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Fundao Oswaldo Cruz Instituto Fernandes Figueira
Ps-Graduao em Sade da Criana e da Mulher
REPERCUSSES DAS QUEDAS NA QUALIDADE DE VIDA DE MULHERES IDOSAS
Adalgisa Peixoto Ribeiro
Rio de Janeiro Setembro, 2006
Fundao Oswaldo Cruz Instituto Fernandes Figueira Ps-Graduao em Sade da Criana e da Mulher
REPERCUSSES DAS QUEDAS NA QUALIDADE DE VIDA DE
MULHERES IDOSAS
Adalgisa Peixoto Ribeiro
Dissertao apresentada Ps-Graduao em Sade da Criana e da Mulher, como parte dos requisitos para obteno do ttulo de Mestre em Cincias.
Orientadora: Dra. Edinilsa Ramos de Souza
Rio de Janeiro Setembro, 2006
Agradecimentos
A conquista de um sonho s vezes rdua e penosa, exige de ns muita dedicao e vontade para seguir em frente mesmo diante de obstculos. Requer sensibilidade e disposio para aprender sempre mais. Em muitos momentos o caminho nos parece tortuoso demais para avanar. O que nos mantm firmes na certeza da vitria ao final de todo o esforo so as mos que nos ajudam caminhar. E, nesse momento, lembro aqui as pessoas que me so caras e a quem quero agradecer.
minha orientadora Edinilsa Ramos de Souza, no s pela orientao do meu trabalho, mas por me adotar como amiga, companheira para horas boas e ruins, pela ateno, desprendimento e carinho a mim dispensados, minha gratido por ter sido to presente a meu lado.
Aos amigos to queridos Amaro Crispim de Souza e Soraya Atie que me receberam na equipe de pesquisa e pela grande ajuda no decorrer do trabalho.
s auxiliares de pesquisa Regina e Renata que nos acompanharam nas visitas s idosas em Manguinhos, meu abrao agradecido. Ao estatstico Arthur Orlando Schilithz que com muita pacincia esclareceu minhas dvidas e atendeu s minhas solicitaes.
s professoras da banca examinadora Clia Caldas e Maria Helena Cardoso agradeo a ateno dispensada a este trabalho e a sua valiosa contribuio.
Um agradecimento especial minha famlia Wadson, Clia, Flvia e Kamila que sentiram minha ausncia em muitos encontros e eventos familiares. Apesar da saudade, eles compreenderam que eu buscava uma conquista sonhada tambm por toda a famlia.
Agradeo ainda a todos que participaram de minha vida no decorrer do mestrado prima irm Cristiane Lacerda que me acolheu com muita generosidade. grande amiga Lcia Rebello por compartilhar momentos e confidncias que me fizeram caminhar com mais serenidade. Aos queridos Luiz Afonso, Carlos Renes Teixeira Carlinhos e Knnea Almeida pela presena amiga a me animar.
Ao programa de ps-graduao do Instituto Fernandes Figueira que acolheu nossa proposta de pesquisa. Ao Capes por seu apoio fundamental neste trabalho.
E finalmente, s idosas que nos receberam em suas casas e com alegria nos confiaram as experincias vividas, minha eterna gratido.
Voc lembra, lembra
Naquele tempo eu tinha estrelas nos olhos
Um jeito de heri
Era mais forte e veloz que qualquer mocinho de cowboy
Voc lembra, lembra
Eu costumava andar bem mais de mil lguas
Pra poder buscar flores de maio azuis
E os seus cabelos enfeitar
gua da fonte cansei de beber pra no envelhecer
Como quisesse roubar da manh
Um lindo por de sol
Hoje, no colho mais as flores de maio
Nem sou mais veloz, como os heris
talvez eu seja simplesmente
Como um sapato velho
Mas ainda sirvo se voc quiser
Basta voc me calar que eu aqueo o frio dos seus ps.
Mu, Claudio Nucci e Paulinho Tapajs
Resumo
O objetivo desse trabalho analisar o efeito das quedas e suas
conseqncias na qualidade de vida de mulheres idosas de uma comunidade de
baixa renda do municpio do Rio de Janeiro, buscando entender os significados,
dados por elas, a este evento. Foi realizado um estudo exploratrio que usou
abordagen quantitativa que teve como instrumento um questionrio que foi
aplicado a 37 idosas e qualitativa com entrevista semi-estruturada feita a 11
mulheres idosas. Os resultados mostraram que entre as idosas que responderam
ao questionrio, 40,5% caram no ltimo ano. A maioria das quedas aconteceu
fora da residncia da idosa (52,9%). As conseqncias mais freqentes foram o
medo de cair (84,6%), a modificao de hbitos (30,8%) e a imobilizao (23,1%).
As anlises das entrevistas e dos dados quantitativos mostraram a influncia das
quedas na qualidade de vida das mulheres idosas estudadas. Em todos os
domnios do WHOQOL-Bref houve reduo nas mdias do grupo que caiu no
ltimo ano em relao s que no caram e, a diferena foi mais significativa no
domnio Psicolgico. Enfim, as quedas so freqentes entre os idosos e trazem
conseqncias que alteram negativamente a qualidade de vida dessas pessoas.
Sua ocorrncia pode ser evitada com medidas preventivas adequadas,
identificando causas e desenvolvendo mtodos para reduzir sua ocorrncia.
Palavras-chave: quedas, qualidade de vida, envelhecimento, sade do
idoso
Abstract
The objective of this work is to analyze the effect of the falls and their
consequences in the quality of aged womans life in a low revenues community of
Rio de Janeiro town, looking for the meanings, gave by themselves, to this
occurrence. It was made an explorative research that has used the quantitative
method that has used as instrument a questionnaire applied to 37 aged women
and qualitative - with a halt-structured interview made with 11 aged women. The
results has shown that among the elderly that answered the questionnaire, 40,5%
fell in the last year. The majority of the falls has happened outside of the elderlys
residence (52,9%). The most frequent consequences were the fear of falling
(84,6%), the change of habits (30,8%) and the immobilization (23,1%). The
analysis of the quantitative facts, have shown the influence of the falls in the quality
of the studied aged womans life. In all of the WHOQOL Bref domain there was a
reduction in the averages of the groups that fell in the last year, comparing to the
ones that didnt fall and the difference was more significant in the psychological
domain. At last, the falls are frequent among the elderly and they bring
consequences that change the quality of these peoples life in a negative way.
Their incident can be avoided with preventive and appropriate methods, identifying
the causes and developing methods to reduce their incident.
Key-words: falls, quality of life, oldness, elderlys health.
Sumrio
Introduo 7 Objetivos 14 Captulo 1. Metodologia 15
1.1. Abordagem Quantitativa 15 1.2. Abordagem Qualitativa 24 1.3. Consideraes ticas 26
Captulo 2. Marco Terico 28 2.1. O envelhecimento no Brasil e no mundo 28
2.1.1. Capacidade funcional 32 2.1.2. Quedas em idosos 38
2.2. Qualidade de vida no envelhecimento 45 Captulo 3. Caracterizao da rea e dos sujeitos 49
3.1. O Complexo de Manguinhos 49 3.2. Caracterizao das idosas 55
Captulo 4. Resultados 63 4.1. Quedas e qualidade de vida 63 4.1.1. Caracterizao das quedas e suas conseqncias 63 4.1.2. As repercusses das quedas na Qualidade de Vida 73 4.2. Fatores de risco para quedas e condies
de sade das idosas de Manguinhos 78 Concluso 92 Referncias 99 Apndices 106
Introduo
Baseado em conhecimentos nas reas da gerontologia e sade coletiva, o
presente estudo tem como objeto a questo das quedas e da qualidade de vida.
Este trabalho se prope a investigar as repercusses das quedas na qualidade de
vida de mulheres idosas, buscando entender os significados dados por elas a este
evento e as implicaes das suas conseqncias na vida de uma mulher idosa.
O interesse pelo tema do envelhecimento uma constante em minha vida
acadmica pela relevncia das questes que envolvem a pessoa idosa e por ser
este o segmento populacional que mais cresce no Brasil e no mundo. A discusso
acerca do envelhecimento vem conquistando espao cada vez maior nos distintos
setores da sociedade brasileira, principalmente a partir das ltimas dcadas do
sculo XX. O envelhecimento da populao brasileira tem sido debatido por
estudiosos e especialistas das reas demogrfica, previdenciria, turstica e de
lazer, dentre outras, ora como algo negativo que onera o Estado, ora como um
grupo consumidor para o qual cresce e se desenvolve um lucrativo mercado de
ofertas de servios. Um dos setores que tem se deparado com as questes do
envelhecimento o da sade, que precisa responder s crescentes demandas por
servios cada vez mais complexos e especializados que o idoso requer. O
enfoque epidemiolgico dado pelo olhar da sade destaca as quedas como um
dos eventos acidentais e/ou violentos que atingem milhares de pessoas idosas em
nosso pas e so importante motivo de internaes e de mortes, conforme
identificam Souza e cols (1998), Masud e Morris (2001), Fabrcio e cols (2004),
Gawryszewski e cols (2004a, b), Minayo e Souza (2005).
Para as pessoas idosas, as quedas parecem ser uma das maiores vils da
manuteno da capacidade funcional. Nos pases ocidentais aproximadamente
30% dos idosos caem pelo menos uma vez por ano e nos pases orientais, a
freqncia menor e cerca de 15,0% das pessoas idosas caem uma vez ao ano
(Perracini e Ramos, 2002).
No Brasil, a mortalidade de idosos por causas externas representaram 2,8%
de todas as mortes nessa faixa etria no ano de 2004 (MS, 2006). A queda
representou 20,5% dos bitos de idosos por essas causas. Entre as mulheres
idosas a proporo de bitos por queda foi ainda maior, cerca de 28,3% do total
de mortes por causas externas no ano de 2004.
O impacto causado pelas quedas na populao idosa tem dimenses
significativas, principalmente para as mulheres. No ano de 2005, as internaes
hospitalares de idosos por causas externas de agravo sade atingiram um
nmero de 113.101 no Brasil. Desse total, 54,2% ocorreram devido s quedas. Ao
analisar os dados para o grupo de mulheres idosas, v-se que aproximadamente
60,0% das hospitalizaes de idosos brasileiros, no ano de 2005, por queda,
ocorreu entre elas (MS, 2006).
No estado do Rio de Janeiro, 2.265 idosos morreram por alguma causa
externa no ano de 2005 e dentre essas 29,0% se deveram s quedas. Entre as
idosas cariocas, o nmero de bitos por queda chegou a 354. As internaes
hospitalares de idosos, por causas externas, nesse mesmo ano chegaram a 8.721
e entre elas cerca de 66,4% se deveram s quedas. De todas as 4.982
internaes de idosas, por causas externas, no Rio de Janeiro, 73,7% se deram
por causa da queda em 2005.
As mulheres brasileiras sobrevivem por muito mais anos que seus
companheiros e, por conseqncia, vivero muito tempo sozinhas (Moreira, 1998)
enfrentando as dificuldades impostas pelo processo do envelhecimento que traz
consigo algumas alteraes fisiolgicas que tornam os idosos vulnerveis em
determinados aspectos.
Pessoas de todas as idades apresentam risco de sofrer intercorrncias
provocadas por fatores externos ou prprios das limitaes do processo de
envelhecimento, dentre elas a queda. Para os idosos uma queda possui um peso
muito significativo, pois este evento pode lev-los incapacidade e morte. O
custo social de uma queda imenso e torna-se maior quando a pessoa idosa
apresenta uma reduo de sua autonomia. Nesses casos, sofrer uma queda pode
ser sinnimo de dependncia ou necessidade de institucionalizao (Fabrcio et al,
2004).
Estes eventos causam impacto na sade e na capacidade funcional dos
idosos e pressupem uma alterao na qualidade de vida dessas pessoas.
A avaliao da qualidade de vida algo pessoal, nico e varia de indivduo
para indivduo, envolvendo aspectos multidimensionais que interferem na vida
humana, dentre eles fatores sociais, ambientais, psicolgicos e fsicos.
A presente Dissertao de Mestrado est inserida em uma linha de
pesquisa cientfica e tecnolgica sobre morbimortalidade por causas externas, e
constitui-se parte integrante de um projeto de pesquisa sobre violncia e sade do
idoso desenvolvido no Centro Latino-americano de Estudos sobre Violncia e
Sade/CLAVES O estado de direito e a violncia contra o idoso.
O trabalho foi desenvolvido no Complexo de Manguinhos, localizado na
zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, na rea da Leopoldina, rea
Programtica 3.1. A escolha do local se deu pelas condies de vida dos
moradores de reas especiais como o caso das favelas. As questes
socioeconmicas, a possibilidade de maior exposio a fatores de risco para
quedas e a violncia existente nesse ambiente poderiam trazer contribuies
diferenciadas para o campo do conhecimento.
Assim, partiu-se dos pressupostos de que: a) as mulheres idosas que vivem
em comunidades empobrecidas so mais vulnerveis s quedas se comparadas
com outras mulheres e com os homens, em funo da exacerbao de fatores
intrnsecos (problemas de sade fsica e mental) e extrnsecos (condies de
moradia e seu entorno, e isolamento social) a que esto expostas e b) apesar de
causar conseqncias como incapacidades funcionais, as quedas podem
proporcionar a obteno de atenes e cuidados antes negligenciados e, por isso,
serem interpretadas pela idosa como benficas para sua qualidade de vida.
O principal indicador de sade e de qualidade de vida para o idoso a
capacidade funcional que abrange questes relacionadas autonomia
capacidade do indivduo para escolher suas condutas e orientar seus atos nas
atividades instrumentais da vida diria, e independncia possibilidade de
realizar atividades da vida diria sem a ajuda de terceiros.
As polticas pblicas direcionadas aos idosos preconizam a manuteno da
capacidade funcional como uma prioridade. A promoo do envelhecimento
saudvel e a manuteno da mxima capacidade funcional do indivduo que
envelhece, pelo maior tempo possvel o foco central da Poltica Nacional de
Sade do Idoso/PNSI e pressupem a valorizao da autonomia e a preservao
da independncia fsica e mental do idoso. Doenas fsicas e mentais podem levar
dependncia atravs de suas conseqncias, entre elas as quedas, submetendo
a pessoa idosa perda da capacidade funcional.
A PNSI tem como propsito basilar a promoo do envelhecimento
saudvel, a preservao e/ou a melhoria, ao mximo possvel da capacidade
funcional dos idosos, a preveno de doenas, a recuperao da sade daqueles
que adoecem e a reabilitao daqueles que venham a ter a sua capacidade
funcional restringida (Gordilho et al, 2001:143) no sentido de favorecer a
permanncia dos idosos no ambiente que esto inseridos de forma independente.
A Poltica Nacional de Reduo da Morbimortalidade por Acidentes e
Violncias (MS, 2001) do Ministrio da Sade, objetivando a qualidade de vida,
lana mo da promoo da sade e coloca como uma de suas diretrizes a
promoo da adoo de comportamentos e de ambientes seguros e saudveis.
Especificamente, em relao aos idosos prev como fundamental o investimento
na formao de cuidadores e o direito a atendimento preferencial nos rgos
estatais e privados de ateno sade.
Assim, faz parte deste trabalho no s discutir as repercusses das quedas
para a sade, mas tentar compreender como a qualidade de vida afetada por
elas.
Este trabalho foi dividido em quatro captulos. O primeiro destinado
metodologia utilizada no decorrer da dissertao. So apresentadas as
abordagens quantitativas seu instrumento de coleta de dados contendo as
escalas que foram aplicadas s idosas, bem como a forma de interpretao de
cada uma delas e a abordagem qualitativa com o instrumento usado, a
entrevista e a forma de anlise dos dados obtidos dela.
No segundo captulo apresenta-se a caracterizao do Complexo de
Manguinhos e das idosas que participaram desse trabalho. Nesse momento, a
rea do estudo descrita com as caractersticas peculiares de uma comunidade
especial a favela. As mulheres idosas, sujeitos da pesquisa, so apresentadas
atravs de um perfil de suas condies demogrficas e socioeconmicas.
O terceiro captulo se dedica a abordar questes tericas referentes: 1) ao
envelhecimento e suas especificidades no Brasil e em outros pases do mundo; 2)
s quedas suas conseqncias para as pessoas idosas e as influncias na
qualidade de vida, os fatores intrnsecos e extrnsecos de risco para as quedas a
que os idosos esto submetidos; 3) as questes referentes capacidade
funcional, seus determinantes e incapacidades experimentadas por esse grupo
populacional e 4) qualidade de vida e os aspectos multidimensionais, objetivos e
subjetivos que a determinam.
O quarto captulo traz os resultados encontrados no trabalho. A prevalncia
de quedas no grupo de mulheres idosas estudadas, as conseqncias deste
evento na qualidade de vida, os resultados das escalas padronizadas aplicadas e
os fatores de risco para as quedas a que estas mulheres esto expostas. Tambm
so apresentadas as anlises das entrevistas e as percepes das idosas acerca
da queda e da qualidade de vida.
Finalmente, a ltima parte traz as concluses do trabalho realizado nessa
dissertao e as recomendaes baseadas nos resultados obtidos.
Objetivos
Objetivo Geral
Estudar as repercusses das quedas na qualidade de vida de idosas.
Objetivos Especficos
Estudar os fatores associados ocorrncia de quedas na idosa;
Investigar os significados que a mulher idosa atribui s quedas;
Investigar a qualidade de vida das mulheres idosas que sofreram
quedas.
Captulo 1.
Metodologia
Foi realizado um estudo exploratrio que usou abordagens quantitativa e
qualitativa para investigar os fatores associados s quedas, que podem predispor
ou facilit-las e suas conseqncias para as idosas de Manguinhos.
1.1. Abordagem quantitativa
Sujeitos
A seleo dos sujeitos para a pesquisa se deu a partir dos seguintes
critrios: pessoas com 60 anos ou mais; do sexo feminino; residentes no
Complexo de Manguinhos, municpio do Rio de Janeiro e com capacidade
cognitiva e mental preservadas. A fim de contemplar a diversidade de localidades
que compem o Complexo, foram selecionadas aproximadamente trs idosas de
cada uma das doze comunidades da rea, somando um universo de 37 idosas. Na
seleo dessas mulheres adotamos a tcnica de bola de neve, em que pessoas
conhecidas do pesquisador indicam outras a serem entrevistadas, que por sua vez
indicam outras conhecidas. O primeiro contato se deu atravs de uma pessoa da
equipe de pesquisa do Claves.
A violncia local no impediu a realizao da coleta de dados, mas exigiu
alguns cuidados mais intensos. Para o acesso s idosas e comunidade, uma
moradora da rea (informante-chave) localizou, conduziu e acompanhou todas as
visitas realizadas na favela. Os encontros com as idosas foram agendados, com
dias e horrios preestabelecidos, e os questionrios foram aplicados por uma
pesquisadora com experincia no atendimento aos idosos.
Instrumentos
Foi elaborado um panorama geral relativo s condies de sade, s
quedas e qualidade de vida das idosas residentes na comunidade. Para a coleta
de informaes junto s idosas desenvolveu-se um questionrio com 62 questes
fechadas e abertas. Nele, constam perguntas relacionadas vida social da idosa;
seus relacionamentos sociais; quedas e questes sobre qualidade de vida.
Neste questionrio foram includas trs escalas padronizadas: a de Apoio
Social; a Escala de Avaliao das Atividades Instrumentais da Vida Diria/AIVD de
Lawton e o Instrumento de Avaliao de Qualidade de Vida da Organizao
Mundial de Sade - WHOQOL em sua verso abreviada.
Conceitualmente, apoio social corresponde aos recursos disponibilizados
pelas pessoas em favor de algum nas situaes de necessidade (Due et al,
1999). Pode desempenhar um papel mediador contribuindo para manter a sade
das pessoas e permitindo que elas lidem melhor com as perdas e problemas do
dia-a-dia. Pessoas, socialmente mais integradas, costumam apresentar menos
doenas e ter melhor prognstico quando adoecem.
Para sua anlise importante considerar a percepo do indivduo sobre o
apoio que afirma ter. Broadhead e cols (apud Griep, 2003a) afirmam que os
efeitos benficos da integrao social podem ser reconhecidos na sensao de
bem-estar psicolgico, que se relaciona com o aumento da satisfao com a vida,
a auto-estima e a diminuio de sintomas, como a ansiedade, por exemplo.
Vrios estudos sugerem associao inversa entre o nvel de apoio social e
a ocorrncia de sofrimento psquico, distrbios psiquitricos, problemas nervosos
e insnia, e consumo de substncias como cigarro e lcool, dentre outros
problemas de sade (Holahan e Moos, 1981; Frydman, 1981; Shirom e Westman,
1985, Hanson e stergren, 1987 e Krantz e stergren, 2000).
A Escala de Apoio Social desenvolvida por Sherbourne & Stewart apud
Chor e cols (2001) constituda por 19 itens relativos ao apoio social e 5 de rede
social. Neste trabalho, apenas os itens referentes ao apoio social foram utilizados.
A escala de apoio social apresenta cinco dimenses: emocional (apoio recebido
atravs da confiana, e algum disponvel para ouvir, compartilhamento de
preocupaes e medos e compreenso dos seus problemas por outrem); de
informao (atravs do recebimento de informao e sugestes desejadas alm
de dar e receber bons conselhos); material (possibilidade de receber ajuda se ficar
de cama, para levar a pessoa ao mdico, para preparar refeies e para ajudar
nas tarefas dirias caso fique doente); afetiva (demonstrao de afeto e amor,
algum que abrace e o faa sentir querido) e de interao positiva (diverso em
conjunto com outros, capacidade de relaxar, de fazer coisas agradveis e distrair a
cabea). Cinco escores so obtidos, um para cada dimenso.
As perguntas so introduzidas pela frase se voc precisar... seguida pelo
tipo de apoio. As opes de resposta so apresentadas da mesma forma para
todos os itens: nunca, raramente, s vezes, quase sempre, sempre. A validade de
face e a de contedo dos itens foram consideradas adequadas pelos
investigadores do Estudo do Pr-Sade (Chor et al, 2001). Quanto validade de
constructo, Sherbourne & Stewart apud Chor e cols (2001) identificaram alta
correlao entre as dimenses de apoio social e outros conceitos que,
teoricamente esto relacionados, como solido (correlao negativa), dinmica
familiar, conjugal e sade mental (correlao positiva). Os autores originais
tambm observaram bons resultados em relao consistncia interna (alfa de
Cronbach superior a 0,91) e estabilidade das medidas aps um ano (acima de
0,72), para as dimenses de apoio social.
A escala de Apoio Social foi adaptada populao brasileira por Chor e
cols (2001). Participaram deste estudo 200 funcionrios administrativos
contratados por uma instituio pblica do Rio de Janeiro. Nessa fase de teste, os
autores verificaram uma proporo muito pequena de itens no respondidos, o
que sugere compreenso das perguntas formuladas. Alm disso, o coeficiente de
Pearson (indicador de validade de discriminao, que avalia a capacidade dos
itens em medir o apoio social e no qualquer outro conceito) no se aproximou de
zero ou da unidade com muitos outros itens. Os coeficientes Alfa de Cronbach
foram elevados para as dimenses de apoio afetivo (0,81), emocional (0,89), de
informao (0,89), interao positiva (0,93) e material (0,76).
Posteriormente Griep e cols (2003a, 2003b e 2005) desenvolveram estudos
de confiabilidade e de validade dessa escala, concluindo que existe um bom nvel
de confiabilidade e de validade de construto. A mdia dos escores foi de 83,3 para
a dimenso de interao social positiva/apoio afetivo; 78,6 para a dimenso
emocional/informao e 80,8 para a dimenso apoio material. A mdia global foi
de 80,8. O coeficiente alpha de Cronbach foi igual ou maior do que 0,83 para
todas as dimenses.
Em estudo realizado por Minayo e Souza (2003) com policiais civis tambm
foram obtidos altos coeficientes psicomtricos: Alfa de Cronbach de 0,93; ICC em
torno de 0,65 para cada tipo de apoio e Kappa variando do regular ao moderado.
Todas as dimenses desta escala correlacionaram-se entre si.
A noo de qualidade de vida vem sendo usada no campo da sade como
uma tentativa de compreenso mais abrangente do que seja bem-estar humano e
social.
Minayo e cols (2000), numa reviso da literatura, mostram que o conceito
de qualidade de vida concebido como uma representao social que leva em
conta parmetros objetivos (satisfao das necessidades bsicas e daquelas
criadas pelo grau de desenvolvimento econmico e social de determinada
sociedade) e subjetivos (bem-estar, felicidade, amor, prazer, realizao pessoal).
Alm de considerar parmetros objetivos e subjetivos o conceito tambm concilia
critrios de satisfao individual e de bem-estar coletivo. Por isso, ao analis-la,
deve-se levar em conta fatores polticos e de desenvolvimento humano. O grau de
satisfao humana nas diferentes esferas de vida associam-se ao padro de
conforto e bem-estar estabelecido pela sociedade, historicamente.
O instrumento para aferio da qualidade de vida WHOQOL-BREF avalia
a percepo do indivduo de sua posio na vida, no contexto da cultura e sistema
de valores nos quais ele vive e em relao aos seus objetivos, expectativas,
padres e preocupaes (OMS, 1998).
O WHOQOL foi elaborado pela OMS com o objetivo de criar um
instrumento que avaliasse a qualidade de vida numa perspectiva internacional.
Num projeto multicntrico foi produzido o WHOQOL-100, um instrumento de
avaliao composto por 100 questes. Este primeiro questionrio foi desenvolvido
a partir de 15 centros e as 100 questes que o constituem esto divididas em 6
domnios: fsico, psicolgico, nvel de independncia, relaes sociais, meio
ambiente e espiritualidade (OMS, 1998).
A necessidade de um instrumento mais curto, de rpido preenchimento e
que apresentasse caractersticas psicomtricas satisfatrias, fez com que a OMS
desenvolvesse uma verso abreviada - o WHOQOL-BREF. Essa verso
apresenta 26 questes subdivididas em domnios de anlise. So duas questes
gerais de qualidade de vida e vinte quatro referentes aos domnios fsico,
psicolgico, relaes sociais e meio ambiente (OMS, 1998).
Participaram da construo deste instrumento abreviado 20 centros em 18
pases, inclusive o Brasil. O WHOQOL-Bref apresentou caractersticas
psicomtricas que preencheram os critrios de (1) consistncia interna, avaliada
pelo coeficiente Alfa de Cronbach (0,9054); (2) validade discriminante; (3) validade
de critrio; (4) validade concorrente que utilizou a escala de Beck para Depresso
e a escala de desesperana de Beck como instrumentos de avaliao indireta; (5)
validade de contedo; (6) confiabilidade teste-reteste que apresentou coeficientes
superiores a 0,69 (OMS, 1998).
A avaliao das Atividades Instrumentais da Vida Diria/AIVD foi feita por
meio da escala de LAWTON. Este instrumento analisa a capacidade funcional da
pessoa idosa, enquanto indicador de sade e bem-estar, sendo possvel
determinar se o indivduo pode viver sozinho. Capacidade funcional definida pela
presena ou no de dificuldades no desempenho de certos gestos e de certas
atividades da vida cotidiana, ou mesmo pela impossibilidade de desempenh-la.
De acordo com Lima-Costa e cols (2003a) ela dimensionada em termos da
habilidade e independncia para realizar determinadas atividades. influenciada
por fatores demogrficos, socioeconmicos, culturais e psicossociais que vo
caracterizar o comportamento e o estilo de vida.
A escala de AIVD de Lawton possui trs tipos de respostas: a primeira
significa independncia, a segunda capacidade com ajuda e a terceira
dependncia. O escore total de 27 pontos, sendo que a pontuao tem um
significado apenas para o idoso individualmente, servindo como base para
avaliao da qualidade de vida. As questes de 4 a 7 podem ter variaes
conforme o sexo, podendo ser adaptadas para atividades como subir escadas ou
cuidar dos jardins (Freitas e cols, 2002).
Realizou-se um pr-teste do questionrio, objetivando seu aprimoramento.
A verso final desse instrumento (apndice A) foi aplicada s 37 idosas,
respeitando os critrios previamente estabelecidos. O tempo mdio para a sua
aplicao foi de 60 minutos. Foram necessrios dois meses e meio para a coleta
destes dados.
Anlise dos dados
As informaes coletadas no instrumento usado nesta abordagem
quantitativa foram codificadas, digitadas e processadas em micro computador.
Para a entrada de dados foi elaborada uma mscara utilizando o software
Microsoft Access. Uma anlise crtica dos dados foi feita para categorizar as
questes abertas e corrigir erros originados nas fases de aplicao, codificao e
digitao. Posteriormente, para anlise dos dados, os mesmos foram exportados e
manuseados para os softwares Microsoft Excel e SPSS (Statistical Package for
the Social Sciences), verso 13.0, em que se realizou a descrio de freqncias
simples, cruzamento de variveis e alguns testes estatsticos para a verificao e
discusso da significncia.
O nvel de significncia estabelecido priori foi de 5%. Entretanto, o
simples fato de estabelecer este ponto de corte no invalidou a hiptese de
diferena nos casos em que a probabilidade de encontrar a hiptese nula, ao
acaso, fosse prximo a 0,05. Vale lembrar que o teste estatstico, em questo,
leva em considerao o tamanho da amostra, tendendo a dar resultados mais
significantes medida que esse tamanho aumenta.
A avaliao das Atividades Instrumentais da Vida Diria de Lawton foi
analisada atravs das freqncias das respostas e das mdias obtidas na escala.
Foram consideradas dependentes as idosas que responderam no conseguir
realizar alguma das atividades que compem esta avaliao.
Foram realizadas comparaes entre mdias por domnio para a escala de
Avaliao de Qualidade de Vida da Organizao Mundial de Sade (WHOQOL-
Bref) entre os grupos de idosas que apresentaram quedas ou no e de faixa etria
(de 60 a 69 anos; 70 a 79 anos; 80 a 91 anos). Foi utilizado o teste t de Student
com a finalidade de encontrar diferenas estatisticamente significativas entre os
grupos segundo cada domnio. O teste t de Student uma tcnica empregada,
quando desejamos comparar duas mdias amostrais, para verificar se elas so
estatisticamente diferentes. Esse teste tem o pressuposto de que as distribuies
das variveis contnuas utilizadas sejam aproximadamente normais (gaussianas).
Tal pressuposto foi verificado e confirmado para cada distribuio dos domnios da
escala por grupo de idosas (que apresentaram quedas ou no).
Utilizou-se a anlise fatorial para avaliar a Escala de Apoio Social. Essa
anlise consiste em uma tcnica estatstica multivariada, onde suas principais
funes so a agregao e a reduo da dimensionalidade. De acordo com seus
resultados foram considerados quatro fatores: O fator 1 ficou constitudo pelo
Apoio de Informao e Apoio Afetivo (a=0,920). O fator 2 foi composto pelo Apoio
Material, mais um item de Apoio Emocional (ter algum para compartilhar
preocupaes, principalmente em momentos de doena) e um item de Apoio de
Informao (obter bons conselhos em situaes de crise), com a=0,908. O fator 3
foi composto pelo Apoio de Interao Social Positiva e um item de Apoio
Emocional (ter algum que possa ajud-lo a compreender problemas),com
a=0,915. O fator 4 ficou composto por um item de Apoio Emocional (ter algum
para ouvi-lo em momentos difceis), um de Interao Social Positiva (ter algum
com quem relaxar) e um de Apoio Afetivo (algum que lhe faa sentir-se querido),
com a=0,879.
Para a anlise dos fatores foram padronizados os escores segundo o
nmero de questes de cada dimenso. Deste modo, a soma de pontos obtidos
pelas perguntas de cada uma das dimenses foi dividida pelo escore mximo da
mesma dimenso e, por ltimo, foi multiplicado pela razo entre o total de pontos
obtidos pela pontuao mxima da dimenso (Griep, 2005). Desta forma, as
observaes individuais tornam-se comparveis entre si. Estes escores
padronizados foram divididos em trs partes definidas como apoio alto, mdio e
baixo.
1.2. Abordagem qualitativa
Sujeitos
A fim de aprofundar a investigao sobre as percepes, crenas,
motivaes e atitudes das idosas acerca das questes relacionadas s quedas e
qualidade de vida, foram abordadas 11 pessoas, com 60 anos ou mais, do sexo
feminino, residentes em Manguinhos, com preservada capacidade cognitiva e
mental, que permitisse a participao na entrevista e que relataram ter sofrido
alguma queda no ltimo ano.
Instrumentos
Para esta abordagem, o instrumento usado foi a entrevista semi-
estruturada. A tcnica da entrevista considerada por Minayo (2004) como uma
conversa com finalidade. Na modalidade que foi utilizada neste estudo (semi-
estruturada), o entrevistado tem a possibilidade de discorrer sobre o tema sem se
prender s perguntas que servem como guia para o entrevistador.
Foi elaborado um roteiro que continha 7 questes sobre quedas e qualidade
de vida (apndice B). O tempo mdio de aplicao dessas entrevistas variou de 15
a 20 minutos.
Todas as entrevistas foram agendadas, sendo necessrios cerca de trs
dias para sua concluso. Elas foram gravadas em fita cassete e posteriormente
transcritas e revisadas. Foram realizadas por uma pesquisadora com experincia
no atendimento a idosos e aplicadas individualmente, sem interferncia de
terceiros, nas prprias residncias das idosas.
Um dirio de campo foi confeccionado para registrar as observaes nos
locais de moradia das idosas. As entrevistas foram realizadas na prpria casa da
idosa, onde se puderam observar as condies favorecedoras e os possveis
fatores protetores de quedas. Este dirio de campo forneceu informaes
importantes das condies de moradia das idosas abordadas e que,
posteriormente sero indicadas na anlise dos resultados.
Novamente, alguns cuidados foram necessrios para esta fase do trabalho
de campo que contou com outra auxiliar de pesquisa, moradora da comunidade,
que ajudou identificando as idosas e acompanhando a pesquisadora nos
encontros. Nesse momento tambm houve o mesmo cuidado antes observado
para a entrada da entrevistadora no interior da comunidade.
Anlise dos dados
As entrevistas foram interpretadas seguindo os princpios da Anlise de
Contedo, modalidade temtica adaptada da proposta de Bardin (1979). A anlise
de contedo foi conduzida basicamente por um recorte interpretativo (Minayo,
2004). Dado o carter exploratrio do estudo, as informaes relatadas
(contedos manifestos) foram priorizadas. A partir desses princpios foram
percorridos os seguintes passos de anlise: (a) leitura flutuante de todos os
materiais; (b) identificao e comparao das diferentes idias e sentidos contidos
em cada pergunta; (c) descrio dos principais significados atribudos pelas idosas
em suas respostas s questes de quedas e qualidade de vida.
Um dirio de campo foi confeccionado para registro das observaes
locais. Como as entrevistas foram realizadas na prpria residncia da idosa, pode-
se observar as condies favorecedoras e os possveis fatores protetores de
quedas. Este dirio de campo forneceu informaes importantes sobre as
condies de moradia das idosas abordadas e que, posteriormente, sero
indicadas na anlise dos resultados.
1.3. Consideraes ticas
O presente trabalho faz parte de uma pesquisa mais ampla desenvolvida no
Centro Latino Americano de Estudos de Violncia e Sade Jorge Careli/CLAVES,
sobre o estado de direito e a violncia contra o idoso, que se guiou pelas
recomendaes estabelecidas na Resoluo 196/96 do Conselho Nacional de
Sade, que regulamenta pesquisas com seres humanos. A referida pesquisa foi
encaminhada e aprovada pelo Conselho de tica em Pesquisa da Escola Nacional
de Sade Pblica Srgio Arouca da Fundao Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Nela,
todos os sujeitos envolvidos foram devidamente esclarecidos quanto aos objetivos
e implicaes de sua participao na pesquisa, foi-lhes garantido o sigilo e o
anonimato.
O projeto de dissertao tambm passou pelo Comit de tica em
Pesquisa do Instituto Fernandes Figueira e recebeu sua aprovao.
Um consentimento livre e esclarecido para participar do questionrio, assim
como da entrevista, foi assinado pelas participantes deste estudo (apndice C).
Captulo 2.
Marco Terico
2.1. O envelhecimento no Brasil e no mundo
A longevidade uma conquista da humanidade, que vem acompanhada de
muitos desafios na tarefa de proporcionar aos indivduos que ingressam na fase
do envelhecimento, um ambiente propcio s suas necessidades.
O grupo etrio dos idosos foi o que mais cresceu no Brasil nos ltimos 40
anos, como resultado da queda da fecundidade e da mortalidade (Camarano,
2003). Estes fenmenos se devem, em grande parte, aos avanos tecnolgicos,
s polticas sociais e aos novos estilos e condies de vida que afetam direta ou
indiretamente a sade e a longevidade.
O fenmeno do envelhecimento mundial e, apesar deste grupo
populacional ser maior nos pases desenvolvidos, nos pases em
desenvolvimento que ele mais cresce. Segundo dados referentes Amrica
Latina, em 2000, a porcentagem de pessoas idosas era de aproximadamente
8,0% da populao desta regio. As estimativas para o ano 2005 foram de que a
porcentagem de pessoas com 60 anos ou mais corresponde a 8,6% do total de
habitantes dessa rea (Celade, 2006).
No Brasil, o Censo demogrfico de 2000, identificou que as pessoas com
60 anos ou mais representavam cerca de 8,5% da populao total. Os dados da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios, de 2004, revelaram que os idosos
nesse ano eram aproximadamente 9,7% da populao nacional (IBGE, 2004).
Nos pases da Europa e Amrica do Norte, o fenmeno do envelhecimento
ocorreu de forma paulatina e teve incio h quase cem anos atrs. Essa no a
realidade brasileira que tem um processo de envelhecimento que comeou na
dcada de sessenta, e marcado por uma velocidade de expanso sem
precedentes (Silva, 2005).
O IBGE estima que para o ano de 2025 a populao de idosos brasileiros
ser equivalente a 15% da populao total, correspondendo aproximadamente a
30 milhes de pessoas. Silva (2005) destaca que o envelhecimento no Brasil
muito diferenciado. Se tomarmos como parmetro o processo vivenciado na
Frana, onde foram necessrios 120 anos para que o nmero de idosos passasse
de 7% do total da populao do pas para 14%, o Brasil vai experimentar um
aumento equivalente num perodo de 20 anos.
A discusso acerca do envelhecimento vem conquistando espao cada vez
maior nos distintos setores da sociedade brasileira, principalmente a partir das
ltimas dcadas do sculo XX. Esse processo tem sido debatido por estudiosos e
especialistas das reas demogrfica, previdenciria, turstica e de lazer, dentre
outras, ora como algo negativo que onera o Estado, ora como um grupo
consumidor para o qual comea a crescer e se desenvolver um lucrativo mercado
de ofertas de servios. Um dos setores que tem se deparado com as questes do
envelhecimento o da sade, que precisa responder s crescentes demandas por
servios cada vez mais complexos e especializados que o idoso requer.
A esperana de vida ao nascer na sia, de acordo com dados do Centro
Latinoamericano y Caribeo de demografia, nos anos de 2000 a 2005 de 67,4
anos, enquanto que na Amrica Latina e Caribe chega aos 72,9 anos (CEPAL,
2005).
Para os brasileiros, a esperana de vida vem aumentando ao longo dos
ltimos anos. Desde 1950, as mulheres tm maior esperana de vida ao nascer se
comparadas aos homens. Como se pode visualizar na tabela 1, as brasileiras
vivem em mdia 7,9 anos a mais que os homens. Para as cariocas, essa diferena
ainda maior e elas chegam a viver em mdia 11,8 anos a mais que os idosos do
sexo masculino (IBGE, 2000). A esperana de vida aos 60 anos de idade tambm
mostra a maior longevidade das mulheres em relao aos homens idosos.
A esperana de vida das mulheres na Frana considerada uma das mais
altas do mundo e chega a alcanar 82 anos, sete a mais que a dos homens
franceses (Peixoto, 2004).
Tabela 1: Anos de vida esperados por ano, segundo sexo. Brasil, Regio Sudeste e Estado do Rio de Janeiro.
ESPERANA DE VIDA AO NASCER
BRASIL SUDESTE RIO DE JANEIRO
SEXO 1997 2000 2003 1997 2000 2003 1997 2000 2003 Masculino 64,09 64,77 65,40 64,63 65,11 65,55 61,71 62,00 62,29 Feminino 71,70 72,55 73,32 73,61 74,32 74,98 72,78 73,49 74,14
Esperana de vida aos 60 anos de idade
Masculino 15,74 15,98 16,21 15,94 16,15 16,33 15,14 15,28 15,42 Feminino 19,05 19,42 19,78 19,88 20,17 20,49 19,60 19,91 20,25
Fonte: IBGE/Projees demogrficas preliminares
Assim como se verifica em outros pases, tambm no Brasil, h uma
porcentagem superior de mulheres na populao idosa. Trata-se da feminizao
da velhice. De acordo com a pesquisa SABE Sade, Bem-Estar e
Envelhecimento realizada em So Paulo, uma em cada quatro mulheres idosas
tem 75 ou mais anos, proporo maior se comparada com a dos idosos do sexo
masculino que de um para cada cinco (Lebro, 2003). Segundo Camarano
(2003) a proporo de mulheres ainda maior quando se observa a populao
mais idosa, ou seja, com 80 anos ou mais. No Brasil, no ano de 2000,
aproximadamente 60,0% desse grupo populacional era constitudo por mulheres.
O ndice de feminilidade medido pelo nmero de mulheres para cada 100
homens atingiu 192 na cidade de Santiago no Chile, 176 em Montevidu no
Uruguai, 162 em Buenos Aires na Argentina e 142 em So Paulo (Lebro, 2003).
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios de 2004 indicam que
9,7% da populao brasileira tem mais de 60 anos e entre estes, 56% so
mulheres. No Estado do Rio de Janeiro, 10,7% de sua populao apresenta 60 ou
mais anos de idade e as mulheres representam cerca de 58,5% deste grupo
populacional.
No Brasil, 35,2% dos idosos so analfabetos e entre as mulheres, com 60
anos ou mais de idade, essa proporo chega a 37,5%. No Rio de Janeiro 17,3%
dos idosos no so alfabetizados e entre as mulheres esse percentual atinge
19,9% delas (IBGE, 2000).
Nos ltimos anos, as mulheres idosas chefes de famlia aumentaram de
forma significativa e no ano de 2000, aproximadamente 42,6% delas assumiram
esse papel (Camarano, 2003).
Dos 8.964.850 idosos responsveis pelo domiclio, 37,6% so mulheres. As
brasileiras vivem aproximadamente oito anos a mais que os homens e por esse
motivo, muitas idosas responsveis pelos domiclios (93%) vivem sem o cnjuge,
mesmo morando com filhos ou outros parentes (IBGE, 2000).
Segundo dados do IBGE (2000) a maioria dos idosos, no Brasil (81,0%),
responsveis ou no por domiclio, mora nas grandes cidades. As capitais com a
maior proporo de idosos so Rio de Janeiro (12,8%) e Porto Alegre (11,8%).
Ainda de acordo com o IBGE, no ano de 2000, entre os idosos
responsveis por domiclios, 34,7% no possuam qualquer instruo ou tinham
menos de um ano de estudo, 24,7% tinham de um a trs anos de escolaridade e
20,5% possuam quatro anos de estudo. O rendimento mdio para os idosos
chefes de domiclio foi de R$ 657,00 neste mesmo ano.
Alguns estudos demonstram que a prevalncia de incapacidades mais
elevada entre as mulheres que entre os homens idosos (Parahyba et al, 2005).
Apesar de enfrentarem situaes difceis em relao situao socioeconmica e
de sade, as mulheres idosas sobressaem em questes como a longevidade e a
participao em atividades de suporte social familiar. Apesar de viverem por mais
tempo que os homens, as mulheres convivem mais com as limitaes advindas
com o envelhecimento.
2.1.1. Capacidade funcional
O conceito de sade adotado para o grupo populacional dos idosos no
pode se basear no parmetro de completo bem-estar fsico, psquico e social
preconizado pela Organizao Mundial de Sade, mas deve a se reger pelo
paradigma da capacidade funcional (Ramos, 2002).
O termo capacidade funcional abrange outras designaes como autonomia e
independncia. Por autonomia entende-se a capacidade do sujeito para eleger
as regras de condutas e orientar seus atos nas atividades instrumentais da vida
diria. Define-se como independncia a possibilidade de realizar atividades da
vida diria sem a ajuda de terceiros. Caldas (2003) aborda a questo da
capacidade funcional a partir do termo funo, o qual representa a capacidade
do indivduo adaptar-se aos desafios cotidianos. Para a autora, a funo
avaliada pelo desempenho do indivduo na execuo das atividades bsicas
(autocuidado, alimentar-se, vestir-se, controlar esfncteres), instrumentais
(realizar tarefas domsticas, administrar medicao) e avanadas (trabalho,
atividade de lazer, contatos sociais, exerccios fsicos) da vida diria. Assim, a
capacidade funcional (autonomia e independncia) ou incapacidade
(dependncia) se estabelecem a partir de um somatrio de fatores, constituindo
um processo dinmico que envolve as condies internas do idoso e externas
do seu ambiente.
Dentro dessa tica, a sade do idoso resulta da interao entre as
condies fsicas e mentais, a independncia na vida diria, a integrao social, o
suporte familiar e a independncia econmica. O bem-estar na velhice, ou sade
num sentido amplo, segundo Ramos (2003) seria o resultado do equilbrio entre as
diversas dimenses da capacidade funcional do idoso, sem, contudo, significar
ausncia de problemas.
Portanto, capacidade funcional do idoso dimensionada em termos de
habilidade e independncia para realizar determinadas atividades (Lima-Costa et
al, 2003a; Litvoc e Brito, 2004).
A capacidade funcional do idoso determinada e influenciada por fatores
demogrficos, socioeconmicos, culturais, psicolgicas, doenas e alteraes
fisiolgicas do envelhecimento que vo caracterizar o comportamento e o estilo de
vida.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios/PNAD de 1998
revelam que a posse de bens e, principalmente, a renda familiar e a educao so
fatores determinantes das diferenas na prevalncia de incapacidade funcional
das mulheres idosas no Brasil (Parahyba et al, 2005). Dados dos idosos de So
Paulo (Rosa et al, 2003) revelam informaes referentes aos determinantes da
capacidade funcional dos idosos. Segundo esses autores, os idosos com nvel
baixo de escolarizao apresentaram chance cerca de 5 vezes maior de ter
dependncia moderada a grave (dependncia para quatro ou mais atividades da
vida diria). Em relao situao ocupacional, os aposentados e as donas de
casa tiveram chance aproximadamente 8 vezes maior.
As chances de apresentar dependncia moderada a grave aumentam com
a idade. Entre 65 a 69 anos a chance de, aproximadamente, 1,9 vezes,
aumentando para cerca de 36 vezes entre as pessoas de 80 ou mais anos. As
mulheres tm 2 vezes mais chance de apresentarem dependncia em relao aos
homens. Para os vivos, a razo de chances foi 3,3 e esse grupo o de maior
oportunidade para a dependncia. O fato de morar sozinho foi identificado como
fator de proteo para a dependncia, embora, estatisticamente no significativo.
Todos os fatores referentes sade, segundo Rosa e cols (2003),
mostraram associao altamente significativa com a dependncia moderada e
grave. Chamaram a ateno as chances maiores que 6 vezes para a ocorrncia
de dependncia nos idosos que responderam terem tido AVC e para os que tm
algum problema de sade mental. Alm disso, os idosos que sofreram
hospitalizaes e tm problemas de viso ou audio tambm apresentaram
chances de dependncia maiores que 4 vezes.
Todos os fatores referentes a relaes sociais apresentaram forte
associao com dependncia. A chance entre os idosos que responderam no
visitar amigos e no visitar parentes foi 6 vezes maior. Chances mais elevadas
foram observadas para aqueles que responderam no freqentar cinema e no
praticar esporte, 16 e 15 vezes maior, respectivamente.
Por outro lado, a capacidade funcional tambm influencia a aderncia a
tratamentos de sade e a busca por preveno de doenas (Litvoc e Brito, 2004).
Por esse motivo a manuteno ou a recuperao da independncia e a
autonomia, ambos determinantes da capacidade funcional uma prioridade na
ateno ao idoso. As polticas pblicas que contemplam a populao idosa
preconizam sua preservao e recuperao.
A Poltica Nacional de Sade do Idoso (PNSI), promulgada em dezembro
de 1999, tem por objetivo permitir um envelhecimento saudvel, o que significa
preservar a capacidade funcional, a autonomia e manter o nvel de qualidade de
vida do idoso. Neste sentido, estabelece diretrizes essenciais que norteiam a
definio ou redefinio dos programas, planos, projetos e atividades do setor da
sade na ateno integral s pessoas em processo de envelhecimento e
populao idosa: promoo do envelhecimento saudvel; manuteno da
capacidade funcional; assistncia s necessidades de sade do idoso; reabilitao
da capacidade funcional comprometida; capacitao de recursos humanos, e
apoio a estudos e pesquisas (Gordilho et al, 2001).
A incapacidade funcional, portanto, um indicador da conseqncia de
doenas ou condies que alteram a independncia dos idosos. Este indicador
muito til para avaliar o estado de sade dos idosos, pois muitos deles tm vrias
doenas associadas que variam em graus de severidade e causam impactos
diferenciados na vida cotidiana (Parahyba et al, 2005). Os idosos, que apresentam
incapacidades funcionais, restringem sua participao nas atividades familiares e
na comunidade. As barreiras ambientais tornam-se intransponveis para quem
obrigado a conviver com incapacidades funcionais, o que limita as atividades dos
idosos distanciando-os do convvio social. Os contatos e as interaes sociais
positivas que trazem segurana e evitam o isolamento e o sentimento de solido
se tornam reduzidas.
Apesar disso, o envelhecimento no sinnimo de incapacidade funcional,
pois at mesmo no grupo de 85 ou mais anos, muitas mulheres brasileiras no
referem qualquer dificuldade nas tarefas dirias, como caminhar mais de um
quilmetro (Parahyba et al, 2005).
Baseando-se no conceito de sade do idoso como capacidade funcional,
vrios autores desenvolveram instrumentos de avaliao abrangendo as diversas
dimenses da capacidade funcional de um idoso.
Lawton desenvolveu um modelo com sete sub-nveis para a capacidade
funcional dos idosos. Em ordem crescente de complexidade, os sub-nveis so:
manuteno da vida, sade funcional, percepo e cognio, auto-manuteno
fsica, auto-manuteno instrumental, eficcia e funo social (Shibata et al,
2001). Esse modelo tem sido muito usado no desenvolvimento de instrumentos
para avaliar a capacidade funcional dos idosos.
Dentre os instrumentos avaliativos destacam-se as escalas desenvolvidas
por Katz e Lawton. Para avaliar a realizao das atividades da vida diria (AVD),
Katz incluiu as tarefas de autocuidado bsico como banhar-se, vestir-se, usar o
banheiro, controlar os esfncteres, transferir-se do leito e se alimentar. As
dificuldades ou incapacidades na realizao das AVD representam risco elevado
para a perda da independncia funcional.
Para avaliar as atividades instrumentais da vida diria (AIVD), consideradas
mais complexas que refletem a habilidade para adaptao em ambientes sociais e
necessrias para manter a vida independente na comunidade, Lawton
desenvolveu uma escala que inclui atividades como fazer compras, lavar roupa,
usar o telefone, utilizar transporte, manusear dinheiro e tomar a medicao
(Lawton e Brody, 1969).
Em estudo realizado por Ramos e cols (1993) identificou-se que 40% das
pessoas com 65 anos ou mais necessitam de ajuda para realizar alguma tarefa
das AIVD e 10% precisam dessa ajuda nas AVD. Esses dados revelam que a
dependncia uma realidade na vida de uma proporo significativa de idosos
brasileiros.
Algumas situaes de estresse como a perda de um ente querido, a
falncia econmica, uma doena incapacitante, um distrbio mental ou um
acidente, como o caso da queda, podem, juntos ou isoladamente, comprometer
a capacidade funcional dos idosos.
2.1.2. Quedas em idosos
A queda um evento acidental que tem como resultado a mudana de
posio do indivduo para um nvel mais baixo, em relao a sua posio inicial
(Moura et al, 1999) com incapacidade de correo em tempo hbil (Santos e
Andrade, 2005) e apoio no solo. No se considera queda quando o indivduo
somente cai de costas em um assento, por exemplo (Paixo Jnior e Heckmann,
2003).
Para uma queda acontecer necessrio que haja uma perturbao do
equilbrio e uma falncia do sistema de controle postural em compensar essa
perturbao (Paixo Jnior e Heckmam, 2003).
O enfoque epidemiolgico dado pelo olhar da sade destaca as quedas
como um dos eventos acidentais e/ou violentos que atingem milhares de pessoas
idosas em nosso pas e so motivo de internaes e de mortes, conforme
identificam Souza e cols (1998), Masud e Morris (2001), Fabrcio e cols (2004),
Gawryszewski e cols (2004a, 2004b) e Minayo e Souza (2005).
A queda uma importante causa de morbimortalidade na populao
envelhecida do Brasil. Este evento uma das formas mais comuns de
manifestao no-especfica de doenas agudas entre a populao mais velha
(Paixo Jnior e Heckmam, 2003). Entre os idosos, considerados como populao
vulnervel, a prevalncia de quedas acidentais toma propores cada vez mais
significativas.
A literatura internacional especializada aponta que aproximadamente 30%
das pessoas idosas no institucionalizadas com 65 anos ou mais caem pelo
menos uma vez e cerca de 15,0% caem duas vezes ou mais durante um ano (Stel
et al, 2004). A incidncia de quedas entre idosos saudveis de 15,0%, e metade
dessas pessoas voltam a cair vrias vezes (Masud e Morris, 2001).
A prevalncia de quedas entre pessoas com 60 ou mais anos, de 34,0%
em Santiago/Chile, 33,5% na cidade do Mxico, 29,0% em So Paulo/Brasil,
28,5% em Buenos Aires/Argentina e de 27,0% em Montevideo/Uruguai (Reyes-
Ortiz et al, 2005). Na cidade do Rio de Janeiro, um estudo transversal (Rozenfeld
et al, 2003) realizado com mulheres de 60 anos ou mais de idade, no ano de 1996,
identificou que 23,3% delas havia cado uma vez e 14,0% apresentaram duas ou
mais quedas no ltimo ano.
Em 2005, as hospitalizaes de pessoas com 60 anos ou mais de idade, de
ambos os sexos, por queda, representaram 2,76% de todas as internaes de
idosos no pas. No estado do Rio de Janeiro, o percentual de hospitalizaes por
queda entre os idosos atingiu 3,66% de todas as internaes de idosos no estado
(MS, 2006). preciso levar em considerao que essas foram as quedas mais
graves e que exigiram cuidados hospitalares mais intensos, mas uma grande
parcela desses eventos no leva o idoso a procurar os servios de sade por no
apresentarem seqelas to graves como uma fratura ou algum outro tipo de
ferimento. Alm disso, alguns casos so atendidos em servios de emergncia ou
postos de sade.
Alm da morbidade advinda da queda, a mortalidade entre os idosos por
esta causa externa muito comum e seus registros podem ser encontrados em
diversos estudos j realizados no pas. Fabrcio e cols (2004) mostraram em seu
trabalho, realizado com 50 idosos, que 28% deles faleceram por conseqncias
diretas da queda, entre elas, fraturas e leses neurolgicas. Outro fato a ser
levado em considerao que a maioria dos bitos ocorreu entre as mulheres
(78,5%). Somente no estado do Rio de Janeiro, 441 pessoas idosas morreram por
causa das quedas em 2004 e essas mortes representaram 1,0% de todos os
bitos de idosos no estado. No Brasil, em 2004, as mortes por queda entre os
idosos chegaram a 3.024 e esse percentual representou 0,6% de todas as mortes
de idosos no pas (MS, 2006).
A estabilidade do corpo depende da recepo adequada de informaes
atravs de componentes sensoriais, cognitivos, do sistema nervoso central e
musculoesquelticos de forma integrada. O efeito cumulativo de alteraes
relacionadas idade, doenas e meio-ambiente inadequado parecem predispor
queda (Pereira et al, 2001).
As causas da queda podem estar relacionadas a fatores que podem ser
classificados como intrnsecos e extrnsecos. Os fatores intrnsecos so aqueles
decorrentes de alteraes fisiolgicas do envelhecimento, doenas e efeitos de
medicamentos. Os extrnsecos dependem de circunstancias sociais e ambientais
que oferecem desafios pessoa idosa (Fabrcio et al, 2004).
O envelhecimento traz consigo algumas alteraes fisiolgicas que podem
interferir nas habilidades funcionais das pessoas como dificuldades visuais e
auditivas, distrbios vestibulares e proprioceptivos, aumento do tempo de reao
situaes de perigo, diminuio da sensibilidade dos barorreceptores hipotenso
postural, distrbios msculo-esquelticos: degeneraes articulares, fraqueza
muscular, estilo de vida sedentrio e deformidades dos ps (Pereira et al, 2001).
Segundo Paixo Jnior e Heckmann (2003) o envelhecimento um processo
progressivo, no qual o indivduo apresenta uma tendncia lentido dos
mecanismos de integrao do sistema nervoso central que so importantes para
os reflexos que mantm a postura, e este fato pode predispor o idoso s quedas.
Algumas doenas podem estar relacionadas s quedas por apresentarem
sintomas ou conseqncias que as propiciem. Entre elas podemos destacar as
cardiovasculares (hipotenso postural, crise hipertensiva, arritmias cardacas,
doena arterial coronariana, insuficincia cardaca congestiva, sncope vaso-vagal
e insuficincia vrtebro-basilar), as neurolgicas (hematoma sub-dural, demncia,
neuropatia perifrica, acidente vascular cerebral e suas seqelas, acidente
vascular cerebral isqumico transitrio, parkinsonismo, delirium, labirintopatias e
disritmia cerebral), as endcrino-metablicas (hipo e hiperglicemias, hipo e
hipertireoidismo), as pulmonares (Doena Pulmonar Obstrutiva Crnica e embolia
pulmonar) e as psicolgicas (depresso, ansiedade, demncia, estados
confusionais agudos, medo de cair, negao das limitaes fsicas). Distrbios
psiquitricos (depresso), anemia (sangramento digestivo oculto), hipotermia e
infeces graves (respiratria, urinria, sepse) tambm esto associados ao risco
de cair entre os idosos (Pereira et al, 2001).
Os fatores de risco psicolgicos, apesar de pouco estudados exercem uma
grande influncia na ocorrncia das quedas. Ishizuka (2003) aponta, como causa
das quedas em idosos, a depresso que altera o nvel de ateno, diminui a auto-
confiana, provoca inatividade e indiferena ao ambiente; ansiedade que aumenta
a insegurana e pode causar tonturas, arritmias e dispnia; a demncia que leva a
diversas limitaes cognitivas e tambm pode estar associada depresso e
ansiedade; estados confusionais agudos, responsveis por agitao, alterao da
conscincia, iluses e alucinaes; negao das limitaes fsicas que pode
contribuir para que os idosos ultrapassem seus limites e acabam sofrendo quedas
e por fim, o medo de cair que pode atuar como fator protetor ou um risco quando
causa limitao das atividades e insegurana.
O uso de medicamentos, muito comum entre os idosos, provavelmente pela
coexistncia de doenas crnicas um fator de risco importante para as quedas.
Algumas drogas so especificamente associadas ao grande nmero de ocorrncia
delas como os ansiolticos, hipnticos e antipsicticos; os antidepressivos; os anti-
hipertensivos; os anticolinrgicos; os diurticos; os anti-arritmicos; os
hipoglicemiantes; os antiinflamatrios no-hormonais e o uso de polifrmacos
(Pereira et al, 2001).
Muitos estudos nacionais e internacionais avaliaram grupos de idosos e
estabeleceram alguns fatores mais comumente encontrados entre eles. Dentre
esses fatores podemos citar: idade, sexo feminino, equilbrio diminudo, marcha
lenta e passos curtos, fraqueza muscular dos membros inferiores, capacidade
funcional comprometida, depresso, deficincia cognitiva, doenas crnicas,
fratura anterior, dificuldades visuais, baixa autoconfiana, medo de cair, uso de
sedativos e polifarmcia (Stel et al, 2004; Perracini e Ramos, 2002; Pereira et al,
2001; Perracini, 2000). Para as quedas recorrentes os fatores associados so:
histria prvia de fratura, sexo feminino, estado conjugal (vivos, desquitados ou
solteiros), no referir leitura como atividade de lazer, dificuldades visuais e
dificuldade nas atividades da vida diria (Perracini, 2000).
Os fatores extrnsecos relacionados ao ambiente que circunda a pessoa
idosa, como sua prpria residncia e os locais pblicos que ela freqenta, so
motivos de quedas com graves conseqncias para esses sujeitos.
Existem algumas constataes que devem ser levadas em considerao
quando se fala em idoso e queda. Uma delas que os idosos caem mais em seu
prprio lar do que na rua ou em outros ambientes (Fabricio et al, 2004; Coutinho e
Silva, 2002). Mais de 70% das quedas ocorrem no interior da residncia, sendo
que as pessoas que vivem sozinhas apresentam maior risco (Pereira et al, 2001).
As atividades que os idosos so encarregados de realizar e alguma instabilidade
funcional podem ser os responsveis pela gerao de situaes de risco (Perracini
e Ramos, 2002).
Fatores ambientais podem ter um papel importante em at metade de todas
as quedas. As residncias brasileiras no so preparadas e adaptadas para
atender s necessidades dos idosos e, por esse motivo, as quedas ocorrem com
maior freqncia nesse local. Entre os fatores ambientais que podem levar uma
pessoa idosa a sofrer uma queda esto: iluminao inadequada, superfcies
escorregadias, tapetes soltos ou com dobras, degraus altos ou estreitos,
obstculos no caminho (mveis baixos, pequenos objetos, fios), ausncia de
corrimos em corredores e banheiros, prateleiras excessivamente baixas ou
elevadas, calados inadequados, patologias nos ps, maus-tratos, roupas
excessivamente compridas e via pblica mal conservada, com buracos ou
irregularidades (Pereira et al, 2001).
O maior risco de cair ocorre quando o idoso apresenta vrios fatores de
risco associados. Os fatores intrnsecos e extrnsecos agem de forma
complementar.
As conseqncias das quedas para uma pessoa idosa so um fator de
morbidade considervel, podendo gerar seqelas permanentes e incapacidades.
No estudo realizado por Stel e cols (2004) foi constatado que 35,3% dos idosos
que caram relatam um declnio no estado funcional, 16,7% diminuram suas
atividades sociais e 15,2% da populao do estudo mostraram um declnio em
suas atividades fsicas como conseqncia direta da ltima queda. Os idosos
que sofreram quedas restringem suas atividades devido a dores persistentes,
incapacidades por leses associadas, medo de cair novamente, por atitudes
protetoras das pessoas que os cercam (cuidadores/familiares) ou at mesmo por
aconselhamento de profissionais de sade (Downton, 1998; Fabrcio et al, 2004).
A leso mais freqente em conseqncia das quedas a fratura de fmur
e, novamente, aparece a mulher sofrendo o dobro de fraturas do fmur se
comparada com os homens (Gawryszewski et al, 2004b).
O fato de ter experimentado uma queda com alguma conseqncia, como,
por exemplo, uma fratura, parece atribuir pessoa idosa uma maior
vulnerabilidade a novos episdios de queda, independentemente da freqncia
deles. Por esse motivo que se torna necessrio evitar o primeiro evento e
tambm monitorar os idosos que j caram (Perracini e Ramos, 2002).
Todas essas questes relacionadas s quedas suscitam reflexes sobre
como e em que condies vivem as pessoas idosas que experimentaram esse
evento. A partir de ento, torna-se necessrio uma discusso das questes
relacionadas qualidade de vida no envelhecimento.
2.2. Qualidade de vida no envelhecimento
A noo de qualidade de vida usada no campo da sade como uma
tentativa de compreenso mais abrangente do que seja bem-estar humano e
social.
Assim como a velhice uma experincia heterognea, a qualidade de vida
nesse perodo da existncia humana um fenmeno multidimensional e
multideterminado.
O conceito de qualidade de vida no envelhecimento abrange uma srie de
aspectos como a capacidade funcional e as capacidades adquiridas ao longo da
vida, o nvel socioeconmico, o estado emocional, a interao social, a atividade
intelectual, o autocuidado, o prprio estado de sade, os valores culturais, ticos e
a religiosidade, o estilo de vida, a satisfao com o trabalho, as polticas sociais e
as redes de apoio como o suporte familiar e o ambiente em que o idoso vive
(Vecchia et al, 2005; Camarano, 2003).
O conceito de qualidade de vida pode ser concebido como uma
representao social com parmetros objetivos satisfao das necessidades
bsicas e criadas pelo grau de desenvolvimento econmico e social da sociedade
e subjetivos bem-estar, felicidade, amor, prazer, realizao pessoal (Minayo et
al, 2000). Alm desses parmetros, o conceito tambm inclui critrios de
satisfao individual, bem-estar coletivo, fatores polticos e de desenvolvimento
humano. Em relao sade, as noes se unem em uma resultante social da
construo coletiva dos padres de conforto e tolerncia que determinada
sociedade estabelece, como parmetros, para si (p.10). Segundo Matos (1999),
quanto mais aprimorada a democracia, mais ampla a noo de qualidade de
vida.
A construo de um modelo conceitual multidimensional foi realizada por
Lawton e amplamente conhecido na literatura gerontolgica internacional (Neri,
2001), e contm quatro dimenses conceituais: competncia comportamental,
condies ambientais, qualidade de vida percebida e bem-estar subjetivo.
A competncia comportamental se refere sade, funcionalidade fsica,
cognio, ao comportamento social e utilizao do tempo. avaliada atravs
das atividades de vida diria AVD e das atividades instrumentais da vida diria
AIVD.
Estudos epidemiolgicos apontam que apenas 4% das pessoas com mais
de 65 anos apresentam incapacidade acentuada e 20% apresentam um leve grau
de incapacidade. Depois dos 85 anos, a incapacidade cerca de cinco vezes
maior do que aos 65 anos, e a proporo de idosos com incapacidade moderada
sobe para 46% (Neri, 2001).
A qualidade de vida na velhice tem relao direta com as condies
ambientais que permitem o desempenho de comportamentos adaptativos e
saudveis. Um ambiente fsico propcio, convivncia familiar harmnica e boa
relao com amigos e vizinhos parecem ser fatores responsveis pelo bem-estar
na velhice.
Qualidade de vida percebida um elemento subjetivo e se refere
avaliao que cada pessoa faz sobre seu prprio comportamento, no domnio das
competncias comportamentais.
O bem-estar psicolgico reflete a avaliao pessoal sobre o conjunto e a
dinmica das relaes entre as reas de competncia comportamental, das
condies ambientais e da qualidade de vida percebida. Para a avaliao do bem-
estar subjetivo deve-se considerar: a experincia individual; a avaliao global e a
dos domnios tais como sade fsica e cognitiva, sexualidade, relaes sociais,
relaes familiares, espiritualidade e medidas cognitivas (satisfao) e emocionais
(afetos positivos e negativos).
Outros autores (Xavier et al, 2003) colocam a existncia de fatores internos
e externos que interferem na qualidade de vida de idosos. Os fatores internos
dizem respeito interpretao dos prejuzos e as expectativas a respeito da sade
e, alm desses, a resilincia entendida por esse autor como a capacidade
emocional de reconhecer os fatores estressantes. Segundo Assis e cols (2006)
resilincia se refere capacidade de superao do ser humano frente s
adversidades da vida. Os externos funcionam como fatores que suavizam o
impacto dos eventos negativos e entre eles esto o suporte familiar e os recursos
econmicos.
Vecchia e cols (2005), em uma pesquisa sobre a compreenso do que vem
a ser qualidade de vida para os idosos, encontraram diversos fatores que
influenciam a vida no sentido de uma boa qualidade. So eles: relacionamentos
interpessoais, boa sade fsica e mental, bens materiais (casa, carro, salrio,
acesso a servios de sade), lazer, trabalho, espiritualidade, honestidade e
solidariedade, educao (ao longo da vida) e ambiente favorvel (sem poluio e
sem violncia). Esses fatores tambm so confirmados por outros autores (Koo et
al, 2004; Xavier et al, 2003; Hwang et al, 2003).
Souza e cols (2003), citando Martin e Stockler (1998), afirmam que para
compreender este tema deve-se basear na distncia existente entre as
expectativas individuais e a realidade. Quanto menor for essa distncia, maior a
qualidade de vida.
Embora no haja um consenso acerca da definio de qualidade de vida, a
Organizao Mundial de Sade (OMS, 1998) considera que a subjetividade, a
muldimensionalidade e as dimenses positivas e negativas so aspectos
fundamentais para a compreenso deste construto.
O desenvolvimento desses aspectos levou definio de qualidade de vida
como a percepo do indivduo de sua posio na vida no contexto da cultura e
sistema de valores nos quais ele vive e em relao aos seus objetivos,
expectativas, padres e preocupaes (WHOQOL GROUP, 1994: 45).
Captulo 3.
Caracterizao da rea e dos sujeitos
3.1. O Complexo de Manguinhos
Manguinhos, inicialmente, era uma rea constituda de chcaras e fazendas rurais que
abasteciam o centro urbano. Sua ocupao acompanhou o processo de transformao
urbana que teve incio a partir de 1886 com a implantao da Estrada de Ferro da
Leopoldina e, logo depois, com a criao da Fundao Oswaldo Cruz/FIOCRUZ. A
partir de ento houve uma ocupao desordenada da regio que se acelerou nas dcadas
de 50 e 60, com a poltica de remoo das favelas do centro da cidade e prximas zona
Sul para a rea estudada (Bodstein et al, 2001).
A regio de Manguinhos est situada na Zona Norte do Municpio do Rio de
Janeiro. Faz parte do IV Distrito Sanitrio, antiga rea de planejamento 3.1 e est
localizada ao longo da Estrada de Ferro Leopoldina (Valla et al, 2005). formada
por 12 comunidades: Conjunto Habitacional Provisrio/CHP2, Conjunto Ex-
Combatentes, Conjunto Nelson Mandela, Conjunto Samora Machel, Mandela de
Pedra (I e II), Parque Carlos Chagas, Parque Joo Goulart, Parque Oswaldo Cruz,
Varginha, Vila Turismo, Vila Unio Cabo Verde e Vitria de Manguinhos.
Sua populao atual de aproximadamente 50.000 habitantes, sendo que
51,6% so pessoas do sexo feminino. Possui cerca de 12.000 domiclios, sendo
que 70% deles so assentamentos regulares e os demais 30% esto construdos
em reas consideradas irregulares, provisrias ou de risco (Bodstein et al, 2001).
De acordo com Bodstein e cols (2001) a rea do Complexo de Manguinhos
abriga uma extensa populao em condies de pobreza e misria. Dados do
ndice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Rio de Janeiro a classificaram na
155 posio entre os 161 bairros do municpio, e a renda per capta de seus
moradores fica em torno de R$ 148,00. Alm disso, cerca de 45% da sua
populao economicamente ativa encontra-se no mercado informal de trabalho.
At hoje, esses espaos concentram grandes e graves insuficincias,
precariedades e ausncia de infra-estrutura urbana e de servios pblicos de
educao, sade, cultura, lazer e segurana pblica.
importante chamar a ateno para o fato de que o Complexo de
Manguinhos no uma regio homognea, onde todos os moradores partilham
das mesmas condies de vida. Essa regio marcada por profundas diferenas
e contrastes socioeconmicos, embora o denominador comum do ambiente seja
indiscutivelmente a pobreza.
Segundo dados de um relatrio de Notas Tcnicas da prefeitura do
Municpio do Rio de Janeiro (2003), Manguinhos apresenta uma taxa de
alfabetizao de 82% de sua populao, considerada baixa em relao mdia
dos outros bairros da cidade (93%). A populao com escolaridade superior de
cerca de 3,2%, muito inferior se comparada mdia do municpio (18,2%).
Embora morando na mesma cidade a populao de Manguinhos vive em mdia
7,8 anos menos do que a populao residente no municpio do Rio de Janeiro. A
expectativa de vida em Manguinhos 57,4 anos, mdia bem menor comparada
aos 65,2 anos esperados para a populao do Rio de Janeiro.
A palavra favela, historicamente, surgiu ainda no sculo XIX para nomear
uma forma de habitao popular construda nas encostas do Rio de Janeiro. A
populao desses locais era constituda, em sua maioria, por ex-escravos que
antes viviam nos cortios no centro da cidade (Burgos, 2005).
Ainda de acordo com Burgos (2005) a palavra favela foi incorporando
gradativamente uma conotao negativa muito distinta de sua funo original que
era de descrio de um espao e assumindo uma dimenso sociocultural. O
vocbulo passou ento a designar um espao marcado pela ausncia dos
referenciais da cidade: urbanicidade, higiene, tica do trabalho, progresso e
civilidade.
Um sintoma dos espaos tpicos das favelas a existncia dos donos do
lugar, de gangues de traficantes de drogas e armas (Burgos, 2005). Burgos
(2005) traz uma importante contribuio quando afirma que essas comunidades
tm uma vocao para o desenvolvimento de organizaes socioculturais,
enraizadas na vida local. Nessas organizaes existem autoridades informais
locais, legitimadas por identidades coletivas territoriais e que podem ser de
natureza legal ou ilegal, como o caso do narcotrfico que negocia at mesmo o
acesso da favela aos bens pblicos da cidade.
Com graves problemas habitacionais e ambientais, Manguinhos constitui
um enorme desafio administrao pblica. Sem dvida, nesse cenrio existe
uma falncia das polticas pblicas (nos nveis federal, estadual e municipal) em
suprir essas comunidades com infra-estrutura de servios sociais pblicos de
qualidade, recuperando os dficits existentes, e com planejamento para suprir as
necessidades de forma a integrar essas comunidades ao conjunto de bairros da
cidade (Bodstein et al, 2001).
Em uma Pesquisa de Percepo da Populao realizada pelo Plano
Estratgico 2001-2004, da Prefeitura do Municpio do Rio de Janeiro, os
moradores apontaram as debilidades da regio e, conseqentemente, prioridades
para a atuao. Em sua avaliao, colocaram o enfrentamento violncia e
criminalidade como questo prioritria, seguida pelas necessidades de servios de
sade, saneamento e de transporte.
As comunidades de Manguinhos tm uma relao com a FIOCRUZ que
envolve vrios projetos que incluem atividades de pesquisa e ensino. Muitos
estudos foram promovidos em seu meio devido s suas condies de proximidade
geogrfica com essa instituio de Sade Pblica. A FIOCRUZ possui no seu
interior uma unidade de sade que se destina ao atendimento sade da
populao da rea.
No estudo realizado por Bodstein e cols (2001), por meio de um diagnstico
rpido participativo, a populao de Manguinhos apresentou demandas e
expectativas que revelaram suas reais dificuldades. Em primeiro lugar explicitaram
sua preocupao com a profissionalizao dos jovens que convivem com uma alta
taxa de desemprego e ociosidade, levando-os a estar numa fronteira tnue entre a
desocupao, subemprego, desemprego e a influncia do trfico. Outras
demandas identificadas e j apontadas, na pesquisa de Percepo realizada pela
Prefeitura do Rio de Janeiro, estiveram relacionadas aos servios de sade no
interior da comunidade, reas de lazer, ampliao e melhoria da infra-estrutura
urbana (reurbanizao e saneamento).
Valla e cols (2005), numa pesquisa que utilizou como instrumento de coleta
de dados uma Ouvidoria Coletiva com grupos populares em Manguinhos,
apontaram mltiplos problemas enfrentados por seus moradores. A falta de
alimento, que muitas vezes conseguido atravs de sobras recolhidas na Central
de Abastecimento da Guanabara e pelas crianas, por meio da merenda escolar;
a precariedade das habitaes, sem segurana e higiene; a violncia e a
influncia do trfico de drogas, que impem sua prpria poltica habitacional, de
segurana e de regulao da vida na comunidade. Tambm foram ressaltados
problemas como a falta de higiene, o uso de drogas (sobretudo cola de sapateiro e
maconha) para enganar a fome, e de mes que deixam de levar seus filhos ao
mdico pois no podem faltar ao emprego, considerados pelos moradores como
importantes determinantes de agravos sade.
No perodo de dezembro de 2002 a novembro de 2003, foi feito um estudo com
234 pessoas com 60 ou mais anos, residentes em Manguinhos, pela
organizao no governamental Grupo de Estudos sobre Envelhecimento e
Sade do Idoso/GENESIS. Destes, 63,2% estavam na faixa dos 60 a 69 anos;
76,3% eram do sexo feminino; 34,2% possuam renda familiar de 1 a 3 salrios
mnimos; 42,1% eram vivos. Os dados mostraram que cerca de 16% (38
idosos) haviam sofrido algum tipo de violncia fsica (38%), psicolgica (23%)
ou material (23%). Dentre os que sofreram algum tipo de violncia 25% no
participavam de qualquer grupo social. A presena de comorbidades tambm
apareceu como fator predisponente violncia, pois 96% das suas vtimas
apresentavam vrios problemas de sade associados. A pesquisa concluiu que
a insero dos idosos em grupos, a utilizao da rede informal de apoio e a
criao de uma rede formal de proteo podem contribuir, de forma
significativa, para a melhoria da qualidade de vida do idoso em favelas,
diminuindo o risco de exposio violncia (Gnesis, 2003).
Mais recentemente, Manguinhos tem sido alvo de um movimento
denominado Agenda Redutora de Violncia. Trata-se de um programa
interinstitucional, criado em 2005, que alm da diminuio da violncia, visa a
revitalizao da rea, atravs da criao de espaos de lazer e de projetos sociais
extremamente ausentes nestas comunidades. Surgiu da reivindicao de seus
moradores junto a vrios rgos instalados nas proximidades da rea, dentre os
quais a FIOCRUZ, a Empresa Brasileira de Telecomunicaes/EMBRATEL, a
Empresa Brasileira de Correios, a Linha Amarela SA -LAMSA, entre outras.
O dirio de campo, feito durante as visitas em Manguinhos, registrou as
impresses das pesquisadoras sobre as condies locais de infra-estrutura e
ausncia de servios pblicos. As primeiras ruas que do acesso favela
possuem calamento, mas no interior da comunidade as ruas so muito estreitas e
sem pavimentao, com muitos buracos, entulhos e lixo amontoados e em dias de
chuva, a lama uma dificuldade a mais para transitar nesses locais.
Apesar da sensao de insegurana, que se tem logo ao entrar na
comunidade, devido s pessoas que disfaradamente procuram analisar o
visitante, existe uma estranha normalidade no local, como se aquele fosse um
bairro como qualquer outro, com mais mazelas, mas com vida prpria. No seu
interior, Manguinhos possui comrcio prprio, pessoas transitando a p, de moto
ou carro, crianas brincando nas ruas, idosos sentados nas portas das casas e em
atividades de sua vida diria. Entre um confronto (tiroteio) e outro, entre os
narcotraficantes, a vida corre dentro da normalidade possvel.
3.2. Caracterizao das idosas
Foi aplicado um questionrio a 37 idosas, das quais 43,2% estavam na
faixa etria de 60 a 69 anos, 37,8% de 70 a 79 anos e 18,9% com 80 a 91 anos.
No grfico 1 v-se que a escolaridade desse grupo baixa, refletindo um
pouco o nvel de ensino formal alcanado pela populao da rea. Mais da
metade das idosas entrevistadas sequer concluiu o ensino fundamental. O ndice
de analfabetismo tambm alto, abrangendo 23,3% delas.
A proporo de idosas analfabetas nesse grupo maior que a da
populao geral de Manguinhos com mais de 25 anos de idade, que apresenta
10,6% de pessoas analfabetas e de analfabetos do municpio do Rio de Janeiro
que de 4,9% (Censo IBGE, 2000). Por outro lado, Dados da Pesquisa Nacional
por Amostra de Domiclios/PNAD de 1998 apontam que 41,9% das mulheres
idosas brasileiras so analfabetas (Parahyba et al, 2005) e, nesse caso, a
proporo de idosas analfabetas no grupo estudado menor que a da populao
geral.
Ao contrrio das idosas de Manguinhos, entre os idosos de Porto Alegre
que participaram de um estudo, apenas 5,6% so analfabetos; 53,8 fizeram o
ginasial, 10% o secundrio e 10% o curso superior (Grossi e Souza, 2003). Em um
grupo de idosos de Portugal, o ndice de analfabetismo no ultrapassa os 12% e
apenas 15% deles freqentaram o Ensino Mdio (Sousa et al, 2003).
21,6%
54,1%
24,3%Analfabeto
Fundamental Incompleto
Fundamental Completo
Grfico 1: Distribuio proporcional das idosas segundo grau de escolaridade.
Manguinhos, 2005
Apenas 8,1% das idosas fizeram algum curso profissionalizante, enquanto
91,91% nunca o fizeram. Ao observar a tabela 2, onde se encontram as principais
atividades exercidas ao longo da vida, fica claro a falta de melhor capacitao
profissional, aliada baixa escolaridade j mencionada, pois tratam-se de
atividades que no requerem maiores qualificaes e que, conseqentemente,
so pouco remuneradas.
As principais atividades laborais exercidas so as do lar (35,1%),
empregada domstica (24,3%), costureira (8,1%) e bab (8,1%). Convm ressaltar
que muitas das atividades abaixo no so mais exercidas.
Tabela 2: Distribuio das idosas segundo principal atividade exercida. Manguinhos, 2005
ATIVIDADE N %
Do lar 13 35,2 Empregada domstica 9 24,3
Costureira 3 8,1 Diarista 3 8,1 Bab 2 5,4 Passadeira 2 5,4 Cozinheira 1 2,7 Lavadeira 1 2,7 Companhia de limpeza 1 2,7 Marcineira 1 2,7 Vendedora 1 2,7 Total 37 100,0
Perguntadas sobre a cor da pele, 78,3% das idosas responderam que so
pardas ou negras, 18,9% se consideram brancas e houve ainda uma proporo de
2,7% que informaram ser de outra cor.
Outro dado investigado foi a situao conjugal. Em relao a essa condio
62,2% das idosas disseram que no possuem um cnjuge, enquanto 37,8%
afirmaram que sim. Apesar disso, por uma dificuldade de entendimento da
questo ou porque elas moram com o companheiro, mas no vivem maritalmente
com ele, uma proporo maior de idosas (40,5%) afirmam morar com o cnjuge,
outros 40,5% vivem com os filhos, 40,5% convivem com netos e 2,5% com noras.
Importa destacar que 16,2% delas moram sozinhas. Estes dados esto em
conformidade com a PNAD de 1998 que revelou que 14,8% das mulheres idosas
vivem sozinhas no Brasil (Lima-Costa et al 2003b).
As mulheres, em geral, tm uma esperana de vida maior que os homens,
que por sua vez se casam mais tardiamente e tm maior facilidade de
recasamento (Lebro, 2003). Por esse motivo, comum a predominncia de
mulheres vivas entre a populao idosa.
Entre os idosos de Porto Alegre 21,3% vivem sozinhos e 78,7% moram com
a famlia (Grossi e Souza, 2003). Em Joo Pessoa, 14,8% dos idosos vivem
sozinhos, 27,3% com seus cnjuges e 55,5% com outros familiares (Santos et al,
2002). Um estudo realizado em Portugal identificou que 65,9% dos idosos moram
com a famlia e 21,2% vivem sozinhos (Sousa et al, 2003).
Diante dos dados acima comparados, percebemos a existncia de menores
propores de idosos sozinhos e maiores propores vivendo com familiares
em Joo Pessoa. Por outro lado, h mais idosos vivendo com cnjuge no Rio
de Janeiro. Certamente essas diferenciaes passam por caractersticas scio-
demogrficas e culturais das cidades aqui consideradas, indicando que em uma
cidade menor como Joo Pes
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