109
FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA CURSO DE MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Representações sociais e organização do poder político: A engenharia social do federalismo no Brasil Império DISSERTAÇÃO APRESENTADA À ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA AUGUSTO PAULO GUIMARÃES CUNHA Rio de Janeiro, 2001

Representações sociais e organização do poder político: A

  • Upload
    others

  • View
    4

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Representações sociais e organização do poder político: A

FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA

CURSO DE MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Representações sociais e organização do poder político:

A engenharia social do federalismo no Brasil Império

DISSERTAÇÃO APRESENTADA À ESCOLA BRASILEIRA DE

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE

MESTRE EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

AUGUSTO PAULO GUIMARÃES CUNHA

Rio de Janeiro, 2001

Page 2: Representações sociais e organização do poder político: A

1

FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

ESCOLA BRASILEIRA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

CENTRO DE FORMAÇÃO ACADÊMICA E PESQUISA

CURSO DE MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Representações sociais e organização do poder político:

A engenharia social do federalismo no Brasil Império

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO APRESENTADA POR

AUGUSTO PAULO GUIMARÃES CUNHA

E APROVADA EM

PELA COMISSÃO EXAMINADORA

_______________________________________________________________

Orientadora: Profa. Deborah Moraes Zouain, Doutora em Engenharia da

Produção

_______________________________________________________________

Prof. Paulo Emílio Matos Martins, Doutor em Administração

_______________________________________________________________

Profa. Maria Celina Soares D'Araújo, Doutora em Ciência Política

Page 3: Representações sociais e organização do poder político: A

2

SUMÁRIO Introdução 8

Capítulo 1: Descentralização e Representações Sociais 14

Capítulo 2: Semeadores e Mascates 26

Capítulo 3: Os Pais Fundadores 34

Plantando Instituições 34

Os Semeadores 46

Capítulo 4: O Governo do Príncipe 53

Entre o Príncipe e o Povo 53

Os Senhores do Estado 60

Legisladores e Juízes 66

Capítulo 5: Governo do Povo 69

A Sociedade dos Homens Bons 69

O Pêndulo do Poder 73

Capítulo 6: A Ponte de Ouro 80

Conclusões 92

Bibliografia 99

Page 4: Representações sociais e organização do poder político: A

3

QUADROS

QUADRO 1: EVOLUÇÃO DOS ESPAÇOS DE PODER DECISÓRIO

RELATIVOS A ALGUMAS QUESTÕES BÁSICAS DO IMPÉRIO 66

QUADRO 2: BRASIL - RECEITAS POR NÍVEL DE GOVERNO (1856-1886) 83

Page 5: Representações sociais e organização do poder político: A

4

AGRADECIMENTOS

Uma dissertação é um artefato cultural. De um lado, surge como trabalho

de um determinado indivíduo, espelhando sua biografia e as representações do

grupo social ao qual pertence. De outro, imerge nas relações de cooperação e

conflito com uma multiplicidade de outras pessoas e grupos. Dimensões que se

interpenetram a tal ponto que se torna difícil discernir quem fala e em que

momentos.

A todos aqueles com quem compartilhei a construção deste artefato, deixo

a certeza de que serão guardados “do lado esquerdo do peito”: membros da

banca, amigos de Mestrado, companheiros da Administração Pública estadual,

participantes de grupos de debate, alunos e familiares. Dedico esta dissertação, no

entanto, ao Professor Frederico Lustosa da Costa. Pensei em muitas palavras para

agradecer a este cearense que, trazendo na alma a valentia e o espírito

empreendedor dos homens do Nordeste, consegue combinar a inteligência

acadêmica, a verve crítica e, principalmente, o amor ao Brasil e a sua

transformação em terra de justiça, liberdade e democracia. Sem o Professor

Frederico, eu não teria encontrado o estímulo intelectual e a amizade

indispensáveis para realizar essa obra.

Não podem ser atribuídos ao Professor Frederico, nem aos membros da

banca, os dasacertos que porventura venham a ser observados. Eles são o fruto

de um pensamento que, apesar dos bons conselhos, teima, não raro, em seguir os

descaminhos do orgulho.

Fica, por fim, o convite para que outros intelectos mais hábeis continuem se

dedicando a pesquisar a formação social e política brasileira, tentando

compreender suas singularidades e os meios que viabilizem a visão de futuro

Page 6: Representações sociais e organização do poder político: A

5

inscrita no Preâmbulo da Constituição de1988:

“instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social”.

Page 7: Representações sociais e organização do poder político: A

6

RESUMO

A pesquisa aqui empreendida procurou verificar de que modo as

representações do mundo social podem influenciar as escolhas no tocante à

modelagem de sistemas políticos, especialmente na divisão e organização de

poder entre o governo central e os governos subnacionais. Estudou-se a história

dessas escolhas no Brasil durante o período 1822-1889, quando a questão do

federalismo esteve estreitamente articulada com a solução de problemas decisivos

para a conformação do Estado e da Nação brasileiros. Utilizou-se como referencial

teórico a abordagem das representações sociais desenvolvida por sociólogos,

historiadores e psicólogos sociais franceses, a qual privilegia a articulação entre a

subjetividade dos agentes e as estruturas sociais. O estudo permitiu concluir que

as práticas relacionadas ao federalismo, durante o período analisado, só adquirem

sentido quando examinadas a partir de uma rede de representações

compartilhadas a respeito do Estado, da Sociedade e das relações que devem

vigorar entre eles.

ABSTRACT

This research has verified by which way the representations of the social

world can influence choices, referring to political systems models, specially on the

power division and organization among central and undernational governments.

We studied the history of these choices during the period between 1822-1889,

when the question of federalism was closely articulated with problem solutions that

were decisive to the construction of the Brazilian State and Nation. Theoretical

reference was the approach of social relations developed by French sociologists,

historians and psychologists which privilege the articulation between the agents

Page 8: Representações sociais e organização do poder político: A

7

and the social structures. The study has allowed the conclusion that the practices

of federalism, during the analyzed period just make sense if they are examined

from a network of representations shared by the politic leading circles in reference

to de State, the Society and the relations that must exist between them.

Page 9: Representações sociais e organização do poder político: A

8

Introdução

A descentralização político-administrativa voltou a ser, nos últimos anos,

objeto de intenso e apaixonado debate no Brasil e em outros países da América

Latina. As reações despertadas pelo tema acompanham os esforços para criar

instituições capazes de democratizar as relações Estado – Sociedade.

Em decorrência disso, descentralizar transformou-se em bandeira de

variadas correntes de pensamento social e político, adquirindo conotações

bastante divergentes. Neste estudo, descentralização foi considerada como o

conjunto de discursos e práticas que visam organizar o Estado de modo a

“aumentar o poder, a autonomia de decisão e de controle dos recursos, as

responsabilidades e as competências das coletividades locais, em detrimento do

Estado central” (Mattos,1989:59).

No Brasil, a controvérsia em torno do binômio

centralização/descentralização tem longa história. A polêmica alcançou o auge no

século XIX, durante a fase de construção do Estado nacional, e vem sendo

retomada, com variada intensidade, nos momentos em que se procura elaborar

novas instituições políticas, como os assinalados pelas Constituições de 1891,

1934, 1937, 1946, 1967 e 1988. A coincidência indica que a controvérsia está

diretamente vinculada às lutas entre os diferentes grupos sociais para impor

determinados modelos de organização do Estado e de suas relações com a

Sociedade.

Examinar a lógica interna de construção desses modelos, perscrutando as

crenças e valores que a orientam, torna-se, assim, passo imprescindível para a

definição de parâmetros que permitam avaliar as potencialidades e os limites das

Page 10: Representações sociais e organização do poder político: A

9

instituições que objetivam conformar o mundo social brasileiro.

Partindo desse pressuposto, a pesquisa aqui empreendida constituiu uma

tentativa de obter respostas para as seguintes perguntas: como as crenças dos

dirigentes políticos a respeito do mundo social podem influenciar suas decisões em

favor da centralização ou da descentralização? Como são construídas essas

crenças? Quais os seus conteúdos e que indícios podem oferecer quanto a outras

escolhas, relativas à liberalização e ampliação da sociedade política?

Em face desses questionamentos, optou-se por investigar o debate travado

entre os fundadores do Estado nacional brasileiro, ao longo do século XIX, a

respeito do dilema centralização/descentralização. A pesquisa tentou identificar as

crenças e valores dos principais protagonistas do debate, verificar as condições

sociais e históricas nas quais o debate se inseria, bem como identificar como seus

termos se articulavam com outras preocupações concernentes à modelagem do

sistema político.

A dissertação buscou, portanto, desvendar o que se pode denominar

"estruturas estruturantes" (Bourdieu,1987: xxxix) da cultura política dos dirigentes

do Império e a conexão desta com suas práticas. Procurou também investigar as

expectativas, crenças e valores envolvidos no “processo social de ensaio e erro,

de confrontações e negociações, de acumulação de experiência política” que

“resultou no Estado e nação brasileiros” (Jancsó,1999:13).

Ao menos dois fortes argumentos podem ser apresentados para justificar a

decisão de focalizar o estudo no século XIX. Em primeiro lugar, foi o momento em

que os grupos dominantes na sociedade política brasileira precisaram enfrentar

problemas fundamentais, continuamente repostos, em diferentes momentos, nas

relações Estado/Sociedade: como delimitar as esferas de ação pública e privada e

Page 11: Representações sociais e organização do poder político: A

10

quais devem ser as conexões entre ambas? A quem cabe a representação da

soberania popular? Quem deve integrar a sociedade política e como ela se articula

com a sociedade civil e o governo? Como delimitar os assuntos de interesse geral

e local e promover o atendimento equilibrado de ambos?

Em segundo lugar, o século passado oferece a oportunidade de entender

possíveis linhas de continuidade e ruptura no pensamento das elites políticas do

Brasil, seus efeitos sobre as invenções institucionais, os limites de tais criações e

as razões para a sua falta de efetividade ou credibilidade.

A ótica aqui adotada contrapõe-se, assim, àquela que pretende reduzir o

papel dos estudiosos da Administração Pública unicamente à pesquisa e

prescrição de instrumentos gerenciais, capazes de tornar as ações estatais mais

eficientes e eficazes. Essa forma de conceber o saber administrativo deriva de um

voluntarismo ingênuo, a partir do qual a realidade é entendida como um dado,

passível de livre e calculada manipulação, e não como uma construção, em boa

parte imaginária:

“Idéias se convertem em práticas sociais, que se congelam em instituições, e que, por costume e rotina, adquirem a inércia da objetividade. O mundo cotidiano é o mundo da reificação, metamorfoseado em sistema de relação entre coisas, comportamentos e hábitos. O homem do cotidiano toma o concreto aparente como medida suprema da realidade, e quanto mais prático, expediente e experiente intenta ser, mais na verdade se deixa capturar por imemoriais abstrações, cuja origem ignora” (Santos,1978:9).

A investigação baseou-se em um referencial teórico que privilegia a

interdependência entre as práticas dos atores políticos e as representações que

construíram sobre o mundo social: os estudos desenvolvidos por sociólogos,

historiadores culturais e psicólogos sociais franceses, que assumiram o desafio de

“ligar a construção discursiva do social e a construção social do discurso”

(Chartier,1994:109).

Page 12: Representações sociais e organização do poder político: A

11

A escolha desse referencial teórico pretendeu evitar as lacunas produzidas

seja por um enfoque objetivista, no qual se desdenha a importância das idéias e

percepções dos sujeitos políticos, seja por um caminho subjetivista, no qual se

superestimam a visão e vontade dos mesmos sujeitos, desvinculando-as das

formações sociais que, de um lado, incitam sua criação e aceitação como

orientadoras das práticas coletivas, de outro, são por elas influenciadas.

A pesquisa teve caráter bibliográfico e histórico. Os dados e informações

necessários ao seu desenvolvimento foram coletados em livros e periódicos, a fim

de elaborar o referencial teórico, retratar o ambiente político, social e econômico

do período estudado e obter elementos de análise para a interpretação dos

discursos e práticas dos atores políticos.

O discurso dos atores foi coletado em obras produzidas diretamente por

alguns deles ou em fontes secundárias. No caso destas, só foram utilizadas

quando remetiam às fontes originais. A fala dos atores foi analisada à luz das

sugestões oferecidas pela bibliografia consultada sobre o pensamento social e

político da época.

A seleção dos atores, cujo discurso seria merecedor de apreciação, levou

em conta o parecer dos contemporâneos e da historiografia especializada sobre

sua capacidade de efetivamente influir nas decisões e nos modos de pensar da

elite dirigente, durante aquela fase de formação do Estado Nacional brasileiro.

A investigação ocupou-se exclusivamente com as representações

hegemônicas entre a elite política do Império. Esse aspecto constitui certamente

uma limitação, especialmente no tocante a uma análise mais acurada dos conflitos

representacionais com outros grupos e da repercussão desse conflito na

engenharia institucional da época. A lacuna não prejudica, no entanto, a

Page 13: Representações sociais e organização do poder político: A

12

substância da pesquisa, pois coube à referida elite papel decisivo na organização

do poder no Brasil, durante o período estudado.

Considerou-se “elite política” o grupo minoritário de pessoas habilitadas a

tomar as principais decisões concernentes à construção do Estado Nacional e

constituído, no caso brasileiro, “pelas pessoas que ocupavam os cargos do

Executivo e do Legislativo, isto é, além do imperador, os conselheiros de Estado,

os ministros, os senadores e os deputados” (Murilo de Carvalho,1996:43).

No Capítulo 1, discute-se o papel das representações sociais na formação

das crenças políticas e como se compreende, nos estudos desenvolvidos a

respeito, a ligação entre sistemas de crenças e as estruturas sociais.

No Capítulo 2, procura-se investigar a gênese das representações da elite

imperial sobre o mundo social, relacionando-as com as escolhas feitas, ao longo

do Brasil Colônia, para promover a ocupação, administração e exploração

econômica do território. Segue-se, no Capítulo 3, o exame da gradual formação

dessa elite, baseada mais no monopólio do capital intelectual que do capital

econômico, e as linhas de continuidade e de ruptura de seu pensamento e prática

com a herança colonial.

O Capítulo 4 é voltado para o conflito entre os grupos componentes da elite

a respeito da organização do Governo, tendo como foco a luta entre o Monarca e o

Parlamento e as disputas para traçar linhas de fronteira entre os interesses locais,

regionais e nacionais. No Capítulo 5, analisam-se os arranjos de poder entre os

governos nacional e subnacionais e o modo como influíram nas decisões

concernentes à cidadania. O desenho de um Estado fundado no compromisso

entre o poder público e os poderes privados, bem como as conseqüências desse

compromisso no tocante à estabilidade institucional e à democratização da

Page 14: Representações sociais e organização do poder político: A

13

sociedade, são objeto do Capítulo 6.

Conforme recomendado pela perspectiva das representações sociais, o

trabalho de pesquisa buscou visualizar os fatos como os sujeitos políticos da

época os viam, deixando-os falar. Cabe ainda ressaltar que o estudo

empreendido não teve a intenção de ser um mero exercício de história.

Constituiu uma tentativa de investigação arqueológica das representações dos

grupos dirigentes do Brasil, na suposição de que se o Brasil parece continuar

sempre o mesmo, apesar de tantas mudanças, uma explicação plausível pode

residir na continuidade de velhas concepções sobre o mundo social.

Page 15: Representações sociais e organização do poder político: A

14

Capítulo 1

Descentralização e Representações Sociais

A antinomia centralização/descentralização contempla um conjunto de

conteúdos complexos, forjados ao longo das transformações que assinalaram a

transição, na Europa ocidental, da ordem medieval para a ordem burguesa.

Transição envolvendo rupturas e continuidades nas formas de conhecer,

interpretar e organizar o mundo social, bem como nos arranjos quanto à

distribuição e legitimação do poder.

As mudanças, no campo político, assumiram a forma de um duplo processo

de construção - o das teorias contratualistas e o dos Estados nacionais - cujo

entrelaçamento originou a moderna concepção do Estado como ente que detém a

soberania sobre a população de um determinado território e exerce sua autoridade

mediante regulamentos legais. A construção desse tipo de Estado envolveu,

fundamentalmente, a hierarquização do poder, mediante a subordinação das

antigas esferas autônomas de jurisdição regional e local a uma jurisdição que,

assim se supunha, expressava os interesses gerais da coletividade, bem como a

institucionalização de mecanismos que visavam proteger os cidadãos contra a

arbitrariedade do Estado.

Essa perspectiva histórica ajuda a evitar o uso dos conceitos de

centralização e descentralização como se fossem “tipos ideais, desvinculados de

uma realidade histórica concreta” e “de um projeto global de sociedade”,

remetendo seu estudo à investigação das crenças e valores dos diferentes grupos

sociais envolvidos no esforço de construir o Estado-Nação (Ternavasio,1989:81).

Page 16: Representações sociais e organização do poder político: A

15

Nessa ótica, tais conceitos passam a ser compreendidos como

representações socialmente construídas que, para os indivíduos e grupos

envolvidos, só adquirem sentido enquanto aspectos de um “mesmo conjunto de

representações inter-subjetivas sobre o Estado”, acompanhadas ou entrelaçadas

com outras representações que dizem respeito às relações entre Estado e

Sociedade (Felicissimo,1992:7).

A influência das crenças e valores coletivos no que respeita a preferências

e escolhas institucionais é reconhecida há bastante tempo entre os filósofos e

cientistas sociais, em meio a profundas divergências quanto ao modo pelo qual

são formados tais crenças e valores e de como se articulam com as práticas dos

sujeitos políticos. Um marco nesse debate é o conceito de ideologia, tal como

formulado por Karl Marx.

A concepção de Marx sobre ideologia assume duas etapas. Na primeira,

correspondente ao que se convencionou rotular de “jovem Marx”, o termo designa

uma falsa compreensão da realidade, derivada dos processos sociais de

produção. Essa falsa consciência, fruto da base material da sociedade, teria como

função legitimar as relações sociais de exploração capitalista, podendo ser

desmistificada pelo confronto com a realidade. Em uma etapa posterior,

relacionada ao exame da forma fetichista da mercadoria, Marx avançaria para a

concepção de que a própria realidade, coberta pelo véu da aparência, não poderia,

tomada por si só, funcionar como instrumento de ruptura da máscara ideológica.

A máscara seria retirada apenas à medida que, para além do mundo

sensível, se descortinasse as relações de dominação de classe e o antagonismo

entre as classes, desapreendidas pela própria classe dominante em sua visão de

mundo. A tarefa crítica consistiria em mostrar “nas formas aparentes a ausência

Page 17: Representações sociais e organização do poder político: A

16

das formas reais, recuperando as relações sociais de produção que foram

expulsas da forma aparente. Ou seja, buscar a linguagem social oculta na

manifestação aparente” (Rouanet,1987:102).

De acordo com esta última perspectiva, uma visão particularista da

realidade torna-se, simultaneamente, produto das relações sociais e força

modeladora da realidade, via superestruturas religiosa, jurídica e política. Infra-

estrutura e superestrutura interagem, produzindo-se e reproduzindo-se

mutuamente. A ideologia deixa, assim, de constituir mero subproduto das formas

de produção material e das relações sociais dela decorrentes, para exercer um

papel ativo na construção das condições de preservação e continuidade de uma

determinada formação social.

A possibilidade aberta por Marx para a compreensão de um papel ativo das

crenças e valores coletivos foi aprofundada por Gramsci. Para ele, a estabilidade

de um modo de produção dependeria, principalmente, de um esforço programado

da classe dominante, através das instituições componentes da sociedade civil,

para disseminar sua visão de mundo, transformando-a em visão consensual. A

rede de instituições responsáveis pela disseminação e internalização das crenças

e valores da classe dominante seria composta pela Igreja, escolas, meios de

comunicação social, literatura popular e sistema de representação política

(Eagleton,1996:195-200).

Althusser (1996) retomaria a concepção gramsciana em seu conceito de

Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE), instituições especializadas em inculcar a

ideologia dominante, em todos os membros da sociedade, visando a reprodução

das relações sociais de dominação. Nos AIE, a ideologia se materializa, deixando

de ser apenas um conjunto de crenças, conceitos, símbolos e valores, com sua

Page 18: Representações sociais e organização do poder político: A

17

própria lógica interna, para tornar-se ritual, parte integrante das práticas cotidianas

e condutora/modeladora das ações individuais e coletivas.

A percepção althusseriana, portanto, avança no sentido de entender o

sistema de crenças como parte da estrutura orientadora da vivência cotidiana dos

indivíduos e grupos em quaisquer formações sociais concretas. O sistema constrói

os sujeitos sociais, na medida em que lhes permite afirmar sua identidade, ao

mesmo tempo em que determina os limites de suas ações. As ideologias, para

Althusser, “encerram de fato uma espécie de conhecimento, mas não são

basicamente cognitivas, e o conhecimento em questão é menos teórico do que

pragmático, orientando o sujeito em suas tarefas práticas na sociedade”

(Eagleton,1997:30).

A análise das ideologias promovida pelos marxistas realça a importância de

examinar crenças e valores específicos a partir do universo composto pelas

estruturas vigentes em determinada formação social. Além disso, ressalta o papel

dessas crenças e valores na conduta individual e coletiva, reforçado por

instituições encarregadas de produzi-las e disseminá-las.

Assim sendo, uma análise centrada apenas no conteúdo lógico-formal do

discurso ideológico, referenciando-o por critérios de verdade/ falsidade, em nada

contribuiria para esclarecer essa ideologia. A ideologia, por sua função primordial

de defensora de interesses de classe e legitimadora de formas específicas de ação

social, só poderia ser compreendida no contexto da formação social-histórica em

que se origina e a qual procura modelar.

O conceito de ideologia apresenta, no entanto, várias dificuldades

epistemológicas e operacionais. Boudon e Bourricaud (1993:275-280) chamam a

atenção para a ambigüidade do conceito e para a aporia a que conduz, pois a

Page 19: Representações sociais e organização do poder político: A

18

crítica de uma ideologia teria como pressuposto a possibilidade de o crítico dispor

de um lugar epistemológico privilegiado, isento de influências do meio social, o

que, de acordo com o próprio conceito, implicaria uma postura falsamente neutra e

orientada pela ideologia.

As dificuldades de uma crítica da ideologia são, além disso, realçadas por

uma outra conotação do conceito: todas as categorias de pensamento, ou seja a

totalidade da ordem simbólica, são determinadas pela necessidade de ocultar e

legitimar as relações de poder e exploração inerentes à base material da

sociedade. As estruturas sociais tornam-se, assim, os verdadeiros autores da

história, relegando-se aos homens concretos o papel de coadjuvantes ou de

simples marionetes.

Os indivíduos e grupos, de acordo com tal concepção, reduzem-se a

processadores passivos “dos sistemas socialmente elaborados”, quando, “se por

um lado, na sua inserção social não partem do zero, socializando-se e construindo

sua identidade a partir de estruturas e sistemas socialmente elaborados”, por outro

lado, também exercem sua influência sobre tais estruturas e sistemas, “através de

um processo de estruturação psicossocial”, pelo qual remodelam sua herança

social (Alonso de Andrade,1995:77).

Pierre Bourdieu criticou a orientação objetivista que transforma “em

enteléquias os objetos construídos pela ciência - classes sociais, estruturas,

cultura, modos de produção - impingindo-lhes uma eficácia social que dispensa os

sujeitos concretos responsáveis pelas ações históricas” (Bourdieu,1987: xxxix).

Para superar esse impasse, conciliando a força das estruturas com a

autonomia relativa dos atores sociais, propôs o conceito de habitus, mediação

entre estruturas e práticas sociais, “estruturas estruturadas predispostas a

Page 20: Representações sociais e organização do poder político: A

19

funcionar como estruturas estruturantes” (Ibidem: xxxix). O habitus, princípio

gerador de práticas e de representações, embora reproduzindo estruturas

objetivas, exteriores a vontade do agente e a ela sobreposta, poderia sofrer ajustes

para o atendimento de situações concretas, o que permitiria ao indivíduo um

espaço de liberdade, de intervenção criadora sobre o mundo social.

O conceito, apesar do mérito de reintroduzir um espaço de autonomia para

a subjetividade na elaboração do mundo social, acaba por estreitar em demasia

sua importância e autonomia. Ela se mantém prisioneira das estruturas, sendo-lhe

concedida apenas a possibilidade de produzir um esforço adaptativo, em função

das dificuldades de tradução literal do habitus na prática social. Conserva-se o

primado das estruturas e de sua reprodução, tornando a mudança um processo

vago e quase imperceptível de pequenas adaptações contingenciais.

Bourdieu, ainda herdeiro do marxismo e do estruturalismo, embora

reconheça a importância das formas simbólicas como instrumentos de

conhecimento e de comunicação, entende o sistema de crenças, símbolos e

valores “sempre como relações de poder”. Para ele, “o campo da produção

simbólica é um microcosmo da luta simbólica entre as classes”, lutas que acabam

por servir “aos interesses dos grupos exteriores ao campo de produção”

(Bourdieu,1989:9-12). As formas simbólicas não possuem, assim, uma substância

própria, confundindo-se sua eficácia e conteúdo com os interesses previamente

definidos no campo econômico.

O conceito de habitus pode ser inscrito dentre aqueles pelos quais se tenta

transpor o uso de abordagens calcadas no rígido apego a estruturas objetificadas

que determinam a produção de sentidos dos sujeitos sociais sobre o mundo e suas

ações, para outra que admite a relativa autonomia da produção simbólica e lhe

Page 21: Representações sociais e organização do poder político: A

20

conferem papel relevante na construção das próprias estruturas.

Dentro dessa corrente pode também ser arrolado a noção de “mentalidade”,

isto é, o conjunto de “utensílios mentais” típicos de uma determinada época

histórica que condicionam as atitudes mentais e afetivas dos indivíduos e grupos.

A noção, trabalhada por historiadores franceses vinculados ao que se

convencionou rotular de Escola dos Annales, realça a importância do nível cultural

na conformação das práticas sociais, além de chamar a atenção para a ausência

de sincronia entre as mudanças no conjunto de crenças e valores e as verificadas

no nível econômico. Para os historiadores das mentalidades, o nível cultural têm

como principal característica a continuidade, a longa duração.

Os historiadores das mentalidades hesitam, porém, em avançar no sentido

de conferir ao cultural um papel destacado como orientador das ações coletivas e

na transformação do mundo social, relegando-o, mais uma vez, a uma posição

dependente do econômico e do social:

“O clima, a biologia e a demografia dominavam a longa duração juntamente com as tendências econômicas; as relações sociais, mais nitidamente sujeitas às flutuações da conjucture constituíam uma segunda ordem da realidade histórica; e a vida política, cultural e intelectual configurava um terceiro nível, extremamente dependente, de experiência histórica. A interação entre o primeiro e o segundo nível assumia a primazia” (Hunt,1995:4).

Daí as características principais adotadas no tratamento das crenças e

valores pelos adeptos do conceito de mentalidades: “a preferência pelo maior

número, portanto a pesquisa da cultura tida como popular, a confiança no

numérico e na série, o gosto pela longa duração, o primado conferido ao recorte

sócio-profissional” (Chartier,1991:175).

Essa forma de pensar o mundo social, que predominava em vários campos

das ciências sociais e não apenas no campo da história, passou a ser fortemente

contestada por todos aqueles que desejavam romper as amarras do marxismo e

Page 22: Representações sociais e organização do poder político: A

21

do estruturalismo.

A proposta dos contestadores era a de construir um “pensar os

funcionamentos sociais fora de uma partição rigidamente hierarquizada das

práticas e das temporalidades (econômicas, sociais, culturais, políticas) e sem que

fosse dada primazia a um conjunto particular de determinações”. Procuram

“decifrar de outro modo as sociedades... considerando não haver prática ou

estrutura que não seja produzida pelas representações, contraditórias e em

confronto, pelas quais os indivíduos e os grupos dão sentido ao mundo que é o

deles” (Chartier,op.cit.:177).

O conceito de representações sociais ou coletivas, lançado por Emile

Durkheim, e relegado a segundo plano nas ciências sociais, durante a maior parte

do século XX, é assim retomado no escopo da luta contra o paradigma

estruturalista. Coube papel destacado nesse processo de apropriação e

atualização do conceito ao grupo de historiadores franceses, liderados por Roger

Chartier, voltados, basicamente, para o estudo de temas culturais.

A partir de pesquisas que enfatizam cada vez mais os aspectos relacionais

das práticas, os historiadores concluirão que as crenças, valores e práticas

constituem um sistema simbólico que, compartilhado por todos os indivíduos,

permite estabelecer a coesão da sociedade. As representações sociais incorporam

esquemas de classificação e categorização do mundo social que, originadas na

própria divisão social, acabam por modelar a conduta e a ação dos indivíduos e

grupos.

As representações sociais surgem, portanto, como esquemas intelectuais

que, influenciados pela posição ocupada pelos diferentes grupos na ordem social,

fundamentam os modos pelos quais cada grupo, comunidade ou classe pensa que

Page 23: Representações sociais e organização do poder político: A

22

esta ordem é ou deveria ser, e ao mesmo tempo permitem dar coesão ao grupo e

diferenciá-lo dos demais1.

As representações não podem ser estudadas isoladamente das relações de

cooperação e conflito que ocorrem no interior de cada grupo e entre este e os

demais grupos. Além disso, por força de seu caráter normativo e identitário,

acabam por se constituir em orientadoras das ações coletivas e em fontes

geradoras de projetos alternativos de configuração do mundo social, visando

moldá-lo de acordo com uma visão particularista.

O mundo social torna-se tanto o produtor das representações, como a

matéria a ser modelada “através das séries de discursos que o apreendem e o

estruturam” (Chartier,1988:23). O conceito de representações sociais sinaliza,

portanto, que “ocupar-se dos conflitos de classificações ou de delimitações não é...

afastar-se do social”, possibilitando “localizar os pontos de afrontamento tanto mais

decisivos quanto menos imediatamente materiais” (Ibidem:17).

O embate entre objetivistas e subjetivistas no campo das ciências sociais,

torna-se, a partir deste entendimento do significado da dimensão cultural, um falso

dilema, pois é possível “considerar os esquemas geradores das classificações e

das percepções... como verdadeiras instituições sociais, incorporando sob a forma

de categorias mentais e de representações coletivas as demarcações da própria

organização social” (Chartier,1988:17-18).

1 “A noção de representação coletiva autoriza a articular, sem dúvida melhor do que o conceito de mentalidade, três modalidades de relação com o mundo social: de início, o trabalho de classificação e de recorte que produz configurações intelectuais múltiplas pelas quais a realidade é contraditoriamente construída pelos diferentes grupos que compõem uma sociedade; em seguida, as práticas que visam a fazer reconhecer uma identidade social, a exibir uma maneira própria de ser no mundo, a significar simbolicamente um estatuto e uma posição; enfim, as formas institucionalizadas e objetivadas em virtude das quais ‘representantes’ (instâncias coletivas ou indivíduos singulares) marcam de modo visível e perpétuo a existência do grupo, da comunidade ou da classe” (Chartier,1991:183).

Page 24: Representações sociais e organização do poder político: A

23

Não pode ser negligenciada, também, a contribuição oferecida pela

psicologia social francesa no trabalho de resgate da importância das

representações coletivas. Para esta corrente, as representações surgem da

necessidade sentida pelos indivíduos de se ajustarem e resolverem os problemas

colocados pelo mundo social.

As representações ligam o sujeito a um objeto, seja ele de natureza social,

material ou ideal, possibilitando “orientar e organizar as condutas e as

comunicações sociais”, interferindo também “nos processos de difusão e

assimilação de conhecimentos, de desenvolvimento individual e coletivo, de

definição das identidades pessoais e sociais” (Jodelet, 1989:53).

Jean-Claude Abric (1996) sugere que as representações devem ser

estudadas como um sistema, em que se articulam um núcleo central, resistente a

mudanças e formado por elementos sócio-históricos e ideológicos, e um núcleo

periférico que promove a adaptação do núcleo central às condições do ambiente2.

A atividade representacional constitui, a partir das perspectivas

examinadas, uma relação entre um sujeito, entendido não apenas individualmente,

mas inserido em relações sociais específicas, e um objeto, que pode ser material,

social ou ideal. Essa relação é, em parte, determinada pela estrutura social e, de

outra parte, resultante de uma atividade autônoma de construção do objeto pelo

sujeito.

2 “um sistema central...diretamente ligado e determinado pelas condições históricas, sociológicas e ideológicas...ele constitui portanto a base comum, coletivamente partilhada das representações sociais. Sua função é consensual. É por ele que se realiza e se define a homogeneidade de um grupo social. Ele é estável, corrente, resistente à mudança, assegurando assim uma segunda função, a da continuidade e da permanência da representação. ..Em segundo lugar, como complemento indispensável do sistema central, haveria...um sistema periférico, constituído pelos elementos...que, provendo a interface entre a realidade concreta e o sistema central, atualiza e contextualiza constantemente as determinações normativas e de outra forma consensuais deste último” (Abric, apud Sá, 1996:72-73).

Page 25: Representações sociais e organização do poder político: A

24

A representação social é uma atividade de criação simbólica, dado que só

se representa um objeto que tenha significado e sentido para o grupo. O trabalho

de reconstrução simbólica envolve a objetivação, ou seja a reprodução pelo sujeito

dos conhecimentos disponibilizados quanto ao objeto, mediante uma seleção dos

elementos fornecidos; e a ancoragem, trabalho de inserção da imagem objetivada

em um conjunto de pensamento social preexistente, familiar ao sujeito (Alonso de

Andrade, op.cit.: passim).

Caracterizar as representações sociais como uma forma de conhecimento

implica a necessidade de estabelecer sua diferenciação quanto as opiniões, as

atitudes, os estereótipos e as imagens.

Ao contrário destas, que se caracterizam pela passividade do sujeito em

relação ao objeto e pela abstração dos aspectos relacionais, a representação é

uma atividade criativa, que contribui para a interpretação e modelagem do real,

produzindo-o e transformando-o (Ibidem:45).

Esse aspecto é particularmente importante no que diz respeito à

compreensão do sistema de crenças políticas. Enquanto para os cientistas sociais

influenciados pelo empirismo norte-americano, as opiniões/atitudes individuais

constituem o fundamento de tais sistemas, “um estudo em profundidade da cultura

política deveria basear-se, sobretudo, nas representações sociais do político e

não, apenas, nas opiniões/atitudes a seu respeito” (Ibidem:85).

Em decorrência, a investigação de um sistema articulado de crenças e

valores sobre o mundo da política “deve basear-se não em amostras

populacionais, mas em indivíduos representativos dos grupos sociais e não pode

limitar-se a medições de ordem quantitativa, mas utilizar uma abordagem

qualitativa, capaz de atingir a ordem dos significados” (Ibidem:85).

Page 26: Representações sociais e organização do poder político: A

25

No caso específico que se está analisando, ou seja as decisões

relacionadas à formação do Estado nacional brasileiro, importa investigar o

pensamento social e político do grupo de pessoas responsável por essas

decisões, levantando as condições que possibilitaram a formação de um

determinado conjunto de crenças e valores através dos quais esse grupo procurou

compreender e agir sobre o mundo social.

As representações que construíram, ao longo do processo de luta pela

afirmação da identidade do grupo e da imposição de sua autoridade sobre o

conjunto da sociedade, devem, ademais, ser estudadas a partir do discurso de

alguns indivíduos, cujo papel foi o de produzir e difundir a visão social de mundo

que compartilhavam com seus pares.3

3 Papel já assinalado por Gramsci, quando se refere aos intelectuais orgânicos.

Page 27: Representações sociais e organização do poder político: A

26

Capítulo 2

Semeadores e Mascates

Confrontado com a necessidade de colonizar o território americano recém-

descoberto, o Estado português decidiu, no começo do século XVI, delegar a

tarefa a empreendedores particulares, “lembrando o exemplo de outras

experiências em ilhas do Atlântico - Açores, Madeira, Cabo Verde, Porto Santo,

São Tomé, Príncipe” (Iglésias,1995:23).

O território foi dividido em grandes extensões de terra, as capitanias,

doadas a capitães-mores, que dispunham de autonomia para administrá-las e

promover seu aproveitamento econômico e defesa, resguardados os direitos da

Coroa no tocante aos resultados das atividades produtivas. As capitanias, a fim de

atrair colonos, poderiam ser subdividas por seus donatários em sesmarias,

destinadas, prioritariamente, ao cultivo agrícola.4

O fracasso da maior parte dos donatários, o receio de que a colonização

entregue apenas aos particulares pudesse não ser suficiente para garantir a

defesa do território, a necessidade de manter os colonos mais estreitamente

ligados aos centros decisórios metropolitanos e as exigências de aumento na

eficiência da extração de recursos para a Coroa levaram à decisão de introduzir

instituições políticas e administrativas capazes de dar maior visibilidade à presença

do Estado português no Brasil.

4 A instituição das sesmarias foi o “meio jurídico para apegar a terra à capacidade de cultivo, [mas] serviu para

Page 28: Representações sociais e organização do poder político: A

27

Dentre essas instituições sobressaem as Câmaras, formadas pelos

“homens bons”, ou seja pelos grandes proprietários rurais, e incumbidas do

governo dos municípios. Pesquisas históricas recentes conferem-lhes papel

destacado, juntamente com as Misericórdias e a Igreja, para manter a coesão e o

funcionamento político-administrativo do Império colonial português.5

As Câmaras possuíam, em geral, uma autonomia decisória bastante ampla,

graças à distância da Metrópole e à falta de recursos desta para garantir presença

direta em todas as partes do imenso território. Parece certo, portanto, afirmar que

as Câmaras constituíam “elementos de unidade e de continuidade entre o Reino e

seus domínios”, além de serem “órgãos fundamentais de representação dos

interesses e das demandas dos colonos” (Bicalho,1998).

A partir de meados do século XVII, com a Restauração (1640), a Coroa

envidará esforços para reorganizar a divisão do poder político colonial,

fortalecendo as instâncias intermediárias como o governo-geral e os governos de

capitanias. Em função disso, no final do século XVIII, o poder político na Colônia

distribuía-se entre quatro grupos: os dirigentes metropolitanos, instalados no

Conselho Ultramarino, no Conselho da Fazenda, na Mesa de Desembargo do

Paço, na Mesa da Consciência e Ordens e na Casa da Suplicação; os

administradores gerais da colônia: governadores-gerais e vice-reis; os capitães-

generais que governavam as capitanias e os potentados locais, que ocupavam os

cargos das Câmaras municipais.

Apesar da hierarquia formal, “a administração colonial era, sobretudo, um

feixe de relações entre o governo metropolitano e as administrações centrais e

consagrar as extensões latifundiárias... afirmando a tendência, no plano político, da autonomia do potentado rural” (Faoro, 1989:126). 5 O estudo fundamental nessa área é o de Charles Boxer. “Portuguese Society in the Tropics: the Municipal

Page 29: Representações sociais e organização do poder político: A

28

regionais, com os órgãos portugueses contatando diretamente os coloniais, os

governos das capitanias e até a administração municipal” (Wehling, 1999:315).

Esse “feixe de relações” possibilitou que as Câmaras conservassem uma

latitude de competências que, em alguns casos, ultrapassava o âmbito meramente

local. Assim, cabia-lhes administrar a arrecadação de impostos lançados pela

Metrópole, impor taxas ocasionais, arrendar contratos de uso dos próprios

municipais, arcar com os custos de defesa da municipalidade e, ocasionalmente,

de outras regiões distantes ameaçadas, executar obras públicas e melhoramentos

urbanos, desempenhar funções policiais e judiciárias, eleger funcionários da

administração (almotacés, assistidos do alcaide-mor, recebedores das sisas, etc.)

e nomear procuradores para defender seus interesses junto ao Rei (Prado Júnior,

1972; Leal, 1997; Bicalho, 1998 e Wehling, 1999).

Embora haja indícios da participação de outros estratos sociais nas

decisões das Câmaras, de sorte que “a população local sentia mais a incidência da

câmara nas suas vivências do que a de um distante monarca no além-mar”

(Carvalho Souza,1999:146), os principais detentores do poder político no Brasil

colonial eram os “homens bons”.

Escorados no domínio das principais fontes de riqueza - terras e escravos,

podiam reunir e comandar extensas famílias patriarcais de parentes e agregados,

disponíveis para serem usadas na defesa do território contra ameaças de

indígenas e outros impérios coloniais ou, quando necessário, dominar grupos

familiares rivais e, até mesmo, garantir-se contra as autoridades nomeadas pelo

rei.

Councils of Goa, Macao, Bahia and Luanda - 1510-1800”. Madison: University of Wisconsin Press, 1965.

Page 30: Representações sociais e organização do poder político: A

29

A riqueza permitia-lhes também praticar formas menos violentas de obter

prestígio e poder: suborno de autoridades reais, no Brasil e em Lisboa; compra de

cargos públicos ou de dignidades eclesiásticas; a união, através de casamentos,

com as famílias metropolitanas próximas à Coroa.

Além deles, compunham a elite política o alto clero e funcionários reais de

cargos mais elevados da administração colonial (juízes-de-fora, ouvidores-gerais,

magistrados e militares). A partir da descoberta do ouro no Brasil central, um novo

grupo forçará o ingresso nessa elite: os comerciantes de “grosso trato”.

Os “homens de grosso trato”, geralmente portugueses de origem, eram, a

princípio, comissionados das grandes companhias comerciais do Porto e de

Lisboa. Controlavam a exportação e importação de mercadorias; o tráfico de

escravos africanos; a navegação de cabotagem; o financiamento das atividades

produtivas agro-exportadoras e de comércio interno, especialmente o

abastecimento de gêneros de primeira necessidade; o crédito pessoal dos grandes

senhores rurais, mineradores, eclesiásticos e altos funcionários e a coleta dos

tributos reais, através da compra dos direitos de arrecadação.

Ao final do século XVIII, esse grupo social havia se firmado como um dos

mais poderosos da Colônia, conquistando sua autonomia em relação às casas

comerciais metropolitanas e mantendo estreitas ligações familiares ou de negócios

com os grandes proprietários rurais, o clero e os funcionários reais6. A

administração pombalina (1750-1777) acabou reconhecendo a importância dos

6 “Desde a década de 1790, no Rio, os homens de grosso trato controlavam o tráfico entre o Brasil e a África, enquanto outros empreendimentos do império, predominantemente, ficavam nas mãos dos portugueses. Já o comércio de cabotagem, ligando o Rio de norte a sul, de Cabo Frio a Pernambuco, de Ilha Bela ao Rio Grande do Sul, dependia mais dos negociantes brasileiros e muito menos dos portugueses. A partir de 1816, ficou apenas sob o domínio dos primeiros, pois proibiu-se a participação estrangeira. Entre 1790 e 1830, os homens de grosso trato conseguiram fincar sua hegemonia comercial e consolidaram seus interesses no centro-sul do país, bem como passaram a financiar a Coroa, prestando-lhe serviços e recebendo em troca a nomeação para ocupar cargos na Real Junta de Comércio, no Banco do Brasil, no Serviço do Paço, postos nos corpos de

Page 31: Representações sociais e organização do poder político: A

30

“homens de grosso trato”, autorizando seu acesso aos cargos camarários, antes

prerrogativa dos proprietários rurais.

O Brasil, no início do século XIX, adquirira maior integração econômica,

graças ao fluxo de bens e serviços entre as regiões Sul (Rio de Janeiro, São Paulo

e Rio Grande do Sul) e Norte (Bahia, Ceará, Pernambuco) com a região Central

(Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso).

Multiplicavam-se, ainda que em pequena escala, os núcleos urbanos e

hábitos mais cosmopolitas, tais como o estímulo à educação superior dos filhos em

escolas européias e o conhecimento e discussão das idéias subversivas sobre

economia e política, em moda na Europa, começavam a se disseminar entre os

que julgavam fazer parte da aristocracia nativa.

A agricultura mercantil-escravista, passada a fase da mineração, voltara a

constituir-se no eixo dinâmico da economia. O interesse em sua manutenção e

expansão possibilitava, apesar da falta de laços políticos mais firmes entre as

regiões e da competição entre elas, um ponto de partida favorável à coesão dos

grupos dominantes regionais e locais.

O Norte, leia-se principalmente Bahia e Pernambuco, ainda era a região

que ocupava o primeiro lugar no que diz respeito às rendas de exportação, mas

sua posição política começara a ser abalada quando da exploração aurífera, em

favor dos grupos do Centro-Sul - Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Estes

já constituíam, no final do século XVIII, uma autêntica coalizão de interesses e de

parentesco, graças aos negócios em comum e aos casamentos convenientemente

arranjados entre as principais famílias.

milícia, títulos de nobreza, honrarias, terras devolutas” (Carvalho Souza,1999:45-47).

Page 32: Representações sociais e organização do poder político: A

31

A transferência da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, sua

escolha para capital do Brasil independente e, em meados do século XIX, a

substituição do açúcar pelo café do Vale do Paraíba como principal item da pauta

de exportações, acabariam por selar a sorte dos grupos nortistas, transformando-

os em dependentes de um Governo Central controlado por grupos familiares do

Centro-Sul.

As redes de comércio, a expansão urbana, populacional e geográfica, a

acumulação interna de capital possibilitada pelos ganhos obtidos com a produção

de ouro e diamantes e o comércio, sem esquecer o estreitamento dos laços entre

os grupos familiares detentores de poder político e econômico, permitem

considerar que o Brasil:

“bem antes da chegada da família real... possuía seus quadros de liderança, um senso de brasilidade, mercadorias para troca, redes informais de comunicação, teias de comércio, capitais, uma estimativa do território do Brasil, além de idéias próprias. Além disso, havia uma interação social e comercial não apenas entre as periferias no interior do Brasil mas, no sentido mais amplo da perspectiva metropolitana, entre o Brasil enquanto periferia e outras periferias do Império, como por exemplo, as possessões portuguesas na África Ocidental, Central e Oriental, na Índia e no este e sudeste da Ásia” (Russel-Wood,1998).

Em decorrência da importância crescente da colônia para a economia de

Portugal e da escassez de recursos metropolitanos, as relações Metrópole/Colônia

assumiram, sob o ponto de vista administrativo, um caráter de crescente

descentralização e autonomia negociada (Russel-Wood, op.cit.). Havia espaço,

assim, para razoável grau de participação dos grupos dirigentes mazombos em

decisões de seu interesse. Reconheciam o direito e a necessidade de a Metrópole

tomar decisões que afetassem o conjunto dos domínios de ultramar, em troca do

reconhecimento da Coroa quanto a sua autoridade nos assuntos locais e mesmo

regionais.

Page 33: Representações sociais e organização do poder político: A

32

A descentralização negociada e os contatos diretos com a Corte

contribuíram, certamente, para manter a estabilidade do sistema colonial, ao preço

de acentuado localismo das demandas e decisões políticas e administrativas, do

reforço das desigualdades regionais e das dificuldades para a formação de uma

identidade nacional entre os colonos (Russel-Wood, op. cit.).

A contínua negociação entre os grupos nativos e a Coroa pode haver

contribuído, ainda, para fortalecer “uma noção bastante empírica de que uma

relação de poder implica em um certo contrato” (Carvalho, 1998). O contrato que

fundamentava a aliança entre os poderes locais e Lisboa fixava que “em

contrapartida de inegáveis mostras de lealdade e vassalagem, a nobreza da terra

das diferentes cidades e vilas coloniais reivindicava para si um acesso privilegiado

ao poder local da colônia, além de honras, foros, isenções e franquias que

figuravam num mercado de expectativas de reconhecimento e premiação por parte

do soberano” (Bicalho,1998).

Consolidava-se, em conseqüência, entre os “homens bons”, a crença de

que eram legítimos detentores dos direitos de exercer a autoridade sobre as

populações locais e de co-participarem nas decisões de interesse comum,

especialmente aquelas que poderiam afetar sua posição superior e riqueza.

Exemplos disso foram as freqüentes revoltas contra tributos considerados

abusivos, o crescente desconforto com o monopólio comercial português e a

frustração ou desencanto com a Metrópole por sua visível perda de prestígio junto

a outras potências imperiais, o que revertia em prejuízo à colocação dos produtos

brasileiros no mercado europeu e no receio de perder as fontes de abastecimento

de escravos.

Page 34: Representações sociais e organização do poder político: A

33

Os episódios políticos das duas primeiras décadas do século XIX -

internalização da Metrópole, através da transferência da Corte portuguesa para o

Brasil, e revolução constitucionalista portuguesa, de 1820 - contribuiriam para

alimentar essas crenças e para realçar a importância de um novo grupo social,

constituído pelos “homens bons” letrados.

Page 35: Representações sociais e organização do poder político: A

34

Capítulo 3

Os Pais Fundadores

Plantando Instituições

A crescente importância do Brasil no Império português, a partir de meados

do século XVIII, ajudou a disseminar a idéia de estabelecer outras bases políticas

para o Império, repartindo-se o poder igualmente entre as elites mazombas e

portuguesas.

José Bonifácio de Andrada e Silva, pertencente à família de comerciantes

de grosso trato da cidade de Santos, que estudara em Coimbra e fazia parte da

alta Administração do Império, foi um dos principais porta-vozes dessa idéia.

Outros “homens bons” letrados, como Hipólito José da Costa, Manoel de Arruda

Câmara, José Vieira Couto, José Joaquim de Azeredo Coutinho, também

compartilhavam o mesmo projeto.7

No entender desse grupo, a participação da elite política do Brasil na gestão

do Império seria a única maneira de restaurar sua vitalidade. Portugal, carente de

população, riqueza e prestígio militar e político, não mais poderia conduzi-lo

sozinho. Fazia-se necessária uma infusão de força, que a prosperidade, território e

população brasileiros garantiriam:

“Como se esta mínima parte do território Português e a sua povoação estacionária e acanhada devesse ser o centro político e comercial da Nação inteira... Quem ignora igualmente que é quase

7 O grupo tinha em comum a formação intelectual em Coimbra, a ocupação de cargos relevantes na hierarquia administrativa imperial e a proteção dispensada por Dom Rodrigo de Souza Coutinho, Conde de Linhares, ministro do ultramar e um dos mais influentes políticos portugueses durante o reinado de D. João VI (Cf. Neves,1999).

Page 36: Representações sociais e organização do poder político: A

35

impossível dar nova força e energia a Povos envelhecidos e defecados? Quem ignora hoje que os belos dias de Portugal estão passados e que só do Brasil pode esta pequena porção da Monarquia esperar seguro arrimo e novas forças para adquirir outra vez a sua virilidade antiga!”8.

O projeto pareceu a ponto de tornar-se realidade quando, em 1808, D. João

VI decidiu vir para o Brasil e aqui instalar a sede do Império:

“Possa este, para sempre memorável dia, ser celebrado com universal júbilo por toda a América Portuguesa, por uma dilatada série de séculos, como aquele em que começou a raiar a aurora da felicidade, prosperidade e grandeza, a que algum dia o Brasil há de se elevar, sendo governado de perto pelo seu soberano. Sim, nós já começamos a sentir os saudáveis efeitos da paternal presença de tão ótimo príncipe, que, sendo todo para os seus vassalos, não perderá um só momento de promover a felicidade dos seus Estados do Brasil, a mais bela, e rica porção do globo; do que já Sua Alteza Real nos deu as mais evidentes provas, que muito alentam as nossas esperanças, de que viera ao Brasil a criar um grande Império”.9

A intenção de manter a sede do Império no Brasil ficou manifesta quando

em 1815, já derrotado Napoleão, D. João VI decidiu permanecer em território

brasileiro e, além disso, elevar o país à categoria de Reino Unido a Portugal e

Algarves.

Em conseqüência, acirraram-se os ânimos dos comerciantes, funcionários,

clérigos e militares que haviam permanecido em Portugal. Esperando recuperar

sua posição como controladores do Império, promoveram, em 1820, uma

revolução constitucionalista, de caráter fortemente antibrasileiro, pois pretendia

assegurar a unidade e indivisibilidade da nação portuguesa, ou seja de todas as

partes do império luso, sob a égide de Lisboa.10

8 José Bonifácio. Manifesto de 6 de agosto de 1822. “Obra Política de José Bonifácio”, vol. 1, Brasília, Senado Federal, 1973, p. 302, apud Silva (1999:157). 9 Luís Gonçalves dos Santos. “Memórias para servir à história do Brasil”, apud Neves (1999:30). 10 “Representando abertamente um movimento antiabsolutista, a revolução portuguesa de 1820 também é, em certo sentido, e desde os primeiros passos, um movimento antibrasileiro...Uma constituinte que aspire à unificação do poder em detrimento de tradicionais prerrogativas fixadas pelo uso, de veneradas desigualdades, de imunidades e franquias consagradas, em outras palavras, que tenda à criação de um todo nacional compacto e homogêneo...aponta naturalmente para regimes onde todas as partes hão de gravitar em volta de um eixo comum” (Buarque de Holanda,1993:13).

Page 37: Representações sociais e organização do poder político: A

36

Esse aspecto não passou despercebido para os grupos políticos brasileiros

do Centro-Sul, que haviam conquistado posições de mando na Corte Imperial,

instalada no Rio de Janeiro. Esperavam, não obstante, convencer às elites

lusitanas a manter a dualidade de poderes e, conseqüentemente, a autonomia do

Brasil e seu prestígio no conjunto da Nação portuguesa.

Gradualmente, o conflito foi atingindo um ponto sem retorno. De um lado,

os grupos do Centro-Sul que, em troca de apoio financeiro à família real,

receberam títulos nobiliárquicos, vantagens econômicas e postos na

Administração, querendo conservar o status privilegiado de influência sobre a

condução dos assuntos que diziam respeito ao Brasil. De outro, a elite lusitana,

representada nas Cortes de Lisboa, cada vez mais ciosa da restauração de seu

predomínio e convicta de que, após o retorno de D. João VI a Portugal, a

permanência de seu filho D. Pedro no Brasil representava uma ameaça de retorno

ao passado absolutista e de fragmentação do Império.11

A decisão de separar-se de Portugal não foi, no entanto, um processo

tranqüilo para os diferentes grupos que compunham a elite política brasileira. Ela

significava para vários desses grupos, especialmente os do Norte, decidir entre

duas alternativas: manter a fidelidade a Lisboa, o que ajudaria a preservar o

sistema de descentralização negociada de poder, vigente durante o período

colonial, ou aderir à secessão advogada por grupos mineiros, paulistas e

fluminenses, o que implicava em ceder parte de sua autonomia àqueles que

controlavam a Corte do Rio de Janeiro.

11 “O despotismo desterrado de Portugal forceja por estabelecer o seu assento no Rio de Janeiro: um mancebo ambicioso e alucinado, à testa de um punhado de facciosos, ousa contravir os decretos das Cortes”. Trecho de discurso, registrado no “Diário das Cortes”. Sessão de 22 de maio de 1822, p. 229, apud Neves (1995:303).

Page 38: Representações sociais e organização do poder político: A

37

O localismo, que caracterizava a vida política colonial, era suficientemente

enraizado para que algumas lideranças do Centro-Sul admitissem transformar o

Brasil independente em uma monarquia federativa, entendo ser esta a melhor

maneira de impedir a desintegração territorial.12

Os fatores que parecem ter pesado em favor do Rio de Janeiro e de um

governo centralizado foram uma combinação de rancores entre famílias; disputa

por espaços de poder político e econômico regionais e locais; receios de que o

federalismo pudesse representar uma séria ameaça à preservação da ordem

social escravista e aspirações por confirmar o status pessoal privilegiado, mediante

o recebimento de títulos de nobreza e a nomeação para cargos da Corte13:

“A questão entre 1821 e 1822 era de ordem prática: que aliados e que alternativas escolher entre as que se apresentavam? Dentre as opções possíveis, a Independência com Pedro no trono, era a mais segura para manter o status quo ante. As demais alternativas liberais - federalismo, reino unido ou monarquia federativa - poderiam restringir o espaço político dessas famílias, ampliar o dos adversários, ou os dois” (Carvalho,1998).

O rompimento com Portugal exigiu, portanto, cuidados especiais de parte

do grupo dominante na Corte do Rio de Janeiro, a fim de preservar a unidade

territorial e ganhar hegemonia sobre os demais grupos dirigentes.

Excessiva descentralização poderia desmantelar toda a estrutura social,

inviabilizando o Brasil como Estado independente ou lançando-o em intermináveis

guerras entre grupos familiares rivais. Centralizar em demasia pressupunha um

controle do qual realmente não se podia dispor num país de grande extensão

territorial, com visíveis desigualdades regionais, dificuldades de comunicação e,

principalmente, com os “homens bons” das cidades e vilas ciosos de sua

12 Cf. Buarque de Holanda (1993:16) e as discussões e propostas dos representantes brasileiros às Cortes de Lisboa, in Berbel (1999:127-200). 13 Segue-se aqui a sugestão de Marcus de Carvalho (1998). Embora o dilema fosse aplicado pelo autor apenas ao caso pernambucano, sua generalização para outras províncias parece plausível tendo em vista os estudos de Quintas (1995), Cardoso (1995), Buarque de Holanda (1995), Pinho (1995) e Reis (1995).

Page 39: Representações sociais e organização do poder político: A

38

autonomia.

O desafio era ampliado pela necessidade de igualar-se às nações mais

civilizadas e adotar as invenções liberais, cuja prática ainda engatinhava. A

América Espanhola, após rápidas e malsucedidas experiências em copiar essas

novidades, mergulhara na guerra civil e no caudilhismo, que seriam a sua sina

durante todo o século XIX. Os modelos estrangeiros a imitar eram poucos

(Inglaterra, EUA e França), de experimentação ainda recente, exceto no caso

inglês, e a ameaça de desagregação interna se fazia sempre presente, no caso de

qualquer erro de cálculo.

A estratégia utilizada para conseguir, após a separação, manter o governo

civil, a integridade territorial e a Corte do Rio como centro do poder político,

compreendeu missões diplomáticas junto aos grupos locais e a governos

europeus, em particular o governo da Inglaterra; emprego da força armada em

favor das facções pró-Independência, quando não dispunham de força suficiente

para se impor aos adversários; obtenção do respaldo da Igreja Católica; uso de

laços de parentesco ou amizade e, principalmente, todo um trabalho de

popularização da figura de D. Pedro e de afirmação dos aspectos simbólicos

tradicionais da Monarquia.

Na Monarquia, cristalizava-se a esperança de ver apaziguadas as

divergências entre os grupos políticos provinciais e locais e entre os senhores do

país e o povo-massa, para usar uma expressão de Oliveira Viana. Poder acima

dos demais, zelaria pela Nação, defendendo-a de todos os males e fazendo dos

desiguais uma só família:

“Acusam-me alguns de que plantei a Monarquia. Sim, porque vi que não podia ser de outro modo então; porque observava que os costumes e o caráter do povo eram eminentemente aristocráticos; porque era preciso interessar às antigas famílias e os homens ricos que detestavam ou temiam os demagogos... Sem a monarquia não haveria um centro de força e união,

Page 40: Representações sociais e organização do poder político: A

39

e sem esta não se poderia resistir às cortes de Portugal e adquirir a Independência Nacional” (José Bonifácio, apud Carvalho Souza,1999:268).

Uma vez conquistada a Independência, as questões que ocuparam lugar de

destaque na agenda política estavam relacionadas à fonte de poder, à

representação política, à cidadania e aos propósitos da ação governamental:

“Onde se encontrava a fonte de poder político legítimo? Ela deveria repousar sobre o próprio centro de poder ou deveria ser delegada para o centro de poder, mediante os mecanismos de representação política e social? Quem estava qualificado para representar e ser representado, isto é, qual deveria ser o escopo da comunidade política? Quem pertence e quem não pertence a ela como cidadão político pleno? E para que servem o governo e o Estado afinal? Qual é a finalidade dos governos legítimos? Que metas deveriam perseguir e através de que meios?” (Santos,1978:78).

Respondê-las envolveu laborioso trabalho de construção institucional por

parte dos fundadores do Império, os quais buscaram em “nações civilizadas” as

“luzes” necessárias para implementar sua obra, ao mesmo tempo em que

procuravam adaptar as instituições transplantadas aos seus valores e interesses.

Dentre as principais novidades importadas no campo das idéias e

instituições destacavam-se o contratualismo, expresso em um pacto constitucional,

a igualdade cívica, a representação nacional eleita e atuando em caráter

permanente e a independência entre os órgãos que exerceriam as funções

executiva, legislativa e judiciária. Mesmo a Monarquia não deixava de ser algo

relativamente novo pois, até bem pouco tempo (1808), não passava de um poder

mágico e distante, cuja presença se fazia sentir mais pela mediação das Câmaras

municipais.

A idéia de um pacto entre governantes e governados remetia ao

contrato implícito entre os “homens bons” e o rei, não encontrando grandes

resistências, na medida em foi adotado em sua versão lusitana, na qual se

reconhecia a manutenção da aliança entre o Estado e a Igreja católica, a

primazia dos homens ilustrados, entendidos como os únicos realmente

Page 41: Representações sociais e organização do poder político: A

40

habilitados a conduzir os destinos da maioria, a liberdade não como direito

natural, mas como uma concessão do corpo social e garantida até o ponto em

que não o ameaçasse. A igualdade cívica foi aceita enquanto expressão de

uma igualdade meramente formal, isto é restrita aos termos da lei (Neves &

Machado,1999:72).

Mais complicadas de aceitar e praticar foram a divisão de poderes, o que

afetava a centralização da autoridade na pessoa do rei, e a existência de uma

representação nacional, composta por lideranças políticas interpostas entre o

Governo central e os governos municipais. Os conflitos decorrentes da

implantação das duas instituições serviriam de pano de fundo para as lutas

políticas travadas durante a época imperial.

Depreende-se, assim, que a ancoragem institucional, mesmo quando

aparentemente bem sucedida, não eliminava o potencial de conflitos e de rupturas

trazidos pela contradição entre as representações do liberalismo, no tocante às

liberdades individuais e à igualdade entre os homens, e as representações e

práticas dos “homens bons”. Inseria-se, assim, um fator de instabilidade

permanente no relacionamento intra-elites e no relacionamento destas com os

grupos dominados, que apareceria, com toda a força, em momentos críticos como

a Abdicação, o federalismo da Regência e a votação das leis eleitorais e anti-

escravagistas, dificultando um acordo estável a respeito de como enfrentar os

problemas colocados.

Em que pesem as divergências, descobre-se, nas representações dos “pais

fundadores”, a crença comum de que o Estado e a Sociedade poderiam ser

modelados de acordo com a percepção e a vontade dos grupos dirigentes, a fim

de igualar o Brasil, em termos de costumes, riqueza e prestígio, às nações

Page 42: Representações sociais e organização do poder político: A

41

consideradas mais civilizadas.

A premissa era de que o mundo social, à semelhança do mundo natural,

constituía um sistema ordenado segundo leis universais. Uma vez estudadas e

conhecidas, tais leis poderiam ser aplicadas ao caso brasileiro e de sua rigorosa

observância adviriam o progresso, a felicidade e o aperfeiçoamento do povo:

“O Universo criado é um Sistema, organizado de partes, que estão em harmonia entre si, e com o Grande Todo, e é regido por Leis Imutáveis da Ordem Cosmológica, que a Inteligência Eterna determinou, e que invariavelmente se executam no Mundo Físico. A constância e imutabilidade dessas leis é o fundamento de todos os nossos conhecimentos. Entrando a espécie humana naquele sistema, não pode deixar de ser sujeita a essas leis, e observá-las na sociedade civil, para sua própria felicidade, e progressiva perfeição de sua natureza”14.

A realidade seria modelada segundo instituições criadas por um arcabouço

jurídico-institucional cuidadosamente construído, como o expressaram diversos

próceres do Império. Para Bernardo Pereira de Vasconcelos15: “um povo

governado por uma Constituição tão sábia como a brasileira nunca se rebela,

senão quando é infeliz, e um tal povo só pode ser infeliz, quando se calca aos pés

a Constituição” (Vasconcelos,1999:61). Apenas a estrita observância da lei

legitimaria eventuais correções:

“Um dos meios, e talvez o mais proveitoso de fazer sentir os inconvenientes de um regulamento é a sua fiel e pontual execução. Cumpre, pois, que longe de modificar esta regra na sua execução, seja ela ao contrário religiosamente observada, a fim de serem conhecidas nas faltas, aparecerem seus defeitos, e terem lugar os preciosos melhoramentos” (Ibidem:245).

14 José da Silva Lisboa. “Estudos do Bem Comum e Economia Política”. Rio de Janeiro, IPCA, 1975, p.177, apud Wehling (1989:191). 15 Bernardo Pereira de Vasconcelos (1795-1850). Magistrado, formado em Coimbra, Deputado, Senador e Conselheiro de Estado. Participou nos debates e aprovação de medidas descentralizadoras, tais como o Código de Processo Criminal de 1832 e o Ato Adicional de 1834. Mudando depois sua posição, tornou-se um dos principais líderes do chamado movimento regressista, isto é, a reação contra a experiência federalista do período da Regência. Bernardo de Vasconcelos, a exemplo da maioria dos políticos do Império, não deixou obra escrita sistemática. Expressou suas posições principalmente na tribuna da Câmara dos Deputados. Cf. Vasconcelos (1999).

Page 43: Representações sociais e organização do poder político: A

42

Diogo Antônio Feijó16 afirmaria que “o Brasil já sabe que a Constituição é o

estabelecimento da ordem, da maneira porque um povo é governado; que é a

expressão da livre convenção; a base fundamental da sociedade entre homens

livres” (Feijó,1999:53). Pregava também o culto da lei: “governo livre é aquele em

que as leis imperam, [por isso] eu as farei executar mui restrita e religiosamente,

sejam quais forem os clamores que possam resultar de sua pontual execução”

(Ibidem:78).

O Visconde de Uruguai17 considerava as “boas instituições” indispensáveis

para a liberdade política. Via essas instituições como parte de um vasto sistema

auto-regulado, em que a adequação funcional e planejada entre as partes

garantiria o equilíbrio e a estabilidade:

“Convenci-me ainda mais de se a liberdade política é essencial para a felicidade de uma nação, boas instituições administrativas apropriadas às suas circunstâncias, e convenientemente desenvolvidas não o são menos. Aquela sem estas não pode produzir bons resultados... Reuni e estudei, senão todos, quasi todos os escritores que escreveram sobre o direito administrativo...Reunidos e dispostos assim esses materiais... Cada uma das peças da nossa organização administrativa iria colocar-se no lugar que lhe corresponde, de modo a deixar ver bem o modo pelo qual funciona, como joga no sistema, com que outras peças se liga e prende” (Uruguai,1960:5;8).

Essas crenças faziam do governar o Brasil uma tarefa reservada para

pessoas versadas no estudo, análise e invenção de ordenamentos jurídicos que

permitissem regular todos os aspectos das condutas individuais e coletivas. Uma

vez aplicados, transformariam o país real do sincretismo religioso, da violência, da

16 Diogo Antônio Feijó (1784-1843). Padre secular, foi representante da província de São Paulo nas Cortes de Lisboa, Deputado, Ministro da Justiça, Regente uno eleito e Senador. Federalista convicto, manteve posição consistente em defesa da descentralização e liderou uma revolta em São Paulo contra as medidas regressistas, em 1842. Seu pensamento foi exposto em discursos parlamentares e artigos jornalísticos. Cf. Feijó (1999). 17 Paulino José Soares de Souza, Visconde de Uruguai (1807-1866). Magistrado, estudou em Coimbra e completou seus estudos na Faculdade de Direito de São Paulo. Foi Deputado Geral, Presidente da Província do Rio de Janeiro, Ministro da Justiça, Ministro dos Negócios Estrangeiros, Senador e Conselheiro de Estado. Colaborou com Bernardo de Vasconcelos, Joaquim Rodrigues Torres e Euzébio de Queirós na elaboração das principais leis centralizadoras, a saber a lei de Interpretação do Ato Adicional, de 1840 e a reforma do Código de Processo Criminal, de 1842. Escreveu dois importantes livros sobre o tema da

Page 44: Representações sociais e organização do poder político: A

43

ganância, do analfabetismo, da vadiagem e da miscigenação racial, no país ideal,

o país do catolicismo, da ordem, da solidariedade, da educação cosmopolita, do

trabalho e do embranquecimento étnico.

A crença na engenharia social, é claro, reafirmava o papel decisivo dos

homens ilustrados em ciências jurídicas, na condução dos destinos nacionais.18 De

sua inteligência e labor conscenciosos surgiriam os meios para organizar a Nação,

conferindo ordem ao caos:19

“Estou convencido de que as nossas instituições administrativas requerem... desenvolvimento e melhoramentos consideráveis, preenchidas muitas lacunas que apresentam... Creio que, pela escassez de estudos e de conhecimentos...não está uma grande parte da população em estado de formar uma opinião conscenciosa sobre quaisquer reformas que sejam intentadas... É preciso primeiro que tudo estudar e conhecer bem as nossas instituições, e fixar bem as causas porque não funcionam, ou porque funcionam mal e imperfeitamente... Convém muito o estudo e o conhecimento que sobre elas pensaram os nossos homens de estado” (Uruguai,1960:12).

A convicção comum quanto ao poder das invenções institucionais não

impedia, no entanto, a formação de duas correntes de pensamento no interior da

elite política. Uma, acreditava que as instituições operariam seus efeitos por si

mesmas, através da prática continuada. A outra corrente entendia que as

instituições formais, embora indispensáveis, não poderiam, por si mesmas, mudar

hábitos e costumes arraigados. Para esse grupo, a estratégia de mudança

precisaria combinar a construção da ordem jurídica e a tutela do Estado sobre a

Sociedade, a fim de que se produzissem todos os efeitos civilizadores desejados.

centralização/descentralização: “Ensaios de Direito Administrativo” e “Estudos Práticos sobre a Administração das Províncias”. Cf. Ferreira (1999). 18 “Um dado recorrente da nossa história política é...a crença de resolver a sociedade juridicamente, pela mudança de seu desenho institucional, fazendo dentro de nós a França, a Inglaterra ou os Estados Unidos” (DaMatta,2000:356). 19 Para uma apreciação do caráter simbólico associado à figura do monarca, ver Carvalho Souza (1999:21-38).

Page 45: Representações sociais e organização do poder político: A

44

As posições de Tavares Bastos20 e do Visconde de Uruguai ajudam a

ilustrar o modo pelo qual essas diferentes interpretações repercutiam no debate a

respeito da descentralização, ao mesmo tempo em que demonstram como esse

debate, para os contendores, não podia ser dissociado da maneira como

percebiam as relações Estado/Sociedade como um todo.21

Tavares Bastos considerava o self-government a condição para liberar as

energias individuais e coletivas. Reconhecia o peso dos costumes como um

possível entrave, mas colocava suas esperanças na constante reforma das leis:

“Não são franquezas locaes e liberdades civis, que nos faltam, dizem alguns: falta ao povo capacidade para o governo livre... Não desconhecemos o valor de uma pessima educação historica, que, sem preparar os povos para a liberdade, cérca de perigos formidaveis as instituições novas... Em casos taes, a tarefa é muito mais séria, a convalescença muito mais difficil. A medicina, porém, é a mesma: reformas decisivas, reformas perseverantes” (Bastos,1870:31).

Segundo Tavares Bastos, estabelecida por lei a descentralização político-

administrativa, a própria lei se encarregaria de penetrar os corações e mentes,

internalizando o sentimento de unidade nacional e o ethos democrático, sem se

fazer necessária a coerção estatal:

“Das leis depende despertar e dirigir esse vago instincto da patria que jamais abandona o coração do homem e, prendendo-o aos pensamentos, às paixões, aos habitos diurnos, fazer desse instincto um sentimento refletido e duradouro. E não se diga: ‘é tarde demais para tental-o’: pois as nações não envelhecem da mesma sorte que os homens. Cada geração que surge no seio dellas é como um povo novo que vem offerecer-se à mão do legislador” (Bastos, op.cit.:112).

Para o Visconde de Uruguai, o self-government era também o fim desejado,

mas para alcançá-lo as leis não bastariam, pois havia empecilhos culturais que

dificultavam sua prática:

20 Advogado alagoano, foi Deputado Geral. Escreveu diversas obras sobre as questões políticas mais candentes do período pós-1860, dentre elas “A Província”. Esta obra é, até hoje, considerada o contraponto mais sistemático ao pensamento centralizador defendido por alguns notáveis do Império, em especial o Visconde de Uruguai. 21 A apresentação das posições dos dois autores segue sugestões de Gabriela Nunes Ferreira (1999) e José

Page 46: Representações sociais e organização do poder político: A

45

“A maior ou menor centralização ou descentralização depende muito das circunstâncias do país, da educação, hábitos e caráter nacionais, e não somente da legislação” (Uruguai,1960:352).

Considerando-se o contexto brasileiro, fazia-se recomendável a

centralização, pois os municípios, por falta de preparo dos atores políticos, não

dispunham de condições mínimas para serem deixados entregues a si mesmos. O

autogoverno, no caso, não estimularia a liberdade mas o despotismo dos mandões

locais:

“É certo que o poder central administra melhor as localidades, quando estas são ignorantes e semibárbaras e aquêle ilustrado; quando aquêle é ativo e estas inertes; e quando as mesmas localidades se acham divididas por paixões e parcialidades odientas, que tornam impossível uma administração justa e regular. Então a ação do Poder central que está mais alto e mais longe, que tem mais pejo e é mais imparcial oferece mais garantias” (Uruguai,1960:353).

Conseqüentemente, a intervenção do Poder central permitia praticar uma

pedagogia da liberdade, mediante a tutela dos direitos de cidadania:

“A centralização aplica-se e conserva-se pela fiscalização ou tutela que exerce a autoridade central a respeito de cada Província ou Município, fiscalização ou tutela indispensável não só para resguardar os direitos e interesses da associação em geral, como também para assegurar o cumprimento das leis, e o respeito aos direitos de cada um” (Uruguai,1960:356).

Cabia ao Estado, segundo Uruguai, atuar como guardião das leis e

modificador dos costumes, eliminando o poder arbitrário dos dirigentes locais

através da educação e da propaganda, que ensinariam ao povo como vivenciar

seus direitos civis e políticos, bem como quais os meios necessários a sua

preservação e vivência:

“Nos países nos quais ainda não estão difundidos em todas as classes da sociedade aqueles hábitos de ordem e legalidade...e que não estão portanto habilitados par o self government, é preciso introduzi-lo pouco a pouco, e sujeitar êsses ensaios a uma certa tutela, e a certos corretivos...É preciso ir educando o povo, habituando-o, pouco a pouco, a gerir os seus negócios” (Uruguai,1960:405).

Murilo de Carvalho (1993).

Page 47: Representações sociais e organização do poder político: A

46

Observa-se que, apesar das diferenças,22 nenhum dos contendores

colocava em questão o trabalho de engenharia pelo qual se construiria o país

ideal, usando as instituições de outros países, ora literalmente, ora adaptando-as

aos costumes e peculiaridades da terra e do povo. Nem poderiam fazê-lo, sem

colocar em questão a sabedoria dos bacharéis estadistas e o seu direito de

comandar o Estado.

Vistos por si mesmos como “arquitetos, pedreiros e escultores políticos

incomparáveis” (Joaquim Nabuco, apud Coelho 1999:63, nota 50), obedeciam, no

entanto, “à lógica da bricolage”. Copiavam e combinavam, “sem qualquer projeto

ou noção de conjunto” e visando apenas ao atendimento pragmático das

circunstâncias e interesses imediatistas, “um variado estoque de matéria-prima

heteróclita... os resíduos de construções e demolições da engenharia institucional

européia de diversas épocas” (Coelho,op.cit.:62-64). Ao final, os “ladrilheiros”

talvez não passassem de “semeadores”.23

Os Semeadores

Quem eram os semeadores das instituições que regeriam o Brasil durante o

Império?

Suas características mais destacadas eram a origem social, geralmente

famílias de grandes comerciantes e proprietários rurais; a educação de nível

22 Wanderley Guilherme dos Santos (1978) consideraria a posição defendida por Tavares Bastos como exemplo de “reificação institucional” e a do Visconde de Uruguai como mais realista, por atentar para a importância da intervenção do Estado na implantação da ordem liberal burguesa. Gabriela Nunes Ferreira (1999) discorda dessa perspectiva, vendo o debate como o conflito de dois paradigmas distintos sobre o Estado, a Sociedade e das relações entre eles. José Murilo de Carvalho (1998) adota ponto de vista similar ao de Wanderley Guilherme, com uma importante ressalva, explicada mais adiante. O fato é que ambos acreditavam na engenharia institucional e o repúdio de Tavares Bastos à intervenção do Estado é mais aparente do que real, pois a quem caberia elaborar e impor o ordenamento jurídico? Esta é também a sugestão de José Murilo de Carvalho (1998:155-188). 23 A diferença entre os dois tipos ideais está em “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Holanda (1995:93-138).

Page 48: Representações sociais e organização do poder político: A

47

superior, com formação predominante em ciências jurídicas; a dependência de

cargos públicos para assegurar o status pessoal e familiar e as acirradas disputas,

tendo como epicentro desavenças em torno de prestígio e poder pessoal.

A coesão entre eles era baseada num conjunto de crenças e valores

compartilhados sobre a importância da tarefa de que se julgavam atribuídos, a

construção do Estado nacional, e pela desconfiança, misturada com temor, que

nutriam a respeito dos que entendiam como absolutamente desiguais - homens

livres pobres e negros escravos.

As principais organizações que garantiram essa homogeneidade de

pensamento foram a Universidade de Coimbra, a Real Academia da Marinha, o

Colégio dos Nobres e a Academia Real Militar (posteriormente Escola Militar),

entre meados do século XVIII e a Independência. Após a Independência, as

faculdades de Direito de Olinda/Recife e São Paulo (1827), o Colégio Pedro II

(1837), o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838) e a Escola Politécnica

(1874) incumbiram-se dessa função de centros formadores da elite dirigente.

Os cursos jurídicos ocuparam, sem dúvida, o lugar principal dentre esses

centros. O diploma de bacharel em Direito, conservando tradição portuguesa, era o

pré-requisito para pleitear o ingresso no rol dos que tomavam decisões sobre o

país, ocupando os cargos de Ministro, Presidente de Província, Deputado,

Senador e Conselheiro de Estado.

Somente aqueles que pertencessem aos grupos sociais dominantes

poderiam aspirar à obtenção do cobiçado passaporte para o poder. As anuidades

e os gastos de manutenção colocavam os cursos jurídicos acima das

possibilidades da maioria das famílias brasileiras. Quem não dispusesse de

dinheiro, linhagem ou bons padrinhos jamais poderia neles ingressar e, em

Page 49: Representações sociais e organização do poder político: A

48

conseqüência, chegar aos círculos mais íntimos de poder.

Nos estatutos que regulamentaram a criação dos cursos jurídicos no Brasil,

anexados à Lei de 11 de agosto de 1827, deixava-se claro que o objetivo dos

cursos era formar pessoas para exercer o governo e que sua preparação deveria

basear-se não em idéias e conceitos abstratos, mas no domínio de aspectos

práticos da função a que estavam destinados:

“Formar sábios Magistrados, e peritos Advogados, de que tanto se carece; e outros que possam vir a ser dignos Deputados e Senadores, aptos para ocuparem os lugares diplomáticos, e mais empregos do Estado. Convinha pois, não incorrer no equívoco dos Estatutos de Coimbra... o muito e demasiado cuidado com que introduziram o estudo de antigüidades e as amiudadas cautelas que ensinaram para a inteligência dos textos, e que só deveriam servir para aclarar, e alcançar o sentido dos difíceis, fizeram com que os estudantes saíssem da Universidade mal aproveitados na ciência do direito pátrio e sobrecarregados de subtilezas, e antigüidades, que mui pouco uso prestaram na pratica dos empregos a que se destinaram” (Coelho, 1999:179).

A ênfase nos assuntos práticos remetia aos conhecimentos considerados

indispensáveis para exercer altos cargos públicos, principalmente conhecimentos

referentes à legislação dos “povos civilizados”, economia política e estatística:

“Muito importa saber as diversas legislações dos povos civilizados, e mais instruídos do que nós. O mesmo se deve dizer da economia política. Todos, e principalmente o legislador, devem ter algum conhecimento desta ciência, necessária aos homens de qualquer profissão, porque seu fim é aumentar a riqueza pública e particular... A estatística lhe serve de fundamento... portanto logo que se estabelece uma cadeira de economia política, é indispensável outra de estatística universal... Debaixo das palavras geografia política, parece que a comissão entendeu também a parte matemática, e física, desta ciência, sem o que se não pode entrar na parte política. É na realidade de suma importância esta ciência, e tal que se torna absolutamente indispensável ao legislador, ao homem de Estado, ao diplomático, a todos os homens públicos” (Vasconcelos,1999:39-44).

O conteúdo dos cursos jurídicos produziu três efeitos: o desprezo manifesto

dos bacharéis por qualquer trabalho que não fosse o de homens de Estado; o

apego a todas as formas de fortalecimento do Estado e do aparelho administrativo

e, segundo críticos mais mordazes, uma “pobreza franciscana” na produção de

obras de ciência jurídica que exigissem conhecimentos mais abstratos

Page 50: Representações sociais e organização do poder político: A

49

(Coelho,op.cit.:152-91).

O que pode haver faltado aos cursos em ciência e talento foi, não obstante,

recompensado pelos efeitos socializadores sobre os futuros postulantes à elite

política. Ali aprendia-se o pragmatismo, o conformismo aos arranjos de

confirmação de status, a importância de uma adequada administração dos

relacionamentos familiares e pessoais. Mais do que tudo, os alunos imbuíam-se da

crença de que estavam predestinados a um círculo exclusivo, o “círculo dos mais

próximos”, para usar as palavras de Ilmar Rohloff de Mattos (1999), ou seja dos

mais íntimos do poder.

Outro aspecto a salientar sobre a relação entre cursos jurídicos e vida

política: o incentivo à divisão funcional do trabalho, no interior das famílias

pertencentes às camadas dominantes rurais e urbanas. Os proprietários rurais e

comerciantes de grosso trato passaram a concentrar-se nos negócios, delegando

a defesa de seus interesses junto ao Estado para um filho ou parente mais

próximo, portadores do diploma de bacharel. Caberia a esse “político profissional”

prover ou preservar uma esfera de influência para a família nas decisões

governamentais, garantindo o status social e os interesses econômicos do grupo

familiar.

Cabia, portanto, à família conseguir o apadrinhamento necessário para que

o jovem passasse nos exames e obtivesse o ambicionado diploma, mesmo que

não tivesse talento ou empenho. Depois, dependendo das amizades cultivadas

com os próceres da política e da rede clientelista montada pelo chefe da família,

vinha uma nomeação como juiz de primeira instância ou a eleição para a Câmara

dos Deputados.

Page 51: Representações sociais e organização do poder político: A

50

Tendo conseguido ingressar em um desses círculos externos do poder, o

Conselho de Estado seria o limite, se o postulante soubesse conduzir-se bem:

casamento com família de igual ou maior prestígio social; padrinhos bem

colocados na Corte; lealdade aos grandes chefes políticos, dosada com

pragmatismo e perspicácia para mudar sua lealdade conforme as circunstâncias e

o cosmopolitismo para conviver nos espaços de sociabilidade destinados aos

homens ilustrados de boas famílias.24

Tudo isso contribuía para internalizar outro componente, ainda não

devidamente realçado e talvez o mais persistente no “núcleo duro” da

representação de mundo compartilhada pela elite política brasileira no século XIX.

A convicção de que a Sociedade não era formada por indivíduos iguais e

detentores dos mesmos direitos e deveres, pois “todos tinham um lugar dentro da

hierarquia e encontravam-se acima ou abaixo dos demais” (Graham, 1997:50) e o

lugar era determinado pela educação, riqueza e relações de parentesco e

amizade.

Para os escolhidos, a coletividade era “concebida como universitas, um

todo de que os homens são simplesmente as partes, uma entidade feita de

conjuntos de laços imperativos de parentesco e lealdades pessoais que são

governados por leis antigas, consideradas como parte da natureza ou como dadas

aos homens por Deus” (DaMatta,1998:209).

24 De acordo com Ilmar Rohloff de Mattos (1999:201): “Formação, carreira, titulação e relações pessoais possibilitavam a constituição de uma identidade... Fisionomias sisudas e indiferenciadas roupas escuras fazem com que as diferenças entre ‘saquaremas’ e ‘luzias’, conservadores e liberais, se esvaneçam. Todavia, quanto mais se assemelham, mais tendem a se apresentar diferentes dos componentes dos demais círculos dos dirigentes imperiais. E esses ‘brasileiros ilustres’ não deixavam de sublinhar suas marcas de distinção, que tinham no discurso, gerado na Casa, burilado nas academias de Direito e exercitado nas tribunas formais e informais, nos salões e no Parlamento. Um discurso quase sempre assinalado pelas idéias liberais, elas também uma marca de distinção, mas caracterizado sobretudo pelo tom hiperbólico, pela tendência à oratória, pela linguagem grandiloqüente e pelo transbordamento emocional que acabavam por apagar as já pálidas fronteiras entre a prática política e a atividade literária”.

Page 52: Representações sociais e organização do poder político: A

51

Segundo tal perspectiva, a família constitui a célula primordial da Sociedade

e o primeiro estágio de uma evolução que, passando pela polis, comuna ou

município, atinge seu ponto culminante no Estado. A coesão social se dá por laços

orgânicos e funcionais que reproduzem as estruturas e o ethos da família.

A importância de uma família media-se, ao longo do Império,

principalmente, por sua riqueza em terras, escravos e agregados. Quanto mais

ativos tangíveis, melhor aparelhado o chefe ou patriarca para exercer influência e

proporcionar proteção. Em torno de sua autoridade juntava-se grande número de

pessoas, escalonadas em grau decrescente de importância: filhos, parentes

consangüíneos mais próximos, parentes mais distantes, parentes rituais (afilhados,

compadres), trabalhadores livres, escravos. O contrato de patronagem era

simples: em troca de obediência e vassalagem, o patriarca concederia proteção,

inclusive contra a autoridade pública e as normas legais.

As famílias assim estendidas eram o fundamento da ordem social.

Pertencer a uma delas era ter o direito de ser reconhecido como pessoa. O destino

individual dependia de contribuir para aumentar a força da família e o status

individual era definido em termos do poder atribuído ao patriarca. Estar fora de

alguma rede familiar era estar indefeso e “inteiramente à mercê das regras

impessoais e universais que governam a nação” (DaMatta,1988:209), ou seja

transformar-se em mero cidadão.

A elite ilustrada que governou o Brasil no século XIX era constituída por

membros das grandes famílias patriarcais. Coimbra ou as faculdades brasileiras

apenas revestiam com verniz cosmopolita os traços mais rudes, a fim de entronizá-

los no mundo do Governo, seu lugar de direito como agentes civilizadores, a

serviço do fortalecimento do Estado e de seus grupos familiares.

Page 53: Representações sociais e organização do poder político: A

52

O exame das instituições criadas por essa elite, para definir a divisão de

poder entre os diferentes grupos sociais, auxiliará a compreender o modo pelo

qual se interpenetravam as crenças e valores nos quais foram socializados, com

as práticas que afetavam a vida coletiva, especialmente no que se refere às

relações entre o Governo do Povo e o Governo do Príncipe.25

25 Distinção sugerida por Bobbio (1997), que pode ser melhor entendida, no caso do Império, a partir de Ilmar Rohloff de Mattos (1994:113-116). Trata-se do confronto entre duas formas de exercer e legitimar o poder. De um lado, tem-se o Governo do Povo ou da Casa, exercido pelos chefes políticos regionais e locais, que procura se legitimar na autoridade do Legislativo, na defesa dos interesses particulares das províncias e municípios e no mandonismo despótico e personalista. De outro, o Governo do Príncipe ou do Estado, a ser exercido pelos homens ilustrados, segundo leis impessoais e universais, e que tem como fontes de legitimação a autoridade do conhecimento, a racionalidade burocrática e o interesse geral da Nação.

Page 54: Representações sociais e organização do poder político: A

53

Capítulo 4

O Governo do Príncipe

Entre o Príncipe e o Povo

Na época da Independência, obediente ao liberalismo em voga nas “nações

civilizadas”, a elite política julgou adequado elaborar uma Constituição que

consagrasse “os grandes princípios da liberdade”, as “instituições protetoras”

dessa liberdade e “os direitos do homem e do cidadão”, segundo palavras de

Justiniano José da Rocha (1953:209). 26

Embora houvesse acordo quanto a isso, havia sérias desavenças no que

dizia respeito à definição da fonte de poder, isto é, se deveria caber ao Imperador

ou à Assembléia Nacional a primazia na criação das instituições jurídicas e

políticas.

De um lado, situavam-se os defensores da tese que pretendia fazer da

Assembléia o único representante legítimo da vontade popular, cabendo ao

Imperador simplesmente promulgar as leis por ela elaboradas. De outro, os

defensores das prerrogativas monárquicas, para quem a representação do povo

cabia tanto ao Parlamento como ao Imperador, tendo este último o direito de

aprovar ou vetar, em última instância, as leis.

26 Justiniano José da Rocha. Jornalista, amigo e protegido do Visconde de Uruguai, escreveu um dos ensaios mais influentes sobre a história política do Império entre 1822 e 1856: “Ação, reação e transação”. Neste ensaio tentou interpretar as mudanças políticas de sua época em termos de uma lei geral: o excesso de democracia na regência provoca uma reação fortemente conservadora que, ao final, dá lugar à conciliação entre as duas tendências.

Page 55: Representações sociais e organização do poder político: A

54

D. Pedro I explicitou o conflito no discurso de abertura da Constituinte de

1823. Na ocasião, ressaltou a necessidade de que a primeira Constituição

brasileira evitasse o despotismo, entendido como afirmação absoluta do poder do

monarca, e a democracia, entendida como submissão completa à vontade popular,

através da Assembléia. Devia-se assegurar, segundo o Imperador, a harmonia e o

equilíbrio das competências entre os poderes. Ao mesmo tempo, insistiu em deixar

clara sua posição e a do grupo que o apoiava, então liderado por José Bonifácio,

quanto a indiscutível preeminência do Imperador, pois as disposições

constitucionais e as leis delas emanadas estariam sujeitas ao seu crivo, enquanto

Defensor Perpétuo do Brasil.

Reafirmava-se, em sua fala, o princípio de dupla representação da

soberania popular, com a balança pendendo, de fato, em favor do Imperador, a

quem cabia o papel de guardião da Ordem, protegendo o Brasil dos perigos

provocados pelo eventual desrespeito dos legisladores aos usos e costumes da

maioria da população e ao estágio de civilização em que se encontrava o país27:

“Dignos representantes da nação brasileira... Afinal raiou o grande dia para este vasto império...Está junta a assembléia para constituir a nação...Como imperador constitucional, e mui especialmente como ‘defensor perpétuo’ deste império, disse ao povo no dia 1º de dezembro próximo passado, em que fui coroado e sagrado, que com minha espada defenderia a pátria, a nação, e a constituição, se fosse digna do Brasil e de mim. Ratifico hoje mui solenemente perante vós esta promessa, e espero que me ajudeis a desempenhá-la, fazendo uma constituição sábia, justa, adequada e executável, ditada pela razão, e não pelo capricho...Uma constituição em que os três poderes sejam bem divididos de forma que não possam arrogar direitos, que não lhes compitam...Afinal uma constituição que pondo barreiras inacessíveis ao despotismo, quer real, quer democrático, afugente a anarquia” (Tapajós,1984:38-44).

27 A posição de D. Pedro I sustentava-se na antiga representação do rei como dotado de um corpo coletivo e outro individual. Essa concepção, herdada da Idade Média, seria aperfeiçoada no final do século XVIII para acomodar a idéia de que o rei derivava seu poder, tanto da vontade divina como da vontade do povo. Isso significava que sua autoridade ultrapassava aquela concedida nas teorias contratualistas liberais (Cf. Carvalho Souza,1999:21-38). A fórmula da dupla autoridade estaria presente no preâmbulo da Carta de 1824: “D. Pedro I, por graça de Deus e unânime aclamação dos povos, imperador constitucional e defensor perpétuo do Brasil”, indicando a ambígua mistura de doutrinas que marcavam a ilustração portuguesa e se reafirmavam no Brasil independente.

Page 56: Representações sociais e organização do poder político: A

55

A posterior dissolução da Constituinte pode ser assim justificada como uma

medida defensiva, já que os constituintes, pretendendo estabelecer o Parlamento

como principal fonte do poder político, teriam traído a confiança neles depositada

de evitar extremos que abalassem a harmonia e o equilíbrio naturais da sociedade.

Harmonia e equilíbrio que se sustentavam na autoridade do monarca, que atuava,

através do Poder Moderador e do Poder Executivo, como representante último da

vontade do Povo e fiador de seu bem-estar.

As repercussões negativas ao golpe desfechado por D. Pedro I

concentraram-se em algumas províncias do Norte, sendo a Confederação do

Equador a única ação de repúdio mais resoluta e ameaçadora. Brutalmente

reprimida, a Confederação não contou com apoio ou simpatia dos grupos políticos

mais importantes, inclusive os do Norte. Apesar disso, a dissolução da Constituinte

foi depois utilizada, quando a oposição a D. Pedro se fez mais acirrada, como

prova do caráter despótico do Imperador e daqueles que o apoiavam.

A Constituição de 1824, outorgada pelo Imperador, foi submetida às

Câmaras municipais para sanção. Um gesto pelo qual se procurava legitimar a

Carta, recorrendo a uma fonte tradicional de mediação entre o rei e o povo, mas

que significou, também, a admissão tácita de que sem o apoio dos mandatários

locais não haveria como manter a estabilidade do sistema político. A Monarquia

derivava sua autoridade e força, em última instância, de uma ligação orgânica com

o Governo da Casa.28

28 “A opção pela Câmara enquanto lugar e canal que expressasse sua adesão a D. Pedro significava, por parte das elites, recorrer às maneiras estabelecidas e cristalizadas de reconhecer e entender o poder local, evitando o surgimento de alguma outra instituição ou modo de representação que dilatassem o sentido da legitimidade e, no limite, da liberdade. Em decorrência disso, a Câmara assegurava à elite local a manutenção da sua força e a erigia à condição de um interlocutor capital para os interesses dos grupos de Minas-Rio-São Paulo capitaneados

Page 57: Representações sociais e organização do poder político: A

56

O pacto firmado com as elites locais assumiu uma característica original e

de efeitos imprevisíveis, em comparação ao que vigorara na época colonial. Seus

termos são os do contratualismo liberal, indicando que as elites locais, no seu trato

com a Monarquia, não se reconheciam como simples súditas, mas como parceiras

indispensáveis e, a bem da verdade, decisivas, na construção e preservação do

ordenamento social e político:

“Sendo incontestável, que o livre, e unânime consentimento e vontade dos povos é a única legítima origem do poder, e autoridade dos Monarcas, e que não há um título mais honesto e glorioso do que aquele que é fundado na livre unanimidade da vontade dos mesmos povos, é vossa Majestade Imperial sem contradição alguma o mais legítimo e glorioso dos Monarcas, porque foi elevado a esse grau pela geral e espontânea aclamação dos Brasileiros, e em cujos corações têm Vossa majestade Imperial assentado as bases do seu vasto Império”.29

A preocupação com a ordem social, mediante o reconhecimento de que ao

governo central cabia a missão de impedir que as disputas intra-oligárquicas

degenerassem em guerra civil, foram as razões para que a Câmara de Vila de

Santa Maria de Baependi, em Minas Gerais, aderisse à Carta outorgada:

“Quando os primeiros homens se uniram em Sociedade Civil, não foi senão para poderem gozar pacíficos da tranqüilidade, e sossego, que não encontravam nos bosques: por esta razão elegeram desde logo um dentre si, que os governasse, e defendesse, em cujas mãos depositaram uma partícula de sua liberdade natural para que a outra lhe ficasse salva, e a coberto ou da malignidade ou da força dos mais destemidos e poderosos. Isto era necessário: despiram-se de alguns direitos para poderem conservar os outros”.

O medo da desordem popular e de uma revolução social também aparecem

como motivo para a adesão da Câmara de Vitória, na província do Espírito Santo:

“Todos somos obrigados pela Suprema Luz Natural a buscar o nosso maior bem, ou o nosso menor mal. Ainda quando o Sistema atual europeu fosse vantajoso ao Brasil; é sem controvérsia muito mais vantajoso ao mesmo Brasil o ter em si os recursos da Soberania, e do poder executivo que aplaque com prontidão os tumultos populares, reúna os

pela corte carioca” (Carvalho Souza, 1998). 29 Esta e todas as outras citações textuais das adesões foram retiradas de “As câmaras municipais e a independência”. Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, Conselho Federal de Cultura, 1973, apud Carvalho Souza (1998).

Page 58: Representações sociais e organização do poder político: A

57

partidos, proveja aos interesses particulares, e públicos, em uma palavra que sirva de foco fixo donde dimanem os raios da Ordem Social”.

A Câmara de Itú, em São Paulo, cuidou de enfatizar, em sua adesão, que o

título de perpétuo defensor fora atribuído a D. Pedro I pelos “homens bons”, não

por algum poder superior ou por mero capricho do Imperador, e que isso implicava

uma reciprocidade de tratamento:

“Senhor: se fossemos governados por um desses monarcas usurpadores dos direitos de seus súditos...não teríamos a lembrança de reflexionar sobre o Projeto de Constituição... Mas felizmente para o Brasil, nós possuímos um Imperador que mil vezes tem reconhecido os direitos imprescritíveis de seus súditos, que lhes tem solenemente prometido garanti-los e defendê-los: e que se gloria não tanto com o Augusto Título de Imperador e Chefe da Nação Brasileira... como por se denominar seu perpétuo defensor, título na verdade significativo de uma proteção paternal da parte de quem o possui, como de uma ilimitada confiança da parte dos que o deram”.

A resposta de D. Pedro I às adesões indica o entendimento de que a

relação entre a Monarquia e as elites locais calcava-se não só no respeito ao

contrato firmado, mas em uma comunhão de interesses mais profunda, como a

existente entre os órgãos do corpo humano. A desordem, isto é, a ruptura dessa

harmonia funcional, foi expressa, também em termos biológicos, como um agente

exógeno causador de doenças e morte (Carvalho Souza,1998):

“Praticai as virtudes sociais que requer o sistema constitucional: e confiai que assim como Me vistes incansável e constante no propósito de afastar para longe os germens da discórdia civil, sem o sacrifício de vossas Vidas, a que o Meu Coração não podia acomodar, sempre tereis em mim o guarda vigilante de vossos sagrados Direitos e o Protetor zeloso de vossas justas representações e interesses”.

A dissolução da Constituinte, a outorga da Carta e os termos de adesão

deixam entrever, desde o Primeiro Reinado, os desacertos eventuais entre as

aspirações do Governo da Casa e as do Governo do Estado. Comparem-se as

posições de Diogo Antônio Feijó e de Paulino José Soares de Sousa, o Visconde

de Uruguai.

Page 59: Representações sociais e organização do poder político: A

58

Para Feijó, as instituições políticas e o governar visavam proteger os

direitos e a liberdade dos cidadãos. Os mecanismos que garantiriam o alcance

desse objetivo eram a independência e equilíbrio entre os poderes, o respeito à

Constituição e às franquias municipais e o exercício continuado dos direitos de

cidadania. Pregava, assim, a preeminência do Governo da Casa sobre o do

Estado:

“Qual é o objetivo de toda a instituição política, ou de toda a espécie de governo? A garantia dos direitos e da liberdade de cada um...Mas o governo pode abusar da força que lhe é confiada: em vez de se servir dela para proteger, pode torná-la um meio de opressão. A nação, pois, deve ter garantias contra os governantes... Essas garantias estarão na Constituição jurada que fixa a natureza e os limites dos poderes, que os define com precisão; elas estarão na Assembléia dos deputados da nação que discutem e votam as leis, que vigiam em que a Constituição seja respeitada; estarão na liberdade de imprensa, ou na força da opinião... estarão no julgamento dos crimes por um júri de cidadãos, no direito de petição, na organização das municipalidades...O melhor governo, qualquer que seja a sua forma, é pois aquele que afiança os direitos de cada um, e que é obrigado a submeter-se à Constituição. Eis a questão resolvida” (Feijó, 1999:144).

Já no entendimento do Visconde de Uruguai, a principal salvaguarda dos

direitos e da liberdade era reforçar a autoridade do Poder Executivo e preservar o

Poder Moderador. Ao Poder Executivo caberia, no duplo papel de Governo e de

Administração, cuidar da “direção moral dos interesses gerais da Nação” e da

execução do pensamento político. Para cumprir sua funções, haveria de dispor da

necessária autonomia e discricionariedade, dentro dos limites fixados pelas leis,

opinião pública e Legislativo. Observa-se uma inversão na hierarquia defendida

por Feijó e a falta de menção às franquias municipais, enquanto se insinua,

também, a possível falta de convergência entre os interesses dos representantes

(Legislativo) e dos cidadãos (opinião pública):

“O Poder Executivo...obra como Poder Executivo puro, político ou governamental, ou como Poder Administrativo...Como governo, o Poder Executivo aplica por si só e diretamente as leis de ordem política. Como tal é o promulgador e o executor das leis, por meio de regulamentos e providências gerais; é o encarregado e o depositário do pensamento

Page 60: Representações sociais e organização do poder político: A

59

político, e da direção moral dos interesses gerais da Nação...A ação governamental do Poder Executivo deve ser livre, e o seu poder mais ou menos discricionário, sujeito somente às leis (em cuja confecção intervém), à opinião e à representação nacional” (Uruguai,1960:25).

O pensamento do Visconde de Uruguai é completado com sua análise do

Poder Moderador. Através deste, o Imperador, no exercício de uma delegação

especial e privativa, assumia o papel de maior representante da vontade dos

cidadãos. O Poder Moderador pairava acima dos demais, zelando para que o

interesse geral prevalecesse sobre os interesses particulares. No mundo da

política, isso significava dizer que as elites locais e seus representantes no

Parlamento, no Judiciário e na burocracia estatal deveriam ser mantidos sob

permanente vigilância e controle:

“O Poder Moderador é um poder político...É uma delegação da Nação. Todos os Poderes Políticos são delegações da Nação...Mas o Poder Moderador não é delegação, como os outros...é delegação especial e privativa...e é delegado privativamente ao Imperador. É a suprema inspeção sobre os Poderes Legislativo, Executivo e Judicial” (Uruguai,1960:271-72).

Trata-se, no plano das representações, de uma “contraposição que, em

geral, não é levada na devida conta mas que divide em dois campos opostos as

doutrinas políticas [e o modo de perceber e atuar dos agentes políticos, pode-se

acrescentar] talvez mais do que qualquer outra dicotomia” (Bobbio,1965:62-65).

De um lado, o Estado é compreendido ex parte principis, e as questões

essenciais para os que a compartilham são “a arte de bem governar”, “as diversas

funções do Estado” e “os vários ramos da administração”. Do outro lado, ex parte

populi, situam-se aqueles cujas preocupações principais são “a liberdade dos

cidadãos”, a felicidade individual, “a articulação da sociedade política em partes

inclusive contrapostas” e “a divisão e contraposição vertical e horizontal dos

diversos centros de poder e não apenas o poder na sua concentração e na sua

centralidade”.

Page 61: Representações sociais e organização do poder político: A

60

Os Senhores do Estado

A Constituição de 1824 foi elaborada ex parte principis: o Imperador era

considerado o maior representante da Nação brasileira, pois enquanto seus

poderes eram delegados diretamente pela Nação (Art. 12), o Poder Legislativo era

delegado à Assembléia com a sua sanção (Art. 13). Cabia-lhe ainda chefiar o

Poder Executivo, exercitando-o através dos Ministros (Art. 102), os quais poderia

nomear e demitir livremente (Art. 101). Além disso, competia-lhe exercer o Poder

Moderador.

O Poder Moderador era definido como “a chave de toda a organização

política”, sendo delegado privativamente ao Imperador, “como chefe supremo da

nação e seu primeiro representante, para que incessantemente vele sobre a

manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos mais poderes políticos”

(Art. 98). Competia-lhe, no exercício deste Poder: nomear os senadores; sancionar

os decretos e resoluções da Assembléia Geral, conferindo-lhes força de lei;

aprovar ou suspender temporariamente as resoluções dos conselhos provinciais;

dissolver a câmara dos deputados, “nos casos em que o exigir a salvação do

Estado”; suspender os magistrados (Art. 101).

O Imperador seria auxiliado em suas atribuições pelo Conselho de Estado

(Art. 137), composto de Conselheiros vitalícios nomeados dentre aqueles que

tivessem as mesmas qualificações exigidas para o cargo de Senador (Art. 140).

Antes de tomarem posse, os Conselheiros deveriam prestar juramento, “nas mãos

do Imperador, de manter a religião católica, apostólica romana; observar a

Constituição e as leis; ser fiéis ao imperador; aconselhá-lo, segundo suas

consciências, atendendo somente ao bem da nação” (Art. 141). O Conselho teria

Page 62: Representações sociais e organização do poder político: A

61

caráter consultivo e seria ouvido “em todos os negócios graves e medidas gerais

da pública administração... assim como em todas as ocasiões em que o imperador

se proponha exercer qualquer das atribuições próprias do poder moderador” (Art.

142).

Durante o período regencial, uma das principais reivindicações dos liberais

exaltados foi a extinção do Conselho de Estado, o que foi atendido através do Ato

Adicional de 1834. A supressão do Conselho era considerada indispensável para

eliminar o Poder Moderador que, no entender dos críticos, conferia extraordinário

poder pessoal ao Imperador e, através dele, aos Ministros, usurpando as

prerrogativas do Legislativo e do Judiciário. A contra-reforma dos conservadores,

iniciada em 1837, recriou o Conselho de Estado, com todas as funções

consignadas na Carta de 1824.

José Murilo de Carvalho (1996:327-58), ao examinar as atas de reuniões

plenas do Conselho de Estado, no período entre sua recriação e a proclamação da

República (1841-1889), concluiu que constituem um rico material para averiguar as

crenças e valores que orientavam as decisões dos mais altos mandatários do

Império. Mais rico, segundo ele, do que os discursos parlamentares ou os artigos

de jornal e livros publicados, pois os principais construtores e mantenedores do

Império sentiam-se, durante as reuniões do Conselho, obrigados a manifestar suas

verdadeiras convicções.

O Conselho, durante o Segundo Reinado, era composto por liberais e

conservadores em proporções praticamente idênticas, escolhidos pelo Imperador

dentre homens experimentados na vida pública e no trato dos assuntos de Estado.

Examinando-se sua composição entre 1841 e 1889, constata-se que 47 dos

72 Conselheiros haviam percorrido todos os níveis mais importantes da hierarquia

Page 63: Representações sociais e organização do poder político: A

62

política - Ministério, Senado, Presidência de Província e Magistratura – e que 54

dos 72 Conselheiros tinham formação em Direito. Dentre eles, ao longo do

período, destacaram-se algumas lideranças, homens reconhecidos por seus pares

como os mais bem preparados, em termos intelectuais e de vivência política.

Bernardo Pereira de Vasconcelos, Paulino José Soares de Souza, Nabuco de

Araújo, Pimenta Bueno, Souza Franco e o Barão do Rio Branco foram alguns

desses primus inter pares.

No exame das atas, José Murilo detectou as seguintes convergências no

pensamento daqueles que eram reconhecidos como os alicerces do Império:

• o modelo a ser copiado pelo Brasil era o fornecido pelas

instituições sociais, políticas, culturais e econômicas vigentes nas

duas principais civilizações cristãs do Ocidente: Inglaterra e

França. Os Estados Unidos, não eram esquecidos, mas a

identificação mais intensa era com o modelo europeu;

• a transposição de soluções e práticas estrangeiras deveria ser

feita a partir de criterioso estudo das implicações e possibilidades

de êxito decorrentes das peculiaridades brasileiras. A partir disso,

por exemplo, o liberalismo econômico precisava ser aplicado com

prudência, entendendo-se como legítima e necessária a

intervenção do Estado na regulação do mercado e na proteção

dos interesses econômicos nacionais;

• o descrédito quanto a uma harmoniosa correspondência entre

a vontade dos cidadãos e os a defesa da mesma pelos

representantes eleitos, no caso brasileiro, pois as eleições eram

falseadas. Com isso, deveriam ser procurados outros canais, que

Page 64: Representações sociais e organização do poder político: A

63

não o Legislativo, para conhecer essa vontade e, ao mesmo

tempo, cuidar de melhorar o processo eleitoral, depurando-o de

seus vícios;

• a defesa intransigente da soberania externa e interna do

Estado. A razão do Estado deveria sobrepor-se, em qualquer

circunstância, aos interesses particulares;

• a descrença quanto a capacidade do povo brasileiro participar

nas decisões políticas. Tratava-se de um povo sem educação

cívica, indolente, inculto e sempre disposto a atos de violência

quando incitado por pessoas mais esclarecidas.

O Poder Executivo, chefiado pelo Imperador e exercido através dos

Ministros, tinha como principais atribuições: nomear bispos e prover os benefícios

eclesiásticos; nomear magistrados; prover os empregos civis e políticos; conceder

títulos, honras, ordens militares e distinções em recompensa dos serviços feitos ao

Estado; nomear os comandantes da força de terra e mar; expedir os decretos,

instruções e regulamentos adequados à boa execução da lei; conceder ou negar o

beneplácito aos decretos dos concílios e letras apostólicas e quaisquer outras

constituições eclesiásticas (Art. 102).

Considerando que uma das principais instâncias de poder durante todo o

período monárquico foi o Ministério, interessa examinar suas características mais

importantes em termos de composição e incumbências.30

Quanto ao nível educacional, os números totalizados para o período 1822-

1889 indicam que a maioria dos Ministros (91%) possuía educação superior,

30 As informações sobre educação, ocupação e origem social dos ministros podem ser encontradas em José Murilo de Carvalho (1996:55-105). No tocante às incumbências dos Ministérios, conferir Sarmento (1986).

Page 65: Representações sociais e organização do poder político: A

64

predominantemente em ciências jurídicas. Dos Ministros com formação jurídica,

entre 1822-1831, cerca de 72% tinham sido alunos de Coimbra, percentuais que

decaem, nos períodos subseqüentes, para 67% (1831-40), 45% (1840-53) e zero,

a partir de 1853, quando os egressos de Coimbra são substituídos, gradualmente,

pelos bacharéis formados nos cursos jurídicos nacionais.

O cruzamento entre ocupação dos Ministros e sua origem social indica que,

durante o período 1822-1889, 62% dos magistrados, 51% dos advogados e 65%

dos que exerciam outras atividades profissionais tinham ligação familiar com os

proprietários rurais, o comércio e as finanças.

Embora as ligações familiares não necessariamente comprometessem os

Ministros com a defesa dos interesses dos grupos economicamente dominantes,

não se pode negligenciar a homogeneidade das representações do mundo social

entre a elite política que comandava o Governo Imperial e os grupos sociais dos

quais era originária.

Por um lado, existia a força coercitiva das relações de parentesco e

amizade no processo de tomada de decisões, em uma sociedade patriarcal. De

outro, havia a importância atribuída aos interesses gerais do Estado nacional, os

quais, em uma economia cujo dinamismo era gerado no setor agrário-escravista

de exportação, tendiam a confundir-se com os interesses específicos desse setor.

Tais aspectos foram confirmados na adoção de critérios patrimonialistas e

clientelistas na gestão pública, na resistência às pressões externas visando

extinguir as relações escravistas de trabalho e na ausência de políticas mais

arrojadas de deseconcentração da propriedade fundiária.

O que parece mais próximo da realidade é admitir que os participantes da

elite política imperial viam a si mesmos como guias e orientadores dos grupos

Page 66: Representações sociais e organização do poder político: A

65

sociais dominantes. Acreditavam conhecer o que era melhor para eles e nada

parecia melhor do que a manutenção dos monopólios sobre a terra e a força de

trabalho, mesmo ao preço de contrariar, eventualmente, os pendores reformistas

de alguns segmentos da própria elite ou os interesses econômicos isolados de

algum grupo. Acreditavam, também, que seriam capazes de, mediante uma

paciente e eficaz pedagogia, superar as resistências e as incompreensões

decorrentes do não atendimento de interesses particulares imediatistas.31

Quanto à estrutura, o número de Ministérios variou pouco durante o

Império, ressaltando-se apenas o desmembramento do Ministério do Reino,

Justiça e Estrangeiros, em 1822-23, e a criação do Ministério de Agricultura,

Comércio e Obras Públicas em 1860.

No que diz respeito ao espaço de poder decisório sobre as questões

básicas do Império, os Ministérios do Império e da Justiça concentraram a maior

parte dele durante todo o período, passando a dividi-lo com o da Agricultura, nos

últimos 29 anos do sistema, exceto no referente à manutenção da ordem pública e

controle das eleições e da imprensa (Quadro 1). Cuidava-se assim de formar uma

Nação, seja com meios coercitivos, seja com a disseminação e internalização de

crenças e valores, sem esquecer da proteção aos negócios.32

31 “A fonte de legitimação da elite de poder fundadora do Estado Nacional brasileiro foi a defesa do patrimônio (escravos e terras) e de um corpo de regras histórico, longamente sedimentado e resistente à mudança” (Lessa, 2000:306). 32 Tratava-se, para Ilmar Rohloff de Mattos (1994:191), de “ora por meio do privilegiamento do Ministério da Justiça, ora por meio de privilegiamento da pasta do Império; ora pela utilização em maior escala dos mecanismos coercitivos, ora pela obtenção de um consentimento –[de]...olhar pelos interesses da sociedade...Ter sob o olhar o conjunto dos cidadãos e dos não-cidadãos, a totalidade do território”.

Page 67: Representações sociais e organização do poder político: A

66

QUADRO 1

EVOLUÇÃO DOS ESPAÇOS DE PODER DECISÓRIO RELATIVOS A

ALGUMAS QUESTÕES BÁSICAS DO IMPÉRIO Questões 1º Reinado Regência 2º Reinado

Propriedade da terra Império Justiça Império/Justiça/Agricultura

Força de Trabalho Império Justiça Império/Justiça

Regulação do comércio Império Império Império/Justiça/Agricultura

Distribuição de honrarias Império Império/Justiça Império/Justiça/Agricultura

Manutenção da ordem Império/Justiça Império Justiça

Eleições e imprensa Império/Justiça Império/Justiça Império/Justiça Fonte: Sarmento (1989:158)

Legisladores e Juízes

O Poder Legislativo, exercido através da Assembléia Geral, era bicameral,

sendo composto pela Câmara dos Deputados, temporária, e pelo Senado vitalício.

Graças a concentração de poderes no Imperador e no Executivo, cabia à

Assembléia muito mais funcionar como uma espécie de caixa de ressonância da

opinião da “boa sociedade”, isto é, dos funcionários públicos, militares, clérigos,

comerciantes, profissionais liberais e proprietários rurais.

A Câmara dos Deputados tinha uma composição mais próxima aos

interesses do Governo da Casa, graças ao controle exercido pelos mandões

regionais e locais sobre os eleitores. O Senado, com membros escolhidos

pessoalmente pelo Imperador, de mandato vitalício e atuando enquanto instância

revisora das decisões da Câmara, permitia assegurar o controle do Governo do

Estado sobre a legislação.

Dentre as principais atribuições da Assembléia Nacional cabe destacar:

tomar juramento ao Imperador, ao príncipe imperial, ao regente ou Regência;

eleger a Regência ou regente e marcar os limites de sua autoridade; resolver as

dúvidas que ocorressem sobre a sucessão da coroa; fazer leis, interpretá-las,

Page 68: Representações sociais e organização do poder político: A

67

suspendê-las e revogá-las; velar pela guarda da Constituição e promover o bem

geral da nação; fixar anualmente as despesas públicas; fixar anualmente, sobre a

informação do governo, o contingente do exército e da armada; autorizar o

governo a contrair empréstimos; estabelecer os meios convenientes para

pagamento da dívida pública; criar ou suprimir empregos públicos e estabelecer-

lhes ordenados.

O Poder Judiciário, segundo a Carta de 1824, tinha seu funcionamento

regulado apenas pelo Governo Central, a quem cabia também a nomeação dos

juízes, e seria exercido por juízes e jurados, “assim no cível como no crime, nos

casos e pelo modo como os códigos determinarem” (Art. 151). Os juízes de direito

eram vitalícios, podendo, no entanto, ser removidos de um lugar para outro pelo

tempo e maneira fixados em lei. Para julgar causas de segunda e última instância,

havia Relações funcionando nas principais províncias.

Instituiu-se, na capital do Império, o Superior Tribunal de Justiça, composto

de juízes letrados tirados das Relações por sua antigüidade, a quem caberia

conceder ou denegar revistas nas causas; conhecer dos delitos e erros de ofício

que cometessem os seus ministros, os das Relações, os empregados do corpo

diplomático e os presidentes de províncias.

A lei regulamentando os juizados de paz, previstos na Carta de 1824, foi

editada em 1827. Eram atribuições dos juízes de paz: fazer autos de corpo delito,

interrogar os delinqüentes e prendê-los; obrigar a assinatura de termos de bem

viver e vigiar a conduta de índios, mendigos, bêbados, prostitutas e indivíduos

turbulentos e aplicar penas aos violadores de posturas da Câmara.

Podiam ser escolhidos para exercer o cargo de juízes de paz quaisquer

cidadãos eleitores residentes no distrito. Eram eleitos quatro juízes de paz, para

Page 69: Representações sociais e organização do poder político: A

68

um período de quatro anos, servindo, cada um deles, por um ano e ficando os

demais como suplentes.

O breve exame da Constituição de 1824 permite constatar que, na divisão

de poderes, cabia ao Imperador e, consequentemente, ao Poder Executivo central,

completa preeminência sobre os demais. O Imperador, no topo da hierarquia

política, encarnava a vontade geral e subordinava, em nome dessa vontade, os

poderes emanados da comunidade política (Santos,1978:78-79). Igreja,

Assembléia, Judiciário, Forças Armadas, Províncias e Municípios dependiam

diretamente de suas decisões. A harmonia de poderes e a autonomia política e

administrativa não existiam senão nas intenções. O Imperador, de direito e de fato,

reinava, governava e administrava, unificando todos os cidadãos, ativos e inativos,

como súditos (Rohloff de Mattos,1994:1420).

Essa hipertrofia dos poderes do Príncipe parecia aos defensores do

primado da unidade territorial como a maior garantia de submissão das forças

centrífugas que caracterizavam a herança política colonial. Cumpria ainda a

finalidade de mascarar as divisões sociais ao transmitir a idéia de uma igualdade

geral de todos os indivíduos - a igualdade de súditos. O corpo do Imperador, em

sua integridade, simbolizava a união do corpo de cidadãos. A vontade do

Imperador convertia-se, portanto, na vontade da Nação, apagando todas as

divergências.

Page 70: Representações sociais e organização do poder político: A

69

Capítulo 5

Governo do Povo

A Sociedade dos Homens Bons

A predominância do Governo do Príncipe era necessária, no pensamento

dos engenheiros institucionais que se atribuíram a tarefa de construir o Estado

Nacional brasileiro, para refrear o Governo da Casa, reduzindo o poder das

lideranças locais, habituadas a exercê-lo sem considerar outro propósito que não

fosse a satisfação de seus interesses particulares e imediatistas. Entre o

autoritarismo do Príncipe e a ampliação do escopo da cidadania, optou-se pelo

primeiro caminho. Como evitá-lo, sem abandonar arraigadas convicções quanto a

desigualdade natural dos homens e aos privilégios que cabiam, pelas leis da

Natureza, aos mais fortes?

Utilizando a liberdade e a propriedade como critérios33, a Constituição de

1824 cuidou de estabelecer distinções não apenas entre cidadãos e não-cidadãos,

como dentro do grupo admitido à cidadania, separando os cidadãos ativos,

aquinhoados com direitos civis e políticos, dos inativos ou simples, detentores

unicamente de direitos civis.

O duplo critério justificava excluir da sociedade política todos aqueles que

não dispunham de autonomia para decidir por si mesmos: as mulheres, os

menores, os criados de servir, os criados da casa imperial, que não fossem de

galão branco, os administradores das fazendas rurais e fábricas e os religiosos

que vivessem em comunidade claustral. Eliminava-se, também, qualquer

33 Conforme sugerido por Rohloff de Mattos (1994:109).

Page 71: Representações sociais e organização do poder político: A

70

possibilidade de aventar a inclusão social dos escravos, os quais, além de não

serem livres, eram simples bens objeto de propriedade.

Cidadãos ativos eram os varões brasileiros e os estrangeiros naturalizados,

com idade mínima de 25 anos e renda líquida anual de ao menos 100$000 (cem

mil réis). O limite de idade baixava para 21 anos no caso de chefes de família,

oficiais militares, bacharéis, clérigos e empregados públicos.

As eleições eram indiretas, “elegendo a massa dos cidadãos ativos em

assembléias paroquiais os eleitores de província e estes os representantes da

nação e das províncias” (Constituição de 1824, Art. 90). Os cidadãos ativos com

renda inferior a 200$000 escolhiam o colégio eleitoral, ou seja aqueles a quem

caberia, de fato, o direito de votar nos candidatos a cargos eletivos. Para ser

membro do colégio eleitoral era necessário comprovar renda líquida anual de pelo

menos 200$000. Por sua vez, só poderiam candidatar-se ao cargo de deputado

provincial ou nacional os cidadãos ativos que comprovassem renda anual mínima

de 400$000 e, no caso dos postulantes ao Senado, idade mínima de 40 anos e

renda igual ou superior a 800$000.

De acordo com José Murilo de Carvalho (1996) e Richard Graham (1997),

as limitações impostas ao direito de participação política não eram de molde a

restringir muito o envolvimento da maioria dos homens livres no processo eleitoral,

pois os critérios de comprovação de renda eram bastante elásticos, as

informações apresentadas não estavam sujeitas à averiguação rigorosa e era

permitido o voto dos analfabetos.

Com base nos dados do Censo de 1872, José Murilo (1996:361) estimou

que o número de votantes (eleitores de primeiro grau) representava

aproximadamente 13,0% da população total, se nela não fossem incluídos os

Page 72: Representações sociais e organização do poder político: A

71

escravos. Em números absolutos, 1.097.698 brasileiros tinham o direito de voto em

1872. Esse contingente seria severamente reduzido com a reforma eleitoral de

1881, que estabeleceu as eleições diretas, aumentou as exigências de

comprovação da renda e proibiu o voto dos analfabetos. Em decorrência, nas

eleições de 1886, o eleitorado diminuiu para 0,8% da população total. O índice de

1872 (13,0%) só voltaria a ser igualado nas eleições de 1945.

Richard Graham (1997:148) estimou que, no início dos anos 1870, 51% dos

varões livres, com idade acima de 21 anos, estavam qualificados a votar, em todo

o Brasil. Segundo seus dados, a relação votantes qualificados/população livre

seria a seguinte: Norte - 66% (Amazonas - 41%, Pará - 62%, Maranhão - 82%,

Piauí - 57%); Nordeste - 64% (Ceará - 49%, Rio Grande do Norte - 47%, Paraíba -

73%, Pernambuco - 64%, Alagoas - 86%, Sergipe - 46%, Bahia - 68%); Leste -

38% (Espírito Santo - 54%, Rio de Janeiro - 52%, Minas Gerais - 32%); Sul - 39%

(São Paulo - 35%, Paraná - 40%, Rio Grande do Sul - 43%); Oeste - 60% (Goiás -

61%, Mato Grosso - 56%).

Partindo desses dados, é lícito concluir que, no Império, as eleições

chegaram a mobilizar grandes contingentes populacionais, trazendo complicações

novas à elite política, habituada a submeter-se apenas ao escrutínio de seus

pares. O aumento do número de cargos eletivos, em níveis municipal, provincial e

nacional, bem como a freqüência das eleições representavam um aumento, nem

sempre desejável, na competição política e nos ônus de manutenção de uma

clientela fiel.

Além disso, adotar um sistema representativo em um país escravocrata,

com fortes contrastes econômicos e sociais, contribuía para manter na agenda de

discussões temas conflituosos como a “definição da cidadania, isto é, de quem

Page 73: Representações sociais e organização do poder político: A

72

pode votar e ser votado; a garantia da representação das minorias, isto é, a

ditadura de um partido ou facção; e a verdade eleitoral, isto é, a eliminação de

influências espúrias, seja da parte do governo, seja da parte do poder privado”

(Murilo de Carvalho,1996: 359).

Cabe indagar, portanto, as razões para que se conseguisse sustentar,

durante todo o Império, razoável consenso quanto a manutenção de um sistema

de democracia representativa. Diversos motivos podem ser ter concorrido para

isso, no plano das representações sociais mantidas pelos dirigentes políticos.

Em primeiro lugar, as eleições ajudavam a reiterar, de forma simbólica, as

distinções hierárquicas entre os diversos estratos sociais e o domínio

incontrastável dos mais aptos ao exercício do comando político e social:

“As eleições eram, acima de tudo, exibições teatrais elaboradas, que reiteravam insistentemente a convicção de que a única base própria da organização social residia no claro reconhecimento da superioridade e inferioridade social de cada um...Em cada ritual , todo indivíduo afirmava seu lugar e desempenhava um papel preestabelecido. Os oficiais da Guarda Nacional, o juiz de paz, o vigário, o votante, cada um representava um papel distinto...Os ritos, repetidos a cada eleição reafirmavam e reforçavam a classificação da sociedade e sua conveniência” (Graham, op.cit.:163-64).

Segundo, o fato de haver eleições, em torno das quais podiam organizar-se

“partidos”, contribuía também para sinalizar aos “homens bons” que cada uma de

suas facções poderia, a qualquer momento, prevalecer sobre as demais, desde

que aceitassem as regras fixadas para o jogo político. Com isso aumentavam-se

as chances de solucionar, por vias pacíficas, rixas intra-oligárquicas que, se

deixadas sem freio, poderiam ameaçar a ordem social. O processo eleitoral tendia,

assim, a ser interpretado como um meio para a educação cívica, abrindo caminho

para tornar realidade o self government.

Outro motivo, não menos importante, é que o sistema representativo

demonstrava ao mundo que os senhores do Brasil compartilhavam os valores e

Page 74: Representações sociais e organização do poder político: A

73

práticas dos povos mais civilizados, distanciando-se, por inteiro, do triste

espetáculo oferecido pelos demais povos latino-americanos, submersos no

caudilhismo e nas guerras civis.

Além disso, o sistema eleitoral abria espaço para sucessivas intervenções

de engenharia social, tão ao gosto da elite política. As regras que orientavam o

sistema foram objeto de permanente crítica e revisão, a fim de alcançar-se a

supremacia dos cidadãos melhor qualificados. As reformas eleitorais caminharam,

assim, no sentido de impor restrições crescentes ao ingresso na sociedade

política, sob o argumento de que enquanto não se lograsse melhorar as condições

de educação e civismo da maioria do povo, apenas a uns poucos, melhor

preparados, deveria ser concedido o direito de votar e ser votado.

O Pêndulo do Poder

O caminho preferencial para submeter as tendências centrífugas de grupos

políticos provinciais e locais foi concentrar ao máximo, no Governo Nacional, o

poder de decisão sobre as questões políticas e administrativas. A Constituição de

1824 estabeleceu, assim, um Estado unitário, dividido em províncias governadas

por um Presidente nomeado pelo Poder Central e a ele diretamente subordinado.

Em cada província funcionaria um Conselho Geral, para auxiliar nas deliberações

sobre os assuntos de interesse provincial, mas com poderes meramente

consultivos.

No tocante aos municípios, a Constituição determinou que, em todas as

vilas e cidades, competiria às Câmaras governar no que dissesse respeito a vida

econômica e administrativa. As Câmaras seriam eletivas e compostas do número

de vereadores que as leis, fixadas pelo Governo Nacional, determinassem. As

funções judiciárias e o poder de polícia, antes de competência dos vereadores,

Page 75: Representações sociais e organização do poder político: A

74

seriam transferidos para órgãos a serem instituídos em nível do Governo Nacional.

A luta entre o Imperador Pedro I e a elite política do Centro-Sul, que havia

conduzido a Independência, iniciada logo após a posse dos primeiros Deputados

Gerais, em 1826, exerceu influência sobre a repartição de poderes entre os

diferentes níveis de governo.

Através da Assembléia Nacional, desencadeou-se um sistemático processo

de esvaziamento da autoridade do Imperador. O processo envolveu a organização

do Poder Judiciário e da Polícia, criando instâncias de direção e controle para

intermediar as decisões do Imperador, e a regulamentação dos dispositivos

constitucionais relativos aos poderes das Câmaras municipais, mediante a Lei de

Organização Municipal de 1828.

As Câmaras, sustentáculos da autoridade imperial após a dissolução da

Constituinte, viram-se despojadas, graças a Lei de 1828, de qualquer autonomia,

mesmo nos assuntos econômicos e administrativos que lhes eram afetos.

O enfraquecimento do controle sobre o aparelho repressivo, a perda de

prestígio junto às camadas populares, através de uma bem orquestrada campanha

difamatória na imprensa, a submissão das Câmaras municipais e a crescente

oposição parlamentar às políticas do Ministério acabaram por comprometer a

capacidade governativa. Restava ao Imperador dissolver o Parlamento pela força,

o que poderia provocar uma guerra civil, ou submeter-se. Pedro I acabou adotando

uma terceira via, a Abdicação, livrando-se de uma humilhante sujeição,

salvaguardando a continuidade da monarquia e deixando desimpedido o caminho

para o poder da Assembléia.

A elite política, apanhada de surpresa, mostrou-se incapaz, em decorrência

de suas divisões internas, de decidir os rumos a tomar quanto à organização e à

Page 76: Representações sociais e organização do poder político: A

75

condução do Estado. Pelo menos quatro correntes ou facções entraram em

conflito, nenhuma delas com força suficiente para se impor às demais e fazer

prevalecer o seu projeto para o país.

Uma corrente “exaltada” defendia a implantação imediata do federalismo,

com plena autonomia executiva, legislativa e judiciária das províncias, separação

Igreja/Estado, extinção do Conselho de Estado, fim da vitaliciedade dos Senadores

e extinção do Poder Moderador. Outra corrente, cujo principal reduto era o

Senado, defendia a preservação do governo centralizado e de todos os

dispositivos da Carta de 1824.

Entre as duas, procurando encontrar pontos de conciliação, ficaram os

“moderados”. Liderados, dentre outros, por Evaristo da Veiga, Diogo Antonio Feijó,

Bernardo Pereira de Vasconcelos e Araújo Lima, tentavam preservar a obra de

engenharia institucional da Constituição de 1824 e, ao mesmo tempo, fazer

concessões, maiores ou menores, segundo as perspectivas individuais ou as

circunstâncias, aos anseios federalistas.

Havia ainda os “restauradores” ou “caramurus”, entrincheirados na Corte,

que pretendiam o retorno de D. Pedro I. Seus principais articuladores eram José

Bonifácio, então tutor do futuro Pedro II, José Francisco da Silva Lisboa, o

Visconde de Cairú, Francisco Gê de Acaiaba Montezuma e antigos funcionários

palacianos. Embora não contassem com cadeiras na Assembléia Nacional,

dispunham de seguidores leais na burocracia e exerciam influência junto aos

senadores e a alguns deputados.

Entre 1831 e 1836, uma coalizão de liberais exaltados e moderados

controlou a Câmara dos Deputados, promulgando leis descentralizadoras, após

árduas negociações com o Senado. Este conseguiu, graças ao seu papel de

Page 77: Representações sociais e organização do poder político: A

76

instância revisora, reduzir boa parte do que considerou excessivas concessões à

autonomia dos governos provinciais. Como resultado, a legislação padecia de

tantas ambigüidades no tocante à repartição de competências e

responsabilidades, que terminou por comprometer a autoridade e capacidade de

ação dos governos provinciais e do Governo central.

As primeiras leis promulgadas recolocaram sob o controle dos grupos

políticos municipais as funções policiais e judiciárias, no intuito de enfrentar, em

caráter de emergência, os tumultos populares que se seguiram à Abdicação.

Considerando que nenhum outro grupo social, senão o dos detentores de

privilégios, seria mais confiável para defender a ordem social, criou-se, em 1831, a

Guarda Nacional que, praticamente, assumiu as atribuições do Exército e das

forças policiais.

Todos os cidadãos ativos eram obrigados a prestar serviço na Guarda,

excluindo-se apenas aqueles que não estivessem fisicamente aptos ou que

pertencessem a determinadas categorias sócio-profissionais - militares na ativa,

clérigos, detentores de cargos políticos ou judiciais, carcereiros e policiais.

O serviço não era remunerado e os oficiais eram escolhidos pelo voto. A

seleção e as dispensas eram decididas por juntas presididas pelos juízes de paz

escolhidos em eleições municipais. Os contingentes da Guarda Nacional ficaram

subordinados ao Ministério da Justiça, às autoridades provinciais nomeadas pelo

governo central e aos potentados locais que elegiam ou se faziam eleger juízes de

paz.

Em 1832, promulgou-se o Código de Processo Penal. O Código dispôs

sobre a divisão das competências judiciais em comarcas, a cargo de juízes de

direito, nomeados pelo Governo Central; termos, a cargo de juízes municipais e

Page 78: Representações sociais e organização do poder político: A

77

promotores, escolhidos pelos Presidentes de Províncias a partir de listas tríplices

enviadas pelas Câmaras municipais, os quais se incumbiriam de selecionar o

corpo de jurados; distritos de paz, sob jurisdição de juízes de paz, escolhidos

mediante eleição conduzidas na mesma época das eleições para Vereadores. Os

juízes de paz também exerciam funções policiais em seus distritos, com o auxílio

de inspetores de quarteirão por eles nomeados e que não recebiam remuneração.

O papel dos juízes de paz, não só no controle da ordem pública, como no

comando das mesas de qualificação de votantes e apuração de votos dos colégios

eleitorais, conferiam ao cargo um grande valor estratégico para os chefões

políticos locais. Não raro, eles próprios cuidariam de ser eleitos para o seu

exercício. Além disso, podiam também ser nomeados juízes municipais ou

promotores pois, até 1841, esses cargos não eram privativos de bacharéis em

Direito. Somando-se a isso o controle dos postos de comando na Guarda Nacional

e das indicações para a composição dos júris, os chefes políticos municipais

passaram a comandar o cenário político provincial e nacional.

O Visconde de Uruguai não parece, portanto, ter exagerado ao retratar o

aumento de poderio dos mandões locais com as reformas introduzidas ao longo

dos anos 1830:

“A colação de empregos...passou...para as...influências, que muitas vezes se serviam dessa arma poderosa para se reforçarem e esmagarem aqueles aos quais se antojava disputar-lhes o governo da terra. E tudo isso era feito em nome da liberdade!” (Uruguai,1960: 380).

A concentração de poder não se traduzia, no entanto, em benefício para os

municípios e sim para os “homens bons”, que com seus parentes, agregados e

capangas podiam utilizar sem freios o despotismo sobre as populações:

“O estatuto processual, conjugado com a guarda nacional, municipalista e localmente eletiva no seu primeiro lance, garante a autônoma autoridade dos chefes locais, senhores da justiça e do policiamento. De outro lado, a incapacidade financeira das câmaras

Page 79: Representações sociais e organização do poder político: A

78

municipais, mal que a regência não cuidou de remediar, deixava-as inermes diante do poder econômico, concentrado, no interior, nas mãos dos fazendeiros e latifundiários. Não era, em conseqüência, o municipalismo o fruto das reformas, senão o poder privado, fora dos quadros legais, que se eleva sobra as câmaras, reconhecido judiciariamente. A semente do caudilhismo, jugulada há um século e meio, brota e projeta seu tronco viçoso sobre o interior, sem lei, sem ordem e sem rei” (Faoro,op.cit.:307).

O avanço das franquias municipais comprometeu o controle de que

dispunham os políticos provinciais e nacionais sobre os mandões locais,

favorecendo o acirramento de lutas entre famílias e facções, com graves efeitos

sobre a ordem pública. Urgia reparar o dano, recolocando freios ao poder dos

déspotas municipais.

Para tanto, em 1834 aprovou-se o Ato Adicional, que reformava a

Constituição de 1824. O Ato representou um acordo entre federalistas e

unitaristas, fazendo uma série de concessões à autonomia das províncias, em

detrimento dos municípios.

Manteve-se a nomeação dos Presidentes de Províncias pelo Governo

Central; suprimiu-se o Conselho de Estado, mas não a vitaliciedade dos

Senadores; foram criadas Assembléias provinciais, em substituição aos Conselhos

Gerais, e também o cargo de Vice-Presidente de Província, a ser eleito pela

Assembléia; confirmaram-se os principais dispositivos da Lei de 1828, reforçando

a tutela dos líderes provinciais sobre os chefes políticos dos municípios, pois

caberia agora às recém-criadas Assembléias provinciais legislar sobre a criação,

supressão e nomeação para os empregos provinciais e municipais, estabelecer a

tabela de remuneração desses empregos e fixar as normas sobre a administração

dos municípios.

As províncias ganharam maior margem de autonomia frente ao Governo

Central. Com exceção de alguns poucos cargos, praticamente toda a

administração nas províncias e nos municípios passou ao comando das forças

Page 80: Representações sociais e organização do poder político: A

79

políticas que dominavam as Assembléias provinciais. O Presidente da Província,

indicado pelo Governo Central, disporia de poderes bastante limitados, além de ser

substituído, em seus impedimentos, por um Vice-Presidente eleito pela Assembléia

provincial.

O poder de polícia e a aplicação efetiva dos atos emanados do Governo

central passavam também a depender da anuência dos políticos provinciais. No

que diz respeito às rendas, no entanto, poucas alterações foram introduzidas,

continuando a parte principal das receitas com o Poder Central. Isso mantinha a

dependência das províncias e as desigualdades entre elas, além de cercear a

criação de uma máquina administrativa compatível com a descentralização de

atribuições.

O federalismo da Regência, embora muito aquém das expectativas dos

mais exaltados, sem dúvida favoreceu o domínio do Governo da Casa. Através de

juízes de paz, juízes municipais, inspetores e milicianos fardados, os grandes

proprietários rurais podiam livremente coagir votantes e eleitores, párocos,

sitiantes, pequenos comerciantes e artesãos, invadindo e submetendo com seu

despotismo o espaço público.

Da violência aberta entre os clãs familiares, passou-se à violência

sancionada pelo Estado, mediante a disponibilização de instrumentos legais antes

negados: “feita a independência, o Brasil devia ser o Brasil dos senhores rurais e a

subordinação das Câmaras Municipais às assembléias provinciais seria de

somenos, pois equivaleria à subordinação dos senhores rurais a si mesmos”

(Queiroz,1976:67).

Page 81: Representações sociais e organização do poder político: A

80

Capítulo 6

A Ponte de Ouro

O Ato Adicional de 1834 marcou o apogeu das concessões ao federalismo.

Logo após sua aprovação, eclodiram os conflitos de poder entre facções

oligárquicas que, fugindo ao controle, envolveram, em alguns casos mais graves, a

participação de escravos e segmentos mais pobres da população.

Mobilizou-se a maior parte da elite política para conter o esfacelamento da

unidade nacional e a subversão da ordem social. Contribuiu para isso o apoio firme

dos novos barões da economia, os cafeicultores do Vale do Paraíba, em particular

da Província do Rio de Janeiro. Graças ao boom das exportações de café, eles

haviam se tornado, no início dos anos 1840, o estrato mais influente das camadas

dominantes brasileiras vendo, em um Governo Central forte, o melhor instrumento

para garantir a paz interna e a formulação de políticas favoráveis à expansão dos

negócios.

Uma série de medidas destinadas a reduzir a descentralização foram

adotadas, sob a liderança de um grupo de magistrados educados em Coimbra,

que mantinha íntimas relações com as famílias dos barões do café fluminense -

Bernardo Pereira de Vasconcelos, Honório Hermeto Leão, José Joaquim

Rodrigues Torres, Paulino José Soares de Souza e Euzébio de Queirós34: a Lei de

Interpretação do Ato Adicional (1840), o restabelecimento do Conselho de Estado

(1841), a reforma do Código de Processo Penal (1841) e a reorganização da

Guarda Nacional (1850).

34 Euzébio de Queirós, Paulino de Souza, futuro Visconde de Uruguai e Joaquim Rodrigues Torres, futuro Visconde de Itaboraí, ficariam conhecidos como a “trindade saquarema”, os líderes mais ativos e empedernidos do Partido da Ordem ou Conservador. Coube-lhes o papel de maior relevo na invenção das instituições

Page 82: Representações sociais e organização do poder político: A

81

A Lei de Interpretação do Ato Adicional recuperou, para o Governo Central,

o direito de legislar sobre a natureza e as atribuições de empregos provinciais e

municipais, além de colocar novamente em sua esfera decisória as respectivas

nomeações.

A reforma do Código de Processo Penal restabeleceu o controle do

Governo Central sobre o aparato repressivo do Estado, mediante a formação de

uma rígida hierarquia de comando. Ao Chefe de Polícia provincial, escolhido

dentre juízes de direito, caberia comandar os delegados e subdelegados

municipais, que por sua vez comandariam os inspetores de quarteirão. No topo da

pirâmide, ficava o Ministério da Justiça, a quem competiria nomear todos os

ocupantes desses cargos, mediante indicação dos Presidentes provinciais,

também de livre nomeação pelo Poder Executivo central.

As funções dos juízes de paz foram esvaziadas, em benefício dos juízes

togados e dos delegados. Os juízes municipais e de órfãos e os promotores

também passaram a ser designados pelo Governo Central, reservando-se a

escolha apenas aos portadores do diploma de bacharel em Direito.

A reforma da Guarda Nacional, em 1850, com o fim da eleição dos seus

comandantes e oficiais, completaria o chamado “Regresso”. A Guarda tornou-se

um dos principais tentáculos do Governo Nacional no interior do Brasil, permitindo-

lhe cooptar, através das nomeações para o oficialato, os chefes políticos regionais

e municipais mais importantes.

Significado do “Regresso”: o Governo Central, voltando a controlar

diretamente o aparelho repressivo e os empregos públicos provinciais e

municipais, restaurava o seu cacife para impor-se aos mandões regionais e locais,

políticas do Segundo Reinado.

Page 83: Representações sociais e organização do poder político: A

82

colocando-os sob rédeas mais curtas.

Para se ter idéia do grau de centralização política e administrativa que

representou, basta verificar a relação dos principais cargos cujo preenchimento

passou a depender do Poder Executivo central (Carvalho,1996:141-143):

• cargos provinciais: desembargadores, juízes de direito e

substitutos, comandantes da Guarda Nacional, chefes de polícia,

presidentes de províncias, vice-presidentes de províncias,

promotores das comarcas, inspetores do tesouro, inspetores de

alfândega, mesas de renda regionais, diretores das escolas de

ensino superior, inspetores de saúde pública, administradores dos

correios, chefes de estações de telégrafo, inspetores de terras e

colonização e bispos;

• cargos municipais: juízes municipais e de órfãos, oficiais da

Guarda Nacional, carcereiros, delegados, jurados, subdelegados,

inspetores de quarteirão, coletores de impostos, diretores de

Colônias do Estado (para imigrantes), agentes dos correios,

párocos e coadjutores.

As nomeações para os cargos provinciais e municipais eram objeto de

cuidadosas negociações. Os mandatários regionais e locais viam-se obrigados a

competir em demonstrações de lealdade para com os dirigentes da Capital, a fim

de conservarem posições de mando ou ampliarem sua esfera de influência em

detrimento dos rivais.

A centralização era ainda maior com referência às finanças públicas.

Centralização indispensável, não só para manter o aparelho administrativo, como

para exercer estreito domínio sobre os chefes políticos provinciais e municipais.

Page 84: Representações sociais e organização do poder político: A

83

Entre 1856 e o final do Império, cerca de 80% da receita dos três níveis de

governo ficaria com o Governo Central (Quadro 2):

QUADRO 2

BRASIL - RECEITAS POR NÍVEL DE GOVERNO (1856-1886)

Nível de Governo

1856

1885-86

Central

83,1%

76,8%

Provincial

14,0%

18,02%

Municipal

2,7%

5,0% Fonte: José Murilo de Carvalho (1996:244)

Em que pesem efeitos excessivos da centralização, esta atingiu o principal

objetivo: comprovar aos grandes latifundiários escravistas que o Governo Central

era capaz de sustentar a ordem social. Bernardo Pereira de Vasconcelos

expressara isso ao falar sobre o que desejavam do Governo os homens de

negócios no Brasil:

“Os governos não têm autoridade para se ingerirem ativa e diretamente em negócios da indústria, esta não precisa de outra direção que a do interesse particular, sempre mais inteligente, mais ativo e vigilante que a autoridade. Quando há liberdade, a produção é sempre a mais interessante à nação; as exigências dos compradores a determinam. O de que os povos precisam, é de que se lhes guardem as garantias constitucionais; que as autoridades não os vexem, que não os espoliem, que se lhes não arranquem seus filhos para com eles se fazerem longínquas guerras....As artes, o comércio e a agricultura não pedem outra coisa ao governo senão...liberdade e segurança” (Vasconcelos,op.cit.:89;93).

Ora, o Governo da Regência não conseguira demonstrar possuir nenhuma

das qualificações exigidas para oferecer tais garantias. Garantir a ordem

significava oferecer os meios para manter sob controle a mão-de-obra e impedir

que as lutas intra-oligárquicas ultrapassassem os limites, arrastando para o

Page 85: Representações sociais e organização do poder político: A

84

proscênio político as classes perigosas, principalmente os escravos.

A Regência falhara porque não se mostrou capaz de “arbitrar as

divergências entre os grupos dominantes” (Murilo de Carvalho, 1996:235).

Entendeu-se que a capacidade de arbitragem dependia da regulação, por um

poder acima das facções, do aparelho repressivo, das nomeações para os

empregos públicos, da administração da justiça, da repartição das receitas entre

as províncias e os municípios.

Era importante, também, retirar da Assembléia Nacional, espaço dominado

pelo Governo da Casa, a capacidade de decidir livremente sobre a distribuição de

favores ou sanções. A negociação e procrastinação características da ação

parlamentar poderiam conferir à luta entre os grupos de poder um caráter

hobbesiano. Sem recursos para suportar sozinhos a refrega, acabariam por

socorrer-se da ajuda de bandos armados. Estes, por sua vez, escapariam ao

controle, passando a guerrear contra seus empregadores.

A situação só não chegaria a esse ponto se as facções locais pudessem

acreditar que seus direitos, vidas e propriedades não ficariam à mercê dos

inimigos e isso dependia da crença na imparcialidade de um poder colocado acima

dos interesses locais, detendo força e agilidade suficientes para intervir quando e

onde necessário.

Recolocando a Guarda Nacional sob seu controle, subordinando o Exército,

a Polícia e o Judiciário, dispondo da exclusividade nas nomeações e alocação de

recursos, o Poder Executivo central retomou a iniciativa. Além disso, pôde conferir

maior previsibilidade ao jogo político, assegurando, via uso do Poder Moderador, a

alternância entre os partidos na representação nacional e, via aparelho

administrativo, a formação de maiorias na Câmara:

Page 86: Representações sociais e organização do poder político: A

85

“A lei de interpretação do ato adicional, e a de 3 de dezembro de 1841 [reforma do Código de Processo Criminal], modificaram profundamente esse estado de coisas. Pode por meio delas ser montado um partido, mas pode também ser desmontado quando abuse. Se é o Governo que o monta terá contra si em todo o Império todo o lado contrário. Abrir-se-á então uma luta vasta e larga porque terá de basear-se em princípios, e não a luta mesquinha odienta, mais perseguidora e opressiva das localidades. E se a opinião contrária subir ao Poder encontrará na legislação meios de governar” (Uruguai,op. cit.:381).

A Pax Saquarema não significou eliminar a participação dos clãs rurais no

jogo político. Buscou-se, ao invés disso, refrear lutas fratricidas entre as famílias

que controlavam a vida política provincial e municipal, sem colocar em risco sua

liberdade de ação, quando necessária, para assegurar-se dos monopólios sobre a

terra e a mão-de-obra.

Um feixe de relações clientelistas garantia a manutenção de uma rede de

poder que articulava os interesses do Centro com os das províncias e municípios.

Além disso, o Centro recorria ao serviço gratuito e voluntário dos próceres locais

para executar as tarefas da Administração Pública.

Pode-se creditar a prática do serviço litúrgico dos proprietários de terras às

dificuldades do Poder Central para custear uma máquina administrativa que

pudesse alcançar todos os pontos do território nacional. Faltariam homens e

dinheiro para tão hercúlea tarefa. Pode-se aventar, ao contrário, que o motivo seria

bem mais prosaico: ao delegar suas responsabilidades aos chefes locais, às

facções tão costumeiramente atacadas nos discursos públicos, praticava-se uma

parceria deliberada.

Esta parceria é que, no fundo, alicerçava um sistema feito para atender aos

estratos sociais dominantes e favorecer, entre eles, a hegemonia do projeto

político dos cafeicultores fluminenses. Aliança em que se reconhecia duas esferas

de influência: Governo da Casa, nas regiões e localidades, e Governo do Estado

no trato das questões que afetassem o interesse geral, isto é, a escravidão, o

Page 87: Representações sociais e organização do poder político: A

86

exclusivo fundiário e a arbitragem de conflitos entre os poderes privados.

Os engenheiros institucionais do Segundo Reinado, particularmente seu

grupo diretivo mais coeso e atuante, os chefes políticos da província fluminense -

os saquaremas - exibiam em sua práticas a distância entre o país real e o país

legal. Formalmente, tinha-se centralização política e administrativa mas, de fato,

prevalecia a descentralização negociada, como nos tempos do Brasil colonial.

A Pax Saquarema permitiu dar estabilidade política ao Império, submetendo

as pretensões dos mandões regionais e locais a um conjunto de regras aceitas e

reconhecidas por todos. Poder público e poderes privados tornaram-se

intimamente vinculados, com o reconhecimento tácito de sua interdependência. O

preço no entanto não foi pequeno, tanto para a racionalidade da ação

administrativa, como para a cidadania:

“O governo trazia para a esfera pública a administração do conflito privado mas ao preço de manter privado o conteúdo do poder. Os elementos não pertencentes à camada dirigente local eram excluídos da distribuição dos bens públicos, inclusive da justiça. O arranjo deu estabilidade ao Império, mas significou, ao mesmo tempo, uma séria restrição à extensão da cidadania e, portanto, ao conteúdo público do poder. O governo se afirmava pelo reconhecimento de limites estreitos ao poder do Estado” (Murilo de Carvalho,1996.:144).

Quem melhor sintetizou, na visão dos contemporâneos, o arranjo de poder

estabelecido no Segundo Reinado, foi Nabuco de Araújo, no discurso que ficou

conhecido como a “Ponte de Ouro”:

“A missão do governo, e principalmente do governo que representa o princípio conservador, não é guerrear e exterminar famílias, antipatizar com nomes, destruir influências que se fundam na grande propriedade, na riqueza, nas importâncias sociais; a missão de um governo conservador deve ser aproveitar essas influências no interesse público, identificá-las com a monarquia e as instituições, dando-lhes prova de confiança para que possa dominá-las e neutralizar as suas exagerações. Se representais o princípio conservador, como quereis destruir a influência que se funda na grande propriedade?”(Joaquim Nabuco, apud Coelho,1994:86).

Tratava-se, no plano das representações, de reafirmar o conceito de pacto

ou contrato que levara à adesão das elites locais à Monarquia e aos poderes para

Page 88: Representações sociais e organização do poder político: A

87

ela desenhados na Carta de 1824.

Entendiam os governantes da Casa, entrincheirados na política provincial e

municipal que, para preservar seu lugar na hierarquia social, deveriam renunciar a

uma parcela da liberdade de que dispunham para exercer o despotismo sobre as

populações locais. Em troca, o Poder Central zelaria pela preservação dos

monopólios sobre a terra e a mão-de-obra, raízes de sua dominação.

Não significava isso o fim do poder discricionário dos mandões locais, mas

uma mudança na forma pelo qual seria exercido: em lugar da violência aberta, o

uso preferencial do poder público. Poder público e poder privado passaram a

constituir assim faces de uma mesma moeda (Rohloff de Mattos,1994).

O contrato entre os dois lados sustentava-se no compromisso do Governo

Central de:

• preservar o adequado equilíbrio entre os interesses das

províncias;

• garantir saudável alternância de poder e a satisfação dos

interesses do Governo da Casa através de contatos diretos com o

Governo Central;

• preservar a ordem social, defendendo, a qualquer custo, os

monopólios sobre a terra e a mão-de-obra.

A estabilidade do sistema dependia de um estrito respeito do Governo

central a esses termos. Três fatores básicos conspiraram para que isso não se

concretizasse: a dificuldade de conciliar objetivos conflitantes, a concentração de

poder decisório em um círculo demasiado estreito de dirigentes e as próprias

formas de pensar e agir da elite imperial.

Page 89: Representações sociais e organização do poder político: A

88

Promover o equilíbrio entre as províncias significava usar o poder político

para transferir recursos das províncias mais dinâmicas para outras menos

próperas. Fazer isso implicava em ganhar a insatisfação das regiões de onde eram

retirados os recursos, especialmente se deles necessitassem para atender a

expansão de suas economias, como foi o caso de São Paulo nas últimas décadas

do século XIX. Por outro lado, não se conquistava necessariamente o favor das

províncias aquinhoadas, pois os recursos pareciam sempre insuficientes para

atender suas demandas. Resultado, as tentativas empreendidas pelo Poder

Executivo para realocar recursos em favor das regiões menos dinâmicas

mostravam-se exitantes e, não estando pautadas em qualquer estratégia de

desenvolvimento, ineficazes.

A escravidão chocava-se com oposição crescente de grupos liberais

urbanos, do Governo britânico e da ala mais jovem do oficialato militar. Mas

extingui-la significava atentar contra as práticas de acumulação de capital que

beneficiavam os grandes proprietários rurais, especialmente os da Província do

Rio de Janeiro, principais sustentáculos do poder imperial.

Militares desejavam armamentos modernos e melhores soldos, enquanto

número sempre crescente de bacharéis, engenheiros e médicos queriam

empregos. Tais reclamos somente poderiam ser atendidos com a diversificação da

estrutura produtiva alavancada por um processo de industrialização. Isso ficava

sujeito, no entanto, ao veto dos barões agrários, pois poderia significar a

canalização de excedentes do setor agroexportador para financiar o crescimento

industrial, a perda de posição como grupo econômico e político dominante e, não

menos importante, poderia significar a necessidade de ruptura de seu monopólio

sobre a terra e o fim da escravidão, visando o surgimento de uma classe média

Page 90: Representações sociais e organização do poder político: A

89

rural capaz de ampliar a demanda de bens manufaturados.

Ao final, o Estado se transformava na principal fonte de empregos, mas as

práticas centralizadoras e clientelistas que regiam o acesso aos mesmos,

indispensável para manter a teia de alianças entre o Poder Central e os poderes

locais, tornava-se um entrave às pretensões de muitos candidatos. Resultado, o

descontentamento com o Estado imperial e a convicção de que se as províncias

pudessem ter autonomia para criar e manter suas próprias máquinas

administrativas haveria maiores oportunidades de ascensão social para as

camadas médias da população.

Perante tais contradições, restariam, para aliviar as demandas sobre o

Governo Central, as alternativas de transferir a arbitragem dos interesses em jogo

para o Parlamento e instituir o federalismo. Infelizmente, para o Império, o sistema

político não comportava essas alternativas. O sistema fora montado com base na

desconfiança quanto a capacidade do Parlamento de representar os interesses

nacionais e no medo da fragmentação territorial. As eleições transformavam-se,

assim, em mecanismo de exclusão do jogo político para os grupos não afinados

com essas perspectivas.

O dilema não pode ser superado pela elite política do Império porque

implicaria violar suas crenças mais enraizadas: a certeza na inteligência de sua

engenharia institucional, a aversão às lutas entre facções e partidos, o temor de

ampliar a participação política, a convicção de estar lidando com um povo

ignorante, incivilizado e sem luzes suficientes para lidar com seu próprio destino e,

talvez o mais decisivo, a crença de ser a única detentora do conhecimento sobre o

conteúdo da vontade geral da Nação.

Page 91: Representações sociais e organização do poder político: A

90

O Poder Moderador era o símbolo maior das crenças que orientavam a elite

dirigente. Significava a reunião de todos os grupos sociais em uma só família,

conduzida pela mão benigna e patriarcal do Monarca e de seus auxiliares, no

Conselho de Estado e na Administração Pública. Pretendia-se que fosse o baluarte

contra a predominância dos interesses regionais e localistas, entrincheirados na

Câmara dos Deputados, na medida em que fazia do Imperador o árbitro, em última

instância, das disputas intra-oligárquicas.

Permitindo repudiar a vontade do Governo da Casa quando se julgava

conveniente, mediante a dissolução da Câmara e a convocação de eleições

manejadas pelo Gabinete, o Poder Moderador também transformava o Imperador

no principal obstáculo a ser removido para desmantelar o sistema político. Tratava-

se, afinal, do cume edifício político erguido durante o século XIX. Ao repudiar o

sistema, os grupos dominantes precisaram, necessariamente, repudiar a

Monarquia e tudo o que ela representava nas relações entre o Governo do Estado

e o Governo da Casa.

O pragmatismo da elite revelou-se, por fim, incapaz de superar um conjunto

de crenças e valores que não mais estavam em sintonia com as aspirações dos

grupos que a ajudaram a alçar-se ao poder. Grupos que haviam, apesar de

eventuais contrariedades, dado um voto de confiança aos arranjos institucionais

forjados após a Regência.

O fim da Guerra do Paraguai marcou o início de um lento processo de

erosão do sistema político imperial, que se manifestou na forma de sucessivas

crises e rupturas com a Igreja Católica, o Exército, as oligarquias nortistas e

sulistas. A Abolição da escravatura alienou o último apoio, o dos cafeicultores

fluminenses.

Page 92: Representações sociais e organização do poder político: A

91

A Monarquia caiu, em 1889, sem que nenhum grupo mais expressivo se

erguesse em sua defesa. Caiu porque o sistema do qual era símbolo não mais se

mostrou capaz de cumprir sua função: manter o compromisso entre o Governo do

Estado e o Governo da Casa.

Page 93: Representações sociais e organização do poder político: A

92

Conclusões

Bernardo Pereira de Vasconcelos, um dos líderes moderados da

Regência, depois convertido em ardoroso defensor da centralização promovida

pelo “Regresso”, assim justificou sua mudança:

“Fui liberal; então a Liberdade era nova no país, estava nas aspirações de todos, mas não nas leis; o Poder era tudo, fui liberal. Hoje, porém, é diverso o aspecto da sociedade: os princípios democráticos tudo ganharam, e muito comprometeram; a sociedade, então corria risco pelo Poder, corre risco pela desorganização e pela anarquia. Como então quis, quero hoje servi-la, quero salvá-la: por isso sou regressista” (Chacon,1974:21).

O ponto de vista de Bernardo de Vasconcelos exprimia o desencanto de

boa parcela da elite política imperial com o federalismo, identificado com a

desorganização e a anarquia. Ao mesmo tempo, reafirmava o princípio que

inspiraria a construção do sistema político do Segundo Reinado: a Ordem. Ordem

que significava, acima de tudo, preservar o predomínio dos homens detentores de

liberdade e propriedade, os únicos capacitados a governar, isto é, “reger bem, quer

a Casa – regulando a sua economia e administração, quer o Estado – dando leis e

fazendo-as executar” (Rohloff de Mattos,op.cit.:111).

A manutenção da Ordem implicava refrear os exageros do Governo da

Casa, impedindo que acabassem destruindo as próprias bases de sua

sobrevivência – os monopólios da terra e da mão-de-obra. O mandonismo sem

peias dos Senhores da Casa colocava os interesses particulares e locais acima

dos interesses gerais e nacionais, enfraquecendo a defesa contra as ameaças

internas e externas aos dois monopólios (Rohloff de Mattos, 1994).

Daí, a legitimidade de “empregar todos os meios para salvar o país do

espírito revolucionário, porque este produz a anarquia, e a anarquia destrói, mata a

Page 94: Representações sociais e organização do poder político: A

93

liberdade, a qual somente pode prosperar com a ordem”35.

Ora, submeter o despotismo local e regional indicava a necessidade de fixar

uma divisão dentro da sociedade política, distinguindo entre aqueles que se

dedicariam apenas ao trato dos assuntos privados e os encarregados de dirigir o

Estado.

Os escolhidos para a tarefa de Governar o Estado deveriam ser guiados por

uma visão superior e neutra, um olhar que os habilitasse a falar e agir em nome de

toda a sociedade política, sem se deixar absorver por interesses particularistas.

Homens de Estado, cujas vidas seriam dedicadas exclusivamente à “direção dos

interesses gerais da Nação” e a bem administrar a res publica (Rohloff de

Mattos,1994).

A representação que compartilhavam, a de estarem destinados a governar,

abre margem à compreensão de que não se consideravam empregados dos

grandes proprietários de terras ou de qualquer outro grupo social. Eles eram,

acima de tudo, os formuladores e depositários do interesse geral da Nação, os

estudiosos da realidade e, por sua ciência, os únicos aptos a conduzir os demais

pela senda do progresso.

O que lhes conferia, no seu entender, tais capacidades e habilitações? A

educação superior, a vivência urbana e cosmopolita, as boas ligações com as

famílias mais importantes do Império, os conhecimentos especializados em direito

constitucional e administrativo, economia e outros temas relevantes para bem

governar e administrar (v. Capítulo 3, seção 2). Dificilmente poderiam se

considerar iguais a quaisquer outros que não dispusessem dos mesmos atributos.

35 Discurso do Visconde de Uruguai, na Câmara dos Deputados, apud Rohloff de Mattos (1999:204).

Page 95: Representações sociais e organização do poder político: A

94

A convicção de constituir um grupo distinto reforçava-se pela constatação

de que os “outros”, isto é, a esmagadora maioria da população, estavam

mergulhados nas trevas do analfabetismo ou no trato de mesquinhos negócios

particulares.

Em contrapartida, e para seu desagrado, os homens ilustrados da elite

política precisavam dos governantes da Casa, dos homens dedicados apenas ao

ganho privado. Eram as riquezas por eles produzidas, com o suor e o sangue dos

negros escravos, que permitiam pagar os estudos em boas escolas, sustentar as

organizações de reprodução simbólica, as administrações locais, provinciais e

nacional, além de respaldar sua permanência nos centros de poder.

Mais do que isso, eram as famílias de grandes proprietários rurais e

comerciantes de grosso trato a origem dos participantes da elite política. Nas

famílias patriarcais deitavam suas verdadeiras raízes.

Raízes de crenças e valores como o familismo, o ruralismo, a pretensão

aristocrática, o amor à ordem, o respeito à natural hierarquia que deveria imperar

numa sociedade de desiguais. Raízes de ambigüidade que mesclavam,

ecleticamente, a crença na engenharia social e a plasticidade das adaptações, o

cosmopolitismo intelectual urbano e o apego saudosista e idealizado à vida rural, a

dominação racional-legal e o patrimonialismo da Casa Grande, a defesa

apaixonada da liberdade e a violência das senzalas, o universalismo das leis e o

clientelismo, o liberalismo econômico e as práticas mercantilistas, o holismo e o

individualismo.

Pares de opostos que se buscava harmonizar nas práticas e instituições,

mas que não raro podiam provocar violentas lutas, motivadas pela afirmação de

apenas um dos pólos. As questões em torno da descentralização política e

Page 96: Representações sociais e organização do poder político: A

95

administrativa ilustram esse aspecto, de forma exemplar.

Em 1822, para salvaguardar a escravidão e a aristocracia dos “homens

bons”, José Bonifácio e outros “plantaram a Monarquia” constitucional e o Estado

centralizado (v. Capítulo 3, seção 1). O governo do Príncipe foi de início bem

recebido, porque fundado em um compromisso com o Povo, isto é, os homens

livres e detentores de terras e escravos. Logo depois, o Príncipe ultrapassa os

limites do contrato implícito e torna-se necessário afastá-lo (v. Capítulo 4).

Em reação aos excessos de D. Pedro I, o retorno ao localismo, opondo

chefes provinciais e municipais, as províncias entre si e estas e o Governo Central.

Resultado: a ameaça de desintegração territorial e de fazer desabar a estrutura

social escravista (v. Capítulo 5).

Inicia-se a transação, concretizada na forma da Pax Saquarema. Reafirma-

se o pacto inicial entre o Príncipe e o Povo, reproduzindo, em novos termos, o

antigo pacto político colonial de descentralização negociada. Reconhecem-se

distintas esferas de influência ao Governo Central e às oligarquias provinciais e

locais. Deixa-se ao Governo Central o cuidado dos assuntos de interesse geral,

inclusive a pacificação das disputas intra-oligárquicas, em troca da liberdade de

ação nas províncias e nos municípios. Constrói-se uma “Ponte de Ouro” (v.

Capítulo 6).

Ponte destruída pela reafirmação de um dos extremos. O Imperador e o

Poder Executivo exageraram na centralização e na autonomia decisória. Assim,

destituem gabinetes e convocam novas eleições quando bem entendem,

impedindo a formulação de uma política consistente de apoio aos interesses dos

senhores rurais e grandes comerciantes. Política indispensável, quando se tinha

por certo o fim da escravidão.

Page 97: Representações sociais e organização do poder político: A

96

O compromisso que garantira a Monarquia e o Império, desde 1840, fora

rompido. Cada um deveria cuidar dos próprios interesses como melhor lhe

aprouvesse. O federalismo, embalado em darwinismo social, dos republicanos

paulistas torna-se o projeto hegemônico (Murilo de Carvalho,1998:92-93).

O que é comum a todos os períodos analisados é a tensão inerente às

ambigüidades que compõem o “núcleo duro” das representações da elite política

imperial. A predominância de qualquer um dos elementos dos pares de opostos

gera a fragmentação e a dissolução do acordo dentro dessa elite, potencializadas

pelo desagrado da elite econômica e facções políticas regionais e locais.

As ambigüidades podem ser atribuídas, numa perspectiva evolucionista, a

transição da sociedade tradicional para a sociedade moderna. É provável, no

entanto, que não seja tão simples.

A matriz das representações da elite política imperial guardava estreita

relação com a herança colonial do direito de governar atribuído apenas a uma

estreita minoria – os “homens bons”, cujo privilégio de mando se sustentava na

riqueza patrimonial. A partir da Independência, vai se consolidando um novo grupo

social dentro da elite, que se atribui o direito de governar a partir da inteligência

que detém sobre as leis invariáveis de funcionamento do mundo social.

Os novos semeadores construíram sua identidade social combinando o

papel de engenheiros institucionais com as crenças e valores dos “homens bons”.

Esse amálgama não se desfaz com facilidade. Ele é parte de um “núcleo estável”

de representação do mundo social, alterando-se perifericamente para conservar a

essência: o direito de mando conferido por uma ordem cósmica baseada na

desigualdade de capacidades e habilitações. Nesta ordem, cada um deve

conhecer seu lugar e respeitá-lo, a fim de não perturbar o equilíbrio natural do

Page 98: Representações sociais e organização do poder político: A

97

Universo.

As representações e práticas da elite dirigente do Império parecem ter

sobrevivido a ela. Ao longo da República, a estabilidade do sistema político

continuou a depender de um complexo jogo de barganhas e compromissos dentro

do mundo do Governo que, a fim de produzir uma soma positiva para os grupos

envolvidos, precisa ser um jogo de soma zero em relação ao restante da

sociedade.

A transação, para usar a linguagem de Justiniano José da Rocha modela as

regras do jogo político, combinando compromissos informais e o mais cínico

pragmatismo. A transação requer forte concentração de poderes nas mãos de uns

poucos atores políticos; cuidadosa atenção aos interesses gerais dos grupos

dominantes, no que diz respeito à manutenção e expansão de seu monopólio

sobre os fatores produtivos; delimitação informal de esferas de influência entre o

poder privado e o Estado; laços extralegais entre a Administração Pública e os

empresários, os grupos políticos regionais e os municipais; permanente

informalidade no processo decisório e no relacionamento entre os poderes

Executivo, Legislativo e Judiciário.

As normas que permitem ligar os fios dessa “teia de Penélope” (Rohloff de

Mattos, 1994:183-265). são as da amizade, do compadrio, dos laços de família, do

intercâmbio de favores, do jeitinho, do respeito às hierarquias, da lealdade às

pessoas que decidem e aos compromissos não escritos entre elas, da capacidade

de tomar decisões segundo a condição das pessoas e interesses envolvidos.

Centralização, descentralização, federalismo, municipalismo, democracia

aparecem assim como artefatos de sentido difuso, jogos institucionais numa

bricolage só compreensível para os que conhecem as regras da transação e já se

Page 99: Representações sociais e organização do poder político: A

98

habituaram à “dialética da ambigüidade”. Quando levados demasiado a sério,

acabam gerando instabilidade e, nos casos extremos, rupturas que obrigam a

recomeçar uma nova teia.

Page 100: Representações sociais e organização do poder político: A

99

Bibliografia

ALONSO DE ANDRADE, Maria Antonia. As representações sociais da política.

Brasília, Universidade de Brasília, Tese de Doutorado, 1995.

ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado. In: Slavoj Zizek.

Um mapa da ideologia. Rio de Janeiro, Contraponto, 1996.

ARAÚJO, Emmanuel. Tão vasto, tão ermo, tão longe: o sertão e o sertanejo nos

tempos coloniais. In: PRIORE, Mary Del. Revisão do Paraíso. São Paulo,

CAMPUS, 2000.

ARIÈS, Philippe. A história das mentalidades. In: Le Goff, Jacques (dir.). A história

nova. São Paulo, Martins Fontes, 1998.

AROCENA, José. Descentralización e iniciativa, una discusión necessaria.

Montevidéo, Cuadernos del CLAEH, n.51, 1989.

_____________. Discutiendo lo local: las coordenadas del debate. Montevidéo,

Cuadernos del CLAEH, n.51, 1989.

ARON, Raymond. Etapas do pensamento sociológico.São Paulo, Martins Fontes,

1999.

ARRETCHE, Marta. Mitos da descentralização. Rio de Janeiro, Revista Brasileira

de Ciências Sociais, ANPOCS, ano 11, n. 31, junho, 1996.

BAETA, Adelaide Maria. Administração municipal e descentralização política: notas

para uma discussão. Rio de Janeiro, Revista de Administração Pública, FGV,

ago./out., 1989.

BAGUENARD, Jacques. La descentralisation. Paris, PUF, “Que sais-je?”, 1996.

BENDIX, Reinhard. Construção nacional e cidadania. São Paulo, EDUSP, 1996.

BERBEL, Márcia Regina. A nação como artefato. São Paulo, HUCITEC, 1999.

BICALHO, Maria Fernanda. As câmaras municipais no império português: o

exemplo do Rio de Janeiro. São Paulo, Revista Brasileira de História, ANPUH,

n.36, 1998.

BIERSACK, Aletta. Saber local, história local: Geertz e além. In: Hunt, Lynn (org.).

A nova história cultural. São Paulo, Martins Fontes, 1992.

BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade. Rio de Janeiro, Paz e Terra,

1997.

Page 101: Representações sociais e organização do poder político: A

100

BOUDON, R.& BOURRICAUD, F. Dicionário crítico de Sociologia. São Paulo,

Ática, 1993, pp. 275-280.

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo, Perspectiva,

1987.

_______. Sociologia. Renato Ortiz (org.). São Paulo, Ática, Coleção Grandes

Cientistas Sociais, 1983.

____________. O poder simbólico. Lisboa, Difel, 1989.

BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio. A herança colonial: sua desagregação.

In:_____. História geral da civilização brasileira: o Brasil monárquico. Rio de

Janeiro, Bertrand, t. II, vol. 1, 1993.

__________. São Paulo. In: ________. História geral da civilização brasileira: o

Brasil monárquico. Rio de Janeiro, Bertrand, t. II, vol. 2, 1995.

__________. Raízes do Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 1995.

__________. Do Império à República. In:_______. História geral da civilização

brasileira: o Brasil monárquico. Rio de Janeiro, Bertrand, t. II, vol.5, 1997.

BURGUIERE, André. A antropologia histórica. In: Le Goff, Jacques (dir.). A história

nova. São Paulo, Martins Fontes, 1998.

BURKE, Peter. A nova história: seu passado e seu futuro. In: __________ (org.). A

escrita da história; novas perspectivas. São Paulo, UNESP, 1992.

CAMARGO, Aspásia. La federacion sometida: nacionalismo desarrolista e

inestabilidad democratica. In: CARMAGNANI, Marcello (coord.): Federalismos

latinoamericanos. México D.F. Fondo de Cultura Economica, 1993.

_____________. O gigante enfraquecido: os riscos do federalismo incompleto. Rio

de Janeiro, FGV, 1993.

_____________. O novo pacto federativo. Brasília, Revista do Serviço Público, v.

118, n.1, jan./jun. 1994.

CARDOSO, Fernando Henrique. Rio Grande do Sul e Santa Catarina. In:

BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio (org.). História geral da civilização brasileira:

o Brasil monárquico. Rio de Janeiro, Bertrand, t. II, vol. 2, 1995.

CARNEIRO DA CUNHA, Pedro Octávio. A fundação de um império colonial. In:

BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio (org.). História geral da civilização brasileira:

o Brasil monárquico. Rio de Janeiro, Bertrand, t. II, vol. 1, 1993.

CARVALHO, Marcus de. Cavalcantis e cavalgados: a formação das alianças

políticas em Pernambuco 1817-1824. São Paulo, Revista Brasileira de História,

Page 102: Representações sociais e organização do poder político: A

101

ANPUH, n.36, 1998.

CARVALHO SOUZA, Iara Lis. A adesão das câmaras e a figura do imperador. São

Paulo, Revista Brasileira de História, ANPUH, n. 36, 1998.

_________. A pátria coroada. São Paulo, UNESP, 1999.

CHACON, Vamireh. Ideário dos fundadores do império-nação brasileiro. Rio de

Janeiro, Revista de Ciência Política, FGV, jan./mar. 1974.

CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa,

DIFEL, 1988.

___________. O mundo como representação. São Paulo, Estudos Avançados, n.5,

1991.

___________. Textos, impressão, leituras. In: Hunt, Lynn (org.). A nova história

cultural. São Paulo, Martins Fontes, 1992.

___________. A história hoje: dúvidas, desafios e respostas. Rio de Janeiro,

Estudos Históricos, n.13, 1994.

CINTRA, Antonio Otávio. A política tradicional brasileira: uma interpretação das

relações centro-periferia. In: Balan, Jorge (org.). Centro e periferia no

desenvolvimento brasileiro. São Paulo, DIFEL, 1974.

CINTRA, A. Q. A integração do processo político no Brasil: algumas hipóteses

inspiradas na literatura. Rio de Janeiro, Revista de Administração Pública, FGV,

n. 2, 1971.

COELHO, Edmundo Campos. As profissões imperiais: medicina, engenharia e

advocacia no Rio de Janeiro 1822-1930. Rio de Janeiro, Record, 1999.

CORAGGIO, José Luis. Las dos corrientes de descentralizacion. Montevidéo,

Cuadernos del CLAEH, mayo, 1991.

COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República. São Paulo, Grijalbo, 1977.

DAHL, Robert. Poliarquia. São Paulo, EDUSP, 1997.

DAMATTA, Roberto. Brasil: uma nação em mudança e uma sociedade imutável?

Rio de Janeiro, Estudos Históricos, n.2, 1998.

________. Estado e sociedade e a casa e a rua. In: PRIORE, Mary del. Revisão do

Paraíso. São Paulo, CAMPUS, 2000.

DESAN, Suzanne. Massas, comunidade e ritual. In: Hunt, Lynn (org.). A nova

história cultural. São Paulo, Martins Fontes, 1992.

DOMINGUES, José Maurício. Sistemas sociais e subjetividade coletiva. Rio de

Janeiro, Dados, IUPERJ, n. 1, 1996.

Page 103: Representações sociais e organização do poder político: A

102

DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo, Martins Fontes,

1999.

EAGLETON, Terry. A ideologia e suas vicissitudes no marxismo ocidental. In:

ZIZEK, Slavoj (org.). Um mapa da ideologia. Rio de Janeiro, Contraponto, 1996.

_________. Ideologia. São Paulo, UNESP, 1997.

FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: Formação do Patronato Político

Brasileiro. Rio de Janeiro, Globo, vol. 1 e 2, 1987.

FEIJÓ, Diogo Antonio. Diogo Antônio Feijó. São Paulo, Ed. 34, 1999.

FELICISSIMO, José Roberto. Os impasses da descentralização político-

administrativa. São Paulo, Revista de Administração de Empresas, FGV, v. 32,

n.1, jan./mar. 1992.

FERREIRA, Gabriela Nunes. Centralização e descentralização no império. São

Paulo, Ed. 34, 1999.

FISCHER, Tânia. Poder Local, Governo e Cidadania. Rio de Janeiro, FGV, 1993.

___________.& TEIXEIRA, Ângela. Poder local e participação Espanha/Brasil:

perspectivas constitucionais, avanços e limites. Rio de Janeiro, Revista de

Administração Pública, FGV, v. 23, n. 4, ago./out. 1989.

GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. Redes de poder na América portuguesa: o caso

dos homens bons do Rio de Janeiro, ca. 1790-1822. São Paulo, Revista

Brasileira de História, ANPUH, n.36, 1998.

GRAHAM, Richard. Clientelismo e política no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro,

UFRJ, 1997.

GUARESCHI, Pedrinho & JOVCHELOVITCH, Sandra (orgs.). Textos em

representações sociais. Petrópolis, Vozes, 1995.

GUERREIRO RAMOS, Alberto. Administração e contexto brasileiro. Rio de

Janeiro, FGV, 1983.

GUIMARÃES, Lúcia Maria Paschoal. O tribunal da posteridade. In: PRADO, Maria

Emília (org.). O Estado como vocação: idéias e práticas políticas no Brasil

oitocentista. Rio de Janeiro, Access, 1999.

HOLLOWAY, Thomas. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa

cidade do século XIX. Rio de Janeiro, FGV, 1997.

HUNT, Lynn. História, cultura e texto. In: _________ (org.). A nova história cultural.

São Paulo, Martins Fontes, 1992.

Page 104: Representações sociais e organização do poder político: A

103

IGLÉSIAS, Francisco. Trajetória política do Brasil: 1500-1964. São Paulo,

Companhia das Letras, 1993.

___________. Minas Gerais. In: BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio (org.). História

geral da civilização brasileira: o Brasil monárquico. Rio de Janeiro, Bertrand, t.

II, vol. 2, 1995.

JACOBI, Pedro. Descentralização municipal e participação dos cidadãos. São

Paulo, Lua Nova, n.20, mai., 1990.

________. Os municípios e a participação. Rio de Janeiro, Revista de

Administração Municipal, IBAM, v.38, n.198, p.32-38,jan./mar., 1991.

JANCSÓ, István. Prefácio. In: BERBEL, Márcia Regina. A nação como artefato.

São Paulo, HUCITEC, 1999.

JODELET, Denise. Les representations sociales. Paris, PUF,1989.

LAMOUNIER, Bolívar. Formação de um pensamento político autoritário na

Primeira República. In: FAUSTO, Bóris (org.). História Geral da Civilização

Brasileira. São Paulo, Difel, 1977, tomo III, vol. 2.

_______ & CARDOSO, F.H. A Bibliografia da Ciência Política sobre o Brasil (1949-

1974). Dados, Rio de Janeiro, 18, 1978.

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. Rio de Janeiro, Nova Fronteira,

1997.

LE GOFF, Jacques . A história nova. In: _________ (dir.). A história nova. São

Paulo, Martins Fontes, 1998.

LEMOS, Delba Guarini. O pensamento eclético na província do Rio de Janeiro.

Niterói, EDUFF, 1996.

LEPETIT, Bernard (org.). Les formes de l’experience. Paris, Albin Michel, 1995.

LESSA, Carlos. A preeminência profissional e o estado brasileiro: dos juristas aos

economistas. In: PRIORE, Mary del. Revisão do Paraíso. São Paulo, CAMPUS,

2000.

LESSA, Renato. A invenção republicana. Rio de Janeiro, Topbooks, 1999.

LOBO, Thereza. Descentralização: uma alternativa de mudança. Rio de Janeiro,

Revista de Administração Publica, FGV, n.1, jan./mar., 1988.

LOVRICH JR, Nicholas. Contending Paradigms in Public Administration.

Administration & Society, vol. 17, n. 3, november, 1985, pp. 307-330.

LÖWY, Michael. Ideologias e ciência social: elementos para uma análise marxista.

São Paulo, Cortez, 1996.

Page 105: Representações sociais e organização do poder político: A

104

MATTOS, Carlos de. La descentralización, uma nova panacea para impulsar el

desarrolo local?. Montevidéo, Cuadernos del CLAEH, CLAEH, n.51, 1989.

MERCADANTE, Paulo. A Consciência Conservadora no Brasil. Rio de Janeiro,

Civilização Brasileira, 1972.

MELO, Marcus André de. Municipalismo, nation-building e a modernização do

Estado no Brasil. São Paulo, ANPOCS, Revista do Centro Brasileiro de

Sociologia, n.23, ano 8, 1993.

MENEZES, Djacir. Federalismo e centralização. Rio de Janeiro, Revista de Ciência

Política, FGV, n.1, jan./mar., 1974.

MOTTA, Carlos Guilherme. Ideologia da Cultura Brasileira ( 1933- 1974) . São

Paulo, Ática, 1977.

MOTTA, Paulo Roberto. Participação e descentralização administrativa. Rio de

Janeiro, FGV, Revista de Administração Pública, 28(3), jul./set., 1994.

MURILO DE CARVALHO, José. Os Bestializados- O Rio de Janeiro e a República

que não foi. São Paulo, Companhia das Letras, 1987.

_____________. A Formação das Almas- O Imaginário da República no Brasil.

São Paulo, Companhia das Letras, 1990.

_____________. Federalismo y centralización en el império brasileño. In:

CARMAGNANI, Marcello (coord.): Federalismos latinoamericanos. México D.F.

Fondo de Cultura Econômica, 1993.

____________. Desenvolvimiento de la ciudadania en Brasil. México D.F., Fondo

de Cultura Econômica, 1995.

______________. A Construção da Ordem e Teatro das sombras. Rio de Janeiro,

UFERJ, Relume Dumará, 1996.

_____________. Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão

conceitual. In:. _____________.Pontos e bordados. Belo Horizonte, UFMG,

1998.

NEVES, Lúcia Maria Bastos. O império luso-brasileiro redefinido e o debate político

da independência (1820-1822). Rio de Janeiro, Revista do IHGB, IHGB, n. 387,

abr./jun. 1995.

____________. Intelectuais brasileiros nos oitocentos. In: PRADO, Maria Emília

(org.). O Estado como vocação: idéias e práticas políticas no Brasil oitocentista.

Rio de Janeiro, Access, 1999.

Page 106: Representações sociais e organização do poder político: A

105

____________. & MACHADO, Humberto Fernandes. O império do Brasil. Rio de

Janeiro, Nova Fronteira, 1999.

OLIVEIRA, Francisco de. A questão regional: a hegemonia inacabada. São Paulo,

Revista de Estudos Avançados, USP, n. 18, 1993.

OLIVEIRA, Maria Lúcia de. Federalismo democrático: tarefa para os anos 80. Rio

de Janeiro, IBAM, Revista de Administração Municipal, n.161, out./dez., 1981.

OLIVEIRA, Yves. Síntese da formação de nosso espírito municipal. Rio de Janeiro,

Revista do Serviço Público, jul., 1960.

PINHO, Wanderley. A Bahia: 1808-1856. In: BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio

(org.). História geral da civilização brasileira: o Brasil monárquico. Rio de

Janeiro, Bertrand, t. II, vol. 2, 1995.

PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo,

Brasiliense, 1972.

PRIORE, Mary Del. Deus ou diabo nas terras do açúcar: o senhor de engenho na

América portuguesa. In: ______. Revisão do Paraíso. São Paulo, CAMPUS,

2000.

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O coronelismo numa interpretação sociológica.

In: FAUSTO, Bóris (org.). História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo,

Difel, Tomo III, vol. 1, 1975.

_____________. O mandonismo local na vida política brasileira. São Paulo, Alfa-

Ômega, 1976.

QUINTAS, Amaro. O Nordeste. In: BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio (org.).

História geral da civilização brasileira: o Brasil monárquico. Rio de Janeiro,

Bertrand, t. II, vol. 2, 1995.

REIS, Arthur Cézar Ferreira. O Grão Pará e o Maranhão; Mato Grosso e Goiás; A

província do Rio de Janeiro e o Município Neutro; o Espírito Santo. In:

BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio (org.). História geral da civilização brasileira:

o Brasil monárquico. Rio de Janeiro, Bertrand, t. II, vol. 2, 1995.

ROCHA, Justiniano José da. Ação, reação, transação. Rio de Janeiro, Revista do

IHGB, IHGB, n. 219, abr./jun. 1953.

ROHLOFF DE MATTOS, Ilmar. O tempo saquarema. Rio de Janeiro, ACESS,

1994.

Page 107: Representações sociais e organização do poder político: A

106

_______. O lavrador e o construtor: o visconde de Uruguai e a construção do

Estado imperial. In: PRADO, Maria Emília (org.). O Estado como vocação:

idéias e práticas políticas no Brasil oitocentista. Rio de Janeiro, Access, 1999.

RUSSEL-WOOD, A.J.R. Centros e periferias no Mundo Luso-Brasileiro, 1500-

1808. São Paulo, Revista Brasileira de História, ANPUH, n.36, 1998.

SÁ, Celso Pereira de. Núcleo central das representações sociais. Petrópolis,

Vozes, 1996.

SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Ordem Burguesa e Liberalismo Político. São

Paulo, Duas Cidades, 1978.

___________. A Imaginação Político- Social Brasileira. Rio de Janeiro, Dados,

IUPERJ, n. 2-3, 1967.

___________. Raízes da Imaginação Política Brasileira. Rio de Janeiro, Dados,

IUPERJ, n. 7, 1970.

SARMENTO, Cléa. Estabilidade governamental e rotatividade de elites políticas no

Brasil imperial. Rio de Janeiro, Dados, IUPERJ, n. 2, 1986.

SCHNOOR, Eduardo. Os senhores dos caminhos: a elite na transição para o

século XIX. In: PRIORE, Mary del. Revisão do Paraíso. São Paulo, CAMPUS,

2000.

SCHWARTZMAN, Simon. Bases do Autoritarismo Brasileiro. Rio de Janeiro,

Campus, 1988.

SILVA, Ana Rosa Closet. José Bonifácio: pensamento e ação de um estadista no

processo de construção da nação. In: PRADO, Maria Emília (org.). O Estado

como vocação: idéias e práticas políticas no Brasil oitocentista. Rio de Janeiro,

Access, 1999.

TAPAJÓS, Vicente. História administrativa do Brasil: organização política e

administrativa do império. Brasília, Fundação Centro de Formação do Servidor

Público, 1984.

TAVARES BASTOS, Aureliano Cândido de. A província. Brasília, Senado Federal,

1977 [fac. símile da edição de 1870, Garnier].

TERNAVASIO, Marcela. Reflexión para una reconstrucción histórica del espacio

local. Montevidéo, Cuadernos del CLAEH, CLAEH, n. 51, 1989.

TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. Belo Horizonte, Itatiaia; São

Paulo, EDUSP, 1977.

Page 108: Representações sociais e organização do poder político: A

107

URUGUAI, Visconde de. Ensaio sobre direito administrativo. Rio de Janeiro,

Serviço de Documentação do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, 1960

[fotocópia da 1. ed. 1862].

VALLA, Jorge. Representações sociais e percepções intergrupais. Lisboa, Análise

Social, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, n.140, 1997.

VASCONCELOS, Bernardo Pereira de. Bernardo Pereira de Vasconcelos. São

Paulo, Ed. 34, 1999.

VENÂNCIO, Renato Pinto & FURTADO, Júnia Ferreira. Comerciantes, traficantes

e mascates. In: PRIORE, Mary del. Revisão do Paraíso. São Paulo, CAMPUS,

2000.

VENÂNCIO FILHO, Alberto. Das arcadas ao bacharelismo. São Paulo,

Perspectiva, [s.d].

VIANNA, Luiz Werneck. Americanismo e Iberismo: A Polêmica de Oliveira Vianna

com Tavares Bastos. Rio de Janeiro, Dados, IUPERJ, n. 2, 1991.

______________. Caminhos e descaminhos da revolução passiva à brasileira. Rio

de Janeiro, Dados, IUPERJ, n. 3, 1996.

VIANA, Oliveira. Instituições políticas brasileiras. Rio de Janeiro, EDUFF, vols. 1 e

2, 1987.

VILLASCHI FILHO, Arlindo & MEDEIROS, Antonio Carlos de. O Brasil urbano:

perspectiva político-institucional da urbanização brasileira. Rio de Janeiro, FGV,

Revista de Administração Pública, 24(1), nov.89/jan.1990.

VINCENT, Andrew. Ideologias Políticas Modernas. Rio de Janeiro, Jorge Zahar,

1995.

VOVELLE, Michel. Ideologias e mentalidades. São Paulo, Brasiliense, 1987.

WEBER, Max. Ensaios de sociologia. Gerth & Mills (org.). Rio de Janeiro,

Guanabara Koogan, 1982.

WEHLING, Arno. Constitucionalismo e engenharia social no contexto da

independência. Rio de Janeiro, Revista do IHGB, IHGB, n. 150 (363), abr./jun.,

1989.

_____________ & WEHLING, Maria José. Sociedade estamental e Estado: as

leituras de bacharéis e o ingresso na burocracia judiciária portuguesa. Rio de

Janeiro, Revista do IHGB, IHGB, n. 387, abr./jun. 1995.

____________. Formação do Brasil colonial. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999.

Page 109: Representações sociais e organização do poder político: A

108

___________. O funcionário colonial entre a sociedade e o rei. In: PRIORE, Mary

del. Revisão do Paraíso. São Paulo, CAMPUS, 2000.

ZIZEK, Slajov. O espectro da ideologia. In: _____. Um mapa da ideologia. Rio de

Janeiro, Contraponto, 1996.