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5/13/2018 Luigi Ferrajol - Direitos Fundamentais - slidepdf.com
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Parte I
: D i r e i t o s Fundamenta ls '
TnuilirC1U
Alfredo Copetti Neto
I. Urna defini~ao formal do conceito de
Direltos Fundamentals
t
II
Proponho uma definicao teorica, puramente formal ou es-
trutural, de "direitos fundamentais": si lo "direitos fundarnentais"
todos aqueles direitos subjetivos que dizern respeiro universal-
mente a "todos" as seres humanos enquento dotados do status de
pessoa, ou de cidadao au de pessoa capaz de agir, Compreendo
par "direito subjetivo" qualquer expectativa positiva (a presta-
cao) OLl negativa (a nao lesao) vinculada a um sujeito par urna
nOTlTIa juridica, e par status a condicao de ur n sujeito prevista
tarnbern esta par uma norma jurfdica positiva qual pressuposto
da sua idoneidade a ser titular de situacoes juridicas e/ou autor
dos a tos que estao em exerc fcio.'
Essa definicao e uma definicao teorica enquanto, tambern
scndo estipulada com referencia aos direitos fundamentals posi-
tivamente determinados pe las leis e const ituicoes nas modernas
dernocracias, prescinde da circunstancia de fate de que nesse ou
naquele ordenarnento tais dire ito s se jam OLl nao forrnulados em
cartas constitucionais au em leis fundamentais e, par assim dizer,
do fato de que eles sejam (au nao) enunciados em normas de di-
reito positive. Nao se trata, em outras palavras, de urna definicao
I DirillijrJIIlkllllcnwli: 113 sua versao original rub Ilcada em "Teoria politica". 1998,11.2,
p.3-33.
1As reses aqui colocadas estao elaboradas, de manei ra bern rna is nnalftica, em Ferrajoli.
: ' ,007.
Por urna Teoriu dos Direitos e dos Bens Fundnrnentais 9
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dogrnatica, ' isto e , formulada corn referencia a s norrnas de urn
ordenamento concreto, como, par exemplo, a constituicao italia-
na au aquela espanhola. Com base nisso, dirernos que sao "fun-
darnentais" as direitos atribuidcs par urn ordenamento jurfdico
a todas as pessoas ffsicas enquanto tais, au enquanto cidadas,
au enquanto capazcs de agir. Mas diremos rambern, scm que a
nossa d efin ic ao s eja de algum modo invalidada, que ur n dado
ordenamento juridico, por exemplo, totalitario e p ri v ado de di rei-tos fundamentais. A previsao de tais direitos pOl' parte do direito
positive de urn determinado ordenamento e, de alguma rnaneira,
condicao da sua existencia ou vigor naquele ordenamento, mas
na o incide sobre a significado do conceito de d ir e it os f un d amen -
tais. Menos a in da in cid e sobre esse significado a sua prcvisao
uum texto constitucional, que e sornente uma garantia de sua
observancia por parte do legislador ordinario: sao fundamenta ls,
por exernplo, tambem os direitos de defesa deterrninados ao im-
putado pelo codigo de processo penal, que e uma lei ordinaria.
Em segundo lu ga r, a n os sa d efin ic ao e uma d ef in ic ao for-
mal ou estrutural no sentido de que prescinde da natureza dosinteresses e das necessidades tuteladas com a seu reconhecirnen-
to como direitos fundamentais e se baseia unicamente sabre a
carriter universal da sua imputacao: compreendido "universal"
no senti do puramente 16gico e avalorativo da qualificacao uni-
versal cia classe de sujeitos que deles sao titulares, De fato, sao
tutc lados como universai s, e, portanto , fundamenta ls, a liberdade
pessoal, a libe rdade de pensamento, os dire ito s po lit icos, os dire i-
tos socials e similares, Mas onde tais direitos fossem alieruiveis
e entao v irtua lm en te n ao universals, como seriam, par exern-
plo, numa sociedade escravagista au inte iramen te rnercant il ista,
eles n iio seria rn universa is nem, par conseguinte, fundarnenta is.
Inversarnente, se fosse estabelecido como universal urn direito
absolutamen te fu til , como , por exernplo, 0 di rei to a ser cumpri-
mentado na via publica pelos proprios conhecidos ou 0 di rei to de
furnar, ele ser ia um direi to fundamental .
Sao evidentes as vantagens de uma definicao como essa,
Euquanto preseinde de circunstancias de fato, ela e valida para
qualquer ordenamento, independentemente dos diretos fun-
damentais nele previstos au nao previstos, inclusos os orden a-
mentos totalitarios e aqueles pre-modern os. Ha, assirn, 0 valor
de uma definicao per tencente a t eoria geral do dire ito. Enquanto
e independente dos bens aLI dos valores au das necessidades
substanciais que pel os direitos fundarnentais sao tutelados, elae , an tes de tudo, ideologicamente neutra. EpaI' isso valida em
qualquer que se ja a fi losofia j uridica ou pol jti ca compart ilhada:
juspositi v isra au jusnaturalista, liberal ou socialista, e, par fim,
antiliberal e antidemocratica. •
E, todavia, esse carater "formal" da nossa definicao niio
impede que ela seja suficiente para identificar, nos d ire ito s fu n-
darnentais, a base da igualdade jurfdica. Graeas a isso, de fato, a
universalidade expressa pela quantificacao universal dos (tipos
de) sujeitos que de tais direitos sao titulares vem a se configurar
como um dos seus corolarios estruturais, que, como veremos,
comporta 0 cara te r inali euavel e indi sponfvel dos interesses subs-
tanciais nos quais esses direitos consistern. Em verdade, na expe-r iencia his torica do constitucionalisrno, tais interesses coincidem
COIll as liberdades e corn as outras necessidades de cuja garantia,
conquistada a preSio de lutas e revolucoes, depende a vida, a 50-
brevi vencia, a igualdade e a dignidade dos seres humanos. Mas
essa garantia se realiza precisarnente atraves da forma uni versal
que provern da sua estipulacao como d ir ei to s f un d amen ta is em
normas constitucionai s supra -ordenadas a qua lquer poder deciso-
rio: se sao norrnativamente de "tad os" (as mernbros de uma dada
classe de sujeitos), eles nao sao alieruiveis au negociaveis, mas
correspondern, par assim dizer, a prerrogati va nao contingente e
inalteravel dos seus titulares e a outros tantos limites e vfnculos
insuperaveis a todos as poderes, se ja rn publicus ou privados.E claro, de outra parte, que essa universalidade nao e ab-
sol uta, mas e relativa aos argumentos com referencia aos quais
e predicada, 0 "todos" dos quais tais direitos consentem de pre-
diem a igualdade e, de fato, log ica rnente rela tive as classes dos
sujei tos cuja sua titular idade e normativamente reconhecida, Se
da quanti dade e da qualidade dos interesses protegidos como di-
re itos fundamenta is depende a intencao da igualdade , e entao da
, S obre a distinc uo m etareorica e ntre re oria gem I d o d ireito e doguuitica j ur fd ic a , r ee n vi o
a: Ferrajoli . 1983, p, 81-130. Apresenra-se expressarnente como lima "teoria dogm>itica"
dos direi ins fundamentals segundo it Lei fundamental du Republica A lemi t 1 j reori a de R.
Alexy (1997b, p. 25 c 29).
Exsodo e Constnnicoo Ii
LU IG I F ERRA JOL I Por unui Teoria dos Direi tos e dos Bens Fundamental s 11o
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extensao de tais classes, ou seja, da supressao ou reducao das di-
ferencas de status das quais elas sao determinadas, que depende
a extensao da igualdade, e, logo, 0 grau de democratizacao em
dado ordenamento.
Essas c lasses de suje itos foram identi ficadas, na nossa defi-
nicao, pelo status determinado pela identidacle de "pessoa" e/ou
de "cidadao" e/ou de "capaz de agir", que, como sabemos, foram
objetos, na historia, das mais variadas Iimitacoes e discrirnina-
coes. "Personalidade", "cidadania" e "capacidade de agir", en-
quanta condicoes de titularidade de todos os (diversos tipos de)
direitos fundamentals, sao consequentemente as parametres as-
sim da igualdade como da desigualdade en droits fundamentaux.
E prova disso 0 fato de que os seus pressupostos podem ser - e
historicamente forarn - mais ou menos estendidos: rest ritfssimos
no passado, quanto ao sexo, ao nascimento, ao eenso, ou por ins-
trucao Oll por nacionalidade, dos quais era excluida a maioria das
pessoas ffsicas, eles forarn progressivamenre estendidos, sem,
contudo, alcancar tarnpouco hoje, ao menos no que tange a cida-
dania ou a capacidade de agir, uma extensao universal a todos as
seres humanos.
Hoje a cidadania e a capacidade de agir restaram como as
(micas diferencas de status que ainda delimitam a igualdade das
pessoas hurnanas. E podem, por isso, ser assumidas como os
dois parametres - 0 primeiro superavel, 0 segundo insuperavel
- sobre os quais podemos fundar duas grandes divisoes entre os
direitos fundamentais: aquela entre direitos da personalidade e
direitos de cidadania, que dizem respeito, respectivamente, a to-
dos ou somente aos cidadaos, e aquela entre os direitos primaries
(ou substanciais) e os direitos secundarios (ou instrumentais ou
de autonomia), que dizem respeito, nessa ordem, a todos ou so-
mente as pessoas capazes de agir. Cruzando as duas distincoes,
obterernos quatro classes de direitos: os direitos humanos, que
sao as direitos primaries das pessoas, que dizem respeito indis-
tintamente a todos os seres humanos, como, por exemplo (com
base na constituicao italiana) , 0 direito a vida e a integridade cia
pessoa, a liberdade pessoal, a liberdade de consciencia e de mani-
festacao do pensamento, 0 direito a saiide e aquele a instrucao; os
direitos publicos, que sao os direitos primaries reconhecidos so-
mente aos cidadaos, como (sempre tomando por base a constitui-
c;ao italiana) 0 direito de residencia e de circulacao no territorio
nacional, os direi tos de reuniao e associacao, 0 direito ao trabalho
e aquele a subsi stencia e previdencia daqueles que sao inabi lit a-
dos ao trabalho; os direi tos civis, que sao os di rei tos secundarios
destinados a todas as pessoas humanas capazes de agir, como 0
poder negocial, a liberdade contratual, a liberdade de escolha e
de mudanca de trabalho, a liberdade de empreendimento, 0 di-
reito de agir em jufzo e, em geral, todos os direitos potestativosnos quais se manifesta a autonomia privada e sobre os quais se
funda 0 mercado; os direi tos pol iti cos, que sao, enfim, os dire itos
secundarios reservados somente aos cidadaos capazes de agir,
como 0 direi to de voto, 0 eleitorado passivo, 0 di reito de acesso
a s fuucoes publ icas e, em geral, todos os direitos potestati vas
nos quais se manifesta a autonomia polftica e sobre os quais se
fund am a representacao e a democracia polfti ca.'
Seja a nossa definicao que a tipologia dos direitos funda-
mentais operada com base nela tern, todavia, urn valor te6rico
independente dos concretos sistemas jurfdicos e da experiencia
consti tucioual moderna . Qualquer que se ja 0 ordenamento consi-
derado, sao, de fato, a sua escolha, "direitos fundamentals"- emrelacao aos casos humanos, publicos, civis e politicos - todos e
somente aqueles que forem atribuidos universal mente as classes
de sujeitos determinados pela identidade de "pessoa" OLI de "ci -
dadao" ou de "capaz de agir", Nesse caso, ao menos no Ocidente,
dire itos fundamental s sempre existi ram, desde 0 direito romano,
tambern peJa maior parte limitados a classes muito restritas de
sujeitos.' Mas sempre foram essas tres identidades - de pessoa,
de cidadao e de capaz de agir - que forneceram, na extraordinaria
variedade das discrirninacoes de sexo, de etnia, de religiao, de
censo, de classe, de instrucao e de nacionalidade com as quais
forarn definidos, os parametres da inclusao e exclusao dos seres
4 De todo indepeudente da dis tin~50 aci rna, formulada sobre a base dos diversos r ipos
de sujei tns cujos direi tos fundamental s s50 atr ibuldos pelo direi l? ,. e a di~lin~flo : n t ~ ~direitos civis, direitos politicos, direitos de liberdade e direitos SOCialS que.taz rererencia
~Isua est rutura: os direi tos civis e aquelcs pol it icos sao, alern de expectanvas negntrvas
(de nilo lesao), poderes de cumprir atos de uuionomia, respectivamente, na es~era privada
e nu esfera poluica; as direi tos de I iberdade e aqueles socia ls sfl~, ao cantr il no. ~ol1lente
expectutivas, respecrivarnente negativas (al l de nao leS[IO) e posiuvas (de prestacllo). R~-
envio, sobre as duas questoes, a Fer ra joli , 1994. [1. 272-276.
~ Para uma hi st or iu dos d ir ei to s humanos na antiguidade, ver Pugl ie se , 19~N, p. 619-
-MlJ: e Crif6, 1984.
12Estado t! COIJ.\/IflIitr"ijo J J
LUIGI FERRAJOLI13or uma Teoria dos Direi tos e dos Bens Fundamentai s
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humanos entre os titulares dos direitos e, assim, das suas igual-
dades e desigualdades.
Nesse sentido, aconteceu na antiguidade que as desigual-
dades se expressaram, antes de tude, atraves da negacao da
mesma identidade de pessoa (aos escravos, concebidos como
coisas), e, somente em segundo plano (com as variadas inabi-
litacoes impostas as mulheres, aos hereges, aos excluidos e aos
judeus), atraves da negacao da capacidade de agir ou da cidada-
nia. Sucessivarnente, afirrnando-se 0 valor da pessoa hurnana, as
desigualdades foram defendidas somente em casas excepc ionais
com a negacao da identidade de pessoa e da capacidade jurfdica
- pense-se na populacao indfgena vitima das primeiras coloni-
zacoes europeias e na escravidao nos Estados Unidos ainda 110
seculo XIX -, enquanto se mantiveram, sobretudo, com as res-
tricoes da capacidade de agir com base no sexo, na instrucao e
na renda : suj ei tos optima lure, mesmo depois de 1789, e assim
ficaram par muito tempo, os sujeitos machos, brancos, adultos,
cidadaos e proprietaries.' Hoje, depois de a capacidade de agir ter
sido estendida a todos, com excecao dos rnenores e dos doentes
menta is, a desigualdade passa essencialmente atraves da estampa
estatal da cidadania, cuja definicao com base 110 pertencimento
nac ional e terri tori al representa a ul tima grande limi tacao norma-
tiva do princ ipio da igualdade jurfdica . Deste modo, 0 que mudou
com 0 progresso do direito, afo ra as garant ias oferec idas pelas
ccdifi cacoes e consti tuicoes, nao sao os cri terios - persona lidade ,
capacidade de agir e cidadania - sabre cuja base sao atribuidos
os direitos fundamentals, mas unicamente a seu significado, an-
teriorrnente restrito e forremente discr iminatorio, depois sernpre
mais arnpliado e tendencialmente universal. '
2. Quatro teses em tema de direitos fundamentals
A definicao de direi tos fundamentais aqui proposta se fun-
da em qualm teses, todas, a meu vel', essenciais a LIma teoria da
democracia constitucional,
A primeira tese refere-se a radical dife renca de estrutura
entre as dire itos fundamenta is e os di rei tos pa trimoniai s, relacio-
nando-se as prirneiros a intei ra c lasse de suje ito s, e os segundos,a qualquer de seus t itulares , com exclusao de todos os outros,
Essa diferenca foi ocultada, na nossa tradicao juridica, pelo lIS0
de l ima (mica palavra - "direito subjeti vo" - para designar situa-
q6es subjetivas entre elas heterogeneas e sob rnais aspectos opos-
tas: direitos inclusivos e direitos exclusivos, direitos universais e
dir eitos singula res, di rei tos indisponfve is e di rei tos disponfveis.
lsso po de ser explicado com as diferentes ascendencias teoricas
das duas categorias de direitos: a filosofia jusnaturalista e con-
tratualista dos seculos XVII e XVIII, no que tange aos direitos
Iundarnentais; a tradicao civilista e romanista, no que tange aos
direitos patrimoniais.
A segunda tese e a de que os direitos fundamentals, corres-pondendo a interesses e expectativas de todos, formam 0 funda-
menta e 0 parametro da igualdade juridica e, por isso, daquela
quc chamarei a dirnensao "substancial" da dernocracia, pre ju-
dic ia l em respe ito a sua mesrna dirnensao politics ou "formal"
fundada, por sua vez, sobre 0 poder da maioria , Essa dirnensao
outra coisa nao e que 0 conjunto das garantias asseguradas pelo
paradigma do Estado de direito: 0 qual, modelado a s origens do
Estado moderno sobre a tutela somente dos direitos de liberda-
de e propriedade, pode bern ser vinculado - depois do reconhe-
cimento constitucional, como "direitos", de expecra tivas vitais
como a saiide, a instrucao e a subsistencia - tambern ao "Estado
social", desenvolvendo-se neste seculo sem as formas e garantiasdo estado de direito, mas sornente naquela da mediacao politica
e hoje, tarnbern par isto, em crise,
A terceira tese refere-se a . modema natureza supranacional
de grande parte dos direitos fundamentals. Viu-se como a nos-
sa definicao forneceu 0 criterio de uma tipologia de tais direi-
tos, dentro da qual os "direitos de cidadania" formam sornente
r ,Na lui liu, a plena cupacidade de agi r - e , cousequenternente . a pleni tude dos direi tos
sccundarios , sejam civis ou pol it icos - foi estendida a s mulheres somente no Seculo XX:
em 19[9, quando, c um a s up re ss ao d u a ut or iz uc ao marital, a s m ul he re s a dq ui rir ur n a
plena t itular idade dos direi tos civis : e em 1946, quando lhes fai reconhecido 0 direito de
voto.juntnmente corn outros direiros politicos.
7 Nao Ii. super fluo preci sar que, uesse contexte, como nos usos que farei dele no i tem 5,"universal" e "universalidade ' n50 sao empregados no sentido logico e formal da quun-
tilica~iio universal, propria, como se vi u, de t odos O.~direitos fundamentnis, du classe de
sujei tos. qualquer que seja, que de tai s direi tos s50 t itulares , rnus, s irn, no sentido, espe-
ciflco e substancial, da identificacao de tais classes com a titularidarle dos sores hurnanos
k nao dos sornerue cidadaos).
14Estudo e Crm."lilld~'(7u J I
LUIGI FERRAIOLI Por umn Tcoria dos Direi tos e dos Bens l-undarnentaix 15
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uma subclasse. Muitos desses direitos sao, real mente, conferi-
dos peJas consti tuicoes estatais independentemente da cidadania.
Sobretudo, pois, depois da sua formulacao em convencces inter-
nacionais recebidas pelas constituicoes estatais ou, de qualquer
forma, recebidas pelos Estados, os direitos fundamentals torna-
ram-se direitos supraestatais: Iimites externos, e nao somente
internos, aos poderes publicos e base normativa de uma demo-
cracia intemacional bern distante de ser atuante, mas por essesdireitos normativamente pre-figurada.
Enfim, a quarta tese, talvez a mais importante, refere-se as
relacoes entre os direitos e as suas garantias. Nao diversamente
dos outros direitos, os direitos fundamentais consistem em ex-
pecta tivas negativas ou positivas, as quai s correspondem deveres
(de prestacoes) ou proibicoes (de lesoes). Chamarei de garantias
primarias esses deveres e essas proibicoes e de garantias secun-
darias os deveres de reparar ou sancionar judicial mente as lesoes
dos direitos, ou seja, as violacoes das suas garantias primarias.
Mas tanto os deveres e as proibicoes do primeiro tipo quanta os
deveres do segundo tipo, sendo compreendidas logicamente no
estatuto normativo dos direitos, de fato frequentemente sao naos6 violadas, mas tambern nem sequer norrnativarnente estabele-
cidas. Contra a tese da confusao entre as direitos e as suas garan-
tias, que quer dizer negar a existencia dos primeiros na ausencia
das segundas, sustentarei a tese da sua distincao, por forca da
qual a inexistencia das rela tivas garant ias equivale a urna inadim-
plencia do direito positivamente estipulado e consiste, por isso,
em uma indevida lacuna, que e dever da legislacao supr ir.
Essas quatro teses contradizem, sob outros tantos perfis,
a concepcao corrente dos direitos fundamentais que resulta dos
seus rnuitos e heterogeneos elementos. Pode set' iitil a tal fim
recordar quatro classicos lugares nos quais vern sustentadas as
teses que se ra a aqui di scutidas,
o primeiro passo e 0 capitulo ITdo Segundo tratado sobre
o Co verno, de John Locke, de L690, onde Locke identifica na
vida, na l ibe rdade e na propriedade os t res d irei tos fundamentais
cuj a tutela e garant ia j ust ifi cam 0 contrato social (Locke, 1968,
p. 241-242): uma assoc iacao, essa entre libe rdade e propriedade,
que sera repensada pelo art. 2 da Declaracao dos direitos do ho-
mem e do cidadao de 1789: "0fim de toda associacao polfti ca e
16£s/(:.I(10l' C () Il sl il Ui r! 'i o I j
L U IG I F E RR A JO L I
a defesa dos direitos naturais e imprescritfveis do homem. Esses
direitos sao a liberdade, a propriedade e a resistencia a opres-
sao".
o segundo passo e do juspublicista alemao do seculo XIX
Karl Friedrich von Gerber, que, em uma monografia de 1852 so-
bre "direitos piiblicos", afirmou que aqueles outros nao sao mais
do que "uma serie de efeitos de direito publico", radicados "nao
tanto na esfera jurfdica do singular quanto, mais do que tudo, naexistencia abstrata da le i" (Gerber, 1971, p. 67, 82):8 precisamen-
te, estes sao "elementos organicos constitutivos de urn estado
concreto" e, por isso, referidos ao ponto de vista dos individuos,
"efeitos retlexos" do poder estatal (Gerber, 1971, p. 107 e 130-
- J 33).9 Trata-se de uma tese que sera revisitada pela inteira jus-
publicfstica do fim dos Oitocentos - de Laband a letlinek, de
Santi Romano a Vittorio Emanuele Orlando" - e que contradiz
nao somente 0 paradigma jusna tural ista dos direi tos fundarnen-
tais qual prius 16gico e axiol6gico, fundante e nao fundado, em
relacao ao artiffc io estata l, mas tarnbern 0 paradigma constitucio-
nal, que, positivando tais direitos, os configurou como vinculos
e limites ao conjunto dos poderes piiblicos, fundamento da sualegitimidade, e nao j a por esses mesmos poderes legi timados.
o terceiro passo nao e de um jurista nem de urn fil6sofo,
mas de um sociologo, Thomas Marshall, que, no seu classico
ensaio de 1950, Cidadania e Classe Social, descoberto ha pouco
~ "A posi,:fto c on st it uc io na l d e l im s ud i to" , esclarece Gerber. q u e r ef ut a 11 c on ce ito d e " ci -
dndno pnrque "exclus ivamente pol it ico e nunc" rornou-se jur idico" "e a qu el e d e tim do-
rn in ad o e sr ara lm en te , e e st a c ar ac te ri za do p er fe it am en te n es se c on ce ito " (Gerber, 1971.
p. 65-66); ass irn que "0 significado geral dos referidos direiios dos cidadaos (liberdade
p ol ft ic a) t ru ta -s e a pe na s d e u rn a lg o n eg at iv o, iSIO e, do fato q ue 0 E stad o no se u duminio
e s uje ita rn en to d o i nd iv id uo s e marnern nos s eu s Ii mit es n at ur als . d eix an do l iv re , f or a d e
5 \ 1 , " 1 c erc a e i nf lu en ci a , a qu el a p ar te d a p es so a h ur na na q ue n fio s e s uj ei ta a < 11 ,; 50o er cit iv a
d u vo ntud e gerul seg undo as id eia s de vida po pular g errnfinica". (G erber, 1 97 1. p. 67 ).
A inda: "todos as d ireitos piiblic os e ucon tram s eu funda me mo , s eu co nte udo, e s eu rim no
o rga nis rno esuu al, em q ue d eve realiz er a voruade na cio nal co m tins de corn prim ento da
vida coletiva", (G er be r. 1 97 1, p . 4 3).
<) G eorg Jellinek (1 912, p. 215 ss) fula de "nuto-obrigucao" d o E s tu do , A n ul og am e rn e,
Santi Romano (1900, p. J 59-163) f al a d e " au to li mi tn ca o" d o E st ad o.
lu A funcirmnlizacao dos direitos publicos dus c id at la os a o i nte re ss e g em I e assim ex-
press a p or J el li ne k : "05 i nt er es se s i nd iv id ua ls s e d is ti ng ue rn e nt re i rn er es se s c on st it uf do s
prevalenternente d e e sc op os in div id ua ls e in re re ss es c on st it uid os p re va le nte rn en te d e e s-
capos gerias, Os interesses Individuals reconhecidos prevalernemente n o i nt er es se g et 'l l I eo c on te ii do d o d ir ei to p ub lic o" (J el li ne k, 1 91 2, p . 5 8) ; " qu alq ue r d ir ei to p ub lic o e x i sre n o
i nt er es s e g e ru l, que e i de nt ic o c om 0 i nt er es se d o Estado" (Jellinek, 1912, p . 7 8 ).
P or li ma T en ria d os D ire ir os e d os B en s P un da me nta is 17
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tempo pela c iencia pol itol6gica como a doutrina mais credenc ia -
da dos direi tos fundarnentais , dis tingue 0 conjunto de tais direi tos
em tres classes: as direitos civis, os direitos politicos e os direi-
tos sociais, todos concebidos como direitos nao da pessoa ou da
personalidade, mas do cidadao e da cidadania. "A cidadania ".
escreve Marshall, "e urn status que vern conferido aqueles que
sao membros de plena direito de uma comunidade" e "conferidos
por taJ status", ele acrescenta, sao as direitos e os deveres sobre
as quais se baseia a igualdade de "todos aqueles que os possuern"
(Marshall , 1976, p, 24).
o quarto passo e de Hans Kelsen, que configura 0 direito
subjetivo como "simples retlexo de urn dever juridico'" e afir-
rna:
reitos fundamentals par obra de constituicoes rigidas produziu,
neste seculo, urna profunda rnutacao paradigmat ica do di rei to
positivo com respeito aquele classico do paleopositivismo jurf-
dico.
3. Direltos fundamentals e direitos patrimoniais
[".J te r u rn d ire ito s ig nific a t er a c ap ac id ad e ju rfd ic a d e p art ic ip ar d a
c ria ca o d e um a n or ma in di vid u al, d a qu ela n or ma in div id ua l a o bra d a
q ua l v em o rd en ad a u ma s an ca o c on tra u m in divid uo q ue - se gu nd o a
p ro nu nc ia d o t rib u na l - c om e te u u m ilic it o, v io lo u 0 se u deve r . (Ke lsen,
1959 , p . 87-88 )
Comecamos pela primeira das quatro questoes aqui anun-
ciadas. Que coisas sao os direitos fundamentais? A vida, a liber-
dade e a propriedade, responde Locke na passagem acima citada.
A liberdade, a propriedade e a resistcncia a opressao, afirma 0
art. 2 da Declaracao de 1.789, que, no art. 17, reafirrna 0 carater
de "direito sacra e inviolavel" da propriedade. Analogamente,
Marshall (1976, p. 9), tambern tendo alargado 0 catalcgo dos di -
reitos fundarnentais, inclui na mesma classe - aquela dos direitos
civis - seja a liberdade, seja a propriedade.
A conjunciio, em uma mesma categoria, de figuras entre
elas assim heterogeneas, as direitos de Iiberdade, por LIm lado, e
o direito de propriedade, por outro, fruto da justaposicao das dou-
tri nas jusnaturalistas e da tradicao ci v ilista e romanista, e, entao,
urna operacao originaria, completa pelo primeiro liberalismo,
que condicionou ate os n05SOSd ias a inteira teoria dos direitos e,
com ela, do Estado de direito. Na sua base, existe urn equfvoco,
devido ao carater polissernico do termo "direi to de propriedade":
com 0qual se entende - em Locke como em Marshall- ao mesmo
tempo a dircito de se tornar proprietario e de dispor dos pr6prios
dir citos de propriedade , que e umaspecto cia capacidade jurfdica
e da capacidade de agir reconduzfvel a classe dos d irei tos c ivi s,
e 0 concreto direito de propriedade sobre aquele au este bem.
Uma confusao, como e facil de entender, que, alern de ser fonte
de urn grave equfvoco teorico, foi responsavel por duas opostas
incompreensoes e por duas consequentes operacoes polfticas: a
valorizacao no pensamento liberal da propriedade como direito
do mesmo tipo da liberdade e, ao oposto, a desvalorizacao no
pensarnento marxista da liberdade enquanto desaereditada como
direi to "burgues" em par com a propr iedade.
Trata-se de uma tese hoje largamerue difundida, que se
resolve na identificacao dos direitos fundamentals com as suas
garantias e, em particular, com aquelas que chamei as suas "ga-
rantias secundarias", ou seja, com a sua acionabilidade em juizo:
"urn direito formalrnente reconhecido, mas nao justiciavel ~ e
isso e nao aplicado au nao aplicavel pelos orgaos judiciar ios com
procedimentos defiuidos - e tout court", afirma, par exernplo,
Danilo Zolo, "urn direito incxistente"!' (Zolo, 1994, p. 33).
Desenvolverei, entao, as minhas quatro teses tendo como
motivacao LIma analise critica desses quatro passos, Com base
nisso, sera possivel mostrar como a coustirucionalizacilo dos di-
II "Este conceito de direi tn subjetivn, que e 0 s imples ref lew de urn deverjurfdico, isto
e . o cuncciro de UI11 direito reflex o, pode como concerto aux iliar simplificar n descri~ao
dos dudos jurfdicos, mas e supe rf luo do pon ro de vista de sua descricao cieniif icamente
exatu", "define-se como direi to a relucao ent re urn individuot em que relaciona com out ro
indiv ic iuo que e ohrlgado it um cer ro cornportarnerto) corn outre individuo. 0 d ire ito em
quesuio e upenas um reflexo dcsse clever" (Kelsen, 1966, p. 150). Nu rnesrno sentido: "0
direi ro subjerivo niioe , em breve, que l im direi rn objet ivo" (Kelsen, 1959. p.81), 0 argu-
menta I 'm: ressoaanciu. como rnost radn, aquele de Gerber sobre a natureza dos "di re itos
reflexes" dos direitos fundamentals.
IJ Nessa rnesrna obra, sus tento que essa l es e vein recorder "3 perspective do realisrno
jundico, de Roscoe Pound a Karl Olivecrona, a Alf Ross".
Estado e Cons'ilUi~ao 11
LU I G l F ERRA IOL I POI'urna Teoria dos Direitos e dos Bens Fundnmentais 198
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Agora, se submetermos a analise essas duas figuras - "Ii-
berdade" e "propriedade", au, mais em geral, "direitos funda-
mentais" e "direitos patrirnoniais" - descobriremos que entre
elas existem, ni tidamente , quat ro di ferencas est rutura is, idoneas
a gerar, no dominic dos direitos, se queremos continuar a usar
ulna mesma palavra para designar situaeoes assim diversas, uma
grande divisao: aquela justamente, entre direitos fundamentais e
dire itos pa trimoniai s. Tra ta -se de qua tro d iferencas que presc in-
dem do ccnteiido das duas classes de direitos e que se referemunicamente a sua forma ou estrutura.
A prirneira diferenca consiste no fato de que os direitos fun-
damentais - os direitos de liberdade como 0direito a vida e os di-
reitos civis, inclufdos os direitos de adquirir e dispor dos bens de
propriedade, bern como os direitos politicos e as direitos sociais
- sao direitos "universais'' (omnium) no sentido logico da quan-
tificacao universal da classe dos sujeitos que deles sao titulares,
Por sua vez, os direitos patrimoniais - do direito de propriedade
aos outros direitos reais e aos direitos de credito - sao direitos
singulares isingui), 110 sentido igualmente logico de que para
quaJquer urn de les exi ste u rn ti tula r determinado (ou mais coti tu-
lares, como na copropriedade), com exclusao de todos os outros.Os primeiros sao reconhecidos a todos os seus titulares em igual
forma e medida; as segundos pertencern a qualquer urn em rna-
neira diversa, seja pela quantidade ou pela qualidade. Aqueles
sao inclusivos e formam a base da iguaIdade jurfdica, que, como
disse 0 art. 1 da Declaracao de 89, e justamente uma egalite en
droit. Os outros, os direitos patrimoniais, sao exclusives, au seja,
excludendi alios, e, par isso, sao a base da desigualdade juridica,
que e tarnbern eIa uma inegalite en droit, Todos somos igualrnen-
te l ivres para mani festa r nosso pensamento , igualmente imunes
de pris6es arbitrarias, igualmente aut6nomos em dispor dos bens
de nossa propriedade e igualmente ti tula res dos direi tos a sailde e
a instrucao. Mas qualquer urn de nos e proprietario ou credor decoisas diferentes e em medidas diversas: eu sou proprietario des-
ta minha roupa ou da cas a on de vivo, isto e , de objetos diversos
daqueles dos quai s ou tros, e nao e ll , sao proprieta ries.
ResoIvem-se de tal modo rnui tas aporias aparentes. Quando
se fala do "direito de propriedade' como de urn "direito de cida-
dania" ou "civil", a . paridade dos di rei tos de liberdade, alude-se,
elipticamente, ao direito de se tamar proprietario conexo (a pa-
riclade do direito de se tamar devedor, au credor, au ernpreen-
dedor, OLl trabalhador dependente) a capacidade jurfdica, nao ao
direito de dispor dos bens de propriedade conexo (como 0 di-
reito de dispor de urn credito ou de se obrigar a uma prestacao)
a capacidade de agir: ou seja, alude-se a direitos civis que sao
fundamentais porque dizem respeito a todos, no primeiro caso
enquanto pessoas e, no segundo, enquanto capazes de agir, Mas
esses direitos sao de todo diferentes dos direitos reais sobre bens
determinados, gracas a e les adquiridos all alienados, bern como
distinto do direito fundamental de imunidade contra les6e~ de
terceiros e 0 direito patrimonial de credito ao ressarcimento de
urn dano concreto, Por outro lado, se se assume que sao funda-
rnentais todos as direi tos universais, isto e, reconhecidos a todos
enquanto pessoas ou cidadaos, incorporam-se a eles tarnbern os
dir eitos soc ia is cuj a universa lidade nao e escusa, como apontarn,
pOl' exemplo, Jack Barba le t (1992, p. 104-109) e Danilo Zolo
(1994, p. 29-35), do faro de que sao inevitavelmente diferentes e
com conteiido determinado a s concretas prestacoes que, segundo
as proprias condicoes econornicas, qualquer um tern com base
neles direito de pretender: inevitavelmente diversos sao tarnbem
os pensamentos que qualquer urn pode expressar com base na
liberdade de expressao de pensamento.
A segunda diferenca entre direitos fundamentals e direitos
patrirnoniais e conexa . a primeira e talvez ainda mais relevante.
Os direitos fundamentais S3.0 direitos indisponfveis, inalienaveis,
inv iolavei s, inrransporuvei s e personalissimos, Os dire itos pa tri -
moniais sao, ao inves disso, direi tos disponfveis , par sua natureza
- da propriedade privada aos direitos de creditos - negociaveis e
ali enavei s. Estes se acumulam, aqueles permanecem invariavei s,
Nao e possivel se tornar j uridicamen te mais livre, enquanto epossfvel se tamar juridicamente mais rico. Tendo urn objeto con-
sistente em um bem patrimonial, os direitos patrimoniais adqui-
rern-se, trocarn-se, vendern-se. As liberdades, por seu turno, nao
se trocarn nem se acumulam. Os prirneiros sao alterados e talvez
extintos pelo sell exercfcio; os outros permanecern invariados,
qualquer que seja 0 seu exercfcio, Consurna-se, ou vende-se, ou
troca-se, ou loca-se urn bern de propriedade. Nao se consuma, ao
20Estudo t! Clm.\lifUir('fU J I
LU1Gl FERRAIOLI Por umu Teoria dos Direi ros e dos Bens Fundamental s 21
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contrario, nem podem ser vendidos 0 direito a vida, 0 direito aintegridade pessoal ou os direitos civis e polfticos.
A indi spon ibil idade dos d ir ei to s f un d ar nen ta is equivale,
pOI' isso, a sua subtracao tanto a s decis5es cia polftica quanta ao
mercado. Por forca da sua indisponibilidade ativa, esses direitos
na o sao a lie na ve is p el o sujeito que deles e t it ula r: n ao posso ven-
der a minha liberdade pessoal ou meu direito de voto, e, mais do
que rudo, minha propria autonornia contratual. Par forca da su a
in dis po nib ilid ad e p as siv a, e ss es direitos njio sao expropriaveis
ou limitaveis por outros sujeitos, a comecar pelo Estado: nenhu-
rna rnaioria, par maior que seja, pode privar-me da vida, ou da
libe rdade, au dos rneus dire itos de autonomia." Trata -se, ev iden -
temente, de uma diferenca conexa a primeira, ou se ja , ao carater
singular dos direitos patrimoniais e aquele universal des direitos
fundamentai s. Os di reitos pa trimoniai s sao singula res enquanto
podem formar objeto de troca na esfer a do mercado, alern de que
- par exemplo, no ordenamento italiano, com base no ~ 3D do alt .
42 da constituicao - podem ser objeto de expropriacao por utili-
dade publica, as direitos fundamentals, ao reves, sao universaisenquanto sao excluidos de tal esfera, nao podendo ningucm pri-
var-se, ou ser privado ou menosprezado, sem com isso deixarern
de ser iguais ou universais, e, p o rt an to , f un d amen ta ls .
Da i resul ta consol idada nossa nocao fo rmal de d irei to fun-
damental: a vida, a liberdade pessoal au 0 direito de voto sao
fundamentais, nao tanto porque correspondern a val o res ou ill-
teresses vitais, mas porque universais e indisporuveis, Tanto everdade que, onde fosse consentida a sua disposicao - por exem-
plo, adrnit indo-se a escravidao ou a alienacao da liberdade, ou
tal vez da vida, au do voto - seriam estes (degradados a) direitos
patr imoniai s. Per i sso, com paradoxo aparente, os dire itos fundu-
mentais sao urn limite, nao somente aos pcderes publicos, mas
tambem a autonornia de seus titulares: nem voluniariamente se
pode alienar a pr6pria vida ou a liberdade. Mas se trata de urn
limite, se quisermos, paternalfst ico," logicamente insuperavel: 0
paradoxo, de fato, se teria em qualquer hora que ele faltasse e
os direi tos fundamentais fossern alienaveis, Ja que, em tal caso,
tarnbem a liberdade de alienar a propria Iiberdade de alienar se-
ria alienavel, com duplice resultado: que todos os direitos fun-
damentais cessariam de ser universais, isto e , dizendo respeito
a rodos em iguaJ forma e medida; e que a liberdade de alienar
todos as proprios direitos - do direito a vida aos direitos civis epolit icos - cornportaria 0 triunfo da lei do mais forte, 0 final de
todas as libcrcIades e do proprio rnercado e, em ultima analise, a
negacao do direito e a regressao ao estado de natureza.
A terceira diferenca e , por sua vez, uma consequencia da
segunda e refere-se a estrutura jurfdica dos direitos. as direitos
patrirnoniais , como 0 civil, sao di sponfvei s. Con trariamente aos
clireitos fundamentals, eles sao sujeitos a acontecimentos, ou
seja, destinados a serem constituidos, modificados au extintos
por atos jundicos, Isso quer dizer que tern 0 seu titulo em atos
de tipo negocial all, de qualquer forma, em provimentos singu-
I ares: contra tos, doacoes, te stamentos, sentencas, provimentos
adrninist rativos, pel os quai s vern produzidos, ou modi ficados, ouextintos, Vice-versa, os direi tos fundamentals tern titulos expres-
sos na lei, no senti do de que sao todos ex lege, isto e , conferidos
at raves de regras gerai s de grau normal mente constitucional .
Mais simplesmente, enquanto os direitos fundamentais sao
norrnas, as dire itos pat rimoniai s sao predispostos por norrnas. Os
primeiros identificarn-se com as mesmas normas au regras gerais
que os atribuem: a liberdade de manifcstacao de pensamento, par
exemplo, e , na Italia, disposta pelo art. 21 da Constituicao, e nao
e outra coisa que a norma por esse artigo expressa." Os segundos,
por sell turno, sao sempre situacoes singulares, dispostos par atos
singulares e predispostos par norrnas que preveem os seus efe itos:
a propriedade desta rninha roupa, pOI' exemplo, nao e disposta,mas predisposta por norrnas do codigo civil, com 0 efeito dispos-
to pela compra e venda por este disciplinada. Podemos chamar
14 Cr. Jori, 1993, p. I J ]·112, que julgu "excepcional, e, portunto, par justificar urna pOl
urnu" as lirnitacoes palernalisticas expressas pela inrlisponitnhdade. que 6, uo contrario,
um principia geral logicamente validn para todos os direitos fundamentais.
Lj Distiugue, pelo contrario, expressamente entre "direitos fundamentais" e · '1101 'I11<1S so-
bre direi tos fundameruais" , dentre out ros, R .Alexy (19'J7h. p,47 ss) ,
I.' Dessas dua s to rmas de indispnrubitidade dos d ire ito s fu nd um en ta is - aquela que s e
expressa na sua inviolabi lidade por par te dos poderes publicos e aquela que xeexpressa
nu sua malrenabilidade ent re privados - enquuntc Locke ufinnou IIprirneira e negou em
pane a s egunda (Locke. 1968 , p . 361·364 ; p . 3D2·3031 . Rouss eau negou a segunda e
afi rmou a pri rnei ra (Rousseau, 1966, p, 46, 50-52 e 56: p.67-73) .
22Estado e COI'{siituiriio I j
LUIGI FERRAJDI.J Pur urnu Teoria dos Direitos e L10sBens Fundamentals 23
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III
I
I I I
l100113s teticas as do primeiro tipo, as quais imediatamente dis-
poem as situacoes com elas expressas: aqui, entram nao somente
as norrnas que prescrevern direitos fundarnentais, mas tambern
aquelas que impoern obrigac;6es Oll proibicoes, como as normas
do codigo penal e aquelas de sinais rodoviarios. Chamarei, de
outra l:nargem, normas hipoteticas as normas do segundo tipo,
as qUaIS nao prescrevem nem impoem imediatamente nada, mas
simplesmente predisp6em si tuacoes jurfdicas com os efeilo·s dos
atos por elas previstos: aqui, entram nao somente as normas docodigo civil que predisp5em direitos patrimoniais, mas tarnbern
aquelas que predispoem obrigacoes civis com as efeitos de atos
negociais ou contratuais. As prirneiras expressam a dimensao
nomostar ica do ordenamento; as segundas pertencema sua di-
mensae nornodinarnica. Tanto e verdade que, enquanto os direi-
tos patrimoniais consistern sempre em situarroes de poder, cujo
exercicio consiste em atos de disposi<;ao produtivos de direitos e
de obrigac,:6es na esfe ra juridica propria ou de out rem (cont ratos,
testamentos, doacoes e sirnilares), a exercicio dos direitos de li-
berdade consiste sernpre em rneros comportamentos, como tais
se rn efei tos ju rfdicos na esfera de outros sujeitos,
Existe, por fim, uma quarta diferenca, tambern essa formal
e nao men os importante para compreender a estrutura do Estado
constitucional de direito. Enquanto os direitos patrimoniais sao,
par assim dizer, horizontals, os direitos fundamentals sao ver-
ticais. Em urn duplo sentido, Antes de tuclo, 110 sentido de que
as relacoes jurfdicas existentes entre os titulares dos direitos pa-
trimoniais sao relacoes intersubjetivas de tipo civilfstico - COIl-
rratual, sucess6rio ou similar -, enquanto as relacoes existentes
en. tre t .i tu lares de direitos fundamentai s sao relacoes de tipo pu-
blicistico, ou seja, do indivfduo nos confrontos (so mente ou tam-
bern) com 0 Estado. Em segundo Iugar, e, sobretudo, no sentido
de que, enquanto aos direitos patrimoniais correspondern, ou a
generica proibicao de nao lesao no caso dos direitos rcais, ou
tambem obriga~oes debirorias no casu dos direitos pessoais au
de credito, aos direitos fundamentais, onde sejam expresses por
normas constitucionais, correspondem proibicoes e obrigacoes
por conta do Estado, cuja violacao e caso de invalidade das leis
e das outras atuacoes ptiblicas e cuja observacao e , ao contrario,condicao de legitimidade dos poderes publicos. "A declaracao
dos direitos contern as obrigacoes dos legisladores", afirma 0
art. Ida secao "deveres" da Constituicao franccsa do ana 1Il. E eprecisarnente nesse conjunto de obrigacoes, au seja, de lim.ites e
de vfnculos pastas fl tutela dos dire itos fundamentals, que reside
a esfera publica do Estado constitucional de direito - em oposi-
c;ao a esfera privada das relacoes patrimoniais - e aquela que, ao
inic io, charnel a dimensao "substanc ia l" da democracia ,
4. Direitos fundamentals e democracia substancial
Venho, pais, com a segunda tese que pre tendo desenvol-
ver aqui. Em qual sentido os direitos fundamentais exprimem
a dirnensao que eu chama de "substancial" da dernocracia, em
oposicao aquela "poli tica" OLl "formal"? E em que sentido eles
incorporam as valores prejudiciais e mais importantes em rela-
gao aqueles da democracia polftica? Em qual sentido, entao, sao
frutos de uma incornpreensao, que equivale de fate a sua nega-
c;ao como vinculos constituciouais aos poderes publicos, a tese
de Gerber que os qualifica como "efeitos ret1exos" e aquelas de
Jellinek e de Santi Romano que as considera como 0 produto de
uma auto-obrigacao au de urna autolimitacao do Estado, ou seja,
como concessao potestativa sernpre revogavel ou limitavel?
A resposta a essas perguntas, tambem investindo sob 0 pla-
no dos conteudos dos di reitos Iundarnentai s, i sto e , a natureza das
necessidades par eles protegidas, e, em grande par te, resultante
da ana lise que precede sabre as seus caracteres estruturais: a uni-
versalidade , a igualdade, a indi sponibi lidade , a sua atribuicao ex
lege e a seu vies normalmente constitucional, e, par isso, supra-
-orden ado aos pcderes publicos como parametres de validade do
seu exercfcio.
Justarnente em razao desses caracteres, os direitos funda-
mentais vern de fato a se corifigurar, diversamente dos outros di-
rei tos, como outros tantos vfnculos substanciais norrnativamente
impastos - a garantia de interesses e necessidades de tcdos es-
l ipulados como vi ta is, au exatarnente "fundamentals" (a vida, a
liberdacle, [J sobrevivencia) - tanto as decisoes de maioria quanta
ao livre mercado. A forma universal, inalienavel, indisporuvel
24 csrwJo c CO/ !sr i/ u i ri i {J 11
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I
I
II I
e constitucional desses direi tos se revela, em outras palavras,
como a tecnica - ou garantia - apresentada para a tutela disso
que no pacto constitucional vem configurado como "fundamen-
tal": ou seja, daqueJas necessidades substanciais cuja satisfacao
e condicao cia convivencia civil e tarnbern causa ou razao social
daquele artiffcio que e 0 Estado. Para a pergunta "que coisas saoos direitos fundamentais?", se, sobre 0 plano da sua forma, se
pode responder a priori elcncando as caracteres estruturais que
ilustrei anteriorrnente, sabre 0 plano dos conteiidos - Oll seja. da-
quelcs bens que sao ou dcvem ser protegidos como fundamentais
- pode-se responder sornente a posteriori: logo, se sc quer garan-
tir urna necessidade ou um interesse como fundamentals, subtra-
em-lhes seja ao mercado, seja as decisoes de rnaiorias. Nenhurn
conrrato, ja se disse, pode dispor da vida. Nenhuma maioria poll-
tica pode dispor da liberdade e dos outros dircitos fundamentals:
decidir que uma pessoa seja condenada sem prova, ou pri vada da
liberdade pessoal, ou dos direitos civis ou poli ticos, ou, ainda,
deixada morrer sem cura ou na indigencia,
Daqui a conotacao "substancial" colocada pelos direitos
fundamentals ao Estado de direito e a democracia constitucional.
Sao, em verdade, justarnente "substanciais", isto e, relativas nao it
"forma" (ao quem e ao como), mas a "substancia" ou "conteudo"
(ao que coisa) das decisoes (ou seja, ao que nao e lfcito decidirou nao dccidir), as normas que prescrevem - alern das, e talvez
contra as, contingentes vontades das maiorias - os direitos funda-
mentais: sejam aqueles de Iiberdade que impoem proibicces, se-
jam aqueles sociais que impoern obrigacoes ao legislador. Disso
resulta desmentida a concepcao corrente da dernocracia como
sistema poli tico fundado sobre urna serie de rcgras que assegu-
ram a onipotencia da maioria. Se as regras sobre a representacao
e sobre 0 principio da maioria sao normas formais sobre aquilo
que pela maioria e decidfvel, os direitos fundamentals prescre-
vern aquilo que podemos chamar de a esfera do indecidivel: do
niio decidivel que, ou seja, das proibicoes correspondenres aos
direitos de liberdade, e do niio decidivel que ndo, das obrigacoes
publicas correspondentes aos direitos sociais.
Essa identificacao do paradigrna do "Est ado de direito"
com a dirnensao "substancial" da democracia pode, certamente,
parecer singular , se nao por outro motive, pelos multiples usos
ideol6gicos que no passado incorporou a expressao "democra-
cia substancial"." E, todavia, e exatamente com a substancia das
decisoes que tem a ver com as obrigacoes e proibicoes imposias
as legislacoes dos direitos fundamentais estipulados nas norrnas
sobre a producao, que podernos, pOl'iS80, chamar "substancial"
(aquelas, pOl'exernplo, contidas na primeira parte da constituicao
italiana): as quais, a diferenca das norrnas que charnei "forrnais'
(aquelas contidas na segunda parte) e que ditam as condicoes do
sell vigor, esiabelecem as condicoes da sua validade. Se, de fate,
as normas formais sabre 0 vigor se identificam, no Estado demo-
cratico de direito, com as regras da dernocracia formal all polfti-
ca, enquanto disciplinarn as formas das dccisoes que assegunrm
a expressao da vontade da maioria, normas substanciais sobre
a validade, vinculando a pena de invalidade a substancia (ou 0
significado) das mesmas decisoes em respcito aos direitos funda-
mentais e aos Olm-os princrpios axiologicos neles estabelecidos,
correspondem as regras com as quais bern podemos caracterizar
a democracia substancial,
o paradigma da democracia constitucional nao e outro quea sujeicao do direito ao direito gerada por essa dissociacao en-
tre vizor e validade, entre mera legalidade e cstreita legalidade,
entre 1'o1'mae substancia, entre legitimacao formal e legitirnacao
substancial, ou se se qucr, entre as weberianas "racionalidade
formal" e "racionalidadc material". Em forca do reconhecimento
dcssa dissociacao, vern aquela que Letizia Gianformaggio (1993,
p. 28) chamou a "presunciio de regularidade dos atos cumpri(~(~s
pclo pcu]«):" nos ordenamentos posit ivos, tanto mars se pohl.l-
carncnte dernocraticos: ja que 0 principio formal da dernocracra
polftica relativa a quem decide e a como se decide - em o~tr~s
palavras, 0 principio da soberania popular e a regra da mal.on.a
_ subordina-se aos princfpios substanciais expressos pelos clUC1-
tos fundamentais e relat ives a isso que nao e licito decidir e a issoque niio e llcito nao decidir.
Os direitos fundamentais inscritos nas consti tuicoes - dos
direitos de liberdade aos direitos sociais - operam em tal modo
como Iontes de invalidacao e de deslegitirnacae, alern de legi-
Ih I )ma cruica uo usa de "ciel11ocracia substnnciul" e 11equivalencia por rnirn instituidu
e nt re a dimen sa o subs ta nc ia l d a d emocr :l ci a e 0 gamnt ism« me fo i Iei ta por M. Bovero
(1')')3. p. 403-406).
26Rstodo e C(JlIstilui(.'uo 1 J
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I
1I I 1
I I i
II
tirnacao. Por isso, a sua configuracao como "e lementos organi-
cos do Estado" e "efeiios reflexos" do poder estatal no passe de
Gerber aqui referido, e, mais em geral, na doutrina dos direitos
piiblicos elaborada pelas juspublicfsticas alerna e italiana do se -culo XIX, representa uma mudanca do seu significado e exprime
urna profunda incompreensao do constitucionalismo e do mo-
delo do Estado constitucional de direito. Ja que esses direitos
existern, e verdade, como si tuacoes de di reito posit ivo enquanto
sao estabelecidos nas constituicoes, Porem, justamente por isso,des representarn nao uma autolimitacao sempre revcgavel pelo
poder soberano, mas, ao contrario, urn sistema de Iirnites e de
vinculos a este supraordenado; nao "direitos do Estado" ou "para
o Estado" ou "no interesse do Estado" como escreviarn Gerber
e lellinek, mas direitos em direcao a, e, se necessario, contra, 0
Estado, ou se ja , contr a os poderes pi ibl icos, sej arn eles democra -
t icos ou de maioria, Adernais: 0 fato de que os di rei tos fundamen-
luis, como se mostrou no item precedente, nao sao predispostos
por normas que preveem os efeitos de atos singulares, mas sao
eles mesmos norm as, retroage sobre a natureza da relacao entre
o sujeito e a constituicao, Disso segue, de fato, que, dessas nor-
mas, ou seja, da parte substancial da constituicao, sao, pOI' ass i mdizer, "titulares", mais que destinatarios, todos os sujeitos cujos
direitos fundamentals sao com etas atribuldos. Daqui, a sua Mia
modificabilidade pela maioria. Aquelas norm as sao, em via de
princfpio, dotadas de rigidez absoluta porque outra coisa nao sao
que os mesmos direitos fundamentals estabelecidos como invio-
laveis, assirn que todos e qualquer um delas sao titulares.
Sob esse aspecto, podemos bern dizer que 0 paradigma
da dernocracia constitucional e f ilho da filosofia ccntratualista.
Num duple sentido. No sentido de que as constituicoes outra
coisa nao sao que contratos sociais em forma escri ta e positi va:
pactos fundantes da convivencia civil gerados historicamente pe-
los movimentos revoluc ionarios que forarn irnpostos aos poderes
piiblicos, de outra forma absolutes, como fontes da sua legiti-
midade. E no sentido de que a ideia do contrato social e uma
rnetafora da dernocracia: da democracia politica, dado que alude
ao consenso dos contraentes e vale entao fundar, pel a prirneira
vez na historia, uma legitimaeao de baixo, e nao do alto, do poder
pol it ico ; mas tambern urna metafora da dernocracia substancial,
dado que esse contrato nao e urn novo acordo, mas tem como
clausulas, e conjuntamente C01110 causa e razao preci sas, a tute la
des direitos fundamentais, cuja violacao par parte do soberano
legitima a ruptura do pacto e 0 exercfcio do di reito de resi sten-
cia."
Revelam-se de tal modo as ascendencias teoricas dos direi-
tos fundamentai s, bern diversas daquelas civil ista s e romanistas
dos di rei tos pat rimonia is. Se e verdade que os direi tos fundamen-
tais outra coisa nao sao que 0 conterido do pac to constituinte,devemos reconhecer a Thomas Hobbes, te6rica do absotuti smo,
a i nvencao do s eu pa rad igma , Esse paradigma e aquele expres-
so pe lo direi to a vida como direito inviolavel de todos, de cuja
tutela depende a justificacao da superacao do bellum omnium do
estado de natureza e a construcao do "grande Leviata, chamado
urn Estado (em latim civitas), 0 qua l nao e nada mais do que urn
hornem artificial, bem que de maior estatura e forca que do na-
tural, para a protecao e defesa do qual foi concebido" (Hobbes,
1911, p. 3).
Nasce com Hobbes a configuracao do Estado como esfera
publica instituida para a garantia da paz e, juntamente, dos direi-
tos fundarnentais.
Essa esfera publica e esse papel garantista do Estado, limi-
tados por Hobbes para a tutela do direito a vida, foram c1epois ,
historicamente, alargando-se a outros direitos afirmados como
fundamentais: aos direitos civis e de liberdade, par obra do pen-
samento iluminista e das revolucoes liberais das quais nasceram
as prirne iras declaracoes de di reitos e as consti tuicoes oitocenti s-
tas: depois aos direitos politicos, afirmados com 0 progress i vo
alargamento do sufragio e da capacidade politica: depois, ainda,
ao direito de greve e aos direitos sociais nas constituicoes dos
novecentos, ate aos novas direitos a paz, ao ambiente e a infor-macae hoje r equeridos e a inda nao todos const itucionali zados.
Sempre os direitos fundamentais se afirmam como leis do mais
fraco em alternativa a lei do mais forte que vigorava e vigoraria
na sua ausencia.
17 Devern ser lembrudas as lonnulacoes do direi to de res ls tencia em Locke, J968. p. 254,
361-362 e 378: em Rouss e au . 1966, p. 127 e 140; e em rnuitas constiruicoes dos setecen-
tos : no art igo 3 da Declaracao dos direi tos da Virginia de 1786, noar tigo 2 cia Declaraci io
f rancesu de 1789 e no art igo 3 da Const ituicj io f runcesa de 24.6.1793.
Estsnio (' Constinuciio II
LUIGI FERRAJOLl Pur 11m;) Teoria dos Direitos e des Bens Fundamentais 298
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II
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A histor ia do consti tucional ismo e a hist6ria desse prcgres-
sivo alargamento da esfera publica clos direitos." Uma hist6ria
nao teorica, mas social e polftica, dado que nenhum desses direi-
tos caiu do ceu, mas todos forum conquistados por rupturas ins-
titucionais: as grandes revolucoes americana e francesa, depois
as rnedidas oitocentistas para os estauuos, por firn as lutas opera-
ri as, feministas, paci fistas e eco16gicas dos novecentos. Todas as
diversas geracoes de dire ito s, podernos bem dizer, correspondern
a out ras tantas geracoes de movimentos rcvolucionarios: das re-
volucoes liberais contra 0 absolutismo regie dos seculos passa-
dos ate as constituicoes do seculo XX, inclufda aquela italiana
de 1948, nascida cia Resistencia e do repudio ao fascismo como
pacto fundante da demoeracia constitucional. Dcssa historia faz
parte tambern a extensao, seja ainda ernbrionaria, do paradigrna
do constitucionalismo internacional. Tarnbern na hisroria das re-
lacoes internucionais Ioi de fate produzida, com a instituicao da
ONU e com as cartas internacionais sobre direitos humanos, uma
ruptura epocal: a ruptura daquele ancien regime internacional
nasc ido, tres seculos arras, da paz de Westfalia, fundado sobre
o principio da soberania absoluta dos Estados e tendo alcancado
sua falencia com a t ragcdia das duas guerras 1111111d iai s.
E jus ta mente essa rnutacao corre 0 risco de ser ignorada por
uma parte re lcvante c ia hodie rna filosofia poluica, Dois anos de-
pois da Declaracao Universal dos Dire itos do Hornern , Thomas
Marshall. no seu ensaio aqui referido Citizenship and Social
Class, identificou sobre a cidadania todos os varies conjuntos
dos dir eitos fundamentais, por ele distintos nas tres classes dos
direitos civis, dos direitos politicos e dos direitos sociais, todos
charnados, indisrintamente, direitos de cidadania, Uma t.ese simi -
lar, que contradiz todas as constituicoes modernas - niio so mentea Declaracao universal de direitos de 1948, mas tambern a maior
parte das constituicoes estatais que eonferem quase todos esses
direitos a s "pessoas" e nao somente aos "cidadaos" - foi nesses
iiltimos anos revigorada," quando exatamente os nossos prospe-
res pulses e as nossas ricas cidadanias tern cornecado a ser ame-
acados pelo fen6meno das imigracocs de rnassa. No rnomento
ern que se decidiu levar a serio os direitos fundamentals, foi-lhes
negada a universal idade, condicionando 0 seu inteiro catalogo acidadania, independentemente do fato que quase todos, exceto
os di reitos poli ticos e alguns di reitos sociais. sao atr ibufdos pelo
direito positive - soja estatal ou intemacional- niio somente aos
cidadaos, mas a todas as pessoas,
Na base dessa operacao, cxiste uma deformacao do concei-
to de "cidadania": compreendiclo par Marshall nao ja como um
especffico status subjet ivo incorporado aquele da "personalida-
de", mas como pressuposto de todos os direitos fundamentals,
inclusive aqueles da pcssoa, a cornecar pelos "direitos civis",
que, em todos os ordcnarnentos evoluidos, niio dizern respeito,
apesar do seu nome, aos sujeitos enquanto cidadaos, mas uni-
carnentc enquanto pessoas." A cidadania vem, dessa maneira,
substituir a igualdade como categoria basilar da teoria da justica
e da cIemocracia. Para Marshall, essa substituicao e 0 vinculo
do inte iro conjunlo dos direi tos fundamentai s a cidadania erarn,
talvez, ditados pela vontade de fornecer um fundamento teori-
5. Direitos fundamentaise cidadania
E essa intcrnacionalizacao dos direitos fundamentals a
tcrceira tese ao irucio indicada, a qual agora pretendo discutir.
Depois do nascirnento cia ~NU, e grar;:as a aprovacao de cartas e
convcncoes internacionai s sobre dir eitos hurnanos, esses di rei tos
nao sao mais "Iundamentais' somente no interior dos Estados em
cujas constituicoes sao formulados, mas sao direitos supracsta-tais, ao quais os Estados sao vinculados e subordinados tambern
no ruvel do direito internacional; nao mais direitos de cidadania,
mas direi tos das pessoas independenrernente das suas diferentes
cidadanias.
1) Se percnrrernos 0 ensaio bibllngrdflco de Francesco Paolo Verrova, em Zolo, 11)1)4,p.
325-333. descobrirnos que pouqufssirnos sao os livros sobre a cidadania publicados antes
do Iirn dos anos de 1< )~ If . '
"" 0 arrigo 7 do C6digo Civil de Napoleao, reproduzido por munos outro» codigos
civis europeus estabeleceu: "0 exerclcio dns direitos civis ~ indepeudente da quulidade
de l"idad~o··. Para uma crf ti ca mais analf ti ca da lese de Marshal l. reenvio a Ferrajoli ,
1994.
I~ Sobre os procexsos hisioricos que refurcararu os direitos tundarncntuis Bobhio, 1')<)0
e Barba, 1993.
30Estado e Constitrncao 1/
LUIGI FERRAJOLI Por urna Teoria dos Direitos e dos Bens Fundamenrais 31
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co mais solido a s politicas do Welfare. 0 seu escopo - e esse eindubitavelrnente 0 seu aspecto progressivo - era aquele de ofe-
recer, par meio de tal categoria, urna base teorica aos direitos
sociais em vista da superacao em sentido social-democratico, 0
que precisarnente naqueles anos realizava nos paises de capita-
lismo avancado. POl' urn lado, entao, a categoria da igualdade foi
abandonada no momento em que a qualidade de pessoa e a titu-
lar idade universal dos direi tos forarn solenemente reconhecidas,niio somente pel as novas constituicoes estatais cia segundo pos-
-guerra, mas tambern pela Declaracao Universal de 1948., a todos
as seres humanos do planeta. Mas, par outro lado, a assuncao dos
direitos sociais como direitos vincuJados e inderrogavei s, como
eram os classicos direitos de liberdade, veio conferir uma nova
qualidade a dernocracia. Ainda nos tempos de Marshall, de outre
canto, as processos de globalizacao e de integracao mundial e as
fen6menos migratorios n ao t in ham alcancado 0 ponto para colo-
car em contradicao estridente os direitos do homem e os direitos
do cidadao.
Mais diffcil e compreender a sentido da operacao a distan-cia de 50 anos do ensaio de Marshall. Por urn Jado, de fato, como
se viu, muitos teoricos hodiernos da cidadania chegaram a negar
ou, quando menos, a colocar em duvida a natureza de "direito"
dos direitos sociais e, por conseguinte , a abandonar, frerue a crisede eficacia e de legalidade do Estado social julgada i rreversivel,
a ideia de um Estado social de direito baseado justamente sabre
direitos ao inves de sobre a discricionariedade de seu aparato,
Por Dutro lado, diante da para lela crise do Estado nacional e cia
soberania estatal , aos quais a cidadania e conexa, parece hoje ain-
da rnenos legitime cleclinar os direitos fundamentai s em terrnos
estatalfsticos. A soberania tarnbem dos paises mais fortes esta de
fato deslocada, juntamente aos lirnites a esta impostos pelas esti-
pulacoes dos direitos, em sede supranacional. Ao mesmo tempo,
o crescimento das interdependencias e concomitantemente das
desigualdades entre pafses ricos e parses pobres, alern dos fen6-
menos de migracao e g lob al iz a ca o , a dve rt er n -no s de que estarnos
nos aproximando de uma integracao mundial que dependera tam-
bern do direito, se este se desenvolver vinculado it opressao e aviolencia all, ao contrario, a dernocracia e a igualdade,
Nessas condicoes, a categoria cia cidadania corre 0 risco
de se apresentar para fundar, bem mais clo que uma teoria da
dcrnocracia baseada na expansao dos di rei tos, lima ideia rezres-
siva e, num longo prazo, ilusoria cia democracia em somente um
pafs, all melhor, nos nossos ricos parses do Ocidente, ao preco
da nao demoeraeia no resto do rnundo." Com 0 resul tado de urna
defini tiva desqualifica9uo dos direi tos fundamentais e do nosso
modele de demccracia, cuja credibilidade e inteiramente Iigadaao seu proclamado universalismo. Esses direitos - como bern sa-
bernos - sempre foram universais somente na palavra: se, norma-
tivamente, des de a Dcclaracao francesa de 1789, foram sempre
direi tos cia pessoa, de fato, sempre forarn direitos do cidadao. E
isso porque, em verdade, na epoca da revolucao francesa e de-
pais nos Oitocentos e na primeira metade dos Novecentos, ate
ainda a Declaracao universal de 1948 e os anos em que escrevia
Marshall, a dissociac;ao entre "pessoa'' e "cidadao" nao criava
problemas, nao sendo os !lOSSOS parses arneacados pela pressao
migratoria, Mas seria hoje uma triste falencia do nosso modelo
de democracia, e, com ele, dos cham ados valores do Ocidente,
se 0 nosso universalisrno normative Iosse renegade no mesmo
momento em que veio colocado a prova.
E claro que, ao longo do tempo - em que as interdepen-
dencias. os processes de integracao e as pressoes migrat6rias
sao dcstinados a desenvolver - essa antinornia entre igualdade
e cidadania, entre 0 universalismo dos direitos e 0 seus lirnites
estatais, nao podera ser resolvida, pelo seu carater sempre mais
insustentavel e explosi vo, senao com a superacao da cidadania,
pela definitiva desnacionalizacao dos direitos fundamentais e a
correlariva desestat izayao das nacionalidades. Contudo, e tam-
bern claro que, se se quer prevenir gradual e pacificamente Esses
resultados. e juntamente dar respostas imediatas aquilo que e jahoje 0 mais grave problema da humanidade e 0 maior desafio ademocrac ia, a pol ft ica e, ainda antes, a filosofia polftica deveriam
promover esses processos, conseientizando-se da crise irreversf-
vel das velhas categorias cia cidadania e da soberania, alern cia
21 Justamenle R. Bellamy (1994, p. 237 ss) assinalou a questilo conuimtarla dns dournnas
ua cidndanin, as quais expressam uma cnncepcao da dernocracia baseada sobre 0 "perren-cimento a uma especffica cornunidade".
32Estado e C , ,, , st i/ ll lr < i( J "
LU rG I F ERRA J O LI 33or urna Teoria dos Direitos e dos Bens Fundamentals
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inadequacao daquele fragil re rnedio de val idade disc rirninatoria
que foi, ate hoje, 0 direi to de asi lo .
o direito de asilo tern, verdadeiramente, urn vicio de ori-
gem: ele representa, par assi m dizer, a outra face cia cidadania e
da soberania, all seja, do limite estatal imposto aos direitos fun-
damenrai s. Trad icionalmente , aderna is, ele sempre foi reservado
aos refugiados por perseguicoes polfticas, ou raciais OLl religio-
sas, e nao tarnbem aos refugiados por lesoes ao sell direito it sub-
sistencia. Essas suas restricoes pressupostas ref1etem uma fase
paleoliberal do constitucionalismo: na qual, por urn lado, as di-
reitos fundarnentais reconhecidos cram os direitos politicos e os
de Iiberdade negativa, de cujas violacoes eram vitimas some/He
restritas elites adver tidas pelas elites Iiberais dos parses de aco-
lhida como seus "sirnilares" e, por outro lado, as emigraqoes por
razoes econornicas se desenvolv iam prevalentemente no inte rior
do Ocidente, pelos parses europeus aqueles americanos, Com be-
neftcio tanto dos primei ros quanto dos segundos.
Hoje, esses pressupostos do velho direito de asilo foram
mudados As hodie rnas constituicoes europeias e as cartas in-
ternacionais de direitos tern incorporado aos classicos direitos
de liberdade negativa urna longa serie de direitos hurnanos po-sitivos - nao mais som ente a vida e a I iberdade, mas tambern asobrevivencia e a subsistencia - desancorando-os da c idadania
e fazendo tambem do seu uso a base da modern a igualdade en
droit e da dignidade da pessoa. Nao existe, en t ao, razao por que
aqueles pressupostos nao sejam estendidos ta rnbem as violacoes
rnais graves desses outro~ dire ito s: aos refug iados econ6micos,
alem daqueles polfticos, E, entretanto, prevalente a tese restriti-
va, ult eriormente esvaziada pelas recentes lei s sobre a imigracao,
ainda mais restri tivas, 0 result ado e urn fecharnento do Ocidentc
que corre 0 risco de provocar nao somente 0 falimento do de-
senho universalista da ONU, mas tambern uma involucao das
nossas democracias e a formacao de uma identidade regrcssiva,cirnentada pel a aversao ao diferente e por aquila que Habermas
charnou sciovinismo del benessere (Haberrnas, 1992, p. 136).22
Existe, de fato, LIm nexo profundo entre dernocracia e igualda-
de e, inversamenre, entre desigualdade nos direitos e racismo.
Assim como a igualdade nos direitos gera 0 sentido da igualda-
de baseada no respeito ao outro como igual, a desigualdade nos
direitos gera a imagem do outro como desigual, ou seja, inferior
antropologicamente porque inferior juridicamente."
6.Direitos fundamentais e garantias
Os argumentos teoricos-jundicos com os quai s se responde
normalmente a tese do carater supraestatal dos direitos humanos,
sejam estes de liberdade ou sociais, sao de marca realista. Os ·di-
rei tos escri tos nas cartas internacionai s nao seriam di rei tos po rque
desprovidos de garant ias. Pela mesma razao, nao seriam di rei tos,
segundo muitos filoso fos e poli t61ogos, os di rei tos sociai s, igua l-
mente privadosde adequadas garant ias jur isdic iona is." Trata-se
da quarta tese, classicamente formulada por Hans Kelsen, que
me propus no inicio a discutir: apesar de sua proclamacao, ainda
que ern nfvel constitucional, um direito nao garantido nao seria,
real mente, urn direi to ,
Estamos, pois, na quarta questao no inicio anunciada, pre-
judicial a qualquer discurso sobre direitos, sejam eles de direito
interno ou internacional: aquela da relacao entre os direitos e as
suas garantias. E clare que se confundirmos direitos e garantias
resultarn desqualif icadas , sobre 0 plano jurfdico, aquelas que sao
as duas mais importantes conquistas do constitucionalismo dos
Novecentos: a internacionalizacao dos direitos fundamentais e
a consti tuc iona lizacao dos dire ito s soc iai s, reduz idos lim e ou-
tro, na ausencia de adequadas garantias, a simples declaracoes
ret6ricas, Oll melhor, a vagos programas polft icos juridicarnen-
te ir relevantcs. Basta ria i sso para desaconse lhar e para just ificar
a distincao, no plano te6rico,. entre direitos e suas garantias: as
definicoes te6ricas sao definicoes estipulativas, cuja aceitacao
depende de sua idoneidade para sa ti sfaze r as fina lidades explica -
ti vas e opera tivas com elas perseguidas.
I' Veju-se . sobre u interacao produzida no passado ent re a discr iminacao dus rnulheres
nos direi tos tundamentuis e a sua percepcao como sujeuos infer iores, Grazios i, 1993.
2~ Rccordamo-nos das teses de.Zolo (1994) e Barbalet (1992).1 Cf. turnbern Lucas , 1992 e 1996.
34 Esmdo (' COII,;tit~fI~:c7(J , I
LUIGI FERRA10ll Por \I111a Teoriu dos Direitos e dos Bens Fundameurais 35
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Mas nao e essa a razao principal - necessaria, alern de su-
ficiente - para clistinguir conceitualmentc entre os direitos sub-
jetivos, que sao as expectativas positives (ou de prestacao) ou
negativas (de nao lesao) atribufdas a urn sujeito por uma norma
jurfdica, e as dev eres correspondcrues que lhes constituern as ga-
rantias igualmente ditadas por norrnas juridicas: sejam essas as
obrigacoes au as proibicoes aos direitos correlativas, que formam
aquelas que no item 2 chamei de garantias prirnarias, OLI tarnbern
as obrigacoes de segundo grau de aplicar as sancoes Oll declarar
a nulidade das violacoes das primeiras, que formam aquelas que
chamei garantias secuudarias. Is50 que faz necessaria essa clistin-
cao e uma razao muito mais de fundo, intrinsecarnente ligada anatureza posit iva e nornodinamica do direi to modemo.
Entre sistema nomostatico, C01110 e a moral e como seria
o sistema de direito natural fundado unicamente em principios
de razao, as relacoes entre figuras deonticas sao relacoes pura-
mente logicas: dado um direito, au seja, lima expeetativa jurfdi-
ea positi va ou negati va, ha, em relacao a um Dutro sujeito, uma
obrigacao au uma proibicao a esse direito correspondente; dada
lima perrnissao positiva, 0 cornportamento perrnitido nan e ve-
dado e nao existe entao a relativa proibicao; dada urna obriga-
~ao, c 1 0 comportamento obrigat6rio nao e perrnitida a omissao
e nao ha, en t ao, a relativa perrnissao negativa, enquanto existc
a relutiva permissao positiva. Nesse sistema, a existencia au a
nao cxistencia de tais figuras deont icas e implicada pela existen-
cia au pela inexistencia daquelas a elas correlativas assumidas
como "dadas". Consequenternente, nao existem nem antinornias
nem lacunas: onde duas normas sejam entre elas contraditorias,
uma das duas deve ser exclufda como inexistente, ai n cla antes do
que como invalida. E esse 0 senti do do principio jusnaturalista
veritas nun auctoritas facit legem: n a f al ta de criterios formais
de identificacao do direito existente, os criterios disponiveis sao
crite rios 16gicos e racionais de t ipo imediatarnente substancia l,
isto e, ligado ao que dizern as normas.
Tudo isso nao e verdade nos sistemas nomodinamicos de
direito positivo. Nesses sistemas, a existencia au a inexistencia
de uma situacao jundica, ou seja, cle uma obrigacao ou de lima
proibicao ou de uma permissao au de uma expectativa jurfdica,
depende da existencia de uma norma positiva que a preveja, a
qual , por sua vez, nao e deduzida da existencia de outras norm as}
mas e induzida, como fate empfrico, do ato de sua producao. E
hem possfve l, consequentemente, que, dado urn direi ta subjet ivo,
nao exista - a inda que devesse existir - 0 dever au a proibicao
correspondente por causa da (indevida) inexistencia da norma
que a preve. Assim como e possivel que, dada uma permissao,
exista - ainda que nao devesse existir - a proibicao do meSI110
comportamento por causa da (indevida) existencia de norma que
a preveja, Sao justamente possiveis e em qualquer medida inevi-
taveis, em sistemas simi lares, tanto lacunas quanta antinomias,
Disso deriva que , nessas condicoes, expressas pelo principio
juspositi vista auctoritas non veritas facit legem, as teses da (eo-
ria do direito, como a de fi ni cao de direito subjeti va como uma
expectat ive juridica a que corresponde lim clever Oll um a proibi-
<;ao, sao - nao di versamente das dcfinicoes de proibicao como
nao permissao da comissao ou de clever como nao permissao da
ornissiio, e, por fim, do princfpio 16gico de nno contradicao - te-
ses de tipo deontico ou normativo, nao sobre 0 ser, mas sabre 0
dever-ser do direito de que se fala.
Recolocarnos em exarne, desse modo, a nocao kelseniana
de "direito subjetivo". Kelsen opera nao urna, mas bem duas
identificacoes au reducocs do direito subjetivo a imperatives a
ele correspondentes, A primeira e aquela do direi to subjetivo ao
dever, em principio, do sujeito na relacao juridica com 0 seu t i-
tular, au seja, aquela que chamei garantia prirnaria: "nao existe
nenhurn direito para qualquer urn", ele afirrna, "sern urn dever J u-
ndico para qualquer outre." (Kelsen, 1959, p. 76)_25 A se?Llnd~ eaquela do dire ito subje tivo ao dever que, onele ocorra ~ violacao,
incumbe a urn juiz aplicar a sancao, aque la que chamei de garan-
tia secundaria: "0 direito subjetivo" consiste "nao ja no interesse
presumido, mas na protecao juridica' ' (Kelsen, 1959, p. 81).2~
25
0 direiro ··0 d irei to nfioCoutro que .corre la te a urn dever" (Ke lsen , 1959. p .77); "Es tas itui l( ;ao. defiu idu como direi to ou pre tensao de urn ind iv iduo , esimplesmente II ob~-
g'"inD de Dutro 0 dos out ro s. Se t alu n es se ca so d e um d irei to su bjeuvo ou d a pret en sa o
de LIll ind iv iduo . como se esse d irei to e essa pre tens iio Iosse qua lque r coisas d iverse da
nhriga~Jo de outro ou outros, se c riu a i lusao de duns s ituacoes jurid icamente relevan ies.
quuncu , I situacao e uma apenas" (Ke lsen . 1966. p . )50).
Jc, Veja- se i ambem a nota 10 . A ind a: 0 direito subjeuvo e "a p~s~ibilidade jurldica"
ot er ccida pel o seu t itular "de obter a aplicacao da norma j ur fdica aprupr iuda que
preve a S1I1~rIO•.. Somen te se a ap li ca ca o da norma jur td ic n, a ex .e cu~ao d a sa n9 iiD:
dc pende r ia e xp re ss ii o du voniad e de urn i ndividuo d ir ig ida a u rn 11m.a penus s e a l ei
36Estado e Constiuuciio 1 J
LU IG I F ER RA J () l. 1 Por urna Teoria dDSDireitos e dDSBens Pundarnentais 37
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Bern, essas identi ficacoes sao teses teoricas, seguramente
nao mais verdadeiras do que quanta niio sao as equivalencias
logico-deonticas entre permissao da comissao e nao proibicao,
entre permissao da ornissao e nao dever, entre proibiciio e niio
perrnissao da comissao e entre dever e nao permissao da omis-
sao. Mas, igualmcnte a estas, aquelas podern scr desmentidas, au
melhor, violadas, pela real idade efe tiva do direito.
E de fato possivel que em um sistema de direito positive
existarn, sem duvida, antinornias, ou se ja , contradicoes entre 110r-
mas, alern da existencia - que, par sua vez, e urn fa to - de cri te riospara a sua solucao; que ao lado da liberdade, e, entao, da permis-
silo de manifestar livremente 0 proprio pensamento, exista, como,
por exemplo, no direito italiano, a proibicao penal do vil ipendio
ou de outros crimes de opiniao. Em tais casos, nao podemos negar
a existencia de normas em conflito, au seja, no nosso exemplo, a
existencia cia perrnissao juntamente a proibicao do mesrno com-
portamento: poder-se-a sornente dizer que as norrnas sobre crimes
de opiniao sao normas invalidas, se existentes (au vigcntcs), ate
que nao sejarn anuladas pela Corte constitucional. 0 princtpio de
nao contradicao, ou seja, a proibicao de antinornias, e, em surna,
em re lacao ao dire ito posi tive , urn princfpio normative.
Analogarnente, e bern possfvel que, de Iato, nao exista a
obrigacao ou a proibicao correlativa a Urn direito subjetivo e,
rnais ainda, que nao exista a obrigacao de aplicar a sancao em
case de violacao de uns e de outros: que existam, em outras pal a-
vras, lacunas pri rnarias, pela fa lt a de estipu lacao das obrigacocs
e clas proibicoes que do direito subjetivo constituem as zarantias
~rimarias, e lacunas secundarias, pela falta de orgaos ~brigat6-
nos para sancionar ou para validar as violacoes, ou seja, para
aplicar as garantias secundarias. Mas tarnbern em tais casos nao
podemos negar a existencia do direito subjetivo estipulado por
uma norma jurfdica: poder-se-a somente lamentar a lacuna que
faz dele urn "direito de carta" (Guastini, 1994. p. 168-170) e
afirmar a obrigacao de colmata -la por obra do legislador. 0 prin-
cipio de complctude, ou seja, a proibicao de lacunas, e tam hem
ele, como 0 princfpio de nao contradicao, t im principio tc6rico
nonnative.
Tudo isso e, provavelmente, obscurecido na teoria de
Kelsen, pelo fate de que nessa vern assumidos, como figuras
paradigrnaticas do direito subjetivo, os direitos patrimoniais.
Em tais casos, com efeito, a definicao teorica de direito subjeti-
vo, como expectative a que corresponde urn dever, nao levanta
nenhum problema, sobretudo no que se refere a s garantias pri-marins, dado que nao parece, de fato, uma tese norrnati va, mas
correspondc exatarnente a isso que, na verdade, acontece: "urna
parte contraente" , escreve Kelscn,
[ . .. J tem um d ire ito nos con fron tos da ou tra som en te se esta tem um
d ev er ju rid ic o d e s e co mpo rta r d e u ma d ete rm in ad a m an e i ra n os co n-
f ro nt es d a p rim e ira ; e a s eg un da t em u m d ev er j urf dic o d e c om po rt ar- se
e m u ma d ete rm in ad a m an eira n os c on tro nlo s d a prim eira s om en te se0
o rd en am en to j url dlc o d is p5 e u m a s an ca o e m c as o d e c om po rt am e nt o
c on tr ar io ( K el se n , 1 9 59 , p , 8 2 ). 27
Mas isso depende do fato de que tais direitos, como se
viu, nao sao dispostos, mas predispostos par norrnas hipoteticascomo efeitos de contra tos, as quais sao, sernpre , simultaneamen-
te, as fontes das correlativas obrigacoes que formam as garantias
prirnarias. E depcnde, par outre lado, da milenar tradicao juris-
prudcncial do direito civil, que sernpre associou estreitamente as
dire itos pat rirnoniai s ao di reito de ac;ao como tecnica especifica
para ali var as garantias secundar ias,
Diverse e 0 caso dos direitos fundamentals - de todos, e
nao somen te dos dire itos soc iai s e daque les de ntvel inte rnacional
_ que, como mostrei, sao irnediatarnente (dispostos par) normas
teticas. Nesse caso, a existencia das relativas garantias - daque-
las prim arias e, rnais ainda, daquelas secundarias - nao e , de fato,
descontada, dependendo da sua expressa estipuJa<;:ao por contade norrnas de direito positive, bern distintas daquelas que pres-
27 Urn discurso analogo fez Kelsen para os dir ei tos r euis : "0 direiro reflcxo du pro-
priedade uilo e 11111 direi to absolute em seuso propr io: e 0 ref lexo de urnu phualidade
de deveres de um nurnero indeterrniuado de indivfduns, resguardndo de urn sao indi
viduo em rela~fio a urua unica eoisa, difercnte do direito de credito, que e apenas n
reflex o de urn dever de u rn cer ro indivfduo (;ol1siderado de urn cer ro out ro indiv iduo '
(Kdsen, 1966. p. 155).
estn ,) servico de urn individuo, esta pride ser conxideruda a 'sua lei'. a sua lei sub-
jetiva, e isto significa 11m ' di re iro subjetivo:" (Kelsen, 1959. p, i:l2~83); "a essenciu
do direito subjetivo, que e mais que simples reflexo de urn dever jundico, consiste
no tuto que urna norma jurfdica atribui a urn individuo pnd er jurfrlico de fazer valer
n inudim plem ento de urn c lever jurldico mediante urnu ,,{(flO j ud ic ia l' ( Ke ls en . 1966,
p. 159).
3938
Estado e Constituicao II
LUIGI FERRAJOLIPo r u ru a T eo ri a dos Di rei to s e dos Be ns Fundume nt ai s
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\crevern os direitos. Na ausencia do direito penal, por exemplo,
nao existiria, se nao por forca do principio de legal idade penal,
garantia prirnaria para nenhum des direitos por ele tutelados, a
cornecar pelo direi lo a vida. Na ausencia da norma sobre proi-
bicao de prisao sern mandado rnotivado pela autoridade judicia-
na, nao existiria a garantia primaria da liberdade pessoal. Ainda
mais evidentemente, na ausencia de normas sobre a jurisdicao,
nao exisririarn, por nenhum direito, garantias secundarias. Mas.
obviamente, seria absurdo negar, por isso somente, a existcnciados direitos, em presenca das normas que os dispoem, em vez
de, mais corretamente, negar a existencia das suas garantias na
ausencia das normas que as predispoem
E, em suma, a estrutura nomodinftmica do direito moderno
que imp6e, par forca do princfpio da legalidade, aquela norma de
reconhecimento das normas positivarnente existentes, para dis-
ting~ir. entre ?s direitos e as suas garantias: para reconhecer que
os direitos existent se, e sornente se, normativamente estavei s, as-
sim como as garantias constitufdas pel as obrigacoes e pelas proi-
bicoes correspondcntes existem se, e somente se, tarnbern essas
sejam normativamente estaveis. E1S80 vale tanto para os dire itos
de libe rdade (nega tivos) como para os dire itos sociais (positives),tanto para aqueles estabeleciclos pelo direito estatal como para
aqueles cstabelecidos pelo direito internacional . Se nao querernos
cair em um a forma de paradoxal jusnaturalismo realista e na o
querernos desenvolver a s nossas teorias funcoes legi slativas, cle-
vemos admitir que os direitos e as norrnas que os exprimern exis-
tern tanto quanta sao positi vamente produtos do Iegislador, seja
este ordinario, ou constitucional ou inlernacional.
A consequencia dessa distincao entre direiros e garantias
e de enorme irnportancia, nao somcnte em nfvel teorico, mas
tarnbern em nfvel metate6rico. Sobre 0 plano teorico, essa dis-
tincao cornporta a afirmacao de que 0 nexo entre expectativas e
garantias nao e urn nexo ernpfrico, mas um nexo norrnativo, que
pode ser contradi tado pel a existencia das prirne iras e pe la inexis-
tencia das segundas: e que, entao, a ausencia de garanti as deve
ser considerada como urna indevida lacuna, a qual e obrigacao
dos poderes publicos, intemos e inte rnaciona is, comple tar: assim
Como as violacoes dos direitos por obra dos poderes publicos
contra os seus cidadaos devem ser concebidas como indevidas
antinomias, as quais e obriga t6rio sancionar como atos il ici tos au
anular como atos invalidos. Sobre 0 plano meta teorico, a distin-
crao comporia a afirrnacao de um pape! nao puramente descritivo,
mas, sim, crit ico c normativo da ciencia j urfdica nos confrontos
corn seu objeto: crftico nos confronros com as lacunas e corn as
antinornias que ela tern 0 dever de revelar, e normative em rela-
cao a Iegislacao e A jurisdicao a que ela irnpoe a sua completudc
Oll a sua reparacao.
Outra questao e aquela da realizabilidade concreta das ga-
ranti as. Certamente, a enunciacao consti tucional dos di reitos so -
cia is a prestacoes piibl icas positivas nao foi acompanhada pela
elaboracao das adequadas garantias sociais ou positivas, isto C.
de tecnicas de defesa e de justiciabilidade cornparaveis aquelas
apresentadas pelas garantias liberais ou negativas para a tutela
dos direitos de liberdade. 0 desenvolvimento, no seculo XX, do
Welfare State aconteceu, em grande parte, por meio do simples
a largamento dos espacos de discricionariedade dos aparatos buro-
cra ticos, e ni io j ii. por meio de instituicoes e tecnicas de garantias
apropriadas aos novos di reitos. Ainda menos forarn rea lizadas ga-
rantias para sus tentar os direi tos humanos est ipulados pel~sca~tas
internacionais, as qua is sao testemunhos de uma total inefe tivida-
de. Mas isso quer somente dizer que existe uma diferenca abis-
sal entre norma e realidade, que devc ser colmatada ou, quando
menos, reduzida enquanto fonte de dcslegitimacao nao somenle
politica, mas tambern juridica, dos nossos ordenamentos.
Ocorre distingui r, a proposito, entre real izabilidade tecnica
e realizabilidade politica. Sobre 0 plano tecnico, nada autoriza a
dizer que os direitos sociais nao sejarn garantfveis a parid'~de d~s
outros dire itos porque 05 atos requeridos para a sua satisfacao
seriam inevitavelmentc discricionarios, nao formalizaveis e nao
suscetivcis de controle c coercoes jurisdicionais. Antes de tudo,
essa tese nao vale para todas as forrnas de garantias ex lege que,
dife rentemente das prati cas burocra ticas e potestat ivas pr6prias
do Estado assistencial e clientelista, podern bem ser realizadas
por meio de prestacoes gratuitas, obrigatorias ~, po~' tim, H u t _ o -
rnaticas: como a instrucao publica granuta e obngatona, a aSSIS-
tencia sanitar ia igualmente gratuita OLl a renda minima garantida,
Em sezundo lugar, a tese da nao justiciabilidade desses direitos
c desmentida j ustamente pela mais rccente experiencia jurfdica,
I ;
40 Ex/ado e CUII.HIfUiriio II
LUIGI FERRAJOI.l Por l ima Teoria dos Dirci tos e dos Bens Fundamentais 41
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I
que, por vias di vcrsas (provimcntos de urgencia, acocs de danos
e sirnilares), viu serem ampliadas as suas formas de tutela juris-
dicional, em particular naquilo que tange aos direitos Ii saude, aprevidenc ia e a justa retribuicao. Em terceiro lugar, alern da sua
j ust iciabilidade, esses direi tos tern 0 valor de principios infor-
rnadores do sistema juridico, largamente utili zados nas solucoes
das controversias pela jur isprudencia das cor tes constitucionais .
Sobretudo, pais, novas tecnicas de garantias podern bem ser
elaboradas. Nada impediria, pur exernplo, que, em nfvel consti-tucional, se estabelecessem quotas mfnimas do orcamento para
destinar aos varies capfrulos da despesa social e se tornasse de
tal modo possfvel 0 controle de const itucicnalidade sobre as le is
orcarnentarias. E nada impediria, ao rnenos sobre a plano tecni-
co-juridico, a introducao de garantias de direitos internacionai s:
como a instituicao de um codigo penal internacional e de uma
corre lativa j uri sdicao sabre crimes cont ra a humanidade , de rcsto
jri projetada pelo Tratado de Roma de 17 de julho de 1998, por
este subordinada a retificacao de, ao rnenos, sesscnta Estados; a
int roducao de um controle jurisdicional de constitucional idade
sabre todos as atos dos organismos internacionais e talvez sobre
todos aqueles dos Estados par violacoes de direitos humanos; aimposicao e a regulacao, enfim, de ajudas econ6rnicas e de in-
tervencoes humanitarias, estipuladas nas formas das garantius a
favor dos pafses mais pobres,
Tota lrnente diversa, a inda que normalmente venha confun-
dida com a primeira e talvez a esta devida, e a questao da rea-
Iiza<;:ao polttica dessas garantias: em nfvel interne e, ainda mais
longe e diffc iJ, em nive l internaciona l. E certo que a satisfacao
dos direi tos sociais e custosa, exige a reti rada e a redistribuicao
de recursos, e incompatfvel com a 16gica de mercado, ou quan-
do monos, comporta li rni tes ao rnercado. Ent re tanto, certo e quelevar a serio os direitos human as proclarnados em nivel interna-
cional requer que mantenharnos em discussao os nossos nfveis
de vida que consentem ao Ocidente bern-estar e democracia par
conta do resto do mundo. Certarnente. alern disso, 0 atual sopro
liberalista, que do absolutismo do rncrcado e do absolutismo cia
maioria fez Ul11 novo credo ideol6gico, nao faz esperar a dis po-
nibilidade das classes dominantes, em maioria no interior dos
nossos ricos paises e em minoria no que diz respeito ao resto do
mundo, em verern-se limitadas e vinculadas pOI' regras e direi tos
informados pelo principio da igualdade. Mas, entao, di~emo~ que
os obsuiculos sao de natureza polit ica. e consistem, hoje mars do
que nunca, na luta pelos direiros e por suus gUl:antias. Is50 ,qu.enao e consentido e a falacia realista do pertencimento do direi-
to ao tate e aquela deterrninista da identificayuo entre isso que
acontece e isso que nao podc nao acontecer.
7. 0 constitucionalismo como novo paradigm a do direito
As quatro teses a te aqui dcscnvolvidas consistern em conce-
ber 0 constitucionalismo - que veio a configurar-se 110 seculo XX
nos orclcnamentos estata is democra ticos com a generali za<;ao das
consti tuicoes rignlas e , em prospcc tiva, no direito ,int,ernac ional
com a sujeic;ao dos Estados a s convcncoes sabre direitos hum~l -
nos - como urn novo paradigma fruto de uma profunda altcracao
interna do paradigma paleojuspos it i vis ta.
o postulado do positivismo jurfdico classico e de fato 0
principio de legal idade formal, ou. se se quiser, de mera l~gal1da-
de, aquela melanOl 'ma de reconhec imento das norrnas ~lgentes.
Com base nisso, uma norma juridica, qualquer que seja ° seuconteiido. existe e e valida pOI' forca unicamente das formas da
sua producao. A sua afirrnacao, como ~abemo~, ~rovo~ou urna
inversao de parudigrnas no que diz resperto ao di reito pre-~noder-
no: a scpara<;:ao entre direito e moral, au m~s~ll ,Oentre vahd~de e
jusricu, pOl'forca do carater inleiramente arLJflclal e co_nvenclOnal
do direito existente. A juridicidade de uma norma nao depende
mais, no clireito mcderno, da sua intrfnseca justica ou raciona-
lidade, mas sornente da sua positividade. ou seja, .clo fato de ser
"posta" pela autoridade cornpetente na forma prevista para a ,sua
produqao. 0 constitucionalismo, aquele ~lIe res :l lta da ~oslh~a-c_;:aodos direitos fundarnentai s como IIITIltes e vll1culos. subst";1-
ciais 5 legislacao positiva, corresponde a urna segunda :ev.oluY<lO
na natureza do dircito, que se expressa em uma alteracao mterna
do paradigma positivista classico. Se a prime~ra revolucao se ex-
pres sou na afirmacao da onipotencia do l~glslad?r, ou seja, do
principio da mera legalidadc (ou tin legahclade tormal), aquela
42Estado (!C()Il.Itl/Hirtio I J
LUIGI f'ERRAJOLl43
POI'uma Teorin dos Dirci los e dos Bens Fundurnentais
I I I
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norma de reconhecimento da existencia das 1100'mas essa sezun-
da rcvolucao se realizou com a afirrnacao daquilo ~ue pode~os
charnar de princfpio da est reita legal idade (ou da lcgalidade subs-
tancial): isto e, com a submissao tarnbern da lei aos vfnculos nao
n~ais sornente formals, mas substanciais irnpos tos pelos princi-
pros e pe los dire itos fundamentals expresses nas constituicoes.
E sc 0 princ ipio de mera legal idade tinha produzido a separacao
enlr~ val.ldade e justica e a cessacao da presuncao de justica do
dlr~lto vlgente~ a principia de estreita legalidade produz a sepa-racao ent~:e vahdade e vigor e a cessacao da presuncao apriorfsti-
ca da validade do direito existente. Em urn ordenamento dorado
de, constituicao rfgida, de faro, para que uma norma seja val ida,
aJem de vigenre, nao basta que seja ernanada nas forrnas predis-
postas para sua producao, mas e tam bern necessario que os seus
conteudos substanciais respeitem os principios e os direitos fun-
damentais estabe lecidos na constituicno Atraves da est ipulacao
daquela que, no item 4, charnei de a esfcra do indecidfvel (do
"indccidfvel que", expressa pelos direitos de Iiberdade e do "in-
decid(ve~ ~ue nao": expressa pelos dircitos sociais), as ~ondi96es
sLlbstan~l.~JS de validade das leis, que no paradigma pre-moderno
s~ ldentlfIcavam com os princfpios do direito natural e no para-digrna paTeopositivistn foram removidos pelo principio puramen-
Ie formal da validade como positividade, penetram novarnente
nos sl s~emas jurfdicos sob a forma de pri ncipios positi vos de j us-
tIPest ipulados em normas supraordenadas a legislacao.
Existe urn momento na historia no qual pode ser colocada
essa rnudanca de paradigrna. Eo memento seguinte i) catastro-
fe da segunda guerra mundial e a .derrota do nazifascismo. No
arnbiente cultural e politico no qual nasce 0 moderno constitu-
cionalismo - a Carta cla ONU de 1945, a Declaracao universal
dos direi los de 1948 , a constituic;:ao ital iana de 1948, a lei fun-
damental da Republ iea federa l ale rna de 1949 -, comprccmle-se
que 0 principio de mera legalidade, se e suficiente para garantircontra os abuses cia jurisdicao e da adrninistracao, c i nsuficientepara garantir contra os abuses da legislacao e contra as involu-
coes antiliberais e totalitarias dos supremos orgaos de decisao.
~ se redescobre, por isso, 0 significado de "consti tuicao", como
l imi te e vinculo aos poderes piiblicos, estipulados ha dais seculos
no art. 16 da DecJara<;ao dos direi ros de 1789: "toda sociedade
44 Estadn I' C01JSrllWr£IO 1 J
LUIGI FERRAIOLI
na qual nao sao asseguradas as garantias dos direitos nom a se-
paracao dos poderes niio tern constituicao". Redescobre-se, em
suma - em nfvel nao sornente cstatal, mas tambem internacional
-, 0 valor da consti tuicao como conjunto de norrnas substanciais
voltadas J. garanti r a divi sao des poderes e as dire itos fundarnen-
tui s de todos: OLI seja, exatamente os dois princlpios que foram
negados pclo fascismo e que do faseisrno sao a negacao.
Podemos expressar a rnudanca de paradigrna do direito
produzido pela constitucionalizacao ngida desses principios afir-
rnando que a legalidade vem com base nisso assinalada por LIma
dupla arti ficia lidade : nao mais somente pelo "ser" c lo di reito, au
seja, cia sua "existencia" - nao mais derivavel da moral nem ob-
servavel na natureza. mas justamente "posto" pelo l egislador -
mas tambcrn pelo sell "dever-ser", ou seja, pelas suas condicoes
de "validude" , tambern essas positivadas em nfvel cons ti tucional ,
como "direito sabre a direito", em forma de Iirnites e vinculos
jundicos a producao jurfdica. Nao se trata de colocar em crise a
separaciio entre direito e moral realizada corn a primeiro juspo-
sitivismo," mas, ao contrario, de um complemento do paradig-
rna juspositivo e, juntamente, do Estado de direito: gracas a essa
dupla artifi cial idade, de fato, ni io somente a prcducao do direi to,mas tambern as escolhas pelas quais essa producao vem projeta-
cia, sao positivadas p or n orm as juridicus, e t ar nb e rn olegislador
vern submetido ~l lei. Assim que a legalidade positiva no Estado
constitucional de direito mudou de natureza: nao e mais somente(mera Jegalidade) condicionante , mas e ela mesma (estrei ta lega-
lidade) condicionada par vfnculos ta rnbern substanciais relat ives
aos seus ccnteudos ou significados,
Disso e derivada uma alteracao interna do modele juspositi-
vo classico que revest iu tanto 0direito quanta os discursos sobre
o direito, ou seja, a jurisdicao e a ciencia juridica. A estreita ou
estrita legalidade, justarnente porque condicionada par vinculos
de conteudo a ela impostos pelos direi tos fundamentais, colocou,de fato, urna dirnensao substancial na teoria da validade como na
teoria da dernocracia, produzindo uma dissociacao e uma virtual
eN A lese de u ma c nn ex ao e nt re direito e moral r ai reproposta, sobre Itbase dn rormutacno
em forma d e "princfpios" das normas constuucionais suhstunciais, por R. Alexy (1997<1)
e por G. Zagrebe lski ( l992). alcrn da introducao a obra de R, Alexy (1997a). Para urna
aniilist: crlticu dessas teses, d. Sanchis. 1<)97.
POI'uma Teoria dos Direitos e dos Bens Fundamentais 4S
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diferenciacao entre validade e vigor das leis, entre devcr-ser e ser
do direito, entre Jegitimidade substancial e legitirnidude formal
des sistemas politicos.
De outra parte, essa diferenciacao - que forma um traca-
do fisiol6gico (como tambern, em certos limites, patologico) da
dernocracia constitucional, 0 scu maior valor e 0 sell signa de
reconhecimento, alem de que 0 sell maior defeito - alterou tam-
bern a natureza da jurisdicao e da ciencia jurfdica. A jurisdicao
nao e mais sirnplesmente a sujeiciio do juiz a lei , mas e tambemanalise critica de seu significado para controlar a legitimidade
constitucional, E a ciencia jurfdica nao e rnai s, como ta rnbem
nunca foi, simples descricao, mas e ta rnbem criti ca e projecao do
seu proprio objeto: critica do direito invalido, mesmo que vigen-
te, pOl 'que em contras te com a constituicao; reinterpretacao, a luzdos princfpios estabelecidos na constituicao, do inteiro sistema
nonnativo; analise das antinornias e das lacunas; elaboracao e
projecao das garantias faltantes ou inadequadas e, todavia, im-
postas por normas constitucionais.
Daqui surge uma responsabilidade da cultura jurtdica e po-
litol6gica, que 6 tanto rnais diffcil quanta rnaior e essa diferen-
ciacao e, entiio, 0dever de dar conta da inefetividade dos direitosconst ituc iona lmente estipu lados. Existe um paradoxo epistemo-
logico que caracteriza as nossas disciplinas: nos fazemos parte
do universo artificial que descrevernos e contribufrnos para cons-
truf-Io de maneira muito ma is d e te r rn in ant e do que pensamos.
Oepende, por is so , ta rn be rn c ia c ultu ra ju rf dic a que os direi tos,
segundo a grandiosa Iormula de Ronald Dworkin, sejam levados
a serio: ja que estes outra coisa nao sao que significados norma-
tivos, cuja percepcao e codivisao social como vinculantes e a
primeira, indispensavel condicao da sua efetividadc.
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Referencias
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