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Um homem para chamar de meu
Johanna Lindsey
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Nova Inglaterra, 1870.
Marian Laton...
Durante anos, Marian Laton escondeu seu rosto por trás de grandes óculos que
deformavam os traços de seu rosto e seus preciosos olhos. Também ocultou seu corpo
em roupas cinza que não permitem entrever nem o mais mínimo sinal de uma curva
feminina. No entanto, esta imagem de jovem descuidada e desalinhada obedece a um
plano de vida, uma ação destinada a um único fim: diferenciar-se de sua cruel e
caprichosa irmã gêmea Amanda, capaz de enfeitiçar com sua beleza a qualquer
homem que cruze em seu caminho.
A convivência nunca foi fácil para Amanda e Marian. Mas depois da morte de
seu pai, tudo resultará ainda mais insofrível. Ambas deverão mudar-se de sua cômoda
e elegante casa do noroeste americano pelo rancho que sua tia Kathleen Duun tem em
Tejas. Para Amanda, a disposição paterna é uma autêntica maldição. Em mudança,
para Marian, marcada por uma existência triste e opaca, esta nova vida suporá uma
verdadeira aventura… sobretudo quando conhece a Chad Kincaid, um bonito
vaqueiro filho de um rancheiro vizinho que acorda na jovem sentimentos até então
desconhecidos. Mas a bela e coquete Amanda, que durante anos converteu aos
homens em animais de estimação, não está disposta a deixar passar a ocasião de
fazer cair em suas redes ao rude Chad. Com o que não contava é que Kinkaid fosse de
outra espécie: um vaqueiro que, simplesmente, sabe ver além de grandes óculos
deformantes.
Chad Kincaid...
Apesar de saber que herdará a propriedade de seu pai, Chad prefere o trabalho
duro a viver sob a sombra deste. Marian está fascinada com a incrível masculinidade
de Chad, mas sabe que, como ocorreu com todos os homens que ela e sua irmã
conheceram, ele acabará escolhendo a Amanda. Chad não pode deixar de sentir-se
fascinado por Amanda, mas logo começa a ver além da fachada de garota aborrecida
que apresenta Marian, e descobre sua afeição pela aventura, sua valentia ante o
perigo e seu senso de humor... Mas como pode ele, um simples cowboy sem
experiência mundana, convencer a Marian de que para ele não existe outra mulher
além dela?
Em uma história tão surpreendente como deliciosa, Johanna Lindsey reflete
com habilidade e embriagadora emoção, o poder transformador do primeiro amor.
Fazendo ornamento de um profundo conhecimento dos sentimentos dos homens,
Lindsey tem escrito uma de suas mais absorventes novelas, que suas leitoras não
quererão abandonar até a última página.
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CAPÍTULO 1
Mortimer Laton foi sepultado pela manhã em Haverhill, Massachusetts, a cidade
onde tinha nascido e vivido toda sua vida. De fato, a cidade mudara seu nome pelo de
Haverhill em 1870. Quando ele nasceu e se criou nela, a conhecia como Pentucket.
Sua esposa, Ruth, achava-se enterrada em um dos cemitérios mais antigos, que já
estava fora de uso porque chegou ao limite de sua capacidade pouco depois que a
sepultaram. Não lhe teria importado que seu marido não repousasse toda a eternidade
a seu lado. Na realidade, certamente o teria preferido assim, já que não se amavam.
Na grande lápide do túmulo de Mortimer se lia: «Aqui descansa Mortimer
Laton, querido pai de Amanda e Marian.» Essa breve inscrição era obra de Amanda
Laton, e lhe parecia ser mais adequado. Adorara a seu pai e ele, por sua vez, foi o pai
perfeito para ela e lhe proporcionou tudo o que uma menina necessitava para sentir-se
amada e protegida. Marian, se tivesse tido que dar sua opinião, teria arrancado a
palavra «amado».
O funeral foi uma pequena reunião, deprimente como a maioria dos funerais,
apesar do bom tempo que imperava nessa manhã e das flores primaveris que enchiam
os jardins. Só tinham assistido os criados de Mortimer, alguns de seus sócios e suas
duas filhas.
O ofício tinha transcorrido em um notável silêncio. Essa manhã não houve
amostras de histeria nem sonoros prantos, diferente do funeral de Ruth sete anos antes,
em que Marian dera um espetáculo ao chorar desconsolada. Mas é que havia sentido
que com a morte de sua mãe tinha perdido à única pessoa que a amava de verdade.
Hoje deveria ter ocorrido algo um pouco parecido. Amanda, que foi a preferida
de seu pai desde o dia que nasceu, deveria ter chorado a lágrima viva. Mas desde que
as duas irmãs receberam a notícia de que seu pai morreu no caminho de volta da
viagem de negócios que fez a Chicago na semana anterior, ao cair do trem, quando
passava de um vagão ao seguinte, Amanda não derramara uma só lágrima de dor.
Os criados sussurravam que sofria de uma estranha forma de comoção, Marian
teria estado de acordo, salvo pelo fato de que sua irmã não negava que seu pai
houvesse falecido. Falava de sua morte e a comentava sem emoção, como se se
tratasse de um acontecimento mundano que não a afetasse muito. Comoção? Pode ser,
mas de uma classe que Marian não viu nunca. Por outro lado, Amanda era uma pessoa
egocêntrica, como Mortimer. Era provável que lhe preocupasse mais como ia afetar a
sua morte que esta em si.
Mortimer só foi capaz de amar a uma pessoa em todo tempo. Marian se dera
conta disso quando era muito pequena e, ao final, deixara de esperar que fosse de
outro modo. Por outra parte, jamais viu seu pai comportar-se de uma forma que
indicasse que estava equivocada.
Seu pai não amou a sua mãe. O seu foi um matrimônio arranjado. Não eram a
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não ser duas pessoas que viviam juntas, compartilhavam a mesma casa e alguns
interesses comuns. Levavam-se bem, mas não existia amor entre eles. Seus avós
paternos morreram antes que Marian nascesse, de maneira que não viu de que modo se
comportava com eles seu pai. E a única irmã que restava mudara de cidade quando
Marian ainda era muito menina. Mortimer jamais falava dela o que indicava que não
se importava, seja o que for que tivesse sido de sua vida.
Mas amou a Amanda. Disso ninguém tinha a menor dúvida. Desde o dia em que
nasceu, seu pai se mostrou encantado com ela e a tinha repleto de cuidados, malcriada
em realidade. As duas irmãs podiam estar na mesma habitação, mas ele só via a
Amanda, como se Marian fosse invisível.
Em qualquer caso, agora já não importava. Marian podia deixar de atormentar-
se por isso. Não era que não tivesse satisfeito suas necessidades materiais durante todo
aquele tempo. Nesse sentido as duas irmãs tinham recebido o mesmo trato. Apenas,
sim tinham desatendido as suas necessidades emocionais.
Sua mãe tentou pôr remédio e, em certo modo o conseguira enquanto estava
viva. Vira o muito que sofria Marian porque Mortimer não lhe demonstrava afeto, e
embora amasse a suas duas filhas, Ruth tinha tratado com um pouco mais de carinho a
Marian. Por desgraça, Amanda, que queria que sua mãe a amasse só a ela, deu-se
conta, e estava tão ciumenta que entre as duas irmãs se produziu uma ruptura total
fazia muito tempo. Não havia forma delicada de dizê-lo: odiavam-se de verdade.
Mas não só contava a questão dos ciúmes. Isso poderiam até tê-lo superado;
inclusive poderiam ter chegado a perdoarem a vasta lista de ofensas, já que em sua
maioria estes se originaram na infância e já a tinham deixado atrás. Mas possivelmente
devido ao excesso de mimos que avivavam seu egocentrismo, Amanda, dito de modo
singelo, não era boa pessoa.
Fora de modo deliberado ou devido a uma tendência natural, o certo é que
Amanda conseguia ferir os sentimentos das pessoas com uma frequência alarmante. O
pior era que não parecia lhe preocupar o dano que causava, ou não se dava conta disso,
e não se desculpava nunca.
Marian não recordava às vezes, de tantas que eram, que tentou em pessoa,
desculpar a sua irmã e desculpar-se ante as pessoas que Amanda machucava. Não era
que se sentisse responsável pelos atos de sua irmã. Não. Amanda foi desagradável e
maliciosa toda sua vida.
Nenhuma das duas tinham verdadeiras amigas. Amanda porque não queria.
Tinha a seu pai, que a adorava. Ele era seu melhor amigo. Marian tivesse desejado as
ter, mas fazia muito tempo que tinha desistido porque sua irmã sempre as afugentava,
frequentemente chorando. O resultado era que a garotas não queriam voltar a
aproximar-se de Marian, se isso podia significar encontrar-se com a Amanda.
Os homens eram outra questão. Desde que as duas moças começaram a
aproximar-se da idade de casar-se, a casa dos Laton tinha recebido visitas masculinas
com assiduidade. Havia um dobro motivo: a riqueza dos Mortimer, bastante
considerável, e o fato de que Amanda era uma das jovens mais belas da cidade.
E Amanda gostava de receber atenção masculina. Adorava as adulações. E se
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não desejava que alguém em particular a adorasse, denegria-o e insultava sutilmente
até que deixava de visitá-la. Assim tinha seu grupo favorito de admiradores já fazia
quase um ano. Mas não se decantava por nenhum deles até o extremo de decidir com
qual gostaria de casar-se.
Era uma lástima. Marian desejava que o fizesse. Todas as noites rezava para que
sua irmã se casasse e partisse para outra parte, para poder levar então uma vida real em
lugar de esconder-se, temerosa de que algum homem pudesse tentar cortejá-la e
terminasse sendo um dos objetivos de ira da sua irmã. As duas vezes que tinha
mostrado interesse por um homem, aprendeu bem a lição. Não ia voltar a ser
responsável por que a língua da Amanda ferisse a um homem somente porque se
atreveu a ignorá-la para emprestar atenção a ela.
Por essa razão, embora fossem gêmeas, Marian tomava o cuidado a fim de
dissimular esse fato desafortunado. Para passar inadvertida, escolhia vestidos de cores
pouco favorecedoras e de desenhos muito singelos. Fazia um penteado sério, mais
adequado para a avó de alguém que para uma jovem de apenas dezoito anos. Mas seu
disfarce não teria funcionado sem os óculos que levava no rosto. Eram de aro grande e
de cristais grossos que lhe ampliavam os olhos até quase o dobro de seu tamanho, o
que lhe conferia um aspecto estranho, com os olhos saltados, que resultava muito
pouco atrativo.
Estavam sentadas no escritório de seu pai, ouvindo a leitura de seu testamento.
Amanda se via formosa, como sempre, inclusive de luto. Levava um vestido elegante;
não podia ser de outro modo. Na realidade, com seus adornos de encaixe e sua
pedraria incrustada em desenhos artísticos, era mais belo que alguns de seus vestidos
mais elaborados. Seu penteado não era frívolo como de costume; por uma vez,
recolheu os cachos dourados.
Marian, por sua parte, passava despercebida, como sempre. Seu vestido negro
não tinha detalhes intrincados que pudessem admirar, nem usava uma franja elegante
que lhe emoldurasse o rosto ou desmerecesse os feios óculos que dominavam seu
aspecto. Era a traça ao lado da mariposa. Embora suspeitasse que ser uma mariposa
era fácil, sabia com certeza o que custava muito ser uma traça.
O lugar estava quase irreconhecível com o advogado de Mortimer sentado a sua
mesa em vez deste. Conheciam bem a Albert Bridges. Jantou frequentemente com a
família quando seu pai andava escasso de tempo e levava trabalho para casa.
Albert estava acostumado a chamá-las por seu nome de batismo; conhecia-as
fazia suficiente tempo para fazê-lo. Mas hoje se dirigia a cada uma delas como
senhorita Laton e parecia incômodo ao realizar seu trabalho.
Até então não houve surpresas no testamento. Alguns criados da família
receberiam pequenos legados, mas suas filhas herdavam o grosso do patrimônio de
Mortimer, a partes iguais. De novo o único que não dividiu de modo equitativo era seu
carinho, jamais sua fortuna. Havia interesses em meia dúzia de negócios, propriedades
de exploração na cidade e em outras partes do estado e uma conta bancária maior do
que as duas moças poderia ter imaginado. Mas nenhuma verdadeira surpresa, até o
final.
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- Há uma condição - lhes disse Albert, que agitou o colarinho da camisa
nervoso. - Seu pai queria assegurar-se de que estivessem bem atendidas, e de que não
as enganassem caçadores de fortuna interessados só em sua herança. De modo que não
receberão nada da herança salvo para cobrir suas necessidades básicas até que se
casem. E, até então, sua tia, a senhora de Frank Dunn, será sua tutora.
Amanda não disse nada. Tinha o cenho franzido, mas ainda não captara por
completo as implicações. Marian a observava, à espera da tormenta que estalaria
quando o fizesse.
Albert Bridges também esperou uma maior reação e olhou com certa cautela a
uma irmã e logo à outra.
- Entendem o que isso significa? - perguntou-lhes.
- Suponho que tia Kathleen não trocará sua vida para acomodar-se a nós só
porque seu irmão tenha morrido; assim, nós teremos que ir viver com ela - assentiu
Marian, que inclusive lhe sorriu. - Quer dizer isso?
- Exato. - O advogado suspirou aliviado - Já sei que possivelmente lhes resulte
desalentador ter que transladar-se tão longe de todas as coisas e pessoas que
conhecem, mas não pode evitar-se.
- Na realidade, não me importa absolutamente. Não sinto nenhum apego por
esta cidade.
Chegou à tormenta. Amanda ficou de pé tão depressa que se deslocaram duas
mechas de seu penteado, ambos do mesmo lado, de modo que uma larga onda de
cabelos dourados lhe caía até abaixo do peito. Seus olhos azuis escuros brilhavam
como safiras sob a luz de um joalheiro e tinha os lábios franzidos.
- Nem pensar! Tem idéia de onde vive esta senhora? Está no outro extremo do
mundo!
- No outro extremo do país, na realidade - corrigiu Marian com calma.
- É o mesmo! - gritou Amanda. - Vive entre selvagens.
- Os selvagens foram reduzidos, em sua maioria.
- Se cale. - Amanda a fulminou com o olhar. - Se Cale! Por mim você pode ir às
terras inexploradas de Tejas, apodrecer e morrer se quiser. Mas eu me casarei
imediatamente e ficarei aqui, muito obrigado.
Albert tentou detê-la, explicar-lhe melhor, mas Amanda estava muito furiosa
para escutá-lo e saiu da habitação. O advogado lançou um olhar de resignação a
Marian.
- Não pode casar-se de qualquer jeito - disse a Marian com um suspiro cansado.
- O que quer dizer com isso?
- Quero dizer que até pode, mas então perderia sua herança. Sua tia, como
tutora, tem que dar seu consentimento para que qualquer uma das duas se case.
- Quer que vá procurá-la? - ofereceu-se Marian. - Ainda não saiu de casa.
Teríamos ouvido fechar de repente a porta principal.
- Vou eu. - Albert suspirou de novo. - Deveria ter sido mais claro para começar.
Albert se levantou da mesa, mas não era necessário. Amanda retornou com ar
decidido e com Karl Ryan atrás. Karl era um de seus esperançosos pretendentes. De
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fato, o que menos preferia, mas o tolerava porque era atrativo e um bom partido de
qualquer ponto de vista. Sempre que houvesse outras mulheres interessadas por um
homem, embora só fosse uma, Amanda queria mais a aquele porque adorava que as
demais mulheres a invejassem.
Karl esteve junto a elas essa manhã para acompanhá-las ao cemitério. Amanda
estava muito absorta para dar-se conta de que era o único de seus pretendentes que foi
lhes dar os pêsames. Marian sabia que se rechaçou aos visitantes na porta, com a
simples explicação de que as jovens não recebiam a ninguém. Alguém decidiu que
tivessem umas horas de tranquilidade para chorar por seu pai. Marian tinha agradecido
porque não desejava tratar com ninguém nesse momento. Amanda, se soubesse, com
certeza se haveria oposto.
Mas não foi possível descartar a Karl, já que chegou justo depois de que
receberam a notícia da morte de Mortimer, e Amanda tinha lhe contado. Esteve
esperando no salão desde que retornaram do funeral, disposto a oferecer todo o
consolo que pudesse. Mas Amanda não parecia necessitar que a consolassem; o que
precisava era que a tranquilizassem, pois seguia furiosa.
- Aí está, assunto encerrado - afirmou triunfal. - Estou prometida ao senhor
Ryan. Assim não penso ouvir nada mais sobre ir embora de casa. - E acrescentou com
sarcasmo: - Mas te ajudarei encantada a fazer a bagagem, Marian.
- A não ser que o senhor Ryan esteja disposto a viajar com você para Tejas e
conhecer sua tia, obtendo seu consentimento, casar-se com ele não lhe permitirá
receber a herança, senhorita Laton - se viu obrigado a esclarecer Albert. - Sem esse
consentimento, perderia tudo.
- Não! Meu Deus, não posso acreditar que papai me fez isto. Sabia que não
suporto viajar.
- Não morreu só para te incomodar, Amanda - exclamou Marian, zangada. -
Estou segura de que pensava que estaria casada já a muito tempo, quando falecesse.
- Estarei encantado de viajar contigo a Tejas - se ofereceu Karl.
- Não diga tolices - replicou Amanda. - Não vê que isto muda tudo?
- Claro que não - insistiu Karl. - Ainda quero me casar contigo.
Marian intuiu o que ia ocorrer e quis economizar o sofrimento de Karl.
- Seria melhor que partisse agora - sugeriu depressa. - Ela está alterada…
- Alterada! - gritou Amanda. - Estou mais que alterada. Mas sim, vá embora. Já
não tenho motivos para me casar contigo; de fato, agora não me ocorre nenhum.
Marian desviou o olhar para não ver como essas palavras despreocupadas
feriam Karl, embora não o fizesse bastante rápido. Viu-o de todos os modos. Parecia
tão feliz quando tinha entrado no escritório uns momentos antes, depois de ter
conseguido inesperadamente o que seu coração ansiava. Queria de verdade que
Amanda fosse sua esposa, Deus sabia por que, mas era assim. Por alguma razão não
viu seu lado mau, ou escolheu ignorá-lo até então.
Mas era de esperar que, uma vez que tivesse superado o rechaço, alegrar-se-ia
de haver-se liberado do casamento com aquela harpia cruel.
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CAPÍTULO 2
Era um rancho pequeno, pela maioria dos critérios, mas ainda mais segundo os
critérios de Tejas. Encravado nas férteis planícies ao oeste de Braços, com meio
quilômetro de percurso de um afluente do rio no extremo nordeste da cidade, o
Twisting Barb incluía terras inexploradas, embora não fossem muitas. O rancho, que
contava com menos de mil cabeças de gado, tinha espaço para mais, só que seus
proprietários não tinham aspirado nunca a serem «reis do gado».
Na atualidade havia um único proprietário. Red assumiu a direção do rancho
depois da morte de seu marido. Aprendera bem como teria que criar o gado e poderia
haver-se encarregado de tudo com facilidade, salvo por algo: carecia de bons peões
que fizessem sua parte.
Desesperada, pensou seriamente em vender o rancho. Todos seus peões bons se
foram quando seu marido morreu. Fazia correr a voz no povoado de que procurava
pessoal, mas qualquer peão que valesse algo, procurava trabalho no Rancho dos
Kinkaid. Os únicos dispostos a trabalhar para ela eram adolescentes inexperientes e
jovens procedentes do Leste que se dirigiram ao oeste por alguma razão, mas a quem
teria que ensinar todos os passos da criação de gado.
Estava disposta a ensinar. Mas eles não o estavam a aprender, pelo menos não
de uma mulher mais velha a quem consideravam uma segunda mãe. Como um montão
de jovens, ouviam-na mas não a escutavam. Suas instruções lhes entravam por uma
orelha e lhes saíam pela outra. Quando estava a ponto de render-se e vender o rancho,
chegou Chad Kinkaid.
Conhecia Chad já fazia muitos anos. Era o filho de seu vizinho, Stuart Kinkaid,
um rancheiro que sim aspirava a ser conhecido como um «rei do gado». Stuart possuía
o maior rancho da zona e sempre estava tentando ampliá-lo. Teria batido na porta de
Red se soubesse que ela pensava vender. Só que Red não queria vender realmente,
mas sim acreditava que não havia mais remédio que fazê-lo, dado o mal em que
tinham ido às coisas depois da morte de seu marido. Mas Chad Mudara sua situação, e
Red seguia dando obrigada pela tormenta que o tinha levado a Twisting Barb fazia
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três meses.
Fora a pior tormenta do inverno. E a única razão pela qual Chad estava perto
quando estalou era que brigou com seu pai e resolveu ir-se de casa para sempre. Red
lhe dera alojamento aquela noite. Como era um homem ardiloso, precaveu-se de que
algo não ia bem e na manhã seguinte, durante o café da manhã, tinha-lhe surrupiado os
problemas em que ela estava.
Red não esperou que lhe oferecesse ajuda, embora devesse havê-lo feito, pois
Stuart Kinkaid podia ter muito mau gênio, mas educou muito bem a seu filho Chad.
Estava-lhe tão agradecida que, se fosse vinte anos mais jovem, teria se
apaixonado por ele. Entretanto, era bem mais velha, ou quase bastante para ser a mãe
de Chad, e o certo era que, embora ninguém soubesse, estava apaixonada por seu pai.
Tinha-o estado desde o dia em que o conheceu faziam doze anos, quando Stuart foi ao
rancho lhes dar as boas-vindas à ela e a seu marido, e lhes tinha presenteado com cem
cabeças de gado para lhes ajudar a pôr em marcha seu rancho em floração.
Stuart era o homem mais atrativo que Red tinha conhecido em sua vida, o que,
unido a sua amabilidade daquele dia, tinha-lhe aberto caminho para um canto de seu
coração e se fixou nele. Seu marido não o soube nunca. Stuart não o soube também.
Ninguém saberia jamais se pudesse evitá-lo. E, apesar de que a mulher de Stuart tenha
morrido muito antes que ela o conhecesse e de que seu próprio marido tenha morrido
fazia pouco, nunca tinha pensado em fazer algo em relação ao que sentia por esse alto
texano.
Stuart Kinkaid era muito imponente para ela, rico, ainda atrativo, com uma
personalidade destacada; um homem que poderia ter qualquer mulher que quisesse se
o propunha. Enquanto que ela era uma ruiva pacata que não tinha despertado nunca
admiração de muitos jovens e muito menos agora que se aproximava dos quarenta.
Chad era em muitos aspectos como seu pai, muito bonito para seu próprio bem;
apesar de tudo, Red não tinha notícia de que tivesse quebrado nenhum coração pelo
caminho, assim não acreditava que se aproveitasse de seu lado atrativo nesse sentido.
Podia ter sido um pouco briguento de moço, podia ter se chocado com seu pai bastante
frequentemente, mas era digno de confiança. Se dizia que faria algo, passasse o que
acontecesse, o fazia. E, é obvio, tinham-no educado para converter-se no melhor
vaqueiro dos arredores. Tinham-no educado para se encarregar do vasto império dos
Kinkaid.
Chad não demorou muito em transformar o punhado de novatos com os quais
Red não avançava, em uma equipe dinâmica. Os peões o admiravam, ou melhor,
adoravam-no. Sabia como tratar aos homens, de modo que nem sequer se sentiam mal
quando tinha que repreendê-los. Estavam mais que dispostos a aprender com ele, e o
fizeram.
Chad era vaqueiro até a medula. O lógico seria que montasse seu próprio rancho
em algum outro lugar. Claro que, se fizesse, romperia os laços com seu pai, e Red não
acreditava que essa fora sua intenção. Ao sair de casa tentava dizer algo a seu pai.
Dava tempo a Stuart para que entendesse o que esse algo significava e o aceitasse.
De todos os modos, Red era realista. Três meses era tempo suficiente para que
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alguém entendesse. Chad logo iria embora, a outro lugar ou até sua casa para arrumar
as coisas com o pai. Embora esperasse que a deixasse em boas mãos. Parecia dedicar
muito esforço a preparar o seu peão mais velho, Lonny, para que se fizesse cargo de
tudo quando ele já não estivesse ali. Um ou dois meses a mais e Lonny seria um
capataz excelente. Não lhe cabia nenhuma dúvida. Mas não sabia se Chad ficaria esse
necessário par de meses a mais.
Certamente sim. Na semana anterior, Red tinha torcido um tornozelo e, embora
já se sentisse muito melhor, não o demonstrava. Chad estava preocupado por ela pelo
acidente, e estava bastante segura de que, nesse estado de ânimo, o jovem ficaria.
CAPÍTULO 3
Nessa noite, depois do jantar, Red se reuniu com Chad no alpendre para
desfrutar de um momento do pôr-do-sol. Era um alpendre comprido e amplo, e a casa
que se levantava atrás dele era de boas dimensões. O marido de Red não tinha
regulado em nada ao construir seu lar. Como ambos eram do Leste, estavam
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acostumados às comodidades.
Uns anos depois de sua chegada a Tejas acrescentaram um segundo piso à casa
para abrigar aos filhos que esperavam ter. Red não sabia por que não tinham tido
filhos. Não era por não havê-lo tentado. Supunha que não era para ser.
Do barracão lhes chegaram às notas suaves de um violão. Rufus era muito hábil
com esse instrumento, e quase se converteu em um ritual que tocasse umas canções
pela tarde enquanto os homens relaxavam depois de uma jornada de trabalho. Red
sempre o ouvia de longe. O barracão era o único lugar do rancho ao que se proibia de
ter acesso.
Chad dormia com o resto dos homens, mas como era o filho do rancheiro mais
rico do lugar, ninguém considerava estranho que Red insistisse em que jantasse com
ela na casa. Também acostumavam ser só eles dois quem ocupava o alpendre ao
anoitecer. Nem sempre conversavam. O rancho funcionava tão bem que, a maioria das
vezes, o que tinha que comentar se dizia no jantar e o momento do alpendre ficava
destinado a uma introspecção silenciosa.
Red ia fazer assim essa noite, mas o olhar ausente de Chad e a direção que
tomava, levou-a a suspeitar que pensava em seu pai. Ela também pensava
frequentemente em Stuart, embora de outro modo.
Surpreendia-lhe que Stuart não tivesse averiguado ainda que Chad estava em
Twisting Barb. Tinha advertido aos peões que não mencionassem nunca o jovem
quando fossem a cidade, mas com a quantidade de álcool que fluía nessas visitas, era
impossível estar segura de que não escapasse a alguém. E sabiam que Stuart tinha
contratado a alguns dos melhores rastreadores para encontrar a Chad.
Embora não houvesse nada que rastrear, porque a tormenta que o conduzira até
ela tinha apagado seu rastro. E ninguém, nem sequer Stuart, suspeitava que ele
estivesse infiltrado tão perto de casa, a só uns quilômetros de distância. De todos os
modos, se Chad sentia saudades de seu lar, Red não tentaria impedir que se
solucionasse os problemas entre ele e seu pai. Os dois homens tinham estado sempre
unidos, apesar de discrepar em muitas coisas.
- Sente falta dele? - perguntou Red em voz baixa.
- Nem pensar - soltou Chad em um tom queixoso que a fez sorrir.
- Ainda não está preparado para voltar para casa?
- Que casa? - respondeu ele com sarcasmo. - Se converteu em um circo com a
presença de Luella e sua mãe. Papai arranjou esse matrimônio sem sequer me
consultar e as instalou em casa até o dia do casamento. Ainda não posso acreditar que
fizesse algo assim.
- É simpática - comentou Red, em defesa do Stuart. - A conheci faz uns anos,
em um dos churrasco s de seu pai. E também é formosa, se me lembro bem.
- Embora fosse a coisa mais linda deste lado de Rio Grande, ainda assim sairia
correndo em sentido contrário.
- Porque Stuart a escolheu para ti?
- Sobretudo por isso - admitiu Chad. - Mas se houver um ápice de inteligência
no cérebro dessa garota, está aí por engano.
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Red tentou conter uma gargalhada, mas não o conseguiu.
- Suponho que não falei com ela o suficiente para me precaver disso -
respondeu.
- Se considere afortunada.
Red não insistiu. Estava contente de que não queria voltar para casa, mas
também triste porque tanto ele como seu pai deviam estar se sentindo muito mal com
aquele distanciamento. O certo era que sentiria saudades de Chad. Pode ser que não
tivesse amado a seu marido, mas pelo menos foi uma boa companhia e, desde sua
morte, havia se sentido sozinha.
O ceu se via ainda vermelho quando o cavaleiro chegou até a casa, galopando a
toda velocidade.
- Será melhor que entre, Chad. Acredito que é o entregador do correio, e se te
ver, reconhecer-te-á.
Chad assentiu e se meteu na casa. Red se levantou para receber ao cavaleiro
- Boa noite, Will. Um pouco tarde para fazer uma entrega, não?
- Sim, senhora. O cavalo perdeu uma ferradura e me atrasou umas horas. Mas
pensei que podia ser importante e não quis esperar até amanhã. - Entregou-lhe a carta
que tanto se esforçou em levar e tocou a ponta do chapéu no modo de saudação -
Chegarei tarde para jantar. Boa noite.
Red lhe disse adeus com a mão e entrou mancando na casa para deter-se no
abajur mais próximo a fim de ler a carta. Chad tinha recolhido o chapéu e estava a
ponto de ir dormir.
A exclamação «Ó meu Deus!» que soltou Red, deteve-o na porta principal.
- O que?
- Meu irmão...morreu.
- Sinto muito. Não sabia que tinha um irmão.
- Desejaria não havê-lo tido, assim não o sinta. Jamais nos demos bem. De fato,
seria bastante exato dizer que não podíamos nos ver. Por isso esta carta não tem
nenhum sentido.
- Por que lhe comunicam isso?
- Porque deixou a suas filhas a meu cargo. Que raios esperava que fizesse com
suas filhas na minha idade?
- Tinha alguma outra opção?
- Suponho que não - respondeu Red com o cenho franzido. - Imagino que agora
que Mortimer morreu, sou sua única família. Tínhamos outra irmã, que era gêmea
minha, mas morreu faz muito tempo.
- Nenhum familiar por parte de mãe?
- Não, ela era a última de sua linhagem, além de suas filhas. Red seguiu lendo,
e acrescentou: - Vá por Deus. Parece que vou ter que te pedir outro favor, Chad.
- Nem me peça - exclamou, horrorizado por um instante. - Nem sequer estou
casado, não vou criar…
- Fique tranquilo, homem - lhe interrompeu Red, divertida por seu engano. - Só
necessito que alguém vá buscar as garotas em Galveston e as traga até aqui, não que as
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adote. Ao que parece, saíram logo depois da carta, por caminhos distintos, mas o
correio não é sempre o mais rápido. Já poderiam ter chegado. Eu iria, mas temo que
esta torcedura me atrasaria muito.
- É uma distância muito longa, ir e voltar poderia levar uma semana.
- Sim, mas uma boa parte do trajeto pode fazer-se de trem, e a maioria do resto,
em diligência. Só é incômodo o último pedaço. Mas, também posso pedir a outro.
Sempre me esqueço que está te escondendo.
- Não, eu irei - assegurou Chad enquanto sacudia o chapéu contra a perna. - Não
importará muito que a estas alturas, papai me encontre. Sairei amanhã na primeira
hora.
CAPÍTULO 4
Amanda e Marian tinham que ter esperado em Galveston. Era o destino final do
amável casal que Albert Bridges encontrou para que as acompanhasse, e estavam mais
que dispostos a alojar às garotas com eles até que Kathleen Dunn chegasse para buscá-
las. Mas Amanda se negou totalmente.
Não deixara de queixar-se até aquele momento. Inclusive antes de deixar a casa,
queixou-se já do apressado da marcha. Mas no dia depois do enterro zarpava um
navio, e Albert lhes tinha sugerido encarecidamente que o tomassem, já que não
haveria nenhum outro em várias semanas. De novo em terra firme, Amanda deveria
haver-se apaziguado um pouco, mas não, o concorrido porto onde estava seu navio foi
o seguinte motivo de seus insultos.
De todos os modos, Marian conseguira desfrutar de sua viagem por mar. Era a
primeira vez que subia em um navio e tudo lhe parecia interessante. O ar salgado, a
roupa de cama úmida, as cobertas mofadas e às vezes escorregadias, tentar caminhar
sem tropeçar com nada ou acostumar ao movimento do navio eram novidades para ela,
e eram essas mesmas coisas as que mais queixas provocavam em Amanda.
Era surpreendente que o capitão não tivesse jogado Amanda pela amurada. Uma
vez, Marian lhe ouviu balbuciar para si mesmo a possibilidade de fazê-lo. E Amanda
viveu um momento angustiante nos quatro dias de viagem, quando acabou pendurada
do corrimão enquanto o mar dava açoitadas no flanco do navio. Jurara que alguém a
empurrou, o que era ridículo, embora, com probabilidade, quase todos a bordo
tivessem pensado mais de uma vez.
O comportamento de Amanda foi como Marian esperou. Quando sua irmã havia
dito que não suportava viajar, não exagerou. E quando Amanda se sentia abatida,
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queria que todos os outros também o estivessem. Marian conseguiu evitar esse estado
de ânimo, mas é que há muito aprendeu a «não escutar» sua irmã quando ficava
especialmente desagradável. Seus companheiros tinham adotado a mesma atitude, e
antes do final da viagem, assentiam e resmungavam frases adequadas, embora deixara
de «escutar» a Amanda.
Pode ser que essa fora a razão pela qual não tentaram impedir que as garotas
partissem sozinhas. Embora fosse mais provável que estivessem contentes de livrar-se
de Amanda. E as duas já eram bem grandinhas para viajar sozinhas. Além disso,
estava com elas sua criada, Ela Mae. Esta era uns anos mais velha que elas, e na maior
parte dos círculos, seria considerada uma acompanhante apropriada.
Marian procurou persuadir a sua irmã de que esperassem a chegada de sua tia.
Assinalou que poderiam cruzar com ela pelo caminho sem nem sequer sabê-lo. Mas
Amanda insistiu que o mais provável era que tia Kathleen não tivesse recebido ainda a
carta de Albert, de modo que esperar em Galveston só era uma perda de tempo.
Marian sabia, é obvio, que era inútil tentar convencer a sua irmã. A Amanda só
importava sua opinião, e jamais se equivocava. Que muitas vezes não tivesse razão
não vinha ao caso.
Uns dias depois se acharam paradas em um lugarejo bastante afastado de seu
destino. Vários contratempos e incidentes inesperados tinham contribuído a tão
lamentável situação, mas no fundo, a culpa seguia sendo totalmente de Amanda.
Aceitou-o ela? Claro que não. Do seu ponto de vista, a culpa era sempre de outros,
nunca dela.
Embora no Leste se dava por certo que o modo mais veloz de viajar era o trem,
esse cômodo meio de transporte não se estendeu ainda por Tejas, motivo que as levou
a viajar até ali em navio. Havia uma linha ferroviária no sul de Tejas que ia da costa
ocidental para o centro do estado, com uns poucos ramais de curto percurso, mas a
linha terminava muito longe de seu destino final. Embora tentaram chegar de trem até
o final da linha, um grupo de ladrões alterou esse plano.
Marian considerava o assalto ao trem como algo que poderia contar a seus
netos, se tivesse algum. Era algo para se lembrar, uma vez terminado, embora
aterrador enquanto estava ocorrendo. O trem tinha parado de supetão, e antes que
pudessem recuperar-se, quatro homens armado irromperam gritando no vagão de
passageiros. Pareciam nervosos, claro que talvez aquilo fosse normal, dadas as
circunstâncias.
Dois dos homens tinham percorrido o corredor exigindo que entregassem os
objetos de valor enquanto os outros dois vigiavam as saídas. Marian tinha guardado a
maior parte do dinheiro para a viagem nos baús, e só levava uma pequena quantidade
na bolsa, assim não duvidou em entregá-lo. Amanda, entretanto, levava tudo na bolsa,
assim quando o arrebataram, gritou zangada e tentou recuperá-lo.
Soou um disparo. Marian não podia afirmar com segurança se o homem tinha
atirado de propósito ou devido ao nervosismo, mas a bala passou por cima da cabeça
de Amanda, por muito pouco. É provável que sentisse o calor do disparo porque se
produziu tão perto dela que ficou a cara manchada de pólvora. De qualquer forma, isso
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deixou nervosa a Amanda, que se sentou e calou, enquanto que o homem não voltou a
disparar e seguiu corredor abaixo para terminar de roubar.
O resultado do ataque, dado a redução de seus recursos, foi que Amanda se
negou terminantemente a viajar de trem. O trem tampouco as teria levado muito mais
longe, de qualquer forma, ainda assim, desceram no seguinte povoado e seguiram
adiante em diligência. Esta não seguia a mesma rota do trem claro. Ia rumo ao oeste,
embora voltasse a dirigir-se para o noroeste depois da seguinte parada.
Mas nunca chegou a seguinte parada. Depois de Amanda receber e reclamar a
cada minuto os solavancos sobre os buracos do caminho, o condutor começou a beber
de uma garrafa que guardava sob o assento, embebedou-se e se perdeu por completo
junto com seus passageiros. Passaram dois dias tentando, sem sorte, encontrar o
caminho que os devolvesse à rota prevista.
Era incrível que a diligência não se avariasse sem uma pista decente por onde
circular. Também o era que o condutor não se foi sem elas, pois estava furioso consigo
mesmo e com Amanda, por lhe haver irritado a ponto de beber. Ao final, um aroma de
frango frito os conduzira até uma casa onde lhes tinham indicado o caminho até o
povoado mais próximo.
E era ali onde se achavam paradas então, porque o condutor sim as abandonou
naquele ponto, e também a diligência, porque imaginava que de todos os modos ia
ficar sem trabalho. Desenganchou um dos seis cavalos e partiu sem dizer uma só
palavra. Na realidade, disse duas, ou melhor, as murmurou enquanto Amanda lhe
gritava que queria explicações, quando se preparava para partir. Não lhe ouviu dizer
«até nunca», mas Marian sim.
Por desgraça, não as deixou em um povoado simplesmente pequeno, e sim em
um micro povoado. Dos quatorze edifícios principais, só três seguiam ocupados e em
funcionamento. Era um caso de má administração. O fundador do povoado acreditava
que a ferrovia passaria por ali e esperava ganhar uma pequena fortuna quando isso
acontecesse. Mas a ferrovia rodeou o lugar, e o fundador partiu a especular em outra
parte, e as pessoas que tinham montado negócios os foram vendendo ou abandonando.
Os três edifícios que ainda estavam abertos eram o restaurante, que também
servia às vezes de loja já que o proprietário tinha uma boa amizade com um
fornecedor e seguia recebendo remessas de produtos de vez em quando, uma padaria
que conseguia um pouco de cereais de um agricultor da zona, e uma casa de hóspedes
que se autodenominava hotel e que era dirigido pelo padeiro.
Não era estranho que, dos poucos ocupantes, nenhum soubesse como conduzir
uma diligência ou estivesse disposto a tentar averiguá-lo. A carruagem ficou
estacionada onde a tinham abandonado, diante do hotel. Alguém teve a amabilidade de
desenganchar o resto dos cavalos, mas, como não havia comida para eles na cocheira
abandonada, soltaram-nos para que se alimentassem em um campo de mato alto
situado atrás do povoado, e partissem se desejassem.
Isso foi depois de que Amanda insistisse em que podia conduzir a diligência e
tirá-los dali. Ao ver a habitação do hotel onde teriam que hospedar-se e descobrir que
era o pior alojamento com que se encontraram até o momento, Amanda estava
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decidida totalmente a partir do local imediatamente ou, pelo menos, antes de ter que
dormir em uma habitação tão horrorosa.
Marian tampouco queria ficar no alojamento. Os lençóis da cama individual
estavam puídos e pode ser que alguma vez tivessem sido brancos, mas agora eram de
um cinza mofado. Em uma parede havia um buraco redondo, como se alguém a
tivesse atravessado com o punho. O tapete era um ninho de pulgas desde que um cão
velho ocupava a habitação. Podia ver-se como as pulgas saltavam por ele à espera de
que chegasse uma hóspede para então lhe pularem imediatamente. E era uma incógnita
de onde procediam as manchas do chão.
Em qualquer caso, por muito que detestassem a idéia de ficar nesse hotel, o
plano alternativo de Amanda não merecia ser levado em conta, embora tivesse podido
mover a diligência. Não pôde. Mas se frustrou tentando.
Marian e Ela Mae ficaram no alpendre do hotel, observando. Não foram subir
no carro enquanto a senhorita sabichão o conduzia. Os poucos vizinhos do povoado se
divertiram muito vendo-a, antes de retornar a seus respectivos edifícios. E Marian e
Ela Mae passaram o resto da tarde limpando seus quartos para que dormir neles fosse,
pelo menos, um pouco passável.
Estavam largadas ali, e não tinham idéia de por quanto tempo. Não havia
telégrafo, nem linha de diligência, nem celas de montar disponíveis no caso de
arriscarem em utilizar os cavalos para a viagem, nem um coche de aluguel que
tivessem podido dirigir, nem tampouco um guia que as orientasse para voltar até a
ferrovia.
Amanda, é obvio, queixou-se de sua situação todo o dia. Mencionar que eram
precisamente suas queixas que a provocaram era inútil. E embora Amanda dava a
entender que não voltariam a ver a civilização, Marian era mais otimista, em especial
depois de que o padeiro comentasse que as diligências eram muito valiosas para as
deixar abandonadas e que alguém iria procurar o veículo a fim de pô-lo de novo em
serviço.
Marian não duvidava que sua tia também as estaria procurando, ou que teria
mandado a alguém para buscá-las. Era provável que se zangasse com elas por ter
seguido viagem por sua conta e causado problemas adicionais para as encontrar. Não
era uma boa forma de começar sua relação com aquela parente a quem nenhuma das
duas conhecia e que agora era sua tutora.
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CAPÍTULO 5
Haviam transcorrido quatro dias naquele lugar deprimente, virtualmente
fantasma. Como não havia nada a não ser uns quantos velhos ou, ao menos, nenhum
homem que pudesse despertar o ciúmes de Amanda no que se refere a Marian, esta
não estava tão inclinada a continuar usando o óculo dependurado à ponte do nariz. Era
um luxo poder ver bem todo o tempo, em lugar de só quando olhava por cima dos
cristais, ou quando tirasse os óculos.
Já fazia por volta de uns três anos que usava as lentes que não precisava. A idéia
lhe ocorreu quando encontrou um par e o provou por curiosidade. Viu-se em um
espelho, e a mudança de aspecto era tão espetacular, que foi para casa e se queixou de
problemas de visão e dores de cabeça, e seu pai lhe havia dito distraidamente que lhe
pusesse solução. Fê-lo, e um mês depois tinha um par de óculos, e umas quantas mais
de reserva.
Estava muito orgulhosa dessa idéia. Tentou já diferenciar seu aspecto do de sua
irmã para não parecer-se com ela nem sequer um pouco. Levava o cabelo penteado de
modo totalmente distinto. Amanda já tinha começado a usar um pouco de maquiagem.
Marian seguia sem empregá-lo. Amanda preferia roupas das mais elegantes, embora
bem chamativas. Marian também levava objetos com estilo, mas elegia os de tons
apagados, menos favorecedores.
Mas isso não tinha bastado para que «passasse despercebida», que era o
objetivo ao que aspirava. Até que teve essa idéia brilhante, materializada em um par
de óculos que, postas como era devido, ampliavam-lhe os olhos e lhe conferiam um
aspecto estranho, muito pouco favorecedor. Não via nada com eles, só forma
imprecisas, e isso fazia com que parecesse propensa aos acidentes. E as pessoas
tendiam por natureza a afastar-se dela para que não acontecesse de tropeçar nelas ou
nos objetos.
Naquele momento, os três cães do povoado avisavam de que alguém se
aproximava. Mas os latidos eram longínquos, e como aqueles cães pareciam ladrar à
mínima coisa e entre si com regularidade, Marian não prestou atenção. Lia um
periódico velho que encontrou no alpendre do hotel, só estava ali porque estava um
calor abrasador e chegava uma ligeira brisa da rua principal, ou melhor dizendo, da
única rua.
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Prestou atenção, entretanto, quando cada um dos vizinhos saiu de seus edifícios
respectivos e começou a olhar para a entrada do lugar. Ao que parece, conseguiam
distinguir a diferença dos latidos e dos ruídos dos animais, e nesse momento, parecia
que sim, viram algo realmente interessante.
Amanda tirava uma soneca na diligência, situada no meio da rua. Estava
esgotada de tanto queixar-se, embora o calor excepcional dos últimos dias também
tenha influenciado um pouco. E as pulgas do quarto a picaram tanto que começou a
dormir ali de noite e a dar cochiladas nele durante as horas mais calorosas do dia.
Os latidos não despertaram a Amanda, mas sim as primeiras palavras fortes ali
perto. O padeiro não trabalhava naquele dia e saiu ao alpendre do hotel para situar-se
junto a Marian. Ambos protegiam os olhos do sol para ver melhor ao desconhecido
que avançava pela rua.
Montava um animal magnífico, da classe que no Leste os homens ricos
venderiam até as roupas para colocá-los à participar de corridas. Era um animal de cor
dourada, com a crina e a cauda brancas, grande e esbelto, um animal de bom tamanho
para um homem alto. Quanto a ele em si, o chapéu de asa larga, típico do oeste,
sombreava-lhe tanto o rosto que ninguém conseguia ver de seu aspecto nada mais,
além de que tinha o tórax e os ombros largos, usava uma camisa azul desbotada, uma
calça e um colete negro, um lenço azul escuro amarrado ao pescoço, objeto que
parecia servir para todo tipo de coisas na pradaria.
- É um vaqueiro - comentou Ed Harding, o padeiro, junto a Marian. - Não tem
pinta de pistoleiro.
- Está armado - indicou Marian, que seguia olhando ao desconhecido.
- Aqui todo mundo anda armado, senhorita.
- Você não.
- Eu não sou todo mundo.
Marian tinha observado que aqueles velhos estavam acostumados a dizer muitas
coisas estranhas, assim como essa. - Mas eram um poço de informação sobre o Oeste e
desfrutava conversando com eles quando não estavam ocupados.
Os cães não tinham deixado de ladrar e tinham seguido ao desconhecido pela
rua. Não incomodavam ao cavalo absolutamente. O homem lhes dava uma olhada de
vez em quando, mas também parecia ignorá-los. Deteve-se ao chegar no carro da
diligência, que ainda seguia no meio da rua. Tocou-se a ponta do chapéu para saudar a
Marian, em um gesto de mera cortesia, antes de voltar e olhar a Ed Harding.
- Estou procurando as irmãs Laton. E esta parece ser a diligência em que as
viram viajar por última vez.
- Assim é - respondeu Ed. - Vem de parte da linha de diligências?
- Não, da parte de sua tia. Vim buscá-las.
- Pois já era hora - se ouviu dizer Amanda, e em um de seus tons mais
desagradáveis, enquanto abria a porta da diligência e descia dele.
O homem tocou o chapéu para saudar com ele a Amanda e, depois, com um
dedo, voltou a empurrá-lo para trás.
- Deram trabalho as meninas? - perguntou em referência ao comentário da
20
jovem.
Amanda ficou olhando-o como se fosse tolo. Marian estava também muito
ocupada observando-o boquiaberta, mas não pelo que havia dito. Isso ainda não o
tinha assimilado. Não, do momento em que afastou o chapéu da cara, seus atrativos
olhos a tinham cativado.
Umas faces bem barbeadas, um queixo quadrado, um nariz reto sobre um
bigode muito bem recortado. Tinha a pele com a mesma diferença de tons na frente
que parecia luzir na maioria dos homens no Oeste, devido a que trabalhavam sob o sol
com o chapéu posto. Entretanto, nele, essa linha do moreno apenas se distinguia,
embora estivesse bronzeado, o que sugeria que não usava sempre o chapéu, ou que o
levava com frequência jogado para trás como naquele momento.
Tinha os cabelos negro azeviche, embora agora estavam salpicados pelo pó do
caminho. Não muito compridos, só até uns dois ou três centímetros à baixo da nuca.
Marian supôs que no aspecto geral o teria penteado para trás, mas agora estava
repartido no meio e sobre cada têmpora lhe caía uma mecha ondulada. Umas espessas
sobrancelhas negras lhe emolduravam uns olhos cinzas, do tom de uma nuvem de
chuva no verão, sem o menor matiz azul.
Era uma sorte que o aspecto de Marian estivesse tão despercebido porque, por
uma vez, esqueceu-se por completo de subir os óculos ao alto do nariz. Claro que o
homem lhe dedicou só um olhar fugaz antes de falar com o senhor Harding, e agora,
como todos, tinha os olhos postos em Amanda.
Inclusive adoecida de calor, com o suor lhe escorregando pelas têmporas, lhe
empapando a roupa sob as axilas e lhe condensando parte da franja, Amanda seguia
exuberantemente formosa. Não era estranho que o homem continuasse olhando, apesar
de que ela ainda não tivesse respondido a sua pergunta, e não podia estar só esperando
essa resposta.
Quando Marian se deu conta de que não deixara de contemplá-lo, fez três coisas
com rapidez. Voltou a pôr os óculos em sua posição de camuflagem, assegurou-se de
levar o cabelo para trás, muito austero, e começou a abanar-se com o periódico que
tinha na mão.
Ia esperar que Amanda se recuperasse e falasse, outra coisa que estava
acostumada a fazer para desviar a atenção dela. Mas Amanda, que acabava de
despertar, seguia um pouco desorientada e não dava sinais de fazê-lo.
O silêncio prolongado, além do latido dos cães, estava começando a tomar uma
aparência ridícula, assim Marian disse por fim, embora vacilante:
- Talvez esperasse um par de meninas pequenas, equivoco-me?
- Caramba - exclamou com rapidez o homem, sem ter que perguntar a que se
referia. Olhou-a um momento e se voltou de novo para Amanda.
Pela primeira vez Marian se sentiu incomodada que a ignorassem de uma forma
tão terminante. O que era uma loucura, pois se esforçava muito por obter exatamente
isso. E não teria nada de bom se atraísse a atenção daquele homem. De fato, fazê-lo
séria prejudicial para a tranquilidade dele e a sua própria.
Assim foi um alívio, ao menos do ponto de vista de Marian, que Amanda se
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recompôs e perguntou:
- Quem é você?
- Chad Kinkaid. Trabalho para sua tia.
Não existia modo mais rápido de ficar descartado dos pensamentos de Amanda
como homem merecedor de sua atenção que mencionar que se era um mero
empregado, de qualquer tipo. Amanda não perdia tempo com ninguém que não fosse
mais rico que ela.
Sem olhá-lo, cruzou o reduzido trecho de rua que separava a diligência do hotel
e chegou à sombra do alpendre. Chad Kinkaid se dispunha a desmontar quando o tom
de chefia a empregado de Amanda o deteve.
- Terá que voltar a carregar na diligência os sete baús. Comece para que
possamos abandonar este desastre de lugar imediatamente.
- Espera viajar nisso? - perguntou Kinkaid, de novo na sela e com o olhar posto
na diligência.
- Sete baús grandes, repito, e não há nem um só veículo neste povoado que
possa transportá-los além deste carro, senhor Kinkaid.
- Pois os deixaremos aqui.
- Nem pensar! - exclamou com um grito sufocado.
O homem e Amanda se olharam, ou mas bem se fulminaram com o olhar
durante um momento em uma breve batalha de vontades. Kinkaid terminou
suspirando, pensando talvez que não valia a pena discutir por isso.
- Saberá conduzir a diligência, não é verdade? - perguntou Marian com
prudência.
- Não, mas suponho que posso averiguar como se faz. Onde estão os cavalos? A
cocheira parecia fechada e vazia quando passei por diante.
- Sim, como os muitos edifícios aqui, está abandonada faz tempo - lhe explicou
Marian. - Assim deixaram aos animais livres no campo situado atrás do povoado.
Um momento depois, um disparo os sobressaltou a todos, quer dizer, a todos
exceto a Chad Kinkaid, que era quem o tinha efetuado. Os cães que o haviam seguido
continuavam ladrando ao redor das patas do cavalo. O disparo deu no chão, perto
deles, e os afugentou a toda velocidade.
Amanda, surpreendida, gritou e se levou uma mão ao peito, onde continuava.
- Isso era realmente necessário? - perguntou a Kinkaid com ironia.
Este voltou a colocar o chapéu sobre a frente e recolheu as rédeas disposto a ir-
se.
- Não. Mas foi um prazer - respondeu com um sorriso preguiçoso.
22
CAPÍTULO 6
- Panaca insuportável - resmungou Amanda antes de entrar para começar a
guardar nos baús as poucas coisas que tinha tirado.
Chad Kinkaid partiu, mas, ao parecer, Amanda não acreditava que fosse
abandoná-las como fez o condutor. Isso jamais ocorreria a alguém tão egocêntrico
como Amanda.
Marian, que não estava tão segura, rodeou depressa o hotel até a parte posterior
para assegurar-se de que só foi recolher os cavalos da diligência. Pouco depois
suspirou de alivio ao ver que saía detrás de dois edifícios situados rua abaixo para
entrar no campo onde pastavam os cavalos. Ainda estavam ali os cinco, embora muito
dispersos.
Observou-o uns minutos enquanto começava a reuni-los. Um lhe deu
problemas; não queria voltar a trabalhar. Kinkaid tomou uma corda que levava presa
detrás da sela e começou a rodar um laço sobre sua cabeça para lançar depois ao
cavalo. O laço acertou na cabeça do animal e ficou ajustado antes que este pudesse
sacudir-lhe Marian ouviu falar da técnica de lançar o laço, mas não teve nunca a
oportunidade de vê-la. Ao que parece, o padeiro esteve certo. Chad Kinkaid era um
homem que sabia trabalhar com o gado e com os cavalos. Um vaqueiro, e o primeiro
que ela conhecia desde sua chegada a Tejas. Sem dúvida conhecia a zona e seria o
guia perfeito. Tomara não fosse ao menos tão bonito...
Como a maioria dos homens bonitos, tentaria cortejar a Amanda. Todos o
faziam. Se acreditavam ter a menor possibilidade com ela, tentavam-no. Amanda era
muito formosa para que não o provassem. Os poucos que ficaram tão dependentes dela
e aos muitos que a amaram nem sequer suspeitavam a harpia que era. Desejava-se que
voltassem, mostrava-lhes só sua melhor face. Era muito boa enganando aos homens.
Mas Chad Kinkaid não tinha nenhuma possibilidade. Não entrava nem na
categoria de bonito e rico que era obrigatória para Amanda. Marian esperava que
quando sua irmã se acalmasse um pouco, não decidisse que Chad seria um
entretenimento divertido. Desdobrar-se-ia em seus encantos, Chad se apaixonaria por
ela e isso seria terrível para ele.
Em qualquer caso não era provável que Amanda se acalmasse, pelo menos não
até estar a caminho de casa, em Haverhill. Até então mostraria quão desagradável era,
e todos os que a rodeavam iriam sofrer seu desagrado porque não suportava que
alguém não se sentisse abatido quando ela o estava.
Amanda detestava de verdade aquela viagem e o que o motivava. Ter que viver
com sua nova tutora e ter que obedecer seus ditados faziam com que já odiasse a sua
tia, apesar de não conhecê-la.
As duas tinham só uma vaga lembrança dela, já que Kathleen se foi de casa
quando eram muito pequenas. O que mais incomodava a Amanda era não poder casar-
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se com quem ela quisesse e ter que obter antes a permissão de sua tia. Seu pai deveria
lhe haver deixado escolher, sem importar a quem escolhesse, porque sempre lhe dera
tudo o que queria.
Era provável que sua tia não fosse tão generosa e que se tomasse seu dever a
sério porque era um dever novo e inesperado. Pelo menos, assim era como Marian
teria reagido, de modo que dava por certo que Kathleen também.
Era de esperar que Chad visse a Amanda tal como era e não tivesse curiosidade
pelo que poderiam lhe parecer só os arrebatamentos de uma menina mimada. Por sua
parte, Marian tomaria as precauções habituais e o desanimaria, já que podia ser
muitíssimo pior se, por alguma estranha razão, dedicava a ela sua atenção.
Voltou para hotel para terminar com a bagagem, antes de subir as escadas, se
encontrou com Ed Harding e lhe pediu que informasse ao senhor Kinkaid de que só
havia cinco cavalos, a fim de que ele não perdesse o tempo procurando o sexto. Por
um momento tinha pensado dizer-lhe ela mesma, mas decidiu que quanto menos
contato tivesse com ele, melhor.
Não tinha muito que empacotar. Nenhuma delas o tinha, pois, dado que
careciam de cômoda ou de armário, tinham seguido guardando as coisas nos baús.
Dois eram de Marian, um de Ela Mae e os quatro restantes de Amanda. Resistiu-se a
deixar tanto seus objetos de valor como suas tranqueiras, apesar de que não tinham
fechado a casa de Haverhill, mas sim tinha ficado aos cuidados de uma pessoa para
assim evitar os roubos.
Antes de que os cinco cavalos estivessem enganchados a diligência, tinham
acabado e estavam esperando no alpendre. Pelo menos ela e Ela Mae. Era uma boa
ocasião para que Chad Kinkaid se zangasse o bastante com Marian para eliminá-la por
completo de seus pensamentos.
Quando Chad estava brigando com os arreios do cavalo principal, Marian se
aproximou.
- Tem alguma prova de que nossa tia lhe enviou para nos buscar? - perguntou-
lhe.
Chad a olhou de esguelha e voltou a dirigir sua atenção ao cavalo.
- Eu mencionei a sua tia, não vocês - recordou em tom indiferente.
- Sim, é certo, mas todo mundo no povoado sabe que perdemos recentemente a
nosso pai e que vamos viver com nossa tia - insistiu Marian .
- Não tinha pisado nunca neste povoado - replicou enquanto a olhava com o
cenho franzido.
- Isso diz você, mas...
- Está-me acusando de ter entrado às escondidas no povoado ontem,
possivelmente, de ter ouvido essa história que «todo mundo» conhece e de ter tido um
plano para fugir com você e sua irmã? - exclamou Chad.
Dito assim, soava horrível. Teria que ser uma pessoa da pior índole para
elaborar um plano como aquele. Estremeceu-se por dentro. Deveria assentir com a
cabeça, mas não conseguiu fazê-lo e não foi necessário, porque ele já estava furioso
com ela.
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Chad então meteu a mão em um bolso do colete, tirou uma carta e a pôs diante
do nariz de Marian.
- Assim foi como soube onde as encontrar, senhorita Laton, e já que não as
encontrei onde deveriam estar, eu as estive procurando.
Sem dúvida, em suas palavras havia certa dose de censura, e ainda mais no tom.
Tinha-lhe incomodado, e muito, ter mais problemas do que o previsto para encontrá-
las. Marian se ruborizou, apesar de que nem sequer era culpa sua não estar em
Galveston como deveriam. Mas lhe incomodou muito mais ainda sua acusação. Bom,
era isso, não? Conseguir cair no conceito, e por conseguinte, ignorá-la a partir de
então.
A carta era a que Albert Bridges tinha mandado para sua tia. É obvio, Marian
não tinha duvidado que Chad fosse quem dizia ser. Não tinha necessitado de provas.
Entretanto, aparentou que a prova que lhe apresentava a tinha convencido.
- Muito bem - exclamou resmungando com um suspiro, depois de ajustar os
óculos sobre o nariz. - Me alegra estar em boas mãos. - E partiu.
Era provável que fosse o aborrecimento o que o levou a replicar: «Boas? Não,
só em minhas mãos.» Pelo menos, Marian esperava que só fosse o aborrecimento.
CAPÍTULO 7
Chad não tinha que percorrer o trajeto tão depressa. Restavam ainda seis horas
de luz do dia e podiam alcançar o seguinte povoado com estação para diligências antes
do anoitecer em um ritmo normal. Mas os cavalos estavam frescos, e ele seguia
zangado, de modo que chegaram uma hora antes do previsto. Descarregou o resto do
aborrecimento no empregado da estação, que tentou lhes negar uma diligência normal
sem custo adicional, e inclusive queria ficar com o carro que já tinham. Nem pensar.
Tal como Chad o via, as duas irmãs tinham direito a uma viagem grátis até Trenton
como compensação da experiência que lhes tinham feito passar.
Essa noite, as mulheres se alojaram em um hotel, decente. Ao menos não
mereceu as queixa delas. O que não podia dizer da maior parte do dia. A viagem tinha
provocado um montão de gritos, que Chad tinha ignorado, no interior da diligência.
Pode ser que todos proviessem daquela solteirona com uma imaginação hiper ativa.
Depois de três uísques no bar mais próximo, por fim deixou de apertar os
25
dentes. Seguia sem estar contente. Tinha que suportar a umas mulheres, não a umas
meninas, e eram três. Teria que ter pedido a Red que o esclarecesse antes de partir.
Não deveria ter suposto que as sobrinhas que o irmão dela deixara «a seu cargo»
fossem meninas pequenas. Deveria haver-se negado a lhe fazer esse favor, mas, por
desgraça, já era muito tarde para lamentar-se.
Já foi bastante terrível pensar que viajaria com um par de meninas até o rancho,
mas a maioria dos meninos que conhecia se comportava bem, e não esperou ter
problemas. As mulheres, em troca, só podiam criar dificuldades e, pelo que viu até
então dessas irmãs...
Em qualquer caso, deveria ter imaginado antes, que as irmãs Laton eram
mulheres, em especial depois de ter que tentar localizá-las. Mas estava convencido de
que eram muito pequenas para lhe causar moléstias, isso lhe impediu de considerar os
comentários que ouviu sobre elas no passar do caminho, em que nenhuma só vez as
qualificado de adultas, que ele recordasse. Frases como «essas jovens tinham uma
pressa terrível», «Essas garotas não atendiam a razões» ou «Essas damas deixaram o
trem mais depressa que uma prostituta sairia de uma igreja» não indicavam
exatamente que eram mulheres que podiam despertar seu interesse lascivo.
Podiam? Caramba, a tal Amanda era lindíssima! Uns cabelos loiros de tom
dourado e penteados para emoldurar seu rosto oval com cachos e fitas que ficavam
perfeitos. Um nariz arrebitado, as faces rosadas, um queixo suave e os lábios mais
sedutores que viu em muito tempo. E uns olhos azuis escuros que brilhavam como
gemas polidas, rodeados de umas grosas pestanas negras um pouco rabiscadas pelo
calor, o que indicava que certamente não era esse sua cor natural, mas ainda assim, a
classe de olhos nos que um homem podia se perder, caso fosse olhado.
Se por acaso isso não fosse suficiente, tinha, além disso, uma figura chamativa
que podia fazer baba a qualquer homem. Uns seios generosos, cintura de vespa e os
quadris arredondados, e não era muito alta, vinte e poucos centímetros mais baixa que
ele, o que era bastante ideal em sua opinião.
Sua irritabilidade ao conhecê-lo era compreensível. Tinham-na abandonado em
um povoado quase fantasma, antes disso sofreu o assalto a um trem e Deus sabia
quantas coisas mais. Para uma jovem educada com delicadeza, o Oeste podia ser um
lugar duro, e já sofreu muitos maus percalços. O menos que podia fazer era levá-la a
Twisting Barb sem mais incidentes.
Quanto a sua irmã, era uma solteirona; com esses óculos horrorosos que usava,
não podia defini-la de maneira distinta. E, embora não estivesse sendo nada benévolo,
depois de como o insultara, não podia pensar nela de outro modo.
Eram tão diferentes como o dia e a noite, tanto que, se não soubesse, jamais
suspeitaria que eram irmãs. As duas eram loiras, sim, as duas com os olhos azuis e
uma bela figura, mas o parecido terminava aí.
Era evidente que Marian era a mais velha, e possivelmente estava amargurada
por seu celibato. Certamente estava ciumenta de Amanda, porque tinha monopolizado
todo o lado atrativo da família. Levava o cabelo recolhido em um coque desgracioso e
penteado para trás, caminhava com passo firme, como um homem, e ia vestida em um
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tom cinza pardo.
Pode ser que conseguisse melhorar um pouco se o tentasse, mas com esses
óculos que davam a seus olhos um aspecto tão saltado, certamente pensava que não
valia a pena tentá-lo. Era o tipo de garota que levaria a um homem sair correndo
apavorado se si fixava nele. Quanto menos pensasse nela, melhor.
Na manhã seguinte, partiram logo depois do amanhecer. Às mulheres não
gostaram muito de sair tão cedo, mas era necessário para chegar à estação seguinte
antes do anoitecer. Ao menos, voltavam a estar na rota da diligência, de modo que
haveria mais paragens com o passar do caminho entre os lugarejos para trocar os
cavalos e alimentar aos passageiros e, se não, pelo menos haveria zonas designadas
para parar e descansar.
O condutor não parecia se preocupar, embora admitiu que jamais conduzira na
rota que levava a Trenton. Will Candles era um indivíduo mal-humorado de quase
cinquenta anos, com os cabelos já cinzas e um comprido bigode que se projetava para
cima em seus extremos, e do qual estava muito orgulhoso. Fazia por volta de uns dez
anos que conduzia diligências, e antes, trens de mulas, de modo que conhecia bem ao
seu trabalho.
Dois dias depois, Chad teve outro bate boca desagradável com a solteirona. Por
volta do meio-dia se detiveram em uma das melhores estações. Tinha quiosque,
restaurante, oferecia uma grande variedade de produtos e inclusive dispunha de
alojamento se por acaso o tempo estivesse inclemente.
Seguia fazendo bom tempo, e ia refrescando um pouco à medida que avançavam
para o noroeste. Trocaram os cavalos enquanto almoçavam. Entretanto, houve uma
ligeira demora ao sair porque um dos cavalos de novos perdeu uma ferradura e teria
que tirá-lo para solucionar o problema. Como a estação atendia uma única rota, só
tinha disponíveis seis cavalos, de modo que era necessário voltar a pôr a ferradura que
queriam no cavalo novo.
Chad tinha procurado guardar toda a distância possível com as mulheres,
embora fosse complicado porque lhe atraía Amanda Laton, mas, uma viagem, com os
desconfortos que suportava, não era um bom momento para ter idéias românticas.
Quando estivesse instalada em seu novo lar, decidiria se iria curtir ou não essa atração.
Assim, comia com Will, em lugar de com as mulheres, e viajava a metade do dia com
ele na boléia do condutor e a outra metade ia a cavalo, mas jamais dentro do carro.
Amanda e a criada, Ela Mae, já tinham subido no veículo quando o cavalo
perdeu a ferradura, e decidiram esperar ali dentro. Marian estava comprando algo na
loja e, sem saber nada sobre a demora, pensando possivelmente que atrasava a saída,
chegou correndo até a diligência e se chocou com as costas de Chad.
Este não lhe deu importância. Era uma mulher muito tonta, que sempre
tropeçava nas coisas, e nas pessoas. Limitou-se a afastar-se. Entretanto, ela pareceu
ficar muito nervosa pelo acidente e inclusive deu a impressão de ir desculpar-se, mas
deve ter mudado de idéia. Não da para imaginar como pôde culpá-lo pelo incidente,
mas...assim o fez.
- Queria me fazer cair, não é verdade? E não é a primeira vez. É algo que você
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vem tentando à algum tempo. Meter-se com os mais frágeis? Fazer isso é perverso
sabia? Deixe estar!
Chad não só se surpreendeu com a acusação, mas também, além disso, resultou-
lhe tão incrível que o culpasse de algo que sabia que era culpa dela que ficou sem fala.
E depois de havê-lo insultado pela segunda vez, Marian afastou a saia dele com um
puxão forte, como se corresse o risco de contaminar-se, e partiu indignada.
Ele quase a fez voltar-se. Inclusive começou a esticar a mão para puxá-la.
Talvez o que precisasse era que a sacudissem um pouco. Mas se deteve. Não valia a
pena perder o tempo nas tolices que ocorriam a essa mulher. O problema era que tinha
perdido o tempo igualmente meditando quão irritante esta era.
Os salteadores que detiveram a diligência um par de horas depois na estrada,
não podiam imaginar que não era um bom momento para atacá-la. Eram dois, e cada
um deles segurava um revólver em cada mão. O que se via, apesar de estarem
mascarados, era que um deles parecia ser uma garota, ou um moço muito jovem, baixo
e fraco. O outro, que era quem falava, era um homem enorme, que parecia mais um
animal.
Deu ordens de que deixassem as armas e lhes entregassem todos os objetos de
valor. Chad, que naquele momento ia na boléia com Will, não obedeceu. Will sim, e
depressa. Assistira a muitos ataques em seu trabalho e, em sua opinião, não lhe
pagavam o suficiente para arriscar a vida tentando proteger o que havia nos bolsos de
outras pessoas. Chad podia ter pensado o mesmo se a solteirona não houvesse tornado
a lhe tirar o bom humor naquele dia.
- Não estou de bom humor - assegurou, com o rifle já na mão, posto que o
levava no braço. - Se tiverem um pouco de noção comum, darão conta de que não
deveriam se meter comigo hoje. Se tiver que disparar, fá-lo-ei para matar. Assim será
melhor que lhes pensem isso um momento e se entreguem.
Nesse instante era bastante provável que começassem a voar as balas. Os
salteadores corriam esses tipos de riscos, e aqueles dois tinham já as armas preparadas,
enquanto que só Chad estava armado para enfrentar-se com eles. Mas com toda
certeza não saberiam que no carro não havia nada a não ser mulheres, de modo que
pensariam que podiam intervir mais armas na ação.
Entretanto, como Will deixara a sua logo que foi ordenado, só tinham que
encarregar-se de Chad. Claro que, com boa pontaria, bastava com apenas o rifle. A
questão era se acreditavam que eles eram melhores e mais rápidos. Unicamente eles
sabiam quão bons eram.
Produziu-se então um breve intercâmbio de sussurros entre ambos, e alguns
palavrões. Chad esperou com paciência. Quase rogava que não se submetessem. Mas,
embora não duvidasse que seria capaz de colocar uma bala no corpo do tipo
corpulento, era incapaz de disparar em adolescentes ou foragidas, ou o que quer que
fosse o outro assaltante. Sentiu-se um pouco aliviado quando o mais baixo deu um
chute no chão e se dirigiu para o arbusto onde estavam atados os cavalos. O homem
corpulento retrocedeu mais devagar, mas ao cabo de um momento, também
desaparecera. Chad seguiu esperando, alerta, e não relaxou até ouvir os seus cavalos se
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afastando rapidamente.
- Isso foi uma verdadeira estupidez - se queixou Will enquanto recuperava a
arma do chão do veículo e voltava a subir na boléia. - O normal é que haja uns quantos
mais, escondidos pelos lados, preparados para qualquer tipo de resistência.
- Mas aqui o normal não vale, não é verdade? - respondeu Chad com um
encolher de ombros.
- Não, claro que não. Foi pura sorte que só estivessem eles dois. Uma vez vi
como disparavam tantas balas em uma diligência que até se quebrou uma roda. E essa
vez também havia só dois salteadores à vista, mas resultou que no total eram seis.
- Possivelmente você deveria buscar outro trabalho.
- Possivelmente sim - concedeu Will com um resmungo. - Mas, enquanto isso,
por que não se põe de melhor humor para que não consiga que me matem?
Chad pensou que a tensão nervosa era o que o fazia falar assim, de modo que
não se ofendeu. Embora quando a mesma tensão nervosa lhe chegou procedente de
outra direção, foi bem diferente.
A moça desceu do carro com a cara vermelha de raiva e começou a gritar.
- Não volte a nos pôr nunca mais em perigo, assim, deste modo. Poderia...
poderíamos estar mortos! Alguns baús cheios de roupa e um pouco de dinheiro não
valem vidas humanas!
Ora, ele era um herói e ainda assim recebia uma bronca. Foi esta a gota que
encheu o copo. Desceu da boléia, agarrou à solteirona pelo braço e a arrastou vinte
metros antes de deter-se.
- Tenho vontade de sacudi-la até deixá-la tonta - grunhiu. - Diga uma palavra a
mais e talvez eu o faça. A situação estava controlada, senhorita. Se não tivesse o rifle
nas mãos, poderia ter sido diferente. E se não me tivesse irritado antes com suas
estúpidas acusações, também poderia ter sido diferente. Assim, talvez devesse
começar a fechar o bico a partir de agora, e pode ser que chegue a Twisting Barb sem
que eu lhe ensine bons modos.
Deixou-a e foi comprovar como estava Amanda. Certamente seguiria assustada,
pode ser que necessitasse consolo. Abriu a porta do carro e viu os olhos tranquilos de
Ela Mae postos nele (nada parecia perturbar à criada) e Amanda profundamente
adormecida. Essa preciosidade não se inteirou de nada.
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CAPÍTULO 8
Marian estava abatida. Não estava acostumada a fazer um papel tão ridículo, e
ainda, fazê-lo de propósito. Era certo que estava acostumado a começar causando má
impressão a qualquer um que tivesse possibilidades de converter-se em um amigo ou
um pretendente, o suficiente para que essa pessoa considerasse que não valia a pena
conhecê-la.
Era sua tática defensiva para assegurar-se desde o começo de que sua irmã não
ficasse ciumenta. E estava a tanto tempo pondo-a em prática que lhe saía de modo
automático.
Esforçou-se em fazê-lo com Chad Kinkaid desde o dia em que as encontrou.
Deveria ter bastado o fato de acusá-lo de ter intenções nefandas quando não duvidava
absolutamente de que foi resgatá-las. Era evidente que havia se sentido insultado e que
depois disso a evitou: não lhe dirigia a palavra e nem sequer olhava em sua direção. O
resultado perfeito. Mas não contara com o efeito que ele teria nela.
Tinha que admiti-lo: gostava, e muito. A atração inicial que sentiu por ele não
diminuía com esse distanciamento como deveria. Pensava nele sem cessar, esperava
ouvir o som de sua voz, alcançar a vê-lo quando cavalgava junto a diligência; tudo o
que não deveria fazer, mas não parecia poder evitá-lo.
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Amanda não se precaveu ainda de seu interesse por Chad porque a consumia
seu próprio mal-estar. Mas se pensasse, nem que fosse um segundo, que Marian
gostava de observar o vaqueiro, procuraria conquistá-lo, não para ficar com ele, claro,
mais apenas para chateá-la.
De modo que Marian não tinha por que aumentar a aversão de Chad para com
ela: este já lhe tinha o bastante. O que ela devia fazer era queimar todas suas
esperanças para assegurar-se de que nunca houvesse a mínima e remota possibilidade
de que ele pudesse ser dela. Porque embora pudesse perder a cabeça por completo e
lhe fazer saber que gostava dele, sabia que não poderia competir por ele com sua irmã.
Tudo o que Amanda queria, ela sempre havia conseguido. Se o que queria era
um homem, inclusive dormia com ele, embora só tivesse sido uma vez, para que
sentisse devoção por ela. Tinha-o feito antes, e tinha se assegurado de que Marian
soubesse, já que se tratava de um homem por quem Marian tinha mostrado um certo
interesse. Assim, até que Amanda estivesse casada e partisse para viver longe dela,
não poderia começar a pensar em casar-se ainda.
De modo que havia tornado a fazer ridículo, e agora se sentia triste e
envergonhada por isso. E dessa vez, nem sequer fez por querer. Chocar-se com Chad
naquela tarde, não foi nada a não ser um acidente. Mas estar a ponto de desculpar-se
por isso, disparou o alarme em seu interior. Não queria que pensasse somente que era
tonta. Isso não era um defeito bastante mau para provocar uma aversão extrema.
Embora sim, uma acusação injustificada fosse.
Ao menos, podia ter sido um pouco mais criativa. Acusar-lhe de ser perverso
com os fracos era mais que absurdo. Tinha ficado tão nervosa ao chocar-se com ele e
ficar tão próxima, que nem conseguiu pensar com claridade.
Pensara, então que não poderia estar se sentindo mais envergonhada. Mas,
quando ele enfrentou o perigo, durante aquele ataque feito à diligência, ela perdeu
todo seu sentido comum. Agora sim, estava segura de que isso foi muito pior, ter
medo por ele ou comportar-se como uma idiota, foi uma verdadeira calamidade.
Estava abatida por completo. E ainda por cima, tinha que jantar com ele justo
nessa noite, quando ficava rubra à cada minuto, porque não podia deixar de pensar em
seu ridículo comportamento. Em qualquer caso, era inevitável, pelo menos nessa noite.
O lugar em que tinham parado era pequeno e só havia um restaurante no único hotel, e
nele só restava uma mesa vazia; além disso o restaurante em si, já estava fechando (o
cozinheiro já se foi para casa), de modo que não podia pôr nenhuma desculpa para
voltar mais tarde para jantar, nem ele tampouco.
Pelo menos não tiveram que ouvir a habitual série de intermináveis queixas de
Amanda enquanto comiam. Esteve dormindo todo o momento que durou o ataque, de
modo que não sentia nenhuma inquietação, e só se inteirou do ocorrido depois, quando
estavam na metade do caminho para o próximo vilarejo e, de certo modo, achava-se de
bom humor. Isso então significava que Amanda paqueraria com todos os homens que
tivesse por perto.
Marian achou a comida insípida, então apenas pode engolir. Sentia-se com
todos os sentimentos despertos, de modo que começou a lhe doer a cabeça. Uma coisa
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era saber que poderia passar desapercebida, outra muito distinta era ficar aí, sentada,
vendo como Amanda captava a atenção de um encantado Chad. Até o pobre Will
Candles ficou mais nervoso com os sorrisos de Amanda. A Marian lhe revolvia o
estômago.
A dor de cabeça era uma boa desculpa para partir, e a utilizou. E já que iria
dormir faminta, teria sorte se conseguisse pregar o olho.
Na realidade, ninguém salvo Ela Mae a ouviu desculpar-se, nem percebeu sua
saída; como sempre, estava invisível. Conseguiu chegar ao quarto que compartilhava
com sua irmã e sua criada, apesar de que a luz do corredor se tenha apagado. E estava
muito triste para acender o abajur do quarto. Assim desfez o coque para soltar os
cabelos, colocou os óculos na mesa mais próxima, deixou cair o vestido ao chão e
meteu-se na cama para aliviar suas penas.
Tanta quantidade de sentimentos diversos tinha, de fato, uma vantagem:
esgotava-a mais do que pensava e, graças a Deus, dormiu em seguida. Não esperou
fazê-lo. E não tinha idéia de quanto tempo tinha passado, só sabia que estava
profundamente adormecida quando despertou de repente com uma voz surpresa que
gritou: «Mas o que...?»
Desde o início da viagem de Haverhill, acostumou-se a ser despertada por
Amanda, que não era nada quieta quando ia dormir. Mas não era Amanda quem estava
de pé junto à cama. Marian reconheceu aquela voz grave, e estava bastante
surpreendida para conseguir somente sussurrar:
- Saia do meu quarto!
Ele teve tempo de recuperar-se.
- Este é meu quarto - disse Chad com calma, inclusive com um pouco de ironia.
- Oh. - Voltava a estar envergonhada; era uma mania que estava adquirindo. -
Então devo me desculpar.
- Não se incomode - soltou Chad.
- Então... não o farei - replicou, e acrescentou com frieza: - Boa noite.
Durante essa breve conversação, Marian se dera conta de duas coisas: Chad
tinha puxado os lençóis ante de perceber que já havia alguém na cama, e a habitação
seguia às escuras. Como ela, não acendeu o abajur para meter-se na cama. Isso
significava que podia ir-se sem que pudesse vê-la bem e esperava não tropeçar ao sair.
Era um bom plano, que levou em prática imediatamente. Mas não contara com
que ele iluminasse com um dos fósforos que estavam junto ao abajur de azeite mais ou
menos ao mesmo tempo em que ela começou a mover-se. Esperava que tivesse o olhar
posto no abajur para acendê-lo e não nela. Não se deteve para averiguá-lo e saiu com
rapidez da cama para cruzar a porta e dar de frente com Will Candles, que ia entrar.
Chocou-se com ele, murmurou um rápido «Perdão, sinto muito», mas não se
deteve. Poderia estar mais acalorada? Certamente não. E não se acalmou nem uma
vez, até estar segura detrás da porta adequada, uns metros mais à frente do corredor.
Quão único podia agradecer nesse momento era que a habitação seguia vazia, de modo
que não tinha que explicar a sua irmã nem à criada o que estava fazendo no corredor
do hotel em roupa íntima.
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CAPÍTULO 9
Will entrou andando devagar no quarto um momento depois, com o chapéu de
aba larga torcida e sacudindo a roupa.
- Era quem acredito que era, malandro?
Chad, sentado na beira da cama que ia compartilhar com o condutor da
diligência, tinha o cenho franzido e um aspecto pensativo.
- E quem acha que era?
- Quem poderia ser? Um jovem atraente como você, não se incomodaria com a
discrição...
- Espera um momento, não é o que está pensando, confundiu-se de habitação.
Por isso saiu tão desesperada e com tanta pressa quando cheguei. Pôde vê-la bem? -
perguntou Chad.
- Sim. Bom, suponho que não. Mas a figura que tampava essa muito fina camisa
e essa anágua tinha formas esplêndidas - assegurou Will. - E só uma das duas tem as
formas bonitas.
Chad se levantou, recolheu os óculos da mesa e os pôs diante de Will.
- Veja o que deixou.
- Ah, bom. - Will se ruborizou um pouco. - Suponho que todas as mulheres se
parecem sob a roupa. Não poderia nunca ter imaginado que uns cabelos tão compridos
coubessem em um coque tão pequeno. Não imaginava, sabe? A mulher que cruzou
comigo tinha uma longuíssima cabeleira dourada.
Chad não sabia o que pensar, além do que seus olhos lhe tinham mostrado
rapidamente. Tinha-lhe visto o perfil quando tinha saltado da cama, pelo menos em
parte, já que os cabelos longos o tampavam bastante. E por um segundo, teria podido
jurar que lhe enganavam os ouvidos ao lhe fazer acreditar que ouvia a voz de Marian,
quando na realidade quem saía correndo do quarto era Amanda.
Também havia se virado para ver quem saía, e sua confusão tinha aumentado.
Por trás, com esses longos cachos loiros ondeando ao redor dos quadris ao correr, e
vestida tão somente com a anágua transparente que lhe ajustava à perfeição até os
joelhos e a fina camisa branca que lhe aderia como uma segunda pele dos seios até a
cintura, esse corpo de mulher tinha umas formas muito bonitas para pertencer a
solteirona. Tinha que pertencer a Amanda.
Quando desapareceu, acabou de acender o abajur e viu os óculos na mesa, além
de um vestido marrom no chão, o mesmo que Marian tinha posto nesse dia. A
confusão havia tornado a apoderar-se dele.
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Fora a solteirona, embora naquele momento não tivesse, absolutamente, o
aspecto da mesma. O perfil se parecia tanto ao de sua irmã que, por um momento,
esteve seguro de que era Amanda. Mesmo à luz do dia, não havia notado serem
parecidas. Bom, talvez o fossem. Possivelmente não o tenha notado antes porque
custava ver algo em Marian que não fossem esses óculos que lhe deformavam os
olhos.
Fitou os óculos frente a frente, os aproximou dos olhos, fez uma careta e voltou
a deixá-los na mesa. Através deles não viu nada, salvo uma mancha imprecisa. Por um
instante, sentiu lástima da garota. Tinha que ser quase cega para necessitar uns cristais
tão grossos. Mas a lástima foi incrivelmente breve. Seguia sendo uma mulher
insuportável, de mau gênio e insultante, a qual qualquer homem em seu bom estado de
julgamento se manteria afastado.
Ele o conseguira em boa medida, e seguiria guardando distância, depois de lhe
devolver os óculos pela manhã. Tinha vontade de fazê-lo para poder despojar as
ultimas dúvidas ao poder vê-la bem sem os óculos que desmereciam o rosto e seus
olhos.
Pela manhã seguinte, encontrou Marian saindo de seu quarto e, diabos! Usava já
outro par de óculos. Por mais que tentasse, não conseguiu ver nada mais que os olhos
aumentados e uns lábios muito apertados. O nariz era o mesmo, embora apontasse
para cima, as faces estavam igual, bem definidas, a frente poderia ser igual, as
sobrancelhas não coincidiam, e do queixo não estava certo.
E não teve mais ocasião de observá-la melhor. Desculpou-se pelo que tinha
ocorrido na noite anterior, arrebatou das suas mãos o vestido dobrado e os óculos,
murmurou um muito obrigado, e correra, então, para tomar um café da manhã rápido
antes de partirem.
Chad esteve tentado, e tentado de verdade, lhe arrancar os óculos do alto do
nariz. Mas lhe faltou coragem. Bom, não lhe faltou, mas não queria ter que suportar a
bronca que sem dúvida viria imediatamente, nem os desaforos e os insultos que por
certo não cessariam até que pudesse deixá-la no rancho de Red e livrar-se dela.
E, além disso, Amanda lhe prestou por fim um pouco de atenção durante o
jantar da noite anterior. Tinha começado a perguntar-se se realmente não lhe
interessava absolutamente. Não dava nenhuma das típicas pistas que indicassem que
sim, e a maior parte do tempo o ignorava. Era uma experiência única para ele. Mas
depois da noite anterior, valia a pena expor-se, tentar conhecê-la melhor, uma vez que
tivessem chegado em casa.
Dois dias mais e chegariam a Trenton, e então faltariam apenas outro longo dia
até o rancho. Podia esperar esse tempo para ver se finalmente Amanda lhe daria
atenção. E quanto a sua irmã, desejava que desaparecesse do mapa.
34
CAPÍTULO 10
Quando estavam a um dia de distância de Trenton, Chad começou a perguntar-
se se estava preparado para voltar a falar com seu pai. Se chegasse cavalgando em
Trenton, era certo que teria lugar um enfrentamento. Por isso, esteve pensando por
muito tempo se deveria enviar às mulheres a cidade apenas com Will ou acompanhá-
los.
Se não fosse com eles, teria que explicar por que, e foi isso o que ao final
acabou por fazê-lo resolver. Além disso, três meses fora de casa eram tempo
suficiente, mais que suficiente, para que Stuart se acalmasse. Agora poderiam discutir
a questão do matrimônio com tranquilidade, de modo racional, sem que nenhum dos
dois perdesse os estribos... Bom, isso esperava.
Um dia mais e Stuart saberia que tinha voltado para o condado. E ele
averiguaria se seu pai ia mostrar-se razoável a respeito de seus sonhos ambiciosos de
fundar o maior império boiadeiro do lugar, a costa de Chad.
As mulheres estavam instaladas em outro hotel e logo jantariam. Chad saiu para
ir até o saloon, já que ainda não tinha apetite. O sol se pôs, ou ao menos os últimos
raios vermelhos desapareceriam do ceu em questão de minutos. Aproximava-se uma
tormenta, mas com um pouco de sorte, já teria acalmado pela manhã. Não queria
nenhuma demora, agora que já tinham chegado até esse ponto.
Quase não viu Marian, que estava de pé entre as sombras do alpendre
35
observando como as nuvens de chuva se aproximavam do oeste. Voltou-se para ver
quem estava detrás dela e se voltou de novo sem lhe fazer caso. Irritou-lhe um
segundo que lhe ignorasse e, depois, soltou um suspiro mental de alívio já que na
realidade não gostava de falar com ela.
- É minha tia... boa pessoa? - perguntou Marian.
Chad se deteve no alto dos degraus do alpendre e inclinou o chapéu para trás.
Havia nervosismo nessa pergunta. Se tivesse sido tão brusca como em seus
comentários habituais, ele teria fingido não ouvi-la e teria ido embora. Além disso, o
que lhe perguntava lhe pareceu estranho, se si tivesse em conta que Red era parente
dela, não dele.
- Que tipo de pergunta é essa?
- Bom, meu pai tinha muitos defeitos e ela é sua irmã - respondeu Marian.
- Seu pai não era boa gente?
- É questão de opinião, e da quem pergunta. Amanda lhe diria que era a melhor
pessoa do mundo.
Voltou-se um pouco, mas não para olhá-lo, e sim para poder ver ao redor. Chad
teve a impressão de que estava disposta a ignorá-lo de novo.
- E você não?
- Não era mau, nem nada disso. Sim, suponho que era boa pessoa em um sentido
geral. Mas a pergunta era sobre minha tia – o recordou.
- Não se comunicaram com ela desde que ela mudou-se para oeste?
- Não, e tenho apenas a lembrança, antes que ela se fosse - respondeu Marian
enquanto sacudia a cabeça.
- Bom, pois é encantadora. Não me ocorre uma só pessoa que a conheça e não a
aprecie.
- Seriamente?
Parecia uma menina assustada pedindo que a tranquilizassem um pouco. Apesar
de toda a antipatia que lhe tinha, e era muita, não pôde evitar sorrir e lhe dizer o que
precisava ouvir.
- Sim, seriamente. É bondosa, generosa em extremo. Seria capaz de dar até o
que não tem se acreditasse que alguém o necessitava. E não me surpreenderia que
estivesse tão nervosa por conhecê-las como você, por conhecer a ela. Nunca teve
filhos. Embora já não pode dizer-se que você seja uma menina...
Veio-lhe à cabeça a imagem daquele sedutor corpo feminino saindo de seu
quarto na passada noite. Não, sem dúvida não era uma menina.
- E seu marido? - quis saber Marian. - A lembrança que tenho é meu pai
mencionando que se mudou para o oeste justo depois de casar-se.
Chad sentiu um momento de inquietação porque não gostava de dar más
notícias. E não podia evitar assombrar-se pela falta de comunicação da família Laton,
afinal, parece que a moça não se inteirou ainda disso.
Red e seu irmão deveriam ter mantido o mínimo contato ao longo dos anos.
Certamente, desde que conhecia Red, esta jamais mencionou ter família em nenhuma
parte. Bom, mais isso não é tão estranho, já que muita gente vinha para o Oeste
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exatamente para esquecer seus familiares.
Para saber o fato real, possivelmente foi um pouco mais direto do que
necessário.
- Seu tio morreu o ano passado. Sua tia lida com o rancho sozinha.
- Meu Deus, não tinha nem idéia.
- Não o conhecia? - aventurou-se Chad, ao ver que a jovem não se entristecia.
- Não, não me recordo de tê-lo visto nunca. Uma vez o mencionaram. -
interrompeu-se, com o cenho franzido enquanto tratava de recordar. - Acredito que foi
minha mãe quem disse, que Kathleen se casou com Frank Dunn para poder ir-se de
Haverhill. Lembro de ter pensado, então, que ela devia ter desejos de ver do mundo.
«Ou muito desejo de afastar-se de seu pequeno lugar no mundo», pensou Chad.
Poderia muito bem ter havido um distanciamento entre os dois irmãos. Isso
explicaria por que nenhum deles se manteve em contato com o outro. Mas seguiam
sendo família, e a única que restava, posto que Red se converteu agora em tutora de
suas sobrinhas.
- Bom, terá muito tempo para lhe perguntar a respeito - indicou Chad. - Amanhã
de noite estaremos em Trenton, e a última hora do dia seguinte, no rancho.
Quando lhe ocorreu que estava tendo uma conversação normal com a solteirona,
ruborizou-se um pouco. Mas como já tinha escurecido por completo, e embora ainda
pudesse vê-la porque seus olhos se adaptaram à escuridão, não a distinguia com
claridade, de modo que era fácil esquecer que era a irmã cascavel e com uma
imaginação muito ativa.
A chuva chegou pouco depois, com um toró que encheu o alpendre de uma
neblina que apressou os dois ocupantes a entrar.
«Enfim, te despeça de encontrar um saloon agradável esta noite», pensou Chad.
Na reduzida e bem iluminada recepção, teve tempo suficiente para ver como
Marian ajustava os óculos sobre o nariz e partia fazendo barulho e sem dizer nenhuma
palavra. Acabou-se a normalidade. Impôs a grosseria. Nem sequer lhe deu Boa Noite.
CAPÍTULO 11
37
Ao entrar em Trenton na última hora da tarde seguinte, Chad tratou de ver o
povoado através dos olhos de um desconhecido, como Amanda o veria. Era uma
cidade com um bom número de pessoas, maior que a maioria dos povoados que
tinham visitado as mulheres, em sua viagem até ali. Crescera muito desde que seu pai
se instalou no lugar.
A rua principal era agora muito mais larga. Acrescentaram-se duas ruas à
direita, e mais três à esquerda, e também duas mais adiante. E o povoado continuava
crescendo, apesar de não haver indícios de que a ferrovia iria chegar até ali. Mas tinha
uma linha de diligências, com rotas que o conectavam com Waco no norte e Houston
no sul, e havia passageiros que gostavam do que viam em Trenton e decidiam ficar,
em lugar de seguir viagem.
O rancho dos Kinkaid era em parte responsável por esse crescimento, apesar de
estar situado a uns quinze quilômetros ao oeste da cidade. Stuart poderia ter montado
sua própria loja no rancho para satisfazer as necessidades de seu grande número de
trabalhadores, mas preferiu apoiar ao povoado. Também havia uma ampla seleção de
agricultores estabelecidos ao leste do lugar, e uma serraria a um só dia de distância.
Linhas retas, campos amplos, árvores plantadas tempos atrás e de um tamanho
decente agora, não havia muito que o lugar não oferecesse. Três hotéis, quatro casas
de hóspedes, dois restaurantes - além dos três saloons que ficavam nos hotéis e eram
abertos ao público-, uma loja geral e muitas outras especializadas em produtos
concretos como sapatos, armas, sela de montar, móveis, jóias e inclusive umas quantas
de modas. Três médicos tinham aberto consultório, e também havia dois advogados,
um dentista, dois carpinteiros e outras pessoas com ocupações diversas. Para divertir-
se havia ainda quatro saloons, duas delas consideradas salões de baile, um teatro e
vários bordéis nos subúrbios do povoado.
Era, em essência, um povoado tranquilo. Stuart não aprovava que seus homens
fossem muito escandalosos, nem tampouco os proprietários dos bordéis e saloons, e
embora os jovens armavam farra nos fins de semana, esta era mais sã que destrutiva, e
muitos deles iam a uma das duas Igrejas do lugar aos domingos pela manhã.
De vez em quando havia algum tiroteio nas ruas, mas na maioria das vezes, o
xerife intervinha e tentava dissuadir aos competidores, quase sempre com êxito. Era
uma lástima que se aposentasse no mês seguinte. Tinha mantido a paz em Trenton por
muitos anos e tinha resultado reeleito quatro vezes.
Chad esperou causar certa comoção ao entrar na cidade. O distanciamento de
seu pai e sua sumida teriam desatado a fofoca entre os vizinhos. Os vaqueiros de Red
haviam retornado com a notícia de que Stuart tinha contratado não a um, e sim a três
rastreadores para encontrá-lo e, é obvio, nenhum deles tinha descoberto onde se
escondeu.
Assim, se surpreendeu, e inclusive lhe perturbou, quando a diligência Concorde,
muito maior que a que estava acostumado a cruzar a cidade, atraiu mais a atenção que
ele próprio. De fato, essa diligência tinha causado tal reboliço que quando se
detiveram em frente ao hotel Albany, ninguém lhe tinha reconhecido, nem mesmo os
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que cavalgavam ao seu lado.
Mas então, lhe chegaram de todas as partes saudações e os comentários
esperados, enquanto as pessoas começavam a agrupar-se frente à entrada do hotel.
- É você, Chad?
- Onde estava?
- Seu pai já sabe que retornou, menino?
- Onde se meteu?
- Disseram-me que aquela potranca chorou por toda uma semana quando a
deixou sozinha.
- Isso significa que vai se casar com ela?
- Convidar-nos-á à festa?
- Onde esteve?
Chad não respondeu a nenhuma das perguntas, atou o cavalo ao corrimão que
havia diante do hotel e abriu a porta da diligência. Amanda desceu primeiro, e isso
sossegou bastante às pessoas. Bem como tinha imaginado. Trenton não via muitas
mulheres assim tão bonitas como Amanda Laton. Quase se ouviu um grito sufocado,
antes do silêncio.
Amanda estava acostumada a queixar-se uma ou duas vezes todos os dias ao
acabarem a viagem. Não podia culpá-la. Uma mulher delicada como ela devia esgotar-
se com facilidade de tanto viajar. Mas se conteve ante a presença de um público tão
numeroso e inclusive sorriu ao ver aquela acolhida. Muitos dos homens ficaram
olhando e certamente se apaixonaram por ela nos breves instantes que demorou para
entrar com graça ao hotel.
Chad não se separou dela, mas só para evitar a nova ronda de perguntas que ia
iniciar se sem dúvida assim que Amanda desaparecesse. Ao menos, disse a si mesmo
que foi por isso que a segurou pelo braço e a conduziu para dentro, e não porque
queria reivindicá-la com sutileza para ele. Entretanto, precaveu-se de que até Spencer
Evans tinha saído ao alpendre de seu saloon para observar a comoção. Chad esperava
que seguisse ali. Já tinha muitas coisas na cabeça para ter um enfrentamento com seu
velho inimigo.
Spencer e ele se conheciam desde muito tempo. Toda a vida, na realidade, já
que tinham nascido no mesmo ano. Por um breve período de tempo, meio verão pelo
menos, levaram-se bem, claro que, então eram muito jovens para ter descoberto como
não se dariam bem no futuro.
A competição se interpôs no que podia haver-se convertido em amizade. Chad
supunha que era bastante natural, já que tinham a mesma idade e mais ou menos o
mesmo peso e estatura. Logo começaram a competir por tudo. Nas tarefas da escola,
na pesca, na caça, no tiro, nas corridas, fosse o que fosse, cada um dos dois queria ser
o melhor. Mas Spencer resultou ser um mau perdedor, e tinha começado então com as
primeiras brigas.
Pouco tempo depois, já não necessitavam de desculpa nenhuma para brigar, já
que as lutas se converteram em outra forma mais de competição entre eles. Naquela
época, destroçavam a sala de aula com tanta frequência que as autoridades do lugar,
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decidiram abandonar a pequena escola em favor da igreja, com a esperança de que
teria uma influência mais tranquilizadora nos meninos. Não foi assim, embora, ao
menos, aguardavam para brigar no cemitério, na saída.
Poderiam ter superado essas tendências, ter chegado a ser amigos algum dia e
haver rido de suas travessuras infantis. Tudo era possível. Mas quando cresceram o
bastante para começar a fixar-se nas garotas... ah!
Wilma Jones foi a primeira de quem os dois gostaram. Seis brigas mais tarde e
depois de que Spencer gravasse uma noite “Te amo, Wilma” em todas as pranchas da
casa dela, os Jones voltaram para o Leste e levaram a sua filha com eles.
Agatha Winston foi a segunda moça em que ambos se fixaram de novo. Tinham
então dezesseis anos, e suas brigas se estavam voltando um pouco mais sangrentas.
Age se interpôs entre ambos em uma delas e acabou com o nariz torto. Chad
suspeitava, com um grande sentimento de culpa, que o murro foi dele, mas jamais
esteve do todo seguro. Depois disso, Age se negou a falar com os dois, e seguia sem
fazê-lo, apesar de que agora estava casada e tinha seus filhos.
O problema, entretanto, foi Clair Johnson. Desenvolveu-se mais tarde que as
outras moças, ou talvez não lhe prestaram atenção porque era um par de anos menor
que eles. Mas era uma garota muito agradável, que ajudava sempre aos meninos
menores na escola. Aspirava ser professora algum dia.
Chad se enrabichou dela pouco depois de fazer dezessete anos; a primeira - e a
última vez- que se interessou a sério por uma garota. Levou-a para um piquenique,
convidou-a para lhe acompanhar enquanto pescava, dançou com ela todas as músicas
na festa atrás do celeiro dos Wilk, e estava seguro de que foi o primeiro em lhe roubar
um beijo, pelo tom colorido de suas faces. Nunca lhe teria ocorrido chegar, além disso.
Era uma boa garota, dessas que alguém cortejava devagar e depois se casava com ela.
Naquela ocasião tentou manter seu interesse em segredo. Não a levava a lugares
onde Spencer pudesse estar; Spencer era muito presunçoso para ir em festas nos
celeiros, assim Chad estava seguro de que não sabia nada dos bailes. Mas Spencer
também cortejava em segredo a Clair sem que Chad soubesse, até que foi muito tarde.
E Spencer não respeitava as normas: não se deteve em um beijo.
Seduziu a Clair e, depois, o canalha se gabou disso para que Chad soubesse que
tinha perdido. Não levou em conta que arruinaria a reputação de Clair com sua
fanfarronice, ou não se importou. Para ele era mais importante ganhar.
Depois disso, as brigas se intensificaram. Chad e Spencer não podiam estar na
mesma habitação sem tentar matar-se mutuamente. E essa lamentável situação se
manteve até que o pai de Spencer, Tom Evans, fartou-se de pagar a parte que lhe
correspondia dos quebra-quebra que seu filho provocava e o enviou com uns
familiares ao Leste para que terminasse seus estudos. O povoado soltou um suspiro
coletivo de alívio, até que meses depois a paz e a tranquilidade se tornaram
aborrecidas e havia quem se lamentava da perda da diversão semanal de ver como
Chad e Spencer se enfrentavam em qualquer lugar que coincidissem.
Quando Spencer Evans voltou por fim ao povoado depois da morte de seu pai
para fazer-se carrego do Saloon Not Fere (Aqui não), os vizinhos estavam entre
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temerosos e espectadores. Mas tinha transcorrido suficiente tempo, os meninos se
converteram em homem e, por sorte a cidade tinha agora outros restaurantes e saloons,
de modo que Chad procurava evitar Spencer. Não sempre o conseguia, e ainda se
produzia alguma ou outra briga entre eles, de vez em quando, mas nada parecido ao
que tinha ocorrido em sua juventude.
Clair seguia em Trenton. Tinha ajudado na loja de seu pai até que este morreu e,
depois, vendeu o negócio. Agora trabalhava na cantina de Spencer, onde se
encarregava da diversão, tanto no atendimento como de outro tipo. E cada vez que
Chad pensava nela, desprezava mais a Spencer.
De todos os modos, Amanda não passaria mais que uma noite no lugar, e o
rancho de Red estava a um longo dia de distância, assim não esperava que Spencer
fosse até ali farejar. Além disso, Red não permitiria que um sedutor de inocentes
cortejasse a essa sobrinha tão cândida.
CAPÍTULO 12
- Despediu a diligência? Era nossa, era particular!
Chad inclinou o chapéu para trás, elevou os olhos para o ceu matinal e contou
até dez. Parecia que hoje ia necessitar de toda a paciência para tratar com Amanda.
Dirigiu um olhar às mulheres, que estavam no alto dos degraus de entrada do
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hotel. Só Amanda o observava incrédula. Marian examinava as unhas em uma amostra
suspeita de indiferença. A criada, como de costume, parecia aborrecida.
Tinha-lhes levado três cavalos para cavalgar. Tinha passado mais de trinta
minutos discutindo na cocheira sobre aqueles cavalos para assegurar-se de que fossem
adequados para as damas. Supunha que deveria lhes ter advertido que viajariam o
restante do trajeto a cavalo. Mas não o acreditou necessário. Nesta parte do país, todo
mundo se deslocava a cavalo.
- Não sua e nem particular - indicou a Amanda, com a paciência de novo sob
controle. - Se puderam usá-lo por tanto tempo, foi só porque intimidei ao empregado
da estação para que lhes permitisse fazê-lo, já que um de seus condutores as
abandonou junto ao veículo. Tive que lhe ameaçar partir sua cara se não aceitasse.
Mas esse carro é muito grande para o caminho que conduz ao rancho. Além disso,
Will o levou ao amanhecer, assim já não está aqui.
- Não penso montar a cavalo - replicou Amanda, com um olhar obstinado. -
Terá que nos alugar uma carruagem.
Caramba, quando mostrava o mau gênio, tirava-o do sério. Era uma sorte que
fosse tão formosa que um homem pudesse desculpar alguns detalhes desagradáveis
nela.
- É possível alugar cavalos - suspirou Chad. - Também, alugar carretas para
transportar fornecimentos. Mas me surpreenderia muito que houvesse uma carruagem
em toda a cidade. Trenton não é o bastante grande para necessitá-lo. Aqui as pessoas
vão andando as fazendas e ranchos. E, por último, o estreito caminho que conduz ao
rancho se afasta serpenteando da rota para evitar desníveis, e se demora meio dia mais
em chegar, o que significa ter que dormir ao ar livre. Se for a cavalo, pode ir em linha
reta e chegar antes de que anoiteça.
- Então terá que nos alugar uma carreta, não acha? - respondeu Amanda.
Sua explicação foi razoável. Seria verdade? Queria dormir à intempérie junto à
estrada? Ou era só teimosia? Algumas mulheres, quando adotavam uma certa atitude,
negavam-se a voltar atrás por qualquer motivo, inclusive, mesmo quando se
demonstrava, que elas estavam equivocadas.
- Já o fiz para os baús. De um momento para o outro, o condutor virá a recolhê-
los e os entregará amanhã.
- Qual é o problema então? Irei na carreta - insistiu Amanda.
- Não entende - respondeu Chad. - Significa um dia a mais...
- Não, é você quem não entende - lhe interrompeu. - Não vou na sela de um
cavalo, nem hoje, nem amanhã, nem nunca. Assim se não puder dispor de outro meio
de transporte, ficarei onde estou.
- Não ganhará esta batalha, senhor Kinkaid - interveio Marian. Seu tom continha
uma evidente nota de humor, mas só ela sabia se era por causa dele ou de sua irmã. -
Lhe dão medo os cavalos.
- Não é verdade! - Amanda se voltou para sua irmã. - Me nego a ter o corpo
todo dolorido, por ter ido montada a cavalo por muito tempo.
- Viajar de carreta também não será agradável - indicou Chad. - Tampouco é
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nada cômodo. Nem dormir no chão, na realidade.
- No chão? Não diga tolices. Dormirei na carreta, é obvio.
- A carreta iria carregada de...
- Terá que descarregá-la - voltou a interrompê-lo Amanda, e em um tom que
não aceitava discussão.
- Não caberão as três - supôs Chad
- Como é?
Olhou-a incrédulo. Não lhe escapava a implicação. Ela se referia a uma carreta
para seu uso individual, mas de onde ele vinha, o que era bom para um irmão, era-o
para o resto. Ia ter que repetir toda a discussão com a solteirona se aceitasse
semelhante disparate? Ou teria que conseguir, possivelmente, outra carreta para que
todas pudessem dormir nela?
Naquele momento, Marian riu dele. Era provável que sua expressão ao ouvir o
comentário de Amanda tivesse provocado gargalhadas em um morto. Com menos
paciência, poderia ter explorado aquele momento. Mas por algum motivo estranho,
não lhe importou sua hilaridade. Era a primeira vez que a ouvia rir, e o som era de fato
agradável, inclusive contagioso. Não riu por sua vez, mas teve vontade de fazê-lo, ela
conseguiu acalmar um pouco sua irritação.
Devia lhe ter lido o pensamento, porque Marian disse:
- Suponho que tem sorte, não me importo por dormir no chão, ou montar a
cavalo.
- Você tampouco subiu em um cavalo em toda a sua vida - exclamou Amanda,
irritada.
- Sim, mas diferente de ti, estou disposta a provar coisas novas. E não será
muito difícil ir devagar junto à carreta.
Marian jogava na cara de Amanda, que iriam se atrasar para agradar sua
obstinação. Mas não funcionou. A preciosa loira nem sequer ruborizou.
E então, a carreta em questão de segundos, apareceu pela esquina da rua
seguinte. Marian se pôs a rir de novo.
- OH, Meu Deus... mulas - soltou entre risadas. - Certamente chegaria na casa
de tia Kathleen mais rápido se fosse caminhando.
Desta vez, Amanda sim, ruborizou-se. Também estava furiosa ao ver o meio de
transporte que insistiu em utilizar. E descarregou sua fúria em Chad.
- É uma brincadeira? Espera que viaje detrás de umas mulas?
- Viajar assim foi idéia sua, não minha. Eu lhe trouxe um cavalo muito bom...
- Que pode trocar por essas mulas. E não me importa se já está tarde. Se não
puder ir em uma carruagem, pelo menos, irei em uma carreta puxada por cavalos.
Chad começou a contar até dez outra vez. Enquanto estava nisso, apareceu
Spencer. Estava muito arrumado, com seu traje de domingo embora não ia nunca à
igreja, o que significava que esperava querendo impressionar as mulheres, antes que
partissem da cidade, com maneiras corteses que adquiriu durante os anos que tinha
vivido no Leste até terminar seus estudos.
- Bom dia, senhoritas - Saudou com o chapéu. - Não pude evitar escutar que
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podiam necessitar de minha ajuda, se o que precisa for uma carruagem.
Pode ser que houvesse dito senhoritas, mas não tirava os olhos de Amanda. E a
tinha impressionado, a julgar pelo sorriso que lhe dedicou. As mulheres pareciam
voltar-se parvas, quando estavam perto de Spencer Evans, e encontravam seu aspecto
juvenil excepcionalmente atrativo, com seus cabelos castanho escuro, os olhos verde
esmeralda e a segurança em si mesmo, que conferia ser um próspero homem de
negócios.
- Sim. E você é...? - perguntou Amanda.
- Spencer Evans, a sua inteira disposição.
- Disseram-nos que não havia nenhuma carruagem disponível no lugar.
- Há pessoas que não sabem de nada - assegurou Spencer.
- Então pode nos alugar uma carruagem? - confirmou Amanda.
- E totalmente nova. Entregaram-me no mês passado. - sentiu prazer em dizer. -
Mas não penso alugar-lhe, estou te oferecendo de bom grado.
Chad se voltou e começou a contar até cem nesta ocasião. Não lhe tinham
escapado as indiretas de ambos. Quão último queria era brigar diante de Amanda, mas
se dirigisse somente duas palavras a Spencer, isso seria seguramente o que ocorreria.
Podia ignorar os sarcasmos de Amanda, mas não as de Spencer.
Certamente não esperavam sua reação. Seguiam ultimando os detalhes. E era
fácil ver onde conduzia o assunto, não se tratava só de uma oferta generosa de Spencer
para congraçar-se com Amanda, e sim, uma oportunidade para continuar vendo-a.
- Irei buscá-la amanhã à tarde... - dizia Spencer.
- Não te incomode - lhe interrompeu Chad, incapaz de seguir calado. - Alguém a
trará de volta.
- Não é nenhuma moléstia. Eu adoraria voltar a desfrutar de um dos jantares
caseiros de Red.
Spencer se tinha informado bem. Sabia quem eram as irmãs Laton e onde iriam.
Era provável que na noite anterior, tivesse se encontrado com Will Candles e obtido
todas as informações. Chad esperou, de fato, que se apresentasse no restaurante do
hotel para conhecer as moças. Possivelmente tivesse chegado muito tarde. As
mulheres não se entretiveram no jantar e se retiraram logo a seu quarto, de modo que
se Spencer tivesse perdido tempo emperiquitando-se antes de ir, não as tenha
encontrado.
Demoraram outra hora em partir por fim. Chad teve que comprar umas mantas
para passar a noite e comida para o jantar. E tinha-se produzido um momento tenso
quando Spencer apareceu com sua carruagem nova e Amanda admitiu que não sabia
conduzi-la. Depois de tanto alvoroço, nem sequer sabia conduzi-la?
Isso surpreendeu inclusive a Spencer, o suficiente para impedir que se
oferecesse também a emprestar aquele serviço. A criada interveio e afirmou que ela
sim, sabia. Spencer deve ter lamentado muito, por ter ficado momentaneamente sem
fala. E parecia provável que Chad lhe tivesse quebrado o nariz, se não fosse esse
momento. Tinha-lhe acabado a paciência. Mas estava acostumado a ter sempre uma
boa briga com Spencer Evans.
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CAPÍTULO 13
Acamparam junto a um riacho. Não era a melhor água dos arredores, mas Chad
levava um pouco no cantil, assim não tiveram que bebê-la. Cozinhou ele mesmo.
Marian se ofereceu, mas se cozinhava como Red, e ambas procediam da mesma
família, preferia comer raízes, assim recusou sua ajuda. Além disso, Marian era tão
estabanada, que temia poder incendiar o acampamento. Quanto mais longe se
mantivesse da fogueira, tanto melhor.
Conseguiu acalmar-se à medida que o dia se voltava mais caloroso. Cavalgar
junto a uma carruagem era uma perda de tempo total, mas que diabos, só faltava um
dia a mais. Amanda inclusive, com grande magnanimidade, tinha resolvido dormir na
carruagem, posto que era um veículo de dois lugares e ela era bastante miúda para
caber no assento acolchoado, se encolhesse um pouco as pernas. O acolchoado era o
que a tinha convencido, ótimo, pelo menos, não teria que descarregar a carreta quando
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por fim, esta os alcançasse.
Chad meio que esperava que Spencer aparecesse essa noite com a pobre
desculpa de que queria assegurar-se de que as mulheres estavam bem. Era algo que ele
mesmo teria feito se quisesse voltar a ver uma moça pela qual tivesse interesse.
Entretanto, esqueceu-se que Spencer se educou na cidade grande. E pode ser, que
agora vivesse no meio de Tejas, mas seguia havendo uma grande diferencia entre
crescer com as comodidades da cidade, e dormir à intempérie nas planícies, algo ao
qual já não estava mais acostumado.
E Spencer já tinha esgotado a cota de desculpas pobres. “eu adorarei voltar a
desfrutar de uma das comidas de Red ”. Chad soltou um bufo para si. O desgraçado
nem sequer sabia que Red nunca tinha entrado alguma vez na cozinha, era provável
que tivesse queimado a comida e que por essa razão tinha cozinheiros para ela e para o
batalhão de vaqueiros, sem que lhe envergonhasse admiti-lo.
Ela Mae, a criada, ofereceu-se com amabilidade para lavar os pratos depois do
jantar. Era uma mulher calada. Tinha os cabelos castanhos recolhidos em um coque,
não tão sério como os de Marian, os olhos verdes, era uns anos mais velha que as duas
irmãs, e levava a cabo suas tarefas sem chamar muito a atenção. Era uma mulher
pouco agraciada, salvo pela nota de humor que usava sempre nos olhos. Marian lhe
falava como a uma amiga. Amanda, com mais respeito do que lhe ouviu usar com
alguém. Nenhuma das duas a tratava como a uma criada. Não lhe ordenavam que
fizesse as coisas, e sim, o pediam. Imagina-se que estava à tempo suficiente com elas
para que a considerassem mas como da família.
É obvio que, no que se referia a famílias, as duas irmãs não se comportavam
exatamente como se fossem parentes. Não se falavam muito e, quando o faziam,
apenas diziam uma palavra agradável. Chad imaginava que teriam discutido em algum
momento da viagem, e ainda não tinham feito as pazes. Isso explicaria também em
parte, a irritação de Amanda e a grosseria da solteirona.
Amanda deixara a fogueira para preparar-se para dormir. Chad observou um
momento às escondidas como revolvia as mantas que ele tinha comprado para
escolher a que usaria. Ela Mae lhe tinha levado um cubo com água. Usou-o para lavar
o pó do caminho do rosto e o pescoço, mas depois o levou com ela para detrás da
carruagem a fim de ter um pouco mais de intimidade.
Cada dia que passava, achava-a mais encantadora. Esperava não estar
apaixonando-se, ao menos não ainda. Sem nenhum estímulo, ou pouco sorrisos - algo
que também dedicou a outros, não só a ele-, Chad seguia sem saber se tinha alguma
possibilidade de ganhar seu carinho.
No geral havia pistas, e muitas; formas sutis em que uma mulher indicava a um
homem que estava interessada por ele. Não teve nunca, nenhuma dúvida sobre se uma
mulher gostava dele ou não. Bom, pelo menos não que se lembrasse. Claro que ele
tampouco, foi muito claro demonstrando que estava interessado por ela. Tinha
decidido esperar, antes de dar o primeiro passo a respeito, assim possivelmente, ela
mantivera em segredo seus sentimentos, até que ele começasse a dar algumas pistas.
Como já não via a Amanda, dirigiu de novo o olhar à fogueira e lhe surpreendeu
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ver que estava sozinho com a solteirona. As chamas lhe refletiam nos cristais dos
óculos e mostravam duas fogueiras em miniatura com todo detalhe. Via-se muito
estranha, claro que sempre se via estranha com aqueles óculos ajustados na ponte do
nariz.
Essa noite parecia cansada, apesar de que finalmente decidiu não montar, já que
a carruagem tinha espaço mais que suficiente para as duas irmãs. Mesmo assim,
admirava a contra gosto sua coragem de estar disposta a viajar à cavalo, quando ao
parecer nenhuma das duas tenha subido em um, na sua vida. Por um momento tinha
pensado em lhe ensinar, quando estivessem no rancho, mas deu-se um chute mental
por pensar nisso, embora fosse de maneira vaga. Quanto mais longe se mantivesse
dela, melhor para ele.
Tinha preparado um pouco de café, um costume adquirido nessas longas
vigilâncias noturnas do gado que se levava ao mercado. Acreditava que só ele tomaria,
assim não fez muito. Mas Marian se serviu de uma caneca, quando ele não estava
olhando e a deixara perto da fogueira, para que se mantivesse quente.
Desviou o olhar porque não queria conversar com ela, se pudesse evitá-lo.
Apesar de tudo, com a extremidade do olho, viu que alargava a mão para a caneca e
quase a metia no fogo por equívoco.
Sacudiu a cabeça e a olhou fixamente.
- Terá que buscar outro oculista - lhe sugeriu. - Em Trenton há um.
Os olhos de Marian se desviaram para ele e, depois, fixaram-se de novo na
caneca que conseguira segurar.
- Eu não tenho problema de vista, assim tão forte - respondeu indignada.
- É cega como uma toupeira.
- Que pouco amável de sua parte dizer isso - afirmou Marian com um bufo.
- Oras, em você caem bem os comentários grosseiros, senhorita. Eu só disse
algo evidente.
- Que não é nada certo.
- Ah, não? Quantos dedos há aqui? - Quando Marian respondeu acrescentou: -
Bom, já está tudo dito.
Marian baixou um pouco a cabeça, como se lhe desse razão, até que soltou
triunfante.
- Três.
- Adivinhou-o - balbuciou Chad.
- Custa-lhe reconhecer que está equivocado, não é verdade?
- Quando foi a última vez que revisou sua vista? - replicou. - A julgar por esses
óculos antiquados que usa, certamente foi quando era pequena. Tem algo que perder
se a revisa outra vez?
Acreditava estar sendo atento, mas inclusive sob a tênue luz da fogueira viu que
ficava rubra. E, por sua forma de responder, compreendeu que este, era um tema
delicado.
- Minha vista não é seu assunto - murmurou entre dentes. - E deve deixar de
falar comigo, antes de que ela se dê conta e ...
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Deteve-se, muito nervosa, como se houvesse dito algo que não devia. Chad se
recostou no saco de dormir, apoiado em um cotovelo. Sentia só uma certa curiosidade.
Bom, isso não era de tudo certo, mas esperava lhe dar essa impressão.
- Ela? De quem fala?
- Não importa.
- Voltemos então para seus olhos - insistiu Chad.
- Não escuta muito bem, certo? - repôs Marian.
- É claro que sim. Ouvi algo sobre deixar de lhe falar, mas como não me quer
explicar isso melhor, não pode ser muito importante.
- Confie em mim, senhor Kinkaid, quanto menos souber do assunto, melhor.
Chad arqueou uma sobrancelha. Estava preocupada de verdade ou estava
preparando-se para lançar outro insulto desatinado?
- Enfim, querida, conseguiu despertar meu interesse - assegurou com um
marcado acento texano.
- É uma lástima - apostilou Marian.
Aquela mulher tinha o dom de zangar com uma enorme facilidade a um
homem. Chad se incorporou, rígido. Lançou uma lenha ao fogo a fim de reavivá-lo e
lhe acrescentou uns ramos mais grossos para que durasse toda a noite.
Pareceu-lhe que a jovem lhe dava obrigado, embora não podia imaginar por
que.
- Poderia ter ido embora - comentou, com o que lhe pareceu, simpatia.
- Resulta que estou gelada, e já, há um bom tempo. Não sei muito bem por que.
Não faz tão frio. Mas queria poder me esquentar um pouco, antes de me deitar. Você
sim que poderia haver-se ido, ou pelo menos evitado que ficasse tão evidente que
estamos conversando.
- Não sou mudo. Minha cama está junto à fogueira, já estou nela e vou ficar
aqui. Por que não vai até o fim e me conta qual é o problema?
- Não entenderia - respondeu Marian.
- Pode ser que sim, mas como lhe dá tanta vergonha explicá-lo...
- Não me dá vergonha - o interrompeu. - Só tentava lhe economizar algo de...
- Confusão? - sugeriu Chad, quando ela se deteve. - Exasperação? Bem feito,
mulher, conseguiu me economizar uma grande quantidade de ambas as coisas.
Como não podia ter sido mais sarcástico, não foi estranho que Marian voltasse a
ficar rubra como um tomate. Mas também conseguira zangá-la o bastante, para que
contasse tudo.
- Muito bem, é provável que nosso “bate-papo” dê uma falsa impressão a
Amanda. Se acreditasse, sequer por um segundo, que você e eu..., ou que eu gosto de
você, o que não é certo, claro... - acrescentou em seguida, e prosseguiu. - Mas se ela
acreditasse, desdobraria seus encantos para conquistá-lo. E não porque goste de ti, não
que eu saiba se gosta ou não, fá-lo-ia só para me chatear.
Tinha conseguido surpreendê-lo. Jamais ouviu nada tão ridículo, mas deveria
ter suspeitado que diria algo assim, absurdo, tendo em conta a imaginação que tinha.
- Entendido. Assim para captar o interesse de sua irmã basta aparentar que estou
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interessado em você. Parece bastante fácil. Vou levar isso em conta.
- Sabe o que lhe digo? Acredito que prefiro me congelar, a seguir esta
conversação - afirmou Marian, fulminando-o um momento com o olhar. - Eu já te
avisei. Aguente às consequências.
- Sempre o faço, coração. - Chad sorriu.
CAPÍTULO 14
- Você virá comigo em silêncio ou terei que lhe partir o crânio?
A pergunta foi um sussurro brusco. Marian lhe surpreendeu havê-lo escutado
porque foi pronunciada a bastante distância e não, dirigida a ela. Mas não podia
dormir, depois daquela conversação com Chad, depois do jantar.
Na realidade, tinha-a enfurecido ver quão satisfeito estava para ouvir sua
explicação, como se já pensasse em usar essa estratagema para captar a atenção da
chata da Amanda. Tinha vontade de lhe sacudir. Sem dúvida, não gostaria de voltar a
falar com ele nunca mais.
Seguia censurando-se por ter revelado a verdade sobre Amanda, algo que não
fez nunca antes, e por pensar que Chad era bastante preparado para ter entendido, já
que era melhor sempre evitar Amanda do que tentar conquistá-la.
Acordada e coberta com uma manta junto a Ela Mae na terra dura sob a carreta,
até o menor som, captava sua atenção, em especial aquele sussurro que não
pressagiava nada bom...
Apesar de tudo, não ouviu o desconhecido entrar no acampamento. Aproximou-
se da fogueira onde Chad dormia e estava inclinado sobre ele para lhe falar, mas
chegou até ali sem fazer um só ruído.
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Via-o com claridade, da sua posição sob a carreta. Era alto e muito corpulento, e
podia pesar facilmente 130 quilogramas. Parecia selvagem, ou pelo menos, muito
incivilizado: levava a roupa suja, um casaco de pele de urso e o comprido cabelo, entre
castanho e grisalho, tão emaranhado que parecia não ter visto um pente nos últimos
dez anos. E fedia muito, já que tinha trazido o mau cheiro junto com ele.
Chad tinha que estar acordado, embora não se movesse nem desse sinais de ter
ouvido a pergunta. O homem gigantesco começou a impacientar-se e golpeou com
força o peito de Chad com a coronha do revólver para obter resposta.
- Ouve-me, menino?
- Embora preferisse não fazê-lo! - respondeu Chad com secura, - Poderia te
cheirar...menino.
- Conhece-me. - O homem riu. - Trabalhei outras vezes para seu pai. Sabe que
não te farei mal se não me vir obrigado. Mas virá comigo. Significa quinhentas pratas
para mim. Significa que este ano passarei um inverno quente e agradável, e na minha
idade, os invernos quentes se agradecem.
- Pagarei-te o mesmo se for com esse fedor para outra parte.
- Não poderá ser, porque dei minha palavra a seu pai de que levaria você para
casa antes de amanhecer. Tenho que cumprir o prometido, menino. Já me entendeu. É
uma questão de confiança.
- E é um pouco inútil. Agora, ele já sabe onde me encontrar. Pode vir para ver-
me.
- Suponho que não quer - respondeu o gigante. - É uma questão de orgulho,
sabe? Afinal , foi você quem largou ele e não ele à você.
- Não sabe o que aconteceu, Leroy - exclamou Chad com certa indignação.
- Não tenho por que sabê-lo. Não me pagam por isso. Vem ou não?
- Agradaria te acompanhar se não estivesse conduzindo algumas mulheres, às
quais não posso deixar sozinhas. - Suspirou. - E não as desviaria quinze quilômetros
de seu caminho quando estão a umas poucas horas de sua casa. Diga a meu pai, que
irei ver-lhe na semana que vem.
- Assim não conseguirei as quinhentas pratas, menino - replicou Leroy,
enquanto negava com a cabeça.
- Conseguirá não acabar com um buraco no peito... menino - respondeu Chad.
O som da arma engatilhada se ouviu com uma força incrível no silêncio da
noite, ao tempo em que Chad ficava de pé. O homem corpulento riu de novo, nada
intimidado ao que parecia, ante a idéia de receber um tiro.
- Seu pai não disse que teria que te levar para casa acordado e nem inteiro -
exclamou em um tom inclusive, agradável, - só que te levasse para casa. Será melhor
que não te enfrente comigo. Seis disparos, se tiver tantos, não conseguirão me deter.
Estive em piores situações e vivi para contá-lo. Assim, por que não vem comigo por
bem, e economiza suas balas?
Marian avançava com sigilo em volta dos dois homens, que se ameaçavam com
tanta indiferença. Falavam o bastante alto para que ela pudesse ouvi-los, e ela se
detinha quando eles guardavam silêncio. Pegou uma arma diferente, um tronco
50
pequeno na realidade, embora o bastante grosso e forte para poder machucar a alguém.
A questão era se poderia golpear com ele ao homem chamado Leroy.
As brigas com sua irmã, eram uma coisa, e embora pudessem chegar a ser
brutais, jamais tinham chegado a isso. Mas atacar alguém, a quem não conhecia, com
a intenção de lhe fazer dano, para reduzir uma ameaça, era algo totalmente distinto.
Não estava segura de poder fazê-lo. Em qualquer caso, não parecia ter outro remédio.
Um passo mais e estaria o bastante perto. Começaram a lhe suar as mãos por
causa do nervosismo. Levantou o pau improvisado com suas pontas de madeira por
cima do ombro a fim de poder tomar impulso para o golpe, e deu o último passo.
E partiu um ramo com os pés descalços.
Ambos os homens se giraram imediatamente em sua direção. Ambos apontaram
para ela o revólver. Ficou paralisada, com os olhos exagerados pelo medo.
Leroy começou a rir primeiro. De acordo, não teve tempo para pensar em vestir-
se. Assim estava ali, plantada em roupas de baixo, com um tronco por cima do ombro
e os cabelos soltos, lhe tampando o olho. Não era tão divertido, ao menos nem tanto
para que em Leroy, saltassem lágrimas de risada.
- O que vais fazer com isso, lindeza? - perguntou-lhe. - Eu limpo os dentes com
palitos desse tamanho.
51
CAPÍTULO 15
Não deveria estar ali. O problema que o homem gigantesco tinha criado no
acampamento, não tinha nada que ver com ela e sim tudo que ver com Chad. Ele podia
haver-se encarregado da situação sem sua ajuda. Mas Marian não o soube quando
decidiu “salvá-lo”.
E agora seu valente intento provocava gargalhadas. Foi o enorme exagero,
entretanto, o que a indignou sobremaneira. Era provável que Leroy não tenha limpado
os dentes em toda sua vida, e seguro que não usava troncos para fazê-lo. Havia-o dito,
só para indicar que não supunha nenhuma ameaça por parte dele. Assim, lhe acertou o
pau direto na cabeça. Mas ele o apanhou com facilidade e, sem o menor esforço, o
tirou das suas mãos e o lançou no fogo.
Então, agora estava zangado. Muita ajuda, Marian lhe dera, pois sim. Mas Chad,
aproveitara a distração que Marian tinha provocado. As gargalhadas de Leroy
cessaram em seco, quando caiu no chão, ao receber uma coronhada de Chad na nuca.
Deixou-o sem sentido, no mesmo momento. E, sem perder um segundo, amarrou-o, se
por acaso voltasse a si, antes do desejado.
Um pacote, amordaçado, com as armas confiscadas (do comprido casaco de
pele de urso tinha saído todo um arsenal), Leroy já não representava grande perigo. E
Marian ficou a observar mais tempo de que deveria. Queria perguntar a Chad. o que
foi tudo aquilo, mas na realidade não era assunto dela e, de repente, ficou muito
consciente, de que seguia ali, plantada, em roupas de baixo.
Voltou-se para ir, com a esperança de não atrair a atenção de Chad. Entretanto,
este se deu conta e lhe disse:
- Espera, Amanda.
Ficou imóvel pela segunda vez, ao precaver-se de que não usava os óculos.
Tinha esquecido de colocá-los antes de ir resgatar-lhe, o que foi uma verdadeira
estupidez. E agora ele acreditava que era Amanda.
- O que tentou, foi muito valente - comentou enquanto a agarrava pelos ombros,
- embora algo insensato.
Estava muito perto dela. Começava a sentir-se algo mais que insensata ao
observá-lo. Parou por um momento; teria que lhe deixar imediatamente. Ele estava
com o torso nu, já que só levava as calças, e tinha os cabelos despenteados por dormir.
Além de que, lutar com Leroy, o deixara muito suado. Chad Kincaid sem camisa e
com a pele reluzente à luz da fogueira resultava muito provocador.
Mas ele acreditava que era Amanda...
Deveria tirá-lo de seu engano. Não, isso seria mais insensato ainda. Não teria
nenhum problema se acreditasse por uns minutos mais, que era Amanda. Seria
preferível, a que averiguasse que ela e sua irmã eram gêmeas, se é que ainda não tinha
imaginado. Esteve com elas o suficiente para tê-lo descoberto, claro. De todos os
modos, a maioria das pessoas que sabia, que eram gêmeas, o esquecia depressa,
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graças a tão bem, Marian levava seu disfarce.
Mas nesse momento, estava convencido de que era Amanda, e nesse momento
não queria deixá-lo.
Chad lhe fez dar a volta e suspendeu seu rosto com os dedos para aproximá-lo
do dele.
- Apesar de tudo, obrigado - prosseguiu. - A situação poderia haver-se
complicado se não o tivesse distraído.
Sua gratidão a incomodou e baixou o olhar para perguntar.
- Quem era?
- Um caçador de recompensas, revendedor, caçador furtivo; é provável que
tenha feito de tudo. Mas o Oeste está perdendo encanto para ele, ou ele se está
voltando muito velho para viver como estava acostumado, está em sua natureza. De
vez em quando aceita trabalhos que são bem pagos.
- E o conhece?
- Na realidade , não. Só de passagem. Vai ao rancho de meu pai de vez em
quando para ver se tem algum trabalho que não seja o normal de qualquer Rancho.
- E desta vez teve sorte? Seu pai tem que pagar a alguém para que você vá
visitá-lo?
Chad sorriu. Marian desejou que não o tivesse feito. Estava muito perto e aquele
sorriso...
- É um pouco complicado - disse em voz baixa, muito baixa.
Iria beijá-la. Sabia que ia fazê-lo, deveria sair disparada, porque não beijaria a
ela, e sim Amanda. Mas não conseguiu mover os pés. E, no fundo, desejava que ele o
fizesse, embora não beijasse a ela na realidade.
Não lhe apresentavam nunca oportunidades como essa. Por sua culpa mas,
mesmo assim, deixara sua vida em suspense até que Amanda se casasse, e parecia que
não o faria nunca. Já tinha idade de casar-se, queria fazê-lo, queria um homem que
fosse dele, mas não se atrevia a seguir seus desejos até que Amanda se casasse e
partisse.
Embora permitir que Chad continuasse pensando que era outra pessoa era
enganá-lo, a tentação de aceitar o beijo e ignorar que acreditava que o dava a Amanda
era muito forte para dizer nada. E o tempo de preocupar-se com aquilo se esgotou.
Valia a pena. Essa idéia ocupou sua mente enquanto Chad punha os lábios sobre
os seus e lhe cativava os sentidos. Oh, sim, sem dúvida valia a pena. Uma sensação
embriagadora se apoderou dela, o sangue lhe acelerou e o coração lhe pulsou com
força em um excesso de agitação. E quando se aproximou dele, teve medo de
enlouquecer, apertada contra seu corpo, sentindo-o, saboreando-o. Era muito tudo de
uma vez.
Não tinha idéia de quanto tempo a segurou assim. Estava tão absorta em suas
próprias sensações que o tempo não importava. Poderia tê-la beijado toda a noite e
certamente não teria notado a diferença. Embora possivelmente, tivessem sido só uns
instantes e, quando por fim se afastou, não parecia em absoluto, tão afetado como ela.
Logo que pôde pensar com claridade, ele se limitou a sorrir, acariciou-lhe a face
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e lhe disse:
- Deveria dormir um pouco. Amanhã falaremos sobre isso.
- Não, não. - Aquilo lhe tinha aberto os olhos e feito soar os sinais de alarme. -
Não o falaremos. Nada aconteceu. Bom, não deveria ter acontecido, assim não
mencione isso... nunca, nem mesmo comigo e à sós.
Chad lhe sorriu, sem que lhe tivesse impressionado esse aparente arranque
repentino de decoro por sua parte.
- Se você assim quiser, querida. Basta que nós dois saibamos.
Ele se voltou para a fogueira, e para sua cama, junto ao fogo. Enquanto não a
observava, Marian correu para a carreta, e ao leito que ocupava sob a mesma. Em
algum momento, a animação tinha despertado a Ela Mae, que tinha presenciado aquele
beijo. Estava deitada de lado, apoiada em um cotovelo. Pôs os olhos para cima quando
Marian se deixou cair a seu lado.
- Você tem idéia do que fez? - perguntou Ela Mae.
- Não.
- Isso foi muito mau.
- Certo, eu sei.
- Deveria lhe dizer a verdade, e mostrar-se, se o quer para ti.
Ela Mae não andava nunca com os mais abastados, mas não procedia de
nenhuma família pobre. Sua família foi de classe operária. Tinham-na repudiado
quando ficou grávida sem estar casada. Ela Mae tinha perdido ao menino, ao que
ainda chorava em privado, e após isso, esteve sozinha.
Fazia seu trabalho e o fazia muito bem, de modo que não lhe importava se o
conservava ou não porque sabia que podia encontrar outro emprego com facilidade.
Por isso a tratavam mais como a uma igual do que como a uma criada, e por isso
ambas as irmãs a valorizavam. Marian a considerava além disso, uma amiga. Inclusive
Amanda, que tinha afugentado a outras cinco criadas, não lhe tinha dirigido nunca,
uma palavra desagradável. Ela Mae não o toleraria, iria embora, e Amanda sabia. Não
ia correr o risco de perder a alguém que a penteava com perfeição e lhe conservava o
guarda-roupa em um estado excelente.
Entretanto, Ela Mae era às vezes muito franca, e essa era uma daquelas vezes.
Marian não queria falar do que sentia por Chad, que acreditava ser impossível, assim,
melhor não comentá-lo nem sequer com uma amiga.
- Então, quer ele para você? - insistiu Ela Mae.
Marian poderia ter negado, mas não tinha muito sentido. Poderia ter impedido
que Amanda observasse a direção de seus olhares ofegantes, mas, Ela Mae estava mais
frequentemente com ela que com Amanda, e em mais de uma ocasião tinha arqueado
uma sobrancelha a Marian de modo, que poderia mesmo perguntar a respeito.
- Acredito que sim - admitiu Marian.
- Então diga a ele. Insistiu Ela Mae.
- Não posso. Já sabe o quanto ela ficaria enciumada. E ele, a quer para si.
- Não a conhece. Tampouco conhece você. Deveria permitir que o fizesse -
acrescentou a criada.
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- Não diga isso. Já sabe o que se passa quando um homem mostra o menor
interesse por mim. Amanda o atrai, faz com que ele só veja à ela e me esfrega isso no
nariz.
- Isso, o fez com jovens imbecis. Já fazem uns quantos anos que te mostra o
mais feia possível. Não deste nunca a oportunidade a um homem. Não podem ser
todos tão crédulos para caírem em seus ardis.
- Pode ser que não - respondeu Marian. - Mas não vou ser a causadora de que
um só homem mais, sofra desse modo. Posso esperar.
- Esperar é fácil, e não te leva a nenhuma parte - indicou Ela Mae.
- Não tenho pressa.
- Não? Quer perder a este, ou o quer de verdade?
- Não posso perder o que não é meu. - Marian suspirou. - Deixou muito claro a
quem prefere.
- E ela também. Não lhe interessa absolutamente. Somente é cortês com ele.
- Por isso posso esperar. - Marian sorriu ao ouvi-la. - É diferente dos outros.
Ainda não fez nada ridículo por ela. Acredito que está esperando para ver se vale a
pena.
- Ou esperando apenas para nos manter vivas, até o rancho.
- Pare, mulher, não me incomode - comentou Marian com cara de indignação. -
Assim, você me desanima.
Ela Mae riu bastante e sacudiu a cabeça.
- Complica muito a vida, Maire. E ele deu o primeiro passo. Beijou-a, ou isso
crê. Pensa nele enquanto tenta dormir.
CAPÍTULO 16
Seu sentimento de culpa era terrível. Marian despertou com ele, caiu-lhe nos
ombros e não conseguiu tirar-lhe de cima. O disfarce que levava era bastante
enganoso, mas o usava por um bom motivo: salvar a outras pessoas das manipulações
maliciosas de Amanda. Mesmo assim, fingir ser Amanda...
Sua irmã fingiu ser ela frequentemente, quando eram pequenas para que as
pessoas se zangassem com Marian. Parecia-lhe uma brincadeira esplêndida, embora
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ela, fosse a única que se divertia. Marian o fez só uma vez antes, com seu pai, porque
ansiava muitíssimo a atenção que ele dedicava a Amanda com exclusividade. Mas não
o enganou. Ele soubera imediatamente que não era a sua preferida, e a reprimenda que
recebeu foi tão embaraçosa que nunca mais voltou a fazê-lo.
Compartilhar a mesma cara com alguém a quem se detestava, não era agradável.
Tampouco era divertido, estar sempre preocupada com os sentimentos de outros,
ignorando por completo os seus. Era um inferno ter uma irmã como Amanda.
Pela manhã, Marian evitou aproximar-se da fogueira, onde Chad servia um café
da manhã rápido antes de iniciarem o último lance da viagem. Preferia ficar com
fome, a estar perto dele então, porque tinha muito medo de que fosse descoberto seu
disfarce.
Aceitou, isso sim, uma caneca de café do condutor da carreta, ele havia na noite
anterior preparado sua própria fogueira do outro lado do veículo. Ao lhe perguntar por
que, mencionou algo sobre enganar a possíveis ladrões, e acrescentou que inclusive
quando estava sozinho pelo caminho, acendia sempre duas fogueiras e não dormia
nunca junto a nenhuma delas.
O homem gigantesco, o tal de Leroy, já estava em cima da carreta, antes mesmo
que alguém despertasse. Tinha que ter voltado a si e cooperado, porque era impossível
que Chad, embora contasse com a ajuda do condutor, tivesse carregado a um homem
daquele tamanho. E se tivesse feito, era de estranhar, porque não ouviram nenhum
ruído, já que as mulheres, dormiam sob a carreta e não perceberam nada.
Marian detectou os pés atados do homem perto da parte traseira da carreta logo
que a rodeou. Chad não quis deixar Leroy para trás, mas tampouco queria que os
outros, conhecessem sua presença. Marian supôs, que era para economizar-se com
perguntas.
Não perdia a Chad de vista, temerosa do momento em que se encontrasse com
Amanda. Não confiava em que não mencionasse o beijo, embora lhe tivesse advertido
que não o fizesse. E Amanda não fingiria ignorância. Se algo despertava sua
curiosidade, pediria explicações.
Amanda foi à última a aparecer. Era querer muito, esperar que nessa manhã, ela
não quisesse tomar o café da manhã. Foi direto à fogueira, tomou o prato de comida
que lhe oferecia Chad sem nem mesmo lhe dar obrigado e o ignorou por completo,
como de costume.
Na noite anterior, Marian, tinha lamentado descobrir que o pai de Chad, possuía
um rancho. Isso significava que talvez não carecesse totalmente de ajuda no que se
referia a sua irmã, agora Marian, poderia supor que o interesse de Amada por ele
poderia aumentar. Mas Amanda não ouviu sobre o rancho, já que, uma vez mais,
esteve dormindo durante os momentos de emoção e perigo. Com sorte, talvez, ela não
descobrisse a verdade.
Ela Mae seguia também junto à fogueira. Amanda começou a falar com ela.
Marian não precisava estar a seu lado para saber que sua irmã estava se queixando do
desconforto de dormir ao ar livre, aproveitando que dispunha de alguém que a
escutava com interesse. Embora Ela Mae não estivesse interessada absolutamente.
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Assim como Marian, aprendeu fazia muito, a desconectar-se de Amanda.
Claro que Chad, passou a escutá-la atentamente, passados alguns minutos,
franziu o cenho. Marian, teria dado qualquer coisa para saber a razão do movimento.
Podia ser simplesmente que Amanda tivesse insultado, sem consideração seus
esforços culinários. Ou que era a primeira vez, que presenciava uma de suas diabruras.
Embora o mais provável, fosse que estivesse tratando-o como se não estivesse
presente, apesar de que ele estava sentado a menos de um metro.
Chad supôs que agora as coisas seriam diferentes entre eles. Uma conclusão
natural, depois de um beijo do qual ela não rechaçara . Ela tinha era aceitado muito
bem. A indiferença com que o tratava, a mesma mulher a qual beijou, o fez sentir
como se levasse uma bofetada na cara. Já Marian, pensava que era isso mesmo que
deveria ter feito, em lugar de deixar que a tentação levasse a melhor sobre o senso
comum.
Uma vez que tomou o café da manhã, Amanda, lançou sem nem mesmo olhar, o
prato para o fogo e se encaminhou de volta à carruagem a fim de terminar de preparar-
se para sair. Chad, com o cenho mais franzido ainda, começou a segui-la. Marian
conteve o fôlego, enquanto os observava. Esperava que agarrasse a Amanda e a
obrigasse a voltar-se para lhe pedir uma explicação. Mas por que? Por sua falta de
interesse? Alguma vez sequer, tinha lhe prestado atenção? Sentimentos de culpa
cresceram em Marian. Deveria detê-lo, levá-lo para longe e confessar a verdade. Ele a
desprezaria, claro, mas, afinal de contas, não era só isso que ele lhe dera? Ora, porque
se importar?
Deu um passo para Chad, mas ele se deteve. E ela também. Chad observou
cinco segundos como Amanda se afastava e, ato seguido, voltou-se e pareceu encolher
de ombros. Encolheu-se de ombros? Não podia ser. Ou acaso um beijo roubado na
metade da noite não era importante para ele? Talvez beijasse a todas as mulheres
formosas com as que cruzava se tivesse alguma ocasião.
Marian podia respirar tranquila, mas agora, era ela quem franzia o cenho.
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CAPÍTULO 17
Amanda era muito complicada para incomodar-se com ela. Essa, foi a
conclusão a que Chad chegou naquela manhã. Bom, quase. Mas realmente era, como
se Amanda fosse duas mulheres distintas: terna e complacente de noite, uma
verdadeira harpia de dia.
Pensou que a grosseria, devia ser coisa de família. Não, isso não era certo. Red
não tinha nada de grosseira, e era familiar direto das irmãs Laton.
A confusão que o acossava, agora era culpa dele mesmo. Deveria haver-se
mantido firme e esperado que a viagem terminasse, antes de averiguar quais poderiam
ser, os sentimentos de Amanda Laton.
Sabia por experiência, que os ânimos se avivavam com facilidade, quando um
fazia algo que não desejava e, pelos comentários que ouviu, sabia que Amanda não
queria ir a Tejas, para começar, e que, além disso, detestava tudo o que se relacionava
com viagens. De modo, que os estalos de grosseria, eram até compreensíveis ou, pelo
menos, havia bons motivos para que Amanda os tivesse. O mais certo, era que quando
tivesse terminado a viagem, fosse tudo diferente.
Mas na noite anterior estava tão formosa que não teria conseguido conter-se e
não beijá-la. E ela, tentou resgatá-lo. Isso lhe chegou à alma; jamais teria esperado isso
de Amanda. Sempre se mostrava tão distante, indiferente. Ao menos com ele.
Apesar de tudo, na noite anterior, derreteu-se em seus braços. Surpreendeu-o,
adorou-a, sentiu aumentar seu desejo e, então, de modo estranho, houve algo que ele
não entendeu. Parecia que não era Amanda que ele tinha em seus braços.
Não tinha nada que ver com o beijo, que foi maravilhoso. Não tinha nada que
ver com a facilidade com que ela tinha cedido. Tinha que a ver com ela mesmo. Era
algo que não se enquadrava, era muito desconcertante: gélida e, de repente, cálida,
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como se fosse duas... mulheres distintas. Nem pensar. A luz da fogueira não era muito
brilhante, mas teria que serem gêmeas para que ele cometesse semelhante engano.
Ora, homem, só faltava essa.
Não deveria estar tão perplexo. Percebera, só que não tinha admitido. Os
irmãos, podiam parecer-se muito, claro que não havia muitas probabilidades de que
tivessem tantos traços idênticos, a não ser que fossem gêmeos. É obvio que elas eram
gêmeas. Só que uma era cega como uma toupeira e tinha um gênio terrível. E era
impossível que a tivesse beijado.
Assim eram as gêmeas. Isso não mudava nada, e seguia sem explicar sua
confusão a respeito de Amanda. Ou possivelmente era ele. Talvez não estivesse tão
interessado nela, como tinha acreditado.
Na realidade, pode ser que esse fosse o problema. Deveria estar interessado,
mas, será que estava? De verdade? Ou Amanda lhe recordava muito a Luella, um
exterior esplêndido, mais nada de bom no interior? Era esta, outra razão, que o fez
pensar em esperar que a viagem terminasse para cortejá-la, assim, ela teria tempo de
relaxar-se, ou de recuperar-se, estaria instalada e voltaria a ser ela mesma.
Esperava uma grande mudança de atitude nos próximos dias. Já não teria nada
do que se queixar. A casa de Red, tinha um ar do oeste, mas era muito cômoda. E nela
trabalhava uma das melhores cozinheiras do país. Uma vez, que, lhe tivesse acabado
as dores da viagem e estivesse rodeada de comodidades e de sua família, descobriria
como era Amanda na realidade.
Vira sua pior face, pelo menos esperava que fosse assim, porque não viu nada
de muito bom. Tinha vontade de ver agora, seu outro lado.
A carruagem chegou a Twisting Barb um pouco antes de meio-dia, seguida da
carreta com a bagagem e Leroy, mais ou menos uns trinta minutos depois. Chad teria
que explicar a presença de Leroy. Estavam muito afastados de qualquer parte para
deixá-lo ali. Não havia nenhuma casa o bastante perto, para que pudesse ir andando, se
eles levassem seu cavalo, a fim de fazê-lo demorar. E o caminho não era bastante
concorrido, para que alguém o encontrasse se o deixassem amarrado.
Entretanto, Chad já não esperava mais ter problemas com Leroy, agora que
estavam no rancho. Alguém poderia acompanhá-lo, até achar seu cavalo (Chad não se
incomodou muito em ir buscá-lo). E tinha esvaziado a munição dos revólveres de
Leroy, de modo que poderia devolver-lhe. Seu pai, devia estar começando a
envelhecer, ou estar desesperado, para enviar alguém como Leroy para buscá-lo.
Sobre tudo, quando, por certo já tinham lhe dito que Chad se dirigia a Twisting Barb.
Não conseguia ver nenhum sentido nisso, a não ser, que fosse para demonstrar algo.
Stuart poderia ter cavalgado para o rancho de Red e possivelmente chegar antes que
ele, embora possivelmente tenha feito isso. Ou melhor, ao ver que Chad não chegaria
antes do anoitecer, como previu, teria enviado a Leroy para averiguar do por que.
Mas isso significava, que Leroy tomava parte dos capangas de seu pai, e Chad
não poderia imaginar que Stuart gostaria de ter aquele velho estúpido e fedorento
cavalgando por perto. Na verdade, Stuart não ia a nenhuma parte, sem que o
acompanhassem no mínimo, quatro pistoleiros, homens capazes de abordar e resolver
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qualquer tipo de problema que se apresentasse. Embora todos fossem limpos e tinham
bons maneiras, e, claro, veneravam a Stuart porque lhes pagava muito bem.
Red saiu ao alpendre para recebê-los. Parecia muito nervosa. Por que, ou não
viu suas sobrinhas desde que eram meninas, ou porque Stuart chegou lá e a deixou
mortificada por ter contratado a seu filho. Chad não esperava ver tão cedo ao pai, não
estava preparado para isso; mesmo assim, tinha imaginado que o veria no dia seguinte
ou pouco depois, agora que Stuart sabia que estava no condado. Tinha-lhe permitido
isso, ao decidir entrar na cidade, já que sabia que alguém sairia disparado para o
rancho dos Kinkaid com a notícia.
Um monte de homens se aproximou para receber à carruagem e também para
ajudar às irmãs e a sua criada a descer. A solteirona, foi a primeira à chegar ao
alpendre.
Chad desmontava quando ouviu que Red perguntou:
- Qual das duas, você é?
- Marian.
Red relaxou um pouco, ao ver que Marian também parecia nervosa e lhe deu
um grande abraço.
- Bem-vinda, Maire. Estava acostumada a te chamar assim. Lembra-te?
- Não, mas minha mãe também me chamava de Maire - respondeu Marian com
um sorriso vacilante.
- Sinto muito por seu pai.
- Sim, foi um desafortunado acidente.
- Mas quero que saiba, que me alegra muito, lhes oferecer um lar, todo o tempo
que quiserem.
- Obrigada...
- É isto? - interrompeu Amanda enquanto subia os degraus. - A casa de um
rancho, e ainda por cima, pequena demais para mim. E você supõe, que irei viver
aqui?
Red ruborizou-se imediatamente. Chad sentiu muito por ela. Estava bastante
nervosa, e Amanda, ainda por cima submetendo-a a tal escárnio, era de uma grosseria
incrível.
- Sei que não é tão majestosa como sua casa em Haverhill, mas aqui, há poucos
lugares melhores - afirmou Red à defensiva. - Meu marido dedicou muito trabalho a...
- Não o suficiente, pelo jeito - interrompeu Amanda de novo. - Mas não sei por
que esperava algo melhor, quando todas as pessoas que vimos pelo caminho, eram
tremendamente chucras.
Chad já ouviu o suficiente. Furioso pelo modo com que tratava Red , ia dizer
umas boas para Amanda e principalmente para que fechasse a matraca, mas Marian se
adiantou.
- Poderia conter os péssimos modos por cinco segundos apenas, irmãzinha
ferina? - perguntou com um sorriso tenso. - Ou te resulta ser impossível?
Amanda soltou um grito tenebroso e levantou a mão para esbofetear a Marian
pelo insulto, merecido ou não. Chad quis detê-la, mas não estava o bastante perto. Não
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foi necessário. Ao que parece, Marian já estava esperado a represália e estava
preparada. Com um ligeiro empurrão, fez com que Amanda cambaleasse e rodasse
degrau abaixo até cair na terra.
CAPÍTULO 18
Produziram-se muitos gritos. Chad era muito educado para não ajudar Amanda
a levantar-se. Ela não o agradeceu claro, mas Chad já estava se acostumando a isso. A
jovem seguiu lançando impropérios a sua irmã, enquanto sacudia o pó e a terra da saia.
Marian não prestava a menor atenção a ela. Red olhava a Amanda, com aspecto
preocupado, mas a solteirona pegou-a pelo braço e a levou com tato para dentro de
casa. Chad decidiu, que também preferia estar dentro de casa, e se reuniu com elas.
Ao cruzar a porta, não reconheceu o interior. Red tirou de algum baú, ou
conseguira encontrar em algum lugar, todo tipo de estatuetas e adornos delicados,
mudara as cortinas práticas por outras, muito elegantes e colocado tapetes novos no
chão. A grade sobre o suporte da chaminé do salão principal, desaparecera, e um
espelho emoldurado a substituía. Das paredes, penduravam novos quadros.
Reconheceu um, dos guardados do doutor Wilton. Perguntou-se, quantos dólares não
teria custado.
Red, tentou conferir a seu lar, um pouco do estilo do Leste, ao que as moças
estavam mais acostumadas. Chad gostava mais como era antes, quando um homem
não tinha que andar com cuidado, para não quebrar nada. Isso demonstrava, quão
nervosa Red estava na realidade, por ter que receber as suas sobrinhas.
Enquanto examinava os novos objetos de decoração, não lhe passou nada
despercebido, nem mesmo o homem que estava sentado em um dos sofás, com os
braços estendidos sobre o respaldo, como se a casa fosse dele. Não, era impossível que
aquele texano corpulento de olhos azuis e cabelos negros, passasse despercebido. Mas
Chad não quis vê-lo.
Red, entretanto, tinha boas maneiras e conduziu Marian até ali para apresentá-la.
- Stuart Kinkaid, meu vizinho. Possui o maior rancho do condado, talvez do
estado.
- Estou nisso a algum tempo - brincou Stuart, enquanto se levantava e apertava
com força a mão de Marian. - Encantado em conhecê-la, senhorita Laton.
- Igualmente, senhor Kinkaid.
- Sua tia me contou muito sobre vocês, além de algumas das dificuldades que
tiveram para chegar aqui.
- Como?
- Chad mandou alguns telegramas— explicou Red.
- Na semana que vem, terei que fazer uma festa - prosseguiu Stuart. - Para lhes
dar as boas vindas.
- O que... francamente! - exclamou Amanda com secura depois de abrir a porta,
com um forte empurrão para que batesse na parede. - Gostaria de tomar um banho, tia
Kathleen. Quente. Suponho que tenha instalação de água. Água quente.
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- Se nos desculpar, Stuart, acompanharei às garotas a seus quartos, para que se
instalem- comentou Red, que havia tornado a se ruborizar. - Espero que fique
novamente para o jantar.
Produziu-se um silêncio incômodo, logo que Red levou às mulheres escada
acima. Pai e filho se olharam, mas nenhum dos dois abriu a boca.
Chad sentiu saudades de seu pai, embora não o admitisse. Caramba, estava
encantado de voltar a vê-lo. Ele era alto, mas seu pai lhe tirava uns centímetros. Em
seus cinquenta e dois anos, Stuart tinha ainda os cabelos negros como o azeviche,
como se tivesse a idade de Chad, e também usava bigode, mas a semelhança
terminava aí. Tinha os ombros mais largos, as pernas mais largas, suas maneiras eram
bruscas e era dogmático... bom, possivelmente se parecessem mais do que Chad queria
reconhecer.
Como tinha passado bastante tempo, esperava poder reconciliar-se com ele.
Esperava, mas não estava certo. Ambos eram teimosos e podiam perder facilmente os
estribos de novo.
Os Kinkaid não brigavam em público, se pudessem evitá-lo, embora o público
se inteirava em seguida de suas rixas. No geral, porque eram fortes. Mas como as
mulheres saíram para o quarto bastante rápido, ambos tiveram paciência. Assim que
ficaram sozinhos, Stuart começou a discussão em um tom acusador.
- Então, esteve escondido aqui?
- Me escondendo? - Chad arqueou uma sobrancelha. - Red necessitava de ajuda;
se não, teria seguido meu caminho. Espero que não tenha te queixado do fato de ter
me deixado ficar aqui, não gostaria que lhe dissesse isso.
- Claro que não - assegurou Stuart na defensiva. - Red é muito boa. Essa mulher
é valente ao tentar conservar este rancho, depois da morte de Frank.
Stuart se deu conta de que tinha começado mal, e clareou a garganta, antes de
seguir falando.
- Pelo que ouvi ontem de noite, ainda necessita de ajuda - disse em um tom mais
suave, embora um pouco bronco. - Posso lhe enviar alguns de meus capatazes.
- Está insinuando, que não darei conta do serviço, aqui?
- Não procure algo em que fincar o dente. Nós dois sabemos, que pode te
encarregar do que quiser.
Chad assentiu com brutalidade, aproximou-se da chaminé fria e dirigiu o olhar
ao espelho recém pendurado, embora não para ver-se, e sim para observar ao pai. O
reencontro estava sendo melhor do que esperou. Claro que não tinham chegado ainda
ao fundo, de suas diferenças.
- Perdeu um de seus homens - comentou Chad.
- Seriamente?
- Chegará em seguida, com a bagagem. Terão que desatá-lo.
- Sinto muito. - Stuart riu. - Ontem me impacientei um pouco.
- Eu tinha imaginado isso. Que diabos faz cavalgando com Leroy? Não é seu
estilo.
- Estava toda a semana por perto, esperando trabalho e pondo nervosos alguns
62
dos homens- esclareceu Stuart enquanto encolhia os ombros. - Imaginei que o enviava
para perder tempo, que apareceria por aqui, antes de que ele te encontrasse, e que
partiria, então. Não imaginei que se atrasaria na viagem por causa de uma carruagem e
fosse demorar mais um dia para chegar.
- Eu tampouco imaginava isso, mas uma das moças, se negou a viajar do modo
normal.
- A ruidosa?
Chad fez cara feia. Por certo Stuart, ouviu os gritos fora da casa. Amanda gritou
tanto, que deviam saber de tudo, até mesmo em outros ranchos.
Começou a dar explicações, embora não soubesse muito bem por que.
- Teve problemas com a viagem desde o primeiro dia. Não queria vir para cá,
detesta viajar. Mas sua atitude melhorará agora que a viagem terminou.
- Não te engane, moço. É suscetível por natureza, já vi algumas assim. Pode ser
que resulte uma pessoa muito malcriada. Muito bonita, por certo. Suponho, que captou
seu interesse.
- Um pouco - admitiu Chad.
- Sério?
- Ainda não... talvez.
- Bem - grunhiu Stuart. - As suscetíveis não deixam de sê-lo.
- Já te disse que teve problemas. Embora não seja teu assunto. Desde quando é
um perito em suscetíveis?
- Desde que passei dois meses com a mãe de Luella - murmurou Stuart.
Chad soltou uma gargalhada. Não pôde evitá-lo. O olhar vazio de Luella era
reflexo de sua cabeça, mas sua mãe esteve de bate-papo ininterrupto nas poucas vezes,
que coincidiu com ela, algo que deve ter piorar muito, depois dele ter ido embora.
Passado um momento, Stuart sorriu, mas só um instante. Como ainda não
tinham solucionado as coisas, não ia relaxar muito. De fato, chegou por fim ao tema,
que ambos esperavam.
- Está preparado para voltar para casa, filho?
- Está preparado para admitir que, com quem eu me case, não é tua escolha?
- Podemos falar sobre isso novamente?
- Já o fizemos. Eu falei. Você não escutou - lhe recordou Chad.
- Não deu nenhuma oportunidade a Luella - se apressou a indicar Stuart.
- Não demorei nem cinco minutos, em saber que não queria ter nada que ver
com ela.
- Mas é bonita - se queixou Stuart.
- Então se case você com ela.
- Nem morto.
- Porque não? É bonita - lhe devolveu Chad o raciocínio.
- É muito jovem para mim - comentou Stuart.
-E é muito burra para mim. Podemos dizer então que nenhum dos dois, quer
que ela entre para a família, e deixar o tema de lado? Ou ainda estão no rancho? -
perguntou Chad com o cenho franzido. - Porque se ainda estão no rancho...
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- Já não estão mais - lhe interrompeu Stuart. - Voltaram para casa no mês
passado. Te teria esperado indefinidamente, porque gostava da idéia de casar-se
contigo, gostava de verdade, mas seu pai, considerou que sua ausência era insultante e
veio buscá-las. E já era hora. Sua mãe estava me deixando louco.
- Suponho que então, posso voltar para casa assim que resolver as coisas por
aqui. - Chad sorriu.
- Já lhe disse, enviarei a...
-Terminarei o que comecei - lhe interrompeu Chad.
- Espero que não queira ficar para cortejar à suscetível - refletiu Stuart com o
cenho franzido.
Chad incomodou-se com seu pai chamando assim, a Amanda, ora, ele nem a conhecia.
- Esclareçamos pelo menos uma coisa. Estaria bem melhor se aprovasse com
quem me caso, mas não é necessário.
- Se deseja que sua mulher viva sob meu teto - grunhiu Stuart com
agressividade, - suponho que posso dar minha opinião a respeito.
- Quem diz que vamos viver sob seu teto? - replicou Chad. - Poderíamos, mas
também poderia construir minha própria casa para minha mulher e assim, você não
teria que aturá-la.
Stuart refletiu por um segundo sobre a idéia e riu.
- Está bem. Sim, estou de acordo. Faça como quiser, filho, se não quer duplicar
meu império, pelo menos me dê muitos netos, que possam fazê-lo.
- Quanto a isso, fique sossegado. Mas basta de me empurrar e buscar uma noiva.
Trato feito?
- Maldito seja - exclamou Stuart, com um sorriso enorme, enquanto lhe dava
palmadas nas costas, - que bom te ter em casa.
Chad era consciente de que não lhe tinha respondido. Seu pai gostava de ter
rotas de escapatórias. Mas tinha razão. Era bom estar em casa, e outra vez com boas
relações com o pai.
CAPÍTULO 19
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Red começava a descer as escadas para atender a seus outros convidados,
quando começou o ruído. Voltou-se, retornou ao quarto de suas sobrinhas e encontrou-
se com a criada, que saía. Ao vê-la, Ela Mae sacudiu a cabeça.
- É melhor que não se meta, senhora - lhe advertiu. - Teriam que tê-lo feito
muito antes. Será mais fácil viver com elas depois.
Red mordeu os lábios. Não precisou muito para decifrar o que queria dizer a
criada. O ruído era evidente, o problema é que era difícil não intervir.
- Mas não se machucarão?
- Não mais que dois gatos em um beco. Não sabem brigar de verdade. Alguns
arranhões, possivelmente um machucado, e muito quedas. Não é a primeira vez,
senhora.
- Entendo.
Red não soube o que dizer mais, afinal, não entendia absolutamente. Quem
brigava do outro lado da porta não eram criaturas, eram mulheres adultas. E embora, o
que tinha ocorrido na frente da casa deixava claro que suas sobrinhas, ou uma delas,
ao menos, ia ser um problema, só não sabia, até que ponto.
Seu irmão tinha toda a culpa. Sabia que Mortimer não seria um bom pai, como
não foi um bom irmão. A classe de favoritismo que tinha exercido desde sua infância,
não era normal. Tinha eleito a sua irmã gêmea para que fosse sua fiel companheira, e
ambos davam a Red a mesma atenção que se estivesse morta, salvo quando queriam
lhe esfregar no nariz, que não a queriam nunca, em seu pequeno círculo. Crescera com
isso, odiou a seu irmão por isso e viu como voltava a acontecer, quando nasceram suas
filhas.
Foi a razão principal, que Red desejou ir-se de Haverhill, e para que se casasse
com Frank Dunn, que planejava montar um rancho no Oeste. Não o amava. Fora um
meio para obter um fim. Imaginou que transladar-se ao oeste a levaria o bastante longe
de seu irmão, para permitir-se um pouco de paz e felicidade. E assim foi. Não teve
mais contato com Mortimer e sua família. Não queria ter.
Usou Frank. Não havia uma forma mais suave de dizê-lo. Mas lhe compensara
sendo uma boa esposa. Não teve queixa dela e não a culpou por não lhe dar nenhum
filho. De fato, não podia fazê-lo, porque um médico dera a entender que a culpa era de
Frank e não dela. Depois disso, Frank se havia sentido culpado por não lhe haver dado
filhos, mas a vida era assim e a teve boa até sua morte.
Bom, na realidade, fora mais que boa, confortável. E embora outro homem fosse
capaz de lhe acelerar o coração, isso somente ela sabia.
Seu coração se acelerou muito na noite anterior, quando Stuart se apresentou e
mais ou menos se convidado para o jantar. Mas conseguira superar o encontro, sem
fazer ridículo, pelo menos era o que imaginava.
Red soltara uma ou outra risadinha, o que poucas vezes fazia. Esteve muito mais
tímida. E não se ruborizou tanto, desde que era jovem. Mas nunca antes, esteve a sós
com Stuart. Sempre que o viu , havia gente por perto.
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Não esperou que fosse ser diferente na noite anterior, quando tinha convidado a
ele e seus homens, para jantar, enquanto esperavam que chegasse Chad. Mas não
sabia, que seus homens não comiam nunca com ele, e que só ele estaria sentado na
sala, quando ela chegou para jantar, e começou a comportar-se como uma colegial.
Entretanto, o mais provável era que Stuart tivesse pensado que aquela conduta
estranha obedecia à culpa que sentia ela, por ter afastado seu filho, nos últimos três
meses sem que ele se inteirasse, quando todo mundo sabia, que o estava procurando.
Stuart, pelo menos, não fez nenhum comentário. E não deu amostras de que estivesse
decepcionado, quando lhe explicou por que Chad estava em sua casa. De fato, brigou
um pouco com ela por não lhe haver pedido ajuda, quando necessitava.
Ofereceu a Stuart, que dormisse em sua casa, quando resultou evidente que
Chad não ia aparecer nessa noite. Seus homens se instalaram no barracão, mas não
cabia dúvidas, de que o rancheiro mais importante do condado não poderia passar a
noite ali. Com ele do outro lado do corredor, não tinha pregado o olho, claro. E na
hora do café da manhã, sumiu de propósito. Não havia tornado a vê-lo, até que a
criada foi dizer-lhe, que as garotas estavam chegando.
Eram muitas surpresas.
Eram gêmeas, embora não era provável que as pessoas percebessem isso
imediatamente. Recordava que, quando pequenas, eram idênticas e era difícil de
distingui-las. Mas já não era o caso.
Marian, coitada, teve que apresentar-se. À primeira vista, Red a tomou por uma
criada. Mas em seguida, se deu conta de seu engano ao examiná-la melhor. Tinha um
aspecto muito estranho com aqueles óculos; era uma lástima que tivesse que usá-los.
Amanda, ao contrário, era tão linda como devia esperar. Já de pequenas,
resultava evidente que suas sobrinhas seriam umas belezas, e no caso de Amanda, foi
assim. Sua conduta, de certo modo, também era a esperada: era assombroso o muito
que se parecia com a irmã de Red. E exatamente pelo motivo que Red foi embora de
casa. Negou-se a presenciar, como o favoritismo de seu irmão dividia a suas filhas,
assim como fez com suas irmãs.
Não esteve ali para vê-lo, mas era evidente, que tinha ocorrido como ela
imaginou. O pouco que viu até aquele momento já dizia tudo. Amanda, se tinha
convertido em uma bruxa malcriada. Marian se tinha convertido em uma pacata total.
Bom, talvez não. Uma pacata não estaria acostumada a brigar como uma tigresa...
Logo abaixo, Stuart continuava se divertindo. Tinha-o feito, depois do terceiro
estrépito procedente do piso superior. O primeiro, foi só surpreendente, o segundo foi
curioso, mas o terceiro... era sem dúvida uma briga, e cada ruído posterior, lhe
provocava outra gargalhada.
Chad sabia muito bem o que divertia tanto a Stuart. Pode ser, que a escolhida de
seu pai para ele não tivesse muita luz, mas era linda e tranquila. Enquanto que a
mulher pela qual ele manifestava interesse, estava lá em cima rompendo os móveis, e
Deus sabia mais o que, e também gritava bastante forte, para fazer saltar as vigas.
- Sinto muito pela feia - comentou Stuart quando recuperou o fôlego.
- Sim, estou notando - respondeu Chad com secura, e depois se sentiu obrigado
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a acrescentar: - E Marian não é feia, só é cega como uma toupeira.
- Como é? Então não poderá resistir por muito tempo. A outra tem muito mau
gênio. Vi-o pelo modo com que golpeou essa porta.
- Sente-se obrigado a insultar Amanda desse modo, só porque eu poderia estar
interessado nela? - perguntou Chad com o cenho franzido.
- Estava-a insultando? - replicou Stuart com inocência.
Chad dirigiu um olhar de indignação a seu pai, o que lhe arrancou outra
gargalhada. E embora fosse possível que Stuart só quisesse se divertir, seus
comentários lhe tinham preocupado. A solteirona não lhe caía bem, mas tampouco
queria que lhe fizessem mal.
Sem pensar mais, dirigiu-se para as escadas. Stuart o chamou.
- Requer armadura para pôr fim a uma briga entre mulheres. Uma vez vi, como
duas atacavam a um homem que tentava. Quase lhe arrancaram os olhos.
Supunha que isso iria detê-lo? Em especial quando Stuart ria de novo? Mas Red,
que descia as escadas então, lhe impediu de passar.
- Não se intrometa - disse, ao ver seu olhar resolvido. - Me disseram que é
normal.
- Quem lhe disse isso?
- Sua criada. Está lá em cima vigiando a porta. Parece acreditar, que as duas
estarão de melhor humor depois de desafogar-se deste modo.
Red ainda parecia aturdida. Rodeou-lhe os ombros com um braço, em um gesto
carinhoso. Devia estar se sentindo mal. Era certo que esperou algo muito diferente.
Tratou de amenizar a situação.
- Certamente a criada tem razão. Foi uma viagem terrível para elas: assaltaram
seu trem, atracaram sua diligência, apareceu um homem em plena noite, para tentar
me levar até minha casa na ponta do revólver. Uma coisa, atrás de outra, desde que seu
navio atracou, e procedem de uma cidade tranquila do Leste, onde nunca ocorre
grande coisa. Qualquer um explodiria.
- Não tem que justificar. - Olhou-o com curiosidade.
- Eu sei. Só tentava fazer com que soasse melhor - Respondeu Chad.
Red o contemplou zangada, o que fez, com que ruborizasse um pouco,
Supunha-se que queria consolar a ela, e não sentir-se melhor a ele.
Os dois observaram mais ou menos juntos, que o ruído, tinha cessado detrás
deles. Não de tudo. As garotas estavam se falando. Não se distinguia o que diziam,
mas isso significava que nenhuma das duas estava morta.
- Te faça um favor, Red - comentou Chad, muito a sério para sua amiga. - Case-
as logo e tire de cima de ti esse problema. Aconselho-lhe isso.
- E pensa em me ajudar a obter isso? - respondeu-lhe Red, com um sorriso.
- Se só eu precisar de muito agito ou se começar a comportar-se, como uma
dama que deveria ser, aí... pode ser que sim.
- Fala no singular? Não importa, posso imaginar. - Olhou-o com tristeza e
suspirou. - Esperemos que tenha razão.
Perguntou-se, por que Red parecia triste de repente, mas preferiu não averiguá-
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lo. Possivelmente fosse só uma reação normal, ante aquele reencontro com suas
sobrinhas. E quem poderia culpá-la, por estar tão decepcionada?
CAPÍTULO 20
Em casa, Marian, não se detinha nunca, a pensar do ruído que Amanda e ela
faziam quando se atacavam mutuamente. Tiveram o cuidado de manter essas brigas
em privado. E, como ninguém nunca fez nenhum comentário a respeito, supôs que
ninguém sabia.
Quanto a briga de hoje, não poderia ser evitada. Quase estalou em público, no
alpendre. Mas Amanda, esteve com razão e esperou a que elas estivessem sozinhas.
Graças a Deus, tinham quartos separados. Apesar de tudo, Amanda não ficou
com o que lhe correspondia, e as tinha seguido, quando sua tia mostrava a Marian o
seu. Marian soube então, o que ocorreria, e estava preparada. Ela Mae também sabia, e
para impedi-lo, não partiu quando Kathleen o fez. Mas Amanda lhe pediu que saísse.
E assim que fechou a porta, pulou sobre Marian.
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Foi uma de suas brigas mais violentas. As duas terminaram com mechas de
cabelos nas mãos, pele sob as unhas, marca de dentes e um montão de machucados.
Mesmo assim, e embora parecesse mentira, nenhuma só marca, lhes chegava até o
rosto. Era quase uma norma tácita entre ambas, esta de que as caras estavam proibidas.
Todos os outros lugares, podiam ocultar-se, mas as marcar faciais evidenciariam suas
indignas guerras. Além disso, arranhar uma cara, era como arranhar a si mesmo,
quando ambas eram idênticas.
Não houve ganhadora. Quase nunca havia. Suas brigas terminavam quando
ambas estavam esgotadas, e como tinham similares condições físicas, estavam
acostumadas a esgotar-se mais ou menos na mesma hora. Esta, não foi distinta, e logo
se foi reduzindo os insultos verbais, como ocorria quase sempre.
- Poderia, ao menos, ter esperado que nossa tia te conhecesse um pouco melhor,
antes de lhe mostrar a bruxa que pode ser - disse Marian enquanto subia à cama.
- Por quê? - replicou Amanda, que se tinha dirigido diretamente para o espelho
mais próximo e colocou-se a examinar a cara. - Não penso ficar aqui o tempo
suficiente para conhecer nada.
- E aonde irá?
- Para casa, é obvio.
- Com um marido atrás? Seriamente crê? Que encontrará alguém aqui que se
case contigo tão depressa?
- Não seja tonta - exclamou Amanda, voltando-se para Marian. - Aqui não há
ninguém digno de mim.
- Então, vai renunciar a sua herança? - concluiu Marian.
- Olhe, você é mesmo mil vezes burra vezes, Mari. Não, não vim até aqui, para
renunciar a nada. A tia Kathleen estará muito contente de nos enviar de volta para
casa, e com seu consentimento adiantado, para qualquer homem com o que queira me
casar.
- Tantos dores de cabeça, pensa lhe dar?
- Se for necessário - sussurrou Amanda.
Marian sacudiu a cabeça. Não se surpreendia. Amanda, poucas vezes, fazia as
coisas sem um motivo.
- Por mais que eu gostaria de ver-te partir, não te engane, algumas pessoas
tomam a sério seus deveres, Mandy.
- Não me chame assim. Amanda é muito mais sofisticado que esse apelido
infantil.
- Mas te serve como a um anel, irmãzinha d’minha alma.
- Como suas tentativas infantis de ocultar que somos gêmeas? Esse tipo de anel?
Marian sorriu, quando os lábios de Amanda se torceram de cólera. Demorou
muitos anos em ter a pele bastante curtida, para que os insultos de sua irmã não lhe
afetassem. Dava uma impressão de indiferença. E se desforrava da melhor maneira
possível. Enquanto não houvesse ninguém mais no lugar, enquanto fossem só as duas,
não se deixava intimidar. Marian só se mostrava parva, quando alguém mais, corria o
risco de atrair o desumano interesse de Amanda.
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- Quer voltar a ter competição? - respondeu Marian com um olhar fingido de
surpresa. - Ora, já não suporta ser o centro da atenção? Caramba, pois por que não o
disse antes...
- Oh, se cale.
Marian, deveria sentir-se um pouco melhor, por ter ganho a roda verbal em todo
caso. Amanda partiu zangada. Marian se recostou, para esperar o banho prometido. E
só podia pensar em se Amanda, teria ouvido como apresentavam a Stuart Kinkaid.
Se fosse assim, teria tirado a Chad, da lista de “empregados” e o teria
transladado a de “pendentes de receber uma herança”. E se proporia a cativá-lo, atraí-
lo e lhe amarrar as emoções com um estreito nó, que jamais soltaria. Não porque o
quisesse, mas sim porque podia. Porque adorava manipular assim aos homens. Era
algo que lhe fazia muito bem.
Se por acaso, isso não fosse preocupação suficiente, quando desceu mais tarde,
Marian descobriu quase imediatamente, que a briga com sua irmã, não tinha passado
despercebida, ou melhor, sem ser ouvida. Sua tia, foi a primeira em lhe perguntar se
estava bem. Poderia ter pensado que se referia, a seu estado físico geral depois da
viagem, se não tivesse sido o fato de que parecesse preocupada. E, logo, Chad lhe
perguntou discretamente o mesmo, e parecia igualmente preocupado.
Bom, certo, se sentiu tão envergonhada que estava disposta a sair correndo
escada acima e não voltar a descer nunca mais. Mas aí, chegou o pai de Chad, que
estava lá fora, e a olhou de cima a baixo.
- Jesus, que me crucifiquem - exclamou. - Então, ganhou você? Muito bem
feito, minha jovem.
Compreendeu, envergonhada, que sua hipótese, se apoiava na falta de marcas
visíveis. Não podia imaginar de onde tirou a coragem para lhe responder.
- Não, ninguém ganhou- assegurou.
- É uma lástima, - queixou-se Stuart, e acrescentou com brutalidade: - A
próxima vez ganhe. Isso faz com que as marcas, valham a pena.
Riu. Meio histérica, mas mesmo assim, riu. E sentiu que sua vergonha se
desvanecia.
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CAPÍTULO 21
Marian começava a precaver-se de que em Tejas, as pessoas podiam ver as
coisas de modo diferente do Leste. Se tinha se envergonhado antes, era sobretudo,
porque em Haverhill até os criados teriam desdenhado de uma conduta tão pouco
própria de uma dama. As pessoas de sua idade se teria escandalizado. Seu pai a teria
castigado muito e, claro, mimado a Amanda até que se sentisse melhor. Todo isso
impedia às garotas de arejarem suas diferenças em público, o que, às vezes, punha a
prova, sua paciência ao limite.
Mas aqui, era muito diferente. Em dois dos lugarejos pelos que tinha passado,
viram homens, que brigavam na rua. Em um, acabava de terminar um tiroteio.
Embora, com a abundância de ladrões que havia na zona, não era estranho que as
pessoas decentes sucumbissem a seus instintos básicos. Se tinham diferenças,
resolviam com os punhos ou as armas. Bom, pelo menos os homens. E, ao parecer, as
mulheres, também podiam fazê-lo, sem que se arqueassem muitas sobrancelhas.
Marian pôs em ordem estas idéias, enquanto escutava como Chad e seu pai
“ficavam em dia”; não se viam, fazia já, meses. E Kathleen, ficou sabendo dos
comentários sobre os assaltantes, um ataque a um banco que tinha ocorrido a menos de
setenta quilômetros, um tiroteio entre dois dos peões de Stuart, ao que ambos
sobreviveram, mas que lhes custou o emprego, e um ladrão de cavalos ao qual o
tinham levado à forca antes que o julgassem.
Fascinava-lhe ver, que a sua tia, todas essas coisas não impressionavam
absolutamente. Claro que Kathleen era uma surpresa em muitos sentidos.
Não era tão velha como Marian esperava. Se era, não parecia. Tinha os cabelos
tão ruivo como se lembrava. Tinha-o, recolhido em uma trança. A blusa branca e a
singela saia marrom que vestia, careciam de qualquer adorno. Não usava nenhuma
jóia, nem sequer uma aliança que indicasse que era viúva. Mas tinha um sorriso
maravilhoso. Quem necessitava de fitas e adornos com um sorriso como aquele?
Com sua pele bronzeada e seu traje singelo, não estava nada na moda, embora
fosse, de todos os modos, uma mulher atrativa. Bem formada, além disso, e de aspecto
saudável. Kathleen, divertida, franca e relaxada, porque Amanda ainda não tinha
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aparecido para criar tensões, era uma mulher como ela própria, Marian, gostaria de
ser, assim, esta sentiu alívio ao ver, que já gostava muitíssimo da tia.
Surpreendentemente, voltaram a surgir tensões sem a ajuda de Amanda, quando
Spencer Evans chegou como tinha prometido, para buscar a carruagem emprestada, e
tão tarde que Kathleen se viu obrigada a convidá-lo para jantar, assim como a que
ficasse para dormir. Já não lhe sobram quartos vazios, dado que Stuart ia passar
também essa noite ali, e as garotas e sua criada, ocupavam quartos separadas.
- O barracão será perfeito, Red - assegurou Spencer, enquanto sentava-se em um
dos sofás.
Marian, se incomodou um pouco com o fato de Spencer, chamar sua tia pelo
apelido. Pouco lhe importava que ouvisse Chad dizer o mesmo, com ele, parecia que
estava tudo bem. O problema era que tinha percebido que havia alguma coisa entre
Chad e Spencer, assim, não tinha simpatizado muito com ele, era evidente que Chad
não gostava dele.
Kathleen era, entretanto, uma anfitriã gentil, apesar de não conhecer muito a
Spencer. Stuart o tratava como a um velho amigo, mas logo descobriria que ele tratava
assim a todo mundo, a não ser que lhe dessem motivos para não fazê-lo. Chad apenas
lhe dirigia a palavra, e vice-versa, o que talvez fosse uma sorte. A tensão entre eles
dois era evidente demais.
E, embora Marian, estivesse acostumada e até agradecia quando não lhe davam
atenção, como fazia agora, Spencer, resultava-lhe bastante insultante que a ignorasse
de um modo tão crítico, como se na realidade não a visse. A maioria dos homens a
olhavam, embora afastassem os olhos dela em seguida, mas Spencer, se empenhava
em evitar até mesmo lhe dirigir o olhar sequer uma vez.
Por sorte, Kathleen não tentou apresentá-los, depois de que Spencer afirmasse
imediatamente que as tinha conhecido no dia anterior. “Sobrinha”, não sobrinhas. Mas
Kathleen supôs que se referia a que estava presente. Embora para Marian, era evidente
que quis dizer aquela, cuja presença estava esperando ansiosamente.
Amanda desceu bastante tarde, tanto que Kathleen já não podia mais postergar o
jantar (a cozinheira tinha enviado três vezes a sua filha Rita, com olhares e
movimentos de cabeça que indicavam a sala de jantar). Kathleen, nervosa porque não
estava acostumada a ter tanta companhia, nem a fazê-la esperar quando aromas tão
apetitosos flutuavam pela casa, conduziu todo mundo até a bendita sala.
Como era de esperar, pelo menos para Marian, Amanda chegou assim que todos
estavam sentados. Depois então, fez sua entrada majestosa, afinal era esse o seu ponto
forte, e adorava fazer as pessoas esperarem por ela. Ela acreditava que valia à pena
esperá-la. Por desgraça, a maioria dos homens, parecia pensar com ela, e os que
estavam presentes, não eram nenhuma exceção.
Não podia negar-se que Amanda usava excepcionalmente bela. Usava os
cabelos recém lavados e muito bem penteados. Ela Mae tinha perdido muito tempo
para engomar um de seus vestidos mais bonitos. E contava ponto também, o fato de
que ela tivesse dormido toda uma tarde.
Em qualquer dos caso, era toda sorrisos quando anunciou:
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- Lamento lhes haver feito esperar, cavalheiros. Mas compreenderão que depois
de uma viagem tão horrível, necessitava um pouco de descanso extra.
Spencer e Chad se levantaram de repente com uma ridícula expressão de
fascinação na cara. Até o Stuart ficou boquiaberto ao contemplar a maravilha que
tinha em frente. Só Marian observou como tinha excluído deliberadamente a sua tia da
saudação. Bom, pode ser que Kathleen também tenha percebido isso.
Amanda se dedicou então a atender a seus admiradores na sala. Estava muito
encantadora, o que significava que decidiu cativar a todos o homens presentes,
incluído o pai de Chad. Com certeza se divertiria com o fato de que pai e filho,
brigassem por ela.
Mas lhe aguardava uma surpresa, uma doce surpresa. Pode até ser que Stuart
admirasse sua beleza por um momento, entretanto, não passou muito tempo antes que
fosse evidente que lhe interessava mais a comida, que uma mimada jovem o bastante,
para ser sua filha.
Marian estava perto dele e lhe ouviu sussurrar a Kathleen:
- Zangar-te-ia se subornasse a sua cozinheira para que fosse trabalhar em minha
casa, Red?
- É claro que sim.
- Ontem de noite acreditei que teve sorte. - Franziu o cenho, embora era óbvio
que estava brincando. - Mas hoje, já não posso negá-lo: poucas vezes comi tão bem.
Está certa que te zangaria?
- Não se pode roubar a cozinheira de uma mulher, sobretudo quando essa
mulher não sabe cozinhar nada.
- Então suponho que terei que vir aqui com mais frequência - comentou depois
de uma gargalhada, ao ouvir sua advertência. - Espero que não se importe com
companhia.
- Absolutamente. Pode vir sempre que quiser.
Marian percebeu o rubor de sua tia, da mesma forma que percebeu também que
Stuart parecia encantado com isso. Não sabia se ele estava consciente desse fato ou
não. Os sinais eram sutis, mas estavam ali: o rubor de sua tia quando não se havia dito
nada que o provocasse, olhadas encobertas quando acreditava que ninguém a via.
Meu Deus, Marian esperava que o que sentia por Chad, não fosse tão evidente.
Pode até ser que fosse, mas como ninguém lhe prestava atenção, ninguém, exceto Ela
Mae, não tinha como averiguá-lo. Ela também se ruborizava frequentemente e sem
motivo algum, salvo pelo fato de que estava sentada junto com Chad à mesa.
Os joelhos se raspavam, davam-se cotoveladas. Marian sussurrou desculpas
muitas vezes, inclusive, quando não era culpa dela. Mas ele não parecia ouvi-la, estava
escutando cada palavra que saía dos lábios de Amanda. Pisou-lhe em um pé de
propósito. Com força. Mas Chad, nem sequer deu conta disso.
Quando se serviam da sobremesa, Chad lhe disse em um dado momento:
- Se não soubesse a pouca coordenação que tem, acreditaria que estava me
atacando. Por que raios ficou vermelha? Só queria provocá-la um pouco.
Os homens não a provocavam. Não era o tipo de mulher que alguém sentisse
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prazer em provocar. E, além disso, tinha-lhe estado atacando porque era evidente que
estava fazendo ridículo a respeito de Amanda.
Economizou a resposta, porque Amanda percebeu que tinha perdido a atenção
de Chad por um momento e, como de costume, dirigiu-lhe o comentário seguinte para
recuperá-lo. Algo que incomodou muito a Spencer, que tentou captar a atenção de
Amanda em exclusividade. A ele sim, tinha conquistado.
Spencer tinha falado de seu saloon. Em Marian, o nome pareceu estranho e o
mencionou a Kathleen, que estava sentada a sua esquerda.
- Ouvi bem? Seu local de trabalho se chama de verdade Not Fere?
- Sim - respondeu Red .
- Mas isso significa “aqui não”. Não parece um nome estranho para um saloon?
- Não mais que os outros. Aqui, quando se trata de pôr nomes nas coisas, quanto
mais extravagante, melhor parece a idéia.
- Agora que o diz - admitiu Marian, - suponho que vi uns quantos letreiros
estranhos durante a viagem, tanto que não podia imaginar que casta de negócios
anunciavam.
- Neste caso - assentiu Kathleen, - chamou-se Not Fere. Para indicar que não se
servia chá, embora não tenha nada de formidável nisso. Acredito que o velho Evans só
queria assegurar-se de que os clientes não se confundissem sobre a categoria do local
em que entravam.
- O que não deve ter ocorrido nunca - concluiu Marian.
- Entretanto, as pessoas se acostumaram ao Not Fere. Resulta que inclusive há
uma lápide no cemitério em nome de um tal Andy, com uma alusão bastante divertida
ao Not Fere. Teria sido uma lástima mudá-lo, mesmo se houvesse um consenso geral.
- Bom, isso realmente imortalizou o nome, não é verdade? - sorriu Marian.
- Não é que ninguém soubesse quem era Andy - comentou Chad do outro lado. -
Ele era um desgraçado que vinha de passagem e morreu no saloon quando acabavam
de pendurar o novo letreiro. Então, ao velho Evans que tiravam o sarro no nome, e o
marmorista local decidiram somar-se à brincadeira essa inscrição.
Marian voltou a ruborizar-se. Estava escutando sua conversação com a tia no
lugar da de Amanda? Na realidade, não era tão estranho assim, se parasse para pensar.
Amanda podia encantar aos homens, mas o fazia com sua beleza, não com uma
personalidade brilhante ou uma conversação interessante. Sua conversação estava
acostumada a logo tornar-se aborrecida, já que se centralizava em si mesma.
74
CAPÍTULO 22
Marian recebeu o novo dia com uma agradável sensação de otimismo. O sol
brilhava com força. Até o quarto, lhe chegava o aroma de pãezinhos recém feitos.
Gostava da casa onde ia viver e também do quarto que lhe atribuíram. Era bastante
grande, com muitas janelas que ofereciam brisas suaves, e se achava em uma esquina,
de um lado dava para o barracão, à cocheira e ao jardim dos fundos da casa, e do
outro, uma vista clara e panorâmica até onde alcançavam os olhos.
Se encontrasse os materiais em Trenton, poderia voltar a pintar. Havia espaço
para um cavalete, e muita luz. Abandonou esse passatempo alegre, fazia vários anos,
quando quis pendurar seu melhor quadro no salão e seu pai riu da idéia, para começar
e depois a menosprezar seu talento, igual a Amanda. Não havia tornado a pegar em um
pincel.
Mas agora, só restava sua irmã para burlar-se de seus intentos e esperava que
não fosse assim por muito tempo. Quem sabe agora Amanda conseguisse o que tanto
desejava e retornasse para casa com o consentimento de Kathleen para casar-se com
quem quiser, ou mesmo, aceitasse qualquer proposta de casamento e conseguisse
arrastar o marido para casa com ela, Marian suspeitava que seria logo, já que Amanda
não perdia tempo, uma vez que decidisse por algo assim. O que explicava grande parte
de seu otimismo.
Marian sabia que se aproximava o momento de deixar de mudar seu aspecto
natural e de começar a levar uma vida normal. Isso era motivo de entusiasmo. Estava
muito cansada de disfarces, e de ter que insultar aos homens para que não a olhassem.
Tinha feito sempre isso em casa, e o resultado era que a desprezassem. Mas agora,
poderia começar do zero, se Amanda partisse logo, tudo era possível.
Ali só havia um homem que a desprezasse por enquanto, e esperava poder
mantê-lo assim. Era uma lástima que resultasse ser o único homem que lhe tinha
acelerado o pulso em toda sua vida. Entretanto, o resto de seu otimismo guardava um
cantinho para ele. Poderia fazê-lo entender, se explicasse tudo. Poderiam começar do
zero, sem mais pretensão por parte de Amanda, isso se ela não decidisse usá-lo como
meio, para voltar para casa.
Que estivesse então fascinado por Amanda, não era um problema tão grande
como parecia. A maioria dos homens jovens estavam até que se mostrava tal como era
na realidade. Chad não parecia ter sucumbido ainda por completo ao feitiço de
Amanda, já que tinha podido prestar atenção a ela duas vezes durante o jantar da noite
anterior. Inclusive a tinha provocado, ou assim havia dito. De modo que talvez, não a
desprezasse de tudo.
75
Marian pensava em tudo isso enquanto se vestia para descer, e nada mais eram,
a não ser esperanças, mas, mesmo assim, sentia-se muito otimista. De fato não podia
recordar da última vez que esteve de tão bom humor.
Ela estava muito preocupada com sua chegada e foi recebida, de uma forma em
que nem teria acreditado. Vejam só, além de tudo, Kathleen era irmã de Mortimer.
Poderia ter sido como ele. Mas já não o era. Absolutamente. E todos os temores de
Marian se desvaneceram com a calorosa acolhida que tinha recebido.
O grande salão estava vazio quando chegou. Encontrou a cozinha, mas nela só
achou Consola, a cozinheira: uma mulher corpulenta de meia idade e que
evidentemente gostava de comer o que cozinhava. Consola era de ascendência
mexicana, mas tinha nascido e se criado em Tejas, assim, tinha o mesmo sotaque
preguiçoso que Marian estava ouvindo desde sua chegada.
Consola pôs para Marian, um prato cheio de comida nas mãos, sem o menor
comentário; mais comida do que podia engolir durante todo o dia. Mesmo assim,
sentou-se à mesa de jantar e procurou comer boa parte.
- Cheguei tarde?
- Depende do que pensa fazer - respondeu a cozinheira encolhendo-se de
ombros. - Se quer tomar o café da manhã com Red, terá que levantar-se ao amanhecer.
Aqui a jornada começa cedo; estamos em um rancho de trabalho. Mas não temos
horários para comer. Sirvo a Red quando se levanta e quando vem por volta do meio-
dia, se vier. Não o faz sempre. E de novo ao anoitecer. Há comida disponível em
qualquer momento do dia, assim venha se servir quando quiser.
A mulher parecia um pouco envergonhada. Marian supôs que não estava
acostumada a falar tanto, ou a que outra pessoa, que não fosse Kathleen ou sua filha
Rita, invadisse-lhe a cozinha.
- Obrigada - Marian sorriu. - Tratarei de levantar-me mais cedo para poder
tomar o café da manhã com minha tia. Acredito que gostaria disso.
A mulher lhe devolveu o sorriso. Marian teve a sensação de haver dito o correto
e de que acabavam de aceitá-la como membro da casa.
Amanda seguia dormindo, é obvio. Para ela era normal passar doze horas na
cama, estivesse ou não com sono. Chamava-o “descansar para estar bela”. Marian
imaginou que Stuart já teria ido embora da casa e que Spencer também teria partido ou
se levantaria tarde, devido aos horários que tinha como proprietário de um saloon.
Chad, ao que parece, estava fazendo o que fosse que fazia para Kathleen, assim não
esperava vê-lo nesse dia.
Depois de tomar o café da manhã, saiu. Começava a fazer calor; entretanto, o
tempo era seco e soprava uma brisa agradável pelo rancho que impedia que fosse
muito incômodo… ainda.
Uma nuvem de pó no horizonte indicava que alguém cavalgava para o rancho.
Esperava que fosse Kathleen, mas quando o cavalo chegou mais perto, viu que era um
dos peões. Esperou perto da cocheira, embora o homem não se dirigisse para lá, mais
sim, diretamente para o barracão, situado ali perto. Ao vê-la, saudou-a com o chapéu,
inclusive lhe dedicou um sorriso amável ao passar.
76
O sorriso a animou a dirigir-se a ele e a apresentar-se antes que desaparecesse
no interior do barracão. Não estava acostumada a ser tão atrevida, mas ia viver ali e
não queria isolar-se das demais pessoas que havia no rancho.
- Bom dia - saudou ao peão quando este desmontava. - Me chamo Marian
Laton.
Ele a olhou de novo e esperou que o alcançasse.
- Lonny Judson - respondeu. - Sou o capataz de Red, ou logo o serei. Chad está
me ensinando o trabalho.
Era um jovem atraente de uns vinte e cinco anos, com os cabelos loiros e os
olhos verdes. Levava uma barba curta de um tom mais escuro que o cabelo.
Certamente acreditava que o fazia parecer mais velho e, com isso, mais capaz para o
trabalho ao qual estava sendo preparado. Os peões que viu no dia anterior pareciam
bem mais jovens, mais isso não importava.
- Encantada em te conhecer, Lonny. Sabe se minha tia virá para o almoço em
casa?
- Duvido. Esta noite extraviaram-se umas quantas cabeças de gado. Levará toda
a manhã percorrendo a pradaria para conseguir encontrá-las.
Marian se voltou com decepção. Esperava ter um longo bate-papo com sua tia,
para conhecê-la melhor.
- É normal que o gado desapareça desse modo? - perguntou a Lonny.
- Sim, embora não esteja tão acostumado a ir mais longe, a não ser que receba
ajuda.
- Ajuda?
- Cuatreros - respondeu ele.
- Cuatreros?
- Perdoe-me. - Lonny riu. - Não trato com muitas pessoas do Leste para que
possam desconhecer algumas das palavras que usamos aqui. Os Cuatreros são ladrões
de gado, em especial quando trocam as marcas do gado para tentar ocultá-las. Houve
homens que montaram ranchos com gado roubado, embora na atualidade a maioria
dos ladrões procura benefícios rápidos e conduz os animais para o sul, para vendê-los
do outro lado da fronteira, no México.
- Roubam gado da minha tia frequentemente? - perguntou Marian com o cenho
franzido.
- Não, seu rebanho não é bastante grande para ser objeto dessa categoria de
operação, como ocorre com a fazenda dos Kinkaid. Detecta que falta uma vaca e sai a
procurá-la. Os ranchos grandes, como o que possui o pai de Chad, têm muitas cabeças
para que alguém perceba se faltarem cem aqui ou lá, de modo que os cuatreros
procuram concentrar-se neles.
- Mas é ilegal, não?
- Sim - sorriu Lonny. - Só que não se persegue com tanta dureza como o roubo
de cavalos. Tudo depende do rancheiro. Red ignora a perda, se acreditar que o roubo
da cabeça de gado serviu para alimentar a alguma família faminta. Mas se apanhar a
verdadeiros cuatreros que lhe reduzem o rebanho, conduz eles em seguida ao xerife.
77
Não é um delito capital, mas pode custar uma larga temporada no cárcere, de modo
que os cuatreros sempre mentem estarem desesperados por conseguir comida ou serem
bandidos comuns.
- Bom, obrigada pela informação, senhor Judson. Eu agradeço.
- Me chame Lonny, por favor. Aqui não nos tratamos com formalidades.
- Muito bem, Lonny. Mas eu não gostaria que minha tia ficasse sem almoçar.
Acredita que…?
- Temos um cozinheiro na pradaria - a interrompeu. - Sua tia irá comer algo
antes de acabar o dia. Não se preocupe com isso, mas se quiser ir reunir-se com ela na
pradaria, posso lhe selar um cavalo.
- Não, é que… Sim, claro que eu gostaria, mas ainda não aprendi a montar.
- Carl já se foi com a carreta dos mantimentos; se não, poderia ter ido com ele.
Se quiser, posso levá-la na garupa. Hoje o rebanho não está muito longe.
- Eu adoraria, obrigada. - Marian esboçou um sorriso de orelha a orelha.
- Me dê uns minutos para trocar de roupa - pediu Lonny, que se tinha ruborizado
quando Marian lhe sorriu. - Ainda estou molhado por ter caído no rio, me ocorreu
cruzá-lo para comprovar se havia rastros do gado extraviado do outro lado. Se não
tivesse ficado temeroso de pegar um resfriado, teria deixado que o sol acabasse de me
secar. - Elevou os olhos ao ceu, totalmente esperançoso. - E não terá que permanecer
todo o dia na pradaria. Poderá voltar com Carl. Ele não fica muito momento depois de
servir o almoço.
- Parece-me muito bom.
- Será melhor que coloque um chapéu de aba larga e uma blusa de manga larga -
assentiu Lonny. - Não quero ser culpado de que se queime ao sol.
- Manga larga não é nenhum problema, mas eu acredito que meus chapéus não
tenham a aba a que se refere. Servirá uma sombrinha?
- Pode ser que sim - riu Lonny, - mas também é provável que os vaqueiros riam
tanto que não possam trabalhar. Por aqui não notamos damas montadas a cavalo com
sombrinha. Alguma das mulheres da casa poderá lhe arranjar um chapéu. Pegá-la-ei na
frente da casa em cinco minutos.
Marian concordou e saiu correndo para procurar algo que a protegesse do sol.
Consola tinha um chapéu que podia lhe emprestar. Tinha-o visto antes em um varal,
na porta traseira da cozinha. Era muito grande, mas por hoje lhe serviria.
Gostaria de sair, inclusive, enquanto trocava depressa de blusa, ficou um pouco
nervosa ao pensar que poderia encontrar-se com Chad na pradaria. Seria uma boa
distração, porque não tinha nada que fazer até que averiguasse no que ocupar-se no
rancho. Também queria falar com sua tia sobre isso.
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CAPÍTULO 23
O rebanho estava perto, assim o trajeto não era muito longo: menos de cinco
quilômetros e meio. Amanhã poderia estar muito mais longe. Lonny explicou a
Marian que o gado se deslocava muito, de um lugar a outro, para o rio e logo depois
em direção contrária. Era uma sorte que estivesse perto porque Marian teve que ir
sentada na garupa do cavalo de Lonny, e a postura era precária, inclusive enervante.
Ao aceitar o convite de Lonny, não tinha levado em conta os problemas que lhe
causaria a saia larga. Ele tampouco. Mas resistiu a desculpar-se por isso.
Marian se surpreendeu ao ver o rebanho de Kathleen. Ouviu mais de uma vez
que era pequeno em comparação com outros, mas espalhado assim, para pastar,
pareceu-lhe que continha uma quantidade enorme de cabeças de gado.
No meio dele, havia um animal estranho que lhe chamou a atenção.
- O que é isso? - perguntou.
Lonny não sabia a que se referia, assim ela o assinalou.
- É Rally. - O capataz riu. - Não se vêem muitos bisões por aqui; já existem em
muitas manadas. Mas essa fêmea chegou no inverno, certamente extraviada, e decidiu
ficar. O gado a tolera porque não causa problemas. Está aqui a tanto tempo que pode
ser que esteja convencida de que é um deles.
Marian seguiu observando-a. Aquela bisão era quase o dobro do tamanho das
demais cabeças de gado. E feia. Não havia melhor palavra para descrevê-la. Bom, era
feia em um sentido majestoso. Não viu nunca nada parecido e…
Aconteceu muito rápido. Estava montada na sela e, de repente, arrastavam-na
pelo chão. Não deveria ter tirado as mãos das costas de Lonny para assinalar ao bisão.
Deveria ter prestado atenção e ver que iam cruzar uma pequena ponte.
Não era muito larga, mas deve ter parecido ao cavalo, que decidiu saltar e
desmontar a Marian ao fazê-lo. Ao menos tinha podido agarrar o braço de Lonny ao
cair, embora isso não lhe impedisse de aterrissar no chão. Entretanto, Lonny foi rápido
e lhe agarrou o antebraço sem soltá-la, assim embora já não estivesse sobre o cavalo,
não caiu por completo ao chão. Percorreu um trecho arrastada enquanto ele tentava
deter o cavalo, que começou a descrever círculos devido a seu peso, somado ao de
Lonny, o qual se inclinava para ela para segurá-la enquanto a aproximava de um dos
lados do animal.
Marian estava de costas com as pernas estiradas, de modo que quando o cavalo
por fim se deteve, o mais fácil era deixá-la chegar ao chão. Fácil para ele, mas estar
sentada junto às patas de um cavalo não dava a Marian a impressão de estar fora de
perigo. Mas não ficou de pé. Estava muito aturdida. Tinha o braço como se o tivessem
deslocado do ombro. O chapéu enorme que levava lhe tinha escorregado para diante e
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deslocado os óculos, que tinha caído pela metade do nariz. E tossia o pó que tinha
levantado o arrastar as botas pelo chão.
- Nossa, essa foi por pouco - exclamou Lonny enquanto desmontava, como se a
tivesse tirado do apuro.
Tinha evitado que se debatesse muito, mas ainda assim, tinha se assustado
muitíssimo, de modo que ainda não se sentia muito agradecida.
- Talvez devesse sacrificar a esse cavalo - conseguiu grunhir com muita
dificuldade. - Hoje desmontou a nós dois. O mais certo é que agora ache que isso tem
graça.
Umas risadas lhe chegaram do outro lado; por desgraça, reconheceu-as e notou
como a cor subia às bochechas.
- Ia perguntar-lhe se estava bem - exclamou Chad, ao mesmo tempo em que
alargava a mão para ajudá-la a levantar-se, - mas se já pode dizer algo assim, então
suponho que esteja.
Marian não lhe segurou a mão, não muito rápido. Tinha saído do nada. Bom,
ouviu vagamente que outro cavalo se aproximava a toda velocidade. Mas isso
significava que a viu cair, assim, sua vergonha era total. Já acreditava que era mais do
que tonta. Não tinha por que reafirmar essa impressão.
Dedicou um momento a colocar bem os óculos e o chapéu antes de aceitar sua
mão. E ele a levantou de um puxão. Por sorte lhe dera a mão esquerda, porque ainda
tinha o braço direito ressentido e teria gritado se Chad tivesse puxado ele assim, tão
forte. O caso é que lhe voltou a deslocar o chapéu, desta vez para detrás. Lhe puxou o
coque e o desfez, não de tudo, mas o suficiente para que já não lhe prendesse com
força os cabelos.
Estava a ponto de gritar nesse momento, mas, finalmente, ao olhar para Chad e
ver seu lindo sorriso, conseguiu conter-se.
- Admirei seu bisão por um momento - se desculpou, um pouco tensa.
- Não é meu - respondeu Chad, que tinha jogado para trás o chapéu. - É de Red.
Sua tia permitiu a Rally ficar. Se eu estivesse aqui na época, a teria levado para casa e
comido no jantar.
Lonny começou a rir pelo duplo sentido de Chad. Se não o tivesse feito, Marian
nem teria percebido.
- É muito feia para conseguir comer.
Isso fez com que ambos os homens rissem de novo.
- Não é necessário que seja bonita - explicou Lonny. - Mas os boiadeiros
preferem o gado. A carne de bisão é muito dura. E Chad só brincava. Protege a Rally
tanto como Red. Acredita que se esse animal sobreviveu até agora, merece viver o
resto de seus dias em paz.
A Marian pareceu que esse sentimento era admirável, mas não ia dizê-lo. Seguia
zangada com Chad por haver rido dela.
- O que faz aqui? - perguntou por fim Chad a Lonny.
- Veio ver Red. Ela já retornou?
- Não, sabe como é. Não se dará por vencida até encontrar essas vacas. Não a
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estava ajudando?
- Tive que trocar de roupa depois de que um ramo que flutuava no rio assustasse
a meu cavalo e este me atirasse longe - esclareceu Lonny, avermelhado pelo olhar que
lhe dirigia Chad. - Irei dar uma volta e encontrá-la.
Marian se encontrou de repente a sós com Chad. Havia peões perto, uns
trabalhavam com o gado e outros estavam sentados ao redor de uma fogueira, mas
nenhum estava o bastante próximo para evitar que se sentisse a sós com ele.
Estava nervosa, e agora já não só pela queda.
- O que eles estão fazendo? - perguntou para tentar desviar a atenção de Chad,
que não parava de olhá-la.
- Estão marcando alguns dos novos bezerros - respondeu após olhar na direção
em que ela tinha indicado com a cabeça.
- Posso ir ver?
- Se suportar o cheiro.
Marian enrugou o nariz. Não tinha relacionado imediatamente o fato de que as
marcas nas cabeças de gado, queimavam o pelo e a pele dos animais.
- Não importa. Deveria voltar para o rancho já que minha tia não está aqui.
Chegará logo o cozinheiro com a carreta? Lonny mencionou que eu poderia voltar
nela.
- Carl já se foi. Chegou cedo, preparou-nos uma panela de chile com carne e
partiu para comprar queijo fresco de uns granjeiros do lugar.
- Suponho que poderia voltar andando. - Marian dirigiu o olhar em direção ao
rancho com o cenho franzido. - A casa não está muito longe.
- Prefere caminhar quilômetros a pedir que eu te leve? - Chad surpreso, arqueou
uma sobrancelha.
A resposta era que sim, mas não ia criar uma situação grave dizendo-o. Pelo
menos tinha uma desculpa para evitar um contato tão estreito com ele, que seria
superior a suas forças. Estar assim perto já era bastante ruim porque lhe recordava o
beijo que duas noites atrás…
- Prefiro esperar um pouco antes de subir em outro cavalo - admitiu.
Chad sorriu, apaziguado.
- Montar escarranchada atrás do cavaleiro que leva as rédeas é uma coisa, mas
fazê-lo sentada de lado, é estar procurando cair, como viu - explicou. - A melhor
forma de aprender que um cavalo não é tão perigoso como deve pensar agora é voltar
a montar imediatamente. Sentá-la-ei na frente. Será impossível que caia dos meus
braços.
Não esperou que se negasse de novo. Montou, aproximou o cavalo dela e
estendeu a mão. Marian a observou, enquanto mordia um pouco o lábio. Sabia que
tinha coragem para voltar a montar. O problema não era esse. O que a assustava eram
seus próprios desejos. Mas se imaginou caminhando pela pradaria, através de cacto e
matagais, seguida por Chad que, a cavalo, ria de sua suposta covardia, de modo que
lhe agarrou a mão para subir em cima do animal.
Chad a situou entre a ponta da sela e ele. Iam muito juntos. Sentia-o muito
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perto: a perna, quase a repousar nas suas, braços a rodeavam e quase tocavam seus
seios.
- Relaxe - soltou, divertido por sua rigidez. - Não mordo. E não será por muito
tempo.
Saíram rapidamente. Na realidade, era um movimento continuo que faziam.
Mas só podia pensar nele. Tinha o coração acelerado, e não era pela cavalgada. Sabia
muito bem que não voltaria a cair.
Chad a rodeava com os braços por ambos os lados. Segurava-a com força,
certamente para lhe dar a sensação de segurança. Em certo momento, agitou as rédeas
e lhe roçou os seios com o braço. Quase gritou e esperava que ele não se desse conta
do que fez, ou do que estava fazendo a seus desejos recém descobertos.
- Gosta de estar aqui, agora que está bem acomodada? - perguntou-lhe Chad.
- Eu adoro - admitiu, agradecida pela distração. - Claro que há poucas coisas
desta parte do país que eu não goste.
- De verdade?
Detectou assombro em seu tom, o que não era estranho. Ouviu muitas queixa
de Amanda, e o mais provável era que pensasse que ela opinava o mesmo, mas que
não o manifestava tanto.
- Sim, de verdade - respondeu Marian. - As pessoas são amáveis. Bom, há o
problema do componente ilegal. E a paisagem é esplêndida. Os espaços abertos são
muito diferentes dos do Leste, e o pôr-do-sol é tão formoso que me deixam sem fala.
- Bom, nisso eu acredito - soltou com uma gargalhada. - Devo deduzir que se
dará bem com Red?
- Como não daria? É tão maravilhosa como me disse. Tem-me feito sentir em
casa, como se sempre tivesse vivido com ela.
Chad conseguira distraí-la tanto que chegaram ao rancho sem que se desse
conta. Mas, em lugar de desmontar, o braço de Chad lhe rodeou com força a cintura
para descê-la do cavalo. Quando de abaixou para fazê-lo, terminou lhe roçando o tórax
e os seios com o braço antes que a colocasse de novo no chão. Marian inspirou fundo
e o pulso lhe acelerou de novo, ao tempo que seus pensamentos se dispersavam e
notava um comichão no ventre…
De repente se encontrou no chão, junto ao alpendre, e ouviu que Chad lhe dizia:
- Está ridícula com esse chapéu.
Era o que precisava ouvir par que suas idéias e seus sentidos voltassem para a
normalidade.
- Obrigada por comentar sobre isso. Falou indignada. - Teria usado uma
sombrinha, mas Lonny disse que estaria ridícula com ela. De fato, não utilizou essas
palavras. Ele o disse de uma forma mais amável.
- Era brincadeira - comentou Chad.
- Sim, seguro que sim - respondeu, e lançou o chapéu ao chão o mais longe que
pôde.
Tentou ignorar as gargalhadas de Chad enquanto entrava muito rígida na casa.
Pior ainda, quase chocou com Spencer e Amanda, que saíam do refeitório.
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Correu escada acima para não encontrar-se com eles mas não sem ouvir antes,
um dramalhão de Amanda.
- Tem que partir tão cedo? —perguntou Amanda a Spencer.
- Já fiquei mais do que deveria, coração. Mas não poderia ir sem voltar a vê-la.
Marian se deteve no alto das escadas para observar como se dirigiam de braços
dados para a porta principal. Parecia tomado de muita confiança, já que conheciam-se
a tão pouco tempo, mas Amanda abstraia-se às vezes das formalidades quando
favorecia alguém. E Spencer era o candidato ideal para os favores de sua irmã. Era
atrativo e cortês, e era proprietário de seu próprio negócio. O fato de que tivesse
família no Leste faria, do mesmo modo, com que Amanda o considerasse adequado
para casar com ele, e levar-lhe para casa, caso lhe falhasse o primeiro plano e não
conseguisse exasperar o suficiente a sua tia, para que esta a enviasse para Haverhill
com a herança nas mãos.
Depois de ver seu comportamento na noite anterior, Marian não tinha nenhuma
dúvida de que Spencer estava interessado por sua irmã. E se hoje ficou, era com
certeza para ter a oportunidade de ver Amanda outra vez. Agora teria que cavalgar
rápido para chegar ao povoado antes do anoitecer, e teria que deixar a carruagem no
rancho. Esquecia-se assim de sua desculpa para ir até ali na noite anterior. Mas o
principal era que estava claro que Amanda gostava. Se si decidisse a casar-se com
ele…
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CAPÍTULO 24
Marian estava sentada em uma das cadeiras de balanço do alpendre e observava
assombrada um dos casos mais extraordinários que já viu . Durante a viagem, tinha
presenciado uns quantos pôr-do-sol bonitos, mas nenhum podia comparar-se com o
espetacular pôr-do-sol desse dia. O que tinha começado em cor rosa e passado a
laranja se converteu em vermelho vivo e cobria por completo o horizonte. Inclusive o
tamanho do sol, antes de desaparecer de vez, foi o maior que já viu na vida.
Sabia que sua tia estava em casa e que deveria entrar para reunir-se com ela,
mas resistia a perder sequer um momento daquele momento. Assim, se alegrou
quando a porta se abriu e, ao voltar-se, viu que sua tia se reunia com ela.
- Está aqui - disse Kathleen, e se sentou na cadeira de balanço que havia a seu
lado.
- Posso-te chamar tia Kathleen? - perguntou Marian, vacilante. - Sei que seus
amigos lhe chamam Red, mas tia Red me resulta estranho.
- Pode me chamar como quiser, pequena. Aqui não somos nada cerimoniosos.
- Já me dei conta. De fato, eu gosto. Não me atrasei para o jantar, verdade?
- Não, absolutamente. Em todo caso, hoje jantaremos mais tarde - suspirou
Kathleen.
Quando tinha aberto a porta, tinha o cenho franzido e uma expressão muito
cansada. Sacudiu ambas as mãos para cima por um momento ao ver Marian ali e a
tinha saudado com um sorriso, mas voltava a parecer esgotada.
- Acontece algo? - perguntou Marian quase com medo; porque conhecia os
planos de sua irmã.
- Não - começou a negar Kathleen mas, ato seguido, suspirou de novo. - Bom,
sim. Consola acaba de me jogar um explosivo. Temo que sua irmã não lhe cai bem. E
minha criada se nega a lhe limpar o quarto, nega-se a aproximar-se dela, de fato.
Demorei trinta minutos para acalmá-la, e quase outros tantos em convencer a Consola
de que subisse com uma bandeja para Amanda, como sua irmã pediu, porque ao que
parece não quer comer conosco esta noite. Por isso jantaremos tarde.
Marian se recostou na cadeira e suspirou por sua vez.
- Não estou acostumada a dar explicações, mas é da família e também nossa
tutora, assim tem o direito de saber algumas coisas sobre nós. Em primeiro lugar,
Amanda e eu não nos damos bem. Nunca nos demos e nunca nos daremos. Suponho
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que já tenha deduzido isso ao ouvir ontem nossa briga. Amargurou-me a vida desde
que me entendo por gente.
- Porque era a preferida de Mortimer.
- Sim, e quase sempre me esfregou isso no nariz ao longo de minha vida.
Como...? - Marian começou a pergunta, mas se deteve. - Não importa. Estava ali
quando eram pequenas e certamente o viu por si mesma.
- Essa foi a razão principal de que eu saísse de lá o mais cedo possível, pequena.
Não queria lhes ver crescer com o mesmo ressentimento que houve entre minha irmã e
eu.
- Tem uma irmã? - Marian se mostrou surpreendida.
- Tinha-a - a corrigiu Kathleen. - Morreu quando tínhamos quatorze anos.
Éramos gêmeas, e ela era a preferida de Mortimer, que só tinha dois anos mais que
nós. Os três deveríamos ser muito unidos. Mas nenhum deles parecia poder
compartilhar seus sentimentos com mais de uma pessoa por vez. Logo estabeleceram
uma relação muito estreita. Eram inseparáveis, faziam tudo juntos e sempre me
excluíam. E como em seu caso, esfregavam isso pelo meu nariz. Não eram muito
amáveis.
- Sinto muito.
- Não, sou eu quem sente, porque tinha medo de que vivesse o mesmo com
Mortimer, só que em uma relação de pai e filha, e parece que foi assim. Não foi tua
culpa, é obvio. Espero que não acredite nunca que o tenha sido.
- Não. Bom, pode ser que durante um ano ou dois, quando era pequena - admitiu
Marian. - Minha mãe me ajudou a superá-lo. Sempre podia contar com ela, até que
morreu. Lembro-me que uma vez me falou sobre grandes e pequenos corações, e me
contou que nem todo mundo tinha a sorte de ter um grande onde coubesse muita
gente. Assegurou-me que o meu o era e que, por isso, eu era afortunada.
- Eu gostava de sua mãe. - Kathleen sorriu. - Era uma boa mulher. E também me
compadecia por estar casada com um homem que não a amava.
- Então por que se casou com ela?
- Nunca perguntei - respondeu Kathleen, ao tempo que se encolhia de ombros. -
Pode ser que pela mesma razão pela qual a maioria dos homens de boa posição se
casa: para ter filhos e assegurar-se de que tenham a quem deixar sua riqueza.
Decepcionou-a um pouco que não resultasse ser o marido ideal, mas se dava bastante
bem com ele, isso eu via. Não acredito que a educassem para esperar um grande amor.
Muitas mulheres acreditam que é mais importante ter o futuro garantido, e pelo menos
ele era bom nesse sentido.
- Educaram a você para esperar um grande amor?
- Me educaram para esperar algo, pequena. - Kathleen riu. - Meu pai estava
dedicado por completo aos negócios. Era raro o dia em que passava um pouco de
tempo com sua família. Deixou os cuidados de seus filhos totalmente nas mãos de sua
esposa e, se tiver que ser franca, não eram boas mãos. Se alguém teve culpa de como
era Mortimer, foi nossa mãe. Ensinou-lhe que não necessitava de ninguém para ter
êxito, e que só deveria ter a outra pessoa para compartilhar seus triunfos. Acredito que
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esperava que essa "outra pessoa" fosse ela. Adorava-o. Entretanto, até nisso a
decepcionou.
- Mas não é isso o que ensinam à maioria dos meninos? Que podem ter êxito em
qualquer coisa, se puserem o empenho suficiente?
- É obvio - concordou Kathleen. - E se tivesse sido isso a única coisa que lhe
tivesse ensinado, poderia ter acabado sendo muito diferente. Mas também o mimou,
malcriou-o, fez-lhe acreditar que nada poderia lhe fazer mal.
- Nem mesmo o que ele fez com minha irmã - comentou Marian.
- E com a minha - assentiu Kathleen.
- Ainda me assombra não ter ouvido falar nunca dela. Nenhuma menção em
todos estes anos.
- Na realidade, não me surpreende nada. Quando ela morreu, Mortimer a apagou
de pensamento. Acreditei que ele e eu poderíamos ter uma relação mais estreita então.
Mas não, uma vez que tenha te excluído de seu carinho, era para sempre.
- Acredito que Amanda fez algo um pouco parecido, quando nosso pai morreu.
Acreditei que estava emocionada, mas, bem era como se tivesse eliminado todas as
lembranças dele, de modo que não lhe importava que já não estivesse conosco.
- Não deixe que isso te entristeça.
- Pareço triste? - Marian piscou.
- Por um momento apenas. Mas não fique. A pessoa a quem mais Mortimer
queria era ele mesmo. Não se chora a morte de alguém assim. Podia parecer que
amava a minha irmã, e à tua, mas depois de muitos anos de reflexão, chego a duvidar
que as amasse de verdade. Eram como mascotes para ele, coisas que precisava
alimentar para que se distraísse. Posso estar totalmente equivocada, é claro - concluiu,
e se encolheu outra vez de ombros.
- Observou se são todos parecidos? - perguntou Marian com curiosidade.
- O que?
- Os pares de gêmeos. Sua irmã e você. A minha e eu. Pode ser que não queiram
repartir seu carinho entre duas pessoas que pareçam idênticas.
- Detesto te dizer isto, pequena, mas você não te parece muito com sua irmã.
Marian ficou olhando para sua tia, que fez uma careta por haver-se mostrado tão
sincera e de um modo tão pouco bajulador, e pôs-se a rir. Kathleen suspirou aliviada.
- Me alegro de que ache isso divertido. Sinto muito. Acredito que coloquei o
carro na frente dos bois.
- Não é nada disso, de verdade. - Marian sorriu. - Ia te contar sobre isso de
qualquer modo, antes que o assunto do meu pai nos distraísse. Não os necessito, sabe?
- comentou, enquanto deslizava os óculos para o alto do nariz como de costume.
- Não? - Kathleen franziu o cenho. - Então por que os usa?
- Para que minha vida seja mais suportável. Amanda é muito ciumenta e não
suporta a competição de nenhum tipo, em especial no que se refere aos homens.
Assim, me resulta necessário ocultar o fato de que somos idênticas.
- Isso é uma tolice! Poderia arranjar algum admirador, não pode esperar que
todos os homens que cruzam seu caminho se deixem dominar por ela. Isso é
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impossível.
Marian riu de novo, assombrada de poder encontrar divertido qualquer coisa
relativo aquele tema. Entretanto, o ponto de vista de sua tia era reconfortante. E era
agradável poder falar de seu problema com alguém que não fosse Ela Mae.
- Bom, essa é a questão. Amanda assim espera.
- Maldito seja! - interrompeu Chad, que dobrava a esquina e as viu no alpendre.
- Não me diga que perdi o jantar.
- Não, absolutamente. - Kathleen se levantou. - Meu Deus, não me dera conta de
que era tão tarde. Estava conversando com tanto gosto com minha sobrinha que
passou o tempo voando. Vamos para dentro, meninos. Consola não está de humor para
que deixemos que esfrie a comida.
Marian não seguiu a sua tia imediatamente. Necessitava de um momento para
recuperar a compostura, já que todos os sentidos lhe tinham disparado de emoção, e de
alarme, assim que soou a voz de Chad. Teria ouvido o que comentavam antes de
dobrar a esquina?
Por certo que não. Estavam falando em voz baixa. E, embora estivesse de pé
junto à porta esperando que ela entrasse antes que ele, sua expressão era normal. Mas
mudou...
- Onde está o chapéu? - soltou com um sorriso zombador.
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CAPÍTULO 25
O jantar foi muito agradável nessa noite, apesar de que a comida estivesse
virtualmente fria. Kathleen parecia um pouco incomodada por isso, já que sua
cozinheira era famosa por servir suas criações à temperatura perfeita, sem importar o
muito que os comensais demorassem para sentar-se à mesa. Que não fosse assim nessa
noite era a forma que tinha Consola de informar à família de que não estava contente.
O causador de seu desgosto não estava ali para apreciá-lo, claro. Mas Marian
imaginava que era muito provável que a comida da qual tinha servido a Amanda em
seu quarto estivesse muito mais fria. Sua irmã fez uma estupidez ao insultar à única
cozinheira da casa. Claro que as opções de sua irmã tinham sido limitadas, já que
Kathleen só tinha duas criadas.
Como Consola era tão boa cozinheira, a comida, embora fria, seguia sendo
saborosa. E a conversação entre os três fluiu tranquila. Kathleen era falante e explicou
um pouco do que fazia durante o dia. Sem dúvida não era o tipo de trabalho que se
esperaria de uma mulher, decidir que vacas teria que dedicar para criar e quais teria
que levar ao mercado, alimentar aos bezerros sem mãe e recuperar os animais
extraviados.
- Eu gostaria de ajudar - se ofereceu Marian. - Quer dizer, se achar que posso ser
útil. Não me importa trabalhar duro.
- Não existe muita coisa adequada para uma dama. - Kathleen parecia um pouco
cética. - Não tem nenhum passatempo? Ler, bordar, ou algo assim?
- Antes eu pintava - respondeu Marian com certo acanhamento, porque não
confiava muito em seu talento depois do escárnio de sua família. - Pensara em
descobrir se em Trenton poderia comprar os materiais dos quais necessito para
começar. - Kathleen sorria, assim ela acrescentou, um pouco na defensiva: - Não é boa
idéia?
- Ao contrário. Acho que temos mais em comum do que acreditava. Eu também
já pintei. De fato, os materiais que usava ainda estão por aqui, em alguma parte. Já não
tenho tempo para isso, mas pode buscá-los e usá-los.
- Eu adoraria. Obrigada. Também gostaria de aprender a montar. Assim poderia
ir contigo de vez em quando, quando sair para verificar o gado.
- Não montou nunca?
- Até hoje não, e hoje não foi muito bom, como deve saber. Papai tinha dois
coches e uma carruagem para o verão, mas não cavalos para montar, assim Amanda e
eu nunca tivemos ocasião de aprender.
- Bom, teremos que nos encarregar disso - comentou Kathleen, e olhou para
Chad. - Importaria de lhe ensinar?
Chad deixou o garfo, mas não respondeu em seguida. Então, dirigiu um olhar e
um sorriso a Marian.
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- Claro que não, eu adoraria - assegurou. - Mais tem que prometer não me
culpar, já que vai cair umas quantas vezes enquanto eu apenas a observarei muito
tranquilamente.
Marian fixou os olhos nele. Kathleen riu e disse:
- Brinca contigo, apenas. Requer muito esforço para cair de um cavalo quando o
estiver controlando, e não é necessário pôr tanto esforço nisso.
Quando Chad também riu, Marian compreendeu que Kathleen estava brincando
com ela. Sorriu por sua vez para demonstrar que não lhe importava. Não estava
acostumada a que brincassem com ela. Embora fosse algo ao que gostaria de
acostumar-se.
Seguia vermelha, mas não pela brincadeira, e sim por causa do que Chad
respondeu. Não queria lhe ensinar a montar. Isso era evidente, e não o culpava. Tinha
obtido com que ele desejasse evitá-la.
Mas, ao que parece, custava-lhe negar algo a Kathleen. Marian podia entendê-
lo. Certamente lhe aconteceria o mesmo. Kathleen era muito agradável; o tipo de
pessoa a quem ninguém desejava magoar.
Marian tampouco queria que Chad lhe ensinasse a montar, mas por outra razão.
Cada vez lhe resultava mais difícil estar com ele e aparentar indiferença.
Mas não ia insultá-lo diante de Kathleen, rechaçando sua oferta. Poderia fazê-lo
quando estivessem sozinhos, e era certo que lhe tiraria o peso de cima dos ombros.
Estavam no meio do jantar quando Chad deu uma olhada ao redor e, um pouco
surpreso, perguntou:
- E Amanda?
Marian quase riu. Teve a sensação de que ele acabava de notar que Amanda não
estava. Se fosse assim, era um firme indício de que ainda não estava muito apaixonado
por ela.
- Esteve quase todo o dia descansando em seu quarto e quis comer por lá
também - se limitou a responder Kathleen. - A pobre garota deve estar realmente
esgotada da viagem para necessitar de tanto descanso.
Marian quase engasgou. A pobre? Perguntou-se quanto tempo demoraria para
Kathleen dar-se conta de que Amanda não tinha nada de pobre. Desejava ter podido
terminar de falar-lhe de sua irmã. Kathleen merecia algum tipo de advertência antes
que a campanha de Amanda para obter que a enviassem para casa com permissão para
fazer o que quisesse, se tornasse desagradável.
Marian esperava que Chad partisse ao acabar de jantar para poder ficar um
pouco mais de tempo a sós com sua tia antes que esta decidisse deitar-se. Ainda era
cedo. Poderiam terminar sua conversação. Entretanto, resultou que ela os acompanhou
de volta ao alpendre e, assim que estiveram sentados, bocejou e anunciou que ia
dormir.
Marian deveria ter feito o mesmo, mas isso teria sido outro insulto para com
Chad. Também teria cheirado a covardia, e preferia não acrescentar isso às demais
más impressões que lhe dera .
Ainda assim, sentiu-se muito incômoda quando a porta se fechou e os passos da
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Kathleen se afastaram. Esperava que Chad não tivesse vontade de conversar. Claro
que não. Não se davam bem. Por que teriam que se falar? Na realidade, por que
deveriam estar juntos se nem gostavam disso? Por que Chad não ia embora?
No alpendre não havia muita luz. Não havia nenhum abajur aceso, já que ainda
não se apagaram as do salão e pouco de sua luz saía pelas duas janelas que davam ao
alpendre.
Procurou não dirigir os olhos a Chad. Era difícil. Na vez que o fez, viu que este
tinha os olhos fixos nela, em particular nos seus lábios. Possivelmente estava absorto e
não se deu conta de que a olhava fixamente. Mas, mesmo assim, essa observação toda
lhe deixou com os nervos a flor da pele.
- De que é a abreviatura de Chad? —perguntou Marian por puro nervosismo.
- Abreviatura?
- É um apelido, não?
- Não, coração, não se pode aumentar mais esse nome.
Captou o humor de seu tom, o que a irritou. Fora um engano natural. Esse nome
não estava acostumado a vir sozinho. E deveria lhe chamar a atenção sobre esse
“coração”, mas ela mesma ouviu várias vezes o uso dessa palavra no lugar e
imaginava que fosse normal, até mesmo os velhos a chamavam “neném” ou o
ferroviário que a chamou de “bonita”. Não significava nada. Não era uma expressão
de carinho.
- Obrigado por esclarecer-me disso - disse com certa frieza.
- Foi um prazer - respondeu Chad
Teve a sensação de que ele estava um pouco nervoso também, pelo modo como
puxou seu chapéu e o segurou pela mão. Como isso tudo era irritante… Não, pode ser
que nem mesmo fosse isso, era apenas sua reação ante ele, seu nervosismo, o fato de
desejá-lo tanto quando sabia que não poderia tê-lo.
- Por certo - comentou Marian, - não é necessário que me ensine a montar. Eu
logo aprenderei, posso me arrumar bem...
- Eu sei que conseguiria, mas te ensinarei - a interrompeu ele.
Estava-o tirando do atoleiro. Será que não se dava conta?
- Sim, mas minha tia não deveria ter te colocado esse compromisso.
- Não tem importância - respondeu Chad, embora seu tom delatava impaciência.
- Já fez o bastante - assinalou Marian, mais cortante ante sua obstinação. - E
estou segura de que tem coisas muito mais importantes que fazer do que perder seu
tempo comigo.
- Já disse que lhe ensinarei - exclamou em um tom muito mais alto de voz.
- Não tem que fazê-lo - replicou Marian entredentes.
- Ensinar-te-ei, caramba!
- Muito bem, então faça-o!
Zangada, levantou-se para ir embora, e não lhe daria Boa noite e nem nada
parecido. Era teimoso, lhe exasperava e sempre tinha que levar a melhor. Mas ele
ficou de pé rapidamente, e por certo com a mesma intenção.
De modo que chocaram-se diante da porta. Chad a agarrou pelos ombros para
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evitar que caísse, e começou a estender os braços para afastá-la. Entretanto, voltou os
olhos fixos em seus lábios, e permaneceu assim um longo instante, de repente, puxou-
a para ele.
Estava beijando-a. A ela. E desta vez não havia nenhum engano. Usava os
óculos em seu lugar de costume, os cabelos recolhidos como sempre e um de seus
vestidos mais insípidos e pouco favorecedores.
Foi tão inesperado que ela ficou imóvel, assombrada, e deixou que os lábios de
Chad se movessem com excitação sobre os seus. Mas não por muito tempo. O beijo
continha muita paixão para não devolvê-lo, em especial quando a raiva já tinha
despertado suas emoções. Era trocar uma paixão por outra e a troca foi fluindo...
Afastou-a dele, de modo bastante repentino.
- Era você na noite que Leroy nos encontrou - disse em tom acusador. - Fingiu
ser sua irmã.
Marian ficou tensa. Sabia que eram gêmeas? Mas como, se seu disfarce era
muito bom!
- Quem te disse que éramos gêmeas?
- Não preciso que ninguém me diga, coração. É você quem usa óculos, não eu.
Então a beijou por isso? Só para comparar ambos os beijos porque não estava
certo de que fosse ela na outra noite e agora acreditava que era? Não era muito
adulador, mas ela era a irmã que nunca recebia adulações. Deveria ter imaginado que
não a beijaria só porque desejasse fazê-lo.
- Eu nunca finjo de propósito ser minha irmã - assegurou, mais decepcionada do
que queria admitir. - Quem gosta dessas brincadeiras é Amanda, não eu.
Chad pareceu de repente muito envergonhado, apesar de que resultava difícil
descobrir porque.
- Eu... Bom... - começou a dizer antes de fechar a boca para não piorar a
situação.
Marian se deu conta de que ele estava apenas confuso porque não tinha
admitido nada, mas sim tinha se limitado a expor um fato. Menos mal. Não queria que
suspeitasse do que sentia por ele quando ele ainda tinha os olhos postos em Amanda.
- Não preciso de explicações - disse Marian. - Entendo que foi tudo um engano.
- Abriu a porta para ir-se antes que lhe falhasse a voz, e acrescentou com brutalidade: -
Só espero que não volte a acontecer.
Ouviu um golpe forte contra a porta fechada. Consolou-lhe um pouco saber que
ele tinha jogado seu chapéu contra a porta. Esperava que tivesse ficado bastante
amassado. Bem feito por pisotear assim suas emoções.
CAPÍTULO 26
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Uma portada e uns gritos no corredor despertaram a Marian uma hora antes da
alvorada. Sua irmã se desmandou por algo.
Em casa, Marian se teria dado a volta, teria se abafado as orelhas com um
travesseiro e teria procurado voltar a conciliar o sono. Mas estava em uma casa nova.
A gente que vivia nela não estava acostumada ainda às táticas da Amanda. Assim saiu
da cama com um suspiro de indignação e tratou de encontrar a bata às escuras.
- Necessito outro quarto! - gritava Amanda no corredor. - A que me deu é
intolerável. Já é bastante mau que esta casa seja tão rústica como uma cabana de
troncos, mas é que além disso é tão calorosa como um forno.
Ao que parece, Kathleen chegou para averiguar a que obedecia toda aquela
animação, porque sua voz, embora não alta, foi clara.
- Não há mais quartos.
- Encontre um! A não ser que queira que durma no alpendre, onde possam ver
todos os vizinhos.
- À margem do fato de que meu marido e eu estávamos acostumados a fazer
isso durante algum que outro período caloroso, não temos vizinhos que estejam o
bastante perto para dar-se conta.
- Então vai obrigar-me a dormir em um alpendre? É assim como pensa exercer
sua tutela? - perguntou Amanda.
Depois de ter encontrado por fim a bata às escuras, Marian chegou ao estreito
corredor que conectava aos quartos a tempo para observar o rubor intenso da
Kathleen, que tinha levado um abajur com ela. Amanda estava ali de pé em roupa
interior com as mãos nos quadris, fingindo estar furiosa.
- Estaria encantada de te ceder meu quarto, mas não notaria muita diferença -
disse Kathleen, que seguia tentando manter a calma em sua voz. - Ainda não adaptou-
se a este clima mais quente. Lembro como foram os primeiros meses que passei aqui.
Chegamos na primavera e esse primeiro verão ainda construíamos o rancho. Foi
horrível. Mas o verão seguinte o calor não foi tão terrível. Tínhamo-nos aclimado.
- Por que me conta isso? - perguntou Amanda. - A verdade é que isso não me
importa.
Marian suspirou exasperada. Já deveria ser imune à sensação de indignação por
algo que havia visto muitas vezes antes, mas não o era, pelo menos quando afetava a
outras pessoas.
- Obrigou-te a passar a noite em claro para poder despertar a toda a casa antes
do alvorada? - perguntou cruzando os braços diante da sua irmã com secura. - Como
ontem dormiu durante a maior parte do dia, suponho que não te haverá flanco muito,
claro.
- Não posso dormir com este calor! - exclamou Amanda.
- Claro que pode. Eu o tenho feito sem problemas. Não foi uma noite muito
calorosa - replicou Marian.
- E como sabe se estava adormecida? - gritou Amanda.
Depois de ter obtido o que pretendia, que era despertar a Kathleen e predispô-la
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a seus desagravos, Amanda entrou em seu quarto com uma portada. Kathleen relaxou
os ombros, bem por alívio, bem por abatimento; era difícil saber qual dos dois era o
motivo. Marian rodeou a sua tia com um braço e lhe pediu que a acompanhasse
escada abaixo.
- Logo amanhecerá - comentou. - Não tem sentido tentar voltar a dormir.
Preparemos um pouco de café e acabemos a conversação que começamos ontem de
noite.
- Não sei prepará-lo muito bem - admitiu Kathleen, que de todos os modos,
assentiu.
- Eu tampouco, mas uma manhã me fixei como o preparava Chad. Entre as
duas, sair-nos-á algo que pelo menos possa beber-se.
Não se podia, e ambas riram do resultado, o que serve ao menos para aliviar um
pouco a tensão da Kathleen. Marian sabia que Consola chegaria logo, assim abordou
imediatamente o tema em questão.
- O que viu acima foi, em sua maioria, se não tudo, uma encenação - começou a
esclarecer.
- Estava empapada em suor - respondeu Kathleen. - E lembro o mal que me
senti por não estar acostumada ao calor os primeiros meses que passei aqui.
- Estava empapada em água - a corrigiu Marian . - Nas têmporas, a frente, o
pescoço e o peito. Se a tivesse visto de perto, teria visto que não havia rastro de
umidade em nenhum dos sítios onde normalmente se concentra o suor. Embora em
realidade não importa. Era uma representação em sua honra.
- Por quê?
- Para que a mande a casa com seu consentimento e ela possa casar-se com
quem quiser.
- Não posso fazer isso. - Kathleen franzia o cenho. - Embora não a pedi, tenho a
responsabilidade de me assegurar de que nenhum caçador de fortunas nem nenhum
outro homem de intenções duvidosas se aproveite de vocês.
- Já sei, mas isso não importa a Amanda, sabe? É muito egocêntrica.
- Como era com meu irmão?
- Sim. Mas a diferença de seu irmão, pode ficar muito desagradável se não
obtiver o que quer. Não queria vir aqui. Quer retornar a casa. E lhe incomoda muito ter
que receber permissão para casar-se, quando sempre esperou que nosso pai lhe
permitisse fazê-lo com quem ela quisesse.
- O teria feito?
- É provável - assentiu Marian. - Bom, lhe teria sido fácil, já que todos os
pretendentes que tinha em casa eram bastante aceitáveis para ele. Também lhe põe
furiosa não poder dispor de sua herança até casar-se. O teria feito imediatamente só
por isso se não tivesse necessitado seu consentimento. Não suporta que lhe negue
nada.
- Assim que o problema é que, conforme estipulava o testamento de seu pai,
necessita meu consentimento? É uma lástima que nenhum de seus pretendentes
decidisse segui-la até aqui para poder conhecê-lo. Dá-me a impressão de que o que
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meu irmão tivesse considerado aceitável não é por força o que me parece isso.
- É muito possível. A riqueza pessoal era o único critério que ele considerava
importante em um pretendente. Igual a minha irmã, de fato, pelo menos, nem sequer
olhe a um homem que não seja acomodado. E alguns de seus pretendentes a teriam
seguido até o fim do mundo se isso tivesse significado conquistá-la. Lhe dá muito bem
ter aos homens pendentes dela e evita que averigúem como é em realidade.
- Então vai vir algum? - perguntou Isso Kathleen poderia ser uma solução.
- Não. Feriu no mais vivo ao que se ofereceu a vir. E nos partimos tão logo
depois do funeral que outros nem sequer souberam que se ia da cidade.
- Bom, aqui há bons homens entre os que poderá escolher, e alguns são
inclusive bastante ricos - respondeu Kathleen. - Assim de repente me ocorrem quatro
que poderiam muito bem contar com minha aprovação. A um já o conhece.
- Chad?
- Sim, pode que seja considerado o melhor partido dos arredores.
Não ia resultar lhe fácil falar sobre o Chad e Amanda como casal. Procurou ser
imparcial ao fazê-lo, sem revelar seus sentimentos a respeito.
- Não foi agradável com ele, já que tinha a impressão de que só era teu
empregado e isso fez que não lhe emprestasse nenhuma atenção. O que não significa
que ele não esteja louco por ela. A maioria dos homens que a conhecem revistam está-
lo. E agora que Amanda sabe que é mais que isso, poderia inclusive considerá-lo um
último recurso.
- É provável que ao Chad ofendesse muito ser catalogado de “último recurso”.
- Não o diga, por favor - pediu Marian, que notou que se ruborizava. - Eu não
compartilho essa opinião. É só que Amanda não aceitará a nenhum homem desta zona
do país enquanto esteja decidida a te obrigar a enviar a de volta a casa para poder fazer
o que lhe agrade. Mas se não o faz, então sim, certamente escolherá a um homem dos
arredores para consegui-lo.
- Para consegui-lo? - repetiu Kathleen.
- Se se casar com alguém daqui, chatear-lhe-á e lhe amargurará a vida até que
acesse a levá-la ao Haverhill porque não ficará aqui mais tempo do necessário.
- Detesto dizê-lo, ceu, mas seria muito estranho que um homem deixasse seu lar
porque convenha a sua mulher. Eu rechacei meia dúzia de propostas à espera de um
homem que não queria ficar em Haverhill; sabia que nenhum de outros se expor nunca
partir. Não pode dizer-se que uma esposa tenha opção nessa questão.
- Eu sei e você sabe, mas Amanda vê as coisas só desde seu ponto de vista, e
isso não inclui que lhe digam que não pode ter o que quer - disse Marian.
- Sim, mas se saía com a sua porque meu irmão o permitia. Não é provável que
um marido tolere essa classe de tolices.
- Espero que tenha razão, tia Kathleen. De todas formas, compadeço ao homem
dos arredores que se case com ela. De fato, compadeço a qualquer homem que se case
com ela, seja de onde seja. É muito triste, mas não acredito que possa ser uma boa
esposa. Não está feita para fazer feliz a outra pessoa. É muito egocêntrica.
- É uma lástima. Parece que lhe causaria um prejuízo a um homem ao lhe
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permitir casar-se com ela.
Marian gemeu para si. Não quis dar semelhante impressão. Desejava tanto
como a própria Amanda que esta se casasse.
- Não, se souber o que esperar e a quer de todos os modos - sugeriu.
- Suponho - aceitou Kathleen a contra gosto.
- Não te expliquei tudo isto para que parecesse que sua tarefa era impossível -
disse Marian com um suspiro, - a não ser para te advertir do que te espera e evitar que
te manipule para que faça algo a seu pesar.
- Já sei, ceu, e lhe agradeço isso. - Kathleen riu um pouco. - Se não soubesse
que não pode ser, pensaria que me dar a tutela da Amanda foi a forma do Mortimer de
vingar-se de mim por ter saído de sua esfera de influência. Não lhe caía bem, e
gostava de me esfregar pelos narizes o inútil que me considerava.
- Estou segura de que não morreu antes que Amanda estivesse casada só para te
chatear.
- Já sei. - Kathleen sorriu.
Marian lhe devolveu o sorriso ao compreender que sua tia quis aliviar um
pouco a tensão. Ainda tinha que lhe fazer outra advertência.
- Se tiver presente que o que viu até agora não é nada em comparação mau que
pode chegar a ser, ser-te-á mais fácil dirigir a situação.
- E você? Não te importa ter que esperar a te casar para cobrar sua herança?
- Não pensei muito nisso, em realidade. Mas, em qualquer caso, não é algo que
esperasse tão logo. Suponho que não vejo o matrimônio como uma forma de
independência, como Amanda.
- Você não anseia voltar para casa?
- Não, não me importaria nada não voltar a ver Haverhill. Além disso, eu gosto
de Tejas. Pode que tivesse sido uma boa colonizadora.
- Entendo-te. - Kathleen riu. - Tejas eu gostei assim que desembarquei. Alegra-
me que esses percalços que tiveram durante a viagem não influíram negativamente em
sua opinião.
- Eu não chamaria percalços a um ataque ao trem e à diligência mas, bem
cuidadoso… -Marian sorriu antes de acrescentar. - Pode ser que fossem mais
apaixonantes que aterradores, pelo menos são algo que jamais teria tido ocasião de ver
em casa.
- É uma lástima que sua irmã não opine o mesmo - comentou Kathleen ao
tempo que sacudia a cabeça. - É incrível que sejam tão diferentes.
- Na realidade , não. Ela é fruto da indulgência de nosso pai. Eu, de sua
indiferença.
- Sinto muito. Não, na realidade, diria que você é a afortunada. Pode ser que não
lhe parecesse isso quando crescia, mas estou segura de que agora já te terá dado conta
disso.
Afortunada? Ainda não. Mas logo, a não ser que tivesse que retirar-se e ver
como Amanda se casava com o Chad, como último recurso. Mas assentiu por sua tia.
Já dera muito que pensar a Kathleen. A advertência foi necessária. Comentar sua
95
patética situação, não.
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CAPÍTULO 27
Essa mesma manhã Marian se dirigiu ao estábulo. Tinha a intenção de pedir ao
primeiro peão que encontrasse se lhe importaria ensinar a montar. Quando Chad fora
vê-la para lhe dar sua lição imposta, esperava poder lhe agradecer e lhe dizer que já
lhe ensinaram.
Gostava de saber montar, inclusive o esperava com certa impaciência. Estar tão
isolada no rancho tinha muito que ver nisso. A carruagem do Spencer podia estar
ocupando espaço no estábulo, já que se tinha partido muito tarde para levar-lhe com
ele ao povoado, mas não estava ao seu dispor, embora tivesse sabido lhe enganchar os
cavalos e conduzi-lo. E deslocar-se andando ficava descartado também; de todos os
modos, não é que houvesse nenhum lugar perto ao que valesse a pena ir.
Mas, diferente de sua irmã, Marian já tinha bastante claro que Tejas ia ser seu
lar para sempre, e por decisão própria. Não havia nada em Haverhill de que sentisse
falta. O único que essa cidade trouxe para ela eram más recordações, assim não
desejava absolutamente retornar, nem a nenhum outro lugar do Leste, em realidade.
Preferia esta parte do país, apesar do calor.
Os espaços abertos, a paisagem agreste, o fato de viajar dias sem ver sequer um
povoado, a simpatia da gente - se não se contava o componente ilegal, é obvio—…
Tudo isso poderia ser aterrador, mas também excitante. Nunca sabia o que ia acontecer
a seguir. A gente não só vivia, adaptava-se, as arrumava, ajudava-se entre si.
Sobrevivia.
Sim, ficaria ali. E tanto se terminava vivendo em um povoado ou a um dia de
distância dele como Kathleen, queria aprender as coisas que ali todo mundo parecia
dar por sabidas. Montar a cavalo era o primeiro dessa lista.
Para obtê-lo até tomou emprestada uma das saias de montar de sua tia, ou mas
bem eram calças. O objeto, de um couro sem curtir, era tão larga e folgada que parecia
uma saia quando estava de pé mas, uma vez montada sobre uma sela, via-se que eram
umas calças muito largas.
Levou-se uma decepção ao ver que o estábulo estava vazio por completo, pelo
menos de gente. Havia quatro cavalos, dois do Spencer, e uns quantos mais no
estábulo. Decidiu familiarizar-se com os cavalos já que estava aí, e tratou de conseguir
que um se deixasse acariciar. Mas sacudia a cauda sem lhe fazer caso. Tentou com
outro, mas também a ignorou.
Não se atrevia a aproximar-se mais, porque os compartimentos eram muito
estreitos e recordava com claridade ter visto um cavalo desbocar-se na rua quando era
pequena. Feriu a coices e dentadas aos cinco homens que tentaram controlá-lo antes
que seu proprietário, furioso, sacrificasse-o por fim de um disparo. Ouviu como
alguém comentava quão imbecil era aquele homem, que o animal era tão rebelde
porque ele o maltratava. Nenhum desses cavalos parecia maltratado, mas mesmo
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assim, resultava-lhe difícil evitar uma lembrança como aquele.
- Traga um doce a próxima vez se quer captar sua atenção.
Marian se voltou para a entrada dao estábulo. Enquanto falava para tentar
convencer ao cavalo, não ouviu que alguém se aproximava. E com a luz do sol que lhe
chegava desde atrás, o homem era só uma silhueta escura recortada contra a porta dao
estábulo, montado tranquilo a cavalo, com o chapéu inclinado. Mas conhecia essa voz;
conhecia-a muito bem. O coração já começava a lhe pulsar mais depressa.
- Só me estava apresentando - explicou.
Riu e entrou mais, até que o brilho do exterior já não impediu que lhe visse os
rasgos.
- Isso está muito bem, salvo que, se não lhes der nada, nem ligam, como já
haveria observado - disse Chad.
- Sim. - Marian sorriu. - Tentaram me fazer acreditar que em realidade não
estou aqui.
- Um presente ou dois e recordarão o som de sua voz e levantarão a cabeça
quando a ouvirem, de modo que não é boa idéia favorecê-los a todos, a não ser que
esteja disposta a te encher os bolsos de doces. De momento, te concentre no que vai
montar.
- Qual é? - perguntou Marian.
- Nenhum destes. É uma égua que está no estábulo, dócil, perfeita para uma
nova amazona. Está preparada?
Era evidente que sim, dado o lugar onde a tinha encontrado. E não ia voltar a
discutir com ele que não era necessário que lhe ensinasse, assim respondeu:
- Se não estiver ocupado.
- Acredito que Red tem ainda uma velha sela por aqui - assentiu, e desmontou. -
É menor que a que usam os peões, de modo que irá bem.
Entrou no quarto dos arreios e saiu carregado com o necessário.
- Siga em frente - foi tudo o que disse enquanto se dirigia para a porta lateral
que dava diretamente ao estábulo.
Era uma porta dividida, cuja metade superior já estava aberta. Marian se
apartou quando Chad lançou uma corda ao redor do pescoço de um dos cavalos e o
conduziu para o interior de um compartimento. Os outros dois cavalos trataram de
segui-lo. Deixou que alguém o fizesse, mas fechou a metade inferior da porta para que
não saísse a égua. Marian deduziu que lhe daria a lição no estábulo.
A égua com a que tinha que familiarizar-se não era muito bonita. Um animal
manchado de cinza, com a cauda e a crina que poderiam ter sido brancos em algum
momento, embora agora tinham um tom cinza amarelado. Não era tão grande como os
outros dois cavalos, o que era ideal para o que se propunham: a distância da queda era
menor.
Chad retornou acontecidos uns instantes e começou a recolher o material que
deixara no chão.
- Disposta atenção - disse sem olhá-la. - Se por acaso tivesse que fazê-lo você
mesma. Não é provável que isso aconteça, já que sempre há pelo menos um peão que
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se ocupa dos cavalos e dao estábulo.
- E onde está?
- Doente, ou pelo menos o estava esta manhã quando saímos. Por isso retornei.
Bom, deveria haver imaginado que não tinha retornado por ela. Na realidade,
era provável que houvesse sentido vê-la no estábulo ao chegar, e inclusive pode que
acreditasse que o estava esperando. Que vergonha. Mas Chad não tinha mostrado
indícios de que lhe causasse nenhuma moléstia, e começou a explicar a Marian tudo o
que fazia.
Quando teve terminado, guardou silêncio e a surpreendeu ao tirar tudo o que
colocou no cavalo e voltar a amontoá-lo no chão.
- Agora você.
Uma prova. Não o esperou. E tampouco prestou total atenção ao que havia, mas
era sua culpa por querer que olhasse desde tão pouca distância. A ele não parecia lhe
importar estar tão perto dela, mas a ela sim.
Tinha conseguido tirar-se da cabeça o beijo que lhe dera a noite anterior. Não
teria podido pegar olho de não havê-lo feito. E esta manhã, graças a sua irmã, teve
outras coisas em que pensar. Mas agora, ao estar junto a ele, tão perto que podia
inclusive cheirá-lo, era incapaz de pensar em outra coisa.
Chad tinha bebido um pouco de vinho no jantar. Não muito, mas mesmo assim,
havia gente que se voltava mais atrevida, ou idiota, depois de tomar uns goles. Ela
evitava todo tipo de álcool, pois a levava a fazer tolices. Amanda também, porque não
suportava não ter o controle total de suas faculdades. Mas havia visto muitas vezes aos
pretendentes da Amanda voltar-se bagunceiros, odiosos, inclusive muito amorosos até
o ponto de tratar de roubar beijos diante de outras pessoas, simplesmente porque
tinham pouca tolerância ao álcool.
Não acreditava que Chad tivesse tão pouca tolerância, mas o vinho talvez fora o
causador de seu atrevimento ao querer comparar beijos a noite anterior. Desejava de
todo coração que não tivesse sido tão ousado. Limitou-se a comprovar algo sem ter em
conta que poderia alimentar suas esperanças para acabar por completo com elas
depois.
Descobriu seu disfarce! Ninguém o fez antes. Não sabia que era um disfarce, é
obvio. Acreditava que realmente precisava levar óculos. Mas mesmo assim, viu além
dele e deduziu que Amanda e ela eram gêmeas. Sabendo isso, não era estranho que
começasse a perguntar-se a qual das duas beijou aquela noite junto à fogueira, em
especial quando Amanda o ignorara por completo a manhã seguinte.
Poderia lhe haver perguntado para esclarecer sua confusão. Deveria lhe haver
perguntado em lugar de tratar de averiguá-lo por sua conta comparando beijos.
Inclusive pode que ela o tivesse admitido. Não teria havido motivo para não fazê-lo
posto que já sabia que eram gêmeas. Teve razão, mas e se se tivesse equivocado? O
expôs em algum momento e pensou o que suporia para ela? E acusou-a de fingir ser
Amanda, como se o tivesse feito de propósito!
Pode que agora não soubesse o que pensar, ou talvez se sentisse aliviado por
não ter cometido um engano e ter beijado à irmã equivocada. Mas, graças a Deus, os
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dois decidiram não envergonhar-se mais mencionando esse beijo. De fato, até esse
momento, ele se comportava como se não tivesse ocorrido.
A Marian lhe parecia muito bem; mas é que tinha ocorrido, e foi tão bonito, tão
incrivelmente excitante… Seu primeiro beijo de verdade, pelo menos, o primeiro que
davam nela e não porque a tivessem confundido com sua irmã. Era uma comparação,
de acordo. Pelo motivo equivocado, de acordo. Mas, ainda assim, o tinham dado a ela.
As duas vezes foi maravilhoso, embora o da noite anterior foi muito mais apaixonado.
Era essa paixão o que recordava agora. Se a isso se somavam as emoções
embriagadoras que sempre despertava nela quando o tinha perto, não era estranho que
não pudesse concentrar-se na tarefa que tinha entre mãos. Encontrou-se lhe
observando os lábios, as mãos que a tinham atraído para ele, o modo em que o cabelo
lhe frisava ao redor do pescoço, a forma em que a camisa se estendia sobre seus
músculos tensos quando se movia, coisas que não deveria olhar. Mas não parecia
poder evitá-lo.
A prova. O que ia primeiro? A manta. Recolheu-a, sacudiu-a uma e duas vezes,
e a situou sobre o lombo da égua. Demorou mais do necessário em alisar as rugas e
colocá-la bem, enquanto tratava de estabilizar sua respiração, que se estava voltando
bastante irregular.
- Não vai a seu primeiro baile - ouviu que dizia atrás dela com evidente
impaciência. - Não tem que estar perfeita.
Assentiu, impediu que visse como se ruborizava e alargou a mão para a sela.
Pesava mais do que parecia embora, com um pouco de esforço, levantou-a do chão.
Entretanto, duvidava poder levá-la até o lombo da égua.
Chad deve ter imaginar o que pensava porque disse:
- Teria que balançá-la um pouco para tomar um pouco de impulso.
Tentou-o, e acabou lançando-a por cima do animal. Chad soltou uma
gargalhada. Rodeou inclusive a dócil égua para recuperar a sela e levar-lhe com uma
só mão.
- Pelo menos já sabe que pode levantá-la - comentou com um pouco de humor
ainda na voz. - Procura não soltá-la desta vez para impedir que se deslize para o outro
lado. E não golpeie à égua com ela. Os cavalos não gostam das cadeiras, para
começar, mas ainda menos que as lancem em cima deles.
Estava-a provocando? Pode que não. E ia fazer o fazer outra vez, quando já
reconheceu que era algo que certamente ela não teria que fazer alguma vez. Esta parte
da lição era “só no caso de”. Ou era sua forma de vingar-se por ter que lhe ensinar?
Isso sim podia acreditá-lo, de modo que ergueu as costas, resolvida a selar a égua
embora lhe custasse a vida.
Custou-lhe dois intentos mais. Quando a sela aterrissou por fim onde devia, o
sorriso de triunfo de Marian foi radiante. O do Chad foi genuíno, o que a levou a
censurar-se por lhe haver atribuído intenções mesquinhas sem motivo.
Sua respiração era ainda mais dificultosa para então. Suava do esforço. Mas isso
não teve nada que ver com o tremor que sentiu quando Chad a tocou para colocá-la na
sela, que ainda tinha que sujeitar ao animal.
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Chad deve ter notado que se estremecia. Seguro que ouvia sua respiração
dificultosa, pode que inclusive os batimentos do coração de seu coração, tão fortes.
Aspirou e a soltou como se fora um ferro candente.
- Não faça isso - indicou com brutalidade.
“Como se pudesse evitá-lo”, queria gritar Marian . Mas se afastou dele inspirou
a fundo umas quantas vezes. Não serviu de nada. Em seu interior se despertou algo
que não conseguia acalmar.
E então lhe ouviu falar em voz baixa, zangado.
- Maldita seja, o convite não poderia ser mais explícito embora quisesse. Que
não sou de pedra, ouça. - E a levou de volta ao estábulo.
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CAPÍTULO 28
A lição não tinha terminado como Marian acreditou no princípio. Estava só
começando. Já não tinha nada que ver com os cavalos. Mas não sabia isso quando
Chad a levou ao estábulo, onde fazia menos calor.
Por um momento, não via nada. A rápida transição do sol radiante do exterior à
penumbra do interior dava ao estábulo um aspecto mais escuro de que tinha em
realidade. Mas quando seus olhos se adaptaram a tênue luz, encontrou-se arremessada
sobre um montão de feno em um dos compartimentos vazios, com o corpo do Chad
meio cobrindo o seu, e sua boca impedindo qualquer objeção, embora não pensava
fazer nenhuma.
Estava muito aturdida. Tinha passado muito depressa. E nem sequer estava
segura de por que. O que tinha murmurado sobre convites e pedras não tinha muito
sentido para ela. Que a voltasse a beijar, tampouco. Tinham acordado que o beijo da
noite anterior era um engano, ou pelo menos, isso supôs ela. E esta vez Chad não tinha
bebido. Assim que lhe estavam acabando as razões que explicassem por que queria
beijá-la.
Não só estava fazendo isso. O beijo era tão apaixonado que a princípio não se
deu conta. Mas quando lhe cobriu um seio com a mão, a anormal calidez que sentiu
foi a primeira pista de que já não havia nenhuma barreira de tecido entre ambos. Tinha
a blusa desabotoada, a regata baixada.
O pânico foi sua reação imediata ao ver-se meio nua fora da intimidade de seu
dormitório.
- E se vier alguém? - disse com voz entrecortada tentando interromper um
momento o beijo.
- Importa-lhe? A mim não.
Teve que pensar-lhe como ia pensar quando ainda lhe acariciava o seio? Na
realidade, se parasse naquele instante, por-se-ia a chorar. E não era provável que
ninguém entrasse nessa hora do dia. Não, tampouco lhe importava. Se aparecia
alguém, já se preocuparia então.
Assim deixou que encontrasse de novo seus lábios. Rodeou-lhe o pescoço com
os braços, em uma resposta silenciosa. O beijo se voltou mais voraz enquanto Chad
explorava a fundo a boca com a língua. Estava perdendo outra vez o contato com a
realidade, apanhada em uma quebra de onda de sensações turbulentas muito afastadas
de sua escassa experiência.
As carícias do Chad se voltaram mais atrevidas, algo bruscas. Ouvia que sua
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respiração era tão irregular como a dela. Tinha a sensação de que era prisioneiro de
sua própria paixão. Esperava que a controlasse melhor que ela.
Sua boca desceu por seu corpo, chupou-lhe o pescoço. Fez-lhe cócegas,
disparou-lhe o sangue, provocou que queria enroscar-se ao redor de seu corpo. Baixou
mais ainda e lhe rodeou um peito com os lábios. Sabia que Chad não tinha a boca tão
quente mas, mesmo assim, sentiu que a abrasava. Temeu que queria abranger todo o
seio com a boca. Impossível, não tinha os seios tão pequenos. Mas não dava a
impressão de que Chad fosse deixar de tentá-lo.
As sensações eram cada vez mais profundas. Notou vagamente que lhe apalpava
a saia e compreendeu que queria tirar-lhe Não teve sorte, assim atacou desde outro
ângulo.
- Teria que haver uma lei que proibisse levar calças às mulheres - grunhiu
quando não pôde chegar muito acima com a mão da parte inferior da saia de montar.
Marian ficou com vontade de rir e se surpreendeu ao ceder a ela.
- De verdade quer te despir em um estábulo, sobre um montão de feno? -
brincou a seguir em um tom afetado.
- Usa a imaginação. Sei que a tem muito viva. Pensa que está deitada sobre
seda.
- É isso um sim?
Agora riu Chad, a gargalhada limpa. Rodou pelo chão com ela até deixá-la
sentada escarranchado sobre sua cintura, com os joelhos dobrados a cada lado de seu
corpo, de modo que quase a tinha por completo ao alcance da mão. Tirou com rapidez
de sua blusa, estendeu-a no feno a seu lado. Passou-lhe a regata pela cabeça e o objeto
passou a formar parte também da manta que estava preparando sobre o feno.
Mas ao lhe tirar a regata, deslocou-lhe os óculos, que ela, sem pensá-lo, pôs em
seu lugar. E Chad alargou também a mão para elas. Sua reação foi também
automática. Tornou-se para trás para que não chegasse.
- Tira isso - disse Chad.
- Não.
Chad começou a franzir o cenho, mas seus seios o distraíram. Cobriu-os ambos
com as mãos e os acariciou. Marian jogou a cabeça para trás e soltou um gemido
irreprimível. Sentada escarranchado sobre ele, sentia um novo calor no mais profundo
de seu ser.
- Se levante sem te mover de onde está - pediu Chad com uma voz mais rouca
de normal.
Não queria perder o contato de suas mãos, mas não encontrou motivo algum
para negar-se. Entretanto, não estava segura de poder ficar de pé porque tremia.
Conseguiu-o, mas enquanto olhava como começava a desabotoar a camisa, quase lhe
dobraram os joelhos.
- Solte o cabelo - ordenou Chad a seguir.
Obedeceu-lhe em seguida. Tirou as forquilhas, sacudiu a cabeça e uma cascata
dourada lhe caiu costas abaixo, por cima dos ombros, até a cintura.
- Sabia que seria assim de comprimento, e formoso. Acabaram-se os coques. Se
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te vir com outro, eu mesmo, em pessoa, roubar-te-ei as forquilhas.
Marian sorriu ao imaginá-lo entrando às escondidas em seu quarto para roubar
forquilhas. Na realidade, se estivesse nela nesse momento…
- Desabotoe esse artefato que leva para que lhe possa tirar isso.
Inspirou de novo já que resultava que ele se estava desabotoando as calças ao
dizer isso. Custou-lhe um bom momento poder pensar com claridade para deduzir que
o “artefato” se referia à saia. Agarrou-a com estupidez enquanto os dedos lhe tremiam
mais ainda. E assim que Chad a viu desabotoada, a baixou.
Incorporou-se, tirou a camisa e logo que dedicou um instante a acrescentá-la à
manta improvisada. Apoiou a bochecha sob o ventre de Marian e a rodeou com os
braços. Deslizou-lhe as mãos costas acima e abaixo, devagar, e seguiu pelos quadris
para baixar mais ainda e lhe tirar assim o culote.
Embora o ar estivesse quieto nos limites do compartimento fechado, Marian
sentiu um ligeiro calafrio, aí de pé, mas foi só um instante. Notava o fôlego quente do
Chad na tripa, e seu tórax quente nas coxas. Estava-lhe levantando com cuidado uma
das pernas para liberá-las da roupa restante. Pôs as mãos na cabeça do Chad e deslizou
os dedos por seu cabelo. Era suave como o de um bebê e seu tato lhe proporcionou
tanto prazer que se deu conta de que desejara fazer isso desde que o conheceu.
Quando Chad lhe levantou a outra perna, perdeu o equilíbrio e se deslizou para
baixo até que seus joelhos tocaram o chão, um a cada lado de seu corpo, como antes.
Chad lhe pôs uma mão na nuca e a atraiu de novo para ele. E enquanto a beijava,
conseguiu de algum modo lhe tirar também as botas.
De repente, encontrou-se arremessada sobre a manta improvisada, e Chad lhe
sorria.
- É seda, verdade? - perguntou-lhe ele.
Teria respondido que sim. Na realidade, teria estado de acordo com qualquer
coisa nesse momento, mas não lhe saiu a voz. Chad se via tão juvenil com esse sorriso,
tão atrativo, que notou um comichão no ventre que a enjoava. E ele deve ter notado o
que sentia porque sua expressão se voltou tão sensual que Marian teve que conter o
fôlego.
Chad voltava a ter seus lábios sobre os seus, e com as mãos, muito suaves ao lhe
acariciar a pele nua, explorava os pontos aos que não podia chegar antes. Marian não
questionou nada do que ele fazia, e se limitou a aceitar o prazer de suas carícias de
uma vez que se concentrava em cada instante, em cada nova sensação para poder
recordá-la sempre. Mas passava tudo tão depressa, e estava tão apanhada nas paixões
despertadas nela que se recordava algo seria o calor, a ansiedade e o assombro de que
estivesse ocorrendo.
Chad deixou de beijá-la para poder contemplá-la enquanto deslizava a mão para
a parte inferior de seu corpo. Marian viu confusão em seu olhar, ou era imaginação
dela? Mas parecia encantado ante a vista de suas extremidades nuas, ou acaso
surpreso, já que a roupa que estava acostumado a vestir não deixava entrever suas
formas. Em qualquer caso, estava assombrada de não sentir vergonha porque Chad a
olhasse dessa forma. Bom, pode ser que sentisse um pouco.
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Sua mão seguiu deslizando-se coxa abaixo e depois subiu pela parte interior até
deter-se na entreperna. Marian soltou um grito afogado, o que provocou que Chad
voltasse a lhe cobrir a boca com os lábios. Mas não era esse grito afogado o que tentou
tampar, a não ser os que sabia que foram segui-lo quando explorasse com os dedos seu
interior. Os nervos de Marian reagiram ante o prazer, e uns espasmos incontroláveis a
levaram a arquear seu corpo para o do Chad, que se aproximou para contê-los. De
repente, cobria-a por completo e, antes que pudesse imaginar por que, estava-a
penetrando.
A dor foi intensa, mas desapareceu tão depressa que não o recordaria. Senti-lo
em seu interior, em troca, e de modo tão profundo, compensava-o, e lhe proporcionava
um prazer que não teria imaginado nunca. Não fez nada mais durante um comprido
instante para lhe dar tempo a adaptar-se, tempo que em realidade não necessitava.
Quando por fim começou a mover-se, estava mais que preparada. Mas ele seguia
tratando de acalmá-la. Enquanto descansava um braço sob sua nuca, aproximou-lhe a
outra mão à bochecha, a orelha, o cabelo… e este lhe enganchou nos óculos e Chad as
tirou.
Marian não estava segura de que não o tivesse feito de propósito, embora talvez
não. Sua expressão de surpresa podia dever-se a ter os óculos nos dedos. Mas lhe
estava observando a cara enquanto ambos permaneciam imóveis. Sabia que ela e
Amanda eram gêmeas, o havia dito, e mesmo assim, sentia-se mais nua sem os óculos
que sem a roupa.
- Pode enxergar sem eles? —perguntou-lhe.
- Sim.
- Bem, porque quero que veja o muito que estou desfrutando.
O tom foi rouco, mas as palavras a afetaram muitíssimo, eliminando tudo seu
acanhamento e lhe recordaram que seguia estando dentro dela.
- Então o que está esperando? - disse ela com uma voz igual de rouca enquanto
lhe rodeava o pescoço com os braços.
Chad inspirou, mas então, franziu o cenho um momento, confundido.
- Amanda?
Marian não respondeu. Nesse momento estava muito aturdida para pensar.
Chad a penetrava uma e outra vez, e em uns instantes a levou até o êxtase mais
sublime de sua vida, com um prazer que seguiu lhe percorrendo o corpo até que ele
alcançou o seu uns momentos depois.
Os dois voltavam a estar imóveis, respirando devagar enquanto recuperavam a
normalidade. Marian manteve afastados os pensamentos tudo o que pôde para tentar
saborear o que sem dúvida seria uma experiência única que jamais voltaria a ter com
ele. Notou como a cólera aumentava em seu interior e intuiu que Chad podia sentir o
mesmo. Tampouco parecia ter pressa em abordá-lo. Entretanto, entre eles crescia a
noção de que ele acreditava que ela era Amanda. E lhe fez o amor.
Chad se tornou para trás. Contemplou-a um instante muito largo. Agora, sem
dar-se conta, lhe devolvia o olhar. Mas antes que nenhum dos dois pudesse dizer algo,
ouviram uma voz perto da entrada do estábulo.
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- Ainda está aqui, Chad? Terá que dar de comer aos cavalos. Bom, parece que
terei que…
O monólogo se deteve, era o peão doente, preocupado pelos animais. Chad
soltou um taco entredentes quando o peão acrescentou:
- Oh, não te viu , Lonny.
- Vista-se enquanto me desfaço deles —sussurrou Chad enquanto agarrava sua
roupa e a punha. - Já falaremos disto depois.
Depois? Se o via depois, poderia matá-lo. Bom, quando lhe tivessem ensinado a
disparar uma arma.
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CAPÍTULO 29
Chad não teve que perguntar ao Lonny se ouviu algo no estábulo. O sorriso que
esboçava era bastante fácil de decifrar. Enviou ao peão de volta à cama e pediu ao
Lonny que o acompanhasse fora. Detiveram-se a meio caminho entre o estábulo e o
barracão.
- O que estava fazendo ali? —perguntou Chad.
- O mesmo que você. Bom, possivelmente não.
O sorriso do Lonny se converteu em uma gargalhada que o irritou.
- Se tiver ouvido algo, não o comente.
- Claro - respondeu Lonny. - Mas tenho que te dizer que é um malandro de
sorte. Amanda é a garota mais formosa que vi.
- Espera um momento. Não é que seja teu assunto, mas estava com Marian.
- Nem pensar. Marian é muito dissimulada e… E…
- Uma solteirona?
- Homem, já que o menciona, pois sim. Além disso, ouvi que a chamava
Amanda.
- Foi um engano - suspirou Chad. - Por um breve instante tive alguma dúvida,
mas não quis dizê-la em voz alta.
- Está-me dizendo que não podia distingui-la? Aí dentro não estava tão escuro, e
elas não se parecem nada.
- Na forma de comportar-se, não, por isso me confundi um momento. Mas de
aspecto são idênticas, Lonny. São gêmeas.
- Sim, claro - zombou Lonny.
Marian aproveitou esse momento para sair correndo do estábulo, sem dar-se
quanta de que estavam a um lado. Com a larga cabeleira loira que ondeava a seu redor,
as mangas desabotoadas e uma bota em cada mão, naquele aspecto desalinhado havia
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algo muito sensual, e também raivoso. Sim, estava raivosa. Ao Chad não lhe tinha
passado por cima que o tinha fulminado com o olhar. Era evidente que ela se deu
conta do engano dele ao chamá-la Amanda.
Maldição! Teria que explicar-lhe mais tarde, e desculpar-se. Seu atrevimento o
tinha avoado. E sua impaciência. Não os esperou dela. É obvio, tampouco teria
esperado dela tanta paixão.
- O disse - comentava Lonny. - Era Amanda.
- Não me ouviu quando te disse que são gêmeas? - perguntou com secura Chad,
que tinha posto os olhos em branco.
- Não me ouviu quando te disse que “nem pensar!?
- De acordo, compreendo suas dúvidas. - Chad não pôde evitar sorrir para ouvi-
lo. – Eu também levei um tempo para me dar conta. Esses ridículos óculos que lhe
distorcem os olhos desviam muito a atenção, e ninguém com um pouco de decoro
ficaria olhando o momento suficiente para precaver-se de que o resto de seus rasgos
são preciosos, e idênticos aos da Amanda. O problema é que às vezes não pode evitar
se perguntar com qual das duas está.
A noite anterior quando a beijou, esteve seguro de ter beijado à mesma mulher a
que beijou noites antes junto à fogueira. Marian o tinha negado, inclusive se
incomodou por isso. E ele esteve seguro, havia sentido incluso um grande alívio ao
acabar por fim com sua confusão, mas sua negativa havia tornado a confundi-lo.
Não lhe custava aceitar que Marian tivesse tentado resgatar o do Leroy aquela
noite, e que o tivesse feito de modo tão rápido e espontâneo que tinha esquecido de
colocar os óculos antes, e foi perfeitamente capaz de ver sem elas. O que significaria
que não tinha problema algum nos olhos. De fato, era provável que não pudesse ver
nada com esses ridículos óculos, o que explicaria sua inaudita estupidez.
Nunca tinha acabado de ver claro que aquela noite tivesse sido Amanda. Era
certo que parecia ela. Não teve razão para pensar outra coisa. Mas lhe atribuir um ato
tão desinteressado resultava estranho. E, de fato, era a única coisa boa que podia lhe
atribuir. Entretanto, não lhe custava atribuir um ato desinteressado a Marian. Sim,
fazia todo o possível por lhe insultar mais de uma vez, mas o que tinha averiguado
após lhe levava a refletir sobre isso. Suspeitava que sua grosseria poderia ter sido
deliberada, parte dessa questão do ciúmes de sua irmã que lhe contara pela metade.
Agora compreendia, pelo menos em boa medida, a questão dos ciúmes que
Marian tentou lhe explicar sem lhe dar detalhes. Não teve muito sentido naquele
momento, quando se mostrava o mais feia que podia. Era inconcebível da Amanda
estivesse ciumenta dela. Mas eram gêmeas. Uma ocultava sua beleza, a outra a
realçava.
Por sorte, havia formas das distinguir. Amanda sempre movia as mãos para
atrair a atenção para sua cara, seus seios. Quando sorria, não parecia nunca real. Se
tinha senso de humor, tinha-o perdido durante essa viagem que tanto lhe desagradava.
Não lhe ouviu dizer nunca nada bom sobre algo, se é que podia fazê-lo. Seus gestos
eram distintos, quão mesmo seu caráter, sua tolerância, sua paciência. E sempre se
queixava. Na realidade, pode que fora exatamente o que havia dito seu pai: uma
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suscetível. Sua beleza lhe tinha impedido de ver todo isso, mas o via com claridade se
a comparava com Marian.
Seguia sem entender, entretanto, o motivo do engano. Não tinha o menor
sentido que uma mulher tão formosa como Marian queria ocultar sua beleza. Mas não
podia ocultar o que havia sentido hoje, um forte desejo por ele ante o qual ele tinha
reagido do modo mais primitivo.
Sua reação lhe surpreendia. Acostumava a controlar muito melhor seus instintos
mais básicos. Na realidade, jamais tinha perdido tanto o controle. Ou possivelmente
não quis deter o que acontecia entre eles. Isso era muito mais provável. Era como o
beijo da noite anterior, algo que não tinha podido evitar. E cada vez que a beijou, ela
tinha cedido, e lhe havia dito sem palavras que também o desejava.
CAPÍTULO 30
Marian seguiu o exemplo de sua irmã e passou o resto do dia em seu quarto.
Para não enfurecer-se pensando, pediu a Rita que lhe ajudasse a encontrar o material
de pintura da Kathleen. E após havê-lo obtido sem problemas, levou-o tudo seu
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quarto.
Quando Chad se apresentasse para seu bate-papo prometido com “a Amanda”
não teria sorte. Amanda estava aplicando a velha tática de esconder-se em seu quarto,
já que acreditava que castigava a outros privando-os de sua presença.
Marian se escondia por uma razão muito distinta. Não queria ver Chad
esperando a que sua irmã aparecesse, nem que lhe pedisse que convencesse a Amanda
de que descesse. Não lhe surpreenderia que o pedisse. Mas não ia averiguar, pelo
menos esse dia, o muito que se tinha equivocado em suas conclusões.
Ainda não podia acreditar que tivesse feito aquilo. Meu Deus, estava tão
eufórica pelo fato de que a desejasse a ela, a ela e não a Amanda… Entretanto, deveria
haver imaginado. Chad queria a Amanda desde o começo, e isso não ia mudar só
porque ela fora sua irmã gêmea.
Certamente teria acreditado todo o dia que esteve com a Amanda, e o pior de
tudo é que era culpa dela. Tinha fresco na memória o que lhe havia dito a noite
anterior, que Amanda gostava de enganar às pessoas fingindo-se ela.
Deveria advertir a Amanda que Chad tinha a impressão errônea de ter feito o
amor com ela. Mas então teria que escutar como sua irmã se desfrutava de sua virtude
perdida, apesar de que ela já a tivesse perdido fazia muito. Marian não suportaria isso,
somado a todo o resto que lhe tinha ocorrido aquele dia. Além disso, Chad merecia
que as duas irmãs recusassem ter qualquer intimidade com ele. Pode que assim, no
futuro, o muito idiota prestasse mais atenção para saber com quem estava fazendo
amor.
Umas horas depois de ficar a pintar, começou por fim a relaxar o bastante para
dar-se conta do que estava estampando. Surpreendeu-lhe. Não pintava a partir de
esboços porque, embora esboçar lhe dava muito bem, não gostava tanto como pintar.
Além disso, pintava muito bem de memória, assim não precisava fazer ambas as
coisas.
De fato, não deveria lhe surpreender o que tomou forma no tecido. Embora
tentasse apartar o de seus pensamentos, Chad seguia espreitando-os. Assim encontrar
os traços básicos do rosto do Chad olhando-a do cavalete simplesmente fez que
sacudisse a cabeça, indignada consigo mesma.
Entretanto, parecia bom. Não tinha perdido o talento devido à falta de prática.
Tinha que retocar os olhos, não a forma, a não ser a cor. Tinha que definir mais o
queixo para que se visse mais forte. Tinha que obscurecer o tom da pele para refletir
seu bronzeado. E teria que lhe acrescentar o chapéu, inclinado como estava
acostumado a levá-lo…
No que estava pensando? Não ia terminar um retrato do Chad. Tirou o tecido,
deixou-o atrás do cavalete para não ter que vê-lo e o substituiu por outro em branco.
Teria que ir com mais cuidado, pelo menos até que pudesse repor os materiais da
Kathleen.
Só havia quatro tecidos grandes, dois de tamanho médio e uma miniatura, e
Marian não era uma pintora lenta. Podia terminar um retrato de um puxão se o
propunha, de modo que ia com cuidado, porque os materiais não lhe durariam muito
110
tempo.
Decidiu-se por um tipo distinto de retrato, enquanto que a lembrança seguia
sendo fresco, um que lhe divertiria pintar. Embora não divertiria a Amanda, se alguma
vez chegava a vê-lo.
Pintou o que recordava do assalto ao trem, em particular, a Amanda sentada
com uma expressão de espanto e pólvora na cara depois de que lhe tivessem
disparado. Os passageiros que a rodeavam estavam imprecisos; tinham-no estado
então, assim que os deixou desse modo. Os dois assaltantes que percorreram o
corredor apareciam na imagem; que disparou a Amanda, definido com mais claridade.
Embora só lhe podia desenhar o olhar da cara, já que levava a outra metade coberta
com um lenço, tinha uns olhos muito especiais, de cor mais dourada que castanho e de
uma forma muito redonda.
Começou a sorrir antes de ter chegado na metade, e seu estado a ânimo tinha
melhorado muitíssimo. Apesar de que o ataque não foi nada divertido quando teve
lugar, a imagem da Amanda com a cara enegrecida pela fumaça do disparo e
silenciada pelo susto era para morrer de risada. depois de tudo, possivelmente o
deixaria ver a Amanda quando estivesse terminado.
Sorriu ante a idéia, mas sabia que não o faria. Amanda o destruiria, igual a tinha
destruído o último quadro que Marian tinha pintado dela e no que não saía muito bem.
Surpreendeu-lhe ver que a luz perdia intensidade e se deu conta de que já quase
era de noite. Mas é que quando pintava, sempre parecia perder a noção do tempo.
Pouco depois, bateram na porta.
- Em quinze mútuos se servirá o jantar - ouviu dizer Rita.
Não pensava ir ao salão, pelo menos essa noite, mas sim queria ver sua tia para
dizer-lhe antes de que descesse. Tomou os óculos. Só se recusava usá-los enquanto
pintava. Sempre o fazia em privado, claro, onde não a interrompesse ninguém, de
modo que em realidade não importava.
Antes de chegar à porta, voltaram a chamar. Supôs que era Rita de novo, para
assegurar-se de que a tivesse ouvido, mas quando abriu, encontrou-se com a Kathleen.
- Hão-me dito que começou a pintar esta tarde - comentou sua tia. - Posso ver
seus progressos? Ou prefere esperar a terminar cada obra antes de que ninguém veja
no que trabalha?
- Não me importa - respondeu Marian com um sorriso tímido, e abriu um pouco
mais a porta.
- OH, Meu deus! - A surpresa da Kathleen ao aproximar-se do cavalete foi
genuína. - De verdade esteve tão perto o disparo?
- Dispararam-lhe quando não quis lhes dar a bolsa por bem.
- Isso foi… muito valente de sua parte.
- Não. - A pausa de sua tia fez que Marian esboçasse um sorriso. - Foi uma
estupidez porque eram quatro homens, estavam-nos apontando e nós não tínhamos
nenhuma forma razoável de impedir o ataque. Teve sorte de que só queria assustá-la.
- Ou de que falhasse.
- Sim, também.
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Kathleen teve que tampar a boca para dissimular o divertido que lhe parecia a
descrição da surpresa da Amanda.
- É muito boa. Parece ela, apesar da pólvora.
- Uma vez passado o perigo, tem graça. Sua expressão foi bastante divertida.
- Ainda o é - assegurou Kathleen, que liberou seu humor com uma gargalhada. -
Me impressionou, ceu. Ao olhar este quadro quase tenho a sensação de estar aí e…
meu Deus!
- O que?
- Acabo de me dar conta: o assaltante, acredito que o conheço. Minha mãe,
parece John Bilks, que trabalhava na loja do povoado. Despediram-no quando faltou
dinheiro no caixa. O proprietário queria que o detivessem, mas não havia provas de
que tivesse sido ele quem roubou o dinheiro. Pouco depois partiu, e ao que parece se
converteu em assaltante de trens. Seguro que ao xerife gostaria de ver este quadro.
- Parece-me que Amanda se oporia a isso - respondeu Marian com um sorriso.
- Você acha? - disse Kathleen com os olhos entrecerrados, e ambas riram. Mas,
continuando, sugeriu: - Talvez uma miniatura onde só se visse o John Bilks? A
podemos dar ao xerife quando formos ao povoado na sábado, e comprar mais tecidos
quando estivermos ali. Não há dúvida de que é uma pintora muito mais rápida que eu.
Ficavam muitos materiais para que trabalhe até então pelo menos?
- Sim, eu…
Marian não terminou. Kathleen se tinha movido para um lado para jogar uma
olhada ao material que Marian tinha recuperado de trás e viu o retrato ao meio
terminado de Chad, apoiado na parte posterior do cavalete.
- Meu Deus! - exclamou Kathleen antes de voltar a olhá-la. - Tem um talento
surpreendente. E o faz de cor, verdade? Sim, claro. Incrível. Me alegro de que você
goste. Não tem por que te ruborizar. Gostaria a qualquer jovem de sua idade.
- Não é isso - esclareceu Marian, que olhava ao solo. É que ninguém tinha
elogiado antes meus quadros. Meu pai insistia em que não tinha talento, que só perdia
o tempo…
- Lamento ter que dizê-lo, mas Mortimer era um mal nascido- a interrompeu
Kathleen zangada. - Estou segura de que se dizia algo assim, era porque sua
“preferida” não tinha talento para a arte. Verdade que não?
- Não.
- Imaginava. Certamente lhe punha furioso que a eclipsasse nisso. E você
deveria havê-lo sabido. Olhe este quadro. Já lhe captaste a alma, e isso que nem sequer
está terminado.
- Tem uma cara interessante - apontou Marian .
- Interessante, né? - Kathleen se pôs-se a rir. - Suponho que poderia dizê-lo
assim. Venha, vamos. O jantar nos espera. Desçamos antes que Consola mande uma
partida para nos buscar.
Marian não se moveu. Tinham conversado muito momento para alegar que
tinha dor de cabeça como tinha planejado. Mas não ia sentar se para jantar com o
Chad, não essa noite, não até que não lhe tivessem acontecido as vontades de lhe
112
disparar ao vê-lo pela conclusão que ele tinha tirado.
- Vê você, tia Kathleen. Acredito que me irei dormir logo…
- Oh, vamos, tem que comer. E esta noite só estaremos as duas. Chad já se
desculpou. Por alguma razão terminou acontecendo um bom momento na cozinha esta
tarde e Consola o abarrotou. Não suporta ter a um homem a seu lado sem lhe dar de
comer.
- Bom, suponho que poderia comer algo.
CAPÍTULO 31
Chad foi jantar de todos os modos. Estavam na metade quando entrou, sentou-se
e perguntou o que tinha que sobremesa. Kathleen lhe provocou um pouco dizendo que
seu cavalo poria objeções à quantidade de comida que escondia. Brincaram um com
outro, rindo os dois em um tom desenvolto, até que Chad introduziu outro tema.
- Está doente Amanda?
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- Não, é só que prefere não nos acompanhar - respondeu Kathleen.
- Não me diga que ainda precisa descansar da viagem - exclamou Chad.
- Pode. O calor não lhe fez muito bem. Você está acostumado e apenas o nota,
mas...
- Noto-o. De todos os modos, não tem feito tanto calor ultimamente, pelo menos
não o bastante para fazer adoecer à senhorita. Assim ainda faz dramalhões por estar
aqui, não?
Kathleen tossiu. Marian ficou olhando. Ouvir-lhe dar assim no branco não
sentiu para ela, posto que nunca tinha falado com ironia da Amanda até então. Mas se
esquecia de que ainda devia estar zangado com sua irmã porque acreditava que lhe
feito uma de suas brincadeiras essa manhã.
Surpreendia a si mesmo por quão bem tinha conservado a calma desde que
Chad tinha chegado. Enquanto brincava com a Kathleen e ria, levou-se como se essa
manhã não tivesse ocorrido nada fora do corrente, até que mencionou a Amanda.
Então seu tom mudara de repente.
A raiva que Marian sentia seguia latente sob a superfície. Não é que ainda
queria matá-lo. Sabia, é obvio, que estava sendo injusta. Desde o começo soube que
queria a Amanda.
- Me alegro de que não me esperassem - disse Amanda da soleira com uma má
imitação do acento texano. - E não, não estive fazendo dramalhões, carinho -
acrescentou olhando ao Chad enquanto se abanava com energia. - Meu Deus, não
estará ainda zangado porque interromperam nossa entrevista no estábulo, verdade?
Marian inspirou a fundo. Como diabos se inteirou Amanda disso? E por que
reafirmava de propósito a conclusão a que chegou Chad de que fez o amor com ela?
Chad se tinha ruborizado muito, enquanto que Kathleen o olhava com os olhos
exagerados. Era a classe de cena que a Amanda adorava criar, mas, por uma vez,
possivelmente não fora de tudo deliberada, ou planejada. Era evidente que tinha
escutado os comentários pouco aduladores do Chad sobre ela e se estava vingando
dele. Não tinha entrado imediatamente, porque lhe deve ter custar uns minutos
controlar sua raiva.
Marian também se ruborizou. Meu Deus, isso significava que Amanda tinha
escutado muito mais que a conversação que acabava de ter lugar na mesa. Tinha que
ter estado no estábulo pela manhã. De outro modo, era impossível que soubesse o que
tinha ocorrido ali.
Mas não havia nenhuma razão para que estivesse no estábulo. Não gostava dos
cavalos, e não sabia conduzir uma carruagem embora lhe tivesse ocorrido escapar no
que ainda estava no rancho. Não havia nada que a atraíra a esse lugar, salvo Chad. Ou
o viu voltar e decidiu divertir-se com ele um momento par aliviar seu aborrecimento.
Ou, o que era mais provável, esteve olhando pela janela de seu quarto quando
estavam no estábulo, viu como Chad a tinha levado a interior do estábulo, e a
curiosidade a tinha impulsionado a baixar a investigar por que... E os viu fazendo o
amor, e escutando o que Chad disse.
Devia lhe parecer divertidíssimo que Chad tirasse a conclusão equivocada. Pode
114
que se passou o dia rindo e planejando como aproveitar melhor o que sabia para
machucar a Marian . Esta ceninha não era em honra do Chad. A Amanda trazia sem
cuidado o que ele pensasse. Só era um instrumento, e perfeito, já que Amanda sabia
agora que Marian o queria para ela.
Era típico da Amanda. Estava esfregando a Marian pelos narizes que os homens
sempre preferiam a ela. Também estava escandalizando a Kathleen, o que formava
parte de seu plano atual. E faria ter sabor do Chad o pouco importante que era. Não
tinha terminado de lhe mostrar as consequências de não adorá-la. Não, Marian não
tinha a menor dúvida a respeito.
Sentiu náuseas Pode que tivesse querido matar ao Chad, mas não que o afã de
vingança da Amanda caísse sobre ele. E era inútil dizer a verdade. Amanda a chamaria
mentirosa, e de fato Chad também, já que estava muito seguro de com que mulher fez
o amor.
Amanda ia só meio vestida. Marian não se deu conta ao princípio de que sua
irmã estava fazendo outra declaração visual sobre o calor. Ia sem regata e pode que
também sem culote, a julgar pela magreza da saia. E levava a blusa desabotoada por
diante além dos limites da decência. Era o bastante fina para que se mostrasse a
sombra dos mamilos, embora o decote pronunciado da blusa estava a ponto de mostrá-
los mais ainda. Era provável que tivesse baixado para impressioná-los com seu traje,
mas como estava Chad, encontrou uma munição melhor.
Marian esperava que Kathleen compreendesse que era outra interpretação em
sua honra, mas um olhar a sua tia indicou que se estava recuperando da impressão
inicial e voltava a ruborizar-se devido à falta de roupa da Amanda.
- Comentaremos sobre suas... atividades, quando estiver vestida - exclamou
Kathleen com severidade.
Amanda arqueou uma sobrancelha e se apoiou preguiçosamente no marco da
porta.
- Estou vestida, com tudo o que posso tolerar com este calor. Além disso, sua
única obrigação comigo é dar seu consentimento para que me case, tia Kathleen -
acrescentou com um sorriso tenso. - Minha conduta e meu modo de vestir não se
incluem em sua esfera de influência, de modo que não tem nada que dizer sobre o que
faço. Só estou aqui porque há dinheiro de por meio.
- Está aqui porque seu pai me nomeou sua tutora - objetou Kathleen.
- Se por acaso não se deu conta, não sou uma menina que necessite tutora.
- Pois poderia deixar de se comportar como se fosse. Ou é esta sua forma de
chamar minha atenção sobre o fato de que já escolheu com quem quer te casar?
- Eleito? Refere-te ao vaqueiro aqui presente? - Amanda dirigiu o olhar ao
Chad. - Não pensava no matrimônio esta manhã, verdade, carinho?
- Lhe posso explicar isso, Red - disse Chad, ruborizando de novo, talvez porque
Kathleen o observava com o cenho franzido. - Foi uma lição de equitação que fugiu ao
controle.
- Uma lição de equitação? - Amanda sorriu. - É uma forma bastante grosseira de
dizê-lo.
115
Chad ignorou a interrupção, apesar de que um maior rubor em suas bochechas
indicava que a ouviu claramente. Mas se dirigiu a Kathleen.
- Assumo toda a responsabilidade de minhas ações - lhe assegurou.
- Isso já sei. - Kathleen suspirou. - Não o duvidei nem um segundo. Mas é que
lamento que tenha que fazê-lo neste caso.
Amanda ia declinar qualquer relação posterior com o Chad. Marian estava
segura disso. Tinha preparado a cena para uma de suas maquinações porque queria
castigar ao Chad por não adorá-la só a ela, e ele a tinha agradado ao ficar boquiaberto
para que lhe jogasse por terra sua auto-estima. Mas que Kathleen o compadecesse a
tinha levado a trocar de opinião, de momento.
Marian desejava frequentemente não saber como pensava sua irmã, mas sabia.
Acabavam de proporcionar a Amanda a forma de prolongar a agonia de todos eles. Se
Kathleen não queria em realidade que Chad se casasse com a Amanda, como sugeria
seu último comentário, Amanda consideraria de repente que lhe conviria chapear-lhe
ao menos por agora, até que se apresentasse uma opção melhor. Além disso, teria a
vantagem acrescentada de saber o muito que feriria Marian .
Amanda bocejou para demonstrar que o tema a aborrecia, e inclusive agitou a
mão para recalcá-lo.
- Eu pensarei - comentou isso.
- Parece que já o tem feito - indicou Kathleen.
Amanda se limitou a rir e se dirigiu com tranquilidade para as escadas. Fazia o
que tinha planejado e agora ia desfrutar se em privado.
O silêncio que rodeou a mesa foi doloroso. Marian não podia suportá-lo mais
tempo e, depois de murmurar uma «Permissão», partiu também.
Saiu justo antes que lhe saltassem as lágrimas. Era uma tolice permitir que uma
das cenas da Amanda a alterasse. Já deveria estar acostumada. De fato, esta vez não
era realmente culpa da Amanda. Fazia o que sempre para, esquentar os ânimos. O que
lhe incomodava era saber que nesta ocasião Chad formava parte disso, e que estava
mais fora de seu alcance que nunca.
Morrer de um disparo teria sido um destino menos cruel para ele que terminar
com a Amanda como esposa.
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CAPÍTULO 32
Chad se sentia quase como um menino apanhado com a mão no pote das
bolachas proibidas. Sentia ainda uma enorme vergonha, apesar de que agora só
estavam Red e ele no comilão. Mas Red sacudia a cabeça com uma expressão que
dizia: «Decepcionou-me, menino.» E não podia culpá-la. Tinha jogado com sua
sobrinha. Era um claro abuso de confiança.
Ainda tinha que analisar todas as repercussões do que acabava de ocorrer e
estava ainda um pouco desconcertado. Ia ter que casar-se com a mulher equivocada.
Como diabos podia haver-se confundido tanto?
117
- Deveria havê-la conhecido melhor antes de... decidir se casar com ela - disse
Red em um tom que refletia ainda uma grande decepção.
- Espero não te surpreender se te disser que estou totalmente de acordo contigo -
assentiu Chad.
- Por que não esperou então antes de fazer algo tão irreversível?
- Não estou seguro de ter tido muita escolha. Oh, poderia ter saído disparado,
mas começo a ter a impressão de ter cansado em uma armadilha, como se ela o tivesse
planejado tudo.
- Não foi tua idéia se deitar com ela no feno?
Chad acreditava que já não ia ruborizar se mais, mas voltou a fazê-lo.
- Não voltei aqui esta manhã para isso, certamente. Encontrei isso no estábulo,
comecei a lhe ensinar a montar como me pediu...
- Espera um momento, não te pedi que lhe ensinasse a montar lhe interrompeu
Kathleen.
- Exato, não era Amanda. Bom, era-o, evidentemente, mas se tinha arrumado
para parecer Marian. Atuava como Marian. Inclusive tinha vontade de aprender a
montar, quando sei que não gosta dos cavalos, e isso foi o que provavelmente me
convenceu de que a mulher com quem estava era Marian. Assim suponho que me
falhou tanto a vista como o sentido comum.
- Bom, são gêmeas. Imagino que seria bastante fácil para uma tentar fazer-se
passar pela outra e consegui-lo - reconheceu Kathleen.
- O caso é que estava totalmente seguro de era Marian quem estava no estábulo
esta manhã - disse Chad com amargura. - Pode ser que houvesse um breve instante em
que tive uma dúvida. Seu atrevimento me confundiu, e lhe perguntei se era Amanda.
- Deduzo que não o confirmou nem o negou.
- Não, de fato, enfureceu-se Acreditei que era porque a chamei Amanda, mas
pode ser que fosse porque descobri por um instante seu estratagema.
- Assim seduziu à irmã correta - suspiro Kathleen. - Ou, pelo menos, isso
acreditava.
- Assumo meus enganos, Red, mas tenho que te dizer que eu não a seduzi. Era
como uma gata em zelo que emitia todos os sinais de que me desejava. Se tivermos em
conta o que acreditava, não resisti muito. Admito-o. E tampouco estou negando minha
responsabilidade. Poderia ter reunido a força de vontade necessária para me largar
dali. E não o fiz. Mas eu não comecei.
- Isso o piora ainda mais, sabe?
- Não sabe nem a metade. Amanda nem sequer eu gosto. Passei por cima de
todos seus maus rasgos, atribuí-os à viagem, estava convencido de que uma vez que se
instalasse aqui, seria muito distinta. Atraía-me, é verdade, e muito. Depois de tudo, é
preciosa. Mas esperava dizer-lhe até ter chegado aqui, porque sua atitude respeito à
viagem era muito infantil para meu gosto. Acreditava sinceramente que melhoraria,
mas não que pioraria.
- Lamento dizê-lo, porque é minha sobrinha, mas pelo que sei, o que viu até
agora não melhorará nada. Meu irmão a mal criou sem remédio.
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- E a Marian não?
- Não, Amanda era sua preferida - explicou Kathleen. - A Marian, ignorava-a
por completo.
- E por isso procura passar desapercebida? Por costume?
- Não, acredito que tem que ver com que Amanda tem ciúmes dela. Começou a
me contar isso mas nos desviamos do tema para falar de meu irmão.
- Agora que o penso - disse Chad, pensativo, com o cenho franzido, - me
explicou isso a noite antes de chegar aqui. Tive que surrupiar-lhe e, simplesmente, não
me acreditei isso dado que seu aspecto era o de uma solteirona.
- Vai dizer-me por que Marian se toma tantas moléstias para evitar os ciúmes
de sua irmã?
- A isso ia - grunhiu Chad ante a impaciência da Kathleen. - Sustentava que
Amanda podia ficar tão ciumenta que, seu suspeitava que lhe gostava de um homem,
utilizava seus encantos e tratava de roubar-lhe só para chateá-la.
- Só para chateá-la? Quer dizer sem intenção de ficar com ele?
Chad ficou imóvel um momento.
- A muito harpia! - soltou. - Acha que poderia haver-se tratado desses esta
manhã?
- Era virgem?
- Sim - confirmou, ruborizado de novo.
- Então, não. Não imagino que chegasse tão longe só para chatear.
- E seu comportamento esta noite? Não dava a impressão de querer casar-se
comigo. Encaixa, Red.
- Se já tivesse perdido a inocência com outro, estaria de acordo contigo -
respondeu Kathleen sacudindo a cabeça. - Mas poderia ter obtido o objetivo atraindo
seu interesse sem chegar a esse extremo. E, além disso, fingia ser Marian. Se tivesse
querido te conquistar, o teria feito como ela mesma.
- Suponho que sim - suspirou Chad. - O que me leva outra vez ao «não o
entendo». É que nem sequer gosta.
- Está seguro?
- Bom, além de ter simulado esta manhã me desejar com loucura, sim, estou
bastante seguro.
- Os sentimentos das mulheres não são sempre evidentes - observou Kathleen.
- Já sei, mas quando a emoção predominante que revista perceber de uma
mulher é repugnância, não faz falta ser um gênio para adivinhá-los.
- Pois ficou com minha primeira impressão.
- Qual? —perguntou Chad.
- Que decidiu te usar para conseguir sua herança - respondeu.
- Mas não valeria também neste caso o que disse antes? Que não chegaria tão
longe, mas sim trataria de me conquistar?
- Estaria de acordo se não fora porque seu único objetivo neste momento é
voltar para casa, com ou sem marido, e este último caso, com meu consentimento para
casar-se com quem queira. Agora bem, eu não vou lhe dar essa permissão, e pode que
119
tenha reunido o julgamento suficiente para compreendê-lo. Mas é mais provável que
seja pura impaciência por sua parte. Sabe que daria meu consentimento para que te
casasse com ela. Não pode dizer ainda o mesmo de nenhum homem que tenha
conhecido aqui. Assim casar-se contigo seria o modo mais rápido de voltar para casa,
e te seduzir era só uma forma de consegui-lo.
- Casar-se comigo não lhe vai servir para partir daqui. - Chad tinha franzido o
cenho.
- Sim, eu sei e você sabe - assegurou Kathleen, - mas me advertiram que
Amanda não aceita um «não» por resposta. Se não obtiver o que quer com lisonjas, é
muito provável que recorra a outras táticas menos agradáveis.
- Como me chatear sem cessar? - resmungou Chad.
- Ou manchar sua boa reputação - assentiu Kathleen com uma careta. - Eu não o
descartaria depois de ver o escandaloso traje que usava esta noite.
- Não há escapatória, verdade?
- Para um homem decente como você? Não.
Chad assentiu e ficou de pé para partir.
- Quando começará minha sentença no purgatório?
- Este sábado será o churrasco de seu pai. Acabo-me de inteirar hoje. Falarei
com o pastor para ver quando estaria disponível, ou o irei ver o povoado quando
voltarmos no domingo. Terá que informar a seu pai.
- Meu Deus...
- Sinto muito, Chad. Seriamente.
- Não tanto como eu.
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CAPÍTULO 33
Chad não podia dormir. Não sentia vontade. Precisava tomar um gole, mas Red
não tinha nada forte no rancho. Desejou que não vivesse tão longe do povoado.
Desejou não precisar beber. De fato, se lhe concedessem um desejo, pediria voltar
atrás no tempo e outra vez viver esse dia.
Havia outra pessoa que tampouco conseguia conciliar o sonho. Da porta do
barracão contemplava a casa e se perguntava de quem seria o quarto no que ainda
havia uma luz acesa. E, embora a esteve observando muitíssimo momento, ninguém se
aproximou da janela para lhe dar uma pista.
Não podia tirar-se essa sensação nauseabunda de cima. Tinham-lhe feito uma
armadilha. Tinham-no utilizado. Sabia, mas isso não ia tirar o do poço no que estava.
Apesar de que Amanda não o queria realmente, apesar de que ele acreditou que para o
amor com outra pessoa, a porta se fechava. Porque ela era virgem. Porque, gostasse ou
não, tinha-lhe arrebatado a virgindade e não era a classe de homem que pudesse
desentender-se disso.
Spencer Evans sim o faria, o muito bastardo. Já o fez antes, e voltaria a fazê-lo.
Não tinha nenhuma moralidade digna de menção; importava-lhe um cominho
machucar a alguém em sua busca de prazer. Era uma pena que Amanda não lhe tivesse
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estendido a armadilha a ele, embora isso não lhe teria servido para casar-se.
Chad descartou dormir algo essa noite e, quando eram pouco mais das doze,
escreveu uma nota rápida ao Lonny com instruções para os dias seguintes e partiu para
tomar esse gole que tanto desejava. Tinha que ir ver seu pai para lhe dar a má notícia,
outra razão pela que desejava embebedar-se por completo antes.
A lua lhe facilitou as coisas. Iluminava a paisagem com uma suave tonalidade
cinza. Não é que importasse, porque, em qualquer caso, cavalgava bastante às cegas já
que seus pensamentos, e pesar, absorviam-lhe muito para concentrar-se no caminho.
Mas tinha um cavalo preparado, que lhe conduziu ao povoado, onde chegou por volta
das quatro da madrugada.
A cantina Not Fere não estava aberta toda a noite, mas a Ou’Mally’s não
fechava nunca suas portas, tanto se tinha clientes como se não. Claro que Chad não se
expor nunca frequentar o local do Spencer, embora fora o único aberto.
Quando chegou a Ou’Mally’s, os dois últimos clientes saíam dando tombos.
Archie, o garçom, ficou de novo a ler uma novela troca detrás ter deslizado uma
garrafa e um copo em direção ao Chad.
Harry Sue era a única garota que para o turno de noite na cantina, e seu apelido
masculino obedecia à abundância de pêlo negro que lhe crescia nas pernas, algo que
não podia ocultar o vestido até os joelhos que se via levar para trabalhar no local. Isso
não impedia que os homens admirassem suas formas. Era bonita apesar de tudo, e lhe
ofereceu rapidamente qualquer serviço que pudesse desejar, mas deixou em paz a
Chad quando este recusou.
Deveria ter estado como uma Cuba ao chegar a alvorada, tinha-o tentado sem
dúvida, entretanto, estava-lhe custando mais do habitual, ou pode que Archie lhe
tivesse dado uma garrafa batizada. Harry Sue se ficou perto, se por acaso Chad trocava
de opinião sobre o de jogar uma olhada a seu quarto, mas agora dormia em uma das
mesas porque este não lhe dera conversação nem nada que a mantivera acordada.
Sua substituta chegaria logo, e alguns dos vizinhos do povoado pouco depois,
porque na cantina Ou’Mally’s se servia café do alvorada até meio-dia, embora ao
mesmo preço que o raticida mais barato. Chad não desejava que ninguém conhecido o
visse ali; em qualquer caso, não ia partir até que a bebida cumprisse seu encargo e
pudesse deixar de pensar.
Mas, se por acaso sua sorte não era já bastante má, Spencer Evans cruzou as
portas de vaivém junto com o amanhecer. Para averiguar o que para o Chad ali, sem
dúvida. Sabia que teria que ter guardado o cavalo no estábulo em lugar de limitar-se a
lhe tirar a sela e deixá-lo pacote fora, onde poderiam reconhecê-lo, mas não acreditou
que seguiria ali ao chegar o dia.
Archie levantou a cabeça ao ver o Spencer. Pareceu preocupar-se, embora não
disse nada. A maioria dos proprietários do povoado procuravam que os dois rivais
abandonassem seus locais antes de que começassem os murros, mas Archie era só um
empregado na Ou’Mally’s, assim não lhe importava que houvesse uma briga.
Era ainda terrivelmente cedo para que Spencer estivesse levantado, sendo como
era uma ave noturna. Ao Chad não surpreenderia que Spencer tivesse prometido um
122
ou dois dólares na metade do povoado se lhe informava de quando chegava Chad.
Parecia fazer ato de presença muito frequentemente, sem importar em que
estabelecimento estivesse.
Mas esta vez Spencer não fingiu acontecer por ali. Inclinou-se na barra junto ao
Chad, jogou o chapéu para trás e perguntou sem rodeios:
- O que faz aqui?
Chad não respondeu, nem sequer o olhou. Spencer resmungou algo entre dentes.
- Eu também preferiria não ter esta conversa - disse Spencer mais alto. - Mas
não vou aparentar indiferença no que se refere a esta jovem em concreto. Partiu por
fim do rancho? Vai de caminho para sua casa? Posso deixar de me preocupar porque
trate de cortejá-la enquanto eu não estou?
- Me deixe, Spencer - exclamou Chad.
- Estamos em um local público.
- Pois vá falar em público a outro canto.
- Sempre foi muito gracioso depois de tomar uns goles. Rechaçou-te, verdade?
Já sabia eu que não seria de seu agrado. - Spencer sorriu. - Afogando as penas, não?
Chad olhou por fim a seu inimigo. Era muito irônico que tivesse conseguido por
uma vez ganhar o primeiro prêmio ao Spencer e que resultasse ser o que não queria. E
Spencer não deixara nunca tão claro que queria a mesma mulher. Sempre procurava
ocultar seu interesse. Seu estilo era atuar com dissimulo para ganhar, para obter um
maior efeito. Diabos, Spencer e Amanda se pareciam muito. Não podia pensar em
duas pessoas que se merecessem mais entre si. Era uma lástima que Amanda não o
tivesse averiguado antes de conspirar para lhe arruinar a vida.
Geralmente, Chad teria jogado em cara ao Spencer que ganhou. Embora não
estava acostumado a ganhar quando se tratava de mulheres pelas que competiam. Ao
Spencer lhe dava melhor fazer promessas que não tinha intenção de cumprir. Mas ao
Chad tivesse gostado de tornar-lhe em cara por uma vez. Olho por olho, isso era o que
Spencer teria feito.
Entretanto, se tinha em conta o que ganhou, não se sentia absolutamente como
um ganhador. Nesta ocasião, tanto ele como Spencer foram perder, e não gostava de
comentar por que, quando seu único motivo para estar nessa cantina era beber o
suficiente para poder tirar-se o da cabeça.
- Repito-lhe isso, Spencer, me deixe - se limitou a dizer.
- Me dê uma resposta direta e o farei. Ainda está livre, verdade?
- Marian, sim.
- Quem diabos é Marian? - exclamou Spencer.
Chad pôs os olhos em branco, embora não lhe surpreendia nada que Spencer
não reconhecesse o nome. Só teve olhos para Amanda desde que a viu pela primeira
vez. Pode que nem sequer soubesse que tinha uma irmã, que lhe tivesse escapado de
tudo ao estar tão concentrado na Amanda quando se fizeram as apresentações. Mas se
se tivesse precavido dela presencia de Marian, teria tirado a mesma primeira
impressão que Chad.
- A solteirona - se limitou a responder por essa razão.
123
- Como se me importasse um rabanete - grunhiu Spencer. - Está tentando me
provocar de propósito ao não me dizer o que quero saber ou é que você gosta de minha
companhia?
Chad não tinha vontades de lhe responder por que estava seguro de que isso
suporia encetar-se em uma briga. Não era que não gostasse de brigar, por não contara
com isso porque não esperou ver o Spencer em sua viagem ao povoado. E seria uma
estupidez lutar quando ele estava meio bêbado e Spencer não. Mas Spencer ia ouvir do
casamento em um par de dias, quando Red falasse com o pastor. Assim não havia
motivo para guardar silêncio a respeito.
- Dir-te-ei o que vamos fazer - sugeriu com magnanimidade. - Consegue uma
garrafa e bebe até aqui. - Levantou sua própria garrafa para mostrar que só ficava um
pequena parte do uísque. - Só então me expor te comentar meus maus.
- Maus, né? - Spencer riu, visivelmente depravado. - Suponho que essa resposta
me basta. Deixarei que siga afogando sozinho suas penas.
Spencer estava a metade de caminho para a porta quando é provável que ouvisse
balbuciar ao Chad.
- O que você diga.
Deteve-se, franziu o cenho, pareceu lhe dar voltas à cabeça uns instantes.
Depois, com um gesto zangado, retornou à barra.
- Me dê uma garrafa dessa mesma porcaria - grunhiu ao Archie, - e se conta a
alguém que tomei este raticida da Ou’Mally’s, jogar-te-ei do povoado tão depressa que
não saberá como foi.
Chad observou sem muito interesse como Spencer se tragava a bebida que
Archie lhe tinha arrojado. Deteve-se uma vez para comprovar a quantidade, suspiro ao
ver que só estava meio vazia, tragou um pouco mais e a deixou ao lado da garrafa do
Chad para medi-la, grunhiu porque ainda lhe sobravam uns centímetros e os terminou
em seguida.
- Muito bem, bode, solta-o já - disse quando teve acabado.
- Impressionante - comentou Chad. - E ainda tem voz?
- Tenho-lhe que tirar isso a golpes?
- Dado que os dois sabemos que assim não obteria nada, suponho que hoje está
de sorte porque vou cumprir minha parte do trato, ou possivelmente não o esteja. O
que aconteceu você gostará tão pouco como a mim, mas não é necessário que se
inteire todo o povoado, assim será melhor que saiamos.
Archie suspirou, claramente decepcionado por perder mas seguiu lendo sua
novela quando saíram da cantina Ou’Mally’S. Chad avançou até o centro da rua. Não
queria que ninguém o ouvisse em caso de que terminasse contando mais do devido a
causa do álcool.
- Já estamos bastante longe - disse Spencer com impaciência de uma vez que o
agarrava pelo braço. - Fala.
- Não sei se soube da herança que Amanda não pode tocar até que se case -
assentiu Chad.
- Acredito que alguém o mencionou.
124
- Bom, não estava disposta a esperar, pelo menos não o suficiente para desfrutar
de um noivado normal.
- Se me disser que te pediu que te case com ela, te mato - exclamou Spencer.
- Não, não me a que tenha pedido.
- Teve sorte de que não o tenha feito.
- Enganou-me para que lhe fizesse amor e isso resolveu o assunto para Red -
concluiu Chad.
O álcool demorou a reação do Spencer. Ficou olhando ao Chad cinco segundos
inteiros, o que deu tempo a este para esquivar o primeiro golpe. Mas Spencer estava
muito furioso para correr o risco de voltar a falhar e derrubou ao Chad no chão. De
barriga para baixo, o álcool fez efeito ao Chad muito depressa, e a cabeça começou a
lhe dar voltas.
- Cuidado se não querer que te vomite em cima - conseguiu advertir.
Spencer se separou de um salto.
- Desafio-te. Ao meio-dia.
- Não seja idiota, a essa hora estarei dormindo - disse Chad enquanto ficava de
pé com cuidado. - Teria estado afogando minhas penas, como você disse, se a
quisesse? Não a quero. Já te disse que me enganou.
- Mentira! Como não vai querê-la? - gritou Spencer.
- Possivelmente porque estive muito mais tempo com ela que você e vi sua pior
cara. É bonita, sim, mas isso não compensa o resto. Se lhe cortasse a língua, poderia
ser suportável.
- Não tem graça.
- Não queria a ter - respondeu Chad. - É uma menina mimada, Spencer. Está
muito malcriada. E lhe pode ficar isso se conseguir que se case contigo antes que me
levem ante o altar.
- Di-lo a sério? - perguntou Spencer, que deixou de grunhir um momento.
Chad assentiu e, ato seguido, desejou não havê-lo feito. Ainda lhe dava voltas a
cabeça.
- Red falará com o pastor este fim de semana, no churrasco de meu pai na
sábado ou antes de voltar para rancho ao dia seguinte - advertiu. - De modo que não
tem muito tempo. Sim, digo-o a sério. Se o obtiver, terá minha eterna gratidão.
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CAPÍTULO 34
Marian despertou aturdida e totalmente vestida ainda, inclusive levava postos os
sapatos. Supôs que teria dormido um pouco, mas não muito. Não tinha olhado o
relógio antes de lançar o último quadro sob a cama e de aninhar-se sobre ela.
Nunca tinha pintado à luz de um abajur, claro que tampouco o fez com lágrimas
nos olhos. Não estava contente com o resultado: Chad, jogado sobre um montão de
feno e desabotoando-a camisa com uma expressão tão sensual que não havia dúvida
do que estava pensando, ou do que ia fazer.
Era uma imagem que jamais esqueceria, embora não a tivesse plasmado em um
tecido. Os detalhes eram exatos, até a mancha marrom em uma das mangas e a
pequena cicatriz em forma de meia lua sobre seu umbigo. Parecia-se tanto com ele,
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que não podia olhá-lo muito momento sem notar esse comichão no estômago. Mas não
era um quadro que pudesse ensinar a ninguém, assim que ficaria sob a cama.
Teria que destruí-lo, embora não reunisse forças para fazê-lo. Deveria enrolá-lo
quando se secou de tudo e escondê-lo onde Rita e Ela Mae não fossem encontrar o
enquanto limpavam.
Ainda estava sentada na cama pensando nisso quando a porta se abriu sem
avisar. Amanda era quão única entrava sem chamar e, é obvio, ali estava sua irmã,
apoiada no marco. De novo, ia só meio vestida, embora hoje levava uma saia e a
regata branca de encaixe. Sujeitava um leque, mas nesse momento não o estava
usando.
Como era de esperar, sorria com petulância. De fato, como não só continha
triunfo e risada, mas também o conhecimento de algo secreto, seu sorriso era muito
mais petulante que de costume.
- O que quer, Mandy?
- Oh, nada em particular - respondeu Amanda fazendo girar o leque pela cinta
que o unia a sua boneca.
- Então fecha a porta ao sair, por favor.
- Como? Não me felicita? Virá ao casamento, verdade?
Só lhe faltava rir. Marian se perguntou como sua irmã conseguia conter-se.
Talvez porque queria preparar o terreno para algo que lhe resultava mais gracioso
ainda.
Dado que Marian ia vestida e a cama parecia, com apenas uma ruga ou duas na
colcha, Amanda não podia supor que acabava de despertar, o que teria demonstrado
que tinha passado muito má noite. A suspeita de que Amanda foi desforrar se um
pouco mais despertou de repente. Decidiu moderar um pouco o desfruto de sua irmã
antes que se desatasse por completo.
- Não perderia seu casamento por nada do mundo, Mandy. Levo anos esperando
que chegasse este dia para poder levar uma vida normal, contigo fora dela.
- Promete não chorar muito forte quando avançar pelo corredor para me reunir
com ele?
- Bom, tendo em conta que só faltou que lhe apontassem à cabeça com um
revolver, pode que as lágrimas resultassem inadequadas. Embora não se pode
considerar que se obrigou a alguém a fazer algo se o tivesse feito de todos os modos
por sua conta. É algo que depende do momento em que ocorre. De modo que sim,
acredito que poderei me conter.
O tom despreocupado que Marian conseguira adotar provocou que Amanda
torcesse os lábios, irritada.
- Não trate de aparentar que não te importa.
- Aí tem outra coisa que depende do momento em que ocorre. Ontem pela
manhã certamente me teria importado. Esta manhã, não, temo-me que não.
- É uma mentirosa! Sabe que o quer. Se não, jamais te teria derrubado com ele
no estábulo.
O ordinarismo da Amanda conseguiu ruborizar a Marian .
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- Olhe quem fala - exclamou. - A que teve meia dúzia de conquistas sórdidas ou
mais. Mas agora, pelo menos, não terá que pôr sangue falso nos lençóis, já que tem
feito acreditar em seu marido que ele foi o primeiro em te tocar. Bravo, irmãzinha,
isso foi genial, inclusive para ti.
- Não o fiz por isso. - O rubor tinha passado de uma irmã a outra. - Não importa
nada o que pense meu marido - se burlou Amanda indignada. - O homem que se case
comigo agradecerá de que o aceite como marido, seja virgem ou não.
- Algo discutível, posto que já tem futuro algemo - disse Marian.
- Sim, é certo.
Amanda voltava a sorrir. Era um triunfo magnífico para ela, mas não o fato de
conseguir um marido depressa, sem ter que perder tempo em noivados, a não ser
conseguir o marido que Marian quis para ela. Era uma forma esplêndida de
«desforrar-se» de todos os desprezos, ressentimentos e ciúmes que albergava para sua
irmã.
Era provável que o levasse a cabo, já que isso lhe proporcionaria o que desejava.
E se não podia enrolar ao Chad, ou chateá-lo até conseguir que a levasse de volta a
casa, encontraria a forma de retornar ela sozinha. Pode que ele a seguisse. De fato, era
provável que o fizesse, já que a queria. Mas depois de ter que incomodar umas quantas
vezes em localizá-la, dar-se-ia por vencido e ela teria exatamente o que no fundo
queria: sua herança e ninguém ante quem ter que responder.
Marian se levantou, dirigiu-se à porta para agarra o trinco, o que indicava que
ia fechá-la tanto se Amanda estava no meio como se não. Por desgraça, Amanda se
apartou em seguida, mas para entrar no quarto em lugar de sair ao corredor.
- Vai a desfrutar a outra parte, Mandy. Não me interessa absolutamente.
Amanda começou a abanar-se, apesar da agradável brisa que entrava pelas
janelas abertas e que circulava com suavidade pela habitação.
- Há uma coisa que me intriga - disse, ignorando por completo a indireta para
que se fora. - Por que não disse a verdade ontem de noite? É muito nobre para lhe
obrigar a casar-se comigo?
- Não, respeito-me um pouco mais que você para...
- Eu me respeito muitíssimo - a interrompeu Amanda. - É você quem não o faz,
ou não usaria esse horrível aspecto de solteirona.
O rubor voltou para as bochechas de Marian, mas esta vez era de raiva.
- Sabe o que, Mandy? Tem toda a razão - corroborou.
Tirou os óculos, os sujeitou diante da cara com ambas as mãos, partiu-os pela
metade e os jogou a um lado. Depois tirou as forquilhas e sacudiu a cabeça para soltar
o cabelo.
Amanda não esperou que sua provocação obtivesse tais resultados. Ficou quieta
um instante, surpreendia, contemplando seu próprio reflexo.
- Não te vais mostrar por completo como é- exclamou vacilante, um pouco
esperançada. - Levou esse disfarce muito tempo.
- Muito tempo, é verdade. E obrigado por me recordar que já não o necessito. Já
tem um marido em perspectiva. Acredito que não corro perigo se começar a procurar
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um para mim, não te parece?
- Parece-me - soltou Amanda. - E não acha que não sei o que pretende. Quer
recuperá-lo, mas não poderá a não ser que lhe conte a verdade. Por que raios não o
fez?
- Porque não me teria acreditado. Já o ouviu no estábulo. Todo o momento
acreditava que estava contigo. Queria estar contigo. E quando deixasse de estar
zangado pelo «suposto» engano, estaria encantado de conseguir à mulher que desejou
desde o começo.
- Sim que o estaria, verdade? - sussurrou Amanda, que deixou que sua
presunção aflorasse de novo. - Nem sequer lhe importaria que lhe mentisse.
Certamente estaria contente de que o fizesse, se alguma vez se inteirasse. É uma
lástima que você também o quisesse.
- Sim, é-o, mas pelo menos, dava-me conta de meu engano antes que fosse
muito tarde. Na realidade, tenho que te dar obrigado por me tirar desse apuro. Jamais
acreditei que diria isto, pode me acreditar.
Amanda pestanejou, com o cenho franzido.
- Do que está falando? - perguntou a Marian. - Que apuro?
- Que provoquei com meu equívoco. Fui bastante parva para acreditar que
poderia gostar dele. Não sabia que estava convencido de seu amor por você. Se não
tivesse mentido desse modo, teria seguido estando louca por ele.
- Maldita seja, Mari, acha que sou idiota? Sei que está fazendo, mas não te sairá
bem. Você gostava do bastante para deixar que te fizesse seu no estábulo. Não tente
aparentar que agora já não.
- Sim, eu gostava, mas não teria deixado que me «fizesse dele», como você diz,
se não me tivesse deixado levar por meu primeiro contato com a paixão. Teria querido
estar segura de seus sentimentos antes, e agora que o estou, não me casaria com ele
embora você, por alguma razão, não te convertesse em sua esposa - disse Marian.
- Não te acredito - replicou Amanda.
- Não me importa.
Amanda franziu os lábios, o que indicava que já não estava segura de sua
valoração. Marian prosseguiu com um argumento irrebatível.
- Sabe o que, Mandy? Detesto dizê-lo, mas nisto nos parecemos muito.
- Nem pensar - grunhiu Amanda.
- Já sei, também me custa acreditá-lo. - Marian sorriu. - Mas o que não sabe é
que eu, como você, não estou disposta a ser prato de segunda mesa de nenhum
homem. E agora, poderia partir? Tenho que revisar todo meu guarda-roupa para ver se
posso salvar algo para meu «novo» eu. Ou possivelmente não te importaria me
emprestar um par de vestidos até que encontre uma costureira no povoado?
Ultimamente não te põe muita roupa, assim estou segura de que não os sentiria falta.
129
CAPÍTULO 35
Amanda fechou a porta de repente ao sair. Marian se surpreendeu de ter vontade
de sorrir. Se aprendeu algo de sua irmã com os anos, era a fazer uma boa atuação, e
acabava de fazer uma digna de uma profissional. Mas a questão era, tinha funcionado?
Não é que fora a trocar nada, além de lhe economizar mais deleites da Amanda.
Amanda seguia querendo um marido, e quanto antes melhor. Marian só tinha
eliminado uma das razões pelas que aceitava ao Chad nesse papel. As demais seguiam
sendo válidas: ele queria, Kathleen lhe dava seu consentimento, o casamento se
celebraria logo. Se ninguém mais chamava a atenção ou captava o interesse da
Amanda antes da data que sua tia fixasse para o casamento, casar-se-ia com ele.
Marian recolheu os óculos do chão. Observou-os um comprido instante.
Poderia os substituir. Tinha outro par. Mas para que? Não era como se estivessem no
Haverhill, onde todos os dias havia homens que visitavam a Amanda, e alguns deles
poderiam preferi-la a ela.
O que sim precisava era um guarda-roupa novo. Não tinha eleito cores apagadas
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porque gostasse, mas sim porque aumentavam sua «invisibilidade». Mas tinha
terminado com aquela farsa. E se Amanda se sentia ameaçada por voltar a ter
competência, pior para ela.
Tirou o vestido com o que tinha dormido e ficou uma blusa branca, ao menos,
era de uma cor neutra. Quanto à saia, detectou a saia de montar que lhe deixara sua tia,
a que tinha levado posta na manhã anterior...
Não ia chorar outra vez. Teria que deixar de lamentar-se por sua perda, e o
melhor era que começasse já.
Ainda tinha que aprender a montar, mas não ia permitir que ele terminasse de
lhe dar a lição. Além disso, pelo menos sabia o elementar para preparar um cavalo, o
que talvez fora a parte mais difícil. Não podia custar muito subir a um cavalo e
manter-se sobre ele se quase todo mundo cavalgava naquela parte do país. Estava
resolvida a aprender o resto sozinha.
Colocou a saia de montar e saiu de seu quarto. Ela Mae escolheu esse momento
para chegar, e detrás chamar um momento, apareceu a cabeça pela porta.
- Caramba! - exclamou, ao precaver-se em seguida de que a mudança de aspecto
de Marian era deliberado. - Já era hora.
- Todas minhas razões para me esconder desapareceram - explicou Marian, que
conseguira não ruborizar-se.
Já me inteirei - assegurou Ela Mae, com a voz tinta de indignação. - Sua irmã
não podia deixar de alardear disso enquanto lhe recolhia a roupa suja ontem de noite -
esclareceu, e depois acrescentou, vacilante: - Quer que falemos?
- Não.
- Já imaginava. Mas quando gostar, já sabe onde me encontrar. Você gostaria
que te arrumasse o penteado, ou vais levar o cabelo assim, solto?
- Gosta de levá-lo solto, mas suponho que seria chegar um pouco muito longe
no sentido contrário.
- Terei que te cortar a franja - advertiu Ela Mae. - Não muito. Assim lhe poderá
recolher isso como ela quando for necessário.
- Não me faça o mesmo penteado que a ela - pediu Marian. - Todos esses saca-
rolhas são muito recarregados para meu gosto.
Ela Mae não demorou muito. Tinha muita manha criando penteados que,
embora não estavam de última moda, favoreciam muito à pessoa. E satisfez os desejos
de Marian ao não lhe sujeitar os cachos largos para cima, e recolhendo-os, em troca,
para trás com uma cinta azul. Quanto à franja, só foram necessários uns tesouradas, já
que o tinha habituado a estar inclinado para os lados. O resultado foram uns quantos
cachos sedosos perto das têmporas e um aspecto totalmente distinto.
- Eu iria fazer lhe uma visita para presumir - sugeriu Ela Mae. - Mas eu sou
assim. Você é muito boa para lhe seguir o jogo.
Marian sorriu. Quando as duas falavam, não precisavam dizer seu nome.
- Não vai a nenhuma parte e, além disso, já sabe que deixei que me esconder.
Agora mesmo, tenho uma entrevista com um cavalo.
Esperava que o estábulo voltasse a estar vazia. O vaqueiro que se ocupava dos
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cavalos podia ter voltado para trabalho, mas se ainda estava doente, passar-se-ia a
maior parte do dia descansando. Ainda assim, jogou uma olhada ao relógio antes de ir
para lá, porque não estava segura de que hora era. Ao redor de meio-dia, a julgar pela
situação do sol.
Viu que Kathleen chegou a almoçar, ou talvez tivesse acabado a jornada.
Deixara o cavalo no compartimento, o que indicava que não voltaria a utilizá-lo.
Estava-o fechando quando ouviu que Marian se aproximava e dirigiu os olhos para
ela.
- Surpreende-me ver-te aqui - comentou Kathleen em um tom um pouco tenso. -
Mas pelo menos esta vez vai vestida como é devido.
- Sou Marian.
- Sim, seguro.
Marian se estremeceu. Não o esperou. Tinha passado muito tempo desde que
teve que convencer a alguém de qual das duas irmãs era.
Tinha esquecido, do mesmo modo, quão irritante podia ser se não lhe ocorria
algo que só soubessem ela e a outra pessoa de modo que pudesse apresentá-lo como
prova de que era realmente Marian . encontrou-se nessa lhe frustrem situação muitas
vezes com pessoas que insistiam, zangadas, que era Amanda. Por sorte, tinha mantido
várias conversações em privado com sua tia e podia extrair alguma prova delas. E
mencionou uma.
- Quando me deixou esta saia, disse-me que não fizesse caso se algum vaqueiro
tirava o sarro por levá-la, que eles o chamavam em brincadeira zahones de mulher –
comentou. - Estou segura de que estávamos sozinhas quando me disse isso.
- Sim. - Kathleen se relaxou visivelmente. - E tão longe da porta que se alguém
tivesse tentado nos ouvir através dela, não se teria informado de nada. Assim é você.
Que mudança tão assombrosa!
- Possivelmente queira me sussurrar uma palavra ou um número, para te
assegurar de não voltar a deixar lugar a dúvidas.
- Já não te porá os óculos? —perguntou Kathleen.
- Não tinha intenção das levar depois de que Amanda se casasse, e é como se já
o tivesse feito.
Não quis tirar esse tema concreto. Por sorte, Kathleen se limitou a assentir e a
deixá-lo assim.
Para que sua tia pensasse em outra coisa, Marian se apressou a perguntar:
- Como iremos ao povoado quando formos? Ainda não sei montar.
- Eu estou acostumado a ir na sábado para fazer as compras, passado a noite,
vou a missa no domingo, faço algumas visita e volto para casa antes de meio-dia.
Entretanto, como vocês não sabem montar, passaremos muito mais momento na
estrada. Tenho uma velha carreta para trazer provisões que poderíamos utilizar, mas
como Spencer não se incomodou em enviar a ninguém a recolher sua carruagem,
poderíamos usá-lo para esta viagem. Embora os planos trocaram um pouco.
- Sim?
- Stuart já está avisando a todo mundo. Dará o churrasco este sábado. Espero
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que atira quase todo o povoado. Assim iremos primeiro ao imóvel dos Kinkaid e
passaremos pelo povoado no domingo ao voltar. De todas formas, teremos que sair na
sábado ao amanhecer, e não chegaremos até última hora da tarde. Mas as festas do
Stuart revistam durar até bem entrada a noite.
- Já sei que é uma chateação. E aprenderei a montar antes que haja mais viagens
como esta. De fato... - Marian sorriu antes de acrescentar: - Por isso estou aqui.
- Chad não está aqui agora para te ensinar - exclamou Kathleen com o cenho
franzido. - Foi ver seu pai. Pode que esteja fora um par de dias. Na realidade, não
espero que volte antes de que partamos para o churrasco . Mas como eu já terminei a
jornada, o que te parece se nos pomos mãos à obra?
Marian assentiu, aliviada. Estava disposta a aprender sozinha, mas a perspectiva
era desalentadora.
Além de lhe dar instruções sobre como dirigir um cavalo e montar, Kathleen
estava calada, inclusive algo distraída. A Marian não sentia saudades. Sua tia tinha
muitas coisas na cabeça, e a maioria deviam guardar relação com o Chad e Amanda.
Durante a lição, Marian se expôs se devia contar a sua tia a verdade. Era
provável que Kathleen acreditasse, mas também podia ser que não. Já lhe tinha
explicado muitas coisas descabeladas sobre a Amanda. Seu último ardil podia custar
muito de digerir em cima de todo o resto. E, por esta parte, como Chad estava
convencido de que fez o amor com a Amanda, opor-se-ia, talvez se negaria
rotundamente, se Kathleen insistisse em que tinha que casar-se com ela em lugar de
com a Amanda. E tampouco queria obrigar a nenhum homem a que se casasse com
ela. Além disso, já não queria ao Chad.
Ainda assim, acreditava que deveria fazer-lhe esforço, não para fazer um favor
ao Chad, mas sim porque estava sofrendo uma injustiça que, no fundo, era culpa dela.
Poderia ter detido o que tinha passado esse dia no estábulo, mas não o fez. E talvez
agora estivesse contente de conseguir a Amanda, mas não o estaria quando já se
casaram e ela começará a insistir para que a levasse ao Haverhill.
Seria o correto, tanto se acreditavam como se não. Só tinha que fazer que
Kathleen entendesse que não se casaria com o Chad, que não seria justo para ele, já
que acreditou que para o amor com outra pessoa. O engano era dele e se enfrentaria às
consequências.
Meu Deus, era muito violento comentar esse tema com sua tia. Ao menos, não
era urgente. Podia dedicar uns dias a expor-se qual seria a melhor forma de abordá-lo.
Talvez depois do churrasco . E possivelmente tivesse sorte e Amanda encontrasse a
alguém na festa que lhe conviesse mais que Chad e confessasse por sua conta.
Distraída do mesmo modo que Kathleen com pensamentos não desejados,
Marian e surpreendeu bastante quando se encontrou montada sobre a égua, com as
rédeas na mão.
- Muito bem, chegou a hora de provar. Vamos dar um passeio - disse sua tia.
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CAPÍTULO 36
Uns golpes na porta despertaram a Chad. As sombras do quarto do hotel
indicavam que o sol se pôs a pouco, mas que ainda não era noite fechada. Levantou-se
da cama totalmente vestido. Quando se tinha miserável até ela, não estava em
condições de pensar em ficar a vontade.
Os golpes não se detiveram, apesar de que tinha murmurado: «Já vou.»
Tinha a sensação de saber quem estava ao outro lado. Quase o reconheceu por à
forma de chamar, por isso abriu a porta de repente, zangado. Tinha razão.
- Demônios... É que não posso fazer nada neste povoado sem que se inteire?
- Não muito - disse seu pai entre risadas, enquanto entrava com ar
despreocupado no quarto .
Chad fechou a porta e se passou uma mão pela cara para tentar limpar-se um
pouco. Foi um engano. A dor lhe golpeou as têmporas e lhe recordou por que foi ao
povoado.
- Não tem bom aspecto - comentou Stuart detrás sentar-se comodamente na
única cadeira.
- Bebi muito.
- Já me disseram isso. Estou esperando para ouvir o resto. E por que não está na
casa que temos aqui, no povoado? Não a mantenho com pessoal incluído só de adorno.
- Queria ver a rua, e do hotel posso - replicou Chad.
- Para que? Algo mais que não sei, além de por que está aqui? —insistiu Stuart.
- Vai deixar que desperte um pouco antes de me acossar com perguntas?
- Suponho. - Stuart suspirou.
Chad se aproximou da janela. Ainda anoitecia; logo que ficava cinza no ceu.
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Havia uma luz no estábulo, rua abaixo, onde Spencer guardava o cavalo. Não o tirou
todo o dia.
Depois de seu bate-papo com o Spencer, esperava de verdade não ter que contar
a seu pai quão idiota era. Mas teria que haver-se imaginado que alguém avisaria ao
Stuart de que estava no povoado bebendo até cair. E Spencer não foi ao Twisting
Barb, como pensava que faria. Podia ter decidido esperar ao churrasco e cortejar ali a
Amanda. Ou talvez teria decidido que já não lhe queria depois do que Chad lhe tinha
explicado. Era uma possibilidade nada desdenhável.
Com o Stuart diante dele e cheio de perguntas, não sentiu andar-se pelos ramos.
- Caso-me - afirmou Chad sem rodeios.
- Com a suscetível? - supôs Stuart, e suspirou aborrecido. - E veio a celebrar no
povoado? Por isso bebia?
- Nada disso. - Chad sacudiu a cabeça com uma careta. - Não estou o que se diz
contente.
- Não? - perguntou Stuart, confundido, e depois sorriu aliviado ao supor: - Ah,
entrou em razão antes de que seja muito tarde? Então, dá uma desculpa. Pode que o
entenda, e se não, pior para ela. Não é como se não fora a ter a quase todos os homens
do condado atrás dela.
- Não posso dar uma desculpa, papai. Tal como estão as coisas, tenho que me
casar com ela.
- Tem que fazê-lo? - Stuart se incorporou; tinha adotado uma expressão de pura
irritação. - O que tem feito?
- Uma tolice.
- Isso já o tinha deduzido, mas como é que lhe parece isso? Acreditava que
estava interessado por ela.
- Estava-o quando ainda acreditava que as coisas que eu não gostava dela
obedeciam só à viagem. Mas não trocou uma vez esteve instalada; piorou. É uma
bruxa maquinadora e manipuladora.
- E uma suscetível - acrescentou Stuart.
- Isso também - corroborou Chad.
- E como é que viu a luz? - perguntou o pai.
- Decidiu me utilizar para cobrar sua herança. Como estava segura de que Red
me daria seu consentimento, converti-me no meio mais rápido para obter seu fim.
- Se me disser que te pediu que te casasse com ela e que você aceitou, mato
você seu parvo - grunhiu Stuart.
- Não - replicou Chad. - Oxalá tivesse sido assim de direta, mas te disse que era
manipuladora, não? Enganou-me para que fizesse amor com ela e se assegurou depois
de que Red se inteirasse.
- Temia isso. - Stuart suspirou de novo, e acrescentou: - Não seja tão duro
contigo mesmo, homem. Que seduza uma moça assim formosa é algo que lhe pode
passar ao mais pintado, suponho.
- Ainda não sabe o pior.
- Há mais?
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- Possivelmente não te tenha dado conta - assentiu Chad. - Me levou um tempo
vê-lo, mas essas duas irmãs são gêmeas.
- Não - exclamou Stuart.
- Sim. E eu acreditava que fazia amor com Marian. Amanda se arrumou para
parecer ela, fingiu ser ela. E lhe saiu à perfeição. Não tive a menor suspeita; de
verdade acreditava que era Marian, até que ontem à noite, durante o jantar, baixou a
contar a Red.
- Isso é repugnante. - Stuart ficou de pé de um salto. - Red não te consideraria
responsável se soubesse toda a história. Volta e lhe explique que...
- Amanda era virgem, papai.
- A muito lagarta!
- Isso é o que eu pensei. Mas agora tenho um raio de esperança. Se tiver sorte,
muita sorte, Spencer me tirará deste atoleiro.
- E por que não começou por aí? Voltam a ser amigos?
- Nem pensar - exclamou Chad.
- Então voltam a brigar pela mesma mulher? - supôs Stuart a seguir.
- Não é nenhuma briga - esclareceu Chad. - É bastante parvo para querê-la. Eu
não.
- Mas do que te servirá isso? O dano já parece - refletiu Stuart com o cenho
franzido.
- Sim, mas sabe e ainda a quer - respondeu Chad. - Esta manhã veio à cantina de
Ou’Mally’s e não quis ir-se até que lhe disse por que me encontrava eu ali. Se tivesse
estado algo mais sóbrio, certamente teria calado. Com sorte, alegrar-me-ei de não
havê-lo feito.
- Mas acaso não insiste Red em que a garota se case contigo? —indicou Stuart.
- A Red faz a mesma graça que a mim. Se Spencer convencer a Amanda de que
se case com ele em lugar de comigo, acredito que Red lhe dará seu consentimento.
Sabe que me enganou.
- Bom, miúdo alívio. - Stuart sorriu por fim. - Já pensava que teria que pedir
madeira para te construir uma casa.
- Tomara que a convença - recordou Chad com os olhos em branco. - Não é
seguro, papai. Amanda poderia mandar ao Spencer ao corno. Depois de tudo, já tem
um marido em perspectiva. E se tomou muitas moléstias para me apanhar.
- Sim, mas está esperançado - respondeu Stuart. - Com isso me basta.
- Só que Spencer é muito bom seduzindo, e dizendo a uma mulher o que quer
ouvir, seja certo ou não.
- Parece que esses dois parecem o um para o outro. - Stuart riu.
- Não poderia estar mais de acordo - assegurou Chad.
Stuart se levantou para partir, embora não era essa sua intenção.
- Importa-te que peça que nos subam um pouco de jantar? - disse.
- Importa-te se passo? - respondeu Chad. - De fato, por que não me deixa que
volte a dormir?
- Não pode estar cansado - protestou Stuart—. dormiste todo o dia.
136
- Não. Passei-me nessa janela quase toda a manhã, esperando que Spencer
decidisse o que ia fazer. Não saiu a cavalo.
- Acha que se deu por vencido? - Stuart voltava a franzir o cenho.
- Dito desse modo, a resposta é não. Jamais se dá por vencido. Assim que talvez
só esteja esperando até o churrasco, onde terá mais fácil acesso a Amanda sem a
vigilância constante de Red.
- E eu poderia ajudar mantendo a Red ocupada - sugeriu Stuart, com uma
expressão mais serena.
137
CAPÍTULO 37
Foram uns dias frenéticos com a preparação do grande churrasco. Amanda
tentava aparentar aborrecimento. Afinal, era um churrasco «campestre». Mas Marian
sabia que estava entusiasmada, embora nem a metade que ela. Tinha ido a uns quantos
bailes no Haverhill com sua irmã embora, escondida atrás de seus óculos, não os tinha
desfrutado. Esta festa texana, entretanto, era como um baile «de apresentação em
sociedade» para ela.
Não houve tempo para encarregar vestidos novos, embora não teria sido
adequado ir com um vestido comprido. E Marian não havia dito a sério o de tomar
emprestados alguns objetos da Amanda, que considerava muito carregados para seu
gosto. Mas com a ajuda de Red, que lhe proporcionou um pouco de encaixe, Ela Mae
fez maravilhas com um dos velhos vestidos de cor bege de Marian, ao que tirou o
pescoço alto e as mangas e acrescentou o encaixe branco à prega e o novo corpete,
mais decotado. O vestido da Amanda era mais elegante, mas o de Marian era mais
lindo graças a sua simplicidade.
Red ordenou a um de seus homens que levasse a miniatura do assaltante do trem
ao xerife assim que Marian a termino. Poderiam haver a entregue elas mesmas no
domingo, ao passar pelo povoado, entretanto, Red acreditava que não deviam esperar
nem sequer uns dias para informar ao xerife de um pouco tão importante. Ainda não
sabiam se o retrato ia servir de algo para capturar ao foragido, mas era provável que o
xerife estivesse também no churrasco, de modo que o poderiam perguntar então.
No sábado pela manhã se levantaram muito antes da alvorada para ter tempo de
vestir-se e tomar um café da manhã rápido antes de sair. Conseguiram chegar ao
rancho dos Kinkaid pouco depois de meio-dia. A maioria dos vizinhos do povoado
que foram assistir já tinha chegado, e alguns tinham cavalgado toda a noite para não
perder-se nada.
As garotas já ouviram que o rancho do Stuart era grande, mas ainda assim lhes
surpreendeu sua extensão. A casa principal dominava a cena. Com as proporções,
embora não o desenho, de uma mansão, sobressaía amplo e alto entre outros edifícios
138
que a rodeavam. O churrasco se celebrava detrás dela.
Improvisaram-se mesas com umas tábuas largas de madeira. Havia um cenário e
uma zona de baile onde já havia músicos tocando, embora ninguém dançava ainda.
Perto dali, estavam-se cozinhando reses inteiras, que giravam devagar em uns
assadores ao mesmo tempo em que as aspergiam com molhos. Um grupo de serventes
para viagens da casa às mesas para levar mais e mais comida, que tampavam em
seguida com trapos a quadros até que fora a hora de comer. O aroma era fantástico.
Em uma das quadras, onde a maioria dos convidados se encontrava então,
celebrava-se a domesticação de potros selvagens. Gritos, apostas, risadas e
brincadeiras ressoavam no ar, e todos pareciam acontecer-lhe muito bem exceto talvez
o vaqueiro que tentava manter-se a lombos do potro encabritado. Parecia perigoso. O
vaqueiro não aguentava muito momento.
Marian decidiu evitar essa zona. Era muito estridente para seu gosto. Haviam-
lhe dito que também haveria uma corrida de cavalos, e possivelmente um concurso de
tiro e uma competição de laços, o que dava aos vaqueiros muitas oportunidades de pôr
a prova suas aptidões, por ócio e não por trabalho.
Kathleen apresentou às garotas. Amanda começou a divertir-se, claro que ela
sempre brilhava nas reuniões sociais, e não demorou muito em converter-se na «rainha
do churrasco », por assim dizê-lo. Marian não invejava a sua irmã por isso. Podia ter
saído por fim da casca do ovo, claro que jamais teria a confiança em si mesmo da
Amanda. Isso sim, surpreendia a muita gente, que a viu chegar ao povoado por volta
de uma semana com um aspecto totalmente distinto. Mas os gêmeos sempre eram uma
novidade.
O anfitrião apareceu e, depois de fazer que Kathleen se ruborizasse com seus
cumprimentos (sua tia se via excepcionalmente atrativa com uma blusa bordada e uma
saia com duas fileiras de volantes), assumiu as apresentações.
Chegou Spencer, tão arrumado como sempre com sua jaqueta negra e sua
gravata do oeste. Não demorou muito em encontrar a Amanda ou em monopolizar a
conversação com ela. Marian se perguntou se Amanda lhe explicaria que ia casar se
com o Chad. Certamente não, porque desfrutaria flertando com ele.
Pareceu-lhe irônico ter imaginado sempre que ao «ficar ao descoberto» mudaria
algo para ela, quando, em troca, parecia não ter trocado nada. Sim, agora era bonita.
Mas isso seguia sem atrair às pessoas para ela nem fazer que este evento social lhe
resultasse mais divertido que outros aos que tinha assistido.
- Não ande tão desajeitada - lhe disse Amanda com impaciência em um à parte.
- Tem uma figura muito bonita, realça-a. E deixa de baixar a cabeça como se queria
olhar por cima dos arreios de seus ridículos óculos. Já não os leva postos.
Amanda? Ajudando-a a aparecer mais? Mas antes que Marian morresse do
susto, Amanda acrescentou:
- Como vou competir contigo se segue te escondendo?
- Não me estou escondendo - replicou Marian.
- É obvio que sim - respondeu Amanda. - O tem muito enraizado porque o tem
feito durante muito tempo. Sei aberta, Mari. Deixa que aflore a verdadeira Marian.
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Depois, Amanda partiu indignada. Marian estava assombrada: tinha-lhe dado
um conselho de irmã, embora não sabia muito bem como tomar-lhe.Tratou de
adivinhar o motivo oculto da Amanda, mas além do comentário sobre a
«competência», não pôde encontrar nenhum. E o de «competir» não penetrava.
Amanda ia ser o centro de atenção passasse o que acontecesse. Sua vivacidade, sua
grande confiança em si mesma, fruto de seus anos de êxitos sociais, atraía às pessoas
para ela de forma natural.
Marian começou logo a percorrer a festa sozinha. Distraída por sua decepção,
encontrou-se junto à quadra sem dar-se conta. Uma aclamação coletiva da gente que
ainda estava ali reunida a devolveu à realidade, a tempo de ver como Chad aguentava
as apostas a lombos de um potro encabritado.
Conteve o fôlego. Agarrava-se com uma só mão. Tinha o outro braço estendido
para um lado, certamente para conservar o equilíbrio. O potro selvagem para todo o
possível para desmontá-lo, dando coices, saltando no ar, com uma resolução
desumana.
Marian fechou os olhos. Não suportaria ver cair ao Chad, mas sabia que o faria.
O potro era muito selvagem e estava muito zangado. Escuto às pessoas para saber
quando ocorria. Todos pareceram muito desgostados quando caiu, como se tivessem
esperado que Chad o obtivesse.
- Perdeu a concentração.
- Seguro que é culpa dela, estava-a olhando.
- Que momento de chegar.
Marian jogou uma olhada a seu redor para averiguar de quem falavam, mas a
dezena de homens que tinha perto olhavam a ela. Começou a ficar vermelha e se
voltou para partir.
- Mas se for a mochinha do Leste que carrega troncos. Como vai, senhorita?
Marian gemeu para seus adentros. Era Leroy, o homem gigantesco. Não
esperou voltar a vê-lo nunca. E a confundia com a Amanda. Bom, em realidade, não,
mas não queria que ele soubesse.
- Conhecemo-nos? - perguntou-lhe com um sorriso. - Sou Marian Laton.
Possivelmente se refere a minha irmã gêmea?
Leroy arqueou uma sobrancelha para expressar suas dúvidas. Era bastante
gracioso ver um homem tão corpulento procurando fazer o cético.
- Gêmea, né?
- Deixa-a, Leroy - exclamou Chad, que se aproximou deles sacudindo-se ainda
das calças o pó da queda.
Marian sentiu alívio ao precaver-se de que só estava poeirento e que não tinha
nem sangue nem sinais de coices por nenhuma parte. E Leroy não pareceu ofender-se
muito.
- Dá muitas ordens para não dirigir ainda o rancho, menino - disse.
- Se meu pai não te advertiu que não te aproximasse dos convidados, deveria
havê-lo feito - replicou Chad.
- Pois se dá a casualidade que o fez.- Leroy riu. - Mas ouvi que foste tentar
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domar o potro que traje. Esperava que esse animal saldasse nossa dívida.
- Se quiser que não vejamos as caras, diga-me isso Leroy.
- Ainda me estou pensando isso.
- Dizem que banhar-se estimula o pensamento. Por que não o prova? - sugeriu
Chad. - Meu pai instalou umas quantas banheiras no celeiro sul para os homens.
- Já sei. Entrei nele por engano e o moço que se encarrega das banheiras me
olhou um momento e agarrou o rifle. Disse que não ia encher a todas outra vez, que só
assim poderia me limpar. Disse-me que me fora a procurar um arroio.
- Não te ofenda, Leroy, mas todos agradeceríamos que o fizesse.
- É um aroma adquirido. - Leroy sorriu. - Demorei anos em aperfeiçoá-lo.
Aproximei-me do potro selvagem até o ter ao alcance da mão porque não cheirou a
uma pessoa. Quando deixar de caçar, banhar-me-ei.
- Enquanto isso, nos desculpas se evitarmos seu aroma aperfeiçoado? - soltou
Chad com os olhos em branco.
- A maioria da gente o faz - respondeu Leroy ao tempo que se encolhia de
ombros.
Chad agarrou a Marian do braço para conduzir a de volta às mesas de comida.
Marian tinha contido o fôlego durante boa parte da conversação, e não só devido ao
fedor terrível do Leroy. A forma em que Chad tinha provocado a aquele homem tão
corpulento, como se não lhe tivesse medo, pôs-lhe os nervos de ponta.
- Se não queria olhar, por que te aproximou? - perguntou Chad de repente.
- Perdoa? - exclamou Marian .
- Tinha os olhos fechados. Preocupava-se que pudesse cair ?
- Claro que não - negou ela com rabugice. - Me tinha entrado uma bolinha nos
olhos. E não me aproximei para ver-te. Perambulava absorta em meus pensamentos.
- Algo interessante?
- Como?
- Em seus pensamentos? - insistiu Chad.
Estava-a insultando? Sugeria que seus pensamentos estavam acostumados a ser
aborrecidos? Pode. Ou possivelmente acreditasse que era Amanda. É obvio! De outro
modo, teria comentado algo sobre sua mudança de aspecto. E sua pergunta teria sido
um intento de paquerar com sua futura algema. Sem dúvida, esperava que Amanda lhe
dissesse que ele ocupava seus pensamentos.
- Hão-me dito que o pastor não virá - comentou. - Se vê que sua esposa não se
encontra muito bem e não quis deixá-la só no povoado.
Chad suspirou decepcionado. Porque não aproveitara a oportunidade de
paquerar com ele? Ou porque tinha pressa por fixar a data de seu casamento?,
perguntou-se Marian.
Deveria lhe esclarecer quem era, mas estava muito zangada porque a tinha
confundido com a Amanda de novo. E estava furiosa consigo mesma por ter temido
por ele, não uma, a não ser duas vezes no espaço de uns poucos minutos. Tinha que
deixar de lhe importar o que lhe ocorresse. Tanto se se casava com a Amanda como se
não, tinha-o perdido.
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CAPÍTULO 38
Chad se apoiou no tronco de uma árvore, com o chapéu inclinado, enquanto
tomava um uísque quente. Um casal se aproximou com pratos de comida na mão para
sentar-se a comer sob a árvore, mas foi procurar sombra a outra parte para lhe ver.
Não estava de humor para estar com gente, e era provável que se notasse.
A confusão lhe estava dando dor de cabeça. Observava às gêmeas, seguro de
saber qual era qual e, ainda assim, o engano que tinha cometido aquele dia no estábulo
era tão garrafal que não sabia se poderia estar alguma vez seguro de tudo. Amanda
estava exuberante; revoava, animada, e Spencer a seguia como um cachorrinho
extraviado. Marian, em troca, conversava tranquila com algumas das mulheres do
povoado; mostrava-se recatada, rindo em voz baixa e sorrindo com autêntico senso de
humor.
Hoje não tinha dúvidas sobre quem era quem. Era evidente que Spencer
tampouco. Concentrou-se em Amanda assim que chegou e não a tinha perdido de vista
nem um momento. Chad não sabia se Spencer tinha sorte ao cortejá-la, nem sequer se
seguia tendo intenção de fazê-lo. Mas a estava divertindo, e lhe encantava flertar com
ele.
Amanda se mantinha afastada de Chad. Era uma garota lista. Sabia que se
merecia que a estrangulasse pela armadilha que lhe tinha feito. Não lhe conhecia o
bastante para saber que nunca lhe faria mal a uma mulher. Mas não duvidaria
absolutamente em lhe dizer o que pensava dela e de sua maldita conspiração para levá-
lo ante o altar.
- O outro dia pensei que tirava o sarro quando me disse que as irmãs Laton eram
gêmeas - comentou Lonny enquanto se aproximava do Chad sob a árvore. - Quero
dizer que já sei que os gêmeos são parecidos, mas essas duas eram como a noite e o
dia, até agora. Como diabos as distingue?
- Marian usa de bege hoje.
- Sim, já sei. Disse-lhe que estava muito bonita, e ficou tinta como um tomate.
Mas e se levassem o mesmo vestido?
- Teria que te fixar nos gestos. Marian é tímida. Amanda, justamente o
contrário.
- E se as duas estivessem caladas e se mostrassem vergonhosas? - aventurou
Lonny.
- Então não estaria com sorte.
Lonny o olhou com receio porque quase grunhiu sua resposta. Mas
considerando o que tinha passado, não era necessário que lhe explicassem que se uma
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das gêmeas queria simular que era a outra, conseguia-o com muita facilidade.
- Tem que haver outra forma. - Lonny franziu o cenho pensativo antes de
afirmar: - Seguro que seus pais não tinham dificuldades para distingui-las.
Chad se encolheu de ombros e se terminou o uísque que esteve sujeitando na
mão.
- Pode ser que não, mas seus pais tinham a vantagem de ter vivido com elas
desde dia que nasceram. Ao resto de só fica adivinhar, bem ou mau.
- Não parece muito contente.
- Está-lo-ia você? Se a mulher com a que acreditava ter feito o amor resultasse
ser a mulher equivocada?
Lonny pestanejou, e depois, alardeou:
- Já te disse que era Amanda esse dia!
- Se cale, Lonny - grunhiu Chad, e partiu.
Dirigiu-se direto para Marian. Não estava seguro do que ia dizer lhe, mas essa
confusão o estava voltando louco. Ainda acreditava, muito no fundo, que foi ela
aquele dia no estábulo. Parecia tão adequado fazer o amor com ela. Mas como todos
os fatos, inclusive a própria Amanda, diziam outra coisa, sabia que estava equivocado
e não podia suportá-lo.
Não a alcançou antes que um dos homens do povoado a levasse a pista de baile.
Havia alguns casais mais dançando; também seu pai, com Red. E estava Spencer, que
usava o baile como desculpa para ter a Amanda entre seus braços.
Chad contemplou às gêmeas um momento e conseguiu tranquilizar-se. A gente
podia as distinguir. Só tinha que as observar quando não notavam que alguém as
olhava para detectar essas pequenas coisas que as diferenciava tanto entre si.
Apesar de tudo, isso não ia tirá-lo da confusão no que se colocou. Só Spencer
poderia fazê-lo. Mas embora Spencer conseguisse que Amanda se casasse com ele,
agora já não tinha nenhuma possibilidade com Marian. Não fazia o amor com uma
irmã e pedia depois à outra que se casasse contigo.
Lonny lhe aproximou de novo, esta vez vacilante.
- Devo-te uma desculpa.
- Perdoado - disse Chad distraidamente.
- Não quer saber por quê?
- Já sei por que, assim será melhor que te cale e não coloque a pata.
- Obrigado - suspirou Lonny. - Terá que se casar com a mulher equivocada?
- Sim.
- Não deveria advertir ao Spencer que se afastasse dela? - sugeriu Lonny.
- Nem pensar. Posso ter estado cego e sido idiota para não me dar conta de que
me estavam enredando, mas Spencer é a única esperança que tenho agora de me salvar
de um matrimônio que não desejo. Sabe o que ocorreu e ainda assim quer a Amanda.
Desejo-lhe toda a sorte do mundo.
- Caramba, por que não me disse que queria que outra pessoa a conquistasse?
Eu te teria feito esse favor encantado - exclamou Lonny.
- Por isso tão velho de que desejaria que ficasse com ela meu pior inimigo -
143
respondeu Chad, e virou os olhos. - É o que estou desejando. O que não faria é lhe
desejar algo assim a um amigo. É uma mulher com a que é melhor não mesclar-se,
menino. E você vai estar muito ocupado. Não vou voltar para rancho de Red.
- Por esta confusão?
- Não, porque agora já pode se encarregar de tudo - respondeu Chad.
- Não te defraudarei, nem tampouco a Red. - Lonny ergueu os ombros com um
pouco de orgulho.
- Já sei.
Aquele baile terminou. Lonny partiu a procurar casal para o seguinte e Chad
seguiu observando desde fora. Marian parecia divertir-se, os homens esperavam para
dançar com ela e alguns interrompiam impacientes antes de que cada baile concluíra.
Não ia misturar-se porque não queria lhe aguar a diversão com seu mau humor, mas
deveria haver-se afastado dali porque ao final se zangou tanto que também ele
interrompeu um baile.
Marian estava esperando então a mudança rápida de casal, o que era vantajoso
para ele. Não lhe deu a oportunidade de negar-se a dançar com ele. Mas notou sua
mudança de atitude imediatamente, só que não estava seguro da que se devia. Tensão,
raiva ou possivelmente só aversão.
- Se relaxe, não vou pisar-lhe - disse isso.
- Não deveria estar dançando com a Amanda? - inquiriu Marian.
- Já tem par - repôs Chad.
- Eu também tinha.
- Sim, mas foi dançar com um homem famoso por deixar-se levar na pista de
baile e fazer dar voltas a seus casais e as lançar pelos ares. As mulheres que lhe
conhecem se escondem se virem que se aproxima. Você não sabia - soltou com uma
expressão muito séria.
- Brinca, verdade? - Marian o olhava com os olhos entrecerrados. - Ou de
verdade tenho que te agradecer?
Chad lhe sorriu e ela soltou uma exclamação, mas só porque não tinha obtido
uma resposta direta. Inclusive detectou o ligeiro movimento dos lábios que indicava
que neles se ocultava um sorriso.
- Não solte uma gargalhada - disse, ainda sério.
Marian riu, e sua mudança foi imediata. Sua rigidez desaparecera e lhe
brilhavam os olhos. Meu Deus, que formosa ficava quando baixava o guarda. E a pista
de baile estava tão concorrida que ninguém se daria conta se a sujeitava um pouco
mais perto do que deveria. O que foi um engano. Ao cheirá-la e tocá-la, o desejo lhe
embargou tão depressa que as vontades de beijá-la quase se apoderaram dele. Mas a
música terminou, e Marian recuperou seu acanhamento.
- Obrigada, foi um prazer - disse, e se afastou dele.
Não se atreveu a dizer nada nesse momento. Não tinha que fazê-lo. Marian
partiu da pista, sem saber o perto que Chad esteve de pôr a ambos em evidência.
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CAPÍTULO 39
Os quatro homens ficaram detrás do estábulo quando a domesticação do potro
selvagem terminou. Não a tinham visto, mas a gente que estava ali fez tanto ruído que
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ninguém os ouviu chegar e atar os cavalos.
Dois deles lançavam jogo de dados no chão como desculpa para estar ali, se por
acaso alguém se aproximava. Outro vigiava da esquina do edifício. E o quarto estava
apoiado na parede repondo-se de uma ressaca. Tinha bebido muito a noite anterior e se
perdeu inclusive a explicação de por que estavam ali.
- Tem muita sorte de que meu primo Billy conseguisse esse trabalho de limpeza
no escritório do xerife com a esperança de obter informação que te resultasse útil -
disse Arnie Wilson enquanto lançava os jogo de dados. Sua granja era o lugar que
utilizavam na zona como esconderijo. - Acredito que faria algo para unir-se a nós.
- É muito jovem - respondeu John Bilks, que elevou os olhos para o alto da
colina, onde estava a gente. - Além disso, quatro é um número par e vai bem para
repartir, cinco, não.
- Sim, mas se arriscou muito ao roubar esse quadro da mesa do xerife - lhe
recordou Arnie.
- E nos fez um bom favor - assegurou John. - Já lhe agradeci, não?
- Vir aqui é uma loucura - se queixou Snake Donally quando lhe tocava lançar
os jogo de dados. - Há muita gente, e a metade poderia te reconhecer, John.
- Nunca se provou que eu roubasse esse dinheiro, e não sabem o que tenho feito
após - comentou John ao tempo que se encolhia de ombros.
- Graças a meu primo - resmungou Arnie.
- Duvido que esse quadro fosse o bastante bom para que ninguém te tivesse
reconhecido graças a ele - acrescentou Snake. - Billy disse que era pequeno.
- Billy me deveria ter trazido para que o tivesse sabido seguro, em lugar de
destruí-lo.
- Imaginou que seria melhor assegurar-se de que ninguém mais o visse. - Arnie
defendeu assim a seu primo.
- Ele me reconheceu no quadro - acrescentou John.
- É normal. Conhece-te muito bem, e sabe o que fizemos esse trabalho do trem.
- Mas o vaqueiro que o levou a xerife não deu nenhum nome - comentou Snake.
- O que fazemos aqui então?
- Billy estava presente enquanto o xerife procurava o quadro «perdido» e,
quando por fim abandonou a busca, ouviu-lhe dizer que teria que ir ver essa tal Marian
Laton para que lhe pintasse outro - explicou Arnie.
- E se respondesse à pergunta do Snake? - soltou Dakota Jack com os olhos
fechados embora isso não lhe aliviava muito a dor de cabeça. Era seu pistoleiro mais
rápido, quando não bebia. - Eu só o perguntei três vezes. O que fazemos na
propriedade dos Kinkaid?
- Se te tivesse espaçoso, já teria deduzido por que John quer agarrar à pintora.
- Deveríamos esperar a que se vá a casa - sugeriu Snake. - Aqui há muita gente.
- Por isso ninguém se dará conta - disse John. - Em sua casa, com só algumas
pessoas a seu redor, notariam antes que desaparecera. Aqui, imaginariam que está em
outra parte.
- Isso não explica por que quer agarrá-la.
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- Para matá-la, claro.
- É uma merda. - Dakota Jack se endireitou e abriu os olhos.
- Tenho que fazê-lo - insistiu John. - Me pintou de cor o bastante bem para fazer
pôsteres de busca e captura. Não lhe darei a oportunidade de pintar outro quadro. Se
me apanharem, não passará muito tempo antes que lhes pilhem a outros.
Dakota Jack não disse nada mais, mas só porque voltava a ter ferroadas na
cabeça.
- Mas como obterá que desça até aqui? - quis saber Snake.
- Você o fará. Hoje te vê o bastante limpo para te unir à festa. Os vaqueiros
acreditarão que é do povoado. Os vizinhos do povoado, que é um dos vaqueiros. E
como não esteve nunca no Trento, ninguém te conhecerá. Assegure-se de trazer a
garota correta. Segundo Billy, tem uma irmã gêmea. Se trouxer a que não é, matarei a
você.
Marian não sabia o que pensar enquanto voltava para ao estábulo. Parecia
deserto nesse momento. A corrida de cavalos não começaria até ao cabo de uma hora,
ou isso lhe haviam dito. E a maioria dos convidados comia ou dançava. Mas um
homem jovem lhe havia dito que o senhor Kinkaid queria que fosse um momento ao
estábulo. Mencionou algo sobre uma ninhada de cachorrinhos. Depois, o menino se
mesclou em seguida entre a gente antes que ela pudesse lhe perguntar algo.
Tinha procurado Chad e a seu pai antes de descer a colina, mas não os viu. Não
é que pensasse que ia encontrar-se com o Chad, pois, nesse caso, teria ficado acima.
Mas teria gostado de sabê-lo com certeza.
Certamente Stuart ia dar de presente lhe um cachorrinho. Não teve nunca um
animal de estimação. Seu pai nunca quis animais em casa. Houve um gato que rondou
uns quantos anos a parte traseira de seu lar e ao que ela considerava dele. Tinha
sentido falta dele quando partiu.
A idéia de ter um animal de estimação próprio era muito agradável. Não
acreditava que Kathleen fora a opor-se. De fato, era provável que Stuart o tivesse
consultado antes. Esperava que também desse de presente um a Amanda. Não queria
que sua irmã tivesse outro motivo para sentir ciúmes.
O estábulo estava vazio. Ambas as portas, a dianteira e a traseira estavam
totalmente abertas, e em cada compartimento havia um cavalo. Não podia imaginar
onde se teria instalado uma cadela para dar a luz. Seguro que não em um dos
compartimentos, onde poderia pisoteá-la um cavalo.
- Senhor Kinkaid? - perguntou.
- Aqui atrás - disse alguém.
Não reconheceu a voz. Soou apagada porque procedia da parte posterior do
estábulo. Dirigiu-se para ali, viu de novo a luz do sol e soltou um grito afogado ao
encontrar um revólver que lhe apontava à cara. Alguém a separou de um golpe, mas
não teve tempo de sentir alívio porque uma mão lhe tampou a boca e um braço forte
lhe rodeou o pescoço e a imobilizou.
- Por que fez isso? - grunhiu John Bilks.
Marian o reconheceu assim que olhou aos olhos. Os assaltantes do trem, os
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quatro. Tinham ido roubar aos convidados? Tiveram ela e Stuart a má sorte de
encontrar-se com eles primeiro? Stuart podia estar ferido, inclusive morto, depois dela.
O braço que lhe rodeava o pescoço não lhe dava muita liberdade para olhar a seu
redor.
- Se lhe disparar aqui, teremos a todo mundo nos perseguindo - explicou um dos
homens a John.
Marian também o reconheceu. Era o que lhe tinha pedido que fosse ao estábulo.
O medo a invadiu então, e quase lhe dobraram os joelhos. Estavam ali por ela! Pelo
quadro. Tinha que ser isso.
- Já sei - respondeu John com irritação. - Se eu fosse uma mulher e me
pusessem um revólver na cara, gritaria.
- Como vai matá-la se não lhe disparar? - perguntou o que a sujeitava.
- Já lhe disse isso, nada de disparar a uma mulher - disse a quarta voz em tom
ameaçador. - Antes, disparo-te eu em você.
John ia responder, mas trocou de opinião. Era evidente que receava um pouco
de seu último interlocutor, o que aliviou muitíssimo a Marian.
- Estou de acordo contigo agora que a vi - comentou o da voz preguiçosa.
- Ninguém disse que era tão bonita - interveio o que a sujeitava. - Talvez
poderia lhe cortar a mão para que não pinte mais.
- Reconhece-o, John, não pode ser um foragido e esperar seguir sendo uma
pessoa anônima, não com uns olhos tão especiais como os teus. Pode que ela te tenha
pintado, mas qualquer das vitima às que roubou poderia te identificar. Que sentido tem
então?
Ao John começava a lhe incomodar a oposição a seus planos.
- É pelos pôsteres de busca e captura - grunhiu. - Agora mesmo não há nenhuma
cara neles. Tenho-me proposto que siga sendo assim.
- Subam a um cavalo e saiamos correndo daqui. Já comentaremos depois o que
vamos fazer com ela.
- Vem alguém.
- Já me encarrego eu disso. Parte.
- Grita e te partirei o pescoço - lhe sussurrou ao ouvido o homem que a sujeitava
enquanto a arrastava para um cavalo. - Não nos agradará nem a ti nem a mim, só ao
John.
Não gritou quando lhe desentupiram a boca o momento necessário para subi-la a
um cavalo diante do homem que a esteve sujeitando. Mas o esperneou, freneticamente.
Ele podia haver-se marcado um farol para obrigá-la a guardar silêncio. Enfrentava-se à
perspectiva de morrer ou de ficar maneta, e Deus sabia que mais, se não tentava de
algum modo evitar que a sequestrassem. Isso foi o que, ao final, decidiu-a.
Abriu a boca para gritar a voz em pescoço, mas lhe dera voltas muito momento.
Voltava a ter a boca tampada, e partiam rapidamente. Em poucos minutos estiveram
tão longe que ninguém poderia ouvir seus gritos.
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CAPÍTULO 40
Chad voltou em si balbuciando, tossindo, incapaz de ver nada durante um
instante. Quando se moveu, a dor lhe percorreu a nuca e lhe recordou a explosão de
dor que o deixara sem sentido. Compreendeu que lhe tinham jogada água para
reanimá-lo quando viu Leroy de pé suborno a ele com um cubo vazio na mão.
- É assim como te cobra as dívidas? - grunhiu Chad. - Se aproximando às
escondidas por detrás de um homem e...?
- Encontrei-te convexo, não te tombe - soltou Leroy, que parecia um pouco
ofendido.
- Perdoa - resmungou Chad enquanto se incorporava e se esfregava a nuca.
- Além disso - acrescentou Leroy. - Antes só brincava. Aquele dia poderia me
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haver deixado machucado para que me apodrecesse, mas não o fez. Suponho que
estamos em paz.
- Viu quem me partiu o revólver na cabeça?
- Não, mas eu que você me deixaria de tanto papo e selaria. Há rastros frescos
de quatro montarias, e um dos cavalos leva a duas pessoas.
- Isso lhes reduzirá velocidade.
- Não acredito - disse Leroy, e se tirou algo de entre os dentes. - Vi a sua amiga
vir para aqui pouco antes que você, e agora não está. Deve pesar como uma pluma.
Chad empalideceu, ficou de pé e se tragou um gemido enquanto corria a
procurar seu cavalo à parte dianteira do estábulo. Agarrou a primeira sela que
encontrou. Não era a sua.
- Quer que te acompanhe? - perguntou-lhe Leroy.
- Se estiver preparado para quando meu pai saiba que sequestraram a Marian.
Viu em que direção foram?
- Ainda não tentaram ocultar seu rastro. Como se livraram com facilidade de ti,
suponho que terão pensado que teriam um par de horas de vantagem sobre qualquer
que pudesse segui-los.
Chad fez uma careta ao pensar com que facilidade o tinham tomado por
surpresa.
- É assim? Quanto tempo estive inconsciente? - perguntou.
- Diria que perto de uma hora. Imaginei que a garota e você lhes estavam
divertindo, assim não quis importunar muito logo. Mas senti curiosidade ao ver que
demoravam tanto em voltar a aparecer - respondeu Leroy.
Chad desejou que Leroy tivesse sentido curiosidade antes, Bom, tivesse-lhe
gostado de tê-la ele também, porque assim poderia ter alcançado a Marian antes que
chegasse ao estábulo. Não podia imaginar por que a teriam levado. Se tivesse sido um
só homem, não teria tido implicações nefandas, mas quatro? Que o deixassem fora de
combate significava que não queriam que ninguém soubesse.
- Tem um revólver extra? – perguntou, - os meus - disse Chad - estão na casa e
não quero perder mais tempo aqui de que seja necessário.
- Brinca? - riu Leroy, e abriu o casaco de pele de urso.
Cavalgavam depressa, mas também os homens que estavam perseguindo, assim
não estavam cortando muito a distância que os separava. À medida que avançava o
dia, ao Chad foi formando um nó no estômago. Quanto mais demorassem em resgatar
a Marian, mais tempo havia para que lhe acontecessem coisas más. E depois
escureceu, o que ainda os demorava mais.
Leroy quis acampar para passar a noite e seguir o rastro pela manhã, mas Chad
não ia deter se até encontrar a Marian e saber que estava bem. Era consciente de
cometer uma tolice, pois não podiam seguir bem o rastro na penumbra, inclusive
podiam terminar perdendo-o por completo. Mas tinham chegado a campo aberto antes
do anoitecer, e esperava que uma fogueira delatasse aos bandidos.
Não foi assim. Mas sim a luz de uma janela. O rastro lhes conduziu diretos até
uma granja situada em meio de um nada, a quilômetros de qualquer povoado. Além da
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luz da casa, o lugar parecia abandonado, com as portas do celeiro roda, um alpendre
curvado e campos ermos. Não era seguro que ninguém vivesse aí de maneira
permanente, mas sim que sua presa estava aí então.
Encontraram no celeiro os quatro cavalos que tinham seguido, desencilhados e
presos a um pau perto de um velho guardador de feno. Deixaram os cavalos ali para
avançar para a casa sem ser vistos. Guardavam silêncio. Os dois sabiam o que fazer.
- Este lugar não está abandonado - disse em você baixa Leroy ao ver outro
cavalo. - Alguém vive aqui.
Assim que terminou de falar, o guardador de feno começou a mover-se. Os dois
homens o olharam só um momento, pensaram que algum animal tinha encontrada
proteção debaixo, embora não seria selvagem porque os cavalos, que estavam perto,
não se tinham assustado. Voltaram-se e começaram a sair do celeiro. Um gemido
apagado captou de novo a atenção do Chad para o guardador, a tempo de ver como
uma forma emergia do centro. A luz do celeiro era muito tênue para distinguir ao
princípio o que era, até que viu a cabeleira dourada. Amaldiçoou entre dentes.
- Parece que a deixaram enquanto foram comer - observou Leroy em tom
familiar. - Por que o fariam?
Chad correu para Marian, que conseguira sair de debaixo do feno.
- Está bem? - sussurrou. - Me responda!
Mas Marian não podia lhe responder por que ainda não lhe tirou a mordaça.
- Estou bem - pôde dizer por fim. - Acredito.
- Como que acredita? - perguntou Chad, que começou a sacudi-la.
- Não sinto as mãos. Tive-as atadas muito tempo.
Parte do nervosismo do Chad desapareceu. Desatou-lhe as mãos e, logo os pés.
Era incrível que tivesse podido ficar de joelhos para que soubessem que estava ali.
- Sabe quem são? - perguntou-lhe Chad quando por fim ela esteve de pé.
- Os homens que assaltaram o trem em que viajei. Inteiraram-se de que tinha
pintado o retrato de uns deles. Queriam assegurar-se de que não faria nenhum outro -
respondeu Marian.
- Mas não lhe fizeram mal?
- Não, ainda não. Bilks queria. Acredito que outros também. Mas falavam de me
cortar a mão. - estremeceu-se ao dizê-lo.
- E está a salvo - afirmou Chad depois de abraçá-la um momento.
- Já sei - disse Marian com um suspiro.
- Por que a deixaram aqui? - interveio Leroy.
- O proprietário da granja não queria inquietar a sua mulher com o que
acabassem me fazendo. Decidiram esperar até que ela se deitasse para tomar a decisão
final e me esconderam aqui com a advertência de que não fizesse nenhum ruído.
- Tirarei-te daqui assim que tenha matado a esses bodes - disse Chad. - Espera
aqui.
- Não! - Marian lhe agarrou e começou a tremer. - Não me deixe aqui sozinha.
Permite que vá contigo.
- Não demorarei nada, Mari...
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- Não! Não tem idéia do que passei ao escutar como esses homens falavam de
me matar. Se não ficar comigo, irei. Não vou ficar aqui só nem um minuto mais!
- Já recuperou as guelras. - Leroy riu pelo baixo. - Já me encarrego eu desses
bandidos. Leva-a para casa.
- São quatro, Leroy - lhe recordou Chad.
- Um jogo de meninos. - Leroy sorriu. - Tenho vontades de romper umas
quantas crismas. - Acredita que dêem recompensa por eles?
- É mais que provável. A ferrovia está acostumada oferecer uma recompensa por
qualquer que tenha perturbado o percurso de uns de seus trens para, assim, dissuadir a
outros de atividades semelhantes no futuro.
- Pois me deixe a mim esses tipos. Assim me compensaria pelos quinhentos que
me custou.
- São todos teus - concedeu Chad com os olhos postos em branco.
CAPÍTULO 41
Após uma experiência tão angustiante, Marian queria cavalgar direto para casa,
por muito que demorassem, sem deter-se para dormir. Chad não a agradou. Afastou-a
da granja e da subsequente violência que ia ter lugar nela, mas depois encontrou uma
árvore solitária para acampar debaixo e passar o resto da noite.
Quando protestou porque não precisava descansar, Chad lhe tinha replicado:
«Meu cavalo, sim.»
Não teve em conta que o cavalo tinha cavalgado sem descanso meio-dia para
encontrá-la. Arrependeu-se, como era de esperar, e não se queixou mais.
Mas não conseguia relaxar-se. Tivesse-lhe gostado de ter a certeza de que
aqueles homens já não podiam fazer mal a ninguém, de que já não a perseguiriam. Era
possível que Leroy não conseguisse capturá-los a todos. Quatro contra um era... Bom,
com o Leroy era quase uma briga igualada, inclusive pode que algo a seu favor.
Talvez devesse relaxar-se, pelo menos quanto a isso.
Entretanto, estar passando a noite ao ar livre nas planícies de Tejas a sós com o
Chad Kinkaid era motivo suficiente para não relaxar-se.
- Acredita que Leroy vai matar os a todos? - perguntou Marian do outro lado da
pequena fogueira que Chad tinha preparado.
- Certamente não matará a nenhum - respondeu ele. - Isso seria muito fácil.
Basta entrar enquanto dormem e lhes disparar com um rifle. Requer-se mais
habilidade para capturar foragidos e entregá-los vivos, e Leroy se orgulha de ser hábil.
Além disso, não correrá o risco se por acaso a recompensa depende de que estejam
vivos.
Marian ainda não podia acreditar que tivesse ido resgatá-la. Com todos os
homens que havia na festa, não era necessário que Chad se oferecesse para a tarefa.
- Há alguém mais me buscando?
- Ninguém mais sabe salvo meu pai, e pode que também Red - respondeu ele.
- Ah, assim que seu pai te mandou para me buscar.
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- Não, eu lhe disse o que ocorria.
- Mas, como soube você?
- Fixei-me que foi para ao estábulo. Senti curiosidade porque não passava nada
ali nesse momento. Um deles me atacou e me deixou sem sentido. Leroy me
encontrou um pouco depois e, entre os dois, deduzimo-lo. Não havia tempo de reunir
uma partida.
Marian assentiu. Deveria ter sabido que a razão de que tivesse ido não tinha que
ver de tudo com ela. Chad o teria feito com independência de quem tivesse sido o
sequestrado porque era dessa classe de homens.
Estava sentada muito aninhada, abraçando as pernas e com o queixo apoiado
nos joelhos. Chad lhe dera umas tiras de carne-seca, uma comida que não enchia
muito, mas tinha que bastar. Já se desculpou por não ter ido preparado, dado que não
tinha planejado ir a nenhuma parte antes de ter ocasião de repor suas provisões. As
duas mantas que levava não serviriam para tampá-los a ambos a não ser que
dormissem diretamente sobre o chão. Uma idéia pouco atrativa. E a fogueira, que só
constava de uns raminhos, não duraria toda a noite, de modo que teriam que tampar-
se.
Marian esteve conversando para não pensar em que tiritava. Não estava muito
frio, mas sim bem fresco. Mas ainda levava o vestido sem mangas da festa, e pode que
tremer fora também uma reação ao feito de que a tivessem sequestrado. Não podia
evitar que lhe tocassem castanholas os dentes.
- Vêem aqui - disse Chad para ouvir por fim o ruído.
- Por quê?
- Precisamos dormir umas horas para poder sair cedo - explicou após lhe lançar
um olhar impaciente. - Temos uma manta para nos deitar em cima e outra para nos
tampar, e esfria mais antes que saia o sol.
Aninhar-se juntos para intercambiar calor corporal. Isso era o que Chad estava
sugerindo. Mas Marian tinha medo de estar tão perto dele. Já foi bastante difícil
compartilhar o cavalo com ele. E, embora seus sentidos pudessem suportá-lo, seguia
sendo muito indecoroso. Chad era noivo de sua irmã. Bom, logo o seria.
- Não é nada pessoal - acrescentou Chad. - Só sentido comum.
Dito assim, seria parva se se negava. Teria frio ele também? Certamente não. Só
lhe oferecia com generosidade seu calor.
Aproximou-se de seu lado do fogo e se encostou junto a ele, rígida como um
pau. Ouviu seu suspiro antes de atraí-la mais para si, contra seu flanco. Seu braço lhe
servia de travesseiro. Pôs-lhe uma mão em cima da que ela tinha descansado,
vacilante, em seu peito. Sentiu calor nela em seguida e, pouco depois, em todo o
corpo. Dormiu.
E começou a sonhar, a ter pesadelos nos que revivia sua captura e o medo, via o
John Bilks afiando uma tocha e conhecia a esposa do granjeiro. No sonho, a mulher
resultava ser uma bruxa, e a chefa do grupo. Queria que cortassem as duas mãos a
Marian.
Marian se sentou sobressaltada, soltou um grito afogado e começou a tremer. O
153
grito despertou ao Chad.
- O que tem? - perguntou, ao tempo que se incorporava a seu lado. - Não se
preocupe, imagino.
Rodeou-a com os braços e quase a sentou no regaço. Começou a lhe massagear
os ombros e as costas, mas seus tremores não cessavam.
- Não deixarei que ninguém te faça mal, Mari - assegurou com voz
tranquilizadora. - Está a salvo, juro-lhe isso.
- Já sei - respondeu Marian. - Só foi um sonho.
- Esquece-o.
- Estou-o tentando.
Mas não conseguia deixar de tremer. Esse dia lhe tinham acontecido muitas
coisas e agora lhe estavam acontecendo fatura. A calidez do Chad a envolvia. Isso
deveria havê-la ajudado. Mas não tremia de frio. Tampouco por ele. O medo que havia
sentido antes tinha retornado com o sonho e não a abandonava.
Chad seguiu acariciando-a com suavidade para tratar de acalmá-la, mas não
sortia efeito.
- Caramba - ouviu Marian que ele dizia justo antes de beijá-la.
Aquilo sortiu efeito. Em sua cabeça não havia espaço para o medo se a tinha
ocupada nele. Teve a sensação de que sua intenção era precisamente distraí-la.
Entretanto, como aquele dia no estábulo, sua paixão cresceu com uma rapidez
assombrosa. E a do Chad também. Pode ser que seu beijo tivesse sido a princípio outra
forma de acalmá-la, mas logo deixou de ser tranquilizador.
Separou-lhe os lábios com os seus e a arrastou à intimidade que lhe oferecia.
Tinha ansiado o sabor e o aroma do Chad sem dar-se conta, mas seu corpo sabia e
estava encantado até mais não poder. Deitou-a sobre a manta sem deixar de beijá-la
apaixonadamente e se inclinou sobre ela com uma perna sobre seu quadril. Pôs-lhe
uma mão sobre um seio e sentiu que o calor a invadia. Não podia pensar, não queria
pensar. Sujeitou-o com força, e nesse momento seu único temor era que Chad entrasse
em razão e se detivesse.
Não o fez. Em todo caso, seu beijo se voltou mais intenso, como se ele também
temesse que pudesse detê-lo em qualquer instante. Deveria fazê-lo. Marian sabia, no
fundo, que deveria detê-lo, mas cada vez que essa idéia tentava aflorar, desprezava-a.
E a mão do Chad seguia percorrendo seus quadris, pernas abaixo. Apesar do
impedimento da saia e das anáguas, seu contato a cativava.
Chad dera com sua pele nua sob a saia, que subia enquanto voltava sobre seus
passos para deter-se na entreperna. A espera lhe acelerou o pulso, e o calor aumentou
ainda mais em seu interior. E, então, ele a tocou onde esperava, e em uns momentos
sentiu o mesmo prazer assombroso que lhe proporcionou aquela outra vez. Não podia
acreditar. Só tinha que tocá-la...
Saberia Chad o que tinha feito? Não estava segura, mas seu beijo voltava a ser
terno enquanto lhe baixava de novo a saia e a aproximava para ele para que dormisse.
Seu pulso se tranquilizou. A letargia se apoderou dela. Dormiu como um bebê.
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CAPÍTULO 42
Marian teria podido jurar que se despertou ruborizada. A lembrança do que
tinha ocorrido a noite anterior lhe veio imediatamente à cabeça. Com as bochechas
ardendo, tratou de não olhar a Chad, que estava preparando o cavalo para partir.
- Olhe, ontem de noite estava alterada - comentou Chad, que de todos os modos
deve ter-se precavido de seu rubor, passados uns segundos. - Queria te ajudar, mas me
temo que me deixei levar um pouco. Suponho que preferirá não falar disso, mas o
sinto, Mari.
Não sabia se estar agradecida ou decepcionada. Em qualquer caso, ele tinha
razão: comentar o que tinha passado entre eles seria muito violento. Deixou-se levar?
Deveria haver-se imaginado que só foi isso, para ele.
Cavalgaram sem trégua para chegar ao rancho no meio da amanhã, mas resultou
que Kathleen e Amanda ainda não tinham retornado. Certamente acreditavam que
Chad levaria a Marian de volta ao rancho do Stuart quando a encontrasse. Assim
Chad partiu para comunicar à tia de Marian que esta estava em casa, e Kathleen
chegou a última hora da tarde. Mas sem Amanda.
Marian não comentou a ausência de sua irmã. Bom, Kathleen não lhe deu muita
ocasião de fazê-lo, porque não deixava de lhe perguntar coisas. Queria saber tudo o
que lhe tinha ocorrido. E supôs que Spencer se levou a carruagem ao povoado e
Amanda estava esperando no rancho do Stuart a que Kathleen enviasse a carreta para
recolhê-la.
Mas uma vez Marian terminou de contar sua história, Kathleen começou a sua.
- Sua irmã aproveitou a comoção que provocou seu desaparecimento para partir
com o Spencer sem que ninguém se desse conta.
- Partiu com ele? Quanto tempo?
- Ainda não voltou - respondeu Kathleen.
- Toda a noite? - perguntou Marian com os olhos muito abertos. - Onde terão
ido?
- Suponho que ao povoado, a casar-se. Ao princípio pensei que Amanda poderia
havê-lo convencido para que a trouxesse aqui, pelo motivo que fora, mas os rastros da
carruagem assinalam para o povoado. Pela manhã irei com alguns homens para que
saiba que tem meu consentimento.
Marian decidiu viajar com sua tia ao povoado. Ainda queria comprar materiais
de pintura, e supunha que seria adequado felicitar a sua irmã por seu matrimônio. Não
lhe tinha surpreso nada que Amanda tivesse plantado ao Chad pelo Spencer. Tinha-o
preferido desde o começo, já que era o mais desenvolvido e habituado à cidade dos
dois. Mas poderia havê-lo dito em lugar de escapar com ele.
Entretanto, quando chegaram ao povoado ao dia seguinte, esperava-lhes outra
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surpresa. Corria o rumor de que Amanda tinha passado a noite na cantina, sem haver-
se casado. Marian não podia imaginar no que estaria pensando sua irmã, mas estava
muito dolorida da cavalgada para averiguá-lo imediatamente e decidiu descansar no
hotel enquanto Kathleen se inteirava do que acontecia.
Chad alcançou a Red antes que chegasse à cantina. Tinha ido ao povoado para
assegurar-se de que se livrou do casamento. Haviam-lhe dito que Amanda fugiu com o
Spencer e quis comprová-lo para poder voltar a relaxar. Mas estava abatido ao
descobrir que não se casaram depois de tudo. Ao que parece foram fazê-lo, embora
haviam adiado a cerimônia devido a uma discussão e ainda não tinham feito as pazes.
De todos os modos, Amanda tinha passado a noite na cantina, se foi ou não na cama
do Spencer não importava muito.
Red se zangou para ouvir a notícia e foi procurar reforços. O grupo que se
dirigiu à cantina Not Fere era bastante grande. O xerife cumpriu sua parte e fez sair a
todos os clientes e os empregados da planta baixa. Seus ajudantes se apostaram na
entrada para impedir que ninguém tentasse ver o que passava dentro, como se
houvesse alguém que não o pudesse imaginar. E uma boa quantidade do pessoal de
Red estava perto para reunir ao resto dos participantes.
Chad se sentou e observou o espetáculo. Surpreendeu-lhe muito, o mesmo ao
Spencer pouco depois, que Red fora a convidar a este último a seu próprio casamento.
Acreditava que ao menos falaria com ele antes para tratar de convencer o de que
fizesse o que era «correto» para variar. Mas era evidente que Red tinha concluído que
seria perder o tempo, e que seu rifle seria mais contundente que qualquer palavra.
Foi assim. Ao Spencer não fez falta perguntar por que razão tinham tomado seu
local. Quando o conduziam escada abaixo, a empurrões para ser exatos, começou a rir
ao ver que Red lhe aguardava junto ao pastor.
- Estará brincando - lhe disse.
- Temo-me que não - respondeu Red.
A seguir apareceu Amanda no alto das escadas. Pelo menos esta vez ia
totalmente vestida, para variar, embora levava um traje debruado de rosa e negro
muito extravagante para o meio-dia, mais próprio do que as empregadas do Spencer
usavam dia e noite: vestidos de entardecer. Parecia que quis adaptar-se ao ambiente de
um local tão elegante como aquele.
Ela não riu como Spencer. Quando viu Red junto a um homem que sujeitava a
Bíblia em uma mão, tentou imediatamente retroceder pelo corredor para os quartos do
Spencer. Entretanto, uns empregados de Red lhe bloquearam o passo de uma vez que
sacudiam a cabeça. Assim, com um bufo de indignação, baixou muito rígida as
escadas e se aproximou de Red.
- Acreditava te haver dito que não tinha voz nem voto no que eu faço - disse
Amanda com altivez a sua tia. - Recordo havê-lo dito. Outras pessoas me ouviram
dizê-lo. De modo que, o que acredita que faz aqui, além do ridículo?
Isso provocou uns quantos gritos afogados. Se havia alguém que ainda sentia
lástima da Amanda, deixou de fazê-lo. Mas Red não mordeu o anzol, nem sequer se
ruborizou. Tampouco se zangou. Pode que tivesse sido uma decisão difícil de tomar,
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mas uma vez tomada, teve a coragem de seguir adiante com ela.
- Estou desfazendo uma ofensa, ceu - respondeu a Amanda em um tom bastante
tranquilo.
- Não houve nenhuma ofensa - tentou insistir Amanda, mas Red não tinha
terminado.
- E estou acabando também com uma idéia equivocada - disse. - Quando seu pai
me nomeou sua tutora, fez que recaísse em mim a decisão de com quem podia te
casar. Não queria que você tivesse capacidade de decidir. Poderíamos havê-lo feito de
duas formas distintas. Poderia haver tomado um tempo para considerar as possíveis
opções e nos haver posto depois de acordo sobre um homem que te conviesse, ou eu
poderia ter repassado todas as possibilidades existentes e adequadas, e tomado a
decisão por ti. Em qualquer caso, a decisão seguia sendo minha ao final, e as
circunstâncias me obrigaram a tomá-la sem mais considerações. Mas, pelo menos, tive
em conta suas preferências.
- Não é verdade! - gritou Amanda. - Me perguntou algo? Não! Ou te haveria
dito que ninguém dos arredores está a minha altura. Assim parte a casa, tia Kathleen.
Aqui não obterá nada.
Red seguiu sem zangar-se. Chad começava a sentir certa irritação. Spencer
apertava os dentes por ter sido incluído na referência da Amanda a sua «altura». Mas
Red não ia deixar se intimidar e tornar-se atrás.
- Pode dizê-lo quantas vezes queira, gritar o quanto deseje ou até que alguém te
amordace - indicou a sua sobrinha. - Manifestou suas preferências quando veio ao
povoado com o Spencer Evans e te meteu em sua cama. Não há condições nem
condições a respeito. Nenhuma só pessoa das presentes, incluída eu, duvida de que
tenha escolhido. Agora faremos que seja legal.
- Falando de que seja legal, sabe que não será valido a não ser que um dos dois
aceite, Red - assinalou Spencer. - É evidente que ela não o fará, e te assegurou que
agora eu tampouco. Foi divertido, mas será melhor que lhe leve isso a casa. Dá muitos
problemas.
- Como se atreve! - Amanda fulminou ao Spencer com o olhar.
- Tem alguém essa mordaça? Estarei encantado de fazer as honras - soltou
Spencer.
Amanda ficou vermelha de ira. Era evidente que ao Spencer incomodou muito
seu comentário a respeito de que ninguém ali estava a sua altura. A réplica do Spencer
provocou algumas risadas e tosses contidas, mas a maioria de olhos se voltaram para
Red para ver o que respondia em relação à questão legal que Spencer expôs.
Se quem brandia a arma na mão tivesse sido o pai da garota, não teria havido
dúvidas, mas «tutora» era um termo do Leste que a maioria dos presentes desconhecia
porque crescia em Tejas, onde as coisas eram muito mais simples. Ou uma garota
tinha família ou outros parentes para que cuidasse dela ou estava sozinha.
Red era parente da Amanda, mas era uma mulher, e ninguém ouviu então que
uma mulher tivesse dirigido um casamento na ponta de um rifle. Quando se tratava de
«diga sim, se não quiser morrer», estava acostumado a necessitar-se que um homem
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fizesse valer a ameaça. E Red nem sequer estava zangada! Se pelo menos o tivesse
estado, talvez...
- Eu falarei por minha sobrinha, Spencer.
- Eu falarei por mim mesma, obrigada - replicou Amanda.
- Já o fez - respondeu Red. - Já não faz falta que responda nada.
- Bom, pois graças a Deus que ele não aceitará esta farsa - soltou Amanda que
assinalou com a cabeça ao Spencer.
- Oh, é claro que sim - respondeu Red com um grande grau de confiança
enquanto levantava o rifle, que até então apontava ao chão, para o peito do Spencer. -
Dirá seu «sim, quero» normalmente ou o dirá entre gritos, mas acabará dizendo-o.
- Não vais disparar-me, Red, e você sabe. - Spencer não a tomou a sério,
inclusive riu.
- Sim que o farei - lhe contradisse Red. - Não te matarei. Tem minha palavra.
Mas não me incomodaria muito te abrir uns quantos buracos no pele. Esperemos que
as balas não lhe destrocem nenhum osso.
Disse-o com muita indiferença. Spencer não a conhecia o bastante bem para
saber se era um farol ou não. Que falasse totalmente a sério era discutível. O que
decidiria a resposta do Spencer era se acreditava ou não.
Mas no caso do Spencer, havia outro fator decisivo: apreciava muito sua pele
para que o furassem. Por muito remota que fosse a possibilidade, qualquer
possibilidade bastava, em especial quando, a seu modo de ver, um matrimônio podia
terminar-se com facilidade.
Ainda assim, teve-os esperando quase cinco minutos antes de grunhir:
- Acabemos com isto. E todos os que estão aqui já lhes podem procurar outra
cantina, porque não quero voltar a lhes ver nunca por aqui.
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CAPÍTULO 43
Marian tinha a impressão de que lhe doía todo o corpo. Kathleen lhe advertiu
que estaria dolorida depois da longa cavalgada até o povoado, mas riu sozinha. Afinal,
o último par de dias tinha cavalgado longas distâncias sem que lhe queixassem os
músculos. Mas não era o mesmo ir sentada no regaço de alguém que escarranchado
tentando conservar o equilíbrio sobre o cavalo.
Teria passado o resto do dia em seu quarto no hotel se não tivesse tido fome. E
Ela Mae não estava para ir lhe buscar algo de comer. A donzela tinha preferido ficar
no rancho, já que não foram levar a carreta ao povoado e tampouco aprendeu nunca a
montar.
Também sentia curiosidade pelo que tinha passado esse dia. Kathleen não havia
tornado ainda ao hotel a contar-lhe ou, pelo menos, não subiu a seu quarto. Tendo em
conta a hora que era, certamente estaria jantando no hotel e pensaria que Marian
dormiria até o dia seguinte.
A empregada do hotel que lhe tinha levado a água para o banho se encarregou
além dos dois vestidos com os que viajara e os havia devolvido engomados. Colocou
um de cor cinza pálida com a saia. Sem a ajuda de Ela Mae, seu cabelo era, em troca,
uma causa perdida. O único penteado que Marian conseguira fazer sozinha era o
coque, que não ficava tão sério com o novo corte da franja. Além disso, não queria
impressionar a ninguém; só gostaria de comer algo.
Ao descer as escadas, seus movimentos eram um pouco mais rápidos mas ainda
muito rígidos. Esperava encontrar a sua tia no salão mas, se não, não morreria por ter
que jantar sozinha. Isso sim, sua curiosidade podia mais que ela, e era tão intensa
como seu apetite.
Teve sorte em ambas as coisas. Bom, em realidade não. Kathleen estava no
salão, mas não sozinha. Chad a acompanhava. Marian não contara com isso e esteve a
ponto de não reunir-se com eles. Se via o Chad com o coração quebrado pela perda da
Amanda, dar-lhe-ia uma surra.
Sentou-se com toda a dignidade que lhe permitiram os músculos doloridos.
Evitou olhar ao Chad, embora notasse seus olhos postos nela.
- Encontrou-a? - perguntou sua tia de uma vez que procurava não prestar
atenção ao Chad de momento.
- Sim - respondeu ela.
- E? - insistiu Marian .
- Agora estão casados - disse Kathleen.
- De verdade? Não protestou Amanda?
- Claro que sim. E ele também. Mas as balas fazem que uma pessoa mude de
opinião.
- Disparou-lhes!
Essa conclusão provocou uma gargalhada na Kathleen. E também em Chad, em
160
realidade, o que levou a Marian a lhe olhar. Só pôde ver bom humor, o que não
encaixava. Não deveria estar desconsolado por ter perdido a Amanda ante outro
homem? Mas não parecia desconsolado, nem sequer um pouquinho. Claro que talvez
lhe dava muito bem ocultar seus sentimentos.
Entretanto, havia uma coisa evidente: ainda não sabia que quem esteve com ele
no estábulo aquele dia foi ela e não Amanda. Isso era algo que sua irmã tampouco
esclareceria, tanto se lhe apresentava a ocasião como se não, porque seguiria querendo
ter esse vínculo com ele e poder desfrutar disso se Marian tivesse estado mentindo ao
dizer que já não o queria.
Distraiu-se da questão principal. Amanda estava casada. Tanto se foi por
decisão própria como se não, já não viveria mais com ela, assim por fim poderia ser
ela mesma. Deveria ser um dia de celebração. Sem dúvida. Era uma lástima que
houvesse tantas outras emoções que obstaculizassem sua alegria.
- Sinto haver perdido o casamento - disse, e devolveu sua atenção a Kathleen.
- Não perdeu grande coisa. Não foi o que se diz um casamento típico.
- Ainda assim, suponho que deveria ter assistido em lugar de ficar para cuidar
uns músculos doloridos - insistiu Marian. - Apesar de tudo, é minha irmã.
- Duvido que tivesse agradecido sua presença, ceu.
Isso era certo. Esquecia-se que Amanda se casou por força, de modo que lhe
teria incomodado que Marian presenciasse a cerimônia.
Por sorte, a garçonete chegou para lhe dizer o que havia para jantar e não teve
que fazer nenhum comentário mais sobre o casamento. Por desgraça, o casal
infelizmente casado também chegou.
- Importa-lhes se nos sentamos com vocês? - perguntou Spencer enquanto se
acomodava junto ao Chad e atirava de uma cadeira da mesa contígua para a Amanda.
- Sim - respondeu Chad sem rodeios.
- Lástima - disse Spencer com um sorriso tenso.
- Não deveriam estar celebrando a noite de núpcias? - especulou Chad,
recostado. - Em privado?
- Isso já o fizemos ontem, recorda? Ou acaso me perdi a pretendida causa da
farsa que teve lugar hoje?
As palavras eram muito amargas, mas o tom não. Marian teve a impressão de
que ao Spencer não desgostava muito seu novo estado marital. Era provável que se lhe
tinham tido que obrigar, tivesse sido porque Amanda lhe tinha zangado. Era algo que
para com facilidade.
- Colhe-se o que... —começou a dizer Chad.
- Economize o sermão, obrigado - lhe interrompeu Spencer. - Mas quero
perguntar algo a Red. De verdade me teria disparado e teria salpicado de sangue a
todos os presentes, ter-me-ia visto gritar e teria o tornado a fazer se me tivesse seguido
negando a cooperar?
- Não leva um rancho como eu se sentir apreensão quando terá que disparar,
Spencer. Sim, o teria feito. E agora deixa que eu seja quem pergunte: Seriamente
acreditava que poderia seguir toda a vida arruinando a reputação de moças decentes
161
sem ter que pagar por isso? Pode que o pai do Clare Johnson não tivesse guelra para te
pedir contas, mas eu, sim.
- Detesto recordar isso Red de verdade, mas a reputação de sua sobrinha já
estava arruinada.
- Bom, isso sabemos todos. E também que ia caminho do altar antes que você te
entremetesse.
- Tem razão - Spencer riu, e logo dirigiu sua atenção a Marian. Como se não a
tivesse visto até esse momento, disse: - Vá, vá. A larva saiu por fim do casulo.
Marian não pôde evitar o rubor que ele desejava lhe provocar. Detestava ser o
centro de atenção. E Amanda não suportava que o fora, de modo que sua réplica não a
surpreendeu.
- Tinha medo de competir comigo - explicou Amanda. - Sabia que não tinha
nenhuma possibilidade. Mas agora que o campo está livre, acredita que pode me
seguir os passos.
- Parece ciumenta, querida. - Spencer surpreendeu com suas palavras a todo
mundo. - Não é necessário. Segue sendo mais formosa que ela.
- A beleza está nos olhos de quem olhe - interveio Chad e, logo, acrescentou
com ironia: - menos mal que Spencer é meio cego.
Amanda balbuciou indignada. Red tentou conter a risada. Spencer nem sequer
isso, e soltou uma gargalhada. Marian ficou olhando ao Chad, sem saber muito bem
por que foi em seu auxílio, a não ser que só fora uma desculpa para meter-se com o
Spencer, que lhe tinha roubado a Amanda. Isso era o mais provável, já que desde o
começo tinha notado que caíam mal.
Mas a Amanda não gostou de ser o branco de uma brincadeira, e se voltou
zangada para o Chad.
- Se houver alguém cego aqui, esse...
- Por que não recorda nosso bate-papo, querida? - interrompeu-a Spencer: -
Cuidado com essa língua.
Amanda fechou a boca e se recostou com o cenho franzido. Marian não podia
acreditar. Spencer conseguira exercer certa classe de controle sobre sua irmã. Com
ameaças? Ou lhe prometendo o que queria? Em qualquer caso, era surpreendente vê-
lo. Nem sequer seu pai teve esse tipo de influência sobre a Amanda.
E Spencer não podia ter sido mais oportuno. Marian sabia muito bem o que
Amanda ia revelar, por puro rancor. Agora que estava casada, incomodava-lhe ver
como Marian desfrutava de do grupo de pretendentes que deveria ser dela, e tinha os
meios de impor a sua irmã um matrimônio. É obvio, ninguém acreditaria nestas
alturas, nem sequer Chad.
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CAPÍTULO 44
Marian não ia voltar para rancho Twisting Barb a cavalo até que não lhe
163
desaparecessem todos os dores. Tampouco serviria uma carreta, nem uma carruagem,
caso de que Spencer estivesse disposto às deixar de novo o sua. Ambos os transportes
estralavam muito nos caminhos de terra. De modo que não estava preparada para
retornar o dia seguinte, quando Kathleen planejava dirigir-se a casa.
Sua tia esteve de acordo e o arrumou para que se alojasse com o pastor e sua
família. Não havia nenhuma possibilidade de que ficasse com sua recém casada irmã,
embora Amanda não tivesse vivido sobre uma cantina.
Marian tinha que fazer muitas compras no Trenton, além de ir várias vezes em
uma costureira para renovar por completo o guarda-roupa. Ainda ficava dinheiro da
viagem para pagar a maioria do que necessitava, mas sua tia sugeriu que esperasse
antes de gastá-lo até que tivessem notícias do advogado. Kathleen tinha enviado um
telegrama ao Albert Bridges para lhe informar de que se precisavam mais recursos
para cobrir as necessidades de Marian, assim como lhe comunicar o matrimônio da
Amanda. Marian não podia obter ainda o grosso de sua herança, mas sim que podia
dispor dela para financiar seus gastos diários. Kathleen não tinha que cobrir todas suas
necessidades.
De fato, divertiu-se comprando e escolhendo desenhos e materiais bonitos para
seus vestidos. Por muito tempo que não tinha encarregado mais que gostava muito
cafonas e feias, e cada vez teve uma sensação de carência, de ressentimento e,
sobretudo, de desânimo. Tinha-o feito por decisão própria, por necessidade a seu
modo de ver, mas não foi divertido. Por fim, aqueles tempos tinham terminado.
Kathleen ia voltar para recolhê-la na semana seguinte. A resposta do advogado,
quando chegasse, iria primeiro à mãos de Marian para que esta soubesse quando se
transferiram os recursos ao banco do Trenton. Até então, tinha que ser prudente, e se
tinha limitado a escolher e a indicar à costureira que esperasse para começar a
trabalhar até que chegasse o dinheiro para lhe pagar.
Durante essa semana no povoado conseguiu evitar encontrar-se com Amanda.
Sua irmã não saía muito de seu novo lar, e Marian ouviu que o passava muito bem
pelas noites na cantina, como se fosse uma espécie de anfitriã do local. Não tinha nem
idéia de se Amanda e Spencer se levavam bem e, apesar de sua curiosidade, não faria
uma visita a Amanda para averiguá-lo.
Claro que Amanda tampouco admitiria nenhum problema se o tivesse. Em todo
caso, aparentaria que seu matrimônio foi idéia dela e que estava contente com ele.
Escutou o rumor de que Spencer desceu correndo as escadas enquanto Amanda lhe
lançava um vaso, e que o resto desse dia evitou a sua esposa. Mas se tinha tratado de
um incidente isolado. Em sua maioria, punham ao mau tempo boa cara em seu
matrimônio a ponta de rifle.
A resposta do Albert Bridges demorava a chegar. Isso não preocupou a Marian.
Talvez estivesse fora da cidade e nem sequer tivesse recebido ainda o telegrama da
Kathleen. Mas na sexta-feira seguia sem ter notícias, e Kathleen ia chegar ao dia
seguinte para levar a Marian de volta ao rancho sem que tivesse obtido nada durante
sua semana no povoado, além da compra de alguns materiais de pintura e de umas
quantas blusas de confecção. Era provável que Amanda também se estivesse
164
impacientando. Até que Albert não reconhecesse seu matrimônio, não receberia sua
herança.
Sua carta atrasou uns trinta minutos antes da hora de chegada prevista da
Kathleen na sábado. Foi algo inesperado. Foi recebê-la então e por correio ordinário,
Albert teria que havê-la enviado antes que o telegrama da Kathleen estivesse em seu
poder. E a carta era volumosa, por isso não seria uma breve nota para inteirar-se de
como ia às garotas.
Isso despertou a curiosidade de Marian , mas a carta ia dirigida a Kathleen, de
modo que não tinha direito a abri-la. Pode que só fora alguma formalidade legal ou
documentos que tinha que assinar, nada pelo que inquietar-se. A tirou da cabeça e
começou a recolher seus pertences na casa do pastor, porque passaria outra vez a noite
no hotel com sua tia.
Kathleen chegou à hora prevista. E com ela, a maioria dos peões do rancho, que
foram passar sua noite do sábado no povoado. Chad também foi com alguns dos
vaqueiros dos Kinkaid pelo mesmo motivo. Marian esperou não voltar a vê-lo agora
que já não trabalhava para sua tia. Não era que não suportasse sua presença, mas sim
simplesmente não queria. E temia que pudesse prestar atenção nela agora que Amanda
já não estava livre. Não desejava ter que dirigir essa situação, nem lhe explicar por que
já não o queria. Não o queria. De verdade que não.
Queria um homem que fosse dela, sim, mas não queria ser prato de segunda
mesa de nenhum. Ainda lhe doía que Amanda tivesse ganhado no final. Ainda lhe doía
que Chad nem sequer soubesse que fez amor com ela.
E não saberia nunca, a não ser que Amanda se tomasse a moléstia de confessar
suas mentiras, o que era bastante improvável. Marian não ia dizer a estas alturas, é
obvio. Podia ter tentado lhe contar a verdade se se tivesse visto obrigado a casar-se
com a Amanda, mas agora que esse já não era o caso, não tinha motivo para fazê-lo, e
sim muitos para não fazê-lo. Principalmente, não queria que pensasse que tinha a
obrigação de casar-se com ela, nem que sua tia tivesse que impor outro casamento a
ponta de rifle, porque ela não o aceitaria.
- Hão-me dito que não houve resposta telegráfica - disse Kathleen quando foi à
casa do pastor a recolher a Marian. - Todo o povoado sabe porque Eddy me gritou isso
quando descia pela rua.
Marian sorriu. Devia custar manter em privado os assuntos pessoais em um
povoado tão amigável, em que as mensagens se transmitiam a gritos, e as últimas
notícias e os falatórios podiam ouvir-se em todas as lojas e as cantinas.
- Me entregaram isto faz um momento - respondeu Marian uma vez que lhe
dava a carta. - Já que a maioria do povoado sabia que chegaria hoje.
- Sim - corroborou Kathleen, e logo que jogou uma olhada à carta antes de
colocá-la na alforje. – Guardam no correio no povoado se chegar antes do fim de
semana e me entregam isso na segunda-feira se não aparecer. Está preparada, ceu?
Chad nos ofereceu a casa dos Kinkaid no povoado para que nos alojemos esta noite.
Deteve-se nela para avisar ao pessoal.
Estava disposta a dormir em sua casa ou voltar a vê-lo? Não. Mas se limitou a
165
assentir e a despedir-se da família com a que passou a semana.
Montou no mesmo cavalo que sua tia até a casa dos Kinkaid, que estava no
outro extremo do povoado. Kathleen a deixou na costureira com o conselho de que lhe
pedisse que começasse a trabalhar em parte de seu encargo, e combinaram que se
reuniria depois com ela na loja do lado.
Encontrou a Kathleen em um dos bancos frente à loja lendo a carta do Albert.
Não a interrompeu, mas sim se limitou a sentar-se a seu lado e a sorrir às pessoas que
acontecia a saudava com o chapéu. Era um povoado muito amigável, com uma
população predominantemente masculina, onde todo mundo se conhecia, de modo que
se identificava com facilidade a qualquer forasteiro.
Embora não havia escassez de mulheres, as que viviam ali já estavam casadas
em sua maioria. O que poderia ser o motivo de que Marian tivesse recebido quatro
propostas de matrimônio durante sua breve estadia e de que outros nove homens se
apresentaram na casa do pastor com alguma outra desculpa para passar um pouco de
tempo com ela.
Encontrar marido em Trenton seria muito mais fácil do que acreditara. Mas na
atualidade não desejava começar a procurar. O que era culpa de Chad. Todas as
emoções que não deveria sentir então eram culpa dela. E não parecia poder sacudir-se
de cima a raiva, ou a decepção. Maldito seja.
Quando por fim voltou a olhar a sua tia, a encontrou com a cabeça apoiada na
parede e os olhos fechados. Não parecia cansada, mas bem, dava a impressão de não
querer enfrentar-se ao que acabava de ler.
- Aconteceu algo? - perguntou Marian , vacilante.
- Depende de como lhe olhe isso. De um ponto de vista texano, não. Aqui a
gente se as acerta bem sem muito dinheiro e, de todos os modos, ninguém espera que
uma mulher o tenha. Aqui os homens não se casam com uma mulher por sua fortuna.
- Há algum problema com a herança de meu pai, verdade? - Marian ficou
imóvel.
Kathleen suspirou e abriu os olhos. Olhou a Marian com uma careta.
- Poderia dizê-lo assim. Parece que morreu na ruína.
166
CAPÍTULO 45
Marian era agora quem tinha a cabeça arremesso para trás e os olhos fechados.
Fez-lhe um nó na boca do estômago ao passar tão depressa de ser uma rica herdeira a
ser pobre. Sem o menor aviso. E é que não houve nenhum. Seu pai atuou como de
costume antes de empreender a última viagem. Sem dúvida teria havido alguma sinal
se tivesse perdido toda sua riqueza.
- Não deixe que isso te deprima, ceu. Aqui as coisas são muito distintas. Os
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homens que queiram casar-se contigo, quererão a ti, não o dinheiro que poderia
contribuir ao matrimônio.
- Isso o entendo, tia Kathleen. O que não entendo é como meu pai pôde perder
todo seu dinheiro. Segundo seu testamento, era rico, possuía muitos negócios e mais
propriedades de exploração, muito mais do que Amanda e eu sabíamos sequer, e tinha,
além disso, uma importante conta bancária.
- Já sei, e todo isso era certo, sem dúvida, quando redigiu o testamento. Era
muito próspero nesse momento. Mas, ao que parece, o último par de anos contraiu
muitas obrigações financeiras. Muitas melhoras de suas propriedades sem esperar às
amortizar. Muitas compras com as que estava seguro de obter benefícios ao as vender,
mas que não vendeu. Parece que tinha um período previsto de expansão, mas não o
estendeu com o passar do tempo suficiente. Começou a vender com grandes perdas só
para cobrir custos e, quando ainda não conseguia recuperar normalmente seus
investimentos, começou, além disso, a solicitar empréstimos.
- Mas nunca nos disse isso.
- Claro que não. Ainda devia acreditar que poderia recuperar-se, e pode que fora
por essa razão que não atualizou nunca seu testamento para refletir todas estas
mudanças. A última viagem de negócios que fez foi precisamente para pedir mais
dinheiro emprestado.
- Então ainda pode salvar-se seu patrimônio? - perguntou Marian esperançosa.
- Por desgraça, não. - Kathleen suspirou. - Não fica nada que salvar. Quando
morreu, teve que vender tudo para liquidar as dívidas.
Marian ainda não conseguiu digerir a notícia. Era uma surpresa muito grande.
Nas semanas anteriores a sua morte, seu pai se ocupou de suas coisas como de
costume, sem parecer preocupado, descontente ou zangado porque as coisas não
fossem bem.
Recordou uma ampliação, quando construiu uma nova sapataria, e ela e
Amanda foram na inauguração. Passou-se semanas alardeando de que o negócio
estava no auge. Não recordava que tivesse mencionado nenhuma outra melhora.
- Não teria tido Albert Bridges algum pressentimento a respeito? - perguntou
Marian. Por que não nos advertiu?
- Oh, ele sabia - disse Kathleen, indignada. - O muito bastardo não teve guelra
para lhes dizer isso antes de que lhes partissem do Haverhill. Bom, menciona não
querer lutar com o histerismo de Amanda, o que suponho que é compreensível. Está
tudo na carta, ceu. Esperava que estivessem bem instaladas aqui, comigo, antes de ter
que lhes dar a notícia.
- E o dinheiro que nos deu para a viagem?
- Era dele. Um pequeno sacrifício em troca de sua covardia. São palavras dele.
Adiante, leia.
Marian o fez. A carta não era em realidade muito longa. A grossura se devia à
contabilidade que se incluída de todas as propriedades que se venderam, de todas as
dívidas que se saldaram. Sua casa foi o último em ficar à venda, leiloada a um preço
ridiculamente baixo para satisfazer aos últimos credores que ficavam.
168
- Terei que cancelar o encargo que acabo de fazer à costureira - admitiu Marian.
- Não diga tolices - replicou Kathleen, que pôs os olhos em branco. - Não nos
vamos arruinar por uns quantos vestidos. E Chad deu um giro a minhas finanças com a
ajuda que me emprestou. Além disso, conseguiu-me muitos contratos pequenos de
venda de gado em condados próximos que não exigirão traslados importantes de
cabeças de gado. Do ponto de vista econômico, estou como antes de que Frank morre-
se, e logo a situação será ainda melhor graças ao Chad. Marian não
comentou nada a respeito, já que não gostava de ouvir mais quão bom era Chad
Kinkaid. Já sabia quão maravilhoso era. Se não, suas emoções não se teriam
complicado tanto. Mas não queria ouvi-lo.
- E não é que careça de dinheiro para gastos pessoais - prosseguiu Kathleen,
pragmática. - Ou inclusive de um meio para ganhar dinheiro, em realidade.
- Quer dizer me pôr a trabalhar? Sim, suponho que poderia, embora teria que
ficar em...
- Não, não. - Kathleen riu. - Refiro a que pode vender alguns de seus quadros, se
o desejar. Acredite ou não, este povoado deseja coisas assim. Os poucos que Orvil, o
proprietário da loja, consegue transportar até aqui estão virtualmente vendidos antes
que os descarreguem. Por isso tem materiais de pintura. Espera que alguém do
povoado se interesse por esta afeição e produza algo que possa vender-se.
- Por isso esteve tão contente de me ensinar onde guardava os materiais? -
Marian sorriu.
- Sem dúvida. Sente-se melhor agora?
De fato, sim. Não é que contasse com sua herança para nada em particular. Só
que estava acostumada a estar rodeada de riqueza e não esperou nunca ficar sem ela.
Teria que começar a pensar que não podia permitir-se tudo o que pudesse necessitar,
mas iria enfrentando-se a isso à medida que ocorresse.
- Adaptar-me-ei - afirmou. - Mas duvido que Amanda possa.
Kathleen gemeu ao recordar a sua sobrinha, já que não tinha cansado na conta.
- Não, concedeu muita importância a sua herança - coincidiu. - Embora só Deus
saiba por que.
- Porque contava com que lhe serviria para comprar um marido que a tratasse
como fazia papai.
- Refere-te a lhe deixar fazer o que lhe pareça?
- Sim.
- Mas já está casada - disse Kathleen, pois lhe pareceu prudente remarcá-lo.
- Não, se ela não se considera casada - replicou Marian. - Pelo que sabemos, já
poderia estar pensando em divorciar-se.
- Não a viu desde essa noite no jantar? - perguntou Kathleen.
- Não, procurei evitá-la.
- Mas Spencer teria que aceitar o divórcio. - Kathleen franzia o cenho.
- Amanda saberá obter que não pense em outra coisa, me acredite. Mas isso é o
que podia ter planejado. Agora o terá que replanejar. Não gostará. Não gostará não ter
outras opções, ter que arrumar-lhe com o que já tem.
169
- Bom, pelo menos já está casada, e Spencer não é o que se diz pobre.
Tampouco é o que se diz pouco bonito. Está em melhor situação do que crê.
- Ela não opinará assim - advertiu Marian.
- Sei - gemeu de novo Kathleen. - Me parece que encarregarei que lhe
entreguem a carta depois de que você e eu nos tenhamos ido do povoado amanhã. Não
temos por que presenciar seu histerismo quando se inteirar.
CAPÍTULO 46
Kathleen só estava brincando quando disse que entregaria a carta do Albert
Bridges a Amanda depois de que Marian e ela se foram do povoado. Sua tia não era
tão covarde como resultou ser Albert. Enviou um convite aos recém-casados para que
jantassem com eles na casa de Chad essa noite. Mas, curiosamente, ambos recusaram.
Não tão curiosamente, em realidade. A noite do sábado era a melhor de todas
para a cantina Not Fere. E o certo era que Amanda começava a ser a atração principal
do local, embora não quanto à diversão. Bom, isso dependia de como se visse. Pelo
mero feito de ter a língua mordaz e venenosa foi responsável por que toda a semana
tivesse havido clientela superior a habitual. E só por fazer o que lhe dava melhor:
insultar aos admiradores que não lhe interessavam.
Por assombroso que parecesse, os texanos encontravam seus insultos divertidos.
Não importava que soubessem que era uma mulher casada, os homens seguiam
rodeando-a, paquerando com ela, fazendo o impossível por captar sua atenção,
escutando todas suas palavras. E ninguém se ofendia quando feria algum vaqueiro no
mais vivo. A gente se partia de risada, inclusive os homens insultados consideravam
uma adulação que se fixou neles.
Amanda se adaptou de forma maravilhosa a esta vida noturna. E, ao dizer de
todos, passava muito bem sendo a rainha do local. Spencer o considerava um grande
benefício para o negócio, de modo que não se queixava.
Marian se maravilhou por ouvir tudo isto essa noite, durante o jantar. Kathleen
foi de visita essa tarde para inteirar-se dos últimos falatórios, assim não lhe
surpreendeu que tivessem que jantar sozinhos.
- Não é a classe de vida que tivesse desejado para uma de minhas sobrinhas,
mas no caso da Amanda, parece ser a classe de ambiente no que pode desembrulhar-se
melhor.
170
- Sim, mas me pergunto se já se precaveu disso ou se segue dedicando suas
energias a voltar para «casa» - respondeu Marian.
Chad não tinha falado muito ainda. Nem sequer tinha arqueado uma sobrancelha
com a notícia da herança perdida. Claro que sua herança não tinha nada que ver com
ele, agora que Amanda não podia ser dele. Embora seja provável que o dinheiro não
lhe tivesse interessado nunca, já que ele era o herdeiro do rancho mais importante da
zona.
Essa noite parecia distraído. Teria ainda o coração quebrado? Pode. Não ia
mostrar-lhe compaixão. Ele tampouco a estava mostrando por sua recente perda.
- Irei à cantina pela manhã, ao sair da igreja, antes de partir - indicou Kathleen.
- Ainda estarão dormindo - comentou Chad.
- Pois terão que despertar - respondeu Kathleen. - Detesto dar más notícias, mas
neste caso não tenho muita escolha.
- Quer que me eu encarregue? - sugeriu Chad.
«Sim, claro, não desperdiçará a oportunidade de voltar a ver a Amanda», pensou
Marian, indignada. Kathleen considerou inclusive a oferta, mas sacudiu a cabeça.
- Não, é minha responsabilidade. - E, logo, sorriu. - Irei com o tempo justo para
dizer o que terá que dizer se não quiser sair depois do anoitecer. Deste modo me
evitarei boa parte da manha de criança.
O certo é que não houve manha de criança. A princípio, Amanda tomou a
notícia por brincadeira. De acordo, logo que estava acordada quando a ouviu. Mas
quando Kathleen assegurou que era verdade, ficou tão emocionada que não disse nada
mais.
Marian tinha dúvidas a respeito da comoção de sua irmã, já que era típico que
Amanda fizesse caso omisso das coisas que não gostava. Era muito mais provável que
se negasse a acreditar que tinha perdido sua herança.
Kathleen deixou a carta ao Spencer. Ele se encarregaria de que sua esposa
entendesse suas consequências, se queria tomar a moléstia.
Mas deve ter-se explicar a situação a Amanda, porque a levou ao Twisting Barb
ao dia seguinte. E a palavra «manha de criança» não serviria para descrever a «viva»
reação da Amanda.
Stuart e Chad também estavam no rancho. Stuart se levava muito melhor com
Red depois do churrasco e foi essa tarde para lhe dizer que em uns dias iria viajar a
Chicago. De fato, foi jantar, já que podia ter enviado a uns de seus homens com a
mensagem. Embora já não conduzia o gado até Chicago, deslocava-se fazendo isso
uma vez ao ano para tratar com atenção os compradores. Marian supôs que Chad teria
querido acompanhá-lo para dar uma volta.
Estavam todos no alpendre desfrutando do ocaso quando Amanda e Spencer
chegaram. E, antes de ter baixado sequer do toda da carruagem com a carta do Albert
apertada na mão, Amanda chiava a Kathleen:
- É uma fileira de mentiras!
Marian não pôde evitar suspirar. Perguntou-se se alguém se daria conta se
partia sem que a vissem, jantava logo e ia se dormir. Não gostava de nada ter que
171
escutar a incredulidade irada de sua irmã. Claro que certamente teria que fechar todas
as janelas de seu quarto para não ouvi-la. Amanda podia armar muito escândalo.
- Sente-se Amanda - disse Kathleen, que tentou assim injetar um pingo de
calma. - Compreendemos sua incredulidade. Também me pareceu incrível que
Mortimer pudesse tomar tantas más decisões uma atrás de outra.
- Então não teria que ter aceitado estas tolices sem...
- Provas? - interrompeu-a Kathleen, que ainda tratava de conseguir a calma. - As
tem na mão. incluía-se uma contabilidade detalhada, ou não a leu?
- Refere a estas contas falsificadas? - soprou Amanda. - Não me está escutando,
tia Kathleen. Não estou aqui porque me negue a acreditar o que esta carta dá a
entender. Estou aqui porque sei que não é certo. Meu Deus, acredita que papai não
falava alguma vez comigo? Era para mim a quem contava todos seus êxitos, tanto se
queria ouvi-los como se não.
- Pode; mas te falou alguma vez de seus fracassos? - respondeu Kathleen. - Ou
os calava, muito envergonhado para que ninguém soubesse deles?
- Segue sem me escutar - insistiu Amanda. - Seus negócios estavam no auge.
Eram rentáveis. Não havia custos ocultos que fossem minando o patrimônio.
- Muitas melhoras podem endividar a qualquer. Fez muito em pouco tempo.
- Não é verdade! - exclamou Amanda. - Aí é onde está seu engano. De havê-lo
conhecido como cria, saberia que estava muito contente com seus benefícios para
desperdiçá-los em melhorar as condições de trabalho de seus empregados. Mas por
volta de anos que não o via, claro. Como poderia sabê-lo? - concluiu Amanda com
desdém.
- Referia aos dados contribuídos - respondeu Kathleen com rigidez.
- Eu te estou proporcionando os dados. Se os seus empregados não gostavam de
onde trabalhavam, podiam ir-se trabalhar a outra parte. O ouvi dizer centenas de
vezes. Até Marian o ouviu dizer. E, por que não, quando havia gente fazendo fila para
trabalhar para ele porque pagava muito bem, não porque proporcionasse umas
condições de trabalho ideais. Nos últimos anos, só abriu uma sapataria nova, e isso foi
só porque ao outro lado da cidade se instalou um novo sapateiro e papai não ia deixar
que lhe roubasse nenhum de seus clientes de toda a vida. Além disso, até essa loja era
próspera.
Kathleen deve ter por fim certas dúvidas, porque se voltou para Marian para
obter sua confirmação. Marian detestava estar de acordo com sua irmã em algo, mas
neste caso se viu obrigada a assentir.
- É certo que o havia dito muitas vezes - comentou. - Pagava muito bem a seus
empregados e, por isso, não lhe importava se se queixavam de que suas lojas fossem
velhas e tivessem correntes de ar. Sua filosofia era que a gente sempre precisaria
comprar sapatos, independentemente de aonde tivesse que ir comprá-los. Tampouco
recordo que melhora nenhuma de suas sapatarias, embora não o teria notado porque
não estava acostumada a ir a essa parte.
- Eu sim - acrescentou Amanda. - E estavam igual a sempre.
- Houve também compras de propriedades que não deram os resultados
172
esperados - indicou Kathleen. - E pediu muitos empréstimos para compensá-lo.
- Por que teria que pedir dinheiro emprestado? Tinha mais de setecentos mil
dólares no banco. Mas se refere às propriedades relacionadas nesta contabilidade,
resulta que conheço pelo menos uma, o hotel Owl Roost, que papai nunca comprou. -
Amanda tinha levantado a carta que sustentava na mão para dar ênfase a suas palavras.
– Ia fazê-lo. E Albert o teria sabido. Depois de tudo, era seu advogado. Mas alguém
fez uma oferta superior e papai não estava disposto a aumentar a sua. Era em uma
cidade que não recebia muitos visitantes, e embora fosse um bom negócio ao preço
inicial, não o era ao posterior. Papai não comprava propriedades para especular...
- Tem razão - a interrompeu Marian com um grito afogado ao recordá-lo. -
Agora recordo o incidente. Papai riu sobre isso durante o jantar. Disse que alguém
queria montar-se em seu carro para o êxito, mas que só se estava suicidando porque
pagava muito em lugar de encontrar bons negócios. Ao que parece, não era a primeira
vez que um comprador anônimo tratava de conseguir uma das propriedades nas que
ele estava interessado. Uns meses depois se felicitava porque o comprador tolo seguia
com o mesmo, e papai tinha começado a mostrar interesse em propriedades que sabia
não eram um bom negócio, só para contribuir a que essa pessoa se cavasse sua própria
tumba. Papai podia ser assim de vingativo, sempre que não tivesse que arranhar o
bolso.
Kathleen a olhava incrédula. Marian tampouco dava crédito à medida que caía
na conta de todas as implicações. Amanda lhes lançou um olhar triunfante. Mas, é
obvio, isso não lhe bastava.
- Havia-lhes isso dito - teve que acrescentar.
173
CAPÍTULO 47
Essa noite, durante o jantar, todo mundo fez muitas sugestões; todo mundo que
não estava diretamente afetado. Inclusive Stuart participou da discussão e lhe ouviu
comentar em um à parte a seu filho que não se divertiu tanto há muitos anos.
O magnata do gado era partidário de reunir uma partida e linchar ao descarado
do advogado, como chamava já ao Albert Bridges. É obvio, como Albert vivia neste
costa, estava um pouco longe para uma partida. E, além disso, embora já não tinham
nenhuma dúvida de que Albert tinha roubado a herança às garotas, teria que
demonstrá-lo ante as autoridades antes de poder fazer algo a respeito.
A contabilidade falsificada não bastaria. Albert poderia alegar que não a enviou,
nem tampouco a carta. E as propriedades poderiam não haver-se vendido sequer.
Poderia estar aguardando até receber um bom preço por elas.
Era evidente que esperava que a carta resolvesse o assunto. Antes, assegurou-se
de que as garotas estivessem longe de casa, com a desculpa de que não teve valor para
dizer-lhe em pessoa. E imaginaria que se ambas pensavam que careciam de recursos,
não retornariam ao Haverhill a descobrir o que tinha feito.
Ou poderia haver vendido tudo e fugido com o dinheiro. Talvez estivesse já fora
do país.
E isso era o essencial: não saberiam se não contratavam detetives ou
investigavam por sua conta. Amanda, claro, não ia deixar sua herança em mãos de
detetives.
- Quando podemos sair? - perguntou a sua tia.
- Como? - disse Kathleen. - Não deveria lhe perguntar isso a seu marido?
- Ele não irá. - Amanda fez um gesto de desdém. - Não lhe interessa me ajudar.
Vários pares de olhos se dirigiram para o Spencer, mas ele se limitou a encolher
os ombros com indiferença e a dizer:
- Não deixou de lhe indicar que já não necessita esse dinheiro. Mas acredita que
lhe dará os meios para livrar-se de mim.
Amanda ficou vermelha. A Marian isso lhe pareceu mais interessante que a
falta de vontade do Spencer de viajar ao Leste. Não queria Amanda que todos
soubessem que seguia desejando acabar com seu matrimônio? Não parecia algo que
fora a provocar que Amanda se ruborizasse, a não ser que não fora realmente certo. Se
o fosse, não lhe importaria quem soubesse. Mas se era algo que só havia dito ao
174
Spencer sem falar a sério, não teria querido que o tirasse a luz.
Amanda dizia muitas coisas sem falar a sério. Era uma de suas formas de
manipular às pessoas.
Podia haver várias razões pelas que quisesse que Spencer acreditasse que não
estava contente com seu matrimônio. A evidente era que não o estivesse. A menos
evidente poderia ser que ele não dava sinais de que gostasse. Também poderia estar
tratando de lhe obrigar a fazer uma firme declaração de seus sentimentos. Sua aparente
indiferença para ela devia incomodar muitíssimo a Amanda.
Surpreendentemente foi Stuart quem falou.
- Tanto se necessitar a herança como se não, não se deveria permitir que esse
advogado saia ileso do roubo - lhes recordou. - É o mesmo que entregar as rédeas a
um ladrão de cavalos lhe dizendo: «Eu não gostava desse cavalo, assim que pode ficar
com isso».
- Estou de acordo com isso - interveio Kathleen a seguir. - Não é tanto o
dinheiro comprometido como a audácia deste advogadozinho. Quis-me enganar e
tenho que admitir que o obteve. Pode que pensasse que as garotas não entenderiam a
contabilidade que mandou porque são jovens. Preparou-o tudo para mim, para que me
tragasse isso. E me enfurece pensar que lhe saiu tão bem. Não duvidei absolutamente.
- Não é tua culpa, Red - resmungou Stuart. - Tudo parecia legal, e não viu seu
irmão em anos, de modo que não podia te dar conta de nada.
- Virá conosco, tia Kathleen? - voltou a perguntar Amanda.
- Oh, sim, não perderia isso.
- Mas e suas responsabilidades aqui? - perguntou Marian, que não queria que
sua tia sofresse outro contratempo por sua culpa.
- Lonny pode levar o rancho por meu uns meses, graças ao Chad - respondeu
Kathleen e, depois se dirigiu a ele com um sorriso. - Não, não te ia pedir que voltasse a
assumir a direção do rancho até minha volta.
- Até posso pagar a viagem - acrescentou Amanda, de modo que todos os olhos
se voltaram para ela. - Bom, não me olhem assim. Recuperei minha herança.
- Acreditava que tinha perdido todo o dinheiro para a viagem no ataque ao trem
quando vinham - comentou Stuart, que acrescentou rendo: - As linhas de diligências
não vendem bilhetes em troca de promessas, querem efetivo e adiantado.
- Já sei - replicou Amanda. - Me devolveram todo o dinheiro quando esse tal
Leroy entregou aos assaltantes. Ainda não se gastaram nada da bota de cano longo.
Estiveram-se escondendo, conforme disse o xerife, e Leroy levou o dinheiro com os
ladrões em lugar de ficar com ele.
- Pode ser que Leroy seja um velho miserável, mas é honrado - interveio Stuart.
- Deram-lhe uma boa recompensa por seus esforços, e me devolveram o
dinheiro - prosseguiu Amanda. - Tudo graças a um dos ridículos quadros de minha
irmã. Bom, este não era tão ridículo, de fato.
Todos se voltaram para olhar a Marian, o que provocou que se ruborizasse.
- Foi idéia de tia Kathleen - explicou.
- É muito boa - assentiu esta com um sorriso. - Mas é que Marian tem um
175
talento assombroso para a pintura, e o faz de cor. É extraordinário.
O rubor de Marian se intensificou, em especial quando Chad tomou a palavra.
- Tem algo à mão que possamos ver? - perguntou-lhe.
- Não - balbuciou, o que provocou que Chad franzisse o cenho.
Mas Amanda tinha perdido a seu público e o queria recuperar.
- Ficamos assim, então? - disse a Kathleen. – Acompanhara-nos para que não
necessite que venha meu marido?
- Sim - assentiu Kathleen, que tinha tossido para ouvir o comentário destinado
ao Spencer. - Farei as malas esta noite. Podemos voltar para povoado com vocês
amanhã pela manhã.
Ao que parece, Spencer não ia passar por cima o comentário, e decidiu mostrar
seu mau gênio.
- Acredito que necessita minha permissão para ir a alguma parte, esposa minha -
indicou.
- E uma... ! - começou a grunhir Amanda.
- Vamos, vamos - interveio Stuart para impedir a crítica. - Em toda esta
confusão seguem havendo coisas que eu não gosto depois de tudo o que se há dito.
- Como o que? - quis saber Kathleen.
- Este plano é muito atrevido para que o leve a cabo um advogado.
- Ou desesperado - sugeriu Chad.
- Isso é o que estava pensando - coincidiu Stuart. - Me pergunto se não seria
Bridges o comprador anônimo que seu pai não deixava de encontrar-se. Se era ele, e
teria informação de primeira mão sobre as propriedades que interessavam a seu pai,
poderia ter acabado arruinado devido a seu plano para enriquecer-se depressa. Isso me
leva a lhes perguntar uma coisa: Foi oportuna a morte de seu pai para ele? Como
morreu?
Estava olhando a Marian , de quem esperava uma resposta. A moça se temeu
que sabia onde queria chegar.
- Caiu de um trem de volta a casa - explicou.
- Caiu? Ou acaso o empurraram...
Spencer perdeu sua indiferença quando Amanda empalideceu para ouvir essa
especulação.
- Muito bem, Mandy - disse em seguida. - Saímos amanhã.
- Esperem um momento - interveio Stuart detrás ter obtido a reação que tinha
procurado. - A diligência não sai até dentro de um par de dias, a não ser que decidam
ir em carruagem, assim poderiam viajar todos comigo. Tenho um vagão de trem
particular em Kansas para minhas viagens ao norte. A não ser que pensem que ir de
navio seria mais rápido.
- As viagens em navio me fazem mal - respondeu Spencer. - Como descobri
com amargura quando meu pai me enviou ao Leste. Assim aceitamos encantados sua
oferta.
Decidiu-se assim de rápido que viajariam todos juntos ao Haverhill. Bom,
certamente Stuart só chegaria até Chicago. E Chad não ia. Não tinha nenhum motivo,
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nenhum absolutamente.
Marian já notava sua ausência.
CAPÍTULO 48
177
Apenas tinha amanhecido quando partiram na manhã seguinte. A bagagem lhes
seguiria na estrada. As duas irmãs e sua donzela viajavam com o Spencer em sua
carruagem. Kathleen preferiu cavalgar a seu lado, apesar de que havia lugar para ela
no veículo.
Marian se sentia algo triste por abandonar Twisting Barb. Não estava segura de
voltar a ver o rancho. Sua tia seguia sendo sua tutora. Esperava retornar com ela
depois de ter recuperado sua herança, se conseguiam recuperá-la. Mas agora voltava
para Leste, ao Haverhill para ser exatos, e quem sabia o que podia passar, quando já
não se escondia depois de uns óculos desnecessários nem tentava afastar aos homens
com insultos inventados.
Stuart lhes ofereceu sua casa no povoado enquanto esperavam a diligência,
embora ele não se reuniu por ali com eles. Essa manhã cavalgou de volta a seu rancho
para fazer as malas, e Chad se foi com ele. Passariam meses antes que Marian
voltasse a ver o Chad, se o voltava a ver. E nem sequer se despediu dela.
Chad falou com a Kathleen. Inclusive falou com o Spencer, que lhe caía mal.
Mas, embora Marian estivesse no estábulo observando como carregavam a bagagem
na carreta enquanto ele selava o cavalo, não lhe disse nenhuma palavra, nem sequer a
olhou.
Isso a enfureceu. Era como se não suportasse olhá-la agora que era idêntica a
Amanda. Sem dúvida, recordava-lhe muito o que perdera. E não podia negar que
esperou que mostrasse pelo menos um pouco de interesse por ela, embora só fora para
medir o terreno, por assim dizê-lo. Esteve esperando uma oportunidade para tirar-lhe
de cima com um «não, obrigado, teve sua oportunidade e escolheu à irmã
equivocada».
Era injusto. No fundo, sabia. Depois de tudo, tinha procurado parecer o mais
feia possível, de modo que era natural que tivesse preferido a Amanda. Esse foi o
motivo de seu disfarce. Mas escolheu a Amanda apesar de que esta lhe tinha mostrado
sua pior cara. Isso era o que Marian não conseguia esquecer nem perdoar, que os
homens, incluído Chad, não vissem nada mais ao ter diante uma cara bonita.
Entretanto, Chad não ia lhe dar a ocasião de lhe recriminar todo isso para livrar
da dor, de modo que possivelmente, só possivelmente, pudesse deixar de sentir tanto
pesar. E esse pesar era outra coisa que a enfurecia. Não deveria sentir nenhum se já
não o queria, deveria sentir-se aliviada de ter saído ileso de seu roce com a tentação.
A costureira do Trenton trabalhou dia e noite a fim de terminar os dois vestidos
que Marian lhe tinha encarregado para antes de ir do povoado. Embora não pensava
que lhe servissem de muito durante a viagem, quando terei que levar roupa mais
resistente, pelo suor e o pó que comportava cruzar o país. Não achava graça em ir de
novo em uma carruagem por caminhos cheios de buracos, mas sua única viagem em
trem lhe tinha resultado emocionante e brindado vistas interessantes, assim que o para
ilusão repetir essa experiência.
A manhã em que foram partir, Chad apareceu com o Stuart, provavelmente para
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despedir-se dele. Mas sua presença, quando acreditou que não o voltaria a ver, aturdiu-
a tanto que se movia com a mesma estupidez que antes aparentava ter. Lhe caiu a
pequena bolsa que continha suas mudas para a viagem e, continuando, tropeçou com
ela. Quando se recuperou disso, voltou-se e se chocou com o homem que carregava os
baús maiores no alto da diligência, o que provocou que lhe escorregasse uns das
mãos. Caiu ao chão se abriu e a metade de seu conteúdo se esparramou.
Resultou que o baú era uns dos seus, e soltou um grito afogado ao ver como
seus tecidos enrolados rodavam para o centro da rua. Saiu correndo atrás deles, e
quase a atropelou um vaqueiro que passava rapidamente.
- Possivelmente não deveria te haver desprendido dos óculos - grunhiu Chad,
que a tinha sujeito para evitar o acidente.
Teria se posto vermelha se não tivesse tido que ver como ele recolhia os tecidos.
Conteve o fôlego e rezou para que as cintas que sujeitavam as pinturas enroladas não
se rompessem. E Deus quisesse que não lhe perguntasse o que eram...
- O que são? - perguntou-lhe.
Agarrou-os sem responder e voltou a colocá-los no baú. O homem ao que a
tinha cansado se estava desculpando, assim dedicou um instante a lhe assegurar que
não tinha passado nada, e reuniu depois o resto das coisas pulverizadas pelo chão.
Chad tentou ajudá-la. Deu-lhe palmadas nas mãos para impedi-lo e o fulminou com o
olhar quando insistiu. Finalmente, Chad soltou uma gargalhada e voltou para seu
cavalo.
Marian começou a respirar tranquila de novo, até que Chad voltou com uma
bolsa dela e a lançou ao homem que dispunha a bagagem no alto do carro. Ficou
olhando, boquiaberta pela conclusão que se via obrigada a tirar.
- Onde acredita que vai? - perguntou-lhe.
- Agora que Red já não me necessita no rancho, dedico a minhas coisas como
antes - lhe explicou Chad.
- Está-me dizendo que ir a Chicago com seu pai é normal para você?
- É claro que sim.
- Oh - exclamou Marian.
Tentou que seu tom não refletisse sua decepção, mas pôde ouvi-la de todos os
modos. Ele não. Voltou-se a partir para ajudar a descarregar o resto de sua bagagem da
estrada e levá-lo a carro. E Marian se censurou a si mesmo por ter pensado, nem
sequer um momento, que queria acompanhá-los para lhes ajudar ou, o que era ainda
menos provável, que não suportava estar longe dela.
Como podia ser tão vaidosa? Se não suportava estar longe de alguém, era da
Amanda.
Supunha que esperava que Amanda obtivesse o divórcio assim que recuperasse
sua herança. Depois de tudo, Amanda não dava amostras de ser feliz com o Spencer, e
vice-versa em realidade. Chad podia pensar que ainda tinha uma possibilidade com ela
e, nesse caso, não quereria deixar que se afastasse muito dele. Razões excelentes,
todas elas, para enterrar a decepção que pudesse haver sentido.
A pequena diligência que passava com regularidade pelo povoado não teria
179
podido conter toda sua bagagem, e teria suposto, para sete pessoas, viajar muito
apertadas. Mas, ao que parece, Stuart só viajava com comodidade, de modo que uma
vez ao ano, uma diligência Concord com seu próprio condutor chegava à cidade com
motivo de sua viagem anual a Chicago para transportá-lo até as linhas de ferrovia do
norte. Era um acordo fixo que tinha com essa companhia. E, é obvio, em uma Concord
cabiam sem estreitezas oito pessoas.
Stuart viajava, do mesmo modo, com seu séquito de pistoleiros a salário, e esta
vez não era a exceção, embora não ocupavam nenhum dos assentos do carro. Dois
viajavam como guardiães armados com o condutor, e os outros quatro flanqueavam o
carro a cada lado enquanto saíam do povoado a primeira hora da manhã.
Marian pensou com tristeza, sentada frente a Chad no carro, que ia ser uma
viagem comprida. Estava segura de que ia dar torcicolo de tentar evitar olhá-lo, se não
se passava a maioria do dia com os olhos fechados. Supunha que podia dizer que
estava cansada, e a próxima vez que subissem ao carro, assegurar-se de estar sentada
no mesmo lado que ele. Mas não junto a ele. Isso tampouco seria bom. De fato, seria
pior.
Certamente, ia ser uma viagem espantosamente longa.
CAPÍTULO 49
Por estranho que pudesse parecer, nessa ocasião Amanda não se queixou sobre
nenhum aspecto da viagem. É obvio, essa viagem era por seu bem, e isso trocava as
coisas. Além disso, todos os que foram estavam ali para ajudá-la. Pelo menos, ela o
veria assim. Em qualquer caso a falta de queixa fez a viagem bastante suportável,
inclusive agradável, para todos outros.
Exceto para Marian. Ter que compartilhar um espaço tão reduzido com o Chad
não lhe resultava nada agradável. Na realidade, passou a maior parte da viagem
bastante abatida, descontente, e com muitas outras emoções desagradáveis que a
chateavam. Cada vez que o olhava, ele estava olhando a Amanda. Cada conversação
que Amanda começava, ele a seguia.
Todos outros o passavam bem com sua nova aventura. Marian, não. Se se
parecesse algo a sua irmã, teria tido muitas coisas das que queixar-se. Mas era muito
distinta, assim não disse nada sobre sua infelicidade. Na realidade, guardava silêncio
durante quase todo o tempo, a tal ponto que Chad o comentou quando se encontraram
um momento a sós no corredor de um dos hotéis onde se hospedaram.
- Se preocupa não chegar a tempo de recuperar nada de sua herança?
180
- Por que ia estar mais preocupada que Amanda? - replicou Marian.
- Parece-o - respondeu Chad encolhendo-se de ombros. - Não te viu nunca tão
calada durante tanto momento. Hoje cedo não disse uma palavra.
Estranhava seu silêncio? Quando ele se riu a vez que Amanda tentou ser
graciosa essa manhã? Quando não foi nada graciosa? Quando os únicos que teriam
acreditado que o foi eram os homens que a adoravam?
Tinha sofrido todo o dia pela reação do Chad para com a Amanda, mais
convencida que nunca de que seguia esperando sair vencedor ao final no que a
Amanda se referia. Spencer tampouco acreditou que sua esposa tivesse sido graciosa.
Claro que seu comentário malicioso foi a costa dela, de modo que era normal que não
acreditasse.
Esses dois não se levavam bem. Estava muito claro para qualquer que prestasse
atenção, e Chad a estaria prestando. Mas o mais curioso era que Amanda se mostrava
incrivelmente comedida com alguém por quem sentia antipatia.
Os sarcasmos que lançava a seu marido eram bastante suaves para ela,
destinadas a captar a atenção dele mais que a feri-lo. Era quase como se em realidade
não lhe tivesse aversão, ou como se ele a tivesse dominada com algo para impedir que
se mostrasse muito agressiva.
Quanto ao comentário do Chad, e dado que este lhe obstaculizava o passo
enquanto esperava uma resposta, se viu obrigada a dizer algo.
- Tenho muitas coisas na cabeça além de que alguém me roubasse minha
herança - afirmou com bastante rigidez. - Quatro propostas de matrimônio exigem
muita reflexão.
- O que? - exclamou Chad.
- Já me ouviu. E disse a todos que me pensaria isso, e isso é o que estou
fazendo, pensando nisso.
- Quem te importunou nesta viagem? - perguntou ele.
- Ninguém - respondeu Marian .
- Quem te pediu então que te case com ele?
- Oh, não são propostas recentes, a não ser anteriores a nossa marcha do
Trenton.
- De quem? - insistiu Chad.
- O certo é que não recordo a maioria dos nomes - se viu obrigada a admitir
com o cenho franzido. - Bom, além do doutor Willaby.
- Poderia ser seu pai - disse Chad com um bufido.
- Mas é muito agradável - assegurou Marian, ao tempo que encolhia os ombros.
- Está-me tirando o sarro, Mari? - quis saber Chad, que a olhava com os olhos
entreabertos.
- Não, jamais me ocorreria - replicou Marian. - E, além disso, como nada disto é
teu assunto, não deveria me perguntar. E se as respostas lhe incomodam, pode que seja
melhor que a próxima vez não me pergunte nada.
- Não me incomodam - exclamou com brutalidade.
- Tem razão, perdoa. Não me parece nada molesto - soltou Marian com idêntica
181
brutalidade, e o empurrou para passar.
Não voltou a lhe dirigir a palavra esse dia, nem o seguinte. De fato, se não podia
lhe dizer nada sem ser brusca - e se censurou muito por isso, - o melhor era que tivesse
a boca fechada. Ele devia pensar o mesmo porque se dedicou a ignorá-la de novo.
A parte mais longa e tediosa da viagem terminou quando chegaram à ferrovia
que conectava com a metade oriental do país. O trajeto tinha transcorrido sem
incidentes destacáveis, sem nenhum intento de roubo com uma escolta tão bem
armada, nem tiroteios ou brigas que presenciar nos povos pelos que tinham passado.
Uma manhã que Marian se levantou antes do normal, tinha pilhado a sua tia
saindo do quarto do Stuart. Supunha que isso poderia considerar um incidente bastante
interessante, embora só ela soubesse. E é havia sentido muito mais violenta que
Kathleen.
Sua tia se limitou a lhe sorrir enquanto lhe dizia:
- Pediu-me que me case com ele.
- Não é bastante repentino? - perguntou Marian.
- Na realidade, não. Nós... poderia dizer-se que compartilhamos a cama na noite
do churrasco. Eu estava muito preocupada com você, apesar de que Chad havia saída
para te buscar. E Stuart estava decidido a me distrair. Essa foi a razão de que viesse o
outro dia para jantar, não só para me dizer que se ia um tempo a Chicago, mas também
para me indicar que quando voltasse me cortejaria como é devido.
- Casar-se-á com ele?
- Oh, sim. Estive apaixonada por esse homem desde dia que o conheci, só que
nunca me ocorreu fazer outra coisa que me calar isso Inclusive depois de que Frank
morrera, jamais me passou pela cabeça que chegaria o dia em que mostraria um pouco
de interesse por mim.
- Por que não? - perguntou Marian em defesa de sua tia. - É uma mulher
atrativa.
- Mas com um imóvel pequeno, enquanto que ele aspira a ser o rei do gado de
Tejas. Além disso, com sua riqueza, poderia ter a mulher que quisesse. Por que ia
querer, então, a uma que só pudesse contribuir umas quantas cabeças de gado ao
matrimônio?
Marian pôs os olhos em branco. Só um par de rancheiros poderiam pensar em
ganho em lugar de no amor.
- Pois se equivocou.
- Na realidade - respondeu Kathleen rindo, - Stuart diz que é o único modo que
lhe ocorreu para que minha cozinheira trabalhasse em sua casa.
Marian pestanejou, e notou que se indignava. Kathleen soltou uma gargalhada e
tampou a boca para reprimi-la. Como era tão cedo, não queria despertar a ninguém dos
quartos próximos.
Com outro sorriso, tomou a Marian do braço para acompanhar a de volta a seu
quarto.
- Disse-o em brincadeira - esclareceu em voz baixa.
- Está segura?
182
- Por completo. E não o conte a ninguém de momento, por favor. Stuart quer
casar-se muito bem quando voltarmos a casa. Convidará a todo o condado. Diz que vai
dar a melhor festa que se celebrou nunca. Mas, enquanto isso, nós gostaríamos de
manter nossa felicidade em segredo. Não seria apropriado, com todo o resto ainda por
resolver.
E Amanda se encarregaria de lhes aguar a festa, já que a felicidade não era dela.
Mas isso não era necessário dizê-lo, as duas sabiam.
Marian ainda estava assombrada. Não a viu vir. Mas é que esteve tão absorta
em sua tristeza que não se precaveu dos olhares íntimos que se dedicava o casal maior,
não se tinha precavido de nada absolutamente que indicasse que tinham entrevistas
secretas. Embora não podiam ficar muito frequentemente, quando a metade de hotéis
onde se alojavam não tinha quartos suficientes para todos, assim estranha vez um dos
dois conseguia uma habitação para ele sozinho.
Estava muito contente pela Kathleen, embora isso contribuía a seu próprio
dilema. Significava que teria que viver no rancho do Stuart com sua tia quando
retornassem a Tejas, pelo menos até que ela se casasse a sua vez. Mas isso significaria
voltar a estar sob o mesmo teto que Chad, e lhe resultava tão inaceitável que nem
sequer queria pensar nisso.
Aquilo a incentivava mais para encontrar marido antes de voltar para Tejas, o
que não era impossível. Depois de tudo, retornava a sua cidade natal, onde já conhecia
quase todo mundo de seu círculo social. E, embora deixara à maioria de boas partidas,
retornava como uma mulher nova. Bom, pelo menos, quanto a seu aspecto, assim
poderia começar desde zero.
Havia o problema da limitação de tempo. Possivelmente não estivessem no
Haverhill muitos dias, e sem dúvida não foram com a intenção de receber visitas. Mas
poderia superar esses inconvenientes se estava o bastante decidida, e o estava. Algo
seria preferível a ter que suportar a presença de Chad.
183
CAPÍTULO 50
O vagão de trem privado de Stuart era de uma elegância deliciosa inclusive para
ele. Fora o primeiro em afirmar que era exagerado. Mas não o usava o bastante
frequentemente para incomodar-se em redecorá-lo. Embora não havia camas nele para
todo o grupo, a zona do salão estava bem provida com poltronas muito amaciadas e
estofas de veludo, de modo que a quem terminou dormindo nelas não lhes importou. E
só tinham tido que fazê-lo uma noite, quando o trem se deteve em uma estação o
tempo justo para que os viajantes jantassem e seguiu depois toda a noite.
Havia um bar bem sortido, inclusive um piano.
- Estava incluído no vagão - explicou Stuart, e se encolheu ligeiramente de
ombros. - Não me decidi a me liberar dele.
Red sabia tocá-lo, e lhes entreteve umas quantas vezes. Ao Chad gostava de
muito mais isso que jogar pôquer com seu pai e seus homens, porque não conseguia
concentrar o tempo suficiente para que não lhe depenassem. E não tinha nenhuma
desculpa para estar tão preocupado, pelo menos nenhuma que estivesse disposto a
comentar.
De fato, seu pai parecia estar na mesma situação, a de não poder concentrar-se
durante muito momento. Chad tinha suspeitado por que. Era bastante evidente. Mas
esperaria a que Stuart anunciasse que Red e ele foram casar se antes de dizer: «Já era
hora».
Faziam um casal perfeito. Chad o pensava desde muito antes que o mesmo
Stuart se desse conta. E lhe teria encantado ver seu pai «apaixonado» outra vez depois
184
de todos esses anos da morte de sua mãe se não estivesse tão exasperado por suas
lamentáveis circunstâncias.
Não deveria ter feito essa viagem. Não foi nunca a Chicago com seu pai até
então. Só havia um motivo para sua presença. Não suportava ver como a mulher a que
queria partia sem ele. Era uma estupidez, porque ela não sabia que ele a queria, e
estava muito claro que ela não queria a ele. De modo que ir não tinha nenhum sentido,
além de passá-lo mau. E o estava conseguindo.
Ao princípio não foi tão terrível. Spencer e Amanda lhe tinham distraído com
essa relação tão estranha que tinham. Até encontrou divertidas muitas de suas
discussões, tendo em conta como lhe caía Spencer. Mas cada vez lhe resultava mais
difícil ver Marian todos os dias e sentir-se ignorado por completo.
Seu comportamento dizia muito do que sentia por ele: nada, embora tivesse
podido senti-lo antes. Teve muitos possibilidades com ela antes que Amanda lhe
tivesse enganado. Mas agora se sentiria insultada se mostrava interesse por ela. Aquela
noite, sob as estrelas, estava assustada, e embora ele não tentou aproveitar-se da
situação, deixou-se levar pelo muito que a desejava. Deveria lhe haver dito isso; mas a
viu tão envergonhada depois que não quis piorar a situação. E inclusive embora, por
alguma razão, aceitasse que a cortejasse, o incidente com sua irmã no estábulo sempre
estaria entre eles. O melhor seria que a esquecesse por completo.
Estavam em sua última parada noturna antes de chegar a Chicago quando Chad
se encontrou ao Spencer, que jantava sozinho no salão do hotel. Tinha baixado tarde
com a esperança de que todos outros tivessem terminado e estivessem já em seus
quartos. Stuart já tinha avisado que acompanharia às mulheres até o Haverhill. Não foi
nenhuma surpresa para o Chad. Ainda tinha que decidir se ele faria o mesmo.
Prolongar a agonia seria uma forma de vê-lo, salvo que Marian voltaria para
Tejas, pode que até se transladasse ao rancho dos Kinkaid se não se casava antes que
Re . Talvez ele devesse ficar em Chicago, pelo menos até que Marian tivesse saído de
sua vida.
Sentou-se à mesa do Spencer sem lhe pedir permissão. Spencer e ele se estavam
«levando bem», se podia chamar-se assim a não brigar. E do início da viagem, Chad
sentiu curiosidade pela estranha atitude do Spencer. A metade do tempo parecia
zangado, e a outra metade, contendo a risada.
Spencer logo que elevou os olhos quando Chad se sentou, e depois seguiu
cortando a carne que tinha no prato. Chad decidiu não ser ignorado. Já estava bastante
farto de que isso lhe acontecesse ultimamente.
- Onde está sua mulher? - perguntou.
- Deitou-se cedo porque tinha dor de cabeça. Parece ter muitas - respondeu
Spencer.
- Já - comentou Chad com secura. - Uma razão tão boa como qualquer outra
para que te entretenha aqui embaixo.
Spencer esboçou um sorriso enigmático que irritou muitíssimo ao Chad.
Entretanto Spencer não lhe deu nenhuma explicação.
- A comida é esplêndida. Gostou de tomar uma segunda ração, nada mais.
185
- Alegra-me ouvi-lo porque morro de fome. - Chad chamou à garçonete e lhe
pediu que servisse quão mesmo ao Spencer. Logo, como se já o tivessem estado
comentando, acrescentou: vão se divorciar quando tiver solucionado o problema do
advogado?
Spencer quase se engasgou para ouvir a inesperada pergunta, mas se recuperou
com uma resposta evasiva.
- Estou começando a gostar da vida conjugal - assegurou.
- Nenhum de nós o diria.
- As aparências enganam. - Spencer riu. - É algo que ambos descobrimos.
- Você gostaria de ter sabido antes que eram gêmeas?
- Nem pensar. Marian é muito... Como lhe diria isso? Muito boa para meu
gosto.
- Muito boa para você, e ponto - resmungou Chad.
- Intuo que ainda não o pediu - soltou Spencer, despreocupado, depois de
recostar-se e tomar um tragou de vinho. - Sempre soube que foi idiota.
- Fiz amor com sua irmã - lhe recordou Chad, tenso. - Não é algo que uma
mulher passar por cima.
- Desde quando é uma autoridade em mulheres? - Spencer sorriu. - Faça o que
faça, não conseguirá nada com ela se não o tentar.
- Olhe quem foi falar. Tem uma esposa que afirma ter dor de cabeça com apenas
te olhar.
Spencer se se pôs a rir. Chad apertou os dentes. Justo então chegou sua comida,
o que impediu que lançasse ao Spencer um murro por cima da mesa.
Chad não o viu nunca tão enigmático, ou escondendo o que lhe resultasse
divertido. E era evidente que algo lhe divertia, ao que, por uma vez, não parecia ser
coisa do Chad. Era muito molesto que não lhe dissesse o que era.
Mas então Spencer acabou de rir e lhe surpreendeu.
- Sabe-me mal lhe decepcionar - lhe confessou, ainda sorridente, - mas a
desculpa da «dor de cabeça» da Amanda não é para mim. Bom, sim o é, mas é porque
espera que a siga em seguida à cama. Sua desculpa é, em essência, para que ninguém
mais se dê conta de que agora prefere deitar-se cedo, ou se pergunte por que.
- O que está insinuando não tem sentido. - Chad tinha franzido o cenho,
pensativo.
- Isso é porque não sabe o principal. Como poderia dizê-lo? Adora fazer o amor.
- Mas pelo resto odeia a morte? - grunhiu Chad.
- Não odeia a morte. - O sorriso do Spencer se intensificou. - Nem muito menos.
- É, então, seu saco de areia verbal favorito?
- Refere a seus dramalhões? A isso se reduz seu rancor porque eu não a mimo
ou lhe dou tudo o que quer. Que Deus a benza, não seria ela sem fazer dramalhões.
Depois de tudo, é uma menina mimada.
- E não te incomoda? Não diga nada. Quão divertido está o diz tudo.
- Também faz dramalhões por isso. - Spencer riu. - Mas não posso evitá-lo. Não
tinha conhecido nunca a uma mulher tão malcriada. Seus estratagemas e suas
186
manipulações me parecem divertidíssimas.
- Me tirariam do sério.
- Bom, para ti, sim. E, graças a Deus, você e eu não nos parecemos em nada.
- Malandro - soltou Chad ao compreendê-lo. - Queria se casar com ela todo o
tempo, verdade? Só protestou para que o visse ela.
- É obvio.
- Não vai dizer isso alguma vez? - quis saber Chad.
- Certamente não - respondeu Spencer, enquanto encolhia os ombros. - Isso a
mal criaria, e não sou idiota.
- Essa é sua opinião - disse Chad, mas insultava ao Spencer por puro costume. E
Spencer fez caso omisso.
- Não vou cometer esse engano - prosseguiu. - Além disso, não a faria feliz.
Jamais o fez. Malcriá-la a converteu em uma bruxa. Mas está aprendendo, bastante
tarde, embora vale mais tarde que nunca, que é melhor que ganhe o que quer a esperar
a que o dêem. E estou desfrutando de cada minuto de meus ensinos.
- Assombra-me, Spencer - assegurou Chad de uma vez que sacudia a cabeça. -
Jamais imaginei que tivesse tanta paciência.
- Não se necessita paciência. Minha esposa é muito previsível. Passou a vida
manipulando a outros e nunca se precaveu de quão fácil é manipular a ela.
- Quase me dá lástima - apontou Chad.
- Por quê? - Spencer se pôs a rir de novo. - Por lhe dar o que se merece?
- Algo assim.
- Não se engane. Não se tinha divertido tanto em sua vida como desde que me
conheceu.
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CAPÍTULO 51
Na comprida viagem até Haverhill, houve muito tempo para elaborar um plano
para enfrentar-se ao Albert Bridges. Depois de pensar toda classe de possibilidades,
decidiram que as duas irmãs se manteriam ocultas até que localizassem ao Albert, caso
que não se foi a outra parte do país com seu dinheiro ilícito. Mas se ainda estava em
Haverhill, não queriam alertá-lo com sua presença antes de que pudesse ter lugar um
enfrentamento. Não queriam lhe dar a oportunidade de fugir antes que pudessem
encontrá-lo.
Marian não queria ter que disfarçar-se outra vez e estar encerrada em seu quarto
do hotel. Assim não ia casar-se. Para ter esperanças de receber alguma proposição
antes de ver-se obrigada a voltar para Tejas necessitava que a vissem velhos
conhecidos.
A Amanda não importava. Só queria que lhe devolvessem sua herança, se ficava
algo. E se os homens acreditavam que teria mais possibilidades de obtê-lo
escondendo-se, fá-lo-ia.
Levaram-no a cabo ficando ambas no vagão privado até depois de meia-noite e
indo depois às escondidas ao hotel no que Kathleen as tinha registrado esse mesmo
dia. Pelo menos Marian tinha uma habitação para ela sozinha para variar, e poderia
estar deprimida em paz.
Chad também seguia com eles. Marian não perguntou por que decidiu seguir até
o final, não porque não queria sabê-lo, mas sim porque se negava a lhe dirigir a
palavra. Lamentava muito não pode descansar nem sequer um pouco de sua frustrante
presença.
A metade do dia seguinte, houve boas e más notícias. Reuniram-se todos no
quarto da Kathleen para almoçar e para informar de suas conclusões às garotas.
Spencer e Amanda dormiram até tarde, de modo que este não tinha averiguado nada,
mas Chad e seu pai saíram cedo para localizar ao Albert.
Foram os últimos a chegar e Chad soltou imediatamente:
- Ainda vive na cidade.
- Bom, já eliminamos o maior obstáculo - respondeu Kathleen.
- Uma estupidez de sua parte - acrescentou Stuart. - Mas é evidente que confia
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em que as garotas não aparecerão nunca para acusá-lo de nada.
- Não parecia promissor a princípio - continuou Chad. – Uma outra pessoa
ficou com seus antigos escritórios, de modo que acreditássemos que Albert foi
embora.
- E não foi assim? - quis saber Spencer.
- Não - respondeu Stuart. - A maioria dos empregados não sabia onde estava
Albert, mas chegou outro antes de que abandonássemos o edifício e, quando soube o
que estávamos procurando, indicou-nos outra direção da zona residencial. Tinha
trabalhado para o Albert. Queixou-se muito de que Albert não o levasse a seus novos
escritórios. Devido a isso, só nos disse coisas más de seu antigo chefe. Era um jovem
muito ressentido.
Tinham planejado levar ao Albert diretamente às autoridades se davam com ele.
- Suponho que tampouco estava em seus escritórios - comentou Kathleen.
- Não, embora sejam muito melhores - confirmou Stuart sacudindo a cabeça. -
Os antigos escritórios estavam em um local de má morte, os novos são luxuosos e
elegantes, com um aspecto opulento.
- Decorados com meu dinheiro, sem dúvida - grunhiu Amanda em um à parte a
seu marido.
- É provável. - Spencer lhe deu tapinhas no braço para acalmá-la.
- Onde estão? - perguntou Marian.
- Em um edifício grande de dois andares, ao lado de um banco e...
- Conheço esse edifício! - exclamou Amanda. - Era uma das propriedades de
papai.
- Não faz falta que te indigne tanto, Mandy - disse Spencer a sua mulher. Essa é
a classe de provas que necessitamos para pendurar a esse homem, que está em posse
de um edifício que teria que ter herdado. Parece que poderemos dar fim ao assunto e
voltar para casa antes do esperado.
Amanda não o repreendeu com ele por havê-la arreganhado, mas sim, em
realidade, dirigiu-lhe um sorriso. Marian seguia maravilhada por esse gesto quando
Chad prosseguiu:
- Haverá uma breve demora. Parece que está muito ocupado. Foi ao norte a
ultimar uma operação imobiliária para um de seus clientes. Segundo seu secretário,
não está previsto que retorne até na sexta-feira.
- Três dias mais! - gemeu Amanda.
Marian estava totalmente de acordo com sua irmã por uma vez, embora fosse
provável que por um motivo distinto.
- Então, se Albert não estiver na cidade, não me parece que seja necessário que
permaneçamos ocultas. Há algumas pessoas às que eu gostaria de visitar...
- Não - a interrompeu Chad com rotundidade.
- Desde quando está no comando? - perguntou irritada Marian, com uma
sobrancelha arqueada.
Chad franziu o cenho por ouvir seu tom, e ia responder lhe, mas seu pai lhe
adiantou.
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- Tem razão. Poderia haver outras pessoas que saibam o que fez o advogado -
objetou Stuart.
- Quem?
- Um sócio, um cúmplice, um funcionário subornado - respondeu Stuart, ao
tempo que se encolhia de ombros. - Pode ser inclusive um familiar.
- Não é nada provável - protestou Marian.
- Por quê? - disse Chad. - Teve que subornar a alguém para conseguir transferir
tudo a seu nome sem problemas. E está segura de que não tinha família aqui? Mulher?
Parentes?
- Não tenho nem idéia - resmungou Marian.
- Uma vez mencionou uma irmã, mas vivia em Haverhill - interveio Amanda.
- Muito bem, voltarei a me esconder em meu quarto - soprou Marian. - Mas
duvido que nossa presença aqui vá seguir sendo um segredo muito tempo mais. Já me
encontrei com uma empregada do hotel que ia perguntar-me: «Não é você... ?», antes
que a interrompesse com um «Não». Como se fora a me acreditar. A cara de Mandy é
muito conhecida nesta cidade.
Marian partiu zangada, sem dar uma portada de milagre. Ficou vermelha antes
de chegar a seu quarto, ao outro extremo do corredor. Fora muito grosseira.
Começava a comportar-se como Amanda, e já não parecia poder evitá-lo. Estava
cansada de fingir que tudo ia bem e era normal, quando sentia tanta agitação em seu
interior. Tinha-lhe acabado a paciência. Tinha acabado a tolerância. Tinha podido
conter suas emoções quando pensava que ia ter um descanso logo, mas não ia tê-lo.
Chad seguia aí, seguia-o vendo cada dia e já não podia negar que seguia
sentindo raiva pelo que tinha passado entre ele e Amanda, sem que tivesse diminuído
absolutamente.
Tinha-a enganado por completo. A noite antes do incidente a beijou, o que a
tinha levado a pensar que tinha alguma possibilidade com ele. Depois, tinha-lhe feito o
amor, o que a tinha levado a pensar que a queria, quando todo o tempo esteve seguro
de que era Amanda. Então se havia sentido doída, mas o único que ficava agora era
amargura. E muito ressentimento, além de ciúmes. Tampouco podia seguir negando-o.
Amanda sempre ganhava. Até sem tentá-lo, ganhava.
Logo que fechou a porta de seu quarto, saltaram-lhe as lágrimas. Não foi
nenhuma surpresa. Na atualidade, a solidão era sua inimizade. Quanto mais tempo
passava sozinha, pior se comportava em companhia de outras pessoas, com uma
atitude brusca, irascível. Agora, apenas se reconhecia.
Poderia haver ido bem comentar seus sentimentos com alguém, mas não tinha
com quem falar. Não queria que Kathleen soubesse que era ela, e não Amanda a
virgem que Chad tinha desflorado. E, além disso, sua tia estava muito feliz com seu
novo amor. Marian não ia aguar lhe a festa.
Poderia ter chorado no ombro de Ela Mae. Deveria havê-lo feito. A donzela
sabia consolar muito bem às pessoas. Mas Marian não queria que a consolassem. A
Ela Mae também lhe dava muito bem fazer sugestões descabeladas que sempre eram
muito audazes para seu gosto. E, por uma vez, Marian estava o bastante alterada para
190
as seguir, fossem audazes ou não, assim preferia evitar tentações e não contar a
ninguém o que a inquietava.
Um engano. Conteve-se muito tempo e isso a estava convertendo em alguém
que não gostava. E a solidão não facilitava as coisas. Sempre podia voltar para a
habitação da Kathleen, no outro extremo do corredor, e fazer outra vez o ridículo.
Estremeceu-se ao pensá-lo e, em lugar disso, tirou um velho chapéu de um de
seus baús e lhe acrescentou um véu. Ninguém a reconheceria com ele. E não se
aproximaria de ninguém que conhecesse. Mas não ia se ficar mais tempo encerrada.
CAPÍTULO 52
- Não poderia falar com ela? - sugeriu Stuart.
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Stuart e Kathleen eram os únicos que ficavam no quarto. Spencer e Amanda
tinham voltado para o seu, e Chad se foi pouco depois. Sem havê-lo planejado,
encontraram-se sozinhos de repente. Como ainda não tinha passado muito momento
da marcha de Marian, Kathleen não precisou perguntar ao Stuart de quem falava.
- Talvez devesse fazê-lo. É evidente que lhe acontece algo.
- Não refiro a isso, refiro ao de meu filho. Sente algo muito forte por sua
sobrinha, mas ela o está voltando louco. Trata-o como se fora invisível.
- Pois claro - disse Kathleen em defesa de Marian. - Eu também o faria se um
homem que lhe fez amor com minha irmã começasse de repente a mostrar-se
interessado por mim.
- Sabe que isso foi um equívoco. - Stuart suspirou. - Maldita seja, Red, o moço
foi vítima de um engano. Você sabe. Eu sei. Já vai sendo hora de Marian saiba.
- Duvido que importe muito - objetou Red.
- Ou pode que importe muitíssimo - insistiu Stuart. - Diga-lhe isso.
- Se alguém deve dizer-lhe é ele - disse Kathleen, enquanto sacudia a cabeça. -
Se sentir algo forte por ela, por que não o disse?
- Porque pensa o mesmo que você, que não importará muito. Pelo menos,
poderia averiguar se tem alguma possibilidade.
- Poderia fazê-lo ele mesmo - replicou Kathleen, que pôs os olhos em branco. -
Se não se decidirem sozinhos, é que não estava escrito. Não sou nenhuma
casamenteira. Nem tampouco você, em realidade. A que se deve isto, então?
- Os jovens comentem enganos que acabam lamentando - resmungou Stuart. -
Te passou. Casou-te com um homem ao que não amava para te afastar desta cidade. E
ao Chad também. Fez o amor com a mulher equivocada. Claro que não sabia, e isso é
o que realmente importa do caso. Isso só é já um motivo suficiente para lamentar-se;
não quero vê-lo lamentar-se por ter perdido a oportunidade de estar com a mulher a
que sim quer.
- E por que não lhe insiste para que faça algo a respeito?
- Já o fiz - admitiu Stuart, queixoso. - Mas já o conhece o bastante bem para
adivinhar sua resposta. Disse-me que não me metesse no que não me era do seu
interesse.
Kathleen soltou uma gargalhada e se aproximou do Stuart para sentar-se em seu
regaço.
- Um bom conselho. E há algo que importa ao que poderia dedicar sua atenção
agora mesmo.
Isso provocou um sorriso no Stuart, como ela tinha pensado. Eram tão
compatíveis que parecia como se sempre tivessem estado juntos. Sabia o que ia dizer
Stuart antes que o dissesse. Com ele havia poucas surpresas. Apesar de sua
brutalidade, tinha um grande coração.
Ser feliz tinha algo curioso: queria que todos os que lhe rodeavam também
fossem. Assim era lógico que Stuart estivesse preocupado pelo dilema de seu filho.
Ela estava igual de inquieta pelo que acontecia com Marian, mas imaginava que
guardava relação com o lugar onde estavam. Marian tinha muitas lembranças
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desagradáveis relacionadas com essa cidade. Kathleen também, mas esteve fora tanto
tempo que já não lhe afetava. Esse, em troca, não era o caso de Marian.
O que não sabia era que o mau humor repentino de Marian tivesse algo que ver
com o Chad. Fora tão convincente ao ignorá-lo que Kathleen estava segura de que
Chad não teria nada de sorte no que a sua sobrinha se referia, que não lhe
correspondia. O que era uma lástima.
Chad deveria lhe haver dito antes o que sentia. Deveria lhe haver contado ao
menos o que tinha ocorrido em realidade no estábulo, isto é, que acreditou que estava
com ela esse dia. Mas deixara acontecer muito tempo sem lhe falar de seus
sentimentos. Era típico de um homem demorar tanto as coisas.
Kathleen se ruborizou ao pensá-lo. Ela fez o mesmo ao não dar a entender ao
Stuart que o amava. Ele a tinha repreendido muito por isso. Se não tivesse tentado
distrair a de sua preocupação por Marian a noite do churrasco, poderiam não haver-se
dado nunca conta de que seus sentimentos eram mútuos.
Abraçou-o com força pelo que poderia haver-se perdido. Sua felicidade atual a
seguia assombrando. E estava desfrutando muitíssimo da viagem de volta ao Haverhill
porque Stuart estava com ela.
- Está-te emocionando outra vez comigo, Red? - supôs Stuart com uma
gargalhada.
- Menos mal que não te importa.
Kathleen se tornou para trás e lhe sorriu. Stuart a atraiu para si, seus lábios se
encontraram, com suavidade ao princípio, com muita paixão depois. Em um momento
estavam totalmente alheios ao que os rodeava, conscientes só um do outro. Fazer amor
com o Stuart era como fazer amor pela primeira vez. Kathleen jamais teria imaginado
quão maravilhoso podia ser com o homem adequado.
A Marian não surpreendeu nada haver-se dirigido para sua casa sem ter posto
atenção. Seu velho lar.
Ficou de pé em frente à grande casa de três andares um bom momento,
contemplando-a. Não estava vazia. Umas cortinas novas adornavam as janelas
dianteiras. Alguém mudara a decoração e vivia nela. Albert? Pelo menos podia esperá-
lo. Isso significaria que não a tinha vendido e que poderiam recuperá-la.
- Perdoe - disse uma voz de mulher, que acrescentou com algo mais de dureza: -
Perdoe, não me deixa passar.
Marian ouviu por fim à mulher que estava a seu lado e se afastou
imediatamente, ruborizada.
- Sinto-o - se desculpou. - Estava absorta em meus pensamentos.
- Miúdo lugar para parar a pensar - grunhiu a mulher, e moveu o carrinho de
bebê que levava para poder abrir a grade que as separava do caminho de entrada que
conduzia à casa de Marian, sua velha casa.
Marian franziu o cenho quando foi evidente que a mulher e o bebê foram entrar
na casa.
- Um momento, por favor - disse enquanto a seguia pelo caminho para a porta. -
193
Sabe quem vive aqui?
- Eu - soltou a mulher com impaciência.
- Oh. - Marian se voltou, decepcionada.
Já podiam esquecer-se de recuperar a casa. A mulher não era do serviço. Ia
vestida na moda e, embora algumas criadas podiam permitir-se objetos de moda, não
era roupa tão elegante e confeccionada com materiais tão caros como as que levava
essa mulher. Além disso, era muito insolente para ser uma criada.
Marian se voltou para partir.
- Conhece Albert Bridges? - lhe ocorreu então perguntar.
- Sim. É meu irmão.
Marian conteve o grito afogado antes que lhe escapasse. Assim teve razão.
Albert vivia na casa e, ao parecer, tinha instalado nela a toda sua família: irmãs,
cunhados, sobrinhos, e Deus saberia quem mais.
A mulher dava golpezinhos no chão com o pé. O bebê começava a inquietar-se.
- Perdoe que a tenha incomodado - disse Marian, e se voltou de novo para partir.
- Um momento - exclamou a mulher. - O que quer do Albert?
Marian decidiu que tinha que inventar algo para não levantar suspeitas.
- Meu marido deseja contratar os serviços legais do senhor Bridges - soltou em
seguida. - Foi a seu escritório, mas lhe disseram que neste momento não estava na
cidade.
- Assim é. Não voltará até finais desta semana.
- Não acredito que possamos esperar tanto. O assunto é bastante urgente.
- E a mim que me importa - disse a irmã do Albert laconicamente. - Ou seu
marido pede hora no escritório do Albert ou busca outro advogado. Mas, em qualquer
caso, deixe de me incomodar. Adeus.
Fechou a porta de repente para deixar a Marian fora. Que mulher tão grosseira e
desagradável. Perguntou-se se teria sido sempre assim, ou acaso a culpa do que fez
Albert havia a tornado uma bruxa.
Não ficou um minuto mais ali. Voltou para hotel percorrendo as zonas mais
transitadas da cidade, absorta de novo. Tinha que decidir se confessar a outros que
saíra quando lhe advertiram que não o fizesse. Teria que revelá-lo se queria que
soubessem o que averiguara. Ou podia não dizer nada.
Depois de tudo, que Albert vivesse em sua antiga casa não vinha ao caso. Só
Amanda se alegraria, ou enfureceria, para ouvi-lo. E estava segura de que antes da
sexta-feira alguns dos homens averiguaria onde vivia, já que quereriam cobrir seu
escritório, sua casa e a estação o dia que estava previsto para sua volta para assegurar-
se de que não lhes escapasse.
E já fez todo o possível para que o capturassem. Tinha pintado de cor um retrato
do Albert a cada um dos homens para que soubessem a quem procuravam. Albert não
tinha nenhuma possibilidade de escapar.
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CAPÍTULO 53
Chad chamou com energia à porta. Aproximava-se a hora da verdade, e não
recordava ter estado nunca tão nervoso. Claro que estava em jogo sua felicidade
futura.
Ia pôr as cartas na mesa e a contar tudo a Marian. A demora no enfrentamento
com o Bridges o tinha decidido. Iam ser três dias sem ter mais nada no que ocupar-se,
salvo em suas lamentações. Não, obrigado. Bateu na porta. Marian o mandaria ao
diabo ou o faria um homem muito feliz.
Por fim, e apesar de seu nervosismo, deu-se conta de que esteve chamando
durante muito momento sem obter resposta. Tratou de abrir a porta. Não estava
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fechada com chave. E o quarto estava vazio. Que raios passava?
Sabia que Marian não estava com Red. Tentou no quarto da Amanda, mas
obteve um grito irritado do Spencer do interior:
- Vá embora, estamos dormindo!
Sim, seguro. Era evidente o que esse par estava fazendo, o que significava, por
outra parte, que Marian tampouco estava com eles. Onde diabos estava então?
Desceu para dar uma olhada ao vestíbulo. Achava-se virtualmente vazio.
Comprovou no salão do hotel. Igual de vazio, mas era o meio da tarde, muito depois
da hora do almoço e muito cedo para jantar. Começava a preocupar-se.
Perambulou pelo vestíbulo um momento, enquanto tratava de decidir se sair e
procurá-la em uma cidade que não conhecia, o que significava que não era provável
que a encontrasse, ou esperar no vestíbulo para pilhá-la quando retornasse. Antes que
tivesse tomado uma decisão, Marian cruzou a porta principal.
Reconheceu-a apesar do véu. Certamente já não havia nada que pudesse fazer
para disfarçar-se ante ele. Claro que se acostumou, desde dia em que tirou os óculos
para sempre, a olhá-la de cima abaixo, não só o evidente. Não voltaria a duvidar de
qual era a irmã com a que estava tratando. Além de ter a mesma cara, não eram
idênticas absolutamente.
Marian não se precaveu de que Chad se aproximava dela até que este ficou no
seu caminho.
- Ia mandar uma partida para te buscar - exclamou Chad.
- Muito gracioso - respondeu ela, e tentou rodeá-lo. - Não estive fora tanto
tempo.
- Não tinha que ter saído nem um minuto. - Voltou a lhe obstruir o caminho.
- Tomei precauções - replicou Marian, tensa para ouvir o aviso. - Ou acredita
que eu gosto de ver o mundo através de encaixe negro?
- Acredito que você gosta que me preocupe - resmungou Chad.
- Isso acredita, quando que penso em ti? - soltou-lhe com secura.
- Vêem comigo - grunhiu Chad; agarrou-lhe a mão e começou a conduzi-la para
a rua.
- Não! Pára!
Não o fez. Logo que podia conter-se para não mostrar-se tão irascível como ela.
Chad não sabia por que estava Marian assim. Sabia muito bem por que o estaria ele.
Não disse nada mais. Em lugar disso, parou um carro de aluguel que passava e a
meteu na carruagem fechada assim que se parou junto ao meio-fio. Marian se sentou
frente a ele e o fulminou com o olhar.
- Onde acredita que me leva? - perguntou em um tom de tensão contida.
- A nenhuma parte em concreto, só a algum lugar onde possamos falar sem que
nos interrompam.
- Bom, possivelmente deveria lhe dizer algo ao condutor. Se não, não se moverá
daqui.
Chad observou seu sorrisinho. Não ia ficar o nada fácil.
- É sua cidade, não a minha - disse. - Tem alguma sugestão?
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- Sugerir-te-ia que deixasse de tentar-me sequestrar e me permitisse voltar para
meu quarto para descansar até a hora de jantar.
Não prestou atenção a sua interpretação dramática do que estava fazendo.
- Na realidade - respondeu Chad, - seu quarto me parece o lugar perfeito.
Vamos? - E abriu a porta da carruagem de novo.
- Oh! Agora me pede as coisas? - replicou com brutalidade Marian, que desceu
do carro e lhe lançou: - É perfeito para mim, mas você não está convidado.
Entrou no hotel sem ele. Chad apertou os dentes, lançou umas moedas ao
condutor com uma desculpa e correu detrás de Marian, que subia a toda pressa as
escadas para chegar antes a seu quarto e poder assim lhe dar com a porta no nariz.
Chad acelerou o ritmo para apanhá-la e teve que correr o último trecho do corredor
para alcançar a porta antes que ela.
Abriu-a. Marian suspirou, passou a seu lado, tirou o chapéu e o lançou à única
cadeira do quarto. Uma sutil advertência de que não esperava que ficasse o tempo
suficiente para ficar a vontade.
Chad fechou a porta e decidiu fazê-lo com chave. Viu como para ouvir o ruído,
lhe esticava as costas. Cruzou os braços, apoiou as costas na porta e esperou. Ao final,
Marian se voltou para olhá-lo, mas só o suficiente para ver onde estava antes de
apartar outra vez os olhos dele. Acostumou-se a que o tratasse como se não estivesse
presente, mas esta vez não ia permitir o.
- Me olhe - ordenou a Marian.
Ela o fez, e inclusive arqueou uma sobrancelha. Chad esperou outra discussão,
que lhe desse uma boa desculpa para lhe perguntar por que já não o olhava nunca, não
de verdade. Certamente a resposta lhe teria parecido interessante, mas seria melhor
não perguntá-lo. Não queria que se pudesse mais à defensiva do que já estava.
- Poderia lhe relaxar - lhe indicou. - Isto não levasse muito tempo, embora possa
que sim.
- Estou muito relaxada - respondeu Marian, embora seu tom e sua postura
demonstravam o contrário. Devia ter-se dado conta, porque acrescentou: - Além do
fato de que é muito indecoroso que esteja aqui.
- Quem vai se inteirar?
- Não importa - respondeu zangada, e suspirou. - Muito bem, diga o que está tão
resolvido a dizer, e parte, por favor.
- Ia esperar a que tivesse solucionado as coisas aqui, no Haverhill. Se recuperar
sua herança, perfeito, estaria exonerada. Se não, perfeito, levaria vantagem.
- Do que está falando? - perguntou Marian.
- A isso vou. Só quero que saiba por que não te fiz antes esta confissão.
- Não sou sacerdote. Por que não...?
- Pode deixar de ser sarcástica um momento? - perguntou Chad.
Marian fechou a boca, mas voltou a fulminá-lo com o olhar.
- Se for me dizer que sente algo por mim, não o faça, por favor. Já deixou claro
faz muito a quem preferia, e não era para mim.
- De verdade é isso o que pensa?
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- É o que sei - respondeu ela. - É o que vi. É o que...
- OH, cale-se, Mari. Você não sabe nem a metade - exclamou Chad.
Ficou olhando. Começou a dar golpezinhos no chão com o pé. Estava tão
disposta a escutar o que tinha que lhe dizer como uma gata que não está em zelo a um
gato de curral. Chad supôs que, depois de tudo, teria que ter esperado. Algo a esteve
incomodando toda a semana. Cada dia que passava, estava mais suscetível; um estado
de ânimo que não favorecia muito as insinuações românticas que ele queria lhe fazer.
Entretanto já meteu a pata. Não dizer-lhe agora só pioraria as coisas.
Percorreu os poucos passos que os separavam para situar-se diante dela. Queria
estreitá-la entre seus braços, mas estava muito tensa. Tinha muitas coisas que dizer,
mas não estava seguro de que ela desejasse escutar nenhuma. Era evidente que lhe
tomou uma verdadeira aversão, e pode que fora devido a sua irmã. Pelo menos poderia
esclarecer isso...
- É certo que Amanda me atraía. Não o nego. Planejava dizer-lhe depois de que
se instalasse em casa de sua tia, mas só se sua atitude melhorava. Convenci-me de que
a viagem era a causa de seu comportamento, que uma vez tivesse terminado ela
mudaria e seria menos irritante e mais agradável. Não foi assim. Em todo caso,
piorou. Assim não, todos os planos de cortejá-la finalizaram antes do que ocorreu no
estábulo.
- Não fale nesse tema, por favor.
- Tenho que fazê-lo - comentou Chad, enquanto sacudia a cabeça. - Tem que
saber que foi um engano.
- É a primeira coisa que disse com o que estou de acordo - replicou Marian .
- Não, foi um engano muito major do que imagina. Não tinha motivo para
suspeitar que fingia ser você. Com quem supõe então que acreditei que estava fazendo
o amor?
- Sei com quem queria fazê-lo - respondeu Marian, muito vermelha para ouvir o
que acabava de dizer Chad.
- Sabe? - perguntou este com o cenho franzido. - Não, diria que não. Mas pode
que esqueça que te beijou duas vezes antes desse dia.
- Uma vez - lhe corrigiu.
- Duas vezes - insistiu Chad. - Não tente voltar a negar que foi você essa noite
que acampamos junto ao caminho; você, não ela, quem tentou me ajudar com o Leroy.
E sim, sei. Ao princípio, pensei que foi sua irmã. Inclusive permiti que me
convencesse um tempo de que era assim. Mas já não me tragou isso. A esse beijo
faltava algo quando pensava que foi ela. Mas essa noite no alpendre, senti que o beijo
era perfeito.
O rubor de Marian se intensificou. Afastou-se e Chad tentou atraí-la de novo
para ele, mas ela conseguiu escapar.
- Está complicando o assunto - indicou Marian.
- É um assunto muito complicado e estou tentando esclarecê-lo.
- Está-o piorando! - disse em tom acusador detrás voltar-se para ele. - Essa
noite, no alpendre, beijou-me só para comparar, não porque desejasse fazê-lo. E eu te
198
adverti que a Amanda gosta de aparentar desse modo, assim que esse dia, no estábulo,
pensou desde o começo que estava com ela. Inclusive disse... - deteve-se e apartou o
olhar outra vez. - Me contou o que disse.
- Como? Ou, o que é mais, por que a acredita se souber que mentia?
- Se alguém está mentindo, esse é você - insistiu Marian.
- Maldita seja, Mari. Juro-te que pensava que estava fazendo o amor contigo.
Fiquei como uma estátua essa noite quando Amanda confessou que era ela. Então não
queria ter nada que ver com sua irmã, e muito menos me casar. Fez-me uma armadilha
e eu caí nela. E me teria tido que casar com a mulher equivocada se Spencer não
tivesse intervindo. Queria a você, e ainda te quero. Quero-te tanto que não posso
pensar com claridade. Talvez por isso me está saindo tão mal esta confissão.
- Não, o problema é que não te acredito. Assim, por que não nos faz um favor a
nós dois e...
Chad a estreitou entre seus braços. Seu beijo estava cheio de frustração,
desespero e um pouco de raiva por isso. E pesar. Muito pesar, porque certamente seria
a última vez que a beijaria.
Esperou muitas coisas deste encontro, sobretudo que Marian dissesse que era
muito tarde. Mas não esperou uma incredulidade total. Era frustrante. E temia que, se
pudesse convencê-la da verdade, então sim lhe diria que era tarde já. De qualquer
modo tinha perdido, e isso lhe enfurecia. Era muito importante para ele para perdê-la.
Separou-a dele e lhe disse com dureza:
- Pode acreditar isto. E, enquanto o faz, inteira-se de que te amo, antes que de
verdade seja tarde já.
CAPÍTULO 54
Chad partiu do quarto de Marian, e até conseguiu não bater a porta ao sair. Ela
abriu a porta detrás dele para dá-lo. Chad se voltou, contemplou um momento a porta
e sorriu. Se fazia um pouco tão emotivo e tolo, ainda havia esperança. Pelo menos não
lhe era indiferente como começou a pensar.
O ruído da porta batendo provocou que se abrissem outras portas do corredor. A
maioria dos ocupantes tinha jogado uma olhada rápida e havia tornado a entrar em
suas respectivos quartos ao ver que não passava nada de seu interesse. Não ocorreu o
mesmo com a Amanda. Apoiou-se no marco, à espera de que Chad passasse a seu
lado. Era a última pessoa com a que ele queria falar de algo.
Só vê-la despertou de novo sua ira. Amanda podia estar desfrutando em segredo
de seu matrimônio, segundo Spencer, mas deixara a vida do Chad sumida em um caos
emocional com sua campanha egoísta para apoderar-se de sua maldita herança. E não
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pagara nenhuma consequência por isso. Saía sempre tão ileso do dano que provocava?
Era provável que sim.
Teria ido por outro caminho para evitá-la, mas não o havia. O quarto de que
acabava de sair estava no fundo do corredor, e tanto o seu como as escadas, depois do
de Amanda. Podia ficar onde estava e esperar a que se fosse, mas parecia muito
resolvida a falar com ele para esperar até que se desse por vencida. Decidiu adiantar-se
- Está mentindo.
- Se não fosse sua irmã, partir-te-ia o pescoço neste mesmo instante - disse ao
passar a seu lado. - Assim não diga uma...
- De modo que por fim te contou a verdade? Demorou bastante.
- Que verdade? - Chad virou em redondo. – Qe não me suporta depois do que
você fez?
- Se acredita isso, é tolo, vaqueiro. A mim tentou me convencer do mesmo.
Inclusive me acreditei isso até que lhe abri o...
- Inteirou-se de algo, Amanda. Mentiu, enganou e manipulou muitas vezes para
que ninguém acredita numa só palavra do que diz. Assim não gaste saliva, por favor.
- Mas bom! - exclamou, indignada, com um gesto ofendido. - E eu que ia fazer-
te um favor porque me sentia benévola.
- Te ocorreu alguma vez que estava fazendo amor com ela, ou assim acreditava,
porque me importava? Porque eu queria me casar com ela. Com ela, não contigo.
Assim que o único favor que poderia me fazer quer dizer me que esse dia não foi você.
Mas como isso não é possível... - deteve-se quando Amanda começou a rir.
- Não confia muito de seus instintos, verdade, vaqueiro? Detesto interromper
sua extraordinária fala, mas desejo concedido: não era eu. Sim, menti - acrescentou ao
tempo que se encolhia de ombros. - Mas como não teve que te casar comigo, não
passou nada.
- Que raios quer dizer com isso de que não foi você? - Chad a olhava incrédulo.
- Exatamente isso - comentou Amanda. - Esse dia lhes vi entrar no estábulo e...
Como me aborrecia como uma ostra, desci a averiguar o que faziam. Ouvi-lhes
fazendo amor e decidi me aproveitar dessa informação. Era um jogo. Pelo menos, seu
segredo teria saído à luz. Mas Mari estava muito assombrada para me chamar
mentirosa, e você foi muito parvo para saber com que irmã fez amor. Como te disse,
deveria ter acreditado em seus instintos. Se me tivesse posto em evidência, Mari teria
apoiado e tudo teria terminado aí. Mas em qualquer caso, liberou-te, assim não passou
nada.
- Está mentindo.
- Pois para variar, não. Pergunte a ela. Se o negar, saberá que ela está mentindo.
Não lhe dá muito bem. Ou poderia jogar uma olhada a seu baú. Tem um par de teus
quadros, e é bastante revelador. Encontrei-os o dia que Kathleen lhe ensinou a montar.
Sim, sou uma bisbilhoteira. E o que? Estar nesse rancho me aborrecia tanto que me
estava voltando louca.
Amanda riu outra vez ao ver sua expressão antes de entrar de novo em seu
quarto e lhe dar com a porta no nariz. Fazia o que queria: deixá-lo tão impressionado
200
que não se movia de lugar, incapaz de assimilá-lo tudo.
Também agora estava causando problemas de propósito. O que outra razão
podia ter? Um favor? O mais provável era que não tivesse feito um favor a ninguém
em sua vida.
Que queria acreditá-la era quase a prova de que não deveria fazê-lo, já que
Amanda estava acostumada criar situações para impressionar ou decepcionar muito às
pessoas. É obvio que não era certo. Marian o haveria dito. Não lhe teria deixado assim
tanto tempo, reprovando-se ter cometido um engano tão garrafal.
Dirigiu a vista para o outro lado do corredor. Marian estava sozinha em seu
quarto. Pelo menos, Amanda lhe dera um motivo para falar com ela outra vez.
Poderiam enfrentar-se juntos com a Amanda. Encontrar algo que ter em comum.
Não bateu na porta. De fato, esperava que se encerrou com chave. Mas não. Era
provável que estivesse muito zangada para pensar nisso quando dera a portada a suas
costas.
Encontrou-a sentada ao bordo da cama, contemplando um tecido que tinha
desenrolado. Estava tão ensimesmada que nem sequer lhe ouviu entrar e fechar de
novo a porta, embora se ouviu seus passos quando se aproximou dela. Elevou os olhos
e soltou um grito afogado.
Mas em lugar de lhe pedir em seguida que partisse, Marian voltou a enrolar
com rapidez o tecido e o lançou sobre a cama, detrás dela. Levantou-se e, só então,
começou a fulminá-lo com o olhar.
- O que faz aqui outra vez?
- Importa-te se lhe jogo uma olhada? - perguntou Chad, sem responder,
enquanto assinalava com a cabeça para o tecido.
- Importa-me.
- Aconselharam-me que o veja - disse de pé a seu lado. - Portanto, acredito que
o farei.
- Não! - exclamou Marian.
A essas alturas, seu protesto não ia detê-lo. Se depois tinha que desculpar-se, fá-
lo-ia, mas ia ver o que lhe escondia. Agarrou o tecido e se voltou quando ela tratou de
arrebatar-lhe de novo.
- Não tem nenhum direito, maldito seja - ouviu que dizia Marian enquanto o
desenrolava.
Levou uma decepção. Era um retrato dele. Muito bom, mas não lhe dizia nada.
Tinha-o pintado. E o que? Era sua afeição, algo que gostava de fazer, e lhe dava muito
bem.
Voltou-se para ela, um pouco avermelhado enquanto lhe devolvia o tecido.
- Sinto muito. Pode que meu pai lhe compre isso. É um retrato excelente.
- Meus quadros não estão à venda - disse com frieza.
Chad começou a encolher-se de ombros e recordou então que, em princípio,
havia dois tecidos.
- Onde está o outro? - perguntou.
- O que outro?
201
- Pintou dois quadros meus.
- Não - insistiu, mas se tinha ruborizado. - Quem te disse isso?
- Sua irmã.
- E você acreditou? - grunhiu Marian.
- Se não te tivesse ruborizado, dir-te-ia que não - respondeu Chad com o cenho
franzido. - Mas ela tinha razão: não te dá muito bem mentir.
- Me dá muito bem jogar aos intrusos de meu quarto. Começarei a gritar em um
segundo se não te largar daqui.
- Adiante - a desafiou. - Assim todo o piso averiguará o que está ocultando.
Chad tinha detectado os baús no canto. Dirigiu-se para ali. Marian não gritou.
Adiantou-lhe e se sentou com firmeza sobre uns deles.
- Não se aproxime mais - advertiu, assinalando-o com um dedo. - Não vai
revolver minhas coisas.
- Dá-te conta de quão estranho é seu comportamento, Mari? - perguntou Chad
ao tempo que sacudia a cabeça. - E por que? Por um talento excepcional que não quer
mostrar a ninguém?
Não esperou resposta. Levantou-a do baú e a sujeitou com um braço enquanto o
abria. Havia dois tecidos enrolados sobre a roupa que não tinha tirado. Alargou a mão
por volta de um deles e gritou. Marian tinha fechado de repente a tampa sobre seu
braço.
Conseguiu tirá-lo, e se voltou para ela. Mas antes que pudesse dizer nada,
Marian se lançou a seus braços. E o beijou. Sabia que o estava fazendo para distraí-lo
do baú e, certamente, funcionava.
Aproximou-a para ele, amoldou seu corpo ao dela. Marian lhe rodeou o
pescoço com os braços. Seus gestos estavam cheios de desespero, mas se
aproximavam tanto à paixão que demorou um momento em notar a diferença. Não ia
rechaçar o que Marian lhe estava oferecendo, quando levava tanto tempo privado de
seu sabor.
Chad lhe levantou os quadris contra sua entreperna. O gemido de Marian se
perdeu na boca do Chad, apertada contra a sua. Tinha-a levantado do chão e começado
a andar para a cama. Quando chegou, conseguiu deitá-la com ele sem interromper o
abraço, de modo que cobria o corpo de Marian com a metade do dele. Ela ainda se
aferrava a ele com força, tão absorta no beijo como ele. Esta vez não estava assustada,
sabia o que estava fazendo, e isso lhe dava esperanças. Deixou que seu desejo o
dominasse por completo e a tocou; não conseguia cansar-se de tocá-la. Levou os
lábios a seu pescoço e a beijou junto à orelha. Alargou a mão para sua saia...
Marian se escorreu imediatamente de debaixo de seu corpo e se levantou da
cama. Por que não lhe surpreendia?
- Os homens têm um limite, sabe, coração? - advertiu-lhe enquanto se levantava.
Marian seguia de pé, ofegando, com os lábios inchados por seus beijos e os
olhos azuis quase negros de escuros que se tornaram. Mas Amanda não era a única das
duas gêmeas que não podia ter mais que uma idéia na cabeça, e a de Marian seguia
ocupada no que lhe estava escondendo.
202
- De acordo - disse como se Chad não tivesse falado. - Te direi o que há no baú
se te deixar de tolices. Não é algo que esconda de ti, a não ser algo que não quero que
veja ninguém. É um nu, o primeiro que desenhado, e como não tinha modelo não é
nada exato. Pinto bastante bem de cor, mas neste caso usei a imaginação. Sempre
desejara pintar um nu, só que até então nunca teve um sujeito o bastante interessante
para tentá-lo, e o fiz antes que Amanda e você...
Não terminou. Não era necessário. Ruborizou-se outra vez, mas podia ser
devido ao tema mais que por estar mentindo.
Tinha-o chamado interessante. Considerava-o interessante... artisticamente.
Dadas as circunstâncias, não podia lhe haver dito nada menos adulador.
E começava a sentir-se como um idiota. Tinha-o pintado nu. Os nus eram
habituais. Que ele soubesse, todos os artistas os pintavam. E embora gostasse de vê-lo,
não demonstraria nada. Como sempre, Amanda só tinha provocado desconcerto
emocional ao sugerir o contrário.
Procuro aliviar a vergonha que sentia Marian, assim como a sua.
- Necessita um modelo? - perguntou com um sorriso.
- Não!
- Me imaginava - assegurou encolhendo-se de ombros. Voltou-se para partir,
mas se deteve. - Te peço desculpas, Mari. Pensará o que te hei dito antes?
- É obvio.
Uma resposta muito contundente, o que significava que não o faria. Como tinha
temido, todas suas possibilidades de conquistá-la se tinham desvanecido quando ela se
inteirou de que ele fez amor com sua irmã.
CAPÍTULO 55
- Que faz, com a orelha colada à parede?
- Claro - admitiu Amanda, que se queixou depois: - Esta vez meu quarto tinha
que estar ao outro lado do corredor do seu, e não ao lado.
Havia tornado a abrir a porta no mesmo instante em que Chad tinha saído ao
corredor. Não tratou de evitá-la esta vez. De fato, estava no meio do passou, de modo
que não podia.
- Assim deve ser difícil escutar, não? - soltou ele em tom irônico.
- Sim, a não ser que levantem a voz - corroborou Amanda. Logo, arqueou uma
sobrancelha. - O que tenho que fazer, te guiar passo a passo?
- Importar-te-ia te colocar em seus assuntos, ou é pedir muito?
- Quando está atando tanto os teus?
- Você os atou. E o segue fazendo. Se fosse um homem, lhe...
- Sim, sim, estou segura - lhe interrompeu. - Não o perguntou, verdade? Tinha
203
que lhe dizer que sabia a verdade. É a única forma de que consiga que baixe o guarda.
Não pode te liberar da dor a não ser que o deixe ao descoberto, e não chegasse a esse
ponto se não o encontrar antes. Jamais o admitirá por si só. É muito orgulhosa para
isso.
- Volta-te a aborrecer, verdade? - supôs Chad. - Três dias sem nada que fazer até
que Bridges retorna à cidade. Disso se trata, não? Um novo plano para te distrair
porque te diverte jogar com as emoções de outros.
- Estou tentando te ajudar - suspirou Amanda. - Se pudesse esquecer uns
minutos as ofensas do passado, dar-te-ia conta. Hei-te dito a verdade. Inclusive te
indiquei onde encontrar a prova do que te contei. Mas nem sequer te incomodou em
olhar os quadros, verdade?
- O quadro de um nu não prova nada, Amanda - suspirou Chad.
- Do que?
- Mari me disse que me pintou nu porque me considerou um sujeito interessante.
Não é muito adulador e, certamente, não é nenhuma prova.
- Minha mãe, é para partir-se de rir. - Amanda soltou uma gargalhada. - Te falou
dele em lugar de te deixar vê-lo. Bem feito. Despistou-te e impediu que visse o
quadro. Não acreditei que soubesse mentir tão bem.
- Mas você sim.
- É claro que sim. É uma arte, sabe? Mas, de vez em quando, não é útil mentir, e
esta é uma dessas vezes. Já lhe disse isso: sinto-me benévola, assim que te falarei do
quadro verdadeiro. Desenhou-te deitado sobre um leito de feno tirando a camisa. E
olhando para cima, com uma expressão tão cheia de paixão, que não há dúvida de que
está contemplando a uma mulher. Marian teria que ter estado de pé escarranchado
sobre ti para ver-te assim. Estava-o? Eu só lhes ouvi, mas não lhes vi. Embora o
quadro diga tudo, com um parecido perfeito. Inclusive mostra uma cicatriz que tem
perto do umbigo. Não é algo que pudesse imaginar, a não ser que não a tenha. Tem-
na?
- Você deveria sabê-lo - resmungou Chad. - Foi você quem estava de pé
escarranchado sobre mim no estábulo.
- Eu não pinto - respondeu Amanda com os olhos em branco. - Tentei uma vez e
me deu tanta vergonha minha falta de talento que não voltei a tocar um pincel. Sempre
sentei inveja do talento do Mari. Admito-o. Ela ficou com toda a habilidade artística e
não me deixou nenhuma. De modo que tive que me criar um talento.
- Manipular às pessoas.
- Sim, que ardiloso é - afirmou Amanda com secura. - Mas acorda, vaqueiro.
Agora não o estou fazendo. O que te impede de ver a verdade?
- A singela razão de que Marian me haveria isso dito - resmungou ele o que
Amanda passava por cima. - Não teria permitido que te saísse com a tua com uma
mentira assim.
- Pois o fez. Averigua por que, e pode que encontre a dor que tem que aliviar.
Pela quarta vez esse dia, Chad moveu o trinco da porta de Marian, mas agora
estava fechada com chave. Não ficava paciência para chamar. Golpeou a porta com o
204
ombro. Não cedeu.
- Não se atreva! - ouviu dizer do outro lado.
Voltou a golpear a porta com o ombro. A maldita porta seguia sem ceder. Mas
Marian a abriu antes que o tentasse uma terceira vez e ficou ali plantada, fulminando-
o com os olhos irados.
- Não posso acreditar que tenha feito isto! - vaiou.
- E eu não me posso acreditar que deixou que pensasse, nem sequer por um
segundo, que fez o amor com a Amanda!
Marian conteve o fôlego e ficou olhando. Chad passou a seu lado para entrar no
quarto. Nesse momento estava tão zangado que talvez não deveria dizer nada mais.
- Teria permitido que me casasse com a Amanda por causa de uma mentira! -
exclamou detrás voltar-se para ela.
- Não. - Marian baixou a vista. - Teria contado a verdade se te tivesse visto
obrigado a seguir adiante com o casamento, embora não acreditasse que fosses
agradecer o nem que tivesse importância.
- Como não ia ter?
- Podia não acreditar. E então estava segura de que não a faria. Mas o teria
tentado de todos os modos. Entretanto, depois de que Amanda se casasse com o
Spencer, já não servia de nada.
- De nada? De nada! E deixou que me angustiasse pelo que acreditava ser o
maior engano de minha vida? Não me foste dizer isso alguma vez, verdade?
- Não - respondeu Marian.
- Por que não?
- Já sabe. Acreditei que estava fazendo amor comigo, mas não era assim. Todo o
tempo acreditava que estava com ela.
- Já te hei dito que não - insistiu Chad.
- E eu já te disse que não te acredito. Estava ali! Sim, era eu. Assim não me
pode negar que me chamou por seu nome. Estava seguro de que era ela!
- Demônios, Mari. Trata-se disso? - soltou Chad, incrédulo. - Sim, por um muito
breve instante me confundi um pouco e acreditei que poderia ser Amanda.
Surpreendeu-me seu atrevimento. Mas só foi um momento.
Quando Marian se voltou, viu que Chad relaxava os ombros. Não lhe importava.
Como aquele dia no estábulo, não ia dizer nada.
205
CAPÍTULO 56
Marian não sabia muito bem o que lhe dizer, ou se poderia pronunciar alguma
palavra com o nó que tinha na garganta. Tinha que lhe acreditar, quando todo esse
tempo esteve segura de que seguia suspirando pela Amanda?
Tudo o que lhe havia dito soava bem. Muito bem. Esse era o problema. Como ia
aceitá-lo de qualquer jeito quando tirou conclusões tão distintas? Significaria que foi
uma parva de arremate. Que deixara que suas dificuldades com sua irmã chegassem
muito longe.
Mas lhe devia uma explicação melhor da que lhe dera. Voltou-se para ele, e viu
que se foi.
Lhe cortou a respiração de surpresa. Não lhe ouviu partir. E se foi com a
impressão errônea. Não podia permiti-lo. Ele tinha entrado sem permissão em seu
quarto várias vezes esse dia; ela podia fazer outro tanto.
Entretanto, não estava no hotel. Começou a assustar-se ao imaginar o que estaria
pensando. Deveria esperar a que voltasse, mas não podia. Não tinha idéia de onde
podia estar, mas o encontraria. Não levava fora muito momento.
Encontrou-o em uma esquina do centro da cidade, de pé, com as mãos nos
bolsos, como se estivesse fazendo quão mesmo ela fez antes: passear sem rumo,
absorto. Era última hora da tarde, quase de noite. As lojas fechavam; a gente ia
depressa para sua casa e para que tanto as calçadas como as ruas estivessem mais
concorridas que de costume. Era provável que esse tráfico denso o tivesse detido onde
estava.
Devido a sua jaqueta, botas e chapéu de asa larga ao estilo do oeste, incomuns
no Leste, os transeuntes o olhavam com curiosidade. Pelo menos, não levava a pistola.
Tinha-a deixado desde que tinham chegado a Chicago.
Se aproximou por trás. Ao menos teve a presença de ânimo de voltar-se para pôr
o véu. Já viu três pessoas conhecidas, embora elas não a reconheceram.
Uma esquina concorrida não era o lugar ideal para ter uma conversação, mas
não havia ninguém mais parado, assim não acreditou que pudessem ouvi-los. Recebeu
uns quantos empurrões antes de haver-se armado de valor para dizer o que tinha que
dizer.
- Assim que pensei que você acreditava que eu era Amanda esse dia, minha
opinião sobre tudo o resto se nublou.
Chad se voltou para ouvir sua voz. Consciente de onde estavam, agarrou-a pelo
206
braço e começou a caminhar para que ninguém que passasse ouvisse mais de uma ou
duas palavras do que estavam dizendo.
- Sabia que estava zangada. Ia-lhe explicar isso, mas Amanda não me deu a
oportunidade de fazê-lo. Estava horrorizado, mais que outra coisa, com sua afirmação.
No fundo sabia que você foi a mulher com quem fiz amor, mas quando não
contradisse suas descabeladas insinuações, já não soube que diabos pensar.
- Suponho que não tinha a suficiente confiança em mim mesma para dizer a
verdade imediatamente - indicou Marian, que começara a ruborizar-se. - Ainda não
podia acreditar que me preferisse em lugar da Amanda.
- Não a preferia a ela - insistiu Chad.
- Me deixe terminar. Eu não tinha que ser a irmã escolhida por nenhum homem.
Estive muito tempo fazendo todo o possível para me assegurar de não sê-lo.
- Por quê?
- Para impedir exatamente o que aconteceu. Por que acredita que Amanda fez
essa afirmação? Não era só pela herança. Era porque estava ciumenta de que pudesse
querer a mim em lugar dela. Sempre foi assim. Por isso tratava de ocultar o fato de que
fomos gêmeas. Meu disfarce e os insultos eram para me certificar de que os homens só
se fixassem nela.
- De acordo, podia ficar ciumenta. Mas isso não era motivo para que trocasse
seu aspecto por completo e vivesse essa mentira indefinidamente.
- Era-o para mim. Não falhava alguma vez, sabe? Se um homem mostrava o
menor interesse por mim, ou vice-versa, Amanda o atraía para ela por qualquer meio,
fazendo amor com ele se era preciso. E, depois de me haver esfregado pelo nariz que
era dela, deixava-o de lado, e lhe infligia assim um grande dano emocional para
castigá-lo por ter pensado em mim ao princípio. Não queria ver que te ocorria isso.
- Não me podia haver isso dito então?
- O que me tinha apaixonado por ti? Não, Amanda tinha que estar casada antes
que eu pudesse admitir isso.
Chad se deteve, sorriu e inclinou um pouco a cabeça para trás.
- Ama-me? - perguntou-lhe.
- Eu não hei dito isso. O que quis dizer... Não complique as coisas. Estou
tratando de te explicar...
- Carinho, nada mais importa se me ama.
Deveria aceitá-lo, aferrar-se à felicidade e mandar ao diabo todo o resto.
- Se que importar. Além de meus sentimentos, ainda não entendo que pudesse
me amar a mim, a mim, quando nem sequer sabia como era eu em realidade. É só esta
cara, sua maldita cara...
- Já é hora de que cale outra vez, Mari - disse em voz baixa e lhe levantou o véu
para poder lhe acariciar a bochecha. - Acredita que não te conheço? É a que mostrou
tanta preocupação por mim que quase me mata quando estava em frente a aqueles
salteadores de diligências. É a que mostrou um notável valor, ou imprudência, quando
tentou, sem pensar, atacar a um homem quatro vezes mais corpulento que ela só para
me ajudar. É boa, é considerada, se preocupa pelos sentimentos de outros, até pode
207
que muito. Admiro sua guelra; admiro seu talento. De fato, penso que é maravilhosa.
Foi por você que me apaixone, Mari, e foi sem ter visto sua cara real, antes de saber
que foram gêmeas.
- Diz-o a sério, verdade? - Olhava-o turvada.
- Quero que seja minha esposa - assegurou Chad, que lhe sujeitava as duas
bochechas com a mão. - Te quer casar comigo?
- Oh, sim, sim! - Marian lhe rodeou o pescoço com os braços, rindo. - Se não
me tivesse pedido isso, pode que lhe tivesse pedido isso eu a você.
Chad riu a sua vez e começou a beijá-la, mas alguém se chocou com eles e
resmungou suas desculpas. O empurrão havia devolvido a Marian a consciência de
onde estava. Não era o lugar para manter uma conversação assim. E lhe pareceu ter
reconhecido essa voz. Voltou-se para ver o homem, mas não viu ninguém que
conhecesse entre a gente, até que sim, e ficou imóvel.
- O que acontece? - perguntou-lhe Chad.
Olhou-o com os olhos exagerados, mas sacudiu a cabeça.
- Nada - afirmou. - Minha imaginação me jogou uma má passada.
- Bridges?
- Não, era... - Não pôde terminar, e dirigiu de novo os olhos rua abaixo. Franzia
o cenho. - Sei que é uma tolice, mas quero me assegurar. Em seguida volto.
Correu na direção que tinha seguido o homem. Chad ia atrás, mas não o
esperou. Era impossível que pudesse ser quem viu, e só demoraria um minuto em
comprová-lo.
Alcançou ao homem e lhe puxou o braço para detê-lo.
- Papai?
O homem se voltou, dirigiu-lhe um olhar zangado e seguiu seu caminho. Marian
ficou ali de pé, sumida em um assombro total.
CAPÍTULO 57
Marian não recordava muito bem como tinha voltado para hotel. Chad deve ter
conseguido uma carruagem de aluguel porque recordava vagamente estar sentada em
um. Estava muito aturdida. Amontoavam-lhe muitas idéias na cabeça. Como era
possível? Nada encaixava. Não tinha sentido! Sempre voltava para um fato evidente.
Ele a reconheceu e, ainda assim, seguiu adiante.
Além disso, tinha quebrado o dia mais feliz de sua vida. Isso era quão único
tinha ocorrido esse dia que não lhe surpreendia. Era muito próprio de seu pai, e de
uma vez também irônico porque, por uma vez, não o fez de propósito.
Chad a levou diretamente à habitação da Kathleen. E sua tia só teve que lhe ver
a cara para perguntar alarmada:
208
- O que passou?
- Marian acredita ter visto seu pai - respondeu Chad depois de ter deixado a
Marian sentada no sofá.
- Isso é impossível - repôs Kathleen.
- Já sei, mas o parecido tem que ter sido o suficiente para...
- Era papai - interrompeu Marian em voz baixa. Elevou os olhos para sua tia e
prosseguiu: - Me olhou à cara, a poucos centímetros. Era papai.
- Bom, não posso dizer que me alegre ouvi-lo - suspirou Kathleen. - O melhor
que Mortimer fez por vocês foi morrer. Nem sequer isso pôde fazer bem?
Marian estava saindo de seu assombro. Ficou de pé, agitada. Sua tia estava
sozinha em seu quarto quando Chad levou ali a Marian, mas se estava aproximando a
hora do jantar, quando o resto do grupo se reuniria com eles. A habitação da Kathleen
era maior que as demais, assim tinham pedido que instalasse uma mesa nela.
- Mandy ficará furiosa quando o souber - predisse Marian.
- Certamente estará muito contente para pedir explicações - discrepou Kathleen.
- Acreditava que o enterraram - disse Chad.
- Fizemo-lo, mas era um ataúde fechado. Jamais me ocorreu perguntar por que.
- Assim enterraram a outro homem, e seu pai esteve desaparecido todo este
tempo. Amnésia? - sugeriu Chad.
- Seria uma explicação válida. - Kathleen se mostrou de acordo.
- Suponho que sim - acrescentou Marian, que franzia o cenho pensativa. - Salvo
que teria recuperado hoje mesmo a memória, ou faz poucos dias.
- Por quê?
- Porque a irmã do Albert vive em nossa velha casa, o que significa que Albert
também - explicou Marian. - Certamente papai ainda não sabe.
- E como sabe você isso, se se supunha que tinha que estar escondida? -
perguntou Kathleen.
- Saí a dar um passeio - esclareceu Marian com uma careta. - Não pensava ir
nessa direção, mas caminhei sem rumo e resultou que me encontrei com a irmã do
Albert que chegava a casa. Mas tomei precauções - acrescentou, e se deu uns
golpezinhos no chapéu com véu que ainda levava na cabeça. Depois, o tirou. -
Ninguém me reconheceu.
- Sabe o que? - disse Kathleen, que tinha assentido com a cabeça. - Me acaba de
ocorrer outra explicação.
- Qual?
- O homem que viu poderia ser o irmão gêmeo de seu pai.
- Não tinha nenhum.
- Pode que sim. É coisa de família. E eu ainda não tinha nascido quando ele o
fez, de modo que não posso sabê-lo. Poderiam ter sido dois. Nossa mãe era o bastante
egoísta e carente de amor maternal para ter entregue a uns de seus filhos se não queria
ocupar-se de dois.
- É um pouco desatinado - disse Chad.
- Sim, é verdade. Mas coisas mais estranhas se viram - insistiu Kathleen.
209
- Salvo que ele me reconheceu - lhes recordou Marian.
- Tem razão - disse Kathleen, que pestanejou exasperada. - Disse que estava
frente a ele. E o que te disse a respeito?
- Não ficou para falar, e eu estava muito surpreendida para voltar a segui-lo.
Dirigiu-me esse olhar zangado de «não me incomode agora» que tinha reservada para
mim.
Chad deu uns tapinhas a seu lado no sofá para indicar a Marian que voltasse a
sentar-se. Agradou-lhe, e ambos viram como Kathleen arqueava uma sobrancelha
quando Chad rodeou com o braço os ombros de Marian e esta não o apartou.
- Há mais notícias que dar hoje? - quis saber Kathleen.
- Sim - respondeu Marian, com um ligeiro rubor e um sorriso enorme. - Mas
agora não é o melhor momento para mencioná-lo.
- Felicidades de todos os modos. - Kathleen riu.
- Por quê? - perguntou Amanda enquanto entrava pavoneando-se no quarto, sem
bater na porta e seguida do Spencer. Antes de esperar uma resposta, prosseguiu: - Não
chegou ainda o jantar? Morro de fome.
- Comeu por duas pessoas no almoço, e o sol ainda não terminou que ficar. O
que esteve fazendo para ter tanto apetite?
Kathleen fazia a pergunta com toda a inocência do mundo, mas Amanda ficou
vermelhíssima, enquanto Spencer sorria encantado.
- OH - exclamou Kathleen, que decidiu responder em seguida a pergunta inicial
da Amanda com um sorriso. - Mari e Chad entenderam por fim que se gostam.
- Graças a minha ajuda - alardeou Amanda.
Kathleen e Marian a olharam incrédulas.
- Já lhe contarei isso depois - sussurrou Chad ao ouvido de Marian, - mas ela é
em realidade responsável por que hoje me mostrasse tão insistente.
- Amanda me fazendo um favor? - sussurrou-lhe Marian de volta com um bufo
suave. - Quando as rãs acredita m...
- Não o deixe para mais tarde, carinho - a interrompeu Chad. - Diga-lhe e lhe
tire isso de cima.
Marian pestanejou. Era certo que a conhecia muito bem. Estava prevendo que a
sua irmã daria um ataque devido a que nem a viagem nem as moléstias que tinha
suportado tinham servido de nada. Era outra coisa que não desejava presenciar o dia
mais feliz de sua vida. Mas era impossível evitá-lo. Não o podiam ocultar a Amanda.
- Papai está vivo, Mandy. Hoje o vi na cidade. Não há dúvida, era ele.
Chegamos à conclusão de que deve ter perdido a memória e que a acaba de recuperar.
- Mas, que explicação deu ele? - foi o único que Amanda perguntou.
Marian franziu o cenho. A resposta da Amanda era muito tranquila dadas as
circunstâncias. E então recordou que sua irmã tampouco se alterou ante a notícia da
morte de seu pai.
- Você sabia! - acusou-a.
- Não, é só que nunca aceitei que estivesse morto - disse Amanda encolhendo-se
de ombros. - Não parecia real, não sei se me entende. E agora sei por que, já que
210
nunca esteve morto. De verdade acredita que perdeu a memória?
Marian estava muito assombrada pela suave reação da Amanda para responder
imediatamente.
- Não há muitas mais costure que possam explicar por que enterramos ao
homem equivocado - disse por fim.
- Não enterraram a ninguém - interveio Stuart, que entrava no quarto. Kathleen
se voltou para ele.
- O que quer dizer? - perguntou-lhe.
- O ataúde estava vazio.
Kathleen, alarmada, soltou um grito afogado com os olhos exagerados.
- Meu Deus, não o desenterraria, verdade?
- Não foi necessário - grunhiu Stuart. - Acabo de fazer uma visita à polícia local.
Riram de mim em minha cara quando mencionei que Mortimer Laton morreu fazia
uns meses. Parece que Mortimer e seus cúmplices mantiveram esse enterro bastante
em segredo, e eliminaram todo o rastro do mesmo depois de que as garotas partissem
da cidade. Todo o assunto foi uma farsa total. Mortimer Laton esteve aqui todo o
tempo, dedicado a suas coisas como de costume.
- Isso não é possível - insistiu Amanda de uma vez que sacudia a cabeça com
firmeza. - Albert deve ter encontrado a alguém que lhe parece para fazer-se passar por
ele, para que lhe resultasse mais fácil apoderar-se de tudo. Mas papai já tornou. Não
importa onde tenha estado ou por que Albert acreditou que estava morto. O fará pagar,
se não o tiver feito já.
211
CAPÍTULO 58
Foram necessárias duas carruagens para transportá-los a todos, já que nenhum
queria ficar e perder o enfrentamento com a irmã do Albert. Era uma lástima que
Albert não fosse estar presente. Mas talvez Mortimer sim. Tinha ido nessa direção.
Podiam chegar a tempo de ver como a mulher e todos seus pertences acabavam na rua.
Mas também podia ser que Mortimer nem sequer soubesse que toda sua riqueza foi
transferida a seu advogado. Era realmente possível que tivesse recuperado a memória
fazia pouco e voltado para o Haverhill esse mesmo dia.
Chad conteve a Marian para que não subisse a primeira carruagem, ao que fez
gestos para que iniciasse a marcha, e depois parou outro. Demonstrou ser bastante
enérgico ao conseguir ficar a sós com ela em meio de toda aquela confusão. A Marian
não lhe importou. Na realidade, agradava-lhe deixar de discutir um momento a
milagrosa volta de seu pai de entre os mortos.
- Está bem? - perguntou-lhe enquanto a rodeava com o braço e a atraía para ele.
- Agora sim. De verdade. - E, logo, sorriu-lhe. - Mas pode ser que tenhamos que
fugir juntos. É provável que papai não te aceite como a tia Kathleen, e agora o
consentimento voltará a depender dele.
- E isso te parece divertido? - Chad tinha arqueado uma sobrancelha.
- Não, não me importa se dá ou não seu consentimento. Sua volta não significa
nada para mim. O que tivesse podido sentir por ele morreu muito antes que acreditasse
que ele havia falecido. Não nos faltava de nada, mas olhe-o como o olha, não era um
bom pai.
- Eu gostaria de me casar contigo antes de voltar para Tejas. Suponho que
poderia lhe pedir sua mão depois de que se esclarecesse tudo.
- Não te incomode. Aqui não é possível casar-se tão depressa.
212
- A idéia de ter que esperar, embora só seja uns dias... - gemeu Chad.
Não terminou a frase. Em lugar disso, começou a beijá-la. Nesse beijo aflorou
muita paixão com uma rapidez assombrosa, o que indicava a frustração que sentiu
desde por volta de semanas. A resposta de Marian foi igual de apaixonada. Tentar
negar que o amava foi inútil. E era uma sensação maravilhosa admiti-lo por fim, e
estar segura de que ele o correspondia.
Era realmente o dia mais feliz de sua vida, e um dos mais confusos também. A
confusão voltou quando o carro se deteve frente a sua antiga casa, que, por desgraça,
não estava muito longe do hotel.
- Poderia nos casar o capitão de um navio - sugeriu Marian, sem fôlego, depois
de interromper o beijo. - De fato, parece-me que eu gostaria de estar confinada contigo
em um reduzido camarote em alta mar. Não temos que voltar de trem com outros,
verdade?
- Não. - Chad gemeu ante a idéia de tê-la para ele sozinho durante umas
semanas no mar. - Tampouco temos que estar aqui. Preferiria me inteirar do que
ocorre por outra pessoa.
- Te nota a impaciência. - Marian riu.
- É claro que sim - grunhiu Chad, mas a seguir suspirou. - De acordo, acabemos
com isto. Não vou ter toda sua atenção até que se resolveu esta estranha situação.
Deveríamos ter trazido uma partida de homens. Revistam solucionar as coisas muito
depressa.
Marian ria ao descer da carruagem, mas ficou séria imediatamente ao ver sua
irmã subindo pelo caminho que conduzia à porta principal de sua velha casa.
Conhecendo-a, Amanda seguia considerando-a sua casa, e entraria sem chamar. O que
talvez não fora muito boa idéia, porque já não era sua em realidade, e não o seria até
que detiveram o Albert e o acusassem de seus delitos.
Assim correu pelo caminho para chegar antes que Amanda à porta e a esmurrou,
abriu um mordomo ao que nenhuma das duas reconheceu.
Amanda abriu a boca para exigir entrar, mas esta vez quem lhe adiantou foi o
mordomo.
- Passem, por favor. Estão as esperando - disse.
Marian não deveria ter precisado nenhuma outra advertência mais. Se não
tivesse estado tão distraída com o Chad no caminho de ida, talvez não se teria surpreso
quando ela e outros seguiram ao mordomo ao salão e se encontraram com seu pai e a
irmã do Albert estavam jantando tranquilamente.
- Vamos levar nos como pessoas civilizadas, parece-lhes? - disse Mortimer, e
indicou com uma mão as cadeiras dispostas ao redor do a larga mesa. - Sentem-se.
Está-se servindo o jantar.
Ninguém se moveu. Amanda mostrava um assombro atrasado. Até ela podia ver
que suas hipóteses tinham sido muito equivocadas. E seu pai se mostrava displicente a
respeito, como se não tivesse feito nada mal. Mas isso era típico dele. Não gostava dos
enfrentamentos. Esse era um dos motivos de que tivesse mimado tanto a Amanda. Não
queria ter que suportar suas manhas de criança, assim que lhe dava tudo o que queria.
213
- Parece que deu no prego, Stuart. Uma farsa total - comentou Kathleen, e
sacudiu a cabeça.
- É você. Kathy? - perguntou Mortimer com curiosidade.
- Sim, sou eu. - Kathleen se sentou no extremo oposto da longa mesa. - Mas não
se preocupe, não penso ficar muito momento.
- Envelheceu bem - disse Mortimer, ao tempo que se encolhia de ombros. - Não
estava do todo seguro.
- Sim que o estava - replicou Kathleen. - Só tenta ganhar tempo.
Ficou um pouco avermelhado, mas a mulher sentada a seu lado lançou zangada
o guardanapo sobre a mesa e exclamou:
- Comprido daqui! Vão-se todos. Não lhes devemos nenhuma explicação!
- Quem diabos é você? - chiou Amanda, a quem essa intervenção havia
devolvido à realidade.
- A irmã do Albert - indicou Marian.
Mas a mulher estava decidida a falar por si mesmo.
- Sua madrasta, embora esperava não ter que lhes dizer isso nunca - exclamou.
- Casou-se com ela? - perguntou Amanda a seu pai.
- Sim, era necessário - respondeu Mortimer.
Não era uma forma o que se diz normal de expressá-lo, o que fez que Marian
suspeitasse.
- Era seu amante, verdade?
- Mortimer! - queixou-se sua esposa. - Não permitirei que me insultem em
minha própria casa.
- Não se pode dizer que seja um insulto se for a verdade - interveio Kathleen
com um sorriso de satisfação.
Marian compreendeu que sua tia estava desfrutando da situação. Depois de
tantos anos, podia fazer o pagar a seu irmão pondo-o em um apuro. Dava obrigado por
poder ler entre linhas. Uma vez superada a surpresa inicial, só sentia curiosidade, e em
boa medida já a tinha satisfeito. depois de tudo, viu o bebê.
- Se não podermos discutir este assunto com calma, pedir-lhes-ei que vão - disse
Mortimer ao grupo em geral, embora olhava a Amanda ao falar. E, logo, acrescentou a
sua mulher: - e isso também vai por ti.
A mulher ficou muito rubra, voltou a colocar o guardanapo no regaço e
começou a comer de novo. Podia ser uma bruxa, e de uma grosseria inaceitável, mas
era evidente que Mortimer não lhe permitiria armar escândalos em sua presença.
De seu grupo, só Kathleen e Stuart se sentaram à mesa. Amanda estava muito
agitada para fazê-lo. Marian não acreditava que fora a estar o tempo suficiente para
tomá-la moléstia. Spencer e Chad lhes davam seu apoio permanecendo a seu lado.
Kathleen se recostou e comentou com indiferença, embora com certa ironia:
- Assim que te casou com seu amante. Parabéns. Mas por que tinha que morrer
para fazê-lo?
- Foi idéia do Albert - respondeu Mortimer, enquanto se encolhia de ombros. -
Eu queria casar a minhas duas filhas com um pequeno dote e preparados. Mas ele me
214
fez ver o caráter da Amanda e, ao final, tive que lhe dar a razão. Não sabe o tranquilo
que se está contigo fora do estado, minha vida.
Amanda ficou muda um momento, o que permitiu a Kathleen dizer:
- E tudo isto foi porque imaginava que Amanda armaria uma boa se te voltava a
casar? É tomar medidas extremas só para evitar uma briga ou duas.
- Sempre teve uma forma curiosa de dizer as coisas, Kathy. - Mortimer riu. -
Mas não, isso só era uma pequena parte do assunto.
- Há mais?
- É obvio. Decidi começar do zero não só com uma nova esposa, a não ser com
uma nova família. Agora tenho um filho, sabe?
- Por isso te casou com sua amante?
- Além disso - se limitou a esclarecer Mortimer, sem responder diretamente, -
não pensava dar às garotas nada de meu dinheiro agora que sentia tanto carinho por
meu filho. Afinal, são mulheres. Terão maridos que as mantenham. Teria sido um
esbanjamento total lhes dar uma parte de meu patrimônio porque teria ido parar a seus
maridos, algo que não estava disposto a permitir agora que tenho um filho.
- Entendo que conseguisse enganar às garotas - disse Kathleen. - Mas como
conseguiu enganar a toda a cidade?
- Porque quase ninguém se inteirou. - Sorriu.
- Impossível. Um homem tão proeminente como você... —objetou Kathleen.
- Me deixe terminar - lhe interrompeu Mortimer. - A notícia de minha «morte»,
o funeral, tudo o planejamos muito bem para que as garotas zarpassem justo depois do
enterro, antes de que tivessem ocasião de falar com alguém. Os dias anteriores ao
funeral, despedia-se das visitas na mesma porta. Não se publicou nenhum anúncio no
periódico, mas as garotas não iam sentir falta disso porque apenas o liam. Só um dos
pretendentes da Amanda soube de minha «morte» e tínhamos um bom conto
preparado para lhe contar depois, ou a qualquer que se inteirasse do «enterro», mas o
caso é que estava tão desconsolado pelo rechaço da Amanda que partiu a sua vez da
cidade.
- E os criados? Pagou-lhes para que guardassem silêncio?
- Isso teria sido esbanjar o dinheiro. Não, o conto sobre meu «reaparecimento»
funcionou muito bem com as poucas pessoas que sabiam do enterro. A explicação foi
que “acharam” que eu tinha morrido, mas que meu cadáver não foi recuperado.
- Sim, suponho que isso evitaria que a gente se perguntasse a quem se enterrou.
- Exato. E fingi ter uma perna rota para explicar por que não tinha retornado a
tempo para impedir que se celebrasse um funeral.
- Quando teve lugar sua milagrosa «volta»?
- O dia depois de que as garotas zarpassem, é obvio. Tudo estava calculado ao
redor da data de partida desse navio, para tirar as garotas da cidade antes que muita
gente se inteirasse de nosso pequeno engano. Alguns de meus sócios receberam a
notícia da «morte». Depois de tudo, às garotas teria sentido saudades que ninguém se
apresentou ao enterro.
- A mim não - interveio Marian.
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Seu pai grunhiu para ouvi-la, mas prosseguiu com sua explicação.
- Mas quem se inteirou da «morte» foram escolhidos com cuidado por não ser
muito ardilosos. Depois, aceitaram sem problema a explicação, contentes de minha
volta.
- E os inumeráveis admiradores da Amanda? - perguntou Marian. - Como lhes
explicou sua ausência?
- Uma viagem prevista pela Europa antes que sentasse a cabeça.
- Do que ninguém a ouviu fanfarronear antes de ir-se? - zombou Marian.
- Não queria ver a decepção deles ao inteirar-se de que estaria fora uns meses.
- E quando não voltou como esperavam?
- Casou-se, é obvio. - Fez um gesto com a mão para lhe tirar importância.
- Um plano muito elaborado - disse Kathleen, enquanto sacudia a cabeça. - E
tudo isso para que? Ainda não está morto, Mort. Sua riqueza segue sendo tua para
dispor dela como gosto. Se não queria nenhum revôo por nomear ao menino seu único
herdeiro, poderia não haver dito nada a ninguém.
- E que brigassem por meu dinheiro quando eu já não estivesse? Sabia-se que
eram herdeiras. Todos os pretendentes da Amanda esperavam um pedaço de bolo. Não
queria que, se algo me passava, alguém brigasse por minha herança. Não, nem pensar,
não haveria nenhuma discussão. E não teria havido nenhuma se as garotas se ficaram
em Teja , onde as mandamos. Por que tornaram? - perguntou com uma irritação
evidente.
- Porque seu homem das idéias brilhantes teve uma que não foi muito ao enviar
um relatório contável de suas propriedades que a Amanda pareceu uma sandice.
Acreditamos que Bridges tinha roubado a herança às garotas. Essa é a única razão de
que estejamos aqui.
- Sim. - Mortimer suspirou. - Às vezes é bastante tolo.
Sua mulher balbuciou indignada em defesa de seu irmão, mas seguiu com a
boca fechada. Mortimer poderia haver-se casado para ter a seu filho sob seu teto, mas
era provável que não a tratasse como a uma verdadeira esposa. Não estava claro que
houvesse nenhum carinho entre ambos porque, ao que parece, tinha derrubado todo
seu amor no menino.
- Sigo sem compreender por que não esperou até que as garotas se casassem e se
estabelecessem em outra parte. Há gente que forma uma nova família quando é maior,
Mort. Ocorre sem cessar.
- Sim, visto agora, pode que tivesse sido o melhor. Mas era preferível afastar a
Amanda do Haverhill. E teria sido difícil consertar um matrimônio para ela em outro
lugar, porque não desejava deixar a cidade. Além disso, é muito ciumenta para não ter
causado problemas quando me casei e reconheci ao Andrew como meu único herdeiro.
- Está dizendo que teve que fingir sua morte só porque mal criou tanto a sua
filha que nem sequer você sabia como dirigi-la?
- Em essência, sim.
Pôs-se avermelhado de novo ao reconhecer-se debilidade. Marian o entendeu à
perfeição porque tinha vivido com ambos. Sabia a classe de alvoroço que Amanda
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podia armar e sabia que a seu pai não tinham gostado nunca das cenas desse tipo. Nem
sequer lhe surpreendeu, em realidade, que tivesse idealizado um plano para que
Amanda desaparecesse totalmente de cena. Já tinha um novo preferido. Amanda já
não significava apenas nada para ele; mas bem a considerava um estorvo.
A Marian não importava, graças a Deus. Mas o sentia um pouco por sua irmã.
Seu castigo? Não, o que fez seu pai era mais que isso. Esse homem ao que Amanda
tinha adorado desde menina fingiu sua morte para tirá-la de sua vida. E essa era em
realidade a única razão pela que o tinha feito. Tinha convertido a Amanda no que era
com seu favoritismo egoísta; mas não o admitiria, não se considerava culpado. O
dinheiro era uma questão secundária. Não queria ocupar-se de uma filha malcriada que
já não lhe importava.
Teria sido muito, muitíssimo melhor, ter seguido acreditando que estava morto.
Olhou a sua irmã. Amanda tinha os olhos um pouco frágeis da emoção e os
punhos fechados a cada flanco, mas não tinha explorado como todos esperavam.
- É um covarde miserável, papai - disse Amanda em um tom tranquilo que
surpreendeu a todos. - Sabia que não estava morto. Jamais me pareceu isso, assim não
o aceitei. Mas agora sim me parece isso.
Dito isto, Amanda se voltou e saiu do salão e da casa. Depois dela deixou um
silêncio que se prolongou uns instantes intermináveis. Logo, Spencer se aproximou
devagar ao extremo da mesa onde Mortimer estava sentado. O homem maior começou
a levantar-se, alarmado, porque a cara do homem jovem continha toda a raiva ausente
na da Amanda. Spencer voltou a sentá-lo com um murro que lhe acertou totalmente
entre o nariz e a boca, e lhe machucou ambas.
- Não se preocupe - disse o texano indignado. - Já terminei. foi só por minha
mulher, já que é muito senhora para fazê-lo ela mesma. E não necessita seu dinheiro.
Não necessitará nada enquanto eu esteja a meu lado.
Spencer não esperou sua resposta, não queria receber nenhuma. Mas cuspiu no
chão antes de sair detrás de sua esposa.
Stuart se levantou, estirou-se e alargou a mão para a Kathleen.
- Teve sorte de partir desta imundície antes de que te infectasse, carinho. Vamos
a casa?
- Sim, por favor. - Sorriu-lhe e tomou a mão para ir-se. Entretanto, deteve-se na
porta e se voltou para olhar a seu irmão por última vez. - Sabe o que, Mort? Na vida se
recolhe o que se semeia. Não te parece irônico? A ninguém importava que estivesse
morto. E acaba de cuspir à única pessoa a que poderia lhe haver importado que
seguisse vivo. Menos mal que entrou em razão.
Marian e Chad foram os únicos que ficaram. Mortimer não se incomodou em
olhar a Marian nenhuma só vez. Sua esposa seguia comendo. Era quase cômico.
Importava-lhe tão pouco seu marido que nem sequer aparentou preocupar-se um
pouco pelo sangue que este se limpava da cara.
Chad ficou detrás de Marian , agarrou-a pelos ombros como amostra de
solidariedade.
- Se quiser que lhe dispare por ti - disse com uma voz que chegava ao outro
217
extremo da mesa, - fá-lo-ei.
Marian se pôs-se a rir, sem que a surpreendesse o mais mínimo poder fazê-lo
nessas circunstâncias. Seu pai já não a impressionava.
Voltou-se, sorriu ao Chad e lhe acariciou a bochecha.
- Diz umas coisas tão bonitas...
Chad pôs os olhos em branco. Sua resposta lhe deu a entender que o que tinha
ocorrido ali esse dia não a tinha ferido como a Amanda.
- Acredito que já sabe onde está a porta - disse Mortimer em um tom frio.
Marian apenas o olhou. Não haveria dito nada, não sentia a necessidade de
enfrentar-se a ele como outros, mas o olhar que lhe dirigiu lhe sentou mal. Esse
homem a ignorara toda sua vida, exceto quando quis livrar-se dela; então, contara com
toda sua atenção.
- Compadecer-te-ia - soltou em um tom familiar, - mas não merece isso, sabe?
Compadeceria a seu novo filho também, mas tampouco o merecerá quando tiver
terminado de educá-lo para que seja igual a você. Isso se é que em realidade é teu e
não só...
- Saia! - interrompeu-a Mortimer furioso.
- E não só outra farsa tramada por um advogado ardiloso que parece preferir as
mentiras à verdade - terminou Marian e, ao ver que a irmã do Albert se pôs
coloradíssima, acrescentou com uma gargalhada: - OH, é para partir-se de rir. Desfruta
de sua nova família, papai.
CAPÍTULO 59
Havia um navio que saía ao dia seguinte. Aconselhava-se aos passageiros que
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embarcassem a noite anterior, porque zarpariam com a maré da manhã. Stuart ainda
tinha negócios que atender em Chicago, assim que ele e Kathleen retornariam no trem.
E, como Spencer preferia o trem ao navio, ele e Amanda voltariam com eles. Ela Mae,
que já escolheu ficar com Marian agora que as irmãs já não viveriam mais juntas,
ofereceu-se para ir Marian na viagem por mar já que esta necessitaria uma
acompanhante, pelo menos um dia mais.
Amanda foi despedir-se enquanto Marian deixava preparado a bagagem para
que o transportassem até o navio. Jantariam todos juntos antes de seguir caminhos
distintos. É obvio, reunir-se-iam em Tejas um umas semanas. Mesmo assim, era a
primeira vez que as duas irmãs foram estar separadas mais de um dia.
Ao princípio Marian ignorou a Amanda. Não queria falar sobre seu pai, como
temia que Amanda desejasse. Embora Marian desejasse esquecer em seguida que
tinha existido e concentrar-se só em sua nova vida e em seu futuro marido, Amanda
tinha recebido um golpe terrível esse dia. Além disso, a vida da Amanda não estava
decidida. Spencer podia pensar que ia ser como havia dito depois de que Amanda
partisse da casa do Mortimer, mas ela ainda não dera essa impressão
Amanda não havia dito nada. Limitou-se a perambular pela habitação tocando
coisas distraidamente. Marian deixou por fim o que estava fazendo e se sentou na
cama com um suspiro.
- Me vou casar amanhã, ou pouco depois, sabe? Sou feliz. Amo ao Chad.
Acredito que me vai encantar ser sua mulher. Conseguimos estar juntos apesar de seus
intentos de arruinar...
- Estou contente que tenham esclarecido todo - a interrompeu Amanda. -
Imaginava que lhe diria a verdade. Jamais me ocorreu que o guardaria em segredo
com tanta obstinação.
- Mencionou algo sobre o fato de que você foi responsável por que hoje tivesse
insistido tanto - disse Marian olhando a sua irmã. - É por isso?
- É obvio. Não era minha intenção sabotar seu pequeno romance. Nesse
momento me aborrecia como uma ostra enquanto esperava que Spencer aparecesse
outra vez. Supunha-se que iria afirmar imediatamente que era mentira, a te
envergonhar um pouco, a trocar de mentalidade e deixar de te esconder, a te casar...
- Espera um momento - interrompeu agora Marian. - Se tenta me dizer que foi
um tentou se de fazer de casamenteira, recorda com quem está falando.
- Não diga tolices. Isso já o fez você. Depois de tudo, fez amor com ele. Isso
falava por si mesmo. Eu só apurava as coisas para que fossem interessantes.
- Porque te aborrecia.
- Sim, e suponho que estou tentando dizer que sinto ter quebrado tanto as coisas.
- Muito bem, Mandy, O que quer?
- Nada.
- Tolices. Você não te desculpa sem uma razão. Tampouco faz as coisas só para
ser amável.
- Mari, já sei que tenho muitos defeitos. Não tem que me recordar isso Poderia
dizer-se que estar longe de papai, em Tejas, fez-me despertar. Sem ele perto para que
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aprovasse tudo o que fazia, comecei a me dar conta de que algumas das coisas que
fazia eram simplesmente horríveis.
Marian ficou muda um momento.
- O que ocorre em realidade? - quis saber depois.
- Spencer —suspirou Amanda. - Nunca vai amar-me do modo que eu esperava,
do modo que Chad ama a ti. Divirto-lhe, isso é tudo.
- Quer então que te ame?
- Claro que sim. É meu marido, não?
- Pela força - lhe recordou Marian.
- Isso foi só para impressioná-lo - esclareceu Amanda com um gesto da mão. -
Não ia dizer lhe o muito que significa para mim, quando ele se mostra tão indiferente.
Tenho meu orgulho, sabe?
- Quer dizer que não pode fazer o que quiser com ele? - supôs Marian.
- Não faz falta que seja sarcástica. Mas não, não posso. Traz-lhe sem cuidado o
que eu queira. Não faz o menor esforço para me agradar.
- E você?
- O que?
- Esforça-se por agradá-lo?
Amanda grunhiu. Depois, franziu o cenho e refletiu um momento.
- Suponho que não - confessou por fim. - Estive muito ocupada tentando evitar
que saiba que o amo.
Isso resultou muito familiar a Marian. Era exatamente o que ela, como uma
parva, fazia.
- Dar-te-ei um conselho de irmã, já que eu acabo de passar por isso. Seja sincera
com ele. Diga-lhe pode ser que tenha uma surpresa e descubra que ele está fazendo o
mesmo: ocultar o que sente em realidade.
Amanda acessou a tentá-lo e deve tê-lo feito, porque parecia muito satisfeita
consigo mesma essa noite, durante ao jantar. Marian a alcançou quando deixavam o
hotel. Tinham um carro esperando para ir ao navio, mas Chad se deteve para dizer
umas palavras a seu pai, e Spencer foi reunir se com eles.
- O disse? - sussurrou Marian a sua irmã, depois de levar-lhe à parte.
- Sim.
- E te respondeu que ele também te ama?
- Não, negou-o - disse Amanda, embora sorria de orelha a orelha. - Mas sei que
mentia, assim não passa nada.
- Veremo-nos quando chegar a casa, Mandy - disse Marian com os olhos em
branco.
- Por certo - brincou Amanda, - eu gostaria de ter um retrato de bodas se não te
importar. Assim poderei lhe lançar dardos a algo quando zangar com meu marido.
Marian seguia rindo quando se reuniu com o Chad no carro. Este lhe perguntou
por que.
- Parece-me que minha irmã está desenvolvendo um verdadeiro senso de humor
- se limitou a responder.
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Casaram-se no dia seguinte, no mar, e Marian descobriu com grande prazer que
esse tinha acabado sendo o dia mais feliz de sua vida. Nada podia comparar-se com a
euforia que sentiu do momento em que havia dito: «Sim, quero.»
E Chad se assegurou de que esse dia fora especial em todos os sentidos. Para ser
um vaqueiro, era muito romântico. Como o demonstravam as flores que tinha subido a
bordo às escondidas e tinha pedido a Ela Mae que distribuíra por coberta durante a
cerimônia, de modo que Marian não as visse até que se deram o sim. Como também o
jantar à luz das velas, e o fato de que não prestasse atenção quando a taça de vinho
caiu da mesa antes de que estivesse cheia. Como aninhar-se com ela essa noite em
coberta tampados com uma manta para ver sair a lua cheia, que Chad lhe jurou ter
pedido só para ela.
E por fazer o amor com ela a maior parte do dia. Depois de haver-se casado essa
manhã, retiraram-se imediatamente ao camarote que foram compartilhar o resto da
viagem. Não saíram a almoçar e estavam famintos na hora do jantar. Mas ambos
tinham economizado muita paixão para consumar seu matrimônio. Durante o dia
brincaram dizendo que ainda não lhes tinha saído bem e tinham que tentá-lo outra vez,
e outra vez. Outra lembrança que saborear. Houve um momento no que Marian estava
convencida de que tinham quebrado a cama.
Quando se retiraram depois do jantar, ambos estavam exaustos. Mas isso não
impediu que Chad a atraíra para si e, quando os beijos de boa noite se prolongaram,
averiguaram que, depois de tudo, não estavam tão esgotados.
Um pouco depois, Marian suspirou com satisfação e se aninhou perto dele.
- Acredito que por fim nos saiu bem - disse, e sorriu meio adormecida.
- Está segura, carinho? - perguntou Chad enquanto lhe percorria o braço com
um dedo. O que lhe provocou um calafrio na nuca.
- Não lhe podem ficar energia. - Se incorporou, surpreendida. - Não é possível.
- Não. - Chad riu. - Mas reunirei mais porque que não vou cansar-me nunca de
você. - Atraiu-a para ele para lhe dar um beijo muito terno. - Te amo, Mari. Vou
passar o resto de minha vida te demonstrando quanto. Quando formos velhos e nossos
netos se reúnam a nosso redor...
- Espera um momento. Quantos filhos teremos para produzir esses netos?
- Oh, uma meia dúzia, ou talvez três pares de gêmeos.
- Gêmeos! - gemeu Marian. - Espero que não.
- Eu espero que sim - replicou Chad. - E os criaremos sem favoritismos, com
todo o amor e os cuidados dos que é capaz, porque você é assim. Não permitiria que
fosse de outro modo.
- De acordo, pode ser dois pares - concedeu com um sorriso. - E quando formos
velhos?
- Não lamentará nada, carinho. Prometo-lhe isso.
Acreditou-lhe. Não tinha sonhado nunca ser tão feliz, com um vaqueiro, só um
vaqueiro, mas seu vaqueiro. Por fim, um homem que era dela.
221
FIM
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