PÓS GRADUAÇÃO EM COMPLIANCE E DIREITO ANTICORRUPÇÃO · 2020. 3. 18. · Lei 12.850/2013...

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PÓS GRADUAÇÃO EM COMPLIANCE E DIREITO ANTICORRUPÇÃO

Perspectivas e Desafios do Combate à Corrupção no Brasil após 30 anos da Constituição Federal de

1988.

Rodrigo JanotMestre em Direito pela UFMG. Ex-Procurador-Geral daRepública.

• “Qualcuno si comporta con la corruzione come con le droghe: pensa dipoterla usare e smettere quando vuole. Si comincia da poco: una manciadi qua, una tangente di là… e tra questa e quella lentamente si perde lapropria libertà.”

• “Una cosa corrotta è una cosa sporca: spuzza. La corruzione spuzza euna società corrotta spuzza.” (Papa Francisco)

Corrupção vem do latim corruptus, que significa “quebrado em pedaços”; emoutra interpretação, “apodrecido, podre”. Corrupção é deterioração. Essa ésua etimologia. Por mais complexa que seja essa podridão, devemos percebê-la, entendê-la, exibi-la da forma mais transparente possível e combatê-lasempre, apesar das óbvias dificuldades. Esse é o grande desafio paraevoluirmos em nosso processo civilizatório.

Mas, o que é corrupção?

• As convenções anticorrupção do Conselho da Europa qualificam-nacomo o fato de solicitar, oferecer, dar ou aceitar, direta ouindiretamente, uma comissão ilícita ou outra vantagem indevida, ousua mera promessa, de modo a afetar, de maneira efetiva ou potencial,o exercício de uma atividade ou o comportamento esperado dobeneficiário.

• A organização não governamental denominada TransparênciaInternacional define-a como o abuso do poder conferido (delegado)para fins privados, podendo ocorrer tanto no setor público como noprivado.

• No mesmo sentido, o Banco Mundial conceitua a corrupção como oabuso no exercício de cargo público para ganhos privados.

• De fato, cum-rumpere significa quebrar, dissolver e, portanto, trairaquele liame de cooperação entre nós, aquele pacto fundamental quenos faz uma comunidade humana, produzindo efeitos devastadorespelos quais todos pagamos o preço.

• Vários são os tipos de comportamentos reveladores de corrupção.Apesar de comportar inúmeras classificações (corrupção pública,corrupção privada, corrupção ativa, corrupção passiva, corrupçãonacional, corrupção internacional, corrupção de menor valor,corrupção de maior valor, corrupção direta, corrupção indireta etc.),proporei a seguir uma categorização emersa das investigações do casoque ficou internacionalmente conhecido como Lava Jato.

• Outro aspecto importante no estudo do fenômeno a ser levado em conta é apercepção do que seja corrupção pelos atores sociais. Uma conceituaçãopuramente legalista da corrupção deve refletir o que o grupo social percebecomo tal, sob pena de não ter eficácia alguma.

• Nesse particular, Heidenheimer aponta três tipos de corrupção: corrupçãonegra, quando a previsão legal coincide com a percepção dos atores sociais;corrupção cinza, quando existe divergência parcial entre a norma e apercepção social; e corrupção branca, quando a previsão normativa não éadmitida pela sociedade, que passa a ser absolutamente tolerante com ocomportamento tido como ética ou penalmente reprimível.

• Sob outra ótica, gostaria de formular uma proposição epistemológica quereflete bem a realidade brasileira e, talvez, do bloco latino- -americano.

•Corrupção endêmica e corrupção estruturada e sistêmica

• Endemia é uma doença infecciosa que ocorre habitualmente e comincidência significativa em dada população ou região.

• A corrupção endêmica prescinde de organização: existe devido a umasérie de fatores culturais, morais e éticos.

• Estrutura pressupõe organização, disposição e ordem dos elementosessenciais que compõem um corpo, concreto ou abstrato, e sistema,a inter-relação dos elementos que fazem funcionar essa estruturaorganizada.

• A forma de combatê-las pode variar.

• Resultou das investigações do “Caso Lava Jato” que estruturas decrime organizado capturaram centros de poder, de formasistematizada, planejada; fraudaram licitações, falsearam aconcorrência; promoveram cartelização e oligopólios de setoresimportantes da economia (infraestrutura, construção civil, energiaetc.); estabeleceram percentuais fixos sobre valores de contratos, atítulo de pagamento de propina e, até, financiamento de campanhaseleitorais, com a prática de vários crimes, como lavagem de dinheiropor meio de métodos cada vez mais sofisticados, corrupção ativa,passiva, concussão, prevaricação.

• Corrupção estruturada e sistêmica pressupõe organização comescopo próprio e definido. É quantitativamente mais devastadora doque a endêmica e exige atividade também organizada e planejadapara combatê-la. Essas organizações criminosas são estruturashermeticamente fechadas, que impõem a seus membros a “lei dosilêncio” - a omertà.

• Essa espécie de corrupção cria um círculo nada virtuoso: acartelização mediante o pagamento de propina gera crescenteparticipação nesse mercado viciado com aumento do lucro, o queleva ao pagamento de mais propina e captura de mais mercado:verdadeira espúria roda da fortuna.

• O combate à corrupção endêmica pressupõe o progresso no processocivilizatório, o investimento em educação, a evolução cultural e dosstandards éticos. A primeira pode criar um ambiente propício para aimplementação da segunda, mas não necessariamente a precede oupressupõe uma relação de causa e efeito.

• Outros instrumentos importantes de combate à corrupçãoestruturada e sistêmica apontados pelo Banco Mundial são asessenciais reformas política e econômica nos Estados. A mudança nossistemas viciados contribui para alterar o panorama geopolítico dospaíses.

• Evolução no Combate à Corrupção

• Mas como se deu a evolução no combate à corrupção e qual será seudesdobramento? O combate à corrupção é relativamente recente,seja no Brasil ou no mundo. Seguindo conceito clássico de soberaniae de jurisdição territorial, diversos países não reprimiam atos decorrupção praticados por suas empresas, fora das respectivasfronteiras. O comércio internacional era, portanto, ambiente propíciopara fomentar essa prática.

• Pior. A corrupção, além de ser tolerada, era, de certa forma,incentivada. Alguns países conferiam até mesmo tratamentotributário diferenciado às suas empresas, permitindo dedução nabase de cálculo tributável dos valores pagos a título “extraordinário”no além-fronteira (França, Itália, Alemanha, ad exemplum).

• Surge, então, nos anos 1970 um ponto de inflexão no combate àcorrupção no cenário internacional. É o chamado caso LockheedCorporation.

• A empresa estadunidense reconheceu perante a Comissão Parlamentarconhecida como Comissão Church e perante a Securities and ExchangeCommission o pagamento, a título de propina, de vários milhões dedólares, em conjunto com outras multinacionais americanas, de 1950 atéos anos 1970. A questão veio à luz em 1976 no Japão, alcançando paísescomo os EUA, Japão, Holanda, Alemanha e outros.

• Em razão disso, foi aprovada no parlamento norteamericano em 1977 oForeign Corrupt Practices Act (FCPA). A lei sancionava as empresas dos EUApor atos de corrupção praticados fora de seu território. Passou-se a aplicaro princípio da extraterritorialidade da jurisdição.

• Como as empresas americanas passaram a ser sancionadas em seupaís de origem por atos de corrupção praticados no exterior, iniciou-se a pressão dos EUA para que igual tratamento fosse dispensado àsempresas de outros países, como forma de promover tratamentoisonômico e restabelecer o equilíbrio da competição no comérciointernacional. Os resultados internacionais foram percebidos anosdepois, já na década de 1990, com a implementação de tratadosinternacionais, notadamente aquele da Organização para aCooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de setembro de1997, para Combate da Corrupção de Funcionários PúblicosEstrangeiros em Transações Comerciais Internacionais.

• Outros importantes tratados foram firmados: Convenção InteramericanaContra a Corrupção, adotada em Caracas em 1996; Convenção das NaçõesUnidas contra o Crime Organizado Transnacional, adotada em Nova Yorkem 2000, também conhecida como Convenção de Palermo; Convenção dasNações Unidas contra a Corrupção (UNCAC), adotada em 2003. Para efeitode prevenir e punir atos de corrupção, vários países já não maisdistinguiam entre corrupção nacional e internacional. Criado o ambienteinternacional, os tratados e as convenções começaram a ser incorporadosnas legislações nacionais, permitindo o desenvolvimento de importantesinvestigações.

• Devemos, a essa altura, tentar vislumbrar algumas consequências dacorrupção estruturada no desenvolvimento do Brasil e do bloco regional.

• Perda de eficiência econômica:

• Sem competição real, as empresas deixam de aprimorar seu processoprodutivo (ODS 8 e 9 da ONU).

• Barreiras à entrada, protecionismo sob os mais variados discursos ecartelização são instrumentos relacionados com atos de corrupção.

• A perda de eficiência econômica ocorre também quando a corrupçãopassa a ser ponderada como um fator de risco para os investimentos naeconomia.

• Seria possível quantificar a corrupção no Brasil?

• Estudo levado a cabo pela Fiesp, em 2008, estima que o custo dacorrupção – o montante dos recursos que deixam de ser aplicados noPaís em atividades produtivas e serviços públicos de relevância ‒variou de 1,38% a 2,3% do PIB, que, em valores de 2008, seria algoentre R$ 41,5 bilhões e R$ 69,1 bilhões. Projetados para 2016, essesdados estariam em torno de 3% do PIB, alcançando já R$ 100 bilhões.

Obstáculos ao desenvolvimento social:

• A corrupção dificulta a distribuição de riquezas e aumenta ou impedea redução das desigualdades sociais (ODS 01 e 10 ONU).

• Estudo do FMI aponta que avanços no combate à corrupçãopoderiam aumentar em cerca de US$ 3.000,00 a renda per capita naAmérica Latina a médio prazo.

• A corrupção gera aplicação ineficiente dos recursos públicos, desviaseu correto direcionamento e degrada a qualidade dos serviçospúblicos.

Caso Odebrecht e custos da corrupção

•Os riscos, para as empresas, decorrentes dos atos de corrupção

• Toda atividade humana comporta riscos. O risco nos remetea uma possibilidade de dano, mas igualmente a umaoportunidade.

Riscos de sanções judiciárias e administrativas:• Os administradores podem sofrer condenações penais, já que, no

Brasil, não é possível a condenação penal de pessoas jurídicas, àexceção de danos ambientais (art. 225, § 3º, CF).

• A organização empresarial poderá sofrer condenações pecuniárias,multas, indenização por danos morais, inclusive coletivos, eressarcimento dos danos causados.

• Além disso, o produto resultante dos crimes praticados será perdidoem favor do Estado.

• Sujeita-se também a multas administrativas.

• Impacto contábil enorme.

Risco à reputação e à imagem da empresa:

• O patrimônio imaterial da empresa pode sofrer severo abalo,comprometendo sua participação no mercado e cotação em bolsa.Exemplos: Braskem, Odebrecht, JBS, Nike (uso de trabalho infantil).

Riscos decorrentes da ausência de uma política interna anticorrupção:

• A simples ausência de uma política anticorrupção comporta riscos.

• A participação em licitações internacionais promovidas pelo BancoMundial está condicionada à existência de efetiva políticaanticorrupção. Não basta a previsão formal; ela deve ser efetiva.

• No Reino Unido, a Bribery Act, aprovada no Parlamento em abril de2010, entrou em vigor no dia 1º de julho de 2011, criando um tipopenal: a ausência de prevenção da corrupção.

De que tratamos?

Mas também de:

Boa Governança Direitos Humanos

Democracia em perigo

Criminalização da PolíticaCrime infiltrado na política

Caso Collor

FERRAMENTAS IMPORTANTES NO COMBATE À CORRUPÇÃO

• Dada a complexidade da organização criminosa que se apoderou dediversos núcleos de poder – político e econômico –, foramnecessárias a criação e a utilização de tecnologia da informação parafins de investigação: Big Data, Simba (Sistema de Investigação deMovimentações Bancárias), Sittel (Sistema de Investigação Telefônicae Telemática) e Sisconta (Sistema de Informações de CondenaçõesJudiciais).

• Foram incorporadas, às técnicas investigativas, instrumentos degestão. Passou-se a estabelecer objetivos, indicadores e metas. OGabinete do Procurador-Geral da República recebeu a certificaçãoISO/9001.

• Jornadas de junho de 2013 – Manifestações populares difusas einsatisfação com o poder político

• Nesse período, milhares de pessoas foram às ruas nas principaiscidades brasileiras.

• Protestos generalizados motivaram os movimentos de rua: coisapública mal gerida; elevada carga tributária, péssima qualidade dosserviços públicos, crise econômica, atos de corrupção, distanciamentoentre políticos e suas bases eleitorais, descumprimento de promessasde campanha.

• Como reação ao julgamento pelo STF da Ação Penal 470 (Mensalão),a classe política mobiliza-se e dá início à tramitação, no CongressoNacional, de uma Proposta de Emenda Constitucional, a chamada PECnº 37, cujo objeto é a retirada do poder investigatório direto doMinistério Público.

• Esse assunto entrou na agenda dos movimentos populares, quepassaram a exigir a rejeição dessa Proposta de EmendaConstitucional, o que acabou acontecendo.

O apoio da sociedade

Brasileiros tomam as ruas em apoio à Operação Lava Jato

Protesto em frente ao Palácio do Planalto

Lei 12.850/2013 – Combate ao crime organizado

• Essa lei introduziu, de forma ampla, o instituto da colaboraçãopremiada, essencial na investigação de organizações criminosas.

• Como se viu, as organizações criminosas são estruturashermeticamente fechadas, nas quais vigora a omertà.

• Conhecer essas estruturas é essencial para o sucesso da investigação.As técnicas tradicionais de investigação mostram-se insuficientes paraenfrentá-las.

• Investigar essas organizações demanda conhecer sua estrutura, seusparticipantes, sua ordem hierárquica, divisão de tarefas, tipos decrimes que praticam, sua forma de atuação.

• A maneira de desvendá-las e desmantelá-las depende deconhecimento de sua conformação interna. Isso só será possívelquando alguém inteirado do seu funcionamento revelar os fatos aosinvestigadores.

• No caso Lava Jato, as investigações somente alcançaram esse largoespectro em razão das colaborações premiadas, em um total de 120até 15 de setembro de 2017. Foi possível desvendar toda aorganização criminosa, composta por políticos e empresários, emrazão das detalhadas descrições feitas pelos diversos colaboradores,em informações que se complementaram.

• Os dados, atualizados até 12 de março, revelam a realização de 163acordos de colaboração premiada.

• Colaboração no Brasil não é meio de prova, mas é instrumento deobtenção de prova.

• A lei brasileira exige a indicação, pelos colaboradores, dos meios deprova para corroborar suas declarações, e considera crime a falsaimputação de crimes a coautores e partícipes.

• A colaboração há de ser espontânea, regular, legal e realizada semprecom assistência de advogado.

• A colaboração somente é tida por eficaz se o colaborador atuaproativamente, auxiliando o Ministério Público na obtenção de provas.

Maio de 2015 – STF reconhece de forma ampla o poder investigatóriodireto do Ministério Público

• O Supremo Tribunal Federal sepulta a discussão em torno daatividade investigatória direta do Ministério Público, assegurando aindependência do órgão acusatório também nesse particular.

Fevereiro de 2016 – STF altera sua jurisprudência e permite execuçãoda pena após julgamento colegiado em duplo grau

• Durante sete anos, entre 2009 e 2016, o Supremo Tribunal Federalemprestou entendimento elástico ao princípio constitucional dapresunção da inocência.

• Até fevereiro de 2016, o cumprimento de decisões penaiscondenatórias somente era possível com o trânsito em julgadodefinitivo da sentença.

• Devido à estrutura do Poder Judiciário no Brasil, um processocriminal podia passar por até quatro graus de jurisdição. Era comumque ações penais levassem mais de dez anos para serem julgadas.

• Como no sistema processual brasileiro a possibilidade de discussão dematéria de prova, autoria e materialidade do delito está restrita aosegundo grau de jurisdição, não haveria, como não há, possibilidadede desfazer o enquadramento fático da matéria. Acertada a práticacriminosa e a sua autoria, na cadeia de recursos subsequentessomente é possível discutir questões jurídicas e não mais fáticas.

• Efeito interessante dessa decisão foi o reflexo no incremento donúmero de colaborações premiadas.

• Parece que o risco de cumprimento efetivo da pena privativa deliberdade passou a integrar a estratégia da defesa.

O importante papel da cooperação jurídica internacional

• 303 pedidos de cooperação internacional

• 176 pedidos ativos para 39 países

• 127 pedidos passivos com 30 países

• O principal desafio agora é não permitir o retrocesso noenfrentamento da corrupção, sob pena de não haver o amanhãesperado e ansiado. Alguns sinais demonstram a reação de setoresatingidos pela investigação e pelas condenações judiciais.

• Um deles é a tentativa de retirar o combate à corrupção da luz e datransparência: a corrupção tem frequentado cada vez menos osmeios de comunicação, e outros temas são colocados com o intuitoclaro de desviar a atenção sobre a matéria. Invoco aqui a advertêncialançada há mais de um século por um juiz da Suprema Corte dos EUA(Louis Dembitz Brandeis): “A luz do sol é o melhor desinfetante”.

• O desafio agora é superar o paradoxo: a evolução no combate àcorrupção no Brasil deveu-se ao fortalecimento de suas instituiçõesou, na verdade, uma conjunção de vários fatores permitiram quehomens certos estivessem na hora certa e nos lugares certos?

• Qual o papel da sociedade dentro desse contexto?

• Como a sociedade brasileira pretende construir o Brasil de amanhã?

Como disse Victor Hugo, “Nada é mais poderoso do que uma ideia quechegou a seu tempo”.

Obrigado.

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