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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
Rosana Knabben Perin Sória
A NULIDADE DO CONTRATO DE DOAÇÃO À LUZ DO CÓDIGO CIVIL
CURITIBA
2010
Rosana Knabben Perin Sória
A NULIDADE DO CONTRATO DE DOAÇÃO À LUZ DO CÓDIGO CIVIL
Monografia apresentada ao Curso de Direito do Centro de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Orientadora: Prof. Sílvia Fráguas
CURITIBA 2010
TERMO DE APROVAÇÃO
Rosana Knabben Perin Sória
A NULIDADE DO CONTRATO DE DOAÇÃO À LUZ DO CÓDIGO CIVIL
Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de bacharel em Direito, no curso de Direito do Centro de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade Tuiuti do Paraná.
Curitiba, _____ de _______________ de 2010.
_______________________________________
Dr. Eduardo de Oliveira Leite Curso de Direito Universidade Tuitui do Paraná
Orientadora: Profª Sílvia Fráguas Instituição e Departamento Prof. Instituição e Departamento
Prof. Instituição e Departamento
DEDICATÓRIA
Aos meus familiares, aos professores e amigos, que, me incentivaram para a realização deste trabalho.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais queridos, Otávio Perin e Dinorah knabben Perin, a quem tanto admiro. A minha família, pelo apoio prestado durante o período de estudos. Aos professores, que me ensinaram a seguir o caminho da realização de um grande sonho. A minha orientadora, professora Sílvia Fráguas, por ter me guiado, com muita dedicação e carinho na realização deste trabalho.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO …...................................................................................................07 2 CONTRATO DE DOAÇÃO …................................................................................08 2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA …...............................................................................08 2.2 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA …............................................................09 2.3 CARACTERÍSTICAS DO CONTRATO DE DOAÇÃO …....................................10 2.4 MODALIDADES DE DOAÇÃO ...........................................................................11 2.4.1 Doação Pura e Simples …...............................................................................12 2.4.2 Doação Modal ou com Encargo ou Onerosa …...............................................12 2.4.3 Doação Remuneratória …................................................................................13 2.4.4 Doação Condicional ….....................................................................................13 2.4.5 Doação a Termo …..........................................................................................14 2.4.6 Doação Conjuntiva ….......................................................................................14 2.5 REQUISITOS DA DOAÇÃO …...........................................................................15 2.5.1 Requisitos Subjetivos …...................................................................................16 2.5.1.1 Capacidade para ser doador …....................................................................16 2.5.1.2 Capacidade para ser donatário ….................................................................18 2.5.2 Requisitos Objetivos …....................................................................................18 2.5.3 Requisitos Formais...........................................................................................19 2.6 CONSENTIMENTO NA DOAÇÃO …..................................................................21 2.6.1 Ânimo do Doador (animus donandi) …............................................................21 2.6.2 Aceitação do Donatário …................................................................................22 2.7 PROMESSA DE DOAÇÃO ….............................................................................24 3 NULIDADE DO CONTRATO DE DOAÇÃO …......................................................26 3.1 GENERALIDADES ….........................................................................................26 3.2 CAUSAS DE NULIDADE DO CONTRATO DE DOAÇÃO..................................27 3.2.1 Incapacidade do doador…................................................................................27 3.2.2 Doação entre cônjuges ….................................................................................29 3.2.3 Doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice...................................................31 3.2.4 Doação de ascendente a descendente.............................................................32 3.2.5 Doação universal …..........................................................................................36 3.2.6 Doação inoficiosa …..........................................................................................37 3.2.7 Doação de bens alheios e de bens futuros …...................................................40 3.2.8 Inexistência de aceitação …..............................................................................41 3.2.9 Inobservância da forma prescrita em lei............................................................42 3.3 CAUSAS DE NULIDADE COMUNS A TODOS OS CONTRATOS......................44 3.3.1 Hipóteses do artigo 166 do Código Civil …......................................................44 3.3.2 Vícios do consentimento ......................... …....................................................46 3.2.3 Vícios sociais …...............................................................................................47 3.2.4 Doação e fraude contra credores …................................................................48 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................51 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ….................................................................54 ANEXOS ...............................................................................................................55
RESUMO
O presente trabalho de conclusão de curso versa sobre o contrato de doação, tendo como enfoque principal as causas que levam à nulidade de tal negócio jurídico. Inicialmente, fez-se importante enunciar um breve histórico e algumas noções preliminares acerca do contrato de doação, tais como evolução histórica, conceito, natureza jurídica, bem como suas principais modalidades. Por fim é feita uma abordagem sobre as causas de nulidade do contrato ora em estudo, sob o ponto de vista das causas comuns a todos os contratos e daquelas específicas do contrato de doação, sempre com embasamento doutrinário e jurisprudencial pertinente.
Palavras-chave: Contrato; Doação; Nulidades.
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1 INTRODUÇÃO
Este trabalho de conclusão de curso almeja estudar o contrato de doação à
luz do Código Civil (Lei nº 10.406, de 10/01/2002), enfocando as principais
disposições legais que conduzem à nulidade daquele negócio jurídico. Para tanto,
optou-se no presente estudo considerar a nulidade do contrato segundo
entendimento pacífico na Doutrina, sob duplo aspecto: nulidade absoluta e nulidade
relativa ou anulabilidade, uma vez que ambas culminam na privação da eficácia do
contrato celebrado.
Inicialmente, serão apresentadas algumas noções preliminares ao contrato
de doação, sua evolução histórica, conceito e natureza jurídica, apurando-se,
também, suas principais características e requisitos que o diferencia dos demais
contratos. Serão apreciadas, ainda, suas principais modalidades e a maneira como é
manifestado o consentimento das partes (doador e donatário), por ocasião da
celebração do contrato de doação.
Como principal finalidade do presente estudo é a ênfase à nulidade do
contrato de doação, procurar-se-á relatar as principais causas que resultam nesta
nulidade.
Por fim, objetivando uma melhor fixação do aprendizado, será realizado um
estudo de caso, baseado em uma decisão do Tribunal de Justiça do Estado do
Paraná (TJPR), pertinente à nulidade de um contrato de doação.
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2 CONTRATO DE DOAÇÃO
2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA
O contrato de doação é proveniente do direito romano, mas nem sempre foi
reconhecido como um negócio jurídico, tal como acontece nas legislações
modernas, percorrendo um longo caminho até ser admitido como um contrato pelos
legisladores, haja vista que em algumas legislações, dentre as quais se destaca a
francesa (Código de Napoleão), a doação era considerada apenas um ato unilateral.
Neste sentido, importante transcrever a seguinte sustentação de Santos:
A doação foi considerada por alguns juristas com um instituto nem sempre ético e economicamente justificado, sendo assim, muitas vezes realizada sob o impulso do momento, ou sob pressão moral de quem se aproveita da fraqueza do doador. Essa é uma interpretação errada da evolução histórica do instituto, pois a adoção é uma forma de transmissão espontânea, que no direito romano era tido como permuta. No entanto, o direito romano não via a doação como um contrato, senão como liberalidade unilateral. No direito bárbaro, as doações foram igualmente admitidas, principalmente as doações propter nuptias, isto é, exigia-se a insinuação, a confirmação do ato pelo juiz, não sendo esta formalidade adotada pelo Código Napoleão, que exigia escritura pública. (1999, p. 9).
Como ressalta Monteiro, “a verdade é que o contrato de doação, cuja origem
se perde na noite dos tempos, logrou sobreviver e é assim figura obrigatória em
todas as legislações contemporâneas.” (MONTEIRO, 2003, p. 134).
Pode-se dizer, então, que, inicialmente, no direito romano, a doação era
considerada apenas uma liberalidade unilateral e não um contrato. Todavia,
modernamente, a tradição romana foi abandonada para aceitar a doação como
contrato, tal como normatizado nos ordenamentos jurídicos suíços e alemão,
orientação seguida pelo legislador brasileiro.
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2.2 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA
Não mais se discute quanto à questão de a doação ser ou não um contrato,
prevalecendo, pois, a opinião daqueles doutrinadores que a consideram como tal,
pelas suas próprias características.
Para Gomes “doação, é, pois, contrato pelo qual uma das partes se obriga a
transferir gratuitamente um bem de sua propriedade para patrimônio da outra, que
se enriquece na medida em que aquela empobrece.” (GOMES, 2008, p. 253).
No mesmo sentido Fiúza: “contrato de doação é contrato em que uma
pessoa, por liberalidade, transfere de seu patrimônio bens ou vantagens para o de
outra, que os aceita.” (FIUZA, 2008, p. 499).
Sobre o assunto Monteiro, com sua habitual segurança afirma que
“caracteriza-se realmente a doação pela sua natureza contratual, porque reclama
intervenção de duas partes: o doador e o donatário, cujas vontades hão de
convergir, entrosando-se e completando-se, para que se aperfeiçoe o negócio
jurídico.” (MONTEIRO, 2003, p. 135).
Analisando um dos elementos fundamentais (contratualidade) extraídos da
definição do art. 538 do Código Civil, Diniz faz o seguinte comentário:
(...) o nosso Código Civil considerou expressamente a doação como um contrato, requerendo para a sua formação a intervenção de duas partes contratantes, o doador e o donatário, cujas vontades se entrosam para que se perfaça a liberalidade por ato inter vivos... (...) Nítida é a natureza contratual da doação, visto que gera apenas direitos pessoais, não sendo idônea a transferir a propriedade do bem doado. A doação acarreta unicamente a obrigação do doador de entregar, gratuitamente, a coisa doada ao donatário.” (2003, p. 210).
Possui inteira razão a ilustre autora, pois foi essa a orientação seguida pelo
legislador do Código Civil pátrio, como se pode observar da conceituação disposta
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no art. 538, verbis:
Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.
Da definição supracitada observa-se que a natureza jurídica contratual da
doação é incontestável, pois depende do acordo de vontade de duas partes,
extraindo-se, portanto, de tal artigo que se trata de um contrato com as seguintes
características: gratuito, unilateral, consensual e na maioria das vezes solene.
2.3 CARACTERÍSTICAS DO CONTRATO DE DOAÇÃO
Conforme acima aludido, a doação possui natureza jurídica contratual e
apresenta as seguintes características:
a) Trata-se de contrato gratuito, pois traz benefício para somente uma das partes
(donatário) que enriquece seu patrimônio sem dar nada em troca à outra parte
(doador), ou seja, não há nenhuma contraprestação da parte do doador. Todavia,
como adverte Diniz, “embora possa parecer oneroso se o doador impuser um
encargo ao donatário no ato de efetuar a generosidade, ficando claro que mesmo
assim a liberalidade sobreviverá.” (DINIZ, 2003, p. 211).
b) É contrato unilateral, pois cria obrigação para apenas uma das partes (doador).
Aliás, segundo entendimento predominante na doutrina (Orlando GOMES, Sílvio de
Salvo VENOSA, etc. Contra: César FIUZA) até mesmo nas doações com encargo
(ao donatário), tal contrato não deixa de ser unilateral, pois o donatário continua
sendo, mesmo neste caso, o único beneficiário, sendo que tal encargo não se
constitui em nenhuma contraprestação obrigacional da sua parte.
c) Trata-se de contrato consensual, pois, segundo Rodrigues, “se aperfeiçoa pela
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conjunção das vontades do doador e do donatário, em oposição aos contratos reais
que implicam a entrega da coisa por uma das partes à outra.” (RODRIGUES, 2003,
p. 200).
d) Em geral, trata-se de contrato solene, pois o legislador lhe impôs uma forma para
que tenha validade, isto é, o contrato de doação deve ser celebrado por escritura
pública ou instrumento particular (CC, art. 541, caput). Todavia, excepcionalmente
pode ser verbal, como exceção à regra, somente quando versar sobre bens móveis
e de pequeno valor, se lhe seguir incontinenti a tradição (CC art. 541, parágrafo
único).
Importante ressaltar, finalmente, que o contrato de doação, por si só, não
possibilita a transferência de domínio do doador ao donatário. Tal transferência só
se dá pela tradição, em se tratando de bens móveis (CC, art. 541, parágrafo único)
ou pela transcrição (CC, art. 108), quando se tratar de imóveis.
2.4 MODALIDADES DE DOAÇÃO
De acordo com o Código Civil de 2002, o contrato de doação é um contrato
inter vivos, isto é, pode ser celebrado apenas entre pessoas vivas, não sendo
admitida em nosso ordenamento jurídico, nem por exceção, a doação causa mortis,
ou seja, a doação de bens, cujo contrato só seria levado a efeito após a morte do
doador.
Feita esta ressalva, cumpre particularizar cada uma dessas modalidades de
doação que de acordo com a divisão atribuída pacificamente pela doutrina, podem
ser apresentadas da seguinte forma:
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2.4.1 Doação Pura e Simples
É aquela na qual o doador não estabelece nenhuma restrição ao donatário,
ou seja, é feita por mera liberalidade, sem qualquer encargo ou condição. Ex: João
doa uma moto para seu amigo Mário.
De notar, entretanto, como esclarece Venosa, que “não deixa de ser pura a
doação à qual se apõem as cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade, e
incomunicabilidade. Nada impede também que esses gravames sejam cancelados
pelo próprio doador, com acordo dos interessados.” (VENOSA, 2003, p. 122).
Percebe-se que nesta modalidade de doação o donatário é o principal
favorecido, uma vez que nada lhe é exigido em troca da liberalidade do doador, que
age por mera espontaneidade.
2.4.2 Doação Modal ou com Encargo ou Onerosa
É aquela na qual o doador impõe algumas condições ou encargos ao
donatário, resultando numa vantagem para aquele ou para terceiro. Rodrigues, com
muita propriedade, ao tratar do assunto traz o seguinte exemplo: “há doação com
encargo quando o autor da liberalidade sujeita o donatário a pensionar um parente
do doador, ou quando, oferecendo alta cifra a uma universidade, determina que ela
terá de conceder anualmente um número de bolsas de estudo.” (RODRIGUES,
2003, p. 204).
O encargo impõe uma restrição, ou seja, um dever àquele que recebe a
doação (beneficiário), criando uma obrigação ao donatário em favor de terceiros o do
próprio doador.
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2.4.3 Doação Remuneratória
É aquela feita com a intenção moral de compensar pelos serviços prestados
ao doador ou por alguma vantagem recebida por este, sob aparência de mera
liberalidade.
Como exemplo de tal modalidade, a lição de Venosa torna-se mais uma vez
evidente, ao assinalar que “exemplo clássico é a doação feita a quem tenha salvo a
vida do doador. Outros exemplos podem ser configurados: reconhecimento a quem
obteve um emprego ou função pública para o doador; retribuição a quem concedeu
apoio psicológico ou religioso em momento difícil na vida do doador, etc.”.
(VENOSA, 2003, p. 123).
Alerte-se que a contraprestação pelos serviços ou vantagens prestados ao
doador, não podem ser exigidos legalmente pelo donatário, uma vez que este não é
credor daquele, ou seja, não se trata de uma dívida exigível.
2.4.4 Doação Condicional
É aquela sujeita à condição suspensiva ou resolutiva, ou seja, subordinada
ao implemento de condição que se caracteriza pela ocorrência de evento futuro e
incerto, como relembra Figueiredo:
Na condição suspensiva, o efeito do contrato fica em estado de latência dependendo de evento futuro e incerto para efetivamente ocorrer, momento em que se alcançam seus efeitos. No caso da condição resolutiva, os efeitos da avença existem de forma imediata deixando de existir no instante que ocorre o implemento da condição, o acontecimento futuro e incerto. (2009, p. 139).
Noutras palavras, na condição suspensiva, como o próprio nome diz,
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suspendem-se os efeitos da doação até que ocorra o implemento da condição, como
por exemplo, doação feita em contemplação de casamento futuro ( que só surtira
efeito se o casamento se realizar) ou na doação feita a nascituro (que só surtirá
efeito se houver nascimento com vida).
Na condição resolutiva, ao contrário, o contrato de doação produz todos os
seus efeitos, desde o início da celebração, até que ocorra determinado evento,
colocando termo ao contrato, retornando as partes à situação anterior, como ocorre,
por exemplo, nas doações com cláusula de retorno (CC, art. 547) que estabelece
claramente a volta ao patrimônio do doador dos bens doados, caso este sobreviva
ao donatário.
2.4.5 Doação a Termo
É aquela que estabelece um termo inicial ou final à doação. Ex: João doa um
imóvel de sua propriedade (casa em um condomínio) para seus dois sobrinhos
Marcos e Manoel sendo que o primeiro donatário (Marcos) poderá usá-lo por
somente cinco anos, passando, a partir de então, a ser usado pelo segundo
donatário (Manoel).
2.4.6 Doação Conjuntiva
É aquela que se faz em comum a mais de uma pessoa e, salvo declaração
em contrário, entende-se distribuída entre elas por igual (CC, art. 551). Aliás, se os
donatários forem marido e mulher, subsistirá na totalidade a doação para o cônjuge
sobrevivo (CC, art. 551, parágrafo único), ou seja, não passará para os herdeiros.
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2.5 REQUISITOS DA DOAÇÃO
Não se pode negar que para a validade do contrato de doação dois
elementos são fundamentais: a intenção (animus donandi) do doador de praticar a
liberalidade (elemento subjetivo) sem receber nada em troca e a respectiva
diminuição do seu patrimônio (elemento objetivo), em função daquela liberalidade.
Sobre o assunto, chama a atenção o ensinamento de Gomes:
Para haver doação mister se faz, primeiramente, a diminuição em um patrimônio e aumento correspondente em outro. O donatário há de enriquecer na medida em que o doador empobrece. Enriquecimento pode consistir em qualquer atribuição patrimonial: aquisição pelo donatário de propriedade ou direito real limitado, cessão de créditos ou de quaisquer vantagens. O empobrecimento do doador constitui o elemento de caracterização que permite distinguir a doação de outros negócios jurídicos, como v. g., renúncia. Completa-se com o elemento subjetivo: o animus donandi. Indispensável à caracterização da doação é, com efeito, a intenção de praticar um ato de liberalidade. O doador deve ter a vontade de enriquecer o donatário, a expensas próprias. Se lhe faltar esse propósito, o contrato não será de doação. É o animus donandi que o caracteriza. Não basta a gratuidade. Traço decisivo da doação é a liberalidade, a vontade desinteressada de fazer benefício a alguém, empobrecendo-se ao proporcionar à outra parte uma aquisição lucrativa causa. A intenção liberal concretiza-se, em suma, no intuito de enriquecer o beneficiário. (2008, p. 256).
Importante entender que a transferência patrimonial do doador ao donatário,
constitui-se pelo enriquecimento deste e empobrecimento daquele, como explica
Fiúza:
É apenas figurativa; quer-se dizer apenas que o objeto doado, não importa se navio ou caneta esferográfica, sai do patrimônio do doador e incorpora-se ao patrimônio do donatário. Haverá, de qualquer jeito, diminuição patrimonial concreta, ainda que inexpressiva. Tais atos são, portanto, doação. (2008, p. 502).
Ao falar sobre os requisitos do contrato de doação, Monteiro comenta que:
Sem o concurso do elemento objetivo e do elemento subjetivo inexiste doação; se alguém abandona, por exemplo, sua propriedade, que é ocupada por outrem, não realiza doação, porque lhe falta o ânimo liberal, o elemento subjetivo. Se, ao revés, presente está o animus donandi, que não se traduz, todavia, de modo positivo e concreto, há mero impulso interno,
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que não chega a interessar ao direito, por lhe faltar o elemento objetivo (quod non est in actis, non est in mundo). (2003, p. 136).
Além desses requisitos, para que o contrato de doação seja considerado
válido, deverá preencher outros requisitos legais, sendo alguns comuns a todos os
contratos e outros específicos do contrato de doação, divididos, doutrinariamente,
em requisitos subjetivos, objetivos e formais, como será visto nos próximos tópicos.
2.5.1 Requisitos Subjetivos
Os requisitos subjetivos no contrato de doação dizem respeito à capacidade
ativa e passiva das partes, relembrando que o negócio jurídico, para sua validade,
requer agente capaz (CC, art. 104, I), sendo que, neste contrato, o sujeito que
pratica a liberalidade denomina-se doador e o que se beneficia, donatário.
Assim, para ser doador, primeiramente exige-se o poder de disposição do
bem, como alerta Gomes, ao enfatizar que “porque contrato translativo de domínio, o
doador há de ter o poder de disposição para assumir a obrigação de alienar o bem
doado.“ (GOMES, 2008, pp. 5/6).
Importante esclarecer que a disposição dos bens por parte do doador não
pode exceder o limite imposto pelo legislador, sob pena de redução do excesso
doado à parte disponível, como será analisado a seguir (doação inoficiosa).
2.5.1.1 Capacidade para ser doador
Para ser doador requer-se a capacidade de fato, exigível para a prática dos
atos da vida civil em geral, ou seja, deve-se ser maior de 18 anos (ou emancipado).
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A propósito, Diniz, ao tratar do assunto, acrescenta que,
Se o menor estiver sob o poder familiar, o pai, ou a mãe, não poderá efetivar doação por exercer, pelo Código Civil, art. 1.689, II, mera administração dos bens do filho que se encontra sob o seu poder. Assim sendo, o pai, ou a mãe, não poderá doar por ser somente administrador legal. (2003, p. 216).
Discorrendo sobre os requisitos subjetivos de tal negócio jurídico,
Figueiredo, faz a seguinte observação, relativamente ao doador:
Algumas espécies de doação, além da capacidade civil das partes envolvidas, exigem também uma capacidade especial, denominada legitimação em razão de uma situação peculiar – ex: é absolutamente necessário, como critério de legitimação da doação, que o cônjuge que doa obtenha a outorga do outro. (2009, p. 137).
De fato, possui inteira razão o ilustre autor, pois se um dos cônjuges
pretende doar, por exemplo, um imóvel cujo valor o sujeite a registro no Registro
Imobiliário, dependerá, para que a referida doação possua validade, da outorga do
outro cônjuge, exceto se o regime de casamento for o da separação absoluta de
bens (CC, art. 1647, IV).
Dentro desta perspectiva de entendimento, Fiuza acrescenta, além da
exceção do regime da separação absoluta de bens, o da participação final dos
aquestos (CC, art. 1656) ao entender que, neste caso, “o imóvel deve ser o do
patrimônio particular do doador, e o pacto antenupcial deverá dispensar da outorga
do outro cônjuge.” (FIUZA, 2008, p. 502).
Continuando, o autor salienta que “o mandatário para doar coisa do
mandante, deve ter poderes especiais, constantes da procuração com o nome do
donatário. Os administradores em geral não podem doar coisas sob sua
administração. Tal é o caso dos representantes legais dos incapazes.” (FIUZA, 2008,
p. 503).
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Para ser doador, exige-se a maioridade ou a emancipação, sob pena de
nulidade da doação realizada, mesmo que por meio de seus representantes legais,
ou seja, tanto o absolutamente como o relativamente incapaz não pode ser parte
ativa em contrato de doação.
2.5.1.2 Capacidade para ser donatário
Para ser donatário, por sua vez, a lei admite certa flexibilidade em razão dos
benefícios que lhe advém em tal espécie de contrato, ou resumidamente nas
palavras de Fiuza: “pelo caráter benéfico do ato, não é necessária capacidade para
receber doação.” (FIUZA, 2008, p. 503).
A propósito, acerca do assunto Rodrigues entende que “as regras sobre as
incapacidades surgiram para proteger o incapaz. Ora, se se trata de doação pura,
dela só benefício pode surgir para o incapaz, não havendo, assim, razão para
ampará-lo pelo mecanismo da incapacidade.” (RODRIGUES, 2003, p. 201).
A doação feita a nascituro, valerá desde que aceita pelo seu representante
legal (CC, art. 542) e, se o donatário for absolutamente incapaz, dispensa-se a
aceitação, desde que se trate de doação pura (CC, art. 543).
2.5.2 Requisitos Objetivos
No tocante aos requisitos objetivos, para que o contrato de doação tenha
validade, em regra, deverá ter por objeto coisas que estejam no comércio, como
esclarece Diniz, ao afirmar que,
Para ter validade a doação precisará ter por objeto coisa que esteja in commercio: bens móveis, imóveis, corpóreos ou incorpóreos, presentes ou
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futuros, direitos reais, vantagens patrimoniais de qualquer espécie (...). Além do mais, será imprescindível a liceidade e a determinabilidade. (2003, p. 217).
Vê-se, pois, como esclarece Fiuza, que “não há restrições objetivas à
doação. Todo bem livre para o comércio, ou seja, todo bem passível de se alienado
e adquirido por outro, pode ser doado.” (FIUZA, 2008, p. 504). No mesmo sentido,
Gomes ao dizer que “todos os bens e direitos alienáveis podem ser objeto de
doação. Capazes para fazê-la todas as pessoas no gozo do poder de dispor.”
(GOMES, 2008, p. 254).
Todavia, não se pode esquecer da observância, também, como já se disse,
das regras dispostas no art. 104, II do Código Civil, ou seja, a validade de qualquer
negócio jurídico, entre os quais, o contrato de doação, requer “objeto lícito, possível,
determinado ou determinável”.
Cumpre salientar que a respeito dos requisitos objetivos da doação, o
Código Civil de 2002 estabeleceu várias outras regras, tais como proibição da
doação a título universal, inoficiosa ou em fraude a credores, etc., que serão
estudadas com mais profundidade no tópico intitulado “causas de nulidades da
doação”, tema principal do presente estudo, logo a seguir.
2.5.3 Requisitos Formais
Via de regra, os contratos são celebrados de forma livre. Aliás, estabelece o
Código Civil que a validade da declaração de vontade não dependerá de forma
especial, senão quando a lei expressamente a exigir (art. 107, CC). Noutras
palavras, na celebração de alguns contratos não basta apenas o consentimento das
partes, exigindo-se a observância de certas formalidades impostas pelo legislador
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para que a declaração de vontade tenha validade jurídica.
No que tange ao contrato de doação, em regra, trata-se de contrato solene,
conforme dispõe o código civil:
Art. 541. A doação far-se-á por escritura pública ou instrumento particular. Parágrafo único. A doação verbal será válida, se, versando sobre bens móveis e de pequeno valor, se lhe seguir incontinenti a tradição.
Da simples leitura desse dispositivo legal, percebe-se que a doação pode
celebrar-se por três formas:
a) por escritura pública: se se tratar de imóvel superior ao limite disposto na lei (CC,
art. 108, caput) sujeito a registro no Registro Imobiliário (art. 167, I, 33, da Lei
6.016/73).
b) por escrito particular: se se tratar de bens móveis de valor considerável.
c) verbal: se se tratar de bens móveis e de pequeno valor, desde que seguida, de
imediato, da tradição do objeto).
Relativamente à doação de bens imóveis cujo valor ultrapasse o limite legal,
faz-se necessário a escritura pública, visando assegurar o livre consentimento das
partes, sendo essencial à validade do negócio jurídico, nos termos do art. 108,
caput, do Código Civil, sob pena de nulidade absoluta do contrato de doação
celebrado:
Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.
No que se refere as bens móveis de pequeno valor, a lei não estabelece
nenhum parâmetro, ficando tal estipulação ao livre arbítrio do juiz, alertando Barros
que “o pequeno valor a que se refere o texto há de ser considerado em relação à
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fortuna do doador; se este é pessoa abastada, até mesmo as coisas de valor
elevado podem ser doadas através de simples doação manual.” (BARROS, 2003, p.
139).
2.6 CONSENTIMENTO NA DOAÇÃO
Como em qualquer negócio jurídico, exigiu o legislador pátrio o
consentimento das partes contratantes (doador e donatário) como requisito
indispensável à celebração do contrato de doação. Assim, do primeiro, exige-se o
animus donandi, ou seja, a intenção de praticar o ato de mera liberalidade; do
segundo, por sua vez, exigi-se a aceitação, que pode se manifestar, inclusive, de
forma presumida.
2.6.1 ÂNIMO DO DOADOR (animus donandi)
Embora o legislador exija que o doador pratique o ato por mera liberalidade,
espontaneamente e sem nenhum interesse, advirta-se que na prática tal ato,
geralmente, não corresponde com a realidade dos fatos, pois sempre haverá alguma
motivação patrimonial por parte do doador, como esclarece Venosa:
A doação exige gratuidade na obrigação de transferir um bem, sem recompensa patrimonial. Essa ausência de patrimonialidade não coincide com a noção de desinteresse. A motivação do ato jurídico de doação é irrelevante para o direito. Sempre haverá um interesse remoto no ato de liberalidade cujo exame, na maioria das vezes, é despiciendo ao plano jurídico. Dificilmente haverá doação isente de interesse social, político, religioso, científico, desportivo, afetivo, amoroso, etc. (2003, p. 115).
A respeito da real intenção das partes ao celebrarem o contrato de doação,
haja vista que os negócios jurídicos se baseiam na vontade humana, em
22
recentíssima decisão, com base nos arts. 85, 145, III e 115, do Código Civil anterior
(correspondente aos artigos 112, 122 e 166, IV, do novo Código Civil) a 4º turma do
Superior Tribunal de Justiça decidiu, por unanimidade, que, em havendo dúvida da
existência do contrato de doação, deve prevalecer a real intenção das partes, verbis:
EMENTA - PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. DOAÇÃO. ART. 85 DO CC/16. INCIDÊNCIA. ARTS. 145, III E 115 DO CC/16 E 39, IV, 51, II E IV, E 53 DO CDC. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS NS. 182 DO STJ E 284 DO STF. 2. Havendo controvérsia acerca da existência de doação, impõe-se interpretar a declaração de vontade das partes de acordo com a real
intenção delas ao firmarem o contrato, nos termos do art. 85, do CCB/1916. (STJ – 4ª T.; Rec. Esp. nº 630788/SP; Rel. Min. João Otávio de Noronha. j.
20/10/2009; p. DJ 09/11/2009).1
Figueiredo, ao classificar o ânimo do doador como uma das características
do contrato de doação, diz que tal característica “é o ato de mera liberalidade do
doador, ou seja, é o ato de vontade espontânea que o doador pratica transferindo do
seu patrimônio o bem ou uma vantagem para o patrimônio do donatário, não
implicando o cumprimento de uma obrigação moral ou natural. É, portanto, um ato
de vontade despido de qualquer obrigação.” (FIGUEIREDO, 2009, p. 136).
Manifesta-se, então, o animus donandi quando o doador transfere,
espontaneamente, bens ou vantagens a outra pessoa (donatário) sem que tal
liberalidade caracterize cumprimento de alguma obrigação.
2.6.2 ACEITAÇÃO DO DONATÁRIO
Outro traço essencial que decorre do consentimento acima exposto, é a
aceitação pelo donatário do bem ou vantagem oferecida pelo doador para que se
1 Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em 06/fev/2010.
23
aperfeiçoe o contrato de doação. Aliás, como se trata de um contrato que se
pressupõe a obtenção de uma vantagem para o donatário, como já se disse, tal
aceitação pode se dar de uma forma muito ampla, podendo ser expressa, tácita e
até mesmo presumida.
Deste modo, segundo a conhecida lição de Rodrigues, a aceitação “é
expressa quando revelado verbal ou escrita e ainda por gestos, quando estes
significarem concordância direta com o negócio. É tácita quando resulta de um
comportamento do donatário, incompatível com sua recusa à liberalidade.”
(RODRIGUES, 2003, p. 201).
Ainda, no que concerne à aceitação pelo donatário, determina o legislador
que a mesma poderá ser presumida nos seguintes casos:
a) quando o doador fixar prazo ao donatário para declarar se aceita ou não a
liberalidade e este, ciente do prazo, não se manifesta. Consequentemente, se a
doação não for sujeita a encargo, entender-se-á que a aceitou (CC, art. 539);
b) quando a doação for pura, ou seja, sem nenhuma restrição (encargo ou condição)
e o donatário for absolutamente incapaz (CC, art. 543), uma vez que neste caso, não
havendo nenhum prejuízo para o donatário, preferiu o legislador considerar
(presumir) como válido o consentimento;
c) quando se tratar de nascituro, sendo aceita pelo seu representante legal,
presumiu o legislador como sendo válido o consentimento, haja vista que nenhum
prejuízo trará ao futuro donatário (CC, art. 542), como já foi dito acima;
d) quando se tratar de doação em contemplação de casamento futuro com certa e
determinada pessoa, uma vez que tal doação não poderá ser impugnada por falta de
aceitação, e só ficará sem efeito se o casamento não se realizar (CC, art. 546).
24
Desta maneira, verifica-se que o consentimento do donatário é indispensável
à formalização do contrato de doação e que tal aceitação poderá ocorrer de várias
formas, inclusive simultaneamente ou posteriormente ao ato de liberalidade do
doador.
2.7 PROMESSA DE DOAÇÃO
No tocante à promessa de doação, o legislador pátrio deixou a cargo da
doutrina sua discussão, resultando em algumas divergências quando se trata de
doação pura, alguns admitindo, desde que seja comprovado o prejuízo sofrido pelo
donatário (Sebastião José de ASSIS NETO, Gagliano e Pamplona) e outros (maioria
doutrinária) negando (Orlando GOMES, Silvio RODRIGUES, Agostinho ALVIM,
Serpa LOPES, Caio Mário da Silva PEREIRA, Ozéias J. SANTOS, etc.) a
possibilidade de existir o contrato preliminar de promessa de doação.
Percebe-se que o principal motivo das divergências doutrinárias refere-se à
impossibilidade de ser o doador coagido pelo donatário ao cumprimento da doação,
uma vez que esta se trata de mera liberalidade da sua parte, como explana Assis
Neto ao frisar que:
A razão principal da divergência está em que, sendo a doação uma liberalidade, não poderia aquele que promete doar ser compelido, no futuro, a cumprir essa promessa, já que, moralmente, o promitente donatário não poderia lhe exigir a realização de uma graciosidade. (2009, p. 241).
Sobre o assunto, Rodrigues, apesar de admitir que em geral, todo contrato
possa ser precedido de um contrato preliminar que vincula as partes a firmarem um
contrato definitivo, em se tratando de promessa de doação, todavia, o autor afirma
que “quando pura, não é vinculativa, uma vez que até a formalização é lícito o
25
arrependimento do promitente doador.” (RODRIGUES, 2003, p. 212).
Ao contrário, no que tange à doação gravada de encargo, afirma Fiuza, que
“não há dúvida de que pode ser exigida, uma vez realizado o encargo. Na verdade,
quando o doador onera o donatário com encargo, surge para ele um dever, qual
seja, o de ultimar a doação, pois esse dever poderá ser executado.” (FIUZA, 2008, p.
508).
A respeito do tema, existe um precedente da Terceira Turma do STJ, cujo
acórdão merece ser parcialmente transcrito, verbis:
EMENTA - 2. CIVIL. PROMESSA DE DOAÇÂO. A promessa de doação, como obrigação de cumprir liberalidade que se não quer mais praticar, inexiste no Direito brasileiro; se, todavia, é feita como condição de negócio jurídico, e não como mera liberalidade, vale e é eficaz. Recursos especiais não conhecidos. (STJ – 3ª T.; Rec. Esp. nº 853133/SC; Rel. Min. Humberto Gomes de Barros; Rel. p. Ac. Min. Ari Pargendler. j. 06/05/2008; p. DJ 20/11/2008).
2
Neste contexto, pode-se dizer, enfim, que tudo dependerá da espécie de
contrato firmado e da análise de cada caso concreto, ou seja, se o contrato referir-se
a uma doação onerosa ou remuneratória, entende-se que o promitente doador
poderá, sim, ser forçado ao cumprimento da promessa, uma vez que o promitente
donatário, como afirma Assis Neto, “já se submeteu ou se submeterá à realização de
exigências oriundas da vontade daquele.” (ASSIS NETO, 2009, p. 241).
Todavia, caso se trate de a uma doação pura, fica bem nítida a
impossibilidade da existência da promessa de doação, uma vez que esta perderá um
dos seus elementos constitutivos, qual seja, o animus donandi, indispensável para
sua caracterização, conforme já explicitado.
2 Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em 14/fev/2010.
26
3 NULIDADE DO CONTRATO DE DOAÇÃO
3.1 GENERALIDADES
Apesar da liberdade que os contratantes possuem por ocasião da
celebração do contrato, criou o legislador algumas restrições que invalidam alguns
negócios jurídicos, caso não sejam observadas, em defesa dos interesses de
algumas pessoas (incapazes, etc.) ou da própria sociedade, na maioria dos casos,
uma vez que, “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da
função social do contrato.” (CC, art. 421).
Desta forma, em se tratando do contrato de doação, estabeleceu o legislador
algumas restrições impostas ao doador por ocasião da prática do seu ato de
liberalidade, culminando na nulidade do contrato celebrado, se forem
desconsideradas.
Assim, em alguns casos tais nulidades são comuns a todos os contratos,
noutros, são oriundas de situações específicas do contrato de doação, além do que,
em algumas situações caracteriza-se a nulidade absoluta, noutras, a relativa
(anulabilidade) como será analisado a seguir.
Necessário se faz relembrar que a nulidade (absoluta) pode ser declarada
de ofício pelo juiz, ou a requerimento do Ministério Público ou de qualquer
interessado (CC, art. 168), ao passo que a nulidade relativa (anulabilidade) só pode
ser invocada pela pessoa a quem aproveite (CC, art. 177) não podendo, portanto,
ser reconhecida de ofício pelo juiz, apesar de poder ser ratificado pelas partes (CC,
art. 172).
27
3.2 CAUSAS DE NULIDADE DO CONTRATO DE DOAÇÃO
Várias podem ser as causas de nulidade do contrato de doação.
A respeito deste assunto, Pereira entende que, “para a validade da doação,
exige-se o preenchimento de requisitos gerais e especiais. São-lhes necessários
aqueles, que se reclamam para quaisquer negócios jurídicos (...); E ainda têm que
ser cumpridos os especiais.” (PEREIRA, 1998, p. 154).
No presente estudo, serão prioritariamente analisadas aquelas específicas
da doação, referentes aos artigos 538 a 564 do Código Civil, pelos objetivos aqui
propostos.
Serão também referenciadas, as causas de nulidade concernentes aos
contratos em geral, constantes do art. 161 do Código Civil, assim como aquelas
provenientes dos vícios de consentimento e de vícios sociais, alertando-se, desde
logo, que tais disposições também se aplicam ao contrato em estudo, uma vez que
sua natureza jurídica, indiscutivelmente, é contratual.
3.2.1 Incapacidade do doador
A incapacidade do doador, geradora de nulidade absoluta, compromete a
celebração do contrato de doação por várias formas, sendo a mais comum delas,
aquela que advém da incapacidade (absoluta ou relativa) do doador, geralmente
praticada pelos seus representantes, que legalmente não estão autorizados a dispor
gratuitamente do seu patrimônio, como bem destaca Diniz ao aduzir que,
Os absoluta ou relativamente incapazes não poderão, em regra, doar, nem mesmo por meio de representantes legais, visto que as liberalidades não são tidas como feitas no interesse do representado. O representante não poderá efetivar negócios aleatórios, nem a título gratuito.” (2003, p. 216).
28
No mesmo sentido Venosa, que ao analisar a capacidade do doador em tais
casos, entende que, “esta será, como regra, a dos atos da vida civil em geral. No
entanto, os menores de 16 anos não podem doar, sob pena de nulidade absoluta,
pois seus representantes legais não podem dispor gratuitamente do patrimônio.”
(VENOSA, 2003, p. 118).
Entretanto, deve-se ressaltar que a incapacidade para dispor gratuitamente
do patrimônio pode-se apresentar de outras formas, como por exemplo, na doação
feita por pessoa portadora de determinada síndrome, como se pode constatar do
julgado abaixo transcrito, verbis:
EMENTA - DOAÇÃO DE TIA IDOSA QUE PADECIA DE SÍNDROME MENTAL À SOBRINHO. ALEGAÇÃO DE QUE A DOADORA PADECIA DE INCAPACIDADE À ÉPOCA DO NEGÓCIO JURÍDICO. Doadora interditada cinco anos após a doação, com diagnóstico de Síndrome de Korsakov, de natureza insidiosa e gradual. Elementos razoáveis a indicar que à época do contrato já padecia a doadora da síndrome, de modo a comprometer o negócio celebrado em favor de um sobrinho, que a abandonou após o negócio. Ação julgada improcedente. Recurso provido, para o fim de acolher a ação e a nulidade absoluta da doação, devendo ser o imóvel inventariado e partilhado entre todos os herdeiros da doadora. (Ap. Civ. 4520024600/SP; 4ª C de Direito Privado do TJSP; Relator Des. Francisco Loureiro.. j. 25/09/2008; p. DJE 08/10/2008).
3
Da mesma forma, outrossim, leciona Gomes em relação à doação feita pelos
tutores e curadores referentes aos bens sob sua administração:
Tutores e curadores não podem doar os bens que administram. Não lhes é permitido aceitar doações dos seus tutelados ou curatelados que, porventura, fossem autorizados a fazê-las. A concubina de homem casado está proibida de receber doação do concubinário, mas a rigor a proibição afeta o doador, cujo ato é passível de ser anulado por provocação do cônjuge ou dos herdeiros necessários. (2008, p. 257).
Realmente, ao tratar do exercício da tutela, por exemplo, o Código Civil
estabelece que, ainda que com autorização judicial, não pode o tutor, sob pena de
nulidade, dispor dos bens do menor a título gratuito. (CC, art. 1.749, II).
3 Disponível em: www.tj.sp.gov.br. Acesso em 19/fev/2010.
29
3.2.2 Doação entre cônjuges
Como é sabido, por ocasião da celebração do casamento, os cônjuges são
livres para escolherem o regime de bens, ressaltando-se, todavia, que em alguns
destes, conserva-se os bens adquiridos por cada um deles antes do pacto nupcial,
noutros, todos os bens se comunicam, sejam adquiridos antes ou depois do
casamento e, em alguns deles a própria lei estabelece o regime obrigatório de
separação de bens.
Consequentemente, por motivos diversos, podem os cônjuges, na
constância do casamento, optar por doarem bens entre si, o que é perfeitamente
permitido, uma vez que não há nenhum dispositivo no Código Civil que impeça tal
ato de liberalidade, a não ser que contrarie o disposto no regime de bens, como, por
exemplo, doação a cônjuge na constância do regime da separação obrigatória de
bens, como já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo, conforme ementa abaixo
transcrita, verbis:
EMENTA - ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL E RESPECTIVA ESCRITURA PÚBLICA. Alegação de simulação. Prova dos autos hábil a comprovar a prática de simulação relativa, por interposta pessoa - Negócio jurídico simulado de compra e venda de imóvel com a finalidade de disfarçar verdadeiro negócio de doação a cônjuge, na constância do regime da separação obrigatória de bens, em detrimento dos direitos sucessórios dos filhos do doador, herdeiros necessários - Alienação a cônjuge do conteúdo econômico da propriedade em prejuízo dos filhos - Art. 167 do Código Civil - Nulidade do negócio jurídico simulado de compra e venda - Nulidade do negócio jurídico dissimulado de doação, por se tratar de doação inoficiosa e implicar burla ao regime da separação obrigatória de bens - Fraude à lei - Exegese do art. 166, VI, do Código Civil - Ação procedente, para o fim de declarar a nulidade do negócio jurídico de compra e venda do imóvel e respectiva escritura pública - Recurso provido. (Ap.Civ. 5122404800 SP; 4ª C. Direito Privado. do TJSP; Rel. Des. Francisco Loureiro j. 04/09/2008; p. DJE 18/09/2008).
4
4 Disponível em: www.tj.sp.gov.br. Acesso em 19/fev/2010.
30
Da mesma forma se o regime de bens for o da comunhão universal, na há
qualquer praticidade caso seja praticada alguma doação entre os cônjuges, sendo
inválida, portanto, uma vez que o patrimônio, neste caso, obviamente, pertence a
ambos.
De fato, como resta evidente o posicionamento de Venosa, no transcorrer da
sua obra, “a doação entre cônjuges não será válida se subverter o regime de bens,
não podendo contrariar sua índole respectiva. Assim, não há sentido, se os sujeitos
forem casados no regime de comunhão universal, pois o ato não terá sentido
prático.” (VENOSA, 2003, p. 125).
Acerca deste assunto, assim já decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul, verbis:
EMENTA - AÇÃO ORDINARIA. REGIME DE SEPARAÇÃO DE BENS FUNDADO NO ART. 258, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO II, DO COD. CIVIL. Os efeitos da separação legal de bens são incontornáveis mediante doações de um cônjuge ao outro. O ato que vise burlar o regime legal de separação de bens é radicalmente nulo. (Ap. Civ. 592098214; 6ª C Cível do TJRS; Relator Des. Cacildo de Andrade Xavier. j. 17/08/1993).
5
Vê-se, pois, que se houver algum sentido prático no ato e se este não
contrariar nenhum dispositivo legal, pode haver, sim, a doação de bens entre os
cônjuges, ressaltando-se, todavia, que tal doação importa em adiantamento do que
lhes couber por herança (CC, art. 544), o qual acontece quando o cônjuge concorre
como herdeiro necessário com os demais descendentes.
Enfim, pode-se afirmar que ocorrerá a nulidade das doações entre cônjuges,
como já foi dito, somente se tal ato contrariar o disposto legalmente para
determinado regime de bens.
5 Disponível em: www.tjrs.jus.br. Acesso em 19/fev/2010.
31
3.2.3 Doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice
Preocupado o legislador em preservar os bens do casal em função das
relações concubinárias de um dos cônjuges (marido ou mulher), que poderia
dissipar, por meio de doações, o patrimônio por ambos obtido, prejudicando,
consequentemente, toda a família, determinou que:
Art. 550. A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal.
Qualquer que seja o regime de bens, qualquer um dos cônjuges pode
reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, doados ou transferidos pelo outro
cônjuge ao concubino, desde que provado que os bens não foram adquiridos pelo
esforço comum destes, se o casal estiver separado de fato nos termos da lei.
Neste sentido, apesar da intenção do legislador em proteger, como já se
disse, a família e o patrimônio dos cônjuges devido às relações concubinárias de um
deles, entendeu a jurisprudência em atenuar tal restrição, conforme assevera
Venosa:
(...) a jurisprudência encarregou-se de situar corretamente a proibição, não admitindo a anulação do ato, quando se trata de concubinato sólido, de companheirismo more uxorio, com o donatário ou donatária, na hipótese de o doador encontrar-se separado de fato de há muito do cônjuge. O novo direito concubinário reforça ainda mais esse entendimento (...). Essa proibição somente as pessoas casadas. Não se aplica às solteiras, separadas ou divorciadas, que podem livremente doar seus bens aos companheiros, respeitado o limite da oficiosidade. (2003, p. 126).
Realmente, andou bem a jurisprudência em atenuar tal restrição, até porque,
após a separação de fato do cônjuge, o concubinato dá início à união estável,
conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, verbis:
32
EMENTA - DIREITO CIVIL. DOAÇÃO. AQUISIÇÃO DE IMÓVEL EM NOME DA COMPANHEIRA POR HOMEM CASADO, JÁ SEPARADO DE FATO. DISTINÇÃO ENTRE CONCUBINA E COMPANHEIRA. As doações feitas por homem casado à sua companheira, após a separação de fato de sua esposa, são válidas, porque, nesse momento, o concubinato anterior dá lugar à união estável; a contrario sensu, as doações feitas antes disso são nulas. (STJ – 3ª T.; Rec. Esp. nº 408.296/RJ; Rel. Min. Ari Pargendler. j. 18/06/2009; p. DJ 24/06/2009).
6
No que diz respeito a quem tem o direito de promover ação de anulação das
doações feitas pelo cônjuge adúltero, se o cônjuge inocente ou se os herdeiros
necessários, Rodrigues faz o seguinte alerta:
A lei defere não só ao cônjuge inocente, como também aos herdeiros necessários, o direito de promover a anulação das doações feitas pelo cônjuge adúltero a seu cúmplice. Esse direito é privativo do cônjuge inocente enquanto ele viver. Só após sua morte é que seus herdeiros necessários ganham legitimação para a propositura da reivindicação. Aliás, isso advém não só da circunstância de seus ascendentes e descendentes só adquirirem a condição de herdeiros depois de aberta a sucessão, como também em respeito ao cônjuge inocente, que pode preferir guardar sigilo sobre o adultério de seu consorte, sentimento que deve ser respeitado e que não se compreende seja perturbado pela interferência daqueles seus parentes. (2003, p. 212).
De qualquer forma, a falta de autorização do cônjuge, quando necessária e
não suprida pelo juiz, nos casos permitidos (CC, art. 1.648), tornará anulável o ato
praticado, podendo o outro cônjuge, ou qualquer um dos herdeiros necessários (CC,
art. 550) pleitear-lhe a anulação, até dois anos depois de terminada a sociedade
conjugal (CC, art. 1.649).
3.2.4 Doação de ascendente a descendente
Não resta dúvida de que a maior preocupação do legislador no que se refere
à doação de ascendente a descendente, é resguardar os interesses dos
6 Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em 23/fev/2010.
33
descendentes que porventura não participem deste ato de liberalidade do
ascendente (doador).
Para tanto, criou o legislador algumas limitações com o principal intuito de
preservar a legítima, qual seja, a metade dos bens destinada (reservados) aos
herdeiros, tendo em vista os constantes artifícios usados nestes tipos de contratos
visando simular uma doação, fraudando, deste modo, a futura herança que seria
distribuída de forma desigual entre os futuros herdeiros.
A propósito, no tocante à venda de ascendente a descendente, assim
determina o Código Civil, que é anulável tal negócio jurídico, salvo se os
descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.
Todavia, em ambos os casos, dispensam-se o consentimento do cônjuge se o
regime de bens for o da separação obrigatória (CC, art 496 e parágrafo único).
Da mesma forma agiu o legislador em relação à troca ou permuta
estabelecendo que a estas também se aplique as mesmas disposições referentes à
compra e venda (CC art. 533), acrescentando, porém, que é anulável a troca de
valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem o consentimento dos
outros descendentes e do cônjuge do alienante (CC, art. 533, II).
Desse modo, fica bem evidente que procurou o legislador, precavidamente,
evitar as constantes fraudes, como já foi dito, no sentido de que nenhum dos
herdeiros seja prejudicado com relação à sua legitima, pelo fato de outro
descendente ter recebido um quinhão mais vantajoso.
Feitas tais observações iniciais, perceba-se que no tocante ao contrato de
doação propriamente dito, mesmo com todas as precauções acima, sabiamente
determinou o legislador, verbis:
34
Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança.
Como se sabe, os herdeiros necessários do doador, quais sejam, os
ascendentes, os descendentes e o cônjuge (CC, art. 1.845) têm direito à metade do
patrimônio do doador (legítima), sendo que a outra metade pode o doador
disponibilizá-la da maneira que bem entender, todavia, considerando-se inoficiosa a
doação que ultrapassar esta sua quota disponível, caso contrário, seria fácil burlar o
direito sucessório.
A jurisprudência, por sua vez, de forma majoritária, tem se orientado da
mesma forma, conforme consta da ementa da 3ª Turma do Superior Tribunal de
Justiça abaixo transcrita, verbis:
EMENTA – RECURSO ESPECIAL. SUCESSÕES. INVENTÁRIO. PARTILHA EM VIDA. NEGÓCIO FORMAL. DOAÇÃO. ADIANTAMENTO DA LEGÍTIMA. DEVER DE COLAÇÃO. IRRELEVÂNCIA DA CONDIÇÃO DE HERDEIROS. DISPENSA. EXPRESSA MANIFESTAÇÃO DO DOADOR. Todo ato de liberalidade, inclusive doação, feito a descendente e/ou herdeiro necessário nada mais é que adiantamento de legítima, impondo, portanto, o dever de trazer à colação, sendo irrelevante a condição dos demais herdeiros: se supervenientes ao ato de liberalidade, se irmãos germanos ou unilaterais. É necessária a expressa aceitação de todos os herdeiros e a consideração de quinhão de herdeira necessária, de modo que a inexistência da formalidade que o negócio jurídico exige não o caracteriza como partilha em vida. - A dispensa do dever de colação só se opera por expressa e formal manifestação do doador, determinando que a doação ou ato de liberalidade recaia sobre a parcela disponível de seu
patrimônio. Recurso especial não conhecido. (STJ – 3ª T.; Rec. Esp. nº
730483/MG 2005/0036318-3; Rel. Min. Nancy Andrighi. j. 02/05/05; p. DJ 20/06/05, p. 287).
7
Deste modo, em se tratando de doações feitas pelos ascendentes aos
descendentes, estes são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das
doações que dele em vida receberam, sob pena de sonegação (CC, art. 2002).
Noutras palavras, tais doações, recebidas em vida, portanto, deverão ser trazidas à
7 Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em 23/fev/2010.
35
colação por ocasião da abertura do inventário, a não ser que tal procedimento
(colação) tenha sido dispensado expressamente pelo doador pelo fato de a doação
ter recaído sobre parcela disponível de seu patrimônio, conforme se extrai do texto
da ementa supracitada.
Importante ressaltar, também, que as doações feitas pelo ascendente ao
descendente, sem o consentimento dos demais, desde que não contenha nenhum
dos casos previstos de anulação ou de vícios que possam causar a anulabilidade do
ato, conforme será estudado em tópico apropriado, não serão passíveis de nulidade.
É neste sentido a ementa do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,
verbis:
EMENTA - AÇÃO CIVEL - AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. DOAÇÃO FEITA PELO PAI A UM DOS FILHOS, SEM O ASSENTIMENTO DOS OUTROS, IMPORTA EM MERO ADIANTAMENTO DE LEGÍTIMA (ARTIGO 544 DO CÓDIGO CIVIL). AUSÊNCIA DE CAUSA QUE DETERMINE A ANULAÇÃO DA DOAÇÃO. A REGULARIZAÇAO DO ADIANTAMENTO DA LEGITIMA OCORRERÁ, SE FOR O CASO, QUANDO DA ABERTURA DO INVENTÁRIO, ATRAVÉS DE COLAÇÃO. (Ap. com Revisão; CR 5687854900/SP da 5ª C. de Direito Privado do TJSP; Rel. Des Oscarlino Moeller. j. 27/08/08; p. DJE 08/09/08. Recurso não provido.
8
Conforme visto, em tal situação apenas se exige que tais doações sejam
trazidas à colação, por ocasião da abertura do respectivo inventário, visando
cumprir, portanto, o disposto no art. 2003 do Código Civil, qual seja, regularizar a
legítima na proporção igualitária estabelecida pelo legislador, inclusive, se os bens
recebidos já não existirem, deverão ser trazidos à referida colação o valor
correspondente em dinheiro.
8 Disponível em: www.tj.sp.gov.br. Acesso em 23/fev/2010.
36
3.2.5 Doação universal
Obviamente que se o doador se desfizer de todos seus bens, sem reservar
uma parte para sua subsistência, causará um problema não só para ele mesmo
como para toda a sociedade e para o Estado, como adverte Venosa ao aduzir que
“pretende o legislador impedir que o doador seja levado à penúria, em detrimento de
sua família e do próprio Estado.” (VENOSA, 2003, p. 119).
No mesmo sentido, outrossim, leciona Gonçalves: “a limitação visa proteger
o autor de liberalidade tão ampla, impedindo que, por sua imprevidência, fique
reduzido à miséria, bem como a sociedade, evitando que o Estado tenha de amparar
mais um carente.” (GONÇALVES, 2008, p. 259).
Daí, estabelecer o legislador no art. 548 do Código Civil, verbis:
Art. 548. É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador.
Assim, embora o artigo em estudo seja bem claro em admitir a doação de
todos os bens desde que o doador reserve parte ou renda para sua subsistência,
que não o deixe na miséria, a orientação dos julgadores do Superior Tribunal de
Justiça, com efeito, é no sentido de que mesmo que a doação seja com reserva de
usufruto, dependendo da situação do doador, seu ato de liberalidade pode
caracterizar vício da manifestação de vontade, conforme acórdão a seguir transcrito,
adaptado ao novo Código Civil, verbis:
EMENTA – DOAÇÃO. RESERVA DE USUFRUTO. Em tese, doação com reserva de usufruto afasta nulidade do art. 548 do Código Civil, mas se a doadora é idosa, em avançada idade, analfabeta e sem nenhuma segurança para sua sobrevivência, eis a plena identificação do vício da
manifestação de vontade. (STJ – 3ª T.; Rec. Esp. 656985/PR; Rel. Min.
Carlos Alberto Menezes Direito. j. 07/10/2004; p. DJ 06/12/2004).9
9 Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em 25/fev/2010.
37
Afora tal consideração, o dispositivo legal citado deixa uma dúvida a respeito
da proporção da nulidade, qual seja, se a doação é anulada na sua totalidade ou se
somente na parte que seja suficiente para a subsistência do doador.
A resposta a esta questão é dada por Rodrigues ao enfatizar que,
A lei brasileira é incisiva ao ordenar a nulidade de todo o negócio. Se se tratar de um doador extremamente rico, que faça doação de todos os seus bens, o negócio é nulo em sua integralidade, embora a nulidade apenas da metade permitisse ao doador viver faustosamente, com o quinhão que lhe fosse devolvido. (2003, p. 207).
Registre-se que a nulidade da doação de todos os bens (universal) pode ser
argüida por qualquer interessado, pelo Ministério Público ou até mesmo reconhecida
pelo juiz, de ofício (CC, art. 168, caput e parágrafo único).
Por outro lado, embora tal restrição imposta pelo legislador, entende-se não
haver qualquer proibição de o doador doar todos seus bens caso não tenha
herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge) e possua renda
suficiente para sua subsistência.
3.2.6 Doação inoficiosa
Convém esclarecer, inicialmente, que se o doador possuir herdeiros
necessários, quais sejam, descendentes, ascendentes ou cônjuge (CC, art. 1.845),
não poderá doar mais do que a metade de seu patrimônio, uma vez que, pertence
aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança,
constituindo a legítima (CC, arts. 1.789/1.846).
Sobre o assunto Rodrigues faz o seguinte comentário: “ora, tal princípio
seria burlado se o testador pudesse doar mais da metade de seus bens, pois desse
38
modo alcançaria, por ato inter vivos, aquilo que a lei veda causa mortis.”
(RODRIGUES, 2003, p. 208).
Em face deste entendimento, prevê o Código Civil, verbis:
Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.
Ora, o artigo supracitado é claro ao estabelecer que a nulidade só atinge à
parte que excede à de que poderia dispor o doador poderia dispor em testamento
(chamada de inoficiosa) e que o momento de se saber qual o valor total do
patrimônio do doador, fins de calcular o montante que estaria dentro da sua quota
disponível, ou seja, o momento de se reconhecer tal inoficiosidade) é o momento da
liberalidade, isto é , o momento da doação e não o da abertura da sucessão, que só
ocorreria, neste último caso, após a morte do doador.
É neste sentido a ementa do acórdão do STJ a seguir transcrita, verbis:
EMENTA – CIVIL. DOAÇÂO INOFICIOSA - 1. A doação ao descendente é considerada inoficiosa quando ultrapassa a parte que poderia dispor o doador, em testamento, no momento da liberalidade. No caso, o doador possuía 50% dos imóveis, constituindo 25% a parte disponível, ou seja, de livre disposição, e 25% a legítima. Este percentual é que deve ser dividido entre os 6 (seis) herdeiros, tocando a cada um 4,16%. A metade disponível
é excluída do cálculo. 2. Recurso especial não conhecido. (STJ – 4ª T.; Rec.
Esp. nº 112254/SP 1996/0069084-7; Rel. Min. Fernando Gonçalves. j. 15/11/2004; p. DJ 06/12/2004).
10
Observe-se, também, que somente naquilo que ultrapassar a parte
disponível do doador é considerada inoficiosa a doação, e, portanto, nula, como já
decidiu o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, entre outros, verbis:
EMENTA - CIVIL. PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE CONHECIMENTO. ANULAÇÃO DE PARTILHA EM SEPARAÇÃO CONSENSUAL. DOAÇÃO INOFICIOSA. Tem-se por inoficiosa e, portanto, nula, a doação ou transmissão de bens homologada em separação judicial, apenas naquilo
10
Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em 27/fev/2010.
39
que ultrapassar a parte disponível. Deu-se provimento ao recurso. (Ap.Civ. 961307320068070001; 6ª T. Civ. do TJDF; Rel. Des. José Divino de Oliveira. j. 02/03/2009; p. 11/03/2009, DJE, p. 201).
11
Sobre a importância de tal dispositivo legal (art. 549 do CC), adverte
Monteiro:
Pois bem, se não houvesse a norma do art. 549 do Código Civil de 2002, fácil seria ao doador, com herdeiros necessários, burlar o direito sucessório, por meio de doações excedentes à porção disponível; ter-se-ia insinuado assim, desenganadamente, a liberdade de testar, quebrando a unidade do nosso ordenamento jurídico. (2003, p. 144).
Quanto ao momento de se ingressar em juízo com a ação de redução, se no
momento da liberalidade ou se somente após a abertura da sucessão do doador, a
questão é controvertida, todavia, diz Venosa que,
A doutrina e jurisprudência mais recentes propendem pela possibilidade de ajuizamento desde logo, desde o ato, o que atende melhor à dicção legal, que manda apurar naquele momento o valor da doação, além de não submeter o negócio a desnecessária incerteza por longo período. (2003, p. 120).
De qualquer forma, como aduz Monteiro, “procedente a ação de redução,
opera-se a restituição dos próprios bens, na parte excedente, ou o respectivo valor,
se aqueles não mais existirem.” (MONTEIRO, 2003, p. 144).
De fato somente a parte excedente (inoficiosa) é restituída, pois se o
testador possuir herdeiros necessários (descendentes, ascendentes ou cônjuge), só
poderá dispor da sua quota disponível (metade de seus bens), sob pena de causar
prejuízos a algum desses herdeiros, haja vista que a eles pertence a metade dos
bens da herança.
11
Disponível em: www.tjdft.jus.br. Acesso em 27/fev/2010.
40
3.2.7 Doação de bens alheios e de bens futuros
No tocante à doação de bens alheios, a doutrina é unânime em concordar
pela impossibilidade de tal doação, todavia, no que diz respeito à doação de bens
futuros a doutrina se divide, entre os quais se podem citar: a favor (Agostinho Alvim,
Caio Mário da Silva Pereira); contra (Orlando Gomes, Paulo Lobo, Silvio de Salvo
Venosa).
Para o ilustre Gomes “a doação de coisa alheia é nula por falta de objeto
(...). Afinal, a doação de coisa alheia é doação de coisa futura e esta é proibida,
desde que como tal se considerem as que ainda não ingressaram no patrimônio do
doador.” (GOMES, 2008, p. 257).
Por sua vez, Venosa, mais cauteloso, afirma que,
O instituto da doação não se harmoniza com a doação de coisa futura, porque esse contrato implica necessariamente destaque de algum bem já integrante do patrimônio do doador. Da mesma forma, por lhe faltar objeto, é nula a doação de bens alheios, salvo se vierem a integrar oportunamente o patrimônio do doador. (2003, p. 119).
Não é este, porém, o entendimento de Pereira, ao asseverar que “não é,
porém, vedada a doação de bens futuros. O ato terá o caráter de contrato
condicional, e não chegará a produzir nenhum efeito, se a coisa doada não vier a ter
existência e disponibilidade por parte do doador.” (PEREIRA, 1998, p. 157).
Gonçalves quanto à doação de coisa alheia entende que “não pode ser
objeto de doação, mas a aquisição posterior do domínio convalida o ato, como
estatui o parágrafo 1º do art. 1.268 do Código Civil.” (GONÇALVES, 2008, p. 259).
Neste contexto, com respeito às opiniões contrárias, é fácil entender que a
doação de bens alheios e de bens futuros é vedada em nosso ordenamento jurídico,
41
pois basta referenciar a redação do art. 538 do Código Civil, que estabelece que
“considera-se doação o contrato que uma pessoa, por liberalidade, transfere „do seu
patrimônio‟ bens ou vantagens para o de outra”. (sem aspas no original).
Frise-se que os bens futuros e com mais razão ainda, os bens alheios, ainda
não fazem parte, efetivamente, do patrimônio do doador e, por este motivo, a
impossibilidade de doação.
3.2.8 Inexistência de aceitação
Conforme já visto neste trabalho, para que o contrato de doação se
concretize, é indispensável a aceitação de tal liberalidade pelo donatário, que
poderá, inclusive, recusá-la, uma vez que tal aceitação constitui-se num ato
unilateral de sua parte.
Assim, na concepção de Diniz a aceitação da doação pelo donatário
constitui-se num de seus elementos característicos, pois “o contrato não se
aperfeiçoará enquanto o beneficiário não manifestar sua intenção de aceitar ou não,
por desconhecer nosso Código doação não aceita.” (DINIZ, 2003, p. 213).
Por se tratar de uma concordância a uma proposta feita pelo doador,
importante ressaltar que a aceitação não poderá conter nenhum vício, como afirma
Gagliano ao dizer que:
Como se trata de atuação da vontade humana, deverá ser externada sem vícios de consentimento – como o erro, dolo, a lesão ou a coação – sob pena de o negócio vir a ser anulado. Pressupõe, da mesma forma, a plena capacidade do agente, se não for o caso de estar representado ou assistido, na forma da legislação civil em vigor, (2005, p. 104).
Assim, nos termos do art. 539 do Código Civil, tem-se que:
42
Art. 539. O doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo.
Sobre a opção pelo donatário da aceitação ou não da doação, perceba-se
que o próprio legislador deixou bem claro tal entendimento na expressão “...para
declarar se aceita ou não...”, não deixando, portanto, nenhuma dúvida ao intérprete
do Direito sobre tal exigência para que o contrato de doação se formalize, apesar de
aceitá-la, inclusive, de forma presumida, caso o donatário não se manifeste no prazo
estipulado pelo doador, se a doação não for sujeita a encargo.
A propósito, Venosa, ao tratar da questão, afirma que,
A aceitação, no contrato de doação, pode tomar feição peculiar. A capacidade de figurar no pacto como donatário é ampla. Embora indispensável para perfazer o conteúdo contratual, a aceitação pode ser expressa ou tácita, admitindo a lei que também seja presumida (...). No entanto, embora presumida, a aceitação sempre se fará presente. (2003, p. 117).
Não é demais repetir que a aceitação da doação apresenta algumas
peculiaridades, tais como: se feita ao nascituro terá que ser aceita pelo seu
representante legal para que tenha validade; se feita ao absolutamente incapaz, se
se tratar de doação pura, ou seja, sem remuneração ou encargo, tal aceitação é
dispensada, haja vista que só lhe acarretará benefícios.
3.2.9 Inobservância da forma prescrita em lei
O Código Civil, na sua parte geral determina, como regra geral, que a
validade do negócio jurídico requer forma prescrita ou não defesa em lei (CC, art.
104, III). Do mesmo modo, estabeleceu o legislador, que a validade da declaração
43
de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a
exigir (CC, art. 107).
Neste contexto, importante acrescentar, também, os preceitos contidos no
art. 108 do Código Civil, verbis:
Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.
Diante de tais previsões legais, pode-se dizer que as partes, via de regra,
são livres para contratarem, isto é, conforme já visto, podem celebrar contratos de
forma escrita, verbal, tacitamente, etc. desde que o legislador não ordene uma
determinada forma para a validade do ato.
Deste modo, no que diz respeito à doação, Pereira aduz que:
Quando a consideramos ato formal em nosso direito, não queremos significar que está adstrita a ritual específico, como se dá no direito francês, mas que têm as partes de se sujeitar a certas exigências, não produzindo ela efeitos jurídicos se o fizerem pelo simples consentimento. (1998, p. 157).
Assim, para que alguns contratos possam ser considerados validados, exige
o legislador algumas formalidades que obrigatoriamente devem ser seguidas pelas
partes por ocasião da celebração do contrato, sob pena de invalidade do mesmo.
Em se tratando do contrato de doação estabelece o Código Civil, verbis:
Art. 541. A doação far-se-á por escritura pública ou instrumento particular. Parágrafo único. A doação verbal será válida, se, versando sobre bens móveis e de pequeno valor, se lhe seguir incontinenti a tradição.
Vê-se, pois, que no contrato de doação o legislador exigiu uma determinada
forma para sua validade, qual seja, sua celebração deve ser por escritura pública ou
instrumento particular, podendo, todavia, ser verbal desde que se trate de bens
44
móveis e de pequeno valor, se lhe seguir, incontinenti, a tradição.
Destaque-se, todavia, que o fato de o contrato de doação ter sido celebrado
por escritura pública, não significa que não possa ser anulado, como se pode extrair
da seguinte ementa, verbis:
EMENTA – DOAÇÃO. NULIDADE DO ATO. Embora a liberalidade feita por instrumento público, que goza de fé pública, a presunção de validade é relativa, cedendo à prova em sentido contrário. Caso em que a validade do ato jurídico resta comprometida. Estado mental da doadora. Grave enfermidade impossibilitando sua livre manifestação de vontade. Nulidade do negócio jurídico decretada. Ação procedente, sentença confirmada. Apelação desprovida. (STJ – 4ª T.; Ag. 1063107/RS 2008/0119086-7); Rel. Min. Aldir Passarinho Junior; p. DJ 22/04/2009.
12
Verifica-se, assim, que se tratar de doação de imóveis de valor superior a
trinta vezes o salário mínimo vigente no país, exigir-se-á a escritura pública (CC, art.
541, c/c 108), nos demais casos, poderá ser celebrado por instrumento particular.
3.3 CAUSAS DE NULIDADE COMUNS A TODOS OS CONTRATOS
3.3.1 Hipóteses do artigo 166 do Código Civil:
Sem a pretensão de querer realizar uma análise aprofundada das hipóteses
elencadas no art. 166 do Código Civil, por ser óbvia a aplicação de tais restrições no
contrato em estudo, nunca é demais repetir as disposições ali inseridas pelo
legislador, com o intuito de reforçar a incidência de tal dispositivo legal no contrato
ora em estudo.
Assim, nos termos do referido artigo, anula-se o contrato de doação
quando: celebrado por pessoa absolutamente incapaz (I); for ilícito, impossível ou
indeterminável o seu objeto (II); o motivo determinante, comum a ambas as partes,
12
Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em 27/fev/2010.
45
foi ilícito (III); não revestir a forma prescrita em lei (IV); for preteria alguma
solenidade que a lei considere essencial para a sua validade (V); tiver por objetivo
fraudar lei imperativa (VI); a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática,
sem cominar sanção (VII).
A propósito, há uma decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que
trata de nulidade de pleno direito por ilicitude de seu objeto, que merece ser
transcrita, verbis:
EMENTA – DOAÇÃO. NULIDADE. AÇÃO PESSOAL. PRESCRIÇÃO. ART. 177 DO CC/1916. ATO PRATICADO PELO VIÚVO. INFRAÇÃO DO ART. 183, XIII, DO MESMO DIPLOMA LEGAL. PRESCRIÇÃO AFASTADA. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE. SENTENÇA MANTIDA. A ação de nulidade de doação não se insere entre as ações classificadas como reais, sujeitando-se, portanto, o respectivo prazo prescrição à regra do art. 177 do CCB/1916, aplicável à espécie, por força do disposto no art. 2.028 do Código atual. A doação realizada ao novo conjugue, com infração ao art. 183, XIII, do CCB/1916, é nula de pleno direito, por ilicitude de seu objeto, uma vez que o bem doado em compropriedade com o cônjuge falecido não pertencia na integralidade ao doador, haja vista que a sua metade se transmitiu desde logo com o óbito da mãe. Rejeitaram preliminar e negaram provimento. (Ap.Civ. 104619900149990012 MG; 9ª C. Civ. do TJMG; Rel. Des. Antônio de Pádua. j. 02/03/2006; p. DJE 10/18/2009).
13
Portanto, indiscutivelmente os doutrinadores são unânimes em relação a
aplicação dos dispositivos supracitados ao contrato de doação, assim se
manifestando, por exemplo, Sílvio Rodrigues:
Se o legislador trata da doação como contrato, todos os defeitos que infirmam o ato jurídico – erro, dolo, coação, simulação e fraude – são capazes de anulá-la. Da mesma maneira, se outras imperfeições contaminam o ato jurídico, como por exemplo, a impossibilidade jurídica de uma condição a ele aposta, sua ineficácia se manifesta ou possibilita. (2003, p. 214).
Sobre o assunto Gonçalves afirma que:
Tendo natureza contratual, a doação pode contaminar-se de todos os vícios do negócio jurídico, como erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores, sendo desfeita por ação anulatória (CC, art. 171, II).
13
Disponível em: www.tjmg.jus.br. Acesso em: 27/fev/2010.
46
A natureza contratual torna dispensável qualquer menção à hipótese, no Código, dada a sua evidência. Pode também ser declarada nula como os demais contratos, se o agente for absolutamente incapaz, o objeto for ilícito, impossível ou indeterminável, ou não for observada a forma prescrita no art. 541 e parágrafo único (CC, art. 166, I a IV), bem assim se ocorrerem vícios que lhe são peculiares ou exclusivos (...). (2008, p. 276).
De fato, não resta a menor dúvida de que os dispositivos legais supracitados
se aplicam, realmente no contrato de doação, como já foi visto, inclusive, no tópico
anterior, onde algumas das disposições do artigo 166 do Código Civil ali foram
aplicadas, mesmo sendo consideradas, no presente estudo, como de causas
específicas do contrato de doação, tais como a incapacidade do doador e a
inobservância das formas prescritas.
3.3.2 Vícios do consentimento
Por vícios do consentimento entendem-se aqueles atinentes à presença de
defeitos na declaração de vontade do agente (doador), nos termos do art. 171, II do
Código Civil: o erro (CC, arts. 138-144), o dolo (CC, arts. 145-150), a coação (CC,
arts. 151-155), o estado de perigo (CC, art. 156) e a lesão (CC, art. 157); por vícios
sociais, por sua vez, entendem-se aqueles que apresentam defeitos por
contrariarem algum dispositivo legal: a simulação (CC, art. 167) e a fraude contra
credores (CC, arts. 158-165).
Transcreve-se a excelente definição dada por Fiuza:
Vícios do consentimento são aqueles defeitos que se verificam quando o agente declara sua vontade de maneira defeituosa. São vícios ou defeitos da vontade do agente (...) Vícios sociais são defeitos que afetam o ato jurídico por torná-lo desconforme ao Direito. Aqui, a vontade é perfeita, mas os efeitos são nefastos à sociedade; portanto, contrários ao Direito. (2008, pp. 228/233).
47
A presença de quaisquer destes vícios resultará na anulabilidade do contrato
de doação, podendo este ser ratificado pelas partes, portanto, com exceção do vício
da simulação, que a partir da promulgação do novo Código Civil de 2002, deixou de
ser causa de anulabilidade (CC, art. 147, II, do Código de 1916) e passou a ser
causa de nulidade absoluta do contrato (CC, art. 167).
Assim, respeitando os parâmetros do presente estudo, dentre as causas de
nulidades apresentadas, será dada ênfase àquelas provenientes dos vícios sociais,
quais sejam, a simulação e a fraude contra credores, pela maior incidência no
contrato de doação, objeto de estudo do presente trabalho.
3.2.3 Vícios Sociais
Advertindo que na verdade não existe um tipo de doação que se denomine
“doação simulada”, entende Pereira que simulada “é a doação em que está presente
a simulação como defeito social do negócio jurídico.” (PEREIRA, 1998, p. 160).
De fato, a situação mais corriqueira na celebração de negócios jurídicos é
aquela mascarada em um contrato de compra e venda, visando enganar os
herdeiros necessários e até mesmo o Fisco, considerando-se as diferenças de
alíquotas dos impostos cobrados dos contratantes. Assim, o caso mais comum se
manifesta pela intenção de não incluir os bens doados como adiantamento da
legítima, como no exemplo citado por Fiuza: ”como no caso do pai que simula estar
vendendo ao filho, quando está doando, apenas com o objetivo de que não seja ela
considerada adiantamento de herança.” (FIUZA, 2008, p. 510).
O julgado abaixo transcrito revela sobre a possibilidade supracitada, verbis:
48
EMENTA - APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA - COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL. NEGÓCIO JURÍDICO SIMULADO. CONFIGURAÇÃO DE DOAÇÃO. ANTECIPAÇÃO DA LEGÍTIMA. RECURSO IMPROVIDO. Configurada a simulação do negócio jurídico, subsiste o que se dissimulou se válido for na substância e na forma (artigo 167, do Código Civil). Demonstrado que a compra e venda celebrada entre as partes foi realizada a título gratuito, deve-se desconfigurá-lo para doação, pois realizado mediante simulação. Havendo a transferência de bens hereditários que façam parte da legítima, devem ser trazidos à colação para futura partilha. (Ap. Civ. nº 22.162 MS 2007.022162-9 da 5ª T. Civ. do TJMS; Rel. Des Vladimir Abreu da Silva; j. 26/11/2009; p. DJE 01/12/2009.
14
De qualquer forma, pode-se dizer que simular significa mascarar, aparentar
e nos termos do § 1o do art. 167 do novo Código Civil, citado na referida ementa, a
simulação é prevista nas seguintes hipóteses:
Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma. § 1
o Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados. § 2
o Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos
contraentes do negócio jurídico simulado.
Enfim, como ensina Venosa que na doação simulada “o negócio jurídico é
oneroso, mascarado por uma doação.“ (VENOSA, 2003, p. 117), ou seja, trata-se
apenas de uma aparência de uma negociação de acordo com a lei, mas que na
verdade não corresponde com a realidade, haja vista que a vontade dos
contratantes não se coaduna com a declaração por eles firmada.
3.2.4 Doação e fraude contra credores
Sabe-se que o patrimônio do devedor responde por suas dívidas,
representando, portanto, a garantia dos credores, conforme consta do art. 391 do
14
Disponível em: www.tjms.jus.br. Acesso em 27/fev/2010.
49
Código Civil ao tratar do inadimplemento das obrigações, assim como do art. 942 do
mesmo Código, ao tratar da obrigação de indenizar (responsabilidade civil).
Desse modo, se o somatório das dívidas do devedor junto aos seus
credores for maior que o somatório do seu patrimônio, todas as doações feitas por
este devedor presumem-se fraudulentas, podendo ser anuladas pelos credores
prejudicados por intermédio da respectiva ação pauliana.
Na concepção de Pereira,
Não pode o doador, igualmente, em virtude da doação, reduzir-se à insolvência ou desguarnecer a garantia patrimonial devida a seus credores. Já de sempre se dizia que nemo liberalis nisi liberatus, isto é, que somente quem está livre de dívida tem a faculdade de fazer liberalidades. (1998, p. 164).
De fato, esta é a dicção do art. 158 do Código Civil, verbis:
Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos.
Consoante depreende-se do artigo supracitado, percebe-se que tais
doações, presumidamente fraudulentas, podem ocorrer em duas situações: pelo
devedor já insolvente, ou, quando tais doações o levem à insolvência. Frise-se que
em qualquer destas hipóteses o fato de o devedor ignorar a sua insolvência, é
irrelevante para o Direito, inclusive, não há necessidade de se provar o conluio entre
os fraudadores, bastando, simplesmente, a comprovação de que a doação era
capaz de levar os credores à falência, conforme texto da ementa do Tribunal de
Justiça de São Paulo, abaixo transcrita:
EMENTA – DOAÇÃO. ANULAÇÃO. Diferenciação entre a fraude contra credores e a fraude à execução. Doação realizada antes da citação dos doadores na ação de execução. Hipótese de fraude contra credores. Doação que torna desnecessária a verificação de conluio fraudulento, bastando a comprovação de que a doação era capaz de levar os doadores
50
à insolvência, o que está comprovado pelo conjunto probatório. Decisão acertada. Recurso improvido. (Ap. Civ. 5831604700 SP da 4ª C. de Direito Privado do TJSP; Rel. Des. Maia da Cunha; j. 11/09/2008; p. 30/09/2008).
15
Ressalte-se, também, que a própria Lei de Falências (Lei nº 11.101/05)
prescreve normas de proteção aos credores do devedor insolvente que pratica
doações em prejuízo de seus credores, definindo que são ineficazes em relação à
massa falida, tenha ou não o contratante conhecimento do estado de crise
econômico-financeira do devedor, seja ou não intenção deste fraudar credores (art.
129), a prática de atos a título gratuito, desde dois anos antes da decretação da
falência (art. 129, IV).
O mais importante nisto tudo, enfim, é que os credores não podem, em
nenhuma hipótese, ficar desprotegidos e até mesmo se sentirem lesados, ou seja,
sem a garantia do patrimônio do devedor, que deliberadamente estiver doando seus
bens, que na verdade, não mais lhes pertencem.
15
Disponível em: www.tj.sp.gov.br. Acesso em 28/fev/2010.
51
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
De todo o exposto no presente estudo, observou-se que o legislador do
Código Civil, acompanhando a tendência do legislador do Código anterior (1916),
também optou por não definir a figura do contrato de doação, deixando a cargo da
Doutrina e da Jurisprudência tal discussão. De qualquer forma, viu-se que já se
pacificou, tanto na Doutrina quanto na Jurisprudência, que a natureza jurídica da
doação é contratual e que acarreta unicamente a obrigação do doador de entregar,
gratuitamente, a coisa doada ao donatário.
No que diz respeito às características do contrato de doação, verificou-se
tratar-se de um contrato gratuito, pois traz benefícios somente para uma das partes
(donatário); unilateral, pois cria obrigação para somente uma das partes (doador);
consensual, pois se aperfeiçoa pela conjunção das vontades das partes (doador e
donatário); solene (geralmente), pois a lei prevê uma forma que deverá ser seguida
para que tenha validade, qual seja, escritura pública ou documento particular.
No tocante às modalidades de doação, de acordo com a divisão atribuída
pelos doutrinadores, pode ser: pura e simples, pois o doador não estabelece
nenhuma restrição ao donatário; modal (ou com encargo, ou onerosa), que é aquela
na qual o doador impõe algumas condições (encargos) ao donatário, resultando
numa vantagem para aquele ou para terceiros; remuneratória, que é aquela com a
intenção moral de compensar pelos serviços prestados ao doador; condicional, que
é aquela sujeita a condição suspensiva ou resolutiva; a termos, que é aquela que
estabelece um termo inicial ou final à doação; e, finalmente, a doação conjuntiva,
que é aquela que se faz em comum a mais de uma pessoa.
Sobre as questões ligadas aos requisitos da doação, percebeu-se que para
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a validade do contrato dois elementos são fundamentais, quais sejam, a intenção
(animus donandi) do doador de praticar a liberalidade (elemento subjetivo) sem
receber nada em troca e a respectiva diminuição do seu patrimônio (elemento
objetivo), em função daquela liberalidade. Todavia, além desses requisitos básicos,
viu-se que há outros que devem ser considerados para que o contrato de doação
seja válido: capacidade de ser doador e de ser donatário (requisitos subjetivos) e,
em regra, deverá ter por objeto coisas que estejam no comércio além da liceidade e
determinabilidade de tais objetos (requisitos objetivos).
Como em qualquer negócio jurídico, constatou-se que no contrato de doação
exigiu, também, o legislador, o consentimento das partes contratantes (doador e
donatário) por ocasião da celebração do contrato. Vale dizer, do primeiro exigiu-se o
animus donandi, como já dito, ou seja, a intenção de praticar o ato de mera
liberalidade e do segundo (donatário), por sua vez, exigiu-se a aceitação do bem ou
vantagem oferecida pelo doador, que por sinal, poderá ocorrer de várias formas
(verbal, escrita, presumida), inclusive, de modo simultâneo ou posteriormente ao ato
de liberalidade do doador.
Estudou-se, enfim, as principais causas de nulidade do contrato de doação,
ficando evidenciado que apesar da liberdade que as partes possuem na celebração
do contrato, há algumas restrições que devem ser observadas, geralmente
colocadas para preservarem interesses de algumas pessoas (incapazes, etc.) ou até
mesmo da sociedade, razão pela quais os interesses desta devem prevalecer sobre
os do doador.
Aliás, apesar do Código Civil de 2002 dispor todas as regras referentes às
nulidades do contrato de doação, principalmente aquelas constantes do art. 161 do
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referido diploma legal, ficou bem claro que tais dispositivos são os mesmos que
embasam a nulidade dos contratos em geral, além, é claro, da incidência de
algumas regras específicas pertinentes ao contrato de doação propriamente dito.
Observou-se, então, que, além das causas de nulidades comuns a todos os
contratos, tais como as constantes do art. 166 do Código Civil e dos vícios de
consentimento, provenientes de defeitos na declaração de vontade do doador (erro,
dolo, coação, estado de perigo e a lesão) além dos vícios sociais (simulação e
fraude contra credores), existem outras causas que são próprias do contrato de
doação. Viu-se que tais causas específicas são as seguintes: incapacidade do
doador, doação entre cônjuges que contrarie o estabelecido no regime de bens;
doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice; doação de ascendente a descendente
que comprometa a quota disponível do doador; doação universal, sem reserva de
renda suficiente para a subsistência do doador; doação inoficiosa, ou seja, doação
da parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor
em testamento; inexistência de aceitação do donatário da liberalidade do doador; e,
finalmente, inobservância de quaisquer das formas prescritas pelo legislador para a
formalização da doação, tais como a escritura pública ou instrumento particular, com
exceção das doações verbais nos casos permitidos.
De tudo o que foi apresentado, pode-se concluir que infelizmente não houve
avanço significativo na legislação concernente ao contrato de doação, por ocasião
da promulgação do novo Código Civil de 2002, ficando, mais uma vez, a cargo da
doutrina e da jurisprudência, encontrar mecanismos jurídicos que efetivamente
atendam aos interesses dos contratantes e da sociedade de um modo geral.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSIS NETO, Sebastião José de. Curso básico de direito civil. v. 2. Niterói; RJ: Impetus, 2009. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. v. 3. 18 ed. rev. e atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2003. _____ . Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. v. 1. 20 ed. rev. e aum. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2003. FIGUEIREDO, Fábio Vieira; Roberto Bolonhini Junior. Direito civil: contratos. São Paulo: Rideel, 2009 (Coleção de Direito Rideel). FIUZA, César. Direito civil: curso completo. 11 ed. revista, atualizada e ampliada. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: (abrangendo o código de 1916 e o Novo Código Civil). Pablo Stolze Gragliano, Rodolfo Pamplona Filho. São Paulo: Saraiva, 2005. GOMES, Orlando. Contratos: Rio de Janeiro: Forense, 2008. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. v. 3: 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das obrigações. v. 5. 2ª parte. 34. ed. rev. e atual. por Carlos Alberto Dabus Maluf e Regina Beatriz Tavares da Silva. São Paulo: Saraiva, 2003. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1998. RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. v. 3. Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. 29. ed. atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-1.2002). São Paulo: Saraiva, 2003. SANTOS, Ozéias J. Da doação. Campinas: Bookseller, 1999. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. (Coleção direito civil; v. 3).
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ANEXOS
ANÁLISE DE UM CASO PRÁTICO:
Trata-se de uma apelação cível proveniente da 6ª Vara Cível da cidade de
Maringá/PR, em que é apelante Maria Madalena Vieira (representando a filha
Jéssica Vieira Oliveira) e apelada Floripes Colucci Pereira (e outros).
Sustenta a apelante a incorreção da decisão ora impugnada, alegando a
nulidade da doação de bem imóvel efetuada por José Garcia de Oliveira,
(companheiro e genitor das Requerentes) às filhas Loraine e Alber (ora Requeridas),
virtude tal doação ter sido realizada em detrimento de herdeira necessária Jéssica
Vieira Oliveira (ora Apelante).
Todavia, ao analisar a presente apelação pelo TJPR constatou-se que à
época da doação do imóvel às filhas (Loraine e Alber) havidas do primeiro
casamento, o doador (pai) José Garcia de Oliveira, de comum acordo com sua
companheira, na ocasião, Floripes Colucci Pereira (ora apelada), ajuizaram ação de
separação consensual (no ano de 1989) e também lavraram escritura de doação do
referido imóvel às referidas filhas. Frise-se que na ocasião, o doador possuía outro
bem (um caminhão), ou seja, havia reserva para si de bens capaz de garantir sua
subsistência.
Posteriormente, o donatário (José Garcia de Oliveira) passou a conviver em
união estável com a ora apelante (Maria Madalena Vieira), advindo desta união o
nascimento (em 1991) de Jéssica Vieira Oliveira (ora Requerente).
Assim, decidiu o TJPR que a doação então realizada não padece de
nenhum vício, sendo efetuada de acordo com a lei, não se configurando nenhuma
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das hipóteses de nulidade previstas no Código Civil. Aliás, entendeu o relator que
compete aos beneficiados por doações realizadas em vida pelo descendente,
declararem no inventário as doações recebidas, a fim de possibilitar que sejam
conferidas e resguardadas as respectivas legítimas.
Enfim, após um breve relato dos fatos, segue abaixo a ementa proferida
pelos desembargadores integrantes da 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado do Paraná (TJPR), que por unanimidade de votos, negaram provimento ao
recurso, verbis:
EMENTA – APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INVALIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO. DOAÇÃO DO ASCENDENTE AOS DESCENDENTES. ALEGADA NULIDADE DO ATO. NÃO CONFIGURADA. NEGÓCIO JURÍDICO REALIZADO EM CONSONÂNCIA AOS PRECEITOS LEGAIS. Ofensa à legítima de herdeira nascida posteriormente. Inocorrência. Dever de colacionar os bens recebidos em doação para igualar as legítimas. Ausência de prejuízo à herdeira. (...). Sentença correta. Recurso desprovido. (Ap. Civ. AC 5302225/PR;12ª C. Civ. do TJPR; Relator Des. Clayton Camargo.. j. 25/09/2008).
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Verifica-se, pois, correta a decisão dos Srs. Desembargadores do TJPR,
uma vez que as questões relativas às doações realizadas em vida pelo doador (pai
da ora Apelante), nada mais é do que adiantamento de legítima e deverão ser
resolvidas por ocasião da colação, conforme já decidiu o Superior Tribunal de
Justiça, verbis:
EMENTA – RECURSO ESPECIAL. SUCESSÕES. INVENTÁRIO. PARTILHA EM VIDA. NEGÓCIO FORMAL. DOAÇÃO. ADIANTAMENTO DA LEGÍTIMA. DEVER DE COLAÇÃO. IRRELEVÂNCIA DA CONDIÇÃO DE HERDEIROS. DISPENSA. EXPRESSA MANIFESTAÇÃO DO DOADOR. Todo ato de liberalidade, inclusive doação, feito a descendente e/ou herdeiro necessário nada mais é que adiantamento de legítima, impondo, portanto, o dever de trazer à colação, sendo irrelevante a condição dos demais herdeiros: se supervenientes ao ato de liberalidade, se irmãos germanos ou unilaterais (...). A dispensa do dever de colação só se opera por expressa e formal manifestação do doador, determinando que a doação ou ato de liberalidade recaia sobre a parcela disponível de seu
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Disponível em: www.tj.pr.gov.br. Acesso em 27/fev/2010.
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patrimônio. Recurso especial não conhecido. (STJ – 3ª T.; Rec. Esp. nº
730483/MG 2005/0036318-3; Rel. Min. Nancy Andrighi. j. 02/05/05; p. DJ 20/06/05, p. 287).
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Importante ressaltar que as decisões acima supracitadas estão previstas no
Código Civil, como por exemplo, “a doação de ascendente a descendente, ou de um
cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança.” (CC, art.
544). Além do mais, a obrigatoriedade da conferência do valor das doações
recebidas pelos descendentes, sob pena de sonegação, também vem esculpida no
Código Civil, ou seja, “os descendentes que concorrem à sucessão do ascendente
comum são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que
dele em vida receberam, sob pena de sonegação.” (CC, art. 2002).
Além do que, estabeleceu o legislador que “a colação tem por fim igualar,
na proporção estabelecida neste Código, as legítimas dos descendentes e do
cônjuge sobrevivente, obrigando também os donatários que, ao tempo do
falecimento do doador, já não possuírem os bens doados.” (CC, art. 2003).
Conclui-se, finalmente, que as doações, recebidas em vida, portanto,
deverão ser trazidas à colação por ocasião da abertura do inventário, a não ser que
tal procedimento (colação) tenha sido dispensado expressamente pelo doador pelo
fato de a doação ter recaído sobre parcela disponível de seu patrimônio, conforme
se extrai do texto da ementa do STJ, supracitada.
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Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em 27/fev/2010.
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