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Selma Ferreira de Oliveira IMPLANTAÇÃO DA POLÍTICA DO ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS: UM ESTUDO COM GRUPOS FOCAIS DE PROFESSORES Marília 2013

IMPLANTAÇÃO DA POLÍTICA DO ENSINO FUNDAMENTAL DE … · Tecnologia de Presidente Prudente ... Discursos de alguns professores ... implantação do ensino fundamental de nove anos

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Selma Ferreira de Oliveira

IMPLANTAÇÃO DA POLÍTICA DO ENSINO FUNDAMENTAL DE

NOVE ANOS: UM ESTUDO COM GRUPOS FOCAIS DE

PROFESSORES

Marília 2013

Selma Ferreira de Oliveira

IMPLANTAÇÃO DA POLÍTICA DO ENSINO FUNDAMENTAL DE

NOVE ANOS: UM ESTUDO COM GRUPOS FOCAIS DE

PROFESSORES

Orientadora: Profa Dra Iraíde Marques de Freitas Barreiro

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Faculdade de Filosofia e Ciências – Marília - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para a obtenção do título de Doutor em Educação (Área de Concentração: Políticas Públicas e Administração da Educação Brasileira)

Marília 2013

Oliveira, Selma Ferreira de.

O48i Implantação da política do ensino fundamental de nove anos : um estudo com grupos focais de professores / Selma Ferreira de Oliveira. – Marília, 2013.

133 f. ; 30 cm.

Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Ciências, 2013.

Bibliografia: f. 121-133.

Orientador: Iraíde Marques de Freitas Barreiro.

1. Ensino fundamental. 2. Educação e Estado – Brasil. 3. Ensino - Legislação. 4. Brasil.[Lei 11.274(2006)]. 5. Professores de ensino fundamental – Pesquisa. I. Título.

CDD 379.0981

IMPLANTAÇÃO DA POLÍTICA DO ENSINO FUNDAMENTAL DE

NOVE ANOS: UM ESTUDO COM GRUPOS FOCAIS DE

PROFESSORES

Comissão Examinadora:

__________________________________________ Profa. Doutora Iraíde Marques de Freitas Barreiro (Orientadora)

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”- Faculdade de Filosofia e Ciência de Marília

__________________________________________ Profa. Doutora Yoshie Ussami Ferrari Leite

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Faculdade de Ciências e Tecnologia de Presidente Prudente

__________________________________________

Profa. Doutora Doralice Aparecida Paranzini Gorni Universidade Estadual de Londrina

__________________________________________

Prof. Doutor Alberto Albuquerque Gomes Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Faculdade de Ciências e

Tecnologia de Presidente Prudente

__________________________________________

Prof. Doutor Carlos da Fonseca Brandão Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”- Faculdade de Filosofia e

Ciência de Marília

Dedico a Deus

Agradecimentos

À família, meus pais, irmãos, sobrinhos, sogra e cunhados, especialmente aos meus

amores: Hamilton, Nicolas e ao pequeno ser que estou a gerar, pela companhia e pela

alegria de compartilhar a vida em sua plenitude. A vocês, meu amor, reconhecimento e os

frutos dessa conquista.

A Profa. Dra. Iraíde Marques de Freitas Barreiro, pelo incentivo e apoio prestado no

decorrer do curso e, principalmente, pelas preciosas orientações que me fizeram evoluir no

desenvolvimento do estudo.

Aos professores das disciplinas cursadas no doutorado, pelo empenho em apontar rumos

por meio de leituras e discussões.

Aos professores que compõem a banca examinadora, por ler, orientar e contribuir para o

aprofundamento do estudo.

À Secretaria Municipal da Educação de Marília, aos professores – companheiros de

trabalho–, coordenadores e diretores das Escolas Municipais do Ensino Fundamental de

Marília, que colaboraram com a pesquisa.

Aos colegas do grupo de estudo CEPAE, incluindo as Profas. Dra. Graziela Zambão

Abdian Maia e Dra. Elianeth Dias Kanthack Hernandes, pelas sábias provocações e

sugestões de leituras.

À CAPES, pela bolsa concedida em um período do curso.

Aos amigos do dia a dia – Vânia, Andréia, Fátima –, que tornam a minha vida mais leve.

Obrigada por proporcionar momentos de alegria no convívio das nossas famílias.

A Clarice e família, que dedicaram parte de seu tempo e cuidados com o meu pequeno,

porém, grande Nicolas.

Aos amigos do programa de pós-graduação em educação da Universidade Estadual

Paulista – FFC – UNESP/ Marília, pela companhia na caminhada, especialmente a Silvia e

Fabiana.

Lista de siglas

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CEB – Câmara da Educação Básica

CEPAE - Centro de Estudos e Pesquisas em Administração da Educação

CNE – Conselho Nacional da Educação

DCNEF – Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental

FIES - Fundo de Financiamento Estudantil

HEC – Horário de Estudo em Conjunto

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC – Ministério da Educação

PL – Projeto de Lei

Pnad - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PNE – Plano Nacional de Educação

PROUNI - Programa Universidade Aberta para Todos

SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica

SEB – Secretaria da Educação Básica

UAB - Universidade Aberta do Brasil

UNDIME - União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a educação

Lista de quadros

Quadro 1 – Produção de estudos sobre a temática divulgados pela CAPES .......... 15

Quadro 2 – Pareceres que orientam a implantação do ensino fundamental de nove

anos ........................................................................................................................... 35

Quadro 3 - Identificação das escolas e grupos focais ............................................... 62

Quadro 4 - Síntese das categorias de análise 1, 2, 3 e 4 .......................................... 79

Quadro 5 – Discursos de alguns professores sobre as mudanças propostas ao ensino

fundamental de nove anos ........................................................................................ 81

Quadro 6 - Práticas recomendadas pelo MEC e prática possível segundo os

professores ................................................................................................................ 87

Quadro 7 - Estrutura para implantação do ensino fundamental de nove anos ........ 93

Quadro 8 - Conteúdos curriculares- recomendações do MEC e relatos dos

professores................................................................................................................. 98

Lista de gráficos

Gráfico 1 - Alunos matriculados nos anos iniciais do ensino fundamental no município

de Marília em 2011 .................................................................................................... 59

Gráfico 2 - Identificação dos professores por gênero ................................................ 73

Gráfico 3 - Professores com graduação em Pedagogia ............................................ 74

Gráfico 4 - Anos de profissão docente ....................................................................... 75

Resumo

Este estudo está vinculado à Linha de Pesquisa “Políticas Educacionais, Gestão de Sistemas e Organizações Educacionais” e tem como problema norteador da pesquisa o seguinte questionamento: qual é a percepção dos professores sobre a implantação do ensino fundamental de nove anos no contexto escolar? O interesse pela investigação do tema surgiu a partir da atuação docente nos anos iniciais do ensino fundamental durante o processo de discussão e implantação da ampliação desse nível de ensino. O foco desse estudo é desvendar a percepção dos professores de três escolas do município de Marília sobre a materialização da política no contexto escolar é. Os objetivos da pesquisa consistem em: investigar a política do ensino fundamental de nove anos, priorizando o seu aspecto pedagógico a partir da legislação e de documentos oficiais elaborados pelo Ministério da Educação que orientam sua implantação, e analisar a percepção dos professores dos anos iniciais do ensino fundamental sobre a implantação da política. A proposição de políticas educacionais aos contextos escolares provocam diferentes reações de acordo a percepção dos profissionais que neles atuam. A abordagem utilizada nessa investigação é qualitativa, sem desprezar o recurso de dados quantitativos. Para a coleta de dados foi utilizada a técnica de grupo focal com seis grupos de professores e a análise de conteúdo para tratamento dos dados. Este estudo defende a tese de que os professores refletem sobre as políticas determinadas à educação no contexto das implantações, mas não têm espaços e oportunidades para participar dos debates que levam as proposições políticas. Embora não participem da elaboração das políticas se esforçam para efetivá-las apesar das condições precárias para o desempenho da atuação docente.

Palavras-chave: Ensino fundamental de nove anos. Política educacional. Percepção docente. Pesquisa de grupo focal.

Abstract

The present study is linked to the line of research “Educational Policies, Systems Management and Educational Organizations” and its guiding issue is the following question: how teachers understand the implementation of a nine-year elementary school period in the school context? The interest by the theme investigation emerged from the teaching activity in the first years of elementary school during the discussion process and implementation of time extension. The study is focused on revealing the perception of teachers actuating in three schools in the city of Marília about the materialization of this policy in the school context, and it is aimed at investigating the policy of a nine-year elementary school period, thus prioritizing its pedagogic aspect from the legislation and official guidelines elaborated by the Ministry of Education, and analyzing how teachers of the first years of elementary school understand the implementation of such policy. The proposition of education policies in the school context leads to different reactions according to the perception of the professionals. The approach used in the present investigation is qualitative, but with no rejection of quantitative data. As for the data collection, it was used the technique of focus group comprehending sis groups of teachers, and content analysis for data treatment. Moreover, this study argues that teachers do reflect upon the policies determined to education in the implementation context, but do not have the opportunity to participate on the discussions which result in policies propositions. Although they do not take part on the elaboration of guidelines, teachers strive to apply them despite all poor conditions for the teaching activity. Keywords: Nine-year Elementary School. Education Policy. Teacher Perception. Focus Group Research.

Sumário

RESUMO ..................................................................................................................... 1

ABSTRACT ................................................................................................................. 2

INRODUÇÃO ............................................................................................................... 4

CAPÍTULO I............................................................................................................... 19

INFLUÊNCIAS NA FORMULAÇÃO DA POLÍTICA DO ENSINO FUNDAMENTAL DE

NOVE ANOS ............................................................................................................ 19

1 O ESTADO COMO PROPOSITOR DE POLÍTICAS EDUCACIONAIS ................... 23

2 INFLUÊNCIAS NA ELABORAÇÃO DA POLÍTICA DO ENSINO FUNDAMENTAL DE

NOVE ANOS ............................................................................................................ 23

3 CONTEXTO DA PRODUÇÃO DO TEXTO LEGISLATIVO .................................... 34

3.1 Documentos elaborados pelo MEC/SEB e orientações para a implantação do

ensino fundamental de nove anos ............................................................................ 37

CAPÍTULO II ............................................................................................................. 45

ESPAÇOS, SUJEITOS E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS NA

INVESTIGAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ..................................... 45

1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .............................................................. 45

2 A ESCOLA E AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS ..................................................... 49

2.1 Sobre as escolas pesquisadas ............................................................................ 58

3 PROFESSORES QUE ATUAM NO ENSINO FUNDAMENTAL ............................. 69

4 DETERMINAÇÕES POLÍTICAS E ATUAÇÃO DOCENTE ..................................... 70

4.1 Sobre os professores participantes dos grupos focais ........................................ 72

CAPÍTULO III ............................................................................................................ 77

ANÁLISE DAS PERCEPÇÕES DOS PROFESSORES SOBRE O ENSINO

FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS ........................................................................... 77

ANÁLISE DAS PERCEPÇÕES DOS PROFESSORES ............................................. 95

CONCLUSÃO .......................................................................................................... 115

REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 121

APÊNDICE ................................................................................................................. 1

Introdução

Esta pesquisa investiga a temática do ensino fundamental de nove anos,

estabelecido nacionalmente pela Lei nº 11.274/2006 (BRASIL, 2006). No Brasil, o

ensino fundamental, equivalente ao ensino obrigatório, fora ofertado por mais de 3

três décadas com o período de duração de oito anos. Diante da proposição de

ampliação de oito para nove anos de estudo surge a problemática que orienta a

pesquisa: Qual é a percepção dos professores sobre a implantação da política do

ensino fundamental de nove anos no contexto escolar? Desse modo, os objetivos

da pesquisa são: investigar a política do ensino fundamental de nove anos,

priorizando o seu aspecto pedagógico a partir da legislação e de documentos

oficiais elaborados pelo Ministério da Educação (MEC), que orientam sua

implantação; e analisar a percepção dos professores dos anos iniciais do ensino

fundamental sobre a implantação da política de ampliação desse nível de ensino.

Na busca de responder ao questionamento e aos objetivos, a pesquisa

de campo foi desenvolvida em três escolas do município de Marília, nas quais se

procurou compreender a percepção dos professores acerca da implantação da

política de ampliação do ensino fundamental nos anos iniciais por meio dos

discursos coletados em grupos focais.

O interesse pelo tema está relacionado à minha história de formação e

atuação profissional. Em 1994 optei por cursar o magistério, em 1998 ingressei no

curso de pedagogia e em fevereiro de 2001, passei a lecionar nos anos iniciais do

ensino fundamental no município de Marília, onde sou professora efetiva até os

dias atuais.

O fato de atuar nos anos iniciais do ensino fundamental e ter a formação

profissional voltada à docência nessa etapa foram determinantes para delimitação

do estudo aos anos iniciais, e não ao ensino fundamental como um todo, uma vez

que as inquietações que levaram a investigação do tema surgem no contexto de

atuação nos anos iniciais do ensino fundamental.

Determinar a percepção dos professores como objeto de estudo é

desafiador, pois nos remetem a formações profissionais distintas, contextos

5

diferenciados de oferta em que atuam, uma vez que os anos iniciais do ensino

fundamental investigados nessa pesquisa são ofertados pelo município e os anos

finais, pelo Estado. Embora o discurso da política contido nos textos elaborados

pelo Ministério da Educação afirme que a ampliação traz ressignificação a todos

os anos do ensino fundamental, é na primeira etapa que se exigem mais

adaptações.

Estudo sobre a formação para a docência nos primeiros anos do ensino

fundamental já foi realizado por mim no contexto de elaboração da dissertação

de mestrado (OLIVEIRA, 2007). Naquela ocasião, comparei os currículos dos

cursos de pedagogia e normal superior na formação inicial de professores para o

exercício da profissão nos anos iniciais do ensino fundamental.

Mediante a realização da pesquisa foi constatado que a formação de

professores no curso de pedagogia não satisfazia as necessidades de formação

docente, porque o curso se propunha a formar para inúmeras atuações, sem se

aprofundar numa formação específica, além de apresentar carga horária extensa

das disciplinas teóricas.

A proposição do curso normal superior para a formação de professores

também não satisfazia pelo fato de ser uma formação abreviada, fora do contexto

universitário e, desse modo, constituiu-se em uma política de aligeiramento da

formação docente proposta precipitadamente pelo Estado.

Por meio da pesquisa identificou-se que a política de formação de

professores estava mais relacionada a prover quantitativamente o número de

professores para atendimento da demanda existente, em razão do déficit desses

profissionais nas escolas, ou seja, as políticas educacionais não tinham a

qualidade como elemento principal na formação de novos professores.

O exercício da profissão docente nos anos iniciais do ensino fundamental

fez emergir questionamentos e reflexões sobre os desajustes da política de

formação inicial de professores e as necessidades de formação docente para

atuar nas escolas. Durante as buscas de respostas por meio de leituras e

observações no contexto escolar, deu-se início as discussões e a implantação do

ensino fundamental de nove anos nas escolas.

A vivência no cotidiano escolar e as leituras acerca das determinações

legais sobre a política de ampliação do ensino fundamental despertou, ainda,

6

inquietação diante das distintas reações dos sujeitos que atuam na escola a

mesma política.

Com isso foi possível compreender que para além dos desajustes de

formação docente e das necessidades existentes no contexto de atuação

profissional, o professor não depende apenas das políticas de formação inicial e

continuada para exercer o seu trabalho, mas de uma série de políticas internas e

externas à escola que dê suporte a sua atuação nos aspectos de formação,

condições de trabalho e orientações para o exercício da função.

O contexto profissional provocou um olhar crítico sobre a implantação do

ensino fundamental de nove anos nas escolas municipais de Marília, entendendo-

se que, independente das circunstâncias, a escola não é única, mesmo em

situações nas quais as políticas educacionais se apresentam generalizáveis e

insistem em estabelecer diretrizes em comum às instituições educacionais por

meio de leis e avaliações externas.

Investigar a ampliação do ensino fundamental no contexto escolar e a

percepção dos docentes acerca desse processo é importante, pois apesar de ser

um tema muito investigado, poucos elegem a percepção do professor sobre o

ensino fundamental de nove anos como temática de investigação, sendo que há

apenas dois trabalhos que abordam o tema. Além disso, o estudo permite

participar de um debate que inclui órgãos do governo, sistemas de ensino, por

meio de Diretorias e Secretarias da Educação, comunidade escolar e, até

mesmo, cursos de formação inicial de professores.

Esta investigação torna-se relevante, ainda, pois não se trata apenas de

um estudo teórico e, tampouco, do estudo da política em si, mas o

entrelaçamento das determinações políticas e da percepção do professor sobre

sua concretização no contexto escolar, que só é possível ser identificada por meio

da pesquisa de campo.

A delimitação deste estudo consiste na investigação do ensino

fundamental de nove anos no contexto de elaboração, proposição da lei e

implantação nas escolas, em condições específicas, formações profissionais

distintas e experiências de vida exclusivas. Trata-se de uma interpretação

subjetiva, uma vez que envolve sujeitos com diferentes percepções atuantes no

contexto educacional de Marília.

7

É importante destacar que a análise da percepção dos professores sobre

o ensino fundamental de nove anos é o foco estabelecido nesta investigação, que

ocorre em conjunto com a percepção do pesquisador sobre o material coletado.

Em estudos científicos, posicionamentos tendenciosos do pesquisador podem

até ser reprimidos, mas não extintos, uma vez que não é possível ser neutro no

processo de investigação, principalmente quando se faz parte da categoria

profissional que está envolvida na pesquisa.

Para Saviani (2007, p.185), a elaboração de uma tese pressupõe

“requisitos de autonomia intelectual e de originalidade, já que estas são condições

para que alguém possa expressar uma posição própria sobre determinado

assunto”. Severino (2007, p.221) entende que uma tese de doutorado exige a

abordagem de uma temática por meio de pesquisa própria e instrumentos

metodológicos específicos.

Inúmeros caminhos podem ser traçados e percorridos para obter o rigor

científico e originalidade no estudo de uma temática. As escolhas teórico-

metodológicas feitas nesta pesquisa estão vinculadas às experiências pessoais, à

formação acadêmica e profissional da pesquisadora. Alguns conceitos

apresentados e discutidos foram construídos por intermédio das leituras e

discussões no Centro de Estudos e Pesquisas em Administração da Educação –

CEPAE.

A pesquisa adota uma abordagem qualitativa (LÜDKE e ANDRÉ, 1986)

para interpretar a realidade e o contexto em que se insere a problemática do

estudo, uma vez que os métodos qualitativos são “considerados mais ricos,

completos, globais, reais” pelo fato de terem uma relação direta com o objeto da

pesquisa (NEVES, 1996, p.3).

Para a realização do estudo recorreu-se aos recursos da pesquisa

bibliográfica, imprescindível em estudos científicos, que possibilitou a leitura de

autores sobre os contextos influenciadores da proposição política e as reflexões

tecidas sobre a implantação nos demais contextos.

A pesquisa bibliográfica contribuiu, ainda, para a contextualização das

políticas propostas ao ensino fundamental em uma perspectiva histórica, na

busca por desvendar a motivação para a proposição da política, dar suporte às

8

discussões acerca do tema, apontar as possíveis mudanças que de fato a política

favoreceu, além de fundamentar a construção de um referencial teórico.

A pesquisa documental, também usada nessa pesquisa, foi essencial para

identificar, nos documentos legais elaborados pelo Ministério da Educação –

representados pelo Conselho Nacional de Educação e Câmara da Educação

Básica, as deliberações sobre o ensino fundamental de nove anos e as

orientações dadas à sua implantação por meio de dez pareceres e uma

resolução. Na leitura de tais documentos houve direcionamento aos aspectos que

trazem orientações relacionadas à atuação docente, já que as orientações

ocorrem também nas esferas política e administrativa.

A técnica de grupo focal foi escolhida para a coleta de dados, porque

promove discussões em grupos e se organiza “em torno de uma tarefa específica:

fornecer informações acerca de um tema anteriormente determinado”, cabendo

ao mediador intervir na dinâmica grupal para assegurar a participação e a

contemplação de todos os temas propostos para a discussão (KIND, 2004,

p.126).

Os discursos coletados por meio dos grupos focais são importantes, mas

não os únicos na tarefa de elucidar a problemática do estudo, por esse motivo,

embora nessa investigação o material transcrito seja o foco das análises, dados

obtidos por meio da observação também foram utilizados.

Mainardes (2006, p. 50), por meio de Bowe, Ball e Gold (1992), defende

que “o foco da análise de políticas deve(ria) incidir sobre a formação do discurso

da política e sobre a interpretação ativa que os profissionais que atuam no

contexto da prática fazem para relacionar os textos da política à prática”. Os

discursos e as práticas docentes nem sempre são coerentes, as práticas são

construídas a partir do discurso da lei. Diante disso surge a necessidade da

pesquisa de campo na realização de estudos políticos, a fim de conferir os

discursos da lei, os discursos dos professores e as práticas efetivas.

Bowe, Ball e Gold (1992) definem, ainda, que a investigação de uma

política deve considerar um ciclo disposto em cinco contextos: o da influência,

que consiste no espaço-tempo que gera o discurso político inicial; o que trata da

produção de textos legais e documentos e o modo como são interpretados,

exercendo controle sobre o propósito da política; o da prática, que considera as

9

possibilidades e limites na implementação da política; o dos resultados ou efeitos,

no qual se destaca a análise que investiga o impacto da política nas

desigualdades sociais, oportunidades e acessibilidades; e o da estratégia política,

proposta por meio de atividades que buscam minimizar as desigualdades

provocadas pela implantação política.

O ciclo de políticas constitui-se como “um referencial analítico útil para a

análise de programas e políticas educacionais” (MAINARDES, 2006, p.48), uma

vez que permite a análise crítica da trajetória de uma política ou programa, da

sua formulação inicial até o seu contexto prático, e possibilita, ainda, examinar os

seus resultados para tomada de decisões (BOWE; BALL; GOLD, 1992).

É com base na essência desses contextos que se buscou investigar a

política de ampliação do ensino fundamental e a percepção dos professores sobre

a política. Embora esta pesquisa compactue com o modelo de estudo de políticas

em ciclo, esse modelo não foi adotado em sua íntegra, porque não é objetivo

deste estudo se prender a padrões específicos estabelecidos para investigações

de políticas, mas extrair a sua essência para a realização da investigação.

A comparação das orientações políticas contidas em documentos oficiais e

sua implantação no contexto prático tornou-se possível em virtude dos dados

coletados empiricamente junto a 60 professores de 3 escolas, por meio da

pesquisa de grupo focal (GATTI, 2005). Foram formados seis grupos, dois em

cada escola, compostos para debater, coletivamente, questões sobre o tema da

pesquisa, elaboradas previamente.

A coleta de dados empíricos poderia ser feita por meio de entrevistas,

questionários ou observações, técnicas tradicionalmente usadas em estudos

educacionais, uma vez que “a natureza da pesquisa qualitativa não a limita a

nenhuma técnica como sendo a melhor. Outras técnicas são tão boas quanto os

grupos focais, e devem ser exploradas” (CALDER, 1977, p. 23), no entanto,

algumas técnicas restringem-se a coletar dados sem oferecer uma devolutiva ao

indivíduo que colabora com os dados.

A escolha do método para a coleta de dados levou em consideração o

fato de o professor não ser explorado como um mero objeto de investigação.

Diante dessa condição, a pesquisa de grupo focal teve preferência em relação a

outras técnicas, ao oferecer a oportunidade de o indivíduo pesquisado discutir,

10

refletir e até mudar sua visão por meio do questionamento de suas convicções e

da comparação dos seus discursos com o do outro. Possibilita, ainda, entender

que varia a percepção acerca dos objetos, o conhecimento não é absoluto e

estático e pode desenvolver-se em diferentes contextos, passar por

transformações, inclusive em momentos como o de colaboração com a pesquisa

científica.

Na técnica de coleta de dados por meio de grupos focais, a autenticidade

ou inautenticidade dos discursos é um risco como em qualquer investigação

científica, uma vez que o indivíduo pode simular discursos que lhe favoreçam

diante do grupo, ou apresentar um discurso consensualmente tido como ideal,

mas que não representa a experiência real do indivíduo.

O papel do pesquisador é buscar se aproximar da verdade por meio de

análises precisas do material coletado e eliminar opiniões que se configurem

como enganosas.

Este estudo adota a concepção sociológica do modelo de organização da

escola, proposto por Lima (2001, p.54), que a compreende como uma

organização capaz de ressignificar, ignorar as regras formais estabelecidas em

documentos oficiais ou propor regras informais mais significativas para o cotidiano

escolar de acordo com os interesses dos indivíduos que compõem a instituição

escolar. Os professores atuam em um contexto maior que o da sala de aula, ou

seja, fazem parte de uma estrutura mais ampla e imediata que é a escola, sendo

suas ações influenciadas por decisão coletivamente na instituição a escolar.

A escola é o contexto da prática em que as políticas se materializam por

meio das ações docentes e de diferentes atuações para o seu funcionamento, por

isso é impossível manter passividade diante de determinações políticas. De

alguma maneira, elas promovem alterações no contexto escolar, caracterizadas

tanto pela repulsão como pela aceitação.

A implantação de políticas carrega “limitações materiais e possibilidades”

(MAINARDES, 2006, p.52), o que influencia o interesse dos sujeitos em acatar

as determinações oficiais em sua íntegra.

Lima (2001, p.112) desacredita na possibilidade de determinações

políticas por si só provocarem mudanças nas escolas. Para ele, “as diversas

realidades escolares não se transformam automaticamente por simples mudança

11

dos modelos decretados”. As mudanças ocorrem influenciadas por fatores

relacionados a interesses, objetivos e circunstâncias diversas, que podem ou não

coincidir com as determinações legais.

Em contextos nos quais as condições materiais são aparentemente as

mesmas, “a escola não é seguramente a mesma” (ROCKWELL e EZPELETA,

2007, p.132). Uma unidade escolar difere das outras, as concepções dos

professores divergem. Sendo assim, as proposições políticas voltadas à

educação podem influenciar com maior ou menor intensidade a atuação do

professor na escola, uma vez que são reinterpretadas, negociadas, tendo em

vista as condições que constituem o contexto, expressas pela formação inicial e

continuada do professor, pelos interesses da comunidade escolar e pelo

posicionamento da gestão em relação à política. “Nem todas as instituições são

afetadas da mesma maneira” por uma política (GARAY, 1998, p. 116). As ações

propostas originalmente podem, ou não, chegar rarefeitas nas ações docentes em

sala de aula.

Santos e Vieira (2006, p.790) entendem que as “mudanças educacionais

somente se consolidam no interior da cultura escolar se for fomentado o

entusiasmo que se observa no processo de sua implantação e neutralizadas as

oposições que possam gerar”, ou seja, é preciso uma gestão que compactue com

os interesses da política e estimule os demais membros da comunidade escolar.

É válido destacar que as políticas nem sempre conseguem provocar nas

escolas as mudanças que traçam preliminarmente, mas provoca uma série de

movimentos no contexto escolar que giram em torno da determinação política. “O

cotidiano escolar [...] representa o elo final de uma complexa cadeia que se monta

para dar concretude a uma política” (AZEVEDO, 2004, p. 59). Desse modo,

entende-se que as políticas educacionais são propostas para serem implantadas

nas escolas, o que, como já foi afirmado, não significa que elas serão de fato

colocadas em prática do modo como o legislador idealizou.

A proposição de mudanças ao contexto escolar por meio de políticas

educativas e a constatação de obstáculos que interferem em sua efetivação são

temas abordados também por Cury (2000, p.8). O autor destaca o fato de que o

“próprio sentido expresso da lei entra em choque com as adversas condições

sociais de funcionamento da sociedade”, uma vez que o propositor da lei faz

12

prevalecer a sua concepção de organização social e diante dela propõe

mudanças.

A escola tem o seu próprio mecanismo de funcionamento e, ao propor

mudanças educacionais, “o Estado confronta-se com as posturas políticas já

sedimentadas” que foram construídas historicamente (FALSARELLA, 2002, p.

78). Para Oliveira (2007, p.662), a política econômica e a dinâmica do próprio

sistema educacional dão os verdadeiros rumos à política a ser efetivada na

escola, uma vez que as propostas políticas nem sempre vêm acompanhadas de

uma política econômica e de uma organização social que as viabilizem.

Desse modo, a escola é analisada sob a perspectiva de atuação ativa

diante das implantações políticas, passíveis de confrontos identificados entre o

que deve ser, determinado na legislação em documentos externos, e até mesmo

em documentos internos da escola, como o Projeto Político Pedagógico, o

Regimento Escolar, e o que de fato é expresso no funcionamento do dia-a-dia da

escola. Esse processo é nomeado pelo autor como infidelidade normativa (LIMA,

1991).

Silva Júnior e Ferreti (2004, p. 34) destacam, igualmente, os entraves

ocorridos nas relações entre o contexto organizacional de uma instituição e o

interpessoal. Os autores entendem que a instituição escolar pode tanto cooperar

para a reprodução do que é proposto pelo Estado quanto para a sua

ressignificação.

Não é novidade que “há um fosso entre o real e o legal” (MINTO,

MURANAKA, 1995, p.68); diante desse fato é necessário identificar os elementos

responsáveis por promoverem o distanciamento entre os objetivos iniciais das

políticas traçadas, a educação e os novos contornos que as políticas tomam ou as

adaptações às vivências escolares. Desse modo, destaca-se a importância de

analisar não apenas a política em seu aspecto macro, nos contextos da influência

e da produção de texto, mas também “os arranjos institucionais” que remetem ao

cotidiano escolar no contexto prático (FREY, 2000, p.221).

Rockwell e Ezpeleta (2007, p.133), na década de 1980, apontam fatores

determinantes da origem e da vida de cada escola, que são as “diferenças

regionais, as organizações sociais e sindicais, os professores e suas

reivindicações, as diferenças étnicas e o peso relativo da Igreja”. Na década de

13

1990, Silva Júnior (1993, p.92) indicava que a escola fora descaracterizada “como

instituição especializada no trabalho de ensinar”, assumindo incumbências que

ultrapassavam a relação ensino-aprendizagem, devendo extrapolar essa relação

perpassando pelo apoio psicológico, social e econômico.

Se cada instituição escolar é tida como única, seguramente é possível

afirmar que a percepção dos professores acerca da implantação política em

instituições escolares distintas não é uniforme, ela diverge até mesmo entre os

profissionais da mesma categoria.

Neste estudo, os contextos da influência e da produção de texto (BOWE,

BALL e GOLD, 1992) serão abordados para a contextualização do tema, com um

posterior aprofundamento no contexto da prática, momento em que serão

apresentados os dados coletados junto aos professores.

A escolha por estudar o tema a partir de contextos favorece a

organização textual em períodos que remetem a história da política, sua

implantação em um contexto prático e vincular as percepções dos docentes sobre

a temática.

Estudos acerca do ensino fundamental de nove anos já foram realizados

sob diferentes aspectos por diversos autores como Santos e Vieira (2006),

Kramer (2006), Gorni (2007), Dantas e Maciel (2010), Arelaro (2011) entre outros,

que estão disponíveis na Scientific Electronic Library Online (SCIELO).

No contexto dos estudos já realizados sobre o tema destacamos o de

Santos e Vieira (2006, p. 779). As autoras defendem que as questões e dúvidas

levantadas acerca da política educacional que envolve o ensino fundamental

merecem “além de respostas, reflexão e pesquisa”, uma vez que são poucos os

estudos relacionados ao tema tendo em vista a sua atualidade.

As políticas educacionais voltadas à faixa etária de 0 a 6 anos são objetos

de estudo de Kramer (2006). Nesse contexto, a autora publicou um artigo sobre a

entrada antecipada da criança no ensino fundamental de nove anos e o

acréscimo de mais um ano a esse nível de ensino, avaliando o fato como uma

conquista. Ela relembra a necessidade de se considerar o aluno como uma

criança cujas condições para a aprendizagem devem ser respeitadas.

Gorni (2007, p.69) analisa criticamente a implantação política do ensino

fundamental de nove anos e alerta que pode tanto melhorar, como não alterar ou

14

até mesmo piorar o desempenho do sistema educacional, caso não receba o

tratamento adequado em sua implementação. A autora relembra a implantação de

políticas anteriores, como o ciclo básico e progressão continuada, que, por não

terem recebido o tratamento adequado, se distanciaram do proposto

originalmente e ocasionaram danos à formação educacional do aluno.

A autora demonstra preocupação com a estrutura e o prazo estabelecido

para vigorar a política, mais especificamente com as “condições existentes e

necessárias nas escolas (...) para subsidiar tal processo de implantação”. Nesse

período, as escolas iniciavam o processo de implantação do ensino fundamental

de nove anos, e Gorni (2007, p.72) mostrava ceticismo quanto às mudanças

efetivas que tal política poderia provocar.

Um estudo de caso foi realizado por Dantas e Maciel (2010) sobre a

inserção da criança de seis anos nos anos iniciais do ensino fundamental no

Distrito Federal. A investigação abordou as peculiaridades da política do ensino

fundamental de nove anos, suas contribuições para otimização da ação docente e

a efetivação nas instituições escolares. Com esse estudo percebeu-se que os

professores não compreendiam muito bem o conteúdo contido na proposta do

ensino fundamental de nove anos, mas tinham consciência de que a sua

responsabilidade enquanto professor havia aumentado.

Arelaro et. al. (2011, p. 47) realizaram um estudo exploratório sobre o

ingresso de crianças de 6 anos nas escolas de ensino fundamental de oito e de

nove anos de duração, em redes municipais e estaduais de São Paulo. Nessa

pesquisa foram destacadas as condições necessárias para uma implementação

adequada, como “a formação continuada dos profissionais da educação, a

ampliação da discussão sobre o currículo (tanto para a nova turma que inicia o

ensino fundamental quanto para as demais turmas), as reformas e reorganização

da estrutura física e material das escolas”. Por meio de entrevistas, Arelaro et. al.,

(2011, p.47) verificaram, ainda, que

o currículo do primeiro ano do ensino fundamental reflete somente uma

adaptação simplista do antigo currículo da primeira série, com pequenas

adequações metodológicas para garantir momentos de brincadeiras,

porém com limitações devido à ausência, nessas escolas, de espaços

físicos que contemplem parques e brinquedotecas.

.

15

Outros estudos estão disponibilizados na Biblioteca Digital Nacional da

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),

apresentados no formato de teses e dissertações.

Quadro 1: Produção de estudos sobre a temática divulgados pela CAPES

Ano

Modalidade 2008 2009 2010 2011 Total

Dissertação de mestrado 10 19 12 16 57

Tese de doutorado - 1 5 3 9

Total 10 20 17 19 66

A partir de 2008, foram produzidas e disponibilizadas para acesso 66

pesquisas relacionadas à temática do ensino fundamental de nove anos, sendo

57 dissertações de mestrado e 9 teses de doutorado. No mesmo ano, as

discussões sobre o ensino fundamental de nove anos envolviam muitos enfoques,

como: noticiário sobre essa política, publicado em revistas populares; a inclusão

da criança de seis anos na escola; as concepções de alfabetização; as

manifestações do Conselho Nacional de Educação sobre a política; a criança no

processo de transição da educação infantil para o ensino fundamental; os

conteúdos adequados para o primeiro ano; e os significados e sentidos dados

pelo professor ao ensino fundamental de nove anos.

A última temática foi elaborada por Capuchinho (2008) merece destaque

por estar relacionada às discussões apresentadas nesta tese. A autora chegou a

algumas constatações, por meio de entrevistas com professores, como: a) a

prática pedagógica do professor é norteada pelo modo como ele atribui

significados e sentidos mediante as circunstâncias em que as políticas lhes são

apresentadas; b) são necessárias decisões coletivas na proposição de políticas

de abrangência nacional como a do ensino fundamental; c) para que a política

seja entendida pelo aluno, as condições adequadas para atuação docente

tornam-se imprescindíveis.

16

Em 2009, 19 dissertações e uma tese discutiram diversos temas no

contexto do ensino fundamental de nove anos, entre eles: a criança de seis anos,

concepções e fundamentos da educação, formação do professor para atender à

infância, formação continuada do professor para atuar no ensino fundamental de

nove anos, avaliação das crianças, pais e professores sobre a política do ensino

fundamental de nove anos, argumentação dos alunos nos anos iniciais de

escolarização, alfabetização. Nesse ano, no banco de dados da CAPES não há

registros de produção relacionada à percepção do professor sobre a política do

ensino fundamental de nove anos.

Em 2010, 17 investigações foram realizadas, sendo 12 dissertações de

mestrado e 5 teses de doutorado. As pesquisas mantinham as temáticas

discutidas anteriormente, como: a questão do tempo e dos conhecimentos

necessários para a formação do aluno, a formação do professor, leitura e escrita,

transição do lúdico para a alfabetização; acrescidos de novos enfoques como a

inclusão de alunos especiais nesse nível de ensino, a abordagem da infância e a

prática pedagógica no primeiro ano.

Outro estudo que também se aproxima da temática abordada nesta

pesquisa é o de Sturion (2010), que estabelece uma relação entre a prescrição

nos documentos oficiais e os sentidos constituídos pelos que vivenciam a

implantação. A autora defende que conhecer o que os professores pensam é

fundamental para entender sua prática, e, para isso, faz uso da entrevista com

professores e supervisores, buscando apresentar as diferentes concepções sobre

alfabetização, letramento, brincar, espaço físico, número de alunos por turma e

elementos que repercutem no trabalho docente.

Em 2011, 16 dissertações e 3 teses foram disponibilizadas no banco de

teses e dissertações da CAPES. Uma delas aborda a gestão local na política de

implantação do ensino fundamental de nove anos, que não fora abordada em

estudos anteriores. As demais investigações mantêm os enfoques já apontados,

como alfabetização, impacto da política na escola, formação continuada para o

professor do primeiro ano, currículo do primeiro ano, visão das crianças sobre a

escola.1

1 Pesquisas de 2012 sobre o ensino fundamental de nove anos ainda não haviam sido

disponibilizadas até novembro de 2012.

17

O resgate dos estudos realizados sobre o ensino fundamental de nove

anos não tem a intenção de explorar todas as abordagens realizadas sobre a

temática, mas busca esclarecer que, embora haja muitos estudos sobre o tema,

das 66 investigações analisadas, apenas as de Capuchinho (2008) e Sturion

(2010) se preocupam em desvendar a percepção dos professores sobre a

implantação da política no contexto escolar, com instrumentos de coleta de dados

diferentes dos eleitos por esta pesquisa - os grupos focais. Desse modo,

caminhos diferentes foram traçados e percorridos para a abordagem do mesmo

tema em anos diferentes. Este estudo não deixa de se constituir como a avaliação

dos professores sobre uma política pública implantada em seu contexto de

atuação.

O conteúdo desta investigação está organizado em introdução, três

capítulos e considerações finais. Na introdução, situam-se os objetivos, o

problema de pesquisa, a relevância da pesquisa, os métodos e técnicas

adotados, os aportes teóricos e estudos já realizados sobre o tema.

No capítulo I, são discutidas as influências sociais, políticas e econômicas,

tanto nacionais como internacionais, na formulação da política do ensino

fundamental de nove anos, que levaram ao processo de sua elaboração, os

contextos que favoreceram a formulação e materialização da lei por meio da

produção textual.

No capítulo II são discutidas as escolhas metodológicas para a realização

da pesquisa, os espaços e os sujeitos da implantação política do ensino

fundamental de nove anos. As discussões buscam destacar o contexto prático,

representado pela materialização da política no contexto escolar, momento em

que a legislação ganha movimento, tanto para a sua implantação na íntegra

quanto para sua adaptação e, até mesmo, para sua rejeição. Neste capítulo são

discutidas, ainda, as escolhas metodológicas para a realização da pesquisa.

No capítulo III são apresentados e analisados os dados coletados sobre

os sujeitos da pesquisa: município, escolas e professores. A relação entre a

política oficial posta e os discursos dos professores acerca do processo de

implantação no contexto escolar também fazem parte do capítulo, bem como a

análise dos dados coletados, com discussão a partir de categorias definidas por

meio da interação com o material.

18

Ao final, serão tecidas algumas considerações a partir das leituras, das

experiências vivenciadas por meio da coleta de dados, da interpretação dos

dados coletados junto aos professores diante da proposição política do ensino

fundamental de nove anos.

19

Capítulo I

Influências na formulação da política do ensino fundamental de nove anos

Caminhante, não há caminho, se faz caminho ao andar.

António Machado

Nesse capítulo serão abordadas as influências que levam o Estado à

proposição e elaboração de políticas destinadas ao ensino fundamental de nove

anos, bem como o contexto de produção do texto legislador da política de

ampliação desse nível de ensino.

O ensino fundamental de nove anos faz parte de uma política educacional

ampla, que se constitui como política pública inserida no contexto das políticas

sociais. Política pública é aqui entendida como a ação do Estado na implantação

de um projeto de governo, com ações voltadas para setores específicos da

sociedade sendo a educação “uma política pública de corte social, de

responsabilidade do Estado” (HOFLING, 2001, p.31).

A oferta do ensino fundamental de nove anos compete aos estados e

municípios, responsabilidade outorgada pela Constituição Federal/88 e pela Lei

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9394/96. É importante ressaltar

que a iniciativa privada também atua nesse setor, cabendo ao Estado credenciar,

autorizar e fiscalizar a sua oferta.

Nessa investigação será abordada a percepção dos professores sobre o

ensino fundamental de nove anos ofertado pelo Poder Público em três escolas

municipais de Marília. Credita-se à escola o papel principal, mas não o único, de

prover oportunidades para o ensino-aprendizagem de conhecimentos científicos

em espaços e tempos propícios. Nesse sentido, buscar saber a respeito da

percepção dos professores sobre a proposição e implantação da política do

20

ensino fundamental de nove anos demanda refletir sobre a escola em vários

aspectos: sua composição, sua estrutura, sua administração e suas reações

diante da implantação do ensino fundamental de nove anos.

A legislação que regulamenta o ensino fundamental é: a Constituição

Federal/88, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394/96, as

Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino fundamental, estabelecidas em

2010. Ainda no campo documental há uma série de orientações oficiais quanto ao

processo de ampliação desse nível de ensino de oito para nove anos, com as

definições das concepções teóricas norteadoras das ações pedagógicas e

administrativas dos sistemas educacionais e escolas para a implantação da

política.

No Brasil, a educação está dividida em duas grandes etapas: educação

básica e educação superior. A educação básica é composta pela educação

infantil, ensino fundamental e ensino médio. O ensino fundamental é subdividido

em anos iniciais, que correspondem aos cinco primeiros anos e anos finais,

composto pelos últimos quatro anos, desse nível de ensino.

Legalmente, a entrada no ensino fundamental ocorre aos seis anos de

idade, desde 2005, Lei n. 11.114 (BRASIL, 2005) e, dentro do fluxo normal,

encerra-se aos catorze anos.

Nos artigos 205 à 214 da Constituição Federal estão dispostas as regras

para o funcionamento da educação no Brasil.

O artigo 210 trata especialmente das regras estabelecidas para a oferta do

ensino fundamental, em linhas gerais, conforme segue.

Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental,

de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores

culturais e artísticos, nacionais e regionais.

§ 1º - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina

dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.

§ 2º - O ensino fundamental regular será ministrado em língua

portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização

de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.

Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9394/96, seção III,

os artigos 32 e 33 dispõem sobre a gratuidade e obrigatoriedade.

O artigo 34 dispõe sobre os objetivos da formação nesse nível de ensino:

21

I – o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios

básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;

II – a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da

tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;

III – o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a

aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e

valores;

IV – o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade

humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social.

A Resolução n. 4, de 13 de julho de 2010 (BRASIL, 2010), estabeleceu as

Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica em 60 artigos

distribuídos em 7 títulos, referentes a objetivos, referências conceituais, sistema

nacional de educação, acesso e permanência para a conquista da qualidade

social, organização curricular: conceito, limites e possibilidades, organização da

educação básica e elementos constitutivos para a organização das diretrizes

curriculares nacionais gerais para a educação básica.

Com relação ao ensino fundamental, estabelece:

Art. 24. Os objetivos da formação básica das crianças, definidos para a

Educação Infantil, prolongam-se durante os anos iniciais do ensino

fundamental, especialmente no primeiro, e completam-se nos anos finais,

ampliando e intensificando, gradativamente, o processo educativo,

mediante:

I - desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios

básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;

II - foco central na alfabetização, ao longo dos 3 (três) primeiros anos;

III - compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da

economia, da tecnologia, das artes, da cultura e dos valores em que se

fundamenta a sociedade;

IV - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a

aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e

valores;

V - fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade

humana e de respeito recíproco em que se assenta a vida social.

Os objetivos traçados nas Diretrizes Curriculares para a Educação Básica

correspondem, essencialmente, aos que já eram estabelecidos pela LDBEN/96. A

concepção de formação do aluno, que considera a formação integral, é

22

estabelecida por meio do princípio de continuidade dos estudos, que inicia, se

amplia e intensifica ao longo da educação básica.

O domínio da leitura, da escrita e do cálculo é um dos objetivos

reafirmados no ensino fundamental, determinando “foco central na alfabetização,

ao longo dos três primeiros anos” (BRASIL, 2010). Do ponto de vista legal, há um

parecer favorável à alfabetização já no primeiro ano do ensino fundamental, uma

vez que não se exclui nesse período o processo de aquisição da leitura e escrita.

As Diretrizes Curriculares para o ensino fundamental são determinadas em

um contexto mais amplo que as Diretrizes Curriculares para a Educação Básica e

tratada mais especificamente em documentos elaborados pelo Ministério da

Educação, abordando diversas temáticas que envolvem o ensino fundamental.

Em 2010 foram estabelecidas as Diretrizes Curriculares Nacionais para o

ensino fundamental de nove anos – DCN/EF/2010 – por meio da Resolução

MEC/CNE/CEB n. 7/2010 (BRASIL, 2010). A Resolução contém 50 artigos

classificados em diversas temáticas: fundamentos; princípios; matrícula e carga

horária; currículo; Projeto Político Pedagógico; gestão democrática e participativa;

relevância dos conteúdos, integração e abordagem; articulações e continuidades

da trajetória escolar; avaliação; escola de tempo integral; educação do campo,

indígena e quilombola; educação especial, educação de jovens e adultos e

implementação das Diretrizes.

O texto das DCN/EF/2010 engloba conteúdos legais já existentes em

outros documentos sobre o ensino fundamental, uma vez que retoma o que fora

estabelecido na Constituição Federal/88 (BRASIL, 1988), como o direito à

educação e o dever da oferta pelo poder público. Há uma revisão do que estava

estabelecido anteriormente nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino

fundamental de 1998 (BRASIL, 1998) no que diz respeito à base nacional

comum e à parte diversificada dos conteúdos curriculares obrigatórios. As

determinações são reapresentadas no artigo 26 da LDBEN/96, que também

dispõe sobre o conteúdo a ser trabalhado no ensino fundamental.

No que se refere à atuação docente, o artigo 25 da DCNEF/2010

determina:

23

Os professores levarão em conta a diversidade sociocultural da

população escolar, as desigualdades de acesso ao consumo de bens

culturais e a multiplicidade de interesses e necessidades apresentadas

pelos alunos no desenvolvimento de metodologias e estratégias variadas

que melhor respondam às diferenças de aprendizagem entre os

estudantes e às suas demandas.

As reapresentações de determinações legais contidas em vários

documentos que legislam sobre o ensino fundamental levam a constatar que

alguns discursos feitos em relação à educação, apesar de nem sempre estarem

alinhados, se repetem como que numa tentativa de fazer acontecer pela exaustão

da proposição.

No contexto de análise das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino

Fundamental de 1988 e as Diretrizes estabelecidas em 2010, para esse mesmo

nível de ensino, o que se percebe é que o documento mais recente reafirma o que

já estava estabelecido na Diretriz de 1998. Algumas determinações são

desprovidas de novidade a ponto de confirmar o que era vivenciado e

incorporado no cotidiano escolar. Desse modo, as políticas educacionais

cooperam, em muitos casos, para manter o que vem sendo realizado e não para

modificar.

O ensino fundamental no Brasil, embora tenha sido alvo de políticas

aparentemente novas, conserva a sua essência. Contextos políticos e

econômicos motivaram as proposições políticas, sem provocar mudanças

estruturais.

1 O Estado como propositor de políticas educacionais

As proposições políticas emanam do Poder Público, uma vez que “O

Estado é (...) instância delegada, criatura da sociedade a seu serviço” (DEMO,

2002, p. 43). A sociedade também pode colaborar, propondo temas a serem

legislados, porém o mais comum é que o Poder Legislativo seja o mais atuante na

elaboração e determinação de leis, uma vez que essa é a sua função principal.

Saviani (2006, p.2) afirma serem raros os estudos que buscam reconstituir

a gênese de uma lei, o que traz prejuízos em relação à compreensão das

24

investigações sobre o produto (lei), sem levar ao conhecimento integral do modo

como foi produzido e as verdadeiras intenções que levaram a sua proposição.

Independente de quem propõe, as leis educacionais nem sempre agradam

a todos, visto que há divergências entre as concepções educacionais, as

necessidades educacionais são inúmeras e nem todas são contempladas.

Azevedo (2004, p. 66) afirma que a proposição de uma política está relacionada

à leitura específica que os fazedores de política têm acerca da realidade social

que reflete suas experiências de vida.

Compreender o papel do Estado e seus reais propósitos ao definir as

políticas educacionais é uma tarefa complexa, visto que suas determinações são

permeadas por jogos de interesse de grupos dominantes e pela limitação de

recursos a essa área social, com concepções educacionais distintas. Em uma

medida política, é indispensável verificar se o que é determinado interfere na

qualidade da educação ofertada, de fato, ou se o que norteia a política é uma

decisão cerceada por uma política mais econômica do que educacional.

No contexto da análise de políticas, Frey (1999, p.4) apresenta três

dimensões: a policy, a politics e a polity. A policy compreende a dimensão

material da política. A politics compreende o processo político “de caráter

conflituoso” e refere-se à distribuiçao de decisões. A polity refere-se ao sistema e

à estrutura.

No contexto deste estudo, a legislação e os documentos elaborados pelo

MEC para a implantação da política do ensino fundamental de nove anos

constituem-se como policy. A politics consiste no cerne da pesquisa que analisa

os conflitos e desajustes existentes no processo de implementação da política. A

polity é representada pelas instituições políticas e refere-se a todo o contexto

político, uma vez que a organização de um sistema e a sua estrutura influenciam

no conteúdo das políticas propostas, no modo como são propostas e nas ações

tomadas para a sua efetivação.

Para Boneti (2006, p.9), a educação é uma política pública que tem a sua

procedência na ação do Estado “destinada a um público e que envolve recursos

públicos”.

Höfling (2001, p.31) concebe o Estado de modo mais abrangente, como

25

o conjunto de instituições permanentes – como órgãos legislativos,

tribunais, exército e outras que não formam um bloco monolítico

necessariamente – que possibilitam a ação do governo; e Governo,

como o conjunto de programas e projetos que parte da sociedade

(políticos, técnicos, organismos da sociedade civil e outros) propõe para

a sociedade como um todo, configurando-se a orientação política de um

determinado governo que assume e desempenha as funções de Estado

por um determinado período.

No que se refere à atuação do Estado nas proposições de políticas

educacionais, este é representado pelo Ministério da Educação, órgão nacional e,

há, ainda, proposições formuladas e sancionadas tanto pelo Senado, como pela

Câmara dos Deputados e, esporadicamente, pela sociedade civil.

De acordo com Azevedo (2004, p. 60), são “as políticas públicas que dão

visibilidade e materialidade ao Estado.” No Brasil, as políticas traçadas pelo

Estado estão inseridas em uma política econômica global, configurada como

neoliberal. O neoliberalismo surge como uma tentativa de manter o modelo de

produção para sustentar o capitalismo. Nas políticas neoliberais os comandos são

norteados pelas ações mercadológicas e econômicas. “A ideia do Estado mínimo

é uma consequência da utilização da lógica do mercado em todas as relações

sociais, não reduzidas somente ao aspecto econômico” (BIANCHETTI 2001,

p.88).

O Estado mínimo no contexto da proposição de políticas sociais pauta-se

no princípio da expansão da produção, sem grandes investimentos, o que

repercute na ausência da qualidade da oferta educacional. A formação do

indivíduo está voltada à manutenção do modelo econômico, ou seja, formar um

indivíduo competente e competitivo para legitimar os interesses do capitalismo.

Nesse sentido novas terminologias e lógicas são adotadas, os interesses

econômicos permeiam a oferta educacional e são estabelecidos padrões de

qualidade, metas educacionais e avaliação periódica para acompanhamento dos

resultados.

A concepção de educação e da necessidade de formação dos indivíduos

advém desse contexto. Há muitas críticas às políticas sociais implantadas no

contexto do neoliberalismo. Ong (2006, p. 13), por exemplo, conceitua o

neoliberalismo como a ação do Estado desvinculada de um contexto real onde

será aplicada, ou seja, são “técnicas de governo baseadas no cálculo, que

26

podem ser descontextualizadas de suas fontes originais e recontextualizadas nas

constelações de relacionamentos contingentes e mutuamente constitutivos”.

A ideia implícita no modelo político neoliberal é a de transferir parte das

atribuições do Estado ao mercado e a sociedade como um todo. O Estado passa

de provedor a regulador de políticas.

O crivo da necessidade e da possibilidade de efetivação política tem base

na racionalidade técnica para as tomadas de decisões. Nesse modelo, o Estado

atribui responsabilidades às esferas administrativas para a execução das

políticas, mas não oferece o mínimo de recursos e condições para sua efetivação.

O discurso predominante é o de que com precisão e técnica é possível ampliar as

condições para se alcançar os objetivos educacionais estabelecidos.

Ao delegar responsabilidades, o Estado dissemina a aparente ideia de

descentralização e participação democrática das instituições; porém, a liberdade

consiste na execução das políticas determinadas hierarquicamente. O Estado

assume a postura de fiscalizador e regulador das políticas. A pseudo

descentralização e a atuação democrática que favorecem a autonomia aparente

das instituições foram avaliadas por Rezende (2011, p.151), que destaca “a

simples administração local não representa por si só sua efetiva democratização

nem a conquista da gestão autônoma. Ao contrário, pode significar o aumento do

controle dessas unidades e o tolhimento do seu poder decisório”.

Embora a política de ampliação do ensino fundamental de oito para nove

anos possa soar como contraditória às posturas adotadas pelo Estado Neoliberal,

esse mesmo Estado defende a formação educacional como instrumento útil à

formação para o trabalho e tem consciência de sua repercussão no contexto

econômico.

2 Influências na elaboração da política do ensino fundamental de nove anos

A entrada antecipada das crianças no ensino fundamental foi

regulamentada pela Lei n. 11.114, de 2005. Posteriormente, a Lei n. 11.274, de

2006, estabeleceu um novo período de duração para cursar o ensino

fundamental, passando de oito para nove anos, conforme fora definido no artigo

27

32: o ensino fundamental obrigatório passaria a ter “duração de 9 (nove) anos,

gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade.”

O ensino fundamental de nove anos surge a partir de uma estrutura

preexistente, com espaço definido e cultura remanescente do ensino fundamental

de oito anos. A nomenclatura “ensino fundamental” foi determinada pela Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional n.9394/96, posteriormente modificada,

com o acréscimo do termo nove anos. A legislação anterior à LDB/96, ou seja, a

Lei n. 5.692/71 denominava essa etapa de formação de ensino de primeiro grau.

A meta principal do ensino fundamental de oito anos era expandir a oferta a

todos que se encontravam na idade correspondente para cursar esse nível de

ensino. No final do século XX, o ensino fundamental foi praticamente

universalizado, mesmo que com um atraso de quase um século em relação aos

países desenvolvidos.

De acordo com as orientações do Ministério da Educação – MEC e

Secretaria da Educação Básica – SEB (BRASIL, 2009, p.5), os objetivos da

ampliação do ensino fundamental para nove anos de duração estão relacionados

à equidade, à melhoria da qualidade da educação básica, alcance de um nível

maior de escolaridade, oferta de um tempo mais longo para as aprendizagens da

alfabetização e do letramento.

As Constituições Brasileiras de 1934, 1937, 1946, 1967, 1988 e

documentos internacionais, como a Declaração dos Direitos Humanos (1948), há

tempos buscavam determinar a gratuidade e a obrigatoriedade da educação. Nas

duas últimas décadas, os discursos se intensificaram e concentraram-se no

alcance da meta. Oliveira (2007) reafirma que o desafio da universalização do

acesso ao ensino fundamental ainda persiste, já que somente 96% a 97% das

crianças em idade escolar frequentavam o ensino fundamental, índice este jamais

alcançado na história da educação brasileira, porém não corresponde à

totalidade.

Oliveira (2007, p.671) resgata a história acerca da obrigatoriedade da

educação no Brasil, afirmando que o ensino primário passou a ser direito

subjetivo de todos os cidadãos com a Constituição Federal de 1934, mesmo que

para usufruir desse direito o poder aquisitivo fosse determinante e as vagas

insuficientes naquele momento histórico.

28

Determinar o direito à educação e promover o acesso ao ensino obrigatório

são etapas que caminham em ritmos diferenciados no Brasil, ou seja, a

determinação dos direitos educacionais podem não passar de discursos, já que

sua efetivação pode levar décadas ou nem mesmo chegar a acontecer, por

motivos políticos, sociais e econômicos.

No Brasil, a ampliação do tempo de escolarização foi uma conquista

gradual. A implantação do ensino obrigatório, com a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação n. 4.024/61, determinava quatro anos na formação inicial do indivíduo.

A ampliação de quatro para oito anos ocorreu com a Lei n. 5.692/71, que unificou

as duas fases de ensino: primário e ginasial em primeiro grau, que passou a ser

constituído de oito anos de estudo.

A educação no Brasil passou por mudanças significativas entre as décadas

de 1980 e 1990, que se caracterizou por um período de transição política e

econômica no Brasil. No contexto político buscava-se implantar princípios

democráticos para a participação da sociedade nas decisões coletivas. Era um

momento de transferência do governo militar para o governo civil. A sociedade

buscava abertura para participação nas decisões do país por meio de eleições

diretas. Foi um momento de discussão para a construção da segunda Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que assimilou o momento histórico,

político, social e econômico do Brasil.

Nos aspectos pedagógicos, muitos países da América Latina reviam seus

currículos e demonstravam preocupação com a necessidade de mudanças

metodológicas para promover o ensino- aprendizagem em sala de aula. No Brasil,

a teoria mais difundida nos eventos educacionais era o construtivismo,

fundamentado nos estudos de Piaget (1970), que se contrapunha ao modo como

o processo ensino-aprendizagem ocorria, pautado em uma visão tradicional de

ensino, em que o professor é o detentor do conhecimento a ser transmitido para o

aluno. A concepção tradicional de ensino era contraditória com a necessidade de

formação do sujeito para atuar em contextos de disseminação rápida do

conhecimento.

Do ponto de vista da legislação, a década de 1990 foi produtiva para as

políticas educacionais, especialmente no contexto do ensino fundamental. A

Conferência de Educação para Todos, realizada em 1990, em Jomtien –

29

Tailândia, foi um evento que influenciou e impulsionou a elaboração de novas

políticas educacionais ao propor desafios educacionais aos diversos países

participantes, inclusive ao Brasil, tendo em vista a necessidade de elevação do

nível de formação profissional para inserção no mercado globalizado.

Para Mainardes (2006, p.51), a formulação de políticas pode sofrer

influências diversas nacionais ou internacionais, que vão do fluxo de ideias

vigentes nas redes políticas ao empréstimo de políticas padronizadas, às

soluções vendidas em periódicos, livros e conferências, ou seja, as origens das

proposições políticas podem refletir tendências globais, concepções educacionais

de grupos políticos, econômicos e intelectuais dominantes ou a partir de

constatações feitas por meio de dados coletados em avaliações externas.

“O processo de definição de políticas públicas para uma sociedade reflete

os conflitos de interesses, os arranjos feitos nas esferas de poder que perpassam

as instituições do Estado e da sociedade como um todo” (HÖFLING, 2001, p.38),

ou seja, as concepções e os interesses educacionais apresentam-se de maneiras

distintas que podem ou não coincidir com os interesses da sociedade ou com as

reais necessidades da educação.

Se por um lado a tendência mundial era ampliar as oportunidades de

acesso ao ensino obrigatório, a qualidade do ensino ofertado no Brasil começava

a ser questionada (OLIVEIRA, 2007, p.666). Estava posto o desafio da qualidade

na oferta da educação brasileira.

Embora, nem mesmo o desafio da qualidade fosse superados, com a Lei n.

11.274/2006, um novo desafio foi proposto: a entrada antecipada da criança de

seis anos no ensino fundamental de nove anos.

Santos e Vieira (2006, p.779) apontam motivações que julgam ter

influenciado a proposição do ensino fundamental de nove anos. Embora suas

investigações tenham acontecido no contexto do estado de Minas Gerais, é

possível estabelecer relações entre a motivação nacional e a de outros estados.

Para as autoras, a diminuição da taxa de fecundidade configurou-se em um

princípio de ociosidade nas vagas ofertas à faixa etária correspondente a esse

nível de ensino. O fato de acrescentar um ano ao ensino fundamental no início, e

não no final, justifica-se pelo fato de ser mais caro manter um aluno nos anos

finais do ensino fundamental do que nos anos iniciais.

30

Outro motivo apresentado por Santos e Vieira (2006, p. 780) pautava-se na

previsão da aceitação positiva das famílias e na repercussão do fato, considerado

um “apelo de caráter eleitoral” (2006, p.780). As autoras consideram as crianças

de seis anos aptas para iniciar o processo de alfabetização e, entendem ainda

que um ano a mais na formação do aluno favorece o aumento das oportunidades

de aprendizagem, já que os municípios que só tinham linhas de financiamento

para o ensino fundamental poderiam ampliar a oferta de um ano de estudo.

O nome dado à política do ensino fundamental de nove anos expressa

ênfase na questão da temporalidade, mas o documento elaborado pelo próprio

Ministério da Educação adverte que “a aprendizagem não depende apenas do

aumento do tempo de permanência na escola”, mas do uso desse tempo. A

associação do aumento do tempo para estudo e o uso eficiente pode contribuir

significativamente para que os estudantes aprendam mais e de maneira mais

prazerosa (BRASIL, 2007, p.7).

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2000)

também contribuíram para justificar a proposição política de mais um ano ao

ensino fundamental, ao constatarem que 81,7% das crianças de seis anos já

frequentavam a escola, sendo que 29,6% delas estavam no ensino fundamental.

Aproximadamente, um terço das crianças já adentrava a escola aos seis anos,

especialmente nas escolas particulares, não haveria problemas em antecipar a

entrada dos outros dois terços. A entrada antecipada sempre foi vista com

fascínio pelos pais ou responsáveis. Historicamente, a infância “se associa ao

tempo de ir à escola” (SOUZA, 1999, p.129).

A proposição do ensino fundamental de nove anos nos documentos legais

pauta-se em duas realidades. A primeira refere-se às crianças que não tinham

acesso à Educação infantil, em muitos estados brasileiros, pela insuficiência de

recursos para a oferta de vagas. Nesse caso, um ano de estudo, ainda que no

ensino fundamental, constitui-se como uma oportunidade a mais para a

aprendizagem. A segunda realidade é referente aos Estados brasileiros mais

desenvolvidos, em que não houve a ampliação do tempo de escola, uma vez que

grande parte dos alunos já frequentava a educação infantil. O que houve foi a

reformulação da proposta de formação da criança de seis anos em outro contexto.

31

A expansão de ampliação do ensino fundamental resultou de pressões

econômicas e sociais que contribuíram para a sua proposição. O ensino

fundamental de oito anos foi marcado por altos índices de repetência e evasão,

extremamente criticados internacionalmente. O desenvolvimento educacional não

consistia apenas no acesso à educação, mas deveria garantir a permanência e a

qualidade do ensino ofertado.

Segundo Arelaro (2005, p.1048), na década de 1990, o Brasil foi apontado

como um dos sete piores países do mundo em todas as suas modalidades de

ensino.

Diante de tal situação, foram tomadas algumas medidas tomando por base

orientações de organismos internacionais, especialmente no Estado de São

Paulo, como a implantação das classes de aceleração, ciclos escolares,

progressão continuada, dentre outras ações políticas que expressavam uma

preocupação relativa com os números da educação, uma vez que foram

adotadas medidas que não estão diretamente vinculadas à melhoria da qualidade

da educação. Nesse momento histórico, o discurso que vigorava era o de que os

recursos existentes para a educação no Brasil eram suficientes, cabendo apenas

aperfeiçoar a sua utilização, por meio de uma maior focagem nos investimentos

(PINTO, 2002, p.124).

Oliveira (2007, p. 670) constata que, no Brasil, há número de vagas

suficiente para atender à faixa etária dos 7 aos 14 anos, idade correspondente

para cursar o ensino fundamental; mas as vagas não estão distribuídas de acordo

com a demanda em regiões específicas.

De qualquer forma, no contexto de mudanças políticas e econômicas,

buscava-se reformar o ensino a partir de uma lei nacional. Discussões foram

realizadas no final da década de 1980 por profissionais e instituições ligadas à

educação que veio a resultar em um Projeto de Lei apresentado na Câmara dos

deputados por Jorge Hage. Ao mesmo tempo em que havia a discussão do

Projeto de Lei “Jorge Hage” Darcy Ribeiro elaborou e apresentou um novo Projeto

no Congresso Nacional. O Projeto discutido na Câmara foi considerado

inconstitucional e a principal crítica recebida era a de que o texto contemplava

apenas os interesses da escola pública. Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da

32

Educação Nacional n. 9.394/96 – LDBEN/96 foi aprovada no Congresso Nacional

sob a égide do Senador Darcy Ribeiro.

As determinações educacionais propostas anteriormente, contidas na

Constituição de 1988, nem mesmo haviam sido alcançadas, como a

universalização do acesso ao ensino fundamental e a erradicação do

analfabetismo no país, e a LDBEN/96 apresentava novos desafios, como a

novidade da escola em tempo integral2, no art. 23, e a entrada antecipada das

crianças na escola, que posteriormente veio a ser ratificada por meio do Plano

Nacional de Educação – PNE– n. 10.172 de 2001, apontando que “o ingresso no

ensino fundamental é relativamente tardio no Brasil, sendo de 6 anos a idade-

padrão na grande maioria dos sistemas, inclusive nos demais países da América

Latina.” (BRASIL, 2001, p.48).

Desse modo, estabeleceu-se que uma das metas do plano seria “ampliar

para nove anos a duração do ensino fundamental obrigatório com início aos seis

anos de idade, à medida que for sendo universalizado o atendimento na faixa de

7 a 14 anos”. A antecipação da entrada na escola e a ampliação do ensino

fundamental deveriam acontecer considerando a universalização do acesso à

escolarização.

“O caráter histórico das políticas educacionais remete, por sua vez, à

necessidade de analisá-las com base no contexto nacional e internacional”

(GATTI, BARRETO, ANDRÉ, 2011). A entrada das crianças no ensino

obrigatório, que atualmente corresponde ao ensino fundamental, também foi

analisada pela UNESCO (2008, p. 231), relatando que, dos 41 países que

compõem o bloco da América Latina e Caribe, em 36 países ocorria antes dos

sete anos, em 15 países, aos cinco anos e em 21 países, aos seis anos. Em

apenas cinco países a escolaridade obrigatória começava aos sete anos, entre

eles o Brasil.

A UNESCO verificou, ainda, que dos 41 países do bloco, a maioria dos

sistemas educacionais, 31 países, oferecem 10 ou mais anos de escolarização

obrigatória e os outros 10 países oferecem menos de 10 anos de escolarização

obrigatória, entre eles o Brasil, ou seja, a oferta da educação no Brasil estava

2 O ensino em tempo integral foi estabelecido no art. 34, § 2º da LDBEN/96, e até 2013, poucos sistemas de

ensino haviam implantado a política.

33

configurada pela minimização, tanto dos anos de ensino obrigatório como pelo

acesso tardio a esse nível de ensino.

Marcos que delimitam a infância e as fases tidas como apropriadas para as

correspondentes aprendizagens são analisados por Gondra (2007, p.234). Para a

autora,

a cronologia da vida (...) deve levar em consideração a base, carga e

tempo de amadurecimento biológico dos sujeitos, não sendo menos

necessário reconhecer as variantes culturais e a história que também

definem de modo decisivo as possibilidades de compreensão da vida e

de sua racionalização, por intermédio da invenção das idades.

Gondra (2007, p. 234) defende, ainda, que a definição de infância adotada

por um país “pode estar articulada com a disposição do Estado em atender uma

determinada faixa etária ou nível de escolarização” e não necessariamente a

atender as reais necessidades de aprendizagem da criança. Sendo assim, o

Brasil, ao seguir tendências adotadas por outros países, adere indiretamente a

concepções políticas que norteiam as medidas educacionais fora do país.

Avaliações internas também são determinantes na proposição de uma

política, como apontam Santos e Vieira (2006, p.785) ao destacar em seus

estudos sobre o ensino fundamental os resultados do Sistema Nacional de

Avaliação da Educação Básica (SAEB/2003), divulgados pelo Instituto Nacional

de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP). Neles constava que 59% das

crianças de 10 anos, no quarto ano de escolaridade, não sabiam ler e escrever

(MEC/INEP, 2003). Dados do SAEB (2003) apontavam também que as crianças

que entram antes dos sete anos na escola apresentam desempenho superior às

crianças que ingressam na escola somente aos sete anos.

Aliar a entrada antecipada dos alunos na escola ao aumento dos anos de

estudo na educação obrigatória é uma tendência internacional, que passou a ser

concebida como necessária para a equiparação da formação do indivíduo com a

de outros países.

Um aspecto positivo e importante na ampliação do ensino fundamental de

oito anos é a correspondente ampliação do direito subjetivo à educação, na

34

ocasião, restrito apenas ao ensino fundamental3. A oferta de mais um ano no

ensino fundamental assegura maior tempo para o estudo, principalmente nos

estados brasileiros em que são poucas as vagas disponíveis para a educação

infantil.

Segundo o documento Ensino fundamental de nove anos: orientações para

a inclusão da criança de seis anos de idade, essa mudança faz parte de uma

série de políticas “indutoras de transformações na estrutura da escola” (BRASIL,

2007, p.5), que, além de prezar pela questão da temporalidade, considera a

necessidade de reorganizar os espaços escolares, alterar a forma de ensinar,

aprender, avaliar; desenvolver o currículo e trabalhar o conhecimento.

Os objetivos da ampliação do ensino fundamental para nove anos de

duração são reafirmados no documento Passo a passo da implementação do

ensino fundamental de nove anos (BRASIL, 2009), ou seja: melhorar as

condições de equidade e de qualidade da educação básica; estruturar um novo

ensino fundamental para que as crianças prossigam nos estudos, alcançando

maior nível de escolaridade; assegurar que, ingressando mais cedo no sistema de

ensino, as crianças tenham um tempo mais longo para as aprendizagens da

alfabetização e do letramento (BRASIL, 2009).

A ampliação das oportunidades de aprendizagem por meio do ensino

fundamental de nove anos é positiva quando não se restringe à contribuição para

o aumento da capacidade produtiva do indivíduo.

Gorni (2007, p. 71) analisa as políticas educacionais que se apresentam na

atualidade como uma possibilidade de rever “a dívida social brasileira para com

uma grande parcela da população”, que esteve excluída ou teve restrições ao

acesso à educação por um período de tempo significativo.

3 Contexto da produção do texto legislativo

Anos após as determinações da LDBEN/96, novos textos foram elaborados

por meio de pareceres, resoluções e novas leis, a fim de normatizá-la. Seguindo

3 A expansão do ensino obrigatório foi determinada pela Emenda Constitucional n. 59/2009, com

prazo para vigorar a partir de 2016, alterando o texto do artigo 208 da Constituição Federal/88, que passará a constar como ensino obrigatório: os dois últimos anos da educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio.

35

o trâmite legal, em janeiro de 2005, a deputada e professora Raquel Teixeira

apresentou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei – PL n. 144/2005 –

dispondo sobre a Educação infantil e a duração de nove anos do ensino

fundamental e a entrada das crianças com seis anos nesse nível de ensino,

alterando os artigos 29, 30, 32 e 87 da LDBEN/96. São dez os Pareceres e uma

Resolução responsáveis por normatizar a ampliação do ensino fundamental para

nove anos, como pode ser conferido a seguir.

Quadro 2- Pareceres que orientam a implantação do ensino fundamental de nove

anos

Parecer/ Resolução

Data Conteúdo

Parecer CNE/CEB n. 24/2004

15 de setembro de 2004

Estudos visando ao estabelecimento de normas nacionais

para a ampliação do ensino fundamental para nove anos de

duração.

Parecer CNE/CEB n. 6/2005

8 de junho de 2005

Estabelecimento de normas nacionais para a ampliação do

ensino fundamental para nove anos de duração.

Resolução CNE/CEB n. 3/2005

3 de agosto de 2005

Define normas nacionais para a ampliação do ensino

fundamental para nove anos de duração.

Parecer CNE/CEB n. 18/2005

15 de setembro de 2005

Orientações para a matrícula das crianças de seis anos de

idade no ensino fundamental obrigatório, em atendimento à

Lei n. 11.114/2005, que altera os artigos. 6º, 32 e 87 da Lei

n. 9.394/96.

Parecer CNE/CEB n. 39/2006

8 de agosto de 2006

Consulta sobre situações relativas à matrícula de crianças

de seis anos no ensino fundamental.

Parecer CNE/CEB n. 41/2006,

9 de agosto de 2006

Consulta sobre interpretação correta das alterações

promovidas na Lei n. 9.394/96 pelas recentes Leis n.

11.114/2005 e n. 11.274/2006.

Parecer CNE/CEB n. 45/2006

7 de dezembro de 2006

Consulta referente à interpretação da Lei Federal n.

11.274/2006, que amplia a duração do ensino fundamental

para nove anos, e quanto à forma de trabalhar nas séries

iniciais do ensino fundamental.

Parecer CNE/CEB n. 5/2007

1º de fevereiro de 2007

Consulta com base nas Leis n. 11.114/2005 e n°

11.274/2006, que tratam do ensino fundamental de nove

anos e da matrícula obrigatória de crianças de seis anos no

ensino fundamental.

36

Parecer CNE/CEB n. 7/2007

19 de abril de 2007

Consulta com base nas Leis n. 11.114/2005 e n°

11.274/2006, que se referem ao ensino fundamental de

nove anos e à matrícula obrigatória de crianças de seis

anos no ensino fundamental.

Parecer CNE/CEB n. 4/2008

20 de fevereiro de 2008

Reafirma a importância da criação de um novo ensino

fundamental, com matrícula obrigatória para as crianças a

partir dos seis anos completos ou a completar até o início

do ano letivo. Explicita o ano de 2009 como o último período

para o planejamento e organização da implementação do

ensino fundamental de nove anos que deverá ser adotado

por todos os sistemas de ensino até o ano letivo de 2010.

Reitera normas, a saber: o redimensionamento da

educação infantil; estabelece o 1º ano do ensino

fundamental como parte integrante de um ciclo de três anos

de duração denominado “ciclo da infância”. Os três anos

iniciais é destacado como um período voltado à

alfabetização e ao letramento no qual deve ser assegurado

também o desenvolvimento das diversas expressões e o

aprendizado das áreas de conhecimento. Destaca

princípios essenciais para a avaliação.

Fonte: Brasil, MEC (2009).

No quadro, as orientações são de diversas ordens. Os Pareceres

CNE/CEB n° 06/2005, 18/2005, 39/2006, 7/2007 e 04/2008 e Resolução

CNE/CEB n° 3/2005 propõem a reorganização administrativa e a reorganização

pedagógica, de modo que contemplem a formação dos profissionais da

educação, o aperfeiçoamento profissional continuado, período reservado a

estudos, planejamento e avaliação, a reorganização dos tempos e espaços

escolares, a garantia da obrigatoriedade dos estudos de recuperação, a

adequação e aquisição do material didático, o redimensionamento da educação

infantil.

Não foram apenas os pareceres e a resolução que orientaram a

implantação do ensino fundamental de nove anos; novos documentos foram

distribuídos às escolas no formato de livros, não com o caráter legislador, mas

com a função de orientar situações peculiares que viessem a surgir no contexto

escolar e oferecer respaldos teóricos sobre as práticas e concepções

pedagógicas que norteiam a proposta política.

Os textos políticos se apresentam de diferentes maneiras. Para Mainardes

(2006, p.52), eles “são o resultado de disputas e acordos”, expressam a política

37

em si e podem se apresentar por meio da legislação, de textos, comentários

informais ou pronunciamentos sobre os textos oficiais.

3.1 Documentos elaborados pelo MEC/SEB e orientações para a implantação do ensino fundamental de nove anos

O MEC é propositor de políticas educacionais (BRASIL, 2004, p.4) e afirma

que age pautado em uma metodologia de trabalho de articulação com os

sistemas de ensino e com as diversas entidades voltadas para a questão

educacional, adotando princípios democráticos na construção das políticas

públicas em parceria com os atores sociais nelas envolvidos.

São seis os documentos elaborados com orientações para a implantação

do ensino fundamental de nove anos, considerando as necessidades de

adequação política, administrativa e pedagógica:

Ensino fundamental de nove anos 1º relatório (BRASIL, 2004)

Ensino fundamental de nove anos 2º relatório (BRASIL, 2004b)

Ensino fundamental de nove anos: orientações gerais (BRASIL, 2004)

Ensino fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança

de seis anos de idade. (BRASIL, 2007)

Passo a passo da implementação do ensino fundamental de nove anos

(BRASIL, 2009)

A criança de 6 anos, a linguagem escrita e o ensino fundamental de nove

anos. (BRASIL, 2009)

Para contextualizar a política e situar as discussões tecidas nessa

pesquisa, serão apresentados, suscintamente, os conteúdos dos documentos

citados, que inicialmente foram elaborados por meio de consultas públicas, ou

seja, com base nos questionamentos de educadores gestores e sociedade em

geral sobre a ampliação dessa etapa de ensino. O documento ensino

fundamental de nove anos: 1º relatório possui oito páginas, apresenta o processo

de elaboração dos documentos norteadores da política a partir do princípio de

implantação, em 2004.

38

No documento constam os debates e encontros promovidos entre as

Secretarias do Ministério da Educação – MEC, a União Nacional dos Dirigentes

Municipais de Educação – UNDIME – e o Conselho Nacional dos Secretários de

Educação – CONSED.

Os encontros foram primeiramente regionais e ocorridos em sete cidades

brasileiras: Belo Horizonte–MG, Campinas–SP, Florianópolis–SC, São Luís–MA,

Recife–PE, Rio Branco–AC e Goiânia–GO. Na ocasião, o objetivo era

encaminhar, coletiva e democraticamente, discussões sobre a viabilidade da

implementação do Programa Ampliação do Ensino Fundamental para Nove Anos.

Muitas secretarias da educação firmaram o compromisso de iniciar o programa

no primeiro semestre de 2004 (BRASIL, 2004).

No texto do primeiro relatório (BRASIL, 2004, p.2) destaca-se que “a

ampliação tem implicações, que não podem ser subestimadas, em vários

aspectos: proposta pedagógica, currículo, organização dos espaços físicos,

materiais didáticos e aspectos financeiros”. Quanto à educação infantil,

reconhece-se que precisa ser modificada e há a recomendação de que “as

diretrizes em vigor para esta etapa precisarão ser reelaboradas”. Nesse mesmo

relatório, é lembrado o que fora estabelecido no Plano Nacional de Educação –

PNE (2001–2011), que diz respeito ao cumprimento da meta de ampliação do

ensino fundamental para nove anos, com início aos seis anos, e que exige a

iniciativa da União.

Em novembro de 2004, um novo encontro foi realizado em Brasília, em

caráter nacional, com a participação de 247 secretarias, entre elas quatro

secretarias estaduais e as demais municipais. A expectativa era de subsidiar e

aprofundar a discussão sobre o ensino fundamental de nove anos. As sínteses

dos encontros foram apresentadas pelo MEC por meio do segundo relatório, que

apresentava o número dos participantes de entidades, de instituições e de

especialistas convidados para as discussões.

O segundo relatório (BRASIL, 2004b), composto por oito páginas,

apresentou levantamentos sobre os temas que deveriam ser aprofundados e as

principais dúvidas dos participantes sobre a concretização da política do ensino

fundamental de nove anos. Essa coleta de dados possibilitou a elaboração de

textos que compõem o livro: Ensino fundamental de nove anos: Orientações

39

Gerais (BRASIL, 2004), com pressupostos teóricos, legais e organizacionais, a

fim de esclarecer as principais dúvidas levantadas.

O material que serviu de base para uma análise mais específica são as

recomendações do MEC/SEB (BRASIL, 2007) contidas no documento: Ensino

fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos

de idade, contendo 135 páginas. A escolha desse material deve-se ao fato de que

o seu conteúdo está diretamente relacionado aos objetivos desta pesquisa, uma

vez que trata em especial da necessidade de uma atuação docente coerente para

a efetivação da política no modelo como foi proposta. Nesse documento há,

ainda, recomendações para que a implantação do ensino fundamental de nove

anos receba seja gerida nos aspectos político, administrativo e pedagógico, a fim

de assegurar o acréscimo de tempo no convívio escolar do indivíduo e ampliação

das oportunidades de aprendizagem, principal meta da política proposta.

A responsabilidade por administrar o ensino fundamental de oito anos e

conduzir a sua transição para os nove anos foi delegada a cada sistema de

ensino, seja municipal, estadual, federal ou privado. Todos com a

responsabilidade de garantir as aprendizagens necessárias a todas as crianças

que adentrarem nesse nível de ensino, com seis ou sete anos de idade.

Para que a política de ampliação do ensino fundamental se consolide,

foram indicadas ações fundamentais como: condições pedagógicas,

administrativas, financeiras, materiais e de recursos humanos e avaliação da

gestão educacional.

Na própria proposta do ensino fundamental de nove anos contém a

observação de que a ampliação do tempo de estudo não é suficiente para

promover a aprendizagem, uma vez que o que conta, de fato, é o “emprego mais

eficaz desse tempo” (BRASIL, 2007, p.7), ou seja, o uso racional do tempo

destinado para o ensino-aprendizagem.

As orientações dadas para a inclusão da criança de seis anos no ensino

fundamental de nove anos têm, basicamente, a preocupação de nortear os

profissionais da educação quanto a rever concepções de ensino-aprendizagem já

construídas relacionadas à sua formação cultural, suas relações com a leitura e

escrita, uma vez que a profissionalização docente é entrelaçada com a formação

pessoal do indivíduo e, portanto, difere uma da outra. Nesse sentido, os

40

documentos vêm delimitar as concepções teóricas para implantação da política na

escola.

O conceito de criança foi amplamente discutido no documento, já que os

alunos entrarão mais cedo na escola. A criança é concebida como sujeito da

aprendizagem, portanto, a ela deve ser garantida uma formação integral que

corresponda ao pleno desenvolvimento físico, psicológico, intelectual, social e

cognitivo.

A necessidade de oferecer formação em serviço, destinar tempo de sua

atuação para planejamento e promover melhorias na carreira docente são

recomendações tidas como necessárias para esse novo contexto (BRASIL, 2007).

No documento consta, ainda, a preocupação com os espaços que recebem

as crianças e adverte quanto à reorganização dos materiais, mobiliários e

equipamentos a serem utilizados.

À implantação do ensino fundamental de nove anos foi recomendada que

a estruturação fosse pensada para todos os anos desse nível de ensino,

constituindo-se em uma oportunidade para revisão dos currículos, dos conteúdos

e das práticas pedagógicas, atendendo às características, potencialidades e

necessidades específicas das crianças, de acordo com a idade.

Nas orientações há apreensão maior em relação ao primeiro ano, até

porque não havia conhecimento do que deveria ser trabalhado nesse período e

como o trabalho seria desenvolvido. O certo é que foi determinado que o primeiro

ano não se reduzisse à alfabetização e ao letramento, mesmo que seja entendido

como um momento propício para a apropriação de tais conhecimentos. Outra

advertência contida nas orientações é a de que o primeiro ano do ensino

fundamental não deve ser considerado apenas como uma preparação para os

demais anos de estudo.

No documento “Ensino fundamental de nove anos: orientações para a

inclusão da criança de seis anos de idade” (BRASIL, 2007), estudiosos da área

foram contatados, a fim de produzirem artigos que discutissem temas

relacionados à infância, ao brincar, ao desenvolvimento infantil, às áreas de

conhecimento para os seis anos de idade, ao letramento e à alfabetização, ao

trabalho e à prática pedagógica e à avaliação da aprendizagem. As ideias

apresentadas pelos autores tiveram a adesão do Ministério da Educação, que as

41

utiliza nas orientações para a implantação do ensino fundamental de nove anos.

Por ser um documento extenso, serão abordadas apenas concepções e

norteamentos que se referem à atuação docente.

As concepções de infância são definidas por Kramer (2007, p. 15), a partir

de Philippe Ariés (1978) e Bernard Charlot (1976). Para esses autores, as

concepções são construídas historicamente. As crianças são seres sociais e

históricos, desse modo, a prática pedagógica deve respeitar essa dimensão,

atendendo-as em suas necessidades de aprender e brincar.

Em linhas gerais, Kramer (2007, p.20) aponta que os desafios dos

profissionais que atuam na educação estão diretamente relacionados a questões

políticas e econômicas, que podem contribuir tanto para o desenvolvimento como

para a limitação de sua atuação. A autora afirma, ainda, que é necessário estar

atento à pedagogização da infância em detrimento da valorização do brincar.

Kramer discute que o fato de a educação infantil e do ensino fundamental serem

ofertados em etapas diferentes da educação básica não é argumento para

desprezar a formação integral da criança, uma vez que demanda uma formação

processual, considerando as necessidades infantis de afeto, do lúdico e de

conhecimento.

No documento há, ainda, referência quanto aos espaços em que a criança,

enquanto ser ator social, atua (NASCIMENTO, 2007, p.25). Nesse contexto, a

escola e a comunidade escolar em geral podem se empenhar para o

desenvolvimento integral da criança. A autora denuncia que pensar a infância no

contexto escolar e na sala de aula é um grande desafio para o ensino

fundamental, que, “ao longo de sua história, não tem considerado o corpo, o

universo lúdico, os jogos e as brincadeiras como prioridade.” Tal reflexão é

importante, uma vez que, segundo Nascimento (2007), a brincadeira é

responsável por muitas aprendizagens e é pré-requisito para aprendizagens mais

formais. Assim, é necessário convencer o professor a fazer uso da brincadeira

como estratégia para aprendizagem.

Ainda segundo Nascimento (2007, p.30), as práticas pedagógicas e a

política escolar para acolhimento dos alunos são determinantes para a efetivação

da política de inserção da criança de seis anos na escola. A disponibilidade de

uma sala de aula e de vagas é insuficiente para desenvolver a criança em suas

42

dimensões. Aos professores cabe favorecer a organização de um ambiente

escolar que valorize a infância com práticas pedagógicas que desenvolvam as

potencialidades das crianças.

Sobre o brincar, Borba (2007, p.33) adverte que “a escola não se constitui

apenas de alunos e professores, mas de sujeitos plenos, crianças e adultos,

autores de seus processos de constituição de conhecimentos, culturas e

subjetividades”, que precisam de contextos significativos de aprendizagem.

Incorporar o brincar nas práticas de construção do conhecimento é uma das

sugestões do autor, uma vez que “os processos de desenvolvimento e de

aprendizagem envolvidos no brincar são também constitutivos do processo de

apropriação de conhecimentos.”

O uso dos recursos da arte no desenvolvimento infantil é um das

recomendações feitas por Borba e Goulart (2007, p.47). As autoras constatam

que “à medida que a criança avança nos anos escolares são reduzidas suas

possibilidades de expressão, leitura e produção com diferentes linguagens”, ou

seja, a escola privilegia uma linguagem padrão restrita apenas ao contexto

escolar. Ao aluno devem ser propiciadas “práticas de leitura e escrita que

provoquem a imaginação, a fantasia, a reflexão e a crítica” (BORBA e GOULART,

2007).

Corsino (2007, p.57) suscita a importante discussão sobre o quê e como

ensinar as crianças, e, em meio às inúmeras opções, a autora ressalta que a

criança precisa ser o foco do trabalho desenvolvido na escola, já que são sujeitos

ativos do processo educativo, que reelaboram e recriam o mundo. Para ela, a

tarefa docente é “planejar, propor e coordenar atividades significativas e

desafiadoras capazes de impulsionar o desenvolvimento das crianças e de

amplificar as suas experiências e práticas socioculturais”.

O estudo articulado das Ciências Sociais, Ciências Naturais, Ciências

Lógico – Matemáticas e Linguagens é considerado como fundamental para o

autor, que recomenda o desenvolvimento do trabalho docente por meio de

projetos em que o professor é o mediador do processo educativo, com o papel de

ampliar a gama de conhecimentos, permitindo a interdisciplinaridade e a

transversalidade. O autor condiciona, ainda, a qualidade do trabalho docente a

ambientes aconchegantes, seguros, encorajadores, desafiadores, criativos,

43

alegres e divertidos. A organização do espaço, a disposição dos recursos e a

distribuição do tempo na busca pelo conhecimento são fatores decisivos no

sucesso do trabalho docente.

Como Corsino (2007, p.57), Leal, Albuquerque e Morais (2007, p.79)

convidam os professores a refletirem sobre a sua função mediadora entre o aluno

e o conhecimento e a necessidade de recriar metodologias de modo a facilitar

essa relação. Aos professores é sugerido que alternem tempo e espaços na

escola, viabilizando o processo educativo significativo, e recorda o pensamento

de Paulo Freire sobre o contexto de aprendizagem em que “a escola precisa ser

séria, mas não precisa ser sisuda”, principalmente quando os principais sujeitos

da aprendizagem são crianças (GOULART, 2007, p.48).

Leal, Albuquerque e Morais (2007, p.97) lembram a necessidade de o

professor dominar o conteúdo a ser ensinado e saber qual é a sua relevância

social e cognitiva. Os autores discutem, ainda, a delicada questão da avaliação na

escola e as necessidades de adaptação para acompanhar o processo de

desenvolvimento dos alunos, principalmente do primeiro ano do ensino

fundamental. A concepção de escola abordada pelos autores é de um espaço

propício à aprendizagem de conceitos sobre a natureza e a sociedade. Ao

professor cabe interferir na formação cidadã dos alunos, por meio da interação

com a sociedade e da tomada de consciência das contradições sociais.

Para a superação de desafios pedagógicos, a avaliação sistemática do

ensino e da aprendizagem é muito importante, pois, ao avaliar com a finalidade de

conhecer, acompanhar e verificar o que o aluno aprendeu, o professor diversifica

sua prática, interfere em seu próprio processo de formação e na formação do

aluno.

São inúmeras as preocupações dos autores selecionados pelo Ministério

da Educação para compor o quadro teórico do documento Ensino Fundamental

de nove anos: a inclusão da criança de seis anos de idade (BRASIL, 2007),

porém todas se condensam na proposição de um ensino-aprendizagem mais

dinâmico, que considere a criança como agente de sua formação, o preparo de

profissionais preparados, sensíveis às expectativas de aprendizagem dos alunos

e à necessidade de espaços propícios à aprendizagem.

44

Diante da quantidade de documentos orientadores para a implantação do

ensino fundamental de nove anos elaborados pelo Ministério da Educação (MEC),

tem-se a impressão de que tal política constitui-se como algo que transformará de

fato essa modalidade de ensino, pelas características dos discursos coesos e

convincente contidos nesse material. No entanto a quantidade de orientações

que cerceiam o ensino fundamental de nove anos necessita de aportes no

contexto prático para permitir a sua materialização, tornando viável a sua

efetivação.

O documento “Ensino Fundamental de nove anos: passo a passo do

processo de implantação” teve sua segunda edição publicada em setembro de

2009. O material contém 28 páginas e trata dos seguintes temas: normatização,

organização pedagógica e perguntas mais frequentes. O item normatização

contém o amparo legal, as definições das diretrizes pelos conselhos de educação

em âmbito nacional, estadual e municipal e a reorganização proposta pelas

secretarias estaduais e municipais de educação, como a atualização da proposta

pedagógica e elaboração de um plano de implementação do ensino fundamental

de nove anos que deverá ser encaminhado ao Ministério da Educação.

As escolas também recebem incumbências, entre elas a reformulação do

regimento escolar, um projeto político pedagógico próprio, um currículo novo,

mudanças na documentação escolar (BRASIL, 2009, p.14).

No documento A criança de seis anos, a Linguagem Escrita e o Ensino

Fundamental de nove anos há orientações para o trabalho com a linguagem

escrita em turmas de crianças com seis anos de idade. O documento recomenda

que o letramento e o desenvolvimento da leitura se desenvolvam por meio de

brincadeira, de jogos, de histórias e de desenhos, ou seja, por meio do lúdico.

45

Capítulo II

Procedimentos metodológicos, espaços, sujeitos e na investigação do ensino fundamental de nove anos

“O mundo não vai melhorar sozinho.” Eric Hobsbawm

Neste capítulo serão discutidas as escolhas metodológicas para a

investigação do ensino fundamental de nove anos, o local de implantação do

ensino fundamental de nove anos (município e escola) e os professores como

sujeitos determinantes nesse processo de materialização da política.

1 Procedimentos metodológicos

A necessidade de inovar nas técnicas de pesquisas ou chegar a resultados

diferentes tem levado pesquisadores a buscar novas metodologias para a

realização de estudos científicos. O grupo focal está entre essas escolhas.

Embora o uso de grupos focais tenha se intensificado nos últimos anos, há

registros do seu uso em 1920. Desde os anos 1950, os grupos focais têm sido

empregados em pesquisas de mercado, sendo explorados pelos profissionais de

marketing. A partir dos anos de 1980, a pesquisa de grupo focal despertou o

interesse dos pesquisadores em outras áreas do conhecimento, como as Ciências

Sociais, a Ergonomia, as Ciências Médicas, a Ciência da Informação, entre

outras, uma vez que, segundo Dias (2000, p.3), “é uma técnica perfeitamente

adaptável a qualquer tipo de abordagem”.

O grupo focal pode ser usado tanto como uma técnica complementar

como a única fonte de dados da investigação. A pesquisa de grupo focal pode

ser utilizada em investigações com abordagem quantitativa, qualitativa ou quali-

quantitativa (GONDIM, 2003, p. 151). No contexto dessa investigação, a técnica

46

de grupos focais é classificada como qualitativa, mas também faz uso de dados

quantitativos, na apresentação da pesquisa de campo.

Algumas críticas são feitas quanto ao uso do grupo focal na coleta de

dados, como os cuidados que se deve ter em relação às generalizações

(GONDIM, 2003, p.158), mas é válido ressaltar que esse cuidado deve ser

tomado também com as demais técnicas de coleta, como a entrevista,

observações, questionários, entre outros.

A recomendação na realização de pesquisas com grupos focais é não

usar indivíduos da amostra como base para tornar suas opiniões por padrão, uma

vez que o colaborador com a pesquisa é tido como fruto de interações sociais e

que, por essa razão, expressa opiniões diferentes dos demais indivíduos, o que

favorece a diversidade de percepções sobre um determinado tema.

Em estudos que adotam a técnica de grupo focal sobre qualquer tema

pode haver vários pontos de vista, que variam de acordo com as experiências de

vida do pesquisador nos aspectos pessoal, profissional, de formação acadêmica

entre outros.

Os debates em torno de questões dirigidas aos grupos focais podem de

imediato abalar ou solidificar as convicções das diferentes percepções dos

professores sobre o tema, ou seja, por meio das discussões é possível refletir e

até mudar de opinião em relação ao modo como se concebem as determinações

políticas. Uma devolutiva imediata ao professor que participa do debate, pois

permite ao indivíduo compreender que o conhecimento não é estático ou

absoluto, mas sim dinâmico, em constante processo de mudanças e pode ser

promovido em diferentes contextos.

O uso de grupos focais em pesquisas educacionais no Brasil é debatido

por Gondim (2003), Gatti (2005) e Gomes (2005). A técnica favorece uma

margem ampla de pontos de vista, que variam de acordo com as experiências de

vida do pesquisador e dos indivíduos que compõem o grupo nos aspectos

pessoal, profissional, de formação acadêmica, entre outros. É possível que a

leitura desse estudo por pesquisadores com vivências diferentes levem a

questionamentos diferentes dos aqui apontados, uma vez que os vínculos e as

percepções sobre os temas investigados diferem.

47

Um dos pontos positivos da pesquisa de grupo focal, segundo Gatti (2005,

p.9), é que ela “permite fazer emergir uma multiplicidade de pontos de vista e

processos emocionais, pelo próprio contexto de interação criado, permitindo a

captação de significados que, com outros meios, poderiam ser difíceis de

manifestar.” A autora aponta, ainda, como ponto positivo dessa técnica de

pesquisa o fato de não haver

necessidade de preparação prévia dos participantes quanto ao assunto,

pois o que se quer é levantar aspectos da questão em pauta

considerados relevantes social ou individualmente, ou fazer emergir

questões inéditas sobre o tópico particular, em função das trocas

efetuadas (GATTI, 2009, p.9).

Para a efetivação da coleta de dados por meio de grupos focais foi

necessário definir o quê se quer saber e de quem. Após essas determinações,

estabeleceu-se como seriam coletados os dados, por meio de questões e não de

temáticas. Definido o eixo do estudo, buscaram-se os colaboradores para

participar das reuniões em grupo onde os dados seriam coletados.

Os materiais coletados nos grupos focais foram analisados por meio da

análise de conteúdo (BARDIN, 1977, p.46), que permite a decomposição dos

dados coletados, a classificação em unidades ou categorização dos fenômenos,

favorecendo a reconstrução de significados e uma compreensão mais

aprofundada da interpretação da realidade do grupo estudado. A análise do

material coletado “é um processo de elaboração, de procura de caminhos, em

meio ao volume de informações levantadas” (GATTI, 2005, p.44).

A análise de conteúdo é adotada nesse estudo em uma perspectiva

qualitativa, que busca captar a essência dos discursos dos atores envolvidos no

contexto de investigação. A análise de conteúdo existe desde as primeiras

tentativas de interpretação dos antigos escritos, porém, na década de 1920, ela

se institui de modo sistematizado como método (TRIVIÑOS, 1987).

Bardin (1977, p.18) afirma que Berelson e Lazarsfeld são os primeiros a

difundirem, nos anos 1940 e 1950, o conceito de análise de conteúdo como uma

“técnica de investigação que tem por finalidade a descrição objetiva, sistemática e

quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação”. A análise de conteúdo

48

pressupõe que há sentidos a serem desvendados por trás dos discursos, e o

aparente não se configura como absoluto.

Segundo Bardin (1977), as etapas que compõem a análise de conteúdo

são: a pré-análise, que consiste na organização do material a ser utilizado antes

da coleta dos dados e de outros materiais tidos como necessários para

entendimento do objeto investigado; a descrição analítica, posterior à organização

dos materiais selecionados para o estudo, composto pela apresentação das

hipóteses, tecendo discussões tendo em vista a construção de um referencial

teórico, destacando semelhanças e diferenças entre o posicionamento dos

autores que abordam o tema; e a análise de conteúdo de fato, dependente das

etapas anteriores para a sua realização, é caracterizada pela reflexão e

interpretação dos materiais empíricos correlacionados ao aporte teórico

construído anteriormente.

Um passo fundamental para a análise de conteúdo é a disposição do

material coletado em categorias. “A categorização é uma operação de

classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação

seguida de um reagrupamento baseado em analogias” (FRANCO, 2008, p. 59).

A criação de categorias é processual e tramita entre a fase da descrição

analítica e da análise do conteúdo propriamente dita. O envolvimento do

pesquisador com a investigação é exposto por meio de suas escolhas e

classificações que refletem suas experiências de vida, seu preparo e

embasamento teórico para as classificações dos dados. “A análise dos conteúdos

coletados e organizados passa primeiramente pela etapa do recorte, na qual os

relatos são decompostos para em seguida serem recompostos para melhor

expressar sua significação” (SILVA, et al., 2005, p. 75).

O estabelecimento das categorias analíticas é flexível, e elas podem ser

definidas preliminarmente ou construídas no decorrer da investigação. Essa fase

é constituída por várias unidades de análise que comporão a categorização final

do estudo, que consiste em tramitar e estabelecer relações entre uma categoria e

outra, tecendo interpretações.

Para Bardin (1979, p.153), analisar o texto seguindo categorias é

desmembrar o texto em unidades, em categorias segundo

reagrupamentos analógicos. Entre diferentes possibilidades de

49

categorização, a investigação dos temas, a análise temática, é rápida e

eficaz na condição de se aplicar a discursos directos (significações

manifestas) e simples.

Considerando a importância da divisão do estudo em categorias, neste

estudo foram criadas cinco categorias, resultantes da classificação do material

coletado por meio das questões feitas aos grupos focais: novidades e diferenças

constatadas pelos professores no ensino fundamental de nove anos; mudanças

na prática pedagógica após a implantação do ensino fundamental de nove anos;

aumento das oportunidades e da qualidade no ensino fundamental de nove anos;

indicações dos professores para a melhoria do ensino fundamental; e percepções

dos professores sobre o ensino fundamental de nove anos.

No capítulo seguinte serão apresentadas a trajetória da pesquisa e as

análises a partir dos discursos de professores de modo a identificar, comparar e

discutir o que eles pensam sobre a ampliação do ensino fundamental.

2 A escola e as políticas educacionais

Os modelos predominantes de instituições escolares do Brasil foram

construídos ao longo dos tempos, recebendo influências das áreas política,

econômica e social. Crema (1998, p.140) observa:

O modelo de escola, tal como hoje a conhecemos, se inicia com a

sociedade industrial no século XIX. Os conteúdos curriculares, então,

respondiam ao homem dessa época, e a estrutura do sistema educativo

se organizou de acordo com os requerimentos dessa sociedade.

Historicamente, o processo de formação do indivíduo deixou de ser

responsabilidade de um preceptor que acompanhava todo o seu desenvolvimento

educacional no contexto familiar. A escola passou a se organizar para atender a

grupos de alunos, com formação por série de estudo. Como no modelo industrial

de produção, o processo de formação escolar fora fragmentado e permanece

estruturalmente assim estabelecido até os dias atuais.

50

É válido destacar que algumas mudanças ocorreram no funcionamento

escolar. Segundo Oliveira (2004, p. 140), “aquela escola tradicional, transmissiva,

autoritária, verticalizada, extremamente burocrática mudou” sob influência dos

contextos econômicos e sociais e das políticas educativas traçadas mais

recentemente na década de 1990. Princípios de atuação democrática e

autônoma foram conferidos à escola, o que ampliou suas responsabilidades.

Atualmente, a escola é a instituição educacional formal mais importante,

pois diferencia-se de outras formas de educação espontânea (SAVIANI, 2003,

p.9).

As atribuições escolares são diversas e representadas de acordo com a

concepção do sujeito. Sua função pode se pautar na humanização, no preparo

para o exercício da cidadania ou para o trabalho, se destinar à transmissão e

construção do conhecimento.

Garay (1998, p.111) entende a escola como uma instituição e concebe as

instituições como labirintos, pois aderem a formações sociais e culturais

complexas e múltiplas. Para a autora, além de complexas, as instituições

escolares são contraditórias, pois contemplam duas organizações com lógicas

diferentes em um mesmo espaço: a função pedagógica e o trabalho docente em

si, o aluno e professor, que se unem por laços de necessidades mútuas.

Ainda segundo Garay (1998), a função pedagógica e o trabalho docente

apresentam interesses distintos. A função pedagógica corresponde às ações

esperadas dos professores, que exercem a função de acordo com o contexto

educativo, ou seja, diz respeito aos anseios do sistema, da instituição em relação

às ações tidas como necessárias para contribuir para o andamento da escola.

O trabalho docente diz respeito ao trabalho realizado de fato pelo

professor, nem sempre correspondendo ao que a função exige, uma vez que as

exigências nem sempre correspondem à concepção educacional do professor, o

que gera crises internas e compromete o alcance de metas estabelecidas pela

instituição. Contudo não é possível ser neutro nessa relação, “as instituições

sempre estão presentes no interior do sujeito”, porém nem sempre de modo

completo (GARAY, 1998, p.122).

51

As funções pedagógicas que correspondem às expectativas da instituição

escolar em relação à atuação dos professores estão dispostas no artigo 13 da

LDBEN/96, como será apresentado ainda nesse capítulo.

Garay (1998, p. 112) compreende a escola como “campo de ações dos

sujeitos individuais e dos grupos coletivos”. A mesma autora defende a escola

como uma instituição que mediatiza a educação e tem o conflito como pano de

fundo permanente. Os conflitos são compreensíveis quando a escola é entendida

como espaço de “cruzamento de culturas” (GÓMEZ, 2001).

Para que a escola seja bem sucedida no cumprimento de seu papel, uma

série de condições estruturais é necessária. As funções políticas e sociais da

escola são atravessadas pelos interesses da sociedade (VIEIRA, 2011, p.130),

porém nem sempre a sociedade compreende como papel principal da escola a

construção e disseminação do conhecimento.

No modelo de escola tradicional estavam explícitos os limites entre a vida

escolar e a vida de fato, que, segundo Cavaliére (1999), correspondia à vida fora

da escola. Atualmente, não existe essa divisão nítida, as orientações dadas aos

professores são no sentido de que as vivências sociais do aluno sejam ponto de

partida para introdução dos conteúdos contidos no currículo escolar.

As mudanças no contexto escolar demandada pelos acontecimentos

sociais, políticos e econômicos são marcadas por um ritmo vagaroso, aquém das

mudanças sociais (CREMA, 1998, p. 139).

O conhecimento produzido na escola pode caracterizar-se como obsoleto

dependendo do que a escola se propõe a ensinar, como ensina e o tipo de

sociedade que quer formar. A relação que uma sociedade tem com o

conhecimento influencia no modo como ela se constituirá futuramente, desse

modo, a escola adquire importância significativa na produção e difusão do

conhecimento necessário para o desenvolvimento da sociedade. É fato que a

escola, geralmente, não dispõe de estrutura para acompanhar com a mesma

velocidade a construção e disseminação do conhecimento em outros contextos

sociais, tendo em vista que,

além dos conhecimentos escolares convencionais, sejam também

incorporados aos currículos das escolas aspectos ligados a

comportamento sexual, afetividade, padrões de convivência social e

52

cidadania, “conscientização política”, parâmetros de higiene e saúde,

familiarização com novas tecnologias, consciência ecológica, uso de

drogas e suas respectivas implicações ético-morais (CAVALIÉRE, 1999,

p.116)

São muitas as atribuições delegadas à escola, daí a necessidade de refletir

acerca da formação do professor para lidar com tantas atribuições, os espaços

disponíveis para realizá-las e as estruturas disponíveis. “Cada vez mais, os

professores trabalham em uma situação que a distância da profissão e a

realidade do trabalho tende a aumentar, em razão da complexidade e da

multiplicidade de tarefas que são chamados a cumprir nas escolas” (GATTI,

BARRETO e ANDRÉ, 2011, p. 25).

A reflexão sobre a atuação docente contempla os modos como a escola

funciona e as suas principais características, uma vez que influenciam

diretamente no modo como o professor atua e no modo como o processo de

ensino-aprendizagem se desenvolve.

Segundo Oliveira (2004, p.1132), “o professor, diante das variadas funções

que a escola pública assume, tem de responder às exigências que estão além de

sua formação”. O fato é que a escola não assegura a aprendizagem de todos os

alunos nem mesmo nos requisitos básicos, que são a leitura, escrita e cálculos

iniciais. Dados do IBGE apontavam que, em 2010, 3,9% das crianças entre 10 e

14 anos eram analfabetas, idades que correspondem ao curso do ensino

fundamental obrigatório. Tais dados indicam que, apesar da escola, há alunos

que não se apropriaram da leitura e escrita.

Se os conteúdos tradicionais tidos como escolares não são aprendidos

integralmente, é possível que com mais atribuições a escola encontre

dificuldades para atuar.

É visível a sobrecarga da escola para alinhar-se ao modelo de sociedade

atual devido o excesso de tarefas que os indivíduos têm a cumprir. Por outro lado,

não é possível ter qualidade na oferta educacional se não houver essa

contextualização, já que “a política educacional faz parte de um amplo projeto

social, de uma totalidade, devendo ser pensada sempre numa íntima e dialética

articulação com o planejamento mais global que uma sociedade constrói”

(SCHNECKENBERG, 2000, p.114).

53

Para superação do descompasso existente entre o conhecimento

produzido na escola e o conhecimento produzido em outros contextos, os limites

de atuação da instituição escolar precisam ser ampliados com ações, como o

aumento dos investimentos em educação, de modo a abranger mais aspectos:

informacionais e tecnológicos, pessoais, pedagógicos e administrativos, a fim de

assegurar que a escola cumpra, no mínimo, seu papel trivial, coerente com as

necessidades de formação do indivíduo na sociedade atual..

Celani (2004, p.46) defende o ajuste da escola ao ritmo da sociedade atual,

uma transformação deve ser buscada na cultura da própria escola, passando da

cultura da certeza para a cultura da incerteza. Como Lima (2001), a autora

defende que não são as políticas externas que solucionam os problemas

escolares, mas cabe refletir se as políticas públicas destinadas à educação são

tidas, para o autor, como desnecessárias.

O modo como a escola lida com as determinações legais relacionadas à

estrutura administrativa e pedagógica e as ações das escolas e dos professores

diante de propostas políticas devem ser discutidas por atores externos à

instituição.

O modo como as políticas são interpretadas possibilita ressignificações e o

distanciamento da proposta original. A escola, juntamente com o grupo de

professores, se apropria da política de diferentes modos e tal apropriação está

diretamente relacionada às experiências vividas pelos professores

individualmente e coletivamente na instituição escolar.

Ao mesmo tempo que reproduzimos o que aprendemos com outras

gerações e com as linhas sociais determinantes do poder hegemônico,

vamos criando, todo dia, novas formas de ser e fazer que, ‘mascaradas’,

vão se integrando aos nossos contextos e ao nosso corpo, antes de

serem apropriadas e postas para consumo, ou se acumulem e mudem a

sociedade e todas as suas relações. (ALVES, 2003, p.66)

Anteriormente as pesquisas realizadas sobre a escola e as implantações

políticas não estabeleciam o foco no modo como os sujeitos da escola se

apropriavam de uma determinação legal. Atualmente, a tendência dos estudos é a

de considerar os sujeitos que atuam na escola diante das políticas. Não dá para

prever com exatidão a reação dos sujeitos diante de uma determinação política,

54

uma vez que não se tem conhecimento total das experiências vivenciadas por

eles. Tais comportamentos podem ser expressos por meio da recusa, da

aceitação parcial da determinação política ou da adesão por meio de adaptações,

conforme já foi mencionado nesse estudo.

A escola pública é o principal local de implantação de políticas

educacionais; por um lado ela pode definir os movimentos dos indivíduos que nela

interagem ao ceder a determinações externas, por outro lado é compreendida em

sua peculiaridade, resultante de negociações tecidas internamente (GOODSON,

2008, p. 56).

Constantemente, novas políticas são elaboradas e destinadas às escolas;

mesmo quando a escola ainda é um projeto, algumas políticas são pré-

estabelecidas para o seu funcionamento. Um exemplo claro é a construção do

espaço físico determinado por outrem, ou seja, especialistas da construção civil e

do setor de finanças elaboram a planta do prédio escolar a partir da visão racional

dos recursos públicos, segundo o modelo ideológico de estrutura que consideram

necessária para o funcionamento escolar. Esse processo pré-define algumas

relações de acordo com o espaço determinado.

Camargo (2008, p. 45) considera necessário estabelecer diálogo entre a

arquitetura e pedagogia, na fase inicial de projetar uma escola. É nesse espaço

pré-definido que as políticas educacionais serão implantadas. Se o diálogo é

importante na etapa inicial, na etapa de funcionamento da escola ele se torna

imprescindível, já que traçar metas em comum a profissionais com formações

distintas representa um desafio à escola.

A mudança educacional funciona com mais sucesso quando a reforma

considera esse compromisso pessoal dos professores como sendo, ao

mesmo tempo, uma inspiração para a reforma (que funciona melhor

quando é levada a cabo pelos professores como parte de seus projetos

pessoais- profissionais), e um objeto necessário da reforma (a

necessidade de dar apoio aos professores até o ponto em que eles

próprios desejem “apropriar-se” da reforma). (LIMA, 2001, 32)

A definição clara dos objetivos e fins da escola constitui-se como elemento

importante para traçar metas e buscar alcançá-las. Algumas metas e objetivos

são traçados externamente e outros são estabelecidos diante da convivência

55

interna de seus componentes, ou seja, a escola consome políticas externas, mas

também elabora as suas próprias políticas. O alinhamento das políticas internas

às políticas externas favorece a harmonia no funcionamento escolar, caso

contrário alguns conflitos surgirão.

As determinações traçadas externamente seguem uma tendência de

padronização dos sistemas educacionais e unidades escolares por meio de

prescrições dispostas na legislação educacional, comum a todos. Tal

padronização facilitaria o controle e a supervisão das ações educacionais; por

outro lado desprezaria as características específicas de cada instituição escolar e

o distanciamento existente entre as determinações e o alcance dos objetivos da

política na escola.

No funcionamento interno da escola há conflitos relacionados a escolha

dos conteúdos tidos como prioridade, às metas a serem atingidas, e, ainda que se

chegue a consensos, novos desafios se apresentam a todo o momento para

serem superados. Com as políticas externas direcionadas às escolas não é

diferente, o tratamento da política não é pacífico, uma vez que implica em

possibilidades de mudanças e, consequentemente, representa instabilidade.

A escola pode contornar, reprimir ou renegar as políticas implantadas em

seu interior, ou seja, ela pode adotar a “reprodução total dos conteúdos

normativos, a reprodução parcial, ou a não reprodução” (LIMA, 2001, p.63). Sabe-

se, porém, que não há passividade nessa relação, ela é conflituosa na medida

em que precisa se adaptar à nova situação por meio de pressão, para tomada de

decisões. Saber como as escolas lidam com as regras que lhes são impostas é

importante, pois fornece indícios de como se constitui o processo de adesão ou

não dos profissionais que nela atuam.

A instituição escolar é entendida por seu funcionamento díptico de

cumprimento e descumprimento as regras. Nessa concepção, a escola não se

apresenta exclusivamente burocrática, nem anárquica, ou seja,

Ora se ligam objectivos, estruturas, recursos e actividades e se é fiel às

normas burocráticas, ora se promove a sua separação e se produzem

regras alternativas; ora se respeita a conexão normativa, ora se rompe

com ela e se promove a desconexão de facto (LIMA, 2001, p. 47).

56

Para Canário (1990, p.7), a escola é uma organização imprevisível. O que

a delineia são as experiências vivenciadas com características pontuais e

peculiares relacionadas às escolhas que faz, permeada por graus maiores ou

menores de autonomia para agir, tendo em vista suas obrigações com o ensino-

aprendizagem, com o sistema educacional a que pertence e com a comunidade

escolar.

O professor também tem autonomia para ministrar o ensino e fazer

escolhas pedagógicas, embora cerceada, uma vez que ele não é livre para

ensinar qualquer conteúdo, no tempo que desejar, no espaço físico que

necessitar, com os materiais apropriados. Sua prática está vinculada a uma série

de delimitações estabelecidas pelo contexto em que atua e pelo consenso entre

atores que exercem a mesma função e ocupam os mesmos espaços.

Nesse espaço complexo que a instituição escolar está inserida, as

adaptações para a implantação das determinações políticas nem sempre são

apropriadas ou suficientes e às vezes se distanciam do objetivo principal. No

contexto de uma determinação política, Lima (2001, p. 62) admite que a

mensagem originalmente produzida sofra alterações de forma e conteúdo.

Lima (2008, p.82) investigou as diferentes concepções de escolas

contidas em trabalhos acadêmicos e classificou em categorias: universal, quando

a instituição educacional é abordada de modo generalizado, conhecida por todos

de modo abstrato, sem um distanciamento crítico necessário, a fim de perceber a

problemática que a envolve. O autor usa os termos lato sensu, para as análises

na perspectiva da macropolítica, e stricto sensu, para análises de micropolítica.

Para o autor, promover articulações entre o contexto das políticas educacionais

mais globais e as políticas mais locais é o desafio do pesquisador, o que não

acontece em investigações nas quais a escola é analisada mais amplamente.

Os estudos sobre escolas são classificadas, ainda, por Lima (2008, p.85)

como: categoria jurídico-formal, reflexo, invólucro, coleção, mediação e como

organização em ação. Para o autor, “a escola jurídico- formal é singular,

perfeitamente definida dentro dos limites da lei, geral e abstracta, indiferente às

diferenças dos contextos, dos actores e das suas dinâmicas de interacção.” A

escola que adere as leis e não demonstra reação contrária a legislação

57

estabelecida se aproxima da visão de órgãos oficiais do governo que determinam

as leis educacionais, como o Ministério da Educação.

Na categoria da escola como reflexo, entende-se que “ainda que algumas

diferenças e diversidades possam ser admitidas de escola para escola (...) no

essencial, as escolas apresentam mais regularidades políticas, estruturais e

morfológicas do que diferenças, constituindo-se como reflexos das referidas sobre

determinações.” As diferenças regionais e locais dos contextos educacionais em

que as leis são determinadas são reconhecidas, mas não são vistas como

determinantes a ponto de resistirem à proposição de uma política.

A escola definida como invólucro “limita-se à descrição genérica e

superficial das suas características mais imediatamente evidentes”, uma visão

simplificada da realidade. Estudos descritivos são importantes desde que estejam

relacionados a análises mais profundas das características escolares.

Na escola como coleção, que se aproxima da linha de investigação

pautada no positivismo, a escola

nunca chega a ser abordada na sua totalidade e complexidade, mas antes cindida e fragmentada em múltiplos olhares cirúrgicos, de tipo micro-analítico, incidindo sobre objectos de estudo insulares e atomizados, relativamente independentes e desligados uns dos outros. O individualismo metodológico revela-se, portanto, capaz de subordinar a perspectiva holística, tal como o protagonismo atribuído à micro-

abordagem inibe as abordagens analíticas de tipo macro e meso”. (LIMA, 2008, p.86).

Ainda para Lima (2008), a escola como mediação revela-se como “um

lócus de produção de orientações e de regras, seguramente condicionadas, mas

não determinadas”. Nesse modelo de organização a escola é reconhecida como

capaz de traçar suas próprias regras, que não são apresentadas explicitamente.

Na escola como organização em ação,

mais do que o estudo das estruturas e dos actores escolares, o estudo

da acção em contexto escolar, seja qual for o seu domínio de

intervenção e os sujeitos envolvidos na interacção social, remete,

mediata ou imediatamente, para a consideração da escola como

organização em acção. Por esta via, teórica e metodológica, é possível

atender, ainda que com distintos graus de detalhe, às intersecções entre

os comportamentos e interacções de tipo micro-social, à composição

social e às relações de poder em contexto organizacional e, ainda, a

elementos de mudança macro- social. (LIMA, 2008, p.87).

58

Embora, neste estudo, seja analisada a percepção dos professores sobre a

implantação de uma política na escola, o que se assemelharia à escola-reflexo,

ou, ainda, à escola como mediação, discutida por Lima (2008, p.85), não se pode

desconsiderar a interação social entre os sujeitos que nela atuam, seguindo a

tendência da escola em ação.

2.1 Sobre as escolas pesquisadas

‘As escolas investigadas pertencem ao município de Marília; em razão

disso alguns dados sobre o município serão apresentados para melhor

compreensão do contexto em que os dados foram coletados.

Marília está localizada na região noroeste do Estado de São Paulo. Sua

distância da capital é de 443 quilômetros. É sede administrativa de 51 municípios

do interior do Estado e, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia

e Estatística (IBGE, 2010), possui 216 745 habitantes. É considerado um

município de médio porte, autossuficiente nos setores de comércio e de prestação

de serviços. Seu desenvolvimento econômico deve-se também às indústrias de

alimentos nele instaladas e às universidades que atraem um público significativo

de estudantes que consomem no município. O produto interno bruto do

município, em 2009, segundo o IBGE, foi de 3 433 665 (bilhões).

Em Marília, há 2234 professores da educação básica, sendo que 12,4%

são professores da educação infantil, 61,1% atuam no ensino fundamental e

26,5%, no ensino médio.

A população em idade escolar para o ensino fundamental de 6 a 14 anos é

de 29 272 alunos. Nos anos iniciais do ensino fundamental há, em média, 25

alunos por turma. A taxa de aprovação nos anos iniciais do ensino fundamental

corresponde a 97,9%, superior ao índice de aprovados nos mesmo período

escolar no Brasil, que corresponde a 90, 2%, e ao índice de aprovação do Estado

de São Paulo, de 96,4% (INEP, 2011).

59

O município de Marília tem um Sistema Educacional implantado no final da

década de 1990, com o processo de municipalização dos anos iniciais do ensino

fundamental, política incentivada pelo governo do Estado de São Paulo, porém a

municipalização não ocorreu em sua totalidade, ou seja, ainda há escolas sob a

responsabilidade do estado que ofertam os anos iniciais do ensino fundamental.

Por ocasião da municipalização, a administração municipal adotou a

política de construir novas escolas e contratar novos funcionários por meio de

concursos públicos, adotando posturas diferentes de outros municípios, onde o

processo de municipalização aconteceu com o aproveitamento de prédios e

recursos humanos que eram mantidos até, então, pelo governo estadual.

Dados do IBGE/Cidades (BRASIL, 2010) apontam que a quantidade de

alunos matriculados nos anos iniciais do ensino fundamental no município é de

13.148 alunos, sendo que esse número corresponde a vagas ofertadas pelo

estado, município e setor privado. O município de Marília conta, atualmente, com

19 unidades escolares que atendem a 7707 alunos dos anos iniciais do ensino

fundamental.

Gráfico 1 - Alunos matriculados nos anos iniciais do ensino fundamental no município de Marília em 2011.

2602

7707

2839 Estado

Município

Privado

60

A ideia inicial era coletar dados em quatro escolas municipais de Marília,

nas quatro regiões do município (norte, sul, leste, oeste), porém na região sul

houve recusa de três escolas e na região leste, uma recusa.

As escolas resistem em se submeter a investigações científicas, por

menor que seja a sua participação. Uma das justificativas é a sobrecarga das

funções a serem desenvolvidas no contexto escolar, e fornecer dados para

análises não está no cronograma, pois em muitos estudos em que as escolas

participam não agregam benefícios diretos à escola, uma vez que tendem a suprir

apenas as necessidades de produção da e para academia.

Se por um lado a escola não demonstra satisfação em colaborar com

estudos científicos, as universidades contribuem para isso, quando não dão uma

devolutiva das pesquisas. Tanto a recusa das escolas à realização de estudos

acadêmicos como a não promoção da pesquisa no contexto escolar contribui para

manter o conhecimento estagnado, inquestionável e obsoleto.

Em uma das escolas em que foi solicitada a participação no estudo, por

exemplo, a diretora, ao ler a carta com o conteúdo da pesquisa e as questões que

norteariam a coleta de dados, antecipou-se a responder a todas elas, como se

fossem os professores que estivessem a responder. A diretora julgou não ser

necessário que os professores respondessem às questões, uma vez que ela já

havia respondido e, desse modo, se indispôs a participar do estudo. Não houve

interesse do gestor em promover um momento de discussão sobre o tema com o

grupo.

Seria igualmente interessante investigar em outra pesquisa a implantação

do ensino fundamental de nove anos sob a perspectiva do diretor, uma vez que

os diretores já atuaram como professores e regem as implantações políticas no

contexto escolar. O fato questionável é padronizar a percepção dos professores a

partir da atuação do diretor. Gatti (2005, p.21) adverte que “é uma falácia assumir

que uma pessoa em particular pode representar, por exemplo, sua vizinhança,

sua condição de cor, de gênero ou de cultura”.

Outra diretora, ao ler as questões que seriam feitas aos professores,

afirmou que eram evidentes as melhorias após a implantação do ensino

fundamental de nove anos, sob a justificativa de que era só acompanhar o Índice

61

de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, alegando que não tinha o que

questionar. Nesse depoimento foi possível constatar que o parâmetro de

qualidade na escola administrada por essa diretora são os índices educacionais

obtidos por meio de avaliações externas.

É importante refletir que os diretores já passaram por situações

complexas no período inicial de implantação do ensino fundamental, como prover

e organizar espaços, currículo; orientar os professores e a comunidade escolar

sobre a política; entre outros. A avaliação das mudanças na prática pedagógica

constitui-se ao diretor como mais uma parte do processo.

Mesmo com algumas resistências à realização da pesquisa, após

contatos e acordos, os grupos focais foram constituídos. Os componentes de

todos os grupos investigados totalizaram 60 professores que atuavam em três

escolas nos anos iniciais do ensino fundamental, em 2011. Estes correspondem a

12,4% dos 482 professores do município em questão.

Embora a quantidade de professores envolvida no estudo possa parecer

não representativa, esta investigação pauta-se na concepção de que

Nos estudos qualitativos, a questão “quantos?” nos parece de importância

relativamente secundária em relação à questão “quem?”, embora, na

prática, representem estratégias inseparáveis. Afinal, o que há de mais

significativo nas amostras intencionais ou propositais não se encontra na

quantidade final de seus elementos (...), mas na maneira como se

concebe a representatividade desses elementos e na qualidade das

informações obtidas deles (FONTANELLA et al., 2008, p. 20).

Desse modo, priorizar a atenção à qualidade dos discursos característica

dos estudos qualitativos, uma vez que estão comprometidos “com a compreensão

e o entendimento do fenômeno inserido em um contexto particular e, sendo

assim, a representatividade estatística não é o mais importante” (GONDIM, 2003,

p. 158).

A decisão de se encerrar a coleta de dados e determinar quantos e quem

participou dos estudos pode ocorrer por diversos motivos e um deles é quando

começam a existir repetições nos discursos e nos comportamentos no momento

da coleta. Assim, constatada a saturação nas investigações (FONTANELLA et al.,

2011, p.389), interrompe-se a coleta de dados, visto que elementos novos para

62

subsidiar a pesquisa têm menor chance de serem alcançados, pois as repetições

passam a ser mais constantes.

Os 60 professores envolvidos na coleta de dados para a realização da

pesquisa estavam divididos em seis grupos focais, dois em cada uma das três

escolas que concordaram em participar da pesquisa, sendo que, dos dois grupos

de cada unidade escolar, um correspondia aos professores do período da manhã

e o outro, aos professores do período da tarde. “O emprego de mais de um grupo

permite ampliar o foco de análise e cobrir variadas condições que possam ser

intervenientes e relevantes para o tema” (GATTI, 2005, p.22). Apenas um

encontro foi agendado com cada grupo focal em horário de reuniões dos

professores, combinado previamente com a direção ou coordenação da escola.

As instituições que participaram do estudo foram nomeadas em escolas A,

B e C. Como em cada uma delas foram coletados dados junto a dois grupos

focais, estes foram identificados numericamente, como pode ser visto a seguir:

Quadro 2 - Identificação das escolas e grupos focais

Escola A Zona norte

Escola B Zona leste

Escola C Zona oeste

Período da manhã Grupo 1 Grupo 3 Grupo 5

Período da tarde Grupo 2 Grupo 4 Grupo 6

As recomendações quanto à quantidade de integrantes que compõe um

grupo focal variam de acordo com os dados que se quer coletar, podendo ser de

7 a 12 integrantes: nem tão pequeno, pois não favorece os confrontos, e não tão

grande, uma vez que dificulta o encaminhamento das discussões.

No caso dessa investigação, os grupos focais foram compostos por todos

os professores que estavam na escola no dia e no horário da coleta de dados,

correspondendo a, aproximadamente, dez professores por grupo. A

homogeneidade do grupo em relação à categoria profissional, de professor,

propicia “uma facilitação para o desenvolvimento da comunicação intragrupo”

sobre um determinado tema (GATTI, 2005, p.19).

63

O levantamento de aspectos físicos e quantitativos nas escolas auxilia na

construção de uma visão mais ampla e no entendimento dos dados coletados na

instituição escolar.

A escola 1 possui 430 alunos, é considerada de pequeno porte e, assim

como as demais escolas que participaram do estudo, está localizada em uma rua

movimentada, em um bairro periférico do município de Marília, atendendo a uma

comunidade de trabalhadores no ramo do comércio, serviços e indústria. A escola

atende também a alunos da zona rural, que vêm com transporte municipal para a

escola. O perfil da escola vem sofrendo alterações diante da mudança de gestão

em razão de aposentadoria do diretor anterior e da posse de um novo diretor, por

meio de concurso público. Segundo o discurso da direção, é uma escola em que

os pais são atuantes, participam das decisões das escolas e acompanham o

desenvolvimento educacional dos filhos.

A escola 1 tem espaços coletivos contidos. Dispõe de pátio localizado no

entorno das salas de aula, que são utilizados para fazer as refeições, e o

comportamento dos alunos nesse espaço é continuamente reprimido para não

atrapalhar as aulas nas salas próximas. A quadra é utilizada para as aulas de

educação física e recreios, portanto, mantém-se ocupada o tempo todo.

A escola 2 também está localizada na periferia, possui 465 alunos e uma

parte significativa desses alunos participa de projetos sociais do município em

período contrário ao escolar. A diretora atual está nessa unidade escolar há cinco

anos, e teve a tarefa de reorganizar a escola, que apresentava conflitos de

diversas ordens, ou seja, os professores não acreditavam na possibilidade de

uma formação de qualidade para alunos carentes, problema que, segundo a

diretora, vem sendo superado anualmente.

Na escola 2, o contato com os pais foi apontado como uma dificuldade,

uma vez que nem todos os alunos são da comunidade local, muitos vêm de

transporte escolar público porque moram mais distantes da escola.

O espaço físico dessa escola favorece a movimentação das crianças fora

da sala de aula, pois há um pátio e uma quadra coberta para recreação. Além

disso, contam com uma casinha de bonecas, que propicia o desenvolvimento da

criança por meio do estímulo à reprodução e imaginação infantil.

64

Na escola 3 há 480 alunos e localiza-se na periferia de Marília. De acordo

com as discussões durante a pesquisa de grupo focal, constatou-se que as

concepções dos professores de um período para o outro são bem divergentes, ou

seja, em uma mesma instituição escolar, professores com mais tempo de trabalho

foram mais críticos que os mais novos na profissão.

Por meio de observações, percebeu-se nessa escola uma organização

disposta para a aprendizagem sistematizada, ou seja, sem recursos de espaços

que incentivem o lúdico.

As escolas, em geral, apresentam a mesma estrutura administrativa

representada pela equipe gestora: diretor4, auxiliar de direção e coordenador

pedagógico, professores, demais funcionários (administrativos e serviços gerais).

Foi afixado pela pesquisadora e pela coordenadora pedagógica ou

diretora da escola um tempo limite de 30 minutos para a realização dos grupos

focais. A preocupação em não extrapolar o horário combinado para as discussões

era tanto da pesquisadora quanto dos professores, uma vez que a coleta de

dados em quatro dos seis grupos focais foi realizada nos momentos finais da

reunião pedagógica do grupo, portanto os professores tinham pressa em encerrar

o expediente.

Em todas as reuniões, o primeiro passo era a apresentação da

pesquisadora, já que os indivíduos do grupo se conheciam. Posteriormente, eram

apresentados os objetivos do estudo, em linhas gerais, a fim de não direcionar as

discussões em grupo. O funcionamento da técnica de grupo focal também era

explicado, momento em que a pesquisadora incentivou a participação de todos,

alertou que não havia respostas certas ou erradas e que não era necessário o

consenso nas respostas.

Com a intenção de manter os professores à vontade, a disposição do

mobiliário da sala em que foram realizados os encontros foi mantida. Na escola 1,

os professores se reuniram, naquele dia, na sala destinada para reforço escolar,

com as carteiras dispostas no entorno da sala de aula. Nas escolas 2 e 3, os

professores estavam reunidos na sala dos professores em torno de uma mesa

grande, que semanalmente era utilizada para reuniões em conjunto.

4 Na ocasião da coleta de dados, os diretores das três escolas eram substitutos indicados, hábito

comum no sistema educacional do município. Os professores que colaboraram com a pesquisa são todos concursados e contratados na modalidade de estatutário.

65

A partir das leituras dos documentos oficiais, reflexões e indagações

sobre o ensino fundamental de nove anos, foram elaboradas seis perguntas aos

professores constituindo o questionário, que norteou as discussões a fim de que

expusessem o que pensavam a respeito, podendo questionar ou concordar com

os colegas do grupo. A quantidade de questões discutidas no encontro deve ser

avaliada para não dispersar ou enfadar o grupo. Das seis questões principais,

quando necessário, decorriam questões secundárias para elucidar as respostas

das questões primárias, como constam a seguir:

1. “O ensino fundamental de nove anos é um novo ensino fundamental”?

2. Há diferenças significativas entre o ensino fundamental de oito anos e o ensino

fundamental de nove anos?

3. Após as orientações para a implantação do ensino fundamental de nove anos, o que

mudou em sua prática pedagógica?

4. Uma das metas do ensino fundamental de nove anos é o aumento das oportunidades de

aprendizagem e a melhoria da qualidade do ensino-aprendizagem. Você constata o alcance

de tais metas?

5. O que é necessário para melhoria da qualidade do ensino-aprendizagem no ensino

fundamental?

6. Essas melhorias auxiliariam nos avanços da aprendizagem dos alunos? Como?

Anotações e registros por meio de áudio foram utilizados para captar as

discussões tecidas no contexto dos grupos focais. As discussões foram

transcritas e encontram-se no apêndice deste trabalho. Embora o material

coletado e transcrito traga ricas e numerosas informações, não retrata o contexto

em que a discussão foi gerada, trata-se, exclusivamente, do material audível

transcrito.

As questões transcritas tinham objetivos. Na questão 1, os professores

discutiam a política em linhas gerais, dando indícios do seu grau de conhecimento

e identificação de possíveis mudanças em um contexto político mais amplo, a

partir da implantação do ensino fundamental de nove anos.

O objetivo da questão 2 era fazer com que os professores fossem mais

pontuais nas discussões, apontando as possíveis diferenças entre os dois

modelos de política do ensino fundamental, que se encontravam em processo de

transição. Se constatado que não houve diferenças na prática entre os modelos

66

de formação propostos, observar os relatos sobre os motivos que levaram à

manutenção do modelo anterior de oferta do ensino fundamental.

A pergunta 3 foi feita com a intenção de relacionar a proposição e

implantação da política do ensino fundamental de nove anos com a prática

pedagógica do professor em sala de aula, ou seja, verificar se houve alterações

diretas ou indiretas na prática. Essa questão é tida como a mais importante, uma

vez que a expectativa era de que ela pudesse contribuir mais diretamente para

elucidar o problema que norteia o estudo.

As questões 4 e 5 permitem discutir a política e oferecem ao professor a

oportunidade de avaliá-la, expondo o que pensa sobre as lacunas contidas na

proposta de ampliação do ensino fundamental de nove anos.

Na questão 6, buscou-se relacionar se as sugestões e críticas feitas pelos

professores ao ensino fundamental de nove anos contribuem de algum modo para

a melhoria e avanços na aprendizagem do aluno, tendo como princípio a

concepção de que todas as mudanças educacionais devem ter como foco a

melhoria da qualidade do ensino.

A organização de professores em grupos focais permitiu chegar a algumas

constatações: os professores têm poucas oportunidades para discutir temas sem

a imposição de dar respostas exatas ou elaborar novas percepções a partir dos

conceitos apresentados por seus colegas de trabalho.

Muitos professores colocam-se como ouvintes da opinião do outro,

concordando ou não, sem se manifestar. A ausência de participação nas

discussões pode corresponder ao desprezo em contribuir com a pesquisa, a falta

de opinião elaborada sobre o assunto devido a um conhecimento parcial do tema,

ou, ainda, ao monopólio de colegas de profissão, que assumem a postura de

liderança e se expressam mais que os outros.

A dinâmica das escolas difere uma das outras, porém a proposição de

espaços coletivos para discussões, sem impor nenhum direcionamento, parece

perturbar os professores, de modo geral, visto que sempre tiveram que dar

respostas às questões que lhes são apresentadas, questionando o mínimo

possível, prevalecendo a cultura da aceitação pacífica do que é proposto. Alguns

aproveitaram o momento para desabafar o fato de não serem ouvidos, mesmo

67

julgando saber o que é necessário para a melhoria da qualidade do ensino no

contexto de implantação de políticas educacionais.

3 Professores que atuam no ensino fundamental

Assim como as escolas, os professores recebem novas atuações. A

burocracia que busca uniformizar os professores compreende o cumprimento do

currículo e a prestação de contas do seu trabalho à comunidade (DUBET, 2002,

p.16). As normas impostas burocraticamente servem para direcionar a atuação

docente inserida no contexto de um sistema educacional.

As funções docentes, ou funções pedagógicas, como defende Garay

(1998, p.111), são estabelecidas pelo art. 13 da LDBEN/96:

I – participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;

II – elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;

III – zelar pela aprendizagem dos alunos;

IV – estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento;

V – ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional;

VI – colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade.

Como Silva Júnior (1993, p.53), entende-se que “os profissionais da escola

(...) dividem-se entre a lealdade ao poder constituído e o propósito de realização

efetiva de seu trabalho”. A lealdade está relacionada ao cumprimento do que é

estabelecido em lei, portanto trata-se do que se espera do profissional que atua

na função. As necessidades efetivas de aprendizagem tem a ver com a formação

do aluno em um contexto social específico.

A coerência entre as atribuições legais, a proposta pedagógica, as

atribuições da grade curricular estabelecida e a prática docente nem sempre são

constatadas. Observações e avaliações identificam se há um distanciamento do

que fora proposto como plano de trabalho. O não cumprimento das funções

68

implica no risco de ser advertido sobre o argumento da necessidade de estar

inserido em um sistema educacional, com padrões previamente estabelecidos.

Acompanhar o desenvolvimento do trabalho do professor não é a meta

principal das avaliações realizadas nas escolas. Estas têm como foco verificar a

aprendizagem do aluno; mas a referência à aprendizagem remete ao ensino,

atribuição dos professores. Avaliar os docentes se faz necessário, considerando

que são muitos os professores que atuam sem a devida habilitação no Brasil.

O perfil dos professores da educação básica, apresentado pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (Pnad), em 2006, foi analisado por

Gatti e Barreto (2009). A partir do estudo, as autoras afirmam que essa categoria

é a terceira maior do país, sendo que grande parte dos professores atua no setor

público. A educação ofertada é, essencialmente, um serviço público prestado à

sociedade, que não pode ficar a critério do professor, a oferta necessita ser

avaliada e apurada para que se tenham padrões mínimos de qualidade.

O censo da educação básica (2011), veiculado pelo Instituto Nacional de

Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), apresentou o número de alunos do

ensino fundamental no Brasil, campo de atuação do professor. Em 2011, eram

25.514.379 alunos matriculados no ensino fundamental regular, dos quais

13.430.813 estavam matriculados nos anos iniciais do ensino fundamental e

12.083.566, nos anos finais do ensino fundamental.

A oferta dos anos iniciais do ensino fundamental é feita, em sua grande

maioria, pelos municípios, que respondem por 79,5% das vagas; o Estado

responde por 20,5%. Os dados apontam, ainda, que no ensino fundamental havia

1 660 160 professores, dos quais 1 391 443 atuavam na rede pública e os

demais, em escolas privadas.

Em relação aos professores do ensino fundamental que atuam no setor

público, o maior contratante é o município, com 61,3%, em segundo lugar o

Estado, com 37,2%, e por último o governo federal, com 1,5%. Nos anos iniciais

do ensino fundamental, 93% dos professores são do sexo feminino e 7%, do

sexo masculino. Em relação a homens e mulheres que atuam nos anos iniciais do

ensino fundamental, Gatti e Barreto (2009) apontam que as mulheres dedicam

mais tempo ao trabalho que os homens, representando respectivamente uma

69

média de 32 e 30 horas semanais. A maioria dos professores, 82%, afirmou

trabalhar em apenas uma escola.

Quanto à formação dos professores, ficou constatado pelas autoras que

81, 4% dos que atuam no ensino fundamental têm o curso superior, 7,1% têm

mestrado e doutorado e 11,5% têm o ensino médio ou menor formação. A

disparidade na oferta de educação no Brasil torna-se evidente quando se constata

que, dos 8.538 professores leigos, ou seja, sem a formação mínima necessária

para atuar nessa etapa de ensino, aproximadamente 54% são docentes no

nordeste. Para Gatti e Barreto (2006, p.36), há

necessidade de adoção de uma estratégia de atuação articulada entre as

diferentes instâncias que formam os professores e as que os admitem

como docentes, a qual, dada a sua complexidade, não pode prescindir

do poder central para ser levada a bom termo.

Gatti e Barreto (2009, p.160) verificaram que há baixa adesão dos

estudantes ao curso de Pedagogia, que têm como uma de suas atribuições a

formação de professores para atuar nos anos iniciais do ensino fundamental. A

baixa adesão gera o déficit de professores habilitados para o exercício da

profissão.

No estudo de Gatti e Barreto (2006) consta também que a opção para a

profissionalização por meio do curso de Pedagogia é mais demorada que em

outros cursos. Essa conclusão justifica-se pela baixa quantidade de alunos

matriculados nos cursos, na faixa etária de 18 a 24 anos, que corresponde

apenas a 35%, ou seja, os 65% restantes optam por cursar Pedagogia após a

idade sequencial ao ensino médio.

Não é difícil entender a escolha tardia e a baixa adesão dos alunos à

carreira docente diante do desprestígio que essa profissão vem sofrendo ao

longo dos anos, expressos pela baixa remuneração, pela sobrecarga de

atribuições, pela falta de condições de trabalho, pelo desrespeito e violência por

parte dos alunos e das famílias, entre outros.

Atualmente, há programas de incentivo à formação de professores por

parte do governo federal, que custeia, parcial ou integralmente, cursos de

licenciatura através do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), dos Programas

70

Universidade Aberta para Todos (PROUNI) e Universidade Aberta do Brasil

(UAB), sendo este um programa de formação à distância. A prioridade é a

formação de professores e demais profissionais que atuam na educação básica.

Para incentivar a permanência na profissão, ficou estabelecido no Plano Nacional

da Educação (2011-2020) o prazo de dois anos para a elaboração do plano de

carreira em todos nos sistemas públicos de ensino.

Tais iniciativas não resolvem o problema da falta de professores no Brasil,

que, em 2008, era de 246 mil professores (BRASIL, 2008), mas podem ajudar a

reduzir tal déficit. Tal situação leva a precarização da educação no Brasil, com

contratações irregulares de leigos e o consequente comprometimento da

formação do aluno.

4 Determinações políticas e atuação docente

As determinações políticas interferem no modo como a maioria dos

professores atua, porém tal ação não é previsível, uma vez que é possível

constatar maior ou menor intensidade da política nas ações pedagógicas. A

formação inicial e continuada do professor delimita os raios de sua atuação

juntamente com as experiências vivenciadas ao longo da vida nos diversos

contextos que interage. Para Roldão (2007, p.97), as práticas são determinadas

pela

miscigenação de elementos pessoais e profissionais no desempenho

docente, agravados com o peso da história e dos multissignificados que

ensinar assumiu em contextos tão diversos como o da missionação, ou o

do perceptorado, miscigenação essa que dificulta por vezes a

clarificação da natureza da acção docente.

As influências da formação do indivíduo determinam as possibilidades de

adequação ou não de um professor a uma política decretada, uma vez que cada

indivíduo estabelece o que a seus olhos é fundamental à educação.

Os professores “exercem um papel ativo no processo de interpretação e

reinterpretação das políticas educacionais e, dessa forma, o que eles pensam e

71

no que acreditam têm implicações para o processo de implementação das

políticas”(MAINARDES, 2006, p.53).

A formação de professores acontece em múltiplos contextos: na academia,

no cotidiano das práticas pedagógicas, nas práticas políticas de governo, nas

práticas políticas coletivas dos movimentos sociais, nas práticas das pesquisas

em educação, nas práticas de produção e uso de mídias e nas práticas das

cidades (ALVES, 2010, p. 1196).

O resultado da formação em diversos contextos faz com que os

professores não leiam “os textos políticos como leitores ingênuos, eles vêm com

suas histórias, experiências, valores e propósitos” (BOWE et al., 1992, p. 22).

Há vínculos entre a formação e o contexto escolar, que são mantidos,

considerando as características de organização da escola, refletidos nas relações

entre tantos mundos existentes em cada professor e demais profissionais da

escola e as inúmeras atribuições e imposições dadas às escola; é uma complexa

cadeia de redes que os gestores escolares buscam conciliar para o seu

funcionamento.

Diante do que está posto há muitos anos ao ensino fundamental, é

perceptível a necessidade de inovação para superar as práticas tradicionais.

Roldão (2007, p. 94) distingue que ensinar envolve uma tensão entre “professar

um saber” e o “fazer outros se apropriarem de um saber”. Há maneiras diferentes

de ensinar e lidar com o processo constitutivo da aprendizagem. No Brasil, as

Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino fundamental estabelecem o quê

ensinar e como ensinar; porém o que sempre é discutido são as condições para

ensinar.

Veiga (1992, p.16) define a prática pedagógica como “uma prática social

orientada por objetivos, finalidades e conhecimentos, inserida no contexto da

prática social”, ou seja, a prática pedagógica é apenas uma dimensão da prática

social. A prática pedagógica não é exclusiva do professor, outros profissionais

não docentes a exercem quando tem a intencionalidade de prover o ensino-

aprendizagem sistematicamente.

No contexto escolar há uma dificuldade em se romper com práticas

pedagógicas tradicionais, não do ponto de vista legal, uma vez que os discursos

contidos nos documentos elaborados pelo MEC enfatizam a necessidade de rever

72

as concepções e práticas de ensino, contudo não ofereçam as condições para

sua materialização. Espera-se que os professores busquem pelo novo, de modo

que contribua para mudanças e não para a manutenção do modelo educacional

vigente no ensino fundamental.

A instituição escolar não é apenas um “lócus de reprodução, mas também

de produção, admite-se que possa constituir-se também como uma instância

(auto) organizada para a produção de regras (não formais e informais)” (LIMA,

2001, p. 64). A reprodução ocorre a partir de determinações políticas à instituição

escolar, que não são descartáveis porque não são neutras, e há a possibilidade

de serem assimiladas pelos educadores e fazerem parte do cotidiano escolar.

O normativismo que pode engessar a escola nem sempre é mal visto pelos

profissionais da educação, que, habituados à cultura da reprodução, nem sempre

ousam buscar caminhos alternativos. Fazer o que se manda pode dar menos

trabalho do que tomar novas atitudes. As escolas funcionam estabelecendo por

referência as orientações normativas. O grau de aceitação ou não de uma política

pela instituição escolar determina o desencadeamento de suas ações (LIMA,

2001, p.23), que podem ou não reproduzir as regras formais.

Fullan (2001, p.115) defende que “a mudança educacional depende do que

os professores fazem e pensam”, no entanto a mudança almejada não depende

apenas do desempenho e concepções que os professores têm sobre o ensino-

aprendizagem. Nesse sentido, Veiga (2002, p.14) afirma que “buscar uma nova

organização para a escola constitui uma ousadia para os educadores, pais,

alunos e funcionários”, ou seja, é um objetivo coletivo. Para a escola, é um

desafio buscar solucionar seus problemas sem rever a sua organização, que é

burocrática e sistêmica.

4.1 Sobre os professores participantes dos grupos focais

Abaixo serão apresentados dados que caracterizam os 60 professores

participantes da pesquisa nos seguintes aspectos: gênero, idade, formação

acadêmica, anos de profissão.

73

Gráfico 2- Identificação dos professores por gênero

Dos sessenta professores, a maioria é do sexo feminino, 57, uma

constatação que não se constitui como novidade no campo educacional, uma vez

que o ofício docente há muito tempo está a cargo das mulheres. Nacionalmente

os professores do sexo masculino representam em torno de 10% (GATTI e

BARRETO, 2009), nas três escolas investigadas em Marília os professores do

sexo masculino correspondem a 5% do corpo docente.

A concentração das idades dos professores que atuam nos anos iniciais do

ensino fundamental está entre os 26 e 45 anos, correspondendo a mais de 78%

dos 60 professores envolvidos no estudo.

Tabela 1 - Faixa etária dos professores investigados

Faixa etária

20 a 25 anos

26 a 30 anos

31 a 35 anos

36 a 40 anos

41 a 45 anos

46 a 50 anos

51 a 55 anos

55 anos ou mais

Total

Quantidade

1

14

8

15

10

6

2

4

60

Os requisitos estabelecidos para a atuação docente nos anos iniciais do

ensino fundamental são determinados pela LDBEN/96, artigo 62, que tem o curso

0

5

10

15

20

25

Escola 1 Escola 2 Escola 3

Masculino

Feminino

74

de Pedagogia e o curso Normal no nível médio como responsáveis pela formação

dos professores dos anos iniciais do ensino fundamental.

Dos 60 participantes da pesquisa, 57 têm formação em Pedagogia e os

demais que não têm formação em Pedagogia ou têm outro curso de graduação,

licenciatura, ou estão em fase de conclusão.

Gráfico 3- Professores com graduação em Pedagogia

Há um consenso, nos dias atuais, sobre a necessidade de se elevar o nível do desenvolvimento profissional dos professores integrando atualização teórico-científica e fortalecimento da prática profissional (GATTI, BARRETO, 2009, p.227).

Em relação ao prosseguimento nos estudos, 9 dos 60 professores tem

curso de especialização (pós-graduação) na área educacional, representando

apenas 15% dos docentes investigados. Considerando que o ofício docente

demanda atualização e acesso contínuo a novos conhecimentos é uma margem

pequena. A ausência de um índice maior de professores pós-graduados não é

responsabilidade única e exclusiva do professor, no caso do município de Marília,

um dos fatores que pode corresponder a descontinuidade da formação é a falta

de um plano de carreira no município, ainda em discussão.

Os planos de carreira foram estabelecidos em 1988 pela Constituição

Federal como meio para valorização dos profissionais da educação, mais de

vinte anos após (2011) apenas 43% dos municípios do Brasil elaboraram e

Formação dos professores em curso de Pedagogia

Pedagogia

Não tem formação empedagogia

75

implantaram o plano de carreira. O Plano Nacional da Educação (2011-2020)

estabeleceu o prazo de dois anos para que os demais municípios atendam tal

determinação legal.

Gráfico 4- Anos de profissão docente

Comparando os dados de Marília aos dados nacionais, em 2011,

2.039.261 professores atuavam na educação básica no Brasil e 140 934

professores atuavam nos anos iniciais do ensino fundamental no Estado de São

Paulo. Desses professores a maioria é do sexo feminino, de cor branca, 58%,

aproximadamente, estão entre os 33 e 55 anos e mais de 80% deles possuem

formação em curso superior, com licenciatura (IDEB/2011).

Dos 60 professores que participaram da pesquisa apenas cinco atuam em

mais de uma escola, para complementação da renda. A maioria atua apenas em

uma escola, uma vez que, de acordo com dados coletados, são 27 horas de

trabalho presenciais e mais cinco horas atividades a ser realizada fora do

contexto escolar, no planejamento de aulas, correções de materiais dos alunos.

Trabalhar em mais de uma escola pode significar dobrar a carga horária de

0

2

4

6

8

10

12

14

16

18

20

3 anos oumenos

4 - 6 anos 7 - 9 anos 10 - 12 anos mais de 13anos

76

trabalho, o que viria a comprometer a qualidade do serviço prestado e exceder a

quantidade de horas semanais estabelecidas pelas leis trabalhistas.

O piso salarial estabelecido em fevereiro de 2012 pelo ministro da

educação aos professores é de R$ 1.451,00. Em Marília a referência salarial dos

professores dos anos iniciais do ensino fundamental é de R$ 1515,78, que

corresponde a aproximadamente 4% a mais do que é estabelecido

nacionalmente.

Diante dos dados coletados é possível estabelecer algumas relações entre

eles e, após análises chegar a dados inicialmente imperceptíveis. O próximo

capítulo terá tal imcumbência.

77

Capítulo III

Análise das percepções dos professores sobre o ensino fundamental de nove anos

“Se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas –

sinais, indícios – que permitem decifra-la.” (GINZBURG, 2003, p. 177).

Decifrar os contextos e os discursos apresentados é um momento

sequencial à coleta de dados, que aos poucos são elucidados. Os efeitos da

implantação política do ensino fundamental de nove anos serão abordados por

meio dos discursos dos professores, coletados nos grupos focais.

No sentido de investigar a problemática da pesquisa, isto é, a percepção

dos professores acerca da implantação da política do ensino fundamental de nove

anos, os dados foram coletados por meio dos grupos focais, que foram

classificados e analisados de acordo com os discursos dos professores.

A transcrição, contida no apêndice, ainda que na íntegra, não retrata o

contexto em que o material foi coletado pela riqueza de detalhes, como o tom da

voz, a postura na cadeira, o olhar fixo ou disperso, a gesticulação, entre outras

peculiaridades, mas fornece elementos essenciais para análise.

Inicialmente, as percepções construídas a partir desta pesquisa se

traduziram da seguinte forma: para os professores, a estrutura física das escolas

é incompatível com a proposta de priorizar o lúdico no processo de ensino-

aprendizagem, uma das recomendações do Ministério da Educação a todos os

anos do ensino fundamental, incluindo a criança do 1º ano, que agora ingressa

com 6 anos.

78

Uma boa estrutura física e material é importante, mas faz parte de um

contexto educacional mais amplo em que há mais elementos responsáveis por

determinar a qualidade do ensino-aprendizagem.

Em se tratando do primeiro ano, uma questão proposta pelos professores

diz respeito a alfabetização da criança nesse primeiro momento. Apontam a falta

de coerência entre os documentos oficiais nacionais elaborados pelo Ministério da

Educação e as cobranças locais do município para o desenvolvimento da leitura e

escrita, uma vez que nos discursos oficiais há que priorizar o lúdico, mesmo que

nenhum investimento tenha sido feito nesse sentido. Por outro lado, na prestação

de contas do desempenho escolar do aluno deve-se indicar o nível de

alfabetização em que a criança se encontra sem fazer referência ao lúdico, mas

por meio de fichas de acompanhamento individuais onde consta a fase de escrita

alcançada pelo aluno. Aprender a ler e escrever por meio do lúdico é o

recomendável; porém o processo de avaliação não é compatível com o ensino

aprendizagem pautado no lúdico, em razão de sua formalidade e excessiva

sistematização.

Para a análise do material coletado foram elaborados quadros com as

perguntas e respostas dos grupos focais (1,2,3,4,5 e 6). As categorias de análise

foram eleitas a partir da temática contida nas questões discutidas pelos grupos, a

saber: 1- novidades e diferenças constatadas pelos professores no ensino

fundamental de nove anos; 2- mudanças na prática pedagógica após a

implantação do ensino fundamental de nove anos; 3- aumento das oportunidades

e da qualidade no ensino fundamental de nove anos e 4- indicações dos

professores para a melhoria do ensino fundamental. As percepções dos

professores sobre o ensino fundamental de nove anos estiveram presentes

durante a realização da coleta de dados e no decorrer das análises.

Inicialmente buscou-se identificar nas falas dos professores quem era a

favor ou contra; o sim e o não em cada categoria, porém as quantificações não

expressavam de fato os conflitos dos professores em relação a implantação do

ensino fundamental de nove anos. Alguns professores demonstraram dúvida,

insegurança e não foram categóricos na afirmação ou negação das questões

propostas. Diante disso, surgiu a necessidade de contabilizar a condição de

79

parcialidade, de afirmação e negação dos professores nas respostas, expresso no

quadro a seguir:

Quadro 3 - Síntese das categorias de análise 1, 2, 3 e 4

Nas discussões nos grupos focais não houve participação de todos os

professores em todas as questões, por se tratar de grupos focais, e não de

questionários ou entrevistas com número exato de participações. As

porcentagens que serão apresentadas por meio de números para representar as

discussões nas categorias são relativas ao total de manifestações dos

professores em cada questão, e não em relação ao total de professores presente

no grupo.

A análise das percepções dos professores por meio de grupos focais não

se aterá apenas a números, já que a quantificação dos discursos pode simplificá-

los a ponto de aproximar-se de generalizações. A categoria 5, por exemplo, não

será aqui quantificada como as demais, pois as falas dos professores não são

uniformes, uma vez que não estão embutidas na resposta de apenas uma

questão, mas nas discussões de todas elas.

Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3 Grupo 4 Grupo 5 Grupo 6 Total

Categorias (exceto a 5) % % % % % % %

1 Sim 0 25 100 66,3 100 0 48,5

Não 50 50 0 0 50 25

Parcialmente 50 25 0 33,3 0 50 26,5

2 Sim 0 100 100 80 0 50 55

Não 0 0 0 0 0 0 0

Parcialmente 100 0 0 20 100 50 45

3 Sim 0 0 100 100 100 0 50

Não 0 100 0 0 0 0 16,5

Parcialmente 100 0 0 0 0 100 33,54 Espaço físico

4 Espaço adequado 37,5 33,3 50 20 100 27,2 44,7

Rec. humanos 0 0 50 40 0 36,4 21

Equipamento 37,5 33,3 0 40 0 0 18,5

Outros (família, 25 33,3 0 0 0 36,4 15,7

menos pressão)

Escola A Escola B Escola C

Novidades e diferençasconstatadas pelos professores noensino fundamental de nove

anosMudanças na prática pedagógicaapós a implantação do ensinofundamental de nove anos

Aumento das oportunidades deaprendizagem e da qualidade deensino

Principais indicações dosprofessores para melhoria doensino fundamental

80

Alguns trechos de discursos dos professores, coletados nas discussões

em grupos focais, serão citados para exemplificar as análises, sendo usados com

moderação, conforme recomendação de Gomes (2005, p. 288).

1- Novidades e diferenças constatadas pelos professores no ensino

fundamental de nove anos

Esta categoria foi construída tomando por base as questões 1 e 2 feitas

aos grupos focais. O ensino fundamental de nove anos é um “novo” ensino

fundamental? Há diferenças significativas entre o ensino fundamental de oito anos

e o ensino fundamental de nove anos? Em um primeiro momento as duas

questões vinham sendo analisadas separadamente, até tornar-se perceptível que

as novidades se constituíam como elementos diferentes da política e, portanto,

elas estavam relacionadas entre si.

Segundo o dicionário Aurélio (FERREIRA, 2009), novo é algo

Que existe há pouco tempo; acabado de fazer. Moço, de pouca idade.

Que é dito, tratado, visto pela primeira vez. O que é recente: o velho e o

novo se confrontam.

Desse modo, o novo não é algo repaginado, refeito, reapresentado é

recente, caracteriza-se pela oposição ao velho. No contexto da política do ensino

fundamental, segundo a leitura de documentos oficiais, o ensino de oito anos seria o

velho e o ensino de nove anos seria o novo.

Nessa categoria foram agrupadas as respostas das questões 1 e 2 feitas

aos professores, uma vez que a primeira questão refere-se às novidades no ensino

fundamental de nove anos e a segunda questão diz respeito às diferenças

percebidas pelos professores após a implantação desse mesmo nível de ensino. As

diferenças notadas certamente não serão conhecidas, estão atreladas ao novo.

Na questão 1, a pergunta foi: “O ensino fundamental de nove anos é um

novo ensino fundamental”?

Essa questão foi baseada em um material de orientação do MEC, que

afirmava ser o ensino fundamental ampliado para nove anos de duração um novo

81

ensino fundamental (BRASIL, 2009, p.14). A política veio acompanhada da

proposição da alteração estrutural de todo o ensino fundamental, atrelada a

revisões de ordem pedagógica e de concepções teórico-metodológicas.

De acordo com os dados coletados nos grupos, a política do ensino

fundamental de nove anos implantada em um mesmo sistema de ensino

apresenta percepções variáveis sobre o fato de constituir-se como novo ou não.

Dos professores que se manifestaram nas discussões em grupos, 25% não

identificaram novidades no ensino fundamental; 26,5% apontaram que as

mudanças são parciais e graduais, ainda não sabem ao certo se foi o acréscimo

só de um ano ou se a existência da novidade depende da secretaria de ensino

que implanta a política.

Somam 48,5% os professores que afirmam tratar-se de um novo ensino

fundamental e entre as justificativas estão: os avanços no desenvolvimento dos

alunos, que agora estão mais participativos e comunicativos; mudança na postura

do professor para atender aos alunos com essa nova característica; reformulação

da proposta de trabalho de acordo com a implantação do ensino fundamental de

nove anos, o que, segundo discurso de um dos professores do grupo 5, “fica mais

fácil para o professor visualizar aquilo que ele tem que desenvolver no ano”.

A entrada da criança de seis anos no ensino fundamental antecipou o

processo de alfabetização e provocou mudanças em cadeia a partir do primeiro

ano, aumentando gradativamente as exigências aos professores nos anos

posteriores de estudo.

Os docentes que afirmaram haver mudanças justificaram, pressupondo a

necessidade do convencimento e argumentação nas respostas; no entanto quem

negou a mudança foi enfático e não apresentou justificativa ou argumentos.

Um quadro mais específico com alguns dos discursos dos professores

sobre a proposição de mudanças é apresentado a seguir.

Quadro 4 – Discursos de alguns professores sobre as mudanças propostas ao

ensino fundamental de nove anos

Quanto às mudanças

Professor do Continua do mesmo jeito, “com a mesma política educacional, a

82

grupo 1 mesma questão de atingir números e não vê qualidade”.

Não mudou, “só acrescentou (um ano).”

Professor do

grupo 2

“a gente não tem tempo para isso”.

“O conteúdo é muito extenso”.

Professor do

grupo 3

“a proposta propõe uma mudança em cadeia”

Professor do

grupo 4

A criança “está exigindo da gente essa adequação”

Professor do

grupo 5

“eu não sei se a prática em sala de aula mudou muito”

“já é uma estratégia anterior, só que foi intensificada”

“a nossa prática mudou totalmente”

Professor do

grupo 6

“não mudou quase nada”

O discurso dos professores que se manifestaram na coleta de dados

apontam tanto para a percepção das mudanças como para a negação delas. A

afirmação de um dos professores do grupo 3 é a de que “a proposta propõe uma

mudança em cadeia”, do mesmo modo um professor do grupo 4 declara que a

própria criança está a exigir mais adequações dos professores em sua prática

pedagógica. No grupo 5 há um professor que afirma ter mudado totalmente a sua

prática. As mudanças são percebidas com intensidades diferentes, indo da

totalidade a intensificação de práticas existentes.

Há os professores que não perceberam mudanças provocadas pela

implantação do ensino fundamental de nove anos e criticam a questão do tempo,

da preocupação da quantidade em detrimento da qualidade.

O fato de o ensino fundamental ser ou não novo está diretamente

relacionado à prática pedagógica do professor em sala de aula e às coordenadas

dadas para a implantação política. Se 25% dos professores alegam não

perceber mudanças, possivelmente sua atuação em sala de aula permaneça a

mesma.

Quanto às diferenças, analogias e comparações, são processos inerentes

à consciência e à vida humana. A comparação emerge da capacidade humana

de, ao conhecer objetos, singularizá-los, identificar suas diferenças e

semelhanças por meio de reconstruções históricas (FRANCO, 2000, p.198).

De todos os dados coletados nos grupos focais referentes às diferenças

entre o modelo anterior e o atual, os professores apontaram cinco frentes de

83

mudanças que dizem respeito à política em si, aos pais de alunos, aos alunos, ao

professor e às estratégias de ensino.

Apesar de apenas 48,5% dos professores identificarem o ensino

fundamental de nove anos como novo, 71,5% afirmam perceber diferenças

quando comparado ao ensino fundamental de oito anos. Como a professora do

grupo 4 afirma “a proposta impõe uma mudança em cadeia”. Do mesmo modo a

professora do grupo 3 defende que “se foi trabalhado corretamente no primeiro

ano (as) crianças que vêm melhor para o segundo ano". Sob esse aspecto pode-

se observar que a efetivação da política está vinculada a cumplicidade do grupo

em aderí-la.

Entre as diferenças apontadas pelos professores que se manifestaram a

respeito da política há a percepção de uma preocupação maior com o

desenvolvimento da criança, os alunos vêm melhores dos anos anteriores, há

novas exigências ao professor para adaptação desse novo aluno.

Lima (2001, p.54) entende que a escola é um organismo vivo e não atua

passivamente diante das reformas. O simples fato de dizer que a política é nova

ou até mesmo propor alterações para o funcionamento escolar pode ser ignorado,

dissimulado ou adaptado. Outro fator que merece destaque é a apresentação da

política sem inovar na infraestrutura necessária para a sua implantação, o que se

configura como um ciclo de proposição política sem possibilidades efetivas de

mudanças. Estabelecer o novo pode restringir-se ao discurso se for proposto a

partir de estruturas preexistentes.

Há professores que consideram assistencialista a política do ensino

fundamental de nove anos (professor do grupo 1), pelo fato de deixar a criança

mais tempo na escola, para os pais trabalharem, para não ficarem em casa ou na

rua com tempo ocioso.

O que é definido por um professor como política assistencialista é

defendido por Paul e Barbosa (2008) como política compensatória, que

favoreceria a justiça social na distribuição dos recursos educacionais de modo

que atenda aos alunos das classes populares. Os autores argumentam

(...) sobre a necessidade de políticas compensatórias que igualem os

recursos disponibilizados para todas as escolas e reduzam ou eliminem

a distância entre os níveis de aprendizado dos distintos grupos sociais

84

deixa de lado algumas das questões substantivas, que podem ser muito

relevantes (...) Evidentemente que a dimensão econômica da educação

é essencial, assim como o aumento e a melhoria da distribuição dos

recursos financeiros. (...) Mas os recursos financeiros não são

suficientes para garantir que o maior número possível de alunos

permaneça na escola por uma quantidade razoável de anos. É

necessário ter educação de qualidade visível.

A preocupação de 21,4% dos professores com a alfabetização

manifestou-se por meio dos discursos. Segundo eles, as cobranças do sistema

municipal quanto a sua antecipação são, também, dos pais, que se mostram

ansiosos nesse processo. Para os pais, o fato de a criança ir à escola mais cedo

pressupõe a alfabetização mais cedo. Os documentos do MEC não se opõem à

ação alfabetizadora, mas estabelece três anos para o cumprimento dessa etapa.

Os pais cobram mais, fazem comparações entre o desempenho escolar do filho e

o de outras crianças na mesma idade escolar.

Segundo os professores, o modelo atual exige mais do professor, que

precisa mudar a sua “didática” para propiciar significação nas atividades

propostas às crianças. “Hoje o diferencial para nós é o lúdico” (professor do grupo

5). “O lúdico, que diferenciou muito”, continuou outro professor do mesmo grupo.

Ensinar por meio do lúdico exige novas posturas do professor no preparo

das aulas e na abordagem dos conteúdos com os alunos. Quando os alunos

vivenciam a aprendizagem por meio do lúdico no primeiro ano passam a

questionar nos anos seguintes o modo como são propostas as atividades

escolares; desse modo o professor sente-se forçado a elaborar melhor as suas

aulas a fim de corresponder às necessidades de aprendizagem do aluno.

As recomendações do MEC representam o ideal, que consiste no

funcionamento harmonioso da implantação política; porém o posicionamento dos

professores, pautado em condições reais para a sua efetivação, aponta os

entraves e possibilidades desse processo.

85

2- Mudanças na prática pedagógica após a implantação do ensino

fundamental de nove anos

A questão norteadora das discussões nesta categoria foi: Após as

orientações para a implantação do ensino fundamental de nove anos, o que

mudou em sua prática pedagógica?

Placco (2003, p.100) entende que no contexto de formação dos

professores

As mudanças são engendradas, no nível da consciência, das atitudes,

habilidades e valores da pessoa, assim como no grau e amplitude de

seu conhecimento e do trato com esse conhecimento, com a cultura, e

assim processos identitários se constroem.

Sendo assim, a qualidade do conhecimento a ser construído pelo aluno

depende da formação do professor e das escolhas pedagógicas que ele faz, que

são reflexos do seu meio social e de sua formação.

Ao ser questionado sobre as mudanças na prática pedagógica após a

implantação da política do ensino fundamental de nove anos, o professor tem a

oportunidade de fazer, ainda que brevemente, uma autoavaliação do seu trabalho

em relação à política.

Nas discussões em grupo, 69,2% dos professores afirmaram que houve

mudança na prática pedagógica e apontaram o uso de recursos lúdicos como

elemento principal no processo de ensino-aprendizagem. Nenhum professor

ousou negar as mudanças na atuação e 30,8% dos docentes afirmam que houve

mudanças parciais.

Para os professores, a política demanda um envolvimento mais intenso

com o trabalho, exige muita pesquisa pelo professor. “Ele tem que buscar, tem

que atualizar (...)” (professor do grupo 4).

Os professores apontam que as crianças vêm melhores dos anos

anteriores, uma vez que, ao terem antecipada a entrada no ensino sistematizado,

são incentivados a adentrarem no mundo da leitura e escrita, que se constitui

como instrumento principal de acesso ao conhecimento. Tais atitudes exigem

adaptações curriculares e um trabalho diferenciado. Ao professor cabe fazer um

trabalho mais interdisciplinar, contemplando o desenvolvimento integral do aluno.

86

Algumas contradições foram identificadas nos discursos, como “não sei

se a prática mudou muito, mas a gente tem que se adaptar” (professor do grupo

5). Adaptar-se a uma determinada realidade pressupõe algumas mudanças, ainda

que mínimas. O discurso da adaptação ocorreu com 23% dos professores, que se

manifestaram de diferentes modos: “adaptar uma parte da escola para atender

essas crianças”(professor do grupo 2); “adaptar conteúdo, currículo para trabalhar

com essas crianças” (professor do grupo 3); “a gente tem que se adaptar”

(professor do grupo 5), ou seja, a adaptação é da escola, do currículo e do

professor.

No contexto prático há professores que admitem a mudança na atuação

pedagógica, há os que assumem estar ocorrendo aos poucos, há os que ironizam

e duvidam de sua viabilidade. Gatti e Barreto (2009, p.234) recordam que em

educação qualquer mudança ou intervenção não traz resultados imediatos. É

preciso considerar a temporalidade para obter os resultados em uma direção

pretendida.

No que se refere a constatação de mudanças na prática pedagógica após

a implantação do ensino fundamental de nove anos alguns professores negam tal

ocorrência por meio de inúmeras justificativas, entre elas a do professor do grupo

1 ao dizer que não percebeu mudanças “por falta de espaço físico, por falta de

material, de instrução até mesmo de cobrança do sistema. Ele exige que você

trabalhe de uma maneira que não dá para priorizar o lúdico a todo o momento”.

Professores dos grupos 2 e 5 assim se manifestam:

Não. Pelo que eu vejo no primeiro ano, segundo ano, a gente está trabalhando com

as mesmas propostas, com o mesmo eixo de conteúdos. A gente não tem uma

estrutura dentro da escola para atender esses alunos que vem com seis anos. Eu

acho que não mudou muita coisa, não! (professor do grupo 2)

Eu não percebo nenhuma diferença, porque só acrescentou um ano e os demais

anos continua do mesmo jeito, com a mesma política educacional, a mesma questão

de atingir números e não vê qualidade, então na minha opinião não mudou nada, só

acrescentou (um ano). (professor do grupo 5)

Em coletas de dados dos grupos 1 e 2, realizadas na mesma escola (A),

embora as duas falas apresentadas neguem as mudanças, as justificativas são

87

diferentes: uma atribui a impossibilidade das mudanças à estrutura física e

material para viabilização da política; a outra refere-se à execução do conteúdo

curricular.

Quanto às práticas pedagógicas no contexto da política de ampliação do

ensino fundamental, o quadro seguinte compara as semelhanças e diferenças

entre as concepções do MEC e as dos professores, coletada por meio das

discussões em grupos focais.

Quadro 5 - Práticas recomendadas pelo MEC e prática possível segundo os

professores.

Prática pedagógica

Recomendações

do Ministério

da Educação

É necessário “reorganizar a sua estrutura, as formas de

gestão, os ambientes, os espaços, os tempos, os materiais,

os conteúdos, as metodologias, os objetivos, o planejamento

e a avaliação, de sorte que as crianças se sintam inseridas e

acolhidas num ambiente prazeroso e propício à

aprendizagem.”

A natureza do trabalho docente requer um continuado

processo de formação dos sujeitos sociais historicamente

envolvidos com a ação pedagógica, sendo indispensável o

desenvolvimento de atitudes investigativas, de alternativas

pedagógicas e metodológicas na busca de uma qualidade

social da educação. (BRASIL, 2004, p.25)

A política segundo

os professores

“não sei se a nossa prática mudou totalmente, eu acho que a

nossa visão mudou” (Professor do grupo 5). A visão sobre

como devem ser ensinados os conteúdos.

Os professores alegam “fazer um trabalho mais globalizado,

englobar tudo uma coisa na outra” (Professor do grupo 4)

É “mais contextualizado” (Professor do grupo 4)

“Então... a gente tem que se virar nos trinta5, não é?

Vai adaptando, não é?

Vão criar coisa do arco da velha...

Tem que ser artista.” (Professor do grupo 5).

Para minimizar o confronto entre o que é determinado e o que é realizado

de fato, depara-se com a figura do sofista, relembrada por Certeau (2008, p.48).

5 A professora faz referência a um quadro de um programa de televisão (Se vira nos trinta). Nesse quadro,

anônimos dispõem de trinta segundos para exibirem performances inusitadas na disputa por prêmios.

88

Os sofistas dominam a retórica: apropriam-se de um discurso, são coerentes com

ele, mas não o praticam. O professor tem as suas táticas quando atua

pedagogicamente e as táticas são vistas por Certeau (idem) como reações às

estratégias impostas por quem detém o poder.

Ser coerente com a determinação oficial, ainda que apenas por meio do

discurso, elimina em princípio o embate e coloca o professor em uma posição

confortável. Os discursos são questionados em momentos de avaliação

sistemática se houver um acompanhamento do trabalho e um instrumento de

avaliação preciso a ponto de constatar incoerências entre o que é dito e o que é

feito.

A ambiguidade entre os discursos e a prática não é exclusividade do

professor. O Estado também o faz quando estabelece uma lei e não provê os

recursos necessários para a efetivação política.

Diante da prática pedagógica determinada pelo MEC e da prática possível

nos diversos contextos escolares, é pertinente questionar quais práticas

pedagógicas são consideradas bem sucedidas? Quem as determina? Em que

condições é possível operacionalizá-las?

No contexto de discussão sobre performatividade Ball (2002, p.10) entende

que há uma ruptura entre o que o julgamento dos próprios professores acerca do

que seja uma boa prática e as necessidades dos estudantes e os rigores do

desempenho esperado em sua função docente.

Abdian e Ciardella (2011, p. 189), discutem que

(...) as práticas escolares históricas, de centralização de decisões e

medidas tomadas hierárquica e linearmente, predominam e influenciam

significativamente a elaboração das representações sociais dos

profissionais.

O modo como as políticas são acolhidas pelos gestores educacionais e

secretários da educação repercute no modo como o professor interpreta e

constrói sua percepção acerca da política. A anuência à política sem os

investimentos necessários pode comprometer a qualidade do ensino.

O conceito de qualidade é flexível, mas, quando relacionado ao ensino,

remete à capacidade que o professor tem de conduzir o aluno à apropriação de

conhecimentos que favoreçam a sua convivência com a sociedade atual e que o

89

instrumentalize de modo a construir novos conhecimentos. Segundo Rios (2008,

p.63), “o ensino competente é um ensino de boa qualidade”. A qualidade na atuação docente é esperada por qualquer professor que

exerce a função pedagógica, independente das condições das quais dispõe. A

questão de o espaço ser comprometedor em sua atuação é compreensível, visto

que o contexto influencia no modo como as pessoas agem e nas escolhas que

fazem para prover o acesso ao conhecimento. Os professores estabelecem

condições para a atuação pedagógica e expressam que “se” tivessem mais

condições de trabalho, “se” tivessem suporte, a aula seria mais dinâmica e

interessante, como não tem, pressupõe-se que a aula não é nem tão dinâmica,

nem muito interessante.

Saviani (2009, p. 67) defende que “as condições do exercício do magistério

(...) determinam a qualidade da formação docente”. O autor refere-se à formação

em serviço. O espaço pode favorecer ou não as práticas pedagógicas

diferenciadas e determinar os limites de sua atuação. O autor afirma que, se as

políticas educativas “não priorizam o provimento de condições adequadas para a

realização do trabalho docente, também os cursos de formação de professores se

desenvolverão em condições insatisfatórias”, ou seja, é a precarização da

atuação docente em cadeia.

Gatti e Barreto (2009, p.222) apontam que no percurso da formação em

serviço os professores têm a expectativa de “respostas prontas e únicas, ao

mesmo tempo em que advogam valorização de sua experiência, criatividade e

poder de decisão”. Tal expectativa pode ser desconstruída por meio da própria

formação em serviço, uma vez que essa formação não ocorre apenas por meio do

outro, que lhe serve de parâmetro (professor, coordenador, gestor escolar), mas

também em experiências educacionais próprias, capazes de apontar novos

caminhos para o ensino e aprendizagem.

As determinações políticas não mudam as concepções dos professores

apenas em seu contexto escolar, além de interferir em sua identidade profissional,

alteram sua identidade pessoal, uma vez que o professor é um ser social. Uma

reforma política “Não muda apenas o que fazemos. Muda também quem somos”.

(BALL, 2002, p. 5).

90

O alcance de metas estabelecidas em determinações políticas pelo

professor pode ser caracterizado como sucesso profissional, o que gera

satisfação e bem-estar à vida pessoal. Do mesmo modo, a dificuldade em atingir

metas gera frustração e desmotivação tanto profissionalmente, quanto

pessoalmente. Os professores passam a refletir mais sobre suas convicções

pedagógicas e cedem quando são pressionados e não podem mais sustentar os

argumentos que justificam as práticas pedagógicas exercidas.

3- Aumento das oportunidades e da qualidade no ensino fundamental de

nove anos

A quarta questão feita aos professores reunidos em grupos foi: Uma das

metas do ensino fundamental de nove anos é o aumento das oportunidades de

aprendizagem e a melhoria da qualidade do ensino-aprendizagem. Você constata

o alcance de tais metas?

Segundo Freitas (2002, p.139), a ampliação de oportunidades “é

originária da nova concepção de equidade tão enfatizada no novo glossário da

pós-modernidade e nas políticas públicas atuais”.

No contexto da pesquisa de grupo focal, 50% dos professores entendem

que a política do ensino fundamental de nove anos proporciona o aumento das

oportunidades de aprendizagem e a melhoria da qualidade do ensino, e tomam

por base os resultados ao final do ano, relativos ao progresso no processo de

construção da escrita. Para 33,5% dos professores, o acréscimo de um ano ao

ensino fundamental amplia parcialmente as oportunidades de aprendizagem;

apenas 16,5% discordam dessa ideia.

Com a implantação do ensino fundamental de nove anos, a mudança mais

evidente relaciona-se ao acréscimo dos dias letivos, distribuídos em,

aproximadamente, 5 horas diárias. A criança teve a antecipação do contato com a

organização escolar em outro nível de ensino, da educação infantil ao ensino

fundamental, para o aluno que frequentava a educação infantil. No que se refere

ao Estado de São Paulo, os pais mudaram seus filhos de escola. Afirmar como o

professor do grupo 6, que “não mudou quase nada”, ou como o professor do

grupo 1, que “só acrescentou um ano”, é rejeitar quase que em absoluto a

91

proposição política. Cabe refletir: qual é o trabalho realizado com essas crianças

nas mil horas a mais, destinadas ao ensino e aprendizagem?

A defesa do aumento das oportunidades é justificada por um professor do

grupo 4 que diz ser “ possível constatar a qualidade pelo resultado que apresenta

no final do ano.” O discurso de que a ampliação das oportunidades vem

ocorrendo em cadeia é recorrente em 3 dos 6 grupos.

Um professor do grupo 5 afirma não saber “se a prática mudou totalmente”.

Tal afirmação é coerente, uma vez que os próprios professores já afirmaram que

os espaços e estruturas permaneceram as mesmas, mas como fazer uso

totalmente diferente dos mesmos espaços? O educador organiza o espaço

conforme suas concepções pedagógicas e de acordo com os objetivos

estabelecidos, mesmo que essa relação entre a organização espacial e as

concepções educacionais seja inconsciente. As mudanças de concepções

educacionais geram mudanças no espaço.

Tal situação vem a ser confirmada por Martins (2011, p. 233) ao afirmar

que “o direito a vaga não é sinônimo de escolarização, muito menos de uma

escolarização de qualidade”.

Para Gatti, Barreto e André (2011, p. 42),

a melhoria da qualidade do ensino e das aprendizagens reporta-se a

aspectos de um trabalho pedagógico que são multirreferenciados, pouco

precisos e pouco institucionalizados, tanto no que se refere aos

conteúdos quanto às abordagens.

A flexibilidade no modo como o professor trabalha em sala de aula,

segundo as autoras, favorece a qualidade do ensino, porém o crédito ao trabalho

desenvolvido pelo professor só será dado quando houver indícios de uma boa

formação.

Barreto e Mitrulis (2001, p. 133) afirmam em um contexto mais amplo que

não há uma pedagogia que o professor domine e, ao mesmo tempo, satisfaça às

necessidades de formação do indivíduo. Tal fato gera frustração ao professor ou,

em casos isolados, constitui-se em desafio a ser superado.

Assim como as instituições escolares são imprevisíveis, o alunado

diversificado, as modalidades de ensino aprendizagem não são únicas, o que

92

demanda a pluralidade nas ações docentes, diante de uma política padronizada

nacionalmente.

4- Indicações dos professores para a melhoria do ensino fundamental

A participação dos professores nessa questão foi a mais expressiva em

todos os grupos focais, pois puderam apontar soluções e alternativas para a

melhoria da qualidade do ensino. O item espaço físico foi apontado por 44,7% dos

docentes como importante para promover um ensino de qualidade, e deveria ser

organizado com brinquedoteca, parque, biblioteca, tanque de areia, ou seja,

espaços organizados fora da sala de aula.

Os recursos humanos existentes nas escolas foram considerados

insuficientes para cooperar com a melhoria do ensino-aprendizagem. Dos

professores que se manifestaram nas discussões, 21% entendem que ter

profissionais mais capacitados e em maior quantidade colaboraria para a melhoria

do ensino nas escolas, uma vez que há muitos alunos por sala, e os

professores, especialmente os dos primeiros anos, não conseguem acompanhar

de perto o desempenho de todos. Para isso, sugerem a presença de um auxiliar,

nas salas de aula.

Equipar melhor as escolas com computadores, lousas digitais e projetor

multimídia é apontado por 18,5% dos professores como necessário para a

melhoria do ensino aprendizagem. Essas reivindicações são reflexos da cultura

do “ter para ser”, impregnado na sociedade em geral e também na atuação do

professor no contexto escolar. Nessa cultura impera o discurso de que quando

tiver recursos, condições e espaços tidos como necessários será feito o que é

determinado, só assim será possível ser um bom professor e ensinar com

qualidade.

Outros fatores, como menor pressão sobre os professores quanto às

cobranças e o acompanhamento da família no desenvolvimento escolar do aluno,

são apontados como elementos que contribuiriam para a melhoria da qualidade

do ensino.

A lista sugerida pelos professores é extensa, mas quando foram

questionados (questão 6) sobre a relação entre os materiais, espaços, formação e

93

os avanços diretos na aprendizagem do aluno, as discussões foram amenas.

Muitos se eximiram em falar, olhares vagos e frontes franzidas buscando

respostas. As poucas manifestações não estabeleceram relação direta com a

questão proposta.

Tal situação aponta que há um discurso em comum em relação às

condições tidas como ideais para desenvolvimento do trabalho do professor. As

necessidades que os professores apontam para a melhoria da qualidade do

ensino-aprendizagem estão relacionadas com as condições que têm para

trabalhar, aparentemente desconectadas do processo educacional como um todo.

As constatações teriam que ter relação direta com a aprendizagem do aluno e

não só com as condições de trabalho do professor. Seria um avanço oferecer

melhores condições de trabalho ao professor, com lousa digital, projetor

multimídia e espaço físico adequado, desde que tais recursos provocassem

alterações, também, na aprendizagem do aluno.

O fato de tornar a aula mais dinâmica não pressupõe a aprendizagem

automática dos alunos; na realidade o ensino- aprendizagem se processa com

articulação e envolvimento das determinações políticas, estruturas dos espaços

físicos, recursos materiais e pessoais sobre o comando de uma prática

pedagógica eficiente.

Para Demo (1994), qualidade tem a ver com perfeição, “está mais para o

ser do que para o ter”. Tal conceito e os dados da pesquisa podem ser

relacionados ao considerar que, para os professores, qualidade é ter condições

para realizar o trabalho na escola, em sala de aula, e para o Estado é o ser, em

uma visão simplificada de mudança de postura que os docentes precisam adotar

para aderir à política. Ainda para o Estado, o conceito que mais se encaixaria é o

de Demo, que compreende ser a “qualidade (...) questão de competência

humana”. São olhares para um mesmo objeto a partir de diferentes ângulos.

Quadro 6 – Estrutura para implantação do ensino fundamental de nove anos.

Estrutura para a implantação do ensino fundamental de nove anos

Recomendações do Ministério da Educação

“infraestrutura adequada” (BRASIL, 2009, p.4).

“criação de espaços apropriados e materiais didáticos que

constituam ambiente compatível com teorias, métodos e

94

técnicas adequadas ao desenvolvimento da criança”.

A implantação da política segundo os professores

“A gente não tem uma estrutura dentro da escola para

atender esses alunos que vem com seis anos”.

Você acha que toda essa estrutura da rede municipal de

ensino vai ser mudada? Nunca! (Professor do grupo 6)

“O problema é o espaço. É uma judiação colocar essas

crianças cinco horas dentro de uma sala de aula”.

(Professor do grupo 6)

“tem toda uma estrutura pedagógica para a

implementação do ensino fundamental de nove anos”

(Professor do grupo 6)

Necessidades apontadas pelos professores

Tem que equipar melhor as escolas. Ter condições

pedagógicas, em informática: manutenção de

computadores, biblioteca com um acervo muito grande, o

que não acontece, ter materiais de apoio, material humano

para dar apoio para essas crianças que em alguns casos

precisa e também um incentivo financeiro a mais ao

professor (Professor do grupo 1).

Se tivesse um parquinho, se tivesse uma brinquedoteca,

um espaço maior para brincadeira (Professor do grupo 1).

A carência de estrutura parece ser o principal impeditivo para a

implantação da ampliação do ensino fundamental, segundo os professores. A

maior preocupação é com o primeiro ano, que necessita de suporte especial. Os

professores apontam o que necessitam para a melhoria das condições de

trabalho e atendimento das determinações legais.

Gatti e Barreto (2009, p.221) entendem que há uma cultura entre os

professores de que “a solução de seus problemas está em conhecimentos

produzidos fora do espaço escolar”, o que fica condicionado à impossibilidade de

solução caso não tenham acesso aos conhecimentos produzidos, não

compactuem com a concepção educacional embutida no conhecimento, entre

outros riscos de não apropriação do conhecimento.

Por meio dos discursos de professores, coletados no contexto de

implantação do ensino fundamental de nove anos, foi possível identificar que os

95

espaços são tidos como elementos mais importantes no processo de ensino-

aprendizagem, que a questão é o tempo para a sua realização.

Análise das percepções dos professores

Pelos depoimentos dos professores, percebe-se que na política no ensino

fundamental de nove anos “se pensa mais na criança, nos movimentos, no seu

aspecto cognitivo, como que ele aprende e como ele se desenvolve” (professor do

grupo 3). No entanto o sistema impõe que o professor respeite o ritmo de

aprendizagem do aluno, mas pressiona para acelerar o processo de apropriação

dos conteúdos sistematicamente propostos para essa etapa de ensino.

Esta pesquisa concluiu que 44,7% dos professores alegam que o espaço

compromete sua atuação e outros 18,5% julgam que esse comprometimento se

dá pela falta de recursos físicos. Portanto eles compreendem que o seu trabalho

está inserido em um contexto que depende de mais elementos para ser realizado

com sucesso. O fato de sempre trabalhar em espaços inadequados, com recursos

insuficientes colabora para a manutenção do desprestígio da carreira docente e

da sensação de impotência para atuar diante de inúmeras limitações.

Segundo Crema (1998, p. 138), a escola “está investida de desejos e

expectativas que, nos distintos momentos de sua história, podem ou não coincidir

com os desejos e as expectativas daqueles que a criaram” . Essa mesma autora

afirma que os professores assumem um compromisso com a instituição onde

trabalham, mas há um contrato inconsciente estabelecido entre a identidade do

professor e a instituição, que, se não for correspondido, leva à renúncia do

professor ao que fora estabelecido, já que as expectativas questionam a

pertinência das proposições.

Os professores que se manifestaram nos grupos apontam que a política

sufoca a infância quando não há condições para efetivar a implantação, ou seja, a

ausência de espaços para brincar e condições para ministrar aulas mais

dinâmicas torna a escola desgastante e cansativa. Argumentos dos professores

demonstram conservadorismo ao considerar que cada coisa tem o seu tempo e a

política queima etapas da criança.

96

Apesar do esforço, os professores destacam que a política não é mágica

e denunciam que as salas de aula continuam lotadas e os professores sem

auxílio. O Estado atribui a reponsabilidade pelo sucesso da política ao professor,

que julga não ter condições para desenvolver todos os aspetos da política por

causa da falta de investimentos do Estado, representado pelo governo municipal,

no caso deste estudo.

Percepções diferentes acerca de uma mesma política dificultam a

melhoria da qualidade do ensino. O Estado considera que ofertou a educação e

avalia o fracasso da implantação política como a falta de colaboração das partes

envolvidas no processo. Para o professor e a sociedade em geral, o Estado não

dá condições efetivas para a concretização da política.

Tal contexto leva a refletir que o Estado deforma, ainda que

indiretamente, a política que ele mesmo propõe ao limitar as condições para a

efetivação; acaba se configurando como um consentimento à sua má

implantação.

Há divergências dos professores de um mesmo grupo quanto às

mudanças em sua atuação pedagógica por meio de discursos distintos. Há

mudanças? Um professor do grupo 2 afirma: “Não. Como no primeiro ano não

tem de onde tirar é praticamente uma cópia da primeira série...”. Outro professor

do mesmo grupo que trabalha com o 2º ano do ensino fundamental aponta: “Tem

uma mudança porque agora elas vêm melhor (do primeiro ano), então você tem

que adaptar conteúdo, currículo para trabalhar com essas crianças avançadas.”

Outros relatos:

Exige mais do professor. Isso eu acredito, que exige muito mais do professor, porque

são aulas que você tem que elaborar mais, pensar em todo um contexto, pois você

tem que incluir todas as disciplinas do conteúdo. Exige mais do professor, mas eu

acho que tem um resultado melhor. (Professor do grupo 3)

Eu acho assim, veio com o primeiro ano e já está respingando nas demais séries, que

a gente está tentando mudar para poder acompanhar esse trabalho.

O próprio aluno já cobra esse trabalho diferenciado. Começa no primeiro semestre

assim, e no segundo semestre ele já está te cobrando, é mais crítico, ele sabe se

colocar, ele concorda, ele não concorda, tem essa abertura. (Professor do grupo 4)

97

Em linhas gerais, há o entendimento de que professores de uma mesma

escola, que trabalham no mesmo período, sob a responsabilidade do mesmo

diretor, pensem consensualmente. Tal situação não foi conferida nos relatos

anteriores. Se há similaridade nos espaços e tempos ocupados pelos sujeitos,

ainda assim é possível haver divergências em razão de vivências específicas.

Ensinar por meio do lúdico constitui-se como desafio para muitos

professores. O quê e como ensinar é ainda mais desafiador. Em muitas escolas, o

hábito de brincar, destinado ao desenvolvimento das habilidades motoras nas

aulas de Educação Física e Arte, uma ou duas vezes na semana, das 25 horas-

aula de permanência na escola, são insuficientes para promover de fato o lúdico.

Contudo, na coleta de dados, houve 6 manifestações de professores,

afirmando que a implantação do ensino fundamental de nove anos fez com que

os alunos chegassem melhor às demais séries, com níveis mais avançados de

aprendizagem. No próprio relato dos professores, há justificativas: “tem que

adaptar o currículo” (professor do grupo 3), “fazer um trabalho mais globalizado,

englobar uma coisa na outra (...) procurar trabalhar com o lúdico” (professor do

grupo 4).

O Conselho Nacional da Educação (BRASIL, 2007) estabelece por meio de

parecer: a “criação de espaços apropriados e materiais didáticos que constituam

ambiente compatível com teorias, métodos e técnicas adequadas ao

desenvolvimento da criança”. Por meio dos dados coletados, os professores

concordam que o ensino-aprendizagem não deve ocorrer só dentro da sala de

aula, mas que outros espaços fora dela devem ser explorados, porém são poucos

os espaços dos quais a escola dispõe fora da sala de aula, como afirma o

professor do grupo 5: “Às vezes você pensa: Ah! Vamos lá fora. Mas não tem

nada lá fora.”

Sair da sala de aula e realizar atividade muito semelhante ao que se faz

dentro da sala, não contribui para grandes mudanças, se não forem modificadas

as abordagens dos conteúdos e as concepções de ensino-aprendizagem.

No contexto escolar também há a determinação de que os espaços

utilizados para trabalhar com os alunos sejam diversificados, porém a questão é:

o quê fazer e como fazer fora da sala de aula. Quando não se sabe ao certo o

98

quê fazer, os alunos tendem também a perder as referências e apresentar

problemas de disciplina, frustrando o professor e complicando o processo ensino-

aprendizagem.

O quadro seguinte permite comparar as concepções do MEC nos

documentos oficiais e dos professores sobre os conteúdos curriculares.

Quadro 7 – Conteúdos curriculares- recomendações do MEC e relatos dos

professores.

Conteúdos curriculares

Recomendações do Ministério da Educação

O ensino fundamental de nove anos “requer um currículo novo”

(BRASIL, 2009, p.14).

“não se trata de transferir para as crianças de seis anos os

conteúdos e atividades da tradicional primeira série, mas de

conceber uma nova estrutura de organização dos conteúdos

em um ensino fundamental de nove anos” (BRASIL, 2004).

Ao mesmo tempo em que é requerido o novo a LDBEN/96 é

uma referência que permanece a estabelecer as bases em seu

artigo 26:.

Base nacional comum e parte diversificada.

-língua portuguesa

-matemática,

-o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social

e política, especialmente do Brasil.

- Arte, educação física, história do Brasil. (BRASIL, 1996).

A implantação da política segundo os professores

“tem um direcionamento do que ensinar e como trabalhar, com

orientações didáticas, expectativas, conteúdos.” (Professor do

grupo 5).

Se você perguntar qual é o conteúdo do meu primeiro ano, eu

não sei. É primeira série, entendeu?

Eu tenho que alfabetizar com palavras, frases ou tenho que

fazer texto? Não sei. Entendeu? Na via das dúvidas o que eu

vou fazer? (Professor do grupo 2)

Está estabelecido pelo MEC, por meio do documento que orienta a

implantação do ensino fundamental de nove anos, que o 1º ano não é repetição

99

da pré-escola nem a transferência dos conteúdos da 1ª série do ensino

fundamental (NASCIMENTO, 2007, p.31).

O MEC propõe a construção de um currículo novo; mas ao fazê-lo, reforça

os conteúdos estabelecidos em 1996, pela LDBEN n. 9 394/96, em seu artigo 26.

Após a aprovação da LDBEN/96 já foram elaboradas e publicadas duas diretrizes

curriculares nacionais para o ensino fundamental, a de 1998 e a de 2010, sendo

que apenas a de 2010 vem tratar do que é determinado ao ensino fundamental de

nove anos, já que as diretrizes do ensino fundamental de 1998, antecedem a

proposição da ampliação do ensino fundamental e, desse modo continham

orientações amplas, determinando as disciplinas que compõem o currículo, assim

como alguns conteúdos, ressaltando que cada sistema de ensino deve analisar e

estabelecer quais serão os conhecimentos construídos nas disciplinas ao longo

dos anos nesse nível de ensino.

Aos professores é determinada a execução dos conteúdos a serem

trabalhados em sala de aula por meio de diretrizes curriculares estabelecidas

nacionalmente pelo MEC.

Diante disso, é possível perceber que não há a cultura de participação

efetiva dos professores quanto à proposição dos conteúdos curriculares que

devem ser trabalhados, características de sistemas educacionais que privilegiam

a padronização do conteúdo. O exercício de pensar sobre as exigências de

aprendizagem que o ensino fundamental de nove anos demanda é delegado às

hierarquias superiores, ou seja, os professores acolhem o que entendem ser de

sua competência, isto é, ensinar. Desse modo, submetem-se ao como fazer, mas

têm reservas quanto ao conteúdo que deve ser ensinado, mesmo que esse esteja

estabelecido em lei – artigo 26 da LDBEN/96.

Young (2011, p.614) afirma que o currículo vem sendo usado pelos

governos como instrumento para solucionar problemas econômicos e sociais; no

entanto defende que “o currículo precisa ser visto como tendo uma finalidade

própria – o desenvolvimento intelectual dos estudantes. Não deve ser tratado

como um meio para motivar estudantes ou para solucionar problemas sociais”.

Quanto ao “que ensinar no primeiro ano”, há evidências de que o simples

fato de estabelecer o conteúdo em documentos oficiais não leva o professor a se

convencer de que esses devem ser os conteúdos trabalhados. Há falta de

100

orientação entre os professores sobre o que está proposto no plano de

implantação do primeiro ano do ensino fundamental de nove anos no município.

Apesar dos documentos orientadores, o argumento de que não se sabe o

conteúdo a ser trabalhado pode ser um indício de rejeição à política.

Os conteúdos podem ser trabalhados em anos anteriores aos que eram

trabalhados no ensino fundamental de oito anos, uma vez que os alunos, ao se

apropriarem da leitura e escrita, dominam mais facilmente os conteúdos de outras

disciplinas. Os professores estão se adaptando aos poucos a esses alunos.

Estão obscuros os conteúdos do primeiro ano, como afirma um professor

do grupo 2: “Matemática eu tenho que trabalhar o quê? Não tem uma coisa igual

à grade curricular da primeira série, não tem. As outras disciplinas a gente segue

a primeira série.”

A percepção do professor sobre uma determinação política é composta

pelas relações conscientes e inconscientes estabelecidas em seu contexto social.

O quê e como ensinar, segundo Saviani (2006, p.44), segue a tendência da

estandardização do currículo, ou seja, os currículos são estabelecidos

mundialmente, determinados por organizações internacionais, que pressionam

sobre a inclusão ou exclusão de disciplinas a serem trabalhadas e o seu peso na

formação do indivíduo.

Alfabetizar ou não crianças de seis anos era uma dúvida no último ano da

educação infantil, que foi transposta ao primeiro ano do ensino fundamental de

nove anos. Com as orientações fixadas pelo MEC, verificou-se o que está em

questão é modo pelo qual essa apropriação da leitura e escrita acontece, tendo

em vista o fato de o aprendente ser uma criança. Se todos os estímulos dados

para a aprendizagem da leitura e escrita por meio do lúdico forem respondidos,

não há porque prorrogar esse processo; porém se o trabalho for extremamente

sistematizado a ponto de não contemplar a imaginação e o fato de o aluno ser

uma criança, pode haver bloqueios em seu desenvolvimento. Essa situação foi

apontada no relato de um dos professores do grupo 1 durante a coleta de dados:

“o lúdico que é bom, não tem.”

101

O professor entende que propiciar a aprendizagem por meio do lúdico é

bom, no entanto, se isso não acontece, é por falta de estrutura adequada e pela

pressão de ter que alfabetizar já no primeiro ano.

A proposta do ensino fundamental de nove anos é alfabetizar todos os

alunos nos três primeiros anos do ensino fundamental. Alguns alunos chegam à

escola aptos para iniciar o processo de alfabetização; então é complexo limitar os

avanços desse aluno ao mesmo tempo em que se estimula aquele que ainda não

está preparado.

As exigências quanto à alfabetização no primeiro ano existem, segundo os

professores, e eles perceberam que as crianças respondem a essa aprendizagem

mesmo aos seis anos. Uma das provas dessa cobrança está na planilha a ser

preenchida, bimestralmente, pelos professores do primeiro ano, com os níveis de

escrita dos alunos. Nela constam todas as fases de desenvolvimento da escrita,

segundo Ferreiro (1986). O professor do grupo 2 representa o discurso dos pais:

“Criança alfabetizada significa aprendizagem. Se o meu filho foi para a escola ele

tem que se alfabetizar. A professora tem cobrança dos pais e da rede.”

A expressão se alfabetizar surge duas vezes nas discussões do grupo 2 e,

embora possa denotar uma expressão desprovida de reflexão, pressupõe a

apropriação pelo próprio indivíduo de um processo em que o aluno é tido como o

único sujeito envolvido, uma espécie de autodidata.

Para os professores, alfabetizar é coisa séria e a ideia de ensinar

brincando é inviável, está implícito que os alunos precisam ser alfabetizados, mas

não se concebe a possibilidade de a criança ser alfabetizada por meio do lúdico.

Por meio da política do ensino fundamental de nove anos, o MEC propõe

que a aprendizagem ocorra valorizando o brincar, mas a aprendizagem pautada

nessa concepção deverá romper com as concepções da sociedade em relação à

aprendizagem, que não vê a escola como lugar de brincadeira.

Não é atual o discurso, tanto dos professores como dos pais ou

responsáveis, que orienta os alunos para não brincarem em sala de aula, o que

implica na quebra de um paradigma. De repente, o que era proibido passa a ser

uma norma oficial e a brincadeira torna-se obrigatória. Sabe-se que o brincar na

escola deve ser dirigido, com objetivos estabelecidos pelos professores, já que o

102

trabalho pedagógico possui essa característica de intencionalidade, tendo em

vista o papel motivador para o ensino- aprendizagem, porém se o brincar torna-se

pedagogizado pode ser igualmente frustrante para criança.

Não se questiona a necessidade de a criança brincar, tampouco a

impossibilidade de aprender brincando. Nos dias atuais, o incentivo à brincadeira

vem suprir a carência das crianças de brincar na rua, e a cultura de trabalho dos

pais favorece que as crianças assumam responsabilidades de adultos, suprimindo

o tempo para brincar. Estabelecer que a escola seja um espaço para brincadeira

é atribuir a essa instituição educacional mais uma função que nem todas as

famílias conseguem fazer. A cultura de brincar na escola, de ensinar e aprender

brincando exige algum tempo para sua incorporação.

O professor trabalha a partir da formação profissional que dispõe; nesse

caso, há um forte indício da necessidade de preparo para lidar com uma dinâmica

de ensino apropriada à infância. Nessa formação, o lúdico não se constitui como o

oposto da seriedade e intencionalidade que há por trás dele.

A inserção da música no conteúdo escolar foi estabelecida pela Lei nº

11.769/2008e acrescida ao artigo 26 da LDBEN/96. O recurso da música e de

jogos como estratégia para o desenvolvimento do ensino pode sofrer uma

descaracterização quanto ao lúdico em um processo de pedagogização do

ensino-aprendizagem., quando a música e os jogos são pretextos para o ensino

da leitura e escrita e não contemplam a possibilidade de ser flexível quanto ao

alcance da meta, que não necessariamente está vinculada ao brincar. Para

Dantas e Maciel (2010, p. 172), no pedagógico há que se considerar sua

dimensão cultural, enquanto conhecimento, arte e vida, e não apenas como algo

restrito ao aprender.

Os professores investigados demonstraram preocupação significativa com

a tarefa de alfabetizar as crianças e condenaram o espaço físico disponível para a

realização das atividades lúdicas conforme recomendação da política. Embora

reconheça que existe um suporte pedagógico, ou seja, há uma matriz curricular

proposta para ser trabalhada no município que incentiva a alfabetização, entende-

se que a limitação do sistema educacional no município esbarra nos

103

investimentos tidos como necessários para o desenvolvimento do ensino nesse

nível.

Um professor do grupo 6 aponta: “a proposta vem como se fosse uma

novidade, como é citado no documento, mas a gente não vê muita mudança.

Como se ela fosse mágica.”

A proposição política do ensino fundamental de nove anos é destinada à

escola, mas ela não é o principal foco, tampouco os professores, o seu objetivo é

a melhoria a qualidade de aprendizagem do aluno. É claro que para isso há um

processo muito extenso e complexo que envolve todos os sujeitos educacionais e

que influenciará no resultado final.

Não há equívocos ao propor uma aprendizagem mais contextualizada e a

melhoria da qualidade da aprendizagem do aluno, porém há que se considerar as

necessidades e os pontos de partida do aluno para a aprendizagem. A política de

ampliação do ensino fundamental tem respaldo teórico convincente, porém está

mais representada pelos discursos políticos do que pelas condições para efetivá-

la.

Quanto tempo é necessário para um pesquisador entender o

funcionamento da escola e desvendar os vestígios da cultura daquele cotidiano?

As discussões entre os professores por meio da pesquisa de grupo focal indicam

peculiaridades das experiências vivenciadas naquele contexto, que podem ser

contestadas pelo colega, em caso da constatação de um discurso incoerente com

a prática exercida.

Em linhas gerais, os professores sabem o que devem fazer e há

conformismo quanto às limitações para a efetivação, atribuindo ao sistema a

responsabilidade pelo insucesso da política. Discursos de professores dos grupos

1, 2 e 3 revelam: “A gente faz o que pode, o que mandam”, o próprio sistema não

permite a efetivação política. Está claro que os professores distinguem

nitidamente que há um distanciamento entre o propor e efetivar.

Em quais condições estão implantando o ensino fundamental de nove

anos? Quais seriam as condições necessárias?

Muitas escolas públicas não dispõem de estrutura física adequada para o

ensino-aprendizagem, mas, analisando historicamente as condições ideais para o

104

processo educativo, no Brasil, ficará constatado que elas nunca foram

satisfatórias e, portanto, o ensino ocorreu no improviso durante todo esse tempo.

As condições específicas para o funcionamento da escola, com profissionais

capacitados e estrutura física adequada, ainda se constituem como desafio à

educação brasileira.

As condições física e material, segundo os professores, são fatores que

limitam a efetivação política e constituem consenso nos grupos. A atualização

profissional é tida como elemento importante nesse processo apenas em dois

grupos de professores (4 e 5). Os demais condenam a falta de estrutura física

antes da necessidade de preparo profissional para lidar com as limitações.

Para alguns professores, a falta de recursos materiais compromete a sua

atuação e torna-se o principal argumento para recusar a política. Para outros,

atingir, ainda que minimamente, os objetivos estabelecidos pela política torna-se

um desafio a ser superado, ainda que o ambiente não lhe seja favorável.

A ausência de uma brinquedoteca, de um parque infantil na escola e de

jogos pedagógicos pôde ser visivelmente observada na realização da pesquisa

de campo e diagnosticada como um obstáculo a ser superado pelo professor no

processo de ensino-aprendizagem, porém há professores que superam a

ausência dos recursos e veem nessa situação a oportunidade de construir seus

próprios jogos, brincadeiras e espaços para a aprendizagem.

O problema da falta de materiais para estimular o lúdico pode ser analisado

de duas maneiras: limitadora ou desafiadora. Se considerado limitador, o indício

que se tem da experiência desse professor é que o lúdico tem hora, espaço e

momento apropriado; se considerado desafiador, haverá sempre a possiblidade

de se criar a oportunidade para brincar e aprender, sem apologia à limitação de

recursos pelo poder público. Segundo Certeau (2008, p. 79) há “mil maneiras de

jogar/desfazer o jogo do outro”. A postura do professor expressa a sua posição no

contexto de implantação política entendida por Certeau como um jogo.

Os professores sabem o que necessitam para realizar o seu trabalho e

agem não como está determinado na lei, mas segundo as condições que têm

para o exercício de sua função. Pensar que o professor poderia extrapolar a sua

realidade laboral e fazer o máximo que puder com o mínimo de recursos

105

disponíveis é eximir o Estado de oferecer condições efetivas para concretização

da política, já que a ação de propor pressupõe a ação de oferecer condições,

embora essa seja uma tendência nas atitudes do Estado neoliberal, que, se

seguida à risca, condenaria de antemão o cumprimento das políticas, que

estariam restritas aos registros escritos.

As relações entre as regras oficiais, denominadas como estratégias, e as

ações que são tomadas a partir delas são definidas por Certeau (2008, p. 91)

como táticas, que tendem a desviar, manipular as normas estabelecidas, estão

relacionadas ao querer mudar o querer do outro. São reflexos dos diferentes usos

que podem ser feitos a partir da política determinada. Nesse mesmo contexto,

Marin (2004, p.195) define que a artimanha de quem detém o poder dura até que

o dominado crie suas artimanhas.

É necessário discutir que os comportamentos dos professores podem ser

táticos, porém não sem uma razão de ser: se não obedecem às regras

estabelecidas, não é por estrita rebeldia, ou seja, não há uma intencionalidade do

professor em caricaturizar a política, o que existe de fato são inviabilidades para a

efetivação política em um dado contexto, seja ela por condições atreladas a

espaço físico, despreparo do professor, ausência de uma administração escolar

que dê encaminhamento e favoreça a efetivação política. Seria uma relação entre

o que deve e o que pode ser feito, que se constitui de modo diferente.

O Estado mostra-se ineficiente, uma vez que a eficiência envolve “a

comparação das necessidades de atuação sobre o fenômeno com as diretrizes e

os objetivos propostos, e com o instrumental disponibilizado para nele intervir”

(BELLONI, MAGALHÃES e SOUSA, 2003, p.62). A eficiência é alcançada por

meio de procedimentos adotados não só pelos professores, mas também pelos

membros da gestão escolar, da comunidade e, principalmente, pelos

propositores das políticas. Ainda, segundo Belloni, Magalhães e Sousa (2003), a

eficácia se expressa no grau de qualidade do resultado atingido e depende dos

insumos disponibilizados no e pelo processo eficiente.

O discurso dos professores se circunscreve à ideia de que é preciso ter

condições para ser eficiente. Como não se sabe como seria se tivessem

condições de trabalho, o julgamento parece estar encerrado e o Estado,

condenado como culpado. Enquanto o Estado não cumpre o seu papel, os

106

profissionais da educação cooptam com ele, uma vez que compartilham a

ineficiência do sistema, que causa prejuízo generalizado à formação educacional

de toda sociedade. Quem representa o bem ou o mal nesse contexto?

A profissão docente demanda ir além da aceitação e do conformismo.

Esforços são necessários para que a prática pedagógica seja bem sucedida,

apesar dos entraves, ou o professor, que idealiza a providência do Estado na

melhoria das condições educacionais, exercerá a profissão cercado de

frustrações que só serão superadas se o Estado intervier, e tal intervenção pode

ocorrer conforme o idealizado ou não.

A preocupação com os espaços onde o professor vai executar a sua

prática pedagógica é evidente na fala dos professores, que entendem a

importância da política, mas encontram dificuldades para implantá-la no espaço

que dispõem para tal fim. Na seguinte questão feita pelo pesquisador, “o espaço

físico adequado melhoraria a qualidade do ensino-aprendizagem?”, obteve-se a

seguinte resposta:

Professor do grupo 1: Em minha opinião sim. Porque você teria mais

condições de trabalho. Você não ficaria só ali: giz e lousa. Você teria

outros suportes para fazer uma aula mais dinâmica, mais interessante.

Para que eles (os alunos) pudessem se interessar... Porque só giz e

lousa, cópia, cópia, cópia... eles vão perdendo muito fácil o interesse.

Hoje as crianças não têm mais interesse e aí fica uma coisa mais pré-

histórica também.

As análises realizadas a partir dos discursos dos professores sobre a

implantação do ensino fundamental de nove anos indicam que existe a cultura de

atribuir a outros o insucesso de uma política, e essa cultura não é exclusiva dos

professores, mas de todos os envolvidos no processo.

Barroso (2004, p. 51) destaca que a responsabilização dos professores

pelas insuficiências da escola ocorre tanto explícita quanto explicitamente,

tornando perceptível um ciclo multidirecional de culpabilidade no processo de

implantação de políticas.

A política do ensino fundamental de nove anos estabeleceu uma série de

incumbências às esferas que fazem parte do contexto de implantação, ou seja, as

políticas não têm vida própria, são dependentes de instituições e órgãos para a

sua efetivação.

107

Uma determinação política pode originar já sentenciada ao insucesso se

não forem estabelecidos os recursos necessários para sua efetivação, mas esse

não é o único motivo que pode levá-la ao insucesso. Se as atribuições

hierarquicamente dispostas aos órgãos e instituições não forem cumpridas,

haverá um desvio do que fora proposto, o que não pode ser considerado

automaticamente um fracasso, pois rumos diferentes podem ser melhores que os

incialmente propostos, porém é necessário foco e planejamento nas proposições

de políticas educacionais.

O ciclo da análise de políticas estabelecido por Bowe, Ball e Gold (1992)

segue um processo de elaboração inicial e culmina em sua materialização, em

contextos reais que geram efeitos e estratégias, conforme já foi citado nesse

estudo. Para os autores, as arenas políticas de influência, da produção de textos,

da prática, dos efeitos e das estratégias são contínuas e expressam exatamente

o ciclo de uma política.

Como no ciclo de análise de políticas proposto por Bowe, Ball e Gold

(1992), um ciclo representativo da trama no processo de implantação política foi

elaborado com base nos dados coletados nos discursos dos professores em

relação às suas incumbências, contidas nos documentos oficiais elaborados pelo

MEC, que representam a postura do Estado. Em um primeiro momento, a figura

que representava a troca de acusações em relação à culpabilidade no insucesso

da implantação de políticas era a seguinte:

O Estado cria uma expectativa significativa em relação à atuação dos

professores, apesar da insuficiência de recursos para auxiliar nas mudanças

determinadas legalmente. As políticas educacionais impõem

Estado

Professores

108

(...) desafios, sobretudo pedagógicos, para a área educacional. Como se

sabe, mesmo admitindo a expansão das vagas como condição

fundamental para a garantia do direito à educação, é no âmbito das

práticas pedagógicas que a instituição educativa pode tornar-se ela

mesma expressão ou não desse direito (MACIEL, BAPTISTA e

MONTERO, 2009).

A atuação dos professores em processos de implantação política é

fundamental para o seu sucesso ou fracasso. Nesse caso, constata-se a posição

do Estado em atribuir aos professores a responsabilidade pelo desempenho

máximo na implantação da política.

Os professores, por sua vez, condenam o Estado justamente pela falta de

estrutura para a implantação de políticas, justificando a sua inviabilidade. Pensar

o Estado e os professores isoladamente na avaliação de um contexto de

implantação política é fragmentar um processo que envolve mais atores. A

ampliação do entendimento levou à construção da figura seguinte, que representa

linearmente a relação da política em um contexto mais amplo, constituído por

etapas de relações das instituições e indivíduos com a política.

Na figura busca-se a simplificação das instâncias em que a política é

disseminada e determinada. Na maioria das vezes, a política tem origem nas

ações do Estado por meio da legislação, que de cima para baixo repassa as

orientações às secretarias da educação, à escola, que repassa aos professores

até chegar aos alunos e demais membros da comunidade escolar.

Nesse processo de determinação e divulgação da política, a interpretação

do seu conteúdo original pode assemelhar-se a um telefone sem fio6, em que as

6 Brincadeira em que uma mensagem original é dita a uma pessoa e vai sendo repassada pelos demais.

Comumente o que se tem ao final é a mensagem deturpada ou uma nova mensagem, dificilmente a

mensagem original se mantém.

Estado Secretarias da

educação Escola Professor

Aluno

Comunidade escolar

109

orientações podem ser reinterpretadas e chegarem modificadas ao seu destino

final.

Os textos políticos, portanto, representam a política. Essas

representações podem tomar várias formas: textos legais oficiais e textos

políticos, comentários formais ou informais sobre os textos oficiais,

pronunciamentos oficiais, vídeos etc. Tais textos não são,

necessariamente, internamente coerentes e claros, e podem também ser

contraditórios. Eles podem usar os termos-chave de modo diverso. A

política não é feita e finalizada no momento legislativo e os textos

precisam ser lidos com relação ao tempo e ao local específico de sua

produção (MAINARDES, 2006, p. 52)

O autor enfatiza que a política vai se modificando em diferentes épocas e

realidades, uma vez que nem todos compartilham os mesmos contextos, e os

momentos de elaboração, proposição e implantação política nem sempre são os

mesmos, é possível que haja distorções entre a política proposta e a política

implantada.

Se no processo de implantação política há o respeito a uma hierarquia pré-

estabelecida, na avaliação dos resultados da política em processo de implantação

ou já implantada no contexto escolar, as relações são concomitantes, assim como

as acusações, quando não há o êxito esperado na materialização da política

proposta, denominado ciclo multidirecional de culpabilização ou acusação pelo

insucesso na implantação de políticas, representado na figura que segue.

Estado

Secretarias Estaduais/ Municipais

Instituições escolares

Professores

Alunos/

Comunidade escolar

110

Na realidade, o ciclo de culpabilização busca representar o emaranhado

complexo de relações existentes em torno da avaliação da implantação de

políticas educacionais e o processo de atribuição de culpa ao outro por possíveis

falhas detectadas nesse processo.

.Os órgãos ou instituições que compõem o ciclo podem variar sua

composição de acordo com as determinações, sobressaltando a culpabilidade de

um ou de outro ao mesmo tempo ou em tempos distintos. A intensidade ou o nível

de consciência em relação à responsabilidade de cada um no ciclo não é

constante e, portanto, varia de acordo com o nível de instrução da pessoa e sua

participação política na sociedade.

O ritual de acusações multidirecionadas divide as culpas e torna menos

expressiva a imputação de responsabilidades e o consequente descumprimento

de uma política educacional.

Ao estabelecer mais um ano ao ensino fundamental, o Estado adverte

também que a ampliação do tempo por si só é pouco para promover mudanças,

destacando que há responsabilidades estabelecidas hierarquicamente no que diz

respeito às atribuições políticas, administrativas e pedagógicas.

Nesse contexto, a incumbência do Estado é elaborar e estabelecer leis

para que sejam executadas. Também é da competência do Estado avaliar o

cumprimento das determinações legais nacionalmente. As esferas administrativas

e os seus respectivos sistemas de ensino estadual ou municipal têm a função de

divulgar e prover as estruturas necessárias para que a política seja implantada.

Aos professores resta a execução da política em seu aspecto pedagógico.

Em uma cultura de aceitação, cabe aos alunos, pais e demais membros da

comunidade escolar consentir o que foi proposto e idealizado e, mesmo que as

determinações cheguem “customizadas” em cada escola ou sala de aula e

passem por adaptações, dificilmente os alunos ou pais participam do processo

enquanto sujeitos.

Na implantação de políticas, a “aculturação” de determinações legais diz

respeito a sua adaptação em contextos educacionais distintos, mas a sutilidade

nas adaptações deve ser prezada a ponto de preservar a essência da política

proposta.

111

As estratégias usadas pelo Estado

são portanto ações que, graças ao postulado de um lugar de poder (a propriedade de um próprio), elaboram lugares teóricos (sistemas e discursos totalizantes), capazes de articular um conjunto de lugares físicos onde as forças se distribuem. Elas combinam esses três tipos de lugar e visam dominá-los uns pelos outros. (CERTEAU, 2008, p.102)

A avaliação dos resultados das políticas implantadas é usada para distribuir

as culpas, no caso de falhas no processo. No cenário de culpas, o Estado é

adepto de uma cultura que deixa de realizar algumas tarefas de sua

responsabilidade como a providência de meios para a concretização de uma

política, o professor se exime de assumir responsabilidades necessárias à função

pedagógica pela falta de estrutura; as secretarias estaduais e municipais da

educação não promovem espaços para discutir a proposta política amplamente. O

interesse não é coletivo e representa a fragilidade do sistema educacional nas

concretizações de determinações políticas.

No contexto de discussão de estratégias e táticas (CERTEAU, 2008), Os

professores assumem a postura ou tática de atribuir a culpa à falta de materiais e

espaços inadequados ao Estado, e conferem ao outro a limitação da sua

capacidade de atuação.

Quanto mais culpados forem inseridos no ciclo, mais complexo será

identificar as causas e eliminar as possibilidades de insucesso da política, ou seja,

quando há muitos culpados há, também, uma percepção maior de complacência

com os resultados diante das condições existentes, faz-se o melhor com os

recursos que se tem e mantém a cultura da tentativa de se aproximar do que é

proposto, mas não chegar ao que fora proposto de fato.

As culpas atribuídas às várias instituições ou órgãos predominam no

âmbito dos discursos. Cobrar os responsáveis pela oferta e usufruto de educação

de qualidade ou levar o culpado a juízo por meio de ações judiciais não faz parte

da cultura política dos envolvidos, são exceções. Tal postura reflete a sensação

de impotência em questionar as ações do Estado.

O fato de ser atribuída a culpa ao outro não significa eliminar a parcela de

contribuição do acusador no processo de colaboração para implantação da

política. Ser acusado também não é a imputação da culpa de fato.

112

“A política como discurso estabelece limites sobre o que é permitido pensar

e tem o efeito de distribuir “vozes”, uma vez que somente algumas vozes serão

ouvidas como legítimas e investidas de autoridade” (MAINARDES, 2006, p. 54). O

discurso que prevalece é o do mais forte que detém o poder, no caso o Estado,

que se coloca como mais poderoso que as demais instituições sociais, devido a

sua organização, articulação e detenção dos recursos.

O Estado não é o que diz ser nem o que quer ser, mas o que a sociedade

organizada o faz ser e querer (DEMO, 2002, p. 54); no entanto, quando não há

uma organização da sociedade, o Estado mostra-se imponente e as revoltas da

sociedade restringem-se aos discursos informais.

A desarticulação da sociedade no cumprimento do seu papel de

acompanhar e cobrar êxito em medidas políticas adotadas pelo Estado influencia

o desenvolvimento do trabalho na escola. Barroso (2004, p.52) destaca que a

ineficácia e a injustiça no funcionamento escolar se devem à manutenção da

forma da escola, da ordem burocrática, que geram o mal-estar. Desse modo,

entende-se que as acusações em relação às culpas não ocorrem apenas dentro

do ciclo. A educação pode ser culpabilizada, por exemplo, pelo despreparo dos

indivíduos para atuar no mercado de trabalho, e tal acusação justifica oferecer

baixos salários. A educação pode ser acusada de não ensinar aos alunos hábitos

preventivos de higiene e saúde, gerando expressivos números para o

atendimento público nesse setor. Não só a educação, mas outras áreas sociais,

políticas e econômicas recebem acusações, e algumas podem até ser

procedentes, mas não resolvem o problema que mostra desregulação do

funcionamento da sociedade.

Ao julgar a instituição escolar, o professor e os demais membros do ciclo

de culpabilização condenam a ineficiência do sistema e embutem discursos

característicos do modelo político adotado, o neoliberalismo, que defende as

ações da iniciativa privada como mais eficientes que as públicas. O Estado

coloca-se em uma posição confortável de “bom moço” que cumpre o seu papel ao

definir e implantar políticas.

A percepção dos professores sobre a política atém-se às limitações das

estruturas para o desenvolvimento do pedagógico, falta uma reflexão mais

aprofundada sobre a natureza da política e suas interferências no contexto social.

113

De acordo com os professores, as causas dos insucessos na implantação

do ensino fundamental de nove anos devem-se à falta de estrutura e material

pedagógico, e, para o Estado, os professores são responsáveis por “repensar o

tempo pedagógico, a seleção de conteúdos, capacidades e habilidades” dos

alunos (LEAL, ALBUQUERQUE e MORAIS, 2007, p.98).

A atribuição de culpas no processo de implantação de políticas

educacionais não resolve os problemas de desajustes entre o determinado e o

possível, tampouco colabora para a melhoria da qualidade de ensino; serve

apenas para eximir da responsabilidade por ações ou medidas que não foram

adotadas.

A saída está no próprio ciclo e não em seu desmantelamento. As

instituições e órgãos que o compõem, do mesmo modo que culpabilizam o

insucesso na implantação de políticas, podem atuar de modo colaborativo com

objetivos em comum. Não se atua colaborativamente quando há sobrecarga nas

funções delegadas, ou quando não há estrutura financeira, física e estrutural, ou

quando não se está convencido de que a mudança proposta é a melhor.

Se por um lado a culpa pelo insucesso na implantação de política pode ser

atribuída a diversas esferas, a responsabilidade pelo sucesso da política

permanece na esfera que a propôs, ou seja, o mérito pelo sucesso nem sempre é

partilhado.

O processo de colaboração para implantação de políticas não é passivo,

pelo contrário, é tenso, e é interessante que não seja uma colaboração acrítica,

porém o foco deve ser mantido no bem coletivo, nos ganhos que a sociedade

pode ter com a implantação da política, uma vez que a culpabilidade não traz

benefício algum, além de constituir-se como desperdício de dinheiro público.

A legitimidade de uma política é flexível de acordo com a cultura e os

valores que lhe são atribuídos pelos grupos envolvidos em seu processo de

implantação, ou seja, a legitimidade "incide na esfera da consensualidade dos

ideais, dos fundamentos, das crenças, dos valores e dos princípios ideológicos"

(WOLKMER, 1994, p. 180).

Declarar um direito é muito significativo. Equivale a colocá-lo dentro de uma hierarquia que o reconhece solenemente como um ponto prioritário das políticas sociais. Mais significativo ainda se torna esse direito

114

quando ele é declarado e garantido como tal pelo poder interventor do Estado, no sentido de assegurá-lo e implementá-lo (CURY, 2002, p.259).

Estabelecer na legislação um direito não assegura a garantia de sua

efetivação. A postura do Estado caracteriza-se em propor o máximo e delegar sua

execução interferindo minimamente nesse processo, mas exigindo o máximo dos

atores educacionais. O fato é que educação demanda grandes investimentos e é

coerente que o Estado, enquanto responsável por ofertar educação, destaque-se

não apenas como propositor de políticas, mas como viabilizador e incentivador

das suas concretizações.

115

Conclusão

Esse estudo buscou analisar as percepções dos professores dos anos

iniciais do ensino fundamental sobre a ampliação do nível de ensino, de oito para

nove anos de duração. A coleta de dados por meio dos grupos focais levou a

entender que os professores têm posicionamentos acerca das políticas

determinadas e implantadas na escola, no entanto falta-lhes espaço e tempo

para que as discussões sejam promovidas. Quando espaços para discussões são

gerados torna-se perceptível a compreensão e a relação do professor com a

política em seu contexto de atuação, além de permitir que possíveis tomadas de

decisões coletivas acerca da política sejam feitas.

Foi constatado que não há uma cultura de participação dos professores na

elaboração de políticas educacionais, ou seja, os professores estão alheios aos

debates que envolvem a sua área de atuação. A falta de envolvimento dos

profissionais da educação na proposição e elaboração de políticas não é uma

questão de escolha dos professores, mas da ausência de abertura para a

participação. O seu papel, no contexto das políticas educacionais, está

circunscrito na concretização em sala de aula.

A determinação de políticas educacionais está condicionada as condições

de trabalho dos professores para a sua efetivação, de modo que o

convencimento do professor no processo de implantação de políticas em sala de

aula não está relacionado apenas a uma opção pessoal ou de formação

profissional, mas aos recursos disponibilizados a ele. Os improvisos do professor

pela falta de materiais não pode ser regra na implantação de políticas.

Essa pesquisa tratou de uma política em fase de implantação já que em

Marília e na maioria dos municípios do Brasil o ensino fundamental de nove anos

ainda está em curso, visto que poucos sistemas educacionais implantaram a

política em 2004, primeiro ano de implantação. Desse modo, poucos concluíram

essa etapa de ensino por completo.

116

Os dados analisados pela presente pesquisa forneceram elementos para

afirmar que as políticas de fato, são interpretadas de diferentes maneiras em

contextos diversos e, mesmo nos contextos semelhantes, entendemos como Lima

(2001, p.94), “os atores escolares não se limitam ao cumprimento sistemático e

integral das regras hierarquicamente estabelecidas por outrem”. As políticas

externas traçadas para as escolas provocam mudanças significativas no interior

delas, mas não contemplam a sua totalidade.

Os discursos dos professores coletados neste estudo apontam que a

implantação do ensino fundamental de nove anos trouxe novas exigências para a

atuação docente e para o contexto escolar, apesar dos espaços e estruturas

físicas serem os mesmos e as salas de aulas continuarem lotadas. Nos seis

grupos, os professores afirmaram que houve mudanças em sua prática

pedagógica após a implantação do ensino fundamental de nove anos (categoria

2), sendo que 55% deles afirmaram serem mudanças em sua íntegra e 45%

afirmam serem mudanças parciais.

Contradições são perceptíveis nos discursos de mudança: 25% dos

professores alegam que não percebem mudanças ou diferenças com a ampliação

desse nível de ensino (categoria 1), e mesmo assim teriam mudado a prática

pedagógica, total ou parcialmente.

Ainda no contexto das contradições, destacam-se os dados obtidos na

categoria aumento das oportunidades de aprendizagem e qualidade de ensino,

em que 16, 5% dos professores discordam de tal fato (categoria 3). As mudanças

na prática pedagógica afirmada por todos não teve intensidade suficiente para

promover avanços na aprendizagem do aluno? Ou seria a reprodução do discurso

do outro, desprovido de reflexão, na afirmação de mudanças na prática

pedagógica?

Há vários indicadores que podem apontar a adesão do professor à política,

como a própria constatação da necessidade de mudança diante da realidade

educacional, da pressão por mudança, atendimento à burocracia que acompanha

a política ou o respeito às normas legais estabelecidas.

Segundo os professores do grupo 6 eles buscam novas formas e

alternativas para lidar com exigências, o que gera mudanças. Desse modo, a

política do ensino fundamental de nove anos convenceu o professor a aderi-la.

117

Verificando as percepções parciais e na íntegra dos professores nas

categorias 1 (novidades e diferenças constatadas na política implantada), 2

(mudanças na prática pedagógica) e 3 (aumento das oportunidades e da

qualidade de ensino), pode-se dizer que as percepções dos professores em sua

grande maioria conferem com o que fora disseminado inicialmente por meio do

texto político, ou seja, 75% dos professores de todos os grupos (parcial e na

íntegra) perceberam novidades e diferenças com a implantação do ensino

fundamental de nove anos, 100% dos professores afirmaram ter mudado a prática

pedagógica e 83,5% entendem que com a implantação da política houve o

aumento das oportunidades e da qualidade do ensino.

Quanto à categoria 4, todos os grupos com maior ou menor incidência

apontaram a questão do espaço físico adequado como elemento essencial para o

desenvolvimento da política do ensino fundamental de nove anos.

Assim como a determinação de uma política educacional não é transposta

automaticamente às escolas, do mesmo modo prover os espaços, materiais e

formação docente apropriada não se convertem em mudanças práticas se o

professor não estiver convencido dessa importância e necessidade em seu

contexto de atuação.

Nos grupos 1 e 2 (escola A), 100% dos professores concordaram que

houve mudanças na prática pedagógica, no entanto 100% dos professores que se

manifestaram no grupo 1 entendem que tais mudanças são parciais, enquanto

100% dos professores do grupo 2 entendem que houve mudanças como um todo.

No mesmo grupo (2), os professores não constataram o aumento das

oportunidades de aprendizagem e melhoria da qualidade do ensino.

Essa aparente incoerência constatada nas discussões pode se justificar se

as mudanças propostas pela política não coincidirem com as expectativas de

mudanças dos professores.

Os dados coletados nos grupos 3 e 4 (escola B) são mais harmoniosos

que os demais grupos em relação a uma mesma instituição escolar, ou seja, não

apresentaram tantas discrepâncias, exceto na categoria 4, na qual os professores

indicaram o que contribuiria para a melhoria no ensino fundamental. O grupo 3

define os espaços adequados e os recursos humanos como prioridade. O grupo 4

118

aponta, também, os recursos humanos, mas observa que equipar melhor as

escolas é mais importante do que os espaços e estruturas da escola.

No grupo 5, 100% dos professores perceberam as novidades e diferenças,

o aumento das oportunidades e qualidade de ensino, mas não mudaram a prática

pedagógica. O argumento mais evidente está contido na categoria 4, em que

100% dos professores que se manifestaram entendem que o espaço e a

estrutura física adequada são necessários para pôr a política em prática.

No grupo 6, mesma escola do grupo 5, apenas metade dos professores

percebe as novidades e diferenças na implantação da política, mas mesmo assim

100% afirmam que houve mudanças na prática pedagógica, sendo que 50% deles

alegam serem mudanças na íntegra e 50%, mudanças parciais. A mudança na

prática pedagógica dos grupos que não percebem diferenças é influenciada pelo

modo como o professor desempenhava o trabalho no ano anterior, interferindo no

trabalho desenvolvido no ano seguinte? Um professor do grupo 5 defende que a

mudança “vai em cadeia influenciando as demais séries”; o professor do grupo 2,

que leciona no segundo ano, admite “eles vieram melhores”; e um professor do

grupo 4 reconhece que “o próprio aluno já cobra esse trabalho diferenciado”.

Nesse sentido, a relação indireta de um professor por intermédio do

trabalho realizado com o aluno vem contribuir com a formação do outro

professor. Lima (2001, p. 112) afirma que nem todas as mudanças que ocorrem

no interior da escola advêm das regras formais, as escolas mudam com

frequência, mesmo quando as leis se mantêm inalteradas.

Não são apenas as percepções dos professores sobre o ensino

fundamental de nove anos que o configura. As alterações ocorrem no contexto

prático e são representadas pelo modo como os professores agem em sala de

aula, nas mudanças relacionadas ao conteúdo trabalhado, a revisões curriculares

de maneira mais ampla, ou seja, ainda que em um primeiro momento as

mudanças não sejam visíveis ou se limitem ao discurso a alguns professores,

essas passarão a fazer parte do seu contexto de atuação e incorporadas as suas

práticas e nem sempre essa adesão lhe será explícita.

A tarefa de desvendar as percepções dos professores sobre o ensino

fundamental em contextos específicos constitui-se como um desafio em busca de

compreender os limites e o peso de uma política implantada que depende,

119

fundamentalmente, da concordância dos professores para se tornar realidade. Os

professores exercem micropoderes e tomam microdecisões que podem afetar as

decisões tomadas em esferas maiores (LIMA, 2001, p. 169).

No caso dessa investigação, a microdecisão de cada professor em aderir à

política foi constatada por meio dos dados coletados. Tais dados revelaram que a

maioria dos professores, embora tenha aderido à política, não demonstra

conformismo ou contentamento com o modo como ela vem sendo implantada.

Desse modo, ora culpam o Estado pela passividade em prover os espaços e

recursos necessários, ora a comunidade escolar por não acompanhar a vida

escolar do aluno, ou ainda a própria instituição escolar e sua organização

burocrática em demasia. A atribuição de culpas não é uma novidade, uma vez

que está enraigada em processos de implantação de políticas. A atribuição de

culpa ao outro não se constituiu em pretexto para rejeição à política, mas trata-se

de uma ansiedade dos professores para que todos os envolvidos no processo

façam a sua parte a fim de colaborar para a qualidade da educação ofertada no

Brasil.

Uma constatação penosa é a de que dificilmente o ciclo de culpas e

preocupações docentes ultrapassam os muros escolares, ou seja, não se

convertem em ações que poderiam exigir mudanças concretas. As críticas da

comunidade escolar ao ensino ofertado, também, ficam restritas a conversas

informais dos pais no portão da escola. São raras as vezes que compartilham

seus conflitos com a escola.

Mesmo que nem todas as insatisfações verbalizadas informalmente por

professores, pais de alunos e outros envolvidos no ciclo sejam levadas adiante ou

traduzidas em ações que promovam melhorias na educação, estas podem ser

analisadas como passos iniciais de reflexão sobre a política educacional. Não há

um posicionamento total de indiferença ao que é determinado legalmente pelo

Estado, pelas secretarias e pelas escolas.

Os professores têm percepções variadas sobre os temas e elas diferem

segundo as suas experiências de vida, de formação inicial e continuada, tal fato

constitui-se apenas como uma das etapas do ciclo de políticas de Bowe e Ball

(1992). As distorções provocadas pela própria política serão corrigidas contexto

da estratégia política e, para isso estabelecerão novos ciclos de política.

120

Mainardes (2006, p.61) afirma que a análise a partir do ciclo de políticas

captura “parte da complexidade do processo de formulação e implementação de

políticas.” Esse estudo elegeu as percepções dos professores sobre o ensino

fundamental de nove anos como foco de investigação e, o que aqui é

apresentado constitui-se apenas parte de um contexto mais amplo e complexo em

que se insere a construção de tais percepções, que não são permanentes e

variam de acordo com o espaço, tempo e sujeitos sociais e históricos.

121

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48, set./dez. 2011.

Apêndice

1

Apêndice

Transcrição do áudio da coleta de grupo focal – Escola A – grupo 1 (20/10/

2011)

Pesquisadora: O documento Passo a passo do ensino fundamental de nove anos

traz uma afirmação: O ensino fundamental de nove anos é um novo ensino

fundamental. É um novo ensino fundamental? Sim, não, por quê?

Grupo1: Eu acho que depende de cada Secretaria, porque quando eu trabalhava

em Osvaldo Cruz não dava muita diferença porque como eu trabalhava com

(crianças) cinco a seis anos é a mesma proposta que eu vejo as meninas

(professoras) trabalhando aqui. Agora não sei se aqui em Marília quando era de

cinco a seis anos e meio se era a mesma proposta que elas trabalham hoje.

Pesquisadora: Alguém concorda que varia de acordo com cada sistema de ensino

ou não?

Grupo 1: Sim(vários afirmam).

Pesquisadora: Há diferença significativa entre os anos iniciais do ensino

fundamental de oito anos e de nove anos?

Grupo 1: Eu não percebo nenhuma diferença, porque só acrescentou um ano e os

demais anos continua do mesmo jeito, com a mesma política educacional, a

mesma questão de atingir números e não vê qualidade, então na minha opinião

não mudou nada, só acrescentou (um ano).

Pesquisadora: Todos concordam com a professora?

Grupo 1: Sim.

2

Pesquisadora: Nos documentos de orientações do Ministério da Educação sobre

a implantação do ensino fundamental de nove anos as orientações que merecem

destaque é a aprendizagem por meio do brincar, considerada mais significativa, o

professor como mediador do processo de construção do conhecimento com aulas

mais dinâmicas em todos os anos do ensino fundamental. A prática pedagógica

de vocês sofreu alguma alteração com essa implantação política?

Grupo 1: Não. Por falta de espaço físico, por falta de material, de instrução até

mesmo de cobrança do sistema ele exige que você trabalhe de uma maneira que

não dá para priorizar o lúdico a todo o momento. No primeiro ano trabalha tudo

de maneira lúdica só que já é cobrado que os anos sejam silábico, silábico-

alfabético e até alfabético, então quer dizer que estamos queimando etapas

desses alunos.

Pesquisadora: Alguém mais?

Grupo 1: Talvez o lúdico tenha sido inserido para o primeiro ano, não para os

demais anos. Será que outros segundo, terceiro, quarto e quinto anos dá para

seguir essa política. Eu acho que não. Acho que só o primeiro ano que ainda

segue, não em todo o tempo, não como prioridade.

Pesquisadora: Entre as metas estabelecidas ao ensino fundamental de nove anos

está o aumento das oportunidades de aprendizagem e a melhoria da qualidade do

ensino-aprendizagem. Vocês constatam o alcance dessas metas?

Grupo 1: Eu acho que aí depende da metodologia de cada professor, é claro que

tem a organização da escola, trabalhar de uma forma conjunta, mas depende

muito da prática do professor.

Pesquisadora: A melhoria da qualidade está diretamente relacionada ao

pedagógico? E como alcançaríamos essas metas se elas estão relacionadas

diretamente ao pedagógico?

Grupo 1: Repensar os métodos?

3

Pesquisadora: O que vocês julgam ser necessário para a melhoria da qualidade

de ensino e para o aumento das oportunidades de aprendizagem? Repensar os

métodos é o que a colega colocou, mas é só isso? Porque se eu usar apenas

esse argumento eu estou afirmando que eu sou a única responsável pelo

processo educacional.

Grupo 1: Estrutura familiar, o sistema também.

Grupo 1: Acho que tem que parte de uma cadeia, não só o professor, desde a

política educacional que o governo queira que funcione estabelecendo as metas

compatíveis com a realidade. Se ele quer um resultado X tem que dar condições

Y para isso, para que não fique tudo a cargo do professor. Não adianta um

professor pegar uma sala que ele não tem material didático, não tem suporte

pedagógico, não tenha nada. Ele não vai fazer milagre. Ele é professor ele não é

santo. O governo quer isso então vamos dar suporte para isso.

Pesquisadora: E quais devem ser esses suportes?

Grupo 1: Primeira coisa é equipar melhor as escolas. Ter condições pedagógicas,

em informática: manutenção de computadores, biblioteca com um acervo muito

grande, o que não acontece, ter materiais de apoio, material humano para dar

apoio para essas crianças que em alguns casos precisa e também um incentivo

financeiro a mais ao professor, ninguém gosta de trabalhar por uma quantidade

menor. Só resultado também fica difícil.

Grupo 1: E até mesmo o número de alunos.

Grupo 1: Exatamente. O espaço físico que é também comprometido.

Pesquisadora: Então a melhoria dos equipamentos de informática, biblioteca,

material humano, incentivo financeiro, número de alunos reduzidos por sala,

espaço físico adequado melhoraria a qualidade do ensino-aprendizagem?

Grupo 1: Na minha opinião sim.

Pesquisadora: Por quê?

4

Grupo 1: Porque você teria mais condições de trabalho. Você não ficaria só ali:

giz e lousa. Você teria outros suportes para você fazer uma aula mais dinâmica,

mais interessante. Para que eles (alunos) pudessem se interessar... Porque só giz

e lousa, cópia, cópia, cópia... eles vão perdendo muito fácil o interesse hoje as

crianças não têm mais interesse e aí fica uma coisa mais pré-histórica também.

Pesquisadora: A ausência de condições de trabalho vocês culpam alguém?

Grupo 1: Silêncio...

Pesquisadora: A ausência das condições de trabalho seria culpa de quem? Da

política? De quem implanta a política? De quem se nega a implantar a política?

Grupo 1: Eu acho que é de quem implanta a política.

Grupo 1: Porque sempre tem aquela desculpa de que outras escolas estão em

uma situação pior. Quer dizer que do jeito que está a gente tem que ir levando

assim mesmo...

Grupo 1: Vamos implantar que todo mundo consegue.

Grupo 1: Eu também acho que é de quem implanta.

Pesquisadora: Então vocês não têm nenhuma discordância com a proposta

política do ensino fundamental de nove anos a sua fragilidade está na

implantação? É isso?

Grupo 1: Depende... Se você pensar na criança talvez ela tenha perdido um

pouco do lúdico, porque ela entrou na escola, ela fica cinco horas, geralmente a

maioria do tempo na sala de aula, ela não tem maturidade suficiente para ficar ali,

para ter atenção, aí no caso, o físico, para essas crianças, seria o mais

importante. Ter um espaço, ter um local para essa recreação, entendeu? Porque

você divide a quadra com outras pessoas... Você divide com o Segundo Tempo,

você divide com a educação física...

Grupo 1: E tem brincadeira que não dá para fazer na sala de aula. Dá para

proporcionar o lúdico, mas talvez se tivesse um espaço melhor... Só que aí

5

esbarra naquilo que a gente já falou, se a cobrança não é só da brincadeira, só do

lúdico, só em aprender brincando...

Grupo 1: Eu acho que essa implantação do ensino fundamental de nove anos é

mais assistencialista. Vamos implantar o Ensino de nove anos para colocar a

criança na escola...

Grupo 1: Mais cedo...

Grupo 1: Mais cedo. Não preocupado mesmo com a educação.

Grupo 1: Estava na lei e quando chegou os últimos anos esbarrou naquele

espaço de que não adiantava correr mais e tinha que implantar. Só que estrutura

não tinha...

Grupo 1: Não temos.

Grupo 1: A gente não sabe como ficaria se tivesse um espaço, se tivesse um

parquinho, se tivesse uma brinquedoteca, um espaço maior para brincadeira

porque a gente não vivenciou isso ainda. Eu não sei como que é em outras

escolas, por exemplo, que tem esse espaço, por exemplo... Uma EMEF que fica

do lado de uma EMEI, se elas podem estar frequentando a EMEI. Eu não sei

como é que é. Sinceramente eu não sei, mas aí ia depender muito do que fosse

cobrado e do que fosse esperado dessas crianças, porque se for esperado muito

da parte voltada para o aprendizado e a cobrança dela chegar ao nível... Vai

mudar muito coisa aqui no espaço? A gente vai frequentar esse espaço?

Pesquisadora: Para chegar aos níveis tem algum documento oficial que exige

isso?

Grupo 1: A proposta curricular do 1º ano, por exemplo, é chegar ao nível silábico.

Só que não é isso que cobra. No segundo bimestre já ficam pressionando: - Oh!

Tem tantos alunos pré-silábicos, não pode acontecer. No terceiro bimestre não

pode mais ter pré-silábico na escola. Então, no documento é silábico, mas não é

isso... Depois vão cobrando silábico-alfabético, alfabético. Tem as cobranças... Só

que não são no documento oficial.

Grupo 1: Os alunos que estão agora no terceiro ano, o que você percebe, eles

eram a antiga segunda série, mais ou menos, a qualidade continua a mesma, não

interferiu muito. O que você percebe é na disciplina, porque eles perderam aquele

momento de ficar um ano na EMEI fazendo atividades lúdicas para ficar na sala

6

de aula cinco horas, que você fica mais concentrada em atividade na lousa, é um

texto... então eles não têm muito tempo de sair, para criança vai afetando

também, vai se cansando do ritmo da escola, por isso é que tem que ir

modificando. Por enquanto você não vê diferença. Continua, assim, com as

mesmas dificuldades, não dá para perceber uma melhora.

Grupo 1: Meus alunos do segundo ano, que era a antiga primeira série, eles

vieram melhores. Eu já trabalhei na primeira série, eu já fiquei com um monte de

pré-silábico com sete anos e a gente está trabalhando um monte de texto... mas

chega uma hora, quatro horas...

Grupo 1: Eles cansam, não é?

Grupo 1: Já começam - Que horas nós vamos embora? Falta muito para gente ir

embora?- Porque já deu o limite deles.

Grupo 1: Eles saturam muito rápido. No primeiro ano eles ficavam assim: Que

horas que nós vamos sair?- A hora do lanche, a hora do brinquedo, eles cansam

rápido. Até a hora do recreio dá para desenvolver atividades, depois não dá mais,

eles não aguentam.

Grupo 1: Depois do recreio se você não tiver uma atividade xerocada, uma

atividade de pintura, acaba.

Grupo 1: A brinquedoteca é uma hora que daria para você ficar ali, que fosse

duas vezes por semana, porque são atividades dirigidas, quadra, parquinho...

Pesquisadora: O espaço para o lúdico seria só para o primeiro ano?

Grupo 1: Não para todos.

Grupo 1: Outra dificuldade que eu senti esse ano foi que: primeiro ano cobra

palavra, a primeira avaliação que nós fizemos do segundo ano foi texto. Então

teve aquela: - Ah! Mas ele era alfabético... – Quando escreve uma palavrinha, aí

escreveu um textinho, não é alfabético. Teve um monte de gente que me criticou

porque eu falei isso, que a sala era ruim, não era isso. A minha crítica é essa:

alfabetizou com palavras, na primeira avaliação (no segundo ano) tem que ser

com palavra, não com texto.

7

Pesquisadora: Uma incoerência nos instrumentos de avaliação. Alguém teve

alguma outra dificuldade?

Grupo 1: Eu assim, em minha opinião, no primeiro ano, como disse a minha

colega ali, ela está sufocando a infância da criança, está matando uma fase da

criança. Eles estão colocando uma dificuldade em cima da criança que não é o

momento ainda para ela. Ela não está madura para aquilo. Então ela é forçada a

ficar cinco horas na carteira, cinco horas prestando atenção em alguma coisa e o

lúdico que é bom não tem, não é? Que é a parte que ela mais gosta, que ela pode

aprender daquela maneira ali... então acaba que aniquilando um pouco, a criança

se cansa muito mais cedo, quando ela chega no terceiro, quarto ano já está

estafada, ela não aguenta mais ver aquilo. Então é quando dá aquele desânimo

geral que você pode fazer o que você achar que é interessante que eles já não se

interessam tanto.

Grupo 1: Essa fase que ela comentou aí é uma fase em que eles estavam no

auge da brincadeira, tudo gostoso. A professora poderia até ensinar alguma

coisa, mas eles estavam brincando, na cabecinha deles. É um desgaste muito

grande para a criança. Às vezes a criança passa por um desgaste cognitivo que

se arrasta por certo período, as vezes chega no quarto ano que a criança não

consegue evoluir, está travadão. Pode ser que daqui a um tempo ele dá um

insight e ele vai... ele perdeu a fase da infância dele.

Grupo 1: Eles vão perdendo o interesse e vai gerando indisciplina em sala de aula

também.

Grupo 1: O aluno acaba ficando habituado aquela situação: é lousa, é caderno,

tem que fazer.

Pesquisadora: O que vocês destacam de positivo na política do ensino

fundamental de nove anos?

Grupo 1: É difícil coletar algo positivo porque ele é novo. Acho que vai ser em

longo prazo que nós vamos ver os resultados desses alunos que vão passar

pelos nove anos para saber o que realmente vai conseguir algo bom com isso. O

rendimento, o desempenho...

Grupo 1: A minha sobrinha está no primeiro ano (escola particular), o que ela está

fazendo agora é nível de terceiro ano, que eu olho, e eles tem que dar conta e

8

eles dão conta. Será que os professores de lá tem a mesma dificuldade, ou será

que a estrutura familiar também influencia? Eles têm capacidade de aprender.

Pesquisadora: Se eles têm capacidade de aprender, no contexto da escola

pública, não aprendem porque não são ensinados...

Grupo 1: Não. É assim, porque a cobrança é de um jeito. Só que temos as

dificuldades com os nossos alunos, será que também não influi a estrutura

familiar, o apoio, o incentivo da família, de estar ali acompanhando ou também

pela falta de recursos materiais... Por que a estrutura de escola particular é

diferente da nossa.

Grupo 1: Na escola particular tem criança que acompanha.

Grupo 1: Mas é o que acontece no nosso primeiro anos. Tem criança que

acompanha bem, já está alfabetizada, com certeza a família influencia.

Grupo 1: As nossas praticamente têm que ir sozinhas.

Grupo 1: Depende muito do trabalho do profissional.

Grupo 1: Cada criança tem o seu ritmo, cada escola tem o seu foco, a clientela

tem a sua característica própria.

Grupo 1: Nós respeitamos os ritmos, mas será que o sistema quando implanta a

proposta respeita o ritmo? Não respeita, eles ficam pressionando.

Grupo 1: Não tem como uniformizar uma sala.

Grupo 1: Cada profissional trabalha de um jeito, tem um estilo diferente.

9

Transcrição do áudio da coleta de grupo focal – Escola A – grupo 2 (20/10/

2011)

Pesquisadora: O ensino fundamental de nove anos é um novo ensino

fundamental?

Grupo 2: Não.

Pesquisadora: Por quê?

Grupo 2: Assim, pelo que eu vejo no primeiro ano, segundo ano, a gente está

trabalhando com as mesmas propostas, com o mesmo eixo de conteúdos. A

gente não tem uma estrutura dentro da escola para atender esses alunos que

vem com seis anos. Eu acho que não mudou muita coisa, não!

Grupo 2: Eu acredito que só mudou a idade, porque o jeito de trabalhar é a

mesma coisa. Eu trabalhei sete anos com a primeira série e estou a três anos

com o primeiro ano e trabalho como se eu tivesse com a primeira série, porque a

cobrança é essa. Eu acredito que ele deveria ser um novo ensino mesmo, não

sair crianças alfabetizadas (primeiro ano). Eu acho que isso não dá, porque aí

você acaba se perdendo e aí você tem que alfabetizar, você acaba tirando a

oportunidade daquela criança que tem um pouco mais de dificuldade ou precisaria

de um pouco mais de atenção, você acaba deixando e acaba ficando elas por

elas. Você não acha um novo caminho. Porque eu acredito que o ensino de

primeiro ano deveria alcançar a necessidade maior das crianças que tem um

pouco mais de dificuldade.

Grupo 2: Verdade.

Grupo 2: Porque quem aprende, aprende no primeiro ano, na primeira série,

entendeu? Ela vai aprender. Ela tem a facilidade de aprender. Só que hoje nós

temos, eu não tenho isso muito bem formado, mas nós temos muitas crianças

com muita dificuldade, não sei por que, não sei como, se é a minha visão, não sei.

E a gente não consegue ajudar essas crianças. Eu acho que se o primeiro ano

fosse realmente é... centrado em criar habilidades, em dar mais condições para

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essas crianças aprenderem elas iam ter sucesso, elas iam ter mais sucesso no

segundo ano. Por que a outra já tem mesmo, a outra já tem, não tem jeito.

Pesquisadora: E como seria criar essas habilidades e condições para trabalhá-

las?

Grupo 2: Eu acredito assim oh... é... O primeiro ano ele não... Eu acho que tinha

que trabalhar assim... tirar essa coisa de... essa... essa responsabilidade que o

professor tem, que eles acabam colocando não é? Que o professor tem que fazer

com que as crianças no final do ano saiam escrevendo texto. Acabou. A partir do

momento em que eu tenho que chegar em dezembro com a minha criança

escrevendo lá: O sapo não lava o pé, inteirinho... Acabou. Eu não consigo criar

outras habilidades, porque eu tenho que ficar ali. Aí eu tenho que passar aquela

criancinha, eu tenho que estar o tempo todo ali com ela, provando para ela que

ela não consegue, porque a minha ansiedade também atrapalha. Por que o

professor também é cobrado. Então, quer dizer, você fala: - Puxa vida eu tenho

que fazer. – Fulano vem aqui! Todo o dia. Gente, como é que se sente? A

coordenadora, a diretora todo dia chamar a mesma professora e falar: Oh, vem

aqui, vem aqui. Como é que você vai se sentir? É isso que a gente faz... E é

enganação falar que não faz isso. É mentira, porque faz mesmo. Então, é... A

gente... Se você não tivesse essa missão você faria muito mais leituras, você

trabalharia muito mais o oral, você faria outras coisas, trabalharia mais a

coordenação motora.

Grupo 2: O lúdico.

Grupo 2: Diversas coisas. É trabalhar como o supervisor quer na matemática,

como ele quer, por exemplo, que apresente o algoritmo de uma forma mais... mas

isso também na língua portuguesa, entendeu? A criança, ela vai conseguir. A

criança que tem mais dificuldade vai ser mais fácil para ela chegar no segundo

ano e ela... Puxa vida. Talvez, eu acho, eu não sei. Eu não tentei. Faz três anos

que eu estou no primeiro ano e eu nunca consegui isso, porque a ansiedade e a

cobrança é muito maior, então você vai mesmo. Então é... Acho que trabalhar

muito com o oral, muita leitura, trabalhar muito com o concreto e a gente não tem

tempo para isso.

Grupo 2: Não tem. O conteúdo é muito grande.

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Grupo 2: Você tem que alfabetizar.

Grupo 2: Não dá para você ter o tempo de brincar que é o necessário e

fundamental, não dá. A gente até tenta, mas a cobrança é tanta! Que nem fala, no

segundo bimestre tem que estar silábico e esses coitadinhos que não

conseguem. Às vezes não é o tempo dele naquele momento e aí você vai

focando nos outros que estão indo, aí você acha que aqueles lá que não

aprendem, você não consegue dar conta deles, porque os outros que aprendem

tão lá indo bem... E você vai ter que ajudar aqueles? Os outros atrapalham. E aí o

que acontece, não muda nada por que: vai se repetir. Esses que a gente não

consegue dar conta deles vão para o segundo e dá conselho7 no segundo ano,

vão pro terceiro ano, quarto ano, chega ao quinto ano são crianças que não estão

alfabetizadas direito, que não conseguem fazer uma situação problema, por quê?

Porque pulou essa fase. Essa cobrança é muita. Não que a gente não vá

trabalhar, a gente tem que oportunizar, desde a educação infantil a gente tem que

estar oportunizando sempre, mas não esse negócio de massacrar. No primeiro

ano a gente começa, acho que o professor e acho que... sei lá... todo mundo

começa a confundir que é a primeira série, aí eles começam cobrar e aí chega no

segundo ano, aí que seria para cobrar, eles já cobram outras coisas.

Pesquisadora: Então o acréscimo de um ano ao ensino fundamental aumentou a

cobrança?

Grupo 2: E quem perde é a criança.

Grupo 2: Não tem espaço para criança brincar.

Grupo 2: Eu acho que sim porque no primeiro ano a criança tinha que chegar no

final do ano silábica. Hoje a criança tem que chegar alfabética. Então a criança no

segundo bimestre, ela não pode mais estar silábica. Como é que uma criança, no

segundo bimestre, você não pode ter uma criança pré-silábica na sala.

Grupo 2: Que jeito?

Grupo 2: Se no final do ano qual é a meta? Não é ela estar silábica?

Grupo 2: A proposta fala isso só que eles cobram outras coisas.

7 O professor refere-se Conselho de Classe e Ano, que ocorre bimestralmente para acompanhar a situação dos

alunos que apresentam dificuldades na aprendizagem.

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Grupo 2: Por um bom tempo o que as crianças estão aprendendo agora com

cinco anos e meio, eles aprendiam com sete anos. Eu entrei na escola na

primeira série com sete anos e o estudo era esse. Depois começou para seis

anos, já diminuiu o que eu acho que corta muito o brincar da criança, o

desenvolvimento do lúdico. Por que eu acho assim que o primeiro ano funcionaria

se não tivesse cobrança. Se você não tivesse que provar que você fez aquilo.

Grupo 2: Eu acho que funcionaria mais se fosse trabalhado com o lúdico, com a

brincadeira, com outras coisas que fosse internalizando na criança alguns

conceitos.

Grupo 2: Desenvolvendo outras habilidades.

Grupo 2: Não é? Mais você não precisa provar oh o meu aluno sabe fazer

continha de mais, o meu aluno sabe escrever, o meu aluno... não! Eu acho que

funcionaria muito mais assim.

Grupo 2: No segundo ano, aí sim! O aluno já teria mais condições de aprender

aquilo, não é? Que está se trabalhando no primeiro ano agora. Então eu acho

que o erro está aí, não é?

Grupo 2: Pelo menos se fosse trabalhando isso ele iam amadurecendo esses

conceitos, não é? Porque eles chegam no segundo ano aí querem brincar,

querem fazer tudo o que não pode fazer, não pôde ter feito.

Grupo 2: E eu vejo outra coisa também, trabalhando com terceira e quarta série

esse tempo todo que eu trabalho aqui, eu estou vendo que depois dessa

implantação desse primeiro ano e mesmo dessas crianças que começaram a

entrar com seis anos na primeira série, o que aconteceu: nós estamos recebendo

lá na quarta série alunos muito imaturos, alunos que você já não consegue

conversar como você conversava antes, não consegue explicar que a gente

precisa ter mais... um jeito diferente de explicar aquelas mesmas coisas que a

gente trabalhou com outras séries anteriores, com outros alunos de outros anos

que eram mais fácil de ser trabalhado. Eles estão muito imaturos e eu acredito

que também estão muito cansados. É muito tempo em uma cadeira, não é? É

muito tempo tentando escrever. É muito tempo olhando pro erro deles, não é? É

muito tempo sendo massacrados muitas vezes, porque é igual a (colega) falou

aluno que tem facilidade ele vai aprender, agora o aluno que tem dificuldade para

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ele é um tormento ficar ali, cinco anos batendo naquela mesma tecla. E não é

porque a gente faz por maldade é porque a gente precisa mostrar resultados.

Pesquisadora: A proposta do Ministério da Educação não é a de entrar no mundo

letrado de maneira sistemática. É o aprender brincando, mas não com toda essa

cobrança. E porque a proposta não se materializa desse modo?

Grupo 2: Talvez por um erro de entendimento de quem planeja isso, não é? Os

maiores, não é? Porque a gente segue o sistema, não é? Então a gente faz o que

manda, a gente faz o que precisa fazer, não é? Então, de repente as pessoas que

estão em cima planejando isso, não tenham entendido direito, ou não sei...

Grupo 2: Eu já penso diferente. Para padronizar fica mais fácil colocar uma coisa

que todo mundo vai seguir, não é? Porque de certa forma nós somos controladas,

a gente tem que mostrar um trabalho, tem além de mostrar você tem que provar,

não é? Como elas falaram. Então, eu acho que eu vejo assim, que é mais fácil

para você manter um ensino de primeiro anos, que todos sigam a mesma coisa,

porque se cada professor resolver fazer do seu jeito, realmente vai ficar mais

difícil para alguém que está lá em cima ver o nosso serviço.

Pesquisadora: Essa padronização que você fala para alguns professores não

seria o momento adequado. Poderia ser padronizado, por exemplo, de uma

maneira diferente?

Grupo 2: Claro. Assim não tão rígido. E fora isso eu vejo que tem duas questões

que eu li no livro, que é a proposta, aquele vermelho8, o que eu entendi lá é que é

brincar, brincar, brincar... aí eu coloco: que condições estão sendo oferecidas

para esse brincar? Confusão: primeiro ano e primeira série, idade a gente

estudou... a gente sabe que cada idade requer um tempo da criança um

desenvolvimento, não é? Então existe uma confusão em termos de idade que a

criança de cinco anos não é a mesma de seis anos. Está certo que a gente conta

que cada criança tem um momento, as vezes tem precoce, as vezes, não é?

8 ensino fundamental de nove anos: Orientações para a inclusão da criança de seis anos.

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Tardia. Então são coisa que, não é? E outra coisa, além de tudo, que como uma

proposta, ela deveria ser discutida e até hoje... Estamos discutindo hoje. Não

sei... abertamente, mais a vontade a gente nunca teve um espaço para discutir

nem ensino de nove anos, nem inclusão. E paralelo ao ensino de nove anos a

inclusão. A gente deveria ter mais espaço para discutir isso, uma avaliação todo

ano, com... Mesmo porque não foi a gente que decidiu, não é? Eles falam houve

um Conselho, mas assim, é muito lá em cima, não é? Tem o representante, tem

vários representantes, mas é muito lá em cima.

Pesquisadora: Quais são os pontos positivos do ensino fundamental de nove

anos?

Grupo 2: Dentro da nossa realidade?

Pesquisadora: Sim.

Grupo 2: Eu acho que a criança ela... Por exemplo, você tem uma sala de vinte

crianças, quinze se alfabetizam, então elas conseguem. Então é um ponto

positivo sim. Lógico que é. Eu acho que se tem como antecipar... eu acho isso

muito legal. Os países de primeiro mundo todos eles entram. A criança entra com

cinco anos e meio na escola. E aí, porque que a gente não pode? Não é? Então

tem ponto positivos. Eu acho que vale a pena, sim! Só que tem que mudar um

pouco a formar de jogar esse primeiro ano.

Grupo 2: É igual o ambiente que a gente estava falando outro dia... Eu percebi

que eles ficam ajoelhados por que o próprio mobiliário não ajuda.

Grupo 2: Porque são cinco horas.

Grupo 2: Os pequenininhos ficam em pé para escrever porque fica melhor para

eles.

Grupo 2: Aí você vai querer uma postura para escrever. Como você vai querer

uma postura da criança do tamanho... Gente ela está cansada. Tem que ficar de

pé mesmo.

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Grupo 2: Eu acho também que a progressão interrompida, quando necessário,

deveria acontecer no segundo ano9.

Grupo 2: Ah! Com certeza!

Grupo 2: E não no terceiro. Isso daí continuou. No terceiro ano a exigência é

maior. Eu tive a oportunidade de trabalhar com a primeira série, quando as

crianças entravam com sete anos e também tive a oportunidade de trabalhar com

o segundo ano, sem terem feito o primeiro ano. Então a maturidade... é muito

diferente. Sabe? Os que tinham sete, na época dos sete, eu trabalhava com

quarenta alunos e conseguia dar conta, não é? E hoje a gente vê que não é bem

assim. Naquela época não era assim, as crianças levavam mais a sério, se

concentravam mais e hoje não. Então eu acho que a progressão interrompida,

quando necessária tem que ocorreu no segundo ano. Para que a criança tenha

mais oportunidade para se alfabetizar. No terceiro ano o conteúdo é...

Grupo 2: Aí a criança já não acompanha mais.

Pesquisadora: A reprova seria mais uma oportunidade?

Grupo 2: Mais uma oportunidade porque ela vai ter até o quinto ano para reforçar

os outros conteúdos. Eu vejo que seria mais, bem mais significativo... Por que o

segundo ano tem bastante conteúdo, mas não tanto como no terceiro.

Grupo 2: Mas então você concordaria que quando tinha a primeira série teria que

reprovar na primeira série?

Grupo 2: Não. Quando não tinha o primeiro ano reprova já era...

Grupo 2: Mas você acreditava que quando tinha o primeiro ano...

Grupo 2; Segunda série.

Grupo 2: Mas na primeira série não reprovava?

Grupo 2: Não. Não reprovava, mas já que tem o primeiro, que a progressão

interrompida acontecesse no segundo.

Grupo 2: Mas então... Se a gente pensa dessa forma então o segundo ano seria

o terceiro ano, aí a gente volta tudo naquilo que a gente começou. O segundo ano

é a continuação do primeiro ano. Se o primeiro ano não está funcionando legal

9 A Progressão Interrompida nos anos iniciais do ensino fundamental no município de Marília ocorre apenas

do terceiro ano em diante.

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assim... porque tem que diminuir, trabalhar mais com o lúdico, então o segundo

ano seria mantido a primeira série. O segundo ano, não o primeiro. Se você

reprova no segundo ano como é que vai ficar a antiga segunda série?

Grupo 2: Eu digo dentro dos moldes que o primeiro ano está se apresentando. É

claro, se mudasse, não é? Mas as exigências de que as crianças sejam

alfabetizadas no primeiro ano, tudo bem. Mas dentro desses moldes em que hoje

se apresenta eu acho que deveria sim.

Pesquisadora: Não iria contra um dos objetivos da proposta que é aumentar as

oportunidades de aprendizagem?

Grupo 2: Seria o ideal, não é? Mas eu não acredito que isso vá acontecer.

Grupo 2: Eu acho que diminui a oportunidade de aprendizagem. Quando você

deixa um aluno ir para outro nível que ele não está preparado ele não vai

acompanhar nunca. Ele vai chegar ao quinto ano sem conseguir acompanhar. Eu

acho que aí você diminui a oportunidade. Você parando ele em uma etapa que

ele ainda vai ter mais um ano com um pessoal do mesmo nível que ele, eu acho

aumenta a oportunidade e não diminui. Porque vem a fala: você vai frustrar

porque os colegas foram (aprovados) e ele não foi. Mas eu vejo como as

professoras do quarto e quinto ano que frustra quando chega nessa etapa que vai

se encerrar em uma escola e que ele vai ter que ir para outra realidade que vai ter

cinco ou seis professores por dia, aí é que ele vai se frustrar por que ele viu que

ele não conseguiu acompanhar. Na antiga primeira série foi um erro ter parado a

reprovação, porque eles teriam um ano a mais para aprender desde o começo.

Quando a criança vai para a segunda série, agora terceiro ano ela tem além de

dar conta de novos conteúdos. É aí que frustra. Então quem fez esse tipo de lei

infelizmente não pensou nas crianças.

Grupo 2: Nós temos que considerar a questão da maturidade. Ela pode não estar

madura ainda para a alfabetização.

Grupo 2: Tem tudo isso.

Grupo 2: E ela parando ali ela vai ter mais oportunidade.

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Grupo 2: Eu não sei, quando eu comecei eu achava que tinha que reprovar,

reprovar. Hoje eu não sei até que ponto uma reprova vai fazer com que a criança

aprenda alguma coisa. Eu não sei. O que nós professores, diante da realidade

que temos todos os dias, a educação e a Secretaria da educação... o que ela

pode favorecer para criança que reprovou? Nada gente. Eu sinceramente não sei.

Grupo 2: Eu acho que na questão da alfabetização sim. Na alfabetização, na

escrita de textos se ela parar ela vai ter mais oportunidade.

Grupo 2: Porque você vai ter outros problemas, você não conseguir dar conta

daquele problema.

Grupo 2: Vai ter problema psicológico.

Grupo 2: E a escola também não consegue dar conta. E quem consegue dar

conta? Então eu não sei até que ponto...

Pesquisadora: Vocês perecem melhoria da qualidade do ensino em relação ao

ensino fundamental de nove anos?

Grupo 2: Eu acho que ainda é cedo para verificar esse resultado. Nós só teremos

esse resultado quando a criança chegar lá no quinto ano.

Pesquisadora: E no quinto ano como pode ser essa avaliação?

Grupo 2: Eu acho que a gente não vai conseguir avaliar. Se continuar dessa

forma não vai. Porque na verdade a criança faz dois anos de primeira série e o

resto... Vai mudar o que? Se a criança se alfabetiza. Se eu entrego uma criança

de primeiro ano escrevendo texto, a professora do segundo ano tem que rever o

segundo ano. Você vai trabalhar com a criança que está escrevendo a música

inteira o A – E – I – O – U... Não vai mais.

Grupo 2: Aí tem os dois lados, não é? Você tem que avançar com esses e...

Grupo 2: Mas então como a gente faz? Como faz a vida inteira... Puxa aqui,

segura ali e aí a sala do segundo ano que deveria puxar mais um pouquinho, mas

já que tem aqueles alunos que não são alfabetizados... no terceiro ano também.

Então vai chegar no quinto ano da mesma forma.

Grupo 2: Muitas pessoas são contra, mas eu já sou a favor de se formar turmas

de acordo com as habilidades e dificuldades de cada aluno.

Grupo 2: Mas a gente não tem competência para isso. O Brasil não tem.

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Grupo 2: Não vai alcançar todas, mas eu acredito que assim dá mais resultado.

Pesquisadora: O ensino não seria seriado?

Grupo 2: É. Você ter quinze crianças em nível avançado e outras que ainda estão

na fase de alfabetização tudo junto ali, você ter que dar conta de tudo, a família

nem sempre manda para o reforço em período contrário, que ajudaria bastante,

mas...

Pesquisadora: Vocês concordam com a mudança proposta pela professora?

Grupo 2: No início do primeiro ano se exigia uma coisa, agora já estão exigindo

mais. Acho que deveria sentar e pensar no quanto essas exigências estão

fazendo mal ou não e refletir porque não está dando muito certo. De repente está

sobrecarregando as crianças. Então se tivesse uma mudança no primeiro ano

ninguém pode garantir se vai ou não dar certo, mas é uma tentativa, não é? Que

eu acho que poderia valer a pena.

Pesquisadora: Vocês discutiram aqui os problemas do ensino fundamental na

realidade de vocês e o município de Marília apresenta um bom Índice de

Desenvolvimento da Educação Básica. Qual é a crítica que vocês fazem a esse

respeito?

Grupo 2: O que faltam são adaptações, no caso. Lógico, tem o seu ponto positivo

e tem o seu ponto negativo. Desde que instituiu: as crianças virão com seis anos,

primeiramente estrutura física da escola deveria ser revisto isso, adaptar uma

parte da escola para atender essas crianças. Já começa aí, já não tem.

Implantou, simplesmente jogou do jeito que está. Então vem crianças menores

com um mobiliário não adequado a elas, banheiro não adequado a elas,

bebedouros não adequados a ela, o espaço físico da escola não adequado a elas,

porque são crianças que precisam brincar, mas não tem espaço para brincar.

Então simplesmente diminuíram a educação infantil e aumentaram o ensino

fundamental. Foi só feito isso. Então eu acho que o que não deu certo foi isso.

Nós não estamos aproveitando o potencial que essas crianças têm, porque não

está sendo dada a oportunidade para isso.

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Grupo 2: Tem que ser revista a parte pedagógica a estrutura, o conteúdo. É outra

clientela, são outras crianças, são mais novas, outras necessidades.

Grupo 2: As crianças foram jogadas em um espaço que não foi preparado para

elas.

Grupo 2: Quando começou, não é? As professoras brincavam bastante mesmo,

porque a gente via. Mas como outras escolas estavam escrevendo quem brincava

se desesperou e começaram a alfabetizar.

Grupo 2: A preocupação maior é com o gráfico, não é?

Grupo 2: A Secretaria não tem uma proposta para o primeiro ano, se você

perguntar o que você tem que fazer, já fazem três anos e... Se você perguntar

qual é o conteúdo do meu primeiro ano, eu não sei. É primeira série, entendeu?

Eu tenho que alfabetiza com palavras, frases ou tenho que fazer texto? Não sei.

Entendeu? Na via das dúvidas o que eu vou fazer? Texto. Então eu vou

massacrar as minhas crianças. Matemática eu tenho que trabalhar o que? Mas

não tem uma coisa igual à grade curricular da primeira série, não tem. As outras

disciplinas a gente segue primeira série. Rever, eu não sei o que, na visão de

quem?

Grupo 2: Tem que fazer. Construir uma proposta.

Grupo 2: Agora pensando na criança de cinco anos chegar aqui. O que a escola

tem de atrativo para ela? O que é? Uma lousa, uma sala de aula?

Pesquisadora: O que seria atrativo?

Grupo 2: Quando eles iam para a EMEI, puxa vida! Lá tinha brinquedo, areia,

piscina, tinha alguma coisa que pelo menos enchia os olhos. E aqui, o que a

gente tem para atrair essa criança?

Grupo 2: Não é culpa dos professores, o que a gente vai fazer se é a questão do

físico mesmo. Não há espaço nem mesmo na quadra que é dividida pelas turmas

de alunos e Projeto Segundo Tempo. É uma luta! Não tem espaço para ela. Eu

fico com dó deles também na verdade.

Grupo 2: O material deveria ser apostilado, colorido com figuras, pelo menos para

o primeiro ano.

20

Pesquisadora: A prática pedagógica de vocês mudou após a implantação da

política do ensino Fundamental de nove anos?

Grupo 2: Não. Como no primeiro ano não tem de onde tirar é praticamente uma

cópia da primeira série...

Grupo 2: Eu acho que uma coisa mudou no sentido da cobrança dos pais, porque

os pais, quando o filho não está se alfabetizando no primeiro ano também entra

em pânico por que fica comparando com outra criança, o vizinho, a família, que já

está se alfabetizando quando vem para o primeiro ano e o filho dele ainda não,

não é?

Pesquisadora: A cobrança dos pais é uma novidade?

Grupo 2: É... Não uma novidade, é um diferencial. Eles ficam meio que

desesperados.

Grupo 2: Aumentou.

Pesquisadora: E por que aumentou?

Grupo 2: Criança alfabetizada significa aprendizagem. Se o meu filho foi para a

escola ele tem que se alfabetizar. A professora tem cobrança dos pais e da rede.

Grupo 2: Essa cobrança já existia, só que na primeira série.

Grupo 2: Se você for ver a proposta não é alfabetizar. O pai quer que alfabetize.

Ninguém falou isso para os pais.

Grupo 2: Para ninguém. Primeiro ano é primeira série.

Grupo 2: A família tem pressa e não quer esperar o final do segundo ano para

que a criança seja alfabetizada.

21

Transcrição do áudio da coleta de grupo focal – Escola B – grupo 3

(27/10/2011)

Pesquisadora: O ensino fundamental de nove anos é um novo ensino

fundamental? Há diferenças significativas entre o ensino fundamental de oito e

nove anos.

Grupo 3: Em outra escola que eu trabalhava eu pegava duas turmas de quinto

ano e eu percebi assim que eles chegam mais comunicativos, mais participativos.

É diferente de quando o ensino era de oito anos. Eles eram alunos que vinham

alfabetizados, tinham rendimento, mas não participavam tanto das aulas, quanto

os alunos, nesses dois últimos anos que eu trabalhei.

Pesquisadora: A que você atribui o aumento da participação dos alunos?

Grupo 3: A esse trabalho que é feito no primeiro ano, do lúdico, de trabalhar a

oralidade da criança.

Grupo 3: A proposta do primeiro ano que a gente tem hoje é que, quando foi

implementado teve até um curso aos professores do primeiro ano, não é? Então,

eu no caso, peguei um primeiro ano e fiz um curso. Então é assim, é uma

proposta muito diferente do vinha se apresentando. Então você tem toda uma

rotina, todo um trabalho lúdico, muita aula fora da sala, pelo menos uma vez ao

dia você tem que sair da sala, que seja para uma história, para uma brincadeira...

Os alunos vêm mais dinâmicos. Acredito que eles venham mais...

Grupo 3: Exige mais do professor. Isso eu acredito, que exige muito mais do

professor, porque são aulas que você tem que elaborar mais pensar em todo um

contexto, pois você tem que incluir todas as disciplinas do conteúdo. Exige mais

do professor, mas eu acho que tem um resultado melhor.

Pesquisadora: Esse dinamismo é só no primeiro ano ou nos demais anos

também?

22

Grupo 3: Então, eu estou numa quarta série, não tem quinto ano, ainda não tem

uma proposta do quinto ano. Eu tento utilizar essa questão dinâmica para dar aula

e eu acho que você tem mais resultado.

Pesquisadora: Essa questão de ser mais dinâmica foi após a proposição política

do ensino fundamental de nove anos, ou isso já era seu?

Grupo 3: Então, quando eu entrei para dar aula, eu entrei com a proposta do

primeiro ano, porque eu entrei na rede e fiz o curso. Eu assumi o primeiro ano.

Então eu já peguei essa proposta e eu acho que vale a pena.

Grupo 3: Eu acho que se pensa mais na criança, nos movimentos, no seu aspecto

cognitivo, como que ele aprende e como ele se desenvolve. Acho que isso é mais

importante porque é mais significativo para a criança.

Grupo 3: O professor tem que propiciar essa significação para a criança. O que

ele vai trazer para a criança, o que ele vai propor. Isso tudo envolve um trabalho

lógico bem mais elaborado, não é?

Pesquisadora: Esse trabalho mais elaborado foi proposto com a política ou isso já

existia?

Grupo 3: Até existia, mas eu acho que com a implementação foi aprimorado mais.

Pesquisadora: Houve mudanças na prática pedagógica após a implantação da

política?

Grupo 3: Eu não sei... Vou fazer uma comparação. Teve crianças que vinham da

pré-escola, depois as que vieram do primeiro ano. Tem uma mudança porque

agora elas vêm melhores, então você tem que adaptar conteúdo, currículo para

trabalhar com essas crianças tão avançadas.

Grupo 3: A qualidade das crianças que vêm do primeiro ano melhorou, então a

gente tem que adaptar o conteúdo e tudo mais para adaptar essas crianças que

estão vindo do primeiro ano.

Grupo 3: Quando o atendimento da proposta do primeiro ano é efetivo, realmente,

nós recebemos crianças mais aptas, porque essa fase do desenvolvimento se a

23

criança vem estimulada corretamente, ela chega no segundo ano já com aquela

vontade de aprender, então ela está naquele nível esperado, então dali não tem

pressão. Não precisa ter aquela pressão: Ah! Nós precisamos alfabetizar é a

primeira série. Menos pressão, se foi trabalhado corretamente no primeiro ano.

São crianças que vêm melhor para o segundo ano.

Pesquisadora: Quando você fala que vêm crianças melhores, são melhores em

quê?

Grupo 3: Conteúdo, desenvolvimento, facilidade de aprendizagem.

Grupo 3: Percepção.

Grupo 3: Porque eu trabalhei naquela fase de transição, não é fulana? Primeira

turma. Eles vinham mais, eles tinham muito os hábitos da pré-escola. Eles

queriam até assim... Quando eles chegavam aqui no ambiente, eles não sabiam

como se organizar, porque é diferente. Sair da pré-escola para o espaço do

ensino fundamental é diferente. Então eles vinham com muita manha, às crianças

choravam muito, ele queria ainda ficar fora da sala de aula o tempo todo.

Grupo 3: O primeiro ano deu uma continuidade para o ensino infantil.

Grupo 3: É.

Grupo 3: Por causa do lúdico, por causa da oralidade, por causa da

experimentação. Então as coisas foram muito mais significativas do que quando

não tinha o primeiro ano.

Grupo 3: E preparou melhor.

Pesquisadora: Entre as metas estabelecidas pela proposta do ensino fundamental

de nove anos, está o aumento das oportunidades de aprendizagem e a melhoria

da qualidade de ensino. Vocês constatam o alcance dessas metas?

Grupo 3: Eu acredito que sim, na medida em que essa nova articulação das

ações do primeiro ano elas acarretam, consequentemente mudanças nas ações

do segundo ano em diante. As crianças pedem, a grosso modo, isso, não é?

Necessariamente a proposta impõe uma mudança em cadeia.

Pesquisadora: Há alguma melhoria que vocês julgam ser necessário para esse

processo de implantação do ensino fundamental de nove anos?

24

Grupo 3: Eu acho que o espaço físico seria interessante. Eu acho que a área

externa das escolas precisa ser melhor. Porque como ela falou tem todo esse

trabalho externo que o primeiro ano tem contemplado na proposta. Não é trazer

tudo que é da EMEI para dentro da escola, mas pelo menos ter os espaços

adequados para que tenha uma rotina e para que tenha uma continuidade, uma

preparação para o segundo ano em diante, com menos impacto. Para que a

criança chegue e seja acolhida de uma maneira mais tranquila.

Pesquisadora: Então a adaptação do espaço físico auxiliaria no processo de

ensino-aprendizagem? Como?

Grupo 3: Até enfatizando a importância do brincar, que é essencial. Sem brincar a

criança não aprende. Ela precisa ter esse prazer, ela precisa vir para escola e nós

oferecemos isso a ela, mas eu acho que se tiver mais espaço, mais oportunidade

isso vai ser mais significativo para criança.

Grupo 3: E não pode esquecer isso: brincar é essencial, nessa fase.

Grupo 3: Sobre os materiais. Nós estamos com uma nova criança e nós não

temos todos os materiais necessários ainda. Isso é fato. A nossa criança de

primeiro ano não é a criança de primeira série, então esse materiais também

tinham que ser adaptados. Nós não temos ainda em termos de quantidade e

qualidade suficientes para atender as necessidades das crianças.

Pesquisadora: Estamos falando em condições de trabalho?

Grupo 3: Sim.

Grupo 3: Eu acho que deveria ter um auxiliar dentro da sala do primeiro ano. Eles

são mais agitados, precisam de uma atenção maior, eles são dependentes. Então

uma auxiliar dentro de todos os primeiros anos ajudaria muito.

Pesquisadora: Ajudaria em que sentido?

25

Grupo 3: No apoio com aquelas crianças com mais dificuldades, na atenção que

tem que dar, por que o trabalho é individualizado, entendeu? Paras crianças

avançarem. Às vezes a professora sozinha não consegue dar atenção para todos.

Grupo 3: São crianças que vêm do brincar mais constante. Então eu acho que,

não que o brincar não seja valorizado, mas com menos intensidade. Porque a

valorização do brincar aí é mais voltada para a aprendizagem. Então, aí, envolve

uma atenção maior do professor em relação as crianças.

26

Transcrição do áudio da coleta de grupo focal – Escola B – grupo 4

(27/10/2011)

Pesquisadora: O ensino fundamental de nove anos é um novo ensino

fundamental? Quem atuava no ensino fundamental de oito anos e agora atua no

de nove anos, que diferenças podem apontar?

Grupo 4: Eu, como professora de primeiro ano, vejo esse ano que saiu da EMEI,

que a criança de seis anos vem para cá, há toda uma organização didática, com

uma proposta curricular diferente. Para o primeiro ano o ensino e novo.

Pesquisadora: E para os demais anos?

Grupo 4: Eu acredito que a proposta teria que ser vista como diferente, nova, uma

proposta mais dinâmica. Eu não sei exatamente se isso ocorre. Ou como o aluno

chega na quarta série com essas alterações.

Pesquisadora: Os professores que atuam nos demais anos podem falar...

Grupo 4: Eu acho até que está... Está chegando, não é?

Grupo 4: Eu acho que a partir da mudança da postura do primeiro ano está

modificando as demais séries, mas eu acho que é uma coisa mais devagar para

chegar até lá. É gradativa, não é? Eu acho que a gente já está modificando a

maneira de abordar um assunto, trabalhar de outra forma que englobe... que

envolva mais eles, não é?

Grupo 4: Então a criança já está vindo do primeiro ano com essa mudança. Está

exigindo da gente essa adequação.

Pesquisadora: Essa adequação tem a ver com a prática pedagógica de vocês.

Houve mudanças?

Grupo 4: Sim.

Pesquisadora: Em que sentido?

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Grupo 4: Na forma de organizar o trabalho.

Grupo 4: Fazer um trabalho mais globalizado, englobar tudo uma coisa na outra,

não é? Procurar trabalhar o lúdico com essa criança mesmo nas séries mais

avançadas para não privar isso deles. Trabalhar ligado, não é?

Grupo 4: Mais contextualizado.

Grupo 4: Eu acho assim, veio com o primeiro ano e já está respingando nas

demais séries, que a gente está tentando mudar para poder acompanhar esse

trabalho.

Grupo 4: O próprio aluno já cobra esse trabalho diferenciado. Começa no primeiro

semestre assim e no segundo semestre ele já está te cobrando, é mais crítico, ele

sabe se colocar, ele concorda, ele não concorda, tem essa abertura.

Pesquisadora: Então o trabalho desenvolvido no primeiro ano é determinante

para...

Grupo 4: Que as demais séries continuem, não dá para quebrar, senão o aluno

vai sentir muito.

Pesquisadora: Entre as metas estabelecidas para o ensino fundamental está o

aumento das oportunidades de aprendizagem e a melhoria da qualidade de

ensino. Vocês constatam o alcance de tais metas?

Grupo 4: Eu vejo que, com facilidade, é possível constatar a qualidade pelo

resultado que apresenta no final do ano.

Pesquisadora: Que resultados?

Grupo 4: Resultado positivo.

Pesquisadora: Hã...

Grupo 4: c

Grupo 4: Eu acho que as oportunidades também.

Pesquisadora: Essa preocupação com a alfabetização é sua ou do sistema?

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Grupo 4: É do sistema, é minha, com certeza.

Pesquisadora: A melhoria da qualidade foi constatada no primeiro ano e nos

demais anos?

Grupo 4: Vai chegando mais nesse findando e a gente já vê, já nota resultados

positivos com eles. É uma série que, como eles já tiveram a experiência do

primeiro aninho, então agora, depois da metade do ano, a gente já... já...

consegue ver, já consegue notar a evolução que eles tiveram.

Pesquisadora: Evolução em que sentido?

Grupo 4: Então... Na alfabetização, na matemática também e nas outras matérias,

mas é mais assim, na leitura, eles já lêem melhor, eles já escrevem melhor.

Grupo 4: Principalmente no envolvimento, no interesse e na participação.

Grupo 4: Eu vejo que essa nova proposta envolve muito a criança.

Pesquisadora: Você acha que esse envolvimento da criança é exclusivo dessa

política do ensino fundamental de nove anos?

Grupo 4: Eu acho que já vem de outras. Porque há treze anos eu trabalho e há

treze anos eu procuro criar estratégias para prender o meu aluno, não é? Posso

não trabalhar como essa proposta vem abordando...

Grupo 4: Essa já é uma estratégia anterior, só que ela foi intensificada. Já tem

uma proposta didática voltada para ela. Então o professor de primeiro ano não

tem como fugir disso, não é? A proposta curricular já envolve o aluno, o professor

na própria organização dele já tem que pensar dessa forma.

Grupo 4: Antes o meu envolvimento com o trabalho também era assim, só que eu

acho que está mais intensificado agora. Porque eu acho que está assim...

Grupo 4: Centrado.

Grupo 4: Mais contextualizado. Uma coisa já vai ligando a outra e eu acho que

era isso um pouco que faltava. Porque as estratégias, o lúdico, a gente procurava

realmente trabalhar antes para criar a atenção, para prender a atenção, para

chamar a atenção, trazer bolo para trabalhar fração, criar estratégias, não é?

29

Então eu acho que estava faltando o contextualizar tudo de uma forma

significativa e não assim utópica, não é? Nem criar problemas muito pejorativos e

tal, para entrar nisso, para prender mais a atenção deles, para o conhecimento

ser mais significativo.

Pesquisadora: O que vocês veriam como necessário para favorecer a

implantação do ensino fundamental de nove anos?

Grupo 4: Opa! Um parque, um local adequado, uma areia. Eu sinto muito isso

porque eu tenho filhos nessa idade também e eu acho fundamental e um dos

meus registros na escola deles eu coloquei: Pelo amor de Deus não tirem o

parque. Todos os dias. Porque o brincar é uma aprendizagem, dá para se

trabalhar muita coisa. Então eu acho que falta nas EMEFs esse parque, esse tipo

de local. Porque a gente tem alguns espaços, mas nada como o próprio, não é?

Grupo 4: E eu acrescento mais uma coisa, eu acho que a atualização do

profissional. Não descarto. Porque essa é uma proposta, que por ela ser nova,

envolve muita pesquisa do professor. Ele tem que buscar, tem que se atualizar,

tem que correr, tem que pesquisar, envolvendo os seus alunos nesse processo

também. Então tudo isso que a fulana falou é importante e faz falta, mas o

profissional também tem que estar se atualizando e se interando.

Pesquisadora: E como deve ser essa busca do professor?

Grupo 4: Ah! Eu acho que tem várias formas.

Pesquisadora: Hã...

Grupo 4: Cursos, capacitações, voltar a estudar de novo.

Pesquisadora: Essa busca seria pessoal ou na formação em serviço?

Grupo 4: Acho que ambos, tanto pessoal quanto profissional.

Pesquisadora: Espaço físico adequado e formação profissional seria a solução?

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Grupo 4: Eu acho que a gente nunca resolveria tudo, sempre a gente vai querer

mais.

Grupo 4: Uma lousa eletrônica, data show na sala... Você quer que a gente faça

uma lista? A lista é longa. (risos).

Grupo 4: A gente tem que sempre buscar o sonho. É sempre sonhando para

poder objetivar. Os computadores há treze anos era um sonho, tinha um male má

na escola, agora temos pros alunos, não é? Quem sabe mais para frente... é

muito importante para essa busca também.

Pesquisadora: Voltando a questão da formação de professores quais seriam os

temas que vocês julgam ser necessários?

Grupo 4: Eu acho que desde uma legislação, acho que é fundamental conhecer,

sobre alfabetização que todos nós trabalhamos e outros cursos também.

Grupo 4: Eu acho que entender o como a criança aprende o processo. Fica muito

mais fácil para o professor agir entendendo como ocorre a aprendizagem.

Grupo 4: Eu acho que a psicologia também é tão importante para gente. Para

gente atingir determinado objetivo em uma criança a gente tem que ter o dom da

observação, não é? Tem que observar muito para ver que caminho tomar. Não

assim o curso psicologia, mas algumas orientações nessa área.

Grupo 4: Compreender o que é a concepção de criança hoje em dia, já não é a

mesma de dez, quinze, vinte anos atrás. Todas essas áreas: Psicologia,

Sociologia.

Pesquisadora: Vocês teriam tempo e disponibilidade para fazer esses cursos?

Grupo 4: O tempo é pouco.

Grupo 4: Já tive mais oportunidades.

Grupo 4; Tenho que esperar os filhos crescerem.

Pesquisadora: Então o que fazer com a falta de tempo?

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Grupo 4: Arranja-se um tempo.

Grupo 4: A Secretaria deveria ter uma programação de formação de professores

em serviço. Seria superimportante.

Grupo 4: No próprio Horário de Estudo Coletivo – HEC – meia hora para ter uma

base.

32

Transcrição do áudio da coleta de grupo focal – Escola C – grupo 5

(30/11/2011)

Pesquisadora: O ensino fundamental de nove anos é um novo ensino

fundamental? Há diferenças significativas entre o modelo anterior e o atual? Tem

alguma novidade aí?

Grupo 5: No caso que eu achei assim que foi diferente que facilitou melhor eu

achei que foi ter colocado as propostas, ainda falta do quarto ano e da quarta

série. Fica mais fácil para o professor visualizar aquilo que ele tem que

desenvolver no ano. O diagrama eu achava muito comprido, muito extenso é, às

vezes, a gente se perdia nele, porque é coisas se repetiam, então, às vezes, você

poderia ter trabalhado no mesmo contexto. Eu acho que ajudou um pouco nisso.

Pesquisadora: O que contém nessa proposta?

Grupo 5: Vocês querem falar gente? Porque eu me...

Grupo 5: No (nome da escola)... quem trabalha aqui...

Pesquisadora: São os conteúdos?

Grupo 5: Contém todas as expectativas, os conteúdos que precisam ser

cumpridos. É diferente do diagrama de conteúdos, não é? Para mim... É... A

minha opinião é que é um novo ensino fundamental. Isso porque nós estamos

recebendo crianças de seis anos na escola e acho que, principalmente para nós

de primeira a quarta-série antiga, agora do primeiro ano ao quinto ano, é uma

diferença muito grande. Antigamente nós recebíamos do ensino... da educação

infantil alunos pré-silábicos e na primeira série que a gente ia começar todo esse

trabalho. Então esse ano anterior, esse primeiro ano, que trabalho muito com o

lúdico, com a ludicidade, que trabalha aspectos assim não só da educação

infantil, mas introduzindo essa proposta que a fulana comentou, eu acho que

modificou muito, melhorou muito para quem recebe essa criança no segundo ano,

no terceiro porque ela melhorou muito. Para mim é um novo ensino fundamental.

Pesquisadora: Então você acha que as escolas de ensino fundamental trabalham

melhor essa construção do conceito da escrita que as EMEIS?

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Grupo 5: Sim. Eu acredito que sim. Não que os alunos deixem de brincar deixem

de realizar atividades que realizavam na educação infantil, mas há um

aprofundamento maior em relação a alfabetização. Com certeza! Tanto que aqui

na escola nós temos mais de 50% dos alunos do primeiro ano já alfabetizados.

Não que tenham ficado o tempo todo só na sala de aula, mas participaram de

outras atividades e mesmo assim favoreceu que essas crianças chegassem em

níveis alfabéticos, não é?

Grupo 5: Nós temos um índice muito bom de alunos alfabéticos, agora.

Pesquisadora: Alguém tem um posicionamento diferente?

Grupo 5: Não.

Pesquisadora: Após a implantação do ensino fundamental de nove anos, o que

mudou na prática pedagógica de vocês?

Grupo 5: É difícil, não é?

Grupo 5: Eu não sei se a nossa prática mudou totalmente, eu acho que a nossa

visão mudou, não é? A visão que a gente tem hoje, do que a gente tem que fazer

de como tem que ser trabalhado é diferente, justamente, por conta disso, ele

estão chegando com outros níveis, estão chegando melhores e a gente precisa se

adaptar a isso, não é? A esse tipo de aluno que a gente está recebendo agora.

São alunos que estão mais habituados a ficar fora da sala, a fazer atividades

diferentes e a gente precisa se adaptar a isso.

Grupo 5: Eu não sei se a prática da sala de aula mudou muito, mas a gente tem

que se adaptar.

Grupo 5: Há algumas propostas diante da implantação do ensino fundamental de

nove anos e com as propostas que eles, que a própria Secretaria (da Educação)

elaborou para estar realizando esse trabalho na sala de aula, a gente percebe

que as expectativas, os conteúdos, continuam os mesmos, como a fulana

comentou, mas há um direcionamento maior dentro dessas expectativas e desses

conteúdos a serem trabalhados. Acho que melhorou por conta dessa

visualização. Nós temos uma proposta para cada ano, não é? No ano que vem

vai ser implementado a do quarto e do quinto ano também. Então tem um

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direcionamento do que ensinar e como trabalhar, com orientações didáticas,

expectativas, conteúdos. Então isso tudo favorece também o trabalho do

professor, mas a prática dele está sendo diante desses novos alunos que vêm

chegando. Eu acredito que seja assim.

Pesquisadora: Falem um pouco como é construída a proposta.

Grupo 5: A proposta do primeiro ano já veio pronta para nós.

Grupo 5: Todas.

Grupo 5: Lembra quando eles passaram aquele negócio, que nós até fizemos no

planejamento?

Grupo 5: Para reorganizar o diagrama?

Grupo 5: Isso tem a ver com a organização da proposta, não foi?

Grupo 5: Essa não. A proposta, ela já vem elaborada pela equipe técnica da

Secretaria, aí aqueles quadros... é que eles estão tentando direcionar para uma

proposta.

Grupo 5: Então. Nós fizemos antes.

Grupo 5: Mas o primeiro ano veio pronta.

Grupo 5: Não. Eu sei que veio pronta, mas a gente sentou um tempão para

reelaborar.

Grupo 5: O que achava no diagrama que, as vezes poderia não...

Grupo 5: Mudar a ordem, não é?

Grupo 5: O que poderia tirar o que poderia colocar...

Grupo 5: Olha, é voltando um pouquinho... A grande diferença é a partir do

primeiro ano, para nós já veio tudo meio pronto, não é? Mesmo porque era tudo

muito novo. Para nós é tudo muito exigido. É... Hoje o diferencial para nós é o

lúdico, tanto é que teve professores que teve que trabalhar o eu para mudar a

didática mesmo, porque tem que estar implementando, na cabeça dele é uma

primeira série, não é. Porque são alunos com cinco anos e meio e não seis, a

grande maioria, então, assim, quer queira ou não, são bebezões, mas não que

não tenham capacidade de aprender, muito pelo contrário, tem sim. Só que a

grande mudança começa daí, não é?

Grupo 5: Melhorou–se o nível, mas o x da questão é o primeiro ano.

Grupo 5: Por isso que eu acho que tem que ter mais oficinas, essas coisas, na

Secretaria para ajudar o professor a trabalhar.

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Grupo 5: Então, nós tivemos cursos mesmo, no primeiro ano, quanto as

brincadeiras, porque a gente não tinha muita noção quanto a isso, embora a

gente tenha feito o magistério, pedagogia, mas a gente não tinha esse suporte

para isso. Então eles deram um curso mesmo para gente, foi bom, eu mesma fiz,

só que conforme foi passando esses anos foi vendo que as crianças davam uma

resposta muito boa, aí começaram a cobrar muito mais de nós.

Pesquisadora: E quais são essas cobranças?

Grupo 5: Então... É mesmo para gente estar ensinando através do lúdico. Porque

aqui não tem um tanque de areia, não tem um trepa-trepa, não tem um balanço,

não tem os brinquedos.

Grupo 5: Não tem os recursos da EMEI.

Grupo 5: É, e eles tem essa necessidade. Porque ninguém aguenta ficar cinco

horas sentado, principalmente com cinco anos, não é?

Grupo 5: Se fosse em uma cadeira, pelo menos, do tamanho deles.

Grupo 5: É.

Grupo 5: Para começar a partir daí, não é?

Grupo 5: Estrutura não tem, então a gente teve que se adaptar a isso.

Pesquisadora: Essa seria uma questão posterior que seria colocada. O que você

julga ser necessário para a melhoria da qualidade do ensino. E o que é

necessário? Vocês falaram do espaço físico...

Grupo 5: Isso é fundamental.

Grupo 5: Até a sala de aula. Juntar tanta coisa que vocês juntam. Material

reciclado, cantinho da experiência, cantinho da leitura... uma sala de aula não

comporta.

Grupo 5: Sem contar as mesas, não é? Eles ficam com os pezinhos balançando.

Grupo 5: Eles sentam igual indiozinho na cadeira e não adianta cobrar muito

porque, realmente, ficar balançando lá dói. Mas eu quero dizer que embora tenha

muita cobrança a gente tem um grande respaldo. A coordenadora tem nos

ajudado muito quanto a isso. Ela cobra muito, mas ela tem nos auxiliado muito

36

quanto a isso. A parte lúdica, trabalhar com histórias, lá fora também... Então é...

não é fácil trabalhar com o primeiro ano, não. É muito difícil, só que é muito bom.

Grupo 5: As vezes você pensa: Ah! Vamos lá fora. Mas não tem nada lá fora. Aí

vamos trabalhar com sucata, daí junta sucata e não tem onde guardar... As

oficinas de arte, também não tem onde por tudo isso.

Grupo 5: As vezes você olha na internet, e não é escola particular, não. Aquela

sala bonita, com tudo pequenininho para eles, aquela estantezinha de livros... Eu

acho que isso ajuda.

Grupo 5: Tudo adaptado, não é?

Grupo 5: O aluno chega e não vai se sentir um peixe fora da água, não é?

Pesquisadora: Entre as metas do ensino fundamental de nove anos está o

aumento das oportunidades de aprendizagem e a melhoria da qualidade do

ensino- aprendizagem. Já falamos um pouco sobre isso. Vocês constatam

alcance dessas metas?

Grupo 5;Eu trabalhei com segundo ano em 2009. Ah! Eu vejo o segundo ano

hoje, a qualidade é totalmente outra. É que nem vocês falaram. Você pegava a

criança que vinha com o caderno assim, que não sabia onde começava, onde

terminava. Então o tempo era muito para isso. Para ajudar a criança na direção

da escrita, no uso do caderno, o próprio trabalho em sala de aula para ela se

adaptar. E aí, eu fiquei sem sala esse ano, então eu tive a oportunidade de

presenciar quase todas as salas, você vê que mudou muito, coisas que você teria

que ensinar no quarto ano já dá para trabalhar no terceiro... não é? Que nem as

quatro operações, eu acho tão bonitinho no segundo ano o conceito, a formação

já.

Pesquisadora: Isso é fruto da implantação do primeiro ano?

Grupo 5: É.

Grupo 5: Vai em cadeia influenciando as demais séries.

Pesquisadora: As melhorias que vocês apontaram como necessárias auxilia no

processo de ensino-aprendizagem do aluno. Qual seria essa relação?

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Grupo 5: Eu acho que ajudaria na questão do comportamento. As crianças

ficariam mais calmas, mais adaptadas ao espaço e isso ajuda o profissional no

que ele tem que trabalhar.

Grupo 5: Eles não estão acostumados a ficar cinco horas na sala de aula.

Grupo 5: Eu acho que com os materiais, com os recursos lá fora, eu acho que

ajudaria a dar uma acalmada, eles não ficariam tão ansiosos.

Grupo 5: É. E a mudança de atividades durante o dia.

Grupo 5: A troca de ambiente.

Grupo 5: Com certeza iria favorecer a aprendizagem deles.

Grupo 5: E é fundamental mesmo, para você ter uma noção. Só o fato de a gente

sair uns cinco minutinhos para dar uma volta na escola, eles já criam uma alma

nova. Então seria fundamental mesmo esses materiais e recursos.

Grupo 5: Uma brinquedoteca, um tanque de areia, um quiosque.

Pesquisadora: Como vocês não têm esses recursos, como acaba acontecendo?

Grupo 5: Então... a gente tem que se virar nos trinta, não é?

Grupo 5: Vai adaptando, não é?

Grupo 5: Vão criar coisa do arco da velha...

Grupo 5: Tem que ser artista.

Pesquisadora: Qual é a principal diferença entre o ensino fundamental de nove

anos e o de oito anos?

Grupo 5: Eu não cheguei a dar aula no ensino de oito anos, eu entrei com o

ensino nesse novo formato. E eu, como professor do primeiro ano, pensando na

primeira série que eu fiz, eu não vejo muita diferença entre a minha primeira,

quinta, sexta e sétima série. Parece que eu já entrei na primeira série já tendo que

me adaptar a esse formato da escola, de como funcionava todo o restante do

ensino. Agora eu acho que a principal diferença é logo na entrada, não é? Com

esse primeiro ano, ele tem uma adaptação melhor, uma chance de se adaptar de

uma maneira mais amena, não é?

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Grupo 5: Uma flexibilidade.

Grupo 5: O lúdico, que diferenciou muito. Às vezes, em escola que você

trabalhava, se você saísse tanto de sala de aula, igual os professores saem hoje:

Ah! Tá matando tempo. Hoje não, é visto como necessidade, como uma forma da

criança aprender mais e aprender em outros ambientes da escola. Para mim ficou

isso: a valorização do brincar.

Grupo 5: Hoje em dia é bem cobrado.

Grupo 5: Como eu já fui estagiária e já trabalhei algum tempo, tinha professores

que já tinham essa cultura e os outros professores falavam: Nossa! Como sai da

sala. Olha! Está matando o tempo...

Grupo 5: Era outra concepção e aprendizagem, não é?

Grupo 5: Então. Hoje não. Hoje tem que fazer isso.

Grupo 5: Isso começa no primeiro ano, aí eles vão pro segundo ano e eles

cobram.

Grupo 5: E a gente também com o contato com outros professores do primeiro

ano, a gente vai pegando as idéias e vai também trabalhando dessa maneira,

dando uma continuidade, não é? Não para só no primeiro ano e falar: Agora

vamos mudar esse sistema. Tem que dar continuidade.

Grupo 5: E o que está também na proposta do segundo ano, o lúdico também.

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Transcrição do áudio da coleta de grupo focal – Escola C – grupo 6

(30/11/2011)

Pesquisadora: O ensino fundamental de nove anos é um novo ensino

fundamental?

Grupo 6: Não. Não é.

Grupo 6: Porque?

Grupo 6: Eu acho que está queimando etapa. Antecipando uma coisa... É... você

está fazendo uma coisa que uma criança de seis anos ter que entrar no ensino

formal como era antes, porque na escola a criança não tem o espaço para

brincar, não tem brinquedo e ela fica dentro da sala quase que o período todo de

cinco horas.

Pesquisadora: Você concorda com a política de extensão do ensino fundamental?

Grupo 6: Não. Do jeito que estava dava conta do recado e você não queimava

etapa.

Pesquisadora: Há diferenças significativas entre o ensino fundamental de oito

anos e o de nove anos?

Grupo 6: Nenhuma.

Grupo 6: Só começa um processo de alfabetização mais cedo. Eles vêm um ano

antes para a escola e eles recebem essa cobrança escolar, da educação escolar,

mais cedo. Porque eles não têm a brincadeira que eles perderam lá no último ano

na EMEI, aqui na escola eles não têm o espaço adequado.

Pesquisadora: O que vocês pensam sobre a antecipação do processo de

alfabetização?

Grupo 6: Não é o momento. Eu acho que a criança, desde que a gente nasce é

falado que cada coisa no seu tempo.

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Grupo 6: Cada um com a sua fase.

Grupo 6: Então se você estiver na fase de brincar de boneca, você vai brincar de

boneca, se você está na fase vai brincar de carrinho, de burica, tem época de

alfabetizar, de aprender, enfim, tudo o que é demais enjoa. Eu acho que essa

fase de queimar etapa da criança, eu acho que nós vamos ter aí um futuro

preocupante.

Grupo 6: Eu acho que não. Eu sou a favor de começar a alfabetização, desde que

se tivesse um espaço físico para atender essas crianças. De ter a oportunidade

de além de estar na sala se alfabetizando, tivesse um período para o parque, que

é superimportante nessa idade, mas eu não vejo inconveniente nenhum em

antecipar a alfabetização. Aliás, eu acho que elas estão em um momento

excelente para começar. Curiosidade... Crianças são alfabetizadas muito antes

até. Então eu acho que...

Grupo 6: Eu concordo com a fulana, porque eu fui alfabetizada com seis anos e

não me causou trauma nenhum, muito pelo contrário.

Grupo 6: Mas foi um processo natural...

Grupo 6: Sim. Mas eu acho que o maior problema está sendo esta interrupção

agora, com essas crianças que ficaram praticamente sem o primeiro ano. A forma

que se começou.

Grupo 6: Isso.

Grupo 6: Mas, agora pros outros que já estão vindo nesse ritmo, eu acho que não

produz perdas.

Grupo 6: Eu vejo os alunos do segundo, do primeiro ano, eles estão bem na

alfabetização de uma maneira muito tranquila.

Grupo 6: Eles só precisavam mesmo de ter esse espaço, para não ficar às cinco

horas dentro da sala.

Grupo 6: Eu, em 2009, tive um primeiro ano, em Avencas, e esse primeiro ano em

Avencas funciona dentro de uma EMEI, então eles tinham parque, eles tinham

areia, eles tinham os brinquedos. Então para eles não fez falta nenhuma, ao

passo que aos nossos, aqui, eu acho que faz falta. Os meus para o exemplo, no

dia do brinquedo, eles vão brincar lá atrás da arquibancada para mexer com terra.

Grupo 6: Então, mas foi isso que eu quis dizer.

Grupo 6: Eles são loucos por terra.

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Grupo 6: Quando eu disse do trauma de pular etapas, ele pode ser alfabetizado

sim, lá no prézinho (pré-escola). Ele pode chegar, como a gente já recebeu, na

primeira série alfabetizado, mas essa fase, que foi pulada, de brincar de terra, de

adorar areia... eles não estão vivendo, como nós não vivemos, eu não vivi. Eu

mesmo fui alfabetizada sentada na carteira, não tinha acesso a livrinho de

histórias, eu não sabia pintar, eu não sei até hoje. Por que será que isso

aconteceu. Eu tiro por mim, pulou etapas da minha vida. Eu não tive essa pré-

escola, para proporcionar toda essa movimentação que a criança exige na fase

dela. Agora, o fato de a criança chegar alfabetizada, acho ótimo também. A

criança está muito curiosa, o despertar dela está bem mais antecipado,

realmente, mas não pular essa fase do brincar, do vivenciar, do interagir, curtir a

fase dela dentro da escola e fora da escola.

Grupo 6: Teria que ter um primeiro ano desses lá mesmo (EMEI).

Grupo 6: Mas quando implementou isso daí foi falado que era para ir no

parquinho, para vir a caixa de terra, não veio nada.

Grupo 6: Não veio.

Grupo 6: Tanto que na proposta tem todas essas...

Grupo 6: Portanto, o que a gente pensa, então... Você acha que toda essa

estrutura da rede municipal de ensino vai ser mudada? Nunca! Todas essas

escolas que estão construídas, que estão formadas não vai haver espaço para

fazer essa etapa da criança, para ela ficar um pouco dentro de sala de aula e um

pouco lá fora. Não vai haver espaço.

Grupo 6: Eles vão construir mais salas! E essas crianças vão ficar cada dia mais

enfurnadas dentro de salas? Porque a estrutura já está construída, ninguém vai

mudar a escola.

Grupo 6: Alfabetizar antes dos sete anos não tem problema nenhum. O problema

é como está sendo conduzido.

Grupo 6: Tanto que esse trabalho poderia ser feito tranquilamente no pré III.

Grupo 6: Eu trabalhei muitos anos em uma escola particular e lá, na escola em

que eu trabalhava e, em qualquer outra, as crianças vem para essa primeira série,

primeiro ano...

Grupo 6: Alfabetizadas.

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Grupo 6: Sem traumas e totalmente alfabetizadas. Vêm alfabetizadas e não

deixam de brincar e não deixam de ter um espaço. Prontas elas estão sim! O

problema é o espaço. É uma judiação colocar essas crianças cinco horas dentro

de uma sala de aula, ou ficar atrás da arquibancada procurando uma terrinha, é

uma judiação.

Grupo 6: É responsabilidade do professor que tem que se encarregar de fazer mil

coisas, malabarismos para poder distrair as crianças. Porque a escola não

oferece esse espaço. A gente não precisaria ficar fazendo mil coisas, inventando

um monte de coisa para poder passar um tempo lá fora.

Grupo 6: Como eles vão passar um tempo lá fora sem uma atividade que seja

realmente produtiva?

Grupo 6: As minhas filhas elas foram, no tempo do pré II, pré III, vieram para

primeira série já alfabetizadas. Agora já não vai mais. Eu tenho um sobrinho que

ele saiu do pré II e já foi pro segundo ano, não é? E o que ele só quer saber de

fazer na escola é de brincar. Eu tenho agora, filha de uma sobrinha, elas estão

em uma escola (particular) e ela falou que ela não quer ir para o primeiro ano

porque ela falou: Não estou na idade ainda para escrever. Ainda tenho que

brincar, sou pequena.

Pesquisadora: É possível aprender brincando?

Grupo 6: Com certeza! Desde que tenha espaço físico apropriado e condições

materiais.

Pesquisadora: O que mudou na prática pedagógica de vocês após a implantação

do ensino fundamental de nove anos? Mudou alguma coisa?

Grupo 6: Não.

Grupo 6: Acho que mudou para quem vai pegar o primeiro ano, mas para os

outros é a mesma coisa.

Grupo 6: Mudou a nomenclatura.

Grupo 6: Mudou a nomenclatura.

Grupo 6: A terceira série agora é o quarto ano, quarta série, quinto ano.

Grupo 6: Mas o trabalho...

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Grupo 6: Quem pega o primeiro ano é um pré III.

Pesquisadora: E quem pega um segundo ano?

Grupo 6: É uma primeira série?

Pesquisadora: Não notam diferença?

Grupo 6: Ele vêm melhores. Porque no ano passado eu tinha três alfabéticos, saiu

um pré-silábico e três silábico-alfabéticos. Quer dizer, já melhorou bastante, não

é? Antigamente não era assim.

Grupo 6: Era tudo pré.

Grupo 6: Pré-silábico.

Pesquisadora: Duas das metas estabelecidas pelo Ministério da Educação para a

implantação do ensino fundamental de nove anos é o aumento das oportunidades

de aprendizagem e a melhoria da qualidade do ensino. Vocês constatam o

alcance de tais metas?

Grupo 6: Não.

Grupo 6: Eu acho que não, na medida em que você não tem estrutura... A

qualidade passa pela estrutura, não é? Você não tem estrutura você vai ter que

se virar para poder dar conta do recado, acaba ficando no meio do caminho. Você

pode avançar mais com os esforços que você tem que impor, mas não tem uma

estrutura que dê condições para que a qualidade melhore.

Pesquisadora: Mas então há exigências que faz com que vocês mudem a prática

pedagógica?

Grupo 6: Tem, não tem fulana?

Grupo 6: Tem a proposta pedagógica, a proposta curricular que vai ser

implementado agora, no ano que vem, a do quarto e a do quinto ano, também.

Grupo 6: Então tem toda uma estrutura pedagógica para a implementação do

ensino fundamental de nove anos.

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Pesquisadora: Além da estrutura física, que vocês apontam, o que vocês julgam

ser necessário para a melhoria do ensino-aprendizagem?

Grupo 6: Redução do aluno por sala.

Grupo 6: Biblioteca, que a gente tem mais não pode usar.

Grupo 6: Ou seja, adequação do espaço físico.

Grupo 6: Nossa biblioteca é usada como sala de aula.

Grupo 6: Ter salas com vinte e cinco alunos...

Grupo 6: Faltam recursos humanos também. Porque com salas cheias, o

professor, muitas vezes, na maioria das vezes, não dá conta de todas as

dificuldades que essas crianças chegam. E como é que a gente atende todo

mundo? Não tem...

Grupo 6: Então muitas vezes, recursos humanos, falta... professores que dêem

aula de reforço. A gente fica se debatendo, procurando formas e fazendo o que a

gente pode.

Grupo 6: No primeiro e no segundo ano alguém para auxiliar na sala de aula.

Grupo 6: Que o estado já colocou, não é? No primeiro ano alguém para auxiliar

na sala. Então eu acho que falta isso, acaba-se nisso. A proposta vem como se

fosse uma novidade, como é citado no documento, mas a gente não vê muita

mudança.

Grupo 6: Como se ela fosse mágica.

Grupo 6: Continuamos com salas lotadas, nós continuamos sem muito auxílio

nesse sentido de aulas de recuperação e reforço. A gente faz o que a gente pode.

A gente procura estudar, a gente faz o que dá aqui.

Grupo 6: Tem muita cobrança porque o aluno não está avançando. Não está

avançando porque ele continua do jeito que está. Ele chegou com dificuldade, a

gente tenta fazer o que a gente pode na sala com trinta e poucos alunos, você

atende um hoje e vai voltar naquele aluno, quando? Então é difícil isso. Por isso

que eu falo que não mudou quase nada.

Grupo 6: Ainda que aqui tem essa troca, imagine os outros? Como dão conta? Na

escola a gente vai buscando formas...

Grupo 6: Alternativas.

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Grupo 6: Formas para amenizar.

Grupo 6: Lógico, não é? Mas a gente sente que se nós tivéssemos uma estrutura,

se a gente tivesse um maior número de professores que pudesse nos ajudar com

o reforço a qualidade seria muito melhor. Não tenha dúvida.

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Programa de

Pós-Graduação em Educação

Doutoranda: Selma Ferreira de Oliveira

Orientadora: Dra. Iraíde Marques de Freitas Barreiro

Coleta de dados para a realização de estudo sobre a percepção do

professor sobre os desdobramentos da implantação do ensino

fundamental de nove anos

Identificação do professor pesquisado

Idade: _____________ Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino

Anos de profissão docente: _______________

1. Há quantos anos atua no ensino fundamental?

( ) menos de um ano ( ) 7 a 9 anos

( ) 1 a 3 anos ( ) mais de 10 anos

( ) 4 a 6 anos

2. Em qual ano do ensino fundamental você atua?

( ) 1º ( ) 2º ( ) 3º ( ) 4º ( )5º ( ) reforço/grupo de

estudo/substituições

3. Você atua apenas nessa unidade escolar?

( ) Sim ( ) Não

Formação

4. Ensino Médio

Magistério ( ) Sim

( ) Não

CEFAM ( ) Sim

( ) Não

5. Graduação ( ) Sim. Qual? _________________________________________

( ) Não

6. Pós Graduação ( ) Sim. Qual? ______________________________________

( ) Não

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Roteiro para discussão nos grupos focais

Orientações:

Não há resposta certa ou errada;

Todos podem participar expondo o seu ponto de vista;

Se você concorda ou discorda do colega argumente sua opinião;

Respeitar o posicionamento do colega não é, necessariamente, concordar com

ele.

·Questões ·

1. O ensino fundamental de nove anos é um “novo” ensino fundamental?

2. Há diferenças significativas entre o ensino fundamental de oito anos e o ensino

fundamental de nove anos?

3. Após as orientações para a implantação do ensino fundamental de nove anos,

o que mudou em sua prática pedagógica?

4. Uma das metas do ensino fundamental de nove anos é o aumento das

oportunidades de aprendizagem e a melhoria da qualidade do ensino-

aprendizagem. Você constata o alcance de tais metas?

5. O que é necessário para melhoraria da qualidade do ensino-aprendizagem no

ensino fundamental?

6. Essas melhorias auxiliariam nos avanços da aprendizagem dos alunos? Como?