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Selma Ferreira de Oliveira
IMPLANTAÇÃO DA POLÍTICA DO ENSINO FUNDAMENTAL DE
NOVE ANOS: UM ESTUDO COM GRUPOS FOCAIS DE
PROFESSORES
Marília 2013
Selma Ferreira de Oliveira
IMPLANTAÇÃO DA POLÍTICA DO ENSINO FUNDAMENTAL DE
NOVE ANOS: UM ESTUDO COM GRUPOS FOCAIS DE
PROFESSORES
Orientadora: Profa Dra Iraíde Marques de Freitas Barreiro
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Faculdade de Filosofia e Ciências – Marília - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para a obtenção do título de Doutor em Educação (Área de Concentração: Políticas Públicas e Administração da Educação Brasileira)
Marília 2013
Oliveira, Selma Ferreira de.
O48i Implantação da política do ensino fundamental de nove anos : um estudo com grupos focais de professores / Selma Ferreira de Oliveira. – Marília, 2013.
133 f. ; 30 cm.
Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Ciências, 2013.
Bibliografia: f. 121-133.
Orientador: Iraíde Marques de Freitas Barreiro.
1. Ensino fundamental. 2. Educação e Estado – Brasil. 3. Ensino - Legislação. 4. Brasil.[Lei 11.274(2006)]. 5. Professores de ensino fundamental – Pesquisa. I. Título.
CDD 379.0981
IMPLANTAÇÃO DA POLÍTICA DO ENSINO FUNDAMENTAL DE
NOVE ANOS: UM ESTUDO COM GRUPOS FOCAIS DE
PROFESSORES
Comissão Examinadora:
__________________________________________ Profa. Doutora Iraíde Marques de Freitas Barreiro (Orientadora)
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”- Faculdade de Filosofia e Ciência de Marília
__________________________________________ Profa. Doutora Yoshie Ussami Ferrari Leite
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente
__________________________________________
Profa. Doutora Doralice Aparecida Paranzini Gorni Universidade Estadual de Londrina
__________________________________________
Prof. Doutor Alberto Albuquerque Gomes Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Faculdade de Ciências e
Tecnologia de Presidente Prudente
__________________________________________
Prof. Doutor Carlos da Fonseca Brandão Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”- Faculdade de Filosofia e
Ciência de Marília
Agradecimentos
À família, meus pais, irmãos, sobrinhos, sogra e cunhados, especialmente aos meus
amores: Hamilton, Nicolas e ao pequeno ser que estou a gerar, pela companhia e pela
alegria de compartilhar a vida em sua plenitude. A vocês, meu amor, reconhecimento e os
frutos dessa conquista.
A Profa. Dra. Iraíde Marques de Freitas Barreiro, pelo incentivo e apoio prestado no
decorrer do curso e, principalmente, pelas preciosas orientações que me fizeram evoluir no
desenvolvimento do estudo.
Aos professores das disciplinas cursadas no doutorado, pelo empenho em apontar rumos
por meio de leituras e discussões.
Aos professores que compõem a banca examinadora, por ler, orientar e contribuir para o
aprofundamento do estudo.
À Secretaria Municipal da Educação de Marília, aos professores – companheiros de
trabalho–, coordenadores e diretores das Escolas Municipais do Ensino Fundamental de
Marília, que colaboraram com a pesquisa.
Aos colegas do grupo de estudo CEPAE, incluindo as Profas. Dra. Graziela Zambão
Abdian Maia e Dra. Elianeth Dias Kanthack Hernandes, pelas sábias provocações e
sugestões de leituras.
À CAPES, pela bolsa concedida em um período do curso.
Aos amigos do dia a dia – Vânia, Andréia, Fátima –, que tornam a minha vida mais leve.
Obrigada por proporcionar momentos de alegria no convívio das nossas famílias.
A Clarice e família, que dedicaram parte de seu tempo e cuidados com o meu pequeno,
porém, grande Nicolas.
Aos amigos do programa de pós-graduação em educação da Universidade Estadual
Paulista – FFC – UNESP/ Marília, pela companhia na caminhada, especialmente a Silvia e
Fabiana.
Lista de siglas
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CEB – Câmara da Educação Básica
CEPAE - Centro de Estudos e Pesquisas em Administração da Educação
CNE – Conselho Nacional da Educação
DCNEF – Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental
FIES - Fundo de Financiamento Estudantil
HEC – Horário de Estudo em Conjunto
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC – Ministério da Educação
PL – Projeto de Lei
Pnad - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNE – Plano Nacional de Educação
PROUNI - Programa Universidade Aberta para Todos
SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica
SEB – Secretaria da Educação Básica
UAB - Universidade Aberta do Brasil
UNDIME - União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a educação
Lista de quadros
Quadro 1 – Produção de estudos sobre a temática divulgados pela CAPES .......... 15
Quadro 2 – Pareceres que orientam a implantação do ensino fundamental de nove
anos ........................................................................................................................... 35
Quadro 3 - Identificação das escolas e grupos focais ............................................... 62
Quadro 4 - Síntese das categorias de análise 1, 2, 3 e 4 .......................................... 79
Quadro 5 – Discursos de alguns professores sobre as mudanças propostas ao ensino
fundamental de nove anos ........................................................................................ 81
Quadro 6 - Práticas recomendadas pelo MEC e prática possível segundo os
professores ................................................................................................................ 87
Quadro 7 - Estrutura para implantação do ensino fundamental de nove anos ........ 93
Quadro 8 - Conteúdos curriculares- recomendações do MEC e relatos dos
professores................................................................................................................. 98
Lista de gráficos
Gráfico 1 - Alunos matriculados nos anos iniciais do ensino fundamental no município
de Marília em 2011 .................................................................................................... 59
Gráfico 2 - Identificação dos professores por gênero ................................................ 73
Gráfico 3 - Professores com graduação em Pedagogia ............................................ 74
Gráfico 4 - Anos de profissão docente ....................................................................... 75
Resumo
Este estudo está vinculado à Linha de Pesquisa “Políticas Educacionais, Gestão de Sistemas e Organizações Educacionais” e tem como problema norteador da pesquisa o seguinte questionamento: qual é a percepção dos professores sobre a implantação do ensino fundamental de nove anos no contexto escolar? O interesse pela investigação do tema surgiu a partir da atuação docente nos anos iniciais do ensino fundamental durante o processo de discussão e implantação da ampliação desse nível de ensino. O foco desse estudo é desvendar a percepção dos professores de três escolas do município de Marília sobre a materialização da política no contexto escolar é. Os objetivos da pesquisa consistem em: investigar a política do ensino fundamental de nove anos, priorizando o seu aspecto pedagógico a partir da legislação e de documentos oficiais elaborados pelo Ministério da Educação que orientam sua implantação, e analisar a percepção dos professores dos anos iniciais do ensino fundamental sobre a implantação da política. A proposição de políticas educacionais aos contextos escolares provocam diferentes reações de acordo a percepção dos profissionais que neles atuam. A abordagem utilizada nessa investigação é qualitativa, sem desprezar o recurso de dados quantitativos. Para a coleta de dados foi utilizada a técnica de grupo focal com seis grupos de professores e a análise de conteúdo para tratamento dos dados. Este estudo defende a tese de que os professores refletem sobre as políticas determinadas à educação no contexto das implantações, mas não têm espaços e oportunidades para participar dos debates que levam as proposições políticas. Embora não participem da elaboração das políticas se esforçam para efetivá-las apesar das condições precárias para o desempenho da atuação docente.
Palavras-chave: Ensino fundamental de nove anos. Política educacional. Percepção docente. Pesquisa de grupo focal.
Abstract
The present study is linked to the line of research “Educational Policies, Systems Management and Educational Organizations” and its guiding issue is the following question: how teachers understand the implementation of a nine-year elementary school period in the school context? The interest by the theme investigation emerged from the teaching activity in the first years of elementary school during the discussion process and implementation of time extension. The study is focused on revealing the perception of teachers actuating in three schools in the city of Marília about the materialization of this policy in the school context, and it is aimed at investigating the policy of a nine-year elementary school period, thus prioritizing its pedagogic aspect from the legislation and official guidelines elaborated by the Ministry of Education, and analyzing how teachers of the first years of elementary school understand the implementation of such policy. The proposition of education policies in the school context leads to different reactions according to the perception of the professionals. The approach used in the present investigation is qualitative, but with no rejection of quantitative data. As for the data collection, it was used the technique of focus group comprehending sis groups of teachers, and content analysis for data treatment. Moreover, this study argues that teachers do reflect upon the policies determined to education in the implementation context, but do not have the opportunity to participate on the discussions which result in policies propositions. Although they do not take part on the elaboration of guidelines, teachers strive to apply them despite all poor conditions for the teaching activity. Keywords: Nine-year Elementary School. Education Policy. Teacher Perception. Focus Group Research.
Sumário
RESUMO ..................................................................................................................... 1
ABSTRACT ................................................................................................................. 2
INRODUÇÃO ............................................................................................................... 4
CAPÍTULO I............................................................................................................... 19
INFLUÊNCIAS NA FORMULAÇÃO DA POLÍTICA DO ENSINO FUNDAMENTAL DE
NOVE ANOS ............................................................................................................ 19
1 O ESTADO COMO PROPOSITOR DE POLÍTICAS EDUCACIONAIS ................... 23
2 INFLUÊNCIAS NA ELABORAÇÃO DA POLÍTICA DO ENSINO FUNDAMENTAL DE
NOVE ANOS ............................................................................................................ 23
3 CONTEXTO DA PRODUÇÃO DO TEXTO LEGISLATIVO .................................... 34
3.1 Documentos elaborados pelo MEC/SEB e orientações para a implantação do
ensino fundamental de nove anos ............................................................................ 37
CAPÍTULO II ............................................................................................................. 45
ESPAÇOS, SUJEITOS E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS NA
INVESTIGAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ..................................... 45
1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .............................................................. 45
2 A ESCOLA E AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS ..................................................... 49
2.1 Sobre as escolas pesquisadas ............................................................................ 58
3 PROFESSORES QUE ATUAM NO ENSINO FUNDAMENTAL ............................. 69
4 DETERMINAÇÕES POLÍTICAS E ATUAÇÃO DOCENTE ..................................... 70
4.1 Sobre os professores participantes dos grupos focais ........................................ 72
CAPÍTULO III ............................................................................................................ 77
ANÁLISE DAS PERCEPÇÕES DOS PROFESSORES SOBRE O ENSINO
FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS ........................................................................... 77
ANÁLISE DAS PERCEPÇÕES DOS PROFESSORES ............................................. 95
CONCLUSÃO .......................................................................................................... 115
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 121
APÊNDICE ................................................................................................................. 1
Introdução
Esta pesquisa investiga a temática do ensino fundamental de nove anos,
estabelecido nacionalmente pela Lei nº 11.274/2006 (BRASIL, 2006). No Brasil, o
ensino fundamental, equivalente ao ensino obrigatório, fora ofertado por mais de 3
três décadas com o período de duração de oito anos. Diante da proposição de
ampliação de oito para nove anos de estudo surge a problemática que orienta a
pesquisa: Qual é a percepção dos professores sobre a implantação da política do
ensino fundamental de nove anos no contexto escolar? Desse modo, os objetivos
da pesquisa são: investigar a política do ensino fundamental de nove anos,
priorizando o seu aspecto pedagógico a partir da legislação e de documentos
oficiais elaborados pelo Ministério da Educação (MEC), que orientam sua
implantação; e analisar a percepção dos professores dos anos iniciais do ensino
fundamental sobre a implantação da política de ampliação desse nível de ensino.
Na busca de responder ao questionamento e aos objetivos, a pesquisa
de campo foi desenvolvida em três escolas do município de Marília, nas quais se
procurou compreender a percepção dos professores acerca da implantação da
política de ampliação do ensino fundamental nos anos iniciais por meio dos
discursos coletados em grupos focais.
O interesse pelo tema está relacionado à minha história de formação e
atuação profissional. Em 1994 optei por cursar o magistério, em 1998 ingressei no
curso de pedagogia e em fevereiro de 2001, passei a lecionar nos anos iniciais do
ensino fundamental no município de Marília, onde sou professora efetiva até os
dias atuais.
O fato de atuar nos anos iniciais do ensino fundamental e ter a formação
profissional voltada à docência nessa etapa foram determinantes para delimitação
do estudo aos anos iniciais, e não ao ensino fundamental como um todo, uma vez
que as inquietações que levaram a investigação do tema surgem no contexto de
atuação nos anos iniciais do ensino fundamental.
Determinar a percepção dos professores como objeto de estudo é
desafiador, pois nos remetem a formações profissionais distintas, contextos
5
diferenciados de oferta em que atuam, uma vez que os anos iniciais do ensino
fundamental investigados nessa pesquisa são ofertados pelo município e os anos
finais, pelo Estado. Embora o discurso da política contido nos textos elaborados
pelo Ministério da Educação afirme que a ampliação traz ressignificação a todos
os anos do ensino fundamental, é na primeira etapa que se exigem mais
adaptações.
Estudo sobre a formação para a docência nos primeiros anos do ensino
fundamental já foi realizado por mim no contexto de elaboração da dissertação
de mestrado (OLIVEIRA, 2007). Naquela ocasião, comparei os currículos dos
cursos de pedagogia e normal superior na formação inicial de professores para o
exercício da profissão nos anos iniciais do ensino fundamental.
Mediante a realização da pesquisa foi constatado que a formação de
professores no curso de pedagogia não satisfazia as necessidades de formação
docente, porque o curso se propunha a formar para inúmeras atuações, sem se
aprofundar numa formação específica, além de apresentar carga horária extensa
das disciplinas teóricas.
A proposição do curso normal superior para a formação de professores
também não satisfazia pelo fato de ser uma formação abreviada, fora do contexto
universitário e, desse modo, constituiu-se em uma política de aligeiramento da
formação docente proposta precipitadamente pelo Estado.
Por meio da pesquisa identificou-se que a política de formação de
professores estava mais relacionada a prover quantitativamente o número de
professores para atendimento da demanda existente, em razão do déficit desses
profissionais nas escolas, ou seja, as políticas educacionais não tinham a
qualidade como elemento principal na formação de novos professores.
O exercício da profissão docente nos anos iniciais do ensino fundamental
fez emergir questionamentos e reflexões sobre os desajustes da política de
formação inicial de professores e as necessidades de formação docente para
atuar nas escolas. Durante as buscas de respostas por meio de leituras e
observações no contexto escolar, deu-se início as discussões e a implantação do
ensino fundamental de nove anos nas escolas.
A vivência no cotidiano escolar e as leituras acerca das determinações
legais sobre a política de ampliação do ensino fundamental despertou, ainda,
6
inquietação diante das distintas reações dos sujeitos que atuam na escola a
mesma política.
Com isso foi possível compreender que para além dos desajustes de
formação docente e das necessidades existentes no contexto de atuação
profissional, o professor não depende apenas das políticas de formação inicial e
continuada para exercer o seu trabalho, mas de uma série de políticas internas e
externas à escola que dê suporte a sua atuação nos aspectos de formação,
condições de trabalho e orientações para o exercício da função.
O contexto profissional provocou um olhar crítico sobre a implantação do
ensino fundamental de nove anos nas escolas municipais de Marília, entendendo-
se que, independente das circunstâncias, a escola não é única, mesmo em
situações nas quais as políticas educacionais se apresentam generalizáveis e
insistem em estabelecer diretrizes em comum às instituições educacionais por
meio de leis e avaliações externas.
Investigar a ampliação do ensino fundamental no contexto escolar e a
percepção dos docentes acerca desse processo é importante, pois apesar de ser
um tema muito investigado, poucos elegem a percepção do professor sobre o
ensino fundamental de nove anos como temática de investigação, sendo que há
apenas dois trabalhos que abordam o tema. Além disso, o estudo permite
participar de um debate que inclui órgãos do governo, sistemas de ensino, por
meio de Diretorias e Secretarias da Educação, comunidade escolar e, até
mesmo, cursos de formação inicial de professores.
Esta investigação torna-se relevante, ainda, pois não se trata apenas de
um estudo teórico e, tampouco, do estudo da política em si, mas o
entrelaçamento das determinações políticas e da percepção do professor sobre
sua concretização no contexto escolar, que só é possível ser identificada por meio
da pesquisa de campo.
A delimitação deste estudo consiste na investigação do ensino
fundamental de nove anos no contexto de elaboração, proposição da lei e
implantação nas escolas, em condições específicas, formações profissionais
distintas e experiências de vida exclusivas. Trata-se de uma interpretação
subjetiva, uma vez que envolve sujeitos com diferentes percepções atuantes no
contexto educacional de Marília.
7
É importante destacar que a análise da percepção dos professores sobre
o ensino fundamental de nove anos é o foco estabelecido nesta investigação, que
ocorre em conjunto com a percepção do pesquisador sobre o material coletado.
Em estudos científicos, posicionamentos tendenciosos do pesquisador podem
até ser reprimidos, mas não extintos, uma vez que não é possível ser neutro no
processo de investigação, principalmente quando se faz parte da categoria
profissional que está envolvida na pesquisa.
Para Saviani (2007, p.185), a elaboração de uma tese pressupõe
“requisitos de autonomia intelectual e de originalidade, já que estas são condições
para que alguém possa expressar uma posição própria sobre determinado
assunto”. Severino (2007, p.221) entende que uma tese de doutorado exige a
abordagem de uma temática por meio de pesquisa própria e instrumentos
metodológicos específicos.
Inúmeros caminhos podem ser traçados e percorridos para obter o rigor
científico e originalidade no estudo de uma temática. As escolhas teórico-
metodológicas feitas nesta pesquisa estão vinculadas às experiências pessoais, à
formação acadêmica e profissional da pesquisadora. Alguns conceitos
apresentados e discutidos foram construídos por intermédio das leituras e
discussões no Centro de Estudos e Pesquisas em Administração da Educação –
CEPAE.
A pesquisa adota uma abordagem qualitativa (LÜDKE e ANDRÉ, 1986)
para interpretar a realidade e o contexto em que se insere a problemática do
estudo, uma vez que os métodos qualitativos são “considerados mais ricos,
completos, globais, reais” pelo fato de terem uma relação direta com o objeto da
pesquisa (NEVES, 1996, p.3).
Para a realização do estudo recorreu-se aos recursos da pesquisa
bibliográfica, imprescindível em estudos científicos, que possibilitou a leitura de
autores sobre os contextos influenciadores da proposição política e as reflexões
tecidas sobre a implantação nos demais contextos.
A pesquisa bibliográfica contribuiu, ainda, para a contextualização das
políticas propostas ao ensino fundamental em uma perspectiva histórica, na
busca por desvendar a motivação para a proposição da política, dar suporte às
8
discussões acerca do tema, apontar as possíveis mudanças que de fato a política
favoreceu, além de fundamentar a construção de um referencial teórico.
A pesquisa documental, também usada nessa pesquisa, foi essencial para
identificar, nos documentos legais elaborados pelo Ministério da Educação –
representados pelo Conselho Nacional de Educação e Câmara da Educação
Básica, as deliberações sobre o ensino fundamental de nove anos e as
orientações dadas à sua implantação por meio de dez pareceres e uma
resolução. Na leitura de tais documentos houve direcionamento aos aspectos que
trazem orientações relacionadas à atuação docente, já que as orientações
ocorrem também nas esferas política e administrativa.
A técnica de grupo focal foi escolhida para a coleta de dados, porque
promove discussões em grupos e se organiza “em torno de uma tarefa específica:
fornecer informações acerca de um tema anteriormente determinado”, cabendo
ao mediador intervir na dinâmica grupal para assegurar a participação e a
contemplação de todos os temas propostos para a discussão (KIND, 2004,
p.126).
Os discursos coletados por meio dos grupos focais são importantes, mas
não os únicos na tarefa de elucidar a problemática do estudo, por esse motivo,
embora nessa investigação o material transcrito seja o foco das análises, dados
obtidos por meio da observação também foram utilizados.
Mainardes (2006, p. 50), por meio de Bowe, Ball e Gold (1992), defende
que “o foco da análise de políticas deve(ria) incidir sobre a formação do discurso
da política e sobre a interpretação ativa que os profissionais que atuam no
contexto da prática fazem para relacionar os textos da política à prática”. Os
discursos e as práticas docentes nem sempre são coerentes, as práticas são
construídas a partir do discurso da lei. Diante disso surge a necessidade da
pesquisa de campo na realização de estudos políticos, a fim de conferir os
discursos da lei, os discursos dos professores e as práticas efetivas.
Bowe, Ball e Gold (1992) definem, ainda, que a investigação de uma
política deve considerar um ciclo disposto em cinco contextos: o da influência,
que consiste no espaço-tempo que gera o discurso político inicial; o que trata da
produção de textos legais e documentos e o modo como são interpretados,
exercendo controle sobre o propósito da política; o da prática, que considera as
9
possibilidades e limites na implementação da política; o dos resultados ou efeitos,
no qual se destaca a análise que investiga o impacto da política nas
desigualdades sociais, oportunidades e acessibilidades; e o da estratégia política,
proposta por meio de atividades que buscam minimizar as desigualdades
provocadas pela implantação política.
O ciclo de políticas constitui-se como “um referencial analítico útil para a
análise de programas e políticas educacionais” (MAINARDES, 2006, p.48), uma
vez que permite a análise crítica da trajetória de uma política ou programa, da
sua formulação inicial até o seu contexto prático, e possibilita, ainda, examinar os
seus resultados para tomada de decisões (BOWE; BALL; GOLD, 1992).
É com base na essência desses contextos que se buscou investigar a
política de ampliação do ensino fundamental e a percepção dos professores sobre
a política. Embora esta pesquisa compactue com o modelo de estudo de políticas
em ciclo, esse modelo não foi adotado em sua íntegra, porque não é objetivo
deste estudo se prender a padrões específicos estabelecidos para investigações
de políticas, mas extrair a sua essência para a realização da investigação.
A comparação das orientações políticas contidas em documentos oficiais e
sua implantação no contexto prático tornou-se possível em virtude dos dados
coletados empiricamente junto a 60 professores de 3 escolas, por meio da
pesquisa de grupo focal (GATTI, 2005). Foram formados seis grupos, dois em
cada escola, compostos para debater, coletivamente, questões sobre o tema da
pesquisa, elaboradas previamente.
A coleta de dados empíricos poderia ser feita por meio de entrevistas,
questionários ou observações, técnicas tradicionalmente usadas em estudos
educacionais, uma vez que “a natureza da pesquisa qualitativa não a limita a
nenhuma técnica como sendo a melhor. Outras técnicas são tão boas quanto os
grupos focais, e devem ser exploradas” (CALDER, 1977, p. 23), no entanto,
algumas técnicas restringem-se a coletar dados sem oferecer uma devolutiva ao
indivíduo que colabora com os dados.
A escolha do método para a coleta de dados levou em consideração o
fato de o professor não ser explorado como um mero objeto de investigação.
Diante dessa condição, a pesquisa de grupo focal teve preferência em relação a
outras técnicas, ao oferecer a oportunidade de o indivíduo pesquisado discutir,
10
refletir e até mudar sua visão por meio do questionamento de suas convicções e
da comparação dos seus discursos com o do outro. Possibilita, ainda, entender
que varia a percepção acerca dos objetos, o conhecimento não é absoluto e
estático e pode desenvolver-se em diferentes contextos, passar por
transformações, inclusive em momentos como o de colaboração com a pesquisa
científica.
Na técnica de coleta de dados por meio de grupos focais, a autenticidade
ou inautenticidade dos discursos é um risco como em qualquer investigação
científica, uma vez que o indivíduo pode simular discursos que lhe favoreçam
diante do grupo, ou apresentar um discurso consensualmente tido como ideal,
mas que não representa a experiência real do indivíduo.
O papel do pesquisador é buscar se aproximar da verdade por meio de
análises precisas do material coletado e eliminar opiniões que se configurem
como enganosas.
Este estudo adota a concepção sociológica do modelo de organização da
escola, proposto por Lima (2001, p.54), que a compreende como uma
organização capaz de ressignificar, ignorar as regras formais estabelecidas em
documentos oficiais ou propor regras informais mais significativas para o cotidiano
escolar de acordo com os interesses dos indivíduos que compõem a instituição
escolar. Os professores atuam em um contexto maior que o da sala de aula, ou
seja, fazem parte de uma estrutura mais ampla e imediata que é a escola, sendo
suas ações influenciadas por decisão coletivamente na instituição a escolar.
A escola é o contexto da prática em que as políticas se materializam por
meio das ações docentes e de diferentes atuações para o seu funcionamento, por
isso é impossível manter passividade diante de determinações políticas. De
alguma maneira, elas promovem alterações no contexto escolar, caracterizadas
tanto pela repulsão como pela aceitação.
A implantação de políticas carrega “limitações materiais e possibilidades”
(MAINARDES, 2006, p.52), o que influencia o interesse dos sujeitos em acatar
as determinações oficiais em sua íntegra.
Lima (2001, p.112) desacredita na possibilidade de determinações
políticas por si só provocarem mudanças nas escolas. Para ele, “as diversas
realidades escolares não se transformam automaticamente por simples mudança
11
dos modelos decretados”. As mudanças ocorrem influenciadas por fatores
relacionados a interesses, objetivos e circunstâncias diversas, que podem ou não
coincidir com as determinações legais.
Em contextos nos quais as condições materiais são aparentemente as
mesmas, “a escola não é seguramente a mesma” (ROCKWELL e EZPELETA,
2007, p.132). Uma unidade escolar difere das outras, as concepções dos
professores divergem. Sendo assim, as proposições políticas voltadas à
educação podem influenciar com maior ou menor intensidade a atuação do
professor na escola, uma vez que são reinterpretadas, negociadas, tendo em
vista as condições que constituem o contexto, expressas pela formação inicial e
continuada do professor, pelos interesses da comunidade escolar e pelo
posicionamento da gestão em relação à política. “Nem todas as instituições são
afetadas da mesma maneira” por uma política (GARAY, 1998, p. 116). As ações
propostas originalmente podem, ou não, chegar rarefeitas nas ações docentes em
sala de aula.
Santos e Vieira (2006, p.790) entendem que as “mudanças educacionais
somente se consolidam no interior da cultura escolar se for fomentado o
entusiasmo que se observa no processo de sua implantação e neutralizadas as
oposições que possam gerar”, ou seja, é preciso uma gestão que compactue com
os interesses da política e estimule os demais membros da comunidade escolar.
É válido destacar que as políticas nem sempre conseguem provocar nas
escolas as mudanças que traçam preliminarmente, mas provoca uma série de
movimentos no contexto escolar que giram em torno da determinação política. “O
cotidiano escolar [...] representa o elo final de uma complexa cadeia que se monta
para dar concretude a uma política” (AZEVEDO, 2004, p. 59). Desse modo,
entende-se que as políticas educacionais são propostas para serem implantadas
nas escolas, o que, como já foi afirmado, não significa que elas serão de fato
colocadas em prática do modo como o legislador idealizou.
A proposição de mudanças ao contexto escolar por meio de políticas
educativas e a constatação de obstáculos que interferem em sua efetivação são
temas abordados também por Cury (2000, p.8). O autor destaca o fato de que o
“próprio sentido expresso da lei entra em choque com as adversas condições
sociais de funcionamento da sociedade”, uma vez que o propositor da lei faz
12
prevalecer a sua concepção de organização social e diante dela propõe
mudanças.
A escola tem o seu próprio mecanismo de funcionamento e, ao propor
mudanças educacionais, “o Estado confronta-se com as posturas políticas já
sedimentadas” que foram construídas historicamente (FALSARELLA, 2002, p.
78). Para Oliveira (2007, p.662), a política econômica e a dinâmica do próprio
sistema educacional dão os verdadeiros rumos à política a ser efetivada na
escola, uma vez que as propostas políticas nem sempre vêm acompanhadas de
uma política econômica e de uma organização social que as viabilizem.
Desse modo, a escola é analisada sob a perspectiva de atuação ativa
diante das implantações políticas, passíveis de confrontos identificados entre o
que deve ser, determinado na legislação em documentos externos, e até mesmo
em documentos internos da escola, como o Projeto Político Pedagógico, o
Regimento Escolar, e o que de fato é expresso no funcionamento do dia-a-dia da
escola. Esse processo é nomeado pelo autor como infidelidade normativa (LIMA,
1991).
Silva Júnior e Ferreti (2004, p. 34) destacam, igualmente, os entraves
ocorridos nas relações entre o contexto organizacional de uma instituição e o
interpessoal. Os autores entendem que a instituição escolar pode tanto cooperar
para a reprodução do que é proposto pelo Estado quanto para a sua
ressignificação.
Não é novidade que “há um fosso entre o real e o legal” (MINTO,
MURANAKA, 1995, p.68); diante desse fato é necessário identificar os elementos
responsáveis por promoverem o distanciamento entre os objetivos iniciais das
políticas traçadas, a educação e os novos contornos que as políticas tomam ou as
adaptações às vivências escolares. Desse modo, destaca-se a importância de
analisar não apenas a política em seu aspecto macro, nos contextos da influência
e da produção de texto, mas também “os arranjos institucionais” que remetem ao
cotidiano escolar no contexto prático (FREY, 2000, p.221).
Rockwell e Ezpeleta (2007, p.133), na década de 1980, apontam fatores
determinantes da origem e da vida de cada escola, que são as “diferenças
regionais, as organizações sociais e sindicais, os professores e suas
reivindicações, as diferenças étnicas e o peso relativo da Igreja”. Na década de
13
1990, Silva Júnior (1993, p.92) indicava que a escola fora descaracterizada “como
instituição especializada no trabalho de ensinar”, assumindo incumbências que
ultrapassavam a relação ensino-aprendizagem, devendo extrapolar essa relação
perpassando pelo apoio psicológico, social e econômico.
Se cada instituição escolar é tida como única, seguramente é possível
afirmar que a percepção dos professores acerca da implantação política em
instituições escolares distintas não é uniforme, ela diverge até mesmo entre os
profissionais da mesma categoria.
Neste estudo, os contextos da influência e da produção de texto (BOWE,
BALL e GOLD, 1992) serão abordados para a contextualização do tema, com um
posterior aprofundamento no contexto da prática, momento em que serão
apresentados os dados coletados junto aos professores.
A escolha por estudar o tema a partir de contextos favorece a
organização textual em períodos que remetem a história da política, sua
implantação em um contexto prático e vincular as percepções dos docentes sobre
a temática.
Estudos acerca do ensino fundamental de nove anos já foram realizados
sob diferentes aspectos por diversos autores como Santos e Vieira (2006),
Kramer (2006), Gorni (2007), Dantas e Maciel (2010), Arelaro (2011) entre outros,
que estão disponíveis na Scientific Electronic Library Online (SCIELO).
No contexto dos estudos já realizados sobre o tema destacamos o de
Santos e Vieira (2006, p. 779). As autoras defendem que as questões e dúvidas
levantadas acerca da política educacional que envolve o ensino fundamental
merecem “além de respostas, reflexão e pesquisa”, uma vez que são poucos os
estudos relacionados ao tema tendo em vista a sua atualidade.
As políticas educacionais voltadas à faixa etária de 0 a 6 anos são objetos
de estudo de Kramer (2006). Nesse contexto, a autora publicou um artigo sobre a
entrada antecipada da criança no ensino fundamental de nove anos e o
acréscimo de mais um ano a esse nível de ensino, avaliando o fato como uma
conquista. Ela relembra a necessidade de se considerar o aluno como uma
criança cujas condições para a aprendizagem devem ser respeitadas.
Gorni (2007, p.69) analisa criticamente a implantação política do ensino
fundamental de nove anos e alerta que pode tanto melhorar, como não alterar ou
14
até mesmo piorar o desempenho do sistema educacional, caso não receba o
tratamento adequado em sua implementação. A autora relembra a implantação de
políticas anteriores, como o ciclo básico e progressão continuada, que, por não
terem recebido o tratamento adequado, se distanciaram do proposto
originalmente e ocasionaram danos à formação educacional do aluno.
A autora demonstra preocupação com a estrutura e o prazo estabelecido
para vigorar a política, mais especificamente com as “condições existentes e
necessárias nas escolas (...) para subsidiar tal processo de implantação”. Nesse
período, as escolas iniciavam o processo de implantação do ensino fundamental
de nove anos, e Gorni (2007, p.72) mostrava ceticismo quanto às mudanças
efetivas que tal política poderia provocar.
Um estudo de caso foi realizado por Dantas e Maciel (2010) sobre a
inserção da criança de seis anos nos anos iniciais do ensino fundamental no
Distrito Federal. A investigação abordou as peculiaridades da política do ensino
fundamental de nove anos, suas contribuições para otimização da ação docente e
a efetivação nas instituições escolares. Com esse estudo percebeu-se que os
professores não compreendiam muito bem o conteúdo contido na proposta do
ensino fundamental de nove anos, mas tinham consciência de que a sua
responsabilidade enquanto professor havia aumentado.
Arelaro et. al. (2011, p. 47) realizaram um estudo exploratório sobre o
ingresso de crianças de 6 anos nas escolas de ensino fundamental de oito e de
nove anos de duração, em redes municipais e estaduais de São Paulo. Nessa
pesquisa foram destacadas as condições necessárias para uma implementação
adequada, como “a formação continuada dos profissionais da educação, a
ampliação da discussão sobre o currículo (tanto para a nova turma que inicia o
ensino fundamental quanto para as demais turmas), as reformas e reorganização
da estrutura física e material das escolas”. Por meio de entrevistas, Arelaro et. al.,
(2011, p.47) verificaram, ainda, que
o currículo do primeiro ano do ensino fundamental reflete somente uma
adaptação simplista do antigo currículo da primeira série, com pequenas
adequações metodológicas para garantir momentos de brincadeiras,
porém com limitações devido à ausência, nessas escolas, de espaços
físicos que contemplem parques e brinquedotecas.
.
15
Outros estudos estão disponibilizados na Biblioteca Digital Nacional da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),
apresentados no formato de teses e dissertações.
Quadro 1: Produção de estudos sobre a temática divulgados pela CAPES
Ano
Modalidade 2008 2009 2010 2011 Total
Dissertação de mestrado 10 19 12 16 57
Tese de doutorado - 1 5 3 9
Total 10 20 17 19 66
A partir de 2008, foram produzidas e disponibilizadas para acesso 66
pesquisas relacionadas à temática do ensino fundamental de nove anos, sendo
57 dissertações de mestrado e 9 teses de doutorado. No mesmo ano, as
discussões sobre o ensino fundamental de nove anos envolviam muitos enfoques,
como: noticiário sobre essa política, publicado em revistas populares; a inclusão
da criança de seis anos na escola; as concepções de alfabetização; as
manifestações do Conselho Nacional de Educação sobre a política; a criança no
processo de transição da educação infantil para o ensino fundamental; os
conteúdos adequados para o primeiro ano; e os significados e sentidos dados
pelo professor ao ensino fundamental de nove anos.
A última temática foi elaborada por Capuchinho (2008) merece destaque
por estar relacionada às discussões apresentadas nesta tese. A autora chegou a
algumas constatações, por meio de entrevistas com professores, como: a) a
prática pedagógica do professor é norteada pelo modo como ele atribui
significados e sentidos mediante as circunstâncias em que as políticas lhes são
apresentadas; b) são necessárias decisões coletivas na proposição de políticas
de abrangência nacional como a do ensino fundamental; c) para que a política
seja entendida pelo aluno, as condições adequadas para atuação docente
tornam-se imprescindíveis.
16
Em 2009, 19 dissertações e uma tese discutiram diversos temas no
contexto do ensino fundamental de nove anos, entre eles: a criança de seis anos,
concepções e fundamentos da educação, formação do professor para atender à
infância, formação continuada do professor para atuar no ensino fundamental de
nove anos, avaliação das crianças, pais e professores sobre a política do ensino
fundamental de nove anos, argumentação dos alunos nos anos iniciais de
escolarização, alfabetização. Nesse ano, no banco de dados da CAPES não há
registros de produção relacionada à percepção do professor sobre a política do
ensino fundamental de nove anos.
Em 2010, 17 investigações foram realizadas, sendo 12 dissertações de
mestrado e 5 teses de doutorado. As pesquisas mantinham as temáticas
discutidas anteriormente, como: a questão do tempo e dos conhecimentos
necessários para a formação do aluno, a formação do professor, leitura e escrita,
transição do lúdico para a alfabetização; acrescidos de novos enfoques como a
inclusão de alunos especiais nesse nível de ensino, a abordagem da infância e a
prática pedagógica no primeiro ano.
Outro estudo que também se aproxima da temática abordada nesta
pesquisa é o de Sturion (2010), que estabelece uma relação entre a prescrição
nos documentos oficiais e os sentidos constituídos pelos que vivenciam a
implantação. A autora defende que conhecer o que os professores pensam é
fundamental para entender sua prática, e, para isso, faz uso da entrevista com
professores e supervisores, buscando apresentar as diferentes concepções sobre
alfabetização, letramento, brincar, espaço físico, número de alunos por turma e
elementos que repercutem no trabalho docente.
Em 2011, 16 dissertações e 3 teses foram disponibilizadas no banco de
teses e dissertações da CAPES. Uma delas aborda a gestão local na política de
implantação do ensino fundamental de nove anos, que não fora abordada em
estudos anteriores. As demais investigações mantêm os enfoques já apontados,
como alfabetização, impacto da política na escola, formação continuada para o
professor do primeiro ano, currículo do primeiro ano, visão das crianças sobre a
escola.1
1 Pesquisas de 2012 sobre o ensino fundamental de nove anos ainda não haviam sido
disponibilizadas até novembro de 2012.
17
O resgate dos estudos realizados sobre o ensino fundamental de nove
anos não tem a intenção de explorar todas as abordagens realizadas sobre a
temática, mas busca esclarecer que, embora haja muitos estudos sobre o tema,
das 66 investigações analisadas, apenas as de Capuchinho (2008) e Sturion
(2010) se preocupam em desvendar a percepção dos professores sobre a
implantação da política no contexto escolar, com instrumentos de coleta de dados
diferentes dos eleitos por esta pesquisa - os grupos focais. Desse modo,
caminhos diferentes foram traçados e percorridos para a abordagem do mesmo
tema em anos diferentes. Este estudo não deixa de se constituir como a avaliação
dos professores sobre uma política pública implantada em seu contexto de
atuação.
O conteúdo desta investigação está organizado em introdução, três
capítulos e considerações finais. Na introdução, situam-se os objetivos, o
problema de pesquisa, a relevância da pesquisa, os métodos e técnicas
adotados, os aportes teóricos e estudos já realizados sobre o tema.
No capítulo I, são discutidas as influências sociais, políticas e econômicas,
tanto nacionais como internacionais, na formulação da política do ensino
fundamental de nove anos, que levaram ao processo de sua elaboração, os
contextos que favoreceram a formulação e materialização da lei por meio da
produção textual.
No capítulo II são discutidas as escolhas metodológicas para a realização
da pesquisa, os espaços e os sujeitos da implantação política do ensino
fundamental de nove anos. As discussões buscam destacar o contexto prático,
representado pela materialização da política no contexto escolar, momento em
que a legislação ganha movimento, tanto para a sua implantação na íntegra
quanto para sua adaptação e, até mesmo, para sua rejeição. Neste capítulo são
discutidas, ainda, as escolhas metodológicas para a realização da pesquisa.
No capítulo III são apresentados e analisados os dados coletados sobre
os sujeitos da pesquisa: município, escolas e professores. A relação entre a
política oficial posta e os discursos dos professores acerca do processo de
implantação no contexto escolar também fazem parte do capítulo, bem como a
análise dos dados coletados, com discussão a partir de categorias definidas por
meio da interação com o material.
18
Ao final, serão tecidas algumas considerações a partir das leituras, das
experiências vivenciadas por meio da coleta de dados, da interpretação dos
dados coletados junto aos professores diante da proposição política do ensino
fundamental de nove anos.
19
Capítulo I
Influências na formulação da política do ensino fundamental de nove anos
Caminhante, não há caminho, se faz caminho ao andar.
António Machado
Nesse capítulo serão abordadas as influências que levam o Estado à
proposição e elaboração de políticas destinadas ao ensino fundamental de nove
anos, bem como o contexto de produção do texto legislador da política de
ampliação desse nível de ensino.
O ensino fundamental de nove anos faz parte de uma política educacional
ampla, que se constitui como política pública inserida no contexto das políticas
sociais. Política pública é aqui entendida como a ação do Estado na implantação
de um projeto de governo, com ações voltadas para setores específicos da
sociedade sendo a educação “uma política pública de corte social, de
responsabilidade do Estado” (HOFLING, 2001, p.31).
A oferta do ensino fundamental de nove anos compete aos estados e
municípios, responsabilidade outorgada pela Constituição Federal/88 e pela Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9394/96. É importante ressaltar
que a iniciativa privada também atua nesse setor, cabendo ao Estado credenciar,
autorizar e fiscalizar a sua oferta.
Nessa investigação será abordada a percepção dos professores sobre o
ensino fundamental de nove anos ofertado pelo Poder Público em três escolas
municipais de Marília. Credita-se à escola o papel principal, mas não o único, de
prover oportunidades para o ensino-aprendizagem de conhecimentos científicos
em espaços e tempos propícios. Nesse sentido, buscar saber a respeito da
percepção dos professores sobre a proposição e implantação da política do
20
ensino fundamental de nove anos demanda refletir sobre a escola em vários
aspectos: sua composição, sua estrutura, sua administração e suas reações
diante da implantação do ensino fundamental de nove anos.
A legislação que regulamenta o ensino fundamental é: a Constituição
Federal/88, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394/96, as
Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino fundamental, estabelecidas em
2010. Ainda no campo documental há uma série de orientações oficiais quanto ao
processo de ampliação desse nível de ensino de oito para nove anos, com as
definições das concepções teóricas norteadoras das ações pedagógicas e
administrativas dos sistemas educacionais e escolas para a implantação da
política.
No Brasil, a educação está dividida em duas grandes etapas: educação
básica e educação superior. A educação básica é composta pela educação
infantil, ensino fundamental e ensino médio. O ensino fundamental é subdividido
em anos iniciais, que correspondem aos cinco primeiros anos e anos finais,
composto pelos últimos quatro anos, desse nível de ensino.
Legalmente, a entrada no ensino fundamental ocorre aos seis anos de
idade, desde 2005, Lei n. 11.114 (BRASIL, 2005) e, dentro do fluxo normal,
encerra-se aos catorze anos.
Nos artigos 205 à 214 da Constituição Federal estão dispostas as regras
para o funcionamento da educação no Brasil.
O artigo 210 trata especialmente das regras estabelecidas para a oferta do
ensino fundamental, em linhas gerais, conforme segue.
Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental,
de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores
culturais e artísticos, nacionais e regionais.
§ 1º - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina
dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.
§ 2º - O ensino fundamental regular será ministrado em língua
portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização
de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.
Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9394/96, seção III,
os artigos 32 e 33 dispõem sobre a gratuidade e obrigatoriedade.
O artigo 34 dispõe sobre os objetivos da formação nesse nível de ensino:
21
I – o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios
básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;
II – a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da
tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;
III – o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a
aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e
valores;
IV – o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade
humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social.
A Resolução n. 4, de 13 de julho de 2010 (BRASIL, 2010), estabeleceu as
Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica em 60 artigos
distribuídos em 7 títulos, referentes a objetivos, referências conceituais, sistema
nacional de educação, acesso e permanência para a conquista da qualidade
social, organização curricular: conceito, limites e possibilidades, organização da
educação básica e elementos constitutivos para a organização das diretrizes
curriculares nacionais gerais para a educação básica.
Com relação ao ensino fundamental, estabelece:
Art. 24. Os objetivos da formação básica das crianças, definidos para a
Educação Infantil, prolongam-se durante os anos iniciais do ensino
fundamental, especialmente no primeiro, e completam-se nos anos finais,
ampliando e intensificando, gradativamente, o processo educativo,
mediante:
I - desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios
básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;
II - foco central na alfabetização, ao longo dos 3 (três) primeiros anos;
III - compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da
economia, da tecnologia, das artes, da cultura e dos valores em que se
fundamenta a sociedade;
IV - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a
aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e
valores;
V - fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade
humana e de respeito recíproco em que se assenta a vida social.
Os objetivos traçados nas Diretrizes Curriculares para a Educação Básica
correspondem, essencialmente, aos que já eram estabelecidos pela LDBEN/96. A
concepção de formação do aluno, que considera a formação integral, é
22
estabelecida por meio do princípio de continuidade dos estudos, que inicia, se
amplia e intensifica ao longo da educação básica.
O domínio da leitura, da escrita e do cálculo é um dos objetivos
reafirmados no ensino fundamental, determinando “foco central na alfabetização,
ao longo dos três primeiros anos” (BRASIL, 2010). Do ponto de vista legal, há um
parecer favorável à alfabetização já no primeiro ano do ensino fundamental, uma
vez que não se exclui nesse período o processo de aquisição da leitura e escrita.
As Diretrizes Curriculares para o ensino fundamental são determinadas em
um contexto mais amplo que as Diretrizes Curriculares para a Educação Básica e
tratada mais especificamente em documentos elaborados pelo Ministério da
Educação, abordando diversas temáticas que envolvem o ensino fundamental.
Em 2010 foram estabelecidas as Diretrizes Curriculares Nacionais para o
ensino fundamental de nove anos – DCN/EF/2010 – por meio da Resolução
MEC/CNE/CEB n. 7/2010 (BRASIL, 2010). A Resolução contém 50 artigos
classificados em diversas temáticas: fundamentos; princípios; matrícula e carga
horária; currículo; Projeto Político Pedagógico; gestão democrática e participativa;
relevância dos conteúdos, integração e abordagem; articulações e continuidades
da trajetória escolar; avaliação; escola de tempo integral; educação do campo,
indígena e quilombola; educação especial, educação de jovens e adultos e
implementação das Diretrizes.
O texto das DCN/EF/2010 engloba conteúdos legais já existentes em
outros documentos sobre o ensino fundamental, uma vez que retoma o que fora
estabelecido na Constituição Federal/88 (BRASIL, 1988), como o direito à
educação e o dever da oferta pelo poder público. Há uma revisão do que estava
estabelecido anteriormente nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino
fundamental de 1998 (BRASIL, 1998) no que diz respeito à base nacional
comum e à parte diversificada dos conteúdos curriculares obrigatórios. As
determinações são reapresentadas no artigo 26 da LDBEN/96, que também
dispõe sobre o conteúdo a ser trabalhado no ensino fundamental.
No que se refere à atuação docente, o artigo 25 da DCNEF/2010
determina:
23
Os professores levarão em conta a diversidade sociocultural da
população escolar, as desigualdades de acesso ao consumo de bens
culturais e a multiplicidade de interesses e necessidades apresentadas
pelos alunos no desenvolvimento de metodologias e estratégias variadas
que melhor respondam às diferenças de aprendizagem entre os
estudantes e às suas demandas.
As reapresentações de determinações legais contidas em vários
documentos que legislam sobre o ensino fundamental levam a constatar que
alguns discursos feitos em relação à educação, apesar de nem sempre estarem
alinhados, se repetem como que numa tentativa de fazer acontecer pela exaustão
da proposição.
No contexto de análise das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental de 1988 e as Diretrizes estabelecidas em 2010, para esse mesmo
nível de ensino, o que se percebe é que o documento mais recente reafirma o que
já estava estabelecido na Diretriz de 1998. Algumas determinações são
desprovidas de novidade a ponto de confirmar o que era vivenciado e
incorporado no cotidiano escolar. Desse modo, as políticas educacionais
cooperam, em muitos casos, para manter o que vem sendo realizado e não para
modificar.
O ensino fundamental no Brasil, embora tenha sido alvo de políticas
aparentemente novas, conserva a sua essência. Contextos políticos e
econômicos motivaram as proposições políticas, sem provocar mudanças
estruturais.
1 O Estado como propositor de políticas educacionais
As proposições políticas emanam do Poder Público, uma vez que “O
Estado é (...) instância delegada, criatura da sociedade a seu serviço” (DEMO,
2002, p. 43). A sociedade também pode colaborar, propondo temas a serem
legislados, porém o mais comum é que o Poder Legislativo seja o mais atuante na
elaboração e determinação de leis, uma vez que essa é a sua função principal.
Saviani (2006, p.2) afirma serem raros os estudos que buscam reconstituir
a gênese de uma lei, o que traz prejuízos em relação à compreensão das
24
investigações sobre o produto (lei), sem levar ao conhecimento integral do modo
como foi produzido e as verdadeiras intenções que levaram a sua proposição.
Independente de quem propõe, as leis educacionais nem sempre agradam
a todos, visto que há divergências entre as concepções educacionais, as
necessidades educacionais são inúmeras e nem todas são contempladas.
Azevedo (2004, p. 66) afirma que a proposição de uma política está relacionada
à leitura específica que os fazedores de política têm acerca da realidade social
que reflete suas experiências de vida.
Compreender o papel do Estado e seus reais propósitos ao definir as
políticas educacionais é uma tarefa complexa, visto que suas determinações são
permeadas por jogos de interesse de grupos dominantes e pela limitação de
recursos a essa área social, com concepções educacionais distintas. Em uma
medida política, é indispensável verificar se o que é determinado interfere na
qualidade da educação ofertada, de fato, ou se o que norteia a política é uma
decisão cerceada por uma política mais econômica do que educacional.
No contexto da análise de políticas, Frey (1999, p.4) apresenta três
dimensões: a policy, a politics e a polity. A policy compreende a dimensão
material da política. A politics compreende o processo político “de caráter
conflituoso” e refere-se à distribuiçao de decisões. A polity refere-se ao sistema e
à estrutura.
No contexto deste estudo, a legislação e os documentos elaborados pelo
MEC para a implantação da política do ensino fundamental de nove anos
constituem-se como policy. A politics consiste no cerne da pesquisa que analisa
os conflitos e desajustes existentes no processo de implementação da política. A
polity é representada pelas instituições políticas e refere-se a todo o contexto
político, uma vez que a organização de um sistema e a sua estrutura influenciam
no conteúdo das políticas propostas, no modo como são propostas e nas ações
tomadas para a sua efetivação.
Para Boneti (2006, p.9), a educação é uma política pública que tem a sua
procedência na ação do Estado “destinada a um público e que envolve recursos
públicos”.
Höfling (2001, p.31) concebe o Estado de modo mais abrangente, como
25
o conjunto de instituições permanentes – como órgãos legislativos,
tribunais, exército e outras que não formam um bloco monolítico
necessariamente – que possibilitam a ação do governo; e Governo,
como o conjunto de programas e projetos que parte da sociedade
(políticos, técnicos, organismos da sociedade civil e outros) propõe para
a sociedade como um todo, configurando-se a orientação política de um
determinado governo que assume e desempenha as funções de Estado
por um determinado período.
No que se refere à atuação do Estado nas proposições de políticas
educacionais, este é representado pelo Ministério da Educação, órgão nacional e,
há, ainda, proposições formuladas e sancionadas tanto pelo Senado, como pela
Câmara dos Deputados e, esporadicamente, pela sociedade civil.
De acordo com Azevedo (2004, p. 60), são “as políticas públicas que dão
visibilidade e materialidade ao Estado.” No Brasil, as políticas traçadas pelo
Estado estão inseridas em uma política econômica global, configurada como
neoliberal. O neoliberalismo surge como uma tentativa de manter o modelo de
produção para sustentar o capitalismo. Nas políticas neoliberais os comandos são
norteados pelas ações mercadológicas e econômicas. “A ideia do Estado mínimo
é uma consequência da utilização da lógica do mercado em todas as relações
sociais, não reduzidas somente ao aspecto econômico” (BIANCHETTI 2001,
p.88).
O Estado mínimo no contexto da proposição de políticas sociais pauta-se
no princípio da expansão da produção, sem grandes investimentos, o que
repercute na ausência da qualidade da oferta educacional. A formação do
indivíduo está voltada à manutenção do modelo econômico, ou seja, formar um
indivíduo competente e competitivo para legitimar os interesses do capitalismo.
Nesse sentido novas terminologias e lógicas são adotadas, os interesses
econômicos permeiam a oferta educacional e são estabelecidos padrões de
qualidade, metas educacionais e avaliação periódica para acompanhamento dos
resultados.
A concepção de educação e da necessidade de formação dos indivíduos
advém desse contexto. Há muitas críticas às políticas sociais implantadas no
contexto do neoliberalismo. Ong (2006, p. 13), por exemplo, conceitua o
neoliberalismo como a ação do Estado desvinculada de um contexto real onde
será aplicada, ou seja, são “técnicas de governo baseadas no cálculo, que
26
podem ser descontextualizadas de suas fontes originais e recontextualizadas nas
constelações de relacionamentos contingentes e mutuamente constitutivos”.
A ideia implícita no modelo político neoliberal é a de transferir parte das
atribuições do Estado ao mercado e a sociedade como um todo. O Estado passa
de provedor a regulador de políticas.
O crivo da necessidade e da possibilidade de efetivação política tem base
na racionalidade técnica para as tomadas de decisões. Nesse modelo, o Estado
atribui responsabilidades às esferas administrativas para a execução das
políticas, mas não oferece o mínimo de recursos e condições para sua efetivação.
O discurso predominante é o de que com precisão e técnica é possível ampliar as
condições para se alcançar os objetivos educacionais estabelecidos.
Ao delegar responsabilidades, o Estado dissemina a aparente ideia de
descentralização e participação democrática das instituições; porém, a liberdade
consiste na execução das políticas determinadas hierarquicamente. O Estado
assume a postura de fiscalizador e regulador das políticas. A pseudo
descentralização e a atuação democrática que favorecem a autonomia aparente
das instituições foram avaliadas por Rezende (2011, p.151), que destaca “a
simples administração local não representa por si só sua efetiva democratização
nem a conquista da gestão autônoma. Ao contrário, pode significar o aumento do
controle dessas unidades e o tolhimento do seu poder decisório”.
Embora a política de ampliação do ensino fundamental de oito para nove
anos possa soar como contraditória às posturas adotadas pelo Estado Neoliberal,
esse mesmo Estado defende a formação educacional como instrumento útil à
formação para o trabalho e tem consciência de sua repercussão no contexto
econômico.
2 Influências na elaboração da política do ensino fundamental de nove anos
A entrada antecipada das crianças no ensino fundamental foi
regulamentada pela Lei n. 11.114, de 2005. Posteriormente, a Lei n. 11.274, de
2006, estabeleceu um novo período de duração para cursar o ensino
fundamental, passando de oito para nove anos, conforme fora definido no artigo
27
32: o ensino fundamental obrigatório passaria a ter “duração de 9 (nove) anos,
gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade.”
O ensino fundamental de nove anos surge a partir de uma estrutura
preexistente, com espaço definido e cultura remanescente do ensino fundamental
de oito anos. A nomenclatura “ensino fundamental” foi determinada pela Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional n.9394/96, posteriormente modificada,
com o acréscimo do termo nove anos. A legislação anterior à LDB/96, ou seja, a
Lei n. 5.692/71 denominava essa etapa de formação de ensino de primeiro grau.
A meta principal do ensino fundamental de oito anos era expandir a oferta a
todos que se encontravam na idade correspondente para cursar esse nível de
ensino. No final do século XX, o ensino fundamental foi praticamente
universalizado, mesmo que com um atraso de quase um século em relação aos
países desenvolvidos.
De acordo com as orientações do Ministério da Educação – MEC e
Secretaria da Educação Básica – SEB (BRASIL, 2009, p.5), os objetivos da
ampliação do ensino fundamental para nove anos de duração estão relacionados
à equidade, à melhoria da qualidade da educação básica, alcance de um nível
maior de escolaridade, oferta de um tempo mais longo para as aprendizagens da
alfabetização e do letramento.
As Constituições Brasileiras de 1934, 1937, 1946, 1967, 1988 e
documentos internacionais, como a Declaração dos Direitos Humanos (1948), há
tempos buscavam determinar a gratuidade e a obrigatoriedade da educação. Nas
duas últimas décadas, os discursos se intensificaram e concentraram-se no
alcance da meta. Oliveira (2007) reafirma que o desafio da universalização do
acesso ao ensino fundamental ainda persiste, já que somente 96% a 97% das
crianças em idade escolar frequentavam o ensino fundamental, índice este jamais
alcançado na história da educação brasileira, porém não corresponde à
totalidade.
Oliveira (2007, p.671) resgata a história acerca da obrigatoriedade da
educação no Brasil, afirmando que o ensino primário passou a ser direito
subjetivo de todos os cidadãos com a Constituição Federal de 1934, mesmo que
para usufruir desse direito o poder aquisitivo fosse determinante e as vagas
insuficientes naquele momento histórico.
28
Determinar o direito à educação e promover o acesso ao ensino obrigatório
são etapas que caminham em ritmos diferenciados no Brasil, ou seja, a
determinação dos direitos educacionais podem não passar de discursos, já que
sua efetivação pode levar décadas ou nem mesmo chegar a acontecer, por
motivos políticos, sociais e econômicos.
No Brasil, a ampliação do tempo de escolarização foi uma conquista
gradual. A implantação do ensino obrigatório, com a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação n. 4.024/61, determinava quatro anos na formação inicial do indivíduo.
A ampliação de quatro para oito anos ocorreu com a Lei n. 5.692/71, que unificou
as duas fases de ensino: primário e ginasial em primeiro grau, que passou a ser
constituído de oito anos de estudo.
A educação no Brasil passou por mudanças significativas entre as décadas
de 1980 e 1990, que se caracterizou por um período de transição política e
econômica no Brasil. No contexto político buscava-se implantar princípios
democráticos para a participação da sociedade nas decisões coletivas. Era um
momento de transferência do governo militar para o governo civil. A sociedade
buscava abertura para participação nas decisões do país por meio de eleições
diretas. Foi um momento de discussão para a construção da segunda Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que assimilou o momento histórico,
político, social e econômico do Brasil.
Nos aspectos pedagógicos, muitos países da América Latina reviam seus
currículos e demonstravam preocupação com a necessidade de mudanças
metodológicas para promover o ensino- aprendizagem em sala de aula. No Brasil,
a teoria mais difundida nos eventos educacionais era o construtivismo,
fundamentado nos estudos de Piaget (1970), que se contrapunha ao modo como
o processo ensino-aprendizagem ocorria, pautado em uma visão tradicional de
ensino, em que o professor é o detentor do conhecimento a ser transmitido para o
aluno. A concepção tradicional de ensino era contraditória com a necessidade de
formação do sujeito para atuar em contextos de disseminação rápida do
conhecimento.
Do ponto de vista da legislação, a década de 1990 foi produtiva para as
políticas educacionais, especialmente no contexto do ensino fundamental. A
Conferência de Educação para Todos, realizada em 1990, em Jomtien –
29
Tailândia, foi um evento que influenciou e impulsionou a elaboração de novas
políticas educacionais ao propor desafios educacionais aos diversos países
participantes, inclusive ao Brasil, tendo em vista a necessidade de elevação do
nível de formação profissional para inserção no mercado globalizado.
Para Mainardes (2006, p.51), a formulação de políticas pode sofrer
influências diversas nacionais ou internacionais, que vão do fluxo de ideias
vigentes nas redes políticas ao empréstimo de políticas padronizadas, às
soluções vendidas em periódicos, livros e conferências, ou seja, as origens das
proposições políticas podem refletir tendências globais, concepções educacionais
de grupos políticos, econômicos e intelectuais dominantes ou a partir de
constatações feitas por meio de dados coletados em avaliações externas.
“O processo de definição de políticas públicas para uma sociedade reflete
os conflitos de interesses, os arranjos feitos nas esferas de poder que perpassam
as instituições do Estado e da sociedade como um todo” (HÖFLING, 2001, p.38),
ou seja, as concepções e os interesses educacionais apresentam-se de maneiras
distintas que podem ou não coincidir com os interesses da sociedade ou com as
reais necessidades da educação.
Se por um lado a tendência mundial era ampliar as oportunidades de
acesso ao ensino obrigatório, a qualidade do ensino ofertado no Brasil começava
a ser questionada (OLIVEIRA, 2007, p.666). Estava posto o desafio da qualidade
na oferta da educação brasileira.
Embora, nem mesmo o desafio da qualidade fosse superados, com a Lei n.
11.274/2006, um novo desafio foi proposto: a entrada antecipada da criança de
seis anos no ensino fundamental de nove anos.
Santos e Vieira (2006, p.779) apontam motivações que julgam ter
influenciado a proposição do ensino fundamental de nove anos. Embora suas
investigações tenham acontecido no contexto do estado de Minas Gerais, é
possível estabelecer relações entre a motivação nacional e a de outros estados.
Para as autoras, a diminuição da taxa de fecundidade configurou-se em um
princípio de ociosidade nas vagas ofertas à faixa etária correspondente a esse
nível de ensino. O fato de acrescentar um ano ao ensino fundamental no início, e
não no final, justifica-se pelo fato de ser mais caro manter um aluno nos anos
finais do ensino fundamental do que nos anos iniciais.
30
Outro motivo apresentado por Santos e Vieira (2006, p. 780) pautava-se na
previsão da aceitação positiva das famílias e na repercussão do fato, considerado
um “apelo de caráter eleitoral” (2006, p.780). As autoras consideram as crianças
de seis anos aptas para iniciar o processo de alfabetização e, entendem ainda
que um ano a mais na formação do aluno favorece o aumento das oportunidades
de aprendizagem, já que os municípios que só tinham linhas de financiamento
para o ensino fundamental poderiam ampliar a oferta de um ano de estudo.
O nome dado à política do ensino fundamental de nove anos expressa
ênfase na questão da temporalidade, mas o documento elaborado pelo próprio
Ministério da Educação adverte que “a aprendizagem não depende apenas do
aumento do tempo de permanência na escola”, mas do uso desse tempo. A
associação do aumento do tempo para estudo e o uso eficiente pode contribuir
significativamente para que os estudantes aprendam mais e de maneira mais
prazerosa (BRASIL, 2007, p.7).
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2000)
também contribuíram para justificar a proposição política de mais um ano ao
ensino fundamental, ao constatarem que 81,7% das crianças de seis anos já
frequentavam a escola, sendo que 29,6% delas estavam no ensino fundamental.
Aproximadamente, um terço das crianças já adentrava a escola aos seis anos,
especialmente nas escolas particulares, não haveria problemas em antecipar a
entrada dos outros dois terços. A entrada antecipada sempre foi vista com
fascínio pelos pais ou responsáveis. Historicamente, a infância “se associa ao
tempo de ir à escola” (SOUZA, 1999, p.129).
A proposição do ensino fundamental de nove anos nos documentos legais
pauta-se em duas realidades. A primeira refere-se às crianças que não tinham
acesso à Educação infantil, em muitos estados brasileiros, pela insuficiência de
recursos para a oferta de vagas. Nesse caso, um ano de estudo, ainda que no
ensino fundamental, constitui-se como uma oportunidade a mais para a
aprendizagem. A segunda realidade é referente aos Estados brasileiros mais
desenvolvidos, em que não houve a ampliação do tempo de escola, uma vez que
grande parte dos alunos já frequentava a educação infantil. O que houve foi a
reformulação da proposta de formação da criança de seis anos em outro contexto.
31
A expansão de ampliação do ensino fundamental resultou de pressões
econômicas e sociais que contribuíram para a sua proposição. O ensino
fundamental de oito anos foi marcado por altos índices de repetência e evasão,
extremamente criticados internacionalmente. O desenvolvimento educacional não
consistia apenas no acesso à educação, mas deveria garantir a permanência e a
qualidade do ensino ofertado.
Segundo Arelaro (2005, p.1048), na década de 1990, o Brasil foi apontado
como um dos sete piores países do mundo em todas as suas modalidades de
ensino.
Diante de tal situação, foram tomadas algumas medidas tomando por base
orientações de organismos internacionais, especialmente no Estado de São
Paulo, como a implantação das classes de aceleração, ciclos escolares,
progressão continuada, dentre outras ações políticas que expressavam uma
preocupação relativa com os números da educação, uma vez que foram
adotadas medidas que não estão diretamente vinculadas à melhoria da qualidade
da educação. Nesse momento histórico, o discurso que vigorava era o de que os
recursos existentes para a educação no Brasil eram suficientes, cabendo apenas
aperfeiçoar a sua utilização, por meio de uma maior focagem nos investimentos
(PINTO, 2002, p.124).
Oliveira (2007, p. 670) constata que, no Brasil, há número de vagas
suficiente para atender à faixa etária dos 7 aos 14 anos, idade correspondente
para cursar o ensino fundamental; mas as vagas não estão distribuídas de acordo
com a demanda em regiões específicas.
De qualquer forma, no contexto de mudanças políticas e econômicas,
buscava-se reformar o ensino a partir de uma lei nacional. Discussões foram
realizadas no final da década de 1980 por profissionais e instituições ligadas à
educação que veio a resultar em um Projeto de Lei apresentado na Câmara dos
deputados por Jorge Hage. Ao mesmo tempo em que havia a discussão do
Projeto de Lei “Jorge Hage” Darcy Ribeiro elaborou e apresentou um novo Projeto
no Congresso Nacional. O Projeto discutido na Câmara foi considerado
inconstitucional e a principal crítica recebida era a de que o texto contemplava
apenas os interesses da escola pública. Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da
32
Educação Nacional n. 9.394/96 – LDBEN/96 foi aprovada no Congresso Nacional
sob a égide do Senador Darcy Ribeiro.
As determinações educacionais propostas anteriormente, contidas na
Constituição de 1988, nem mesmo haviam sido alcançadas, como a
universalização do acesso ao ensino fundamental e a erradicação do
analfabetismo no país, e a LDBEN/96 apresentava novos desafios, como a
novidade da escola em tempo integral2, no art. 23, e a entrada antecipada das
crianças na escola, que posteriormente veio a ser ratificada por meio do Plano
Nacional de Educação – PNE– n. 10.172 de 2001, apontando que “o ingresso no
ensino fundamental é relativamente tardio no Brasil, sendo de 6 anos a idade-
padrão na grande maioria dos sistemas, inclusive nos demais países da América
Latina.” (BRASIL, 2001, p.48).
Desse modo, estabeleceu-se que uma das metas do plano seria “ampliar
para nove anos a duração do ensino fundamental obrigatório com início aos seis
anos de idade, à medida que for sendo universalizado o atendimento na faixa de
7 a 14 anos”. A antecipação da entrada na escola e a ampliação do ensino
fundamental deveriam acontecer considerando a universalização do acesso à
escolarização.
“O caráter histórico das políticas educacionais remete, por sua vez, à
necessidade de analisá-las com base no contexto nacional e internacional”
(GATTI, BARRETO, ANDRÉ, 2011). A entrada das crianças no ensino
obrigatório, que atualmente corresponde ao ensino fundamental, também foi
analisada pela UNESCO (2008, p. 231), relatando que, dos 41 países que
compõem o bloco da América Latina e Caribe, em 36 países ocorria antes dos
sete anos, em 15 países, aos cinco anos e em 21 países, aos seis anos. Em
apenas cinco países a escolaridade obrigatória começava aos sete anos, entre
eles o Brasil.
A UNESCO verificou, ainda, que dos 41 países do bloco, a maioria dos
sistemas educacionais, 31 países, oferecem 10 ou mais anos de escolarização
obrigatória e os outros 10 países oferecem menos de 10 anos de escolarização
obrigatória, entre eles o Brasil, ou seja, a oferta da educação no Brasil estava
2 O ensino em tempo integral foi estabelecido no art. 34, § 2º da LDBEN/96, e até 2013, poucos sistemas de
ensino haviam implantado a política.
33
configurada pela minimização, tanto dos anos de ensino obrigatório como pelo
acesso tardio a esse nível de ensino.
Marcos que delimitam a infância e as fases tidas como apropriadas para as
correspondentes aprendizagens são analisados por Gondra (2007, p.234). Para a
autora,
a cronologia da vida (...) deve levar em consideração a base, carga e
tempo de amadurecimento biológico dos sujeitos, não sendo menos
necessário reconhecer as variantes culturais e a história que também
definem de modo decisivo as possibilidades de compreensão da vida e
de sua racionalização, por intermédio da invenção das idades.
Gondra (2007, p. 234) defende, ainda, que a definição de infância adotada
por um país “pode estar articulada com a disposição do Estado em atender uma
determinada faixa etária ou nível de escolarização” e não necessariamente a
atender as reais necessidades de aprendizagem da criança. Sendo assim, o
Brasil, ao seguir tendências adotadas por outros países, adere indiretamente a
concepções políticas que norteiam as medidas educacionais fora do país.
Avaliações internas também são determinantes na proposição de uma
política, como apontam Santos e Vieira (2006, p.785) ao destacar em seus
estudos sobre o ensino fundamental os resultados do Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Básica (SAEB/2003), divulgados pelo Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP). Neles constava que 59% das
crianças de 10 anos, no quarto ano de escolaridade, não sabiam ler e escrever
(MEC/INEP, 2003). Dados do SAEB (2003) apontavam também que as crianças
que entram antes dos sete anos na escola apresentam desempenho superior às
crianças que ingressam na escola somente aos sete anos.
Aliar a entrada antecipada dos alunos na escola ao aumento dos anos de
estudo na educação obrigatória é uma tendência internacional, que passou a ser
concebida como necessária para a equiparação da formação do indivíduo com a
de outros países.
Um aspecto positivo e importante na ampliação do ensino fundamental de
oito anos é a correspondente ampliação do direito subjetivo à educação, na
34
ocasião, restrito apenas ao ensino fundamental3. A oferta de mais um ano no
ensino fundamental assegura maior tempo para o estudo, principalmente nos
estados brasileiros em que são poucas as vagas disponíveis para a educação
infantil.
Segundo o documento Ensino fundamental de nove anos: orientações para
a inclusão da criança de seis anos de idade, essa mudança faz parte de uma
série de políticas “indutoras de transformações na estrutura da escola” (BRASIL,
2007, p.5), que, além de prezar pela questão da temporalidade, considera a
necessidade de reorganizar os espaços escolares, alterar a forma de ensinar,
aprender, avaliar; desenvolver o currículo e trabalhar o conhecimento.
Os objetivos da ampliação do ensino fundamental para nove anos de
duração são reafirmados no documento Passo a passo da implementação do
ensino fundamental de nove anos (BRASIL, 2009), ou seja: melhorar as
condições de equidade e de qualidade da educação básica; estruturar um novo
ensino fundamental para que as crianças prossigam nos estudos, alcançando
maior nível de escolaridade; assegurar que, ingressando mais cedo no sistema de
ensino, as crianças tenham um tempo mais longo para as aprendizagens da
alfabetização e do letramento (BRASIL, 2009).
A ampliação das oportunidades de aprendizagem por meio do ensino
fundamental de nove anos é positiva quando não se restringe à contribuição para
o aumento da capacidade produtiva do indivíduo.
Gorni (2007, p. 71) analisa as políticas educacionais que se apresentam na
atualidade como uma possibilidade de rever “a dívida social brasileira para com
uma grande parcela da população”, que esteve excluída ou teve restrições ao
acesso à educação por um período de tempo significativo.
3 Contexto da produção do texto legislativo
Anos após as determinações da LDBEN/96, novos textos foram elaborados
por meio de pareceres, resoluções e novas leis, a fim de normatizá-la. Seguindo
3 A expansão do ensino obrigatório foi determinada pela Emenda Constitucional n. 59/2009, com
prazo para vigorar a partir de 2016, alterando o texto do artigo 208 da Constituição Federal/88, que passará a constar como ensino obrigatório: os dois últimos anos da educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio.
35
o trâmite legal, em janeiro de 2005, a deputada e professora Raquel Teixeira
apresentou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei – PL n. 144/2005 –
dispondo sobre a Educação infantil e a duração de nove anos do ensino
fundamental e a entrada das crianças com seis anos nesse nível de ensino,
alterando os artigos 29, 30, 32 e 87 da LDBEN/96. São dez os Pareceres e uma
Resolução responsáveis por normatizar a ampliação do ensino fundamental para
nove anos, como pode ser conferido a seguir.
Quadro 2- Pareceres que orientam a implantação do ensino fundamental de nove
anos
Parecer/ Resolução
Data Conteúdo
Parecer CNE/CEB n. 24/2004
15 de setembro de 2004
Estudos visando ao estabelecimento de normas nacionais
para a ampliação do ensino fundamental para nove anos de
duração.
Parecer CNE/CEB n. 6/2005
8 de junho de 2005
Estabelecimento de normas nacionais para a ampliação do
ensino fundamental para nove anos de duração.
Resolução CNE/CEB n. 3/2005
3 de agosto de 2005
Define normas nacionais para a ampliação do ensino
fundamental para nove anos de duração.
Parecer CNE/CEB n. 18/2005
15 de setembro de 2005
Orientações para a matrícula das crianças de seis anos de
idade no ensino fundamental obrigatório, em atendimento à
Lei n. 11.114/2005, que altera os artigos. 6º, 32 e 87 da Lei
n. 9.394/96.
Parecer CNE/CEB n. 39/2006
8 de agosto de 2006
Consulta sobre situações relativas à matrícula de crianças
de seis anos no ensino fundamental.
Parecer CNE/CEB n. 41/2006,
9 de agosto de 2006
Consulta sobre interpretação correta das alterações
promovidas na Lei n. 9.394/96 pelas recentes Leis n.
11.114/2005 e n. 11.274/2006.
Parecer CNE/CEB n. 45/2006
7 de dezembro de 2006
Consulta referente à interpretação da Lei Federal n.
11.274/2006, que amplia a duração do ensino fundamental
para nove anos, e quanto à forma de trabalhar nas séries
iniciais do ensino fundamental.
Parecer CNE/CEB n. 5/2007
1º de fevereiro de 2007
Consulta com base nas Leis n. 11.114/2005 e n°
11.274/2006, que tratam do ensino fundamental de nove
anos e da matrícula obrigatória de crianças de seis anos no
ensino fundamental.
36
Parecer CNE/CEB n. 7/2007
19 de abril de 2007
Consulta com base nas Leis n. 11.114/2005 e n°
11.274/2006, que se referem ao ensino fundamental de
nove anos e à matrícula obrigatória de crianças de seis
anos no ensino fundamental.
Parecer CNE/CEB n. 4/2008
20 de fevereiro de 2008
Reafirma a importância da criação de um novo ensino
fundamental, com matrícula obrigatória para as crianças a
partir dos seis anos completos ou a completar até o início
do ano letivo. Explicita o ano de 2009 como o último período
para o planejamento e organização da implementação do
ensino fundamental de nove anos que deverá ser adotado
por todos os sistemas de ensino até o ano letivo de 2010.
Reitera normas, a saber: o redimensionamento da
educação infantil; estabelece o 1º ano do ensino
fundamental como parte integrante de um ciclo de três anos
de duração denominado “ciclo da infância”. Os três anos
iniciais é destacado como um período voltado à
alfabetização e ao letramento no qual deve ser assegurado
também o desenvolvimento das diversas expressões e o
aprendizado das áreas de conhecimento. Destaca
princípios essenciais para a avaliação.
Fonte: Brasil, MEC (2009).
No quadro, as orientações são de diversas ordens. Os Pareceres
CNE/CEB n° 06/2005, 18/2005, 39/2006, 7/2007 e 04/2008 e Resolução
CNE/CEB n° 3/2005 propõem a reorganização administrativa e a reorganização
pedagógica, de modo que contemplem a formação dos profissionais da
educação, o aperfeiçoamento profissional continuado, período reservado a
estudos, planejamento e avaliação, a reorganização dos tempos e espaços
escolares, a garantia da obrigatoriedade dos estudos de recuperação, a
adequação e aquisição do material didático, o redimensionamento da educação
infantil.
Não foram apenas os pareceres e a resolução que orientaram a
implantação do ensino fundamental de nove anos; novos documentos foram
distribuídos às escolas no formato de livros, não com o caráter legislador, mas
com a função de orientar situações peculiares que viessem a surgir no contexto
escolar e oferecer respaldos teóricos sobre as práticas e concepções
pedagógicas que norteiam a proposta política.
Os textos políticos se apresentam de diferentes maneiras. Para Mainardes
(2006, p.52), eles “são o resultado de disputas e acordos”, expressam a política
37
em si e podem se apresentar por meio da legislação, de textos, comentários
informais ou pronunciamentos sobre os textos oficiais.
3.1 Documentos elaborados pelo MEC/SEB e orientações para a implantação do ensino fundamental de nove anos
O MEC é propositor de políticas educacionais (BRASIL, 2004, p.4) e afirma
que age pautado em uma metodologia de trabalho de articulação com os
sistemas de ensino e com as diversas entidades voltadas para a questão
educacional, adotando princípios democráticos na construção das políticas
públicas em parceria com os atores sociais nelas envolvidos.
São seis os documentos elaborados com orientações para a implantação
do ensino fundamental de nove anos, considerando as necessidades de
adequação política, administrativa e pedagógica:
Ensino fundamental de nove anos 1º relatório (BRASIL, 2004)
Ensino fundamental de nove anos 2º relatório (BRASIL, 2004b)
Ensino fundamental de nove anos: orientações gerais (BRASIL, 2004)
Ensino fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança
de seis anos de idade. (BRASIL, 2007)
Passo a passo da implementação do ensino fundamental de nove anos
(BRASIL, 2009)
A criança de 6 anos, a linguagem escrita e o ensino fundamental de nove
anos. (BRASIL, 2009)
Para contextualizar a política e situar as discussões tecidas nessa
pesquisa, serão apresentados, suscintamente, os conteúdos dos documentos
citados, que inicialmente foram elaborados por meio de consultas públicas, ou
seja, com base nos questionamentos de educadores gestores e sociedade em
geral sobre a ampliação dessa etapa de ensino. O documento ensino
fundamental de nove anos: 1º relatório possui oito páginas, apresenta o processo
de elaboração dos documentos norteadores da política a partir do princípio de
implantação, em 2004.
38
No documento constam os debates e encontros promovidos entre as
Secretarias do Ministério da Educação – MEC, a União Nacional dos Dirigentes
Municipais de Educação – UNDIME – e o Conselho Nacional dos Secretários de
Educação – CONSED.
Os encontros foram primeiramente regionais e ocorridos em sete cidades
brasileiras: Belo Horizonte–MG, Campinas–SP, Florianópolis–SC, São Luís–MA,
Recife–PE, Rio Branco–AC e Goiânia–GO. Na ocasião, o objetivo era
encaminhar, coletiva e democraticamente, discussões sobre a viabilidade da
implementação do Programa Ampliação do Ensino Fundamental para Nove Anos.
Muitas secretarias da educação firmaram o compromisso de iniciar o programa
no primeiro semestre de 2004 (BRASIL, 2004).
No texto do primeiro relatório (BRASIL, 2004, p.2) destaca-se que “a
ampliação tem implicações, que não podem ser subestimadas, em vários
aspectos: proposta pedagógica, currículo, organização dos espaços físicos,
materiais didáticos e aspectos financeiros”. Quanto à educação infantil,
reconhece-se que precisa ser modificada e há a recomendação de que “as
diretrizes em vigor para esta etapa precisarão ser reelaboradas”. Nesse mesmo
relatório, é lembrado o que fora estabelecido no Plano Nacional de Educação –
PNE (2001–2011), que diz respeito ao cumprimento da meta de ampliação do
ensino fundamental para nove anos, com início aos seis anos, e que exige a
iniciativa da União.
Em novembro de 2004, um novo encontro foi realizado em Brasília, em
caráter nacional, com a participação de 247 secretarias, entre elas quatro
secretarias estaduais e as demais municipais. A expectativa era de subsidiar e
aprofundar a discussão sobre o ensino fundamental de nove anos. As sínteses
dos encontros foram apresentadas pelo MEC por meio do segundo relatório, que
apresentava o número dos participantes de entidades, de instituições e de
especialistas convidados para as discussões.
O segundo relatório (BRASIL, 2004b), composto por oito páginas,
apresentou levantamentos sobre os temas que deveriam ser aprofundados e as
principais dúvidas dos participantes sobre a concretização da política do ensino
fundamental de nove anos. Essa coleta de dados possibilitou a elaboração de
textos que compõem o livro: Ensino fundamental de nove anos: Orientações
39
Gerais (BRASIL, 2004), com pressupostos teóricos, legais e organizacionais, a
fim de esclarecer as principais dúvidas levantadas.
O material que serviu de base para uma análise mais específica são as
recomendações do MEC/SEB (BRASIL, 2007) contidas no documento: Ensino
fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos
de idade, contendo 135 páginas. A escolha desse material deve-se ao fato de que
o seu conteúdo está diretamente relacionado aos objetivos desta pesquisa, uma
vez que trata em especial da necessidade de uma atuação docente coerente para
a efetivação da política no modelo como foi proposta. Nesse documento há,
ainda, recomendações para que a implantação do ensino fundamental de nove
anos receba seja gerida nos aspectos político, administrativo e pedagógico, a fim
de assegurar o acréscimo de tempo no convívio escolar do indivíduo e ampliação
das oportunidades de aprendizagem, principal meta da política proposta.
A responsabilidade por administrar o ensino fundamental de oito anos e
conduzir a sua transição para os nove anos foi delegada a cada sistema de
ensino, seja municipal, estadual, federal ou privado. Todos com a
responsabilidade de garantir as aprendizagens necessárias a todas as crianças
que adentrarem nesse nível de ensino, com seis ou sete anos de idade.
Para que a política de ampliação do ensino fundamental se consolide,
foram indicadas ações fundamentais como: condições pedagógicas,
administrativas, financeiras, materiais e de recursos humanos e avaliação da
gestão educacional.
Na própria proposta do ensino fundamental de nove anos contém a
observação de que a ampliação do tempo de estudo não é suficiente para
promover a aprendizagem, uma vez que o que conta, de fato, é o “emprego mais
eficaz desse tempo” (BRASIL, 2007, p.7), ou seja, o uso racional do tempo
destinado para o ensino-aprendizagem.
As orientações dadas para a inclusão da criança de seis anos no ensino
fundamental de nove anos têm, basicamente, a preocupação de nortear os
profissionais da educação quanto a rever concepções de ensino-aprendizagem já
construídas relacionadas à sua formação cultural, suas relações com a leitura e
escrita, uma vez que a profissionalização docente é entrelaçada com a formação
pessoal do indivíduo e, portanto, difere uma da outra. Nesse sentido, os
40
documentos vêm delimitar as concepções teóricas para implantação da política na
escola.
O conceito de criança foi amplamente discutido no documento, já que os
alunos entrarão mais cedo na escola. A criança é concebida como sujeito da
aprendizagem, portanto, a ela deve ser garantida uma formação integral que
corresponda ao pleno desenvolvimento físico, psicológico, intelectual, social e
cognitivo.
A necessidade de oferecer formação em serviço, destinar tempo de sua
atuação para planejamento e promover melhorias na carreira docente são
recomendações tidas como necessárias para esse novo contexto (BRASIL, 2007).
No documento consta, ainda, a preocupação com os espaços que recebem
as crianças e adverte quanto à reorganização dos materiais, mobiliários e
equipamentos a serem utilizados.
À implantação do ensino fundamental de nove anos foi recomendada que
a estruturação fosse pensada para todos os anos desse nível de ensino,
constituindo-se em uma oportunidade para revisão dos currículos, dos conteúdos
e das práticas pedagógicas, atendendo às características, potencialidades e
necessidades específicas das crianças, de acordo com a idade.
Nas orientações há apreensão maior em relação ao primeiro ano, até
porque não havia conhecimento do que deveria ser trabalhado nesse período e
como o trabalho seria desenvolvido. O certo é que foi determinado que o primeiro
ano não se reduzisse à alfabetização e ao letramento, mesmo que seja entendido
como um momento propício para a apropriação de tais conhecimentos. Outra
advertência contida nas orientações é a de que o primeiro ano do ensino
fundamental não deve ser considerado apenas como uma preparação para os
demais anos de estudo.
No documento “Ensino fundamental de nove anos: orientações para a
inclusão da criança de seis anos de idade” (BRASIL, 2007), estudiosos da área
foram contatados, a fim de produzirem artigos que discutissem temas
relacionados à infância, ao brincar, ao desenvolvimento infantil, às áreas de
conhecimento para os seis anos de idade, ao letramento e à alfabetização, ao
trabalho e à prática pedagógica e à avaliação da aprendizagem. As ideias
apresentadas pelos autores tiveram a adesão do Ministério da Educação, que as
41
utiliza nas orientações para a implantação do ensino fundamental de nove anos.
Por ser um documento extenso, serão abordadas apenas concepções e
norteamentos que se referem à atuação docente.
As concepções de infância são definidas por Kramer (2007, p. 15), a partir
de Philippe Ariés (1978) e Bernard Charlot (1976). Para esses autores, as
concepções são construídas historicamente. As crianças são seres sociais e
históricos, desse modo, a prática pedagógica deve respeitar essa dimensão,
atendendo-as em suas necessidades de aprender e brincar.
Em linhas gerais, Kramer (2007, p.20) aponta que os desafios dos
profissionais que atuam na educação estão diretamente relacionados a questões
políticas e econômicas, que podem contribuir tanto para o desenvolvimento como
para a limitação de sua atuação. A autora afirma, ainda, que é necessário estar
atento à pedagogização da infância em detrimento da valorização do brincar.
Kramer discute que o fato de a educação infantil e do ensino fundamental serem
ofertados em etapas diferentes da educação básica não é argumento para
desprezar a formação integral da criança, uma vez que demanda uma formação
processual, considerando as necessidades infantis de afeto, do lúdico e de
conhecimento.
No documento há, ainda, referência quanto aos espaços em que a criança,
enquanto ser ator social, atua (NASCIMENTO, 2007, p.25). Nesse contexto, a
escola e a comunidade escolar em geral podem se empenhar para o
desenvolvimento integral da criança. A autora denuncia que pensar a infância no
contexto escolar e na sala de aula é um grande desafio para o ensino
fundamental, que, “ao longo de sua história, não tem considerado o corpo, o
universo lúdico, os jogos e as brincadeiras como prioridade.” Tal reflexão é
importante, uma vez que, segundo Nascimento (2007), a brincadeira é
responsável por muitas aprendizagens e é pré-requisito para aprendizagens mais
formais. Assim, é necessário convencer o professor a fazer uso da brincadeira
como estratégia para aprendizagem.
Ainda segundo Nascimento (2007, p.30), as práticas pedagógicas e a
política escolar para acolhimento dos alunos são determinantes para a efetivação
da política de inserção da criança de seis anos na escola. A disponibilidade de
uma sala de aula e de vagas é insuficiente para desenvolver a criança em suas
42
dimensões. Aos professores cabe favorecer a organização de um ambiente
escolar que valorize a infância com práticas pedagógicas que desenvolvam as
potencialidades das crianças.
Sobre o brincar, Borba (2007, p.33) adverte que “a escola não se constitui
apenas de alunos e professores, mas de sujeitos plenos, crianças e adultos,
autores de seus processos de constituição de conhecimentos, culturas e
subjetividades”, que precisam de contextos significativos de aprendizagem.
Incorporar o brincar nas práticas de construção do conhecimento é uma das
sugestões do autor, uma vez que “os processos de desenvolvimento e de
aprendizagem envolvidos no brincar são também constitutivos do processo de
apropriação de conhecimentos.”
O uso dos recursos da arte no desenvolvimento infantil é um das
recomendações feitas por Borba e Goulart (2007, p.47). As autoras constatam
que “à medida que a criança avança nos anos escolares são reduzidas suas
possibilidades de expressão, leitura e produção com diferentes linguagens”, ou
seja, a escola privilegia uma linguagem padrão restrita apenas ao contexto
escolar. Ao aluno devem ser propiciadas “práticas de leitura e escrita que
provoquem a imaginação, a fantasia, a reflexão e a crítica” (BORBA e GOULART,
2007).
Corsino (2007, p.57) suscita a importante discussão sobre o quê e como
ensinar as crianças, e, em meio às inúmeras opções, a autora ressalta que a
criança precisa ser o foco do trabalho desenvolvido na escola, já que são sujeitos
ativos do processo educativo, que reelaboram e recriam o mundo. Para ela, a
tarefa docente é “planejar, propor e coordenar atividades significativas e
desafiadoras capazes de impulsionar o desenvolvimento das crianças e de
amplificar as suas experiências e práticas socioculturais”.
O estudo articulado das Ciências Sociais, Ciências Naturais, Ciências
Lógico – Matemáticas e Linguagens é considerado como fundamental para o
autor, que recomenda o desenvolvimento do trabalho docente por meio de
projetos em que o professor é o mediador do processo educativo, com o papel de
ampliar a gama de conhecimentos, permitindo a interdisciplinaridade e a
transversalidade. O autor condiciona, ainda, a qualidade do trabalho docente a
ambientes aconchegantes, seguros, encorajadores, desafiadores, criativos,
43
alegres e divertidos. A organização do espaço, a disposição dos recursos e a
distribuição do tempo na busca pelo conhecimento são fatores decisivos no
sucesso do trabalho docente.
Como Corsino (2007, p.57), Leal, Albuquerque e Morais (2007, p.79)
convidam os professores a refletirem sobre a sua função mediadora entre o aluno
e o conhecimento e a necessidade de recriar metodologias de modo a facilitar
essa relação. Aos professores é sugerido que alternem tempo e espaços na
escola, viabilizando o processo educativo significativo, e recorda o pensamento
de Paulo Freire sobre o contexto de aprendizagem em que “a escola precisa ser
séria, mas não precisa ser sisuda”, principalmente quando os principais sujeitos
da aprendizagem são crianças (GOULART, 2007, p.48).
Leal, Albuquerque e Morais (2007, p.97) lembram a necessidade de o
professor dominar o conteúdo a ser ensinado e saber qual é a sua relevância
social e cognitiva. Os autores discutem, ainda, a delicada questão da avaliação na
escola e as necessidades de adaptação para acompanhar o processo de
desenvolvimento dos alunos, principalmente do primeiro ano do ensino
fundamental. A concepção de escola abordada pelos autores é de um espaço
propício à aprendizagem de conceitos sobre a natureza e a sociedade. Ao
professor cabe interferir na formação cidadã dos alunos, por meio da interação
com a sociedade e da tomada de consciência das contradições sociais.
Para a superação de desafios pedagógicos, a avaliação sistemática do
ensino e da aprendizagem é muito importante, pois, ao avaliar com a finalidade de
conhecer, acompanhar e verificar o que o aluno aprendeu, o professor diversifica
sua prática, interfere em seu próprio processo de formação e na formação do
aluno.
São inúmeras as preocupações dos autores selecionados pelo Ministério
da Educação para compor o quadro teórico do documento Ensino Fundamental
de nove anos: a inclusão da criança de seis anos de idade (BRASIL, 2007),
porém todas se condensam na proposição de um ensino-aprendizagem mais
dinâmico, que considere a criança como agente de sua formação, o preparo de
profissionais preparados, sensíveis às expectativas de aprendizagem dos alunos
e à necessidade de espaços propícios à aprendizagem.
44
Diante da quantidade de documentos orientadores para a implantação do
ensino fundamental de nove anos elaborados pelo Ministério da Educação (MEC),
tem-se a impressão de que tal política constitui-se como algo que transformará de
fato essa modalidade de ensino, pelas características dos discursos coesos e
convincente contidos nesse material. No entanto a quantidade de orientações
que cerceiam o ensino fundamental de nove anos necessita de aportes no
contexto prático para permitir a sua materialização, tornando viável a sua
efetivação.
O documento “Ensino Fundamental de nove anos: passo a passo do
processo de implantação” teve sua segunda edição publicada em setembro de
2009. O material contém 28 páginas e trata dos seguintes temas: normatização,
organização pedagógica e perguntas mais frequentes. O item normatização
contém o amparo legal, as definições das diretrizes pelos conselhos de educação
em âmbito nacional, estadual e municipal e a reorganização proposta pelas
secretarias estaduais e municipais de educação, como a atualização da proposta
pedagógica e elaboração de um plano de implementação do ensino fundamental
de nove anos que deverá ser encaminhado ao Ministério da Educação.
As escolas também recebem incumbências, entre elas a reformulação do
regimento escolar, um projeto político pedagógico próprio, um currículo novo,
mudanças na documentação escolar (BRASIL, 2009, p.14).
No documento A criança de seis anos, a Linguagem Escrita e o Ensino
Fundamental de nove anos há orientações para o trabalho com a linguagem
escrita em turmas de crianças com seis anos de idade. O documento recomenda
que o letramento e o desenvolvimento da leitura se desenvolvam por meio de
brincadeira, de jogos, de histórias e de desenhos, ou seja, por meio do lúdico.
45
Capítulo II
Procedimentos metodológicos, espaços, sujeitos e na investigação do ensino fundamental de nove anos
“O mundo não vai melhorar sozinho.” Eric Hobsbawm
Neste capítulo serão discutidas as escolhas metodológicas para a
investigação do ensino fundamental de nove anos, o local de implantação do
ensino fundamental de nove anos (município e escola) e os professores como
sujeitos determinantes nesse processo de materialização da política.
1 Procedimentos metodológicos
A necessidade de inovar nas técnicas de pesquisas ou chegar a resultados
diferentes tem levado pesquisadores a buscar novas metodologias para a
realização de estudos científicos. O grupo focal está entre essas escolhas.
Embora o uso de grupos focais tenha se intensificado nos últimos anos, há
registros do seu uso em 1920. Desde os anos 1950, os grupos focais têm sido
empregados em pesquisas de mercado, sendo explorados pelos profissionais de
marketing. A partir dos anos de 1980, a pesquisa de grupo focal despertou o
interesse dos pesquisadores em outras áreas do conhecimento, como as Ciências
Sociais, a Ergonomia, as Ciências Médicas, a Ciência da Informação, entre
outras, uma vez que, segundo Dias (2000, p.3), “é uma técnica perfeitamente
adaptável a qualquer tipo de abordagem”.
O grupo focal pode ser usado tanto como uma técnica complementar
como a única fonte de dados da investigação. A pesquisa de grupo focal pode
ser utilizada em investigações com abordagem quantitativa, qualitativa ou quali-
quantitativa (GONDIM, 2003, p. 151). No contexto dessa investigação, a técnica
46
de grupos focais é classificada como qualitativa, mas também faz uso de dados
quantitativos, na apresentação da pesquisa de campo.
Algumas críticas são feitas quanto ao uso do grupo focal na coleta de
dados, como os cuidados que se deve ter em relação às generalizações
(GONDIM, 2003, p.158), mas é válido ressaltar que esse cuidado deve ser
tomado também com as demais técnicas de coleta, como a entrevista,
observações, questionários, entre outros.
A recomendação na realização de pesquisas com grupos focais é não
usar indivíduos da amostra como base para tornar suas opiniões por padrão, uma
vez que o colaborador com a pesquisa é tido como fruto de interações sociais e
que, por essa razão, expressa opiniões diferentes dos demais indivíduos, o que
favorece a diversidade de percepções sobre um determinado tema.
Em estudos que adotam a técnica de grupo focal sobre qualquer tema
pode haver vários pontos de vista, que variam de acordo com as experiências de
vida do pesquisador nos aspectos pessoal, profissional, de formação acadêmica
entre outros.
Os debates em torno de questões dirigidas aos grupos focais podem de
imediato abalar ou solidificar as convicções das diferentes percepções dos
professores sobre o tema, ou seja, por meio das discussões é possível refletir e
até mudar de opinião em relação ao modo como se concebem as determinações
políticas. Uma devolutiva imediata ao professor que participa do debate, pois
permite ao indivíduo compreender que o conhecimento não é estático ou
absoluto, mas sim dinâmico, em constante processo de mudanças e pode ser
promovido em diferentes contextos.
O uso de grupos focais em pesquisas educacionais no Brasil é debatido
por Gondim (2003), Gatti (2005) e Gomes (2005). A técnica favorece uma
margem ampla de pontos de vista, que variam de acordo com as experiências de
vida do pesquisador e dos indivíduos que compõem o grupo nos aspectos
pessoal, profissional, de formação acadêmica, entre outros. É possível que a
leitura desse estudo por pesquisadores com vivências diferentes levem a
questionamentos diferentes dos aqui apontados, uma vez que os vínculos e as
percepções sobre os temas investigados diferem.
47
Um dos pontos positivos da pesquisa de grupo focal, segundo Gatti (2005,
p.9), é que ela “permite fazer emergir uma multiplicidade de pontos de vista e
processos emocionais, pelo próprio contexto de interação criado, permitindo a
captação de significados que, com outros meios, poderiam ser difíceis de
manifestar.” A autora aponta, ainda, como ponto positivo dessa técnica de
pesquisa o fato de não haver
necessidade de preparação prévia dos participantes quanto ao assunto,
pois o que se quer é levantar aspectos da questão em pauta
considerados relevantes social ou individualmente, ou fazer emergir
questões inéditas sobre o tópico particular, em função das trocas
efetuadas (GATTI, 2009, p.9).
Para a efetivação da coleta de dados por meio de grupos focais foi
necessário definir o quê se quer saber e de quem. Após essas determinações,
estabeleceu-se como seriam coletados os dados, por meio de questões e não de
temáticas. Definido o eixo do estudo, buscaram-se os colaboradores para
participar das reuniões em grupo onde os dados seriam coletados.
Os materiais coletados nos grupos focais foram analisados por meio da
análise de conteúdo (BARDIN, 1977, p.46), que permite a decomposição dos
dados coletados, a classificação em unidades ou categorização dos fenômenos,
favorecendo a reconstrução de significados e uma compreensão mais
aprofundada da interpretação da realidade do grupo estudado. A análise do
material coletado “é um processo de elaboração, de procura de caminhos, em
meio ao volume de informações levantadas” (GATTI, 2005, p.44).
A análise de conteúdo é adotada nesse estudo em uma perspectiva
qualitativa, que busca captar a essência dos discursos dos atores envolvidos no
contexto de investigação. A análise de conteúdo existe desde as primeiras
tentativas de interpretação dos antigos escritos, porém, na década de 1920, ela
se institui de modo sistematizado como método (TRIVIÑOS, 1987).
Bardin (1977, p.18) afirma que Berelson e Lazarsfeld são os primeiros a
difundirem, nos anos 1940 e 1950, o conceito de análise de conteúdo como uma
“técnica de investigação que tem por finalidade a descrição objetiva, sistemática e
quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação”. A análise de conteúdo
48
pressupõe que há sentidos a serem desvendados por trás dos discursos, e o
aparente não se configura como absoluto.
Segundo Bardin (1977), as etapas que compõem a análise de conteúdo
são: a pré-análise, que consiste na organização do material a ser utilizado antes
da coleta dos dados e de outros materiais tidos como necessários para
entendimento do objeto investigado; a descrição analítica, posterior à organização
dos materiais selecionados para o estudo, composto pela apresentação das
hipóteses, tecendo discussões tendo em vista a construção de um referencial
teórico, destacando semelhanças e diferenças entre o posicionamento dos
autores que abordam o tema; e a análise de conteúdo de fato, dependente das
etapas anteriores para a sua realização, é caracterizada pela reflexão e
interpretação dos materiais empíricos correlacionados ao aporte teórico
construído anteriormente.
Um passo fundamental para a análise de conteúdo é a disposição do
material coletado em categorias. “A categorização é uma operação de
classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação
seguida de um reagrupamento baseado em analogias” (FRANCO, 2008, p. 59).
A criação de categorias é processual e tramita entre a fase da descrição
analítica e da análise do conteúdo propriamente dita. O envolvimento do
pesquisador com a investigação é exposto por meio de suas escolhas e
classificações que refletem suas experiências de vida, seu preparo e
embasamento teórico para as classificações dos dados. “A análise dos conteúdos
coletados e organizados passa primeiramente pela etapa do recorte, na qual os
relatos são decompostos para em seguida serem recompostos para melhor
expressar sua significação” (SILVA, et al., 2005, p. 75).
O estabelecimento das categorias analíticas é flexível, e elas podem ser
definidas preliminarmente ou construídas no decorrer da investigação. Essa fase
é constituída por várias unidades de análise que comporão a categorização final
do estudo, que consiste em tramitar e estabelecer relações entre uma categoria e
outra, tecendo interpretações.
Para Bardin (1979, p.153), analisar o texto seguindo categorias é
desmembrar o texto em unidades, em categorias segundo
reagrupamentos analógicos. Entre diferentes possibilidades de
49
categorização, a investigação dos temas, a análise temática, é rápida e
eficaz na condição de se aplicar a discursos directos (significações
manifestas) e simples.
Considerando a importância da divisão do estudo em categorias, neste
estudo foram criadas cinco categorias, resultantes da classificação do material
coletado por meio das questões feitas aos grupos focais: novidades e diferenças
constatadas pelos professores no ensino fundamental de nove anos; mudanças
na prática pedagógica após a implantação do ensino fundamental de nove anos;
aumento das oportunidades e da qualidade no ensino fundamental de nove anos;
indicações dos professores para a melhoria do ensino fundamental; e percepções
dos professores sobre o ensino fundamental de nove anos.
No capítulo seguinte serão apresentadas a trajetória da pesquisa e as
análises a partir dos discursos de professores de modo a identificar, comparar e
discutir o que eles pensam sobre a ampliação do ensino fundamental.
2 A escola e as políticas educacionais
Os modelos predominantes de instituições escolares do Brasil foram
construídos ao longo dos tempos, recebendo influências das áreas política,
econômica e social. Crema (1998, p.140) observa:
O modelo de escola, tal como hoje a conhecemos, se inicia com a
sociedade industrial no século XIX. Os conteúdos curriculares, então,
respondiam ao homem dessa época, e a estrutura do sistema educativo
se organizou de acordo com os requerimentos dessa sociedade.
Historicamente, o processo de formação do indivíduo deixou de ser
responsabilidade de um preceptor que acompanhava todo o seu desenvolvimento
educacional no contexto familiar. A escola passou a se organizar para atender a
grupos de alunos, com formação por série de estudo. Como no modelo industrial
de produção, o processo de formação escolar fora fragmentado e permanece
estruturalmente assim estabelecido até os dias atuais.
50
É válido destacar que algumas mudanças ocorreram no funcionamento
escolar. Segundo Oliveira (2004, p. 140), “aquela escola tradicional, transmissiva,
autoritária, verticalizada, extremamente burocrática mudou” sob influência dos
contextos econômicos e sociais e das políticas educativas traçadas mais
recentemente na década de 1990. Princípios de atuação democrática e
autônoma foram conferidos à escola, o que ampliou suas responsabilidades.
Atualmente, a escola é a instituição educacional formal mais importante,
pois diferencia-se de outras formas de educação espontânea (SAVIANI, 2003,
p.9).
As atribuições escolares são diversas e representadas de acordo com a
concepção do sujeito. Sua função pode se pautar na humanização, no preparo
para o exercício da cidadania ou para o trabalho, se destinar à transmissão e
construção do conhecimento.
Garay (1998, p.111) entende a escola como uma instituição e concebe as
instituições como labirintos, pois aderem a formações sociais e culturais
complexas e múltiplas. Para a autora, além de complexas, as instituições
escolares são contraditórias, pois contemplam duas organizações com lógicas
diferentes em um mesmo espaço: a função pedagógica e o trabalho docente em
si, o aluno e professor, que se unem por laços de necessidades mútuas.
Ainda segundo Garay (1998), a função pedagógica e o trabalho docente
apresentam interesses distintos. A função pedagógica corresponde às ações
esperadas dos professores, que exercem a função de acordo com o contexto
educativo, ou seja, diz respeito aos anseios do sistema, da instituição em relação
às ações tidas como necessárias para contribuir para o andamento da escola.
O trabalho docente diz respeito ao trabalho realizado de fato pelo
professor, nem sempre correspondendo ao que a função exige, uma vez que as
exigências nem sempre correspondem à concepção educacional do professor, o
que gera crises internas e compromete o alcance de metas estabelecidas pela
instituição. Contudo não é possível ser neutro nessa relação, “as instituições
sempre estão presentes no interior do sujeito”, porém nem sempre de modo
completo (GARAY, 1998, p.122).
51
As funções pedagógicas que correspondem às expectativas da instituição
escolar em relação à atuação dos professores estão dispostas no artigo 13 da
LDBEN/96, como será apresentado ainda nesse capítulo.
Garay (1998, p. 112) compreende a escola como “campo de ações dos
sujeitos individuais e dos grupos coletivos”. A mesma autora defende a escola
como uma instituição que mediatiza a educação e tem o conflito como pano de
fundo permanente. Os conflitos são compreensíveis quando a escola é entendida
como espaço de “cruzamento de culturas” (GÓMEZ, 2001).
Para que a escola seja bem sucedida no cumprimento de seu papel, uma
série de condições estruturais é necessária. As funções políticas e sociais da
escola são atravessadas pelos interesses da sociedade (VIEIRA, 2011, p.130),
porém nem sempre a sociedade compreende como papel principal da escola a
construção e disseminação do conhecimento.
No modelo de escola tradicional estavam explícitos os limites entre a vida
escolar e a vida de fato, que, segundo Cavaliére (1999), correspondia à vida fora
da escola. Atualmente, não existe essa divisão nítida, as orientações dadas aos
professores são no sentido de que as vivências sociais do aluno sejam ponto de
partida para introdução dos conteúdos contidos no currículo escolar.
As mudanças no contexto escolar demandada pelos acontecimentos
sociais, políticos e econômicos são marcadas por um ritmo vagaroso, aquém das
mudanças sociais (CREMA, 1998, p. 139).
O conhecimento produzido na escola pode caracterizar-se como obsoleto
dependendo do que a escola se propõe a ensinar, como ensina e o tipo de
sociedade que quer formar. A relação que uma sociedade tem com o
conhecimento influencia no modo como ela se constituirá futuramente, desse
modo, a escola adquire importância significativa na produção e difusão do
conhecimento necessário para o desenvolvimento da sociedade. É fato que a
escola, geralmente, não dispõe de estrutura para acompanhar com a mesma
velocidade a construção e disseminação do conhecimento em outros contextos
sociais, tendo em vista que,
além dos conhecimentos escolares convencionais, sejam também
incorporados aos currículos das escolas aspectos ligados a
comportamento sexual, afetividade, padrões de convivência social e
52
cidadania, “conscientização política”, parâmetros de higiene e saúde,
familiarização com novas tecnologias, consciência ecológica, uso de
drogas e suas respectivas implicações ético-morais (CAVALIÉRE, 1999,
p.116)
São muitas as atribuições delegadas à escola, daí a necessidade de refletir
acerca da formação do professor para lidar com tantas atribuições, os espaços
disponíveis para realizá-las e as estruturas disponíveis. “Cada vez mais, os
professores trabalham em uma situação que a distância da profissão e a
realidade do trabalho tende a aumentar, em razão da complexidade e da
multiplicidade de tarefas que são chamados a cumprir nas escolas” (GATTI,
BARRETO e ANDRÉ, 2011, p. 25).
A reflexão sobre a atuação docente contempla os modos como a escola
funciona e as suas principais características, uma vez que influenciam
diretamente no modo como o professor atua e no modo como o processo de
ensino-aprendizagem se desenvolve.
Segundo Oliveira (2004, p.1132), “o professor, diante das variadas funções
que a escola pública assume, tem de responder às exigências que estão além de
sua formação”. O fato é que a escola não assegura a aprendizagem de todos os
alunos nem mesmo nos requisitos básicos, que são a leitura, escrita e cálculos
iniciais. Dados do IBGE apontavam que, em 2010, 3,9% das crianças entre 10 e
14 anos eram analfabetas, idades que correspondem ao curso do ensino
fundamental obrigatório. Tais dados indicam que, apesar da escola, há alunos
que não se apropriaram da leitura e escrita.
Se os conteúdos tradicionais tidos como escolares não são aprendidos
integralmente, é possível que com mais atribuições a escola encontre
dificuldades para atuar.
É visível a sobrecarga da escola para alinhar-se ao modelo de sociedade
atual devido o excesso de tarefas que os indivíduos têm a cumprir. Por outro lado,
não é possível ter qualidade na oferta educacional se não houver essa
contextualização, já que “a política educacional faz parte de um amplo projeto
social, de uma totalidade, devendo ser pensada sempre numa íntima e dialética
articulação com o planejamento mais global que uma sociedade constrói”
(SCHNECKENBERG, 2000, p.114).
53
Para superação do descompasso existente entre o conhecimento
produzido na escola e o conhecimento produzido em outros contextos, os limites
de atuação da instituição escolar precisam ser ampliados com ações, como o
aumento dos investimentos em educação, de modo a abranger mais aspectos:
informacionais e tecnológicos, pessoais, pedagógicos e administrativos, a fim de
assegurar que a escola cumpra, no mínimo, seu papel trivial, coerente com as
necessidades de formação do indivíduo na sociedade atual..
Celani (2004, p.46) defende o ajuste da escola ao ritmo da sociedade atual,
uma transformação deve ser buscada na cultura da própria escola, passando da
cultura da certeza para a cultura da incerteza. Como Lima (2001), a autora
defende que não são as políticas externas que solucionam os problemas
escolares, mas cabe refletir se as políticas públicas destinadas à educação são
tidas, para o autor, como desnecessárias.
O modo como a escola lida com as determinações legais relacionadas à
estrutura administrativa e pedagógica e as ações das escolas e dos professores
diante de propostas políticas devem ser discutidas por atores externos à
instituição.
O modo como as políticas são interpretadas possibilita ressignificações e o
distanciamento da proposta original. A escola, juntamente com o grupo de
professores, se apropria da política de diferentes modos e tal apropriação está
diretamente relacionada às experiências vividas pelos professores
individualmente e coletivamente na instituição escolar.
Ao mesmo tempo que reproduzimos o que aprendemos com outras
gerações e com as linhas sociais determinantes do poder hegemônico,
vamos criando, todo dia, novas formas de ser e fazer que, ‘mascaradas’,
vão se integrando aos nossos contextos e ao nosso corpo, antes de
serem apropriadas e postas para consumo, ou se acumulem e mudem a
sociedade e todas as suas relações. (ALVES, 2003, p.66)
Anteriormente as pesquisas realizadas sobre a escola e as implantações
políticas não estabeleciam o foco no modo como os sujeitos da escola se
apropriavam de uma determinação legal. Atualmente, a tendência dos estudos é a
de considerar os sujeitos que atuam na escola diante das políticas. Não dá para
prever com exatidão a reação dos sujeitos diante de uma determinação política,
54
uma vez que não se tem conhecimento total das experiências vivenciadas por
eles. Tais comportamentos podem ser expressos por meio da recusa, da
aceitação parcial da determinação política ou da adesão por meio de adaptações,
conforme já foi mencionado nesse estudo.
A escola pública é o principal local de implantação de políticas
educacionais; por um lado ela pode definir os movimentos dos indivíduos que nela
interagem ao ceder a determinações externas, por outro lado é compreendida em
sua peculiaridade, resultante de negociações tecidas internamente (GOODSON,
2008, p. 56).
Constantemente, novas políticas são elaboradas e destinadas às escolas;
mesmo quando a escola ainda é um projeto, algumas políticas são pré-
estabelecidas para o seu funcionamento. Um exemplo claro é a construção do
espaço físico determinado por outrem, ou seja, especialistas da construção civil e
do setor de finanças elaboram a planta do prédio escolar a partir da visão racional
dos recursos públicos, segundo o modelo ideológico de estrutura que consideram
necessária para o funcionamento escolar. Esse processo pré-define algumas
relações de acordo com o espaço determinado.
Camargo (2008, p. 45) considera necessário estabelecer diálogo entre a
arquitetura e pedagogia, na fase inicial de projetar uma escola. É nesse espaço
pré-definido que as políticas educacionais serão implantadas. Se o diálogo é
importante na etapa inicial, na etapa de funcionamento da escola ele se torna
imprescindível, já que traçar metas em comum a profissionais com formações
distintas representa um desafio à escola.
A mudança educacional funciona com mais sucesso quando a reforma
considera esse compromisso pessoal dos professores como sendo, ao
mesmo tempo, uma inspiração para a reforma (que funciona melhor
quando é levada a cabo pelos professores como parte de seus projetos
pessoais- profissionais), e um objeto necessário da reforma (a
necessidade de dar apoio aos professores até o ponto em que eles
próprios desejem “apropriar-se” da reforma). (LIMA, 2001, 32)
A definição clara dos objetivos e fins da escola constitui-se como elemento
importante para traçar metas e buscar alcançá-las. Algumas metas e objetivos
são traçados externamente e outros são estabelecidos diante da convivência
55
interna de seus componentes, ou seja, a escola consome políticas externas, mas
também elabora as suas próprias políticas. O alinhamento das políticas internas
às políticas externas favorece a harmonia no funcionamento escolar, caso
contrário alguns conflitos surgirão.
As determinações traçadas externamente seguem uma tendência de
padronização dos sistemas educacionais e unidades escolares por meio de
prescrições dispostas na legislação educacional, comum a todos. Tal
padronização facilitaria o controle e a supervisão das ações educacionais; por
outro lado desprezaria as características específicas de cada instituição escolar e
o distanciamento existente entre as determinações e o alcance dos objetivos da
política na escola.
No funcionamento interno da escola há conflitos relacionados a escolha
dos conteúdos tidos como prioridade, às metas a serem atingidas, e, ainda que se
chegue a consensos, novos desafios se apresentam a todo o momento para
serem superados. Com as políticas externas direcionadas às escolas não é
diferente, o tratamento da política não é pacífico, uma vez que implica em
possibilidades de mudanças e, consequentemente, representa instabilidade.
A escola pode contornar, reprimir ou renegar as políticas implantadas em
seu interior, ou seja, ela pode adotar a “reprodução total dos conteúdos
normativos, a reprodução parcial, ou a não reprodução” (LIMA, 2001, p.63). Sabe-
se, porém, que não há passividade nessa relação, ela é conflituosa na medida
em que precisa se adaptar à nova situação por meio de pressão, para tomada de
decisões. Saber como as escolas lidam com as regras que lhes são impostas é
importante, pois fornece indícios de como se constitui o processo de adesão ou
não dos profissionais que nela atuam.
A instituição escolar é entendida por seu funcionamento díptico de
cumprimento e descumprimento as regras. Nessa concepção, a escola não se
apresenta exclusivamente burocrática, nem anárquica, ou seja,
Ora se ligam objectivos, estruturas, recursos e actividades e se é fiel às
normas burocráticas, ora se promove a sua separação e se produzem
regras alternativas; ora se respeita a conexão normativa, ora se rompe
com ela e se promove a desconexão de facto (LIMA, 2001, p. 47).
56
Para Canário (1990, p.7), a escola é uma organização imprevisível. O que
a delineia são as experiências vivenciadas com características pontuais e
peculiares relacionadas às escolhas que faz, permeada por graus maiores ou
menores de autonomia para agir, tendo em vista suas obrigações com o ensino-
aprendizagem, com o sistema educacional a que pertence e com a comunidade
escolar.
O professor também tem autonomia para ministrar o ensino e fazer
escolhas pedagógicas, embora cerceada, uma vez que ele não é livre para
ensinar qualquer conteúdo, no tempo que desejar, no espaço físico que
necessitar, com os materiais apropriados. Sua prática está vinculada a uma série
de delimitações estabelecidas pelo contexto em que atua e pelo consenso entre
atores que exercem a mesma função e ocupam os mesmos espaços.
Nesse espaço complexo que a instituição escolar está inserida, as
adaptações para a implantação das determinações políticas nem sempre são
apropriadas ou suficientes e às vezes se distanciam do objetivo principal. No
contexto de uma determinação política, Lima (2001, p. 62) admite que a
mensagem originalmente produzida sofra alterações de forma e conteúdo.
Lima (2008, p.82) investigou as diferentes concepções de escolas
contidas em trabalhos acadêmicos e classificou em categorias: universal, quando
a instituição educacional é abordada de modo generalizado, conhecida por todos
de modo abstrato, sem um distanciamento crítico necessário, a fim de perceber a
problemática que a envolve. O autor usa os termos lato sensu, para as análises
na perspectiva da macropolítica, e stricto sensu, para análises de micropolítica.
Para o autor, promover articulações entre o contexto das políticas educacionais
mais globais e as políticas mais locais é o desafio do pesquisador, o que não
acontece em investigações nas quais a escola é analisada mais amplamente.
Os estudos sobre escolas são classificadas, ainda, por Lima (2008, p.85)
como: categoria jurídico-formal, reflexo, invólucro, coleção, mediação e como
organização em ação. Para o autor, “a escola jurídico- formal é singular,
perfeitamente definida dentro dos limites da lei, geral e abstracta, indiferente às
diferenças dos contextos, dos actores e das suas dinâmicas de interacção.” A
escola que adere as leis e não demonstra reação contrária a legislação
57
estabelecida se aproxima da visão de órgãos oficiais do governo que determinam
as leis educacionais, como o Ministério da Educação.
Na categoria da escola como reflexo, entende-se que “ainda que algumas
diferenças e diversidades possam ser admitidas de escola para escola (...) no
essencial, as escolas apresentam mais regularidades políticas, estruturais e
morfológicas do que diferenças, constituindo-se como reflexos das referidas sobre
determinações.” As diferenças regionais e locais dos contextos educacionais em
que as leis são determinadas são reconhecidas, mas não são vistas como
determinantes a ponto de resistirem à proposição de uma política.
A escola definida como invólucro “limita-se à descrição genérica e
superficial das suas características mais imediatamente evidentes”, uma visão
simplificada da realidade. Estudos descritivos são importantes desde que estejam
relacionados a análises mais profundas das características escolares.
Na escola como coleção, que se aproxima da linha de investigação
pautada no positivismo, a escola
nunca chega a ser abordada na sua totalidade e complexidade, mas antes cindida e fragmentada em múltiplos olhares cirúrgicos, de tipo micro-analítico, incidindo sobre objectos de estudo insulares e atomizados, relativamente independentes e desligados uns dos outros. O individualismo metodológico revela-se, portanto, capaz de subordinar a perspectiva holística, tal como o protagonismo atribuído à micro-
abordagem inibe as abordagens analíticas de tipo macro e meso”. (LIMA, 2008, p.86).
Ainda para Lima (2008), a escola como mediação revela-se como “um
lócus de produção de orientações e de regras, seguramente condicionadas, mas
não determinadas”. Nesse modelo de organização a escola é reconhecida como
capaz de traçar suas próprias regras, que não são apresentadas explicitamente.
Na escola como organização em ação,
mais do que o estudo das estruturas e dos actores escolares, o estudo
da acção em contexto escolar, seja qual for o seu domínio de
intervenção e os sujeitos envolvidos na interacção social, remete,
mediata ou imediatamente, para a consideração da escola como
organização em acção. Por esta via, teórica e metodológica, é possível
atender, ainda que com distintos graus de detalhe, às intersecções entre
os comportamentos e interacções de tipo micro-social, à composição
social e às relações de poder em contexto organizacional e, ainda, a
elementos de mudança macro- social. (LIMA, 2008, p.87).
58
Embora, neste estudo, seja analisada a percepção dos professores sobre a
implantação de uma política na escola, o que se assemelharia à escola-reflexo,
ou, ainda, à escola como mediação, discutida por Lima (2008, p.85), não se pode
desconsiderar a interação social entre os sujeitos que nela atuam, seguindo a
tendência da escola em ação.
2.1 Sobre as escolas pesquisadas
‘As escolas investigadas pertencem ao município de Marília; em razão
disso alguns dados sobre o município serão apresentados para melhor
compreensão do contexto em que os dados foram coletados.
Marília está localizada na região noroeste do Estado de São Paulo. Sua
distância da capital é de 443 quilômetros. É sede administrativa de 51 municípios
do interior do Estado e, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE, 2010), possui 216 745 habitantes. É considerado um
município de médio porte, autossuficiente nos setores de comércio e de prestação
de serviços. Seu desenvolvimento econômico deve-se também às indústrias de
alimentos nele instaladas e às universidades que atraem um público significativo
de estudantes que consomem no município. O produto interno bruto do
município, em 2009, segundo o IBGE, foi de 3 433 665 (bilhões).
Em Marília, há 2234 professores da educação básica, sendo que 12,4%
são professores da educação infantil, 61,1% atuam no ensino fundamental e
26,5%, no ensino médio.
A população em idade escolar para o ensino fundamental de 6 a 14 anos é
de 29 272 alunos. Nos anos iniciais do ensino fundamental há, em média, 25
alunos por turma. A taxa de aprovação nos anos iniciais do ensino fundamental
corresponde a 97,9%, superior ao índice de aprovados nos mesmo período
escolar no Brasil, que corresponde a 90, 2%, e ao índice de aprovação do Estado
de São Paulo, de 96,4% (INEP, 2011).
59
O município de Marília tem um Sistema Educacional implantado no final da
década de 1990, com o processo de municipalização dos anos iniciais do ensino
fundamental, política incentivada pelo governo do Estado de São Paulo, porém a
municipalização não ocorreu em sua totalidade, ou seja, ainda há escolas sob a
responsabilidade do estado que ofertam os anos iniciais do ensino fundamental.
Por ocasião da municipalização, a administração municipal adotou a
política de construir novas escolas e contratar novos funcionários por meio de
concursos públicos, adotando posturas diferentes de outros municípios, onde o
processo de municipalização aconteceu com o aproveitamento de prédios e
recursos humanos que eram mantidos até, então, pelo governo estadual.
Dados do IBGE/Cidades (BRASIL, 2010) apontam que a quantidade de
alunos matriculados nos anos iniciais do ensino fundamental no município é de
13.148 alunos, sendo que esse número corresponde a vagas ofertadas pelo
estado, município e setor privado. O município de Marília conta, atualmente, com
19 unidades escolares que atendem a 7707 alunos dos anos iniciais do ensino
fundamental.
Gráfico 1 - Alunos matriculados nos anos iniciais do ensino fundamental no município de Marília em 2011.
2602
7707
2839 Estado
Município
Privado
60
A ideia inicial era coletar dados em quatro escolas municipais de Marília,
nas quatro regiões do município (norte, sul, leste, oeste), porém na região sul
houve recusa de três escolas e na região leste, uma recusa.
As escolas resistem em se submeter a investigações científicas, por
menor que seja a sua participação. Uma das justificativas é a sobrecarga das
funções a serem desenvolvidas no contexto escolar, e fornecer dados para
análises não está no cronograma, pois em muitos estudos em que as escolas
participam não agregam benefícios diretos à escola, uma vez que tendem a suprir
apenas as necessidades de produção da e para academia.
Se por um lado a escola não demonstra satisfação em colaborar com
estudos científicos, as universidades contribuem para isso, quando não dão uma
devolutiva das pesquisas. Tanto a recusa das escolas à realização de estudos
acadêmicos como a não promoção da pesquisa no contexto escolar contribui para
manter o conhecimento estagnado, inquestionável e obsoleto.
Em uma das escolas em que foi solicitada a participação no estudo, por
exemplo, a diretora, ao ler a carta com o conteúdo da pesquisa e as questões que
norteariam a coleta de dados, antecipou-se a responder a todas elas, como se
fossem os professores que estivessem a responder. A diretora julgou não ser
necessário que os professores respondessem às questões, uma vez que ela já
havia respondido e, desse modo, se indispôs a participar do estudo. Não houve
interesse do gestor em promover um momento de discussão sobre o tema com o
grupo.
Seria igualmente interessante investigar em outra pesquisa a implantação
do ensino fundamental de nove anos sob a perspectiva do diretor, uma vez que
os diretores já atuaram como professores e regem as implantações políticas no
contexto escolar. O fato questionável é padronizar a percepção dos professores a
partir da atuação do diretor. Gatti (2005, p.21) adverte que “é uma falácia assumir
que uma pessoa em particular pode representar, por exemplo, sua vizinhança,
sua condição de cor, de gênero ou de cultura”.
Outra diretora, ao ler as questões que seriam feitas aos professores,
afirmou que eram evidentes as melhorias após a implantação do ensino
fundamental de nove anos, sob a justificativa de que era só acompanhar o Índice
61
de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, alegando que não tinha o que
questionar. Nesse depoimento foi possível constatar que o parâmetro de
qualidade na escola administrada por essa diretora são os índices educacionais
obtidos por meio de avaliações externas.
É importante refletir que os diretores já passaram por situações
complexas no período inicial de implantação do ensino fundamental, como prover
e organizar espaços, currículo; orientar os professores e a comunidade escolar
sobre a política; entre outros. A avaliação das mudanças na prática pedagógica
constitui-se ao diretor como mais uma parte do processo.
Mesmo com algumas resistências à realização da pesquisa, após
contatos e acordos, os grupos focais foram constituídos. Os componentes de
todos os grupos investigados totalizaram 60 professores que atuavam em três
escolas nos anos iniciais do ensino fundamental, em 2011. Estes correspondem a
12,4% dos 482 professores do município em questão.
Embora a quantidade de professores envolvida no estudo possa parecer
não representativa, esta investigação pauta-se na concepção de que
Nos estudos qualitativos, a questão “quantos?” nos parece de importância
relativamente secundária em relação à questão “quem?”, embora, na
prática, representem estratégias inseparáveis. Afinal, o que há de mais
significativo nas amostras intencionais ou propositais não se encontra na
quantidade final de seus elementos (...), mas na maneira como se
concebe a representatividade desses elementos e na qualidade das
informações obtidas deles (FONTANELLA et al., 2008, p. 20).
Desse modo, priorizar a atenção à qualidade dos discursos característica
dos estudos qualitativos, uma vez que estão comprometidos “com a compreensão
e o entendimento do fenômeno inserido em um contexto particular e, sendo
assim, a representatividade estatística não é o mais importante” (GONDIM, 2003,
p. 158).
A decisão de se encerrar a coleta de dados e determinar quantos e quem
participou dos estudos pode ocorrer por diversos motivos e um deles é quando
começam a existir repetições nos discursos e nos comportamentos no momento
da coleta. Assim, constatada a saturação nas investigações (FONTANELLA et al.,
2011, p.389), interrompe-se a coleta de dados, visto que elementos novos para
62
subsidiar a pesquisa têm menor chance de serem alcançados, pois as repetições
passam a ser mais constantes.
Os 60 professores envolvidos na coleta de dados para a realização da
pesquisa estavam divididos em seis grupos focais, dois em cada uma das três
escolas que concordaram em participar da pesquisa, sendo que, dos dois grupos
de cada unidade escolar, um correspondia aos professores do período da manhã
e o outro, aos professores do período da tarde. “O emprego de mais de um grupo
permite ampliar o foco de análise e cobrir variadas condições que possam ser
intervenientes e relevantes para o tema” (GATTI, 2005, p.22). Apenas um
encontro foi agendado com cada grupo focal em horário de reuniões dos
professores, combinado previamente com a direção ou coordenação da escola.
As instituições que participaram do estudo foram nomeadas em escolas A,
B e C. Como em cada uma delas foram coletados dados junto a dois grupos
focais, estes foram identificados numericamente, como pode ser visto a seguir:
Quadro 2 - Identificação das escolas e grupos focais
Escola A Zona norte
Escola B Zona leste
Escola C Zona oeste
Período da manhã Grupo 1 Grupo 3 Grupo 5
Período da tarde Grupo 2 Grupo 4 Grupo 6
As recomendações quanto à quantidade de integrantes que compõe um
grupo focal variam de acordo com os dados que se quer coletar, podendo ser de
7 a 12 integrantes: nem tão pequeno, pois não favorece os confrontos, e não tão
grande, uma vez que dificulta o encaminhamento das discussões.
No caso dessa investigação, os grupos focais foram compostos por todos
os professores que estavam na escola no dia e no horário da coleta de dados,
correspondendo a, aproximadamente, dez professores por grupo. A
homogeneidade do grupo em relação à categoria profissional, de professor,
propicia “uma facilitação para o desenvolvimento da comunicação intragrupo”
sobre um determinado tema (GATTI, 2005, p.19).
63
O levantamento de aspectos físicos e quantitativos nas escolas auxilia na
construção de uma visão mais ampla e no entendimento dos dados coletados na
instituição escolar.
A escola 1 possui 430 alunos, é considerada de pequeno porte e, assim
como as demais escolas que participaram do estudo, está localizada em uma rua
movimentada, em um bairro periférico do município de Marília, atendendo a uma
comunidade de trabalhadores no ramo do comércio, serviços e indústria. A escola
atende também a alunos da zona rural, que vêm com transporte municipal para a
escola. O perfil da escola vem sofrendo alterações diante da mudança de gestão
em razão de aposentadoria do diretor anterior e da posse de um novo diretor, por
meio de concurso público. Segundo o discurso da direção, é uma escola em que
os pais são atuantes, participam das decisões das escolas e acompanham o
desenvolvimento educacional dos filhos.
A escola 1 tem espaços coletivos contidos. Dispõe de pátio localizado no
entorno das salas de aula, que são utilizados para fazer as refeições, e o
comportamento dos alunos nesse espaço é continuamente reprimido para não
atrapalhar as aulas nas salas próximas. A quadra é utilizada para as aulas de
educação física e recreios, portanto, mantém-se ocupada o tempo todo.
A escola 2 também está localizada na periferia, possui 465 alunos e uma
parte significativa desses alunos participa de projetos sociais do município em
período contrário ao escolar. A diretora atual está nessa unidade escolar há cinco
anos, e teve a tarefa de reorganizar a escola, que apresentava conflitos de
diversas ordens, ou seja, os professores não acreditavam na possibilidade de
uma formação de qualidade para alunos carentes, problema que, segundo a
diretora, vem sendo superado anualmente.
Na escola 2, o contato com os pais foi apontado como uma dificuldade,
uma vez que nem todos os alunos são da comunidade local, muitos vêm de
transporte escolar público porque moram mais distantes da escola.
O espaço físico dessa escola favorece a movimentação das crianças fora
da sala de aula, pois há um pátio e uma quadra coberta para recreação. Além
disso, contam com uma casinha de bonecas, que propicia o desenvolvimento da
criança por meio do estímulo à reprodução e imaginação infantil.
64
Na escola 3 há 480 alunos e localiza-se na periferia de Marília. De acordo
com as discussões durante a pesquisa de grupo focal, constatou-se que as
concepções dos professores de um período para o outro são bem divergentes, ou
seja, em uma mesma instituição escolar, professores com mais tempo de trabalho
foram mais críticos que os mais novos na profissão.
Por meio de observações, percebeu-se nessa escola uma organização
disposta para a aprendizagem sistematizada, ou seja, sem recursos de espaços
que incentivem o lúdico.
As escolas, em geral, apresentam a mesma estrutura administrativa
representada pela equipe gestora: diretor4, auxiliar de direção e coordenador
pedagógico, professores, demais funcionários (administrativos e serviços gerais).
Foi afixado pela pesquisadora e pela coordenadora pedagógica ou
diretora da escola um tempo limite de 30 minutos para a realização dos grupos
focais. A preocupação em não extrapolar o horário combinado para as discussões
era tanto da pesquisadora quanto dos professores, uma vez que a coleta de
dados em quatro dos seis grupos focais foi realizada nos momentos finais da
reunião pedagógica do grupo, portanto os professores tinham pressa em encerrar
o expediente.
Em todas as reuniões, o primeiro passo era a apresentação da
pesquisadora, já que os indivíduos do grupo se conheciam. Posteriormente, eram
apresentados os objetivos do estudo, em linhas gerais, a fim de não direcionar as
discussões em grupo. O funcionamento da técnica de grupo focal também era
explicado, momento em que a pesquisadora incentivou a participação de todos,
alertou que não havia respostas certas ou erradas e que não era necessário o
consenso nas respostas.
Com a intenção de manter os professores à vontade, a disposição do
mobiliário da sala em que foram realizados os encontros foi mantida. Na escola 1,
os professores se reuniram, naquele dia, na sala destinada para reforço escolar,
com as carteiras dispostas no entorno da sala de aula. Nas escolas 2 e 3, os
professores estavam reunidos na sala dos professores em torno de uma mesa
grande, que semanalmente era utilizada para reuniões em conjunto.
4 Na ocasião da coleta de dados, os diretores das três escolas eram substitutos indicados, hábito
comum no sistema educacional do município. Os professores que colaboraram com a pesquisa são todos concursados e contratados na modalidade de estatutário.
65
A partir das leituras dos documentos oficiais, reflexões e indagações
sobre o ensino fundamental de nove anos, foram elaboradas seis perguntas aos
professores constituindo o questionário, que norteou as discussões a fim de que
expusessem o que pensavam a respeito, podendo questionar ou concordar com
os colegas do grupo. A quantidade de questões discutidas no encontro deve ser
avaliada para não dispersar ou enfadar o grupo. Das seis questões principais,
quando necessário, decorriam questões secundárias para elucidar as respostas
das questões primárias, como constam a seguir:
1. “O ensino fundamental de nove anos é um novo ensino fundamental”?
2. Há diferenças significativas entre o ensino fundamental de oito anos e o ensino
fundamental de nove anos?
3. Após as orientações para a implantação do ensino fundamental de nove anos, o que
mudou em sua prática pedagógica?
4. Uma das metas do ensino fundamental de nove anos é o aumento das oportunidades de
aprendizagem e a melhoria da qualidade do ensino-aprendizagem. Você constata o alcance
de tais metas?
5. O que é necessário para melhoria da qualidade do ensino-aprendizagem no ensino
fundamental?
6. Essas melhorias auxiliariam nos avanços da aprendizagem dos alunos? Como?
Anotações e registros por meio de áudio foram utilizados para captar as
discussões tecidas no contexto dos grupos focais. As discussões foram
transcritas e encontram-se no apêndice deste trabalho. Embora o material
coletado e transcrito traga ricas e numerosas informações, não retrata o contexto
em que a discussão foi gerada, trata-se, exclusivamente, do material audível
transcrito.
As questões transcritas tinham objetivos. Na questão 1, os professores
discutiam a política em linhas gerais, dando indícios do seu grau de conhecimento
e identificação de possíveis mudanças em um contexto político mais amplo, a
partir da implantação do ensino fundamental de nove anos.
O objetivo da questão 2 era fazer com que os professores fossem mais
pontuais nas discussões, apontando as possíveis diferenças entre os dois
modelos de política do ensino fundamental, que se encontravam em processo de
transição. Se constatado que não houve diferenças na prática entre os modelos
66
de formação propostos, observar os relatos sobre os motivos que levaram à
manutenção do modelo anterior de oferta do ensino fundamental.
A pergunta 3 foi feita com a intenção de relacionar a proposição e
implantação da política do ensino fundamental de nove anos com a prática
pedagógica do professor em sala de aula, ou seja, verificar se houve alterações
diretas ou indiretas na prática. Essa questão é tida como a mais importante, uma
vez que a expectativa era de que ela pudesse contribuir mais diretamente para
elucidar o problema que norteia o estudo.
As questões 4 e 5 permitem discutir a política e oferecem ao professor a
oportunidade de avaliá-la, expondo o que pensa sobre as lacunas contidas na
proposta de ampliação do ensino fundamental de nove anos.
Na questão 6, buscou-se relacionar se as sugestões e críticas feitas pelos
professores ao ensino fundamental de nove anos contribuem de algum modo para
a melhoria e avanços na aprendizagem do aluno, tendo como princípio a
concepção de que todas as mudanças educacionais devem ter como foco a
melhoria da qualidade do ensino.
A organização de professores em grupos focais permitiu chegar a algumas
constatações: os professores têm poucas oportunidades para discutir temas sem
a imposição de dar respostas exatas ou elaborar novas percepções a partir dos
conceitos apresentados por seus colegas de trabalho.
Muitos professores colocam-se como ouvintes da opinião do outro,
concordando ou não, sem se manifestar. A ausência de participação nas
discussões pode corresponder ao desprezo em contribuir com a pesquisa, a falta
de opinião elaborada sobre o assunto devido a um conhecimento parcial do tema,
ou, ainda, ao monopólio de colegas de profissão, que assumem a postura de
liderança e se expressam mais que os outros.
A dinâmica das escolas difere uma das outras, porém a proposição de
espaços coletivos para discussões, sem impor nenhum direcionamento, parece
perturbar os professores, de modo geral, visto que sempre tiveram que dar
respostas às questões que lhes são apresentadas, questionando o mínimo
possível, prevalecendo a cultura da aceitação pacífica do que é proposto. Alguns
aproveitaram o momento para desabafar o fato de não serem ouvidos, mesmo
67
julgando saber o que é necessário para a melhoria da qualidade do ensino no
contexto de implantação de políticas educacionais.
3 Professores que atuam no ensino fundamental
Assim como as escolas, os professores recebem novas atuações. A
burocracia que busca uniformizar os professores compreende o cumprimento do
currículo e a prestação de contas do seu trabalho à comunidade (DUBET, 2002,
p.16). As normas impostas burocraticamente servem para direcionar a atuação
docente inserida no contexto de um sistema educacional.
As funções docentes, ou funções pedagógicas, como defende Garay
(1998, p.111), são estabelecidas pelo art. 13 da LDBEN/96:
I – participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;
II – elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;
III – zelar pela aprendizagem dos alunos;
IV – estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento;
V – ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional;
VI – colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade.
Como Silva Júnior (1993, p.53), entende-se que “os profissionais da escola
(...) dividem-se entre a lealdade ao poder constituído e o propósito de realização
efetiva de seu trabalho”. A lealdade está relacionada ao cumprimento do que é
estabelecido em lei, portanto trata-se do que se espera do profissional que atua
na função. As necessidades efetivas de aprendizagem tem a ver com a formação
do aluno em um contexto social específico.
A coerência entre as atribuições legais, a proposta pedagógica, as
atribuições da grade curricular estabelecida e a prática docente nem sempre são
constatadas. Observações e avaliações identificam se há um distanciamento do
que fora proposto como plano de trabalho. O não cumprimento das funções
68
implica no risco de ser advertido sobre o argumento da necessidade de estar
inserido em um sistema educacional, com padrões previamente estabelecidos.
Acompanhar o desenvolvimento do trabalho do professor não é a meta
principal das avaliações realizadas nas escolas. Estas têm como foco verificar a
aprendizagem do aluno; mas a referência à aprendizagem remete ao ensino,
atribuição dos professores. Avaliar os docentes se faz necessário, considerando
que são muitos os professores que atuam sem a devida habilitação no Brasil.
O perfil dos professores da educação básica, apresentado pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (Pnad), em 2006, foi analisado por
Gatti e Barreto (2009). A partir do estudo, as autoras afirmam que essa categoria
é a terceira maior do país, sendo que grande parte dos professores atua no setor
público. A educação ofertada é, essencialmente, um serviço público prestado à
sociedade, que não pode ficar a critério do professor, a oferta necessita ser
avaliada e apurada para que se tenham padrões mínimos de qualidade.
O censo da educação básica (2011), veiculado pelo Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), apresentou o número de alunos do
ensino fundamental no Brasil, campo de atuação do professor. Em 2011, eram
25.514.379 alunos matriculados no ensino fundamental regular, dos quais
13.430.813 estavam matriculados nos anos iniciais do ensino fundamental e
12.083.566, nos anos finais do ensino fundamental.
A oferta dos anos iniciais do ensino fundamental é feita, em sua grande
maioria, pelos municípios, que respondem por 79,5% das vagas; o Estado
responde por 20,5%. Os dados apontam, ainda, que no ensino fundamental havia
1 660 160 professores, dos quais 1 391 443 atuavam na rede pública e os
demais, em escolas privadas.
Em relação aos professores do ensino fundamental que atuam no setor
público, o maior contratante é o município, com 61,3%, em segundo lugar o
Estado, com 37,2%, e por último o governo federal, com 1,5%. Nos anos iniciais
do ensino fundamental, 93% dos professores são do sexo feminino e 7%, do
sexo masculino. Em relação a homens e mulheres que atuam nos anos iniciais do
ensino fundamental, Gatti e Barreto (2009) apontam que as mulheres dedicam
mais tempo ao trabalho que os homens, representando respectivamente uma
69
média de 32 e 30 horas semanais. A maioria dos professores, 82%, afirmou
trabalhar em apenas uma escola.
Quanto à formação dos professores, ficou constatado pelas autoras que
81, 4% dos que atuam no ensino fundamental têm o curso superior, 7,1% têm
mestrado e doutorado e 11,5% têm o ensino médio ou menor formação. A
disparidade na oferta de educação no Brasil torna-se evidente quando se constata
que, dos 8.538 professores leigos, ou seja, sem a formação mínima necessária
para atuar nessa etapa de ensino, aproximadamente 54% são docentes no
nordeste. Para Gatti e Barreto (2006, p.36), há
necessidade de adoção de uma estratégia de atuação articulada entre as
diferentes instâncias que formam os professores e as que os admitem
como docentes, a qual, dada a sua complexidade, não pode prescindir
do poder central para ser levada a bom termo.
Gatti e Barreto (2009, p.160) verificaram que há baixa adesão dos
estudantes ao curso de Pedagogia, que têm como uma de suas atribuições a
formação de professores para atuar nos anos iniciais do ensino fundamental. A
baixa adesão gera o déficit de professores habilitados para o exercício da
profissão.
No estudo de Gatti e Barreto (2006) consta também que a opção para a
profissionalização por meio do curso de Pedagogia é mais demorada que em
outros cursos. Essa conclusão justifica-se pela baixa quantidade de alunos
matriculados nos cursos, na faixa etária de 18 a 24 anos, que corresponde
apenas a 35%, ou seja, os 65% restantes optam por cursar Pedagogia após a
idade sequencial ao ensino médio.
Não é difícil entender a escolha tardia e a baixa adesão dos alunos à
carreira docente diante do desprestígio que essa profissão vem sofrendo ao
longo dos anos, expressos pela baixa remuneração, pela sobrecarga de
atribuições, pela falta de condições de trabalho, pelo desrespeito e violência por
parte dos alunos e das famílias, entre outros.
Atualmente, há programas de incentivo à formação de professores por
parte do governo federal, que custeia, parcial ou integralmente, cursos de
licenciatura através do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), dos Programas
70
Universidade Aberta para Todos (PROUNI) e Universidade Aberta do Brasil
(UAB), sendo este um programa de formação à distância. A prioridade é a
formação de professores e demais profissionais que atuam na educação básica.
Para incentivar a permanência na profissão, ficou estabelecido no Plano Nacional
da Educação (2011-2020) o prazo de dois anos para a elaboração do plano de
carreira em todos nos sistemas públicos de ensino.
Tais iniciativas não resolvem o problema da falta de professores no Brasil,
que, em 2008, era de 246 mil professores (BRASIL, 2008), mas podem ajudar a
reduzir tal déficit. Tal situação leva a precarização da educação no Brasil, com
contratações irregulares de leigos e o consequente comprometimento da
formação do aluno.
4 Determinações políticas e atuação docente
As determinações políticas interferem no modo como a maioria dos
professores atua, porém tal ação não é previsível, uma vez que é possível
constatar maior ou menor intensidade da política nas ações pedagógicas. A
formação inicial e continuada do professor delimita os raios de sua atuação
juntamente com as experiências vivenciadas ao longo da vida nos diversos
contextos que interage. Para Roldão (2007, p.97), as práticas são determinadas
pela
miscigenação de elementos pessoais e profissionais no desempenho
docente, agravados com o peso da história e dos multissignificados que
ensinar assumiu em contextos tão diversos como o da missionação, ou o
do perceptorado, miscigenação essa que dificulta por vezes a
clarificação da natureza da acção docente.
As influências da formação do indivíduo determinam as possibilidades de
adequação ou não de um professor a uma política decretada, uma vez que cada
indivíduo estabelece o que a seus olhos é fundamental à educação.
Os professores “exercem um papel ativo no processo de interpretação e
reinterpretação das políticas educacionais e, dessa forma, o que eles pensam e
71
no que acreditam têm implicações para o processo de implementação das
políticas”(MAINARDES, 2006, p.53).
A formação de professores acontece em múltiplos contextos: na academia,
no cotidiano das práticas pedagógicas, nas práticas políticas de governo, nas
práticas políticas coletivas dos movimentos sociais, nas práticas das pesquisas
em educação, nas práticas de produção e uso de mídias e nas práticas das
cidades (ALVES, 2010, p. 1196).
O resultado da formação em diversos contextos faz com que os
professores não leiam “os textos políticos como leitores ingênuos, eles vêm com
suas histórias, experiências, valores e propósitos” (BOWE et al., 1992, p. 22).
Há vínculos entre a formação e o contexto escolar, que são mantidos,
considerando as características de organização da escola, refletidos nas relações
entre tantos mundos existentes em cada professor e demais profissionais da
escola e as inúmeras atribuições e imposições dadas às escola; é uma complexa
cadeia de redes que os gestores escolares buscam conciliar para o seu
funcionamento.
Diante do que está posto há muitos anos ao ensino fundamental, é
perceptível a necessidade de inovação para superar as práticas tradicionais.
Roldão (2007, p. 94) distingue que ensinar envolve uma tensão entre “professar
um saber” e o “fazer outros se apropriarem de um saber”. Há maneiras diferentes
de ensinar e lidar com o processo constitutivo da aprendizagem. No Brasil, as
Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino fundamental estabelecem o quê
ensinar e como ensinar; porém o que sempre é discutido são as condições para
ensinar.
Veiga (1992, p.16) define a prática pedagógica como “uma prática social
orientada por objetivos, finalidades e conhecimentos, inserida no contexto da
prática social”, ou seja, a prática pedagógica é apenas uma dimensão da prática
social. A prática pedagógica não é exclusiva do professor, outros profissionais
não docentes a exercem quando tem a intencionalidade de prover o ensino-
aprendizagem sistematicamente.
No contexto escolar há uma dificuldade em se romper com práticas
pedagógicas tradicionais, não do ponto de vista legal, uma vez que os discursos
contidos nos documentos elaborados pelo MEC enfatizam a necessidade de rever
72
as concepções e práticas de ensino, contudo não ofereçam as condições para
sua materialização. Espera-se que os professores busquem pelo novo, de modo
que contribua para mudanças e não para a manutenção do modelo educacional
vigente no ensino fundamental.
A instituição escolar não é apenas um “lócus de reprodução, mas também
de produção, admite-se que possa constituir-se também como uma instância
(auto) organizada para a produção de regras (não formais e informais)” (LIMA,
2001, p. 64). A reprodução ocorre a partir de determinações políticas à instituição
escolar, que não são descartáveis porque não são neutras, e há a possibilidade
de serem assimiladas pelos educadores e fazerem parte do cotidiano escolar.
O normativismo que pode engessar a escola nem sempre é mal visto pelos
profissionais da educação, que, habituados à cultura da reprodução, nem sempre
ousam buscar caminhos alternativos. Fazer o que se manda pode dar menos
trabalho do que tomar novas atitudes. As escolas funcionam estabelecendo por
referência as orientações normativas. O grau de aceitação ou não de uma política
pela instituição escolar determina o desencadeamento de suas ações (LIMA,
2001, p.23), que podem ou não reproduzir as regras formais.
Fullan (2001, p.115) defende que “a mudança educacional depende do que
os professores fazem e pensam”, no entanto a mudança almejada não depende
apenas do desempenho e concepções que os professores têm sobre o ensino-
aprendizagem. Nesse sentido, Veiga (2002, p.14) afirma que “buscar uma nova
organização para a escola constitui uma ousadia para os educadores, pais,
alunos e funcionários”, ou seja, é um objetivo coletivo. Para a escola, é um
desafio buscar solucionar seus problemas sem rever a sua organização, que é
burocrática e sistêmica.
4.1 Sobre os professores participantes dos grupos focais
Abaixo serão apresentados dados que caracterizam os 60 professores
participantes da pesquisa nos seguintes aspectos: gênero, idade, formação
acadêmica, anos de profissão.
73
Gráfico 2- Identificação dos professores por gênero
Dos sessenta professores, a maioria é do sexo feminino, 57, uma
constatação que não se constitui como novidade no campo educacional, uma vez
que o ofício docente há muito tempo está a cargo das mulheres. Nacionalmente
os professores do sexo masculino representam em torno de 10% (GATTI e
BARRETO, 2009), nas três escolas investigadas em Marília os professores do
sexo masculino correspondem a 5% do corpo docente.
A concentração das idades dos professores que atuam nos anos iniciais do
ensino fundamental está entre os 26 e 45 anos, correspondendo a mais de 78%
dos 60 professores envolvidos no estudo.
Tabela 1 - Faixa etária dos professores investigados
Faixa etária
20 a 25 anos
26 a 30 anos
31 a 35 anos
36 a 40 anos
41 a 45 anos
46 a 50 anos
51 a 55 anos
55 anos ou mais
Total
Quantidade
1
14
8
15
10
6
2
4
60
Os requisitos estabelecidos para a atuação docente nos anos iniciais do
ensino fundamental são determinados pela LDBEN/96, artigo 62, que tem o curso
0
5
10
15
20
25
Escola 1 Escola 2 Escola 3
Masculino
Feminino
74
de Pedagogia e o curso Normal no nível médio como responsáveis pela formação
dos professores dos anos iniciais do ensino fundamental.
Dos 60 participantes da pesquisa, 57 têm formação em Pedagogia e os
demais que não têm formação em Pedagogia ou têm outro curso de graduação,
licenciatura, ou estão em fase de conclusão.
Gráfico 3- Professores com graduação em Pedagogia
Há um consenso, nos dias atuais, sobre a necessidade de se elevar o nível do desenvolvimento profissional dos professores integrando atualização teórico-científica e fortalecimento da prática profissional (GATTI, BARRETO, 2009, p.227).
Em relação ao prosseguimento nos estudos, 9 dos 60 professores tem
curso de especialização (pós-graduação) na área educacional, representando
apenas 15% dos docentes investigados. Considerando que o ofício docente
demanda atualização e acesso contínuo a novos conhecimentos é uma margem
pequena. A ausência de um índice maior de professores pós-graduados não é
responsabilidade única e exclusiva do professor, no caso do município de Marília,
um dos fatores que pode corresponder a descontinuidade da formação é a falta
de um plano de carreira no município, ainda em discussão.
Os planos de carreira foram estabelecidos em 1988 pela Constituição
Federal como meio para valorização dos profissionais da educação, mais de
vinte anos após (2011) apenas 43% dos municípios do Brasil elaboraram e
Formação dos professores em curso de Pedagogia
Pedagogia
Não tem formação empedagogia
75
implantaram o plano de carreira. O Plano Nacional da Educação (2011-2020)
estabeleceu o prazo de dois anos para que os demais municípios atendam tal
determinação legal.
Gráfico 4- Anos de profissão docente
Comparando os dados de Marília aos dados nacionais, em 2011,
2.039.261 professores atuavam na educação básica no Brasil e 140 934
professores atuavam nos anos iniciais do ensino fundamental no Estado de São
Paulo. Desses professores a maioria é do sexo feminino, de cor branca, 58%,
aproximadamente, estão entre os 33 e 55 anos e mais de 80% deles possuem
formação em curso superior, com licenciatura (IDEB/2011).
Dos 60 professores que participaram da pesquisa apenas cinco atuam em
mais de uma escola, para complementação da renda. A maioria atua apenas em
uma escola, uma vez que, de acordo com dados coletados, são 27 horas de
trabalho presenciais e mais cinco horas atividades a ser realizada fora do
contexto escolar, no planejamento de aulas, correções de materiais dos alunos.
Trabalhar em mais de uma escola pode significar dobrar a carga horária de
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
20
3 anos oumenos
4 - 6 anos 7 - 9 anos 10 - 12 anos mais de 13anos
76
trabalho, o que viria a comprometer a qualidade do serviço prestado e exceder a
quantidade de horas semanais estabelecidas pelas leis trabalhistas.
O piso salarial estabelecido em fevereiro de 2012 pelo ministro da
educação aos professores é de R$ 1.451,00. Em Marília a referência salarial dos
professores dos anos iniciais do ensino fundamental é de R$ 1515,78, que
corresponde a aproximadamente 4% a mais do que é estabelecido
nacionalmente.
Diante dos dados coletados é possível estabelecer algumas relações entre
eles e, após análises chegar a dados inicialmente imperceptíveis. O próximo
capítulo terá tal imcumbência.
77
Capítulo III
Análise das percepções dos professores sobre o ensino fundamental de nove anos
“Se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas –
sinais, indícios – que permitem decifra-la.” (GINZBURG, 2003, p. 177).
Decifrar os contextos e os discursos apresentados é um momento
sequencial à coleta de dados, que aos poucos são elucidados. Os efeitos da
implantação política do ensino fundamental de nove anos serão abordados por
meio dos discursos dos professores, coletados nos grupos focais.
No sentido de investigar a problemática da pesquisa, isto é, a percepção
dos professores acerca da implantação da política do ensino fundamental de nove
anos, os dados foram coletados por meio dos grupos focais, que foram
classificados e analisados de acordo com os discursos dos professores.
A transcrição, contida no apêndice, ainda que na íntegra, não retrata o
contexto em que o material foi coletado pela riqueza de detalhes, como o tom da
voz, a postura na cadeira, o olhar fixo ou disperso, a gesticulação, entre outras
peculiaridades, mas fornece elementos essenciais para análise.
Inicialmente, as percepções construídas a partir desta pesquisa se
traduziram da seguinte forma: para os professores, a estrutura física das escolas
é incompatível com a proposta de priorizar o lúdico no processo de ensino-
aprendizagem, uma das recomendações do Ministério da Educação a todos os
anos do ensino fundamental, incluindo a criança do 1º ano, que agora ingressa
com 6 anos.
78
Uma boa estrutura física e material é importante, mas faz parte de um
contexto educacional mais amplo em que há mais elementos responsáveis por
determinar a qualidade do ensino-aprendizagem.
Em se tratando do primeiro ano, uma questão proposta pelos professores
diz respeito a alfabetização da criança nesse primeiro momento. Apontam a falta
de coerência entre os documentos oficiais nacionais elaborados pelo Ministério da
Educação e as cobranças locais do município para o desenvolvimento da leitura e
escrita, uma vez que nos discursos oficiais há que priorizar o lúdico, mesmo que
nenhum investimento tenha sido feito nesse sentido. Por outro lado, na prestação
de contas do desempenho escolar do aluno deve-se indicar o nível de
alfabetização em que a criança se encontra sem fazer referência ao lúdico, mas
por meio de fichas de acompanhamento individuais onde consta a fase de escrita
alcançada pelo aluno. Aprender a ler e escrever por meio do lúdico é o
recomendável; porém o processo de avaliação não é compatível com o ensino
aprendizagem pautado no lúdico, em razão de sua formalidade e excessiva
sistematização.
Para a análise do material coletado foram elaborados quadros com as
perguntas e respostas dos grupos focais (1,2,3,4,5 e 6). As categorias de análise
foram eleitas a partir da temática contida nas questões discutidas pelos grupos, a
saber: 1- novidades e diferenças constatadas pelos professores no ensino
fundamental de nove anos; 2- mudanças na prática pedagógica após a
implantação do ensino fundamental de nove anos; 3- aumento das oportunidades
e da qualidade no ensino fundamental de nove anos e 4- indicações dos
professores para a melhoria do ensino fundamental. As percepções dos
professores sobre o ensino fundamental de nove anos estiveram presentes
durante a realização da coleta de dados e no decorrer das análises.
Inicialmente buscou-se identificar nas falas dos professores quem era a
favor ou contra; o sim e o não em cada categoria, porém as quantificações não
expressavam de fato os conflitos dos professores em relação a implantação do
ensino fundamental de nove anos. Alguns professores demonstraram dúvida,
insegurança e não foram categóricos na afirmação ou negação das questões
propostas. Diante disso, surgiu a necessidade de contabilizar a condição de
79
parcialidade, de afirmação e negação dos professores nas respostas, expresso no
quadro a seguir:
Quadro 3 - Síntese das categorias de análise 1, 2, 3 e 4
Nas discussões nos grupos focais não houve participação de todos os
professores em todas as questões, por se tratar de grupos focais, e não de
questionários ou entrevistas com número exato de participações. As
porcentagens que serão apresentadas por meio de números para representar as
discussões nas categorias são relativas ao total de manifestações dos
professores em cada questão, e não em relação ao total de professores presente
no grupo.
A análise das percepções dos professores por meio de grupos focais não
se aterá apenas a números, já que a quantificação dos discursos pode simplificá-
los a ponto de aproximar-se de generalizações. A categoria 5, por exemplo, não
será aqui quantificada como as demais, pois as falas dos professores não são
uniformes, uma vez que não estão embutidas na resposta de apenas uma
questão, mas nas discussões de todas elas.
Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3 Grupo 4 Grupo 5 Grupo 6 Total
Categorias (exceto a 5) % % % % % % %
1 Sim 0 25 100 66,3 100 0 48,5
Não 50 50 0 0 50 25
Parcialmente 50 25 0 33,3 0 50 26,5
2 Sim 0 100 100 80 0 50 55
Não 0 0 0 0 0 0 0
Parcialmente 100 0 0 20 100 50 45
3 Sim 0 0 100 100 100 0 50
Não 0 100 0 0 0 0 16,5
Parcialmente 100 0 0 0 0 100 33,54 Espaço físico
4 Espaço adequado 37,5 33,3 50 20 100 27,2 44,7
Rec. humanos 0 0 50 40 0 36,4 21
Equipamento 37,5 33,3 0 40 0 0 18,5
Outros (família, 25 33,3 0 0 0 36,4 15,7
menos pressão)
Escola A Escola B Escola C
Novidades e diferençasconstatadas pelos professores noensino fundamental de nove
anosMudanças na prática pedagógicaapós a implantação do ensinofundamental de nove anos
Aumento das oportunidades deaprendizagem e da qualidade deensino
Principais indicações dosprofessores para melhoria doensino fundamental
80
Alguns trechos de discursos dos professores, coletados nas discussões
em grupos focais, serão citados para exemplificar as análises, sendo usados com
moderação, conforme recomendação de Gomes (2005, p. 288).
1- Novidades e diferenças constatadas pelos professores no ensino
fundamental de nove anos
Esta categoria foi construída tomando por base as questões 1 e 2 feitas
aos grupos focais. O ensino fundamental de nove anos é um “novo” ensino
fundamental? Há diferenças significativas entre o ensino fundamental de oito anos
e o ensino fundamental de nove anos? Em um primeiro momento as duas
questões vinham sendo analisadas separadamente, até tornar-se perceptível que
as novidades se constituíam como elementos diferentes da política e, portanto,
elas estavam relacionadas entre si.
Segundo o dicionário Aurélio (FERREIRA, 2009), novo é algo
Que existe há pouco tempo; acabado de fazer. Moço, de pouca idade.
Que é dito, tratado, visto pela primeira vez. O que é recente: o velho e o
novo se confrontam.
Desse modo, o novo não é algo repaginado, refeito, reapresentado é
recente, caracteriza-se pela oposição ao velho. No contexto da política do ensino
fundamental, segundo a leitura de documentos oficiais, o ensino de oito anos seria o
velho e o ensino de nove anos seria o novo.
Nessa categoria foram agrupadas as respostas das questões 1 e 2 feitas
aos professores, uma vez que a primeira questão refere-se às novidades no ensino
fundamental de nove anos e a segunda questão diz respeito às diferenças
percebidas pelos professores após a implantação desse mesmo nível de ensino. As
diferenças notadas certamente não serão conhecidas, estão atreladas ao novo.
Na questão 1, a pergunta foi: “O ensino fundamental de nove anos é um
novo ensino fundamental”?
Essa questão foi baseada em um material de orientação do MEC, que
afirmava ser o ensino fundamental ampliado para nove anos de duração um novo
81
ensino fundamental (BRASIL, 2009, p.14). A política veio acompanhada da
proposição da alteração estrutural de todo o ensino fundamental, atrelada a
revisões de ordem pedagógica e de concepções teórico-metodológicas.
De acordo com os dados coletados nos grupos, a política do ensino
fundamental de nove anos implantada em um mesmo sistema de ensino
apresenta percepções variáveis sobre o fato de constituir-se como novo ou não.
Dos professores que se manifestaram nas discussões em grupos, 25% não
identificaram novidades no ensino fundamental; 26,5% apontaram que as
mudanças são parciais e graduais, ainda não sabem ao certo se foi o acréscimo
só de um ano ou se a existência da novidade depende da secretaria de ensino
que implanta a política.
Somam 48,5% os professores que afirmam tratar-se de um novo ensino
fundamental e entre as justificativas estão: os avanços no desenvolvimento dos
alunos, que agora estão mais participativos e comunicativos; mudança na postura
do professor para atender aos alunos com essa nova característica; reformulação
da proposta de trabalho de acordo com a implantação do ensino fundamental de
nove anos, o que, segundo discurso de um dos professores do grupo 5, “fica mais
fácil para o professor visualizar aquilo que ele tem que desenvolver no ano”.
A entrada da criança de seis anos no ensino fundamental antecipou o
processo de alfabetização e provocou mudanças em cadeia a partir do primeiro
ano, aumentando gradativamente as exigências aos professores nos anos
posteriores de estudo.
Os docentes que afirmaram haver mudanças justificaram, pressupondo a
necessidade do convencimento e argumentação nas respostas; no entanto quem
negou a mudança foi enfático e não apresentou justificativa ou argumentos.
Um quadro mais específico com alguns dos discursos dos professores
sobre a proposição de mudanças é apresentado a seguir.
Quadro 4 – Discursos de alguns professores sobre as mudanças propostas ao
ensino fundamental de nove anos
Quanto às mudanças
Professor do Continua do mesmo jeito, “com a mesma política educacional, a
82
grupo 1 mesma questão de atingir números e não vê qualidade”.
Não mudou, “só acrescentou (um ano).”
Professor do
grupo 2
“a gente não tem tempo para isso”.
“O conteúdo é muito extenso”.
Professor do
grupo 3
“a proposta propõe uma mudança em cadeia”
Professor do
grupo 4
A criança “está exigindo da gente essa adequação”
Professor do
grupo 5
“eu não sei se a prática em sala de aula mudou muito”
“já é uma estratégia anterior, só que foi intensificada”
“a nossa prática mudou totalmente”
Professor do
grupo 6
“não mudou quase nada”
O discurso dos professores que se manifestaram na coleta de dados
apontam tanto para a percepção das mudanças como para a negação delas. A
afirmação de um dos professores do grupo 3 é a de que “a proposta propõe uma
mudança em cadeia”, do mesmo modo um professor do grupo 4 declara que a
própria criança está a exigir mais adequações dos professores em sua prática
pedagógica. No grupo 5 há um professor que afirma ter mudado totalmente a sua
prática. As mudanças são percebidas com intensidades diferentes, indo da
totalidade a intensificação de práticas existentes.
Há os professores que não perceberam mudanças provocadas pela
implantação do ensino fundamental de nove anos e criticam a questão do tempo,
da preocupação da quantidade em detrimento da qualidade.
O fato de o ensino fundamental ser ou não novo está diretamente
relacionado à prática pedagógica do professor em sala de aula e às coordenadas
dadas para a implantação política. Se 25% dos professores alegam não
perceber mudanças, possivelmente sua atuação em sala de aula permaneça a
mesma.
Quanto às diferenças, analogias e comparações, são processos inerentes
à consciência e à vida humana. A comparação emerge da capacidade humana
de, ao conhecer objetos, singularizá-los, identificar suas diferenças e
semelhanças por meio de reconstruções históricas (FRANCO, 2000, p.198).
De todos os dados coletados nos grupos focais referentes às diferenças
entre o modelo anterior e o atual, os professores apontaram cinco frentes de
83
mudanças que dizem respeito à política em si, aos pais de alunos, aos alunos, ao
professor e às estratégias de ensino.
Apesar de apenas 48,5% dos professores identificarem o ensino
fundamental de nove anos como novo, 71,5% afirmam perceber diferenças
quando comparado ao ensino fundamental de oito anos. Como a professora do
grupo 4 afirma “a proposta impõe uma mudança em cadeia”. Do mesmo modo a
professora do grupo 3 defende que “se foi trabalhado corretamente no primeiro
ano (as) crianças que vêm melhor para o segundo ano". Sob esse aspecto pode-
se observar que a efetivação da política está vinculada a cumplicidade do grupo
em aderí-la.
Entre as diferenças apontadas pelos professores que se manifestaram a
respeito da política há a percepção de uma preocupação maior com o
desenvolvimento da criança, os alunos vêm melhores dos anos anteriores, há
novas exigências ao professor para adaptação desse novo aluno.
Lima (2001, p.54) entende que a escola é um organismo vivo e não atua
passivamente diante das reformas. O simples fato de dizer que a política é nova
ou até mesmo propor alterações para o funcionamento escolar pode ser ignorado,
dissimulado ou adaptado. Outro fator que merece destaque é a apresentação da
política sem inovar na infraestrutura necessária para a sua implantação, o que se
configura como um ciclo de proposição política sem possibilidades efetivas de
mudanças. Estabelecer o novo pode restringir-se ao discurso se for proposto a
partir de estruturas preexistentes.
Há professores que consideram assistencialista a política do ensino
fundamental de nove anos (professor do grupo 1), pelo fato de deixar a criança
mais tempo na escola, para os pais trabalharem, para não ficarem em casa ou na
rua com tempo ocioso.
O que é definido por um professor como política assistencialista é
defendido por Paul e Barbosa (2008) como política compensatória, que
favoreceria a justiça social na distribuição dos recursos educacionais de modo
que atenda aos alunos das classes populares. Os autores argumentam
(...) sobre a necessidade de políticas compensatórias que igualem os
recursos disponibilizados para todas as escolas e reduzam ou eliminem
a distância entre os níveis de aprendizado dos distintos grupos sociais
84
deixa de lado algumas das questões substantivas, que podem ser muito
relevantes (...) Evidentemente que a dimensão econômica da educação
é essencial, assim como o aumento e a melhoria da distribuição dos
recursos financeiros. (...) Mas os recursos financeiros não são
suficientes para garantir que o maior número possível de alunos
permaneça na escola por uma quantidade razoável de anos. É
necessário ter educação de qualidade visível.
A preocupação de 21,4% dos professores com a alfabetização
manifestou-se por meio dos discursos. Segundo eles, as cobranças do sistema
municipal quanto a sua antecipação são, também, dos pais, que se mostram
ansiosos nesse processo. Para os pais, o fato de a criança ir à escola mais cedo
pressupõe a alfabetização mais cedo. Os documentos do MEC não se opõem à
ação alfabetizadora, mas estabelece três anos para o cumprimento dessa etapa.
Os pais cobram mais, fazem comparações entre o desempenho escolar do filho e
o de outras crianças na mesma idade escolar.
Segundo os professores, o modelo atual exige mais do professor, que
precisa mudar a sua “didática” para propiciar significação nas atividades
propostas às crianças. “Hoje o diferencial para nós é o lúdico” (professor do grupo
5). “O lúdico, que diferenciou muito”, continuou outro professor do mesmo grupo.
Ensinar por meio do lúdico exige novas posturas do professor no preparo
das aulas e na abordagem dos conteúdos com os alunos. Quando os alunos
vivenciam a aprendizagem por meio do lúdico no primeiro ano passam a
questionar nos anos seguintes o modo como são propostas as atividades
escolares; desse modo o professor sente-se forçado a elaborar melhor as suas
aulas a fim de corresponder às necessidades de aprendizagem do aluno.
As recomendações do MEC representam o ideal, que consiste no
funcionamento harmonioso da implantação política; porém o posicionamento dos
professores, pautado em condições reais para a sua efetivação, aponta os
entraves e possibilidades desse processo.
85
2- Mudanças na prática pedagógica após a implantação do ensino
fundamental de nove anos
A questão norteadora das discussões nesta categoria foi: Após as
orientações para a implantação do ensino fundamental de nove anos, o que
mudou em sua prática pedagógica?
Placco (2003, p.100) entende que no contexto de formação dos
professores
As mudanças são engendradas, no nível da consciência, das atitudes,
habilidades e valores da pessoa, assim como no grau e amplitude de
seu conhecimento e do trato com esse conhecimento, com a cultura, e
assim processos identitários se constroem.
Sendo assim, a qualidade do conhecimento a ser construído pelo aluno
depende da formação do professor e das escolhas pedagógicas que ele faz, que
são reflexos do seu meio social e de sua formação.
Ao ser questionado sobre as mudanças na prática pedagógica após a
implantação da política do ensino fundamental de nove anos, o professor tem a
oportunidade de fazer, ainda que brevemente, uma autoavaliação do seu trabalho
em relação à política.
Nas discussões em grupo, 69,2% dos professores afirmaram que houve
mudança na prática pedagógica e apontaram o uso de recursos lúdicos como
elemento principal no processo de ensino-aprendizagem. Nenhum professor
ousou negar as mudanças na atuação e 30,8% dos docentes afirmam que houve
mudanças parciais.
Para os professores, a política demanda um envolvimento mais intenso
com o trabalho, exige muita pesquisa pelo professor. “Ele tem que buscar, tem
que atualizar (...)” (professor do grupo 4).
Os professores apontam que as crianças vêm melhores dos anos
anteriores, uma vez que, ao terem antecipada a entrada no ensino sistematizado,
são incentivados a adentrarem no mundo da leitura e escrita, que se constitui
como instrumento principal de acesso ao conhecimento. Tais atitudes exigem
adaptações curriculares e um trabalho diferenciado. Ao professor cabe fazer um
trabalho mais interdisciplinar, contemplando o desenvolvimento integral do aluno.
86
Algumas contradições foram identificadas nos discursos, como “não sei
se a prática mudou muito, mas a gente tem que se adaptar” (professor do grupo
5). Adaptar-se a uma determinada realidade pressupõe algumas mudanças, ainda
que mínimas. O discurso da adaptação ocorreu com 23% dos professores, que se
manifestaram de diferentes modos: “adaptar uma parte da escola para atender
essas crianças”(professor do grupo 2); “adaptar conteúdo, currículo para trabalhar
com essas crianças” (professor do grupo 3); “a gente tem que se adaptar”
(professor do grupo 5), ou seja, a adaptação é da escola, do currículo e do
professor.
No contexto prático há professores que admitem a mudança na atuação
pedagógica, há os que assumem estar ocorrendo aos poucos, há os que ironizam
e duvidam de sua viabilidade. Gatti e Barreto (2009, p.234) recordam que em
educação qualquer mudança ou intervenção não traz resultados imediatos. É
preciso considerar a temporalidade para obter os resultados em uma direção
pretendida.
No que se refere a constatação de mudanças na prática pedagógica após
a implantação do ensino fundamental de nove anos alguns professores negam tal
ocorrência por meio de inúmeras justificativas, entre elas a do professor do grupo
1 ao dizer que não percebeu mudanças “por falta de espaço físico, por falta de
material, de instrução até mesmo de cobrança do sistema. Ele exige que você
trabalhe de uma maneira que não dá para priorizar o lúdico a todo o momento”.
Professores dos grupos 2 e 5 assim se manifestam:
Não. Pelo que eu vejo no primeiro ano, segundo ano, a gente está trabalhando com
as mesmas propostas, com o mesmo eixo de conteúdos. A gente não tem uma
estrutura dentro da escola para atender esses alunos que vem com seis anos. Eu
acho que não mudou muita coisa, não! (professor do grupo 2)
Eu não percebo nenhuma diferença, porque só acrescentou um ano e os demais
anos continua do mesmo jeito, com a mesma política educacional, a mesma questão
de atingir números e não vê qualidade, então na minha opinião não mudou nada, só
acrescentou (um ano). (professor do grupo 5)
Em coletas de dados dos grupos 1 e 2, realizadas na mesma escola (A),
embora as duas falas apresentadas neguem as mudanças, as justificativas são
87
diferentes: uma atribui a impossibilidade das mudanças à estrutura física e
material para viabilização da política; a outra refere-se à execução do conteúdo
curricular.
Quanto às práticas pedagógicas no contexto da política de ampliação do
ensino fundamental, o quadro seguinte compara as semelhanças e diferenças
entre as concepções do MEC e as dos professores, coletada por meio das
discussões em grupos focais.
Quadro 5 - Práticas recomendadas pelo MEC e prática possível segundo os
professores.
Prática pedagógica
Recomendações
do Ministério
da Educação
É necessário “reorganizar a sua estrutura, as formas de
gestão, os ambientes, os espaços, os tempos, os materiais,
os conteúdos, as metodologias, os objetivos, o planejamento
e a avaliação, de sorte que as crianças se sintam inseridas e
acolhidas num ambiente prazeroso e propício à
aprendizagem.”
A natureza do trabalho docente requer um continuado
processo de formação dos sujeitos sociais historicamente
envolvidos com a ação pedagógica, sendo indispensável o
desenvolvimento de atitudes investigativas, de alternativas
pedagógicas e metodológicas na busca de uma qualidade
social da educação. (BRASIL, 2004, p.25)
A política segundo
os professores
“não sei se a nossa prática mudou totalmente, eu acho que a
nossa visão mudou” (Professor do grupo 5). A visão sobre
como devem ser ensinados os conteúdos.
Os professores alegam “fazer um trabalho mais globalizado,
englobar tudo uma coisa na outra” (Professor do grupo 4)
É “mais contextualizado” (Professor do grupo 4)
“Então... a gente tem que se virar nos trinta5, não é?
Vai adaptando, não é?
Vão criar coisa do arco da velha...
Tem que ser artista.” (Professor do grupo 5).
Para minimizar o confronto entre o que é determinado e o que é realizado
de fato, depara-se com a figura do sofista, relembrada por Certeau (2008, p.48).
5 A professora faz referência a um quadro de um programa de televisão (Se vira nos trinta). Nesse quadro,
anônimos dispõem de trinta segundos para exibirem performances inusitadas na disputa por prêmios.
88
Os sofistas dominam a retórica: apropriam-se de um discurso, são coerentes com
ele, mas não o praticam. O professor tem as suas táticas quando atua
pedagogicamente e as táticas são vistas por Certeau (idem) como reações às
estratégias impostas por quem detém o poder.
Ser coerente com a determinação oficial, ainda que apenas por meio do
discurso, elimina em princípio o embate e coloca o professor em uma posição
confortável. Os discursos são questionados em momentos de avaliação
sistemática se houver um acompanhamento do trabalho e um instrumento de
avaliação preciso a ponto de constatar incoerências entre o que é dito e o que é
feito.
A ambiguidade entre os discursos e a prática não é exclusividade do
professor. O Estado também o faz quando estabelece uma lei e não provê os
recursos necessários para a efetivação política.
Diante da prática pedagógica determinada pelo MEC e da prática possível
nos diversos contextos escolares, é pertinente questionar quais práticas
pedagógicas são consideradas bem sucedidas? Quem as determina? Em que
condições é possível operacionalizá-las?
No contexto de discussão sobre performatividade Ball (2002, p.10) entende
que há uma ruptura entre o que o julgamento dos próprios professores acerca do
que seja uma boa prática e as necessidades dos estudantes e os rigores do
desempenho esperado em sua função docente.
Abdian e Ciardella (2011, p. 189), discutem que
(...) as práticas escolares históricas, de centralização de decisões e
medidas tomadas hierárquica e linearmente, predominam e influenciam
significativamente a elaboração das representações sociais dos
profissionais.
O modo como as políticas são acolhidas pelos gestores educacionais e
secretários da educação repercute no modo como o professor interpreta e
constrói sua percepção acerca da política. A anuência à política sem os
investimentos necessários pode comprometer a qualidade do ensino.
O conceito de qualidade é flexível, mas, quando relacionado ao ensino,
remete à capacidade que o professor tem de conduzir o aluno à apropriação de
conhecimentos que favoreçam a sua convivência com a sociedade atual e que o
89
instrumentalize de modo a construir novos conhecimentos. Segundo Rios (2008,
p.63), “o ensino competente é um ensino de boa qualidade”. A qualidade na atuação docente é esperada por qualquer professor que
exerce a função pedagógica, independente das condições das quais dispõe. A
questão de o espaço ser comprometedor em sua atuação é compreensível, visto
que o contexto influencia no modo como as pessoas agem e nas escolhas que
fazem para prover o acesso ao conhecimento. Os professores estabelecem
condições para a atuação pedagógica e expressam que “se” tivessem mais
condições de trabalho, “se” tivessem suporte, a aula seria mais dinâmica e
interessante, como não tem, pressupõe-se que a aula não é nem tão dinâmica,
nem muito interessante.
Saviani (2009, p. 67) defende que “as condições do exercício do magistério
(...) determinam a qualidade da formação docente”. O autor refere-se à formação
em serviço. O espaço pode favorecer ou não as práticas pedagógicas
diferenciadas e determinar os limites de sua atuação. O autor afirma que, se as
políticas educativas “não priorizam o provimento de condições adequadas para a
realização do trabalho docente, também os cursos de formação de professores se
desenvolverão em condições insatisfatórias”, ou seja, é a precarização da
atuação docente em cadeia.
Gatti e Barreto (2009, p.222) apontam que no percurso da formação em
serviço os professores têm a expectativa de “respostas prontas e únicas, ao
mesmo tempo em que advogam valorização de sua experiência, criatividade e
poder de decisão”. Tal expectativa pode ser desconstruída por meio da própria
formação em serviço, uma vez que essa formação não ocorre apenas por meio do
outro, que lhe serve de parâmetro (professor, coordenador, gestor escolar), mas
também em experiências educacionais próprias, capazes de apontar novos
caminhos para o ensino e aprendizagem.
As determinações políticas não mudam as concepções dos professores
apenas em seu contexto escolar, além de interferir em sua identidade profissional,
alteram sua identidade pessoal, uma vez que o professor é um ser social. Uma
reforma política “Não muda apenas o que fazemos. Muda também quem somos”.
(BALL, 2002, p. 5).
90
O alcance de metas estabelecidas em determinações políticas pelo
professor pode ser caracterizado como sucesso profissional, o que gera
satisfação e bem-estar à vida pessoal. Do mesmo modo, a dificuldade em atingir
metas gera frustração e desmotivação tanto profissionalmente, quanto
pessoalmente. Os professores passam a refletir mais sobre suas convicções
pedagógicas e cedem quando são pressionados e não podem mais sustentar os
argumentos que justificam as práticas pedagógicas exercidas.
3- Aumento das oportunidades e da qualidade no ensino fundamental de
nove anos
A quarta questão feita aos professores reunidos em grupos foi: Uma das
metas do ensino fundamental de nove anos é o aumento das oportunidades de
aprendizagem e a melhoria da qualidade do ensino-aprendizagem. Você constata
o alcance de tais metas?
Segundo Freitas (2002, p.139), a ampliação de oportunidades “é
originária da nova concepção de equidade tão enfatizada no novo glossário da
pós-modernidade e nas políticas públicas atuais”.
No contexto da pesquisa de grupo focal, 50% dos professores entendem
que a política do ensino fundamental de nove anos proporciona o aumento das
oportunidades de aprendizagem e a melhoria da qualidade do ensino, e tomam
por base os resultados ao final do ano, relativos ao progresso no processo de
construção da escrita. Para 33,5% dos professores, o acréscimo de um ano ao
ensino fundamental amplia parcialmente as oportunidades de aprendizagem;
apenas 16,5% discordam dessa ideia.
Com a implantação do ensino fundamental de nove anos, a mudança mais
evidente relaciona-se ao acréscimo dos dias letivos, distribuídos em,
aproximadamente, 5 horas diárias. A criança teve a antecipação do contato com a
organização escolar em outro nível de ensino, da educação infantil ao ensino
fundamental, para o aluno que frequentava a educação infantil. No que se refere
ao Estado de São Paulo, os pais mudaram seus filhos de escola. Afirmar como o
professor do grupo 6, que “não mudou quase nada”, ou como o professor do
grupo 1, que “só acrescentou um ano”, é rejeitar quase que em absoluto a
91
proposição política. Cabe refletir: qual é o trabalho realizado com essas crianças
nas mil horas a mais, destinadas ao ensino e aprendizagem?
A defesa do aumento das oportunidades é justificada por um professor do
grupo 4 que diz ser “ possível constatar a qualidade pelo resultado que apresenta
no final do ano.” O discurso de que a ampliação das oportunidades vem
ocorrendo em cadeia é recorrente em 3 dos 6 grupos.
Um professor do grupo 5 afirma não saber “se a prática mudou totalmente”.
Tal afirmação é coerente, uma vez que os próprios professores já afirmaram que
os espaços e estruturas permaneceram as mesmas, mas como fazer uso
totalmente diferente dos mesmos espaços? O educador organiza o espaço
conforme suas concepções pedagógicas e de acordo com os objetivos
estabelecidos, mesmo que essa relação entre a organização espacial e as
concepções educacionais seja inconsciente. As mudanças de concepções
educacionais geram mudanças no espaço.
Tal situação vem a ser confirmada por Martins (2011, p. 233) ao afirmar
que “o direito a vaga não é sinônimo de escolarização, muito menos de uma
escolarização de qualidade”.
Para Gatti, Barreto e André (2011, p. 42),
a melhoria da qualidade do ensino e das aprendizagens reporta-se a
aspectos de um trabalho pedagógico que são multirreferenciados, pouco
precisos e pouco institucionalizados, tanto no que se refere aos
conteúdos quanto às abordagens.
A flexibilidade no modo como o professor trabalha em sala de aula,
segundo as autoras, favorece a qualidade do ensino, porém o crédito ao trabalho
desenvolvido pelo professor só será dado quando houver indícios de uma boa
formação.
Barreto e Mitrulis (2001, p. 133) afirmam em um contexto mais amplo que
não há uma pedagogia que o professor domine e, ao mesmo tempo, satisfaça às
necessidades de formação do indivíduo. Tal fato gera frustração ao professor ou,
em casos isolados, constitui-se em desafio a ser superado.
Assim como as instituições escolares são imprevisíveis, o alunado
diversificado, as modalidades de ensino aprendizagem não são únicas, o que
92
demanda a pluralidade nas ações docentes, diante de uma política padronizada
nacionalmente.
4- Indicações dos professores para a melhoria do ensino fundamental
A participação dos professores nessa questão foi a mais expressiva em
todos os grupos focais, pois puderam apontar soluções e alternativas para a
melhoria da qualidade do ensino. O item espaço físico foi apontado por 44,7% dos
docentes como importante para promover um ensino de qualidade, e deveria ser
organizado com brinquedoteca, parque, biblioteca, tanque de areia, ou seja,
espaços organizados fora da sala de aula.
Os recursos humanos existentes nas escolas foram considerados
insuficientes para cooperar com a melhoria do ensino-aprendizagem. Dos
professores que se manifestaram nas discussões, 21% entendem que ter
profissionais mais capacitados e em maior quantidade colaboraria para a melhoria
do ensino nas escolas, uma vez que há muitos alunos por sala, e os
professores, especialmente os dos primeiros anos, não conseguem acompanhar
de perto o desempenho de todos. Para isso, sugerem a presença de um auxiliar,
nas salas de aula.
Equipar melhor as escolas com computadores, lousas digitais e projetor
multimídia é apontado por 18,5% dos professores como necessário para a
melhoria do ensino aprendizagem. Essas reivindicações são reflexos da cultura
do “ter para ser”, impregnado na sociedade em geral e também na atuação do
professor no contexto escolar. Nessa cultura impera o discurso de que quando
tiver recursos, condições e espaços tidos como necessários será feito o que é
determinado, só assim será possível ser um bom professor e ensinar com
qualidade.
Outros fatores, como menor pressão sobre os professores quanto às
cobranças e o acompanhamento da família no desenvolvimento escolar do aluno,
são apontados como elementos que contribuiriam para a melhoria da qualidade
do ensino.
A lista sugerida pelos professores é extensa, mas quando foram
questionados (questão 6) sobre a relação entre os materiais, espaços, formação e
93
os avanços diretos na aprendizagem do aluno, as discussões foram amenas.
Muitos se eximiram em falar, olhares vagos e frontes franzidas buscando
respostas. As poucas manifestações não estabeleceram relação direta com a
questão proposta.
Tal situação aponta que há um discurso em comum em relação às
condições tidas como ideais para desenvolvimento do trabalho do professor. As
necessidades que os professores apontam para a melhoria da qualidade do
ensino-aprendizagem estão relacionadas com as condições que têm para
trabalhar, aparentemente desconectadas do processo educacional como um todo.
As constatações teriam que ter relação direta com a aprendizagem do aluno e
não só com as condições de trabalho do professor. Seria um avanço oferecer
melhores condições de trabalho ao professor, com lousa digital, projetor
multimídia e espaço físico adequado, desde que tais recursos provocassem
alterações, também, na aprendizagem do aluno.
O fato de tornar a aula mais dinâmica não pressupõe a aprendizagem
automática dos alunos; na realidade o ensino- aprendizagem se processa com
articulação e envolvimento das determinações políticas, estruturas dos espaços
físicos, recursos materiais e pessoais sobre o comando de uma prática
pedagógica eficiente.
Para Demo (1994), qualidade tem a ver com perfeição, “está mais para o
ser do que para o ter”. Tal conceito e os dados da pesquisa podem ser
relacionados ao considerar que, para os professores, qualidade é ter condições
para realizar o trabalho na escola, em sala de aula, e para o Estado é o ser, em
uma visão simplificada de mudança de postura que os docentes precisam adotar
para aderir à política. Ainda para o Estado, o conceito que mais se encaixaria é o
de Demo, que compreende ser a “qualidade (...) questão de competência
humana”. São olhares para um mesmo objeto a partir de diferentes ângulos.
Quadro 6 – Estrutura para implantação do ensino fundamental de nove anos.
Estrutura para a implantação do ensino fundamental de nove anos
Recomendações do Ministério da Educação
“infraestrutura adequada” (BRASIL, 2009, p.4).
“criação de espaços apropriados e materiais didáticos que
constituam ambiente compatível com teorias, métodos e
94
técnicas adequadas ao desenvolvimento da criança”.
A implantação da política segundo os professores
“A gente não tem uma estrutura dentro da escola para
atender esses alunos que vem com seis anos”.
Você acha que toda essa estrutura da rede municipal de
ensino vai ser mudada? Nunca! (Professor do grupo 6)
“O problema é o espaço. É uma judiação colocar essas
crianças cinco horas dentro de uma sala de aula”.
(Professor do grupo 6)
“tem toda uma estrutura pedagógica para a
implementação do ensino fundamental de nove anos”
(Professor do grupo 6)
Necessidades apontadas pelos professores
Tem que equipar melhor as escolas. Ter condições
pedagógicas, em informática: manutenção de
computadores, biblioteca com um acervo muito grande, o
que não acontece, ter materiais de apoio, material humano
para dar apoio para essas crianças que em alguns casos
precisa e também um incentivo financeiro a mais ao
professor (Professor do grupo 1).
Se tivesse um parquinho, se tivesse uma brinquedoteca,
um espaço maior para brincadeira (Professor do grupo 1).
A carência de estrutura parece ser o principal impeditivo para a
implantação da ampliação do ensino fundamental, segundo os professores. A
maior preocupação é com o primeiro ano, que necessita de suporte especial. Os
professores apontam o que necessitam para a melhoria das condições de
trabalho e atendimento das determinações legais.
Gatti e Barreto (2009, p.221) entendem que há uma cultura entre os
professores de que “a solução de seus problemas está em conhecimentos
produzidos fora do espaço escolar”, o que fica condicionado à impossibilidade de
solução caso não tenham acesso aos conhecimentos produzidos, não
compactuem com a concepção educacional embutida no conhecimento, entre
outros riscos de não apropriação do conhecimento.
Por meio dos discursos de professores, coletados no contexto de
implantação do ensino fundamental de nove anos, foi possível identificar que os
95
espaços são tidos como elementos mais importantes no processo de ensino-
aprendizagem, que a questão é o tempo para a sua realização.
Análise das percepções dos professores
Pelos depoimentos dos professores, percebe-se que na política no ensino
fundamental de nove anos “se pensa mais na criança, nos movimentos, no seu
aspecto cognitivo, como que ele aprende e como ele se desenvolve” (professor do
grupo 3). No entanto o sistema impõe que o professor respeite o ritmo de
aprendizagem do aluno, mas pressiona para acelerar o processo de apropriação
dos conteúdos sistematicamente propostos para essa etapa de ensino.
Esta pesquisa concluiu que 44,7% dos professores alegam que o espaço
compromete sua atuação e outros 18,5% julgam que esse comprometimento se
dá pela falta de recursos físicos. Portanto eles compreendem que o seu trabalho
está inserido em um contexto que depende de mais elementos para ser realizado
com sucesso. O fato de sempre trabalhar em espaços inadequados, com recursos
insuficientes colabora para a manutenção do desprestígio da carreira docente e
da sensação de impotência para atuar diante de inúmeras limitações.
Segundo Crema (1998, p. 138), a escola “está investida de desejos e
expectativas que, nos distintos momentos de sua história, podem ou não coincidir
com os desejos e as expectativas daqueles que a criaram” . Essa mesma autora
afirma que os professores assumem um compromisso com a instituição onde
trabalham, mas há um contrato inconsciente estabelecido entre a identidade do
professor e a instituição, que, se não for correspondido, leva à renúncia do
professor ao que fora estabelecido, já que as expectativas questionam a
pertinência das proposições.
Os professores que se manifestaram nos grupos apontam que a política
sufoca a infância quando não há condições para efetivar a implantação, ou seja, a
ausência de espaços para brincar e condições para ministrar aulas mais
dinâmicas torna a escola desgastante e cansativa. Argumentos dos professores
demonstram conservadorismo ao considerar que cada coisa tem o seu tempo e a
política queima etapas da criança.
96
Apesar do esforço, os professores destacam que a política não é mágica
e denunciam que as salas de aula continuam lotadas e os professores sem
auxílio. O Estado atribui a reponsabilidade pelo sucesso da política ao professor,
que julga não ter condições para desenvolver todos os aspetos da política por
causa da falta de investimentos do Estado, representado pelo governo municipal,
no caso deste estudo.
Percepções diferentes acerca de uma mesma política dificultam a
melhoria da qualidade do ensino. O Estado considera que ofertou a educação e
avalia o fracasso da implantação política como a falta de colaboração das partes
envolvidas no processo. Para o professor e a sociedade em geral, o Estado não
dá condições efetivas para a concretização da política.
Tal contexto leva a refletir que o Estado deforma, ainda que
indiretamente, a política que ele mesmo propõe ao limitar as condições para a
efetivação; acaba se configurando como um consentimento à sua má
implantação.
Há divergências dos professores de um mesmo grupo quanto às
mudanças em sua atuação pedagógica por meio de discursos distintos. Há
mudanças? Um professor do grupo 2 afirma: “Não. Como no primeiro ano não
tem de onde tirar é praticamente uma cópia da primeira série...”. Outro professor
do mesmo grupo que trabalha com o 2º ano do ensino fundamental aponta: “Tem
uma mudança porque agora elas vêm melhor (do primeiro ano), então você tem
que adaptar conteúdo, currículo para trabalhar com essas crianças avançadas.”
Outros relatos:
Exige mais do professor. Isso eu acredito, que exige muito mais do professor, porque
são aulas que você tem que elaborar mais, pensar em todo um contexto, pois você
tem que incluir todas as disciplinas do conteúdo. Exige mais do professor, mas eu
acho que tem um resultado melhor. (Professor do grupo 3)
Eu acho assim, veio com o primeiro ano e já está respingando nas demais séries, que
a gente está tentando mudar para poder acompanhar esse trabalho.
O próprio aluno já cobra esse trabalho diferenciado. Começa no primeiro semestre
assim, e no segundo semestre ele já está te cobrando, é mais crítico, ele sabe se
colocar, ele concorda, ele não concorda, tem essa abertura. (Professor do grupo 4)
97
Em linhas gerais, há o entendimento de que professores de uma mesma
escola, que trabalham no mesmo período, sob a responsabilidade do mesmo
diretor, pensem consensualmente. Tal situação não foi conferida nos relatos
anteriores. Se há similaridade nos espaços e tempos ocupados pelos sujeitos,
ainda assim é possível haver divergências em razão de vivências específicas.
Ensinar por meio do lúdico constitui-se como desafio para muitos
professores. O quê e como ensinar é ainda mais desafiador. Em muitas escolas, o
hábito de brincar, destinado ao desenvolvimento das habilidades motoras nas
aulas de Educação Física e Arte, uma ou duas vezes na semana, das 25 horas-
aula de permanência na escola, são insuficientes para promover de fato o lúdico.
Contudo, na coleta de dados, houve 6 manifestações de professores,
afirmando que a implantação do ensino fundamental de nove anos fez com que
os alunos chegassem melhor às demais séries, com níveis mais avançados de
aprendizagem. No próprio relato dos professores, há justificativas: “tem que
adaptar o currículo” (professor do grupo 3), “fazer um trabalho mais globalizado,
englobar uma coisa na outra (...) procurar trabalhar com o lúdico” (professor do
grupo 4).
O Conselho Nacional da Educação (BRASIL, 2007) estabelece por meio de
parecer: a “criação de espaços apropriados e materiais didáticos que constituam
ambiente compatível com teorias, métodos e técnicas adequadas ao
desenvolvimento da criança”. Por meio dos dados coletados, os professores
concordam que o ensino-aprendizagem não deve ocorrer só dentro da sala de
aula, mas que outros espaços fora dela devem ser explorados, porém são poucos
os espaços dos quais a escola dispõe fora da sala de aula, como afirma o
professor do grupo 5: “Às vezes você pensa: Ah! Vamos lá fora. Mas não tem
nada lá fora.”
Sair da sala de aula e realizar atividade muito semelhante ao que se faz
dentro da sala, não contribui para grandes mudanças, se não forem modificadas
as abordagens dos conteúdos e as concepções de ensino-aprendizagem.
No contexto escolar também há a determinação de que os espaços
utilizados para trabalhar com os alunos sejam diversificados, porém a questão é:
o quê fazer e como fazer fora da sala de aula. Quando não se sabe ao certo o
98
quê fazer, os alunos tendem também a perder as referências e apresentar
problemas de disciplina, frustrando o professor e complicando o processo ensino-
aprendizagem.
O quadro seguinte permite comparar as concepções do MEC nos
documentos oficiais e dos professores sobre os conteúdos curriculares.
Quadro 7 – Conteúdos curriculares- recomendações do MEC e relatos dos
professores.
Conteúdos curriculares
Recomendações do Ministério da Educação
O ensino fundamental de nove anos “requer um currículo novo”
(BRASIL, 2009, p.14).
“não se trata de transferir para as crianças de seis anos os
conteúdos e atividades da tradicional primeira série, mas de
conceber uma nova estrutura de organização dos conteúdos
em um ensino fundamental de nove anos” (BRASIL, 2004).
Ao mesmo tempo em que é requerido o novo a LDBEN/96 é
uma referência que permanece a estabelecer as bases em seu
artigo 26:.
Base nacional comum e parte diversificada.
-língua portuguesa
-matemática,
-o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social
e política, especialmente do Brasil.
- Arte, educação física, história do Brasil. (BRASIL, 1996).
A implantação da política segundo os professores
“tem um direcionamento do que ensinar e como trabalhar, com
orientações didáticas, expectativas, conteúdos.” (Professor do
grupo 5).
Se você perguntar qual é o conteúdo do meu primeiro ano, eu
não sei. É primeira série, entendeu?
Eu tenho que alfabetizar com palavras, frases ou tenho que
fazer texto? Não sei. Entendeu? Na via das dúvidas o que eu
vou fazer? (Professor do grupo 2)
Está estabelecido pelo MEC, por meio do documento que orienta a
implantação do ensino fundamental de nove anos, que o 1º ano não é repetição
99
da pré-escola nem a transferência dos conteúdos da 1ª série do ensino
fundamental (NASCIMENTO, 2007, p.31).
O MEC propõe a construção de um currículo novo; mas ao fazê-lo, reforça
os conteúdos estabelecidos em 1996, pela LDBEN n. 9 394/96, em seu artigo 26.
Após a aprovação da LDBEN/96 já foram elaboradas e publicadas duas diretrizes
curriculares nacionais para o ensino fundamental, a de 1998 e a de 2010, sendo
que apenas a de 2010 vem tratar do que é determinado ao ensino fundamental de
nove anos, já que as diretrizes do ensino fundamental de 1998, antecedem a
proposição da ampliação do ensino fundamental e, desse modo continham
orientações amplas, determinando as disciplinas que compõem o currículo, assim
como alguns conteúdos, ressaltando que cada sistema de ensino deve analisar e
estabelecer quais serão os conhecimentos construídos nas disciplinas ao longo
dos anos nesse nível de ensino.
Aos professores é determinada a execução dos conteúdos a serem
trabalhados em sala de aula por meio de diretrizes curriculares estabelecidas
nacionalmente pelo MEC.
Diante disso, é possível perceber que não há a cultura de participação
efetiva dos professores quanto à proposição dos conteúdos curriculares que
devem ser trabalhados, características de sistemas educacionais que privilegiam
a padronização do conteúdo. O exercício de pensar sobre as exigências de
aprendizagem que o ensino fundamental de nove anos demanda é delegado às
hierarquias superiores, ou seja, os professores acolhem o que entendem ser de
sua competência, isto é, ensinar. Desse modo, submetem-se ao como fazer, mas
têm reservas quanto ao conteúdo que deve ser ensinado, mesmo que esse esteja
estabelecido em lei – artigo 26 da LDBEN/96.
Young (2011, p.614) afirma que o currículo vem sendo usado pelos
governos como instrumento para solucionar problemas econômicos e sociais; no
entanto defende que “o currículo precisa ser visto como tendo uma finalidade
própria – o desenvolvimento intelectual dos estudantes. Não deve ser tratado
como um meio para motivar estudantes ou para solucionar problemas sociais”.
Quanto ao “que ensinar no primeiro ano”, há evidências de que o simples
fato de estabelecer o conteúdo em documentos oficiais não leva o professor a se
convencer de que esses devem ser os conteúdos trabalhados. Há falta de
100
orientação entre os professores sobre o que está proposto no plano de
implantação do primeiro ano do ensino fundamental de nove anos no município.
Apesar dos documentos orientadores, o argumento de que não se sabe o
conteúdo a ser trabalhado pode ser um indício de rejeição à política.
Os conteúdos podem ser trabalhados em anos anteriores aos que eram
trabalhados no ensino fundamental de oito anos, uma vez que os alunos, ao se
apropriarem da leitura e escrita, dominam mais facilmente os conteúdos de outras
disciplinas. Os professores estão se adaptando aos poucos a esses alunos.
Estão obscuros os conteúdos do primeiro ano, como afirma um professor
do grupo 2: “Matemática eu tenho que trabalhar o quê? Não tem uma coisa igual
à grade curricular da primeira série, não tem. As outras disciplinas a gente segue
a primeira série.”
A percepção do professor sobre uma determinação política é composta
pelas relações conscientes e inconscientes estabelecidas em seu contexto social.
O quê e como ensinar, segundo Saviani (2006, p.44), segue a tendência da
estandardização do currículo, ou seja, os currículos são estabelecidos
mundialmente, determinados por organizações internacionais, que pressionam
sobre a inclusão ou exclusão de disciplinas a serem trabalhadas e o seu peso na
formação do indivíduo.
Alfabetizar ou não crianças de seis anos era uma dúvida no último ano da
educação infantil, que foi transposta ao primeiro ano do ensino fundamental de
nove anos. Com as orientações fixadas pelo MEC, verificou-se o que está em
questão é modo pelo qual essa apropriação da leitura e escrita acontece, tendo
em vista o fato de o aprendente ser uma criança. Se todos os estímulos dados
para a aprendizagem da leitura e escrita por meio do lúdico forem respondidos,
não há porque prorrogar esse processo; porém se o trabalho for extremamente
sistematizado a ponto de não contemplar a imaginação e o fato de o aluno ser
uma criança, pode haver bloqueios em seu desenvolvimento. Essa situação foi
apontada no relato de um dos professores do grupo 1 durante a coleta de dados:
“o lúdico que é bom, não tem.”
101
O professor entende que propiciar a aprendizagem por meio do lúdico é
bom, no entanto, se isso não acontece, é por falta de estrutura adequada e pela
pressão de ter que alfabetizar já no primeiro ano.
A proposta do ensino fundamental de nove anos é alfabetizar todos os
alunos nos três primeiros anos do ensino fundamental. Alguns alunos chegam à
escola aptos para iniciar o processo de alfabetização; então é complexo limitar os
avanços desse aluno ao mesmo tempo em que se estimula aquele que ainda não
está preparado.
As exigências quanto à alfabetização no primeiro ano existem, segundo os
professores, e eles perceberam que as crianças respondem a essa aprendizagem
mesmo aos seis anos. Uma das provas dessa cobrança está na planilha a ser
preenchida, bimestralmente, pelos professores do primeiro ano, com os níveis de
escrita dos alunos. Nela constam todas as fases de desenvolvimento da escrita,
segundo Ferreiro (1986). O professor do grupo 2 representa o discurso dos pais:
“Criança alfabetizada significa aprendizagem. Se o meu filho foi para a escola ele
tem que se alfabetizar. A professora tem cobrança dos pais e da rede.”
A expressão se alfabetizar surge duas vezes nas discussões do grupo 2 e,
embora possa denotar uma expressão desprovida de reflexão, pressupõe a
apropriação pelo próprio indivíduo de um processo em que o aluno é tido como o
único sujeito envolvido, uma espécie de autodidata.
Para os professores, alfabetizar é coisa séria e a ideia de ensinar
brincando é inviável, está implícito que os alunos precisam ser alfabetizados, mas
não se concebe a possibilidade de a criança ser alfabetizada por meio do lúdico.
Por meio da política do ensino fundamental de nove anos, o MEC propõe
que a aprendizagem ocorra valorizando o brincar, mas a aprendizagem pautada
nessa concepção deverá romper com as concepções da sociedade em relação à
aprendizagem, que não vê a escola como lugar de brincadeira.
Não é atual o discurso, tanto dos professores como dos pais ou
responsáveis, que orienta os alunos para não brincarem em sala de aula, o que
implica na quebra de um paradigma. De repente, o que era proibido passa a ser
uma norma oficial e a brincadeira torna-se obrigatória. Sabe-se que o brincar na
escola deve ser dirigido, com objetivos estabelecidos pelos professores, já que o
102
trabalho pedagógico possui essa característica de intencionalidade, tendo em
vista o papel motivador para o ensino- aprendizagem, porém se o brincar torna-se
pedagogizado pode ser igualmente frustrante para criança.
Não se questiona a necessidade de a criança brincar, tampouco a
impossibilidade de aprender brincando. Nos dias atuais, o incentivo à brincadeira
vem suprir a carência das crianças de brincar na rua, e a cultura de trabalho dos
pais favorece que as crianças assumam responsabilidades de adultos, suprimindo
o tempo para brincar. Estabelecer que a escola seja um espaço para brincadeira
é atribuir a essa instituição educacional mais uma função que nem todas as
famílias conseguem fazer. A cultura de brincar na escola, de ensinar e aprender
brincando exige algum tempo para sua incorporação.
O professor trabalha a partir da formação profissional que dispõe; nesse
caso, há um forte indício da necessidade de preparo para lidar com uma dinâmica
de ensino apropriada à infância. Nessa formação, o lúdico não se constitui como o
oposto da seriedade e intencionalidade que há por trás dele.
A inserção da música no conteúdo escolar foi estabelecida pela Lei nº
11.769/2008e acrescida ao artigo 26 da LDBEN/96. O recurso da música e de
jogos como estratégia para o desenvolvimento do ensino pode sofrer uma
descaracterização quanto ao lúdico em um processo de pedagogização do
ensino-aprendizagem., quando a música e os jogos são pretextos para o ensino
da leitura e escrita e não contemplam a possibilidade de ser flexível quanto ao
alcance da meta, que não necessariamente está vinculada ao brincar. Para
Dantas e Maciel (2010, p. 172), no pedagógico há que se considerar sua
dimensão cultural, enquanto conhecimento, arte e vida, e não apenas como algo
restrito ao aprender.
Os professores investigados demonstraram preocupação significativa com
a tarefa de alfabetizar as crianças e condenaram o espaço físico disponível para a
realização das atividades lúdicas conforme recomendação da política. Embora
reconheça que existe um suporte pedagógico, ou seja, há uma matriz curricular
proposta para ser trabalhada no município que incentiva a alfabetização, entende-
se que a limitação do sistema educacional no município esbarra nos
103
investimentos tidos como necessários para o desenvolvimento do ensino nesse
nível.
Um professor do grupo 6 aponta: “a proposta vem como se fosse uma
novidade, como é citado no documento, mas a gente não vê muita mudança.
Como se ela fosse mágica.”
A proposição política do ensino fundamental de nove anos é destinada à
escola, mas ela não é o principal foco, tampouco os professores, o seu objetivo é
a melhoria a qualidade de aprendizagem do aluno. É claro que para isso há um
processo muito extenso e complexo que envolve todos os sujeitos educacionais e
que influenciará no resultado final.
Não há equívocos ao propor uma aprendizagem mais contextualizada e a
melhoria da qualidade da aprendizagem do aluno, porém há que se considerar as
necessidades e os pontos de partida do aluno para a aprendizagem. A política de
ampliação do ensino fundamental tem respaldo teórico convincente, porém está
mais representada pelos discursos políticos do que pelas condições para efetivá-
la.
Quanto tempo é necessário para um pesquisador entender o
funcionamento da escola e desvendar os vestígios da cultura daquele cotidiano?
As discussões entre os professores por meio da pesquisa de grupo focal indicam
peculiaridades das experiências vivenciadas naquele contexto, que podem ser
contestadas pelo colega, em caso da constatação de um discurso incoerente com
a prática exercida.
Em linhas gerais, os professores sabem o que devem fazer e há
conformismo quanto às limitações para a efetivação, atribuindo ao sistema a
responsabilidade pelo insucesso da política. Discursos de professores dos grupos
1, 2 e 3 revelam: “A gente faz o que pode, o que mandam”, o próprio sistema não
permite a efetivação política. Está claro que os professores distinguem
nitidamente que há um distanciamento entre o propor e efetivar.
Em quais condições estão implantando o ensino fundamental de nove
anos? Quais seriam as condições necessárias?
Muitas escolas públicas não dispõem de estrutura física adequada para o
ensino-aprendizagem, mas, analisando historicamente as condições ideais para o
104
processo educativo, no Brasil, ficará constatado que elas nunca foram
satisfatórias e, portanto, o ensino ocorreu no improviso durante todo esse tempo.
As condições específicas para o funcionamento da escola, com profissionais
capacitados e estrutura física adequada, ainda se constituem como desafio à
educação brasileira.
As condições física e material, segundo os professores, são fatores que
limitam a efetivação política e constituem consenso nos grupos. A atualização
profissional é tida como elemento importante nesse processo apenas em dois
grupos de professores (4 e 5). Os demais condenam a falta de estrutura física
antes da necessidade de preparo profissional para lidar com as limitações.
Para alguns professores, a falta de recursos materiais compromete a sua
atuação e torna-se o principal argumento para recusar a política. Para outros,
atingir, ainda que minimamente, os objetivos estabelecidos pela política torna-se
um desafio a ser superado, ainda que o ambiente não lhe seja favorável.
A ausência de uma brinquedoteca, de um parque infantil na escola e de
jogos pedagógicos pôde ser visivelmente observada na realização da pesquisa
de campo e diagnosticada como um obstáculo a ser superado pelo professor no
processo de ensino-aprendizagem, porém há professores que superam a
ausência dos recursos e veem nessa situação a oportunidade de construir seus
próprios jogos, brincadeiras e espaços para a aprendizagem.
O problema da falta de materiais para estimular o lúdico pode ser analisado
de duas maneiras: limitadora ou desafiadora. Se considerado limitador, o indício
que se tem da experiência desse professor é que o lúdico tem hora, espaço e
momento apropriado; se considerado desafiador, haverá sempre a possiblidade
de se criar a oportunidade para brincar e aprender, sem apologia à limitação de
recursos pelo poder público. Segundo Certeau (2008, p. 79) há “mil maneiras de
jogar/desfazer o jogo do outro”. A postura do professor expressa a sua posição no
contexto de implantação política entendida por Certeau como um jogo.
Os professores sabem o que necessitam para realizar o seu trabalho e
agem não como está determinado na lei, mas segundo as condições que têm
para o exercício de sua função. Pensar que o professor poderia extrapolar a sua
realidade laboral e fazer o máximo que puder com o mínimo de recursos
105
disponíveis é eximir o Estado de oferecer condições efetivas para concretização
da política, já que a ação de propor pressupõe a ação de oferecer condições,
embora essa seja uma tendência nas atitudes do Estado neoliberal, que, se
seguida à risca, condenaria de antemão o cumprimento das políticas, que
estariam restritas aos registros escritos.
As relações entre as regras oficiais, denominadas como estratégias, e as
ações que são tomadas a partir delas são definidas por Certeau (2008, p. 91)
como táticas, que tendem a desviar, manipular as normas estabelecidas, estão
relacionadas ao querer mudar o querer do outro. São reflexos dos diferentes usos
que podem ser feitos a partir da política determinada. Nesse mesmo contexto,
Marin (2004, p.195) define que a artimanha de quem detém o poder dura até que
o dominado crie suas artimanhas.
É necessário discutir que os comportamentos dos professores podem ser
táticos, porém não sem uma razão de ser: se não obedecem às regras
estabelecidas, não é por estrita rebeldia, ou seja, não há uma intencionalidade do
professor em caricaturizar a política, o que existe de fato são inviabilidades para a
efetivação política em um dado contexto, seja ela por condições atreladas a
espaço físico, despreparo do professor, ausência de uma administração escolar
que dê encaminhamento e favoreça a efetivação política. Seria uma relação entre
o que deve e o que pode ser feito, que se constitui de modo diferente.
O Estado mostra-se ineficiente, uma vez que a eficiência envolve “a
comparação das necessidades de atuação sobre o fenômeno com as diretrizes e
os objetivos propostos, e com o instrumental disponibilizado para nele intervir”
(BELLONI, MAGALHÃES e SOUSA, 2003, p.62). A eficiência é alcançada por
meio de procedimentos adotados não só pelos professores, mas também pelos
membros da gestão escolar, da comunidade e, principalmente, pelos
propositores das políticas. Ainda, segundo Belloni, Magalhães e Sousa (2003), a
eficácia se expressa no grau de qualidade do resultado atingido e depende dos
insumos disponibilizados no e pelo processo eficiente.
O discurso dos professores se circunscreve à ideia de que é preciso ter
condições para ser eficiente. Como não se sabe como seria se tivessem
condições de trabalho, o julgamento parece estar encerrado e o Estado,
condenado como culpado. Enquanto o Estado não cumpre o seu papel, os
106
profissionais da educação cooptam com ele, uma vez que compartilham a
ineficiência do sistema, que causa prejuízo generalizado à formação educacional
de toda sociedade. Quem representa o bem ou o mal nesse contexto?
A profissão docente demanda ir além da aceitação e do conformismo.
Esforços são necessários para que a prática pedagógica seja bem sucedida,
apesar dos entraves, ou o professor, que idealiza a providência do Estado na
melhoria das condições educacionais, exercerá a profissão cercado de
frustrações que só serão superadas se o Estado intervier, e tal intervenção pode
ocorrer conforme o idealizado ou não.
A preocupação com os espaços onde o professor vai executar a sua
prática pedagógica é evidente na fala dos professores, que entendem a
importância da política, mas encontram dificuldades para implantá-la no espaço
que dispõem para tal fim. Na seguinte questão feita pelo pesquisador, “o espaço
físico adequado melhoraria a qualidade do ensino-aprendizagem?”, obteve-se a
seguinte resposta:
Professor do grupo 1: Em minha opinião sim. Porque você teria mais
condições de trabalho. Você não ficaria só ali: giz e lousa. Você teria
outros suportes para fazer uma aula mais dinâmica, mais interessante.
Para que eles (os alunos) pudessem se interessar... Porque só giz e
lousa, cópia, cópia, cópia... eles vão perdendo muito fácil o interesse.
Hoje as crianças não têm mais interesse e aí fica uma coisa mais pré-
histórica também.
As análises realizadas a partir dos discursos dos professores sobre a
implantação do ensino fundamental de nove anos indicam que existe a cultura de
atribuir a outros o insucesso de uma política, e essa cultura não é exclusiva dos
professores, mas de todos os envolvidos no processo.
Barroso (2004, p. 51) destaca que a responsabilização dos professores
pelas insuficiências da escola ocorre tanto explícita quanto explicitamente,
tornando perceptível um ciclo multidirecional de culpabilidade no processo de
implantação de políticas.
A política do ensino fundamental de nove anos estabeleceu uma série de
incumbências às esferas que fazem parte do contexto de implantação, ou seja, as
políticas não têm vida própria, são dependentes de instituições e órgãos para a
sua efetivação.
107
Uma determinação política pode originar já sentenciada ao insucesso se
não forem estabelecidos os recursos necessários para sua efetivação, mas esse
não é o único motivo que pode levá-la ao insucesso. Se as atribuições
hierarquicamente dispostas aos órgãos e instituições não forem cumpridas,
haverá um desvio do que fora proposto, o que não pode ser considerado
automaticamente um fracasso, pois rumos diferentes podem ser melhores que os
incialmente propostos, porém é necessário foco e planejamento nas proposições
de políticas educacionais.
O ciclo da análise de políticas estabelecido por Bowe, Ball e Gold (1992)
segue um processo de elaboração inicial e culmina em sua materialização, em
contextos reais que geram efeitos e estratégias, conforme já foi citado nesse
estudo. Para os autores, as arenas políticas de influência, da produção de textos,
da prática, dos efeitos e das estratégias são contínuas e expressam exatamente
o ciclo de uma política.
Como no ciclo de análise de políticas proposto por Bowe, Ball e Gold
(1992), um ciclo representativo da trama no processo de implantação política foi
elaborado com base nos dados coletados nos discursos dos professores em
relação às suas incumbências, contidas nos documentos oficiais elaborados pelo
MEC, que representam a postura do Estado. Em um primeiro momento, a figura
que representava a troca de acusações em relação à culpabilidade no insucesso
da implantação de políticas era a seguinte:
O Estado cria uma expectativa significativa em relação à atuação dos
professores, apesar da insuficiência de recursos para auxiliar nas mudanças
determinadas legalmente. As políticas educacionais impõem
Estado
Professores
108
(...) desafios, sobretudo pedagógicos, para a área educacional. Como se
sabe, mesmo admitindo a expansão das vagas como condição
fundamental para a garantia do direito à educação, é no âmbito das
práticas pedagógicas que a instituição educativa pode tornar-se ela
mesma expressão ou não desse direito (MACIEL, BAPTISTA e
MONTERO, 2009).
A atuação dos professores em processos de implantação política é
fundamental para o seu sucesso ou fracasso. Nesse caso, constata-se a posição
do Estado em atribuir aos professores a responsabilidade pelo desempenho
máximo na implantação da política.
Os professores, por sua vez, condenam o Estado justamente pela falta de
estrutura para a implantação de políticas, justificando a sua inviabilidade. Pensar
o Estado e os professores isoladamente na avaliação de um contexto de
implantação política é fragmentar um processo que envolve mais atores. A
ampliação do entendimento levou à construção da figura seguinte, que representa
linearmente a relação da política em um contexto mais amplo, constituído por
etapas de relações das instituições e indivíduos com a política.
Na figura busca-se a simplificação das instâncias em que a política é
disseminada e determinada. Na maioria das vezes, a política tem origem nas
ações do Estado por meio da legislação, que de cima para baixo repassa as
orientações às secretarias da educação, à escola, que repassa aos professores
até chegar aos alunos e demais membros da comunidade escolar.
Nesse processo de determinação e divulgação da política, a interpretação
do seu conteúdo original pode assemelhar-se a um telefone sem fio6, em que as
6 Brincadeira em que uma mensagem original é dita a uma pessoa e vai sendo repassada pelos demais.
Comumente o que se tem ao final é a mensagem deturpada ou uma nova mensagem, dificilmente a
mensagem original se mantém.
Estado Secretarias da
educação Escola Professor
Aluno
Comunidade escolar
109
orientações podem ser reinterpretadas e chegarem modificadas ao seu destino
final.
Os textos políticos, portanto, representam a política. Essas
representações podem tomar várias formas: textos legais oficiais e textos
políticos, comentários formais ou informais sobre os textos oficiais,
pronunciamentos oficiais, vídeos etc. Tais textos não são,
necessariamente, internamente coerentes e claros, e podem também ser
contraditórios. Eles podem usar os termos-chave de modo diverso. A
política não é feita e finalizada no momento legislativo e os textos
precisam ser lidos com relação ao tempo e ao local específico de sua
produção (MAINARDES, 2006, p. 52)
O autor enfatiza que a política vai se modificando em diferentes épocas e
realidades, uma vez que nem todos compartilham os mesmos contextos, e os
momentos de elaboração, proposição e implantação política nem sempre são os
mesmos, é possível que haja distorções entre a política proposta e a política
implantada.
Se no processo de implantação política há o respeito a uma hierarquia pré-
estabelecida, na avaliação dos resultados da política em processo de implantação
ou já implantada no contexto escolar, as relações são concomitantes, assim como
as acusações, quando não há o êxito esperado na materialização da política
proposta, denominado ciclo multidirecional de culpabilização ou acusação pelo
insucesso na implantação de políticas, representado na figura que segue.
Estado
Secretarias Estaduais/ Municipais
Instituições escolares
Professores
Alunos/
Comunidade escolar
110
Na realidade, o ciclo de culpabilização busca representar o emaranhado
complexo de relações existentes em torno da avaliação da implantação de
políticas educacionais e o processo de atribuição de culpa ao outro por possíveis
falhas detectadas nesse processo.
.Os órgãos ou instituições que compõem o ciclo podem variar sua
composição de acordo com as determinações, sobressaltando a culpabilidade de
um ou de outro ao mesmo tempo ou em tempos distintos. A intensidade ou o nível
de consciência em relação à responsabilidade de cada um no ciclo não é
constante e, portanto, varia de acordo com o nível de instrução da pessoa e sua
participação política na sociedade.
O ritual de acusações multidirecionadas divide as culpas e torna menos
expressiva a imputação de responsabilidades e o consequente descumprimento
de uma política educacional.
Ao estabelecer mais um ano ao ensino fundamental, o Estado adverte
também que a ampliação do tempo por si só é pouco para promover mudanças,
destacando que há responsabilidades estabelecidas hierarquicamente no que diz
respeito às atribuições políticas, administrativas e pedagógicas.
Nesse contexto, a incumbência do Estado é elaborar e estabelecer leis
para que sejam executadas. Também é da competência do Estado avaliar o
cumprimento das determinações legais nacionalmente. As esferas administrativas
e os seus respectivos sistemas de ensino estadual ou municipal têm a função de
divulgar e prover as estruturas necessárias para que a política seja implantada.
Aos professores resta a execução da política em seu aspecto pedagógico.
Em uma cultura de aceitação, cabe aos alunos, pais e demais membros da
comunidade escolar consentir o que foi proposto e idealizado e, mesmo que as
determinações cheguem “customizadas” em cada escola ou sala de aula e
passem por adaptações, dificilmente os alunos ou pais participam do processo
enquanto sujeitos.
Na implantação de políticas, a “aculturação” de determinações legais diz
respeito a sua adaptação em contextos educacionais distintos, mas a sutilidade
nas adaptações deve ser prezada a ponto de preservar a essência da política
proposta.
111
As estratégias usadas pelo Estado
são portanto ações que, graças ao postulado de um lugar de poder (a propriedade de um próprio), elaboram lugares teóricos (sistemas e discursos totalizantes), capazes de articular um conjunto de lugares físicos onde as forças se distribuem. Elas combinam esses três tipos de lugar e visam dominá-los uns pelos outros. (CERTEAU, 2008, p.102)
A avaliação dos resultados das políticas implantadas é usada para distribuir
as culpas, no caso de falhas no processo. No cenário de culpas, o Estado é
adepto de uma cultura que deixa de realizar algumas tarefas de sua
responsabilidade como a providência de meios para a concretização de uma
política, o professor se exime de assumir responsabilidades necessárias à função
pedagógica pela falta de estrutura; as secretarias estaduais e municipais da
educação não promovem espaços para discutir a proposta política amplamente. O
interesse não é coletivo e representa a fragilidade do sistema educacional nas
concretizações de determinações políticas.
No contexto de discussão de estratégias e táticas (CERTEAU, 2008), Os
professores assumem a postura ou tática de atribuir a culpa à falta de materiais e
espaços inadequados ao Estado, e conferem ao outro a limitação da sua
capacidade de atuação.
Quanto mais culpados forem inseridos no ciclo, mais complexo será
identificar as causas e eliminar as possibilidades de insucesso da política, ou seja,
quando há muitos culpados há, também, uma percepção maior de complacência
com os resultados diante das condições existentes, faz-se o melhor com os
recursos que se tem e mantém a cultura da tentativa de se aproximar do que é
proposto, mas não chegar ao que fora proposto de fato.
As culpas atribuídas às várias instituições ou órgãos predominam no
âmbito dos discursos. Cobrar os responsáveis pela oferta e usufruto de educação
de qualidade ou levar o culpado a juízo por meio de ações judiciais não faz parte
da cultura política dos envolvidos, são exceções. Tal postura reflete a sensação
de impotência em questionar as ações do Estado.
O fato de ser atribuída a culpa ao outro não significa eliminar a parcela de
contribuição do acusador no processo de colaboração para implantação da
política. Ser acusado também não é a imputação da culpa de fato.
112
“A política como discurso estabelece limites sobre o que é permitido pensar
e tem o efeito de distribuir “vozes”, uma vez que somente algumas vozes serão
ouvidas como legítimas e investidas de autoridade” (MAINARDES, 2006, p. 54). O
discurso que prevalece é o do mais forte que detém o poder, no caso o Estado,
que se coloca como mais poderoso que as demais instituições sociais, devido a
sua organização, articulação e detenção dos recursos.
O Estado não é o que diz ser nem o que quer ser, mas o que a sociedade
organizada o faz ser e querer (DEMO, 2002, p. 54); no entanto, quando não há
uma organização da sociedade, o Estado mostra-se imponente e as revoltas da
sociedade restringem-se aos discursos informais.
A desarticulação da sociedade no cumprimento do seu papel de
acompanhar e cobrar êxito em medidas políticas adotadas pelo Estado influencia
o desenvolvimento do trabalho na escola. Barroso (2004, p.52) destaca que a
ineficácia e a injustiça no funcionamento escolar se devem à manutenção da
forma da escola, da ordem burocrática, que geram o mal-estar. Desse modo,
entende-se que as acusações em relação às culpas não ocorrem apenas dentro
do ciclo. A educação pode ser culpabilizada, por exemplo, pelo despreparo dos
indivíduos para atuar no mercado de trabalho, e tal acusação justifica oferecer
baixos salários. A educação pode ser acusada de não ensinar aos alunos hábitos
preventivos de higiene e saúde, gerando expressivos números para o
atendimento público nesse setor. Não só a educação, mas outras áreas sociais,
políticas e econômicas recebem acusações, e algumas podem até ser
procedentes, mas não resolvem o problema que mostra desregulação do
funcionamento da sociedade.
Ao julgar a instituição escolar, o professor e os demais membros do ciclo
de culpabilização condenam a ineficiência do sistema e embutem discursos
característicos do modelo político adotado, o neoliberalismo, que defende as
ações da iniciativa privada como mais eficientes que as públicas. O Estado
coloca-se em uma posição confortável de “bom moço” que cumpre o seu papel ao
definir e implantar políticas.
A percepção dos professores sobre a política atém-se às limitações das
estruturas para o desenvolvimento do pedagógico, falta uma reflexão mais
aprofundada sobre a natureza da política e suas interferências no contexto social.
113
De acordo com os professores, as causas dos insucessos na implantação
do ensino fundamental de nove anos devem-se à falta de estrutura e material
pedagógico, e, para o Estado, os professores são responsáveis por “repensar o
tempo pedagógico, a seleção de conteúdos, capacidades e habilidades” dos
alunos (LEAL, ALBUQUERQUE e MORAIS, 2007, p.98).
A atribuição de culpas no processo de implantação de políticas
educacionais não resolve os problemas de desajustes entre o determinado e o
possível, tampouco colabora para a melhoria da qualidade de ensino; serve
apenas para eximir da responsabilidade por ações ou medidas que não foram
adotadas.
A saída está no próprio ciclo e não em seu desmantelamento. As
instituições e órgãos que o compõem, do mesmo modo que culpabilizam o
insucesso na implantação de políticas, podem atuar de modo colaborativo com
objetivos em comum. Não se atua colaborativamente quando há sobrecarga nas
funções delegadas, ou quando não há estrutura financeira, física e estrutural, ou
quando não se está convencido de que a mudança proposta é a melhor.
Se por um lado a culpa pelo insucesso na implantação de política pode ser
atribuída a diversas esferas, a responsabilidade pelo sucesso da política
permanece na esfera que a propôs, ou seja, o mérito pelo sucesso nem sempre é
partilhado.
O processo de colaboração para implantação de políticas não é passivo,
pelo contrário, é tenso, e é interessante que não seja uma colaboração acrítica,
porém o foco deve ser mantido no bem coletivo, nos ganhos que a sociedade
pode ter com a implantação da política, uma vez que a culpabilidade não traz
benefício algum, além de constituir-se como desperdício de dinheiro público.
A legitimidade de uma política é flexível de acordo com a cultura e os
valores que lhe são atribuídos pelos grupos envolvidos em seu processo de
implantação, ou seja, a legitimidade "incide na esfera da consensualidade dos
ideais, dos fundamentos, das crenças, dos valores e dos princípios ideológicos"
(WOLKMER, 1994, p. 180).
Declarar um direito é muito significativo. Equivale a colocá-lo dentro de uma hierarquia que o reconhece solenemente como um ponto prioritário das políticas sociais. Mais significativo ainda se torna esse direito
114
quando ele é declarado e garantido como tal pelo poder interventor do Estado, no sentido de assegurá-lo e implementá-lo (CURY, 2002, p.259).
Estabelecer na legislação um direito não assegura a garantia de sua
efetivação. A postura do Estado caracteriza-se em propor o máximo e delegar sua
execução interferindo minimamente nesse processo, mas exigindo o máximo dos
atores educacionais. O fato é que educação demanda grandes investimentos e é
coerente que o Estado, enquanto responsável por ofertar educação, destaque-se
não apenas como propositor de políticas, mas como viabilizador e incentivador
das suas concretizações.
115
Conclusão
Esse estudo buscou analisar as percepções dos professores dos anos
iniciais do ensino fundamental sobre a ampliação do nível de ensino, de oito para
nove anos de duração. A coleta de dados por meio dos grupos focais levou a
entender que os professores têm posicionamentos acerca das políticas
determinadas e implantadas na escola, no entanto falta-lhes espaço e tempo
para que as discussões sejam promovidas. Quando espaços para discussões são
gerados torna-se perceptível a compreensão e a relação do professor com a
política em seu contexto de atuação, além de permitir que possíveis tomadas de
decisões coletivas acerca da política sejam feitas.
Foi constatado que não há uma cultura de participação dos professores na
elaboração de políticas educacionais, ou seja, os professores estão alheios aos
debates que envolvem a sua área de atuação. A falta de envolvimento dos
profissionais da educação na proposição e elaboração de políticas não é uma
questão de escolha dos professores, mas da ausência de abertura para a
participação. O seu papel, no contexto das políticas educacionais, está
circunscrito na concretização em sala de aula.
A determinação de políticas educacionais está condicionada as condições
de trabalho dos professores para a sua efetivação, de modo que o
convencimento do professor no processo de implantação de políticas em sala de
aula não está relacionado apenas a uma opção pessoal ou de formação
profissional, mas aos recursos disponibilizados a ele. Os improvisos do professor
pela falta de materiais não pode ser regra na implantação de políticas.
Essa pesquisa tratou de uma política em fase de implantação já que em
Marília e na maioria dos municípios do Brasil o ensino fundamental de nove anos
ainda está em curso, visto que poucos sistemas educacionais implantaram a
política em 2004, primeiro ano de implantação. Desse modo, poucos concluíram
essa etapa de ensino por completo.
116
Os dados analisados pela presente pesquisa forneceram elementos para
afirmar que as políticas de fato, são interpretadas de diferentes maneiras em
contextos diversos e, mesmo nos contextos semelhantes, entendemos como Lima
(2001, p.94), “os atores escolares não se limitam ao cumprimento sistemático e
integral das regras hierarquicamente estabelecidas por outrem”. As políticas
externas traçadas para as escolas provocam mudanças significativas no interior
delas, mas não contemplam a sua totalidade.
Os discursos dos professores coletados neste estudo apontam que a
implantação do ensino fundamental de nove anos trouxe novas exigências para a
atuação docente e para o contexto escolar, apesar dos espaços e estruturas
físicas serem os mesmos e as salas de aulas continuarem lotadas. Nos seis
grupos, os professores afirmaram que houve mudanças em sua prática
pedagógica após a implantação do ensino fundamental de nove anos (categoria
2), sendo que 55% deles afirmaram serem mudanças em sua íntegra e 45%
afirmam serem mudanças parciais.
Contradições são perceptíveis nos discursos de mudança: 25% dos
professores alegam que não percebem mudanças ou diferenças com a ampliação
desse nível de ensino (categoria 1), e mesmo assim teriam mudado a prática
pedagógica, total ou parcialmente.
Ainda no contexto das contradições, destacam-se os dados obtidos na
categoria aumento das oportunidades de aprendizagem e qualidade de ensino,
em que 16, 5% dos professores discordam de tal fato (categoria 3). As mudanças
na prática pedagógica afirmada por todos não teve intensidade suficiente para
promover avanços na aprendizagem do aluno? Ou seria a reprodução do discurso
do outro, desprovido de reflexão, na afirmação de mudanças na prática
pedagógica?
Há vários indicadores que podem apontar a adesão do professor à política,
como a própria constatação da necessidade de mudança diante da realidade
educacional, da pressão por mudança, atendimento à burocracia que acompanha
a política ou o respeito às normas legais estabelecidas.
Segundo os professores do grupo 6 eles buscam novas formas e
alternativas para lidar com exigências, o que gera mudanças. Desse modo, a
política do ensino fundamental de nove anos convenceu o professor a aderi-la.
117
Verificando as percepções parciais e na íntegra dos professores nas
categorias 1 (novidades e diferenças constatadas na política implantada), 2
(mudanças na prática pedagógica) e 3 (aumento das oportunidades e da
qualidade de ensino), pode-se dizer que as percepções dos professores em sua
grande maioria conferem com o que fora disseminado inicialmente por meio do
texto político, ou seja, 75% dos professores de todos os grupos (parcial e na
íntegra) perceberam novidades e diferenças com a implantação do ensino
fundamental de nove anos, 100% dos professores afirmaram ter mudado a prática
pedagógica e 83,5% entendem que com a implantação da política houve o
aumento das oportunidades e da qualidade do ensino.
Quanto à categoria 4, todos os grupos com maior ou menor incidência
apontaram a questão do espaço físico adequado como elemento essencial para o
desenvolvimento da política do ensino fundamental de nove anos.
Assim como a determinação de uma política educacional não é transposta
automaticamente às escolas, do mesmo modo prover os espaços, materiais e
formação docente apropriada não se convertem em mudanças práticas se o
professor não estiver convencido dessa importância e necessidade em seu
contexto de atuação.
Nos grupos 1 e 2 (escola A), 100% dos professores concordaram que
houve mudanças na prática pedagógica, no entanto 100% dos professores que se
manifestaram no grupo 1 entendem que tais mudanças são parciais, enquanto
100% dos professores do grupo 2 entendem que houve mudanças como um todo.
No mesmo grupo (2), os professores não constataram o aumento das
oportunidades de aprendizagem e melhoria da qualidade do ensino.
Essa aparente incoerência constatada nas discussões pode se justificar se
as mudanças propostas pela política não coincidirem com as expectativas de
mudanças dos professores.
Os dados coletados nos grupos 3 e 4 (escola B) são mais harmoniosos
que os demais grupos em relação a uma mesma instituição escolar, ou seja, não
apresentaram tantas discrepâncias, exceto na categoria 4, na qual os professores
indicaram o que contribuiria para a melhoria no ensino fundamental. O grupo 3
define os espaços adequados e os recursos humanos como prioridade. O grupo 4
118
aponta, também, os recursos humanos, mas observa que equipar melhor as
escolas é mais importante do que os espaços e estruturas da escola.
No grupo 5, 100% dos professores perceberam as novidades e diferenças,
o aumento das oportunidades e qualidade de ensino, mas não mudaram a prática
pedagógica. O argumento mais evidente está contido na categoria 4, em que
100% dos professores que se manifestaram entendem que o espaço e a
estrutura física adequada são necessários para pôr a política em prática.
No grupo 6, mesma escola do grupo 5, apenas metade dos professores
percebe as novidades e diferenças na implantação da política, mas mesmo assim
100% afirmam que houve mudanças na prática pedagógica, sendo que 50% deles
alegam serem mudanças na íntegra e 50%, mudanças parciais. A mudança na
prática pedagógica dos grupos que não percebem diferenças é influenciada pelo
modo como o professor desempenhava o trabalho no ano anterior, interferindo no
trabalho desenvolvido no ano seguinte? Um professor do grupo 5 defende que a
mudança “vai em cadeia influenciando as demais séries”; o professor do grupo 2,
que leciona no segundo ano, admite “eles vieram melhores”; e um professor do
grupo 4 reconhece que “o próprio aluno já cobra esse trabalho diferenciado”.
Nesse sentido, a relação indireta de um professor por intermédio do
trabalho realizado com o aluno vem contribuir com a formação do outro
professor. Lima (2001, p. 112) afirma que nem todas as mudanças que ocorrem
no interior da escola advêm das regras formais, as escolas mudam com
frequência, mesmo quando as leis se mantêm inalteradas.
Não são apenas as percepções dos professores sobre o ensino
fundamental de nove anos que o configura. As alterações ocorrem no contexto
prático e são representadas pelo modo como os professores agem em sala de
aula, nas mudanças relacionadas ao conteúdo trabalhado, a revisões curriculares
de maneira mais ampla, ou seja, ainda que em um primeiro momento as
mudanças não sejam visíveis ou se limitem ao discurso a alguns professores,
essas passarão a fazer parte do seu contexto de atuação e incorporadas as suas
práticas e nem sempre essa adesão lhe será explícita.
A tarefa de desvendar as percepções dos professores sobre o ensino
fundamental em contextos específicos constitui-se como um desafio em busca de
compreender os limites e o peso de uma política implantada que depende,
119
fundamentalmente, da concordância dos professores para se tornar realidade. Os
professores exercem micropoderes e tomam microdecisões que podem afetar as
decisões tomadas em esferas maiores (LIMA, 2001, p. 169).
No caso dessa investigação, a microdecisão de cada professor em aderir à
política foi constatada por meio dos dados coletados. Tais dados revelaram que a
maioria dos professores, embora tenha aderido à política, não demonstra
conformismo ou contentamento com o modo como ela vem sendo implantada.
Desse modo, ora culpam o Estado pela passividade em prover os espaços e
recursos necessários, ora a comunidade escolar por não acompanhar a vida
escolar do aluno, ou ainda a própria instituição escolar e sua organização
burocrática em demasia. A atribuição de culpas não é uma novidade, uma vez
que está enraigada em processos de implantação de políticas. A atribuição de
culpa ao outro não se constituiu em pretexto para rejeição à política, mas trata-se
de uma ansiedade dos professores para que todos os envolvidos no processo
façam a sua parte a fim de colaborar para a qualidade da educação ofertada no
Brasil.
Uma constatação penosa é a de que dificilmente o ciclo de culpas e
preocupações docentes ultrapassam os muros escolares, ou seja, não se
convertem em ações que poderiam exigir mudanças concretas. As críticas da
comunidade escolar ao ensino ofertado, também, ficam restritas a conversas
informais dos pais no portão da escola. São raras as vezes que compartilham
seus conflitos com a escola.
Mesmo que nem todas as insatisfações verbalizadas informalmente por
professores, pais de alunos e outros envolvidos no ciclo sejam levadas adiante ou
traduzidas em ações que promovam melhorias na educação, estas podem ser
analisadas como passos iniciais de reflexão sobre a política educacional. Não há
um posicionamento total de indiferença ao que é determinado legalmente pelo
Estado, pelas secretarias e pelas escolas.
Os professores têm percepções variadas sobre os temas e elas diferem
segundo as suas experiências de vida, de formação inicial e continuada, tal fato
constitui-se apenas como uma das etapas do ciclo de políticas de Bowe e Ball
(1992). As distorções provocadas pela própria política serão corrigidas contexto
da estratégia política e, para isso estabelecerão novos ciclos de política.
120
Mainardes (2006, p.61) afirma que a análise a partir do ciclo de políticas
captura “parte da complexidade do processo de formulação e implementação de
políticas.” Esse estudo elegeu as percepções dos professores sobre o ensino
fundamental de nove anos como foco de investigação e, o que aqui é
apresentado constitui-se apenas parte de um contexto mais amplo e complexo em
que se insere a construção de tais percepções, que não são permanentes e
variam de acordo com o espaço, tempo e sujeitos sociais e históricos.
121
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1
Apêndice
Transcrição do áudio da coleta de grupo focal – Escola A – grupo 1 (20/10/
2011)
Pesquisadora: O documento Passo a passo do ensino fundamental de nove anos
traz uma afirmação: O ensino fundamental de nove anos é um novo ensino
fundamental. É um novo ensino fundamental? Sim, não, por quê?
Grupo1: Eu acho que depende de cada Secretaria, porque quando eu trabalhava
em Osvaldo Cruz não dava muita diferença porque como eu trabalhava com
(crianças) cinco a seis anos é a mesma proposta que eu vejo as meninas
(professoras) trabalhando aqui. Agora não sei se aqui em Marília quando era de
cinco a seis anos e meio se era a mesma proposta que elas trabalham hoje.
Pesquisadora: Alguém concorda que varia de acordo com cada sistema de ensino
ou não?
Grupo 1: Sim(vários afirmam).
Pesquisadora: Há diferença significativa entre os anos iniciais do ensino
fundamental de oito anos e de nove anos?
Grupo 1: Eu não percebo nenhuma diferença, porque só acrescentou um ano e os
demais anos continua do mesmo jeito, com a mesma política educacional, a
mesma questão de atingir números e não vê qualidade, então na minha opinião
não mudou nada, só acrescentou (um ano).
Pesquisadora: Todos concordam com a professora?
Grupo 1: Sim.
2
Pesquisadora: Nos documentos de orientações do Ministério da Educação sobre
a implantação do ensino fundamental de nove anos as orientações que merecem
destaque é a aprendizagem por meio do brincar, considerada mais significativa, o
professor como mediador do processo de construção do conhecimento com aulas
mais dinâmicas em todos os anos do ensino fundamental. A prática pedagógica
de vocês sofreu alguma alteração com essa implantação política?
Grupo 1: Não. Por falta de espaço físico, por falta de material, de instrução até
mesmo de cobrança do sistema ele exige que você trabalhe de uma maneira que
não dá para priorizar o lúdico a todo o momento. No primeiro ano trabalha tudo
de maneira lúdica só que já é cobrado que os anos sejam silábico, silábico-
alfabético e até alfabético, então quer dizer que estamos queimando etapas
desses alunos.
Pesquisadora: Alguém mais?
Grupo 1: Talvez o lúdico tenha sido inserido para o primeiro ano, não para os
demais anos. Será que outros segundo, terceiro, quarto e quinto anos dá para
seguir essa política. Eu acho que não. Acho que só o primeiro ano que ainda
segue, não em todo o tempo, não como prioridade.
Pesquisadora: Entre as metas estabelecidas ao ensino fundamental de nove anos
está o aumento das oportunidades de aprendizagem e a melhoria da qualidade do
ensino-aprendizagem. Vocês constatam o alcance dessas metas?
Grupo 1: Eu acho que aí depende da metodologia de cada professor, é claro que
tem a organização da escola, trabalhar de uma forma conjunta, mas depende
muito da prática do professor.
Pesquisadora: A melhoria da qualidade está diretamente relacionada ao
pedagógico? E como alcançaríamos essas metas se elas estão relacionadas
diretamente ao pedagógico?
Grupo 1: Repensar os métodos?
3
Pesquisadora: O que vocês julgam ser necessário para a melhoria da qualidade
de ensino e para o aumento das oportunidades de aprendizagem? Repensar os
métodos é o que a colega colocou, mas é só isso? Porque se eu usar apenas
esse argumento eu estou afirmando que eu sou a única responsável pelo
processo educacional.
Grupo 1: Estrutura familiar, o sistema também.
Grupo 1: Acho que tem que parte de uma cadeia, não só o professor, desde a
política educacional que o governo queira que funcione estabelecendo as metas
compatíveis com a realidade. Se ele quer um resultado X tem que dar condições
Y para isso, para que não fique tudo a cargo do professor. Não adianta um
professor pegar uma sala que ele não tem material didático, não tem suporte
pedagógico, não tenha nada. Ele não vai fazer milagre. Ele é professor ele não é
santo. O governo quer isso então vamos dar suporte para isso.
Pesquisadora: E quais devem ser esses suportes?
Grupo 1: Primeira coisa é equipar melhor as escolas. Ter condições pedagógicas,
em informática: manutenção de computadores, biblioteca com um acervo muito
grande, o que não acontece, ter materiais de apoio, material humano para dar
apoio para essas crianças que em alguns casos precisa e também um incentivo
financeiro a mais ao professor, ninguém gosta de trabalhar por uma quantidade
menor. Só resultado também fica difícil.
Grupo 1: E até mesmo o número de alunos.
Grupo 1: Exatamente. O espaço físico que é também comprometido.
Pesquisadora: Então a melhoria dos equipamentos de informática, biblioteca,
material humano, incentivo financeiro, número de alunos reduzidos por sala,
espaço físico adequado melhoraria a qualidade do ensino-aprendizagem?
Grupo 1: Na minha opinião sim.
Pesquisadora: Por quê?
4
Grupo 1: Porque você teria mais condições de trabalho. Você não ficaria só ali:
giz e lousa. Você teria outros suportes para você fazer uma aula mais dinâmica,
mais interessante. Para que eles (alunos) pudessem se interessar... Porque só giz
e lousa, cópia, cópia, cópia... eles vão perdendo muito fácil o interesse hoje as
crianças não têm mais interesse e aí fica uma coisa mais pré-histórica também.
Pesquisadora: A ausência de condições de trabalho vocês culpam alguém?
Grupo 1: Silêncio...
Pesquisadora: A ausência das condições de trabalho seria culpa de quem? Da
política? De quem implanta a política? De quem se nega a implantar a política?
Grupo 1: Eu acho que é de quem implanta a política.
Grupo 1: Porque sempre tem aquela desculpa de que outras escolas estão em
uma situação pior. Quer dizer que do jeito que está a gente tem que ir levando
assim mesmo...
Grupo 1: Vamos implantar que todo mundo consegue.
Grupo 1: Eu também acho que é de quem implanta.
Pesquisadora: Então vocês não têm nenhuma discordância com a proposta
política do ensino fundamental de nove anos a sua fragilidade está na
implantação? É isso?
Grupo 1: Depende... Se você pensar na criança talvez ela tenha perdido um
pouco do lúdico, porque ela entrou na escola, ela fica cinco horas, geralmente a
maioria do tempo na sala de aula, ela não tem maturidade suficiente para ficar ali,
para ter atenção, aí no caso, o físico, para essas crianças, seria o mais
importante. Ter um espaço, ter um local para essa recreação, entendeu? Porque
você divide a quadra com outras pessoas... Você divide com o Segundo Tempo,
você divide com a educação física...
Grupo 1: E tem brincadeira que não dá para fazer na sala de aula. Dá para
proporcionar o lúdico, mas talvez se tivesse um espaço melhor... Só que aí
5
esbarra naquilo que a gente já falou, se a cobrança não é só da brincadeira, só do
lúdico, só em aprender brincando...
Grupo 1: Eu acho que essa implantação do ensino fundamental de nove anos é
mais assistencialista. Vamos implantar o Ensino de nove anos para colocar a
criança na escola...
Grupo 1: Mais cedo...
Grupo 1: Mais cedo. Não preocupado mesmo com a educação.
Grupo 1: Estava na lei e quando chegou os últimos anos esbarrou naquele
espaço de que não adiantava correr mais e tinha que implantar. Só que estrutura
não tinha...
Grupo 1: Não temos.
Grupo 1: A gente não sabe como ficaria se tivesse um espaço, se tivesse um
parquinho, se tivesse uma brinquedoteca, um espaço maior para brincadeira
porque a gente não vivenciou isso ainda. Eu não sei como que é em outras
escolas, por exemplo, que tem esse espaço, por exemplo... Uma EMEF que fica
do lado de uma EMEI, se elas podem estar frequentando a EMEI. Eu não sei
como é que é. Sinceramente eu não sei, mas aí ia depender muito do que fosse
cobrado e do que fosse esperado dessas crianças, porque se for esperado muito
da parte voltada para o aprendizado e a cobrança dela chegar ao nível... Vai
mudar muito coisa aqui no espaço? A gente vai frequentar esse espaço?
Pesquisadora: Para chegar aos níveis tem algum documento oficial que exige
isso?
Grupo 1: A proposta curricular do 1º ano, por exemplo, é chegar ao nível silábico.
Só que não é isso que cobra. No segundo bimestre já ficam pressionando: - Oh!
Tem tantos alunos pré-silábicos, não pode acontecer. No terceiro bimestre não
pode mais ter pré-silábico na escola. Então, no documento é silábico, mas não é
isso... Depois vão cobrando silábico-alfabético, alfabético. Tem as cobranças... Só
que não são no documento oficial.
Grupo 1: Os alunos que estão agora no terceiro ano, o que você percebe, eles
eram a antiga segunda série, mais ou menos, a qualidade continua a mesma, não
interferiu muito. O que você percebe é na disciplina, porque eles perderam aquele
momento de ficar um ano na EMEI fazendo atividades lúdicas para ficar na sala
6
de aula cinco horas, que você fica mais concentrada em atividade na lousa, é um
texto... então eles não têm muito tempo de sair, para criança vai afetando
também, vai se cansando do ritmo da escola, por isso é que tem que ir
modificando. Por enquanto você não vê diferença. Continua, assim, com as
mesmas dificuldades, não dá para perceber uma melhora.
Grupo 1: Meus alunos do segundo ano, que era a antiga primeira série, eles
vieram melhores. Eu já trabalhei na primeira série, eu já fiquei com um monte de
pré-silábico com sete anos e a gente está trabalhando um monte de texto... mas
chega uma hora, quatro horas...
Grupo 1: Eles cansam, não é?
Grupo 1: Já começam - Que horas nós vamos embora? Falta muito para gente ir
embora?- Porque já deu o limite deles.
Grupo 1: Eles saturam muito rápido. No primeiro ano eles ficavam assim: Que
horas que nós vamos sair?- A hora do lanche, a hora do brinquedo, eles cansam
rápido. Até a hora do recreio dá para desenvolver atividades, depois não dá mais,
eles não aguentam.
Grupo 1: Depois do recreio se você não tiver uma atividade xerocada, uma
atividade de pintura, acaba.
Grupo 1: A brinquedoteca é uma hora que daria para você ficar ali, que fosse
duas vezes por semana, porque são atividades dirigidas, quadra, parquinho...
Pesquisadora: O espaço para o lúdico seria só para o primeiro ano?
Grupo 1: Não para todos.
Grupo 1: Outra dificuldade que eu senti esse ano foi que: primeiro ano cobra
palavra, a primeira avaliação que nós fizemos do segundo ano foi texto. Então
teve aquela: - Ah! Mas ele era alfabético... – Quando escreve uma palavrinha, aí
escreveu um textinho, não é alfabético. Teve um monte de gente que me criticou
porque eu falei isso, que a sala era ruim, não era isso. A minha crítica é essa:
alfabetizou com palavras, na primeira avaliação (no segundo ano) tem que ser
com palavra, não com texto.
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Pesquisadora: Uma incoerência nos instrumentos de avaliação. Alguém teve
alguma outra dificuldade?
Grupo 1: Eu assim, em minha opinião, no primeiro ano, como disse a minha
colega ali, ela está sufocando a infância da criança, está matando uma fase da
criança. Eles estão colocando uma dificuldade em cima da criança que não é o
momento ainda para ela. Ela não está madura para aquilo. Então ela é forçada a
ficar cinco horas na carteira, cinco horas prestando atenção em alguma coisa e o
lúdico que é bom não tem, não é? Que é a parte que ela mais gosta, que ela pode
aprender daquela maneira ali... então acaba que aniquilando um pouco, a criança
se cansa muito mais cedo, quando ela chega no terceiro, quarto ano já está
estafada, ela não aguenta mais ver aquilo. Então é quando dá aquele desânimo
geral que você pode fazer o que você achar que é interessante que eles já não se
interessam tanto.
Grupo 1: Essa fase que ela comentou aí é uma fase em que eles estavam no
auge da brincadeira, tudo gostoso. A professora poderia até ensinar alguma
coisa, mas eles estavam brincando, na cabecinha deles. É um desgaste muito
grande para a criança. Às vezes a criança passa por um desgaste cognitivo que
se arrasta por certo período, as vezes chega no quarto ano que a criança não
consegue evoluir, está travadão. Pode ser que daqui a um tempo ele dá um
insight e ele vai... ele perdeu a fase da infância dele.
Grupo 1: Eles vão perdendo o interesse e vai gerando indisciplina em sala de aula
também.
Grupo 1: O aluno acaba ficando habituado aquela situação: é lousa, é caderno,
tem que fazer.
Pesquisadora: O que vocês destacam de positivo na política do ensino
fundamental de nove anos?
Grupo 1: É difícil coletar algo positivo porque ele é novo. Acho que vai ser em
longo prazo que nós vamos ver os resultados desses alunos que vão passar
pelos nove anos para saber o que realmente vai conseguir algo bom com isso. O
rendimento, o desempenho...
Grupo 1: A minha sobrinha está no primeiro ano (escola particular), o que ela está
fazendo agora é nível de terceiro ano, que eu olho, e eles tem que dar conta e
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eles dão conta. Será que os professores de lá tem a mesma dificuldade, ou será
que a estrutura familiar também influencia? Eles têm capacidade de aprender.
Pesquisadora: Se eles têm capacidade de aprender, no contexto da escola
pública, não aprendem porque não são ensinados...
Grupo 1: Não. É assim, porque a cobrança é de um jeito. Só que temos as
dificuldades com os nossos alunos, será que também não influi a estrutura
familiar, o apoio, o incentivo da família, de estar ali acompanhando ou também
pela falta de recursos materiais... Por que a estrutura de escola particular é
diferente da nossa.
Grupo 1: Na escola particular tem criança que acompanha.
Grupo 1: Mas é o que acontece no nosso primeiro anos. Tem criança que
acompanha bem, já está alfabetizada, com certeza a família influencia.
Grupo 1: As nossas praticamente têm que ir sozinhas.
Grupo 1: Depende muito do trabalho do profissional.
Grupo 1: Cada criança tem o seu ritmo, cada escola tem o seu foco, a clientela
tem a sua característica própria.
Grupo 1: Nós respeitamos os ritmos, mas será que o sistema quando implanta a
proposta respeita o ritmo? Não respeita, eles ficam pressionando.
Grupo 1: Não tem como uniformizar uma sala.
Grupo 1: Cada profissional trabalha de um jeito, tem um estilo diferente.
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Transcrição do áudio da coleta de grupo focal – Escola A – grupo 2 (20/10/
2011)
Pesquisadora: O ensino fundamental de nove anos é um novo ensino
fundamental?
Grupo 2: Não.
Pesquisadora: Por quê?
Grupo 2: Assim, pelo que eu vejo no primeiro ano, segundo ano, a gente está
trabalhando com as mesmas propostas, com o mesmo eixo de conteúdos. A
gente não tem uma estrutura dentro da escola para atender esses alunos que
vem com seis anos. Eu acho que não mudou muita coisa, não!
Grupo 2: Eu acredito que só mudou a idade, porque o jeito de trabalhar é a
mesma coisa. Eu trabalhei sete anos com a primeira série e estou a três anos
com o primeiro ano e trabalho como se eu tivesse com a primeira série, porque a
cobrança é essa. Eu acredito que ele deveria ser um novo ensino mesmo, não
sair crianças alfabetizadas (primeiro ano). Eu acho que isso não dá, porque aí
você acaba se perdendo e aí você tem que alfabetizar, você acaba tirando a
oportunidade daquela criança que tem um pouco mais de dificuldade ou precisaria
de um pouco mais de atenção, você acaba deixando e acaba ficando elas por
elas. Você não acha um novo caminho. Porque eu acredito que o ensino de
primeiro ano deveria alcançar a necessidade maior das crianças que tem um
pouco mais de dificuldade.
Grupo 2: Verdade.
Grupo 2: Porque quem aprende, aprende no primeiro ano, na primeira série,
entendeu? Ela vai aprender. Ela tem a facilidade de aprender. Só que hoje nós
temos, eu não tenho isso muito bem formado, mas nós temos muitas crianças
com muita dificuldade, não sei por que, não sei como, se é a minha visão, não sei.
E a gente não consegue ajudar essas crianças. Eu acho que se o primeiro ano
fosse realmente é... centrado em criar habilidades, em dar mais condições para
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essas crianças aprenderem elas iam ter sucesso, elas iam ter mais sucesso no
segundo ano. Por que a outra já tem mesmo, a outra já tem, não tem jeito.
Pesquisadora: E como seria criar essas habilidades e condições para trabalhá-
las?
Grupo 2: Eu acredito assim oh... é... O primeiro ano ele não... Eu acho que tinha
que trabalhar assim... tirar essa coisa de... essa... essa responsabilidade que o
professor tem, que eles acabam colocando não é? Que o professor tem que fazer
com que as crianças no final do ano saiam escrevendo texto. Acabou. A partir do
momento em que eu tenho que chegar em dezembro com a minha criança
escrevendo lá: O sapo não lava o pé, inteirinho... Acabou. Eu não consigo criar
outras habilidades, porque eu tenho que ficar ali. Aí eu tenho que passar aquela
criancinha, eu tenho que estar o tempo todo ali com ela, provando para ela que
ela não consegue, porque a minha ansiedade também atrapalha. Por que o
professor também é cobrado. Então, quer dizer, você fala: - Puxa vida eu tenho
que fazer. – Fulano vem aqui! Todo o dia. Gente, como é que se sente? A
coordenadora, a diretora todo dia chamar a mesma professora e falar: Oh, vem
aqui, vem aqui. Como é que você vai se sentir? É isso que a gente faz... E é
enganação falar que não faz isso. É mentira, porque faz mesmo. Então, é... A
gente... Se você não tivesse essa missão você faria muito mais leituras, você
trabalharia muito mais o oral, você faria outras coisas, trabalharia mais a
coordenação motora.
Grupo 2: O lúdico.
Grupo 2: Diversas coisas. É trabalhar como o supervisor quer na matemática,
como ele quer, por exemplo, que apresente o algoritmo de uma forma mais... mas
isso também na língua portuguesa, entendeu? A criança, ela vai conseguir. A
criança que tem mais dificuldade vai ser mais fácil para ela chegar no segundo
ano e ela... Puxa vida. Talvez, eu acho, eu não sei. Eu não tentei. Faz três anos
que eu estou no primeiro ano e eu nunca consegui isso, porque a ansiedade e a
cobrança é muito maior, então você vai mesmo. Então é... Acho que trabalhar
muito com o oral, muita leitura, trabalhar muito com o concreto e a gente não tem
tempo para isso.
Grupo 2: Não tem. O conteúdo é muito grande.
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Grupo 2: Você tem que alfabetizar.
Grupo 2: Não dá para você ter o tempo de brincar que é o necessário e
fundamental, não dá. A gente até tenta, mas a cobrança é tanta! Que nem fala, no
segundo bimestre tem que estar silábico e esses coitadinhos que não
conseguem. Às vezes não é o tempo dele naquele momento e aí você vai
focando nos outros que estão indo, aí você acha que aqueles lá que não
aprendem, você não consegue dar conta deles, porque os outros que aprendem
tão lá indo bem... E você vai ter que ajudar aqueles? Os outros atrapalham. E aí o
que acontece, não muda nada por que: vai se repetir. Esses que a gente não
consegue dar conta deles vão para o segundo e dá conselho7 no segundo ano,
vão pro terceiro ano, quarto ano, chega ao quinto ano são crianças que não estão
alfabetizadas direito, que não conseguem fazer uma situação problema, por quê?
Porque pulou essa fase. Essa cobrança é muita. Não que a gente não vá
trabalhar, a gente tem que oportunizar, desde a educação infantil a gente tem que
estar oportunizando sempre, mas não esse negócio de massacrar. No primeiro
ano a gente começa, acho que o professor e acho que... sei lá... todo mundo
começa a confundir que é a primeira série, aí eles começam cobrar e aí chega no
segundo ano, aí que seria para cobrar, eles já cobram outras coisas.
Pesquisadora: Então o acréscimo de um ano ao ensino fundamental aumentou a
cobrança?
Grupo 2: E quem perde é a criança.
Grupo 2: Não tem espaço para criança brincar.
Grupo 2: Eu acho que sim porque no primeiro ano a criança tinha que chegar no
final do ano silábica. Hoje a criança tem que chegar alfabética. Então a criança no
segundo bimestre, ela não pode mais estar silábica. Como é que uma criança, no
segundo bimestre, você não pode ter uma criança pré-silábica na sala.
Grupo 2: Que jeito?
Grupo 2: Se no final do ano qual é a meta? Não é ela estar silábica?
Grupo 2: A proposta fala isso só que eles cobram outras coisas.
7 O professor refere-se Conselho de Classe e Ano, que ocorre bimestralmente para acompanhar a situação dos
alunos que apresentam dificuldades na aprendizagem.
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Grupo 2: Por um bom tempo o que as crianças estão aprendendo agora com
cinco anos e meio, eles aprendiam com sete anos. Eu entrei na escola na
primeira série com sete anos e o estudo era esse. Depois começou para seis
anos, já diminuiu o que eu acho que corta muito o brincar da criança, o
desenvolvimento do lúdico. Por que eu acho assim que o primeiro ano funcionaria
se não tivesse cobrança. Se você não tivesse que provar que você fez aquilo.
Grupo 2: Eu acho que funcionaria mais se fosse trabalhado com o lúdico, com a
brincadeira, com outras coisas que fosse internalizando na criança alguns
conceitos.
Grupo 2: Desenvolvendo outras habilidades.
Grupo 2: Não é? Mais você não precisa provar oh o meu aluno sabe fazer
continha de mais, o meu aluno sabe escrever, o meu aluno... não! Eu acho que
funcionaria muito mais assim.
Grupo 2: No segundo ano, aí sim! O aluno já teria mais condições de aprender
aquilo, não é? Que está se trabalhando no primeiro ano agora. Então eu acho
que o erro está aí, não é?
Grupo 2: Pelo menos se fosse trabalhando isso ele iam amadurecendo esses
conceitos, não é? Porque eles chegam no segundo ano aí querem brincar,
querem fazer tudo o que não pode fazer, não pôde ter feito.
Grupo 2: E eu vejo outra coisa também, trabalhando com terceira e quarta série
esse tempo todo que eu trabalho aqui, eu estou vendo que depois dessa
implantação desse primeiro ano e mesmo dessas crianças que começaram a
entrar com seis anos na primeira série, o que aconteceu: nós estamos recebendo
lá na quarta série alunos muito imaturos, alunos que você já não consegue
conversar como você conversava antes, não consegue explicar que a gente
precisa ter mais... um jeito diferente de explicar aquelas mesmas coisas que a
gente trabalhou com outras séries anteriores, com outros alunos de outros anos
que eram mais fácil de ser trabalhado. Eles estão muito imaturos e eu acredito
que também estão muito cansados. É muito tempo em uma cadeira, não é? É
muito tempo tentando escrever. É muito tempo olhando pro erro deles, não é? É
muito tempo sendo massacrados muitas vezes, porque é igual a (colega) falou
aluno que tem facilidade ele vai aprender, agora o aluno que tem dificuldade para
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ele é um tormento ficar ali, cinco anos batendo naquela mesma tecla. E não é
porque a gente faz por maldade é porque a gente precisa mostrar resultados.
Pesquisadora: A proposta do Ministério da Educação não é a de entrar no mundo
letrado de maneira sistemática. É o aprender brincando, mas não com toda essa
cobrança. E porque a proposta não se materializa desse modo?
Grupo 2: Talvez por um erro de entendimento de quem planeja isso, não é? Os
maiores, não é? Porque a gente segue o sistema, não é? Então a gente faz o que
manda, a gente faz o que precisa fazer, não é? Então, de repente as pessoas que
estão em cima planejando isso, não tenham entendido direito, ou não sei...
Grupo 2: Eu já penso diferente. Para padronizar fica mais fácil colocar uma coisa
que todo mundo vai seguir, não é? Porque de certa forma nós somos controladas,
a gente tem que mostrar um trabalho, tem além de mostrar você tem que provar,
não é? Como elas falaram. Então, eu acho que eu vejo assim, que é mais fácil
para você manter um ensino de primeiro anos, que todos sigam a mesma coisa,
porque se cada professor resolver fazer do seu jeito, realmente vai ficar mais
difícil para alguém que está lá em cima ver o nosso serviço.
Pesquisadora: Essa padronização que você fala para alguns professores não
seria o momento adequado. Poderia ser padronizado, por exemplo, de uma
maneira diferente?
Grupo 2: Claro. Assim não tão rígido. E fora isso eu vejo que tem duas questões
que eu li no livro, que é a proposta, aquele vermelho8, o que eu entendi lá é que é
brincar, brincar, brincar... aí eu coloco: que condições estão sendo oferecidas
para esse brincar? Confusão: primeiro ano e primeira série, idade a gente
estudou... a gente sabe que cada idade requer um tempo da criança um
desenvolvimento, não é? Então existe uma confusão em termos de idade que a
criança de cinco anos não é a mesma de seis anos. Está certo que a gente conta
que cada criança tem um momento, as vezes tem precoce, as vezes, não é?
8 ensino fundamental de nove anos: Orientações para a inclusão da criança de seis anos.
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Tardia. Então são coisa que, não é? E outra coisa, além de tudo, que como uma
proposta, ela deveria ser discutida e até hoje... Estamos discutindo hoje. Não
sei... abertamente, mais a vontade a gente nunca teve um espaço para discutir
nem ensino de nove anos, nem inclusão. E paralelo ao ensino de nove anos a
inclusão. A gente deveria ter mais espaço para discutir isso, uma avaliação todo
ano, com... Mesmo porque não foi a gente que decidiu, não é? Eles falam houve
um Conselho, mas assim, é muito lá em cima, não é? Tem o representante, tem
vários representantes, mas é muito lá em cima.
Pesquisadora: Quais são os pontos positivos do ensino fundamental de nove
anos?
Grupo 2: Dentro da nossa realidade?
Pesquisadora: Sim.
Grupo 2: Eu acho que a criança ela... Por exemplo, você tem uma sala de vinte
crianças, quinze se alfabetizam, então elas conseguem. Então é um ponto
positivo sim. Lógico que é. Eu acho que se tem como antecipar... eu acho isso
muito legal. Os países de primeiro mundo todos eles entram. A criança entra com
cinco anos e meio na escola. E aí, porque que a gente não pode? Não é? Então
tem ponto positivos. Eu acho que vale a pena, sim! Só que tem que mudar um
pouco a formar de jogar esse primeiro ano.
Grupo 2: É igual o ambiente que a gente estava falando outro dia... Eu percebi
que eles ficam ajoelhados por que o próprio mobiliário não ajuda.
Grupo 2: Porque são cinco horas.
Grupo 2: Os pequenininhos ficam em pé para escrever porque fica melhor para
eles.
Grupo 2: Aí você vai querer uma postura para escrever. Como você vai querer
uma postura da criança do tamanho... Gente ela está cansada. Tem que ficar de
pé mesmo.
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Grupo 2: Eu acho também que a progressão interrompida, quando necessário,
deveria acontecer no segundo ano9.
Grupo 2: Ah! Com certeza!
Grupo 2: E não no terceiro. Isso daí continuou. No terceiro ano a exigência é
maior. Eu tive a oportunidade de trabalhar com a primeira série, quando as
crianças entravam com sete anos e também tive a oportunidade de trabalhar com
o segundo ano, sem terem feito o primeiro ano. Então a maturidade... é muito
diferente. Sabe? Os que tinham sete, na época dos sete, eu trabalhava com
quarenta alunos e conseguia dar conta, não é? E hoje a gente vê que não é bem
assim. Naquela época não era assim, as crianças levavam mais a sério, se
concentravam mais e hoje não. Então eu acho que a progressão interrompida,
quando necessária tem que ocorreu no segundo ano. Para que a criança tenha
mais oportunidade para se alfabetizar. No terceiro ano o conteúdo é...
Grupo 2: Aí a criança já não acompanha mais.
Pesquisadora: A reprova seria mais uma oportunidade?
Grupo 2: Mais uma oportunidade porque ela vai ter até o quinto ano para reforçar
os outros conteúdos. Eu vejo que seria mais, bem mais significativo... Por que o
segundo ano tem bastante conteúdo, mas não tanto como no terceiro.
Grupo 2: Mas então você concordaria que quando tinha a primeira série teria que
reprovar na primeira série?
Grupo 2: Não. Quando não tinha o primeiro ano reprova já era...
Grupo 2: Mas você acreditava que quando tinha o primeiro ano...
Grupo 2; Segunda série.
Grupo 2: Mas na primeira série não reprovava?
Grupo 2: Não. Não reprovava, mas já que tem o primeiro, que a progressão
interrompida acontecesse no segundo.
Grupo 2: Mas então... Se a gente pensa dessa forma então o segundo ano seria
o terceiro ano, aí a gente volta tudo naquilo que a gente começou. O segundo ano
é a continuação do primeiro ano. Se o primeiro ano não está funcionando legal
9 A Progressão Interrompida nos anos iniciais do ensino fundamental no município de Marília ocorre apenas
do terceiro ano em diante.
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assim... porque tem que diminuir, trabalhar mais com o lúdico, então o segundo
ano seria mantido a primeira série. O segundo ano, não o primeiro. Se você
reprova no segundo ano como é que vai ficar a antiga segunda série?
Grupo 2: Eu digo dentro dos moldes que o primeiro ano está se apresentando. É
claro, se mudasse, não é? Mas as exigências de que as crianças sejam
alfabetizadas no primeiro ano, tudo bem. Mas dentro desses moldes em que hoje
se apresenta eu acho que deveria sim.
Pesquisadora: Não iria contra um dos objetivos da proposta que é aumentar as
oportunidades de aprendizagem?
Grupo 2: Seria o ideal, não é? Mas eu não acredito que isso vá acontecer.
Grupo 2: Eu acho que diminui a oportunidade de aprendizagem. Quando você
deixa um aluno ir para outro nível que ele não está preparado ele não vai
acompanhar nunca. Ele vai chegar ao quinto ano sem conseguir acompanhar. Eu
acho que aí você diminui a oportunidade. Você parando ele em uma etapa que
ele ainda vai ter mais um ano com um pessoal do mesmo nível que ele, eu acho
aumenta a oportunidade e não diminui. Porque vem a fala: você vai frustrar
porque os colegas foram (aprovados) e ele não foi. Mas eu vejo como as
professoras do quarto e quinto ano que frustra quando chega nessa etapa que vai
se encerrar em uma escola e que ele vai ter que ir para outra realidade que vai ter
cinco ou seis professores por dia, aí é que ele vai se frustrar por que ele viu que
ele não conseguiu acompanhar. Na antiga primeira série foi um erro ter parado a
reprovação, porque eles teriam um ano a mais para aprender desde o começo.
Quando a criança vai para a segunda série, agora terceiro ano ela tem além de
dar conta de novos conteúdos. É aí que frustra. Então quem fez esse tipo de lei
infelizmente não pensou nas crianças.
Grupo 2: Nós temos que considerar a questão da maturidade. Ela pode não estar
madura ainda para a alfabetização.
Grupo 2: Tem tudo isso.
Grupo 2: E ela parando ali ela vai ter mais oportunidade.
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Grupo 2: Eu não sei, quando eu comecei eu achava que tinha que reprovar,
reprovar. Hoje eu não sei até que ponto uma reprova vai fazer com que a criança
aprenda alguma coisa. Eu não sei. O que nós professores, diante da realidade
que temos todos os dias, a educação e a Secretaria da educação... o que ela
pode favorecer para criança que reprovou? Nada gente. Eu sinceramente não sei.
Grupo 2: Eu acho que na questão da alfabetização sim. Na alfabetização, na
escrita de textos se ela parar ela vai ter mais oportunidade.
Grupo 2: Porque você vai ter outros problemas, você não conseguir dar conta
daquele problema.
Grupo 2: Vai ter problema psicológico.
Grupo 2: E a escola também não consegue dar conta. E quem consegue dar
conta? Então eu não sei até que ponto...
Pesquisadora: Vocês perecem melhoria da qualidade do ensino em relação ao
ensino fundamental de nove anos?
Grupo 2: Eu acho que ainda é cedo para verificar esse resultado. Nós só teremos
esse resultado quando a criança chegar lá no quinto ano.
Pesquisadora: E no quinto ano como pode ser essa avaliação?
Grupo 2: Eu acho que a gente não vai conseguir avaliar. Se continuar dessa
forma não vai. Porque na verdade a criança faz dois anos de primeira série e o
resto... Vai mudar o que? Se a criança se alfabetiza. Se eu entrego uma criança
de primeiro ano escrevendo texto, a professora do segundo ano tem que rever o
segundo ano. Você vai trabalhar com a criança que está escrevendo a música
inteira o A – E – I – O – U... Não vai mais.
Grupo 2: Aí tem os dois lados, não é? Você tem que avançar com esses e...
Grupo 2: Mas então como a gente faz? Como faz a vida inteira... Puxa aqui,
segura ali e aí a sala do segundo ano que deveria puxar mais um pouquinho, mas
já que tem aqueles alunos que não são alfabetizados... no terceiro ano também.
Então vai chegar no quinto ano da mesma forma.
Grupo 2: Muitas pessoas são contra, mas eu já sou a favor de se formar turmas
de acordo com as habilidades e dificuldades de cada aluno.
Grupo 2: Mas a gente não tem competência para isso. O Brasil não tem.
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Grupo 2: Não vai alcançar todas, mas eu acredito que assim dá mais resultado.
Pesquisadora: O ensino não seria seriado?
Grupo 2: É. Você ter quinze crianças em nível avançado e outras que ainda estão
na fase de alfabetização tudo junto ali, você ter que dar conta de tudo, a família
nem sempre manda para o reforço em período contrário, que ajudaria bastante,
mas...
Pesquisadora: Vocês concordam com a mudança proposta pela professora?
Grupo 2: No início do primeiro ano se exigia uma coisa, agora já estão exigindo
mais. Acho que deveria sentar e pensar no quanto essas exigências estão
fazendo mal ou não e refletir porque não está dando muito certo. De repente está
sobrecarregando as crianças. Então se tivesse uma mudança no primeiro ano
ninguém pode garantir se vai ou não dar certo, mas é uma tentativa, não é? Que
eu acho que poderia valer a pena.
Pesquisadora: Vocês discutiram aqui os problemas do ensino fundamental na
realidade de vocês e o município de Marília apresenta um bom Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica. Qual é a crítica que vocês fazem a esse
respeito?
Grupo 2: O que faltam são adaptações, no caso. Lógico, tem o seu ponto positivo
e tem o seu ponto negativo. Desde que instituiu: as crianças virão com seis anos,
primeiramente estrutura física da escola deveria ser revisto isso, adaptar uma
parte da escola para atender essas crianças. Já começa aí, já não tem.
Implantou, simplesmente jogou do jeito que está. Então vem crianças menores
com um mobiliário não adequado a elas, banheiro não adequado a elas,
bebedouros não adequados a ela, o espaço físico da escola não adequado a elas,
porque são crianças que precisam brincar, mas não tem espaço para brincar.
Então simplesmente diminuíram a educação infantil e aumentaram o ensino
fundamental. Foi só feito isso. Então eu acho que o que não deu certo foi isso.
Nós não estamos aproveitando o potencial que essas crianças têm, porque não
está sendo dada a oportunidade para isso.
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Grupo 2: Tem que ser revista a parte pedagógica a estrutura, o conteúdo. É outra
clientela, são outras crianças, são mais novas, outras necessidades.
Grupo 2: As crianças foram jogadas em um espaço que não foi preparado para
elas.
Grupo 2: Quando começou, não é? As professoras brincavam bastante mesmo,
porque a gente via. Mas como outras escolas estavam escrevendo quem brincava
se desesperou e começaram a alfabetizar.
Grupo 2: A preocupação maior é com o gráfico, não é?
Grupo 2: A Secretaria não tem uma proposta para o primeiro ano, se você
perguntar o que você tem que fazer, já fazem três anos e... Se você perguntar
qual é o conteúdo do meu primeiro ano, eu não sei. É primeira série, entendeu?
Eu tenho que alfabetiza com palavras, frases ou tenho que fazer texto? Não sei.
Entendeu? Na via das dúvidas o que eu vou fazer? Texto. Então eu vou
massacrar as minhas crianças. Matemática eu tenho que trabalhar o que? Mas
não tem uma coisa igual à grade curricular da primeira série, não tem. As outras
disciplinas a gente segue primeira série. Rever, eu não sei o que, na visão de
quem?
Grupo 2: Tem que fazer. Construir uma proposta.
Grupo 2: Agora pensando na criança de cinco anos chegar aqui. O que a escola
tem de atrativo para ela? O que é? Uma lousa, uma sala de aula?
Pesquisadora: O que seria atrativo?
Grupo 2: Quando eles iam para a EMEI, puxa vida! Lá tinha brinquedo, areia,
piscina, tinha alguma coisa que pelo menos enchia os olhos. E aqui, o que a
gente tem para atrair essa criança?
Grupo 2: Não é culpa dos professores, o que a gente vai fazer se é a questão do
físico mesmo. Não há espaço nem mesmo na quadra que é dividida pelas turmas
de alunos e Projeto Segundo Tempo. É uma luta! Não tem espaço para ela. Eu
fico com dó deles também na verdade.
Grupo 2: O material deveria ser apostilado, colorido com figuras, pelo menos para
o primeiro ano.
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Pesquisadora: A prática pedagógica de vocês mudou após a implantação da
política do ensino Fundamental de nove anos?
Grupo 2: Não. Como no primeiro ano não tem de onde tirar é praticamente uma
cópia da primeira série...
Grupo 2: Eu acho que uma coisa mudou no sentido da cobrança dos pais, porque
os pais, quando o filho não está se alfabetizando no primeiro ano também entra
em pânico por que fica comparando com outra criança, o vizinho, a família, que já
está se alfabetizando quando vem para o primeiro ano e o filho dele ainda não,
não é?
Pesquisadora: A cobrança dos pais é uma novidade?
Grupo 2: É... Não uma novidade, é um diferencial. Eles ficam meio que
desesperados.
Grupo 2: Aumentou.
Pesquisadora: E por que aumentou?
Grupo 2: Criança alfabetizada significa aprendizagem. Se o meu filho foi para a
escola ele tem que se alfabetizar. A professora tem cobrança dos pais e da rede.
Grupo 2: Essa cobrança já existia, só que na primeira série.
Grupo 2: Se você for ver a proposta não é alfabetizar. O pai quer que alfabetize.
Ninguém falou isso para os pais.
Grupo 2: Para ninguém. Primeiro ano é primeira série.
Grupo 2: A família tem pressa e não quer esperar o final do segundo ano para
que a criança seja alfabetizada.
21
Transcrição do áudio da coleta de grupo focal – Escola B – grupo 3
(27/10/2011)
Pesquisadora: O ensino fundamental de nove anos é um novo ensino
fundamental? Há diferenças significativas entre o ensino fundamental de oito e
nove anos.
Grupo 3: Em outra escola que eu trabalhava eu pegava duas turmas de quinto
ano e eu percebi assim que eles chegam mais comunicativos, mais participativos.
É diferente de quando o ensino era de oito anos. Eles eram alunos que vinham
alfabetizados, tinham rendimento, mas não participavam tanto das aulas, quanto
os alunos, nesses dois últimos anos que eu trabalhei.
Pesquisadora: A que você atribui o aumento da participação dos alunos?
Grupo 3: A esse trabalho que é feito no primeiro ano, do lúdico, de trabalhar a
oralidade da criança.
Grupo 3: A proposta do primeiro ano que a gente tem hoje é que, quando foi
implementado teve até um curso aos professores do primeiro ano, não é? Então,
eu no caso, peguei um primeiro ano e fiz um curso. Então é assim, é uma
proposta muito diferente do vinha se apresentando. Então você tem toda uma
rotina, todo um trabalho lúdico, muita aula fora da sala, pelo menos uma vez ao
dia você tem que sair da sala, que seja para uma história, para uma brincadeira...
Os alunos vêm mais dinâmicos. Acredito que eles venham mais...
Grupo 3: Exige mais do professor. Isso eu acredito, que exige muito mais do
professor, porque são aulas que você tem que elaborar mais pensar em todo um
contexto, pois você tem que incluir todas as disciplinas do conteúdo. Exige mais
do professor, mas eu acho que tem um resultado melhor.
Pesquisadora: Esse dinamismo é só no primeiro ano ou nos demais anos
também?
22
Grupo 3: Então, eu estou numa quarta série, não tem quinto ano, ainda não tem
uma proposta do quinto ano. Eu tento utilizar essa questão dinâmica para dar aula
e eu acho que você tem mais resultado.
Pesquisadora: Essa questão de ser mais dinâmica foi após a proposição política
do ensino fundamental de nove anos, ou isso já era seu?
Grupo 3: Então, quando eu entrei para dar aula, eu entrei com a proposta do
primeiro ano, porque eu entrei na rede e fiz o curso. Eu assumi o primeiro ano.
Então eu já peguei essa proposta e eu acho que vale a pena.
Grupo 3: Eu acho que se pensa mais na criança, nos movimentos, no seu aspecto
cognitivo, como que ele aprende e como ele se desenvolve. Acho que isso é mais
importante porque é mais significativo para a criança.
Grupo 3: O professor tem que propiciar essa significação para a criança. O que
ele vai trazer para a criança, o que ele vai propor. Isso tudo envolve um trabalho
lógico bem mais elaborado, não é?
Pesquisadora: Esse trabalho mais elaborado foi proposto com a política ou isso já
existia?
Grupo 3: Até existia, mas eu acho que com a implementação foi aprimorado mais.
Pesquisadora: Houve mudanças na prática pedagógica após a implantação da
política?
Grupo 3: Eu não sei... Vou fazer uma comparação. Teve crianças que vinham da
pré-escola, depois as que vieram do primeiro ano. Tem uma mudança porque
agora elas vêm melhores, então você tem que adaptar conteúdo, currículo para
trabalhar com essas crianças tão avançadas.
Grupo 3: A qualidade das crianças que vêm do primeiro ano melhorou, então a
gente tem que adaptar o conteúdo e tudo mais para adaptar essas crianças que
estão vindo do primeiro ano.
Grupo 3: Quando o atendimento da proposta do primeiro ano é efetivo, realmente,
nós recebemos crianças mais aptas, porque essa fase do desenvolvimento se a
23
criança vem estimulada corretamente, ela chega no segundo ano já com aquela
vontade de aprender, então ela está naquele nível esperado, então dali não tem
pressão. Não precisa ter aquela pressão: Ah! Nós precisamos alfabetizar é a
primeira série. Menos pressão, se foi trabalhado corretamente no primeiro ano.
São crianças que vêm melhor para o segundo ano.
Pesquisadora: Quando você fala que vêm crianças melhores, são melhores em
quê?
Grupo 3: Conteúdo, desenvolvimento, facilidade de aprendizagem.
Grupo 3: Percepção.
Grupo 3: Porque eu trabalhei naquela fase de transição, não é fulana? Primeira
turma. Eles vinham mais, eles tinham muito os hábitos da pré-escola. Eles
queriam até assim... Quando eles chegavam aqui no ambiente, eles não sabiam
como se organizar, porque é diferente. Sair da pré-escola para o espaço do
ensino fundamental é diferente. Então eles vinham com muita manha, às crianças
choravam muito, ele queria ainda ficar fora da sala de aula o tempo todo.
Grupo 3: O primeiro ano deu uma continuidade para o ensino infantil.
Grupo 3: É.
Grupo 3: Por causa do lúdico, por causa da oralidade, por causa da
experimentação. Então as coisas foram muito mais significativas do que quando
não tinha o primeiro ano.
Grupo 3: E preparou melhor.
Pesquisadora: Entre as metas estabelecidas pela proposta do ensino fundamental
de nove anos, está o aumento das oportunidades de aprendizagem e a melhoria
da qualidade de ensino. Vocês constatam o alcance dessas metas?
Grupo 3: Eu acredito que sim, na medida em que essa nova articulação das
ações do primeiro ano elas acarretam, consequentemente mudanças nas ações
do segundo ano em diante. As crianças pedem, a grosso modo, isso, não é?
Necessariamente a proposta impõe uma mudança em cadeia.
Pesquisadora: Há alguma melhoria que vocês julgam ser necessário para esse
processo de implantação do ensino fundamental de nove anos?
24
Grupo 3: Eu acho que o espaço físico seria interessante. Eu acho que a área
externa das escolas precisa ser melhor. Porque como ela falou tem todo esse
trabalho externo que o primeiro ano tem contemplado na proposta. Não é trazer
tudo que é da EMEI para dentro da escola, mas pelo menos ter os espaços
adequados para que tenha uma rotina e para que tenha uma continuidade, uma
preparação para o segundo ano em diante, com menos impacto. Para que a
criança chegue e seja acolhida de uma maneira mais tranquila.
Pesquisadora: Então a adaptação do espaço físico auxiliaria no processo de
ensino-aprendizagem? Como?
Grupo 3: Até enfatizando a importância do brincar, que é essencial. Sem brincar a
criança não aprende. Ela precisa ter esse prazer, ela precisa vir para escola e nós
oferecemos isso a ela, mas eu acho que se tiver mais espaço, mais oportunidade
isso vai ser mais significativo para criança.
Grupo 3: E não pode esquecer isso: brincar é essencial, nessa fase.
Grupo 3: Sobre os materiais. Nós estamos com uma nova criança e nós não
temos todos os materiais necessários ainda. Isso é fato. A nossa criança de
primeiro ano não é a criança de primeira série, então esse materiais também
tinham que ser adaptados. Nós não temos ainda em termos de quantidade e
qualidade suficientes para atender as necessidades das crianças.
Pesquisadora: Estamos falando em condições de trabalho?
Grupo 3: Sim.
Grupo 3: Eu acho que deveria ter um auxiliar dentro da sala do primeiro ano. Eles
são mais agitados, precisam de uma atenção maior, eles são dependentes. Então
uma auxiliar dentro de todos os primeiros anos ajudaria muito.
Pesquisadora: Ajudaria em que sentido?
25
Grupo 3: No apoio com aquelas crianças com mais dificuldades, na atenção que
tem que dar, por que o trabalho é individualizado, entendeu? Paras crianças
avançarem. Às vezes a professora sozinha não consegue dar atenção para todos.
Grupo 3: São crianças que vêm do brincar mais constante. Então eu acho que,
não que o brincar não seja valorizado, mas com menos intensidade. Porque a
valorização do brincar aí é mais voltada para a aprendizagem. Então, aí, envolve
uma atenção maior do professor em relação as crianças.
26
Transcrição do áudio da coleta de grupo focal – Escola B – grupo 4
(27/10/2011)
Pesquisadora: O ensino fundamental de nove anos é um novo ensino
fundamental? Quem atuava no ensino fundamental de oito anos e agora atua no
de nove anos, que diferenças podem apontar?
Grupo 4: Eu, como professora de primeiro ano, vejo esse ano que saiu da EMEI,
que a criança de seis anos vem para cá, há toda uma organização didática, com
uma proposta curricular diferente. Para o primeiro ano o ensino e novo.
Pesquisadora: E para os demais anos?
Grupo 4: Eu acredito que a proposta teria que ser vista como diferente, nova, uma
proposta mais dinâmica. Eu não sei exatamente se isso ocorre. Ou como o aluno
chega na quarta série com essas alterações.
Pesquisadora: Os professores que atuam nos demais anos podem falar...
Grupo 4: Eu acho até que está... Está chegando, não é?
Grupo 4: Eu acho que a partir da mudança da postura do primeiro ano está
modificando as demais séries, mas eu acho que é uma coisa mais devagar para
chegar até lá. É gradativa, não é? Eu acho que a gente já está modificando a
maneira de abordar um assunto, trabalhar de outra forma que englobe... que
envolva mais eles, não é?
Grupo 4: Então a criança já está vindo do primeiro ano com essa mudança. Está
exigindo da gente essa adequação.
Pesquisadora: Essa adequação tem a ver com a prática pedagógica de vocês.
Houve mudanças?
Grupo 4: Sim.
Pesquisadora: Em que sentido?
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Grupo 4: Na forma de organizar o trabalho.
Grupo 4: Fazer um trabalho mais globalizado, englobar tudo uma coisa na outra,
não é? Procurar trabalhar o lúdico com essa criança mesmo nas séries mais
avançadas para não privar isso deles. Trabalhar ligado, não é?
Grupo 4: Mais contextualizado.
Grupo 4: Eu acho assim, veio com o primeiro ano e já está respingando nas
demais séries, que a gente está tentando mudar para poder acompanhar esse
trabalho.
Grupo 4: O próprio aluno já cobra esse trabalho diferenciado. Começa no primeiro
semestre assim e no segundo semestre ele já está te cobrando, é mais crítico, ele
sabe se colocar, ele concorda, ele não concorda, tem essa abertura.
Pesquisadora: Então o trabalho desenvolvido no primeiro ano é determinante
para...
Grupo 4: Que as demais séries continuem, não dá para quebrar, senão o aluno
vai sentir muito.
Pesquisadora: Entre as metas estabelecidas para o ensino fundamental está o
aumento das oportunidades de aprendizagem e a melhoria da qualidade de
ensino. Vocês constatam o alcance de tais metas?
Grupo 4: Eu vejo que, com facilidade, é possível constatar a qualidade pelo
resultado que apresenta no final do ano.
Pesquisadora: Que resultados?
Grupo 4: Resultado positivo.
Pesquisadora: Hã...
Grupo 4: c
Grupo 4: Eu acho que as oportunidades também.
Pesquisadora: Essa preocupação com a alfabetização é sua ou do sistema?
28
Grupo 4: É do sistema, é minha, com certeza.
Pesquisadora: A melhoria da qualidade foi constatada no primeiro ano e nos
demais anos?
Grupo 4: Vai chegando mais nesse findando e a gente já vê, já nota resultados
positivos com eles. É uma série que, como eles já tiveram a experiência do
primeiro aninho, então agora, depois da metade do ano, a gente já... já...
consegue ver, já consegue notar a evolução que eles tiveram.
Pesquisadora: Evolução em que sentido?
Grupo 4: Então... Na alfabetização, na matemática também e nas outras matérias,
mas é mais assim, na leitura, eles já lêem melhor, eles já escrevem melhor.
Grupo 4: Principalmente no envolvimento, no interesse e na participação.
Grupo 4: Eu vejo que essa nova proposta envolve muito a criança.
Pesquisadora: Você acha que esse envolvimento da criança é exclusivo dessa
política do ensino fundamental de nove anos?
Grupo 4: Eu acho que já vem de outras. Porque há treze anos eu trabalho e há
treze anos eu procuro criar estratégias para prender o meu aluno, não é? Posso
não trabalhar como essa proposta vem abordando...
Grupo 4: Essa já é uma estratégia anterior, só que ela foi intensificada. Já tem
uma proposta didática voltada para ela. Então o professor de primeiro ano não
tem como fugir disso, não é? A proposta curricular já envolve o aluno, o professor
na própria organização dele já tem que pensar dessa forma.
Grupo 4: Antes o meu envolvimento com o trabalho também era assim, só que eu
acho que está mais intensificado agora. Porque eu acho que está assim...
Grupo 4: Centrado.
Grupo 4: Mais contextualizado. Uma coisa já vai ligando a outra e eu acho que
era isso um pouco que faltava. Porque as estratégias, o lúdico, a gente procurava
realmente trabalhar antes para criar a atenção, para prender a atenção, para
chamar a atenção, trazer bolo para trabalhar fração, criar estratégias, não é?
29
Então eu acho que estava faltando o contextualizar tudo de uma forma
significativa e não assim utópica, não é? Nem criar problemas muito pejorativos e
tal, para entrar nisso, para prender mais a atenção deles, para o conhecimento
ser mais significativo.
Pesquisadora: O que vocês veriam como necessário para favorecer a
implantação do ensino fundamental de nove anos?
Grupo 4: Opa! Um parque, um local adequado, uma areia. Eu sinto muito isso
porque eu tenho filhos nessa idade também e eu acho fundamental e um dos
meus registros na escola deles eu coloquei: Pelo amor de Deus não tirem o
parque. Todos os dias. Porque o brincar é uma aprendizagem, dá para se
trabalhar muita coisa. Então eu acho que falta nas EMEFs esse parque, esse tipo
de local. Porque a gente tem alguns espaços, mas nada como o próprio, não é?
Grupo 4: E eu acrescento mais uma coisa, eu acho que a atualização do
profissional. Não descarto. Porque essa é uma proposta, que por ela ser nova,
envolve muita pesquisa do professor. Ele tem que buscar, tem que se atualizar,
tem que correr, tem que pesquisar, envolvendo os seus alunos nesse processo
também. Então tudo isso que a fulana falou é importante e faz falta, mas o
profissional também tem que estar se atualizando e se interando.
Pesquisadora: E como deve ser essa busca do professor?
Grupo 4: Ah! Eu acho que tem várias formas.
Pesquisadora: Hã...
Grupo 4: Cursos, capacitações, voltar a estudar de novo.
Pesquisadora: Essa busca seria pessoal ou na formação em serviço?
Grupo 4: Acho que ambos, tanto pessoal quanto profissional.
Pesquisadora: Espaço físico adequado e formação profissional seria a solução?
30
Grupo 4: Eu acho que a gente nunca resolveria tudo, sempre a gente vai querer
mais.
Grupo 4: Uma lousa eletrônica, data show na sala... Você quer que a gente faça
uma lista? A lista é longa. (risos).
Grupo 4: A gente tem que sempre buscar o sonho. É sempre sonhando para
poder objetivar. Os computadores há treze anos era um sonho, tinha um male má
na escola, agora temos pros alunos, não é? Quem sabe mais para frente... é
muito importante para essa busca também.
Pesquisadora: Voltando a questão da formação de professores quais seriam os
temas que vocês julgam ser necessários?
Grupo 4: Eu acho que desde uma legislação, acho que é fundamental conhecer,
sobre alfabetização que todos nós trabalhamos e outros cursos também.
Grupo 4: Eu acho que entender o como a criança aprende o processo. Fica muito
mais fácil para o professor agir entendendo como ocorre a aprendizagem.
Grupo 4: Eu acho que a psicologia também é tão importante para gente. Para
gente atingir determinado objetivo em uma criança a gente tem que ter o dom da
observação, não é? Tem que observar muito para ver que caminho tomar. Não
assim o curso psicologia, mas algumas orientações nessa área.
Grupo 4: Compreender o que é a concepção de criança hoje em dia, já não é a
mesma de dez, quinze, vinte anos atrás. Todas essas áreas: Psicologia,
Sociologia.
Pesquisadora: Vocês teriam tempo e disponibilidade para fazer esses cursos?
Grupo 4: O tempo é pouco.
Grupo 4: Já tive mais oportunidades.
Grupo 4; Tenho que esperar os filhos crescerem.
Pesquisadora: Então o que fazer com a falta de tempo?
31
Grupo 4: Arranja-se um tempo.
Grupo 4: A Secretaria deveria ter uma programação de formação de professores
em serviço. Seria superimportante.
Grupo 4: No próprio Horário de Estudo Coletivo – HEC – meia hora para ter uma
base.
32
Transcrição do áudio da coleta de grupo focal – Escola C – grupo 5
(30/11/2011)
Pesquisadora: O ensino fundamental de nove anos é um novo ensino
fundamental? Há diferenças significativas entre o modelo anterior e o atual? Tem
alguma novidade aí?
Grupo 5: No caso que eu achei assim que foi diferente que facilitou melhor eu
achei que foi ter colocado as propostas, ainda falta do quarto ano e da quarta
série. Fica mais fácil para o professor visualizar aquilo que ele tem que
desenvolver no ano. O diagrama eu achava muito comprido, muito extenso é, às
vezes, a gente se perdia nele, porque é coisas se repetiam, então, às vezes, você
poderia ter trabalhado no mesmo contexto. Eu acho que ajudou um pouco nisso.
Pesquisadora: O que contém nessa proposta?
Grupo 5: Vocês querem falar gente? Porque eu me...
Grupo 5: No (nome da escola)... quem trabalha aqui...
Pesquisadora: São os conteúdos?
Grupo 5: Contém todas as expectativas, os conteúdos que precisam ser
cumpridos. É diferente do diagrama de conteúdos, não é? Para mim... É... A
minha opinião é que é um novo ensino fundamental. Isso porque nós estamos
recebendo crianças de seis anos na escola e acho que, principalmente para nós
de primeira a quarta-série antiga, agora do primeiro ano ao quinto ano, é uma
diferença muito grande. Antigamente nós recebíamos do ensino... da educação
infantil alunos pré-silábicos e na primeira série que a gente ia começar todo esse
trabalho. Então esse ano anterior, esse primeiro ano, que trabalho muito com o
lúdico, com a ludicidade, que trabalha aspectos assim não só da educação
infantil, mas introduzindo essa proposta que a fulana comentou, eu acho que
modificou muito, melhorou muito para quem recebe essa criança no segundo ano,
no terceiro porque ela melhorou muito. Para mim é um novo ensino fundamental.
Pesquisadora: Então você acha que as escolas de ensino fundamental trabalham
melhor essa construção do conceito da escrita que as EMEIS?
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Grupo 5: Sim. Eu acredito que sim. Não que os alunos deixem de brincar deixem
de realizar atividades que realizavam na educação infantil, mas há um
aprofundamento maior em relação a alfabetização. Com certeza! Tanto que aqui
na escola nós temos mais de 50% dos alunos do primeiro ano já alfabetizados.
Não que tenham ficado o tempo todo só na sala de aula, mas participaram de
outras atividades e mesmo assim favoreceu que essas crianças chegassem em
níveis alfabéticos, não é?
Grupo 5: Nós temos um índice muito bom de alunos alfabéticos, agora.
Pesquisadora: Alguém tem um posicionamento diferente?
Grupo 5: Não.
Pesquisadora: Após a implantação do ensino fundamental de nove anos, o que
mudou na prática pedagógica de vocês?
Grupo 5: É difícil, não é?
Grupo 5: Eu não sei se a nossa prática mudou totalmente, eu acho que a nossa
visão mudou, não é? A visão que a gente tem hoje, do que a gente tem que fazer
de como tem que ser trabalhado é diferente, justamente, por conta disso, ele
estão chegando com outros níveis, estão chegando melhores e a gente precisa se
adaptar a isso, não é? A esse tipo de aluno que a gente está recebendo agora.
São alunos que estão mais habituados a ficar fora da sala, a fazer atividades
diferentes e a gente precisa se adaptar a isso.
Grupo 5: Eu não sei se a prática da sala de aula mudou muito, mas a gente tem
que se adaptar.
Grupo 5: Há algumas propostas diante da implantação do ensino fundamental de
nove anos e com as propostas que eles, que a própria Secretaria (da Educação)
elaborou para estar realizando esse trabalho na sala de aula, a gente percebe
que as expectativas, os conteúdos, continuam os mesmos, como a fulana
comentou, mas há um direcionamento maior dentro dessas expectativas e desses
conteúdos a serem trabalhados. Acho que melhorou por conta dessa
visualização. Nós temos uma proposta para cada ano, não é? No ano que vem
vai ser implementado a do quarto e do quinto ano também. Então tem um
34
direcionamento do que ensinar e como trabalhar, com orientações didáticas,
expectativas, conteúdos. Então isso tudo favorece também o trabalho do
professor, mas a prática dele está sendo diante desses novos alunos que vêm
chegando. Eu acredito que seja assim.
Pesquisadora: Falem um pouco como é construída a proposta.
Grupo 5: A proposta do primeiro ano já veio pronta para nós.
Grupo 5: Todas.
Grupo 5: Lembra quando eles passaram aquele negócio, que nós até fizemos no
planejamento?
Grupo 5: Para reorganizar o diagrama?
Grupo 5: Isso tem a ver com a organização da proposta, não foi?
Grupo 5: Essa não. A proposta, ela já vem elaborada pela equipe técnica da
Secretaria, aí aqueles quadros... é que eles estão tentando direcionar para uma
proposta.
Grupo 5: Então. Nós fizemos antes.
Grupo 5: Mas o primeiro ano veio pronta.
Grupo 5: Não. Eu sei que veio pronta, mas a gente sentou um tempão para
reelaborar.
Grupo 5: O que achava no diagrama que, as vezes poderia não...
Grupo 5: Mudar a ordem, não é?
Grupo 5: O que poderia tirar o que poderia colocar...
Grupo 5: Olha, é voltando um pouquinho... A grande diferença é a partir do
primeiro ano, para nós já veio tudo meio pronto, não é? Mesmo porque era tudo
muito novo. Para nós é tudo muito exigido. É... Hoje o diferencial para nós é o
lúdico, tanto é que teve professores que teve que trabalhar o eu para mudar a
didática mesmo, porque tem que estar implementando, na cabeça dele é uma
primeira série, não é. Porque são alunos com cinco anos e meio e não seis, a
grande maioria, então, assim, quer queira ou não, são bebezões, mas não que
não tenham capacidade de aprender, muito pelo contrário, tem sim. Só que a
grande mudança começa daí, não é?
Grupo 5: Melhorou–se o nível, mas o x da questão é o primeiro ano.
Grupo 5: Por isso que eu acho que tem que ter mais oficinas, essas coisas, na
Secretaria para ajudar o professor a trabalhar.
35
Grupo 5: Então, nós tivemos cursos mesmo, no primeiro ano, quanto as
brincadeiras, porque a gente não tinha muita noção quanto a isso, embora a
gente tenha feito o magistério, pedagogia, mas a gente não tinha esse suporte
para isso. Então eles deram um curso mesmo para gente, foi bom, eu mesma fiz,
só que conforme foi passando esses anos foi vendo que as crianças davam uma
resposta muito boa, aí começaram a cobrar muito mais de nós.
Pesquisadora: E quais são essas cobranças?
Grupo 5: Então... É mesmo para gente estar ensinando através do lúdico. Porque
aqui não tem um tanque de areia, não tem um trepa-trepa, não tem um balanço,
não tem os brinquedos.
Grupo 5: Não tem os recursos da EMEI.
Grupo 5: É, e eles tem essa necessidade. Porque ninguém aguenta ficar cinco
horas sentado, principalmente com cinco anos, não é?
Grupo 5: Se fosse em uma cadeira, pelo menos, do tamanho deles.
Grupo 5: É.
Grupo 5: Para começar a partir daí, não é?
Grupo 5: Estrutura não tem, então a gente teve que se adaptar a isso.
Pesquisadora: Essa seria uma questão posterior que seria colocada. O que você
julga ser necessário para a melhoria da qualidade do ensino. E o que é
necessário? Vocês falaram do espaço físico...
Grupo 5: Isso é fundamental.
Grupo 5: Até a sala de aula. Juntar tanta coisa que vocês juntam. Material
reciclado, cantinho da experiência, cantinho da leitura... uma sala de aula não
comporta.
Grupo 5: Sem contar as mesas, não é? Eles ficam com os pezinhos balançando.
Grupo 5: Eles sentam igual indiozinho na cadeira e não adianta cobrar muito
porque, realmente, ficar balançando lá dói. Mas eu quero dizer que embora tenha
muita cobrança a gente tem um grande respaldo. A coordenadora tem nos
ajudado muito quanto a isso. Ela cobra muito, mas ela tem nos auxiliado muito
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quanto a isso. A parte lúdica, trabalhar com histórias, lá fora também... Então é...
não é fácil trabalhar com o primeiro ano, não. É muito difícil, só que é muito bom.
Grupo 5: As vezes você pensa: Ah! Vamos lá fora. Mas não tem nada lá fora. Aí
vamos trabalhar com sucata, daí junta sucata e não tem onde guardar... As
oficinas de arte, também não tem onde por tudo isso.
Grupo 5: As vezes você olha na internet, e não é escola particular, não. Aquela
sala bonita, com tudo pequenininho para eles, aquela estantezinha de livros... Eu
acho que isso ajuda.
Grupo 5: Tudo adaptado, não é?
Grupo 5: O aluno chega e não vai se sentir um peixe fora da água, não é?
Pesquisadora: Entre as metas do ensino fundamental de nove anos está o
aumento das oportunidades de aprendizagem e a melhoria da qualidade do
ensino- aprendizagem. Já falamos um pouco sobre isso. Vocês constatam
alcance dessas metas?
Grupo 5;Eu trabalhei com segundo ano em 2009. Ah! Eu vejo o segundo ano
hoje, a qualidade é totalmente outra. É que nem vocês falaram. Você pegava a
criança que vinha com o caderno assim, que não sabia onde começava, onde
terminava. Então o tempo era muito para isso. Para ajudar a criança na direção
da escrita, no uso do caderno, o próprio trabalho em sala de aula para ela se
adaptar. E aí, eu fiquei sem sala esse ano, então eu tive a oportunidade de
presenciar quase todas as salas, você vê que mudou muito, coisas que você teria
que ensinar no quarto ano já dá para trabalhar no terceiro... não é? Que nem as
quatro operações, eu acho tão bonitinho no segundo ano o conceito, a formação
já.
Pesquisadora: Isso é fruto da implantação do primeiro ano?
Grupo 5: É.
Grupo 5: Vai em cadeia influenciando as demais séries.
Pesquisadora: As melhorias que vocês apontaram como necessárias auxilia no
processo de ensino-aprendizagem do aluno. Qual seria essa relação?
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Grupo 5: Eu acho que ajudaria na questão do comportamento. As crianças
ficariam mais calmas, mais adaptadas ao espaço e isso ajuda o profissional no
que ele tem que trabalhar.
Grupo 5: Eles não estão acostumados a ficar cinco horas na sala de aula.
Grupo 5: Eu acho que com os materiais, com os recursos lá fora, eu acho que
ajudaria a dar uma acalmada, eles não ficariam tão ansiosos.
Grupo 5: É. E a mudança de atividades durante o dia.
Grupo 5: A troca de ambiente.
Grupo 5: Com certeza iria favorecer a aprendizagem deles.
Grupo 5: E é fundamental mesmo, para você ter uma noção. Só o fato de a gente
sair uns cinco minutinhos para dar uma volta na escola, eles já criam uma alma
nova. Então seria fundamental mesmo esses materiais e recursos.
Grupo 5: Uma brinquedoteca, um tanque de areia, um quiosque.
Pesquisadora: Como vocês não têm esses recursos, como acaba acontecendo?
Grupo 5: Então... a gente tem que se virar nos trinta, não é?
Grupo 5: Vai adaptando, não é?
Grupo 5: Vão criar coisa do arco da velha...
Grupo 5: Tem que ser artista.
Pesquisadora: Qual é a principal diferença entre o ensino fundamental de nove
anos e o de oito anos?
Grupo 5: Eu não cheguei a dar aula no ensino de oito anos, eu entrei com o
ensino nesse novo formato. E eu, como professor do primeiro ano, pensando na
primeira série que eu fiz, eu não vejo muita diferença entre a minha primeira,
quinta, sexta e sétima série. Parece que eu já entrei na primeira série já tendo que
me adaptar a esse formato da escola, de como funcionava todo o restante do
ensino. Agora eu acho que a principal diferença é logo na entrada, não é? Com
esse primeiro ano, ele tem uma adaptação melhor, uma chance de se adaptar de
uma maneira mais amena, não é?
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Grupo 5: Uma flexibilidade.
Grupo 5: O lúdico, que diferenciou muito. Às vezes, em escola que você
trabalhava, se você saísse tanto de sala de aula, igual os professores saem hoje:
Ah! Tá matando tempo. Hoje não, é visto como necessidade, como uma forma da
criança aprender mais e aprender em outros ambientes da escola. Para mim ficou
isso: a valorização do brincar.
Grupo 5: Hoje em dia é bem cobrado.
Grupo 5: Como eu já fui estagiária e já trabalhei algum tempo, tinha professores
que já tinham essa cultura e os outros professores falavam: Nossa! Como sai da
sala. Olha! Está matando o tempo...
Grupo 5: Era outra concepção e aprendizagem, não é?
Grupo 5: Então. Hoje não. Hoje tem que fazer isso.
Grupo 5: Isso começa no primeiro ano, aí eles vão pro segundo ano e eles
cobram.
Grupo 5: E a gente também com o contato com outros professores do primeiro
ano, a gente vai pegando as idéias e vai também trabalhando dessa maneira,
dando uma continuidade, não é? Não para só no primeiro ano e falar: Agora
vamos mudar esse sistema. Tem que dar continuidade.
Grupo 5: E o que está também na proposta do segundo ano, o lúdico também.
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Transcrição do áudio da coleta de grupo focal – Escola C – grupo 6
(30/11/2011)
Pesquisadora: O ensino fundamental de nove anos é um novo ensino
fundamental?
Grupo 6: Não. Não é.
Grupo 6: Porque?
Grupo 6: Eu acho que está queimando etapa. Antecipando uma coisa... É... você
está fazendo uma coisa que uma criança de seis anos ter que entrar no ensino
formal como era antes, porque na escola a criança não tem o espaço para
brincar, não tem brinquedo e ela fica dentro da sala quase que o período todo de
cinco horas.
Pesquisadora: Você concorda com a política de extensão do ensino fundamental?
Grupo 6: Não. Do jeito que estava dava conta do recado e você não queimava
etapa.
Pesquisadora: Há diferenças significativas entre o ensino fundamental de oito
anos e o de nove anos?
Grupo 6: Nenhuma.
Grupo 6: Só começa um processo de alfabetização mais cedo. Eles vêm um ano
antes para a escola e eles recebem essa cobrança escolar, da educação escolar,
mais cedo. Porque eles não têm a brincadeira que eles perderam lá no último ano
na EMEI, aqui na escola eles não têm o espaço adequado.
Pesquisadora: O que vocês pensam sobre a antecipação do processo de
alfabetização?
Grupo 6: Não é o momento. Eu acho que a criança, desde que a gente nasce é
falado que cada coisa no seu tempo.
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Grupo 6: Cada um com a sua fase.
Grupo 6: Então se você estiver na fase de brincar de boneca, você vai brincar de
boneca, se você está na fase vai brincar de carrinho, de burica, tem época de
alfabetizar, de aprender, enfim, tudo o que é demais enjoa. Eu acho que essa
fase de queimar etapa da criança, eu acho que nós vamos ter aí um futuro
preocupante.
Grupo 6: Eu acho que não. Eu sou a favor de começar a alfabetização, desde que
se tivesse um espaço físico para atender essas crianças. De ter a oportunidade
de além de estar na sala se alfabetizando, tivesse um período para o parque, que
é superimportante nessa idade, mas eu não vejo inconveniente nenhum em
antecipar a alfabetização. Aliás, eu acho que elas estão em um momento
excelente para começar. Curiosidade... Crianças são alfabetizadas muito antes
até. Então eu acho que...
Grupo 6: Eu concordo com a fulana, porque eu fui alfabetizada com seis anos e
não me causou trauma nenhum, muito pelo contrário.
Grupo 6: Mas foi um processo natural...
Grupo 6: Sim. Mas eu acho que o maior problema está sendo esta interrupção
agora, com essas crianças que ficaram praticamente sem o primeiro ano. A forma
que se começou.
Grupo 6: Isso.
Grupo 6: Mas, agora pros outros que já estão vindo nesse ritmo, eu acho que não
produz perdas.
Grupo 6: Eu vejo os alunos do segundo, do primeiro ano, eles estão bem na
alfabetização de uma maneira muito tranquila.
Grupo 6: Eles só precisavam mesmo de ter esse espaço, para não ficar às cinco
horas dentro da sala.
Grupo 6: Eu, em 2009, tive um primeiro ano, em Avencas, e esse primeiro ano em
Avencas funciona dentro de uma EMEI, então eles tinham parque, eles tinham
areia, eles tinham os brinquedos. Então para eles não fez falta nenhuma, ao
passo que aos nossos, aqui, eu acho que faz falta. Os meus para o exemplo, no
dia do brinquedo, eles vão brincar lá atrás da arquibancada para mexer com terra.
Grupo 6: Então, mas foi isso que eu quis dizer.
Grupo 6: Eles são loucos por terra.
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Grupo 6: Quando eu disse do trauma de pular etapas, ele pode ser alfabetizado
sim, lá no prézinho (pré-escola). Ele pode chegar, como a gente já recebeu, na
primeira série alfabetizado, mas essa fase, que foi pulada, de brincar de terra, de
adorar areia... eles não estão vivendo, como nós não vivemos, eu não vivi. Eu
mesmo fui alfabetizada sentada na carteira, não tinha acesso a livrinho de
histórias, eu não sabia pintar, eu não sei até hoje. Por que será que isso
aconteceu. Eu tiro por mim, pulou etapas da minha vida. Eu não tive essa pré-
escola, para proporcionar toda essa movimentação que a criança exige na fase
dela. Agora, o fato de a criança chegar alfabetizada, acho ótimo também. A
criança está muito curiosa, o despertar dela está bem mais antecipado,
realmente, mas não pular essa fase do brincar, do vivenciar, do interagir, curtir a
fase dela dentro da escola e fora da escola.
Grupo 6: Teria que ter um primeiro ano desses lá mesmo (EMEI).
Grupo 6: Mas quando implementou isso daí foi falado que era para ir no
parquinho, para vir a caixa de terra, não veio nada.
Grupo 6: Não veio.
Grupo 6: Tanto que na proposta tem todas essas...
Grupo 6: Portanto, o que a gente pensa, então... Você acha que toda essa
estrutura da rede municipal de ensino vai ser mudada? Nunca! Todas essas
escolas que estão construídas, que estão formadas não vai haver espaço para
fazer essa etapa da criança, para ela ficar um pouco dentro de sala de aula e um
pouco lá fora. Não vai haver espaço.
Grupo 6: Eles vão construir mais salas! E essas crianças vão ficar cada dia mais
enfurnadas dentro de salas? Porque a estrutura já está construída, ninguém vai
mudar a escola.
Grupo 6: Alfabetizar antes dos sete anos não tem problema nenhum. O problema
é como está sendo conduzido.
Grupo 6: Tanto que esse trabalho poderia ser feito tranquilamente no pré III.
Grupo 6: Eu trabalhei muitos anos em uma escola particular e lá, na escola em
que eu trabalhava e, em qualquer outra, as crianças vem para essa primeira série,
primeiro ano...
Grupo 6: Alfabetizadas.
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Grupo 6: Sem traumas e totalmente alfabetizadas. Vêm alfabetizadas e não
deixam de brincar e não deixam de ter um espaço. Prontas elas estão sim! O
problema é o espaço. É uma judiação colocar essas crianças cinco horas dentro
de uma sala de aula, ou ficar atrás da arquibancada procurando uma terrinha, é
uma judiação.
Grupo 6: É responsabilidade do professor que tem que se encarregar de fazer mil
coisas, malabarismos para poder distrair as crianças. Porque a escola não
oferece esse espaço. A gente não precisaria ficar fazendo mil coisas, inventando
um monte de coisa para poder passar um tempo lá fora.
Grupo 6: Como eles vão passar um tempo lá fora sem uma atividade que seja
realmente produtiva?
Grupo 6: As minhas filhas elas foram, no tempo do pré II, pré III, vieram para
primeira série já alfabetizadas. Agora já não vai mais. Eu tenho um sobrinho que
ele saiu do pré II e já foi pro segundo ano, não é? E o que ele só quer saber de
fazer na escola é de brincar. Eu tenho agora, filha de uma sobrinha, elas estão
em uma escola (particular) e ela falou que ela não quer ir para o primeiro ano
porque ela falou: Não estou na idade ainda para escrever. Ainda tenho que
brincar, sou pequena.
Pesquisadora: É possível aprender brincando?
Grupo 6: Com certeza! Desde que tenha espaço físico apropriado e condições
materiais.
Pesquisadora: O que mudou na prática pedagógica de vocês após a implantação
do ensino fundamental de nove anos? Mudou alguma coisa?
Grupo 6: Não.
Grupo 6: Acho que mudou para quem vai pegar o primeiro ano, mas para os
outros é a mesma coisa.
Grupo 6: Mudou a nomenclatura.
Grupo 6: Mudou a nomenclatura.
Grupo 6: A terceira série agora é o quarto ano, quarta série, quinto ano.
Grupo 6: Mas o trabalho...
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Grupo 6: Quem pega o primeiro ano é um pré III.
Pesquisadora: E quem pega um segundo ano?
Grupo 6: É uma primeira série?
Pesquisadora: Não notam diferença?
Grupo 6: Ele vêm melhores. Porque no ano passado eu tinha três alfabéticos, saiu
um pré-silábico e três silábico-alfabéticos. Quer dizer, já melhorou bastante, não
é? Antigamente não era assim.
Grupo 6: Era tudo pré.
Grupo 6: Pré-silábico.
Pesquisadora: Duas das metas estabelecidas pelo Ministério da Educação para a
implantação do ensino fundamental de nove anos é o aumento das oportunidades
de aprendizagem e a melhoria da qualidade do ensino. Vocês constatam o
alcance de tais metas?
Grupo 6: Não.
Grupo 6: Eu acho que não, na medida em que você não tem estrutura... A
qualidade passa pela estrutura, não é? Você não tem estrutura você vai ter que
se virar para poder dar conta do recado, acaba ficando no meio do caminho. Você
pode avançar mais com os esforços que você tem que impor, mas não tem uma
estrutura que dê condições para que a qualidade melhore.
Pesquisadora: Mas então há exigências que faz com que vocês mudem a prática
pedagógica?
Grupo 6: Tem, não tem fulana?
Grupo 6: Tem a proposta pedagógica, a proposta curricular que vai ser
implementado agora, no ano que vem, a do quarto e a do quinto ano, também.
Grupo 6: Então tem toda uma estrutura pedagógica para a implementação do
ensino fundamental de nove anos.
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Pesquisadora: Além da estrutura física, que vocês apontam, o que vocês julgam
ser necessário para a melhoria do ensino-aprendizagem?
Grupo 6: Redução do aluno por sala.
Grupo 6: Biblioteca, que a gente tem mais não pode usar.
Grupo 6: Ou seja, adequação do espaço físico.
Grupo 6: Nossa biblioteca é usada como sala de aula.
Grupo 6: Ter salas com vinte e cinco alunos...
Grupo 6: Faltam recursos humanos também. Porque com salas cheias, o
professor, muitas vezes, na maioria das vezes, não dá conta de todas as
dificuldades que essas crianças chegam. E como é que a gente atende todo
mundo? Não tem...
Grupo 6: Então muitas vezes, recursos humanos, falta... professores que dêem
aula de reforço. A gente fica se debatendo, procurando formas e fazendo o que a
gente pode.
Grupo 6: No primeiro e no segundo ano alguém para auxiliar na sala de aula.
Grupo 6: Que o estado já colocou, não é? No primeiro ano alguém para auxiliar
na sala. Então eu acho que falta isso, acaba-se nisso. A proposta vem como se
fosse uma novidade, como é citado no documento, mas a gente não vê muita
mudança.
Grupo 6: Como se ela fosse mágica.
Grupo 6: Continuamos com salas lotadas, nós continuamos sem muito auxílio
nesse sentido de aulas de recuperação e reforço. A gente faz o que a gente pode.
A gente procura estudar, a gente faz o que dá aqui.
Grupo 6: Tem muita cobrança porque o aluno não está avançando. Não está
avançando porque ele continua do jeito que está. Ele chegou com dificuldade, a
gente tenta fazer o que a gente pode na sala com trinta e poucos alunos, você
atende um hoje e vai voltar naquele aluno, quando? Então é difícil isso. Por isso
que eu falo que não mudou quase nada.
Grupo 6: Ainda que aqui tem essa troca, imagine os outros? Como dão conta? Na
escola a gente vai buscando formas...
Grupo 6: Alternativas.
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Grupo 6: Formas para amenizar.
Grupo 6: Lógico, não é? Mas a gente sente que se nós tivéssemos uma estrutura,
se a gente tivesse um maior número de professores que pudesse nos ajudar com
o reforço a qualidade seria muito melhor. Não tenha dúvida.
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Programa de
Pós-Graduação em Educação
Doutoranda: Selma Ferreira de Oliveira
Orientadora: Dra. Iraíde Marques de Freitas Barreiro
Coleta de dados para a realização de estudo sobre a percepção do
professor sobre os desdobramentos da implantação do ensino
fundamental de nove anos
Identificação do professor pesquisado
Idade: _____________ Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino
Anos de profissão docente: _______________
1. Há quantos anos atua no ensino fundamental?
( ) menos de um ano ( ) 7 a 9 anos
( ) 1 a 3 anos ( ) mais de 10 anos
( ) 4 a 6 anos
2. Em qual ano do ensino fundamental você atua?
( ) 1º ( ) 2º ( ) 3º ( ) 4º ( )5º ( ) reforço/grupo de
estudo/substituições
3. Você atua apenas nessa unidade escolar?
( ) Sim ( ) Não
Formação
4. Ensino Médio
Magistério ( ) Sim
( ) Não
CEFAM ( ) Sim
( ) Não
5. Graduação ( ) Sim. Qual? _________________________________________
( ) Não
6. Pós Graduação ( ) Sim. Qual? ______________________________________
( ) Não
47
Roteiro para discussão nos grupos focais
Orientações:
Não há resposta certa ou errada;
Todos podem participar expondo o seu ponto de vista;
Se você concorda ou discorda do colega argumente sua opinião;
Respeitar o posicionamento do colega não é, necessariamente, concordar com
ele.
·Questões ·
1. O ensino fundamental de nove anos é um “novo” ensino fundamental?
2. Há diferenças significativas entre o ensino fundamental de oito anos e o ensino
fundamental de nove anos?
3. Após as orientações para a implantação do ensino fundamental de nove anos,
o que mudou em sua prática pedagógica?
4. Uma das metas do ensino fundamental de nove anos é o aumento das
oportunidades de aprendizagem e a melhoria da qualidade do ensino-
aprendizagem. Você constata o alcance de tais metas?
5. O que é necessário para melhoraria da qualidade do ensino-aprendizagem no
ensino fundamental?
6. Essas melhorias auxiliariam nos avanços da aprendizagem dos alunos? Como?
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