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Informativo 589-STJ (01/09/2016 a 15/09/2016) Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Márcio André Lopes Cavalcante Julgado não comentado em virtude de ter sido decidido com base em uma peculiaridade de uma espécie de recurso que não existe mais desde 2010. Por isso, sua utilidade prática e chance de ser cobrado em um concurso são mínimas: EREsp 1.414.755-PA. Se interessar, leia-o ao final deste Informativo. ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL MINISTÉRIO PÚBLICO Acesso do MPF a procedimentos do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB depende de prévia autorização judicial. DIREITO ADMINISTRATIVO TERRENOS DE MARINHA Nulidade de contrato de compra e venda de imóvel localizado em terreno de marinha sem pagamento de laudêmio. DIREITO CIVIL FORÇA MAIOR A invasão promovida por integrantes do MST em propriedade rural pode ser considerada como força maior para evitar que o proprietário tenha que pagar dívida. RESPONSABILIDADE CIVIL Legitimidade passiva de sociedade empresária proprietária de semirreboque em ação de reparação de danos. DPVAT A intimação para perícia médica em ação de cobrança de DPVAT deve ser pessoal. COMPRA E VENDA Nulidade de contrato de compra e venda de imóvel localizado em terreno de marinha sem pagamento de laudêmio. DIREITOS REAIS Invalidade da penhora sobre a integralidade de imóvel submetido a time sharing. DIREITO DO CONSUMIDOR INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA Validade do repasse da comissão de corretagem ao consumidor pela incorporadora imobiliária. Abusividade de cobrança de SATI ao consumidor pelo promitente-vendedor de imóvel. Legitimidade passiva ad causam de incorporadora imobiliária em demanda que objetiva restituição de comissão de corretagem e de SATI. Prazo prescricional da pretensão de restituição de comissão de corretagem ou de SATI.

ÍNDICE · 2016. 11. 10. · Nulidade de contrato de compra e venda de imóvel localizado em terreno de marinha sem pagamento de laudêmio. ... Legitimidade passiva de sociedade empresária

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Informativo 589-STJ (01/09/2016 a 15/09/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Márcio André Lopes Cavalcante Julgado não comentado em virtude de ter sido decidido com base em uma peculiaridade de uma espécie de recurso que não existe mais desde 2010. Por isso, sua utilidade prática e chance de ser cobrado em um concurso são mínimas: EREsp 1.414.755-PA. Se interessar, leia-o ao final deste Informativo.

ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL

MINISTÉRIO PÚBLICO Acesso do MPF a procedimentos do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB depende de prévia autorização judicial.

DIREITO ADMINISTRATIVO

TERRENOS DE MARINHA Nulidade de contrato de compra e venda de imóvel localizado em terreno de marinha sem pagamento de

laudêmio.

DIREITO CIVIL

FORÇA MAIOR A invasão promovida por integrantes do MST em propriedade rural pode ser considerada como força maior para

evitar que o proprietário tenha que pagar dívida. RESPONSABILIDADE CIVIL Legitimidade passiva de sociedade empresária proprietária de semirreboque em ação de reparação de danos. DPVAT A intimação para perícia médica em ação de cobrança de DPVAT deve ser pessoal. COMPRA E VENDA Nulidade de contrato de compra e venda de imóvel localizado em terreno de marinha sem pagamento de

laudêmio. DIREITOS REAIS Invalidade da penhora sobre a integralidade de imóvel submetido a time sharing.

DIREITO DO CONSUMIDOR

INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA Validade do repasse da comissão de corretagem ao consumidor pela incorporadora imobiliária. Abusividade de cobrança de SATI ao consumidor pelo promitente-vendedor de imóvel. Legitimidade passiva ad causam de incorporadora imobiliária em demanda que objetiva restituição de comissão

de corretagem e de SATI. Prazo prescricional da pretensão de restituição de comissão de corretagem ou de SATI.

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DIREITO EMPRESARIAL

CONTRATO DE LOCAÇÃO DE ESPAÇO EM SHOPPING CENTER Legitimidade ativa para pleitear de empreendedor de shopping center indenização por danos causados ao

estabelecimento. CÉDULA DE CRÉDITO RURAL Invasão do MST e exigibilidade de cédula de crédito rural hipotecária. FALÊNCIA Credor trabalhista possui legitimidade ativa para pedir falência de devedor.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS Advogado pode ser obrigado a restituir os honorários advocatícios de sucumbência caso a sentença seja

rescindida. RECURSOS Se a parte interpõe o agravo do art. 1.042 em vez do agravo interno, o STJ não conhecerá do recurso e não mais

aplicará o princípio da fungibilidade. EXECUÇÃO Invalidade da penhora sobre a integralidade de imóvel submetido a time sharing. As cotas de fundo de investimento" não são consideradas dinheiro (art. 835, I, do CPC). Recusa de nomeação à penhora de cotas de fundo de investimento.

DIREITO PENAL

TORTURA Ausência de bis in idem na aplicação do art. 1º, § 4º, II, da Lei de Tortura em conjunto com a agravante do art. 61,

II, "f", do Código Penal.

DIREITO TRIBUTÁRIO

IMPOSTO DE RENDA Incide o IRPF sobre o valor do abono de permanência, mas somente a partir de 2010.

DIREITO CONSTITUCIONAL

MINISTÉRIO PÚBLICO Acesso do MPF a procedimentos do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB

depende de prévia autorização judicial

Importante!!!

O acesso do MPF às informações inseridas em procedimentos disciplinares conduzidos pela OAB depende de prévia autorização judicial.

O fundamento para esta decisão encontra-se no § 2º do art. 72 da Lei nº 8.906/94, que estabelece que a obtenção de cópia dos processos ético-disciplinares é matéria submetida à reserva de jurisdição, de modo que somente mediante autorização judicial poderá ser dado acesso a terceiros.

STJ. Corte Especial. REsp 1.217.271-PR, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 18/5/2016 (Info 589).

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Imagine a seguinte situação adaptada: O Ministério Público federal instaurou procedimento administrativo para investigar determinado indivíduo, que é advogado. Diante disso, o Procurador da República requisitou do Conselho Seccional da OAB informações sobre todos os procedimentos disciplinares existentes contra este advogado. A requisição do MPF foi fundamentada no art. 8º, II, § 2º, da LC 75/93 (Estatuto do MPU):

Art. 8º Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência: II - requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da Administração Pública direta ou indireta; (...) § 2º Nenhuma autoridade poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento que lhe seja fornecido.

A OAB recusou-se a cumprir a determinação afirmando que as informações requisitadas estão protegidas pelo direito à privacidade e pelo sigilo das informações. A recusa da OAB em fornecer as informações foi legítima? SIM. Estatuto da OAB garante o sigilo desses procedimentos Segundo o § 2º do art. 72 da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB):

Art. 72. (...) § 2º O processo disciplinar tramita em sigilo, até o seu término, só tendo acesso às suas informações as partes, seus defensores e a autoridade judiciária competente.

Há, no presente caso, um conflito aparente de normas entre o art. 8º, II, § 2º, da LC 75/93 e o art. 72, § 2º da Lei nº 8.906/94. Como não existe hierarquia entre lei complementar e lei ordinária, este conflito aparente deverá ser resolvido de forma a garantir a convivência harmônica entre os dois dispositivos no ordenamento jurídico, desde que observadas as limitações de cada uma. Desse modo, o STJ interpretou que o poder de requisição do MPF, previsto no Estatuto do MPU, não pode se sobrepor ao sigilo dos procedimentos disciplinares que tramitam na OAB. Assim, é como se o § 2º do art. 72 da Lei nº 8.906/94 fosse uma exceção (limitação) ao art. 8º, II, § 2º, da LC 75/93. Cláusula de reserva de jurisdição O STJ entendeu que a obtenção de cópia dos processos ético-disciplinares que tramitam na OAB é matéria submetida à reserva de jurisdição, de modo que pessoas estranhas ao processo somente poderão ter acesso mediante autorização judicial. O poder de requisição do Ministério Público encontra limites nas hipóteses em que o legislador expressamente afirmou que somente poderia haver a quebra do sigilo por decisão judicial. Assim, mesmo o MPF sendo órgão de persecução dotado de poderes de requisição somente poderá obter tais informações com autorização do Poder Judiciário. Para o STJ, é possível aplicar aqui o mesmo raciocínio construído para proibir o MP de requisitar diretamente (sem autorização judicial) informações protegidas pelo sigilo bancário:

(...) Segundo entendimento desta Corte Superior, os poderes conferidos ao Ministério Público pelo art. 129 da Carta Magna e pelo art. 8.º da Lei Complementar n.º 75/93, dentre outros dispositivos legais aplicáveis, não são capazes de afastar a exigibilidade de pronunciamento judicial acerca da quebra de sigilo bancário ou fiscal de pessoa física ou jurídica, mormente por se tratar de grave incursão estatal em direitos

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individuais protegidos pela Constituição da República no art. 5º, incisos X e XII. (...) STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 234.857/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 24/04/2014.

A redação do art. 72, § 2º, da Lei nº 8.906/94 é muito clara e somente poderia ser autorizada a requisição diretamente pelo MP caso este dispositivo fosse declarado inconstitucional. Ocorre que não há inconstitucionalidade porque este sigilo legal é baseado na tutela da intimidade. Tal interpretação não inviabiliza o trabalho do MP O STJ ressaltou que não se está aqui de forma alguma inviabilizando a obtenção dos documentos e dados pelo Ministério Público, uma vez que é perfeitamente viável para o órgão requerer autorização judicial para obter estas informações. A exigência de autorização judicial, no caso, além de assegurar a plena vigência de um sistema de freios e contrapesos, próprios do regime republicano, também afasta o risco de que as informações sigilosas juntadas aos autos do procedimento instaurado no MP sejam no futuro consideradas nulas, contaminando todo o procedimento investigatório e uma eventual ação judicial. Resumindo: O acesso do MPF às informações inseridas em procedimentos disciplinares conduzidos pela OAB depende de prévia autorização judicial. O fundamento para esta decisão encontra-se no § 2º do art. 72 da Lei nº 8.906/94, que estabelece que a obtenção de cópia dos processos ético-disciplinares é matéria submetida à reserva de jurisdição, de modo que somente mediante autorização judicial poderá ser dado acesso a terceiros. STJ. Corte Especial. REsp 1.217.271-PR, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 18/5/2016 (Info 589).

DIREITO ADMINISTRATIVO

TERRENOS DE MARINHA Nulidade de contrato de compra e venda de imóvel

localizado em terreno de marinha sem pagamento de laudêmio

É nulo o contrato firmado entre particulares de compra e venda de imóvel de propriedade da União quando ausentes o prévio recolhimento do laudêmio e a certidão da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), ainda que o pacto tenha sido registrado no Cartório competente.

Antes de o ocupante vender o domínio útil do imóvel situado em terreno de marinha, ele deverá obter autorização da União, por meio da SPU, pagando o laudêmio e cumprindo outras formalidades exigidas. Somente assim esta alienação será possível de ser feita validamente.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.590.022-MA, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 9/8/2016 (Info 589).

Veja comentários em Direito Administrativo.

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DIREITO CIVIL

FORÇA MAIOR A invasão promovida por integrantes do MST em propriedade rural pode ser considerada

como força maior para evitar que o proprietário tenha que pagar dívida

A invasão promovida por integrantes do MST em propriedade rural, por si só, não é fato suficiente para configurar o evento como de força maior, pois deve ser analisada, concretamente, a presença dos requisitos caracterizadores do instituto (necessariedade e inevitabilidade – art. 393, parágrafo único, do Código Civil).

A parte que faz esta alegação deverá comprovar que a ocupação ilegal da propriedade rural pelo MST criou óbice intransponível ao cumprimento da obrigação. Deverá também provar que não havia meios de evitar ou impedir os seus efeitos.

Assim, a cédula de crédito rural hipotecária permanecerá exigível na hipótese de o MST invadir o imóvel do financiado e este deixar de comprovar que a invasão constitui óbice intransponível ao pagamento do crédito e que não existiam meios de evitar ou impedir os efeitos dessa ocupação.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.564.705-PE, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 16/8/2016 (Info 589).

Títulos Rurais Existem alguns títulos de crédito que são gerais e mais conhecidos, como é o caso da letra de câmbio, duplicata, cheque etc. No entanto, a experiência mostrou que seria interessante que fossem criados títulos de crédito com características específicas, para facilitar as negociações envolvendo determinados setores da economia. Em suma, verificou-se a necessidade de se criarem títulos de crédito específicos para algumas transações empresariais. No caso da atividade rural, por exemplo, foram idealizados quatro títulos de crédito específicos, chamados de “títulos rurais”. São eles: a) cédula de crédito rural; b) cédulas de produto rural; c) nota promissória rural; d) duplicata rural. Cédula de crédito rural A cédula de crédito rural é uma promessa de pagamento em dinheiro, sem ou com garantia real cedularmente constituída, sendo regulamentada pelo Decreto-Lei 167/67. Existem as seguintes modalidades de cédulas de crédito rural: I — cédula Rural Pignoratícia; II — cédula Rural Hipotecária; III — cédula Rural Pignoratícia e Hipotecária; IV — nota de Crédito Rural. Imagine agora a seguinte situação hipotética: “XX” Agropecuária Ltda. é uma empresa que desenvolve atividades agropecuárias. Ela contraiu um empréstimo junto ao banco para financiar a implementação de um projeto agrícola em sua fazenda. Como garantia, foi emitida uma cédula de crédito bancário com garantia hipotecária, no valor de R$ 500.000,00, com vencimento para dois anos depois de sua emissão.

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Invasão da propriedade pelo MST Quando chegou a data do vencimento, a empresa não pagou o empréstimo e ajuizou contra o banco ação declaratória de inexistência de débito, argumentando que a fazenda onde o projeto era desenvolvido foi invadida pelo “Movimento dos Sem Terra” (MST). Com isso, ela ficou impossibilitada de produzir normalmente em sua propriedade e, por conseguinte, paralisou as atividades, não conseguindo angariar recursos para pagar suas obrigações, situação que caracteriza a hipótese de força maior, prevista no art. 393 do Código Civil, apta a ensejar a extinção da obrigação:

Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

A invasão da propriedade pelo MST, por si só, é um evento que pode ser considerado como hipótese de força maior? NÃO.

A invasão promovida por integrantes do MST em propriedade rural, por si só, não é fato suficiente para configurar o evento como de força maior, pois deve ser analisada, concretamente, a presença dos requisitos caracterizadores do instituto. STJ. 3ª Turma. REsp 1.564.705-PE, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 16/8/2016 (Info 589).

Requisitos caracterizadores O caso fortuito e a força maior são causas excludentes da responsabilidade. Para estarem presentes, no entanto, é necessário o preenchimento de dois elementos que os caracterizam: a) a necessariedade e b) a inevitabilidade.

Necessariedade Necessariedade significa que o fato ocorrido tinha, no caso concreto, a aptidão (força) de impossibilitar o cumprimento da obrigação. Deve-se verificar se o acontecimento natural (ex: um furacão) ou o fato praticado por terceiro (ex: uma invasão) pode ser considerado, no caso concreto, como barreira intransponível para a execução da obrigação. O fato deve ser de tal ponto grave que gere a impossibilidade absoluta de cumprimento da prestação. Vale ressaltar que impossibilidade não se confunde com dificuldade ou onerosidade. Não basta que o fato tenha tornado mais difícil ou oneroso o cumprimento da obrigação. Ele deve ter tornado impossível.

Inevitabilidade Inevitabilidade significa que o devedor não tinha, no caso concreto, meios para evitar ou impedir as consequências do evento. “O fato deve ser irresistível, invencível, atuando com força indomável e inarredável. O que se considera é se o evento não podia ser impedido nos seus efeitos. O fato resistível, que pode ser superado, não constitui evento a autorizar a exoneração. É perfeitamente possível que o fato seja imprevisível, mas suas consequências evitáveis. Se o devedor não toma medidas para evitá-la, tipifica-se o inadimplemento e não a impossibilidade com apoio no caso fortuito ou força maior.” (VIANA, Marco Aurelio S. Curso de Direito Civil: direito das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 399)

Voltando ao exemplo dado: A empresa, na ação proposta, alegou que: a) houve invasão de sua propriedade rural por integrantes do MST; b) a invasão ocorreu exatamente na parte em que havia sido implementado o projeto agrícola; c) isso resultou na absoluta incapacidade de plantar e colher em virtude da depredação dos equipamentos; d) houve tentativa de retirada pacífica dos invasores das terras, mas sem êxito.

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Ocorre que, no caso concreto, a autora somente provou a afirmação contida na letra “a”, ou seja, que houve uma invasão de sua propriedade, não trazendo provas das demais alegações. Diante deste quadro probatório, o seu pedido deverá ser julgado procedente? NÃO. Não existem provas das alegações da autora e, portanto, não há comprovação de que o fato ocorrido (invasão) possa ser qualificado como força maior. A autora não provou que as autoridades policiais foram comunicadas sobre o ocorrido. Também não provou que ajuizou ação de reintegração de posse contra os invasores. Dessa forma, no caso concreto, não restou comprovado que a ocupação ilegal da propriedade rural pelo MST criou óbice intransponível ao cumprimento da obrigação. Também não se provou que não havia meios de evitar ou impedir os seus efeitos, nos termos do art. 393, parágrafo único, do Código Civil. Este ônus era da parte autora, razão pela qual cabia a ela juntar tais provas.

RESPONSABILIDADE CIVIL Legitimidade passiva de sociedade empresária proprietária

de semirreboque em ação de reparação de danos

A sociedade empresária proprietária de semirreboque pode figurar no polo passivo de ação de reparação de danos ajuizada em decorrência de acidente de trânsito envolvendo o caminhão trator ao qual se encontrava acoplado.

A empresa proprietária de semirreboque é solidariamente responsável pelos danos causados em acidente envolvendo o caminhão trator, no qual se encontrava acoplado, devendo, assim, figurar no polo passivo de ação de indenização em razão dos prejuízos advindos daquele evento.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.289.202-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 2/6/2016 (Info 589).

Imagine a seguinte situação hipotética: Um caminhão trator, acoplado em um semirreboque, colidiu com o carro de João. O caminhão trator era de propriedade da empresa “Transportes Ltda.”. O semirreboque, por sua vez, era alugado e pertencia à empresa “ABC Agenciamento de Transportes Ltda.” João ajuizou ação de indenização pelos prejuízos sofridos e indicou as duas empresas como requeridas no polo passivo da demanda. A empresa “ABC Agenciamento de Transportes Ltda.” suscitou a sua ilegitimidade passiva alegando que: 1) segundo o contrato de aluguel firmado, a responsabilidade por danos causados é do locatário (Transportes Ltda.); 2) sendo proprietária apenas do semirreboque que estava acoplado ao caminhão envolvido no sinistro, não há como ser responsabilizada pelo evento. Isso porque o acidente deve ter sido causado pela negligência ou imperícia do motorista do caminhão. O semirreboque não tem circulação autônoma. Ele só anda carregado por um caminhão, que é dirigido por alguém. Logo, o semirreboque não pode ter gerado sozinho o acidente. Em suma, alegou a empresa que, como o semirreboque não pode mover-se autonomamente, sem a tração do caminhão trator, a empresa proprietária do caminhão é que deverá ser responsável pelo evento. Para melhor ilustrar, veja uma imagem do que é um semirreboque:

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O que decidiu o STJ? A empresa proprietária do semirreboque pode ser responsabilizada pelo acidente? SIM. A sociedade empresária proprietária de semirreboque pode figurar no polo passivo de ação de reparação de danos ajuizada em decorrência de acidente de trânsito envolvendo o caminhão trator ao qual se encontrava acoplado. STJ. 4ª Turma. REsp 1.289.202-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 2/6/2016 (Info 589). Responsabilidade pelo fato da coisa No presente caso, temos a chamada “responsabilidade pelo fato da coisa”, que ocorre quando esta é a causa do evento danoso, mesmo que não tenha havido a interferência ou o comando direto do dono. Não se exige a constatação de conduta direta do dono ou de seus prepostos. É o uso, fruição, proveito de uma coisa, por qualquer meio, que acarreta a responsabilidade pelos danos que ela causar. Interesse comercial e fiscalização do locatário Existem dois fortes fundamentos para a responsabilização do proprietário do semirreboque: 1º) O semirreboque estava sendo utilizado para fins comerciais, tendo sido locado para outra empresa desenvolver atividade econômica; 2º) Cabia ao proprietário do semirreboque escolher melhor seus parceiros comerciais, podendo ter havido de sua parte culpa in eligendo (também chamada de “responsabilidade pela má eleição”). E o argumento de que o semirreboque não tem movimento próprio? Mesmo sem ter força motriz própria, o semirreboque é classificado como veículo e, como tal, é capaz de causar danos. Veja o que diz o art. 96 do Código de Trânsito:

Art. 96. Os veículos classificam-se em: I - quanto à tração: a) automotor; b) elétrico; c) de propulsão humana; d) de tração animal; e) reboque ou semi-reboque;

Os reboques e semirreboques são tracionados por outro veículo automotor. O que diferencia um do outro é a maneira como são acoplados àquele veículo: o reboque é engatado atrás de um veículo automotor; o semirreboque se apoia na unidade tratora ou é a ela ligada por meio de articulação. Assim, o cavalo mecânico e o semirreboque trabalham articuladamente. São dois veículos que, unidos, constituem partes de um terceiro e específico veículo, o CVC (combinação de veículo de carga), que somente existe a partir da junção dos dois primeiros. Por essa razão, não é possível que o proprietário do semirreboque seja isento de responsabilidade por ser aquele veículo desprovido de força motora própria, uma vez que essa característica não é suficiente ou decisiva para descaracterizá-lo como veículo.

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O tema não é pacífico no STJ, mas existem outros precedentes no mesmo sentido:

(...) A despeito de não possuir força motriz independente, quer dizer, aptidão para se movimentar autonomamente, o reboque da transportadora foi alugado para cumprir uma finalidade contratual e econômica de seu interesse, circunstância que não a exime de assumir as consequências pelo acidente causado por “cavalo mecânico” mal conservado. É o que conhecemos como o dever genérico de cuidado (...) STJ. 3ª Turma. REsp 453.882/MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 18/09/2012.

No mesmo sentido: STJ. 3ª Turma. AgRg no REsp 1521006/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 06/10/2015. Responsabilidade solidária Dessa forma, tanto o proprietário do caminhão como o do semirreboque devem, em princípio, responder solidariamente pelos danos causados a terceiros, dada a existência de interesse comum na união para o desempenho da atividade. E o outro argumento da empresa, ou seja, o de que havia um contrato de aluguel entre a dona do semirreboque e a proprietária do caminhão no qual havia uma cláusula prevendo que a responsabilidade por danos causados seria do locatário? Este contrato poderia ser invocado pela empresa dona do semirreboque para se isentar da obrigação de indenizar João? NÃO. O contrato é um ajuste que vale para as partes (res inter alios acta), não podendo, em regra, prevalecer contra terceiros. Assim, referido pacto somente é oponível para as partes que o assinaram e que por ele se responsabilizaram, não produzindo efeitos para terceiros estranhos ao ajuste, que, porventura, tenham sido prejudicados em decorrência do acidente. O que fica acordado entre o contratante e o contratado somente se impõe entre as partes envolvidas, não podendo ser imposto a terceiros. Nesse sentido: STJ. 2ª Turma. AgRg nos EDcl no REsp 1422471/PE, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 16/06/2015.

DPVAT A intimação para perícia médica em ação de cobrança de DPVAT deve ser pessoal

Em ação de cobrança de seguro DPVAT, a intimação da parte para o comparecimento à perícia médica deve ser pessoal, e não por intermédio de advogado.

Não pode a intimação ser feita ao representante processual se o ato deve ser pessoalmente praticado pela própria parte, como é o caso.

Recaindo a perícia sobre a própria parte, é necessária a sua intimação pessoal, não por meio do seu advogado, uma vez que se trata de ato personalíssimo.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.364.911-GO, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 1/9/2016 (Info 589).

O que é o DPVAT? O DPVAT (Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestres) é um seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre, ou por sua carga, a pessoas, transportadas ou não. Em outras palavras, qualquer pessoa que sofrer danos pessoais causados por um veículo automotor, ou por sua carga, em vias terrestres, tem direito a receber a indenização do DPVAT. Isso abrange os motoristas, os passageiros, os pedestres ou, em caso de morte, os seus respectivos herdeiros. Ex: dois carros batem e, em decorrência da batida, acertam também um pedestre que passava no local. No

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carro 1, havia apenas o motorista. No carro 2, havia o motorista e mais um passageiro. Os dois motoristas morreram. O passageiro do carro 2 e o pedestre ficaram inválidos. Os herdeiros dos motoristas receberão indenização de DPVAT no valor correspondente à morte. O passageiro do carro 2 e o pedestre receberão indenização de DPVAT por invalidez. Para receber indenização, não importa quem foi o culpado. Ainda que o carro 2 tenha sido o culpado, os herdeiros dos motoristas, o passageiro e o pedestre sobreviventes receberão a indenização normalmente. O DPVAT não paga indenização por prejuízos decorrentes de danos patrimoniais, somente danos pessoais. Qual é o valor da indenização de DPVAT prevista na Lei? • no caso de morte: R$ 13.500,00 (por vítima) • no caso de invalidez permanente: até R$ 13.500,00 (por vítima) • no caso de despesas de assistência médica e suplementares: até R$ 2.700,00 como reembolso a cada vítima. Quem são os beneficiários do seguro DPVAT? Quem tem direito de receber a indenização? • no caso de morte: metade será paga ao cônjuge do falecido, desde que eles não fossem separados judicialmente, e o restante aos herdeiros da vítima, obedecida a ordem da vocação hereditária. Não havendo cônjuge nem herdeiros, serão beneficiários os que provarem que a morte da vítima os privou dos meios necessários à subsistência. • no caso de invalidez permanente: a própria vítima. • no caso de despesas de assistência médica e suplementares: a própria vítima. Como a pessoa obtém a indenização do DPVAT? A pessoa deverá procurar uma das empresas seguradoras que seja consorciada ao DPVAT e apresentar a documentação necessária. Para requerer o seguro DPVAT não é necessário advogado, despachante ou qualquer outra ajuda de terceiros. Caso a pessoa beneficiária do DPVAT não receba a indenização ou não concorde com o valor pago pela seguradora, ela poderá buscar auxílio do Poder Judiciário? Sim. A pessoa poderá ajuizar uma ação de cobrança contra a seguradora objetivando a indenização decorrente de DPVAT. Feita a devida revisão sobre o tema, imagine a seguinte situação hipotética: João sofreu um acidente de carro e ficou inválido permanentemente. Apesar disso, a seguradora somente lhe pagou R$ 5 mil a título de indenização do DPVAT. Inconformado com o valor recebido, João ajuizou ação de cobrança contra a seguradora pedindo que fosse reconhecido que sua invalidez permanente é das mais graves previstas na tabela do DPVAT e que, portanto, ele teria direito de receber o valor máximo (R$ 13.500,00). O juiz designou perícia médica para examinar João e avaliar o seu grau de invalidez. O advogado de João foi intimado do dia da perícia, mas esqueceu de avisar seu cliente. Em virtude disso, ele não compareceu no exame e o juiz julgou o pedido improcedente por falta de provas. O autor recorreu alegando que deveria ter sido intimado pessoalmente da data do exame (e não por meio de seu advogado). A tese de João foi aceita pelo STJ? Ele deveria ter sido intimado pessoalmente? SIM. Em ação de cobrança de seguro DPVAT, a intimação da parte para o comparecimento à perícia médica deve ser pessoal, e não por intermédio de advogado. STJ. 4ª Turma. REsp 1.364.911-GO, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 1/9/2016 (Info 589).

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A intimação é o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e dos termos do processo (art. 269 do CPC/2015). O comparecimento em perícia médica é ato que deve ser necessariamente realizado pela parte interessada. Trata-se, portanto, de ato personalíssimo. Em razão disso, não se mostra suficiente a intimação por intermédio do advogado. Sobre o tema, ensina Humberto Theodoro Júnior: "Não valem as intimações feitas à parte quando o ato processual a praticar deve ser do advogado. A contrario sensu, não pode ser a intimação feita ao representante processual, se o ato deve ser pessoalmente praticado pela parte." (Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 300. Existe outro precedente do STJ no mesmo sentido:

(...) 1. Em regra, a intimação será encaminhada à pessoa a quem cabe desempenhar o ato comunicado. Tratando-se da prática de atos postulatórios, a intimação deve ser dirigida ao advogado; tratando-se da prática de ato personalíssimo da parte, ela deve ser intimada pessoalmente. 2. Deve-se distinguir a intimação meramente comunicativa, que cria ônus ou faz fluir prazos, da intimação que ordena condutas e gera deveres para o intimado, como é o caso daquela para a parte se submeter a perícia médica, cujo não comparecimento "supre a prova que se pretendia obter com o exame" (CC, art. 232). 3. Recaindo a perícia sobre a própria parte, é necessária a intimação pessoal, não por meio do seu advogado, uma vez que se trata de ato personalíssimo. (...) STJ. 3ª Turma. REsp 1309276/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 26/04/2016.

COMPRA E VENDA Nulidade de contrato de compra e venda de imóvel

localizado em terreno de marinha sem pagamento de laudêmio

É nulo o contrato firmado entre particulares de compra e venda de imóvel de propriedade da União quando ausentes o prévio recolhimento do laudêmio e a certidão da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), ainda que o pacto tenha sido registrado no Cartório competente.

Antes de o ocupante vender o domínio útil do imóvel situado em terreno de marinha, ele deverá obter autorização da União, por meio da SPU, pagando o laudêmio e cumprindo outras formalidades exigidas. Somente assim esta alienação será possível de ser feita validamente.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.590.022-MA, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 9/8/2016 (Info 589).

O que são terrenos de marinha? Terrenos de marinha são “todos aqueles que, banhados pelas águas do mar ou dos rios e lagoas navegáveis (estes últimos, exclusivamente, se sofrerem a influência das marés, porque senão serão terrenos reservados), vão até a distância de 33 metros para a parte da terra contados da linha do preamar médio, medida em 1831” (CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Administrativo. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 417). Os terrenos de marinha são bens da União (art. 20, VII, da CF/88). Isso se justifica por se tratar de uma região estratégica em termos de defesa e de segurança nacional (é a “porta de entrada” de navios mercantes ou de guerra). Enfiteuse (ou aforamento) José dos Santos Carvalho Filho (Manual de Direito Administrativo. 23. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 1311) explica que, em algumas regiões, a União permitiu que particulares utilizassem, de forma privada,

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imóveis localizados em terrenos de marinha. Como essas áreas pertencem à União, o uso por particulares é admitido pelo regime da enfiteuse (aforamento), que funciona, em síntese, da seguinte forma:

a União (senhorio direto) transfere ao particular (enfiteuta) o domínio útil;

o particular (enfiteuta) passa a ter a obrigação de pagar anualmente uma importância a título de foro ou pensão.

O particular (enfiteuta) pode transferir para outras pessoas o domínio útil que exerce sobre o bem? SIM. Tome-se o seguinte exemplo: João reside em uma casa localizada dentro de um terreno de marinha, possuindo, portanto, apenas o domínio útil sobre o bem e pagando, anualmente, o foro. Ocorre que ele quer se mudar. Diante disso, poderá “vender” o domínio útil para outra pessoa. A pessoa que transferir o domínio útil do imóvel terá que pagar algum valor para a União? SIM. A legislação estabelece que a pessoa, antes de efetuar a transferência, deverá pagar 5% do valor do domínio útil à União. Assim, em nosso exemplo, João terá que recolher em favor da União 5% do valor do domínio útil de sua casa pelo simples fato de ela estar localizada em terreno de marinha. Esse valor é chamado de laudêmio e seu pagamento está previsto no art. 3º do Decreto-Lei nº 2.398/87:

Art. 3º Dependerá do prévio recolhimento do laudêmio, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno e das benfeitorias, a transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil de terreno da União ou de direitos sobre benfeitorias neles construídas, bem assim a cessão de direito a eles relativos.

Feitas estas considerações, imagine a seguinte situação hipotética: João reside em uma casa localizada dentro de um terreno de marinha, possuindo, portanto, apenas o domínio útil sobre o bem e pagando, anualmente, o foro. João decide vender sua casa para Pedro. Eles celebram um contrato de compra e venda de bem imóvel, mediante escritura pública no Tabelionato de Notas, e o levam para registro no cartório de Registro de Imóveis. Alguns meses depois, a União descobre que houve esta transação e ajuíza contra eles ação anulatória, argumentando que o negócio jurídico foi nulo porque não houve prévio pagamento do laudêmio nem observância das demais formalidades necessárias para a venda do domínio útil. Os requeridos se defendem argumentando que não houve nulidade porque se tratou de mera irregularidade formal, o que não atingiria a essencialidade do ato de compra e venda. Além disso, alegaram que o valor do laudêmio poderia ser cobrado posteriormente. Por fim, sustentaram que o negócio foi registrado em cartório, o que garante publicidade e autenticidade. Afinal de contas, o negócio jurídico realizado foi válido ou não? NÃO.

É nulo o contrato firmado entre particulares de compra e venda de imóvel de propriedade da União quando ausentes o prévio recolhimento do laudêmio e a certidão da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), ainda que o pacto tenha sido registrado no Cartório competente. STJ. 2ª Turma. REsp 1.590.022-MA, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 9/8/2016 (Info 589).

Edificações particulares em terrenos de marinha Como vimos acima, os terrenos de marinha são bens da União (art. 20, VII, da CF/88). As edificações particulares existentes em terrenos de marinha são, portanto, edificações construídas em bens públicos. Tais bens públicos são da espécie “bens dominicais”. Os bens dominicais são aqueles bens públicos que não estão afetados a uma finalidade pública. Apesar de não estarem sendo utilizados para a realização de uma finalidade pública, o regime jurídico dos bens dominicais é híbrido, ou seja, é regido tanto por normas de direito público como de direito privado.

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Portanto, o contrato de compra e venda de um bem dominical deve respeitar formalidades legais mais rígidas do que se fosse um bem de um particular. Certidão da SPU Antes de fazer o contrato, o vendedor deveria ter procurado a Secretaria do Patrimônio da União – SPU a fim de pedir autorização para a realização do negócio. A SPU analisa o pedido e somente irá autorizar a venda se o imóvel não se encontrar em área de interesse do serviço público. Caso autorize o negócio, a SPU irá fazer o cálculo do valor do laudêmio, mediante solicitação do interessado. Depois de pagar o laudêmio, o vendedor levará o comprovante à SPU. A SPU irá, então, analisar toda a documentação e, caso não exista nenhuma pendência relacionada com o vendedor (ex: não está devendo foro), ela irá emitir uma certidão declarando o cumprimento dos requisitos necessários para a venda do domínio útil. Desse modo, ao contrário do que alegam os particulares, o pagamento do laudêmio não é a única formalidade exigida antes da venda do domínio útil do terreno de marinha. Além do pagamento do laudêmio, é indispensável que haja uma autorização da União para a realização do negócio jurídico, por meio da SPU. Prévia autorização da SPU não é mera formalidade Segundo entende o STJ, a comunicação do negócio jurídico formalizado entre o ocupante e terceiro à SPU não se reveste de ato de mera formalidade, mas se constitui em medida de essencial importância e que produz efeitos jurídicos relevantes, uma vez que a União é a proprietária do terreno de marinha e, nessa qualidade, deverá estar sempre a par e consentir com a utilização de bem que lhe pertence (STJ. 1ª Turma. REsp 1201256/RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 07/12/2010). O tabelião de notas poderia ter lavrado a escritura de compra e venda e o oficial do Registro de Imóveis poderia ter registrado este título sem a prova do pagamento do laudêmio? NÃO. É dever dos tabeliães e registradores, antes de lavrar ou registrar a escritura, exigir a certidão da SPU, na qual estará declarado que houve o pagamento do laudêmio e cumprimento das demais formalidades. Veja o que diz o DL 2.398/87:

Art. 3º (...) § 2º Os Cartórios de Notas e Registro de Imóveis, sob pena de responsabilidade dos seus respectivos titulares, não lavrarão nem registrarão escrituras relativas a bens imóveis de propriedade da União, ou que contenham, ainda que parcialmente, área de seu domínio: I - sem certidão da Secretaria do Patrimônio da União - SPU que declare: a) ter o interessado recolhido o laudêmio devido, nas transferências onerosas entre vivos; b) estar o transmitente em dia com as demais obrigações junto ao Patrimônio da União; e b) estar o transmitente em dia, perante o Patrimônio da União, com as obrigações relativas ao imóvel objeto da transferência; e c) estar autorizada a transferência do imóvel, em virtude de não se encontrar em área de interesse do serviço público; (...)

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DIREITOS REAIS Invalidade da penhora sobre a integralidade de imóvel submetido a time-sharing

Importante!!!

É inválida a penhora da integralidade de imóvel submetido ao regime de multipropriedade (time-sharing) em decorrência de dívida de condomínio de responsabilidade do organizador do compartilhamento.

A multipropriedade imobiliária, mesmo não efetivamente codificada, possui natureza jurídica de direito real, harmonizando-se com os institutos constantes do rol previsto no art. 1.225 do Código Civil.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.546.165-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 26/4/2016 (Info 589).

Time-sharing (multipropriedade) ­ Time-sharing ocorre quando um bem ­ é dividido entre vários proprietários ­ sendo que cada um deles utilizará a coisa, ­ com exclusividade, ­ durante certo(s) período(s) de tempo por ano, ­ em um sistema de rodízio. Nomenclatura O time-sharing é também chamado de multipropriedade ou de regime de aproveitamento por turno. Origem O fenômeno da multipropriedade surgiu na França, por volta de 1967. No Brasil, as primeiras operações de multipropriedade começaram na década de 1980. Exemplo O time-sharing ocorre com frequência em imóveis destinados ao lazer. É o caso, por exemplo, de uma casa de praia. Em litorais mais caros do país, como na região dos Lagos (RJ) ou em Santa Catarina, é comum que sejam lançados empreendimentos em sistema de time-sharing. Normalmente, o imóvel é dividido em 52 cotas (número de semanas do ano). Daí, o indivíduo que compra uma cota, torna-se proprietário de 1/52 do imóvel e poderá utilizá-lo durante uma semana por ano. Finalidade Este modelo é adotado normalmente por indivíduos que querem usufruir de um imóvel apenas durante parte do ano e, por isso, não valeria a pena serem proprietários únicos do bem. Assim, com o sistema do time-sharing não precisam desembolsar o preço total do imóvel na aquisição e também não terão que arcar sozinhos com os custos da manutenção. Qual é a natureza jurídica da time-sharing: trata-se de direito real ou pessoal (obrigacional?? Existe grande divergência na doutrina acerca do tema. Uma primeira corrente defende que se trata de direito PESSOAL (obrigacional), pois afirma que os direitos reais são em número limitado (numerus clausus) e estão previstos taxativamente no art. 1.225 do CC. A time-sharing não se enquadra em nenhum deles. O integrante do time-sharing não pode ser considerado proprietário, considerando que este modelo possui inúmeras diferenças em relação ao direito de propriedade, podendo ser apontadas as seguintes:

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1) no time-sharing, o direito de uso e gozo ocorre apenas em um período do ano, enquanto no direito de propriedade não existe esta limitação; 2) não há liberdade quanto ao modo de uso, só podendo utilizar o bem para a finalidade com a qual ele foi criado (ex: se é um imóvel para lazer, não pode ser utilizado para fins comerciais); 3) a pessoa integrante do time-sharing não pode efetuar modificações no imóvel, o que não ocorreria se ela fosse proprietária. O STJ, no entanto, seguindo o entendimento majoritário na doutrina, decidiu que se trata de direito real:

A multipropriedade imobiliária, mesmo não efetivamente codificada, possui natureza jurídica de direito real, harmonizando-se com os institutos constantes do rol previsto no art. 1.225 do Código Civil. STJ. 3ª Turma. REsp 1.546.165-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 26/4/2016 (Info 589). O time-sharing, também chamada de multipropriedade imobiliária, possui forte liame com o instituto da propriedade, sendo até mesmo considerada por alguns como uma expressão do direito de propriedade. Ao contrário do que afirma a primeira corrente, é possível que sejam admitidos como direitos reais não apenas aqueles que estão enumerados na lei, mas também outros que possam ser criados a partir da liberdade negocial. O Código Civil não traz nenhuma proibição de que sejam criados novos direitos reais a partir da convenção de vontades. Além disso, a time-sharing se harmoniza com os atributos dos direitos reais, considerando que o participante detém as faculdades de uso, gozo e disposição sobre fração ideal do bem, ainda que objeto de compartilhamento pelos multiproprietários de espaço e turnos fixos de tempo. Veja o que Maria Helena Diniz afirmou sobre o instituto: "O sistema time-sharing ou multipropriedade imobiliária é uma espécie condominial relativa aos locais de lazer, pela qual há um aproveitamento econômico de bem imóvel (casa, chalé, apartamento), repartido, como ensina Gustavo Tepedino, em unidades fixas de tempo, assegurando a cada co-titular o seu uso exclusivo e perpétuo durante certo período anual. (...) Trata-se de uma multipropriedade periódica, muito útil para desenvolvimento de turismo em hotéis, clubes e em navios (...) Há um direito real de habitação periódica, como dizem os portugueses, democratizando o imóvel de férias, cujo administrador (trustee) o mantém em nome de um clube, concedendo e organizando o seu uso periódico. Todos os adquirentes são comproprietários de fração ideal, sofrendo limitações temporais e condominiais, sendo que a relação de tempo repartido fica estabelecida em regulamento." (Curso de Direito Civil Brasileiro. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, vol. 4, p. 243.) Feitas estas considerações, imagine a seguinte situação adaptada: A empresa "XX" Incorporações e Negócios Ltda. é proprietária de uma casa de praia em Angra dos Reis e organizou um time-sharing deste imóvel. Para tanto, ela ofereceu 52 cotas para os interessados, que adquiriram, assim, frações ideais do bem para utilização periódica. Portanto, cada pessoa que comprou uma cota poderá utilizar a casa de praia uma semana por ano. Vale ressaltar que esta casa (nº 11-B) fica dentro de um condomínio fechado. A empresa "XX" deixou de pagar seis meses de taxa condominial, razão pela qual o condomínio ingressou com execução e conseguiu a penhora da casa nº 11-B. João, um dos que adquiriu uma cota da casa, ingressou com embargos de terceiro afirmando que, por ser detentora da propriedade de 1/52 avos da casa nº 11-B, é indevido o ato de penhora que recaiu sobre a totalidade do imóvel. Acrescentou que o referido imóvel está registrado na modalidade de time-sharing, tendo sido subdividido, antes da comercialização, em 52 frações ideais, pertencendo, portanto, a titulares diversos, o que, segundo afirma, evidencia a impossibilidade de ser mantida a constrição sobre a totalidade da casa.

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Os embargos de terceiro foram julgados procedentes? A penhora sobre a totalidade da casa foi indevida? SIM. É inválida a penhora da integralidade de imóvel submetido ao regime de multipropriedade (time-sharing) em decorrência de dívida de condomínio de responsabilidade do organizador do compartilhamento. STJ. 3ª Turma. REsp 1.546.165-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 26/4/2016 (Info 589). A multipropriedade imobiliária, mesmo não efetivamente codificada, possui natureza jurídica de direito real, harmonizando-se, portanto, com os institutos constantes do rol previsto no art. 1.225 do Código Civil; e o multiproprietário, no caso de penhora do imóvel objeto de compartilhamento espaço-temporal (time-sharing), tem, nos embargos de terceiro, o instrumento judicial protetivo de sua fração ideal do bem objeto de constrição. Assim, é insubsistente a penhora sobre a integralidade do imóvel submetido ao regime de multipropriedade na hipótese em que a parte embargante é titular de fração ideal do bem e nada tem a ver com a dívida.

DIREITO DO CONSUMIDOR

INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA Validade do repasse da comissão de corretagem ao consumidor pela incorporadora imobiliária

Importante!!!

É válida a cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.599.511-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 24/8/2016 (recurso repetitivo) (Info 589).

O que é um contrato de corretagem? Pelo contrato de corretagem, o corretor obriga-se a obter para uma pessoa que o contrata (denominada “cliente” ou “comitente”) um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas. O contrato de corretagem está previsto, de forma genérica, nos arts. 722 a 729 do CC. Quando se fala neste contrato, normalmente as pessoas só se lembram da corretagem de imóveis. No entanto, existem outras espécies de corretagem, como é o caso do corretor de ações na Bolsa de Valores ou o corretor de mercadorias (bens móveis).

No caso do corretor de imóveis, a profissão está regulamentada pela Lei n. 6.530/78 e pelo Decreto n. 81.871/78. Para exercer a profissão de corretor de imóveis, exige-se a aprovação em curso técnico de Transações Imobiliárias ou curso superior em Gestão Imobiliária, com registro no Conselho Regional de Corretores de Imóveis (CRECI). Comissão de corretagem Como remuneração pelo serviço prestado, o corretor receberá o pagamento de uma quantia, que é chamada de “comissão de corretagem”. A remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes (art. 725).

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Qual é o valor da comissão de corretagem? O valor da comissão de corretagem deverá estar previsto na lei ou no contrato firmado entre as partes. E se não estiver previsto na lei nem no contrato? Neste caso, este valor será arbitrado segundo a natureza do negócio e os usos locais (art. 724 do CC). Não há lei estipulando o valor da comissão de corretagem na venda de imóveis. Aplica-se, portanto, os usos e costumes. No dia-a-dia imobiliário, quando não há previsão contratual, deverá ser pago ao corretor 6% sobre o valor do imóvel urbano vendido, conforme prevê a tabela do CRECI. Incorporação imobiliária É a atividade desenvolvida por um incorporador (pessoa física ou jurídica) por meio da qual ele planeja a construção de um condomínio com unidades autônomas (ex: um prédio com vários apartamentos) e, antes mesmo de iniciar a edificação, já aliena as unidades para os interessados e, com os recursos obtidos, vai construindo o projeto. Nas palavras do Min. Luis Felipe Salomão, "a expressão incorporação imobiliária designa a iniciativa do empreendedor que, com a venda antecipada das unidades autônomas, obtém capital necessário para construção de edifício de apartamentos, sob o regime condominial" (REsp 1.399.024-RJ). Normalmente, a pessoa que adquire unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, o faz de forma parcelada, por meio de um contrato de promessa de compra e venda. O que é uma promessa de compra e venda? A promessa de compra e venda (ou compromisso de compra e venda) é... ­ uma espécie de contrato preliminar ­ por meio do qual uma pessoa (promitente vendedor) se compromete a vender o seu bem ­ ao promissário comprador, após este pagar integralmente o preço que foi ajustado. Pagamento da comissão de corretagem na incorporação imobiliária Na prática, é extremamente comum que os contratos de promessa de compra e venda de incorporação imobiliária contenham uma cláusula prevendo que o promitente-comprador será o responsável pelo pagamento da comissão do corretor. Exemplo João, ao parar seu carro no semáforo, recebeu um panfleto de um novo edifício de apartamentos que estava sendo lançado “na planta”. Foi até o estande de vendas, sendo atendido por Luciana, corretora de imóveis. Decidiu na hora que iria comprar uma unidade. Foi, então, apresentado a ele um contrato de promessa de compra e venda com a imobiliária. Por meio do contrato, a imobiliária (promitente vendedora) comprometeu-se a vender a João a unidade 1502, da Torre B, do Edifício “Morar Bem”. Em contrapartida, João obrigou-se a pagar o valor de R$ 1 milhão, parcelado em 60 meses. Além disso, havia uma cláusula (8.1) no contrato prevendo que João teria que pagar 6% do valor do imóvel para Luciana, a título de comissão de corretagem. Algum tempo depois, João ingressou com ação judicial pedindo que esta cláusula 8.1 fosse declarada nula de pleno direito porque seria abusiva já que ele, como consumidor, não poderia ser obrigado a pagar a corretora, a qual esta presta serviços no interesse da incorporadora, razão pela qual a empresa deveria arcar com este custo. A tese de João é aceita pelo STJ? É abusiva a cláusula prevista em promessa de compra e venda que transfira para o promitente-comprador a responsabilidade pelo pagamento da comissão de corretagem? NÃO. Esta cláusula não é abusiva.

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Corretagem na compra e venda de unidades autônomas em incorporação imobiliária Na venda de imóveis mediante incorporação imobiliária, a atuação do corretor tem ocorrido, em regra, da seguinte forma: o corretor é contratado pela incorporadora para ficar em estandes situados no próprio local onde será construído o edifício de apartamentos. Lá, esta equipe de corretores recebe os consumidores interessados, mostra a planta, as maquetes, as vantagens do empreendimento, tira dúvidas e concretiza o negócio. Alcançado êxito na intermediação, a incorporadora, ao celebrar o contrato de promessa de compra e venda, transfere para o promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem diretamente ao corretor, seja mediante cláusula expressa no instrumento contratual, seja por pactuação verbal ou mediante a celebração de um contrato autônomo entre o consumidor e o corretor. Não há prejuízo aos consumidores porque o custo disso já seria embutido no preço Entende-se que não há prejuízo aos consumidores nesta prática porque se a incorporadora pagasse a comissão de corretagem, ela iria embutir este custo no preço final do produto. Dessa forma, na prática, mostra-se irrelevante se o consumidor pagará diretamente ao corretor ou não, considerando que ele já arcaria com esse pagamento porque se trata de um dos custos do imóvel vendido e que comporia seu preço. Desse modo, em princípio, é válida a cláusula que transfere para o consumidor a obrigação de pagar a comissão de corretagem. São necessárias, contudo, algumas cautelas. Dever de informação O fornecedor possui o dever de informar o consumidor. Esse dever inclui que seja explicado o que o consumidor está efetivamente pagando. Por conta disso, é necessário que o contrato preveja de forma muito clara que a obrigação de pagar a comissão de corretagem será do promitente-comprador (consumidor). Dessa feita, a incorporadora deverá informar ao consumidor, antes do momento da celebração do contrato de promessa de compra e venda, o preço total de aquisição da unidade imobiliária, especificando o valor da comissão de corretagem, ainda que esta venha a ser paga destacadamente. Se a incorporadora não informar previamente Uma reclamação constante dos consumidores é a de que as incorporadoras não informam previamente os clientes de que eles são responsáveis pelo pagamento da comissão de corretagem. Os consumidores alegam que somente após celebrado o contrato, com o pagamento do sinal, é que são informados sobre este custo adicional. Essa prática de não explicar previamente viola os deveres de informação e de transparência que devem pautar as relações de consumo. Se isso acontecer, o consumidor poderá recusar-se a pagar a comissão de corretagem, exigindo o cumprimento da proposta pelo preço ofertado. Toda informação ou publicidade suficientemente precisa vincula o fornecedor, conforme expresso no CDC:

Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.

Desse modo, a cláusula que transfere a obrigação de pagar a comissão para o consumidor é, a princípio, lícita, mas o promitente-vendedor, na fase pré-negocial, deverá informar, de forma clara e precisa, que haverá esta transferência.

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Tese fixada pelo STJ: É válida a cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem. STJ. 2ª Seção. REsp 1.599.511-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 24/8/2016 (recurso repetitivo) (Info 589). Sobre o tema, vale a pena relembrar o seguinte entendimento do STJ: De quem é a responsabilidade pelo pagamento da comissão de corretagem: do vendedor ou do comprador? • Regra: a obrigação de pagar a comissão de corretagem é daquele que efetivamente contrata o corretor (não importa se é o comprador ou o vendedor). • Exceção: o contrato firmado entre as partes e o corretor poderá dispor em sentido contrário, ou seja, poderá prever que comprador e vendedor irão dividir o pagamento, que só o vendedor irá pagar etc. STJ. 3ª Turma. REsp 1.288.450-AM, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 24/2/2015 (Info 556).

INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA Abusividade de cobrança de SATI ao consumidor pelo promitente-vendedor de imóvel

É abusiva a cobrança pelo promitente-vendedor do serviço de assessoria técnico-imobiliária (SATI), ou atividade congênere, vinculado à celebração de promessa de compra e venda de imóvel.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.599.511-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 24/8/2016 (recurso repetitivo) (Info 589).

Serviço de assessoria técnico-imobiliária (SATI) Alguns contratos de compromisso de compra e venda possuem uma cláusula prevendo que o promitente-comprador deverá pagar um percentual a título de serviço de assessoria técnico-imobiliária (SATI). A justificativa das incorporadoras é a de que este valor é pago para ressarcir os custos que ela tem com a manutenção dos serviços oferecidos no estande de vendas: funcionários para exame dos documentos, análise de crédito, para prestar esclarecimentos técnicos e jurídicos acerca das cláusulas do contrato, das condições do negócio etc. Desse modo, os serviços de assessoria técnico-imobiliária são esses serviços prestados antes do contrato de promessa de compra e venda de imóveis ser assinado e que algumas levam incorporadoras a cobrar dos promitentes-compradores um valor para ressarcir os custos de sua prestação. Esta quantia cobrada é conhecida, na prática imobiliária, como “taxa SATI”. Em geral, este valor corresponde a 0,88% sobre o total do bem. É válida a cobrança da taxa SATI (ou de valor equivalente, mas com outro nome)? NÃO.

É abusiva a cobrança pelo promitente-vendedor do serviço de assessoria técnico-imobiliária (SATI), ou atividade congênere, vinculado à celebração de promessa de compra e venda de imóvel. STJ. 2ª Seção. REsp 1.599.511-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 24/8/2016 (recurso repetitivo) (Info 589). Essa atividade de “assessoria” prestada ao consumidor por técnicos vinculados à incorporadora constitui na verdade a prestação de um serviço inerente à celebração do próprio contrato. Trata-se de algo ínsito à celebração do contrato, sendo um dever de informação do fornecedor. Não consiste, portanto, em um serviço autônomo oferecido ao adquirente, como ocorre com a corretagem.

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Por essa razão, a cobrança de mais esse valor (fora o preço que o consumidor já irá pagar pelo bem) configura flagrante violação aos deveres de correção, lealdade e transparência, impostos pela boa-fé objetiva. Em verdade, a imobiliária está cobrando para cumprir algo que já é seu dever prestar por força do próprio contrato celebrado. A cláusula contratual que impõe ao consumidor o pagamento da taxa SATI (ou qualquer outro nome que tenha a mesma natureza) viola o art. 51, IV, do CDC:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

Ademais, essa assessoria é um serviço que envolve o elemento confiança (intuitu personae). Assim, se o consumidor necessitar realmente de alguma assessoria técnica ou jurídica para orientá-lo acerca do contrato ou de outros detalhes relativos à aquisição do imóvel, ele pode (e deve) contratar diretamente um profissional ou advogado de sua confiança (e não alguém vinculado à incorporadora). O próprio Conselho Federal de Corretores de Imóveis (COFECI) condena esta prática e, mediante a Resolução nº 1.256/2012, estatuiu a seguinte norma proibitiva:

Art. 3º. É vedado aos inscritos no Regional cobrarem de seus clientes, para si ou para terceiros, qualquer taxa a título de assessoria administrativa jurídica ou outra, assim como devem denunciar ao Regional a cobrança de tais taxas quando feitas pelo incorporador, pelo construtor ou por seus prepostos.

Manifesta, portanto, a abusividade de qualquer cláusula que estabeleça a cobrança desse serviço de assessoria técnico-imobiliária (SATI) ou atividade congênere. Observação final Ressalve-se, contudo, que a abusividade da SATI não deve implicar enriquecimento sem causa do consumidor de modo que eventual serviço específico prestado ao consumidor, como eventuais serviços de despachante ou a cobrança de taxas de serviços cartorários, podem ser efetivados.

INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA Legitimidade passiva ad causam de incorporadora imobiliária em demanda que objetiva

restituição de comissão de corretagem e de SATI

Tem legitimidade passiva "ad causam" a incorporadora, na condição de promitente-vendedora, para responder a demanda em que é pleiteada pelo promitente-comprador a restituição dos valores pagos a título de comissão de corretagem e de taxa de assessoria técnico-imobiliária, alegando-se prática abusiva na transferência desses encargos ao consumidor.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.551.968-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 24/8/2016 (recurso repetitivo) (Info 589).

Discussão judicial sobre a abusividade da comissão de corretagem e da taxa SATI Vimos acima que, na prática, muitas incorporadoras exigem que o promitente-comprador pague a comissão de corretagem e o “serviço de assessoria técnico-imobiliária” (SATI).

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Inúmeros consumidores não se conformam com essa cobrança e a questionam no Poder Judiciário. Os consumidores ajuízam ações pedindo que seja declarada a abusividade de tais cláusulas e que, como consequência, a eles sejam restituídos (recebam de volta) os valores pagos a título de comissão de corretagem e de SATI. Ocorre que, ao serem citadas, as incorporadoras alegam a sua ilegitimidade passiva ad causam, argumentando que a comissão de corretagem é paga aos corretores e que a SATI é destinada aos profissionais que prestam a assessoria aos consumidores. Logo, como as incorporadoras não ficam com esse “dinheiro”, elas seriam parte ilegítima para figurar na ação em que se pede a devolução das quantias. Esse argumento foi aceito pelo STJ? A incorporadora é parte ilegítima para figurar no polo passivo de ação proposta por promitente-comprador exigindo de volta os valores pagos a título de comissão de corretagem e de SATI? NÃO. Não há ilegitimidade neste caso. Segundo decidiu o STJ:

Tem legitimidade passiva "ad causam" a incorporadora, na condição de promitente-vendedora, para responder a demanda em que é pleiteada pelo promitente-comprador a restituição dos valores pagos a título de comissão de corretagem e de taxa de assessoria técnico-imobiliária, alegando-se prática abusiva na transferência desses encargos ao consumidor. STJ. 2ª Seção. REsp 1.551.968-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 24/8/2016 (recurso repetitivo) (Info 589). Em linhas gerais, a alegação dos autores (promitentes-compradores) é a de que compareceram a um estande de vendas com o objetivo de comprar um imóvel e foram obrigados a arcar com os custos dos serviços de corretagem prestados e da taxa SATI prestados por profissionais escolhidos pela incorporadora. À primeira vista, poderia parecer que caberia ao corretor e aos demais profissionais figurarem no polo passivo da relação processual, pois foram eles quem receberam os valores pagos pelo consumidor. No entanto, os consumidores, nas ações propostas, não estão defendendo que tais profissionais não mereçam ser remunerados. O que eles questionam é que a responsabilidade para pagá-los é da incorporadora. Se eles estão alegando que a incorporadora é quem deve pagar, por óbvio, esta deve figurar no polo passivo da ação porque, se, ao final, esta for julgada procedente, a incorporadora sofrerá as consequências da condenação. Desse modo, o STJ decidiu que, por questões processuais, e com base na teoria da asserção, as incorporadoras devem figurar como requeridas nestas ações porque se busca condená-las a pagar valores. Importante esclarecer o julgado acima explicado (REsp 1.551.968-SP) tratou apenas da questão da legitimidade passiva das incorporadoras. Quanto ao mérito, conforme já vimos, o STJ entendeu, no (REsp 1.599.511-SP, que:

É válida a cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem.

É abusiva a cobrança pelo promitente-vendedor do serviço de assessoria técnico-imobiliária (SATI), ou atividade congênere, vinculado à celebração de promessa de compra e venda de imóvel.

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INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA Prazo prescricional da pretensão de restituição de comissão de corretagem ou de SATI

Prescreve em 3 anos a pretensão do promitente-comprador de restituição dos valores pagos a título de comissão de corretagem ou de serviço de assistência técnico-imobiliária (SATI), ou atividade congênere (art. 206, § 3º, IV, CC).

STJ. 2ª Seção. REsp 1.551.956-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 24/8/2016 (recurso repetitivo) (Info 589).

Discussão judicial sobre a abusividade da comissão de corretagem e da taxa SATI Vimos acima que, na prática, muitas incorporadoras exigem que o promitente-comprador pague a comissão de corretagem e o “serviço de assessoria técnico-imobiliária” (SATI). Inúmeros consumidores não se conformam com essa cobrança e a questionam no Poder Judiciário. Os consumidores ajuízam ações pedindo que seja declarada a abusividade de tais cláusulas e que, como consequência, a eles sejam restituídos (recebam de volta) os valores pagos a título de comissão de corretagem e de SATI. Divergência quanto ao prazo prescricional Os consumidores, como acabam demorando muito tempo para ajuizarem as demandas, sustentam a posição de que o prazo prescricional para propositura dessas demandas seria de 10 anos, com fulcro no art. 205 do CC, já que não haveria norma específica regulando a presente situação:

Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

Por seu turno, as incorporadoras, ao serem citadas, alegam que o prazo prescricional para esse tipo de ação é de 3 anos, com base no art. 206, § 3º, IV, do Código Civil:

Art. 206. Prescreve: (...) § 3º Em três anos: IV - a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa;

Qual das duas posições prevaleceu no STJ? Qual é o prazo prescricional neste caso? 3 anos. Prescreve em 3 anos a pretensão de restituição dos valores pagos a título de comissão de corretagem ou de serviço de assistência técnico-imobiliária (SATI), ou atividade congênere (art. 206, § 3º, IV, CC). STJ. 2ª Seção. REsp 1.551.956-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 24/8/2016 (recurso repetitivo) (Info 589). A pretensão dos autores é a de serem ressarcidos pelos valores pagos a título de comissão de corretagem e de SATI, que teriam sido pagos indevidamente por serem, no seu entender, abusivas as cláusulas que atribuíram esse encargo aos consumidores. Desse modo, a alegação é de que ocorreu enriquecimento sem causa, sendo esse argumento a premissa fundamental para que ocorra repetição do indébito (devolução dos valores pagos).

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DIREITO EMPRESARIAL

CONTRATO DE LOCAÇÃO DE ESPAÇO EM SHOPPING CENTER Legitimidade ativa para pleitear de empreendedor de shopping center

indenização por danos causados ao estabelecimento

Foi firmado um contrato entre o sócio, enquanto pessoa física, e a administradora do shopping para a locação de um espaço para funcionamento de uma loja. O contrato foi, portanto, assinado pela pessoa física do sócio. Se esta loja sofrer prejuízos causados pelo shopping, a pessoa jurídica poderá ajuizar ação contra a administradora do shopping. Assim, ainda que no contrato de locação estabelecido com o empreendedor de shopping center conste como locatário apenas o sócio majoritário, a sociedade empresária possui legitimidade ativa ad causam concorrente para pleitear indenização por danos ao estabelecimento instalado no centro comercial. Em um contrato de shopping center, a sociedade empresária tem legitimidade ativa ad causam, em concorrência com o locatário (pessoa física), para demandar o empreendedor nas causas em que houver interesses relativos ao estabelecimento empresarial, desde que, no contrato firmado entre as partes, haja a expressa destinação do espaço para a realização das atividades empresariais da sociedade da qual faça parte.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.358.410-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 4/8/2016 (Info 589).

Imagine a seguinte situação hipotética: João Carvalho e Maria da Silva são sócios da "JM Comércio Ltda", cujo nome fantasia é "Morena Modas". Eles decidiram instalar uma loja da "Morena Modas" no shopping center "Iguateré". João, sócio majoritário, assinou, em nome próprio, o contrato de locação de espaço com a empresa administradora do shopping. Na parte relativa aos contratantes, constou a seguinte cláusula:

1.1. "XXX" Administradora de Empreendimentos Ltda, pessoa jurídica de direito privado com sede na rua XX, inscrita no CNPJ sob nº XX, neste ato representada por seu Diretor, Pedro Pimentel, qualificação, doravante denominada simplesmente "LOCADORA". 1.2. João Carvalho, brasileiro, casado, autônomo, domiciliado em ..........., ............., portador da Carteira de Identidade nº ....., inscrito no CPF/MF sob nº ...... doravante denominado simplesmente "LOCATÁRIO".

A cláusula sobre o objeto do contrato foi assim redigida:

4.1.O objeto deste contrato é a locação do espaço 104-G, localizado no nível 3 do "shopping Iguateré", com a área total de 40m2, para ali funcionar a loja de vestuário feminino "Morena Modas".

Tudo corria bem e o negócio funcionava normalmente. Ocorre que houve uma chuva mais forte que causou inúmeras goteiras na loja, fazendo com que houvesse avaria de muitas mercadorias, além de uma rachadura no teto. Em virtude disso, as atividades da "Morena Modas" tiveram que ser suspensas. Tentou-se resolver a questão consensualmente, mas, como não houve acordo, a "JM Comércio Ltda", sociedade empresária, ingressou com ação de indenização por danos materiais e morais contra a empresa administradora do shopping. Em contestação, a ré suscitou a ilegitimidade ativa ad causam da autora alegando que o contrato de locação foi assinado entre João Carvalho e a administradora e a ação foi proposta por JM Comércio Ltda, sendo que a pessoa jurídica é distinta da física. A alegação da administradora do shopping deverá ser aceita? NÃO.

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Ainda que no contrato de locação estabelecido com o empreendedor de shopping center conste como locatário apenas o sócio majoritário, a sociedade empresária possui legitimidade ativa ad causam concorrente para pleitear indenização por danos ao estabelecimento instalado no centro comercial. STJ. 4ª Turma. REsp 1.358.410-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 4/8/2016 (Info 589). "Societas distat a singulis" Existe um brocardo que apregoa societas distat a singulis, o que significa, em linhas gerais, que a pessoa jurídica tem existência distinta da dos seus membros. Esse brocardo tem grande aplicação sob o ponto de vista patrimonial. De fato, em regra, vigora o princípio da autonomia patrimonial, de forma que o patrimônio da pessoa jurídica é diferente do patrimônio de seus sócios. Como exceção a essa regra, temos as hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica. Mitigação deste brocardo Estabelecimento (ou fundo de comércio) é o conjunto de bens (materiais e imateriais) e serviços que o empresário reúne e organiza com o objetivo de realizar a atividade empresarial e gerar lucros. Seu conceito legal está previsto no art. 1.142 do Código Civil:

Art. 1.142. Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária.

Vimos acima que, sob o ponto de vista patrimonial, o princípio societas distat a singulis é aplicado de forma bem intensa. No entanto, sob a perspectiva do estabelecimento, há uma mitigação do referido axioma latim. Quando falamos em estabelecimento empresarial, existe uma absoluta sintonia de interesses da pessoa física com a jurídica, interesses que estão diretamente ligados ao aviamento. Aviamento é o conjunto de fatores pessoais, materiais e imateriais, que fazem com que um estabelecimento dê certo e gere lucros. O que se quer dizer com tudo isso é o seguinte: se a pretensão a ser defendida em juízo diz respeito ao estabelecimento (veja novamente o conceito acima), neste caso, a ação poderá ser proposta não apenas pela sociedade empresária (pessoa jurídica), mas também pelos seus sócios porque estes, como também almejam os mesmos objetivos, possuem interesses juridicamente protegidos capazes de habilitá-los como titulares de direito material, podendo, eventualmente, deduzi-los em juízo. Conceito de estabelecimento não abrange todos os bens da pessoa jurídica Vale ressaltar que o estabelecimento não abrange necessariamente todos os bens pertencentes à pessoa jurídica, mas apenas aqueles que estejam voltados para o exercício da atividade empresarial. Nesse sentido: "O estabelecimento, como conjunto de bens afetados ao exercício da atividade do empresário, pode não abranger a totalidade de seu patrimônio. É, tão somente, a parcela do patrimônio do empresário composta por aqueles bens por ele utilizados para o exercício de sua atividade. Outros bens que integrem o patrimônio do empresário sem tal destinação, não se enquadram na noção do estabelecimento. Assim, não se considera pertencente ao estabelecimento a casa de moradia do empresário individual, porque voltada para a finalidade distinta. Da mesma forma, um imóvel de uma sociedade empresária havido em pagamento de dívida e por ela mantido sem utilização econômica ou com destinação diversa daquela que diz respeito à sua atividade empresarial não se inclui entre os bens do seu estabelecimento." (GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil. São Paulo: RT, 2016, p. 647) Isso significa que o sócio não teria legitimidade ativa para defender em juízo um bem imóvel da pessoa jurídica que não compusesse o conceito de estabelecimento. De igual forma, a sociedade empresária só teria legitimidade para ajuizar ação defendendo um bem particular do sócio se este estivesse sendo utilizado para o exercício da atividade empresarial.

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No presente caso, a sociedade empresária tem legitimidade porque possui, assim como o sócio, o interesse de resguardar todo o complexo de bens que compõe o estabelecimento. Aplicação analógica da Lei nº 8.245/91 A fim de corroborar a tese adotada, é possível aplicar ainda ao caso concreto o art. 51, §2º, da Lei nº 8.245/91, que trata sobre as ações renovatórias:

Art. 51. Nas locações de imóveis destinados ao comércio, o locatário terá direito a renovação do contrato, por igual prazo, desde que, cumulativamente: (...) § 2º Quando o contrato autorizar que o locatário utilize o imóvel para as atividades de sociedade de que faça parte e que a esta passe a pertencer o fundo de comércio, o direito a renovação poderá ser exercido pelo locatário ou pela sociedade.

CÉDULA DE CRÉDITO RURAL Invasão do MST e exigibilidade de cédula de crédito rural hipotecária

A invasão promovida por integrantes do MST em propriedade rural, por si só, não é fato suficiente para configurar o evento como de força maior, pois deve ser analisada, concretamente, a presença dos requisitos caracterizadores do instituto (necessariedade e inevitabilidade – art. 393, parágrafo único, do Código Civil).

A parte que faz esta alegação deverá comprovar que a ocupação ilegal da propriedade rural pelo MST criou óbice intransponível ao cumprimento da obrigação. Deverá também provar que não havia meios de evitar ou impedir os seus efeitos.

Assim, a cédula de crédito rural hipotecária permanecerá exigível na hipótese de o MST invadir o imóvel do financiado e este deixar de comprovar que a invasão constitui óbice intransponível ao pagamento do crédito e que não existiam meios de evitar ou impedir os efeitos dessa ocupação.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.564.705-PE, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 16/8/2016 (Info 589).

Veja comentários em Direito Civil.

FALÊNCIA Credor trabalhista possui legitimidade ativa para pedir falência de devedor

A natureza trabalhista do crédito não impede que o credor requeira a falência do devedor.

Assim, o credor trabalhista tem legitimidade ativa para ingressar com pedido de falência, considerando que o art. 97, IV, da Lei nº 11.101/2005 não faz distinção entre credores.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.544.267-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 23/8/2016 (Info 589).

Conceito Falência é o processo coletivo de execução forçada de um empresário ou sociedade empresária cuja recuperação mostra-se inviável. Finalidade A falência tem como objetivo reunir os credores e arrecadar os bens, ativos e recursos do falido, a fim de

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que, com os recursos obtidos pela alienação de tais bens, possam os credores ser pagos, obedecendo a uma ordem de prioridade estabelecida na lei. Legislação aplicável Atualmente, a falência do empresário e da sociedade empresária é regida pela Lei nº 11.101/05. Quem pode requerer a falência do empresário ou da sociedade empresária? A pessoa que requer a falência é chamada de “sujeito ativo” da falência (deve-se lembrar que a falência acarreta um processo judicial). Segundo o art. 97 da Lei nº 11.101/2005, podem requerer a falência do devedor:

I — o próprio devedor; (Obs.: é a chamada autofalência.) II — o cônjuge sobrevivente, qualquer herdeiro do devedor ou o inventariante; (Obs.: ocorre no caso de empresário individual que morre e os seus herdeiros percebem que o falecido estava em situação de insolvência, razão pela qual optam por requerer a falência.) III — o cotista ou o acionista do devedor; (Obs.: ocorre quando o sócio da sociedade empresária, seja ele cotista ou acionista, entende que a empresa está insolvente e que o único caminho é a falência.) IV — qualquer credor. (Obs.: é a hipótese que ocorre em 99% dos casos.) Hipóteses nas quais pode ser requerida a falência: O art. 94 da Lei nº 11.101/2005 prevê que a falência poderá ser requerida em três hipóteses.

I — Impontualidade injustificada Quando o devedor, sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 salários-mínimos na data do pedido de falência. Adotou-se neste inciso o critério da impontualidade injustificada. II — Execução frustrada Quando o devedor é executado por qualquer quantia líquida, mas não paga, não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal. A lei presume que o devedor, ao adotar esse comportamento na execução contra si proposta, demonstra estar insolvente. Para o legislador, o devedor praticou um “ato de falência”, ou seja, um ato de quem está em falência. Adotou-se neste inciso o chamado critério da enumeração legal. III — Atos de falência Quando o devedor pratica qualquer dos atos listados nas alíneas do inciso III do art. 94 da Lei nº 11.101/2005. Aqui a lei também presumiu que o devedor está falido pelo fato de ter praticado algum dos comportamentos descritos na lei. Assim, também se adotou neste inciso o chamado critério da enumeração legal. Feitas as considerações acima, imagine a seguinte situação hipotética: João era empregado da empresa “XX”. Ele foi demitido sem justa causa e não recebeu as verbas rescisórias a que teria direito. João ajuizou reclamação trabalhista, julgada procedente pelo Juiz do Trabalho, condenando a empresa a pagar um valor equivalente a 50 salários-mínimos.

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Ocorre que o ex-empregado não conseguiu receber o valor da condenação, considerando que a empresa não pagou nem foram localizados bens penhoráveis que pudessem satisfazer o crédito. Diante disso, João requereu, na Justiça comum estadual, a falência da empresa “XX”, fundamentando seu pedido no art. 94, II, da Lei nº 11.101/2005:

Art. 94. Será decretada a falência do devedor que: II – executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal;

A empresa contestou o pedido alegando que o autor não tem legitimidade ativa nem interesse de agir para requerer a falência, considerando que se trata de credor trabalhista. Segundo a ré, o credor trabalhista dispõe de inúmeros instrumentos processuais céleres e eficientes para a cobrança de seu crédito, de forma que não é razoável que peça a falência da empresa, o que ocasionaria prejuízos à atividade econômica, gerando desemprego e queda na arrecadação do país. A tese da empresa foi aceita pelo STJ? O credor trabalhista é impedido de requerer a falência da empresa por dispor de meios mais eficientes de cobrança do crédito? NÃO. A natureza trabalhista do crédito não impede que o credor requeira a falência do devedor. STJ. 3ª Turma. REsp 1.544.267-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 23/8/2016 (Info 589). O fato de o crédito ser trabalhista não afasta o direito do autor de requerer falência, uma vez que o inciso IV, do art. 97 da Lei de Falências afirma que qualquer credor poderá formular o pedido, não havendo diferenciação entre os “tipos” de credores. Confira:

Art. 97. Podem requerer a falência do devedor: IV – qualquer credor.

O legislador foi enfático e utilizou a palavra “qualquer” como forma de deixar claro que todas as espécies de credores podem requerer a falência do devedor, não importando se titulares de créditos civis, comerciais ou trabalhistas. No caso do inciso II do art. 94, o principal requisito para requerer a decretação de falência do devedor reside na caracterização de sua omissão ao ser devidamente citado em execução. Tal omissão deve ser demonstrada mediante a juntada aos autos de certidão que descreva o processo de execução frustrado, bem como as infrutíferas tentativas de satisfação do crédito pelo credor e o valor atualizado da dívida. Situação correlata. A Fazenda Pública possui legitimidade para requerer a falência do devedor? Prevalece que não. O STJ possui julgados antigos afirmando que não é possível o requerimento de falência formulado pela Fazenda Pública considerando que ela dispõe de um instrumento específico e eficiente para a cobrança do crédito tributário, qual seja, a execução fiscal. Nesse sentido: STJ. REsp 287.824/MG, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 20/10/2005. Em âmbito doutrinário, existe um enunciado da Jornada de Direito Comercial no mesmo caminho: Enunciado 56: A Fazenda Pública não possui legitimidade ou interesse de agir para requerer a falência do devedor empresário.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS Advogado pode ser obrigado a restituir os honorários advocatícios

de sucumbência caso a sentença seja rescindida

Advogado recebeu honorários de sucumbência decorrentes de sua atuação em um processo que transitou em julgado. Posteriormente, esta sentença é rescindida em ação rescisória. O advogado poderá ser obrigado a devolver os valores que recebeu a título de honorários.

Em um caso concreto, o STJ entendeu que, se a decisão judicial que ensejou a fixação de honorários de sucumbência for parcialmente rescindida, é possível que o autor da rescisória, em posterior ação de cobrança, pleiteie a restituição da parte indevida da verba advocatícia, ainda que o causídico, de boa-fé, já a tenha levantado.

Os honorários são verbas alimentares. O princípio da irrepetibilidade das verbas de natureza alimentar não proíbe, neste caso, a devolução?

NÃO. O princípio da irrepetibilidade das verbas de natureza alimentar não é absoluto e, no caso, deve ser flexibilizado para viabilizar a restituição dos honorários de sucumbência já levantados, tendo em vista que, com o provimento parcial da ação rescisória, não mais subsiste a decisão que lhes deu causa. Devem ser aplicados os princípios da vedação ao enriquecimento sem causa, da razoabilidade e da máxima efetividade das decisões judiciais.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.549.836-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 17/5/2016 (Info 589).

Imagine a seguinte situação hipotética: João ajuizou ação contra Pedro, tendo o pedido sido julgado procedente. Na sentença, o juiz condenou Pedro a pagar: a) R$ 1 milhão ao autor; b) 10% de honorários advocatícios de sucumbência em favor de Dr. Rui, advogado de João que atuou na causa. A sentença transitou em julgado e Pedro depositou o valor da condenação. Dr. Rui, muito satisfeito, foi até o banco e levantou seus R$ 100 mil de honorários utilizando o dinheiro para pagar umas dívidas e fazer uma viagem. Ação rescisória Alguns meses depois disso, Pedro ajuizou ação rescisória contra João. A ação rescisória foi julgada parcialmente procedente e a sentença que havia sido proferida em favor de João foi parcialmente rescindida. O Tribunal, ao rescindir parcialmente a sentença, determinou que a condenação de Pedro fosse reduzida para R$ 400 mil. Este processo da ação rescisória transitou em julgado. Ação de cobrança Diante do trânsito em julgado, Pedro (vencedor da ação rescisória) ajuizou ação de cobrança contra Dr. Rui explicando que o valor da condenação da ação original foi reduzido de R$ 1 milhão para R$ 400 mil. Logo, o valor dos honorários de Dr. Rui também foi reduzido porque eles equivaliam a 10% do valor da condenação. Dr. Rui recebeu R$ 100 mil, mas ficou ao final demonstrado que ele só tinha direito a R$40 mil (10% de 400). Logo, Dr. Rui deveria devolver R$ 60 mil (100 – 40). Dr. Rui contestou a demanda afirmando que os honorários advocatícios possuem natureza alimentar e que ele recebeu a quantia após o trânsito em julgado, estando, portanto, de boa-fé. Dessa maneira, não caberia a devolução do valor diante da irrepetibilidade das verbas alimentares recebidas de boa-fé.

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A questão chegou até o STJ. Afinal de contas, Dr. Rui terá que devolver o valor recebido a mais a título de honorários advocatícios? SIM. Se a decisão judicial que ensejou a fixação de honorários de sucumbência for parcialmente rescindida, é possível que o autor da rescisória, em posterior ação de cobrança, pleiteie a restituição da parte indevida da verba advocatícia, ainda que o causídico, de boa-fé, já a tenha levantado. STJ. 3ª Turma. REsp 1.549.836-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 17/5/2016 (Info 589). Honorários advocatícios realmente têm natureza alimentar É pacífico que os honorários advocatícios possuem natureza alimentar. A súmula vinculante 47 afirma isso: “Os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar (...)” De igual forma, o § 14 do art. 85 do CPC/2015 também tem regra expressa nesse sentido:

Art. 85 (...) § 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.

Princípio da irrrepetibilidade dos alimentos não é absoluto Os honorários possuem natureza alimentar. Mesmo assim, é possível que o advogado que recebeu a quantia seja obrigado a devolvê-la se ficar demonstrado, posteriormente, que o recebimento foi indevido. O STJ entendeu que não é possível que a ação rescisória julgada procedente com o propósito de discutir eventual exorbitância dessa verba seja ignorada e fique sem reflexos práticos. Isso geraria a absoluta ineficácia do provimento judicial. Assim, não é razoável admitir que os honorários de sucumbência, cujo montante final foi posteriormente reduzido em razão da procedência de uma ação rescisória, não possam ser cobrados pelo autor da rescisória. Não há preceitos absolutos no ordenamento jurídico. Desse modo, por mais que exista o princípio da irrepetibilidade dos alimentos, este postulado merece temperamentos, sobretudo quando a verba de natureza alimentar for flagrantemente indevida em razão da superveniência da rescisão do julgado que fixou os honorários de sucumbência. Independentemente da boa-fé do causídico, que acreditava, no momento em que levantou o numerário, que aquele valor lhe era devido, o certo é que, com a alteração proveniente da procedência da ação rescisória, aquele montante não encontrava respaldo em nenhuma decisão judicial. Em outras palavras, o advogado recebeu mais do que lhe era devido e a natureza alimentar atribuída aos honorários não pode obstar a pretensão da parte prejudicada de buscar a devolução do excedente (a repetição do indébito). Trata-se de aplicação dos princípios da razoabilidade e da vedação ao enriquecimento sem causa, isso sem falar na necessidade de se dar máxima efetividade às decisões judiciais. Princípio da vedação ao enriquecimento sem causa Sílvio de Salvo Venosa explica que “existe enriquecimento injusto sempre que houver uma vantagem de cunho econômico, sem justa causa, em detrimento de outrem" (Direito Civil. Teoria das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 196). A consequência do enriquecimento sem causa é a restituição, ainda que a falta de justa causa seja superveniente à liquidação da obrigação. É o que prescrevem os arts. 884 e 885 do Código Civil:

Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à causa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

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Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir.

Desse modo, o princípio da irrepetibilidade das verbas de natureza alimentar não é absoluto e, no caso, deve ser flexibilizado para viabilizar a restituição dos honorários de sucumbência já levantados, tendo em vista que, com o provimento parcial da ação rescisória, não mais subsiste a decisão que lhes deu causa. Aplicação dos princípios da vedação ao enriquecimento sem causa, da razoabilidade e da máxima efetividade das decisões judiciais.

RECURSOS Se a parte interpõe o agravo do art. 1.042 em vez do agravo interno,

o STJ não conhecerá do recurso e não mais aplicará o princípio da fungibilidade

Importante!!!

O CPC/2015 trouxe previsão legal expressa de que não cabe agravo para o STJ contra decisão que inadmite recurso especial quando o acórdão recorrido decidiu em conformidade com recurso repetitivo (art. 1.042). Tal disposição legal aplica-se aos agravos apresentados contra decisão publicada após a entrada em vigor do Novo CPC, em conformidade com o princípio tempus regit actum.

Caso o Tribunal de origem decida em conformidade com entendimento firmado pelo STJ em recurso repetitivo, a parte deverá interpor agravo interno. Se, em vez disso, a parte interpuser o agravo em recurso especial para o STJ (art. 1.042), cometerá erro grosseiro.

Chegando ao STJ este agravo, ele não será conhecido e ele não retornará para que seja julgado pelo Tribunal de origem como agravo interno.

Assim, após a entrada em vigor do CPC/2015, não é mais devida a remessa pelo STJ, ao Tribunal de origem, do agravo interposto contra decisão que inadmite recurso especial com base na aplicação de entendimento firmado em recursos repetitivos, para que seja conhecido como agravo interno.

STJ. 3ª Turma. AREsp 959.991-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 16/8/2016 (Info 589).

Interposição de REsp e juízo de admissibilidade A parte que deseja interpor um Recurso Especial (REsp) deve protocolizá-lo no juízo a quo (recorrido) e não diretamente no juízo ad quem (STJ), nos termos do art. 1.029 do CPC. Ex.: TRF1 profere acórdão, por unanimidade, em apelação, afirmando que Gilson, servidor público federal, não possui determinado direito previsto na Lei n. 8.112/90. Nessa hipótese, ele poderá interpor recurso especial contra a decisão, a ser julgado pelo STJ, com base no art. 105, III, “a”, da CF/88. O REsp deverá ser protocolizado no próprio TRF1. A recorrida (no caso, a União) será intimada para apresentar suas contrarrazões. Logo após, o Presidente do Tribunal (ou Vice-Presidente, a depender do regimento interno), em decisão monocrática, irá fazer um juízo de admissibilidade do recurso, nos termos do art. 1.030 do CPC.

Se o juízo de admissibilidade for POSITIVO Se o juízo de admissibilidade for NEGATIVO

Significa que o Presidente (ou Vice) do Tribunal entendeu que os pressupostos do REsp estavam preenchidos e, então, remeterá o recurso para o STJ.

Significa que o Presidente (ou Vice) do Tribunal entendeu que algum pressuposto do REsp não estava presente e, então, não admitirá o recurso.

Contra esta decisão, não cabe recurso, considerando que o STJ ainda irá reexaminar novamente esta admissibilidade.

Contra esta decisão, a parte prejudicada poderá interpor recurso.

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Motivos da inadmissibilidade O Presidente (ou Vice) do Tribunal de origem poderá fazer o juízo negativo de admissibilidade com base em dois fundamentos:

Inciso I do art. 1.030 Inciso V do art. 1.030

O Presidente (ou Vice) negará seguimento ao recurso especial com base neste inciso se o acórdão atacado estiver em conformidade com entendimento do STJ exarado em recurso repetitivo.

Este inciso V é utilizado para todas as demais hipóteses de inadmissibilidade. Exs: cabimento, legitimidade, tempestividade, interesse, regularidade formal etc.

Ex: o STJ, em um recurso repetitivo, disse que os servidores não têm direito à gratificação X. No caso dos autos, o TRF negou a gratificação X a determinado servidor. Este não se conformou e interpôs REsp. O Presidente do TRF negará seguimento ao recurso.

Ex: o recorrente interpôs o recurso especial, mas não efetuou o preparo. O Presidente do Tribunal recorrido negará seguimento ao recurso com base no inciso V do art. 1.030.

Recurso cabível contra esta decisão: agravo interno, que será julgado pelo próprio Tribunal de origem.

Recurso cabível contra esta decisão: agravo em recurso especial e extraordinário (art. 1.042).

Veja o que diz o art. 1.042:

Art. 1.042. Cabe agravo contra decisão do presidente ou do vice-presidente do tribunal recorrido que inadmitir recurso extraordinário ou recurso especial (nas hipóteses genéricas do inciso V do art. 1.030), salvo quando fundada na aplicação de entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos (situação do inciso I do art. 1.030, quando caberá agravo interno).

Feitas as devidas considerações, imagine a seguinte situação hipotética: João, servidor público federal, ingressou com ação pedindo o pagamento da gratificação X. O Juiz Federal julgou improcedente o pedido, tendo a sentença sido mantida pelo TRF. O acórdão do TRF foi contrário ao servidor baseando-se no entendimento do STJ que, em recurso repetitivo, já havia decidido que os servidores públicos federais não têm direito à gratificação X. Mesmo assim, João não se conformou e interpôs recurso especial contra o acórdão do TRF. O Vice-Presidente do TRF negou seguimento ao recurso com fundamento no art. 1.030, I, “b”, do CPC/2015:

Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá: I – negar seguimento: (...) b) a recurso extraordinário ou a recurso especial interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, exarado no regime de julgamento de recursos repetitivos;

João continua inconformado e deseja recorrer contra a decisão do Vice-Presidente do TRF. Qual será o recurso cabível? Agravo interno, que é julgado pelo próprio TRF. Suponhamos que o advogado de João não seja profundo conhecedor de Processo Civil e cometa o seguinte erro: em vez de agravo interno no Tribunal de origem, ele interpôs agravo contra inadmissão de recurso especial (art. 1.042) endereçado ao STJ. Qual a postura do STJ diante desta situação?

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Na época do CPC/1973 Após a entrada em vigor do CPC/2015

O STJ declarava que a parte havia interposto o agravo errado. No entanto, o STJ remetia o agravo ao Tribunal de origem para que ele apreciasse o recurso como se fosse um agravo interno. Como no CPC anterior não havia dispositivo legal expresso regulando esta hipótese, o STJ entendia que isso não configurava erro grosseiro. STJ. Corte Especial. AgRg no AREsp 260.033-PR, Rel. Min. Raul Araújo, j. em 5/8/2015 (Info 569).

O STJ não conhece do agravo e não mais remete ao Tribunal de origem para que julgue como agravo interno. O CPC/2015 trouxe previsão legal expressa de que não cabe agravo para o STJ contra decisão que inadmite recurso especial quando o acórdão recorrido decidiu em conformidade com recurso repetitivo (art. 1.042). Logo, isso constitui agora erro grosseiro, não sendo mais devida a determinação de retorno dos autos ao Tribunal a quo para que o aprecie como agravo interno. Vale ressaltar que este art. 1.042 se aplica aos agravos apresentados contra decisão publicada após a entrada em vigor do Novo CPC, em conformidade com o princípio tempus regit actum.

Resumindo: Após a entrada em vigor do CPC/2015, não é mais devida a remessa pelo STJ, ao Tribunal de origem, do agravo interposto contra decisão que inadmite recurso especial com base na aplicação de entendimento firmado em recursos repetitivos, para que seja conhecido como agravo interno. STJ. 3ª Turma. AREsp 959.991-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 16/8/2016 (Info 589).

EXECUÇÃO Invalidade da penhora sobre a integralidade de imóvel submetido a time sharing

Importante!!!

É inválida a penhora da integralidade de imóvel submetido ao regime de multipropriedade (time-sharing) em decorrência de dívida de condomínio de responsabilidade do organizador do compartilhamento.

A multipropriedade imobiliária, mesmo não efetivamente codificada, possui natureza jurídica de direito real, harmonizando-se com os institutos constantes do rol previsto no art. 1.225 do Código Civil.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.546.165-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgado em 26/4/2016 (Info 589).

Veja comentários em Direito Civil.

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EXECUÇÃO As cotas de fundo de investimento não são consideradas dinheiro para os fins do art. 835, I, do CPC

Recusa de nomeação à penhora de cotas de fundo de investimento

A cota de fundo de investimento não se subsume à ordem de preferência legal disposta no inciso I do art. 835 do CPC/2015 (art. 655 do CPC/1973).

Em outras palavras, as cotas de fundo de investimento não podem ser consideradas como dinheiro aplicado em instituição financeira.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.388.642-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 3/8/2016 (recurso repetitivo) (Info 589).

Em uma execução contra um banco, o magistrado determinou a penhora de dinheiro constante de suas agências bancárias para pagamento do credor e negou a nomeação que havia sido feita pelo banco para que a penhora recaísse sobre cotas de fundo de investimento. O STJ decidiu que:

A recusa da nomeação à penhora de cotas de fundo de investimento, reputada legítima a partir das particularidades de cada caso concreto, não encerra, em si, excessiva onerosidade ao devedor, violação do recolhimento dos depósitos compulsórios e voluntários do Banco Central do Brasil ou afronta à impenhorabilidade das reservas obrigatórias.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.388.642-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 3/8/2016 (recurso repetitivo) (Info 589).

O que é a penhora? Penhorar significa apreender judicialmente os bens do devedor para utilizá-los, direta ou indiretamente, na satisfação do crédito executado. Ordem de preferência O CPC traz uma ordem de preferência para penhora, ou seja, existem bens que devem ser penhorados antes que outros. Essa lista de prioridades está prevista no art. 835 do CPC/2015 (art. 655 do CPC/1973):

Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: I - dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira; II - títulos da dívida pública da União, dos Estados e do Distrito Federal com cotação em mercado; III - títulos e valores mobiliários com cotação em mercado; IV - veículos de via terrestre; V - bens imóveis; VI - bens móveis em geral; VII - semoventes; VIII - navios e aeronaves; IX - ações e quotas de sociedades simples e empresárias; X - percentual do faturamento de empresa devedora; XI - pedras e metais preciosos; XII - direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia; XIII - outros direitos. § 1º É prioritária a penhora em dinheiro, podendo o juiz, nas demais hipóteses, alterar a ordem prevista no caput de acordo com as circunstâncias do caso concreto. § 2º Para fins de substituição da penhora, equiparam-se a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento. (...)

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É possível que esta ordem seja alterada no caso concreto pelo juiz? Ex: existe um bem previsto no inciso IV, mas o magistrado autoriza que seja penhorado outro do inciso V?

Nos casos envolvendo dinheiro (inciso I): NÃO. A penhora em dinheiro é prioritária. Isso significa que, pela redação legal, não se pode penhorar nenhum outro bem se houver dinheiro disponível.

Nos casos envolvendo os demais incisos: SIM. O juiz pode, nas demais hipóteses, alterar a ordem prevista no art. 835 do CPC, desde que existam circunstâncias do caso concreto que justifiquem a medida.

Assim, em regra, se existe um carro disponível (inciso IV), não se pode penhorar apartamento (inciso V), salvo se, no caso concreto, houver circunstâncias que justifiquem a alteração da ordem legal. A súmula 417 do STJ continua aplicável? Sobre o tema explicado acima, o STJ possui o seguinte enunciado:

Súmula 417-STJ: Na execução civil, a penhora de dinheiro na ordem de nomeação de bens não tem caráter absoluto.

Diante da redação do s§ 1º do art. 835 acima transcrito, alguns autores passaram a defender a tese de que esta súmula deveria ser revista pelo STJ. É o caso de Daniel Assumpção Neves, que sustenta que, agora, a preferência pela penhora em dinheiro tem caráter absoluto por imposição legal (NEVES, Daniel Assumpção Neves. Manual de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 1164). É preciso, no entanto, aguardar mais um pouco para saber qual será o entendimento do STJ porque não é improvável que o Tribunal, mesmo com este novo dispositivo, continue entendendo que não há caráter absoluto, mantendo-se a súmula. Fica, contudo, o alerta para discussão do tema em uma eventual prova discursiva ou oral. O inciso I O inciso I, conforme vimos acima, afirma que a penhora deverá recair, preferencialmente, sobre dinheiro. Quando o inciso I fala em dinheiro, isso abrange:

em espécie (ex: dentro de um cofre, "debaixo do colchão"; é o "dinheiro vivo");

em depósito (ex: na conta corrente do devedor);

em aplicação em instituição financeira (ex: dinheiro investido em CDB). Assim, dinheiro aplicado em instituições financeiras continua sendo dinheiro e está enquadrado no inciso I. O inciso I abrange também a "cota de fundo de investimento"? As "cotas de fundo de investimento" também são consideradas "dinheiro", para os fins do inciso I do art. 835 do CPC? NÃO. A cota de fundo de investimento não se subsume à ordem de preferência legal disposta no inciso I do art. 835 do CPC/2015 (art. 655 do CPC/1973). Em outras palavras, as cotas de fundo de investimento não podem ser consideradas como dinheiro aplicado em instituição financeira. STJ. 2ª Seção. REsp 1.388.642-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 3/8/2016 (recurso repetitivo) (Info 589). O que são os fundos de investimento? A Instrução Normativa nº 555/2014 da CVM define o fundo de investimento como sendo "uma comunhão de recursos, constituído sob a forma de condomínio, destinado à aplicação em ativos financeiros" (art. 3º). No fundo de investimento, várias pessoas se reúnem e entregam recursos para que um terceiro (pessoa jurídica autorizada pela CVM) aplique esse dinheiro em carteiras diversificadas disponíveis no mercado. O capital investido é transformado em cotas, distribuídas proporcionalmente aos investidores, que passam

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a ter direito apenas sobre estas frações patrimoniais do fundo (cotas). Quanto maior o dinheiro investido, maior o número de cotas do indivíduo. Esse dinheiro aplicado gerará, em tese, dividendos que serão distribuídos entre as pessoas que investiram e que possuem cotas deste fundo. É possível também que dê prejuízo, a depender da volatilidade do mercado e nível de risco das aplicações escolhidas. Ainda segundo a IN 555/2014:

Art. 4º O fundo pode ser constituído sob a forma de condomínio aberto, em que os cotistas podem solicitar o resgate de suas cotas conforme estabelecido em seu regulamento, ou fechado, em que as cotas somente são resgatadas ao término do prazo de duração do fundo.

Qual é a natureza jurídica das cotas de fundo de investimento? Segundo o art. 2º, V, da Lei nº 6.385/76 (Lei da CVM), possuem natureza jurídica de valores mobiliários com cotação em mercado:

Art. 2º São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei: (...) V - as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quaisquer ativos;

As cotas de fundos de investimento encontram-se sujeitas, de forma mais intensa, aos riscos de mercado, de crédito e de liquidez, circunstâncias que fazem com que elas não possam receber o mesmo tratamento legal que "dinheiro". Esse é o entendimento consolidado no STJ: (...) 2. A expressão "dinheiro em aplicação financeira" não equivale ao valor financeiro correspondente às cotas de fundos de investimento. 3. Ao se proceder à penhora dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, a constrição processual atinge numerário certo e líquido, que fica bloqueado ou depositado, à disposição do juízo da execução fiscal. Por sua vez, o valor financeiro referente a cotas de fundo de investimento não é certo e pode não ser líquido, a depender de fatos futuros que não podem ser previstos pela parte exequente, ou pela executada ou pelo juízo da execução. (...) 5. Conclui-se, portanto, pela impossibilidade jurídica de se equiparar as cotas de fundos de investimento a "dinheiro em aplicação financeira", embora os fundos de investimento sejam uma espécie de aplicação financeira. Não há, pois, violação do art. 655, inciso I, do CPC. (...) STJ. 1ª Turma. REsp 1346362/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 04/12/2012). Em qual inciso se enquadram as cotas de fundo de investimento? No inciso III do art. 835 ("títulos e valores mobiliários com cotação em mercado"). Imagine a seguinte situação hipotética: O devedor (executado) dispõe de 1 milhão de reais investido em CDI (uma aplicação bancária). Além disso, ele também possui cotas de fundo de investimento em igual valor. Diante disso, ele oferece para penhora as cotas de fundo de investimento alegando que, se tiver que resgatar a aplicação financeira da CDI, haverá uma perda de rentabilidade, causando prejuízos desnecessários. O juiz nega o pedido e afirma que deverá ser respeitada a ordem preferencial do art. 835, I, do CPC. O devedor recorre alegando que a decisão do magistrado violou o princípio da menor onerosidade, previsto no art. 805 do CPC:

Art. 805. Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado.

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Parágrafo único. Ao executado que alegar ser a medida executiva mais gravosa incumbe indicar outros meios mais eficazes e menos onerosos, sob pena de manutenção dos atos executivos já determinados.

Além disso, como o executado era um banco, ele alegou que, obrigar a retirar o dinheiro da CDI, significaria violar, por via transversa, o recolhimento dos depósitos compulsórios e voluntários exigidos pelo Banco Central do Brasil (art. 10, IV, da Lei nº 4.595/64) ou afrontar a impenhorabilidade das reservas obrigatórias (art. 68 da Lei nº 9.069/95):

Art. 68. Os depósitos das instituições financeiras bancárias mantidos no Banco Central do Brasil e contabilizados na conta "Reservas Bancárias" são impenhoráveis e não responderão por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, contraída por essas instituições ou quaisquer outras a elas ligadas. Parágrafo único. A impenhorabilidade de que trata o caput deste artigo não se aplica aos débitos contratuais efetuados pelo Banco Central do Brasil e aos decorrentes das relações das instituições financeiras com o Banco Central do Brasil.

As teses do banco executado foram aceitas pelo STJ? NÃO. A recusa da nomeação à penhora de cotas de fundo de investimento, reputada legítima a partir das particularidades de cada caso concreto, não encerra, em si, excessiva onerosidade ao devedor, violação do recolhimento dos depósitos compulsórios e voluntários do Banco Central do Brasil ou afronta à impenhorabilidade das reservas obrigatórias. STJ. 2ª Seção. REsp 1.388.642-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 3/8/2016 (recurso repetitivo) (Info 589). O art. 805 deve ser observado, mas não se pode esquecer que o processo executivo se desenvolve segundo os interesses do credor e com a finalidade de satisfazer a obrigação não paga. Os lucros que a instituição financeira deixaria de obter não interessam ao exequente nem servem de justificativa idônea para obrigá-lo a aceitar um bem que não guarda em si a aptidão ideal, segundo as particularidades do caso concreto, para satisfazer o crédito exequendo. Se a ordem legal for alterada, no presente caso, isso irá beneficiar apenas o banco executado, podendo prejudicar a satisfação do crédito do exequente. O banco alega que uma instituição financeira não possui conta-corrente em outros bancos, de forma que o restrito numerário que possui em suas agências destina-se a fazer frente "às necessidades de troco e à moeda circulante da população", sendo certo que a quantia que sobeja, "ou é recolhido ao Banco Central ou é investido em aplicações financeiras". O argumento do banco não é acolhido pela jurisprudência do STJ considerando que a instituição financeira dispõe de outros recursos e que os valores penhorados não atingem as reservas bancárias obrigatórias exigidas pelo Banco Central. Existe até um enunciado sobre o tema:

Súmula 328-STJ: Na execução contra instituição financeira, é penhorável o numerário disponível, excluídas as reservas bancárias mantidas no Banco Central.

Desse modo, foi lícita a recusa feita pelo magistrado, não havendo violação ao art. 805 do CPC. Além disso, os valores penhorados recaíram sobre numerário constante de suas agências ou sobre o produto do capital investido em suas aplicações financeiras, providência que não viola a intangibilidade dos depósitos mantidos no Banco Central, tampouco a impenhorabilidade das reservas bancárias.

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DIREITO PENAL

TORTURA Ausência de bis in idem na aplicação do art. 1º, § 4º, II, da Lei de Tortura

em conjunto com a agravante do art. 61, II, "f", do Código Penal

No caso de crime de tortura perpetrado contra criança em que há prevalência de relações domésticas e de coabitação, não configura bis in idem a aplicação conjunta da causa de aumento de pena prevista no art. 1º, § 4º, II, da Lei nº 9.455/1997 (Lei de Tortura) e da agravante genérica estatuída no art. 61, II, "f", do Código Penal.

STJ. 6ª Turma. HC 362.634-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 16/8/2016 (Info 589).

Imagine a seguinte situação hipotética: João submeteu seu sobrinho de 4 anos, que estava sob sua guarda, a intenso e desmedido sofrimento físico e psicológico, com emprego de violência, como forma de aplicar castigo pessoal. Diante disso, foi condenado pela prática de tortura, nos termos do art. 1º, II, da Lei nº 9.455/97:

Art. 1º Constitui crime de tortura: (...) II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Pena - reclusão, de dois a oito anos.

Na segunda fase da dosimetria (agravantes e atenuantes), o juiz aumentou a pena alegando que o réu praticou o crime prevalecendo-se das relações domésticas e de coabitação, já que a criança morava com ele na mesma casa. O fundamento invocado foi a agravante do art. 61, II, "f", do Código Penal:

Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: II - ter o agente cometido o crime: f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica;

Na terceira fase da dosimetria (causas de aumento e de diminuição), o magistrado aplicou a causa de aumento especial tipificada no inciso II do § 4º do art. 1º da Lei nº 9.455/97:

§ 4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço: II – se o crime é cometido contra criança, gestante, portador de deficiência, adolescente ou maior de 60 (sessenta) anos;

A defesa alegou que houve bis in idem no caso concreto. Este argumento foi aceito pelo STJ? NÃO. No caso de crime de tortura perpetrado contra criança em que há prevalência de relações domésticas e de coabitação, não configura bis in idem a aplicação conjunta da causa de aumento de pena prevista no art. 1º, § 4º, II, da Lei nº 9.455/97 (Lei de Tortura) e da agravante genérica estatuída no art. 61, II, "f", do Código Penal. STJ. 6ª Turma. HC 362.634-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 16/8/2016 (Info 589). A majorante prevista no art. 1º, § 4º, II, da Lei nº 9.455/97 busca punir de forma mais rígida o autor de crime que demonstrou maior covardia porque cometeu o crime se favorecendo da menor capacidade de resistência da vítima (que é uma criança). Há, pois, um nexo lógico entre a conduta desenvolvida e o

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estado de fragilidade da vítima. Por outro lado, a agravante prevista no art. 61, II, "f" do Código Penal pune com maior rigor o agente pelo fato de ele ter demonstrado maior insensibilidade moral, já que violou o dever de apoio mútuo que deve existir entre parentes e pessoas ligadas por liames domésticos, de coabitação ou hospitalidade. Desse modo, esses dispositivos tratam de circunstâncias e objetivos distintos, razão pela qual não há que falar na ocorrência de bis in idem.

DIREITO TRIBUTÁRIO

IMPOSTO DE RENDA Incide o IRPF sobre o valor do abono de permanência, mas somente a partir de 2010

Importante!!!

Em 2010, o STJ decidiu que incide Imposto de Renda sobre os rendimentos recebidos a título de abono de permanência (1ª Seção. REsp 1192556/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 25/08/2010. Recurso repetitivo).

Ocorre que, antes deste julgamento, a posição do STJ era no sentido oposto.

Diante disso, como houve radical mudança da jurisprudência, o STJ decidiu que o entendimento adotado no REsp 1.192.556-PE não alcança fatos geradores pretéritos ao referido julgado.

Em outras palavras, incide o IRPF sobre o valor do abono de permanência, mas somente a partir de 2010, data do julgamento do REsp. 1.192.556/PE, não valendo este entendimento para fatos geradores anteriores a este acórdão.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.596.978-RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 7/6/2016 (Info 589).

Abono de permanência Para o Governo, é desvantajoso quando o servidor público se aposenta. Isso porque, além de pagar a aposentadoria, ele terá que contratar outro servidor para desempenhar o cargo do que se aposentou. Desse modo, para Poder Público é interessante incentivar que o servidor permaneça na ativa mesmo que já tenha "tempo" para se aposentar. Pensando nisso, a EC 41/2003 instituiu o chamado "abono de permanência". O abono de permanência é um incentivo financeiro pago ao servidor que, mesmo já tendo preenchido os requisitos para se aposentar com proventos integrais, decida adiar a jubilação e continuar trabalhando. O instituto está previsto no § 19 do art. 40 da CF/88:

§ 19. O servidor de que trata este artigo que tenha completado as exigências para aposentadoria voluntária estabelecidas no § 1º, III, "a", e que opte por permanecer em atividade fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as exigências para aposentadoria compulsória contidas no § 1º, II. (Incluído pela EC 41/2003)

Na prática, o servidor com abono de permanência deixa de pagar contribuição previdenciária e, com isso, tem, indiretamente, um aumento na sua remuneração. Ex: se todos os meses era descontado R$ 1 mil de seus vencimentos a título de contribuição previdenciária, significa dizer que estes descontos cessarão e ele passará a ter disponível R$ 1 mil todos os meses.

O servidor público deverá pagar imposto de renda sobre os valores recebidos a título de abono de permanência? Incide IRPF sobre o abono de permanência? Ex: se o abono de permanência é de R$ 1 mil, o servidor deverá pagar 15%, 27,5% etc sobre este valor? SIM.

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Sujeitam-se à incidência do Imposto de Renda os rendimentos recebidos a título de abono de permanência a que se referem o § 19 do art. 40 da Constituição Federal, o § 5º do art. 2º e o § 1º do art. 3º da Emenda Constitucional 41/2003, e o art. 7º da Lei 10.887/2004. Não há lei que autorize considerar o abono de permanência como rendimento isento. STJ. 1ª Seção. REsp 1192556/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 25/08/2010 (recurso repetitivo).

Mudança de entendimento e eficácia ex nunc da nova posição Ocorre que, até o STJ pacificar a questão, houve muita polêmica sobre o assunto e o julgado acima representou uma mudança de entendimento. Isso porque de 2003 a 2010, o entendimento majoritário na jurisprudência era o de que não incidia imposto de renda sobre o abono de permanência Desse modo, como houve uma radical alteração da posição, o STJ decidiu que, por questões de segurança jurídica, o entendimento manifestado no REsp 1192556/PE deveria ter efeitos ex nunc, não alcançando situações pretéritas. O mais interessante é que esta "modulação dos efeitos" da decisão não foi proferida no momento em que o REsp 1192556/PE foi julgado, mas somente em 2016. Veja a ementa do julgado:

(...) 1. A mutação jurisprudencial tributária de que resulta oneração ou agravamento de oneração ao Contribuinte somente pode produzir efeitos a partir da sua própria implantação, não alcançando, portanto, fatos geradores pretéritos, consumados sob a égide da diretriz judicante até então vigorante; essa orientação se apóia na tradicional e sempre atual garantia individual de proibição da retroatividade de atos oficiais (ou estatais) veiculadores de encargos ou ônus: sem esse limite, a atividade estatal tributária ficaria à solta para estabelecer exigências retrooperantes, desestabilizando o planejamento e a segurança das pessoas. 2. Neste caso, a não incidência do IRPF sobre o Abono de Permanência estava claramente albergada na jurisprudência desta Corte Superior (AgRg no REsp. 1.021.817/MG, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJe 1.9.2008), o que somente veio a ser alterado com o julgamento do REsp. 1.192.556/PE, sob a sistemática do art. 543-C do CPC, relatado na 1a. Seção pelo Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 6.9.2010; Essa alteração jurisprudencial do STJ não pode surpreender os Contribuintes que realizaram fatos geradores anteriores à ela, sendo isso uma regra intransponível da ordem jurídica democrática, como altesonantemente apregoava o Professor GERALDO ATALIBA, na sua obra: República e Constituição, São Paulo, Malheiros, 2004. 3. Recurso da FAZENDA PÚBLICA parcialmente provido, para afirmar que incide o IRPF sobre o valor do Abono de Permanência, mas somente a partir de 2010, data do julgamento do REsp. 1.192.556/PE, ressalvada a prescrição quinquenal, anotando-se que a decisão repetitiva ainda não transitou em julgado. STJ. 1ª Turma. REsp 1596978/RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 07/06/2016.

Resumindo: Em 2010, o STJ decidiu que incide Imposto de Renda sobre os rendimentos recebidos a título de abono de permanência (1ª Seção. REsp 1192556/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 25/08/2010. Recurso repetitivo). Ocorre que, antes deste julgamento, a posição do STJ era no sentido oposto. Diante disso, como houve radical mudança da jurisprudência, o STJ decidiu que o entendimento adotado no REsp 1.192.556-PE não alcança fatos geradores pretéritos ao referido julgado. Em outras palavras, incide o IRPF sobre o valor do abono de permanência, mas somente a partir de 2010, data do julgamento do REsp. 1.192.556/PE, não valendo este entendimento para fatos geradores anteriores a este acórdão. STJ. 1ª Turma. REsp 1.596.978-RJ, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 7/6/2016 (Info 589).

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EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) O MPF poderá requisitar diretamente da OAB informações relativas a procedimentos disciplinares que estejam

tramitando contra advogado investigado pelo Parquet. ( ) 2) É válido o contrato firmado entre particulares de compra e venda de imóvel de propriedade da União quando

ausentes o prévio recolhimento do laudêmio e a certidão da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), se o pacto tiver sido registrado no Cartório competente. ( )

3) A invasão promovida por integrantes do MST em propriedade rural, por si só, não é fato suficiente para configurar o evento como de força maior, pois deve ser analisada, concretamente, a presença dos requisitos caracterizadores do instituto. ( )

4) A empresa proprietária de semirreboque é solidariamente responsável pelos danos causados em acidente envolvendo o caminhão trator, no qual se encontrava acoplado, devendo, assim, figurar no polo passivo de ação de indenização em razão dos prejuízos advindos daquele evento. ( )

5) (Procurador Federal AGU 2013 CESPE) Os terrenos de marinha, assim como os seus terrenos acrescidos, pertencem à União por expressa disposição constitucional. ( )

6) (Juiz TRF1 2015 CESPE) Os terrenos de marinha, considerados bens públicos federais, não podem ter seu uso transferido a particulares. ( )

7) (PGM-Recife 2013 FCC) Acerca dos terrenos de marinha, o recebimento de importância anual em razão do exercício de domínio útil por particular em imóvel compreendido nessa área caberá A) às Forças Armadas diretamente, enquanto instituições permanentes de defesa nacional. B) à Marinha do Brasil especificamente, enquanto responsável pela guarda e defesa da costa marítima brasileira. C) à União, sem destinação constitucional desses recursos a um órgão ou entidade específicos. D) ao Estado onde localizado o imóvel. E) ao Município onde localizado o imóvel.

8) (Juiz Federal TRF2 2013) Os registros de propriedade particular de imóveis situados em terrenos de marinha são

oponíveis à União. ( ) 9) Segundo o STJ, a multipropriedade imobiliária (time-sharing) possui natureza jurídica de direito real mesmo sem

previsão legal expressa. ( ) 10) É inválida a penhora da integralidade de imóvel submetido ao regime de multipropriedade (time-sharing) em

decorrência de dívida de condomínio de responsabilidade do organizador do compartilhamento. ( ) 11) (Promotor MP/TO 2012 CESPE) Não é possível a incidência do CDC nos contratos de multipropriedade imobiliária

e(ou) de time-sharing. ( ) 12) (Defensoria DF 2013 CESPE) A cobrança de comissão de corretagem do consumidor sem a devida previsão

contratual viola o direito à informação, não podendo essa cobrança ser cláusula implícita em contratos de compra e venda de imóveis. Além disso, não tem o adquirente o dever de pagar tal comissão se não houver acordo nesse sentido. ( )

13) É válida a cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem. ( )

14) É válida a cobrança pelo promitente-vendedor do serviço de assessoria técnico-imobiliária (SATI), ou atividade congênere, vinculado à celebração de promessa de compra e venda de imóvel. ( )

15) Em um contrato de shopping center, a sociedade empresária tem legitimidade ativa ad causam, em concorrência com o locatário (pessoa física), para demandar o empreendedor nas causas em que houver interesses relativos ao estabelecimento empresarial, desde que, no contrato firmado entre as partes, haja a expressa destinação do espaço para a realização das atividades empresariais da sociedade da qual faça parte. ( )

16) A natureza trabalhista do crédito impede que o credor requeira a falência do devedor. ( ) 17) (PFN 2013 ESAF) Segundo a jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, a Fazenda Pública não pode

requerer a falência do devedor. ( ) 18) (PGE/PR 2015) De acordo com entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, a Fazenda Pública tem

legitimidade e interesse para requerer a falência da empresa insolvente devedora de tributos. ( )

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19) Após a entrada em vigor do CPC/2015, não é mais devida a remessa pelo STJ, ao Tribunal de origem, do agravo interposto contra decisão que inadmite recurso especial com base na aplicação de entendimento firmado em recursos repetitivos, para que seja conhecido como agravo interno. ( )

20) Para fins de ordem da penhora, as cotas de fundo de investimento podem ser consideradas como dinheiro aplicado em instituição financeira. ( )

21) Na execução contra instituição financeira, é penhorável o numerário disponível, excluídas as reservas bancárias mantidas no Banco Central. ( )

22) Incide o IRPF sobre o valor do abono de permanência, mas somente a partir de 2010, data do julgamento do REsp. 1.192.556/PE, não valendo este entendimento para fatos geradores anteriores a este acórdão. ( )

Gabarito

1. E 2. E 3. C 4. C 5. C 6. E 7. C 8. E 9. C 10. C 11.E

12.C 13. C 14.E 15.C 16.E 17.C 18.E 19.C 20.E 21.C 22.C

JULGADO NÃO COMENTADO O julgado abaixo não foi comentado em virtude de ter sido decidido com base em uma peculiaridade do agravo de instrumento que era utilizado contra decisão do Presidente do Tribunal de origem que negava seguimento ao recurso especial ou extraordinário. Ocorre que o agravo de instrumento deixou de ser utilizado para essa finalidade desde a edição da Lei nº 12.322/2010. Atualmente, se a parte interpõe REsp ou RE, o Presidente (ou Vice) do Tribunal de origem (ex: TJ, TRF, Turma recursal) fará o juízo de admissibilidade do recurso: 1) Se o juízo de admissibilidade for positivo, o REsp ou RE será enviado ao STJ ou STF; 2) Se o juízo de admissibilidade for negativo, a parte prejudicada poderá interpor recurso. Qual será? 2.1) Se a inadmissão do Presidente do Tribunal de origem foi com base no inciso I do art. 1.030 do CPC: cabe agravo interno, que será julgado pelo próprio Tribunal de origem. 2.2) Se a inadmissão foi com fundamento no inciso V do art. 1.030: cabe "agravo em recurso especial e extraordinário", recurso previsto no art. 1.042 do CPC/2015.

Art. 1.042. Cabe agravo contra decisão do presidente ou do vice-presidente do tribunal recorrido que inadmitir recurso extraordinário ou recurso especial, salvo quando fundada na aplicação de entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos.

Antes de 2010, contra a decisão do Presidente do Tribunal de origem que não admitia o REsp ou RE cabia agravo de instrumento (com as cópias dos autos). Se o Ministro Relator no STJ/STF entendesse que a inadmissão do recurso na origem foi incorreta, ele dava provimento ao agravo de instrumento e mandava "subir" o REsp ou RE. Como a sistemática foi inteiramente alterada desde 2010, a utilidade prática do julgado abaixo e sua chance de ser cobrado em um concurso são mínimas. Veja a notícia do julgamento:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E PENAL. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE TEMPESTIVIDADE DE AGRAVO DE INSTRUMENTO EM JULGAMENTO DE RECURSO ESPECIAL. Ainda que a matéria do processo judicial tenha natureza penal, não cabe, por ocasião do julgamento de recurso especial, o reexame de ofício da tempestividade do agravo de instrumento anteriormente provido para determinar o processamento do próprio recurso especial. De fato, a Corte Especial do STJ, por ocasião do julgamento dos EREsp 218.863-BA (DJe 5/2/2009) - ressalvando a norma inserta no § 2º do art. 258 do RISTJ - pacificou entendimento no sentido de que é cabível a interposição de agravo regimental contra decisão do relator que dá provimento ao agravo de instrumento para determinar a subida do recurso especial, quando a irresignação apresentada referir-se à admissibilidade do próprio agravo. Dessa forma, não tendo sido interposto o recurso pertinente, está preclusa a matéria (art. 473 do CPC/1973), de modo que, o juízo de admissibilidade, no momento em que apreciado o recurso especial, é apenas do próprio recurso especial (EREsp 171.499-RS, Corte Especial, DJ 19/2/2001). EREsp 1.414.755-PA, Rel. Min. João Otávio de Noronha, por maioria, julgado em 18/5/2016, DJe 6/9/2016.