
conhecer exatamente as ferramentas e concei-
tos utilizados na hora de paginar. Ricardo Assis
alerta que o bom editor media os conflitos entre
autores e departamento de arte. O processo para
alcançar uma boa diagramação é essencialmen-
te igual para os dois lados da moeda: conhecer o
livro, entender a estrutura e começar o trabalho.
O responsável pela Negrito acrescenta: o de-
signer não pode ser preguiçoso na busca por
inovações. “Temos que experimentar pequenas
variações de tamanho de letra e entrelinhamento
e tipo de grafia até chegar à obra ideal. O design
de livros deve prestar atenção especialmente aos
pequenos detalhes”, afirma.
Buscar referências nas artes plásticas, fotogra-
fia, cinema e ilustração também integram a concep-
ção de um projeto exemplar. Fábio uehara lembra
a importância de conhecer a história e a atuali-
dade do design, além de arte e cultura. “O livro
é, simultaneamente, um objeto cultural e comer-
cial”, explica.
Para quem crê que o bom profissional
deve ter vastos conhecimentos de desenho e
artes plásticas, Ricardo Assis – que afirma não
dominar as técnicas de desenho e caligrafia –
avisa: “O necessário é ser um bom leitor. Essa
é a premissa básica para fazer bons projetos”.
Afinal, o design de livros deve traduzir visual-
mente o conteúdo de uma obra.
FOTO
S: d
IvU
LgAç
ãO
Feitos para os grandinhos, os Toy art mesclam a inocência dos bonecos e a ousadia da estética urbana
Por Samantha De Tommaso
Meras semelhanças aproxi-mam os Toy Art de peças decorativas ou brinquedos.
Os “brinquedos arte”, como são também conhecidos, tornaram-se verdadeiros objetos de desejo de colecionadores em todo o mundo. Trazem uma linguagem adulta, mui-tas vezes irônica, que dialoga com uma cultura diferente daquela vista em bonecos tradicionais.
O precursor foi Michael Lau, um designer de Hong Kong, formado pelo Design First Institute, que, em 1997, customizou versões urbaniza-das de G.I. Joe (os famosos Coman-dos em Ação da Hasbro) para uma banda musical de amigos. No lugar das roupas militares tradicionais, usou nos personagens peças da cul-tura hip-hop americana e da arte do skate, parte do seu universo.
FOTO
S: d
IvU
LgAç
ãO /
SAM
ANTh
A d
E TO
MM
ASO
A iniciativa de Lau desencadeou o movimento Toy Art, um verdadeiro fascínio por bonecos colecionáveis, que serviu como uma ponte para que artistas pudessem reproduzir sua arte e exprimir sua identidade em um objeto 3D. Designers, artistas plásticos, ilustradores e grafiteiros estão entre os que criam e conso-mem os toys.
As embalagens, geralmente, exi-bem a mensagem “voltado ao públi-co adulto”. Se antes ter um bichinho de pelúcia ou uma boneca transfor-mava o consumidor crescido em mo-tivo de chacota, com o Toy Art não há esse risco. O surgimento dos toys veio como uma espécie de liberta-ção para os adultos.
Calcados no conceito de contes-tação, esses bonecos exibem tra-ços futurísticos e nada ingênuos, e representam a arte contemporânea. Você encontrará desde figuras de-primidas, agressivas e irônicas, até monstrinhos e humanoides. Não es-tranhe uma eventual identificação com esses personagens e até a cria-ção de um laço afetivo que faça que-rer levá-los para casa. Algum desejo de infância pode ter sido resgatado.
Outra peculiaridade é a tiragem limitada. Os artistas criam um mode-lo e reproduzem poucas peças, que dificilmente serão iguais. Elas geral-mente são numeradas e assinadas para garantir a autenticidade e con-
ferir um caráter de item de coleção. Alguns toys são customizados ape-nas uma vez, o que lhes atribui um valor ainda maior.
Os materiais utilizados variam en-tre vinil, tecido, argila, madeira, can-vas, metal, resina e porcelana. Após a criação das plataformas, os artistas podem comercializá-las em branco (sem pintar), para que o consumidor ou outros artistas possam customi-zá-las por conta própria. Esse pro-cesso é conhecido como DIY (Do It Yourself) – “faça você mesmo”, na tradução para o português.
Na Plastik, primeiro e maior distri-buidor especializado em Toy Art do país, você encontra os DIY, inclusive os famosos moldes Munny e Dunny, desenvolvidos pela empresa ameri-cana Kid Robot (maior do gênero), do designer Paul Budnitz.
Criada em 2006 por Nina San-ders, a Plastik possui o diferencial de reunir loja, galeria e livraria em um mesmo espaço. A sede fica no bairro dos Jardins, em São Paulo, e ali são comercializados mais de 500 produ-tos nacionais e importados.
Essa paulistana de 28 anos, for-mada em História da Arte pela uni-versidade de San Diego, nos Esta-dos unidos, é também colecionadora de toys e possui mais de 200 peças. Foi assim que surgiu a ideia de abrir a loja. “Meu primeiro contato foi em 2002, quando comprei um toy na Kid Robot. Depois do primeiro, nun-ca mais parei. Em qualquer viagem que fazia para o exterior, comprava um”, disse Nina em entrevista ao site de notícias UOL em maio deste ano. Nossa reportagem traz mais alguns artistas desse universo.
plastIk rua Dr. Melo Alves, 459
São Paulo – SPtel. (11) 3081-2056
lIvrarIa pop rua Dr. V. de Carvalho Pinto, 297
São Paulo – SPtel. (11) 3081-7865
casa dIssensorua Pinheiros, 747
São Paulo - SPtel. (11) 3061-9842
poderosa ÍsIs rua Augusta, 2202
São Paulo – SPtel. (11) 3091-9636
katkIller www.katkiller.com.br
WassaBe www.wassabe.com
onde comprar
37
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
ARTE URBANA
Bastam 52 centímetros de pano para que o paulistano Josmar Madureira, de 39 anos, reproduza com originalidade grandes astros da música, cinema, moda, cultura pop e da arte em geral.
Publicitário por formação, ilustrador e designer freelancer, Josmar fundou, em 2005, a Katkiller – um estúdio de criação que, inicialmente, funcionava como grife de camisetas. Ali eram desenvolvidas estampas inteligentes e criativas, tanto para a própria marca quanto para outras grifes.
Inspirada em ícones pop e desenvolvida toda em pano, a linha de Toy Art da Katkiller surgiu em 2007. Devido à repercussão e à demanda, não demorou até que os bonecos se tornassem o carro-chefe da marca.
Apontado como um dos precursores do movimento Toy Art no Brasil, Josmar conta que “a ideia era fazer uma releitura de algo que estava há muito tempo guardado no fundo do baú – os tradicionais bonecos de pano dos tempos de nossos avós”.
O artista discorda de quem acha que os bonecos são exclusividade dos adultos. Ele acredita ter desenvolvido um produto único e completo, que atende a todas as faixas etárias, agradando pais e filhos. “É contemporâneo e conceitual, funciona muito bem como artigo de decoração e, o melhor de tudo, é colorido e divertido”, esmiúça o artista.
Além do intuito lúdico, a Katkiller vende seus toys como um produto sustentável, que utiliza materiais ecologicamente corretos. Os bonecos são confeccionados em algodão cru (corpo), tecidos diversos (roupa), fibra de poliéster 100% virgem (enchimento antialérgico) e face silkada e/ou pintada com tinta à base de água.
Uma equipe de apenas cinco pessoas compõe a empresa. A tiragem mensal de bonecos gira entre 200 e 250 peças. A Katkiller vende toys para todo o Brasil, bem como para a Inglaterra e os Emirados Árabes. No catálogo, há uma variedade de mais de 40 modelos, cada qual com seu grau de complexidade. Consequentemente, cada peça leva um tempo específico para ser produzida.
Entre as maiores conquistas da grife estão projetos firmados com a Colcci, a MTV e a Patachou, que solicitaram a confecção de toys personalizados. “A busca por um posicionamento de vanguarda tem feito com que esse tipo de cliente nos procure para criar artifícios que imprimam seus conceitos. A Toy Art, sem dúvidas, possibilita isso”, explica o designer.
A contemporaneidade de seus bonecos rendeu a Josmar a oportunidade de figurar entre os maiores nomes da Toy Art mundial, junto a Tokidoki, Jon Burgerman e Gary Baseman. Louis Bou, em seu livro Toyland (Instituto Monsa de Ediciones, 255 págs, R$ 107), publicou nesse ano as criações da Katkiller.
sem fronteiras
cláudia holanda e cris mergulhão
38
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
As irmãs Cláudia Holanda e Cris Mergulhão, naturais de Recife (PE), encontraram no graffiti e na moda underground contemporânea a inspiração para criar a Urbanus Toys, uma marca de Toy Art desenvolvida em cerâmica.
Cris é formada em arquitetura e trabalhou na área de ambientação e design de móveis antes de ingressar nos trabalhos em cerâmica. Cláudia formou-se na área de saúde, mas logo descobriu nas artes plásticas uma alternativa prazerosa, o que lhe abriu portas para trabalhar com pintura em tecido e serigrafia.
Em 2001, as duas decidiram trabalhar juntas com modelagem e pintura em cerâmica, produzindo luminárias, fontes e outros objetos de decoração. Apenas em 2007 surgiu a ideia de criar bonecos. “Achamos que fazer toys em cerâmica seria algo inovador, pois não conhecíamos nenhum outro trabalho de Toy Art feito com essa técnica”, conta Cris. “Ficamos muito satisfeitas com o resultado da primeira coleção, que foi bem aceita nas lojas de design daqui.
Logo apresentamos nossos toys em São Paulo e também tivemos uma excelente recepção”, completa.
As artistas usam como base para criação dos personagens a estética da arte urbana. “Nossos personagens são punks, emos, monstrinhos. Alguns são meio góticos, outros mais fofinhos. Não acho que tem um estilo único. Alguns são mais figurativos, outros mais lúdicos”, explica a arquiteta.
A Urbanus Toys produz, em média, 50 peças a cada quinze dias. Todas as modelagens das matrizes são criadas pelas irmãs, cuja coleção soma 14 modelos. As lojas para as quais elas vendem seus toys, entre elas a Livraria Pop, não mantêm estoque. Os pedidos chegam com a especificação do modelo e da quantidade dos toys, mas a pintura fica a critério das artistas. “Pela impossibilidade de reprodução perfeita, deixamos essa etapa mais livre, ao gosto da nossa inspiração”, diz Cris.
negócio entre irmãs
josmar madureira
ARTE URBANA
marina moura
Bruno oliveira
40
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
No ateliê Onze & Onze, três artistas trabalham com pintura e serigrafia, reproduzem gravuras, cartazes para shows e criam Toy Art. O recém-chegado Thiago Balbi, de 29 anos e natural de Taubaté, interior de São Paulo, é formado em Desenho Industrial e Programa-ção Visual pela Faculdade de Belas Artes. Já fez ilustrações para re-vistas como Fórum e Caros Amigos e foi responsável pelo desenvol-vimento do projeto gráfico do CD e DVD acústico dos Engenheiros do Hawaii, em 2004, pela Universal Music e MTV Brasil. Thiago está no processo de desenvolvimento do seu primeiro toy – um peixe com cara de totem.
A designer Marina Moura tem 25 anos e é formada há quatro em Desenho Industrial pela FAAP. É pós-graduada em curadoria na Es-panha. Hoje, trabalha como freelancer em comunicação visual. Para corar o extenso currículo, Marina criou o toy Banana Love.
Ela tem verdadeira paixão por desenhar e pintar, e o personagem que deu origem ao Banana Love já existia em suas ilustrações e telas. Essa foi a primeira peça em resina que o ateliê produziu. Eles tiveram a ideia de fazer um item pequeno, leve, com aproximadamente três polegadas, feito a partir de um único molde – bem próximo aos que são vendidos no mercado. Portanto, fizeram uma plataforma oca, com a resina só na parte externa. E para manter o caráter da origi-nalidade, típico do Toy Art, a tiragem limitou-se a apenas cem peças. “É um objeto de colecionador. É aí que está a arte. Eu fiz cem e acabou. E dessas cem, a cada dez, seis são marrons, três são ro-xas e apenas uma é dourada, que é a mais rara”, explica Marina. As bonecas vêm em blind boxes, isto é, quem compra não sabe o que tem dentro. Cada peça é pintada, flocada uma a uma, assinada e numerada. A Banana Love custa 40 reais e hoje só é vendida na Casa Dissenso e na Livraria Pop. Em breve, estará disponível também na loja virtual Wassabe.
O namorado de Marina, Bruno Oliveira, de 26 anos, formou-se em Audiovisual pela Anhembi-Morumbi e, posteriormente, fez uma licenciatura em Artes Plásticas na Faculdade Mozarteum. Suas cria-ções em Toy Art são o Toco, o Minitoco e o Minitoco Deluxe. Ele tra-balha como artista plástico há seis anos. O pai tem o mesmo ofício e os dois já tiveram um ateliê juntos. “A coisa vem de família”, diz bem-humorado.
Os toys de Bruno também têm tiragem limitada. Primeiro, veio o Minitoco, em apenas 50 peças. O tronquinho de árvore é feito de canvas – tem o mesmo preenchimento dos bichos de pelúcia e por fora é de tela. Já do Minitoco Deluxe, que está para ser lançado, se-rão produzidas 200 unidades. O diferencial é que esses vêm em blind boxes, e além do galho da versão original, trazem também um tentá-culo ou uma cabeça de alce. Além das plataformas próprias, Bruno foi convidado a customizar o toy Lobinho DYI, criação da loja virtual Wassabe. O artista pintou à mão três peças para uma promoção que a marca lançou para o Dia dos Namorados.
A polivalência é mesmo um de seus pontos fortes. “Foi ele quem modelou e fez todo o estudo para produzir a Banana Love em toy”, orgulha-se Marina. Ela explica que até certo ponto o pro-cesso é manual, depois torna-se semi-artesanal. “É preciso de um molde para produção em série. Primeiro é feito um desenho de onde são tiradas as medidas de cada parte, para só então começar a modelagem em clay, uma argila sintética. Depois, há um molde de silicone e dele tiramos as peças. Para conseguir o produto final, pegamos duas peças em resina e cada uma delas é trabalhada e lixada até que fiquem perfeitas. Tudo é executado no ateliê, até as embalagens”, esclarece a designer.
E a característica multifacetada de Bruno não para por aí. “Con-venci a Marina a fazer o toy. Cuido do processo inteiro, desde a con-fecção, a distribuição, até a venda, tanto que depois peguei a mochila e fui de loja em loja oferecer”, diz o namorado e braço direito.
Em setembro, os dois participaram da exposição Reprodutíveis – série 3, da galeria RV Cultura e Arte, em Salvador (BA), ao lado de artistas como Adriano Lemos e Arthur D’Araujo. Eles acreditam que aqueles que fazem Toy Art, geralmente, não ganham dinheiro com isso, mas sim com exposições, palestras, entre outras coisas. “O toy é uma extensão do trabalho do artista”, afirma Bruno. A ideia do casal é tentar lançar mais linhas em um ano. 2010 promete!
toys em equipe
ARTE URBANA
Maíra, ao lado de Alessandro Braga, é dona da Poderosa Ísis, uma espécie de loja e galeria charmosa, na rua Augusta, em São Paulo, que comercializa roupas, acessórios e objetos de arte. Ela conheceu Adriano enquanto ambos expunham em feiras, como Mercado Mundo Mix, Como Assim? e Pulgueiro. Hoje, são bons amigos e parceiros de negócio. Segundo Maíra, as telas de Adriano são o maior atrativo da loja. E reconhece também a transformação no estilo do amigo. “O traço dele mudou muito ao longo do tempo. Era mais ingênuo. Se você olhar os desenhos mais antigos, vai notar a diferença”, relata. “Há poucos dias, vendi algumas das peças dele para um merchant”, conta, orgulhosa.
Além dos trabalhos do pernambucano, a Poderosa Ísis oferece produtos de vários outros artistas nacionais de Toy Art. Entre eles, Fabíola Cally, criadora da personagem Tôsqka, Ismael Lito, autor do Paleolito – um dos primeiros DIY de vinil lançados no Brasil – e Delfina Renck Reis, dona da Dodô Dadá Toy Art. Para Maíra, é essencial estimular a arte brasileira. “É muito gratificante abrir as portas para vários artistas, porque de alguma forma estamos valorizando o trabalho deles também”, desabafa. “Como dificilmente rolam feiras de designers aqui no Brasil, esses artistas acabam fazendo feirinhas de artesanato, que no meu ver, depreciam um pouco a arte. Imagine o toy ou a tela expostos ao lado do pano de prato!”
abrindo portas
adriano lemos
42
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
ARTE URBANA
Figuras góticas, parecidas com os personagens dos filmes de Tim Burton, mas de um traço único, é o que encontramos nas criações de Adriano Lemos, pernambucano de Afogados da Ingazeira. De lá, ele só trouxe as raízes.
Com um mês de vida, Adriano já viajava com a mãe rumo a São Paulo. E foi na capital paulista que o gosto pela arte tomou forma. Ele concluiu o curso de Desenho de Comunicação em 2000, na Escola Técnica Estadual Carlos de Campos – uma instituição que faz parte do patrimônio histórico da cidade de São Paulo – e no mesmo ano começou a vender seus primeiros bonecos, feitos em porcelana fria, a conhecida massa de biscuit.
Três anos antes, houve tentativas em durepox. Por ser um material de difícil manuseio, o projeto não foi levado adiante. Somente mais tarde, a mãe de uma amiga recomendou a massa de biscuit. Foi quando a inspiração de adolescente se concretizou em bonecos punks e skatistas, que logo tiveram grande receptividade, pois eram inovadores para a época.
Mais tarde, teve a ideia de divulgar seu trabalho em feiras de design, e como não dispunha de verbas, a alternativa foi montar sua banca do lado de fora. A qualidade das peças chamou a atenção dos organizadores, que o convidaram para os eventos.
Quando a onda Toy Art invadiu o mercado, Adriano se interessou pelos moldes de vinil e resolveu estudar alguns livros, que usou como referência para, posteriormente, em setembro de 2008, criar o Fooze, sua própria
plataforma DIY. A figura passou dos rascunhos em papel para a modelagem em biscuit, depois para a forma em silicone e, por último, a uma peça acabada, que deu origem ao molde final.
Então, ele contratou os serviços de uma fábrica e produziu as primeiras 200 peças. Um shopping de Ribeirão Preto (SP), cliente da mesma fábrica, conheceu o trabalho de Adriano e entrou em contato para comprar uma tiragem dos toys, que eles dariam como brinde no Dia dos Namorados. No processo industrial, uma máscara de serigrafia foi usada para produzir 20 mil peças dos quatro modelos customizados pela agência do próprio cliente.
Já os toys de customização própria são pintados à mão, um a um, com pincel e tinta vinílica. Em alguns, são utilizadas canetas de marcar CD. Há modelos tão complexos que demandam sete horas de trabalho. Esses são produtos mais caros, comercializados em torno de 200 reais. “Os Fooze que customizo são únicos. Nunca um vai ser igual a outro e eu até prefiro fazer pinturas diferentes para cada toy”, diz o artista plástico que, aliás, não se sente muito confortável com o termo. “Prefiro dizer que sou marceneiro. Se digo que sou artista plástico, o povo vai me achar metido”, brinca.
Além dos toys, Adriano cria outros tipos de bonecos, luminárias e também pinta telas. O traço ousado das pinturas veio da época em que ele dividiu uma loja de artes com Maíra Maciel. “Tínhamos o espaço, mas nada para colocar nas paredes, então resolvi pintar”, conta.
arretado e moderno
maíra e alessandro Braga
Cinema em miniaturaCinema em miniatura
O designer britânico Craig Lyons recria pôsteres de filmes famosos com peças do brinquedo lego
Por Gabriella de Lucca e Nathália Moraes
Criado na década de 1950, o brinquedo
de montar – inventado originalmente
para crianças – é uma febre no mundo
pop, especialmente na música, cinema e games.
Nascido na cidade de Bourne, em Lincolnshire,
no Reino unido, o designer gráfico Craig Lyons
tem uma coleção de mais de 10 mil peças de
Lego. Sua paixão pelo brinquedo – e também
por cinema – fez com que começasse a recriar
pôsteres de filmes com os famosos bloquinhos.
Seu primeiro trabalho foi Tubarão. “É o meu fa-
vorito”, conta Lyons.
No repertório do artista estão, entre outros,
Indiana Jones e Cães de Aluguel, que segun-
do ele, foi o mais trabalhoso de ser produzido,
pois foi necessário fotografar os bonequinhos
um a um para montar o cartaz. Para recriar os
pôsteres, Lyons monta a cena usando Lego e
depois a fotografa. Na maioria das vezes, usa
o Photoshop para dar o acerto final e incluir o
logo do filme. Resultado: um trabalho artístico e
bastante criativo. A seguir você confere alguns
dos cartazes feitos pelo britânico.
44
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
Com os braços de um boneco e uma
peça feita de rosquinha, Lyons recriou
o cartaz de Simpsons - O Filme,
mas também usou o Photoshop para
finalizar o pôster.
FOTO
S: d
IvU
LgAç
ãO
ENSAIO
O cartaz de E.T. – O Extraterrestre,
filme ícone da década de 1980,
é composto exclusivamente com
peças do brinquedo dinamarquês.
46
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
ENSAIO
O primeiro trabalho de Craig
Lyons – e o seu favorito – recria
o cartaz de Tubarão, clássico
produzido por Steven Spielberg.
48
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
Harry Potter e a Ordem da Fênix deixa os bonecos
do Lego com um ar sombrio. O mais curioso é que
o designer não esqueceu de fazer a cicatriz na testa
de Harry, grande marca do bruxinho.
ENSAIO
Ser a escolhida do príncipe por ter um sapato
exclusivo, de cristal, com tamanho único. Se
o conto de fadas soa antigo, a modernidade
já se encarregou de fazer a releitura de Cinderela.
Em inglês, sneaker é um dos termos que designam
tênis. Mas a moda conferiu outra conotação à pala-
vra, agora relacionada aos calçados exclusivos, com
design arrojado e fora da proposta esportiva. Os sne-
akers são cada vez mais procurados pelos fashionis-
tas, que buscam peças customizadas e com ar retrô.
Quanto mais original for o calçado, melhor. “Dentro de
qualquer círculo social, uma pessoa com um modelo
exclusivo lança tendência, pois tem nos pés um obje-
to de desejo”, diz a designer Kate Lu.
Nossa reportagem foi buscar quais caminhos
esses tênis tão bacanas têm percorrido pelo Brasil.
CinderelaSíndrome de
Ter um calçado único deixou de ser mote do conto de fadas e virou realidade por meio dos sneakers
Por Nathália Moraes
52
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
Sneaker customizado pelo grafiteiro Jimmy, que tem como referência o hip hop
moda
FO
TO
S: D
IVu
LgA
çã
O
O site Sneakers BR surgiu em dezembro de
2005, no formato blog, para agregar e difundir
a cultura sneaker. “Percebi que ninguém falava
sobre o assunto, até então desconhecido aqui
no Brasil”, conta Ricardo Nunes, criador da pá-
gina. Após um ano e meio no ar, o blog virou
um mini-portal dedicado a cobrir a cena de sne-
akers no país, que dava os primeiros passos,
além de trazer informações em português so-
bre os lançamentos globais.
No aniversário de dois anos do portal, Ricar-
do foi convidado pela Nike a desenhar um tênis
comemorativo em homenagem ao site. O sne-
aker foi batizado de Lanceiro, desenhado com
base no modelo Air Max 1 (que acabava de ser
lançado e é assinado por Fabrício Machado, da
Nike). Para criar esse tênis, Ricardo baseou-se
em sua terra natal, Recife, capital pernambuca-
na. O nome, Lanceiro ou Caboclo de Lança, re-
mete aos maracatus rurais da Zona da Mata do
estado e ao movimento musical manguebeat.
Feito em couro, mescla as cores azul e creme e
possui um solado transparente, com marcas de
lama e um caranguejo de miçangas coloridas.
Pontos verdes, amarelos e vermelhos estão
nos cadarços, palmilhas e na parte superior do
sneaker e que lembram as lantejoulas e brilhos
existentes nas vestes típicas dos lanceiros. A
versão foi vendida em algumas lojas, com tira-
gem de 330 pares.
Para celebrar o terceiro ano do site, mais
uma peça comemorativa – dessa vez, assinada
pela designer Kate Lu, em parceria com a Dia-
dora. Formada em administração de empresas,
Kate abandonou o mercado financeiro para tra-
balhar com design. Hoje, migrou para desenvol-
vimento de linguagem off-line para empresas e
adorou ser convidada para desenhar um tênis.
“Fazer um sneaker é muito bacana, porque
você sabe que as pessoas vão desejar aquele
Fazer um sneaker
é muito bacana,
porque você sabe
que as pessoas vão
desejar aquele tênis
DA WEB PARA OS PéS
tênis” relata. “Você expressa a sua arte em um
produto que é pouco convencional”.
Para desenvolver o calçado, a empresa
disponibilizou diversos modelos e materiais.
A autora ainda sugeriu algumas mudanças para
deixar o sneaker com a cara da página na web.
“O tênis precisava ter alguns elementos que
existem também no site, pois é comemorativo.
Para fazer isso, seguimos uma tabela de cores
e algumas referências do Sneakers BR. Não foi
tão difícil buscar os materiais”, avalia.
Há apenas 48 pares em todo o planeta, en-
viados a colecionadores e formadores de opi-
nião dentro da cultura deste tipo de calçado. “A
edição será publicada na Sneaker Freaker, que
é a revista mais importante do seguimento no
mundo. Ela tem três edições anuais e é con-
siderada a Bíblia dos sneakers”, explica Kate.
“Todo tênis que sai lá se torna uma referência
mundial” arremata, orgulhosa de seu trabalho.
Modelo Lanceiro, desenhado em comemoração ao aniversário de dois anos do Sneakers BR
moda
“Foi natural eu entrar no universo sneaker,
pois o mundo em que vivo é movido por essa
cultura, que inclui o hip hop”, diz Jimmy, gra-
fiteiro, tatuador e custom – que, ao contrário
dos designers, não chega a criar um projeto
desde seu princípio, mas personaliza mode-
los de tênis de acordo com suas ideias ou pe-
didos. Ele conta que já gostava de sneakers
desde que via, em filmes antigos, os grafitei-
ros fazendo tênis para os B-boys (dançarinos
de breakdance) irem às batalhas de hip hop
em Nova York. Começou pintando os tênis
dos amigos, mas não vingou. “No início, pintei
uns dois pares com todas as tintas erradas.
Conforme usavam, as tintas saíram de uma
maneira bizarra, grudavam na calça”, conta.
SuBúRBIO CHIC
Calçar um
sneaker pelo
qual você pagou
muito e não
gostar é chato
moda
Jimmy reforça: a grande vantagem do cal-
çado customizado é a exclusividade. “Podem
olhar, achar muito característico, muito ‘style’, e
decidir comprar o calçado” explica. Mas, mes-
mo considerando a cultura da customização um
trunfo, ele acredita que a mania ainda não pe-
gou no Brasil. “O tênis é um suporte muito caro.
Calçar um sneaker pelo qual você pagou muito
e não gostar é chato”, completa.
Suas referências vêm do cotidiano, univer-
so urbano, moda conceitual e da cultura hip
hop. “Quando fiz sapatos femininos, procurei
colocar um aspecto mais conceitual no cal-
çado, tanto no acabamento quanto nos mate-
riais, mas sempre conectado ao graffiti”, conta
Jimmy, que vende seus trabalhos com a ajuda
da internet. gente de diversos países, como
Estados unidos, Espanha e Alemanha, possui
sneakers com o toque, cores e desenhos do
grafiteiro, que nunca imaginou tanto sucesso.
Para quem acredita que a cultura sneaker
fica apenas no pé dos usuários, Jimmy con-
ta que já foi convidado para diversas exposi-
ções sobre o tema, tanto em lojas quanto em
galerias de arte, e cheg ou a desenhar um
modelo gigante para uma mostra. “Teve um
projeto da Nike, em São Paulo, realizado jun-
to à revista Good, de moda. Nesse trabalho,
pintei um Air Max 90 gigante”, lembra. “O tê-
nis pode ser considerado um quadro. Então,
os donos de galeria procuram os customiza-
dores”, conclui Jimmy.
Versão Star Wars, de Jimmy
57
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
Popó vive em dois mundos muito diferentes. Para ganhar a vida, tra-balha como restaurador de quadros e convive com obras de grandes pintores brasileiros, como Portinari, Volpi e Di Cavalcanti. Porém, nas horas livres, gosta mesmo é de pin-tar paredes com seus graffitis. “O trabalho que paga minhas contas, há quatro anos, é o de restauração. Nele, cuido de grandes obras, en-quanto no meu mundo acabo su-jando a cidade”, brinca o grafiteiro. O mundo que Popó chama de seu é um universo bem urbano, que in-clui o graffiti, o skate e também os sneakers, que ele customiza, por acaso, desde 2006, quando sua namorada concluía a faculdade de moda. “Ela estava fazendo o traba-lho de conclusão de curso e ajudei nos calçados. Pintei alguns All Stars e personalizei uma galocha com tin-ta permanente”, lembra.
Na mesma época, Popó se in-teressou pela customização de tênis em couro e consultou o ami-go Jimmy: “Ele consome a cultura sneaker há muito mais tempo que eu e me ensinou bastante”, conta. “Lembro quando a gente começou a andar de skate. Saíamos de gua-rulhos para vir para a Barra Funda, porque havia uma loja que vendia tênis de skate por um preço mais bacana”, diz Popó.
Para ele, a customização é uma saída para quem busca exclusivida-de sem sacrificar o bolso. “Os tênis mais legais são também os mais caros. Por isso, as pessoas fazem o sneaker do seu jeito. Em vez de pagar 450 reais em um calçado, a galera pode aplicar 150 reais em al-gumas tintas, pintar e ganhar exclu-sividade”, explica o grafiteiro, que possui um blog no portal da MTV. Lá, conta as novidades sobre sne-akers e exibe vídeos para ensinar técnicas de customização.
Para produzir, Popó segue as sugestões do cliente. “Escolhido o tema, pesquiso conceitos para aplicar. Muitas vezes, o próprio tê-nis me dá dicas sobre qual dese-nho posso encaixar, como posso brincar com as formas”, explica. E já que a customização não “paga as contas”, Popó aproveita para trabalhar tranquilamente nos pares – o que faz apenas quando está inspirado. “Cada tênis tem um cari-nho especial, um jeitinho certo. Por isso, posso demorar mais de um mês para acabar”.
EXCLuSIVO POR ACASO
Calçado customizado pelo restaurador Popó, que costuma seguir as sugestões dos clientes
58
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
moda
59
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
Modificar o espaço público por meio da arte.
Descrever assim a proposta da intervenção ur-
bana, em poucas linhas, pode remeter à sim-
plicidade. Então, cuidado! O ato de pegar latas de tinta
e grafitar muros por aí esconde histórias, paixões, cami-
nhos e movimentos mais complexos do que o produto
final pode revelar.
O graffiti teve início há milhares de anos, com as pin-
turas rupestres nas paredes das cavernas, durante o pe-
ríodo Paleolítico Superior (40.000 a.C.). A evolução dos
traços, a passagem para as telas e o retrato do cotidiano
dão a tônica de um dos mais difundidos elementos da
arte urbana ao redor do mundo.
vamos bater lataEmblema da cultura de rua, o graffiti rompeu barreiras sociais e paredes de galerias para ganhar o status de movimento artístico
Por geoffrey Scarmelote e Samantha De TommasoF
OT
OS
: DIV
uLg
Aç
ãO
/ S
AM
AN
TH
A D
E T
OM
MA
SO
62
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
Celso Gitahy e os seus principais trabalhos
Arte no bAnheiro
O paulistano Celso gitahy, de
41 anos, começou no graffiti com
rabiscos. “Percebi que o banheiro
de bar é muito interessante, por-
que tem aquela caixa de descar-
ga. E quando o homem está uri-
nando fica olhando pro alto, tendo
aquela sensação de alívio que é
muito interessante. Pensei ‘puxa,
esse negócio branquinho aqui’...
Aí eu comecei a desenhar”, con-
ta, bem-humorado. A brincadeira
evoluiu. Na segunda metade da
década de 1980, durante a facul-
dade, gitahy aprendeu com os
amigos grafiteiros Maurício Villa-
ça e Alex Vallauri as técnicas de
stêncil e não parou mais.
Hoje, alçou a nova abrangên-
cia do graffiti: as exposições. Pet
Machine figurou até o mês passa-
do na Mônica Filgueiras galeria
de Arte. Os 30 trabalhos, desen-
volvidos ao longo da carreira de
gitahy, mostram “uma perspecti-
va poética e animal do caos e da
insanidade da obsessão humana
com máquinas em detrimento do
ser vivo: a banalização da vida”.
arte urbana
Velhos trAcos , noVos rumos
O graffiti ainda encontra cer-
ta resistência de crítica e público
para encarar mostras e exposi-
ções. é para quebrar essa barreira
que José Carlos “Baixo” Ribeiro,
de 43 anos, estilista especializa-
do em skate, rock e graffiti, abriu a
galeria Choque Cultural, no bairro
de Pinheiros, São Paulo. “O jovem
não é muito bem contemplado pe-
los espaços artísticos, que geral-
mente são muito formais e criam
um ambiente um pouco chato pra
galera mais nova, que tem uma ex-
periência visual muito mais poluída
pra chegar numa galeria, ou num
museu muito comportado”, expli-
ca. “A ideia da Choque Cultual é
criar um público novo para as ar-
tes plásticas. é uma galeria focada
em pintura, que tem a cidade como
suporte”, arremata. Em setembro,
o arquiteto por formação começou
uma nova empreitada, o Acervo da
Choque. A nova galeria fica na Vila
Madalena e abriga todo o acervo
da Choque Cultural, além de ter
exposições dos artistas que fazem
parte da galeria. Quem inaugura
o espaço é TitiFreak, que fica em
cartaz com a exposição AmorInsis-
tente até dia 14 de novembro.
Baixo Ribeiro ousou ao criar a galeria Choque Cultural e proporcionar um novo espaço ao graffiti
64
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
arte urbana
GrAfiteiro , GrAcAs A Deus
A veia underground do graffiti,
porém, continua latente. Binho Ri-
beiro, um dos principais nomes do
street art mundial e um dos pio-
neiros no Brasil e América Latina,
já trabalhou com embalagens e
cenografia. Mesmo assim, culti-
va as raízes urbanas de sua arte.
“Sou grafiteiro, graças a Deus.
Quando a gente pinta na rua, não
tem essa pretensão de conseguir
trabalhos ou de fazer algo que a
sociedade acha lindo”, comenta.
“Fazemos algo dentro do conceito
do que realmente queremos. Sem-
pre tive bastante oportunidade no
lado profissional dentro da cultu-
ra do graffiti, desde a decoração
de uma loja de skate a grandes
projetos e encontros. um lado se
agrega ao outro”, arremata.
Binho Ribeiro não abre mão das raízes marginais do underground
Do bueiro pArA o munDo
Os paulistanos do Duo 6emeia
são um bom exemplo de como o
graffiti pode sedimentar uma car-
reira artística. Anderson Augusto, o
“São”, de 26 anos, é ilustrador, de-
signer e grafiteiro. Chegou a cursar
Design gráfico na universidade
Anhembi Morumbi, mas não con-
cluiu. Leonardo Ávila Fontes, o De-
lafuente, de 27 anos, é artista plás-
tico, desenhista e pintor. Formou-se
técnico em Design gráfico.
Amigos dos tempos de ginásio,
ambos herdaram da família o gos-
to pelas artes. Os irmãos de An-
derson são desenhistas e o pai de
Leonardo é artista plástico. Após
perderem o contato na adolescên-
cia, reencontraram-se em 2006.
Começaram a desenhar juntos, e
então surgiu a ideia de colorir os
bueiros da Barra Funda, onde mo-
ram, com graffitis. “Modificamos
o bairro pra melhor. Todo mundo
está acostumado a ver cinzas e
sujeira. Quando veem algo colo-
rido, um personagem rabiscado,
acham graça e dão risada sozi-
nhos”, diverte-se Delafuente.
Com a iniciativa, veio a necessi-
dade de criar um nome para assinar
os trabalhos. 6emeia foi uma inspi-
ração no único horário em que os
dois ponteiros do relógio apontam
para baixo. “A ideia é fazer as pes-
soas olharem para a calçada en-
quanto andam, prestando atenção
nos bueiros coloridos”, explica São.
A notoriedade veio após a pu-
blicação de fotos dos bueiros na
internet. O Wooster Collective, um
site americano que celebra a arte
de rua, teve acesso às imagens e
publicou uma matéria sobre a du-
pla. Na sequência, o site hospedei-
ro Fotolog escreveu uma reporta-
gem sobre os amigos.
Vários usuários os adicionaram
e começaram a replicar os traba-
lhos. Com isso, outros veículos
entraram em contato, a maioria de
fora do Brasil, como o diário italia-
no La Repubblica, a sucursal irlan-
desa do gratuito Metro e a revista
francesa Shoes Up.
Duo 6emeia deu nova cara à Barra Funda
66
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
Em julho deste ano, o 6emeia
viajou a trabalho para a Europa.
A convite da organizadora do Slot
Art Festival, em Lubiaz, na Polônia,
eles fizeram um trabalho de live
paint (pintura ao vivo) em um mos-
teiro abandonado do século 16,
além de palestras. Da Polônia, São
e Delafuente seguiram para Karsl-
ruhe, na Alemanha, onde pintaram
as fachadas laterais da instituição
de arte Steiger.
Para os próximos meses, a
dupla deve continuar com o pro-
jeto de revitalização de áreas de-
gradas da capital paulista. “Com
essa repercussão toda, a gente
vai tentar alguma autorização
junto à Telefônica e à Eletropaulo
para trabalhar em postes de luz
e telefone”, explica São. Sinal de
que ainda vem muita tinta por aí.
67
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
arte urbana
Celeiro de ideias, a Bauhaus completa 90 anos em 2009, enquanto estudiosos e profissionais ainda avaliam suas Contribuições para o design mundial
Por gabriella de Lucca, geoffrey Scarmelote e Mariana Pasini
A avó do design moderno
Bauhaus Dessau, o edifício-sede da escola, desde 1925
FO
TO
: KE
uT
E,
JOC
HE
N
69
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
arquitetura
Cadeira em ripas de madeira, segunda versão, de Marcel Breuner, 1923
Cartaz para a exposição itinerante da Bauhaus em Basileia, 1929 e, abaixo, cartaz de Joost Schmidt para a exposição Bauhaus de 1923, em Weimar
Cadeira de madeira com
contraplacado leve, de Marcel Breuer, 1924
Candeeiro de mesa de vidro, de Karl J. Jucker e Wilhelm Wagenfeld, 1923-24
Tapeçaria de parede de Anni Albers, 1926
O objetivo último de todo
trabalho plástico é a
construção”. A frase, do
arquiteto alemão Walter gropius,
inicia o manifesto Bauhaus, data-
do de 1919. Em 2009, chegou ao
nonagésimo aniversário a escola
de design mais influente já ergui-
da, tanto por papel e concreto,
quanto por ideias e pessoas. Epi-
centro de círculos de intelectuais e
designers, a Bauhaus, do alemão
“Casa de Construção”, abrigou
um turbilhão de diferentes verten-
tes artísticas no meio de um deba-
te intenso em torno das relações
entre design, artesanato, arte e
indústria. Funcionalistas, produti-
vistas e construtivistas deixaram
sua marca no DNA da escola, fa-
zendo com que essa mistura de
interpretações e pontos de vista
continue sendo sua maior contri-
buição, além de uma influência
inominável em áreas como arqui-
tetura, design, arte e pedagogia.
A Bauhaus procurou fomentar
um design sóbrio, buscando nas
formas geométricas de inspiração
construtivista a linguagem univer-
sal que fizesse dialogar os dife-
rentes gostos dos indivíduos. Essa
linguagem foi a solução da escola
para o problema da forma no de-
sign industrial e unir a arte e a téc-
nica, questão em voga desde o sé-
culo anterior ao do seu surgimento.
Entre as contribuições da escola
para o design atual, estão a aceita-
ção dos metais em móveis e obje-
tos de maneira explícita e aberta, o
que antes era inimaginável.
A escola foi tema de exposição
em Berlim até o mês passado,
no centro de arte Marin-gropius-
Bau, em comemoração aos seus
90 anos. A mostra, batizad de
Bauhaus, um Modelo Conceitu-
al, contoou com peças do Mudeu
de Arte Moderna de Nova York
(MoMa). Até janeiro de 2010, as
Sullivan galleries da School of the
Art Institute of Chicago (SAIC),
nos Estados unidos, abrigam a
exposição Learning Modern, com
instalações, vídeos e trabalhos
difitais inspirados na herança da
escola. é o mundo comemorando
os 90 anos.
“
Alegre ascensão, litografia de Kandisky, 1923
Carimbo da Bauhaus Estatal de Weimar,
concebido por Oskar Schlemmer, 1992
capa
Walter Gropius em 1920
Reunião no pátio após o encerramento da escola, em abril de 1933
Jarro com tampa e decoração gravada, de Otto Lindig, 1922
Esquema de cor para interior de um apartamento, Wilhelm Jacob Hess, 1932
Bagas Silvestres de Paul Klee, 1921-22
O Golpe Contra a Bauhaus, colagem de Iwao Yamawaki, 1932; e, à direita,
o primeiro carimbo utilizado pela Bauhaus de 1919 a 1922, concebido
por Karl-Peter Röhl
Um pouco de história
Antes da Primeira guerra Mundial, a Alemanha promovia uma política de Estado que incentivava a observação do desenho industrial feito ao redor do mundo. “Eles levaram isso tão a sério que chegam a mandar pessoas impor-tantes para fora da Alemanha para in-vestigar e observar como era resolvida a questão do desenho para a indústria e para a arquitetura em outros países”, explica Marcos Braga, professor de His-tória do Design da Faculdade de Arqui-tetura e urbanismo da universidade de São Paulo (FAu-uSP). Ao aplicar tais conceitos na indústria nacional para fo-mentar a competição com a Inglaterra, o país buscava a unificação das formas e a padronização dos gostos, na con-tramão do Arts and Crafts, movimento inglês que pregava a volta ao artesana-to nos moldes medievais, condenando a produção mecanizada. Com objetos tipificados, os bens industrializados ale-mães ganhariam o mercado interno e, depois, o externo.
A partir daí, dois designers e inte-lectuais se posicionaram a partir de vi-sões opostas. Hermann Muthesius, de um lado, defendia formas padronizadas e estandardizadas, que minimizassem diferenciações e pudessem ser produ-zidas – e consumidas – em larga es-cala. Do outro, Henry van der Velde, artista belga do art nouveau, também admitia a importância da produção seriada, mas apostava em peças que permitissem mais experimentações e variações, produzidas num volume me-nor. Enquanto o primeiro condicionava a estética de um objeto à sua funcio-nalidade, o segundo não separava ou diferenciava esses dois aspectos.
Por ser estrangeiro, van der Vel-de não assumiu um projeto novo que se colocava à época: uma escola que unisse o artesanato, a arte e a produ-ção industrial. O escolhido foi o jovem berlinense Walter gropius (1883-1969) que, embora tenha sido inicialmente
influenciado por Muthesius, aos pou-cos se aproximava do modo de pensar de van der Velde. O que o fez mudar de idéia? “A Primeira guerra Mundial, que aconteceu numa proporção vio-lenta, num volume de matança como nunca tinha ocorrido antes, provocou desilusões na intelectualidade com a tecnologia”, explica Marcos Braga. Em 1919, na República de Weimar, surgiu a Staatliches Bauhaus, ou Casa Es-tatal da Construção, a partir da união da Escola do grão-Duque para Artes Plásticas de Weimar, que foi dirigida por van der Velde e fechada em 1915, e de outra Escola Superior de Belas Artes também em Weimar, a Kunst-gewerberschule. Ao fundá-la, com o apoio do governo weimariano, gropius já tinha em mente o foco num design mais artesanal. Como ele pregou no Manifesto Bauhaus, artistas e arte-sãos deveriam, em conjunto, pensar a estrutura dos produtos.
Ao longo de seus breves – mas produtivos – 14 anos de existência, a Bauhaus atravessou fases distintas de acordo com a cabeça de quem a diri-gia. Entre 1919 e 1928, sob a batuta de gropius, a educação voltou-se para o ensino e o estudo do design – ape-sar de seu projeto inicial de dedicação maior à arquitetura, o departamento dessa forma de arte da escola só foi aberto em 1927. O curso, conta Marcos Braga, era configurado entre um gru-po de artes, outro de oficinas artesãs, com a presença do mestre artesão, e um ciclo profissional com a arquitetu-
ra como eixo de formação. “Você tinha uma formação artística, uma formação artesã e uma formação em arquitetura. A Bauhaus recupera alguns conceitos e tentativas de união de arte e técni-ca para qualificar o produto industrial. Isso é um debate típico do século 19.”
Em seguida, quando Adolf Meyer assumiu a direção, a Bauhaus voltou aos ideais de Hermann Muthesius, po-rém de forma adaptada ao comunismo: a padronização traria um barateamen-to dos produtos, que então se torna-riam acessíveis aos operários. Depau-perada, a escola não experimentou grandes inovações com Mies van der Rohe, seu último diretor, e foi fechada pelo regime nazista em 1933.
Por conta do estilo padronizado e frio que pregava, a escola já chegou a ser apontada como fonte de inspiração para os prédios cinzentos e sem vida das grandes cidades e para o desenho apático dos produtos modernos. “Isso aconteceu pela apropriação deturpada do mercado internacional em cima de algumas premissas da Bauhaus ape-nas no lado da linguagem estética, não dos aspectos políticos e sociais de democratizar a boa forma garan-tindo a funcionalidade da arquitetura”, conta Braga.
A Bauhaus influenciou o design das décadas de 1950 e 1960 como nenhu-ma outra escola de design. A partir da fundação da Wtg-ulm, o modo de pen-sar a atividade foi se espalhando pelo mundo. O que hoje é conhecido como “estilo Bauhaus” é o nome dado pelos norte-americanos o trabalho origina-do na insitiuição comandada gropius. Nesse período, entre 1922 e 1923, a Bauhaus chegou ao auge e sofreu maior influência construtivista – o que também contribuiu para que os nazis-tas a relacionassem aos bolcheviques russos, os principais propagadores do construtivismo. um fato interessante é que, anos depois, os próprios nazistas utilizaram as formas da Bauhaus no desenho industrial e na arquitetura – ou seja, o conflito com a instituição era apenas político.
73
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
capa
Brasil? Prazer, Bauhaus
Braga avalia que o grande legado da Bauhaus está no modo do ensino. O estudioso afirma que a instituição ger-mânica, síntese dos debates artísticos que movimentaram o mundo entre os séculos 19 e 20, influencia até hoje a criação de design a partir de núcleos ligados às artes. “Durante décadas, influenciou escolas no mundo todo a ideia de ter uma formação básica que passe pelas artes, pelo artesanato, pela formação técnica e pela formação conceitual das formas. Desde a per-cepção ao trabalho com as cores, essa noção de uma preparação básica é o grande mérito da Bauhaus”, diz.
Interpretar a escola como um con-ceito pedagógico é fundamental para entender sua chegada ao Brasil. O pon-to de vista é defendido pelo professor Pedro Luís Sousa, docente de Dese-nho Industrial na universidade Federal do Rio de Janeiro (uFRJ). “Precisamos salientar que os objetivos de um con-ceito pedagógico são sempre formado-res, ou seja, visam a capacitação de seus alunos para um tipo de trabalho”, explica. “No caso da Bauhaus, um tipo de trabalho inovador. Nesse aspecto, ela teve uma influência muito limitada no Brasil”, defende.
Para Fernando Vázquez, arquiteto espanhol radicado no Brasil que teve a Bauhaus como objeto de estudo de doutorado, a principal porta da institui-ção no país foram as revistas alemãs que circularam, principalmente, no Rio de Janeiro durante a década de 1930 – como a Die Form e Moderne Baufor-men. Vázquez salienta, porém, que o acesso a esses veículos era restrito. “O alemão não era uma língua muito po-pular ou divulgada no Brasil, o que cer-tamente reduzia o número de leitores. Provavelmente, a influência foi mais visual do que erudita”, esmiúça.
Professores e ex-alunos da Bauhaus estiveram no Brasil, porém apenas de forma particular, sem que pudessem
exercer maiores interferências no ensi-no ou mesmo na formulação de con-ceitos pedagógicos. Walter gropius nos visitou, estabeleceu contatos com arquitetos brasileiros, alguns ligados ao projeto do Ministério da Educação no Rio de Janeiro (Affonso Eduardo Reidy, Oscar Niemayer, Lucio Costa, Carlos Leão, Jorge Moreira e Ernani Vasconcellos), considerado um marco da arquitetura moderna do país. Po-rém, segundo Sousa, a influência mais forte nesse projeto foi do francês Le Corbusier e não da arquitetura alemã. O artista plástico e arquiteto suíço Max Bill (1908-1994), cujo reconhecimen-to inicial de seu valor artístico deu-se através da premiação na 1ª Bienal de São Paulo, estabeleceu alguns víncu-los e foi sempre um tema de discussão para grupos ligados tanto ao design como à arte concreta no país. Bill foi um dos responsáveis pela difusão dos conceitos da Bauhaus em todo o mun-do, através não apenas de suas obras nas artes plásticas, bem como em arti-gos e ensaios.
Nascido na Bélgica, Alexander S. Buddeüs também deixou sua marca por aqui. Lecionou durante dois anos no curso de Arquitetura da Escola Nacional de Belas-Artes, dirigido por Lúcio Costa, além de construir alguns edifícios no Rio e em Salvador, onde ergueu, entre 1932 e 1936, o Instituto do Cacau. O arquiteto alemão Alexan-dre Altberg foi responsável por alguns edifícios racionalistas até os anos 1940. Seus trabalhos concentraram-se na então capital federal. Algumas resi-dências foram modificadas, mas ainda estão de pé, na rua Paul Redfern, em Ipanema. “Deve-se interpretar tais in-fluências como um fenômeno indireto, já renovado em relação ao que seriam os pressupostos de uma pedagogia propedêutica da Bauhaus”, destaca o professor da uFRJ. Fernando Vazquez vai além. “A participação desses arqui-tetos na formação da Arquitetura Mo-derna no Brasil pode ser considerada depreciável”, dispara.
FO
TO
: AR
MA
ND
O V
ER
NA
gLI
A J
uN
IOR
74
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
O projeto do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), um dos mais populares
ícones da capital paulista, é da arquiteta modernista ítalo-brasileira Lina Bo Bardi
capa
No edifício CBI Esplanada, em São Paulo, o polonês Lucjan Korngold
adotou técnicas inovadoras para criar uma arquitetura simples e equilibrada
FO
TO
: gu
ILH
ER
MIN
O P
INH
EIR
O
Supremo Tribunal Federal, em Brasília-DF
Igreja Nossa Senhora de Fátima, a Igrejinha, também de Oscar Niemeyer. A construção durou apenas 100 dias.
Casa Sommerfeld, Berlim, 1920-21, de
Walter Gropius e Adolf Meyer, foi o primeiro
grande projeto
igrejinha
FO
TO
S: M
AR
CE
LO B
AR
BO
SA
FOTO: DIVuLgAçãO
77
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
capa
Efeitospós-guerra
Segundo Vázquez, o estudo do fenômeno Bauhaus desenvolvido após a Segunda guerra Mundial foi mais importante para marcar algum tipo de influência se comparado à experiên-cia direta, especialmente em design gráfico. “Artistas como Antonio Maluf, criador do cartaz da 1ª Bienal de São Paulo, em 1951, foram fortemente in-fluenciados pela estética tipográfica da Bauhaus”, relata. “Relacionado com este tipo de influencia podemos lem-brar a exposição da obra de Max Bill em 1950. Não encontro, na arquitetura anterior aos anos 1950, influências diretas do ‘estilo’ Bauhaus na arquit-etura moderna no Brasil. O cenário tomou forma, certamente, na órbita do racionalismo francês representado por Le Corbusier e seus seguidores nati-vos, Lucio Costa e Oscar Niemeyer”, completa. Porém, ele ressalta que os anos 1950 foram importantes para marcar uma revisão do pensamento Bauhaus por parte de arquitetos e fun-damentalmente de artistas plásticos.
A presença da Bauhaus no ensino brasileiro, de fato, só pode ser con-siderada através de fontes indiretas, a partir década de 1960, com a cria-ção da Escola Superior de Desenho Industrial do Rio de Janeiro, a ESDI. Essa instituição foi bastante influen-ciada pelos padrões pedagógicos da Hfg-ulm, Hochschule fur gestaltung de ulm, escola alemã fundada no iní-cio da década de 1950, considerada inicialmente como uma sucessão da Bauhaus e dirigida por seu ex-aluno Max Bill. “Outras eventuais influências ou iniciativas isoladas podem ter ocor-rido. Porém, não tiveram um caráter de continuidade, essencial para que se possa analisar criticamente um processo pedagógico”, analisa Sousa. “Professores e ex-alunos da Bauhaus estiveram no Brasil, porém apenas de forma particular, sem que pudes-sem exercer maiores interferências no ensino ou mesmo na formulação de conceitos pedagógicos”, completa o docente da uFRJ.
A arquitetura do Clube dos Marimbás, projeto de Lucio Costa em parceria com Gregori Warchavchik, reflete a herança do movimento modernista
FO
TO
: AN
A M
AR
IA C
OT
RIM
Bauhaus 2.0Ainda hoje, os conceitos que romp-
eram as fronteiras da cidade germâni-ca de Weimar reverberam nas mais diversas áreas – inclusive a internet. Vinicius Madureira, diretor de arte e publicitário que coordenou diver-sas equipes de criação em agências web, acredita na integração entre a Bauhaus e a rede mundial de com-putadores. Para ele, o fácil acesso à informação via internet diminuiu as disparidades e trouxe à baila um mun-do muito mais voltado para resultados em curto prazo. Por consequência, os jovens se distanciaram dos conceitos de design e arte, inclusive na hora de desenvolver sites. “Essa busca pela perfeição em tão pouco tempo tem feito muitos novos profissionais opta-rem por um caminho curto, ou seja, aprender a executar o design sem entendê-lo”, afirma Madureira. “Vemos muitos que criam com destreza, mas são simplesmente ótimos operadores de computador – que desconhecem, inclusive, os conceitos que utilizaram para criar”, completa.
Formado pela Faculdade Cásper Líbero e Webdesigner pelo Senac-SP, Frederico Antonelli faz coro a Vinícius Madureira. “Aprendemos a técnica, não a teoria. Podemos afirmar que o curso de webdesign hoje equivale ao de datilografia há alguns anos. é uma maneira fácil e rápida de conquistar um emprego”, diz. Para ele, o cenário é alarmante, pois no curso de webde-sign, ninguém pensa em mídias soci-ais. “Quem tem o know-how de progra-mação não se interessa pelo potencial comunicativo da internet. E os jornalis-tas, que são preparados para pensar a comunicação e em como transmitir uma mensagem, não sabem ou não se interessam por layouts para a web”, explica Antonelli. “Aliar webdesign à informação é essencial, é uma nova porta que se abre, mas quase nin-guém explora. Ou por preguiça, ou por distração, ou por ignorância”, conclui.
Para romper esse ciclo, Vinicius Madureira propõe a aplicação da es-tética da Bauhaus na construção das páginas virtuais. Como? “Com um layout simples e funcional. um bom exemplo é o site do tablóide inglês The Guardian”, cita. Os recursos di-sponíveis nas páginas, como barras de busca e nuvem de tags – um espaço que destaca os termos mais presentes no site – também podem ser associa-dos ao funcionalismo da escola alemã. “Essas ferramentas obedecem ao pre-ceito de que a forma deve resultar da perfeita adequação à função. O motivo de uma barra de buscas se adapta à função de procurar o conteúdo dese-jado”, esquematiza. “O problema hoje em dia é saber usar estes elementos na dose certa”, arremata.
De acordo com Madureira, o uso dos conceitos estéticos também con-fere mais identidade ao trabalho do webdesigner. Ele reforça que a Bau-haus primava em ser funcional nos projetos, e que o desenvolvimento de um produto deve reter as necessi-dades de quem irá usá-lo, sempre de forma elegante e com visual limpo. “Designers como Marcel Breuer, que desenvolveu a famosa cadeira Wassi-ly, replicada no mundo inteiro, mostram bem o que é unir a criatividade à es-tética funcional”, lembra. “Traduzir isto para a web é apenas mudar o meio, o design sempre será o mesmo, sempre será projeto, independente do lugar que estiver”, sugere o publicitário. E Frederico Antonelli complementa: “é preciso ter criatividade, sim. Mas é bom lembrar que para alcançá-la são necessários 1% de inspiração e 99% de transpiração”.
Edifício do Congresso Nacional do Brasil inaugurado em 1960 e
projetado por Oscar Niemeyer
FO
TO
: MA
RC
ELO
BA
RB
OS
A
capa
Poltrona Fusca, de Kiko Sobrino e Alessandro Jordão
Esparramados no sofáAliar beleza e conforto nem sempre é fácil. Confira os conceitos e soluções de alguns designers de móveis para conquistar o público.
Por gabriella de Lucca e Nathália Moraes
80
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
Acredito que o design tenha que gerar sensa-
ções”. A sentença é de André Cruz, designer
de móveis que sempre tenta mesclar a beleza
e o conforto em suas criações. Mas nem todos os pro-
jetos conseguem reunir um formato arrojado e confor-
to. Quem nunca bateu o olho em um sofá ou em uma
cadeira, imaginou-se na posição mais aconchegante
possível, mas, após sentar, saiu com aquela dor nas
costas? Aí está um desafio para os projetistas: acertar
na estética e no conforto que o produto proporciona.
Há quem preze o formato do móvel em detrimento à
comodidade. “Tem gente que gosta de comprar deter-
minados objetos que não trazem nenhum conforto, mas
a presença deles naquele ambiente os deixa tão satis-
feitos que isso basta”, explica o designer André Marx.
Nossa reportagem verificou para qual público estão vol-
tados os conceitos que motivam os designers e empre-
sários na hora de criar ou comercializar seus produtos.
Esparramados no sofá
“
81
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
produto
S i n E S t E S i a SAndré Cruz está no mercado
desde 1987, quando deixou a área de publicidade para trabalhar com o desenvolvimento de móveis e objetos. “Trabalhei com cinema pu-blicitário e em produtoras grandes, que tinham marcenaria própria. Por isso, sempre que eu construía um cenário, fazia também o mó-vel para ele”, conta. “Essa brinca-deira começou a virar um hobby, e logo se tornou uma profissão”, arremata Cruz. Em seu escritório, o André Cruz Design e Ideias, em Perdizes, zona oeste de São Pau-lo, ele lida com diferentes tipos de projetos, estudos de mercado, re-posicionamento de marcas e cria-ções para empresas de estofados, mobiliário e iluminação.
No quesito conforto, ele acredita que o desenho tem de gerar sensações. “Antes de você sentar em um sofá, para saber se ele é confortável, o desenho tem que passar a sensação de con-forto também. Para mim, a forma, o desenho, todo esse universo de sensações está dentro do design”, explica. “A cadeira e o sofá devem ser bonitos e confortáveis, a base de mesa tem de sustentar um tam-po mais pesado e comportar um número de cadeiras em volta”, diz.
André Cruz já deixou de lançar alguns produtos após sentir que eles não estavam prontos, por mo-tivos de conforto ou problemas na produção. “Acredito que grande parte do que projetei atingiu o equi-líbrio desejado para o lançamen-to. Se algum ficou aquém, corrigi. é claro que o ideal é muito difícil, porque você deve mesclar o custo de uma produção com o preço de venda”, justifica o moveleiro.
No momento de desenvol-ver suas criações, o designer ten-ta se isolar de informações que possam influenciar o trabalho. “Em época de criação, não leio revista, nem jornal. Não quero ter informação externa para poder trabalhar o meu interior”, diz Cruz. A informação interna a que ele se refere vem de seus cadernos de anotações e do seu dia-a-dia. “Cada vez mais, minha referência é a vida, a arquitetura, viagens. Não tenho uma referência espe-cífica, muito pelo contrário”.
Sofá e cadeira branca (acima), do Estúdio
André Cruz: ergonomia e
conforto
O a c O n c h E g O d a S a r j E t a
André Marx é formado em Fí-sica, mas trabalha com móveis desde 1987. Começou com uma oficina em sua casa e não parou mais. Sua matéria-prima básica é a madeira de demolição, mas ele também usa aço-inox e vidro para os acabamentos. Marx tem como referência o corpo feminino, ani-mais marinhos e insetos.
Para ele, há dois tipos de con-forto: o psicológico e o físico. “Tem gente que gosta de comprar deter-minados objetos que não lhes dão nenhum conforto físico, mas a pre-sença deles naquele ambiente os deixa tão satisfeitos que isso lhes basta”, explica. O designer procu-ra conciliar os dois pontos de vista, mas nem sempre alcança seu ob-jetivo, já que a madeira é um mate-rial duro e às vezes desconfortável. “Posso sentar na sarjeta, num ban-co e num sofá, mas o sofá traz mais conforto que o banco, e o banco que a sarjeta – isso na teoria. Na prática, eu posso estar muito infeliz sentado num sofá e muito feliz sentado na sarjeta, o que não significa que a sarjeta é mais confortável. Mas a mi-nha felicidade suplanta isso”, avalia. Segundo Marx, o bem estar físico varia de acordo com o momento.
Seu trabalho é voltado para ca-deiras, poltronas, espreguiçadei-ras e bancos. Todos os móveis são produzidos por ele na oficina que fica em sua casa, no bairro do Mo-rumbi, zona sul da capital paulista. “Nunca tive nenhum funcionário e espero nunca vir a ter”, afirma. Por conta disso, suas peças são feitas sempre em séries limitas, com cer-ca de doze móveis por linha. De acordo com André Marx, arrumar alguém para ajudá-lo é difícil, por-que ele trabalha com madeira ma-ciça e os marceneiros de hoje não estão acostumados a usar esse tipo de material.
Em São Paulo, três lojas vendem seus produtos: Arango, A Lot Of e Dibot. Mas as criações também che-gam a Brasília e Rio de Janeiro. “Meu objetivo é a arte utilitária, algo que o consumidor use e se sinta bem”, explica. O designer está totalmente voltado para as vendas e procura sempre trabalhar com peças lucra-tivas, mesmo que não goste tanto delas. Pé no chão, Marx é categóri-co: “cultura é muito bonito, mas não paga minhas contas”.
O banco Araribá é feito com madeira de demolição; abaixo, a cadeira Bi
FO
TO
S: D
IVu
LgA
çã
O
83
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
produto
c O n f O r t O b E m b r a S i l E i r O
Amigos há mais de 15 anos, Kiko Sobrino e Alessandro Jor-dão são formados em Artes Plásticas e cursaram, em 2000, a pós-graduação na Domus Aca-demy de Milão. Lá permanece-ram por dois anos e aprenderam com ícones da área, como Karim Rashid, Phillipe Starck e Moroso. Na mesma época, decidiram criar seu próprio estúdio, o Mãos Con-temporary Design, no Brooklin, zona sul de São Paulo. Kiko e Alessandro preferem materiais sustentáveis, mas não trabalham com madeira de demolição nem espumante inflamável. Eles gos-tam de criar com materiais sintéti-cos que possam ganhar um novo uso depois.
Para a dupla, o bom designer deve unir beleza e conforto. “Se a função é sentar, o conforto é primordial sempre”, diz Sobrino. “Como a gente trabalha com ele-mentos naturais, que existem, já possuímos uma facilidade estéti-ca. Nossas criações não partem do nada, então o mínimo que po-demos fazer é nos preocupar com o conforto do usuário”, afirmam. Sobrino acredita que o desenho industrial de hoje valoriza muito mais a beleza, sem se preocupar com a usabilidade da peça. “O design foi feito para servir o ser humano, para ser útil”, avalia.
Os amigos buscam referên-cias em viagens, temas do coti-diano e, principalmente, nos íco-nes brasileiros. Em 2004, veio a Coleção Brasil, com móveis que simbolizam grandes capitais bra-sileiras: a chaise Pão de Açúcar, em homenagem ao Rio de Janei-ro; a poltrona Capô de Fusca, que remete a São Paulo; os bancos Esplanada, com a cara de Bra-sília; os pufes e cadeiras Feijão, simbolizando a Bahia; e, final-mente, a peça Romeu e Julieta, uma ode a Belo Horizonte. Ago-ra, os designers conferem outro viés ao patriotismo. “Hoje vamos para a Europa buscar referências e depois transformamos em ele-mentos brasileiros”, contam.
Os bancos Clicquot estão estre as novas criações dos designers
A chaise Pão de Açúcar faz parte da coleção Brasil
84
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
a S S E n t O S S a u d á v E i S
Escolher móveis para escritó-rio pode ser um desafio, pois é ne-cessário considerar a ergonomia e conforto das cadeiras e mesas. Se a opção não for adequada, o corpo pode sofrer as consequên-cias, como dores crônicas na co-luna, braços e ombros – principal-mente para quem trabalha muito tempo sentado ou digitando.
Esse é o segmento que a Atec Original Design, no mercado des-de 1987, explora. A empresa é uma das distribuidoras oficiais dos produtos Herman Miller, “pio-neiros na pesquisa e desenvolvi-mento de mobília com materiais sustentáveis, design ergonômico e original”, diz João Figueira, di-retor da Atec.
uma das cadeiras comercia-lizadas é a Embody, desenvolvi-da por Jeff Weber e Bill Stumpf. O produto foi capa da revista I.D. na edição Melhores de 2008, que elegeu as criações de destaque no ano passado. “A Embody fa-cilita o fluxo de sangue pelo cor-po e ajuda a cuidar da saúde de quem passa horas em frente ao computador. Ela alinha a cabeça ao monitor e reduz a compres-são na coluna”, explica João. O assento e o encosto do modelo também se adaptam ao corpo e distribuem o peso dos usuários. A profundidade do assento pode se ajustar a diferentes comprimen-tos de pernas. Para desenvolver a peça, foram consultados cerca de 30 profissionais, entre médicos, biomecânicos e terapeutas, que ajudaram a testar as hipóteses e revisar os protótipos.
O modelo Aeron também é co-mercializado pela Atec. A cadeira foi eleita o design da década pela Sociedade Americana de Design e garante mais conforto na região lombar. Outro diferencial é o re-vestimento Pellicle, que permite a ventilação e diminui a pressão do corpo na cadeira. Precisa mais?
ARANGOpça Benedito Calixto, 42
São Paulo – SPtel. (11) 3061-5127
A LOT OF CONCEPT STORE al. Gabriel Monteiro da Silva, 256
São Paulo – SPtel. (11) 3068-8891
MãOS CONTEMPORARY ART
rua Ribeiro do Val, 1140São Paulo – SP
tel. (11) 5561-3115
E outros endereços
O n d E c O m p r a r
Aeron Chair garante mais conforto para a coluna. A esquerda, a premiada
cadeira Embody
produto
O cuteleiro Peter Hammer, que já criou peças para a minissérie A Muralha, exibida em 2000, pela TV Globo
Ferramenta ou obra de arte?
“Faca é uma ferramenta.
Quando muito bem feita,
com criatividade, é até uma obra
de arte”, explica o cuteleiro ar-
tesanal Pedro guilherme Telles
Rosa – ou Peter Hammer, pseudô-
nimo pelo qual é conhecido. Aos
39 anos e há quase duas décadas
no ramo, esse paulista de Bauru,
cidade a 345 quilômetros da capi-
tal, é um dos 200 brasileiros que
exercem a profissão.
De porte atlético, barbas e
cabelos ruivos e sempre vestido
com roupas camufladas, no me-
lhor estilo exército, Hammer é
constantemente comparado ao
boneco Falcon, da Estrela, lan-
çado em 1978. A semelhança foi
explorada, inclusive, pelo apre-
sentador Jô Soares, durante uma
entrevista ao Programa do Jô em
2002. Mas o homem com cara de
brinquedo está além da carica-
tura. Suas peças, vendidas para
colecionadores e produtores de
televisão e cinema, não passaram
batidas na minissérie A Muralha,
exibida pela rede globo em 2000.
“São facas moldadas a partir de
uma pesquisa histórica, de acor-
do com a época e com o perfil do
personagem que irá manuseá-la”,
explica. E, se alguém tem dúvidas,
“cortam e furam de verdade”.
Hammer divide os clientes em
três grupos. O maior é formado
pelos que usam as facas profissio-
nalmente, seguido pelos amado-
res (pescadores e mergulhadores,
por exemplo) e, por fim, os cole-
cionadores. Apesar de focar-se na
confecção de artigos funcionais,
o cuteleiro lembra que é comum
o público se render primeiro ao
desenho, e não a funcionalidade.
Defensor do trabalho autoral, ele
reforça que o resultado é fruto de
inspiração. “Se alguém copia seu
produto e as pessoas descobrem,
o seu nome acaba”, sentencia.
Com design de encher os olhos, as facas artesanais são desde instrumentos de trabalho para policiais até objetos de coleção
Por Samantha De Tommaso
89
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
produto
Usa-se uma placa laminada de aço, na qual se faz o desenho da faca, recortando-a em seguida. É um processo menos demorado. A maioria das facas usadas em co-zinha são recortadas. “É igual ao molde usado em costura de rou-pa”, explica Silvana. “O cuteleiro corta com serrote a chapa lamina-da, usa também lixadeira, e vai tra-balhando, dando o ângulo certo à faca”. Ao contrário do forjamento – quando a peça fica praticamente pronta a partir do molde, e é neces-sário tirar só o excesso de material – no desbaste é preciso remover bastante as rebarbas até a faca fi-car completamente limpa.
A lâmina de aço (uma combina-ção de ferro com carbono; quanto mais carbono, melhor o aço) é mol-dada a martelo em brasa, ou seja, o aço é esquentado e trabalhado ain-da quente. É um processo que exi-ge excelente habilidade do artesão. “É como brincar de massinha”, ex-plica Silvana Mouzinho. Por ser mais difícil, o processo de forja-mento é o mais valorizado entre os cuteleiros, embora não dê para per-ceber se a faca foi forjada ou des-bastada depois de pronta.
SISTEMA DE FORJAMENTO
SISTEMA DE DESBASTE
FO
TO
S: D
IVu
LgA
çã
O /
SA
MA
NT
HA
DE
TO
MM
AS
O
M u l h e r e s A f i A d A sMulher de Hammer, Marina Fa-
rão tem 42 anos, nove dedicados
à cutelaria. Afinado no casamento,
o casal difere na hora de trabalhar.
“gosto de colocar muitos detalhes.
O Peter prefere um desenho mais
limpo”, explica a artista, que criou
a sua primeira peça artesanal para
venda em 2000, em celebração
aos 500 anos do descobrimento
do Brasil. Por sinal, “uma das co-
leções mais admiradas entre todas
que fizeram para a data”, conta o
marido, orgulhoso.
O artigo comemorativo foi con-
feccionado em aço inox, com em-
punhadura de madeira pau-brasil
e o Cruzeiro do Sul desenhado na
lâmina. Cada detalhe foi escolhido
com cuidado para representar as
origens do país. Aos fins de sema-
na, viajava de Lençóis Paulistas,
onde morava, para Bauru, onde
fez o curso, só para poder trabalhar
nesta e outras peças.
A fala serena, o biotipo peque-
no e as mãos miúdas guardam o
pioneirismo de Marina, primeira
mulher a exercer o ofício no país.
Ela trabalha com o marido des-
de que se conheceram, durante
um curso ministrado por Peter
Hammer. Hoje, além do trabalho
artesanal, ela chefia a produção
das facas Wotan, fabricadas pela
empresa Corneta, sediada em
Osasco, na grande São Paulo.
Ao lado de Marina, apenas ou-
tra mulher desempenha essa arte
no Brasil: a paranaense Silvana
Delcorso Lopes Mouzinho, de 50
anos. Quando trabalhava como
secretária executiva em uma im-
portadora de facas de São Paulo,
Silvana visitou uma feira de cute-
laria e se encantou com o trabalho
de Marina Farão. Em 2002, come-
çou a produzir as próprias peças.
Na sequência, decidiu participar
do curso de Hammer. “gosto de
fazer facas pequenas, pontudas e
com cabos arredondados”, conta.
Silvana entende que facas ar-
tesanais são únicas. “Mesmo que
tentássemos criar duas peças
iguais, ou em escala, isso não se-
ria possível... Seria, quando muito,
um processo semi-industrial”, diz.
“Por isso, não tenho um catálogo.
O cliente fala o que quer e até traz
um modelo, mas o produto será
único”, arremata a cuteleira.
Marina Farão criou uma faca para o Brasil 500
Silvana Mouzinho diz que só produz peças únicas
91
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
produto
“Não existe no Brasil uma faca de me-lhor qualidade do que a Wotan em relação à dureza, resistência e funcionalidade”, conta a cuteleira Marina Farão. Wotan é o nome de uma linha de facas especiais para caça, pesca, prática de esportes, uso em comba-te e para colecionadores. Peter Hammer é o responsável pela criação, composta por três diferentes modelos e produzida pela Cutelaria Corneta, uma extinta empre-sa alemã, cuja filial continuou a funcionar no Brasil. De uma ação conjunta entre a Corneta e o Batalhão de Operações Policiais Especiais do Rio de Janeiro (Bope), surgiu
uma nova versão da Wotan 3. Com proces-so de design e fabricação reformulados, a 3K é feita em aço carbono 52100 forjado, tem ponta reforçada e pintura epóxi negra.
A corporação, depois de avaliar e sub-meter a Wotan 3K a rigorosos testes, apro-vou e elegeu essa faca como a preferida dos homens da unidade de combate. Ela é usada como ferramenta para operações es-peciais, isto é, arrombamentos, auxílio em escaladas, montagem de cargas de demo-lição, perfuração de tijolos e, como último recurso, no combate individual para garan-tir a sobrevivência.
A ExCELêNCIA DO AçO DAMASCO
92
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
O quE é uMA FACA WOTAN?
f A c A d e v A l o r , s A l á r i o n e M t A n t o
Segundo Peter Hammer, cinco
itens valorizam uma faca artesanal:
os valores enxergados pelos olhos
do comprador (qualidade de dese-
nho, acabamento e ajustes); os va-
lores invisíveis (estrutura interna e
material utilizado, não vistos a olho
nu); capacidade de corte; materiais
de valores agregados (um arabesco
especial ou um cabo de marfim de
elefante, por exemplo); e, por último,
a assinatura do artesão, que pode
conferir credibilidade ao produto.
Aliás, credibilidade seguida de
valorização é uma das reclama-
ções de Hammer e sua mulher em
relação a esse mercado. “Se exer-
cêssemos nossa profissão em ou-
tro país, não trabalharíamos tanto
e seríamos mais reconhecidos”,
reclamam. A renda fixa do casal se
resume ao salário de Marina como
chefe de produção da Corneta e
ao que o marido recebe minis-
trando aulas no Espaço-Escola de
Cutelaria Corneta. No terreno da
fábrica, o artesão tem um galpão
que funciona como oficina e es-
cola. Além disso, ambos adminis-
tram a Hammer Assessoria, que
presta apoio a outras empresas
do nicho. Já a produção das facas,
atividade que os dois preferem, é
uma renda extra. “A faca mais cara
do Brasil é de minha autoria, feita
também para a comemoração dos
500 anos, e que foi vendida por
2.500 dólares”, orgulha-se Peter,
que não acredita que feiras e as-
sociações sejam benéficas para
profissão: “Servem mais para tro-
car cartãozinho”, diverte-se.
Já a ex-pupila Silvana Mouzinho
é otimista em relação ao merca-
do brasileiro. Atualmente, dirige a
Sociedade Brasileira de Cutelaria
(SBC), organiza o Salão de Cute-
laria de São Paulo (ex-São Paulo
Knife Show e principal feira do se-
tor, existente desde 2001) e coor-
dena o grupo de discussão Conver-
sa Afiada. “gostamos de facas e de
conversar sobre isso”. Já o foco do
sósia do boneco Falcon, que não
participa muito das discussões,
está na arte em si. “O apaixonado
por facas as produz em primeira
pessoa: pensa que se o objeto não
servir para ele próprio, não vai ser-
vir para o seu cliente”, resume.
Como nada é tão afiado assim,
a arte de fazer facas conta com
um ingrediente nem sempre bem-
vindo. Para Peter Hammer, a maio-
ria dos cuteleiros, assim como ele,
tem um defeito: o prazo de entrega.
“é crônico”, brinca.
Damasco é um processo de caldeamento (fusão de peças de metal por aquecimento) de vá-rios tipos de aço, que formam uma liga extremamente valori-zada para facas. “São aços de diferentes durezas, colocados em camadas, como em uma la-sanha”, explica Silvana. Depois de aquecidos, são dobrados.
Na etapa seguinte, são cor-roídos por produtos químicos, e é aí que se forma o desenho fi-nal. Peter Hammer foi o primei-ro cuteleiro a caldear aços no Brasil, reduzindo o damasco. Ele mesmo explica que fazer um pe-queno pedaço do aço de damas-co pode levar semanas, tamanha a complexidade do processo.
CASA BAYARD ESPORTE Shopping Ibirapuera
São Paulo – SPtel. (11) 5536-4155
CuTELARIA NOVA ZuRITA rua da Carioca, nº 7 Rio de Janeiro – RJtel. (21) 2262-0229
CASA DAS MuNIçõESrua Rockefeller, 1310
Curitiba – PRtel. (41) 3334-2633
FIVELA DE OuRO rua Bueno de Paiva, 838
Paraisópolis – MGtel. (35) 3651-1638
o n d e c o M p r A r
A ExCELêNCIA DO AçO DAMASCO
produto
Humberto, à esquerda e Fernando
Irmãos
FO
TO
S: R
AFA
EL
DE
Qu
EIR
OS
CoragemNa contramão
do design seriado, Fernando e Humberto Campana apostam
no trabalho autoral e na
mistura de tendências
Por gabriella de Lucca e Nathália Moraes
entrevista
Fernando é mais alto que Humberto, muito
extrovertido e falante. O irmão é o seu opos-
to, mais introspectivo e com a fala sempre
objetiva. Já é possível ver nele algumas
marcas da idade e o cabelo grisalho não
o deixa esconder seus 56 anos, ante 48 do caçula. Em
comum, eles guardam a sintonia de ideias e ideais.
Conhecidos internacionalmente, os irmãos Cam-
pana cresceram em Brotas, no interior de São Paulo.
O Estúdio Campana surgiu há 21 anos. Humberto,
formado em Direito, criava peças, objetos e algum
mobiliário. Fernando, arquiteto, foi trabalhar com o ir-
mão. A primeira exposição aconteceu em 1989 e foi
batizada de Des-Confortáveis, mas não teve grande
repercussão. Depois de passarem por tempos difíceis,
veio a recompensa. Em 1998, fizeram uma exposição
no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMa),
com curadoria de Paola Antonelli, que os lançou para
o mundo. Neste ano, expuseram seu “Jardim de In-
fância” no Museu de Arte Moderna de São Paulo, en-
tre julho e setembro e também assinaram o figurino e
cenário do espetáculo de dança Metamorfoses, exe-
cutado pelo Ballet National de Marseille em outubro.
Mais do que talento, eles tiveram coragem. Enquan-
to o design internacional caminhava para a industriali-
zação, Fernando e Humberto seguiram em outra ver-
tente. Resgataram o trabalho artesanal, teceram novas
superfícies e valorizaram materiais considerados lixo.
Poltrona Banquete Panda
FO
TO
S: D
IVu
LgA
çã
O
Os Campana tornaram-se populares no Brasil após assinarem coleções para a Melissa
O Fernando é arquiteto, profissão mais próxima ao design, mas o Humberto
é advogado. Quando vocês começaram a traba-lhar juntos?
HC A profissão chegou até a gente. Nunca pensei em ser designer, queria
ser escultor. Um dia, o Fernando veio me ajudar no meu estúdio, que era de escultura e peças de cerâmica, cestaria. Aí ele ficou até hoje.
FC Acho engraçado porque não teve nenhum programa, nenhuma
estratégia. Fui lá para fazer entrega da parte de cerâmica para lojas de presente, fazer nota fiscal e colar concha nos espelhos que ele fazia [risos]. Acho bacana isso. E até hoje acontece assim, a gente não programa “vamos fazer uma cadeira assim ou assado”. Tem um fluxo que nos leva a fazer um determinado tipo de trabalho ou outro, como trabalhar com sapato ou fazer uma cura-doria. Na nossa primeira exposição, a intenção não era ser comercial, vendável. A gente até chamou de Des-Confortáveis e foi numa galeria que também trabalhava com móveis, na Vila Ma-dalena. Era um lugar totalmente fora de circuito para a época, 1989. Tudo isso foi acontecendo e a gente foi vendo que aquilo tinha uma liga-ção, uma coerência com o que queríamos fazer. A carreira de designer veio ao nosso encontro, mais do que nós a procuramos.
Como vocês começam um processo de criação?
HC Vamos conversando, ou a gente tem uma ideia e o outro termina.
HF Hoje em dia vem muito através de briefing também. Um museu pede
uma curadoria ou a Grendene pede um sapato, por exemplo. Mas existem trabalhos que cor-rem em paralelo. O Humberto tem um hábito de pensar determinado número de materiais e começar a trabalhar. Com isso discutimos e vão surgindo objetos, mas muitas vezes o que era para nascer cadeira nasce luminária ou cres-ce mesa...isso é que é bacana. Não definimos “vamos fazer cadeira hoje”. Primeiro, deixamos o material se revelar, para que depois a gente tenha condições de trabalhar um móvel ou uma luminária ou uma escultura.
Vocês costumam discutir juntos ou cada um dá uma ideia?
HC Discutimos juntos.
FC E é até fácil, porque a gente “viaja” muito junto. Mas hoje, adotamos um
vocabulário de ideias e formas que vamos só transpondo. Às vezes, surge alguma coisa de uma conversa informal. Uma visita ao museu, um espaço, um parque.
Qual linha de trabalho vocês seguem? Como se retratam?
HC Somos designers. Fazemos pontes entre várias disciplinas. Hoje, o design
abrange outras disciplinas como moda, arte, arquitetura. Este é o século de rompimento de fronteiras e não de limitação. Tudo que me inte-ressa relativo a criar significa liberdade. Quando deixei advocacia, queria ser livre, não queria ter patrão, queria viver da minha criação. Para mim, tudo o que é desafio é válido.
FC É um design investigativo, de buscar novas fontes, novas ideias. Às vezes,
elas até vem em um estado mais bruto e não in-dustrializado. Daí temos a paciência de esperar que a técnica e certos processos se desenvol-vam com mais tecnologia ou métodos para que essas peças se tornem industriais e seriadas. Al-gumas peças ficam no limite da escala do ateliê. São séries limitadas. O importante é o trabalho ter nossa alma, nosso conceito. Elas [as peças] têm um poder de comunicar mais forte. Quando não tem isso, nem interessa. Mesmo que seja fazer um carro novo, se não é o carro que a gente pensaria, se é só mudar a lanterna, já não é o que nos interessa. Não temos o tesão de fazer essas coisas, só mudar uma vírgula.
e n t r e v I s t a
99
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
entrevista
HC Queremos sempre trazer algo novo.
FC Inverter processos, subverter. A ideia de para quê o material veio. A man-
gueira de aguar jardim, por exemplo, vem com uma determinada função, mas a gente começou a ver uma outra, que é sentar. Então se tornou o plástico de uma cadeira, que produz uma textu-ra. Uma máquina não conseguiria fazer aquilo.
Então a escolha do material começa do zero?
HC Do zero. Às vezes, a forma vem primeiro que o material.
FC É, a forma primeiro e depois a função. Se a gente começar a trabalhar pela
função, vamos ser matemáticos demais e não vai ter a poesia. Não nos prendemos a isso. Deixamos por último o lado mais técnico, mais funcional, para poder trabalhar o conceito, a forma, cor, textura. Uma das características do nosso trabalho é falar alto, depois a gente vai limpando.
Tem algum material pelo qual vocês tenham preferência ou acham melhor
de trabalhar?
HC Estou adorando trabalhar com fibras, vime. É um material que eu acho a cara
do Brasil, do nosso clima. Couro também.
FC Cerâmica também é legal. Mas eu acho que todos nos interessam, desde que
não tenham uma limitação. Para citar um briefing de exemplo: o plástico da Melissa não é o melhor para se trabalhar. Mas eles tiveram a intenção de nos deixar colocar o máximo de PVC reciclável dentro de um calçado: 30%. A gente também está numa outra ponta, com fibras naturais, que é to-talmente contra esse processo. Quisemos mostrar que o PVC é eternamente reciclável. O problema do plástico é ser colocado na natureza sem nenhum outro fim. Mas a primeira coleção nós fizemos quase sem pensar na questão da reciclagem.
Vocês costumam dar preferência para o uso de materiais recicláveis?
FC Sim, mas no início não foi assim. Era o design da escassez. A gente não ti-
nha dinheiro para fazer uma peça de determina-do material, então fomos buscar o que tinha de similar no mercado.
HC A gente só não queria trabalhar com as madeiras nobres, mogno, jacaran-
dá. Teve uma época que trabalhar com jacarandá era sinônimo de design brasileiro. Essa estrada a gente não quis trilhar.
FC Hoje em dia, é óbvio, tem que ter uma escolha para uma matéria ou
um processo que demande menos emissão de carbono. Também tem o que a gente chama de ecologia social. Na verdade, o que nós fazemos é humanizar a produção. Ao invés de só colocar uma máquina e um botão, colocamos dez pes-soas trabalhando. Isso resgata a auto-estima de muita gente. Tem muito vimeiro que trabalha com palha que começa a ficar alcoólatra porque não tem oportunidade. Falta valorização do trabalho. E isso a gente está pouco a pouco resgatando. Muitos dos nossos móveis são feitos à mão, não tem nenhum que seja uma máquina só fazendo.
HC É o slow design.
Vocês citaram a Melissa e algumas condições do briefing. Como é traba-
lhar com uma marca? A empresa dá liberdade?
HC Nosso trabalho tem uma peculiaridade de questionamento. Quem chega até
nós já sabe com quem vai lidar. Não vai querer uma coisa racionalista, toda matemática.
FC Primeiro que a gente nem vai desenvolver. Mesmo colocando o
maximalismo, tentamos entender o processo da empresa para dar esse caráter à produção. Quando a gente vai trabalhar na Itália, com o Alessi ou com a Edra [indústrias de móveis], te-mos mais diálogo do que outros designers com a produção. Já temos esse treino aqui no estúdio. Acho uma vantagem. Enquanto muitos designers trabalham só no computador, no bidimensional, a gente vai na escala 1x1 direto. Isso nos dá uma possibilidade de diálogo com o técnico, com o dono da empresa ou até com o cara que vai aper-tar o parafuso, porque a gente sabe como apertar esse parafuso.
Os irmãos desenvolveram para a marca francesa Lacoste esta edição limitada de 12 camisas, bordadas somente com o logo, que lembra a renda do Nordeste
Cadeiras Harumaki
Isso é bom, porque vocês participam de todo o processo.
HC Temos uma base. Comecei do nada, fazendo espelho de conchas. Apren-
di tudo, desde nota fiscal, entregas, embalar. Eu e o Fernando sabemos como funciona todo o processo.
FC Tem transportadora que pergunta “como eu ponho isso no caminhão?”.
Até isso a gente tem que saber. Como embalar, como divulgar, como colocar numa vitrine, ex-por. Isso é importante. Hoje em dia, muitos de-signers pensam que essa é a profissão da moda. Você sai, bota uma roupa bonita e uns óculos [risos], tem um carro bacana e pronto: “sou de-signer”. Não é tão assim, mas acho que depende do que cada um quer para si.
Vocês participaram do Salão de Milão deste ano. Isso repercute no trabalho?
HC A Itália abre um mercado pro mundo. Costumam chegar mais convites para
fazer uma exposição, uma mostra, uma ceno-grafia de teatro. Abre portas.
FC A Itália e o Salão de Milão, quando trazem um lançamento, não é para
vender na semana que vem, nem daqui a 15 dias. É para um ano. É um timing diferente do Brasil. Acho que tem tudo aqui, criatividade, mão-de-obra, maquinário, mas não existe uma razão de fazer. Não dá tempo de maturar o projeto ou de informar bem, fazer a opinião do público. Primei-ro começa com a mídia, depois as lojas que vão expor de uma determinada forma na vitrine. De-
mora dois anos para vender. Isso no Brasil não existe, essa persistência de esperar o projeto ficar maduro. Geralmente, o que se lança é uma ideia, um conceito, um protótipo. A gente joga num sa-lão para ver qual é a reação do público, e mesmo que ela seja negativa, eles vão mandar melhorar o projeto, revê-lo, para que tenha uma aceitação. E a gente aprende muito com isso. A cadeira Ver-melha, por exemplo, foi projetada em 1993 e só em 1997 entrou em produção industrial. A cadei-ra Favela é de 1990 e só saiu em 2003. Então, mais paciência do que essa [risos]...não existe. Tem que ter tempo para pensar coisas que sejam mais vendáveis e digestíveis.
Vocês se preocupam em agradar o mercado?
HC Tem peças que são sementes para outras que vão ser mais aceitas.
Não descarto quando um trabalho não dá cer-to, que não vai vender, porque nesse processo vou aprender muito e ganhar maturidade para, mais tarde, voltar nele com um olhar mais apu-rado, sofisticado.
FC Acho que a função do design é atingir o maior número de pessoas. É dife-
rente das artes plásticas, em que há restrição a um tipo de público, ou é uma crítica a um deter-minado comportamento ou situação, um teste-munho de uma época. O design pode fazer isso e ainda levar função. Hoje, acho que é um ins-trumento de comunicação também, porque ele vai - de uma forma muito mais rápida que uma obra de arte - entrar na casa de alguém e come-çar a falar com aquela residência, com aquele público diferente. Você vê pelas exposições de design, como elas têm muito mais público, lei-go mesmo. O design é imediato. Gosto ou não gosto. Nós podemos trabalhar nas duas pontes, tanto fazendo um manifesto através das nossas peças quanto torná-lo comercial e estar na casa de mais pessoas.
Feita de cordas trançadas, a cadeira Vermelha, lançou os designers para o mundo e faz parte do acervo do MoMa
A sobreposição dos pedaços de madeira na cadeira Favela é baseada nas formas dos barracos
101
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
entrevista
Sofá Sushi
O design brasileiro está ganhando reconhecimento lá fora?
HC Sim. Atualmente, tem criadores brasileiros, alguns moram na Europa,
que estão conquistando espaço.
FC Existe uma enorme procura por design brasileiro. Todo mundo está sempre nos
perguntando o que tem de novo, o que está sur-gindo. O que falta um pouco no Brasil são as esco-las darem mais poesia e liberdade. Toda a escola brasileira forma o profissional para ser industrial, para fazer carro.
HC Deveriam focar para outros aspectos, como o artesanato. O Brasil é rico
nisso. A maioria das pessoas veem como uma coisa inferior.
FC Falta isso para indústria do mobiliário. Por exemplo, o Rio Grande do Sul, se
tivesse mais propostas com desafio, conceito, provavelmente poderia até mudar o processo das empresas que copiam os móveis italianos.
HC O design brasileiro está muito ainda preso aos conceitos modernistas. Isso
me choca. As pessoas às vezes duvidam do nos-so trabalho, eu vejo matérias. Eles se pergun-tam: “será que eles são designers?” [risos].
FC Fazemos todas essas loucuras mas não somos designers. Estamos só brin-
cando. Chamam para dar um tom na festa só. A manualidade não está presente no país. É um ra. As pessoas não consideram a habilidade artesanal. Computador, botão, máquina, isso sim é conside-rado. E não é por aí. O que fazemos também é tra-balhar numa linha muito tênue entre o kitsch e o regionalista. Poderia ficar horrível, até pode. Tem coisas que ficam horríveis mesmo, mas a gente tenta rever e não abortar o projeto. Ele pode ser kitsch e folclórico, popular, sem nenhuma inda-gação, com uma outra linguagem. A renda é uma coisa bacana. O [Renato] Imbroise faz isso, de combinar materiais diferentes. Nós fizemos isso com o vime. O tecedor está acostumado com um padrão de trama, a gente fez com que ele tivesse caroço, tecesse com outros materiais, mas sem deixar que ele perdesse a noção do que está fa-zendo. No começo eles se assustam. Depois, têm mais amor pelo que estão fazendo.
Quais são os projetos que estão em andamento agora?
FC A gente lançou em junho uma edição limitada para a Lacoste, na França. São
três tipos de edição de camisas pólo: uma é espe-cial, que vai para todas as lojas, outra vai só paras lojas conceituais e a terceira é super limitada, tem somente 12 masculinas e 12 femininas. A gente pensou na renda e fez uma pólo só com o logo do jacaré. Você olha e parece uma renda do Ceará. Tem certas coisas que até valorizam o processo. Todo mundo que olhava em Paris dizia “nossa, isso parece renda brasileira”. Mas o processo foi manual, as camisas foram uma a uma costuradas. Tem também a exposição do Vitra Design Museum que vai viajar durante cinco anos por todo o plane-ta e vem para o Brasil.
HC Tem também o hotel em Atenas, um projeto que já dura dois anos. É
de arquitetura de interiores. A gente criou um workshop com estudantes de arquitetura de lá, para eles reprojetarem os móveis. É um hotel an-tigo, então estamos tentando reprocessar tudo o que tem dentro, não jogar nada fora, principalmen-te os móveis. O nosso trabalho é muito alta-cos-tura, alfaiataria, então precisamos ter gente que entenda. Eles fizeram dentro do hotel uma escola.
Cadeira Café
FC Eles sugerem tudo. Qual vai ser o talher, o prato. Pensar a cultura grega contemporânea e não só a antiga. Era um hotel dos anos
1960, que foi fechado, e depois comprado por esse cara que nos chamou. Ele só pediu que não colocássemos o prédio abaixo, por ser um edifício de seis andares, no centro de Atenas, mas o resto a gente tem liberdade. Nossa maior preocupação foi isso, não pegar o que estava dentro, jogar fora e comprar um novo. Tinha muita coisa de mármore também, mas com racha-dura por causa de terremoto. A gente decidiu polir, limpar e manter aquilo. São cicatrizes de arquitetura.
HC O dono do hotel queria que fosse direcionado mais para o emocional. A gente queria um hotel mais ecológico, mas tivemos
que mudar. Estamos usando plástico por exigência dele, que é um dos maio-res colecionadores de arte contemporânea do mundo e tem um em casa. Fa-lou que queria um hotel arte.
FC E para negócio ainda, porque é no centro de Atenas. A gente está montando uns painéis que são favela. Tudo quanto é móvel antigo a
gente recortou e está recolocando nessas paredes, tem até pedaço de cama. Deve ficar pronto no ano que vem. A crise atrasou um pouco o ritmo da obra. Pra gente é melhor, porque podemos testar mais, só que trabalhamos mais do que foi proposto. Isso mostra que ele tem confiança na gente. Eu não queria fazer um projeto de arquitetura, mesmo depois de 28 anos de forma-do. E a gente aceitou nessa condição de trabalhar como se fosse alfaiataria, alta-costura. Porque arquitetura demora. O Humberto já enjoou do projeto. Eu disse “ah, você vai enjoar dez vezes até ficar pronto”, porque é isso, fazer aos poucos, rever. É diferente do móvel. Estamos acostumados a fazer protó-tipos lá no estúdio e, de repente, já temos uma série de cadeiras do jeito que queremos, na hora que queremos, mesmo que não seja com o material e o acabamento, mas a gente tem o visual daquilo. Lá não, ficamos rabiscando no papel como vai ser, sem ter a dimensão.
Hoje em dia, muitos
designers pensam que
essa é a profissão da
moda. Você sai, bota
uma roupa bonita e uns
óculos [risos], tem um
carro bacana e pronto:
sou designer.
103
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
O jeito meigo e recatado esconde uma moça
tagarela, curiosa e com muita vontade de tra-
balhar. Entre os vícios, usar a palavra “tipo”.
A garota não aparenta a idade que tem, parece mais
nova, e com trejeitos delicados consegue fazer com
que qualquer um sinta-se em casa. Os cabelos cache-
ados e castanhos, a pele clara, o corpo magro, a baixa
estatura e o ar de criança denunciam que as roupas
cheias de mimo, que levam seu nome, só podiam mes-
mo ter sido criadas por ela. Tudo faz parte desse gran-
de pacote menina-mulher que é Karin Feller.
Aos 22 anos, a designer e ilustradora é uma das
mais novas apostas da moda brasileira. Ela mora no
Sumarezinho, zona oeste de São Paulo, num aparta-
mento aconchegante com os pais e irmãos. À porta,
o capacho já mostra a delicadeza da família: em for-
mato de flor rosa, ele recebe os convidados, sobre
uma inscrição em madeira que contém o nome do
clã, “Feller”. Seu quarto, todo em tons de rosa, possui
no mural diversas imagens de referência. Entre eles,
uma foto com looks mais ousados e recados escritos
à mão com canetas coloridas. Suas criações chamam
a atenção pelo visual despojado, à la street, e os vo-
lumes. Detalhes suaves e femininos, como drapeados
e babados, e a brincadeira com materiais inusitados,
como clipes de papel, também são exemplos de suas
marcas registradas. Nas figuras e desenhos que pro-
duz em fluxo constante, o toque feminino dá o tom.
Como uma menina que passava as tardes desenhando encontrou na moda a sua vocação
B onequinha de luxo
Por Mariana Pasini e Nathália Moraes
104
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
Karin é assistente de estilo
da designer de moda carioca Ju-
liana Jabour, que é toda elogios
para a jovem. A pupila afirma ter
total liberdade para apresentar
ideias novas à estilista consa-
grada ou mesmo recriar suas
peças antigas. Para aguentar o
dia-a-dia maluco e conciliar as
criações próprias com a assis-
tência à Jabour, a jovem estilis-
ta tem a sua receita: “Força de
vontade, disciplina, organiza-
ção, garra e coragem. Tem que
ter lista de coisas para fazer no
dia e não pode deixar nada para
depois”. Mesmo sendo difícil,
vale a pena, ela garante.
Por isso, sempre anda com
um caderno de anotações. “Se
deixar escapar uma ideia, você
não lembra mais. Tem que ficar
rabiscando e depois pegar to-
dos aqueles rabiscos e organi-
zar”, aconselha. Desenhar, para
ela, sempre foi uma atividade
divertida e espontânea. “O tema
da coleção sempre surge para
mim, nunca tenho que pensar
muito. Escuto uma música, vejo
alguma coisa nova, e pronto,
está aí o tema”, ela explica.
Karin Feller é assistente da estilista Juliana Jabour
FO
TO
S: L
uIS
A S
AN
TO
SA
moda
Karin deixou Tel Aviv, em Isra-
el, onde nasceu, aos 9 anos. Veio
para o Rio Grande do Sul e de lá
para São Paulo. Sua convivên-
cia em família sempre foi ótima:
“Eu era a irmã que mima e que
cuida”, conta. Com um pé nas
artes desde criança, ela assus-
tou seus pais quando decidiu ser
desenhista de rua. A família não
aprovou totalmente a tendência
da filha para esse ramo artístico
e procurou direcioná-la para uma
profissão menos arriscada. Foi
assim que Karin encontrou sua
vocação na moda.
Formada pela Faculdade Santa
Marcelina em 2008, no mesmo ano
ganhou destaque na 23ª Casa de
Criadores, evento anual que traz o
que há de novo no circuito alterna-
tivo de moda. Seu projeto de con-
clusão de curso, inspirado na teo-
ria do caos, rendeu-lhe o prêmio
máximo na 1ª edição do concurso
Ponto Zero, que divulga o trabalho
de designers em início de carreira,
ainda estudantes. A sensação da
vitória? “Incrível! Foi tipo, pronto,
Karin, agora você entrou no rio,
tem que nadar!”, brinca.
Para o verão de 2010, Karin
apostou na textura de São Paulo
como mote inspirador. Na coleção
apresentada na Casa de Criado-
res deste ano, a estrutura da ci-
dade apareceu em estampas, for-
mas e tie-dye, colorida em tons
claros e delicados, como rosa e
laranja. Fugindo do óbvio – “quan-
do é literal, perde a graça”- Karin
sabia o efeito que queria causar
no público: “Você olha para aquilo
e fala, nossa, de onde veio?”.
Ansiedade não é palavra dis-
tante de seu vocabulário cotidiano.
“Dá também um pouco de medo,
mas sou jovem. Se errar, ainda dá
tempo de consertar”, afirma. Re-
cém-saída do mundo adolescente,
já com um pé na vida adulta, Karin
tem uma visão madura do merca-
do. “A concorrência está crescendo
muito. Só ‘bom’ não serve, só ‘ta-
lento’ não adianta. Tem que ter vi-
são e pensar em negócio, ter o pé
no chão e ir devagar”, enumera. A
moça acredita que o mundo tende
a cada vez mais ser atraído pelas
criações dos designers brasileiros.
Hoje, a jovem estilista busca
inspiração para seu próximo des-
file no tema das bonecas russas,
trabalho que sempre adiou, mas
que agora vem com força total.
Quais serão as estampas e mo-
tivos que devem surgir da cabeça
de Karin Feller? O público desco-
brirá na 26ª edição da Casa de
Criadores, de 17 a 27 de novem-
bro, que mostrará a coleção outo-
no-inverno 2010. Mas para chegar
lá, bem como ao reconhecimento
pleno, uma coisa é certa: a estilis-
ta ainda terá muito trabalho.
Escuto uma música,
vejo alguma coisa
nova, e pronto, está aí
o tema [da coleção]
106
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
moda
Na contramão do mercado mundial de luxo – que em 2009 pode
sofrer uma recessão de até 4% segundo a consultoria Eurostat
e o banco JP Morgan – o Brasil segue otimista. Lá fora, o setor
joalheiro, que anualmente movimenta 15 bilhões de dólares, já sentiu os
efeitos da crise. Detentor de marcas como Montblanc e Cartier, o conglo-
merado suíço Richemont anunciou uma queda de 12% nas vendas no
último trimestre do ano passado.
Em terras tupiniquins, as exportações do setor joalheiro rendem cerca
de 100 milhões de dólares por ano. Fomentado pela riqueza em matérias-
primas e pelos investimentos na especialização de ourives, o mercado de
joias e bijouterias no Brasil quer ousar não só na forma dos produtos, mas
nas estratégias para se manter firme no segmento.
Ainda com participação tímida no PIB do país, o mercado de joias, bijuterias e folheados cresce a passos largos e fortalece a identidade brasileira no cenário mundial
A mArcA BrAsil
Por Geoffrey Scarmelote
108
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
NEM TuDO O QuE RELuZ...O nicho de bijuterias e folheados
não integra o mercado de luxo. Ape-
sar disso, movimenta cerca de 220
milhões de dólares por ano e gera
mais de 200 mil empregos diretos
no país – cujo Produto Interno Bru-
to (PIB) está na casa dos 2 trilhões
de reais. uma participação ainda
pequena para a empresária Vera
Masi, diretora-executiva da Bijoias,
o maior evento do setor na América
Latina. “Estamos nadando de bra-
çada. Na última edição da feira, em
agosto, registramos um crescimen-
to de 26% em relação ao mesmo
período do ano passado”, comenta.
“Diante dessa alta, aguardamos um
aquecimento de 35% para a pró-
xima edição, que acontece nesse
mês”, completa Masi.
Criada em 1990, paralela a
Feira Internacional da Indústria
Têxtil (Fenit), a Bijoias foi inspira-
da na Semana de Moda de Paris,
onde, simultaneamente aos des-
files, aconteciam também os lan-
çamentos em bijuterias e aces-
sórios. Hoje, há de se ressaltar,
o terreno está mais arado do que
há duas décadas. um dos moti-
vos é a difusão do mercado e a
formação de novos profissionais,
voltados aos conceitos de moda.
“Há 20 anos, era impossível ima-
ginar um curso de design de joias.
Hoje, conseguimos manter um
núcleo de extensão só para essa
área”, conta Andréa Tibery, dese-
nhista industrial e professora da
universidade de Brasília (unB).
“Antes, a ourivesaria apenas in-
tegrava a grade do curso de De-
senho Industrial. O interesse dos
alunos pela área despontou com o
fortalecimento da moda no país”,
explica Tibery.
Na unB, o departamento de
Desenho Industrial e o Laboratório
de Joias, coordenado por Tibery,
oferecem cursos semestrais nas
áreas de pesquisa e extensão em
Joalheria Básica e Desenho Téc-
nico de Joias. Nas aulas, o discen-
te tem contato com os metais, pro-
cessos de laminação e fundição e
representação de projetos até a
execução final da peça.
A Mirácolo, de Presidente Prudente/SP, explora pérolas e pedras naturais em sua ampla linha de colares. Destaque para os modelos clássicos, feitos com pérolas de água doce, com tamanhos que vão de 0,45m a 1,60m. Aliás, as pérolas cultivadas em água doce vêm, em sua maioria, dos lagos e rios da China. Elas têm formato assimétrico, brilho médio e alto e podem ser brancas ou ter sombreado rosa ou vermelho claro.
Peça da coleção Canaã, de Adriana Bragança
moda
A grife Franco George, Uberlândia/MG, está sintonizada aos apelos das mulheres em total sintonia com a moda. Para a próxima temporada, aguarde brincos poderosos, com pérolas e cristais, aliados às cores quentes.
A mistura do vintage com o futurista dá vida à nova coleção da Euro Relógios. De um lado, o ar retrô que traz a tona recordações clássicas e atemporais. De outro, construções arquitetônicas e formas geométricas mostram um design único e totalmente novo, tal qual apontam as tendências da temporada.
110
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
MADE IN BRAZILMercado aquecido, profissio-
nais especializados e fartura em
materiais são elementos que for-
talecem o design brasileiro no
mercado externo de acessórios.
Mas o principal ingrediente dessa
equação está na ousadia de nos-
sos profissionais. “Embora a moda
siga um comportamento mundial,
o brasileiro tem muita criatividade,
sempre busca materiais alternati-
vos e explora diferentes técnicas
artesanais”, defende Vera Masi.
“Aqui, transformam até mesmo
folhas caídas e escorpiões em
joias. O brasileiro extrapola as
diretrizes das tendências e
simplesmente cria.”
Adriana Bragança está nes-
se time. A designer carioca tem
entre suas clientes celebridades
como as apresentadoras Xuxa
e Ana Maria Braga e as atrizes
Juliana Paes, Deborah Secco e
Rosa Maria Murtinho. Apesar da
clientela estelar, Adriana mantém
a humildade. “O segredo é o mes-
mo de qualquer outro negócio:
diversificar, buscar sempre algo
diferente”, conta. “Gosto de tra-
balhar com pedras únicas, como
lodolita, rutílo, cocochonita e la-
bradolita, que já tem consigo a
exclusividade”, arremata a desig-
ner, que estudou moda nos Esta-
dos unidos.
O brasileiro
extrapola as
diretrizes das
tendências e
simplesmente cria
Adriana Bragança com o ator Eriberto Leão e, ao lado, com Rosamaria Murtinho
moda
O CAMINHO DAS PEDRASDurante a criação, Adriana pre-
fere que as próprias pedras indi-
quem a forma, de modo intuitivo,
sem uma concepção prévia do
produto final. E por falar em cami-
nho das pedras, foi um momento
de dificuldade financeira que a le-
vou para as bijuterias. “Em uma
fase muito difícil da minha vida,
meu marido, empresário, foi para
o Japão e me deixou uma reserva
em dinheiro. Com ela, comprei os
primeiros materiais”, relata.
O brilho nos olhos e o sorriso
estampado no rosto não deixam
escapar o prazer que essa cario-
ca da gema tem no que faz. “O
sucesso é só a consequência de
um bom trabalho, fui muito aben-
çoada!”. O novo catálogo foi ba-
tizado para expressar essa grati-
dão: Canaã, a terra prometida por
Deus no Antigo Testamento.
FO
TO
S: D
IVu
LGA
çã
O
O Brasil é a inspiração das criações da carioca Adriana
Colares, pulseiras e aneis bem coloridos, para alegrar o look feminino e ressaltar o visual das mulheres modernas. Essa é a aposta da Philipines, que juntou miçangas e contas às pedrarias artesanais e pulseiras de madeira e de resina, como nesse conjunto, em ametista.
FuTuRO BRILHANTE?A previsão para o setor de aces-
sórios genuinamente brasileiros é
otimista. Vera Masi explica que
esse nicho não tem limites para
crescer, pois mexe com a vaida-
de feminina e masculina. “Nossos
designers são criativos e ousados,
se inspiram na flora e fauna brasi-
leiras, que são únicas. Nosso povo
é alegre e extrovertido e encanta
todo o mundo. Tudo isso cria uma
situação bastante favorável aos
nossos produtos”, afirma a empre-
sária, entusiasmada.
Mas o diagnóstico não vem só
do ufanismo. “Com a retração da
economia, bijuterias e acessórios
são mimos acessíveis, além de fa-
zerem bem ao ego feminino”, es-
miúça a empresária. “Além disso,
a confecção de acessórios se tor-
na fonte de renda alternativa para
muitos trabalhadores que tiveram
seus rendimentos comprometidos
com a crise”, completa.
A grife Piu Bella traz novidades com modelagens mais leves. Aneis, colares e pulseiras de aço escovado chegam ao país com banhos diferenciados, como o Ionizado, o banho Brown e o banho em dourado, que conferem sofisticação às peças. Além disso, os produtos são hipoalergênicos.
113
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
moda
“Minha v id a é uma montanh a - russa”
A designer gráfica Fabiana Daniel acredita na renovação e aposta na ousadia para se manter no mercado
Por Geoffrey Scarmelote
A porta do guarda-roupa, forrada por
cartões postais e cards promorcio-
nais, e os cartazes de filmes antigos
espalhados pelo escritório dão a pista: ali
mora uma designer. Aos 22 anos e egressa
da Faculdade de Belas Artes, a paulistana
Fabiana Daniel vive com a família no bairro
da Penha, zona leste da capital.
Técnica em Publicidade pela Fundação
Escola de Comércio Álvares Penteado,
“Fabi”, como é chamada pelos familiares
e amigos, entrou em contato com as fer-
ramentas de editoração logo cedo. “Aos
14 anos, fui apresentada ao bom e velho
Corel Draw, e meu interesse por diagrama-
ção e tratamento de imagens foi desperta-
do”, comenta. Para o Trabalho de Conclusão
do Curso Técnico, ela criou uma agência
de comunicação integrada e executou uma
campanha de marketing direto, com mais
de 30 peças publicitárias, para a rede va-
rejista Magazine Luiza. “Foi uma correria,
era muito nova e o nível de exigência do
colégio era o mesmo para alunos de En-
sino Superior”, lembra. “Mas valeu a pena,
porque ali percebi de fato o quanto queria
ser uma designer”, diz a moça, que ficou
responsável pela parte gráfica do projeto.
“Minha v id a é uma montanh a - russa”
FO
TO
: SX
C.H
u
117
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
PoRTFÓLIo
Ainda durante o Ensino Médio,
começou a trabalhar como ope-
radora de atendimento no Núcleo
Brasileiro de Estágios – Nube. Foi
o primeiro passo de uma carreira de
quase sete anos dentro da empresa,
onde está até hoje. “Pouco depois
de iniciar a faculdade, em fevereiro
de 2005, fui promovida ao setor de
comunicação”, explica.
Lá, Fabiana participou de diver-
sos projetos. “Tive a oportunidade
de acompanhar a modernização do
logotipo, a mudança de identidade
visual e hoje coordeno toda a área
de criação e desenvolvimento de ma-
teriais institucionais e de vendas da
empresa”, enumera. No desenvolvi-
mento dessas atividades, a designer
conta com ferramentas como Adobe
Illustrator e Adobe Photoshop. Seus
referenciais teóricos vêm de profis-
sionais como Jinyoung Shin, Vanyam
James Jean, David Carson, Paula
Scher, Sagmeister, Paul Rand e Ne-
ville Brody. Mas ela enfatiza: “cos-
tumo caminhar na contramão das
faculdades e teorias, que buscam
um design moldado, sem persona-
lidade própria. Meus jobs respeitam
a cultura das empresas e a identida-
de visual dos clientes com os quais
trabalho, mas sempre tento inserir
um ‘temperinho’ meu nas coisas.
Isso faz com que o resultado tenha
um pouco do meu sangue criativo”.
Além do Nube, ela trabalha com ou-
tras empresas, como freelancer, que
“funcionam como um exercício para
não cair na rotina”.
[os freelances]
funcionam
como um
exercício
para não cair
na rotina“Minha vida é um
a m o n t anha-russa”
118
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
Cartaz criado pela designer
“Minha vida é uma
m o n t anha-russa”
PoRTFÓLIo
Trabalhos feitos por Fabiana
o debate sobre
qualquer tipo
de design é um
pouco de mim
também
“Mi n h a v i d a é u m a
mon t a n h a - r u s s a ”
120
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
estágiosSaber
Para se manter no segmento, cultiva uma
visão ousada. “Para mim, o design é simples,
objetivo e não requer reflexão e sim interpreta-
ção, ou seja, o debate sobre o qualquer tipo de
design é um pouco de mim também”, explica.
“Há muitas oportunidades e quem é competen-
te e persiste acha espaço em qualquer merca-
do. A área tem crescido no Brasil e espero que
continue crescendo com o valor do desenho”,
acrescenta Fabiana.
Para o futuro, sonhos e realidade se misturam
em uma atmosfera repleta de cores e formas.
“Costumo dizer que minha vida é uma verdadeira
montanha-russa! Todos os dias, acordo com uma
maneira diferente de pensar e agir. Talvez isso
seja um reflexo do meu trabalho, pois sempre te-
nho projetos diferentes para realizar e aprendo
todos os dias”, sentencia. “Meu sonho sempre foi
trabalhar em uma gráfica. Adoro cores e gosto
de ver a magia acontecer. Mas o dinamismo de
uma agência de publicidade sempre me chamou
muita atenção. Cada dia é um dia, e procuro vi-
ver intensamente cada um deles. O que pode
acontecer amanhã? Você sabe?”.
“Mi n h a v i d a é u m a
mon t a n h a - r u s s a ”
PoRTFÓLIo
homenagem em milão
Levante a casa e o ego com artigos originais para todos os gostos, bolsos e excentricidades
www.suppa.com.br
R$ 150R$ 340 o m2
sob consultaR$ 890
1
3
4
De 30 a 3 mil
Bule de porcelana feito pela artista plástica suppa
tapete são paulo, da coleção capitais Brasileiras, de KiKo soBrino e alessandro Jordão
carteira de mão G, que faz parte da coleção Verão 2009-2010
o desenho do Banco ianomami foi criado a partir da faixa Vermelha pintada nos olhos dos índios e todo o material utilizado é natural
MãOS CONTEMPORARy ART. TEL. (11) 5561-3115
BRAZOO TEL. (11) 3472-2239
SéRGIO MATOS. TEL. (11) 8688-2839
2
R$ 2.968
R$ 19,90
R$ 1.100
7
8
6a clássica poltrona proJetada por charles e ray eames
ícone do desiGn Brasileiro, a sandália haVaianas Brasil
luminária lâmpada quente (Grande), do estúdio que inVeste em desiGn contemporâneo
TOK & STOK. SAC. 0800-7010-161
HAVAIANAS. SAC. 0800-7070-566
STuDIO DuPLA.TEL. (11) 3849-0028
R$ 86
5o relóGio marcado Vem com espaço para escreVer seus compromissos
DIÁLOGO DESIGNTEL. (21) 3576-7278
125
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
comPRas
R$ 264
R$ 700
R$ 659
R$ 93
R$ 28R$ 32
9
10
12
11
13Vaso Branco poa produzido com porcelana
sátiras as Bolsas com lema “i’m not a platic BaG”, o item fashion de 2007
o fashion rayBan Wayfarer
miniatura Vaidosa das estátuas coW parade
Vazu, o Vaso plástico
sustentáVel
CORPORAçãO DE OFíCIOTEL. (11) 5531-0219
LONGCHAMPTEL. (11) 3552-1555
FOTOTICASAC. (11) 3175-1420
ZONA DTEL. (11) 3816-0001
ENDOSSATEL. (11) 3854-9233
PEQuENO
GRANDE
126
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
comPRas
R$ 659
o fashion rayBan Wayfarer
FOTOTICASAC. (11) 3175-1420
127
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
Aos poucos, o mundo do design começa a reconhecer e usar o potencial da madeira de eucalipto
De vilão a mocinho
Por Mariana Pasini
O eucalipto é pau para toda obra. Lugar-comum quando o assunto é celulose e papel, o público pode não vê-lo com
bons olhos, mas cada vez mais faltam argumen-tos para sustentar o preconceito contra a qua-lidade do material. Com cerca de 20 espécies introduzidas no Brasil, a grande vantagem da árvore é a alta produtividade em menos tem-po e utilização de pouco espaço para plantá-lo. Versátil, ele é matéria-prima para diversas apli-cações, desde a estruturação interna à compo-sição de cadeiras, mesas, estantes e armários. Impacto ambiental? Apenas quando derrubada a mata nativa para que seja cultivado. A planta apresenta até uma vantagem em relação a ou-tras, notadamente o Pinus (gênero da planta), por permitir a divisão do seu território com ma-tas nativas sem invadir suas áreas.
No país, as primeiras mudas de eucalipto fo-ram trazidas da Austrália, de onde é originário, na década de 1860, como mero objeto de curiosi-dade. Mas foi em pleno desenvolvimento cafeeiro paulista da virada do século 19, após intensas pesquisas do agrônomo Edmundo Navarro de Andrade, que a planta ganhou um objetivo co-mercial definido: combustível para as caldeiras dos trens que transportavam café, o que poupou boa parte das nossas matas originais.
O designer deve atentar a qual espécie usará.
129
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
meIo ambIenTe
Os exemplares mais duros e densos são os mais propí-cios para a fabricação de objetos e móveis, ao contrário dos mais leves, próprios para serem moídos e virar ce-lulose ou papel. O saligna, por exemplo, é um material leve, porém pouco resistente. O citriodora, no entanto, é uma madeira robusta e durável. Algumas definições são aplicáveis a todas as espécies e devem ser levadas em conta pelo profissiona que deseja trabalhar com elas. Guido Otte, presidente da construtora catarinense de móveis Butzke, resume eucalipto uma palavra: nervoso. “Genericamente, os eucaliptos produzem madeiras com grandes tensões, geradas por retrações tangenciais e radiais”, explica. Além disso, as fibras da madeira de eucalipto não são as formas mais organizadas da natu-reza: tortas e rebuscadas, diferente de outros gêneros, elas diminuem um bocado o poder de corte de serras comuns e exigem mais precisão para que a madeira não empene depois. Seu processo de secagem tam-bém é difícil: quando não respeitadas as características de cada espécie, as chances de problemas futuros são altas. Felizmente, esses problemas podem ser contor-nados com a tecnologia adequada.
O eucalipto cresce reto e seus galhos ficam mais para cima. é possível administrar o fornecimento da madeira
e ter um controle maior sobre o resultado final. Dados de 2006 da Sociedade Brasileira de Silvicultura apontam uma produtividade de 30 a 40 metros cúbicos por hecta-re para o gênero. Deve-se, no entanto, prestar atenção que uma árvore que se adaptou bem a uma área não necessariamente o fará em outra. Além disso, deve-se repor o solo de maneira orgânica ou até química.
Matéria-prima barata em relação às outras madei-ras no mercado, é grande seu potencial comercial nas classes C e D. Mesmo assim, o mercado de eucalipto para móveis e objetos ainda é pulverizado, sem muitas empresas de alto porte. O designer Christian ullmann, porém, não endossa o coro dos entusiastas da madeira de eucalipto. Nascido em Buenos Aires e radicado no Brasil desde 1996, ele prefere o diferencial das nossas madeiras nativas. “O eucalipto não é uma madeira char-mosa nem tem apelo, não dá vontade de trabalhar com ela”, dispara. Para ele, a madeira australiana será sem-pre um “bastardo do setor florestal”.
ulmann também questiona quão bom pode ser o ne-gócio do eucalipto sob a ótica do custo ambiental que seu cultivo pode acarretar. O designer alerta que derru-
É isso que nós,
designers, fazemos
errado por enquanto:
ainda não descobrimos
como tirar proveito
dessa madeira de uma
forma mais inteligente
bar mata original para plantar eu-calipto não é, de modo algum, um negócio sustentável, pois além de acabar com a flora original, uma flo-resta de reflorestamento não pode ser habitada por animais ou comu-nidades ribeirinhas. Mesmo dentro da possibilidade de uma plantação que atenda aos princípios ambien-tais, ele se pergunta: “E por que não plantar madeira nativa?”.
Para o moveleiro, somam pon-tos contra a madeira a memória negativa que o público tem dela, construída, segundo ele, por em-presários que procuravam lucro fácil nas décadas de 1980 e 1990.
Mesa bar e Chaise Ibiza
131
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
meIo ambIenTe
Sofá Duna
Para o moveleiro, somam pontos contra a madeira a
memória negativa que o público tem dela, construída,
segundo ele, por empresários que procuravam lucro
fácil nas décadas de 1980 e 1990. Até hoje, o porte-
nho argumenta, ninguém parou para pensar qual é a
melhor aplicação para o eucalipto. “é isso que nós, de-
signers, fazemos errado por enquanto: ainda não des-
cobrimos como tirar proveito dessa madeira de uma
forma mais inteligente”, arremata.
A arquiteta e designer catarinense Marina Otte
aposta na criatividade como solução do impasse. Filha
de Guido Otte, da Butzke, ela trabalha com o euca-
lipto desde 1998 e aposta que, dentro dos limites da
madeira, é possível proceder de várias formas. Marina
exemplifica o ponto de vista com um modo engenhoso
para driblar a dificuldade em obter formas curvas: usar
partes seccionadas. E já que a cor natural do euca-
lipto não é um grande atrativo, mais clara do que, por
exemplo, o mogno ou a imbuia, com as quais as pes-
soas estão mais acostumadas, tingi-la é uma opção.
“A gente tem que se adaptar ao material que escolhe”,
defende Marina, para quem o eucalipto em ripas é o
mais fácil para trabalhar. Ela não nega que a certifi-
cação florestal, que limita os riscos ambientais e visa
garantir o reflorestamento, encarece o produto final. “O
eucalipto pode ser mais caro na hora da compra, mas
se você conservar bem e considerar que pode durar a
vida inteira, com certeza é mais barato”.
Marina Otte
Mesa pufe Duna
Até hoje, o portenho argumenta, ninguém parou para pensar qual é a melhor aplicação para o eucalip-to. “é isso que nós, designers, fa-zemos errado por enquanto: ainda não descobrimos como tirar pro-veito dessa madeira de uma forma mais inteligente”, arremata.
A arquiteta e designer catari-nense Marina Otte aposta na cria-tividade como solução do impasse. Filha de Guido Otte, da Butzke, ela trabalha com o eucalipto desde 1998 e aposta que, dentro dos li-mites da madeira, é possível pro-ceder de várias formas. Marina exemplifica o ponto de vista com um modo engenhoso para driblar a dificuldade em obter formas cur-vas: usar partes seccionadas. E já que a cor natural do eucalipto não é um grande atrativo, mais clara do que, por exemplo, o mogno ou a imbuia, com as quais as pessoas estão mais acostumadas, tingi-la é uma opção. “A gente tem que se adaptar ao material que escolhe”, defende Marina, para quem o eu-calipto em ripas é o mais fácil para trabalhar. Ela não nega que a cer-tificação florestal, que limita os ris-cos ambientais e visa garantir o re-florestamento, encarece o produto final. “O eucalipto pode ser mais caro na hora da compra, mas se você conservar bem e considerar que pode durar a vida inteira, com certeza é mais barato”.
Para Ricardo Cardim, mestrando do Instituto de Biociências da uni-versidade de São Paulo, o principal desafio relacionado ao eucalipto é a tecnologia. “Há muitas espécies e o potencial ainda não foi totalmen-
te estudado para a indústria move-leira”, enumera. “O eucalipto não é fácil de serrar e tem uma secagem complicada, que precisa respeitar a anatomia de cada espécie. Mas toda madeira é boa, dependendo do uso que você vai fazer dela”, alerta Cardim.
Ele acrescenta que a sustentabi-lidade é uma questão de metodolo-gia e a possibilidade de um cultivo sustentável do eucalipto é latente. Como os próprios consumidores estão cada vez mais exigentes quanto à certificação da madeira, o negócio de madeira reflorestada começa a realmente valer a pena, segundo sua avaliação. O biólogo derruba o mito de que o gênero absorve muita água. “Por crescer muito rápido, ele precisa de muito nutriente e também de muita água para formar toda a sua estrutura”, esclarece. O que precisa ser feito é a reposição dos nutrientes do solo de maneira orgânica ou química. E o estudioso dá o veredicto: “O euca-lipto em si não é o vilão, mas uma ferramenta para a produção de ma-deira que nós precisamos tanto”.
A árvore nunca terá a qualidade ou até o luxo das chamadas madei-ras de lei, mas cresce a uma veloci-dade surpreendentemente rápida e responde bem se trabalhada com a tecnologia adequada. Além disso, é de se perguntar que outras opções restam ao designer que deseja tra-balhar com madeira, já que a ex-tração e a exploração de material nativo da Amazônia estão proibidas pelo Código Florestal. Para resolver o dilema, vale o conselho de Mari-na Otte: “a questão é se adaptar”.
meIo ambIenTe
Por Mariana Pasini
Também conhecida como madeira de redescobrimento,
ela começa a despontar no mundo do design. Entre suas
vantagens, estão a reutilização e a reciclagem de com-
ponentes que, de outra forma, não seriam tão bem aplicados e
poderiam inclusive ser esquecidos. Cynthia Marzola, lojista da
Raízes Design e apaixonada por madeira, esmiúça alguns deta-
lhes sobre essa matéria-prima cujo uso só tende a crescer.
Poltrona Mônaco
137
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
10 PeRgunTas sobRe
A chamada madeira de demolição é basicamente madeira antiga, utilizada
em construção civil, aplicada no design?
RD Sim. Na maioria das vezes, a madeira vem de casas que são derrubadas no
interior de Minas e do Paraná, substituídas por obras de alvenaria. Para não desperdiçarmos esse material, aproveitamos para transformá-lo num móvel de design bacana. As madeiras são todas de aproveitamento de casas derrubadas.
Elas sofrem tratamento?
RD Todas elas passam pelo tratamento total: descupinização, lavagem, cla-
reamento, para dar o tom que você quiser. Em seguida, são aparelhadas. E isso de acordo com o que você for fazer. Se for um piso, fazemos o macho-fêmea [peças que se encaixam]; se for só para móveis, ela recebe o tratamento normal e é trabalhada dentro do design da peça.
Não há mais o problema de a madeira estar verde?
RD Não é bem assim. Na madeira, todo mundo se engana um pouco com
isso. Perguntam “a madeira é centenária, en-tão ela não vai abrir?” Vai. Com toda madei-ra, deve-se evitar o máximo possível do uso contínuo em áreas externas, que pedem ma-nutenção. A madeira é linda? Sim, mas corre o risco de abrir. De acordo com a região para onde vai, ela pode abrir inteirinha sem o refor-ço adequado. É como o ser humano: tem vida e continua trabalhando.
Uma vez tratada, o que pode ser feito com ela?
RD De tudo! Eu, por exemplo, trabalho desde o revestimento de pisos, pare-
des, tetos, pergolados, bancadas pra lavabos até os móveis de design. Resolvi inserir produtos modernos para dar uma cara contemporânea à madeira de demolição. Entrei com o corian, que é uma resina. A bandeja Panamá, por exemplo, tem o apoio em madeira e as alças em corian. A poltrona Mônaco tem vidro. Ao misturar com produtos mais modernos, emprego menos ma-deira. Ou seja, uso mas não abuso da madeira de demolição.
Usar a madeira de demolição é promover design sustentável?
RD Exato, pois preserva a biodiversidade e os ecossistemas naturais. Ao invés
de derrubar uma árvore para fazer um móvel, aproveita-se uma madeira que está em uso há
muitos anos. Para o empreendimento humano ser sustentável e garantir a preservação da bio-diversidade, deve ter em vista quatro princípios básicos: ser ecologicamente correto, economica-mente viável, socialmente justo e culturalmente aceito. A madeira de demolição preenche esses requisitos.
É um mercado que tende a crescer?
RD Com certeza. Lá fora, inclusive, dão muito mais valor à madeira de demo-
lição do que no Brasil. Uma prova do potencial desse mercado estava na Casa Cor desse ano, em que cerca de 80% dos ambientes contavam com madeira de demolição, seja em peças avul-sas, pisos ou paredes. Por aqui, há a febre de MDF, compensados, lacre, mais fáceis de se trabalhar. O boom no mercado da madeira de demolição ocorreu há cerca de dez anos e está sendo descoberto aos poucos. Há profissionais adeptos da madeira de demolição, como Carlos Motta, Pedro Petri e Hugo França.
É um material difícil de encontrar?
RD É, é bem complicado. Até conseguir os fornecedores... E é um meio de
mercado muito desleal. Extremamente desones-to, dificílimo de contatar, é uma dor de cabeça. Mas compensa pelo resultado final. O cliente chega, os arquitetos chegam, e ficam encanta-dos. Mas é muito difícil, os fornecedores, de um modo geral, são precários, são pessoas muito simples e difíceis de negociar, prometem uma coisa e mandam outra, às vezes você compra um lote enorme de mil metros quadrados, por exemplo, e 600 vêm bacana, 400 não.
Como funciona o fornecimento?
RD Há duas formas. Na primeira, há um fornecedor com fácil acesso aos ca-
minhoneiros que vendem a madeira. Então, já compro dele o móvel com a madeira. Na segun-da, eu tenho um outro, aqui de São Paulo, que consegue o móvel do Paraná. Coloco meus for-necedores dos caminhoneiros em contato com essa fábrica e eles compram. Senão, a logística fica muito complicada. Outro problema é que há vários preços para os lotes. Quando está muito barato, pode desconfiar. É aquela história, quan-do o milagre é grande, o santo desconfia! Tem de todo preço, varia bastante. O necessário é viabilizar o custo e pesar a qualidade.
Ela é mais difícil de trabalhar?
RD É difícil conseguir a mão de obra, que deve ser especializada – normalmen-
te, marceneiros mais antigos, que viveram numa época em que não existia essa história tão fácil de MDF. Aqui na Raízes Design, trabalhamos com peroba rosa de demolição. É muito dura, mas tem uma grande vantagem: é amarga e os cupins não gostam. E isso é um grande diferen-cial. Não vou dizer que ela nunca vai dar cupim. Se você pegar um lote que já teve algum pro-blema e não fizer um trabalho de higienização perfeito, há o risco de ela vir a ter cupim. Porém, a possibilidade é mínima. Optamos pela peroba por conta de sua beleza natural.
Há preconceito no público?
RD Nenhum. Muito pelo contrário! Quando eu falo que é madeira rea-
proveitada, eles adoram! Afinal, também estão preocupados com o meio ambiente. Na medida em que as pessoas percebem a importância da sustentabilidade, essa consciência ecológica só tende a crescer. Quando resolvi apostar nisso, tive medo que passasse logo, que fosse uma fe-bre. Agora, acredito que a madeira de demolição vá ficar cada vez mais em alta, sempre com mui-ta criatividade. Depende de nós, lojistas, trazer novidades ao mercado e fazer com que o consu-midor assimile a ideia.
RAízES DESIGn al. Gabriel Monteiro da Silva, 276
São Paulo – SPtel. (11) 2597-3084
s e r v i ç o
Raízes Design - Bandeja Panamá -
Madeira de demolição e Corian, R$ 864,00
138
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
10 PeRgunTas sobRe
A Abracaf e o Itaú, juntos para trazer mais vantagens para seu cliente e sua concessionária.Planos diferenciados para atender cada cliente e aumentar
suas vendas. Planos com carência, planos em 72 meses, Plano 30.
O estoque da sua concessionária a 1 clique do mouse do seu cliente,
através do iCarros, o site de compra e venda de veículos do Itaú.
A parceria com o Itaú traz oportunidades para você atrair clientes e
aumentar o fluxo da sua concessionária. Pois nós sabemos que
fazer diferente é fazer a diferença na hora de vender.
FATT
O S
TAM
PA
UMA EMPRESA DOS CONCESSIONÁRIOS FIAT
itau parceria_REVISTA 108_mudanças.indd 1 20/8/2009 13:22:00
A Abracaf e o Itaú, juntos para trazer mais vantagens para seu cliente e sua concessionária.Planos diferenciados para atender cada cliente e aumentar
suas vendas. Planos com carência, planos em 72 meses, Plano 30.
O estoque da sua concessionária a 1 clique do mouse do seu cliente,
através do iCarros, o site de compra e venda de veículos do Itaú.
A parceria com o Itaú traz oportunidades para você atrair clientes e
aumentar o fluxo da sua concessionária. Pois nós sabemos que
fazer diferente é fazer a diferença na hora de vender.
FATT
O S
TAM
PA
UMA EMPRESA DOS CONCESSIONÁRIOS FIAT
itau parceria_REVISTA 108_mudanças.indd 1 20/8/2009 13:22:00
Encerramento das inscrições para o Prêmio Green Good De-sign. Podem participar arquitetos, designers, urbanistas, instituições e organizações com trabalhos vol-tados para o design sustentável. A premiação acontece em março. Informações no site www.europe-anarch.eu.
Os ares cosmopolitas prome-tem sacudir a edição, aberta ao público até o dia 6 de dezembro, no Pavilhão da Bienal do Parque do Ibirapuera, em São Paulo. uma exposição mostra como 12 países receberam megaeventos. Para dis-cutir a produção nacional, a área Expo Brasil conta com cerca de 50 trabalhos - 25 projetos e 25 obras. Na expo Internacional, a novidade fica por conta da premiação aos melhores trabalhos, semelhante àquela concedida à produção bra-sileira. E, às vésperas da Copa do Mundo da África do Sul, os organi-zadores prometem debater a infra-estrutura montada para o evento.
Termina a EXS 09 em São Paulo. Os admirado-res da sticker art podem ver nos muros da loja El Cabritón y Amigos adesi-vos de 200 artistas nacio-nais e internacionais.
1 DE NOVEMBRO
8ª BIENAL DE ARQuTETuRA TEM “ECOS uRBANOS”
COMO TEMA
3 DE NOVEMBROEl CabRitón
y amigos
biEnal Do ibiRapuERa
rua Augusta, 2008 - JardinsSão Paulo - SP
tel. (11) 3081-6130. Grátis
av. Pedro Álvares Cabral, s/nº Portão 3Parque do Ibirapuera - São Paulo - SP
tel. (11) 5576-7600. Grátis Até 06/12
FOTOS: DIVuLGAçãO
univERsiDaDE anhEmbi-moRumbi
ExpERimEntaDEsign lisboa
mEias óRFÃs bRasil
postER4 tomoRRow
ConCuRso DE mobiliáRio DEsign.bR
av. Roque Petroni Jr., 630 Morumbi - SPtel. (11) 5095- 56344R$ 240 a R$ 660 Rua Cidade de Lobito, Atelier 3
Lisboa, Portugal
A segunda edição do Simpósio Internacional e Brasileiro sobre De-sign Sustentável, evento científico mais importante da América do Sul sobre o tema, acontece dias 5 e 6 novembro, na universidade Anhem-bi Morumbi, em São Paulo. Entre os palestrantes confirmados está John Thackara, um dos profissionais de visão mais sistêmica em relação a sustentabilidade, e Carlo Vezzoli, professor do Politécnico de Milão, que já há 15 anos faz pesquisas na área. A coordenação científica é do professor Aguinaldo dos Santos, da universidade Federal do Paraná (uFPR). Informações pelo e-mail asantos@ufpr.br.
Último dia do Experimentadesign Lisboa, bienal cultural dedicada ao de-sign, projeto e criatividade. Informa-ções em www.experimentadesign.pt
Término das inscrições para o concurso Poster4Tomorrow, que selecionará os 100 melhores cartazes que representem a luta pelos Direitos Humanos em todo o mundo. os contemplados serão exibidos em ´metró-poles como Amsterdã, berlim, Nova Iorque e Paris no ano que vem. Para se inscrever, acesse http://www.poster4tomorrow.org/
Início da exposição Meias Órfãs Brasil, que pega carona no ano da França no país. Idealizado pela estilista franco-brasi-leira Márcia de Carvalho, o projeto traz alunos da re-conhcida escola parisiense Esmod em parceria com a universidade Castelo Bran-co, do RJ. Os futuros estlilis-tas transformam meias que perderam seus pares em outras peças, como echar-pes, mantos e chapéus. O workshop com os alunos se estenderá a donas de casa carentes de Marechal Deodoro, em Alagoas. mais informações no site http://meiasorfasbrasil.blogspot.com/
Fim das inscrições para o concurso de mobiliário Design.br, promovido pela loja Micasa. Os projetos serão ava-liados e julgados por grandes nomes do design como Fernando e Humber-to Campana, Marcio Kogan e Marcelo Rosembaum. Podem ser apresentados projetos de estantes, bancos, cadeiras, sofás, puffs, aparadores e mesas, que nunca tenham sido comercializados. Profissionais e estudantes podem par-ticipar. A cerimônia de premiação acon-tecerá em 27 de fevereiro de 2010. Mais informações no site www.micasa.com.br/design.br
5 DE NOVEMBRO
8 DE NOVEMBRO
15 DE NOVEMBRO
10 DE NOVEMBRO
agenda
47ª bijóias sp
26ª Casa DE CRiaDoREs
saint ÉtiEnnE CiDaDE Do DEsign
alEjanDRo saRmiEnto
23º pRêmio DEsign
O pavilhão do Shopping Frei Caneca, em São Pau-lo, recebe a 47ª Bijóias SP. A maior feira de bijuterias, acessórios, jóias de prata, aço e folheados da América Latina é exclusiva para lojis-tas e traz as novidades para o verão.
Início da 26ª Casa de Criadores. Realizado desde 1997, o evento apon-ta as principais tendências da moda no Brasil. A edição contempla o que deve ganhar as ruas na temporada outono/inverno. Mais de 20 marcas apresenta-rão suas coleções no Centro de Con-venções Frei Caneca.
São Paulo recebe a exposi-ção “Saint étienne - Cidade do Design”. A mostra, que integra o calendário ofical do Ano da Fran-ça no Brasil, começou na Bie-nal Internacional do Design de Saint étienne, no ano passado. O evento traz trabalhos inéditos que unem tecnologia e susteta-bilidade. Já passou por Brasília, Rio de Janeiro e fica em Curitiba até 21/11. Na semana seguinte, aporta em São Paulo, onde fica até 1º de janeiro de 2010.
uma retrospectiva do designer argentino Alejandro Sarmiento, co-nhecido por usar artigos recicláveis e resíduos em suas obras, ganha espaço no Museu da Casa Brasilei-ra. Prepare-se para muita inovação tecnológica e experimentação de novos materiais.
23º Prêmio Design - Museu da Casa Brasileira. O concurso anual reconhece os trabalhos brasileiros que se destacaram na arquitetura e no desenho industrial. A exposição dos vencedores começa no dia se-guinte à premiação.
16 A 18 DE NOVEMBRO
25 A 27 DE NOVEMBRO
30 DE NOVEMBRO
ATé 22 DE NOVEMBRO
24 DE NOVEMBRO
Centro de Convenções Frei Caneca Rua Frei Caneca, 569, 4º e 5º andares, Cerqueira César São Paulo - SP
Centro de Convenções Frei Caneca rua Frei Caneca, 569, 4º e 5º andares
Cerqueira César - São Paulo/SP tel. (11) 3472-2000
Centro Cultural Banco do Brasil Rua Álvares Penteado 112Centro - São Paulo - SP Ter. a dom., das 10h às 20h.tel. (11) 3113-3651
Museu da Casa Brasileira Av. Brigadeiro Faria Lima, 2705
São Paulo/SP tel. (11) 3032-3727 e
(11) 3032-2564
144
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
agenda
Organização: Silvana Rubino e Marina GrinoverCosac Naify, 208 págsR$ 59
Adrian FortyTradução: Pedro Maia SoaresCosac Naify, 352 págsR$ 59w
Lina Por EscritoLina Bo Bardi
Objetos de Desejo: Design e Sociedade Desde 1750
O livro revela a extraordinária capacidade que a arquiteta ítalo-brasileira tinha de transformar seu universo criativo em palavras. Seus textos foram reunidos pela primei-ra vez em Lina Por Escrito, mas ha-viam sido publicados originalmente em revistas italianas. Os 33 artigos repassam e propõem novos con-ceitos para temas como habitação, mobiliário, arte popular, museolo-gia, restauro, educação e políticas culturais. Os textos são ilustrados por desenhos originais, fotografias e obras gráficas da própria arqui-teta, incluindo alguns layouts em-pregados na publicação de seus textos. Através de seus escritos é possível perceber como a mulher que criou projetos emblemáticos, como o Museu de Arte de São Paulo (Masp), Sesc Pompeia e o Museu de Arte Moderna da Bahia, foi peça-chave na constituição de um olhar moderno sobre a cultura, tanto na Itália como no Brasil.
Com Objetos de Desejo: Design e Sociedade desde 1750, Adrian Forty pro-põe uma tarefa nada fácil: esmiuçar a complexa e nem sempre aparente rela-ção entre o design e a dinâmica social. Porém, o professor da Bartlett School of Architecture de Londres a realiza com des-treza em pouco mais de 300 páginas com linguagem ágil e saborosa, valendo-se de reproduções de jornais e catálogos de pro-dutos de cada época analisada. O livro, de 1986, ainda surpreende pela atualidade.
Forty aventura-se num terreno inóspito, frequentemente evitado pelos profissio-nais: o uso da atividade como justificati-va de convenções sociais, destrinchando o design e jogando-o cru a nossos olhos. A edição da Cosac Naify traz também uma interatividade inovadora com a cartela de adesivos que permite a cada leitor mon-tar a capa de seu próprio exemplar. É uma obra referência para aqueles que desejam entender o design para compreender a so-ciedade – e vice-versa.
textos inéditos da arquiteta lina Bo Bardi
sociedade de consumo
Os LIvrOs FunDAmentAis Do Design
Tem Que TerF
OT
OS
: DIV
uLG
Aç
ãO
145
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
bIbLIoTeca
Ellen Lupton e Jennifer Cole PhillipsTradução: Cristian BorgesCosac Naify, 248 págsR$ 69
Donald A. NormanTradução: Ana Deiró
Rocco, 278 págsR$ 45
Ellen Lupton e J. Abbott MillerTradução: André StolarskiCosac Naify, 72 págsR$ 55
novos Fundamentos do Design
Design Emocional
ABC da Bauhaus: a Bauhaus e a Teoria do Design
Nem só de boas ideias é feito o design. Com as mudanças tecnológicas que vêm com softwares poderosos e aparelhos pre-cisos, as possibilidades criativas aumen-tam e também a necessidade de conhecer cada vez mais ferramentas. As educadoras Ellen Lupton e Jennifer Cole Phillips dei-xam isso claro em Novos Fundamentos do Design, em que explicam como a forma mais adequada para cada criação nunca é alcançada sem amplo conhecimento técni-co. O objetivo do livro é trazer os pontos cruciais do design – como ritmo, cor e tex-tura – associados às novas tecnologias. O guia mostra com exemplos práticos a rela-ção entre técnica e intenção. As colabora-ções de estudantes de design de diversas partes do mundo, da China a Porto Rico, dos Estados Unidos à Índia, enriquecem o livro. Obrigatório para quem não quer ficar parado quando o assunto é design.
Será que os objetos bonitos funcionam melhor do que os feios? Esta é a questão que o psicólogo, engenhei-ro elétrico e professor de ciência da computação Donald Norman tenta responder no livro Design Emocional, em que apresenta ao leitor uma nova tendência de consumo. Segundo ele, o usuário atribui o que sente diretamen-te aos objetos, mediante as emoções geradas em suas experiências de utilização. A obra também trata de uma série de produtos que intrigam e irritam o consumidor – como o espremedor de sucos Phillip Starck e o compu-tador –, além de ser uma manifesto contra os manuais de instrução, considerados inimigos da modernidade. Para Norman, um design bem elaborado dispensa apresenta-ções e bulas. Por fim, o autor afirma que muitos objetos são funcionais, os utensílios domésticos, por exemplo, mas nem sempre prazerosos de usar.
A escola de design que influenciou im-portantes artistas do século 20 completa 90 anos em 2009 e é tema do livro ABC da Bauhaus: a Bauhaus e a Teoria do Design, organizado pelos críticos norte-america-nos J. Abbott Miller e Ellen Lupton. Com um projeto gráfico bem elaborado, a obra reúne ensaios sobre a linguagem visual do movimento. O designer e teórico J. Abbott Miller mergulha na história da educação para mostrar a enorme influência da teoria alemã do Jardim da Infância (Kindergarten) – que pregava o estímulo ao desenvolvi-mento da imaginação das crianças – nos princípios elaborados pela Bauhaus. Já Ellen Lupton, uma das estudiosas mais ativas e reconhecidas atualmente, exami-na de forma crítica os principais elementos do “dicionário visual” criado pela escola, questionando sua neutralidade e seu afas-tamento da linguagem verbal.
a linguagem visual na era da tecnologia
produtos que exploram a emoção
edição lembra 90 anos da Bauhaus
146
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
bIbLIoTeca
147
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
FATT
O S
TAM
PA
NINGUÉM FINANCIA FIAT COMO O BANCO FIAT
O BANCO FIAT É A PARCERIA MAIS SEGURA PARA VOCÊ SEGUIR SEMPRE EM FRENTE. GANHE TEMPO,
ENCANTE SEU CLIENTE, AMPLIE OS RESULTADOS. CONTE SEMPRE COM O BANCO FIAT.
ANÚNCIO PARCERIA_108.indd 1 24/8/2009 19:54:40
salva-vidas de muitas emergências, o orelhão é um exemplar do design brasileiro que ganhou o mundo
Alô,
mamãe!
Por Gabriella de Lucca
Nos tempos em que pagers
e telefones celulares figura-
vam apenas em roteiros de
ficção, e em que uma linha telefôni-
ca custava cerca de mil dólares – o
equivalente a 1.900 reais, o telefone
público era a opção de muitos brasi-
leiros para realizar uma chamada.
Mas as antigas cabines telefôni-
cas, além de serem fácil e frequen-
temente depredadas, custavam 3 mil
cruzeiros cada uma – um valor alto
para a época, marcada pela inflação.
Foi para acabar com esse “boi na li-
nha” que Chu Ming Silveira, arquiteta
chinesa radicada em São Paulo, criou
os protetores para telefones públicos.
Idealizado em 1970, o orelhão –
como ficou popularmente conhecido
– foi implantado experimentalmente
na rua Sete de Abril, no centro de
São Paulo, no final do ano seguinte.
O local escolhido foi a Companhia
Telefônica Brasileira (CTB) – que
mais tarde se transformou na Telesp.
Os primeiros orelhões ganharam as
vias públicas da capital paulista em
Chu Ming Silveira nasceu em Xangai, na China, naturalizou-se brasileira e formou-se em Arquite-tura na universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo. Morreu em 1997, aos 56 anos. Para pre-servar sua memória seus filhos Djan e Alan Chu Silveira elabo-raram um site sobre a invenção: www.orelhao.arq.br.
148
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
25 de janeiro de 1972, aniversário da
cidade. No Rio de Janeiro, os proteto-
res para telefones públicos chegaram
cinco dias antes, em 20 de janeiro,
feriado de São Sebastião.
Chu Ming descreve no memorial
do projeto que “procurou encontrar
uma solução de design e acústica
para protetores de telefones públicos
que apresentassem uma relação cus-
to-performance melhor dos que a dos
já existentes e que se adequassem
às nossas condições ambientais.” A
arquiteta era chefe da seção de pro-
jetos da CTB nesse período. Partindo
da forma de um ovo, ela criou o de-
sign do protetor, que tinha cor alaran-
jada. O aparelho telefônico em si era
um caixotão vermelho, que funciona-
va com fichas de ranhura dupla.
Após longa pesquisa, Chu Ming
chegou ao material que atendia a re-
quisitos como proteção do usuário e
do telefone, baixo custo de fabricação
e manutenção, facilidade de instala-
ção, durabilidade, boa acústica e esté-
tica: a fibra de vidro não transparente.
A altura dos orelhões, de 1,75 metros,
é baseada na estatura média dos ho-
mens brasileiros. Atraente ao público,
o modelo foi copiado em países da
América do Sul, como Bolívia e Chi-
le, e também na China – país de sua
inventora. Na 1ª Bienal de Arquitetu-
ra, ocorrida em São Paulo de 8 a 30
de junho de 1973, no Parque do Ibi-
rapuera, a arquiteta expôs os projetos
de sua autoria relativos aos protetores
para telefones públicos.
Chu Ming também projetou varian-
tes do orelhão, como o “orelhinha” (o
protetor público interno de acrílico,
que até hoje se encontram instalados
em todos os aeroportos brasileiros), a
concha, que foi uma variante encon-
trada somente em postos de gasoli-
na e o que foi mais importante para
esse mobiliário urbano nas ruas – as
variações modulares duplas e triplas.
Depois disso, cada cidade brasileira
adaptou o design do orelhão confor-
me suas características culturais. Na
Bahia, por exemplo, é possível encon-
trá-los em forma de berimbau e coco.
FOTOS: DIVuLGAçãO
desIgn bRasIL
Design de macarrãoPor Eduardo Foresti, colaborador da revista DZ
Abra uma revista. Não precisa ser de moda, nem de arquitetura. Dê uma volta a pé pela rua Teodoro Sampaio, observe as vitrines e os nomes das lojas. Assista a qualquer canal de televisão durante uma hora. O que essas atividades têm em comum? O bombardeio da pa-lavra design. Há dez anos, era pou-co comum conhecer o termo, que atualmente integra o vocabulário da maioria das pessoas.
Ao folhear uma revista qualquer, você verá que o termo é usado para falar de móveis e arquitetura. Se for um veículo de moda ou comporta-mento, haverá extremos: designers de pães, bolos e até de cabelo. No passeio pela Teodoro Sampaio, ha-verá muitas lojas com design no nome ou anúncios de “móveis com design”, para vender desde um berço até uma réplica da cadeira Barcelona. E, ao assistir à TV, os comerciais falarão de carros e edi-
fícios com design avançado.Mas por que essa superexpo-
sição? O termo design surgiu no início do século passado, após o processo de industrialização e pa-ralelo ao modernismo. Servia para designar o profissional que projeta-va objetos destinados à produção em massa – ou seja, os desenhis-tas industriais.
Os modernistas acreditavam que um bom produto precisava unir a forma e a função de uma manei-ra harmônica, sem que um atributo ofuscasse outro. Para tanto, o de-signer deveria pensar em artigos úteis, simples, fáceis de reproduzir e esteticamente agradáveis. Por isso a palavra acabou associada, ao longo do tempo, a artefatos bem resolvidos e convenientes, cuja execução foi pensada e repensada.
Posteriormente, o vocábulo teve seu significado ampliado e passou a representar qualquer atividade re-
lacionada ao processo de dar forma a algum objeto, e também ao seu desenho. Por esse motivo, quem cria sites, por exemplo, também é tratado como designer.
Vivemos em uma sociedade cada vez mais visual: a forma pas-sou, gradativamente, a ter mais im-portância e significado para a popu-lação. Valoramos cada vez mais a origem dos objetos, sua história e, por consequência, o seu design.
Porém, geramos situações extre-mas ao classificar toda e qualquer atividade manual de design. Soa inadequado. Ainda que se trate da tentativa de apropriar uma palavra com conotação positiva, para tentar glamourizar uma atividade artesa-nal por vezes desvalorizada, é pre-ciso bom senso. Não estranhe ao se deparar por aí com um designer de sobrancelhas, unhas, ou mesmo com um designer de macarrão!
ILu
ST
RA
çã
O: C
LAu
DIA
Gu
IND
AN
I
Formado na FAU-USP e pós graduado na Basel School of Design, na Su-íça, Eduardo Foresti começou sua carreira no escritório de branding e design Landor Associates, em San Francisco. no Brasil, atuou na Almap/BBDO, F/nazca e Giovani, FCB como designer gráfico e web designer, e criou para grandes marcas como Sagatiba, Kaiser, VW, Audi, Claro, Brah-ma e Pepsi. Seus trabalhos já foram premiados nos festivais de Londres, Cannes, Clio, CCSP e One Show. Hoje é Diretor de Criação da ?EC.150
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
oPInIão
ILu
ST
RA
çã
O: C
LAu
DIA
Gu
IND
AN
I
151
RE
VIS
TA D
Z
NO
V
DE
Z 2
009
Recommended