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Análise da fundamentação da culpabilidade no art. 59 do Código Penal, pelos seus elmentos constitutivos.
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FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 2
SERRANO NEVES
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
NO ART. 59 DO CÓDIGO PENAL
EDITORA LIBER LIBER
GOIANIA-GO
2012
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 3
1ª Edição - 2012
COPYLEFT
O conteúdo da Editora Liber Liber é “COPYLEFT”
podendo ser copiado, reproduzido e/ou distribuído desde
que seja dado crédito ao autor, à Editora e, se for o caso, à
fonte primária de informação.
http://serrano.neves.nom.br/eliber/1.html
http://editoraliberliber.blogspot.com
http://editoraliberliber.net
serrano@serrano.neves.nom.br
pmsneves@gmail.com
EDITORA LIBERLIBER
Produzido no Brasil
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA PATROCINADA
PELO AUTOR
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 4
LIVRO LIVRE É FUNÇÃO SOCIAL DA
PROPRIEDADE INTELECTUAL
Sempre que o mundo jurídico reage diante da
desregularidade ou do desvio não aceitável, ou incide para
regular e evitar desvios, existem sujeitos implicados e
interessados, e desta sorte a reação afeta os sujeitos em
maior ou menor grau, criando, modificando ou extinguindo
relações.
De todas as reações ou incidências uma é especialíssima,
personalíssima, e reservada para situações que por outra
ordem não puderam ser resolvidas: o Direito Penal.
Serrano Neves
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE NO ART. 59 DO CÓDIGO PENAL, Serrano Neves -
[Penal-Culpabilidade-Doutrina] 20/01/12; 1ª Edição; Editora Liber Liber, Goiânia GO; 0,6 mB;
45 págs. Livro Digital
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 5
Sumário
1 INTRODUÇÃO 6
2 DA INDIVIDUALIZAÇÃO 8
3 ANÁLISE DA CULPABILIDADE 11
4 DO CARÁTER DECISÓRIO DA FIXAÇÃO DA
PENA 15
5 DO RECEBIMENTO (REJEIÇÃO) DA
DENÚNCIA 16
6 DA (IN)PROCEDÊNCIA DA DENÚNCIA 18
7 MOTIVOS DE FATO E DE DIREITO 19
8 MOTIVO (DEFINIÇÃO) 20
9 FUNDAMENTO (DEFINIÇÃO) 21
10 LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO 23
11 DA EXTENSÃO DA MOTIVAÇÃO 35
12 CONCLUSÃO 42
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 6
1 INTRODUÇÃO
Art. 93. Lei complementar ...
IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário
serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob
pena de nulidade...
Constituição da República Federativa do Brasil
Art. 381. A sentença conterá:
I - os nomes das partes ou, quando não possível, as
indicações necessárias para identificá-las;
II - a exposição sucinta da acusação e da defesa;
III - a indicação dos motivos de fato e de direito em
que se fundar a decisão;
IV - a indicação dos artigos de lei aplicados;
V - o dispositivo;
VI - a data e a assinatura do juiz.
Código de Processo Penal
Obter que as luzes de uma nova carta política
iluminem a realidade social não é uma tarefa fácil diante
de um contexto histórico centralizador do poder e um
recente emergir de um estado autoritário que a Carta de
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 7
88 veio sepultar.
Vinte anos de Estado Democrático de Direito ainda
não se revelaram eficazes em apagar da memória os
“facilitadores” do exercício do poder criados pelo
governo militar.
Assim, neste texto, é buscado afastar os restos do
“negro véu” que ainda impedem a plena incidência da luz
constitucional no plano da atividade judicial.
Buscar a eficácia normativa constitucional da
fundamentação das decisões judiciais através do vigente
Código de Processo Penal rumo a alcançar o dispositivo
condenatório das sentenças penas é o escopo.
A Constituição transforma-se em força ativa se essas
tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a
disposição de orientar a própria conduta segundo a
ordem nela estabelecida, e, a despeito de todos os
questionamentos e reservas provenientes dos juízos de
conveniência, se puder identificar a vontade de
concretizar essa ordem. Concluindo, pode-se afirmar que
a Constituição converter-se-á em força ativa se fizerem-
se presentes, na consciência geral – particularmente, na
consciência dos principais responsáveis pela ordem
constitucional -, não só a vontade de poder (Wille zur
Macht), mas também a vontade da Constituição (Wille
zur Verfassung).
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 8
DIE NORMATIVE KRAFT DER VERFASSUNG –
Konrad Hesse, tradução de Gilmar Ferreira Mendes,
ED. SAFE, 1991, pag. 19
Cuida o artigo 59 do Código Penal da fixação da
pena base e seu manejo está regido pelo princípio da
individualização, matéria sobre a qual não recai
controvérsia.
A primeira circunstância do art. 59, a culpabilidade,
é o foco da busca pela fundamentação.
Vale ressaltar que são vedadas motivações implícitas. Os
caminhos percorridos na fundamentação constitucional
são todos às claras. O provimento judicial deve ser
preciso sobre todas as questões vinculadas, dando-se as
razões das premissas e das conclusões para se impedir
que eventuais intenções sub-reptícias possam provocar
desvios de finalidade na prestação jurisdicional.
VALORES E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS,
Alexandre Bizzotto, AB Ed, 2003, pág. 271
2 DA INDIVIDUALIZAÇÃO
Individualizar significa fazer (confeccionar,
fabricar, modelar etc,) para o indivíduo.
O mundo da realidade é a origem de todas as
relações entre os sujeitos e objetos que o compõem.
A atividade da inteligência perceptiva apreende
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 9
essas relações e as transforma em cultura.
A cultura se forma e mantém na medida em que são
atribuídos valores aos sujeitos, objetos, e relações.
A cultura é refinada transformando-se em
conhecimento e o conhecimento é codificado na forma de
técnicas, tecnologias e ciência.
Os “mundos” coexistem em constante interação e
integração, não parecendo que um único mundo possa ser
isolado para efeito de estudo sem perder sua referência
com a realidade.
De todos os “mundos” possíveis um pretende ser
reitor dos demais e sua pretensão tem como fundamento
manter os demais em “estado de regularidade” com o
mínimo de oscilação: é o “mundo” jurídico.
De modo raso pode ser dito que estado de
regularidade é o aceitável pela maioria e mínimo de
oscilação é o desvio aceitável da regularidade.
O “mundo” jurídico é, então, o mundo de todas as
realidades, mesmo as realidades que nele ainda não
tiveram o ingresso carimbado (normatização).
Sempre que o mundo jurídico reage diante da
desregularidade ou do desvio não aceitável, ou incide
para regular e evitar desvios, existem sujeitos implicados
e interessados, e desta sorte a reação afeta os sujeitos em
maior ou menor grau, criando, modificando ou
extinguindo relações.
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 10
De todas as reações ou incidências uma é
especialíssima, personalíssima, e reservada para situações
que por outra ordem não puderam ser resolvidas: o
Direito Penal.
Como sabido, o Direito Penal é um campo para o
qual tudo converge em favor da eficácia em relação a um
sujeito que sofre a imputação de desregularidade e
desvio,
A sanção é o instrumento através do qual o Direito
Penal busca sua eficácia em relação ao sujeito, como
anunciado: reprovação e prevenção.
Três grandes comandos constitucionais balizam a
pretensão de eficácia:
1. a proibição implícita de violação dos objetivos e
fundamentos da República e dos direitos e garantias
individuais;
2. a proibição expressa de alguns tipos penais
contrários aos objetivos e fundamentos da
República;
3. a individualização da pena.
A Lei de Execução Penal fixa, em seu artigo
primeiro, que o finalismo da execução penal é a
harmônica integração social do condenado com a
promoção de condições para tal e cumprimento dos
dispositivos da sentença condenatória.
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 11
A hierarquia de prescrições deve ser obedecida
pelos seus concretizadores com idêntico finalismo
(harmônica integração social do condenado): legislativo,
judicial e material.
O sujeito ativo é parte da realidade do crime, e
parte reconhecida pelos elementos biopsíquicos que a
compõem como verificado na regência da
imputabilidade, circunstâncias, condições pessoais,
causas de justificação etc.
3 ANÁLISE DA CULPABILIDADE
A culpabilidade, conquanto corretamente vista nos
momentos em que se apresenta como princípio e como
elemento dogmático não pertencentes ao universo
biopsíquico do sujeito porque são apenas objetos
jurídicos, não vem sendo considerada corretamente no
momento em que deve ser vista como atribuição
personalíssima.
As considerações incorretas aparecem no
dispositivo condenatório na forma de fundamentação
insuficiente para o reconhecimento de que a pena base
aplicada é referente, adequada e proporcional à
capacidade para a conduta do sujeito condenado.
De todas as considerações possíveis para a fixação
da pena a mais importante é que cumpre o finalismo da
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 12
execução.
Pretender a harmônica integração do condenado
sem declarar a desarmonia e a desintegração dele como
sujeito e parte integrante do crime dificulta ou impede
que o próprio sujeito seja parte do processo de
integração, negando-lhe acesso ao fundamento da
dignidade da pessoa humana de forma tão grave que a
execução penal resulta reduzida a um processo de “doma
racional”, ou por vezes irracional.
As atribuições individuais devem ser tomadas em
função do momento do crime, qual seja, no cenário,
espaço e tempo em que o sujeito está integrado ao crime,
porque é nesse momento em que estão em integração na
conduta todas as influências objetivas e subjetivas, ou
externas e internas.
A circunstância judicial culpabilidade quer cuidar
da imputabilidade, potencial consciência do injusto e
exigibilidade de conduta diversa no momento do crime,
para o fim de estabelecer um grau de censura.
A análise da culpabilidade deverá, então, responder
que o indivíduo podia conduzir-se de modo diverso
porque capaz de avaliar o injusto da conduta vez que
portador de habilidades para tais, e mais que não existiam
circunstâncias diminuidoras dessa capacidade.
A análise recairá sobre intenções, motivos,
percepção, móvel, objetivos, pressões etc, ou seja, sobre
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 13
tudo aquilo que conduziu o sujeito a produzir o resultado.
Intenção e motivo são noções conexas; o motivo é motivo
de uma intenção (…). A relação é tão estreita que, em
certos contextos, motivos e intenções são indiscerníveis,
em particular quando a intenção é explícita. (…) A
intenção responde à pergunta “quê, que fazes?” Serve,
pois, para identificar, para nomear, para denotar a
acção (o que se chama ordinariamente o seu objecto, o
seu projecto); o motivo responde à questão “porquê?”
Tem, portanto, uma função de explicação; mas a
explicação já vimos, pelo menos nos contextos em que
motivo significa razão, consiste em esclarecer, em tornar
inteligível, em fazer compreender. Portanto, é sob a
condição da redução do motivo a uma razão de… e da
explicação a uma interpretação, que a noção de motivo
aparece separada da de causa por um “abismo lógico”:
classificar algo como motivo é excluir que o
classifiquemos como razão de… (…).
A relação causal é uma relação contingente no sentido
de que a causa e o efeito podem identificar-se
separadamente e que a causa pode compreender-se sem
que se mencione a sua capacidade de produzir tal ou tal
efeito. Um motivo, pelo contrário, é um motivo de: a
íntima conexão constituída pela motivação é exclusiva da
conexão e contingente da causalidade.
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 14
Paul Ricoeur, O Discurso da Acção, Lisboa, Edições
70,1988, pp. 50-51
http://paginasdefilosofia.blogspot.com/2009/03/intenca
o-e-motivo-sao-nocoes-conexas-o.html - acessado
08:23:16 27/06/09
A análise da culpabilidade será, em suma, uma
construção na qual o magistrado declara os elementos
constitutivos (conteúdo) da elementar (continente).
Tal construção é corrente e correta quando, em
obediência ao comando legal de construção da sentença o
magistrado declara os motivos de fato (conteúdo) e de
direito (continente) em que se funda a decisão de
procedência da denúncia (art. 381, III, CPP) que
corresponde à declaração de culpado.
O fundamento da declaração de culpado (decisão
fundamentada) é a declaração de que o continente
(motivos de direito) está preenchido pelo conteúdo
(motivos de fato) adequado.
A declaração de culpado será, atendido o comando
legal, o que a Constituição anota como decisão
fundamentada.
O inciso apontado, antes de ser um formulário a ser
preenchido como aparenta, é um rol de partes tão
essenciais que mesmo o nome do indivíduo, sobejamente
identificado e conhecido deve constar para que a
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 15
sentença tenha a natureza de peça autônoma e constitua
um título executivo.
É por esta ótica que apontamos o inciso III como
regra geral para as decisões que constarem do corpo da
sentença e, dentre outras, o dispositivo condenatório fruto
do art. 59 do CP é uma decisão da qual devem constar os
motivos de fato e de direito.
Observado que na parte discursiva (dialética) o
magistrado maneja a lei, a doutrina, as ciências auxiliares
pertinentes ao caso e a jurisprudência, têm-se como claro
que os elementos de fato e de direito estão constituídos
por esse complexo, e mais claro fica essa amplitude
quando é visto que os motivos (artigos) da lei estão
referidos no inciso IV.
4 DO CARÁTER DECISÓRIO DA FIXAÇÃO DA
PENA
A determinação constitucional sobre a
fundamentação de que todas as decisões judiciais não
pode ser limitada pela taxionomia processual nem pelas
limitações da recorribilidade pois, em regra, todas as
decisões judiciais são recorríveis se tomada a
recorribilidade como a possibilidade de que a decisão
seja modificada, e assim podem ser tomados também
como recurso (ou meio) para modificar a decisão o
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 16
Habeas Corpus e a Revisão Criminal, com o efeito que
têm de trancar a ação penal com denúncia recebida ou
modificar a sentença condenatória transitada em julgado,
situações dadas como “irrecorríveis”.
Sob a ótica do regime democrático (art. 127 da CF)
o termo decisão, na vertente da menor gravosidade para o
cidadão e maior amplitude do preceito, decisão é escolha
na forma mais simples de responder sim ou não, como o
é no júri.
Escolher entre sim e não é um processo de escolha
que se enquadra como decisão (eficácia protendida) e,
portanto, deve ser fundamentada.
5 DO RECEBIMENTO (REJEIÇÃO) DA
DENÚNCIA
É corrente, em nome de uma economia
procedimental injustificada, o recebimento da denúncia
por lançamento de uma cota simples e pouco diferente de
um carimbo - recebo a denúncia – e tal simplificação não
tem outra justificativa senão a da estatísticas que podem
validar ser a maioria esmagadora das denúncias uma
espécie “recebível”.
Dúvidas não existem de que são antecedentes
informativos para o recebimento da denúncia:
1. a existência de um fato;
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 17
2. a definição do fato como crime;
3. a presença dos requisitos e condições da ação e
do processo.
Existe uma única hipótese que autoriza o
recebimento da denúncia e está caracterizada por três
respostas SIM.
Uma única resposta NÃO implica em rejeição.
Ao exame de 1, 2 e 3 o magistrado decide por SIM
ou por NÃO, e receber ou rejeitar terá por fundamento,
razão ou motivo, o conteúdo da matéria examinada.
Restando, portanto, cristalinamente demonstrado que a
manifestação do magistrado
de recebimento da denúncia é um ato decisório, devido o
gravame que decorre desta prolação. Embasando este
entendimento, também estão as legislações comparadas
que já regulam o recebimento da denúncia como uma
decisão; bem como a tendência atual reformadora do
CPP em considerar nula a decisão de recebimento sem
fundamentação. Entendem também que se deve incluir
esta como uma das hipóteses de impetração do recurso
em sentido estrito elencadas no art. 581 do CPP, além de
criar uma audiência preliminar(14) antes
do recebimento da denuncia, como já ocorre em alguns
procedimentos especiais.
A natureza jurídica do recebimento da denúncia. Será
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 18
uma discussão fradesca? Elaborado em 10.2002. João
Alves de Almeida Neto
http://jus2.uuol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3505
acessado 040709 1115
Neste trilhar, Fernando Capez, em lúcida reflexão,
professora que:
“Para nós o recebimento da denúncia ou queixa implica na escolha judicial entre a aceitação e a recusa da acusação, tendo, por esta razão, conteúdo decisório, a merecer adequada fundamentação.
Citado em: Recebimento da denúncia. Necessidade de
fundamentação. Forma de controle extraprocessual -
Moacyr Corrêa Neto
http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=2.12253
acessado 040709 1147
A automatização do recebimento da denúncia,
porém, não afasta o caráter decisório do ato.
O recebimento da denúncia determina a existência
e curso da ação penal.
6 DA (IN)PROCEDÊNCIA DA DENÚNCIA
Costumeiramente os magistrados encerram o
exercício dialético (exame do contraditório, art. 381, II,
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 19
III e IV) com a expressão “julgo procedente (ou
parcialmente procedente ou improcedente) a denúncia”.
Este ato é uma decisão, visto que há escolha, e é
decisão fundamentada (a sentença conterá) e os
fundamentos os incisos citados no parágrafo anterior.
A procedência (ou procedência parcial ou
improcedência) determina se o magistrado poderá
avançar para a fase da fixação da pena.
Ultrapassadas as hipóteses de não aplicação da
pena o magistrado entra no manejo das circunstâncias do
artigo 59.
A primeira delas é a culpabilidade, que tem a
função de determinante, qual seja, verificada ausente as
demais circunstâncias não serão examinadas e o culpado
será absolvido.
7 MOTIVOS DE FATO E DE DIREITO
Motivos de direito são comparáveis aos tipos:
indicadores dos elementos que devem estar presentes na
declaração.
A declaração deve ser uma construção de
adequação dos motivos de fato aos motivos de direito e
tem a figura de demonstração:
1. a ação de A (indivíduo criminalmente
identificado) ...
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 20
2. ... eliminou (meios verificados)
3. ... a vida (verificação da morte, ou materialidade)
...
4. ... de B (vítima verificada)
5. B estava vivo antes da ação de A, então B era
ALGUÉM.
6. Eliminar a vida é MATAR (verbo da ação de A)
7. MATAR ALGUÉM é crime: art. 121 do Código
Penal.
Compreensível, corrente e usual que sem os
motivos de fato não é possível afirmar o motivo de
direito, e sem a adequação (conteúdo requerido para
preenchimento do continente) entre eles a afirmação seria
falsa.
8 MOTIVO (DEFINIÇÃO)
Definition: razão pela qual justificamos nossa atitude.
Opõe-se ao "móvel", que é a causa real de nossa ação, o
que a move efetivamente. — O motivo é a
razão consciente, a justificação social e freqüentemente
retrospectiva do que fizemos; enquanto que o móvel é
um sentimento, um estado afetivo, que, aliás, pode
permanecer inconsciente. [Larousse]
Vocabulário da Filosofia
http://www.filoinfo.bem-
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 21
vindo.net/filosofia/modules/lexico/entry.php?entryID=2
292 acessado 08:30:05 27/06/09
9 FUNDAMENTO (DEFINIÇÃO)
Definition: Usa-se este termo em vários sentidos. Por
vezes equivale a princípio; outras vezes a razão; outras
ainda a origem. pode, por sua vez, empregar-se nos
diversos sentidos em que se emprega cada um destes
vocábulos. Por exemplo: “Deus é
o fundamento do mundo”; “eis aqui os fundamentos da
filosofia”; “conheço o fundamento da minha crença”.
Pode ver-se facilmente que, além de ser muito variado o
uso de tal termo, na maioria dos casos não
é nada preciso.
Em geral pode estabelecer-se que são duas as principais
acepções de fundamento:
1) o fundamento de qualquer coisa enquanto qualquer
coisa real.
Esse fundamento - chamado por vezes fundamento real
ou material - identifica-se às vezes com a noção
de causa, especialmente quando causa tem o sentido de a
razão de ser de qualquer coisa. Posto que a noção de
causa pode por seu turno ser compreendida em vários
sentidos, o mesmo sucederá com a idéia de fundamento;
é muito comum, no entanto, identificar a noção
de fundamento com a de causa formal.
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 22
2) o fundamento de qualquer coisa enquanto qualquer
coisa real (de um enunciado ou conjunto de enunciados).
Tal fundamento é então a razão de tal enunciado ou
enunciados no sentido de ser a explicação racional deles.
Tem-se chamado por vezes a este fundamento,
fundamento ideal.
Vocabulário da Filosofia
http://www.filoinfo.bem-
vindo.net/filosofia/modules/lexico/entry.php?entryID=6
85 08:32:39 27/06/09
Intenção e motivo são noções conexas; o motivo é motivo
de uma intenção (…). A relação é tão estreita que, em
certos contextos, motivos e intenções são indiscerníveis,
em particular quando a intenção é explícita. (…) A
intenção responde à pergunta “quê, que fazes?” Serve,
pois, para identificar, para nomear, para denotar a
acção (o que se chama ordinariamente o seu objecto, o
seu projecto); o motivo responde à questão “porquê?”
Tem, portanto, uma função de explicação; mas a
explicação já vimos, pelo menos nos contextos em que
motivo significa razão, consiste em esclarecer, em tornar
inteligível, em fazer compreender. Portanto, é sob a
condição da redução do motivo a uma razão de… e da
explicação a uma interpretação, que a noção de motivo
aparece separada da de causa por um “abismo lógico”:
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 23
classificar algo como motivo é excluir que o
classifiquemos como razão de… (…).
A relação causal é uma relação contingente no sentido
de que a causa e o efeito podem identificar-se
separadamente e que a causa pode compreender-se sem
que se mencione a sua capacidade de produzir tal ou tal
efeito. Um motivo, pelo contrário, é um motivo de: a
íntima conexão constituída pela motivação é exclusiva da
conexão e contingente da causalidade.
Paul Ricoeur, O Discurso da Acção, Lisboa, Edições
70,1988, pp. 50-51
http://paginasdefilosofia.blogspot.com/2009/03/intenca
o-e-motivo-sao-nocoes-conexas-o.html acessado
08:23:16 27/06/09
O motivo legal para a culpabilidade é o artigo 59
do CP c/c art. 29 e referentes adiante dele.
Os motivos de direito para a culpabilidade estão
apontados pela doutrina com sendo a imputabilidade
(especial, no caso), a potencial consciência do injusto e a
exigibilidade de conduta diversa.
Quais seriam então os motivos de fato da
culpabilidade, ?
10 LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO
Vige em nosso sistema jurídico o princípio do Livre
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 24
Convencimento Motivado do Juiz, segundo o qual o juiz
tem liberdade para dar a determinado litígio a solução
que lhe pareça mais adequada, conforme seu
convencimento, dentro dos limites impostos pela lei e
pela Constituição, e motivando sua decisão –
fundamentação -. Cabe-lhe, à luz das provas e
argumentos colecionados pelas partes – Persuasão
Racional – decidir a lide.
A Emenda Constitucional nº 45/04, a súmula
vinculante e o livre convencimento motivado do
magistrado. - Um breve ensaio sobre hipóteses de
inaplicabilidade - Elaborado em 05.2005. - Luís
Fernando Sgarbossa e Geziela Jensen
http://jus2.uuol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6884
acessado 040709 0808
Conquanto não se trate de uma lide no sentido
estrito o princípio se aplica ao processo penal na
integralidade, como acima exposto.
A limitação imposta pela lei e pela Constituição só
pode ser demonstrada obedecida se existirem declarações
suficientes para conferência da motivação –
fundamentação – e a suficiência é verificada pela
extensão da recorribilidade.
A extensão da recorribilidade deve alcançar os
motivos de fato e de direito e tais, então, precisam ser
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 25
declarados de forma a premiar a inteligibilidade pois a
decisão sobre recorrer ou não é, de regra, é do domínio
do sucumbente, no caso em estudo o condenado,
conquanto a deficiência de fundamentação prejudique
também a acusação.
Quais seriam então os motivos de fato da
culpabilidade?
A pergunta retorna para atender à necessidade de
individualização da culpabilidade que, na fixação da
pena, é o parâmetro da proporcionalidade da pena em
relação à pessoa do condenado.
O art. 59 do Código Penal prescreve que a pena
deve ser necessária e suficiente para a reprovação e a
prevenção e, simplesmente para fugir da
responsabilização objetiva deve ser entendido que a
reprovação e a prevenção devem recair sobre o indivíduo,
e tanto assim é que o tipo oferece uma faixa de sanção
para o mesmo crime.
Então, é no indivíduo e nas circunstâncias do
cenário da conduta que serão encontrados os motivos de
fato a serem adequados aos motivos de direito.
Por circunstâncias do cenário da conduta devem ser
considerados todos os fatores que possam influir na
tomada de decisão ou produzir determinada reação, em
cotejo com a capacidade do indivíduo para lidar com tais
influências.
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 26
Desta sorte, os motivos de fato serão aqueles que
constarem dos autos por informação do denunciado, via
interrogatório, ou por qualquer meio admitido em direito
como prova de ato ou fato.
Ao magistrado cumpre colher as informações de
pessoa e cenário como motivos de fato, e a insuficiência
dessa coleta é tão grave que reflete diretamente na
insuficiência da fundamentação.
Apesar da objetividade informativa a conclusão
sobre a culpabilidade é o resultado de um juízo (livre
convencimento motivado) a ser declarado com todos os
argumentos de fato e de direito.
O conteúdo da declaração do juízo da culpabilidade está
detalhado em outros textos aos quais se recomenda o
acesso:
Caderno de Referência Doutrinária sobre a
Culpabilidade
http://serrano.neves.nom.br/CRD4-CULPAB_1.0.pdf
A Culpabilidade vista por Serrano Neves
http://www.serrano.neves.nom.br/LIV_2-
CULPABILIDADE.pdf
O estilo de composição do texto das declarações
pode, sim, ser a concisão, desde que a inteligibilidade
não prejudique a recorribilidade (garantia da ampla
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 27
defesa)
A concisão é apenas uma forma curta de
composição na qual as idéias são apresentadas e
encadeadas na mínima inteligibilidade, dispensado o
discurso justificador.
Um exemplo de concisão é o silogismo da lógica
formal na sua forma simples:
Todos os homens são mortais,
Sócrates é homem,
logo, Sócrates é mortal.
Esta forma simples é inteligível porque os termos
são de conhecimento comum e o homem-pessoa pode ser
qualquer um. Porém, fossem os termos incomuns para a
pessoa a quem a comunicação é dirigida (condenado) e a
forma requerida seria aumentada, no mínimo, para o
epiquerema, no qual os termos ou premissas são
demonstrados:
Todos os homens (designativo de todas as pessoas
vivas) são mortais (por constatação da inexistência de
pelo menos um homem imortal),
Sócrates (nome de um homem, filósofo grego) é
mortal (chegará o momento em que morrerá),
Logo, Sócrates é mortal.
As demonstrações poderiam ser aumentadas até se
transformarem em longo discurso sem perda do
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 28
raciocínio silogístico.
Não é requerido que a decisão fundamentada seja
abundante, mas é requerido que seja completa (premissas
e conclusão), não sendo admitida a presunção de
conhecimento sobre algo que não foi declarado, ou a
googlalização da decisão.
Google - Pesquisa avançada - Pesquisar: a web
páginas em português páginas do Brasil - Web
Resultados 1 - 50 de aproximadamente 41.200 para
"Sócrates é mortal" (0,65 segundos)
A decisão judicial deve ser considerada pelo que
nela está escrito, jamais pelo que dela pode ser deduzido
ou interpretado, vez que a necessidade de dedução ou
interpretação revela, exatamente, a deficiência de
inteligibilidade, admitida a referência à fonte dos autos
(conforme folhas) ou a fonte externa (fonte bibliográfica)
com a precisão que não demande maior gravosidade para
que as fontes sejam encontradas e conferidas.
Matar a cobra e mostrar o pau é como os não-
jurídicos exigem que algum declarante a presente os
fundamentos da declaração.
Qual o grau de inteligibilidade que deve ter uma
declaração?
A resposta mais simples é que a declaração possa
ser entendida pelo indivíduo a quem é dirigida e estará
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 29
sujeita aos efeitos dela.
Um exemplo na música encaminha o raciocínio:
C7 (notação cifrada do acorde de Dó maior com
sétima)
C7 (C, E, G, B) são notas que compõem o acorde
C7, dó, mi, sol, si.
C = 16,352 Hz, E = 20,602 Hz, G = 24,500 Hz, B -
30,868 Hz, as frequências (primeiras audíveis) das notas
que formam o acorde.
Seja que as frequências podem ser produzidas por
tubos de diâmetro D e comprimento L, fechados em uma
extremidade. (fórmulas suprimidas, ver teoria em:
http://www.feiradeciencias.com.br/sala10/10_15.asp )
Seja que com base nos tubos pode ser construída a
flauta de Pan (um tubo para cada nota) e alguém,
soprando na flauta, ouça as notas.
Seja também que o acorde seja tocado num violão e
o instrumentista diga para o ouvinte: O que você ouviu é
um C7.
O ideal seria o magistrado “tocar o acorde” na
presença do ouvinte (condenado), mas a processualística
nem sempre permite isto. No entanto, por se tratar de um
“acorde” que privará o “ouvinte” da liberdade e de
direitos, é de ser tido como fundamental que, ao invés de
escrever uma partitura jurídica que será executada pelo
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 30
defensor para que o ouvinte tome conhecimento, a
DIGNIDADE DA PESSOA humana seja contemplada
com o mínimo direito de o condenado entender por olhos
e ouvidos próprios as razões da decisão.
Igual ferimento a um direito fundamental seria o
magistrado prolatar uma sentença na qual apenas
escrevesse: Por incursão no tipo previsto na lei o réu é
culpado.
Folheando os autos um “mestre iniciado” nas artes
jurídicas poderia concluir que a decisão acima está
correta.
Correta, mas totalmente carente de fundamentos de
fato e de direito.
A finalidade da sentença é resumir os autos e a
finalidade do dispositivo é resumir a sentença, cada
etapa, porém, com seus próprios motivos de fato e de
direito.
Desta sorte, a simples escrita dos motivos de direito
(imputabilidade especial, potencial consciência da
ilicitude e exigibilidade de conduta diversa) assinala os
motivos de direito, mas não trazem como suporte os
motivos de fato que seriam a razão de decidir por maior
ou menor grau de censura.
Na análise da culpabilidade a motivação de fato
responde aos porquês:
1. porque é especialmente imputável;
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 31
2. porque podia alcançar a consciência do injusto;
3. porque poderia ser exigida conduta diversa.
A preocupação com a fundamentação das decisões
antecede a Carta de 88:
A motivação, quanto ao direito, exige que o juiz deva
exprimir o porquê de uma determinada escolha
normativa e interpretativa.
...
Convém ressaltar que não há motivação sem referência
aos elementos de prova relativos aos pontos
fundamentais da causa. É perfeita a observação de
RICARDO C. NÚÑEZ: “Em relación a las conclusiones
de hecho de la sentencia, para llenar su obligación de
motivarlas (fundarlas), el juez debe comenzar por
enunciar los elementos probatórios que justifican cada
una de esas conclusiones de hecho. No le bastaria decir:
está probado que Juan murió. Es preciso que sustente
esa afirmación em elementos probatórios. La motivación
debe ser sobre todos y cada uno de los presupuestos de
la decisión; debe ser, em una palabra, completa”.
A MOTIVAÇÃO DA SENTENÇA NA APLICAÇÃO
DA PENA (*) Heleno Cláudio Fragoso - Texto integral
e original do artigo publicado na Revista de Direito do
Ministério Público da Guanabara, n.° 08, 1969.
A Carta de 88 ao estabelecer o Estado Democrático
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 32
de Direito lançou luzes mais fortes sobre a motivação das
sentenças, justificando o alcance ampliado da função:
Eduardo Couture, quanto ao dever da
fundamentação das decisões judiciais, diz que se trata de
"uma maneira de fiscalizar a atividade intelectual do Juiz
frente ao caso, a fim de poder-se comprovar que sua
decisão é um ato refletido, emanado de um estudo das
circunstâncias particulares, e não um ato discricionário
de sua vontade arbitrária."
Neste mesmo sentido Antônio Scarance Fernandes
ao expor a evolução de tal princípio:
Evoluiu a forma de se analisar a garantia da motivação
das decisões. Antes, entendia-se que se tratava de
garantia técnica do processo, com objetivos
endoprocessuais: proporcionar às partes conhecimento
da fundamentação para poder impugnar a decisão;
permitir que os órgãos judiciários de segundo grau
pudessem examinar a legalidade e a justiça da decisão.
Agora, fala-se em garantia de ordem política, em
garantia da própria jurisdição. Os destinatários da
motivação não são mais somente as partes e os juízes de
segundo grau, mas também a comunidade que, com a
motivação, tem condições de verificar se o juiz, e por
consequência a própria Justiça, decide com
imparcialidade e com conhecimento de causa. É através
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 33
da motivação que se avalia o exercício da atividade
jurisdicional. Ainda, às partes interessa verificar na
motivação se as suas razões foram objeto de exame pelo
juiz. A este também importa a motivação, pois, através
dela, evidencia a sua atuação imparcial e justa.
A SENTENÇA JUDICIAL E A SUA
FUNDAMENTAÇÃO - Ana Luiza Berg Barcellos -
29/05/2008*
http://www.mt.gov.br/wps/portal?cat=Direito,+Justiça+
e+Legislação&cat1=com.ibm.workplace.wcm.api.WCM
_Category/Defesa+na+Ordem+Jurídica/dc97b1481cba
6a3&con=com.ibm.workplace.wcm.api.WCM_Content/
A+SENTENÇA+JUDICIAL++E+A+SUA+FUNDAM
ENTAÇÃO/e54c9c0366c488a&showForm=no&siteAre
a=Início&WCM_GLOBAL_CONTEXT=/wps/wcm/con
nect/e-
MatoGrosso/Estado/Informações/A+SENTENÇA+JU
DICIAL++E+A+SUA+FUNDAMENTAÇÃO acessado
08072009 0647
Do ponto de vista da ordem pública, ou função
exoprocessual, sendo Portugal um dos signatários da
Convenção para a proteção dos Direitos do Homem e
das Liberdades Fundamentais e possuindo uma
constituição de mesmos princípios que a brasileira, vale
citar:
1 — Como justamente observa o juiz Franz Matscher na
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 34
sua comunicação, a necessidade de motivar a decisão é
uma das exigências do processo equitativo, um dos
Direitos do Homem consagrado no artigo 6.º, § 1, da
Convenção Europeia.
Mas logo acrescenta que a motivação não deve ter um
extensão “épica” sem embargo de dever permitir ao
destinatário da decisão e ao público em geral apreender
o raciocínio que conduziu o juiz a proferir tal e tal
sentença.
Corolariamente, só uma decisão revestida de motivação
suficiente, permite de modo eficaz o exercício do direito
de recurso para um Tribunal Superior.
...
Uma fundamentação deficiente pode ser causa de
nulidade, dado que a motivação deve ser tal que,
intraprocessualmente, permita aos sujeitos processuais e
ao tribunal superior o exame do processo lógico ao
racional que lhe subjaz; e, extraprocessualmente, a
fundamentação deve assegurar, pelo seu conteúdo, um
respeito efectivo do princípio de legalidade na sentença.
A MOTIVAÇÃO DA SENTENÇA - MANUEL
ANTÓNIO LOPES ROCHA - Juiz do Supremo
Tribunal de Justiça e do Tribunal Europeu dos
Direitos do Homem
www.gddc.pt/actividade-editorial/pdfs-
publicacoes/7576-c.pdf acessado 08072009 0706
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 35
11 DA EXTENSÃO DA MOTIVAÇÃO
Os magistrados costumam ser abundantes na
declaração dos motivos de fato e de direito quando
formulam a existência do crime: transcrevem
depoimentos, arrolam doutrina e jurisprudência, e expõe
raciocínios.
O propósito da abundância, do ponto de vista
técnico, é assegurar que a precisão e a coerência do
ditado possam ser conferidas.
Conquanto aceitável que um motivo possa ser
referido às folhas dos autos onde pode ser encontrado – e
o número da folha é sempre declarado – os magistrados,
pela próprio esforço de construção da sentença preferem
transcrever, e as exceções correm são a citação dos
dispositivos legais apenas pelo número da lei e dos
artigos, o que é razoável por se tratar de universalidades.
Assim, é corrente e reconhecível à simples leitura,
que os magistrados são abundantes quanto aos motivos
de fato do crime e econômicos, beirando a
metalinguagem, quanto aos motivos de direito.
Observado que a sentença é obra de perito, o
encadeamento do discurso é tal que os elementos do tipo
são definidos sem que o verbo núcleo ou o nome dos
elementos sejam citados, na conformidade de garantir
que a definição não contenha o termo definido.
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 36
Igual esforço não é verificado na construção da
pena através do manejo do art. 59 do CP, causando a
impressão que a certeza da existência do crime prevalece
sobre a certeza da privação da liberdade.
A existência do crime resulta do critério da certeza
objetiva, ou seja, o pensamento e a declaração estão de
acordo com os fatos expostos ao conhecimento.
No tocante à privação da liberdade não está sendo
posto em dúvida que o juiz tenha pensado e concluído
corretamente, mas está sendo atacado que não declarou
de forma de forma suficiente para que o leitor possa
verificar a conformidade da declaração com os fatos
expostos ao conhecimento (motivos de fato) que se
ajustam à conclusão (adequação aos motivos de direito).
A validação da declaração insuficiente é feita com
justificativa de que é sucinta.
O uso do sucinto é autorizado por lei (art. 381, III,
CPP), não fora um estilo válido de composição de texto,
mas sucinto não é sinônimo de incompleto.
O sucinto – poucas palavras – deve conter os
mesmos elementos essenciais que o abundante e ser
inteligível para quem a mensagem é dirigida.
A declaração no dispositivo condenatório enquanto
função endoprocessual atende aos aspectos formais do
devido processo legal e satisfaz os atores peritos, mas o
cumprimento da função exoprocessual se dá no plano
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 37
material dos efeitos quanto ao sujeito condenado, sendo
esperado que lhe seja inteligível por conhecimento
próprio, direito decorrente da dignidade da pessoa
humana: conhecer dos motivos de fato e de direito que
lhe privam a liberdade sem necessidade de intérprete.
O poder que o magistrado tem apenas lhe dá a
exclusividade de cumprir o dever de fundamentar a
decisão (discricionariedade da autoridade), não se
transferindo para o fundamento e, se transferido ganha o
nome de abuso de poder ou arbitrariedade.
A decisão discricionária fundamentada revela a
escolha dos argumentos e permite que o recurso ataque
os fundamentos ou a conclusão.
Por falta de fundamentação do dispositivo
condenatório, em especial quanto à culpabilidade, os
recursos de “misericórdia” formam um volume
expressivo a desafiar a capacidade dos tribunais, e pior,
com a consequência de banalizarem a decisão de
primeiro grau.
Al culpado que cayere debajo de tu juridición
considerále hombre miserable, sujeto a las
condiciones de la depravada naturaleza nuestra, y en
todo cuanto fore de tu parte, sin hacer agravio a la
contraria, muéstrate piadoso y clemente, porque
aunque los atributos de DIOS todos son iguales, más
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 38
resplandece y campea a nuestro ver el de la
misericordia que el de la justicia".(CERVANTES)
A Misericórdia e a Justiça não são excludentes,
como afirmou Cervantes, mas mesmo a misericórdia, em
decisão judicial, precisa ser fundamentada com motivos
de fato, embora não existam para ela os de direito.
Um dispositivo sucinto deve conter declarações
suficientes para que os motivos de fato e de direito
confiram a máxima extensão da recorribilidade.
A máxima extensão da recorribilidade deve ser
entendida como a exposição de todos os motivos de fato
e de direito que fundamentam o dispositivo,
independentemente da avaliação de que o condenado
tenham ou não “merecido” a pena.
Da leitura de um dispositivo sucinto fundamentado
deve resultar que, tanto para o perito como para o não
perito, pelos motivos de fato e de direito expostos a
conclusão não podia ser outra.
O dispositivo sucinto fundamentado evita que a
acusação diante de um juiz de caneta leve recorra na
esperança de que um relator caneta pesada a reforme para
mais ou, ao contrário para a defesa, visto que uma e outra
haverão de atacar os motivos expostos e não apenas
“clamar”.
Sucinto não é forma superior de linguagem, e a
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 39
técnica de estilo o define:
CONCISÃO é o dispêndio minimo de esforço com o
máximo efeito de expressão.
TÉCNICAS DO ESTILO – Albertina Fortuna Barros –
EFC Brasil – 1968 – pág 21
O sucinto ou conciso pode ser definido pelo que
não deve conter: palavras supérfluas ou inúteis,
circunlóquios, orações subordinadas desenvolvidas,
redundâncias etc.
Por conter os elementos essenciais à
inteligibilidade o sucinto, ou conciso, é estilo que agrada
nas sentenças judiciais, ao contrário da prolixidade que
desagrada.
O ideal como estilo de composição de sentença é a
dissertação (intróito, exposição, argumentos, provas,
conclusão), estilo que é usado com mais frequência para
determinar a existência do crime.
A cultura judicial de que a fixação da pena é um
“ato de poder” tem raízes históricas fincadas no poder
soberano do rei que nomeava seus magistrados: o
soberano não precisa justificar suas decisões e, por
corolário, os prepostos do rei também não.
A evolução do pensamento judicial passou a exigir
que o magistrado de carreira (que não é preposto do rei)
fundamente todas as decisões de forma completa e
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 40
inteligível, por todos os motivos de fato e de direito,
ainda que sucinta ou concisa.
Num Estado Democrático de Direito não é
admissível concluir que com ou sem fundamentação a
pena imposta seria a mesma e que, por isso, não ocorreria
prejuízo para o condenado.
O prejuízo que se examina sob a luz do regime
democrático decorre, na espécie, da inadimplência do
estado-jurisdicional.
O devido processo legal, na sua reconhecida dupla
acepção formal/substancial é uma obrigação que o
estado-jurisdicional garante que cumprirá por inteiro
(ninguém ser privado da liberdade sem o devido processo
legal). Assim, iniciada a perseguição penal, o estado-
jurisdicional torna-se devedor e deve adimplir por inteiro.
Desta sorte, não existe prestação inútil, qual seja, o
estado-jurisdicional prestará ainda que o credor não
queira a prestação, como é o caso daquele que se crê
inocente, a prova da inocência é clara, e por isto se recusa
a nomear ou constituir defensor: terá defensor para sua
absolvição.
O que parece um absurdo (hipótese retro) nada
mais é do que a efetivação da força normativa da
Constituição, ou de modo raso: é a auto defesa que o
devido processo legal faz da sua integridade.
A idéia da exigência de demonstração de prejuízo
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 41
quando o devido processo legal não é cumprido na
integralidade é assustadora porque consagra que os meios
não importam se o fim é atingido.
O Estado Democrático de Direito é inteiramente
balizado pela garantia dos meios a serem utilizados para
que os fins sejam atingidos.
A incidência da força normativa da Constituição
sobre o devido processo legal nela mesma garantido, no
particular da fundamentação das decisões judiciais
independe – embora o tenha – de caminho aberto pela
legislação inferior.
Aquela posição por mim designada vontade de
Constituição (Wille zur Verfassung) afigura-se decisiva
para a práxis constitucional. Ela é fundamental,
considerada global ou singularmente. O observador
crítico não poderá negar a impressão de que nem sempre
predomina, nos dias atuais, a tendência de sacrificar
interesses particulares com vistas à preservação de um
postulado constitucional; a tendência parece
encaminhar-se para o malbaratamento no varejo do
capital que existe no fortalecimento do respeito a
Constituição. Evidentemente, essa tendência afigura-se
tanto mais perigosa se se considera que a Lei
Fundamental não está plenamente consolidada na
consciência geral, contando apenas com um apoio
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 42
condicional.
DIE NORMATIVE KRAFT DER VERFASSUNG –
Konrad Hesse, tradução de Gilmar Ferreira Mendes,
ED. SAFE, 1991, pag. 29
12 CONCLUSÃO
A análise dos elementos que compõe a
culpabilidade deve ser feita e demonstrada através da
declaração dos motivos de fato e de direito, não
subsistindo nenhuma justificativa de economia,
obviedade, ou poder, capaz de afastar a força normativa
da Constituição e a força histórica da evolução do
pensamento jurídico em favor de que os magistrados
devem aos jurisdicionados todas as explicações que estes
necessitem para compreensão formal e material da
incidência das decisões.
A forma concisa ou sucinta do dispositivo
condenatório deve conter todos os motivos de fato e de
direito em que a decisão pela graduação da censura se
funda, e tais motivos, por imposição também da
Constituição devem revelar a individualização, vedado,
então, que a pena base seja construída através de
declarações genéricas e estereotipadas que a qualquer
indivíduo servem.
A culpabilidade, como expressão da reprovação
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 43
proporcional à conduta, é um juízo de locação da
reprovação dentro da faixa de sanção oferecida no tipo,
deve, por isto, ser expressa por um grau, índice ou
medida (Art. 29, CP e Exposição de Motivos da Nova
Parte Geral, 50. ... visto que graduável é a censura, cujo
índice,maior ou menor, incide na quantidade da pena.)
que permita, pela simples declaração, antever o ponto
central da locação.
As demais circunstâncias judiciais do art. 59 são
comumente referidas em grau, índice ou medida
inteligível (escala de favorabilidade positiva ou negativa)
não sendo exigível coisa melhor, mas estão igualmente
subordinadas à terem a referência suportada por motivos
de fato e de direito que possam ser aferidos e conferidos,
como é o caso dos antecedentes que se provam por
anotações judiciárias, o mesmo não se podendo dizer em
relação às outras que se definem subjetivamente, como é
o caso da “personalidade voltada para o crime”.
Assim, este arrazoado deve ser estendido para todo
o conteúdo da dosimetria da pena para segurança de que
a restrição da liberdade imposta pela sentença penal
condenatória mantenha a inviolabilidade do direito à
liberdade (Art. 5º, CF)
FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE
Serrano Neves – 44
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