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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA
CURSO DE MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Representações sociais e organização do poder político:
A engenharia social do federalismo no Brasil Império
DISSERTAÇÃO APRESENTADA À ESCOLA BRASILEIRA DE
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE
MESTRE EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
AUGUSTO PAULO GUIMARÃES CUNHA
Rio de Janeiro, 2001
1
FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA
CURSO DE MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Representações sociais e organização do poder político:
A engenharia social do federalismo no Brasil Império
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO APRESENTADA POR
AUGUSTO PAULO GUIMARÃES CUNHA
E APROVADA EM
PELA COMISSÃO EXAMINADORA
_______________________________________________________________
Orientadora: Profa. Deborah Moraes Zouain, Doutora em Engenharia da
Produção
_______________________________________________________________
Prof. Paulo Emílio Matos Martins, Doutor em Administração
_______________________________________________________________
Profa. Maria Celina Soares D'Araújo, Doutora em Ciência Política
2
SUMÁRIO Introdução 8
Capítulo 1: Descentralização e Representações Sociais 14
Capítulo 2: Semeadores e Mascates 26
Capítulo 3: Os Pais Fundadores 34
Plantando Instituições 34
Os Semeadores 46
Capítulo 4: O Governo do Príncipe 53
Entre o Príncipe e o Povo 53
Os Senhores do Estado 60
Legisladores e Juízes 66
Capítulo 5: Governo do Povo 69
A Sociedade dos Homens Bons 69
O Pêndulo do Poder 73
Capítulo 6: A Ponte de Ouro 80
Conclusões 92
Bibliografia 99
3
QUADROS
QUADRO 1: EVOLUÇÃO DOS ESPAÇOS DE PODER DECISÓRIO
RELATIVOS A ALGUMAS QUESTÕES BÁSICAS DO IMPÉRIO 66
QUADRO 2: BRASIL - RECEITAS POR NÍVEL DE GOVERNO (1856-1886) 83
4
AGRADECIMENTOS
Uma dissertação é um artefato cultural. De um lado, surge como trabalho
de um determinado indivíduo, espelhando sua biografia e as representações do
grupo social ao qual pertence. De outro, imerge nas relações de cooperação e
conflito com uma multiplicidade de outras pessoas e grupos. Dimensões que se
interpenetram a tal ponto que se torna difícil discernir quem fala e em que
momentos.
A todos aqueles com quem compartilhei a construção deste artefato, deixo
a certeza de que serão guardados “do lado esquerdo do peito”: membros da
banca, amigos de Mestrado, companheiros da Administração Pública estadual,
participantes de grupos de debate, alunos e familiares. Dedico esta dissertação, no
entanto, ao Professor Frederico Lustosa da Costa. Pensei em muitas palavras para
agradecer a este cearense que, trazendo na alma a valentia e o espírito
empreendedor dos homens do Nordeste, consegue combinar a inteligência
acadêmica, a verve crítica e, principalmente, o amor ao Brasil e a sua
transformação em terra de justiça, liberdade e democracia. Sem o Professor
Frederico, eu não teria encontrado o estímulo intelectual e a amizade
indispensáveis para realizar essa obra.
Não podem ser atribuídos ao Professor Frederico, nem aos membros da
banca, os dasacertos que porventura venham a ser observados. Eles são o fruto
de um pensamento que, apesar dos bons conselhos, teima, não raro, em seguir os
descaminhos do orgulho.
Fica, por fim, o convite para que outros intelectos mais hábeis continuem se
dedicando a pesquisar a formação social e política brasileira, tentando
compreender suas singularidades e os meios que viabilizem a visão de futuro
5
inscrita no Preâmbulo da Constituição de1988:
“instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social”.
6
RESUMO
A pesquisa aqui empreendida procurou verificar de que modo as
representações do mundo social podem influenciar as escolhas no tocante à
modelagem de sistemas políticos, especialmente na divisão e organização de
poder entre o governo central e os governos subnacionais. Estudou-se a história
dessas escolhas no Brasil durante o período 1822-1889, quando a questão do
federalismo esteve estreitamente articulada com a solução de problemas decisivos
para a conformação do Estado e da Nação brasileiros. Utilizou-se como referencial
teórico a abordagem das representações sociais desenvolvida por sociólogos,
historiadores e psicólogos sociais franceses, a qual privilegia a articulação entre a
subjetividade dos agentes e as estruturas sociais. O estudo permitiu concluir que
as práticas relacionadas ao federalismo, durante o período analisado, só adquirem
sentido quando examinadas a partir de uma rede de representações
compartilhadas a respeito do Estado, da Sociedade e das relações que devem
vigorar entre eles.
ABSTRACT
This research has verified by which way the representations of the social
world can influence choices, referring to political systems models, specially on the
power division and organization among central and undernational governments.
We studied the history of these choices during the period between 1822-1889,
when the question of federalism was closely articulated with problem solutions that
were decisive to the construction of the Brazilian State and Nation. Theoretical
reference was the approach of social relations developed by French sociologists,
historians and psychologists which privilege the articulation between the agents
7
and the social structures. The study has allowed the conclusion that the practices
of federalism, during the analyzed period just make sense if they are examined
from a network of representations shared by the politic leading circles in reference
to de State, the Society and the relations that must exist between them.
8
Introdução
A descentralização político-administrativa voltou a ser, nos últimos anos,
objeto de intenso e apaixonado debate no Brasil e em outros países da América
Latina. As reações despertadas pelo tema acompanham os esforços para criar
instituições capazes de democratizar as relações Estado – Sociedade.
Em decorrência disso, descentralizar transformou-se em bandeira de
variadas correntes de pensamento social e político, adquirindo conotações
bastante divergentes. Neste estudo, descentralização foi considerada como o
conjunto de discursos e práticas que visam organizar o Estado de modo a
“aumentar o poder, a autonomia de decisão e de controle dos recursos, as
responsabilidades e as competências das coletividades locais, em detrimento do
Estado central” (Mattos,1989:59).
No Brasil, a controvérsia em torno do binômio
centralização/descentralização tem longa história. A polêmica alcançou o auge no
século XIX, durante a fase de construção do Estado nacional, e vem sendo
retomada, com variada intensidade, nos momentos em que se procura elaborar
novas instituições políticas, como os assinalados pelas Constituições de 1891,
1934, 1937, 1946, 1967 e 1988. A coincidência indica que a controvérsia está
diretamente vinculada às lutas entre os diferentes grupos sociais para impor
determinados modelos de organização do Estado e de suas relações com a
Sociedade.
Examinar a lógica interna de construção desses modelos, perscrutando as
crenças e valores que a orientam, torna-se, assim, passo imprescindível para a
definição de parâmetros que permitam avaliar as potencialidades e os limites das
9
instituições que objetivam conformar o mundo social brasileiro.
Partindo desse pressuposto, a pesquisa aqui empreendida constituiu uma
tentativa de obter respostas para as seguintes perguntas: como as crenças dos
dirigentes políticos a respeito do mundo social podem influenciar suas decisões em
favor da centralização ou da descentralização? Como são construídas essas
crenças? Quais os seus conteúdos e que indícios podem oferecer quanto a outras
escolhas, relativas à liberalização e ampliação da sociedade política?
Em face desses questionamentos, optou-se por investigar o debate travado
entre os fundadores do Estado nacional brasileiro, ao longo do século XIX, a
respeito do dilema centralização/descentralização. A pesquisa tentou identificar as
crenças e valores dos principais protagonistas do debate, verificar as condições
sociais e históricas nas quais o debate se inseria, bem como identificar como seus
termos se articulavam com outras preocupações concernentes à modelagem do
sistema político.
A dissertação buscou, portanto, desvendar o que se pode denominar
"estruturas estruturantes" (Bourdieu,1987: xxxix) da cultura política dos dirigentes
do Império e a conexão desta com suas práticas. Procurou também investigar as
expectativas, crenças e valores envolvidos no “processo social de ensaio e erro,
de confrontações e negociações, de acumulação de experiência política” que
“resultou no Estado e nação brasileiros” (Jancsó,1999:13).
Ao menos dois fortes argumentos podem ser apresentados para justificar a
decisão de focalizar o estudo no século XIX. Em primeiro lugar, foi o momento em
que os grupos dominantes na sociedade política brasileira precisaram enfrentar
problemas fundamentais, continuamente repostos, em diferentes momentos, nas
relações Estado/Sociedade: como delimitar as esferas de ação pública e privada e
10
quais devem ser as conexões entre ambas? A quem cabe a representação da
soberania popular? Quem deve integrar a sociedade política e como ela se articula
com a sociedade civil e o governo? Como delimitar os assuntos de interesse geral
e local e promover o atendimento equilibrado de ambos?
Em segundo lugar, o século passado oferece a oportunidade de entender
possíveis linhas de continuidade e ruptura no pensamento das elites políticas do
Brasil, seus efeitos sobre as invenções institucionais, os limites de tais criações e
as razões para a sua falta de efetividade ou credibilidade.
A ótica aqui adotada contrapõe-se, assim, àquela que pretende reduzir o
papel dos estudiosos da Administração Pública unicamente à pesquisa e
prescrição de instrumentos gerenciais, capazes de tornar as ações estatais mais
eficientes e eficazes. Essa forma de conceber o saber administrativo deriva de um
voluntarismo ingênuo, a partir do qual a realidade é entendida como um dado,
passível de livre e calculada manipulação, e não como uma construção, em boa
parte imaginária:
“Idéias se convertem em práticas sociais, que se congelam em instituições, e que, por costume e rotina, adquirem a inércia da objetividade. O mundo cotidiano é o mundo da reificação, metamorfoseado em sistema de relação entre coisas, comportamentos e hábitos. O homem do cotidiano toma o concreto aparente como medida suprema da realidade, e quanto mais prático, expediente e experiente intenta ser, mais na verdade se deixa capturar por imemoriais abstrações, cuja origem ignora” (Santos,1978:9).
A investigação baseou-se em um referencial teórico que privilegia a
interdependência entre as práticas dos atores políticos e as representações que
construíram sobre o mundo social: os estudos desenvolvidos por sociólogos,
historiadores culturais e psicólogos sociais franceses, que assumiram o desafio de
“ligar a construção discursiva do social e a construção social do discurso”
(Chartier,1994:109).
11
A escolha desse referencial teórico pretendeu evitar as lacunas produzidas
seja por um enfoque objetivista, no qual se desdenha a importância das idéias e
percepções dos sujeitos políticos, seja por um caminho subjetivista, no qual se
superestimam a visão e vontade dos mesmos sujeitos, desvinculando-as das
formações sociais que, de um lado, incitam sua criação e aceitação como
orientadoras das práticas coletivas, de outro, são por elas influenciadas.
A pesquisa teve caráter bibliográfico e histórico. Os dados e informações
necessários ao seu desenvolvimento foram coletados em livros e periódicos, a fim
de elaborar o referencial teórico, retratar o ambiente político, social e econômico
do período estudado e obter elementos de análise para a interpretação dos
discursos e práticas dos atores políticos.
O discurso dos atores foi coletado em obras produzidas diretamente por
alguns deles ou em fontes secundárias. No caso destas, só foram utilizadas
quando remetiam às fontes originais. A fala dos atores foi analisada à luz das
sugestões oferecidas pela bibliografia consultada sobre o pensamento social e
político da época.
A seleção dos atores, cujo discurso seria merecedor de apreciação, levou
em conta o parecer dos contemporâneos e da historiografia especializada sobre
sua capacidade de efetivamente influir nas decisões e nos modos de pensar da
elite dirigente, durante aquela fase de formação do Estado Nacional brasileiro.
A investigação ocupou-se exclusivamente com as representações
hegemônicas entre a elite política do Império. Esse aspecto constitui certamente
uma limitação, especialmente no tocante a uma análise mais acurada dos conflitos
representacionais com outros grupos e da repercussão desse conflito na
engenharia institucional da época. A lacuna não prejudica, no entanto, a
12
substância da pesquisa, pois coube à referida elite papel decisivo na organização
do poder no Brasil, durante o período estudado.
Considerou-se “elite política” o grupo minoritário de pessoas habilitadas a
tomar as principais decisões concernentes à construção do Estado Nacional e
constituído, no caso brasileiro, “pelas pessoas que ocupavam os cargos do
Executivo e do Legislativo, isto é, além do imperador, os conselheiros de Estado,
os ministros, os senadores e os deputados” (Murilo de Carvalho,1996:43).
No Capítulo 1, discute-se o papel das representações sociais na formação
das crenças políticas e como se compreende, nos estudos desenvolvidos a
respeito, a ligação entre sistemas de crenças e as estruturas sociais.
No Capítulo 2, procura-se investigar a gênese das representações da elite
imperial sobre o mundo social, relacionando-as com as escolhas feitas, ao longo
do Brasil Colônia, para promover a ocupação, administração e exploração
econômica do território. Segue-se, no Capítulo 3, o exame da gradual formação
dessa elite, baseada mais no monopólio do capital intelectual que do capital
econômico, e as linhas de continuidade e de ruptura de seu pensamento e prática
com a herança colonial.
O Capítulo 4 é voltado para o conflito entre os grupos componentes da elite
a respeito da organização do Governo, tendo como foco a luta entre o Monarca e o
Parlamento e as disputas para traçar linhas de fronteira entre os interesses locais,
regionais e nacionais. No Capítulo 5, analisam-se os arranjos de poder entre os
governos nacional e subnacionais e o modo como influíram nas decisões
concernentes à cidadania. O desenho de um Estado fundado no compromisso
entre o poder público e os poderes privados, bem como as conseqüências desse
compromisso no tocante à estabilidade institucional e à democratização da
13
sociedade, são objeto do Capítulo 6.
Conforme recomendado pela perspectiva das representações sociais, o
trabalho de pesquisa buscou visualizar os fatos como os sujeitos políticos da
época os viam, deixando-os falar. Cabe ainda ressaltar que o estudo
empreendido não teve a intenção de ser um mero exercício de história.
Constituiu uma tentativa de investigação arqueológica das representações dos
grupos dirigentes do Brasil, na suposição de que se o Brasil parece continuar
sempre o mesmo, apesar de tantas mudanças, uma explicação plausível pode
residir na continuidade de velhas concepções sobre o mundo social.
14
Capítulo 1
Descentralização e Representações Sociais
A antinomia centralização/descentralização contempla um conjunto de
conteúdos complexos, forjados ao longo das transformações que assinalaram a
transição, na Europa ocidental, da ordem medieval para a ordem burguesa.
Transição envolvendo rupturas e continuidades nas formas de conhecer,
interpretar e organizar o mundo social, bem como nos arranjos quanto à
distribuição e legitimação do poder.
As mudanças, no campo político, assumiram a forma de um duplo processo
de construção - o das teorias contratualistas e o dos Estados nacionais - cujo
entrelaçamento originou a moderna concepção do Estado como ente que detém a
soberania sobre a população de um determinado território e exerce sua autoridade
mediante regulamentos legais. A construção desse tipo de Estado envolveu,
fundamentalmente, a hierarquização do poder, mediante a subordinação das
antigas esferas autônomas de jurisdição regional e local a uma jurisdição que,
assim se supunha, expressava os interesses gerais da coletividade, bem como a
institucionalização de mecanismos que visavam proteger os cidadãos contra a
arbitrariedade do Estado.
Essa perspectiva histórica ajuda a evitar o uso dos conceitos de
centralização e descentralização como se fossem “tipos ideais, desvinculados de
uma realidade histórica concreta” e “de um projeto global de sociedade”,
remetendo seu estudo à investigação das crenças e valores dos diferentes grupos
sociais envolvidos no esforço de construir o Estado-Nação (Ternavasio,1989:81).
15
Nessa ótica, tais conceitos passam a ser compreendidos como
representações socialmente construídas que, para os indivíduos e grupos
envolvidos, só adquirem sentido enquanto aspectos de um “mesmo conjunto de
representações inter-subjetivas sobre o Estado”, acompanhadas ou entrelaçadas
com outras representações que dizem respeito às relações entre Estado e
Sociedade (Felicissimo,1992:7).
A influência das crenças e valores coletivos no que respeita a preferências
e escolhas institucionais é reconhecida há bastante tempo entre os filósofos e
cientistas sociais, em meio a profundas divergências quanto ao modo pelo qual
são formados tais crenças e valores e de como se articulam com as práticas dos
sujeitos políticos. Um marco nesse debate é o conceito de ideologia, tal como
formulado por Karl Marx.
A concepção de Marx sobre ideologia assume duas etapas. Na primeira,
correspondente ao que se convencionou rotular de “jovem Marx”, o termo designa
uma falsa compreensão da realidade, derivada dos processos sociais de
produção. Essa falsa consciência, fruto da base material da sociedade, teria como
função legitimar as relações sociais de exploração capitalista, podendo ser
desmistificada pelo confronto com a realidade. Em uma etapa posterior,
relacionada ao exame da forma fetichista da mercadoria, Marx avançaria para a
concepção de que a própria realidade, coberta pelo véu da aparência, não poderia,
tomada por si só, funcionar como instrumento de ruptura da máscara ideológica.
A máscara seria retirada apenas à medida que, para além do mundo
sensível, se descortinasse as relações de dominação de classe e o antagonismo
entre as classes, desapreendidas pela própria classe dominante em sua visão de
mundo. A tarefa crítica consistiria em mostrar “nas formas aparentes a ausência
16
das formas reais, recuperando as relações sociais de produção que foram
expulsas da forma aparente. Ou seja, buscar a linguagem social oculta na
manifestação aparente” (Rouanet,1987:102).
De acordo com esta última perspectiva, uma visão particularista da
realidade torna-se, simultaneamente, produto das relações sociais e força
modeladora da realidade, via superestruturas religiosa, jurídica e política. Infra-
estrutura e superestrutura interagem, produzindo-se e reproduzindo-se
mutuamente. A ideologia deixa, assim, de constituir mero subproduto das formas
de produção material e das relações sociais dela decorrentes, para exercer um
papel ativo na construção das condições de preservação e continuidade de uma
determinada formação social.
A possibilidade aberta por Marx para a compreensão de um papel ativo das
crenças e valores coletivos foi aprofundada por Gramsci. Para ele, a estabilidade
de um modo de produção dependeria, principalmente, de um esforço programado
da classe dominante, através das instituições componentes da sociedade civil,
para disseminar sua visão de mundo, transformando-a em visão consensual. A
rede de instituições responsáveis pela disseminação e internalização das crenças
e valores da classe dominante seria composta pela Igreja, escolas, meios de
comunicação social, literatura popular e sistema de representação política
(Eagleton,1996:195-200).
Althusser (1996) retomaria a concepção gramsciana em seu conceito de
Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE), instituições especializadas em inculcar a
ideologia dominante, em todos os membros da sociedade, visando a reprodução
das relações sociais de dominação. Nos AIE, a ideologia se materializa, deixando
de ser apenas um conjunto de crenças, conceitos, símbolos e valores, com sua
17
própria lógica interna, para tornar-se ritual, parte integrante das práticas cotidianas
e condutora/modeladora das ações individuais e coletivas.
A percepção althusseriana, portanto, avança no sentido de entender o
sistema de crenças como parte da estrutura orientadora da vivência cotidiana dos
indivíduos e grupos em quaisquer formações sociais concretas. O sistema constrói
os sujeitos sociais, na medida em que lhes permite afirmar sua identidade, ao
mesmo tempo em que determina os limites de suas ações. As ideologias, para
Althusser, “encerram de fato uma espécie de conhecimento, mas não são
basicamente cognitivas, e o conhecimento em questão é menos teórico do que
pragmático, orientando o sujeito em suas tarefas práticas na sociedade”
(Eagleton,1997:30).
A análise das ideologias promovida pelos marxistas realça a importância de
examinar crenças e valores específicos a partir do universo composto pelas
estruturas vigentes em determinada formação social. Além disso, ressalta o papel
dessas crenças e valores na conduta individual e coletiva, reforçado por
instituições encarregadas de produzi-las e disseminá-las.
Assim sendo, uma análise centrada apenas no conteúdo lógico-formal do
discurso ideológico, referenciando-o por critérios de verdade/ falsidade, em nada
contribuiria para esclarecer essa ideologia. A ideologia, por sua função primordial
de defensora de interesses de classe e legitimadora de formas específicas de ação
social, só poderia ser compreendida no contexto da formação social-histórica em
que se origina e a qual procura modelar.
O conceito de ideologia apresenta, no entanto, várias dificuldades
epistemológicas e operacionais. Boudon e Bourricaud (1993:275-280) chamam a
atenção para a ambigüidade do conceito e para a aporia a que conduz, pois a
18
crítica de uma ideologia teria como pressuposto a possibilidade de o crítico dispor
de um lugar epistemológico privilegiado, isento de influências do meio social, o
que, de acordo com o próprio conceito, implicaria uma postura falsamente neutra e
orientada pela ideologia.
As dificuldades de uma crítica da ideologia são, além disso, realçadas por
uma outra conotação do conceito: todas as categorias de pensamento, ou seja a
totalidade da ordem simbólica, são determinadas pela necessidade de ocultar e
legitimar as relações de poder e exploração inerentes à base material da
sociedade. As estruturas sociais tornam-se, assim, os verdadeiros autores da
história, relegando-se aos homens concretos o papel de coadjuvantes ou de
simples marionetes.
Os indivíduos e grupos, de acordo com tal concepção, reduzem-se a
processadores passivos “dos sistemas socialmente elaborados”, quando, “se por
um lado, na sua inserção social não partem do zero, socializando-se e construindo
sua identidade a partir de estruturas e sistemas socialmente elaborados”, por outro
lado, também exercem sua influência sobre tais estruturas e sistemas, “através de
um processo de estruturação psicossocial”, pelo qual remodelam sua herança
social (Alonso de Andrade,1995:77).
Pierre Bourdieu criticou a orientação objetivista que transforma “em
enteléquias os objetos construídos pela ciência - classes sociais, estruturas,
cultura, modos de produção - impingindo-lhes uma eficácia social que dispensa os
sujeitos concretos responsáveis pelas ações históricas” (Bourdieu,1987: xxxix).
Para superar esse impasse, conciliando a força das estruturas com a
autonomia relativa dos atores sociais, propôs o conceito de habitus, mediação
entre estruturas e práticas sociais, “estruturas estruturadas predispostas a
19
funcionar como estruturas estruturantes” (Ibidem: xxxix). O habitus, princípio
gerador de práticas e de representações, embora reproduzindo estruturas
objetivas, exteriores a vontade do agente e a ela sobreposta, poderia sofrer ajustes
para o atendimento de situações concretas, o que permitiria ao indivíduo um
espaço de liberdade, de intervenção criadora sobre o mundo social.
O conceito, apesar do mérito de reintroduzir um espaço de autonomia para
a subjetividade na elaboração do mundo social, acaba por estreitar em demasia
sua importância e autonomia. Ela se mantém prisioneira das estruturas, sendo-lhe
concedida apenas a possibilidade de produzir um esforço adaptativo, em função
das dificuldades de tradução literal do habitus na prática social. Conserva-se o
primado das estruturas e de sua reprodução, tornando a mudança um processo
vago e quase imperceptível de pequenas adaptações contingenciais.
Bourdieu, ainda herdeiro do marxismo e do estruturalismo, embora
reconheça a importância das formas simbólicas como instrumentos de
conhecimento e de comunicação, entende o sistema de crenças, símbolos e
valores “sempre como relações de poder”. Para ele, “o campo da produção
simbólica é um microcosmo da luta simbólica entre as classes”, lutas que acabam
por servir “aos interesses dos grupos exteriores ao campo de produção”
(Bourdieu,1989:9-12). As formas simbólicas não possuem, assim, uma substância
própria, confundindo-se sua eficácia e conteúdo com os interesses previamente
definidos no campo econômico.
O conceito de habitus pode ser inscrito dentre aqueles pelos quais se tenta
transpor o uso de abordagens calcadas no rígido apego a estruturas objetificadas
que determinam a produção de sentidos dos sujeitos sociais sobre o mundo e suas
ações, para outra que admite a relativa autonomia da produção simbólica e lhe
20
conferem papel relevante na construção das próprias estruturas.
Dentro dessa corrente pode também ser arrolado a noção de “mentalidade”,
isto é, o conjunto de “utensílios mentais” típicos de uma determinada época
histórica que condicionam as atitudes mentais e afetivas dos indivíduos e grupos.
A noção, trabalhada por historiadores franceses vinculados ao que se
convencionou rotular de Escola dos Annales, realça a importância do nível cultural
na conformação das práticas sociais, além de chamar a atenção para a ausência
de sincronia entre as mudanças no conjunto de crenças e valores e as verificadas
no nível econômico. Para os historiadores das mentalidades, o nível cultural têm
como principal característica a continuidade, a longa duração.
Os historiadores das mentalidades hesitam, porém, em avançar no sentido
de conferir ao cultural um papel destacado como orientador das ações coletivas e
na transformação do mundo social, relegando-o, mais uma vez, a uma posição
dependente do econômico e do social:
“O clima, a biologia e a demografia dominavam a longa duração juntamente com as tendências econômicas; as relações sociais, mais nitidamente sujeitas às flutuações da conjucture constituíam uma segunda ordem da realidade histórica; e a vida política, cultural e intelectual configurava um terceiro nível, extremamente dependente, de experiência histórica. A interação entre o primeiro e o segundo nível assumia a primazia” (Hunt,1995:4).
Daí as características principais adotadas no tratamento das crenças e
valores pelos adeptos do conceito de mentalidades: “a preferência pelo maior
número, portanto a pesquisa da cultura tida como popular, a confiança no
numérico e na série, o gosto pela longa duração, o primado conferido ao recorte
sócio-profissional” (Chartier,1991:175).
Essa forma de pensar o mundo social, que predominava em vários campos
das ciências sociais e não apenas no campo da história, passou a ser fortemente
contestada por todos aqueles que desejavam romper as amarras do marxismo e
21
do estruturalismo.
A proposta dos contestadores era a de construir um “pensar os
funcionamentos sociais fora de uma partição rigidamente hierarquizada das
práticas e das temporalidades (econômicas, sociais, culturais, políticas) e sem que
fosse dada primazia a um conjunto particular de determinações”. Procuram
“decifrar de outro modo as sociedades... considerando não haver prática ou
estrutura que não seja produzida pelas representações, contraditórias e em
confronto, pelas quais os indivíduos e os grupos dão sentido ao mundo que é o
deles” (Chartier,op.cit.:177).
O conceito de representações sociais ou coletivas, lançado por Emile
Durkheim, e relegado a segundo plano nas ciências sociais, durante a maior parte
do século XX, é assim retomado no escopo da luta contra o paradigma
estruturalista. Coube papel destacado nesse processo de apropriação e
atualização do conceito ao grupo de historiadores franceses, liderados por Roger
Chartier, voltados, basicamente, para o estudo de temas culturais.
A partir de pesquisas que enfatizam cada vez mais os aspectos relacionais
das práticas, os historiadores concluirão que as crenças, valores e práticas
constituem um sistema simbólico que, compartilhado por todos os indivíduos,
permite estabelecer a coesão da sociedade. As representações sociais incorporam
esquemas de classificação e categorização do mundo social que, originadas na
própria divisão social, acabam por modelar a conduta e a ação dos indivíduos e
grupos.
As representações sociais surgem, portanto, como esquemas intelectuais
que, influenciados pela posição ocupada pelos diferentes grupos na ordem social,
fundamentam os modos pelos quais cada grupo, comunidade ou classe pensa que
22
esta ordem é ou deveria ser, e ao mesmo tempo permitem dar coesão ao grupo e
diferenciá-lo dos demais1.
As representações não podem ser estudadas isoladamente das relações de
cooperação e conflito que ocorrem no interior de cada grupo e entre este e os
demais grupos. Além disso, por força de seu caráter normativo e identitário,
acabam por se constituir em orientadoras das ações coletivas e em fontes
geradoras de projetos alternativos de configuração do mundo social, visando
moldá-lo de acordo com uma visão particularista.
O mundo social torna-se tanto o produtor das representações, como a
matéria a ser modelada “através das séries de discursos que o apreendem e o
estruturam” (Chartier,1988:23). O conceito de representações sociais sinaliza,
portanto, que “ocupar-se dos conflitos de classificações ou de delimitações não é...
afastar-se do social”, possibilitando “localizar os pontos de afrontamento tanto mais
decisivos quanto menos imediatamente materiais” (Ibidem:17).
O embate entre objetivistas e subjetivistas no campo das ciências sociais,
torna-se, a partir deste entendimento do significado da dimensão cultural, um falso
dilema, pois é possível “considerar os esquemas geradores das classificações e
das percepções... como verdadeiras instituições sociais, incorporando sob a forma
de categorias mentais e de representações coletivas as demarcações da própria
organização social” (Chartier,1988:17-18).
1 “A noção de representação coletiva autoriza a articular, sem dúvida melhor do que o conceito de mentalidade, três modalidades de relação com o mundo social: de início, o trabalho de classificação e de recorte que produz configurações intelectuais múltiplas pelas quais a realidade é contraditoriamente construída pelos diferentes grupos que compõem uma sociedade; em seguida, as práticas que visam a fazer reconhecer uma identidade social, a exibir uma maneira própria de ser no mundo, a significar simbolicamente um estatuto e uma posição; enfim, as formas institucionalizadas e objetivadas em virtude das quais ‘representantes’ (instâncias coletivas ou indivíduos singulares) marcam de modo visível e perpétuo a existência do grupo, da comunidade ou da classe” (Chartier,1991:183).
23
Não pode ser negligenciada, também, a contribuição oferecida pela
psicologia social francesa no trabalho de resgate da importância das
representações coletivas. Para esta corrente, as representações surgem da
necessidade sentida pelos indivíduos de se ajustarem e resolverem os problemas
colocados pelo mundo social.
As representações ligam o sujeito a um objeto, seja ele de natureza social,
material ou ideal, possibilitando “orientar e organizar as condutas e as
comunicações sociais”, interferindo também “nos processos de difusão e
assimilação de conhecimentos, de desenvolvimento individual e coletivo, de
definição das identidades pessoais e sociais” (Jodelet, 1989:53).
Jean-Claude Abric (1996) sugere que as representações devem ser
estudadas como um sistema, em que se articulam um núcleo central, resistente a
mudanças e formado por elementos sócio-históricos e ideológicos, e um núcleo
periférico que promove a adaptação do núcleo central às condições do ambiente2.
A atividade representacional constitui, a partir das perspectivas
examinadas, uma relação entre um sujeito, entendido não apenas individualmente,
mas inserido em relações sociais específicas, e um objeto, que pode ser material,
social ou ideal. Essa relação é, em parte, determinada pela estrutura social e, de
outra parte, resultante de uma atividade autônoma de construção do objeto pelo
sujeito.
2 “um sistema central...diretamente ligado e determinado pelas condições históricas, sociológicas e ideológicas...ele constitui portanto a base comum, coletivamente partilhada das representações sociais. Sua função é consensual. É por ele que se realiza e se define a homogeneidade de um grupo social. Ele é estável, corrente, resistente à mudança, assegurando assim uma segunda função, a da continuidade e da permanência da representação. ..Em segundo lugar, como complemento indispensável do sistema central, haveria...um sistema periférico, constituído pelos elementos...que, provendo a interface entre a realidade concreta e o sistema central, atualiza e contextualiza constantemente as determinações normativas e de outra forma consensuais deste último” (Abric, apud Sá, 1996:72-73).
24
A representação social é uma atividade de criação simbólica, dado que só
se representa um objeto que tenha significado e sentido para o grupo. O trabalho
de reconstrução simbólica envolve a objetivação, ou seja a reprodução pelo sujeito
dos conhecimentos disponibilizados quanto ao objeto, mediante uma seleção dos
elementos fornecidos; e a ancoragem, trabalho de inserção da imagem objetivada
em um conjunto de pensamento social preexistente, familiar ao sujeito (Alonso de
Andrade, op.cit.: passim).
Caracterizar as representações sociais como uma forma de conhecimento
implica a necessidade de estabelecer sua diferenciação quanto as opiniões, as
atitudes, os estereótipos e as imagens.
Ao contrário destas, que se caracterizam pela passividade do sujeito em
relação ao objeto e pela abstração dos aspectos relacionais, a representação é
uma atividade criativa, que contribui para a interpretação e modelagem do real,
produzindo-o e transformando-o (Ibidem:45).
Esse aspecto é particularmente importante no que diz respeito à
compreensão do sistema de crenças políticas. Enquanto para os cientistas sociais
influenciados pelo empirismo norte-americano, as opiniões/atitudes individuais
constituem o fundamento de tais sistemas, “um estudo em profundidade da cultura
política deveria basear-se, sobretudo, nas representações sociais do político e
não, apenas, nas opiniões/atitudes a seu respeito” (Ibidem:85).
Em decorrência, a investigação de um sistema articulado de crenças e
valores sobre o mundo da política “deve basear-se não em amostras
populacionais, mas em indivíduos representativos dos grupos sociais e não pode
limitar-se a medições de ordem quantitativa, mas utilizar uma abordagem
qualitativa, capaz de atingir a ordem dos significados” (Ibidem:85).
25
No caso específico que se está analisando, ou seja as decisões
relacionadas à formação do Estado nacional brasileiro, importa investigar o
pensamento social e político do grupo de pessoas responsável por essas
decisões, levantando as condições que possibilitaram a formação de um
determinado conjunto de crenças e valores através dos quais esse grupo procurou
compreender e agir sobre o mundo social.
As representações que construíram, ao longo do processo de luta pela
afirmação da identidade do grupo e da imposição de sua autoridade sobre o
conjunto da sociedade, devem, ademais, ser estudadas a partir do discurso de
alguns indivíduos, cujo papel foi o de produzir e difundir a visão social de mundo
que compartilhavam com seus pares.3
3 Papel já assinalado por Gramsci, quando se refere aos intelectuais orgânicos.
26
Capítulo 2
Semeadores e Mascates
Confrontado com a necessidade de colonizar o território americano recém-
descoberto, o Estado português decidiu, no começo do século XVI, delegar a
tarefa a empreendedores particulares, “lembrando o exemplo de outras
experiências em ilhas do Atlântico - Açores, Madeira, Cabo Verde, Porto Santo,
São Tomé, Príncipe” (Iglésias,1995:23).
O território foi dividido em grandes extensões de terra, as capitanias,
doadas a capitães-mores, que dispunham de autonomia para administrá-las e
promover seu aproveitamento econômico e defesa, resguardados os direitos da
Coroa no tocante aos resultados das atividades produtivas. As capitanias, a fim de
atrair colonos, poderiam ser subdividas por seus donatários em sesmarias,
destinadas, prioritariamente, ao cultivo agrícola.4
O fracasso da maior parte dos donatários, o receio de que a colonização
entregue apenas aos particulares pudesse não ser suficiente para garantir a
defesa do território, a necessidade de manter os colonos mais estreitamente
ligados aos centros decisórios metropolitanos e as exigências de aumento na
eficiência da extração de recursos para a Coroa levaram à decisão de introduzir
instituições políticas e administrativas capazes de dar maior visibilidade à presença
do Estado português no Brasil.
4 A instituição das sesmarias foi o “meio jurídico para apegar a terra à capacidade de cultivo, [mas] serviu para
27
Dentre essas instituições sobressaem as Câmaras, formadas pelos
“homens bons”, ou seja pelos grandes proprietários rurais, e incumbidas do
governo dos municípios. Pesquisas históricas recentes conferem-lhes papel
destacado, juntamente com as Misericórdias e a Igreja, para manter a coesão e o
funcionamento político-administrativo do Império colonial português.5
As Câmaras possuíam, em geral, uma autonomia decisória bastante ampla,
graças à distância da Metrópole e à falta de recursos desta para garantir presença
direta em todas as partes do imenso território. Parece certo, portanto, afirmar que
as Câmaras constituíam “elementos de unidade e de continuidade entre o Reino e
seus domínios”, além de serem “órgãos fundamentais de representação dos
interesses e das demandas dos colonos” (Bicalho,1998).
A partir de meados do século XVII, com a Restauração (1640), a Coroa
envidará esforços para reorganizar a divisão do poder político colonial,
fortalecendo as instâncias intermediárias como o governo-geral e os governos de
capitanias. Em função disso, no final do século XVIII, o poder político na Colônia
distribuía-se entre quatro grupos: os dirigentes metropolitanos, instalados no
Conselho Ultramarino, no Conselho da Fazenda, na Mesa de Desembargo do
Paço, na Mesa da Consciência e Ordens e na Casa da Suplicação; os
administradores gerais da colônia: governadores-gerais e vice-reis; os capitães-
generais que governavam as capitanias e os potentados locais, que ocupavam os
cargos das Câmaras municipais.
Apesar da hierarquia formal, “a administração colonial era, sobretudo, um
feixe de relações entre o governo metropolitano e as administrações centrais e
consagrar as extensões latifundiárias... afirmando a tendência, no plano político, da autonomia do potentado rural” (Faoro, 1989:126). 5 O estudo fundamental nessa área é o de Charles Boxer. “Portuguese Society in the Tropics: the Municipal
28
regionais, com os órgãos portugueses contatando diretamente os coloniais, os
governos das capitanias e até a administração municipal” (Wehling, 1999:315).
Esse “feixe de relações” possibilitou que as Câmaras conservassem uma
latitude de competências que, em alguns casos, ultrapassava o âmbito meramente
local. Assim, cabia-lhes administrar a arrecadação de impostos lançados pela
Metrópole, impor taxas ocasionais, arrendar contratos de uso dos próprios
municipais, arcar com os custos de defesa da municipalidade e, ocasionalmente,
de outras regiões distantes ameaçadas, executar obras públicas e melhoramentos
urbanos, desempenhar funções policiais e judiciárias, eleger funcionários da
administração (almotacés, assistidos do alcaide-mor, recebedores das sisas, etc.)
e nomear procuradores para defender seus interesses junto ao Rei (Prado Júnior,
1972; Leal, 1997; Bicalho, 1998 e Wehling, 1999).
Embora haja indícios da participação de outros estratos sociais nas
decisões das Câmaras, de sorte que “a população local sentia mais a incidência da
câmara nas suas vivências do que a de um distante monarca no além-mar”
(Carvalho Souza,1999:146), os principais detentores do poder político no Brasil
colonial eram os “homens bons”.
Escorados no domínio das principais fontes de riqueza - terras e escravos,
podiam reunir e comandar extensas famílias patriarcais de parentes e agregados,
disponíveis para serem usadas na defesa do território contra ameaças de
indígenas e outros impérios coloniais ou, quando necessário, dominar grupos
familiares rivais e, até mesmo, garantir-se contra as autoridades nomeadas pelo
rei.
Councils of Goa, Macao, Bahia and Luanda - 1510-1800”. Madison: University of Wisconsin Press, 1965.
29
A riqueza permitia-lhes também praticar formas menos violentas de obter
prestígio e poder: suborno de autoridades reais, no Brasil e em Lisboa; compra de
cargos públicos ou de dignidades eclesiásticas; a união, através de casamentos,
com as famílias metropolitanas próximas à Coroa.
Além deles, compunham a elite política o alto clero e funcionários reais de
cargos mais elevados da administração colonial (juízes-de-fora, ouvidores-gerais,
magistrados e militares). A partir da descoberta do ouro no Brasil central, um novo
grupo forçará o ingresso nessa elite: os comerciantes de “grosso trato”.
Os “homens de grosso trato”, geralmente portugueses de origem, eram, a
princípio, comissionados das grandes companhias comerciais do Porto e de
Lisboa. Controlavam a exportação e importação de mercadorias; o tráfico de
escravos africanos; a navegação de cabotagem; o financiamento das atividades
produtivas agro-exportadoras e de comércio interno, especialmente o
abastecimento de gêneros de primeira necessidade; o crédito pessoal dos grandes
senhores rurais, mineradores, eclesiásticos e altos funcionários e a coleta dos
tributos reais, através da compra dos direitos de arrecadação.
Ao final do século XVIII, esse grupo social havia se firmado como um dos
mais poderosos da Colônia, conquistando sua autonomia em relação às casas
comerciais metropolitanas e mantendo estreitas ligações familiares ou de negócios
com os grandes proprietários rurais, o clero e os funcionários reais6. A
administração pombalina (1750-1777) acabou reconhecendo a importância dos
6 “Desde a década de 1790, no Rio, os homens de grosso trato controlavam o tráfico entre o Brasil e a África, enquanto outros empreendimentos do império, predominantemente, ficavam nas mãos dos portugueses. Já o comércio de cabotagem, ligando o Rio de norte a sul, de Cabo Frio a Pernambuco, de Ilha Bela ao Rio Grande do Sul, dependia mais dos negociantes brasileiros e muito menos dos portugueses. A partir de 1816, ficou apenas sob o domínio dos primeiros, pois proibiu-se a participação estrangeira. Entre 1790 e 1830, os homens de grosso trato conseguiram fincar sua hegemonia comercial e consolidaram seus interesses no centro-sul do país, bem como passaram a financiar a Coroa, prestando-lhe serviços e recebendo em troca a nomeação para ocupar cargos na Real Junta de Comércio, no Banco do Brasil, no Serviço do Paço, postos nos corpos de
30
“homens de grosso trato”, autorizando seu acesso aos cargos camarários, antes
prerrogativa dos proprietários rurais.
O Brasil, no início do século XIX, adquirira maior integração econômica,
graças ao fluxo de bens e serviços entre as regiões Sul (Rio de Janeiro, São Paulo
e Rio Grande do Sul) e Norte (Bahia, Ceará, Pernambuco) com a região Central
(Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso).
Multiplicavam-se, ainda que em pequena escala, os núcleos urbanos e
hábitos mais cosmopolitas, tais como o estímulo à educação superior dos filhos em
escolas européias e o conhecimento e discussão das idéias subversivas sobre
economia e política, em moda na Europa, começavam a se disseminar entre os
que julgavam fazer parte da aristocracia nativa.
A agricultura mercantil-escravista, passada a fase da mineração, voltara a
constituir-se no eixo dinâmico da economia. O interesse em sua manutenção e
expansão possibilitava, apesar da falta de laços políticos mais firmes entre as
regiões e da competição entre elas, um ponto de partida favorável à coesão dos
grupos dominantes regionais e locais.
O Norte, leia-se principalmente Bahia e Pernambuco, ainda era a região
que ocupava o primeiro lugar no que diz respeito às rendas de exportação, mas
sua posição política começara a ser abalada quando da exploração aurífera, em
favor dos grupos do Centro-Sul - Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Estes
já constituíam, no final do século XVIII, uma autêntica coalizão de interesses e de
parentesco, graças aos negócios em comum e aos casamentos convenientemente
arranjados entre as principais famílias.
milícia, títulos de nobreza, honrarias, terras devolutas” (Carvalho Souza,1999:45-47).
31
A transferência da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, sua
escolha para capital do Brasil independente e, em meados do século XIX, a
substituição do açúcar pelo café do Vale do Paraíba como principal item da pauta
de exportações, acabariam por selar a sorte dos grupos nortistas, transformando-
os em dependentes de um Governo Central controlado por grupos familiares do
Centro-Sul.
As redes de comércio, a expansão urbana, populacional e geográfica, a
acumulação interna de capital possibilitada pelos ganhos obtidos com a produção
de ouro e diamantes e o comércio, sem esquecer o estreitamento dos laços entre
os grupos familiares detentores de poder político e econômico, permitem
considerar que o Brasil:
“bem antes da chegada da família real... possuía seus quadros de liderança, um senso de brasilidade, mercadorias para troca, redes informais de comunicação, teias de comércio, capitais, uma estimativa do território do Brasil, além de idéias próprias. Além disso, havia uma interação social e comercial não apenas entre as periferias no interior do Brasil mas, no sentido mais amplo da perspectiva metropolitana, entre o Brasil enquanto periferia e outras periferias do Império, como por exemplo, as possessões portuguesas na África Ocidental, Central e Oriental, na Índia e no este e sudeste da Ásia” (Russel-Wood,1998).
Em decorrência da importância crescente da colônia para a economia de
Portugal e da escassez de recursos metropolitanos, as relações Metrópole/Colônia
assumiram, sob o ponto de vista administrativo, um caráter de crescente
descentralização e autonomia negociada (Russel-Wood, op.cit.). Havia espaço,
assim, para razoável grau de participação dos grupos dirigentes mazombos em
decisões de seu interesse. Reconheciam o direito e a necessidade de a Metrópole
tomar decisões que afetassem o conjunto dos domínios de ultramar, em troca do
reconhecimento da Coroa quanto a sua autoridade nos assuntos locais e mesmo
regionais.
32
A descentralização negociada e os contatos diretos com a Corte
contribuíram, certamente, para manter a estabilidade do sistema colonial, ao preço
de acentuado localismo das demandas e decisões políticas e administrativas, do
reforço das desigualdades regionais e das dificuldades para a formação de uma
identidade nacional entre os colonos (Russel-Wood, op. cit.).
A contínua negociação entre os grupos nativos e a Coroa pode haver
contribuído, ainda, para fortalecer “uma noção bastante empírica de que uma
relação de poder implica em um certo contrato” (Carvalho, 1998). O contrato que
fundamentava a aliança entre os poderes locais e Lisboa fixava que “em
contrapartida de inegáveis mostras de lealdade e vassalagem, a nobreza da terra
das diferentes cidades e vilas coloniais reivindicava para si um acesso privilegiado
ao poder local da colônia, além de honras, foros, isenções e franquias que
figuravam num mercado de expectativas de reconhecimento e premiação por parte
do soberano” (Bicalho,1998).
Consolidava-se, em conseqüência, entre os “homens bons”, a crença de
que eram legítimos detentores dos direitos de exercer a autoridade sobre as
populações locais e de co-participarem nas decisões de interesse comum,
especialmente aquelas que poderiam afetar sua posição superior e riqueza.
Exemplos disso foram as freqüentes revoltas contra tributos considerados
abusivos, o crescente desconforto com o monopólio comercial português e a
frustração ou desencanto com a Metrópole por sua visível perda de prestígio junto
a outras potências imperiais, o que revertia em prejuízo à colocação dos produtos
brasileiros no mercado europeu e no receio de perder as fontes de abastecimento
de escravos.
33
Os episódios políticos das duas primeiras décadas do século XIX -
internalização da Metrópole, através da transferência da Corte portuguesa para o
Brasil, e revolução constitucionalista portuguesa, de 1820 - contribuiriam para
alimentar essas crenças e para realçar a importância de um novo grupo social,
constituído pelos “homens bons” letrados.
34
Capítulo 3
Os Pais Fundadores
Plantando Instituições
A crescente importância do Brasil no Império português, a partir de meados
do século XVIII, ajudou a disseminar a idéia de estabelecer outras bases políticas
para o Império, repartindo-se o poder igualmente entre as elites mazombas e
portuguesas.
José Bonifácio de Andrada e Silva, pertencente à família de comerciantes
de grosso trato da cidade de Santos, que estudara em Coimbra e fazia parte da
alta Administração do Império, foi um dos principais porta-vozes dessa idéia.
Outros “homens bons” letrados, como Hipólito José da Costa, Manoel de Arruda
Câmara, José Vieira Couto, José Joaquim de Azeredo Coutinho, também
compartilhavam o mesmo projeto.7
No entender desse grupo, a participação da elite política do Brasil na gestão
do Império seria a única maneira de restaurar sua vitalidade. Portugal, carente de
população, riqueza e prestígio militar e político, não mais poderia conduzi-lo
sozinho. Fazia-se necessária uma infusão de força, que a prosperidade, território e
população brasileiros garantiriam:
“Como se esta mínima parte do território Português e a sua povoação estacionária e acanhada devesse ser o centro político e comercial da Nação inteira... Quem ignora igualmente que é quase
7 O grupo tinha em comum a formação intelectual em Coimbra, a ocupação de cargos relevantes na hierarquia administrativa imperial e a proteção dispensada por Dom Rodrigo de Souza Coutinho, Conde de Linhares, ministro do ultramar e um dos mais influentes políticos portugueses durante o reinado de D. João VI (Cf. Neves,1999).
35
impossível dar nova força e energia a Povos envelhecidos e defecados? Quem ignora hoje que os belos dias de Portugal estão passados e que só do Brasil pode esta pequena porção da Monarquia esperar seguro arrimo e novas forças para adquirir outra vez a sua virilidade antiga!”8.
O projeto pareceu a ponto de tornar-se realidade quando, em 1808, D. João
VI decidiu vir para o Brasil e aqui instalar a sede do Império:
“Possa este, para sempre memorável dia, ser celebrado com universal júbilo por toda a América Portuguesa, por uma dilatada série de séculos, como aquele em que começou a raiar a aurora da felicidade, prosperidade e grandeza, a que algum dia o Brasil há de se elevar, sendo governado de perto pelo seu soberano. Sim, nós já começamos a sentir os saudáveis efeitos da paternal presença de tão ótimo príncipe, que, sendo todo para os seus vassalos, não perderá um só momento de promover a felicidade dos seus Estados do Brasil, a mais bela, e rica porção do globo; do que já Sua Alteza Real nos deu as mais evidentes provas, que muito alentam as nossas esperanças, de que viera ao Brasil a criar um grande Império”.9
A intenção de manter a sede do Império no Brasil ficou manifesta quando
em 1815, já derrotado Napoleão, D. João VI decidiu permanecer em território
brasileiro e, além disso, elevar o país à categoria de Reino Unido a Portugal e
Algarves.
Em conseqüência, acirraram-se os ânimos dos comerciantes, funcionários,
clérigos e militares que haviam permanecido em Portugal. Esperando recuperar
sua posição como controladores do Império, promoveram, em 1820, uma
revolução constitucionalista, de caráter fortemente antibrasileiro, pois pretendia
assegurar a unidade e indivisibilidade da nação portuguesa, ou seja de todas as
partes do império luso, sob a égide de Lisboa.10
8 José Bonifácio. Manifesto de 6 de agosto de 1822. “Obra Política de José Bonifácio”, vol. 1, Brasília, Senado Federal, 1973, p. 302, apud Silva (1999:157). 9 Luís Gonçalves dos Santos. “Memórias para servir à história do Brasil”, apud Neves (1999:30). 10 “Representando abertamente um movimento antiabsolutista, a revolução portuguesa de 1820 também é, em certo sentido, e desde os primeiros passos, um movimento antibrasileiro...Uma constituinte que aspire à unificação do poder em detrimento de tradicionais prerrogativas fixadas pelo uso, de veneradas desigualdades, de imunidades e franquias consagradas, em outras palavras, que tenda à criação de um todo nacional compacto e homogêneo...aponta naturalmente para regimes onde todas as partes hão de gravitar em volta de um eixo comum” (Buarque de Holanda,1993:13).
36
Esse aspecto não passou despercebido para os grupos políticos brasileiros
do Centro-Sul, que haviam conquistado posições de mando na Corte Imperial,
instalada no Rio de Janeiro. Esperavam, não obstante, convencer às elites
lusitanas a manter a dualidade de poderes e, conseqüentemente, a autonomia do
Brasil e seu prestígio no conjunto da Nação portuguesa.
Gradualmente, o conflito foi atingindo um ponto sem retorno. De um lado,
os grupos do Centro-Sul que, em troca de apoio financeiro à família real,
receberam títulos nobiliárquicos, vantagens econômicas e postos na
Administração, querendo conservar o status privilegiado de influência sobre a
condução dos assuntos que diziam respeito ao Brasil. De outro, a elite lusitana,
representada nas Cortes de Lisboa, cada vez mais ciosa da restauração de seu
predomínio e convicta de que, após o retorno de D. João VI a Portugal, a
permanência de seu filho D. Pedro no Brasil representava uma ameaça de retorno
ao passado absolutista e de fragmentação do Império.11
A decisão de separar-se de Portugal não foi, no entanto, um processo
tranqüilo para os diferentes grupos que compunham a elite política brasileira. Ela
significava para vários desses grupos, especialmente os do Norte, decidir entre
duas alternativas: manter a fidelidade a Lisboa, o que ajudaria a preservar o
sistema de descentralização negociada de poder, vigente durante o período
colonial, ou aderir à secessão advogada por grupos mineiros, paulistas e
fluminenses, o que implicava em ceder parte de sua autonomia àqueles que
controlavam a Corte do Rio de Janeiro.
11 “O despotismo desterrado de Portugal forceja por estabelecer o seu assento no Rio de Janeiro: um mancebo ambicioso e alucinado, à testa de um punhado de facciosos, ousa contravir os decretos das Cortes”. Trecho de discurso, registrado no “Diário das Cortes”. Sessão de 22 de maio de 1822, p. 229, apud Neves (1995:303).
37
O localismo, que caracterizava a vida política colonial, era suficientemente
enraizado para que algumas lideranças do Centro-Sul admitissem transformar o
Brasil independente em uma monarquia federativa, entendo ser esta a melhor
maneira de impedir a desintegração territorial.12
Os fatores que parecem ter pesado em favor do Rio de Janeiro e de um
governo centralizado foram uma combinação de rancores entre famílias; disputa
por espaços de poder político e econômico regionais e locais; receios de que o
federalismo pudesse representar uma séria ameaça à preservação da ordem
social escravista e aspirações por confirmar o status pessoal privilegiado, mediante
o recebimento de títulos de nobreza e a nomeação para cargos da Corte13:
“A questão entre 1821 e 1822 era de ordem prática: que aliados e que alternativas escolher entre as que se apresentavam? Dentre as opções possíveis, a Independência com Pedro no trono, era a mais segura para manter o status quo ante. As demais alternativas liberais - federalismo, reino unido ou monarquia federativa - poderiam restringir o espaço político dessas famílias, ampliar o dos adversários, ou os dois” (Carvalho,1998).
O rompimento com Portugal exigiu, portanto, cuidados especiais de parte
do grupo dominante na Corte do Rio de Janeiro, a fim de preservar a unidade
territorial e ganhar hegemonia sobre os demais grupos dirigentes.
Excessiva descentralização poderia desmantelar toda a estrutura social,
inviabilizando o Brasil como Estado independente ou lançando-o em intermináveis
guerras entre grupos familiares rivais. Centralizar em demasia pressupunha um
controle do qual realmente não se podia dispor num país de grande extensão
territorial, com visíveis desigualdades regionais, dificuldades de comunicação e,
principalmente, com os “homens bons” das cidades e vilas ciosos de sua
12 Cf. Buarque de Holanda (1993:16) e as discussões e propostas dos representantes brasileiros às Cortes de Lisboa, in Berbel (1999:127-200). 13 Segue-se aqui a sugestão de Marcus de Carvalho (1998). Embora o dilema fosse aplicado pelo autor apenas ao caso pernambucano, sua generalização para outras províncias parece plausível tendo em vista os estudos de Quintas (1995), Cardoso (1995), Buarque de Holanda (1995), Pinho (1995) e Reis (1995).
38
autonomia.
O desafio era ampliado pela necessidade de igualar-se às nações mais
civilizadas e adotar as invenções liberais, cuja prática ainda engatinhava. A
América Espanhola, após rápidas e malsucedidas experiências em copiar essas
novidades, mergulhara na guerra civil e no caudilhismo, que seriam a sua sina
durante todo o século XIX. Os modelos estrangeiros a imitar eram poucos
(Inglaterra, EUA e França), de experimentação ainda recente, exceto no caso
inglês, e a ameaça de desagregação interna se fazia sempre presente, no caso de
qualquer erro de cálculo.
A estratégia utilizada para conseguir, após a separação, manter o governo
civil, a integridade territorial e a Corte do Rio como centro do poder político,
compreendeu missões diplomáticas junto aos grupos locais e a governos
europeus, em particular o governo da Inglaterra; emprego da força armada em
favor das facções pró-Independência, quando não dispunham de força suficiente
para se impor aos adversários; obtenção do respaldo da Igreja Católica; uso de
laços de parentesco ou amizade e, principalmente, todo um trabalho de
popularização da figura de D. Pedro e de afirmação dos aspectos simbólicos
tradicionais da Monarquia.
Na Monarquia, cristalizava-se a esperança de ver apaziguadas as
divergências entre os grupos políticos provinciais e locais e entre os senhores do
país e o povo-massa, para usar uma expressão de Oliveira Viana. Poder acima
dos demais, zelaria pela Nação, defendendo-a de todos os males e fazendo dos
desiguais uma só família:
“Acusam-me alguns de que plantei a Monarquia. Sim, porque vi que não podia ser de outro modo então; porque observava que os costumes e o caráter do povo eram eminentemente aristocráticos; porque era preciso interessar às antigas famílias e os homens ricos que detestavam ou temiam os demagogos... Sem a monarquia não haveria um centro de força e união,
39
e sem esta não se poderia resistir às cortes de Portugal e adquirir a Independência Nacional” (José Bonifácio, apud Carvalho Souza,1999:268).
Uma vez conquistada a Independência, as questões que ocuparam lugar de
destaque na agenda política estavam relacionadas à fonte de poder, à
representação política, à cidadania e aos propósitos da ação governamental:
“Onde se encontrava a fonte de poder político legítimo? Ela deveria repousar sobre o próprio centro de poder ou deveria ser delegada para o centro de poder, mediante os mecanismos de representação política e social? Quem estava qualificado para representar e ser representado, isto é, qual deveria ser o escopo da comunidade política? Quem pertence e quem não pertence a ela como cidadão político pleno? E para que servem o governo e o Estado afinal? Qual é a finalidade dos governos legítimos? Que metas deveriam perseguir e através de que meios?” (Santos,1978:78).
Respondê-las envolveu laborioso trabalho de construção institucional por
parte dos fundadores do Império, os quais buscaram em “nações civilizadas” as
“luzes” necessárias para implementar sua obra, ao mesmo tempo em que
procuravam adaptar as instituições transplantadas aos seus valores e interesses.
Dentre as principais novidades importadas no campo das idéias e
instituições destacavam-se o contratualismo, expresso em um pacto constitucional,
a igualdade cívica, a representação nacional eleita e atuando em caráter
permanente e a independência entre os órgãos que exerceriam as funções
executiva, legislativa e judiciária. Mesmo a Monarquia não deixava de ser algo
relativamente novo pois, até bem pouco tempo (1808), não passava de um poder
mágico e distante, cuja presença se fazia sentir mais pela mediação das Câmaras
municipais.
A idéia de um pacto entre governantes e governados remetia ao
contrato implícito entre os “homens bons” e o rei, não encontrando grandes
resistências, na medida em foi adotado em sua versão lusitana, na qual se
reconhecia a manutenção da aliança entre o Estado e a Igreja católica, a
primazia dos homens ilustrados, entendidos como os únicos realmente
40
habilitados a conduzir os destinos da maioria, a liberdade não como direito
natural, mas como uma concessão do corpo social e garantida até o ponto em
que não o ameaçasse. A igualdade cívica foi aceita enquanto expressão de
uma igualdade meramente formal, isto é restrita aos termos da lei (Neves &
Machado,1999:72).
Mais complicadas de aceitar e praticar foram a divisão de poderes, o que
afetava a centralização da autoridade na pessoa do rei, e a existência de uma
representação nacional, composta por lideranças políticas interpostas entre o
Governo central e os governos municipais. Os conflitos decorrentes da
implantação das duas instituições serviriam de pano de fundo para as lutas
políticas travadas durante a época imperial.
Depreende-se, assim, que a ancoragem institucional, mesmo quando
aparentemente bem sucedida, não eliminava o potencial de conflitos e de rupturas
trazidos pela contradição entre as representações do liberalismo, no tocante às
liberdades individuais e à igualdade entre os homens, e as representações e
práticas dos “homens bons”. Inseria-se, assim, um fator de instabilidade
permanente no relacionamento intra-elites e no relacionamento destas com os
grupos dominados, que apareceria, com toda a força, em momentos críticos como
a Abdicação, o federalismo da Regência e a votação das leis eleitorais e anti-
escravagistas, dificultando um acordo estável a respeito de como enfrentar os
problemas colocados.
Em que pesem as divergências, descobre-se, nas representações dos “pais
fundadores”, a crença comum de que o Estado e a Sociedade poderiam ser
modelados de acordo com a percepção e a vontade dos grupos dirigentes, a fim
de igualar o Brasil, em termos de costumes, riqueza e prestígio, às nações
41
consideradas mais civilizadas.
A premissa era de que o mundo social, à semelhança do mundo natural,
constituía um sistema ordenado segundo leis universais. Uma vez estudadas e
conhecidas, tais leis poderiam ser aplicadas ao caso brasileiro e de sua rigorosa
observância adviriam o progresso, a felicidade e o aperfeiçoamento do povo:
“O Universo criado é um Sistema, organizado de partes, que estão em harmonia entre si, e com o Grande Todo, e é regido por Leis Imutáveis da Ordem Cosmológica, que a Inteligência Eterna determinou, e que invariavelmente se executam no Mundo Físico. A constância e imutabilidade dessas leis é o fundamento de todos os nossos conhecimentos. Entrando a espécie humana naquele sistema, não pode deixar de ser sujeita a essas leis, e observá-las na sociedade civil, para sua própria felicidade, e progressiva perfeição de sua natureza”14.
A realidade seria modelada segundo instituições criadas por um arcabouço
jurídico-institucional cuidadosamente construído, como o expressaram diversos
próceres do Império. Para Bernardo Pereira de Vasconcelos15: “um povo
governado por uma Constituição tão sábia como a brasileira nunca se rebela,
senão quando é infeliz, e um tal povo só pode ser infeliz, quando se calca aos pés
a Constituição” (Vasconcelos,1999:61). Apenas a estrita observância da lei
legitimaria eventuais correções:
“Um dos meios, e talvez o mais proveitoso de fazer sentir os inconvenientes de um regulamento é a sua fiel e pontual execução. Cumpre, pois, que longe de modificar esta regra na sua execução, seja ela ao contrário religiosamente observada, a fim de serem conhecidas nas faltas, aparecerem seus defeitos, e terem lugar os preciosos melhoramentos” (Ibidem:245).
14 José da Silva Lisboa. “Estudos do Bem Comum e Economia Política”. Rio de Janeiro, IPCA, 1975, p.177, apud Wehling (1989:191). 15 Bernardo Pereira de Vasconcelos (1795-1850). Magistrado, formado em Coimbra, Deputado, Senador e Conselheiro de Estado. Participou nos debates e aprovação de medidas descentralizadoras, tais como o Código de Processo Criminal de 1832 e o Ato Adicional de 1834. Mudando depois sua posição, tornou-se um dos principais líderes do chamado movimento regressista, isto é, a reação contra a experiência federalista do período da Regência. Bernardo de Vasconcelos, a exemplo da maioria dos políticos do Império, não deixou obra escrita sistemática. Expressou suas posições principalmente na tribuna da Câmara dos Deputados. Cf. Vasconcelos (1999).
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Diogo Antônio Feijó16 afirmaria que “o Brasil já sabe que a Constituição é o
estabelecimento da ordem, da maneira porque um povo é governado; que é a
expressão da livre convenção; a base fundamental da sociedade entre homens
livres” (Feijó,1999:53). Pregava também o culto da lei: “governo livre é aquele em
que as leis imperam, [por isso] eu as farei executar mui restrita e religiosamente,
sejam quais forem os clamores que possam resultar de sua pontual execução”
(Ibidem:78).
O Visconde de Uruguai17 considerava as “boas instituições” indispensáveis
para a liberdade política. Via essas instituições como parte de um vasto sistema
auto-regulado, em que a adequação funcional e planejada entre as partes
garantiria o equilíbrio e a estabilidade:
“Convenci-me ainda mais de se a liberdade política é essencial para a felicidade de uma nação, boas instituições administrativas apropriadas às suas circunstâncias, e convenientemente desenvolvidas não o são menos. Aquela sem estas não pode produzir bons resultados... Reuni e estudei, senão todos, quasi todos os escritores que escreveram sobre o direito administrativo...Reunidos e dispostos assim esses materiais... Cada uma das peças da nossa organização administrativa iria colocar-se no lugar que lhe corresponde, de modo a deixar ver bem o modo pelo qual funciona, como joga no sistema, com que outras peças se liga e prende” (Uruguai,1960:5;8).
Essas crenças faziam do governar o Brasil uma tarefa reservada para
pessoas versadas no estudo, análise e invenção de ordenamentos jurídicos que
permitissem regular todos os aspectos das condutas individuais e coletivas. Uma
vez aplicados, transformariam o país real do sincretismo religioso, da violência, da
16 Diogo Antônio Feijó (1784-1843). Padre secular, foi representante da província de São Paulo nas Cortes de Lisboa, Deputado, Ministro da Justiça, Regente uno eleito e Senador. Federalista convicto, manteve posição consistente em defesa da descentralização e liderou uma revolta em São Paulo contra as medidas regressistas, em 1842. Seu pensamento foi exposto em discursos parlamentares e artigos jornalísticos. Cf. Feijó (1999). 17 Paulino José Soares de Souza, Visconde de Uruguai (1807-1866). Magistrado, estudou em Coimbra e completou seus estudos na Faculdade de Direito de São Paulo. Foi Deputado Geral, Presidente da Província do Rio de Janeiro, Ministro da Justiça, Ministro dos Negócios Estrangeiros, Senador e Conselheiro de Estado. Colaborou com Bernardo de Vasconcelos, Joaquim Rodrigues Torres e Euzébio de Queirós na elaboração das principais leis centralizadoras, a saber a lei de Interpretação do Ato Adicional, de 1840 e a reforma do Código de Processo Criminal, de 1842. Escreveu dois importantes livros sobre o tema da
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ganância, do analfabetismo, da vadiagem e da miscigenação racial, no país ideal,
o país do catolicismo, da ordem, da solidariedade, da educação cosmopolita, do
trabalho e do embranquecimento étnico.
A crença na engenharia social, é claro, reafirmava o papel decisivo dos
homens ilustrados em ciências jurídicas, na condução dos destinos nacionais.18 De
sua inteligência e labor conscenciosos surgiriam os meios para organizar a Nação,
conferindo ordem ao caos:19
“Estou convencido de que as nossas instituições administrativas requerem... desenvolvimento e melhoramentos consideráveis, preenchidas muitas lacunas que apresentam... Creio que, pela escassez de estudos e de conhecimentos...não está uma grande parte da população em estado de formar uma opinião conscenciosa sobre quaisquer reformas que sejam intentadas... É preciso primeiro que tudo estudar e conhecer bem as nossas instituições, e fixar bem as causas porque não funcionam, ou porque funcionam mal e imperfeitamente... Convém muito o estudo e o conhecimento que sobre elas pensaram os nossos homens de estado” (Uruguai,1960:12).
A convicção comum quanto ao poder das invenções institucionais não
impedia, no entanto, a formação de duas correntes de pensamento no interior da
elite política. Uma, acreditava que as instituições operariam seus efeitos por si
mesmas, através da prática continuada. A outra corrente entendia que as
instituições formais, embora indispensáveis, não poderiam, por si mesmas, mudar
hábitos e costumes arraigados. Para esse grupo, a estratégia de mudança
precisaria combinar a construção da ordem jurídica e a tutela do Estado sobre a
Sociedade, a fim de que se produzissem todos os efeitos civilizadores desejados.
centralização/descentralização: “Ensaios de Direito Administrativo” e “Estudos Práticos sobre a Administração das Províncias”. Cf. Ferreira (1999). 18 “Um dado recorrente da nossa história política é...a crença de resolver a sociedade juridicamente, pela mudança de seu desenho institucional, fazendo dentro de nós a França, a Inglaterra ou os Estados Unidos” (DaMatta,2000:356). 19 Para uma apreciação do caráter simbólico associado à figura do monarca, ver Carvalho Souza (1999:21-38).
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As posições de Tavares Bastos20 e do Visconde de Uruguai ajudam a
ilustrar o modo pelo qual essas diferentes interpretações repercutiam no debate a
respeito da descentralização, ao mesmo tempo em que demonstram como esse
debate, para os contendores, não podia ser dissociado da maneira como
percebiam as relações Estado/Sociedade como um todo.21
Tavares Bastos considerava o self-government a condição para liberar as
energias individuais e coletivas. Reconhecia o peso dos costumes como um
possível entrave, mas colocava suas esperanças na constante reforma das leis:
“Não são franquezas locaes e liberdades civis, que nos faltam, dizem alguns: falta ao povo capacidade para o governo livre... Não desconhecemos o valor de uma pessima educação historica, que, sem preparar os povos para a liberdade, cérca de perigos formidaveis as instituições novas... Em casos taes, a tarefa é muito mais séria, a convalescença muito mais difficil. A medicina, porém, é a mesma: reformas decisivas, reformas perseverantes” (Bastos,1870:31).
Segundo Tavares Bastos, estabelecida por lei a descentralização político-
administrativa, a própria lei se encarregaria de penetrar os corações e mentes,
internalizando o sentimento de unidade nacional e o ethos democrático, sem se
fazer necessária a coerção estatal:
“Das leis depende despertar e dirigir esse vago instincto da patria que jamais abandona o coração do homem e, prendendo-o aos pensamentos, às paixões, aos habitos diurnos, fazer desse instincto um sentimento refletido e duradouro. E não se diga: ‘é tarde demais para tental-o’: pois as nações não envelhecem da mesma sorte que os homens. Cada geração que surge no seio dellas é como um povo novo que vem offerecer-se à mão do legislador” (Bastos, op.cit.:112).
Para o Visconde de Uruguai, o self-government era também o fim desejado,
mas para alcançá-lo as leis não bastariam, pois havia empecilhos culturais que
dificultavam sua prática:
20 Advogado alagoano, foi Deputado Geral. Escreveu diversas obras sobre as questões políticas mais candentes do período pós-1860, dentre elas “A Província”. Esta obra é, até hoje, considerada o contraponto mais sistemático ao pensamento centralizador defendido por alguns notáveis do Império, em especial o Visconde de Uruguai. 21 A apresentação das posições dos dois autores segue sugestões de Gabriela Nunes Ferreira (1999) e José
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“A maior ou menor centralização ou descentralização depende muito das circunstâncias do país, da educação, hábitos e caráter nacionais, e não somente da legislação” (Uruguai,1960:352).
Considerando-se o contexto brasileiro, fazia-se recomendável a
centralização, pois os municípios, por falta de preparo dos atores políticos, não
dispunham de condições mínimas para serem deixados entregues a si mesmos. O
autogoverno, no caso, não estimularia a liberdade mas o despotismo dos mandões
locais:
“É certo que o poder central administra melhor as localidades, quando estas são ignorantes e semibárbaras e aquêle ilustrado; quando aquêle é ativo e estas inertes; e quando as mesmas localidades se acham divididas por paixões e parcialidades odientas, que tornam impossível uma administração justa e regular. Então a ação do Poder central que está mais alto e mais longe, que tem mais pejo e é mais imparcial oferece mais garantias” (Uruguai,1960:353).
Conseqüentemente, a intervenção do Poder central permitia praticar uma
pedagogia da liberdade, mediante a tutela dos direitos de cidadania:
“A centralização aplica-se e conserva-se pela fiscalização ou tutela que exerce a autoridade central a respeito de cada Província ou Município, fiscalização ou tutela indispensável não só para resguardar os direitos e interesses da associação em geral, como também para assegurar o cumprimento das leis, e o respeito aos direitos de cada um” (Uruguai,1960:356).
Cabia ao Estado, segundo Uruguai, atuar como guardião das leis e
modificador dos costumes, eliminando o poder arbitrário dos dirigentes locais
através da educação e da propaganda, que ensinariam ao povo como vivenciar
seus direitos civis e políticos, bem como quais os meios necessários a sua
preservação e vivência:
“Nos países nos quais ainda não estão difundidos em todas as classes da sociedade aqueles hábitos de ordem e legalidade...e que não estão portanto habilitados par o self government, é preciso introduzi-lo pouco a pouco, e sujeitar êsses ensaios a uma certa tutela, e a certos corretivos...É preciso ir educando o povo, habituando-o, pouco a pouco, a gerir os seus negócios” (Uruguai,1960:405).
Murilo de Carvalho (1993).
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Observa-se que, apesar das diferenças,22 nenhum dos contendores
colocava em questão o trabalho de engenharia pelo qual se construiria o país
ideal, usando as instituições de outros países, ora literalmente, ora adaptando-as
aos costumes e peculiaridades da terra e do povo. Nem poderiam fazê-lo, sem
colocar em questão a sabedoria dos bacharéis estadistas e o seu direito de
comandar o Estado.
Vistos por si mesmos como “arquitetos, pedreiros e escultores políticos
incomparáveis” (Joaquim Nabuco, apud Coelho 1999:63, nota 50), obedeciam, no
entanto, “à lógica da bricolage”. Copiavam e combinavam, “sem qualquer projeto
ou noção de conjunto” e visando apenas ao atendimento pragmático das
circunstâncias e interesses imediatistas, “um variado estoque de matéria-prima
heteróclita... os resíduos de construções e demolições da engenharia institucional
européia de diversas épocas” (Coelho,op.cit.:62-64). Ao final, os “ladrilheiros”
talvez não passassem de “semeadores”.23
Os Semeadores
Quem eram os semeadores das instituições que regeriam o Brasil durante o
Império?
Suas características mais destacadas eram a origem social, geralmente
famílias de grandes comerciantes e proprietários rurais; a educação de nível
22 Wanderley Guilherme dos Santos (1978) consideraria a posição defendida por Tavares Bastos como exemplo de “reificação institucional” e a do Visconde de Uruguai como mais realista, por atentar para a importância da intervenção do Estado na implantação da ordem liberal burguesa. Gabriela Nunes Ferreira (1999) discorda dessa perspectiva, vendo o debate como o conflito de dois paradigmas distintos sobre o Estado, a Sociedade e das relações entre eles. José Murilo de Carvalho (1998) adota ponto de vista similar ao de Wanderley Guilherme, com uma importante ressalva, explicada mais adiante. O fato é que ambos acreditavam na engenharia institucional e o repúdio de Tavares Bastos à intervenção do Estado é mais aparente do que real, pois a quem caberia elaborar e impor o ordenamento jurídico? Esta é também a sugestão de José Murilo de Carvalho (1998:155-188). 23 A diferença entre os dois tipos ideais está em “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Holanda (1995:93-138).
47
superior, com formação predominante em ciências jurídicas; a dependência de
cargos públicos para assegurar o status pessoal e familiar e as acirradas disputas,
tendo como epicentro desavenças em torno de prestígio e poder pessoal.
A coesão entre eles era baseada num conjunto de crenças e valores
compartilhados sobre a importância da tarefa de que se julgavam atribuídos, a
construção do Estado nacional, e pela desconfiança, misturada com temor, que
nutriam a respeito dos que entendiam como absolutamente desiguais - homens
livres pobres e negros escravos.
As principais organizações que garantiram essa homogeneidade de
pensamento foram a Universidade de Coimbra, a Real Academia da Marinha, o
Colégio dos Nobres e a Academia Real Militar (posteriormente Escola Militar),
entre meados do século XVIII e a Independência. Após a Independência, as
faculdades de Direito de Olinda/Recife e São Paulo (1827), o Colégio Pedro II
(1837), o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838) e a Escola Politécnica
(1874) incumbiram-se dessa função de centros formadores da elite dirigente.
Os cursos jurídicos ocuparam, sem dúvida, o lugar principal dentre esses
centros. O diploma de bacharel em Direito, conservando tradição portuguesa, era o
pré-requisito para pleitear o ingresso no rol dos que tomavam decisões sobre o
país, ocupando os cargos de Ministro, Presidente de Província, Deputado,
Senador e Conselheiro de Estado.
Somente aqueles que pertencessem aos grupos sociais dominantes
poderiam aspirar à obtenção do cobiçado passaporte para o poder. As anuidades
e os gastos de manutenção colocavam os cursos jurídicos acima das
possibilidades da maioria das famílias brasileiras. Quem não dispusesse de
dinheiro, linhagem ou bons padrinhos jamais poderia neles ingressar e, em
48
conseqüência, chegar aos círculos mais íntimos de poder.
Nos estatutos que regulamentaram a criação dos cursos jurídicos no Brasil,
anexados à Lei de 11 de agosto de 1827, deixava-se claro que o objetivo dos
cursos era formar pessoas para exercer o governo e que sua preparação deveria
basear-se não em idéias e conceitos abstratos, mas no domínio de aspectos
práticos da função a que estavam destinados:
“Formar sábios Magistrados, e peritos Advogados, de que tanto se carece; e outros que possam vir a ser dignos Deputados e Senadores, aptos para ocuparem os lugares diplomáticos, e mais empregos do Estado. Convinha pois, não incorrer no equívoco dos Estatutos de Coimbra... o muito e demasiado cuidado com que introduziram o estudo de antigüidades e as amiudadas cautelas que ensinaram para a inteligência dos textos, e que só deveriam servir para aclarar, e alcançar o sentido dos difíceis, fizeram com que os estudantes saíssem da Universidade mal aproveitados na ciência do direito pátrio e sobrecarregados de subtilezas, e antigüidades, que mui pouco uso prestaram na pratica dos empregos a que se destinaram” (Coelho, 1999:179).
A ênfase nos assuntos práticos remetia aos conhecimentos considerados
indispensáveis para exercer altos cargos públicos, principalmente conhecimentos
referentes à legislação dos “povos civilizados”, economia política e estatística:
“Muito importa saber as diversas legislações dos povos civilizados, e mais instruídos do que nós. O mesmo se deve dizer da economia política. Todos, e principalmente o legislador, devem ter algum conhecimento desta ciência, necessária aos homens de qualquer profissão, porque seu fim é aumentar a riqueza pública e particular... A estatística lhe serve de fundamento... portanto logo que se estabelece uma cadeira de economia política, é indispensável outra de estatística universal... Debaixo das palavras geografia política, parece que a comissão entendeu também a parte matemática, e física, desta ciência, sem o que se não pode entrar na parte política. É na realidade de suma importância esta ciência, e tal que se torna absolutamente indispensável ao legislador, ao homem de Estado, ao diplomático, a todos os homens públicos” (Vasconcelos,1999:39-44).
O conteúdo dos cursos jurídicos produziu três efeitos: o desprezo manifesto
dos bacharéis por qualquer trabalho que não fosse o de homens de Estado; o
apego a todas as formas de fortalecimento do Estado e do aparelho administrativo
e, segundo críticos mais mordazes, uma “pobreza franciscana” na produção de
obras de ciência jurídica que exigissem conhecimentos mais abstratos
49
(Coelho,op.cit.:152-91).
O que pode haver faltado aos cursos em ciência e talento foi, não obstante,
recompensado pelos efeitos socializadores sobre os futuros postulantes à elite
política. Ali aprendia-se o pragmatismo, o conformismo aos arranjos de
confirmação de status, a importância de uma adequada administração dos
relacionamentos familiares e pessoais. Mais do que tudo, os alunos imbuíam-se da
crença de que estavam predestinados a um círculo exclusivo, o “círculo dos mais
próximos”, para usar as palavras de Ilmar Rohloff de Mattos (1999), ou seja dos
mais íntimos do poder.
Outro aspecto a salientar sobre a relação entre cursos jurídicos e vida
política: o incentivo à divisão funcional do trabalho, no interior das famílias
pertencentes às camadas dominantes rurais e urbanas. Os proprietários rurais e
comerciantes de grosso trato passaram a concentrar-se nos negócios, delegando
a defesa de seus interesses junto ao Estado para um filho ou parente mais
próximo, portadores do diploma de bacharel. Caberia a esse “político profissional”
prover ou preservar uma esfera de influência para a família nas decisões
governamentais, garantindo o status social e os interesses econômicos do grupo
familiar.
Cabia, portanto, à família conseguir o apadrinhamento necessário para que
o jovem passasse nos exames e obtivesse o ambicionado diploma, mesmo que
não tivesse talento ou empenho. Depois, dependendo das amizades cultivadas
com os próceres da política e da rede clientelista montada pelo chefe da família,
vinha uma nomeação como juiz de primeira instância ou a eleição para a Câmara
dos Deputados.
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Tendo conseguido ingressar em um desses círculos externos do poder, o
Conselho de Estado seria o limite, se o postulante soubesse conduzir-se bem:
casamento com família de igual ou maior prestígio social; padrinhos bem
colocados na Corte; lealdade aos grandes chefes políticos, dosada com
pragmatismo e perspicácia para mudar sua lealdade conforme as circunstâncias e
o cosmopolitismo para conviver nos espaços de sociabilidade destinados aos
homens ilustrados de boas famílias.24
Tudo isso contribuía para internalizar outro componente, ainda não
devidamente realçado e talvez o mais persistente no “núcleo duro” da
representação de mundo compartilhada pela elite política brasileira no século XIX.
A convicção de que a Sociedade não era formada por indivíduos iguais e
detentores dos mesmos direitos e deveres, pois “todos tinham um lugar dentro da
hierarquia e encontravam-se acima ou abaixo dos demais” (Graham, 1997:50) e o
lugar era determinado pela educação, riqueza e relações de parentesco e
amizade.
Para os escolhidos, a coletividade era “concebida como universitas, um
todo de que os homens são simplesmente as partes, uma entidade feita de
conjuntos de laços imperativos de parentesco e lealdades pessoais que são
governados por leis antigas, consideradas como parte da natureza ou como dadas
aos homens por Deus” (DaMatta,1998:209).
24 De acordo com Ilmar Rohloff de Mattos (1999:201): “Formação, carreira, titulação e relações pessoais possibilitavam a constituição de uma identidade... Fisionomias sisudas e indiferenciadas roupas escuras fazem com que as diferenças entre ‘saquaremas’ e ‘luzias’, conservadores e liberais, se esvaneçam. Todavia, quanto mais se assemelham, mais tendem a se apresentar diferentes dos componentes dos demais círculos dos dirigentes imperiais. E esses ‘brasileiros ilustres’ não deixavam de sublinhar suas marcas de distinção, que tinham no discurso, gerado na Casa, burilado nas academias de Direito e exercitado nas tribunas formais e informais, nos salões e no Parlamento. Um discurso quase sempre assinalado pelas idéias liberais, elas também uma marca de distinção, mas caracterizado sobretudo pelo tom hiperbólico, pela tendência à oratória, pela linguagem grandiloqüente e pelo transbordamento emocional que acabavam por apagar as já pálidas fronteiras entre a prática política e a atividade literária”.
51
Segundo tal perspectiva, a família constitui a célula primordial da Sociedade
e o primeiro estágio de uma evolução que, passando pela polis, comuna ou
município, atinge seu ponto culminante no Estado. A coesão social se dá por laços
orgânicos e funcionais que reproduzem as estruturas e o ethos da família.
A importância de uma família media-se, ao longo do Império,
principalmente, por sua riqueza em terras, escravos e agregados. Quanto mais
ativos tangíveis, melhor aparelhado o chefe ou patriarca para exercer influência e
proporcionar proteção. Em torno de sua autoridade juntava-se grande número de
pessoas, escalonadas em grau decrescente de importância: filhos, parentes
consangüíneos mais próximos, parentes mais distantes, parentes rituais (afilhados,
compadres), trabalhadores livres, escravos. O contrato de patronagem era
simples: em troca de obediência e vassalagem, o patriarca concederia proteção,
inclusive contra a autoridade pública e as normas legais.
As famílias assim estendidas eram o fundamento da ordem social.
Pertencer a uma delas era ter o direito de ser reconhecido como pessoa. O destino
individual dependia de contribuir para aumentar a força da família e o status
individual era definido em termos do poder atribuído ao patriarca. Estar fora de
alguma rede familiar era estar indefeso e “inteiramente à mercê das regras
impessoais e universais que governam a nação” (DaMatta,1988:209), ou seja
transformar-se em mero cidadão.
A elite ilustrada que governou o Brasil no século XIX era constituída por
membros das grandes famílias patriarcais. Coimbra ou as faculdades brasileiras
apenas revestiam com verniz cosmopolita os traços mais rudes, a fim de entronizá-
los no mundo do Governo, seu lugar de direito como agentes civilizadores, a
serviço do fortalecimento do Estado e de seus grupos familiares.
52
O exame das instituições criadas por essa elite, para definir a divisão de
poder entre os diferentes grupos sociais, auxiliará a compreender o modo pelo
qual se interpenetravam as crenças e valores nos quais foram socializados, com
as práticas que afetavam a vida coletiva, especialmente no que se refere às
relações entre o Governo do Povo e o Governo do Príncipe.25
25 Distinção sugerida por Bobbio (1997), que pode ser melhor entendida, no caso do Império, a partir de Ilmar Rohloff de Mattos (1994:113-116). Trata-se do confronto entre duas formas de exercer e legitimar o poder. De um lado, tem-se o Governo do Povo ou da Casa, exercido pelos chefes políticos regionais e locais, que procura se legitimar na autoridade do Legislativo, na defesa dos interesses particulares das províncias e municípios e no mandonismo despótico e personalista. De outro, o Governo do Príncipe ou do Estado, a ser exercido pelos homens ilustrados, segundo leis impessoais e universais, e que tem como fontes de legitimação a autoridade do conhecimento, a racionalidade burocrática e o interesse geral da Nação.
53
Capítulo 4
O Governo do Príncipe
Entre o Príncipe e o Povo
Na época da Independência, obediente ao liberalismo em voga nas “nações
civilizadas”, a elite política julgou adequado elaborar uma Constituição que
consagrasse “os grandes princípios da liberdade”, as “instituições protetoras”
dessa liberdade e “os direitos do homem e do cidadão”, segundo palavras de
Justiniano José da Rocha (1953:209). 26
Embora houvesse acordo quanto a isso, havia sérias desavenças no que
dizia respeito à definição da fonte de poder, isto é, se deveria caber ao Imperador
ou à Assembléia Nacional a primazia na criação das instituições jurídicas e
políticas.
De um lado, situavam-se os defensores da tese que pretendia fazer da
Assembléia o único representante legítimo da vontade popular, cabendo ao
Imperador simplesmente promulgar as leis por ela elaboradas. De outro, os
defensores das prerrogativas monárquicas, para quem a representação do povo
cabia tanto ao Parlamento como ao Imperador, tendo este último o direito de
aprovar ou vetar, em última instância, as leis.
26 Justiniano José da Rocha. Jornalista, amigo e protegido do Visconde de Uruguai, escreveu um dos ensaios mais influentes sobre a história política do Império entre 1822 e 1856: “Ação, reação e transação”. Neste ensaio tentou interpretar as mudanças políticas de sua época em termos de uma lei geral: o excesso de democracia na regência provoca uma reação fortemente conservadora que, ao final, dá lugar à conciliação entre as duas tendências.
54
D. Pedro I explicitou o conflito no discurso de abertura da Constituinte de
1823. Na ocasião, ressaltou a necessidade de que a primeira Constituição
brasileira evitasse o despotismo, entendido como afirmação absoluta do poder do
monarca, e a democracia, entendida como submissão completa à vontade popular,
através da Assembléia. Devia-se assegurar, segundo o Imperador, a harmonia e o
equilíbrio das competências entre os poderes. Ao mesmo tempo, insistiu em deixar
clara sua posição e a do grupo que o apoiava, então liderado por José Bonifácio,
quanto a indiscutível preeminência do Imperador, pois as disposições
constitucionais e as leis delas emanadas estariam sujeitas ao seu crivo, enquanto
Defensor Perpétuo do Brasil.
Reafirmava-se, em sua fala, o princípio de dupla representação da
soberania popular, com a balança pendendo, de fato, em favor do Imperador, a
quem cabia o papel de guardião da Ordem, protegendo o Brasil dos perigos
provocados pelo eventual desrespeito dos legisladores aos usos e costumes da
maioria da população e ao estágio de civilização em que se encontrava o país27:
“Dignos representantes da nação brasileira... Afinal raiou o grande dia para este vasto império...Está junta a assembléia para constituir a nação...Como imperador constitucional, e mui especialmente como ‘defensor perpétuo’ deste império, disse ao povo no dia 1º de dezembro próximo passado, em que fui coroado e sagrado, que com minha espada defenderia a pátria, a nação, e a constituição, se fosse digna do Brasil e de mim. Ratifico hoje mui solenemente perante vós esta promessa, e espero que me ajudeis a desempenhá-la, fazendo uma constituição sábia, justa, adequada e executável, ditada pela razão, e não pelo capricho...Uma constituição em que os três poderes sejam bem divididos de forma que não possam arrogar direitos, que não lhes compitam...Afinal uma constituição que pondo barreiras inacessíveis ao despotismo, quer real, quer democrático, afugente a anarquia” (Tapajós,1984:38-44).
27 A posição de D. Pedro I sustentava-se na antiga representação do rei como dotado de um corpo coletivo e outro individual. Essa concepção, herdada da Idade Média, seria aperfeiçoada no final do século XVIII para acomodar a idéia de que o rei derivava seu poder, tanto da vontade divina como da vontade do povo. Isso significava que sua autoridade ultrapassava aquela concedida nas teorias contratualistas liberais (Cf. Carvalho Souza,1999:21-38). A fórmula da dupla autoridade estaria presente no preâmbulo da Carta de 1824: “D. Pedro I, por graça de Deus e unânime aclamação dos povos, imperador constitucional e defensor perpétuo do Brasil”, indicando a ambígua mistura de doutrinas que marcavam a ilustração portuguesa e se reafirmavam no Brasil independente.
55
A posterior dissolução da Constituinte pode ser assim justificada como uma
medida defensiva, já que os constituintes, pretendendo estabelecer o Parlamento
como principal fonte do poder político, teriam traído a confiança neles depositada
de evitar extremos que abalassem a harmonia e o equilíbrio naturais da sociedade.
Harmonia e equilíbrio que se sustentavam na autoridade do monarca, que atuava,
através do Poder Moderador e do Poder Executivo, como representante último da
vontade do Povo e fiador de seu bem-estar.
As repercussões negativas ao golpe desfechado por D. Pedro I
concentraram-se em algumas províncias do Norte, sendo a Confederação do
Equador a única ação de repúdio mais resoluta e ameaçadora. Brutalmente
reprimida, a Confederação não contou com apoio ou simpatia dos grupos políticos
mais importantes, inclusive os do Norte. Apesar disso, a dissolução da Constituinte
foi depois utilizada, quando a oposição a D. Pedro se fez mais acirrada, como
prova do caráter despótico do Imperador e daqueles que o apoiavam.
A Constituição de 1824, outorgada pelo Imperador, foi submetida às
Câmaras municipais para sanção. Um gesto pelo qual se procurava legitimar a
Carta, recorrendo a uma fonte tradicional de mediação entre o rei e o povo, mas
que significou, também, a admissão tácita de que sem o apoio dos mandatários
locais não haveria como manter a estabilidade do sistema político. A Monarquia
derivava sua autoridade e força, em última instância, de uma ligação orgânica com
o Governo da Casa.28
28 “A opção pela Câmara enquanto lugar e canal que expressasse sua adesão a D. Pedro significava, por parte das elites, recorrer às maneiras estabelecidas e cristalizadas de reconhecer e entender o poder local, evitando o surgimento de alguma outra instituição ou modo de representação que dilatassem o sentido da legitimidade e, no limite, da liberdade. Em decorrência disso, a Câmara assegurava à elite local a manutenção da sua força e a erigia à condição de um interlocutor capital para os interesses dos grupos de Minas-Rio-São Paulo capitaneados
56
O pacto firmado com as elites locais assumiu uma característica original e
de efeitos imprevisíveis, em comparação ao que vigorara na época colonial. Seus
termos são os do contratualismo liberal, indicando que as elites locais, no seu trato
com a Monarquia, não se reconheciam como simples súditas, mas como parceiras
indispensáveis e, a bem da verdade, decisivas, na construção e preservação do
ordenamento social e político:
“Sendo incontestável, que o livre, e unânime consentimento e vontade dos povos é a única legítima origem do poder, e autoridade dos Monarcas, e que não há um título mais honesto e glorioso do que aquele que é fundado na livre unanimidade da vontade dos mesmos povos, é vossa Majestade Imperial sem contradição alguma o mais legítimo e glorioso dos Monarcas, porque foi elevado a esse grau pela geral e espontânea aclamação dos Brasileiros, e em cujos corações têm Vossa majestade Imperial assentado as bases do seu vasto Império”.29
A preocupação com a ordem social, mediante o reconhecimento de que ao
governo central cabia a missão de impedir que as disputas intra-oligárquicas
degenerassem em guerra civil, foram as razões para que a Câmara de Vila de
Santa Maria de Baependi, em Minas Gerais, aderisse à Carta outorgada:
“Quando os primeiros homens se uniram em Sociedade Civil, não foi senão para poderem gozar pacíficos da tranqüilidade, e sossego, que não encontravam nos bosques: por esta razão elegeram desde logo um dentre si, que os governasse, e defendesse, em cujas mãos depositaram uma partícula de sua liberdade natural para que a outra lhe ficasse salva, e a coberto ou da malignidade ou da força dos mais destemidos e poderosos. Isto era necessário: despiram-se de alguns direitos para poderem conservar os outros”.
O medo da desordem popular e de uma revolução social também aparecem
como motivo para a adesão da Câmara de Vitória, na província do Espírito Santo:
“Todos somos obrigados pela Suprema Luz Natural a buscar o nosso maior bem, ou o nosso menor mal. Ainda quando o Sistema atual europeu fosse vantajoso ao Brasil; é sem controvérsia muito mais vantajoso ao mesmo Brasil o ter em si os recursos da Soberania, e do poder executivo que aplaque com prontidão os tumultos populares, reúna os
pela corte carioca” (Carvalho Souza, 1998). 29 Esta e todas as outras citações textuais das adesões foram retiradas de “As câmaras municipais e a independência”. Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, Conselho Federal de Cultura, 1973, apud Carvalho Souza (1998).
57
partidos, proveja aos interesses particulares, e públicos, em uma palavra que sirva de foco fixo donde dimanem os raios da Ordem Social”.
A Câmara de Itú, em São Paulo, cuidou de enfatizar, em sua adesão, que o
título de perpétuo defensor fora atribuído a D. Pedro I pelos “homens bons”, não
por algum poder superior ou por mero capricho do Imperador, e que isso implicava
uma reciprocidade de tratamento:
“Senhor: se fossemos governados por um desses monarcas usurpadores dos direitos de seus súditos...não teríamos a lembrança de reflexionar sobre o Projeto de Constituição... Mas felizmente para o Brasil, nós possuímos um Imperador que mil vezes tem reconhecido os direitos imprescritíveis de seus súditos, que lhes tem solenemente prometido garanti-los e defendê-los: e que se gloria não tanto com o Augusto Título de Imperador e Chefe da Nação Brasileira... como por se denominar seu perpétuo defensor, título na verdade significativo de uma proteção paternal da parte de quem o possui, como de uma ilimitada confiança da parte dos que o deram”.
A resposta de D. Pedro I às adesões indica o entendimento de que a
relação entre a Monarquia e as elites locais calcava-se não só no respeito ao
contrato firmado, mas em uma comunhão de interesses mais profunda, como a
existente entre os órgãos do corpo humano. A desordem, isto é, a ruptura dessa
harmonia funcional, foi expressa, também em termos biológicos, como um agente
exógeno causador de doenças e morte (Carvalho Souza,1998):
“Praticai as virtudes sociais que requer o sistema constitucional: e confiai que assim como Me vistes incansável e constante no propósito de afastar para longe os germens da discórdia civil, sem o sacrifício de vossas Vidas, a que o Meu Coração não podia acomodar, sempre tereis em mim o guarda vigilante de vossos sagrados Direitos e o Protetor zeloso de vossas justas representações e interesses”.
A dissolução da Constituinte, a outorga da Carta e os termos de adesão
deixam entrever, desde o Primeiro Reinado, os desacertos eventuais entre as
aspirações do Governo da Casa e as do Governo do Estado. Comparem-se as
posições de Diogo Antônio Feijó e de Paulino José Soares de Sousa, o Visconde
de Uruguai.
58
Para Feijó, as instituições políticas e o governar visavam proteger os
direitos e a liberdade dos cidadãos. Os mecanismos que garantiriam o alcance
desse objetivo eram a independência e equilíbrio entre os poderes, o respeito à
Constituição e às franquias municipais e o exercício continuado dos direitos de
cidadania. Pregava, assim, a preeminência do Governo da Casa sobre o do
Estado:
“Qual é o objetivo de toda a instituição política, ou de toda a espécie de governo? A garantia dos direitos e da liberdade de cada um...Mas o governo pode abusar da força que lhe é confiada: em vez de se servir dela para proteger, pode torná-la um meio de opressão. A nação, pois, deve ter garantias contra os governantes... Essas garantias estarão na Constituição jurada que fixa a natureza e os limites dos poderes, que os define com precisão; elas estarão na Assembléia dos deputados da nação que discutem e votam as leis, que vigiam em que a Constituição seja respeitada; estarão na liberdade de imprensa, ou na força da opinião... estarão no julgamento dos crimes por um júri de cidadãos, no direito de petição, na organização das municipalidades...O melhor governo, qualquer que seja a sua forma, é pois aquele que afiança os direitos de cada um, e que é obrigado a submeter-se à Constituição. Eis a questão resolvida” (Feijó, 1999:144).
Já no entendimento do Visconde de Uruguai, a principal salvaguarda dos
direitos e da liberdade era reforçar a autoridade do Poder Executivo e preservar o
Poder Moderador. Ao Poder Executivo caberia, no duplo papel de Governo e de
Administração, cuidar da “direção moral dos interesses gerais da Nação” e da
execução do pensamento político. Para cumprir sua funções, haveria de dispor da
necessária autonomia e discricionariedade, dentro dos limites fixados pelas leis,
opinião pública e Legislativo. Observa-se uma inversão na hierarquia defendida
por Feijó e a falta de menção às franquias municipais, enquanto se insinua,
também, a possível falta de convergência entre os interesses dos representantes
(Legislativo) e dos cidadãos (opinião pública):
“O Poder Executivo...obra como Poder Executivo puro, político ou governamental, ou como Poder Administrativo...Como governo, o Poder Executivo aplica por si só e diretamente as leis de ordem política. Como tal é o promulgador e o executor das leis, por meio de regulamentos e providências gerais; é o encarregado e o depositário do pensamento
59
político, e da direção moral dos interesses gerais da Nação...A ação governamental do Poder Executivo deve ser livre, e o seu poder mais ou menos discricionário, sujeito somente às leis (em cuja confecção intervém), à opinião e à representação nacional” (Uruguai,1960:25).
O pensamento do Visconde de Uruguai é completado com sua análise do
Poder Moderador. Através deste, o Imperador, no exercício de uma delegação
especial e privativa, assumia o papel de maior representante da vontade dos
cidadãos. O Poder Moderador pairava acima dos demais, zelando para que o
interesse geral prevalecesse sobre os interesses particulares. No mundo da
política, isso significava dizer que as elites locais e seus representantes no
Parlamento, no Judiciário e na burocracia estatal deveriam ser mantidos sob
permanente vigilância e controle:
“O Poder Moderador é um poder político...É uma delegação da Nação. Todos os Poderes Políticos são delegações da Nação...Mas o Poder Moderador não é delegação, como os outros...é delegação especial e privativa...e é delegado privativamente ao Imperador. É a suprema inspeção sobre os Poderes Legislativo, Executivo e Judicial” (Uruguai,1960:271-72).
Trata-se, no plano das representações, de uma “contraposição que, em
geral, não é levada na devida conta mas que divide em dois campos opostos as
doutrinas políticas [e o modo de perceber e atuar dos agentes políticos, pode-se
acrescentar] talvez mais do que qualquer outra dicotomia” (Bobbio,1965:62-65).
De um lado, o Estado é compreendido ex parte principis, e as questões
essenciais para os que a compartilham são “a arte de bem governar”, “as diversas
funções do Estado” e “os vários ramos da administração”. Do outro lado, ex parte
populi, situam-se aqueles cujas preocupações principais são “a liberdade dos
cidadãos”, a felicidade individual, “a articulação da sociedade política em partes
inclusive contrapostas” e “a divisão e contraposição vertical e horizontal dos
diversos centros de poder e não apenas o poder na sua concentração e na sua
centralidade”.
60
Os Senhores do Estado
A Constituição de 1824 foi elaborada ex parte principis: o Imperador era
considerado o maior representante da Nação brasileira, pois enquanto seus
poderes eram delegados diretamente pela Nação (Art. 12), o Poder Legislativo era
delegado à Assembléia com a sua sanção (Art. 13). Cabia-lhe ainda chefiar o
Poder Executivo, exercitando-o através dos Ministros (Art. 102), os quais poderia
nomear e demitir livremente (Art. 101). Além disso, competia-lhe exercer o Poder
Moderador.
O Poder Moderador era definido como “a chave de toda a organização
política”, sendo delegado privativamente ao Imperador, “como chefe supremo da
nação e seu primeiro representante, para que incessantemente vele sobre a
manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos mais poderes políticos”
(Art. 98). Competia-lhe, no exercício deste Poder: nomear os senadores; sancionar
os decretos e resoluções da Assembléia Geral, conferindo-lhes força de lei;
aprovar ou suspender temporariamente as resoluções dos conselhos provinciais;
dissolver a câmara dos deputados, “nos casos em que o exigir a salvação do
Estado”; suspender os magistrados (Art. 101).
O Imperador seria auxiliado em suas atribuições pelo Conselho de Estado
(Art. 137), composto de Conselheiros vitalícios nomeados dentre aqueles que
tivessem as mesmas qualificações exigidas para o cargo de Senador (Art. 140).
Antes de tomarem posse, os Conselheiros deveriam prestar juramento, “nas mãos
do Imperador, de manter a religião católica, apostólica romana; observar a
Constituição e as leis; ser fiéis ao imperador; aconselhá-lo, segundo suas
consciências, atendendo somente ao bem da nação” (Art. 141). O Conselho teria
61
caráter consultivo e seria ouvido “em todos os negócios graves e medidas gerais
da pública administração... assim como em todas as ocasiões em que o imperador
se proponha exercer qualquer das atribuições próprias do poder moderador” (Art.
142).
Durante o período regencial, uma das principais reivindicações dos liberais
exaltados foi a extinção do Conselho de Estado, o que foi atendido através do Ato
Adicional de 1834. A supressão do Conselho era considerada indispensável para
eliminar o Poder Moderador que, no entender dos críticos, conferia extraordinário
poder pessoal ao Imperador e, através dele, aos Ministros, usurpando as
prerrogativas do Legislativo e do Judiciário. A contra-reforma dos conservadores,
iniciada em 1837, recriou o Conselho de Estado, com todas as funções
consignadas na Carta de 1824.
José Murilo de Carvalho (1996:327-58), ao examinar as atas de reuniões
plenas do Conselho de Estado, no período entre sua recriação e a proclamação da
República (1841-1889), concluiu que constituem um rico material para averiguar as
crenças e valores que orientavam as decisões dos mais altos mandatários do
Império. Mais rico, segundo ele, do que os discursos parlamentares ou os artigos
de jornal e livros publicados, pois os principais construtores e mantenedores do
Império sentiam-se, durante as reuniões do Conselho, obrigados a manifestar suas
verdadeiras convicções.
O Conselho, durante o Segundo Reinado, era composto por liberais e
conservadores em proporções praticamente idênticas, escolhidos pelo Imperador
dentre homens experimentados na vida pública e no trato dos assuntos de Estado.
Examinando-se sua composição entre 1841 e 1889, constata-se que 47 dos
72 Conselheiros haviam percorrido todos os níveis mais importantes da hierarquia
62
política - Ministério, Senado, Presidência de Província e Magistratura – e que 54
dos 72 Conselheiros tinham formação em Direito. Dentre eles, ao longo do
período, destacaram-se algumas lideranças, homens reconhecidos por seus pares
como os mais bem preparados, em termos intelectuais e de vivência política.
Bernardo Pereira de Vasconcelos, Paulino José Soares de Souza, Nabuco de
Araújo, Pimenta Bueno, Souza Franco e o Barão do Rio Branco foram alguns
desses primus inter pares.
No exame das atas, José Murilo detectou as seguintes convergências no
pensamento daqueles que eram reconhecidos como os alicerces do Império:
• o modelo a ser copiado pelo Brasil era o fornecido pelas
instituições sociais, políticas, culturais e econômicas vigentes nas
duas principais civilizações cristãs do Ocidente: Inglaterra e
França. Os Estados Unidos, não eram esquecidos, mas a
identificação mais intensa era com o modelo europeu;
• a transposição de soluções e práticas estrangeiras deveria ser
feita a partir de criterioso estudo das implicações e possibilidades
de êxito decorrentes das peculiaridades brasileiras. A partir disso,
por exemplo, o liberalismo econômico precisava ser aplicado com
prudência, entendendo-se como legítima e necessária a
intervenção do Estado na regulação do mercado e na proteção
dos interesses econômicos nacionais;
• o descrédito quanto a uma harmoniosa correspondência entre
a vontade dos cidadãos e os a defesa da mesma pelos
representantes eleitos, no caso brasileiro, pois as eleições eram
falseadas. Com isso, deveriam ser procurados outros canais, que
63
não o Legislativo, para conhecer essa vontade e, ao mesmo
tempo, cuidar de melhorar o processo eleitoral, depurando-o de
seus vícios;
• a defesa intransigente da soberania externa e interna do
Estado. A razão do Estado deveria sobrepor-se, em qualquer
circunstância, aos interesses particulares;
• a descrença quanto a capacidade do povo brasileiro participar
nas decisões políticas. Tratava-se de um povo sem educação
cívica, indolente, inculto e sempre disposto a atos de violência
quando incitado por pessoas mais esclarecidas.
O Poder Executivo, chefiado pelo Imperador e exercido através dos
Ministros, tinha como principais atribuições: nomear bispos e prover os benefícios
eclesiásticos; nomear magistrados; prover os empregos civis e políticos; conceder
títulos, honras, ordens militares e distinções em recompensa dos serviços feitos ao
Estado; nomear os comandantes da força de terra e mar; expedir os decretos,
instruções e regulamentos adequados à boa execução da lei; conceder ou negar o
beneplácito aos decretos dos concílios e letras apostólicas e quaisquer outras
constituições eclesiásticas (Art. 102).
Considerando que uma das principais instâncias de poder durante todo o
período monárquico foi o Ministério, interessa examinar suas características mais
importantes em termos de composição e incumbências.30
Quanto ao nível educacional, os números totalizados para o período 1822-
1889 indicam que a maioria dos Ministros (91%) possuía educação superior,
30 As informações sobre educação, ocupação e origem social dos ministros podem ser encontradas em José Murilo de Carvalho (1996:55-105). No tocante às incumbências dos Ministérios, conferir Sarmento (1986).
64
predominantemente em ciências jurídicas. Dos Ministros com formação jurídica,
entre 1822-1831, cerca de 72% tinham sido alunos de Coimbra, percentuais que
decaem, nos períodos subseqüentes, para 67% (1831-40), 45% (1840-53) e zero,
a partir de 1853, quando os egressos de Coimbra são substituídos, gradualmente,
pelos bacharéis formados nos cursos jurídicos nacionais.
O cruzamento entre ocupação dos Ministros e sua origem social indica que,
durante o período 1822-1889, 62% dos magistrados, 51% dos advogados e 65%
dos que exerciam outras atividades profissionais tinham ligação familiar com os
proprietários rurais, o comércio e as finanças.
Embora as ligações familiares não necessariamente comprometessem os
Ministros com a defesa dos interesses dos grupos economicamente dominantes,
não se pode negligenciar a homogeneidade das representações do mundo social
entre a elite política que comandava o Governo Imperial e os grupos sociais dos
quais era originária.
Por um lado, existia a força coercitiva das relações de parentesco e
amizade no processo de tomada de decisões, em uma sociedade patriarcal. De
outro, havia a importância atribuída aos interesses gerais do Estado nacional, os
quais, em uma economia cujo dinamismo era gerado no setor agrário-escravista
de exportação, tendiam a confundir-se com os interesses específicos desse setor.
Tais aspectos foram confirmados na adoção de critérios patrimonialistas e
clientelistas na gestão pública, na resistência às pressões externas visando
extinguir as relações escravistas de trabalho e na ausência de políticas mais
arrojadas de deseconcentração da propriedade fundiária.
O que parece mais próximo da realidade é admitir que os participantes da
elite política imperial viam a si mesmos como guias e orientadores dos grupos
65
sociais dominantes. Acreditavam conhecer o que era melhor para eles e nada
parecia melhor do que a manutenção dos monopólios sobre a terra e a força de
trabalho, mesmo ao preço de contrariar, eventualmente, os pendores reformistas
de alguns segmentos da própria elite ou os interesses econômicos isolados de
algum grupo. Acreditavam, também, que seriam capazes de, mediante uma
paciente e eficaz pedagogia, superar as resistências e as incompreensões
decorrentes do não atendimento de interesses particulares imediatistas.31
Quanto à estrutura, o número de Ministérios variou pouco durante o
Império, ressaltando-se apenas o desmembramento do Ministério do Reino,
Justiça e Estrangeiros, em 1822-23, e a criação do Ministério de Agricultura,
Comércio e Obras Públicas em 1860.
No que diz respeito ao espaço de poder decisório sobre as questões
básicas do Império, os Ministérios do Império e da Justiça concentraram a maior
parte dele durante todo o período, passando a dividi-lo com o da Agricultura, nos
últimos 29 anos do sistema, exceto no referente à manutenção da ordem pública e
controle das eleições e da imprensa (Quadro 1). Cuidava-se assim de formar uma
Nação, seja com meios coercitivos, seja com a disseminação e internalização de
crenças e valores, sem esquecer da proteção aos negócios.32
31 “A fonte de legitimação da elite de poder fundadora do Estado Nacional brasileiro foi a defesa do patrimônio (escravos e terras) e de um corpo de regras histórico, longamente sedimentado e resistente à mudança” (Lessa, 2000:306). 32 Tratava-se, para Ilmar Rohloff de Mattos (1994:191), de “ora por meio do privilegiamento do Ministério da Justiça, ora por meio de privilegiamento da pasta do Império; ora pela utilização em maior escala dos mecanismos coercitivos, ora pela obtenção de um consentimento –[de]...olhar pelos interesses da sociedade...Ter sob o olhar o conjunto dos cidadãos e dos não-cidadãos, a totalidade do território”.
66
QUADRO 1
EVOLUÇÃO DOS ESPAÇOS DE PODER DECISÓRIO RELATIVOS A
ALGUMAS QUESTÕES BÁSICAS DO IMPÉRIO Questões 1º Reinado Regência 2º Reinado
Propriedade da terra Império Justiça Império/Justiça/Agricultura
Força de Trabalho Império Justiça Império/Justiça
Regulação do comércio Império Império Império/Justiça/Agricultura
Distribuição de honrarias Império Império/Justiça Império/Justiça/Agricultura
Manutenção da ordem Império/Justiça Império Justiça
Eleições e imprensa Império/Justiça Império/Justiça Império/Justiça Fonte: Sarmento (1989:158)
Legisladores e Juízes
O Poder Legislativo, exercido através da Assembléia Geral, era bicameral,
sendo composto pela Câmara dos Deputados, temporária, e pelo Senado vitalício.
Graças a concentração de poderes no Imperador e no Executivo, cabia à
Assembléia muito mais funcionar como uma espécie de caixa de ressonância da
opinião da “boa sociedade”, isto é, dos funcionários públicos, militares, clérigos,
comerciantes, profissionais liberais e proprietários rurais.
A Câmara dos Deputados tinha uma composição mais próxima aos
interesses do Governo da Casa, graças ao controle exercido pelos mandões
regionais e locais sobre os eleitores. O Senado, com membros escolhidos
pessoalmente pelo Imperador, de mandato vitalício e atuando enquanto instância
revisora das decisões da Câmara, permitia assegurar o controle do Governo do
Estado sobre a legislação.
Dentre as principais atribuições da Assembléia Nacional cabe destacar:
tomar juramento ao Imperador, ao príncipe imperial, ao regente ou Regência;
eleger a Regência ou regente e marcar os limites de sua autoridade; resolver as
dúvidas que ocorressem sobre a sucessão da coroa; fazer leis, interpretá-las,
67
suspendê-las e revogá-las; velar pela guarda da Constituição e promover o bem
geral da nação; fixar anualmente as despesas públicas; fixar anualmente, sobre a
informação do governo, o contingente do exército e da armada; autorizar o
governo a contrair empréstimos; estabelecer os meios convenientes para
pagamento da dívida pública; criar ou suprimir empregos públicos e estabelecer-
lhes ordenados.
O Poder Judiciário, segundo a Carta de 1824, tinha seu funcionamento
regulado apenas pelo Governo Central, a quem cabia também a nomeação dos
juízes, e seria exercido por juízes e jurados, “assim no cível como no crime, nos
casos e pelo modo como os códigos determinarem” (Art. 151). Os juízes de direito
eram vitalícios, podendo, no entanto, ser removidos de um lugar para outro pelo
tempo e maneira fixados em lei. Para julgar causas de segunda e última instância,
havia Relações funcionando nas principais províncias.
Instituiu-se, na capital do Império, o Superior Tribunal de Justiça, composto
de juízes letrados tirados das Relações por sua antigüidade, a quem caberia
conceder ou denegar revistas nas causas; conhecer dos delitos e erros de ofício
que cometessem os seus ministros, os das Relações, os empregados do corpo
diplomático e os presidentes de províncias.
A lei regulamentando os juizados de paz, previstos na Carta de 1824, foi
editada em 1827. Eram atribuições dos juízes de paz: fazer autos de corpo delito,
interrogar os delinqüentes e prendê-los; obrigar a assinatura de termos de bem
viver e vigiar a conduta de índios, mendigos, bêbados, prostitutas e indivíduos
turbulentos e aplicar penas aos violadores de posturas da Câmara.
Podiam ser escolhidos para exercer o cargo de juízes de paz quaisquer
cidadãos eleitores residentes no distrito. Eram eleitos quatro juízes de paz, para
68
um período de quatro anos, servindo, cada um deles, por um ano e ficando os
demais como suplentes.
O breve exame da Constituição de 1824 permite constatar que, na divisão
de poderes, cabia ao Imperador e, consequentemente, ao Poder Executivo central,
completa preeminência sobre os demais. O Imperador, no topo da hierarquia
política, encarnava a vontade geral e subordinava, em nome dessa vontade, os
poderes emanados da comunidade política (Santos,1978:78-79). Igreja,
Assembléia, Judiciário, Forças Armadas, Províncias e Municípios dependiam
diretamente de suas decisões. A harmonia de poderes e a autonomia política e
administrativa não existiam senão nas intenções. O Imperador, de direito e de fato,
reinava, governava e administrava, unificando todos os cidadãos, ativos e inativos,
como súditos (Rohloff de Mattos,1994:1420).
Essa hipertrofia dos poderes do Príncipe parecia aos defensores do
primado da unidade territorial como a maior garantia de submissão das forças
centrífugas que caracterizavam a herança política colonial. Cumpria ainda a
finalidade de mascarar as divisões sociais ao transmitir a idéia de uma igualdade
geral de todos os indivíduos - a igualdade de súditos. O corpo do Imperador, em
sua integridade, simbolizava a união do corpo de cidadãos. A vontade do
Imperador convertia-se, portanto, na vontade da Nação, apagando todas as
divergências.
69
Capítulo 5
Governo do Povo
A Sociedade dos Homens Bons
A predominância do Governo do Príncipe era necessária, no pensamento
dos engenheiros institucionais que se atribuíram a tarefa de construir o Estado
Nacional brasileiro, para refrear o Governo da Casa, reduzindo o poder das
lideranças locais, habituadas a exercê-lo sem considerar outro propósito que não
fosse a satisfação de seus interesses particulares e imediatistas. Entre o
autoritarismo do Príncipe e a ampliação do escopo da cidadania, optou-se pelo
primeiro caminho. Como evitá-lo, sem abandonar arraigadas convicções quanto a
desigualdade natural dos homens e aos privilégios que cabiam, pelas leis da
Natureza, aos mais fortes?
Utilizando a liberdade e a propriedade como critérios33, a Constituição de
1824 cuidou de estabelecer distinções não apenas entre cidadãos e não-cidadãos,
como dentro do grupo admitido à cidadania, separando os cidadãos ativos,
aquinhoados com direitos civis e políticos, dos inativos ou simples, detentores
unicamente de direitos civis.
O duplo critério justificava excluir da sociedade política todos aqueles que
não dispunham de autonomia para decidir por si mesmos: as mulheres, os
menores, os criados de servir, os criados da casa imperial, que não fossem de
galão branco, os administradores das fazendas rurais e fábricas e os religiosos
que vivessem em comunidade claustral. Eliminava-se, também, qualquer
33 Conforme sugerido por Rohloff de Mattos (1994:109).
70
possibilidade de aventar a inclusão social dos escravos, os quais, além de não
serem livres, eram simples bens objeto de propriedade.
Cidadãos ativos eram os varões brasileiros e os estrangeiros naturalizados,
com idade mínima de 25 anos e renda líquida anual de ao menos 100$000 (cem
mil réis). O limite de idade baixava para 21 anos no caso de chefes de família,
oficiais militares, bacharéis, clérigos e empregados públicos.
As eleições eram indiretas, “elegendo a massa dos cidadãos ativos em
assembléias paroquiais os eleitores de província e estes os representantes da
nação e das províncias” (Constituição de 1824, Art. 90). Os cidadãos ativos com
renda inferior a 200$000 escolhiam o colégio eleitoral, ou seja aqueles a quem
caberia, de fato, o direito de votar nos candidatos a cargos eletivos. Para ser
membro do colégio eleitoral era necessário comprovar renda líquida anual de pelo
menos 200$000. Por sua vez, só poderiam candidatar-se ao cargo de deputado
provincial ou nacional os cidadãos ativos que comprovassem renda anual mínima
de 400$000 e, no caso dos postulantes ao Senado, idade mínima de 40 anos e
renda igual ou superior a 800$000.
De acordo com José Murilo de Carvalho (1996) e Richard Graham (1997),
as limitações impostas ao direito de participação política não eram de molde a
restringir muito o envolvimento da maioria dos homens livres no processo eleitoral,
pois os critérios de comprovação de renda eram bastante elásticos, as
informações apresentadas não estavam sujeitas à averiguação rigorosa e era
permitido o voto dos analfabetos.
Com base nos dados do Censo de 1872, José Murilo (1996:361) estimou
que o número de votantes (eleitores de primeiro grau) representava
aproximadamente 13,0% da população total, se nela não fossem incluídos os
71
escravos. Em números absolutos, 1.097.698 brasileiros tinham o direito de voto em
1872. Esse contingente seria severamente reduzido com a reforma eleitoral de
1881, que estabeleceu as eleições diretas, aumentou as exigências de
comprovação da renda e proibiu o voto dos analfabetos. Em decorrência, nas
eleições de 1886, o eleitorado diminuiu para 0,8% da população total. O índice de
1872 (13,0%) só voltaria a ser igualado nas eleições de 1945.
Richard Graham (1997:148) estimou que, no início dos anos 1870, 51% dos
varões livres, com idade acima de 21 anos, estavam qualificados a votar, em todo
o Brasil. Segundo seus dados, a relação votantes qualificados/população livre
seria a seguinte: Norte - 66% (Amazonas - 41%, Pará - 62%, Maranhão - 82%,
Piauí - 57%); Nordeste - 64% (Ceará - 49%, Rio Grande do Norte - 47%, Paraíba -
73%, Pernambuco - 64%, Alagoas - 86%, Sergipe - 46%, Bahia - 68%); Leste -
38% (Espírito Santo - 54%, Rio de Janeiro - 52%, Minas Gerais - 32%); Sul - 39%
(São Paulo - 35%, Paraná - 40%, Rio Grande do Sul - 43%); Oeste - 60% (Goiás -
61%, Mato Grosso - 56%).
Partindo desses dados, é lícito concluir que, no Império, as eleições
chegaram a mobilizar grandes contingentes populacionais, trazendo complicações
novas à elite política, habituada a submeter-se apenas ao escrutínio de seus
pares. O aumento do número de cargos eletivos, em níveis municipal, provincial e
nacional, bem como a freqüência das eleições representavam um aumento, nem
sempre desejável, na competição política e nos ônus de manutenção de uma
clientela fiel.
Além disso, adotar um sistema representativo em um país escravocrata,
com fortes contrastes econômicos e sociais, contribuía para manter na agenda de
discussões temas conflituosos como a “definição da cidadania, isto é, de quem
72
pode votar e ser votado; a garantia da representação das minorias, isto é, a
ditadura de um partido ou facção; e a verdade eleitoral, isto é, a eliminação de
influências espúrias, seja da parte do governo, seja da parte do poder privado”
(Murilo de Carvalho,1996: 359).
Cabe indagar, portanto, as razões para que se conseguisse sustentar,
durante todo o Império, razoável consenso quanto a manutenção de um sistema
de democracia representativa. Diversos motivos podem ser ter concorrido para
isso, no plano das representações sociais mantidas pelos dirigentes políticos.
Em primeiro lugar, as eleições ajudavam a reiterar, de forma simbólica, as
distinções hierárquicas entre os diversos estratos sociais e o domínio
incontrastável dos mais aptos ao exercício do comando político e social:
“As eleições eram, acima de tudo, exibições teatrais elaboradas, que reiteravam insistentemente a convicção de que a única base própria da organização social residia no claro reconhecimento da superioridade e inferioridade social de cada um...Em cada ritual , todo indivíduo afirmava seu lugar e desempenhava um papel preestabelecido. Os oficiais da Guarda Nacional, o juiz de paz, o vigário, o votante, cada um representava um papel distinto...Os ritos, repetidos a cada eleição reafirmavam e reforçavam a classificação da sociedade e sua conveniência” (Graham, op.cit.:163-64).
Segundo, o fato de haver eleições, em torno das quais podiam organizar-se
“partidos”, contribuía também para sinalizar aos “homens bons” que cada uma de
suas facções poderia, a qualquer momento, prevalecer sobre as demais, desde
que aceitassem as regras fixadas para o jogo político. Com isso aumentavam-se
as chances de solucionar, por vias pacíficas, rixas intra-oligárquicas que, se
deixadas sem freio, poderiam ameaçar a ordem social. O processo eleitoral tendia,
assim, a ser interpretado como um meio para a educação cívica, abrindo caminho
para tornar realidade o self government.
Outro motivo, não menos importante, é que o sistema representativo
demonstrava ao mundo que os senhores do Brasil compartilhavam os valores e
73
práticas dos povos mais civilizados, distanciando-se, por inteiro, do triste
espetáculo oferecido pelos demais povos latino-americanos, submersos no
caudilhismo e nas guerras civis.
Além disso, o sistema eleitoral abria espaço para sucessivas intervenções
de engenharia social, tão ao gosto da elite política. As regras que orientavam o
sistema foram objeto de permanente crítica e revisão, a fim de alcançar-se a
supremacia dos cidadãos melhor qualificados. As reformas eleitorais caminharam,
assim, no sentido de impor restrições crescentes ao ingresso na sociedade
política, sob o argumento de que enquanto não se lograsse melhorar as condições
de educação e civismo da maioria do povo, apenas a uns poucos, melhor
preparados, deveria ser concedido o direito de votar e ser votado.
O Pêndulo do Poder
O caminho preferencial para submeter as tendências centrífugas de grupos
políticos provinciais e locais foi concentrar ao máximo, no Governo Nacional, o
poder de decisão sobre as questões políticas e administrativas. A Constituição de
1824 estabeleceu, assim, um Estado unitário, dividido em províncias governadas
por um Presidente nomeado pelo Poder Central e a ele diretamente subordinado.
Em cada província funcionaria um Conselho Geral, para auxiliar nas deliberações
sobre os assuntos de interesse provincial, mas com poderes meramente
consultivos.
No tocante aos municípios, a Constituição determinou que, em todas as
vilas e cidades, competiria às Câmaras governar no que dissesse respeito a vida
econômica e administrativa. As Câmaras seriam eletivas e compostas do número
de vereadores que as leis, fixadas pelo Governo Nacional, determinassem. As
funções judiciárias e o poder de polícia, antes de competência dos vereadores,
74
seriam transferidos para órgãos a serem instituídos em nível do Governo Nacional.
A luta entre o Imperador Pedro I e a elite política do Centro-Sul, que havia
conduzido a Independência, iniciada logo após a posse dos primeiros Deputados
Gerais, em 1826, exerceu influência sobre a repartição de poderes entre os
diferentes níveis de governo.
Através da Assembléia Nacional, desencadeou-se um sistemático processo
de esvaziamento da autoridade do Imperador. O processo envolveu a organização
do Poder Judiciário e da Polícia, criando instâncias de direção e controle para
intermediar as decisões do Imperador, e a regulamentação dos dispositivos
constitucionais relativos aos poderes das Câmaras municipais, mediante a Lei de
Organização Municipal de 1828.
As Câmaras, sustentáculos da autoridade imperial após a dissolução da
Constituinte, viram-se despojadas, graças a Lei de 1828, de qualquer autonomia,
mesmo nos assuntos econômicos e administrativos que lhes eram afetos.
O enfraquecimento do controle sobre o aparelho repressivo, a perda de
prestígio junto às camadas populares, através de uma bem orquestrada campanha
difamatória na imprensa, a submissão das Câmaras municipais e a crescente
oposição parlamentar às políticas do Ministério acabaram por comprometer a
capacidade governativa. Restava ao Imperador dissolver o Parlamento pela força,
o que poderia provocar uma guerra civil, ou submeter-se. Pedro I acabou adotando
uma terceira via, a Abdicação, livrando-se de uma humilhante sujeição,
salvaguardando a continuidade da monarquia e deixando desimpedido o caminho
para o poder da Assembléia.
A elite política, apanhada de surpresa, mostrou-se incapaz, em decorrência
de suas divisões internas, de decidir os rumos a tomar quanto à organização e à
75
condução do Estado. Pelo menos quatro correntes ou facções entraram em
conflito, nenhuma delas com força suficiente para se impor às demais e fazer
prevalecer o seu projeto para o país.
Uma corrente “exaltada” defendia a implantação imediata do federalismo,
com plena autonomia executiva, legislativa e judiciária das províncias, separação
Igreja/Estado, extinção do Conselho de Estado, fim da vitaliciedade dos Senadores
e extinção do Poder Moderador. Outra corrente, cujo principal reduto era o
Senado, defendia a preservação do governo centralizado e de todos os
dispositivos da Carta de 1824.
Entre as duas, procurando encontrar pontos de conciliação, ficaram os
“moderados”. Liderados, dentre outros, por Evaristo da Veiga, Diogo Antonio Feijó,
Bernardo Pereira de Vasconcelos e Araújo Lima, tentavam preservar a obra de
engenharia institucional da Constituição de 1824 e, ao mesmo tempo, fazer
concessões, maiores ou menores, segundo as perspectivas individuais ou as
circunstâncias, aos anseios federalistas.
Havia ainda os “restauradores” ou “caramurus”, entrincheirados na Corte,
que pretendiam o retorno de D. Pedro I. Seus principais articuladores eram José
Bonifácio, então tutor do futuro Pedro II, José Francisco da Silva Lisboa, o
Visconde de Cairú, Francisco Gê de Acaiaba Montezuma e antigos funcionários
palacianos. Embora não contassem com cadeiras na Assembléia Nacional,
dispunham de seguidores leais na burocracia e exerciam influência junto aos
senadores e a alguns deputados.
Entre 1831 e 1836, uma coalizão de liberais exaltados e moderados
controlou a Câmara dos Deputados, promulgando leis descentralizadoras, após
árduas negociações com o Senado. Este conseguiu, graças ao seu papel de
76
instância revisora, reduzir boa parte do que considerou excessivas concessões à
autonomia dos governos provinciais. Como resultado, a legislação padecia de
tantas ambigüidades no tocante à repartição de competências e
responsabilidades, que terminou por comprometer a autoridade e capacidade de
ação dos governos provinciais e do Governo central.
As primeiras leis promulgadas recolocaram sob o controle dos grupos
políticos municipais as funções policiais e judiciárias, no intuito de enfrentar, em
caráter de emergência, os tumultos populares que se seguiram à Abdicação.
Considerando que nenhum outro grupo social, senão o dos detentores de
privilégios, seria mais confiável para defender a ordem social, criou-se, em 1831, a
Guarda Nacional que, praticamente, assumiu as atribuições do Exército e das
forças policiais.
Todos os cidadãos ativos eram obrigados a prestar serviço na Guarda,
excluindo-se apenas aqueles que não estivessem fisicamente aptos ou que
pertencessem a determinadas categorias sócio-profissionais - militares na ativa,
clérigos, detentores de cargos políticos ou judiciais, carcereiros e policiais.
O serviço não era remunerado e os oficiais eram escolhidos pelo voto. A
seleção e as dispensas eram decididas por juntas presididas pelos juízes de paz
escolhidos em eleições municipais. Os contingentes da Guarda Nacional ficaram
subordinados ao Ministério da Justiça, às autoridades provinciais nomeadas pelo
governo central e aos potentados locais que elegiam ou se faziam eleger juízes de
paz.
Em 1832, promulgou-se o Código de Processo Penal. O Código dispôs
sobre a divisão das competências judiciais em comarcas, a cargo de juízes de
direito, nomeados pelo Governo Central; termos, a cargo de juízes municipais e
77
promotores, escolhidos pelos Presidentes de Províncias a partir de listas tríplices
enviadas pelas Câmaras municipais, os quais se incumbiriam de selecionar o
corpo de jurados; distritos de paz, sob jurisdição de juízes de paz, escolhidos
mediante eleição conduzidas na mesma época das eleições para Vereadores. Os
juízes de paz também exerciam funções policiais em seus distritos, com o auxílio
de inspetores de quarteirão por eles nomeados e que não recebiam remuneração.
O papel dos juízes de paz, não só no controle da ordem pública, como no
comando das mesas de qualificação de votantes e apuração de votos dos colégios
eleitorais, conferiam ao cargo um grande valor estratégico para os chefões
políticos locais. Não raro, eles próprios cuidariam de ser eleitos para o seu
exercício. Além disso, podiam também ser nomeados juízes municipais ou
promotores pois, até 1841, esses cargos não eram privativos de bacharéis em
Direito. Somando-se a isso o controle dos postos de comando na Guarda Nacional
e das indicações para a composição dos júris, os chefes políticos municipais
passaram a comandar o cenário político provincial e nacional.
O Visconde de Uruguai não parece, portanto, ter exagerado ao retratar o
aumento de poderio dos mandões locais com as reformas introduzidas ao longo
dos anos 1830:
“A colação de empregos...passou...para as...influências, que muitas vezes se serviam dessa arma poderosa para se reforçarem e esmagarem aqueles aos quais se antojava disputar-lhes o governo da terra. E tudo isso era feito em nome da liberdade!” (Uruguai,1960: 380).
A concentração de poder não se traduzia, no entanto, em benefício para os
municípios e sim para os “homens bons”, que com seus parentes, agregados e
capangas podiam utilizar sem freios o despotismo sobre as populações:
“O estatuto processual, conjugado com a guarda nacional, municipalista e localmente eletiva no seu primeiro lance, garante a autônoma autoridade dos chefes locais, senhores da justiça e do policiamento. De outro lado, a incapacidade financeira das câmaras
78
municipais, mal que a regência não cuidou de remediar, deixava-as inermes diante do poder econômico, concentrado, no interior, nas mãos dos fazendeiros e latifundiários. Não era, em conseqüência, o municipalismo o fruto das reformas, senão o poder privado, fora dos quadros legais, que se eleva sobra as câmaras, reconhecido judiciariamente. A semente do caudilhismo, jugulada há um século e meio, brota e projeta seu tronco viçoso sobre o interior, sem lei, sem ordem e sem rei” (Faoro,op.cit.:307).
O avanço das franquias municipais comprometeu o controle de que
dispunham os políticos provinciais e nacionais sobre os mandões locais,
favorecendo o acirramento de lutas entre famílias e facções, com graves efeitos
sobre a ordem pública. Urgia reparar o dano, recolocando freios ao poder dos
déspotas municipais.
Para tanto, em 1834 aprovou-se o Ato Adicional, que reformava a
Constituição de 1824. O Ato representou um acordo entre federalistas e
unitaristas, fazendo uma série de concessões à autonomia das províncias, em
detrimento dos municípios.
Manteve-se a nomeação dos Presidentes de Províncias pelo Governo
Central; suprimiu-se o Conselho de Estado, mas não a vitaliciedade dos
Senadores; foram criadas Assembléias provinciais, em substituição aos Conselhos
Gerais, e também o cargo de Vice-Presidente de Província, a ser eleito pela
Assembléia; confirmaram-se os principais dispositivos da Lei de 1828, reforçando
a tutela dos líderes provinciais sobre os chefes políticos dos municípios, pois
caberia agora às recém-criadas Assembléias provinciais legislar sobre a criação,
supressão e nomeação para os empregos provinciais e municipais, estabelecer a
tabela de remuneração desses empregos e fixar as normas sobre a administração
dos municípios.
As províncias ganharam maior margem de autonomia frente ao Governo
Central. Com exceção de alguns poucos cargos, praticamente toda a
administração nas províncias e nos municípios passou ao comando das forças
79
políticas que dominavam as Assembléias provinciais. O Presidente da Província,
indicado pelo Governo Central, disporia de poderes bastante limitados, além de ser
substituído, em seus impedimentos, por um Vice-Presidente eleito pela Assembléia
provincial.
O poder de polícia e a aplicação efetiva dos atos emanados do Governo
central passavam também a depender da anuência dos políticos provinciais. No
que diz respeito às rendas, no entanto, poucas alterações foram introduzidas,
continuando a parte principal das receitas com o Poder Central. Isso mantinha a
dependência das províncias e as desigualdades entre elas, além de cercear a
criação de uma máquina administrativa compatível com a descentralização de
atribuições.
O federalismo da Regência, embora muito aquém das expectativas dos
mais exaltados, sem dúvida favoreceu o domínio do Governo da Casa. Através de
juízes de paz, juízes municipais, inspetores e milicianos fardados, os grandes
proprietários rurais podiam livremente coagir votantes e eleitores, párocos,
sitiantes, pequenos comerciantes e artesãos, invadindo e submetendo com seu
despotismo o espaço público.
Da violência aberta entre os clãs familiares, passou-se à violência
sancionada pelo Estado, mediante a disponibilização de instrumentos legais antes
negados: “feita a independência, o Brasil devia ser o Brasil dos senhores rurais e a
subordinação das Câmaras Municipais às assembléias provinciais seria de
somenos, pois equivaleria à subordinação dos senhores rurais a si mesmos”
(Queiroz,1976:67).
80
Capítulo 6
A Ponte de Ouro
O Ato Adicional de 1834 marcou o apogeu das concessões ao federalismo.
Logo após sua aprovação, eclodiram os conflitos de poder entre facções
oligárquicas que, fugindo ao controle, envolveram, em alguns casos mais graves, a
participação de escravos e segmentos mais pobres da população.
Mobilizou-se a maior parte da elite política para conter o esfacelamento da
unidade nacional e a subversão da ordem social. Contribuiu para isso o apoio firme
dos novos barões da economia, os cafeicultores do Vale do Paraíba, em particular
da Província do Rio de Janeiro. Graças ao boom das exportações de café, eles
haviam se tornado, no início dos anos 1840, o estrato mais influente das camadas
dominantes brasileiras vendo, em um Governo Central forte, o melhor instrumento
para garantir a paz interna e a formulação de políticas favoráveis à expansão dos
negócios.
Uma série de medidas destinadas a reduzir a descentralização foram
adotadas, sob a liderança de um grupo de magistrados educados em Coimbra,
que mantinha íntimas relações com as famílias dos barões do café fluminense -
Bernardo Pereira de Vasconcelos, Honório Hermeto Leão, José Joaquim
Rodrigues Torres, Paulino José Soares de Souza e Euzébio de Queirós34: a Lei de
Interpretação do Ato Adicional (1840), o restabelecimento do Conselho de Estado
(1841), a reforma do Código de Processo Penal (1841) e a reorganização da
Guarda Nacional (1850).
34 Euzébio de Queirós, Paulino de Souza, futuro Visconde de Uruguai e Joaquim Rodrigues Torres, futuro Visconde de Itaboraí, ficariam conhecidos como a “trindade saquarema”, os líderes mais ativos e empedernidos do Partido da Ordem ou Conservador. Coube-lhes o papel de maior relevo na invenção das instituições
81
A Lei de Interpretação do Ato Adicional recuperou, para o Governo Central,
o direito de legislar sobre a natureza e as atribuições de empregos provinciais e
municipais, além de colocar novamente em sua esfera decisória as respectivas
nomeações.
A reforma do Código de Processo Penal restabeleceu o controle do
Governo Central sobre o aparato repressivo do Estado, mediante a formação de
uma rígida hierarquia de comando. Ao Chefe de Polícia provincial, escolhido
dentre juízes de direito, caberia comandar os delegados e subdelegados
municipais, que por sua vez comandariam os inspetores de quarteirão. No topo da
pirâmide, ficava o Ministério da Justiça, a quem competiria nomear todos os
ocupantes desses cargos, mediante indicação dos Presidentes provinciais,
também de livre nomeação pelo Poder Executivo central.
As funções dos juízes de paz foram esvaziadas, em benefício dos juízes
togados e dos delegados. Os juízes municipais e de órfãos e os promotores
também passaram a ser designados pelo Governo Central, reservando-se a
escolha apenas aos portadores do diploma de bacharel em Direito.
A reforma da Guarda Nacional, em 1850, com o fim da eleição dos seus
comandantes e oficiais, completaria o chamado “Regresso”. A Guarda tornou-se
um dos principais tentáculos do Governo Nacional no interior do Brasil, permitindo-
lhe cooptar, através das nomeações para o oficialato, os chefes políticos regionais
e municipais mais importantes.
Significado do “Regresso”: o Governo Central, voltando a controlar
diretamente o aparelho repressivo e os empregos públicos provinciais e
municipais, restaurava o seu cacife para impor-se aos mandões regionais e locais,
políticas do Segundo Reinado.
82
colocando-os sob rédeas mais curtas.
Para se ter idéia do grau de centralização política e administrativa que
representou, basta verificar a relação dos principais cargos cujo preenchimento
passou a depender do Poder Executivo central (Carvalho,1996:141-143):
• cargos provinciais: desembargadores, juízes de direito e
substitutos, comandantes da Guarda Nacional, chefes de polícia,
presidentes de províncias, vice-presidentes de províncias,
promotores das comarcas, inspetores do tesouro, inspetores de
alfândega, mesas de renda regionais, diretores das escolas de
ensino superior, inspetores de saúde pública, administradores dos
correios, chefes de estações de telégrafo, inspetores de terras e
colonização e bispos;
• cargos municipais: juízes municipais e de órfãos, oficiais da
Guarda Nacional, carcereiros, delegados, jurados, subdelegados,
inspetores de quarteirão, coletores de impostos, diretores de
Colônias do Estado (para imigrantes), agentes dos correios,
párocos e coadjutores.
As nomeações para os cargos provinciais e municipais eram objeto de
cuidadosas negociações. Os mandatários regionais e locais viam-se obrigados a
competir em demonstrações de lealdade para com os dirigentes da Capital, a fim
de conservarem posições de mando ou ampliarem sua esfera de influência em
detrimento dos rivais.
A centralização era ainda maior com referência às finanças públicas.
Centralização indispensável, não só para manter o aparelho administrativo, como
para exercer estreito domínio sobre os chefes políticos provinciais e municipais.
83
Entre 1856 e o final do Império, cerca de 80% da receita dos três níveis de
governo ficaria com o Governo Central (Quadro 2):
QUADRO 2
BRASIL - RECEITAS POR NÍVEL DE GOVERNO (1856-1886)
Nível de Governo
1856
1885-86
Central
83,1%
76,8%
Provincial
14,0%
18,02%
Municipal
2,7%
5,0% Fonte: José Murilo de Carvalho (1996:244)
Em que pesem efeitos excessivos da centralização, esta atingiu o principal
objetivo: comprovar aos grandes latifundiários escravistas que o Governo Central
era capaz de sustentar a ordem social. Bernardo Pereira de Vasconcelos
expressara isso ao falar sobre o que desejavam do Governo os homens de
negócios no Brasil:
“Os governos não têm autoridade para se ingerirem ativa e diretamente em negócios da indústria, esta não precisa de outra direção que a do interesse particular, sempre mais inteligente, mais ativo e vigilante que a autoridade. Quando há liberdade, a produção é sempre a mais interessante à nação; as exigências dos compradores a determinam. O de que os povos precisam, é de que se lhes guardem as garantias constitucionais; que as autoridades não os vexem, que não os espoliem, que se lhes não arranquem seus filhos para com eles se fazerem longínquas guerras....As artes, o comércio e a agricultura não pedem outra coisa ao governo senão...liberdade e segurança” (Vasconcelos,op.cit.:89;93).
Ora, o Governo da Regência não conseguira demonstrar possuir nenhuma
das qualificações exigidas para oferecer tais garantias. Garantir a ordem
significava oferecer os meios para manter sob controle a mão-de-obra e impedir
que as lutas intra-oligárquicas ultrapassassem os limites, arrastando para o
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proscênio político as classes perigosas, principalmente os escravos.
A Regência falhara porque não se mostrou capaz de “arbitrar as
divergências entre os grupos dominantes” (Murilo de Carvalho, 1996:235).
Entendeu-se que a capacidade de arbitragem dependia da regulação, por um
poder acima das facções, do aparelho repressivo, das nomeações para os
empregos públicos, da administração da justiça, da repartição das receitas entre
as províncias e os municípios.
Era importante, também, retirar da Assembléia Nacional, espaço dominado
pelo Governo da Casa, a capacidade de decidir livremente sobre a distribuição de
favores ou sanções. A negociação e procrastinação características da ação
parlamentar poderiam conferir à luta entre os grupos de poder um caráter
hobbesiano. Sem recursos para suportar sozinhos a refrega, acabariam por
socorrer-se da ajuda de bandos armados. Estes, por sua vez, escapariam ao
controle, passando a guerrear contra seus empregadores.
A situação só não chegaria a esse ponto se as facções locais pudessem
acreditar que seus direitos, vidas e propriedades não ficariam à mercê dos
inimigos e isso dependia da crença na imparcialidade de um poder colocado acima
dos interesses locais, detendo força e agilidade suficientes para intervir quando e
onde necessário.
Recolocando a Guarda Nacional sob seu controle, subordinando o Exército,
a Polícia e o Judiciário, dispondo da exclusividade nas nomeações e alocação de
recursos, o Poder Executivo central retomou a iniciativa. Além disso, pôde conferir
maior previsibilidade ao jogo político, assegurando, via uso do Poder Moderador, a
alternância entre os partidos na representação nacional e, via aparelho
administrativo, a formação de maiorias na Câmara:
85
“A lei de interpretação do ato adicional, e a de 3 de dezembro de 1841 [reforma do Código de Processo Criminal], modificaram profundamente esse estado de coisas. Pode por meio delas ser montado um partido, mas pode também ser desmontado quando abuse. Se é o Governo que o monta terá contra si em todo o Império todo o lado contrário. Abrir-se-á então uma luta vasta e larga porque terá de basear-se em princípios, e não a luta mesquinha odienta, mais perseguidora e opressiva das localidades. E se a opinião contrária subir ao Poder encontrará na legislação meios de governar” (Uruguai,op. cit.:381).
A Pax Saquarema não significou eliminar a participação dos clãs rurais no
jogo político. Buscou-se, ao invés disso, refrear lutas fratricidas entre as famílias
que controlavam a vida política provincial e municipal, sem colocar em risco sua
liberdade de ação, quando necessária, para assegurar-se dos monopólios sobre a
terra e a mão-de-obra.
Um feixe de relações clientelistas garantia a manutenção de uma rede de
poder que articulava os interesses do Centro com os das províncias e municípios.
Além disso, o Centro recorria ao serviço gratuito e voluntário dos próceres locais
para executar as tarefas da Administração Pública.
Pode-se creditar a prática do serviço litúrgico dos proprietários de terras às
dificuldades do Poder Central para custear uma máquina administrativa que
pudesse alcançar todos os pontos do território nacional. Faltariam homens e
dinheiro para tão hercúlea tarefa. Pode-se aventar, ao contrário, que o motivo seria
bem mais prosaico: ao delegar suas responsabilidades aos chefes locais, às
facções tão costumeiramente atacadas nos discursos públicos, praticava-se uma
parceria deliberada.
Esta parceria é que, no fundo, alicerçava um sistema feito para atender aos
estratos sociais dominantes e favorecer, entre eles, a hegemonia do projeto
político dos cafeicultores fluminenses. Aliança em que se reconhecia duas esferas
de influência: Governo da Casa, nas regiões e localidades, e Governo do Estado
no trato das questões que afetassem o interesse geral, isto é, a escravidão, o
86
exclusivo fundiário e a arbitragem de conflitos entre os poderes privados.
Os engenheiros institucionais do Segundo Reinado, particularmente seu
grupo diretivo mais coeso e atuante, os chefes políticos da província fluminense -
os saquaremas - exibiam em sua práticas a distância entre o país real e o país
legal. Formalmente, tinha-se centralização política e administrativa mas, de fato,
prevalecia a descentralização negociada, como nos tempos do Brasil colonial.
A Pax Saquarema permitiu dar estabilidade política ao Império, submetendo
as pretensões dos mandões regionais e locais a um conjunto de regras aceitas e
reconhecidas por todos. Poder público e poderes privados tornaram-se
intimamente vinculados, com o reconhecimento tácito de sua interdependência. O
preço no entanto não foi pequeno, tanto para a racionalidade da ação
administrativa, como para a cidadania:
“O governo trazia para a esfera pública a administração do conflito privado mas ao preço de manter privado o conteúdo do poder. Os elementos não pertencentes à camada dirigente local eram excluídos da distribuição dos bens públicos, inclusive da justiça. O arranjo deu estabilidade ao Império, mas significou, ao mesmo tempo, uma séria restrição à extensão da cidadania e, portanto, ao conteúdo público do poder. O governo se afirmava pelo reconhecimento de limites estreitos ao poder do Estado” (Murilo de Carvalho,1996.:144).
Quem melhor sintetizou, na visão dos contemporâneos, o arranjo de poder
estabelecido no Segundo Reinado, foi Nabuco de Araújo, no discurso que ficou
conhecido como a “Ponte de Ouro”:
“A missão do governo, e principalmente do governo que representa o princípio conservador, não é guerrear e exterminar famílias, antipatizar com nomes, destruir influências que se fundam na grande propriedade, na riqueza, nas importâncias sociais; a missão de um governo conservador deve ser aproveitar essas influências no interesse público, identificá-las com a monarquia e as instituições, dando-lhes prova de confiança para que possa dominá-las e neutralizar as suas exagerações. Se representais o princípio conservador, como quereis destruir a influência que se funda na grande propriedade?”(Joaquim Nabuco, apud Coelho,1994:86).
Tratava-se, no plano das representações, de reafirmar o conceito de pacto
ou contrato que levara à adesão das elites locais à Monarquia e aos poderes para
87
ela desenhados na Carta de 1824.
Entendiam os governantes da Casa, entrincheirados na política provincial e
municipal que, para preservar seu lugar na hierarquia social, deveriam renunciar a
uma parcela da liberdade de que dispunham para exercer o despotismo sobre as
populações locais. Em troca, o Poder Central zelaria pela preservação dos
monopólios sobre a terra e a mão-de-obra, raízes de sua dominação.
Não significava isso o fim do poder discricionário dos mandões locais, mas
uma mudança na forma pelo qual seria exercido: em lugar da violência aberta, o
uso preferencial do poder público. Poder público e poder privado passaram a
constituir assim faces de uma mesma moeda (Rohloff de Mattos,1994).
O contrato entre os dois lados sustentava-se no compromisso do Governo
Central de:
• preservar o adequado equilíbrio entre os interesses das
províncias;
• garantir saudável alternância de poder e a satisfação dos
interesses do Governo da Casa através de contatos diretos com o
Governo Central;
• preservar a ordem social, defendendo, a qualquer custo, os
monopólios sobre a terra e a mão-de-obra.
A estabilidade do sistema dependia de um estrito respeito do Governo
central a esses termos. Três fatores básicos conspiraram para que isso não se
concretizasse: a dificuldade de conciliar objetivos conflitantes, a concentração de
poder decisório em um círculo demasiado estreito de dirigentes e as próprias
formas de pensar e agir da elite imperial.
88
Promover o equilíbrio entre as províncias significava usar o poder político
para transferir recursos das províncias mais dinâmicas para outras menos
próperas. Fazer isso implicava em ganhar a insatisfação das regiões de onde eram
retirados os recursos, especialmente se deles necessitassem para atender a
expansão de suas economias, como foi o caso de São Paulo nas últimas décadas
do século XIX. Por outro lado, não se conquistava necessariamente o favor das
províncias aquinhoadas, pois os recursos pareciam sempre insuficientes para
atender suas demandas. Resultado, as tentativas empreendidas pelo Poder
Executivo para realocar recursos em favor das regiões menos dinâmicas
mostravam-se exitantes e, não estando pautadas em qualquer estratégia de
desenvolvimento, ineficazes.
A escravidão chocava-se com oposição crescente de grupos liberais
urbanos, do Governo britânico e da ala mais jovem do oficialato militar. Mas
extingui-la significava atentar contra as práticas de acumulação de capital que
beneficiavam os grandes proprietários rurais, especialmente os da Província do
Rio de Janeiro, principais sustentáculos do poder imperial.
Militares desejavam armamentos modernos e melhores soldos, enquanto
número sempre crescente de bacharéis, engenheiros e médicos queriam
empregos. Tais reclamos somente poderiam ser atendidos com a diversificação da
estrutura produtiva alavancada por um processo de industrialização. Isso ficava
sujeito, no entanto, ao veto dos barões agrários, pois poderia significar a
canalização de excedentes do setor agroexportador para financiar o crescimento
industrial, a perda de posição como grupo econômico e político dominante e, não
menos importante, poderia significar a necessidade de ruptura de seu monopólio
sobre a terra e o fim da escravidão, visando o surgimento de uma classe média
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rural capaz de ampliar a demanda de bens manufaturados.
Ao final, o Estado se transformava na principal fonte de empregos, mas as
práticas centralizadoras e clientelistas que regiam o acesso aos mesmos,
indispensável para manter a teia de alianças entre o Poder Central e os poderes
locais, tornava-se um entrave às pretensões de muitos candidatos. Resultado, o
descontentamento com o Estado imperial e a convicção de que se as províncias
pudessem ter autonomia para criar e manter suas próprias máquinas
administrativas haveria maiores oportunidades de ascensão social para as
camadas médias da população.
Perante tais contradições, restariam, para aliviar as demandas sobre o
Governo Central, as alternativas de transferir a arbitragem dos interesses em jogo
para o Parlamento e instituir o federalismo. Infelizmente, para o Império, o sistema
político não comportava essas alternativas. O sistema fora montado com base na
desconfiança quanto a capacidade do Parlamento de representar os interesses
nacionais e no medo da fragmentação territorial. As eleições transformavam-se,
assim, em mecanismo de exclusão do jogo político para os grupos não afinados
com essas perspectivas.
O dilema não pode ser superado pela elite política do Império porque
implicaria violar suas crenças mais enraizadas: a certeza na inteligência de sua
engenharia institucional, a aversão às lutas entre facções e partidos, o temor de
ampliar a participação política, a convicção de estar lidando com um povo
ignorante, incivilizado e sem luzes suficientes para lidar com seu próprio destino e,
talvez o mais decisivo, a crença de ser a única detentora do conhecimento sobre o
conteúdo da vontade geral da Nação.
90
O Poder Moderador era o símbolo maior das crenças que orientavam a elite
dirigente. Significava a reunião de todos os grupos sociais em uma só família,
conduzida pela mão benigna e patriarcal do Monarca e de seus auxiliares, no
Conselho de Estado e na Administração Pública. Pretendia-se que fosse o baluarte
contra a predominância dos interesses regionais e localistas, entrincheirados na
Câmara dos Deputados, na medida em que fazia do Imperador o árbitro, em última
instância, das disputas intra-oligárquicas.
Permitindo repudiar a vontade do Governo da Casa quando se julgava
conveniente, mediante a dissolução da Câmara e a convocação de eleições
manejadas pelo Gabinete, o Poder Moderador também transformava o Imperador
no principal obstáculo a ser removido para desmantelar o sistema político. Tratava-
se, afinal, do cume edifício político erguido durante o século XIX. Ao repudiar o
sistema, os grupos dominantes precisaram, necessariamente, repudiar a
Monarquia e tudo o que ela representava nas relações entre o Governo do Estado
e o Governo da Casa.
O pragmatismo da elite revelou-se, por fim, incapaz de superar um conjunto
de crenças e valores que não mais estavam em sintonia com as aspirações dos
grupos que a ajudaram a alçar-se ao poder. Grupos que haviam, apesar de
eventuais contrariedades, dado um voto de confiança aos arranjos institucionais
forjados após a Regência.
O fim da Guerra do Paraguai marcou o início de um lento processo de
erosão do sistema político imperial, que se manifestou na forma de sucessivas
crises e rupturas com a Igreja Católica, o Exército, as oligarquias nortistas e
sulistas. A Abolição da escravatura alienou o último apoio, o dos cafeicultores
fluminenses.
91
A Monarquia caiu, em 1889, sem que nenhum grupo mais expressivo se
erguesse em sua defesa. Caiu porque o sistema do qual era símbolo não mais se
mostrou capaz de cumprir sua função: manter o compromisso entre o Governo do
Estado e o Governo da Casa.
92
Conclusões
Bernardo Pereira de Vasconcelos, um dos líderes moderados da
Regência, depois convertido em ardoroso defensor da centralização promovida
pelo “Regresso”, assim justificou sua mudança:
“Fui liberal; então a Liberdade era nova no país, estava nas aspirações de todos, mas não nas leis; o Poder era tudo, fui liberal. Hoje, porém, é diverso o aspecto da sociedade: os princípios democráticos tudo ganharam, e muito comprometeram; a sociedade, então corria risco pelo Poder, corre risco pela desorganização e pela anarquia. Como então quis, quero hoje servi-la, quero salvá-la: por isso sou regressista” (Chacon,1974:21).
O ponto de vista de Bernardo de Vasconcelos exprimia o desencanto de
boa parcela da elite política imperial com o federalismo, identificado com a
desorganização e a anarquia. Ao mesmo tempo, reafirmava o princípio que
inspiraria a construção do sistema político do Segundo Reinado: a Ordem. Ordem
que significava, acima de tudo, preservar o predomínio dos homens detentores de
liberdade e propriedade, os únicos capacitados a governar, isto é, “reger bem, quer
a Casa – regulando a sua economia e administração, quer o Estado – dando leis e
fazendo-as executar” (Rohloff de Mattos,op.cit.:111).
A manutenção da Ordem implicava refrear os exageros do Governo da
Casa, impedindo que acabassem destruindo as próprias bases de sua
sobrevivência – os monopólios da terra e da mão-de-obra. O mandonismo sem
peias dos Senhores da Casa colocava os interesses particulares e locais acima
dos interesses gerais e nacionais, enfraquecendo a defesa contra as ameaças
internas e externas aos dois monopólios (Rohloff de Mattos, 1994).
Daí, a legitimidade de “empregar todos os meios para salvar o país do
espírito revolucionário, porque este produz a anarquia, e a anarquia destrói, mata a
93
liberdade, a qual somente pode prosperar com a ordem”35.
Ora, submeter o despotismo local e regional indicava a necessidade de fixar
uma divisão dentro da sociedade política, distinguindo entre aqueles que se
dedicariam apenas ao trato dos assuntos privados e os encarregados de dirigir o
Estado.
Os escolhidos para a tarefa de Governar o Estado deveriam ser guiados por
uma visão superior e neutra, um olhar que os habilitasse a falar e agir em nome de
toda a sociedade política, sem se deixar absorver por interesses particularistas.
Homens de Estado, cujas vidas seriam dedicadas exclusivamente à “direção dos
interesses gerais da Nação” e a bem administrar a res publica (Rohloff de
Mattos,1994).
A representação que compartilhavam, a de estarem destinados a governar,
abre margem à compreensão de que não se consideravam empregados dos
grandes proprietários de terras ou de qualquer outro grupo social. Eles eram,
acima de tudo, os formuladores e depositários do interesse geral da Nação, os
estudiosos da realidade e, por sua ciência, os únicos aptos a conduzir os demais
pela senda do progresso.
O que lhes conferia, no seu entender, tais capacidades e habilitações? A
educação superior, a vivência urbana e cosmopolita, as boas ligações com as
famílias mais importantes do Império, os conhecimentos especializados em direito
constitucional e administrativo, economia e outros temas relevantes para bem
governar e administrar (v. Capítulo 3, seção 2). Dificilmente poderiam se
considerar iguais a quaisquer outros que não dispusessem dos mesmos atributos.
35 Discurso do Visconde de Uruguai, na Câmara dos Deputados, apud Rohloff de Mattos (1999:204).
94
A convicção de constituir um grupo distinto reforçava-se pela constatação
de que os “outros”, isto é, a esmagadora maioria da população, estavam
mergulhados nas trevas do analfabetismo ou no trato de mesquinhos negócios
particulares.
Em contrapartida, e para seu desagrado, os homens ilustrados da elite
política precisavam dos governantes da Casa, dos homens dedicados apenas ao
ganho privado. Eram as riquezas por eles produzidas, com o suor e o sangue dos
negros escravos, que permitiam pagar os estudos em boas escolas, sustentar as
organizações de reprodução simbólica, as administrações locais, provinciais e
nacional, além de respaldar sua permanência nos centros de poder.
Mais do que isso, eram as famílias de grandes proprietários rurais e
comerciantes de grosso trato a origem dos participantes da elite política. Nas
famílias patriarcais deitavam suas verdadeiras raízes.
Raízes de crenças e valores como o familismo, o ruralismo, a pretensão
aristocrática, o amor à ordem, o respeito à natural hierarquia que deveria imperar
numa sociedade de desiguais. Raízes de ambigüidade que mesclavam,
ecleticamente, a crença na engenharia social e a plasticidade das adaptações, o
cosmopolitismo intelectual urbano e o apego saudosista e idealizado à vida rural, a
dominação racional-legal e o patrimonialismo da Casa Grande, a defesa
apaixonada da liberdade e a violência das senzalas, o universalismo das leis e o
clientelismo, o liberalismo econômico e as práticas mercantilistas, o holismo e o
individualismo.
Pares de opostos que se buscava harmonizar nas práticas e instituições,
mas que não raro podiam provocar violentas lutas, motivadas pela afirmação de
apenas um dos pólos. As questões em torno da descentralização política e
95
administrativa ilustram esse aspecto, de forma exemplar.
Em 1822, para salvaguardar a escravidão e a aristocracia dos “homens
bons”, José Bonifácio e outros “plantaram a Monarquia” constitucional e o Estado
centralizado (v. Capítulo 3, seção 1). O governo do Príncipe foi de início bem
recebido, porque fundado em um compromisso com o Povo, isto é, os homens
livres e detentores de terras e escravos. Logo depois, o Príncipe ultrapassa os
limites do contrato implícito e torna-se necessário afastá-lo (v. Capítulo 4).
Em reação aos excessos de D. Pedro I, o retorno ao localismo, opondo
chefes provinciais e municipais, as províncias entre si e estas e o Governo Central.
Resultado: a ameaça de desintegração territorial e de fazer desabar a estrutura
social escravista (v. Capítulo 5).
Inicia-se a transação, concretizada na forma da Pax Saquarema. Reafirma-
se o pacto inicial entre o Príncipe e o Povo, reproduzindo, em novos termos, o
antigo pacto político colonial de descentralização negociada. Reconhecem-se
distintas esferas de influência ao Governo Central e às oligarquias provinciais e
locais. Deixa-se ao Governo Central o cuidado dos assuntos de interesse geral,
inclusive a pacificação das disputas intra-oligárquicas, em troca da liberdade de
ação nas províncias e nos municípios. Constrói-se uma “Ponte de Ouro” (v.
Capítulo 6).
Ponte destruída pela reafirmação de um dos extremos. O Imperador e o
Poder Executivo exageraram na centralização e na autonomia decisória. Assim,
destituem gabinetes e convocam novas eleições quando bem entendem,
impedindo a formulação de uma política consistente de apoio aos interesses dos
senhores rurais e grandes comerciantes. Política indispensável, quando se tinha
por certo o fim da escravidão.
96
O compromisso que garantira a Monarquia e o Império, desde 1840, fora
rompido. Cada um deveria cuidar dos próprios interesses como melhor lhe
aprouvesse. O federalismo, embalado em darwinismo social, dos republicanos
paulistas torna-se o projeto hegemônico (Murilo de Carvalho,1998:92-93).
O que é comum a todos os períodos analisados é a tensão inerente às
ambigüidades que compõem o “núcleo duro” das representações da elite política
imperial. A predominância de qualquer um dos elementos dos pares de opostos
gera a fragmentação e a dissolução do acordo dentro dessa elite, potencializadas
pelo desagrado da elite econômica e facções políticas regionais e locais.
As ambigüidades podem ser atribuídas, numa perspectiva evolucionista, a
transição da sociedade tradicional para a sociedade moderna. É provável, no
entanto, que não seja tão simples.
A matriz das representações da elite política imperial guardava estreita
relação com a herança colonial do direito de governar atribuído apenas a uma
estreita minoria – os “homens bons”, cujo privilégio de mando se sustentava na
riqueza patrimonial. A partir da Independência, vai se consolidando um novo grupo
social dentro da elite, que se atribui o direito de governar a partir da inteligência
que detém sobre as leis invariáveis de funcionamento do mundo social.
Os novos semeadores construíram sua identidade social combinando o
papel de engenheiros institucionais com as crenças e valores dos “homens bons”.
Esse amálgama não se desfaz com facilidade. Ele é parte de um “núcleo estável”
de representação do mundo social, alterando-se perifericamente para conservar a
essência: o direito de mando conferido por uma ordem cósmica baseada na
desigualdade de capacidades e habilitações. Nesta ordem, cada um deve
conhecer seu lugar e respeitá-lo, a fim de não perturbar o equilíbrio natural do
97
Universo.
As representações e práticas da elite dirigente do Império parecem ter
sobrevivido a ela. Ao longo da República, a estabilidade do sistema político
continuou a depender de um complexo jogo de barganhas e compromissos dentro
do mundo do Governo que, a fim de produzir uma soma positiva para os grupos
envolvidos, precisa ser um jogo de soma zero em relação ao restante da
sociedade.
A transação, para usar a linguagem de Justiniano José da Rocha modela as
regras do jogo político, combinando compromissos informais e o mais cínico
pragmatismo. A transação requer forte concentração de poderes nas mãos de uns
poucos atores políticos; cuidadosa atenção aos interesses gerais dos grupos
dominantes, no que diz respeito à manutenção e expansão de seu monopólio
sobre os fatores produtivos; delimitação informal de esferas de influência entre o
poder privado e o Estado; laços extralegais entre a Administração Pública e os
empresários, os grupos políticos regionais e os municipais; permanente
informalidade no processo decisório e no relacionamento entre os poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário.
As normas que permitem ligar os fios dessa “teia de Penélope” (Rohloff de
Mattos, 1994:183-265). são as da amizade, do compadrio, dos laços de família, do
intercâmbio de favores, do jeitinho, do respeito às hierarquias, da lealdade às
pessoas que decidem e aos compromissos não escritos entre elas, da capacidade
de tomar decisões segundo a condição das pessoas e interesses envolvidos.
Centralização, descentralização, federalismo, municipalismo, democracia
aparecem assim como artefatos de sentido difuso, jogos institucionais numa
bricolage só compreensível para os que conhecem as regras da transação e já se
98
habituaram à “dialética da ambigüidade”. Quando levados demasiado a sério,
acabam gerando instabilidade e, nos casos extremos, rupturas que obrigam a
recomeçar uma nova teia.
99
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