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Fazer Antropológico e Prática Docente: relatos de experiências no
PARFOR/CAMEAM/UERN1
Prof.ª Dr.ª Eliane Anselmo da Silva (DCSP/UERN/RN)
Prof. Me. Elcimar Dantas Pereira (DCSP/UERN/RN)
Palavras-Chave: Ensino, Antropologia, PARFOR.
Introdução
O PARFOR - Plano Nacional de Formação de Professores da Educação
Básica, está articulado com a Política Nacional de Formação de Professores do MEC e se
desenvolve em parceria com as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação e
Instituições Públicas de Ensino Superior. Ofertando cursos de licenciatura para
professores em exercício da Rede Pública estadual e municipal de ensino, visa possibilitar
uma segunda licenciatura aos professores que não possuem formação adequada à Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, nº 9.394/1996. Ou seja, que estão em
exercício na educação básica pública, mas que embora já licenciados, atuam em área ou
disciplina distinta daquela de sua formação inicial. Assim, a LDB (Lei nº 9.394/1996)
determina no seu artigo 61: “Art. 61. A formação de profissionais da educação, de modo
a atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características
de cada fase do desenvolvimento do educando”.
O curso de Ciências Sociais em sua modalidade PARFOR, na Universidade do
Estado do Rio Grande do Norte - UERN, teve início no ano de 2012, no Campus
Avançado Prof.ª Maria Elisa de Albuquerque Maia – CAMEAM, na cidade de Pau dos
Ferros-RN. Conta hoje com 18 alunos, que estão no 8º período, concluindo o curso. O
objetivo do curso é formar profissionais na área das Ciências Sociais com uma sólida
formação teórico-metodológica, em torno dos eixos que compõem a identidade do curso
(Antropologia, Ciência Política e Sociologia), fornecendo instrumentos para estabelecer
relações com a pesquisa, a prática social e também o ensino. Assim, o licenciado em
1 Trabalho apresentado na 30ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizado entre os dias 03 e 06 de agosto
de 2016, João Pessoa/PB.
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Ciências Sociais, deve ser um profissional apto não apenas ao ensino, mas também à
inserção crítica, criativa e competente no sistema escolar público e privado, prestando
assessoria na formatação de cursos e elaboração de projetos pedagógicos, no
gerenciamento de recursos humanos e didáticos e na avaliação de técnicas educacionais.
A partir de nossas experiências com o PARFOR, no curso de Ciências Sociais,
nas disciplinas de Antropologia, pudemos perceber que este programa representa uma
oportunidade na vida dos alunos/professores, que adquirem formação de qualidade e de
forma gratuita, contribuindo para a educação no Brasil que cresce assim a partir de seu
interior. As contribuições da ciência antropológica na formação e na própria vida desses
alunos/professores, é o que pretendemos esboçar aqui neste estudo, no sentido de atentar
para os desafios do processo de ensinar e aprender Antropologia como parte também da
construção desse saber.
A História da Antropologia evidencia que importantes antropólogos se tornaram
referências para as questões educacionais (GUSMÃO, 1997). Porém, a discussão que
coloca em pauta a relação entre Antropologia e Educação ainda é pouco explorada. A
preocupação aqui está além do fato de tomar a educação como objeto de estudo da
antropologia, mas com uma reflexão sobre o ensino de Antropologia e suas metodologias
na formação de futuros professores, sobretudo no tocante as estratégias de aproximação
com o saber antropológico em sala de aula. Assim, um debate mais estreito com a
Educação, exige da Antropologia que ela repense novas formas de operacionalização de
seu saber que não aquelas voltadas unicamente à pesquisa acadêmica.
Dentro desta perspectiva, é fundamental considerar que a disciplina
antropológica fornece elementos teórico-metodológicos para se pensar as sociedades
atuais. Noções como experiências culturais, papéis sociais e o processo de constituição
da identidade, por exemplo, proporciona a compreensão dos contextos sociais, culturais,
políticos e econômicos, através de ideias como hibridismo, multiculturalismo, pensando
as novas identidades e sociabilidades contemporâneas, marcados muitas vezes por
atitudes etnocêntricas e de diferença entre “nós” e os “outros”.
O professor licenciado em Ciências Sociais, tem como espaço de atuação no
ensino médio a disciplina de Sociologia, cuja obrigatoriedade nesse nível escolar é recente
(cf. Lei Nº 11.684, de 2 de junho de 2008). Sua formação exige uma compreensão das
práticas sociais, além da preparação básica para o trabalho e para o exercício da cidadania,
incluindo a constituição da pessoa. E isso representa uma tomada de consciência de
aspectos relevantes da ação dos sujeitos e da realidade em que estão inseridos.
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Cabe a Antropologia refletir sobre suas relações com a educação, visto que seus
conceitos e objetos de estudo serão inseridos na educação básica, numa nova forma de
divulgação da disciplina e seus conhecimentos além dos muros da academia. Assim, é
importante pensarmos na operacionalização, ou melhor, na forma como podemos ajudar
o professor da educação básica a refletir sobre o homem em sociedade, em seu viés
problematizador, bem como as funções de "estranhamento" e "desnaturalização",
conforme previstas nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio. É preciso prepara-
los para trabalhar esses conteúdos em sua sala de aula.
A Antropologia pode ajudar os futuros professores a conhecer, relativizar e
pensar criticamente a diversidade e a desigualdade que conforma a realidade brasileira,
desmistificando noções naturalizadas acerca do que se entende por raça, cor, etnia,
identidade, entre outros. Cabe à ela o estudo da especificidade do comportamento, da
organização, dos valores, sentimentos e crenças das sociedades humanas, enfim, seu
estilo de vida e cosmovisão.
A partir de uma metodologia própria, a Antropologia está habilitada a oferecer
interpretações de práticas culturais e de representações simbólicas específicas dos
diferentes grupos sociais, proporcionando um olhar peculiar sobre a vida em sociedade.
A coleta de dados empíricos, etnográficos, por meio do trabalho de campo, dos
levantamentos de histórias de vida, depoimentos e entrevistas, pesquisa documental de
fontes primárias, secundárias e teóricas, permite interpretações que podem nortear
antropologicamente as possibilidades de compreensão da realidade social.
Atentando para todas essas preocupações propomos atividades de observações
diretas relacionadas a realidade cotidiana dos professores/alunos, a fim de provocar neles
a necessidade de pensar-se enquanto sujeitos inseridos em universos culturais, que por
falta de algumas ferramentas, ainda não tinham acessado.
Descobrindo a Antropologia
Adentrar em uma discussão antropológica junto a um conjunto de sujeitos que
ainda não tivera acesso a essas discussões, provoca no professor que irá construir essa
inserção uma série de questionamentos, e o primeiro deles é: O que esses indivíduos
entendem por Antropologia? A pergunta se justifica porque das três áreas que constituem
as Ciências Sociais essa é a que menos a sociedade abrangente possui contato, não apenas
pelo fato de ser uma ciência nova, mas por também não fazer parte de um currículo da
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educação básica de ensino, fazendo com que essa inserção só aconteça nos cursos
superiores.
Isso se confirma na medida em que no primeiro dia de aula apresentamos o
questionamento supracitado e as reações são “Professor, de Sociologia eu já ouvi falar,
mais de Antropologia não” (Valéria, coordenadora pedagógica em Rodolfo
Fernandes/RN e aluna do PARFOR) ou “Já ouvi na televisão antropólogos falando mais
não sei o que é Antropologia” (Antonio, professor polivalente em Rodolfo Fernandes/RN
e aluno do PARFOR). Por mais que entendamos a Antropologia como uma área de um
conhecimento pertinente para compreender o homem “desde a formação das Escolas
Normais a antropologia ocupa um lugar de destaque no processo de formação de
professores, ainda que no âmbito das ciências sociais a sociologia tenha alcançado
maior evidência nesta seara” (OLIVEIRA, 2012, p. 126).
Essa evidência que a sociologia alcançou quando entramos no campo da
comparação entre sociologia e antropologia, faz com que possamos compreender, no
contexto da sala de aula, o desconhecimento da ciência Antropológica. Todavia, essas
reações provocam no docente duas expectativas, uma negativa pelo fato de ter que
começar do zero e a segunda positiva, por acreditar que esse será um campo fértil liberado
de pré-noções acerca da disciplina.
A segunda expectativa, para nossa satisfação, é a que se concretiza nessa
experiência com os estudantes do PARFOR. As categorias analíticas introdutórias da
ciência antropológica tais como: Alteridade, etnocentrismo ou mesmo cultura,
provocavam reflexões de si mesmos dentro dos seus contextos culturais, revelando agora
uma realidade ainda não pensada, e com isso, trazendo novas tensões emocionais e até
certo ponto psíquicas, quando falam: “Nunca pensei que fosse tão preconceituosa”
(Abigahul, secretária escolar em Itaú/RN e aluna do PARFOR).
A diferença substancial nestas falas é que elas partem de mulheres e homens
maduros(as), de meia idade, alguns com filhos e que por serem professores em cidades
pequenas do interior do Rio Grande do Norte se tornam lideranças. Então, as reflexões,
reações e tensões internas se reverberam e atingem um número significativo de pessoas
auxiliando-as a pensar-se enquanto protagonistas do exercício da cidadania vividos em
suas respectivas cidades. Um bom exemplo deste protagonismo está em Damiana,
moradora da zona rural do município de João Dias (RN), que para assistir aula no
PARFOR/CAMEAM, tinha que andar em uma estrada carroçável até chegar ao centro da
cidade e assim pegar o ônibus que a levaria a Pau dos Ferros (RN). No entanto, o
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transporte não era regular. Em uma das sextas-feiras á noite, na volta ao município, ao
avistar o prefeito em uma churrascaria se dirige até ele e de imediato reivindica a
regularidade do transporte, nos conta ela.
O conhecimento antropológico que começa a ser vivido por esses sujeitos por
meio de discussões que a principio não pareciam se conectar com suas práticas cotidianas,
passam por meio de exercícios etnográficos a serem apropriados e resignificados. A
melhor evidencia para essa afirmação é o que vem a ocorrer com a categoria cultura,
pensada inicialmente por esses indivíduos, enquanto um elemento acessado apenas por
quem é culto, e se restringindo inclusive a espaços sociais e territoriais de elite.
Sentindo essa tendência a inferiorizar as práticas culturais de suas localidades
solicitamos enquanto trabalho final da disciplina Introdução à Antropologia, um exercício
etnográfico que orientava a realização de uma observação direta sobre os aspectos
culturais das localidades onde viviam os alunos do curso de Ciências Sociais –
PARFOR/CAMEAM. A ideia é que descrevessem de maneira pormenorizada os aspectos
culturais de suas localidades, pintando uma espécie de retrato cultural destas. Perguntado,
como fariam isso? Respondemos-lhes: elencando um a um os aspectos culturais;
descrevendo esses aspectos de maneira minuciosa; unindo de maneira textual todos os
elementos de forma que possam ser a representação mais próxima possível dessa
localidade; fazendo uma relação entre a realidade observada e os textos discutidos em
sala de aula. Enfim, desenvolvendo um texto etnográfico. Olhando além do visto todos
os dias. “Para compreender as modificações de muitos ambientes pessoais, temos a
necessidade de olharmos além deles (MILLS, 1975, p.17).
Figura 1: Alunas Izabel e Fátima apresentando relatórios de campo – Acervo PARFOR
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Figura 2: Aluna Izabel e o professor Elcimar Dantas discutindo os relatórios de campo – Acervo
PARFOR.
A experiência do exercício etnográfico leva estes sujeitos a não só estudarem o
conceito de cultura, como também a reconhecê-lo em sua realidade cotidiana, provocando
neles, um reconhecimento de si nessa cultura local e uma visão não mais depreciativa de
sua localidade, expressa em especial na fala de Maria do Carmo, professora de
matemática no município de Ererê/CE e nossa aluna: “Professor pensei que em minha
cidade não tivesse cultura, mas agora percebo que tem sim e tenho orgulho dela”.
Quando a conversa dá certo: Antropologia e educação
Um outro momento nessa experiência com os alunos do PARFOR, se deu na
disciplina de Antropologia da educação, quando construímos um espaço de reflexão
acerca da importância da observação das diferenças culturais na prática pedagógica.
Quando, no contexto de uma sala de aula com licenciandos em Ciências Sociais, nos
permitimos observar e compreender as diferenças culturais na prática pedagógica,
estamos construindo um espaço para não apenas repensarmos as diferenças culturais, mas
um espaço nascedouro de novas possibilidades de fazer pedagógico de acordo com a
escola e a comunidade em que vivemos e/ou iremos lecionar, Como fala Libâneo (1998,
p.19): “que o professor seja capaz de ajustar a sua didática às novas realidades da
sociedade, do conhecimento, do aluno, dos diversos universos culturais, dos meios de
comunicação”.
Atentando para o fato de que as escolas não podem ser construídas enquanto
ilhas de saber desvinculadas das realidades vivenciais de alunos, professores e
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funcionários, não podemos interpretar a escola de forma fragmentada e excludente,
“Trata- se de perceber a escola de hoje como espaço de integração” (LIBÂNEO, 1998,
p. 3). Nesse sentido, Antropologia e Educação estão inevitavelmente interconectadas.
Como nos enfatiza Maurício Rodrigues de Souza, ao procurar uma aproximação
entre Pedagogia e Antropologia:
(...) uma possível relação entre pedagogia e antropologia revela-
se através da recomendação de que o olhar do educador se estenda
para além dos muros da escola, contemplando as construções
sociais que, diretamente associadas a relações de poder e
exclusão, orientam tanto os diferentes modos de pensar e agir do
alunado quanto a própria prática docente (SOUZA, 2006, 494).
Pensar uma escola deslocada de uma experiência não conteudista tornou-se um
desafio para nossos alunos, uma vez que a ideia de pensar a diversidade cultural no
ambiente escolar, nas escolas onde trabalhavam, significava realizar uma discussão
voltada para as questões referenciadas nos temas transversais. Com essa preocupação
inicial, solicitamos que um exercício etnográfico fosse realizado a fim de se fazer uma
descrição densa dos elementos que evidenciassem a diversidade cultural nos ambientes
escolares nos quais trabalhavam.
É relevante se observar que os trabalhos etnográficos decorrentes desse exercício,
apontam para uma leitura crítica da própria atuação desses sujeitos enquanto
profissionais, bem como de todo o conjunto de indivíduos que compõem as escolas.
Percebe-se isso expresso nos seguintes depoimentos de Amanda, professora de História
na cidade de São Miguel: “A construção desta etnografia foi importante para mim, pois
através de reflexões e observações pude perceber questões que em cinco anos de
profissão nesta escola eu ainda não havia atentado”. E “Educar respeitando as
diferenças requer muito mais do que apenas inserir a diversidade no currículo, pois este
debate deve ser efetivamente desenvolvido por todos que fazem a comunidade escolar”.
Nesta perspectiva podemos enxergar a necessidade apontada por esses sujeitos
não da inserção e de uma discussão puramente curricular sobre esse tema
especificamente, mas como atitude que permeará toda a prática docente, na medida em
que conhecer o outro se transforma em ferramenta para um diálogo constante entre os
sujeitos que dão vida ao universo escolar. Podemos reconhecer que “O avanço do debate
na teoria antropológica nos leva a compreendê-la não apenas enquanto uma ciência a
compor o quadro epistemológico da formação de educadores, mas sim, como uma ciência
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que se propõe a realizar uma mudança de perspectiva na forma de encarar o outro, o
humano” (OLIVEIRA: 2012, p.126). Portanto, uma educação que, à luz da Antropologia,
pode pensar o humano e as práticas pedagógicas de uma forma diferenciada, subjetiva,
compreensiva e interpretativa.
A mudança de perspectiva observada nos alunos do PARFOR é notória. A
interface entre Antropologia e educação, traz ganhos pedagógicos substanciais como nos
apontou Amanda, na medida em que a realidade cultural passa a ser questionada e esses
questionamentos passam a compor o próprio planejamento das atividades pedagógicas a
serem realizadas, como a discussão já realizada por Oliveira (2012, p.128) nos aponta:
Compreendemos aqui que no processo formativo docente, a
problematização em torno da realidade cultural é condição sine
qua non para a realização plena do trabalho educativo, em
especial se considerarmos a dinâmica das sociedades modernas,
essencialmente multiculturais (HALL, 2009), em que sujeitos
com as mais diversas trajetórias sociais e culturais se cruzam, em
especial no espaço escolar.
Antropologia e Educação possibilita ao aluno de licenciatura – futuros
professores - um novo fazer pedagógico, que, inclusive, vá além de uma “Educação
bancária” como atesta Freire (1975), mas uma disciplina que rompa com o “paradigma
dominante” (SANTOS, 2010) e compreenda a educação como uma atitude que, por
natureza, leva em consideração diversos fatores para sua realização e, nesse caso
especificamente, os fatores culturais.
Experiências de alteridade: um terreiro de candomblé e uma comunidade indígena
Uma importante normatização, que abre espaço para a contribuição da
Antropologia na educação básica, tanto na formação de professores quanto na aplicação
de conteúdos em sala de aula, são as Leis nº 10.639, de 9/01/2003, e a Lei 11.645/08, que
asseguram uma educação étnico-racial e o ensino da história e cultura africana e indígena
nas escolas. Ambas representam parte de um conjunto de políticas afirmativas do governo
brasileiro, fruto das reivindicações do Movimento Negro e de outros setores da sociedade.
Visam assim, no âmbito não apenas escolar, mas da sociedade em geral, repensar as
relações étnico-raciais, as relações sociais e pedagógicas, procedimentos e as próprias
condições de ensino no Brasil.
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Mas infelizmente, os novos artigos incorporados à LDB ainda não foram
integralmente assimilados no nosso sistema educacional. Entre as principais dificuldades
estão: a falta de conhecimento da nova legislação, pois muitos estabelecimentos de ensino
alegam que desconhecem a existência da Lei, muito embora ela faça parte do texto da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação desde o ano de 2003; a desvalorização de sua
importância; e principalmente, a falta de qualificação profissional por parte dos
professores e profissionais da educação básica.
Para que esta proposta educacional seja real é preciso rever o saber escolar e
também investir na formação do educador, possibilitando-lhe uma formação teórica
diferenciada da eurocêntrica. A importância da efetivação dessas leis implica no desafio
de criarmos uma consciência cidadã, onde o racismo, o preconceito e a discriminação não
tenham espaço. E isso só será possível com o reconhecimento da escola e demais espaços
de construção de conhecimento como reprodutores das diferenças étnicas e culturais.
Entre as muitas áreas da Antropologia, a religião e a etnologia, voltada
predominantemente para o estudo de populações indígenas e afrodescendentes, deram
suporte a duas das experiências empíricas dos professores/alunos do curso de ciências
sociais do PARFOR, sujeitos que protagonizam este estudo.
Os alunos participaram de um ritual religioso de candomblé ketu no terreiro Ìlé
Asé Dajó Íyá Omí Sabà, na cidade de Areia Branca/RN. Os mesmos puderam tirar
dúvidas com o responsável pelo ritual, o babalorixá Noamã Pinheiro, conhecer o terreiro,
suas práticas e degustar sua culinária.
Figura 3: Alunos conversando com o Babalorixá Noamã Pinheiro – Acervo PARFOR
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Figura 4: Alunos conversando com o Babalorixá Noamã Pinheiro – Acervo PARFOR
O estudo das religiões afro-brasileiras está presente na ciência social brasileira
desde seus primeiros passos, marcando inclusive a gênese dos estudos da antropologia no
Brasil. Objetivando suscitar um pensamento voltado para a compreensão dos problemas
nacionais e a construção da nação, à temática do negro, na qual sua religiosidade é parte
preponderante, sempre esteve entre as preocupações dos intelectuais do país. Os debates
contemporâneos sobre religiosidade inserem cada vez mais às religiões afro-brasileiras
enquanto religiões que se adéquam a sociedade moderna, na qual predomina o
individualismo e a busca por soluções de problemas.
Nesse contexto as estruturas religiosas se deslocam, frente a uma possível crise
nas memórias religiosas através da afirmação de sujeitos autônomos e racionais, levando
a se questionar o próprio conceito de religião. Nesse sentido, foi de suma importância
para o aluno de ciências sociais familiarizar-se com o objeto desta aula de campo, ou seja,
um ritual religioso afro-brasileiro.
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Figura 5 Alunos conversando com o Ialorixá Maria Pinheiro – Acervo PARFOR
Figura 6: Alunos conversando com o Ialorixá Maria Pinheiro – Acervo PARFOR
O objetivo dessa experiência de campo foi sobretudo, familiarizar o aluno com
o tema da religiosidade afro-brasileira, rompendo com preconceitos e pré-noções,
promovendo a compreensão da cultura e da religião enquanto objetos essenciais da
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antropologia, proporcionando reflexões acerca do papel da religião na sociedade
contemporânea.
Figura 7: Alunos participando após participar do ritual de candomblé – Acervo PARFOR
Os alunos também visitaram a comunidade indígena Sagi-Trabanda, situada em
Baía Formosa-RN, que constitui-se de índios e caboclos da etnia Potiguara, em sua
maioria pescadores e agricultores.
Figura 8: Comunidade Sagi-Trabanda – acervo do PARFOR
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Figura 9: Comunidade Sagi-Trabanda – acervo do PARFOR
Figura 10: Alunas do PARFOR em passeio de canoa na comunidade Sagi-Trabanda. Acervo PARFOR
Os mesmos puderam conhecer o modo de vida do grupo que habita a região a
centenas de anos, conhecendo inclusive, o seu cemitério, onde repousam os restos mortais
de seus ancestrais.
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Figura 11: Cemitério centenário da comunidade Sagi-Trabanda – Acervo PARFOR
Os alunos ainda puderam conhecer o processo de demarcação de terra dos
referidos indígenas, ficando a par da situação que enfrentam desde o ano de 2005, de um
processo de reintegração de posse movido por um grupo imobiliário que tem interesse em
construir um resort nas terras da comunidade.
Figura 12: Alunos conhecendo a processo de demarcação de terras na comunidade – Acervo PARFOR
Ressaltamos a importância do referido campo para as discussões sobre
identidade e multiculturalismo, etnicidade, laudos antropológicos e demarcação de terras,
dentre tantos outros na Antropologia. Assim, foi fundamental para os alunos a inserção
empírica neste campo, enquanto um fenômeno social que proporciona o conhecimento
das configurações mais atuais da realidade sociocultural brasileira.
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As experiências aqui mencionadas buscaram fazer com que a Antropologia,
cumprisse seu papel no exercício de estranhamento e familiarização das realidades
sociais, sobretudo no rompimento do etnocentrismo e na introdução do relativismo
cultural, fundamental nesse processo de formação e aprendizagem dos futuros professores
da educação básica.
Considerações Finais
O conjunto de atividades referentes à Antropologia desenvolvidas no curso de
Ciências Sociais PARFOR/CAMEAM revelou a superação do conteudismo ou de uma
“Educação bancária” como atesta (FREIRE, 1975), na medida em que auxiliou por meio
de ferramentas antropológicas, mais especificamente a etnografia, que os alunos
questionassem suas realidades locais e globais, além de serem evidentes em seus
trabalhos e em suas falas que, o exercício do fazer antropológico leva a um
reconhecimento dos valores culturais presentes em suas localidades e de si, enquanto
sujeitos.
O reconhecimento dos elementos culturais conforme observamos, leva a uma
mudança de perspectiva pedagógica na medida em que, as realidades vivenciais passam
a ser questionadas, trazendo para o cotidiano do trabalho escolar um tipo de sensibilidade
voltada para questões relacionadas à diversidade cultural. Essa sensibilidade a qual nos
referimos é resultante de uma tensão constante entre o “eu” (professor) e os “outros”
(alunos), que passa a ganhar relevância na produção do conhecimento, por favorecer a
identificação do lugar dos sujeitos nesse processo, onde o aluno deixa de ser apenas mais
um, para ganhar contornos de pessoa, com emoções, saberes e leituras de mundo
específicas.
Sendo assim, o percurso percorrido por esse conjunto de pessoas favoreceu a
identificação do saber e fazer antropológicos, como elementos necessários à condução de
suas práticas docentes, na medida em que são ativadas as funções de "estranhamento" e
"desnaturalização", conforme previstas nas Orientações Curriculares para o Ensino
Médio.
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Referências bibliográficas
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei número 9394, 20 de
dezembro de 1996.
BRASIL, Ministério da Educação. Orientações Curriculares para o Ensino Médio:
Ciências Humanas e suas tecnologias. Brasília, MEC, 2006 CUIN, Charles-Henry.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.
GUSMÃO, Neuza Maria Mendes. Antropologia e Educação: origens de um diálogo.
Cadernos CEDES, nº 43, p. 8-25, ano XVIII, Campinas, dez/1997.
LIBÂNEO, José C. Adeus professor, adeus professora? Novas exigências
educacionais e profissão docente. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2000.
MILLS, Wright. A Imaginação Sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1975
OLIVEIRA, Amurabi. Antropologia e antropólogos, educação e educadores: o lugar
do ensino de Antropologia na formação docente. Revista percursos. Florianópolis,
v.13, n01, p. 120-132, jan/jun. 2012.
SANTOS, B.S. Um discurso sobre as ciências. 7° Ed. São Paulo: Cortez, 2010.
SOUZA, Maurício Rodrigues de. Por uma educação antropológica: comparando as
ideias de Bronislaw Malinowski e Paulo Freire. Revista Brasileira de Educação, Vol.
11, nº 33 – set/dez. 2006.
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