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O TRABALHO OFF SHORE
INOVAÇÃO TECNOLÓGICA, ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E QUALIFICAÇÃO DO OPERADOR DE PRODUÇÃO NA BACIA DE CAMPOS, RJ
ROBERTO MORAES PESSANHA
COPPE / UFRJ
DEZEMBRO DE 1994
2
O TRABALHO OFF SHORE - INOVAÇÃO TECNOLÓGICA,
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E QUALIFICAÇÃO DO OPERADOR DE
PRODUÇÃO NA BACIA DE CAMPOS, RJ
ROBERTO MORAES PESSANHA
TESE SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DA COORDENAÇÃO DOS
PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO DE ENGENHARIA DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS
REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE
MESTRE EM CIÊNCIAS ( M.Sc. ) EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO.
Aprovada por:
_________________________________
Prof. Mário César Vidal, D.Sc.
( Presidente )
__________________________________
Profa. Lídia Micaela Segre, D.Sc.
_________________________________
Prof. Ubirajara A. O. Mattos, D. Sc.
RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL
DEZEMBRO DE 1994
3
PESSANHA, ROBERTO MORAES
O Trabalho Off Shore - Inovação Tecnológica, Organização do
Trabalho e Qualificação do Operador de Produção na Bacia de Campos, RJ (
Rio de Janeiro ) 1994.
XXII, ... p. 29,7 cm ( COPPE/UFRJ, M. Sc., Engenharia de
Produção, 1994 )
Tese - Universidade Federal do Rio de Janeiro, COPPE
1. Exploração de Petróleo Off Shore
2. Trabalho Off Shore
3. Inovação Tecnológica
4. Organização do Trabalho
5. Qualifificação
I. COPPE/UFRJ II. Título ( série )
4
Resumo da Tese apresentada à COPPE/UFRJ como parte dos requisitos
necessários para obtenção do grau de de Mestre em Ciências ( M. Sc. )
O TRABALHO OFF SHORE - INOVAÇÃO TECNOLÓGICA,
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E QUALIFICAÇÃO DO OPERADOR DE
PRODUÇÃO NA BACIA DE CAMPOS, RJ
Roberto Moraes Pessanha
Novembro de 1994
Orientador : Prof. Mário César Vidal
Programa: Engenharia de Produção
Co-orientadora: Profa. Lídia Micaela Segre
Programa: Engenharia de Sistemas e Computação
O Trabalho Off Shore possui características extremamente peculiares em
função de ser uma atividade desenvolvida em ambiente restrito, confinado,
distante da sociedade e por sofrer, ao mesmo tempo, sob o ponto de vista,
tanto técnico como social, as mesmas influências que outra atividade
industrial, em regime contínuo. Desse modo, neste estudo, é feita uma
descrição das características desse tipo de trabalho, tendo como referencial o
Operador de Produção. Em seguida, são analisadas, a partir de sua
contextualização, as Inovações Tecnológicas, as Mudanças Organizacionais e
o Movimento de Qualificação vividos nesse tipo de atividade. Por fim, é
feita uma análise dos reflexos dessas mudanças sobre o conteúdo do trabalho
do objeto da pesquisa: o Operador de Produção Off Shore.
5
Abstract of Thesis presented at COPPE/UFRJ as partial fulfillment of
the requirements for the degree of Master of Science ( M. Sc. ).
THE OFF SHORE WORK – TECHNOLOGICAL INNOVATION, WORK
ORGANIZATION AND QUALIFICATIONS OF THE PRODUCTION
OPERATOR IN CAMPOS,RJ BASIN.
Roberto Moraes Pessanha
November, 1994
Thesis Supervisors: Mário César Vidal
Department: Engineering of Produccion
Thesis Co-supervisors: Lídia Micaela Segre
Department: Engineering Sistemms and Computacion
The Off Shore Work has extremely peculiar characteristics because it is an
activity developed in restrict and confined environment, distant from
society. At the same time, under technical and social viewpoint such an
activity presents the same influences common to anyother industrial activity
exercised in continuous system. Thus, in this study it is made a descripition
of the characteristics of this kind of work, taking as a reference the Operator
of Production. Next, from their contextualization, there comes an analysis of
the Technological Innovations, Organizational Changes and Qualification
Movement experienced in this kind of activity . Lastly, there comes an
analysis of the reflectons such changes upon the work’s content of the object
of the research: the Off Shore Production Operator.
6
à Ildinha, ao Caio, à Nina pela cessão do tempo e pela
paciência,
aos meus pais Joemio e Eliete, pelo estímulo constante à
capacitação,
aos bravos trabalhadores off shore da Bacia de Campos, pela
resistência e dedicação à luta da empresa pela auto-suficiência em petróleo,
nesse tipo de trabalho tão diferente, tão exigente de coragem e disposição e
de um necessário reconhecimento.
7
minha gratidão
à Escola Técnica Federal de Campos, por ter permitido, através
de seu projeto de capacitação, o meu afastamento para a realização do Curso
e para a elaboração desta tese;
à turma de 92 do Produto, colegas, professores e funcionários
pela cooperação;
aos diversos amigos de turma da época da Escola Técnica
Federal, aos alunos, vizinhos, parentes, petroleiros, amigos em geral, pela
colaboração e pela paciência no atendimento aos questionamentos mais
esdrúxulos e insistentes;
ao Sindicato de Petroleiros-RJ, pelas informações e meu
reconhecimento à seriedade e à preocupação com as causas mais amplas do
trabalhadores off shore, que extrapolam às questões financeiras;
ao amigo-parceiro de tese, Bagueira, pela companhia nos
sacrifícios das viagens ao Rio de Janeiro, do embarque compartilhado, às
discussões metodológicas e à contribuição na identificação da ênfase de cada
uma de nossas teses, que bem poderiam ser uma, se a academia fosse mais
flexível;
8
à colega de trabalho, professora Darcy Amorim C. de Almeida,
pelo duro trabalho de revisão de texto;
à empresa Petrobrás, pelo espírito democrático, profissional e
público que gerou a permissão a realização deste trabalho;
aos trabalhadores das plataformas que visitadas junto com o
Bagueira, que de uma forma tão cooperativa permitiram, através de gestos,
de palavras, de sentimentos e até da ausência destes, entrar fundo nos
meandros ainda não conhecidos de um trabalho que não se vê, mas com
certeza se sente.
9
Í n d i c e
Capítulo 1 - Introdução.........................................12
1.1 Os Antecedentes.. .......................................................................12
1.2 O que é a Tese ?...........................................................................15
1.3 Justificativa..................................................................................18
1.4 Metodologia................................................................................21
Capítulo 2
Os Novos Paradigmas da Produção e seus Desdobramentos...29
2.1 O que é Qualificação.......................................................................30
2.2 As Inovações Tecnológicas...............................................................33
2.3 A Organização do Trabalho..............................................................38
2.4 O que é Polivalência........................................................................44
2.5 O Tecnocentrismo e o Antropocentrismo...........................................48
2.6 A Polivalência e a Politecnia.............................................................52
10
Capítulo 3 - A Empresa
3.1 Breve Histórico...............................................................................56
3.2 A Bacia de Campos.........................................................................59
3.3 O que é a Plataforma ? ....................................................................65
3.3.1 Características de uma Planta de Processos de uma Plataforma.... 71
3.4 O Processo de Produção de Petróleo nas Plataformas..........................74
3.5 Inovações Tecnológicas na Bacia de Campos..................................... 77
3.5.1 Águas Profundas.................................................................... 79
3.5.2 O Caminho da Automação nas Plataformas................................ 84
Capítulo 4 - Como se Vive e Trabalha na Plataforma... 90
4.1 O Descanso e o Lazer nas Plataformas.............................................. 97
4.2 Síndrome Off Shore.......................................................................100
4.2.1 ( ... ) Com 14 x 14 nem eu estava me entendendo......................112
4.2.2 ( ... ) O Problema é só um: o medo de ser corno. O problema
trabalhar aqui é o chifre..................................................................116
4.2.3 ( ... ) Eu odeio o amanhecer ...................................................118
11
Capítulo 5 - O Operador de Produção
5.1 Quem é o Operador de Produção Off Shore ? ( Do Praticante de
Produção ao Operador Polivalente ) ............................................125
5.2 A Implantação da Polivalência.............................................. 129
5.3 Quantos são os Operadores Off Shore ...................................149
5.4 Sua Formação......................................................................152
5.5 Seu Trabalho......................................................................154
5.5.1 Relações de Trabalho....................................................164
5.6 Sua Qualificação .................................................................170
5.6.1 O Curso de Operador Polivalente...................................173
5.7 O Operador de Produção Frente às Inovações Tecnológicas, às
Mudanças Organizacionais e ao Movimento de Qualificação:
.........179
5.7.1 Posição do Sindicato sobre as Inovações Tecnológicas.....184
5.7.2 Impacto Sobre os Operadores........................................188
Capítulo 6 - Conclusões e Recomendações................. 194
Bibliografia....................................................................201
Anexos
13
Capítulo 1
I N T R O D U Ç Ã O
1.1 - Os Antecedentes:
A atividade de exploração de petróleo off shore vem, desde o
seu início no Brasil, por volta de 1968, ganhando importância na medida em
que vem aumentando sua participação na produção nacional de petróleo.
Hoje, só a Bacia de Campos responde por cerca de 66% da produção
nacional.
Nesse sentido, a Região de Produção Sudeste, órgão da empresa
estatal PETROBRÁS, monopolista na exploração ( perfuração e produção ) e
refino do petróleo no Brasil, vem sendo acompanhada, cada vez com mais
cuidado, com o objetivo de fazer crescer a produção na área considerada a
mais promissora do país. Suas reservas permitem traçar um prognóstico de,
pelo menos, mais 50 anos de atividades exploratórias e tentar alcançar a tão
sonhada auto-suficiência em petróleo para o país.
Para fazer isto acontecer, vem sendo produzidas, nos últimos
anos, algumas dissertações acerca do tipo de atividade de exploração de
petróleo off shore. Mas, quase todas elas seguem uma linha de pesquisa no
campo das aplicações de tecnologias específicas para esse tipo de atividade.
Assim tem sido o caso das pesquisas envolvendo a Engenharia
Oceânica e a Engenharia Eletrônica no desenvolvimento de robôs
14
submarinos que permitem a exploração de poços de petróleo em Águas
Profundas1, através de parcerias entre a própria COPPE/UFRJ e a
PETROBRÁS, através do seu Centro de Pesquisas - CENPES. Essa parceria,
na realidade, nasceu no início das atividades off shore na Bacia de Campos,
com os primeiros projetos em que o Programa de Engenharia Civil da
COPPE, também junto do CENPES, estudou as formas e executou os
cálculos das estruturas das primeiras grandes plataformas. Além dessas
pesquisas, que contaram com a contribuição de algumas teses, existiram
outras relativas sempre aos sistemas técnicos e às instalações do processo de
exploração.
Em 1991, a primeira tese que tratou, de alguma forma da
questão do trabalho foi elaborada e defendida por JÚNIOR, Nelson Choueri,
na Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Estadual de
Campinas, a UNICAMP, em Dezembro de 1991 e se intitula, "Equipes de
Perfuração Marítima - Uma Análise das Relações Sociais, das Condições de
Trabalho e de Produtividade".
Essa tese se fixa nas atividades de perfuração marítima com
características muito específicas em relação à produção, que são as duas
atividades que compõem o que se chama exploração de petróleo. Na área de
Perfuração, o autor descreve o trabalho de perfuração marítima, como atuam
as equipes e classifica as tarefas exigidas na perfuração. O principal objetivo
da tese é analisar a produtividade a partir do estudo dos dados sobre
¹ Águas Profundas são profundidades maiores do que determinada profundidade, a partir da qual a tecnologia difere grandemente da que tem sido usada. O valor pode variar em função da atividade e do tempo. Em perfuração tem sido considerado como águas profundas as lâminas d'água maiores que 500 metros. ( Chita e Cordeiro, maio 1988, cit. in JÚNIOR, Nelson Choeri, Dissertação de Mestrado, UNICAMP, 1991 ).
15
satisfação e insatisfação existentes em um questionário, que leva em conta as
particularidades deste tipo de trabalho no mar, como o confinamento, o
regime de trabalho, o transporte, as relações sociais no Trabalho e fora dele,
os Riscos da Atividade, a Restrição aos Hábitos e a Avaliação do Emprego.
Ainda dentro desta temática, existe uma pesquisa chamada O
Perfil do Homem Off Shore, realizada pela empresa, através do
Departamento de Relações Industriais, da Região de Produção Sudeste em
Macaé. Na Coordenação desses trabalhos atuou a Administradora, e então
Chefe do DIRIN/RPSE, ALBUQUERQUE, Marlene de Moura Cavalcanti e,
como autores, a Assistente Social, PEREIRA, Sandra Marin, o médico,
DIAS, Sérgio Terço e a médica SOARES, Sônia. Ainda como consultores
externos à Petrobrás, FISCHER, Frida Marina, Doutora em Saúde Pública da
USP, SENA, Marisa Alves de Oliveira, Doutora e Professora da Escola de
Serviço Social da UFRJ e MACIEL, Salvador Ferreira, Professor Assistente
de Método Quantitativo-Estatística, do Departamento de Matemática e
Doutorando em estatística no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (
IMPA ).
Os resultados desse estudo não foram divulgados externamente
pela Petrobrás. Porém, sabe-se que o mesmo se baseou em questionários
passados em 1988/1989 aos petroleiros embarcados. Os resultados foram
levantados após discussões metodológicas e estatísticas em dezembro de
1991. Esse estudo tratou das relações de trabalho, das relações familiares,
relações com grupos e organização da sociedade, condições gerais de vida,
aspectos motivacionais, adaptação ao trabalho, fatores limitadores da
permanência no regime Off shore, perspectivas pessoais e profissionais,
16
organização do trabalho e relações entre sintomatologia, aspectos sociais,
organização do trabalho e processo de trabalho.
Pelo que foi levantado bibliograficamente, o que existe hoje, no
Brasil, em termos de trabalho Off shore são basicamente estas duas
pesquisas: uma interna e, a outra, a dissertação de mestrado já referida.
1. 2 - O que é esta Tese ?
Esta dissertação nasce da vontade de ver contada, para além da
região, de forma mais ampla, um pouco da história do trabalho off shore nas
plataformas marítimas da Bacia de Campos, RJ.
Pela importância que a Bacia de Campos exerce dentro da
matriz energética nacional, e até em termos internacionais, se for comparado
o tamanho da Bacia e a sua produção, o trabalho humano aí desenvolvido já
deveria ter sido motivo de maiores estudos.
Se o Estado do Rio de Janeiro fosse um país, certamente este
país poderia ser comparado aos grandes produtores internacionais de
petróleo, em termos de produção per capita.
A importância da região acaba sendo realçada pelas próprias
administrações da empresa, na medida em que diretores de produção e até
presidentes da empresa, em nível nacional, têm saído desta Região de
Produção.
17
Por tudo isso, esta tese se propõe a ser uma contribuição a mais
nessa caminhada. Ela visa a começar, não só a contar a história de um
trabalho num tipo de atividade extremamente diferente dos normalmente
conhecidos, como também a apontar outros caminhos a serem pesquisados,
no futuro, por outras dissertações que tenham como base científica outras
áreas do conhecimento humano que não são do domínio deste pesquisador.
Ao falar do trabalho, a tese pretende situar, também, em que
contexto ele se coloca no presente momento em que ocorrem profundas
reformulações nos processos de trabalho. Elas decorrem das inovações
tecnológicas, de mudanças na sua organização e, também, do surgimento de
diferentes demandas de qualificação que acontecem a partir dessa
reformulação.
Assim, a primeira parte da tese faz um breve relato acerca das
teorias e das pesquisas dos novos paradigmas da produção. Procura entender
o contexto do surgimento da polivalência neste novo ambiente do trabalho.
Busca, também, situar a preocupação teórica do determinismo tecnológico
que tem gerado uma forma de ver a modernização e a produtividade do
trabalho como algo que prescinda da força de trabalho humano.
Na segunda parte, faz-se uma descrição do que é a Bacia de
Campos, do que é uma plataforma, sob o ponto de vista do tipo, das
características, etc. e como funciona o processo de produção de petróleo off
shore nas plataformas da região. Ainda nessa parte mostra-se a trajetória das
novas descobertas e das instalações que permitem, à empresa, a exploração
do petróleo em águas cada vez mais profundas. Por último, relata-se o
reflexo das inovações tecnológicas sobre as instalações da planta de processo
e, principalmente sobre a supervisão e sobre o controle dos processos.
18
A terceira parte, descreve mais profundamente o trabalho
propriamente desenvolvido nas plataformas. Aliás, não só o trabalho, mas
também o período de não trabalho, ou seja o descanso e o lazer nas
plataformas. Essa descrição partiu principalmente, de um documento
elaborado há 11 anos por um Engenheiro da Petrobrás, chamado Leonel
França e da fala de diversos trabalhadores desse tipo de atividade off shore.
Na quarta parte, centra-se a análise no objeto do estudo de caso,
o operador de produção, procurando-se caracterizar quem é esse operador,
sua trajetória até a implantação da polivalência, o número de operadores de
produção embarcados, a análise do seu trabalho, sua formação, sua
qualificação. Por último, o impacto de todas essas transformações de base
técnica e organizacional sobre o seu trabalho.
Terminando, procura-se levantar questões relativas à gestão da
força de trabalho, em especial dos operadores de produção, frente aos
inúmeros problemas que esta atividade peculiar apresenta. Acrescenta-se a
esses problemas, as transformações tecnológicas que acabam modificando,
por completo, a forma de organizar o trabalho, dentro do mesmo ambiente,
que é de confinamento e de distância da sociedade por 14 dias.
19
1.3 - Justificativa:
A justificativa para a escolha do tema deste estudo não se pauta
exclusivamente na ausência, ou melhor, na escassez de pesquisas sobre essa
particular atividade desenvolvida em alto mar e distante da sociedade. Em
consequência, as pessoas envolvidas nessa atividade, passam, por exemplo,
os últimos 10 anos de suas vidas, em torno de 4 anos, lá, na plataforma, num
ambiente confinado. Neste ambiente, envolvido em regras, predomina a
disciplina, o barulho e, principalmente, os sentimentos de medo, solidão,
ansiedade e saudade. Tudo isso vivido em nome da sobrevivência desse
trabalhador. Trabalhador ainda novo, na média, no caso dos operadores, em
torno de 35 anos, que troca este sacrifício por um posto de trabalho. Isso faz
com que toda uma comunidade que precisa sobretudo desses postos de
trabalho, tenha presente, em seu cotidiano, um pouco de cada um dos
sentimentos acima citados.
Nesta região, sempre o sentimento de ausência está presente nas
datas marcantes. Sempre há alguém da família ou das relações de amizade
trabalhando embarcado no Natal, no Ano Novo, nos aniversários, nos
casamentos, etc.. Nesses momentos de festa, em que o convívio entre a
família e os amigos é muito forte, o petroleiro acaba sendo aquela "falta"
sentida por todos. Os próprios petroleiros se sentem um pouco isolado da
sociedade: " nos tornamos um ser anti-social, quando desembarcamos, ficamos meio
perdidos, não somos chamados para casamentos, festas, etc, porque não sabem se
estamos embarcados ou em terra" (Entr. N° 16 ).
20
Os petroleiros acabam sendo atingidos por estes sentimentos e,
essas "faltas" marcam suas vidas: "no Natal é a data mais difícil, tem que chorar,
fazer a ceia, papai noel, etc... é pior faz a gente lembrar de tudo (...) (...)ou você não
pensa no problema, finge que não existe, se programa ... senão entra em parafuso( ...)
( ... ) se tivesse uma ponte para sair do trabalho ir para a terra, conversar com as
pessoas e voltar no dia seguinte, seria ótimo".
Esse quadro de sofrimento psíquico acaba sendo vivido, de
alguma forma, por grande parte da comunidade, como, por exemplo, por este
pesquisador, nas seguintes situações:
- quando viu grande parte dos seus colegas de Curso Técnico
serem absorvidos por esse tipo de emprego;
- posteriormente, como docente, na Escola Técnica Federal de
Campos, depararou-se com uma série de alunos egressos contratados pela
empresa;
- com a implantação do Curso de Técnico de Segurança do
Trabalho, também na ETFC, exercendo o cargo de Coordenador. Nesse caso,
questões relativas às condições e organização do trabalho passaram a ser
diárias. Como a população estudantil era ligada, de alguma forma, a esse
tipo de trabalho, que era e continua sendo a grande expectativa de emprego
do jovem da região, fica fácil compreender que as questões ligadas ao
confinamento, à jornada de trabalho, ao turno de revezamento e ao trabalho
noturno, assumissem importância na condição de docente e Coordenador do
Curso.
A discussão sobre o alcance da Ergonomia para discutir e
explicar tais fatos acabou sendo o motivo final para a decisão de Cursar o
21
Mestrado em Engenharia de Produção e ter, como tema de Dissertação, o
trabalho off shore. Os outros assuntos ligados ao tema, como o entendimento
do impacto das inovações tecnológicas sobre a organização do trabalho e a
qualificação dos trabalhadores, acabaram surgindo depois, à medida que se
estabeleceu, no Curso, a discussão que os novos paradigmas da produção
traziam também para este tipo de trabalho.
22
1.4 - Metodologia:
A pesquisa para este trabalho, se realizou num contexto em que
a fala do trabalhador, no caso o operador, foi considerada a peça chave para
o entendimento da realidade que cercava o seu trabalho. Considerando o
Operador como um informante privilegiado2, a metodologia utilizada para se
alcançar os objetivos propostos acima se baseou em:
1. Antes de mais nada, é preciso dizer que o convívio com o
objeto da pesquisa, em família, ou na sociedade em que este pesquisador
vive, foi fundamental não só no estímulo à realização da mesma, como, de
certa forma, pela motivação para seu momento inicial, pelas conversas e
mais conversas com os alunos-petroleiros da Escola Técnica Federal de
Campos, com os parentes-petroleiros, com os amigos-petroleiros, com os
vizinhos-petroleiros, etc.. Um exemplo da importância dessa convivência
com o objeto da pesquisa é a existência no mesmo prédio em que reside este
mestrando, de dez petroleiros. No início desta pesquisa, os dez trabalhavam
embarcados. Atualmente, apenas 4 estão trabalhando off shore. Essa
2MINAYO, Maria Cecília em Os homens de Ferro, ao contextualizar sua pesquisa com os trabalhadores da Vale do Rio Doce em Itabira, diz que os operários são escolhidos como informantes privilegiados da sua história, além de serem considerados importantes atores sociais. Ela diz ainda que tal concepção se apoia na tradição da Antropologia Social que tem feito, dentro das Ciências Sociais, a "revolução" da relativização das culturas. Continua dizendo: "a posição que aqui se assume apoiada em outros autores ( Verret:1972; Leite Lopes:1976 e 1978; Barbosa Alvim: 1978; Hoggart: 1973 ) é a de que a classe trabalhadora é portadora de uma contribuição específica para a sociedade. Ela se afirma no ato de transformar a natureza e produzir, na marca que deixa nos objetos produzidos, no seu estilo de resistir e se subordinar ao capital, de viver e se reproduzir e nos bens simbólicos que são a expressão do seu modo de pensar o mundo em que vive. Pretende-se portanto, ler a história dos "mineiros de Itabira"através do seu próprio viés e em oposição à história institucional que elege como protagonistas principais, os dirigentes e presidentes".
23
observação reforçou a hipótese de que a redução dos efetivos embarcados é
grande. Foi fundamental, também, para a compreensão do comportamento
desse tipo de trabalhador, que se constitui num elemento com características
próprias, dentro da sociedade. Ele só é visto, por esta mesma sociedade,
unicamente em seu momento de lazer ou de descanso, e nunca exercendo o
trabalho propriamente dito, que para a sociedade é algo distante e abstrato.
As conversas de corredor, de elevador, foram, sem sombra de dúvida,
elementos de profunda significação para o transcurso da pesquisa.
Constituíram o marco inicial da pesquisa de campo, propriamente dita.
2. Um outro passo assim como o anterior iniciado antes do
Curso que se prolonga até o presente momento de término da pesquisa, e
serve de conclusão a esse Curso de Mestrado, é a análise de reportagens de
jornais da região em Campos: Folha da Manhã, A Cidade e o Monitor
Campista; em Macaé: O Debate e no Rio de Janeiro: Jornal do Brasil e O
Globo. As reportagens sobre assuntos relacionados ao trabalho off shore
mostram os acidentes nos transportes e no trabalho na plataforma, passando
pelas brigas sindicais, e tudo que diz respeito a esse tipo de trabalho. Um
exemplo marcante que coincide com a pesquisa, é a reportagem da revista de
Domingo N° 811, de 17 de Novembro de 1991, intitulada "Em Cima de um
Vulcão - O cotidiano de perigo e solidão dos homens que extraem petróleo
das entranhas do mar".
3. Antes da negociação com a empresa para a realização da
pesquisa de campo, foi realizado um amplo estudo teórico do processo de
Inovações Tecnológicas, da Organização do Trabalho, do movimento de
desqualificação e requalificação da força de trabalho, a partir das mudanças
tecnológicas e organizacionais, das novas formas de gestão, incluindo-se aí
24
as propostas participativas e o Controle Total de Qualidade ( TQC ), da
Ergonomia, principalmente no aspecto da negociação da demanda e da
análise das tarefas. A bibliografia é citada no texto e no final do trabalho.
4. Ainda antes da negociação foi feita uma entrevista em
Macaé, com o JÚNIOR, Nelson Choueri, que havia defendido sua tese
referenciada anteriormente, sobre o trabalho em perfuração nas plataformas.
O objetivo era a obtenção de dados sobre sua dissertação defendida e
aprovada junto à UNICAMP, mas ainda não liberada pela Petrobrás para
divulgação externa.
5. O próximo passo foi a negociação da demanda ( Vidal,
M.1993 ) com a empresa. Aqui, é importante dizer, que desde a etapa inicial
a pesquisa foi conduzida como um trabalho em equipe, envolvendo o
também mestrando da COPPE/UFRJ - Engenharia de Produção, turma de
1992, PIMENTEL, Nelson, C. P., em função da área de pesquisa ser a
mesma, ou seja, a influência do complexo da Petrobrás, na Bacia de Campos,
RJ, sobre o trabalho e a vida das pessoas depois de sua instalação. Em sua
pesquisa PIMENTEL, Nelson, pretende observar como a comunidade da
cidade de Campos reage com à presença da Petrobrás, que fisicamente está
instalada, através da RPSE ( Região de Produção Sudeste ) em Macaé.
Desde o início, da negociação da demanda, este estudo se realizou através de
um trabalho conjunto dos dois mestrandos. O primeiro contato com a
empresa ocorreu numa viagem à Macaé, para a formalização de uma proposta
dos dois pesquisadores ao Departamento de Relações Industriais, no sentido
de se criar uma demanda para o estudo que estava sendo proposto à empresa.
Dois contatos com o Setor de Recursos Humanos, na sede da empresa no Rio
de Janeiro e a apresentação, em Setembro de 1992, de uma proposta conjunta
25
dos dois pesquisadores ( vide anexo ), ao Departamento de Produção (
DEPRO ), permitiu que a pesquisa de campo fosse iniciada.
6. A sexta etapa foi a realização de uma pesquisa entre os
Operadores de Produção que atuam embarcados, entre os meses de
Novembro de 1992 e Março de 1993. Visava-se a um primeiro diagnóstico
do perfil desses operadores a respeito de questões sobre Escolaridade, tempo
de emprego, treinamento, do trabalho, repouso, sono, refeição, relações de
trabalho com pessoal da própria Petrobrás e das Empreiteiras, avaliação
funcional, adaptação ao trabalho, trabalho em turnos, ambiente de trabalho,
acidentes de trabalho, assistência dada pela empresa, lazer, saúde,
relacionamento social, familiar e sexual, perspectivas futuras pessoais e
ascensão funcional.
Esta pesquisa intitulada "Perfil do Operador de Produção Off Shore", cujo
questionário e relatório com os resultados se encontram nos anexos, foi
respondido por 82 Operadores, perfaz uma amostra de aproximadamente 8%
do total de operadores e mais de 10% dos operadores atualmente
embarcados.
O objetivo dessa pesquisa foi levantar questões a serem priorizadas na
observação participante3 ( durante o embarque ), que é a parte qualitativa da
pesquisa, considerada elemento essencial no delineamento desta dissertação.
Alguns de seus dados foram incorporados ao texto para ajudar na
contextualização de alguns pontos, mas o relatório completo desta pesquisa
está inserido nos anexos, ao final desta.
3 Termos como observação participante, entrevista, trabalho de campo, e outros relativos a uma pesquisa qualitativa podem ser melhor compreendidos em MINAYO, Maria Cecília, em "O Desafio do Conhecimento - Pesquisa Qualitativa em Saúde" e também em BECKER, Howard, S. através do livro "Métodos de Pesquisa em Ciência Sociais".
26
7. Após mais duas viagens à Macaé, para obter dados sobre a
pesquisa e acertar a metodologia de trabalho proposta no documento
entregue ao DEPRO, foi fechado, no dia 17-03-93, um roteiro de visitas às
plataformas, em seus diversos tipos: 1) uma plataforma fixa de grande porte
e de uma família tecnológica mais antiga: "Namorado-1"; 2) uma plataforma
fixa de grande porte pertencente a uma tecnologia mais avançada: "Pargo";
3) uma plataforma semi-submersível, pequena e contratada, que presta
serviços à Petrobrás; nela todo setor de utilidades é operado pelos "gringos",
só a operação é feita por pessoal da Petrobrás ): "SS-08 no campo de
Bonito"; 4) uma semi-submersível, que possuísse também trabalho de
perfuração: "SS-18 - Piraúna" ; 5) uma plataforma semi-submersível com a
idade tecnológica da planta de processo mais avançada à época: "SS-33 -
Marlim".
A viagem de helicóptero dos dois pesquisadores para as plataformas ocorreu
entre os dias 22 e 30 de Março de 1993, e obedeceu a seguinte ordem:
Dia 22-03-93 - Segunda feira: 11:00 h - Aeroporto; Saída: 12:30 h; Chegada
à SS-08: 13:25 h;
Dia 23-03-93 - Terça feira: Transbordo - Saída da SS-08: 14:15 h; Chegada a
SS-18: 14:20 h;
Dia 24-03-93 - Quarta feira: Transbordo - Saída da SS-18: 14:50 h; Chegada
a PNA-1: 15:00 h.;
Dia 26-03-93 - Sexta feira: Transbordo - Saída de PNA-1: 15:30 h; Chegada
a SS-33 Marlim: 15:45 h;
Dia 29-03-93 - Segunda feira: Transbordo - Saída de SS-33: 08:55 h;
Chegada a Pargo: 09:50 h. ( Obs.: O grande tempo de viagem se deveu à
parada de transbordo em 5 plataformas entre a SS-33 e a plataforma de Pargo
).
27
Dia 30-03-93 - Terça feira: Volta - Saída de Pargo: 16:45 h; Chegada ao
Aeroporto de Macaé 18:00 horas, depois de 5 paradas em plataformas para
transbordo.
Essa viagem, sem sombra de dúvida, é o elemento principal da pesquisa de
campo desta dissertação. Foram computadas em torno de 114 horas
trabalhadas durante esse embarque, por cada um dos pesquisadores4.
Foram entrevistadas aproximadamente 55 pessoas5; Algumas entrevistas
foram gravadas, outras não, num total 8 horas de entrevistas. Filmadas 4
horas em fita VHS. Tiradas 72 fotos e montados 52 slides durante o
embarque. Além deste material obtido no embarque, foram analisadas mais 4
fitas de vídeo VHS, sobre o trabalho off shore, obtido junto a petroleiros.
Foram gravadas em entrevistas, em terra, mais 6 horas de áudio. Foi feito um
Relatório do Embarque, para uso dos pesquisadores, sem levar em conta as
entrevistas gravadas. Nesse relatório se descreveu, em ordem cronológica,
todos os acontecimentos ( lembrados e/ou anotados ) ocorridos durante o
4 Aqui vai ser descrita uma observação feita no final do documento intitulado por esses dois pesquisadores de "Relatório do Embarque": Na realidade, as horas trabalhadas foram todas aquelas, ou talvez até aquelas dormidas na plataforma, porque tudo era motivo de curiosidade e de atenção para nós. Uma simples conversa no refeitório, na sala de TV, ou no corredor, ou até mesmo uma não conversa em qualquer um dos lugares acima. É impossível imaginar um trabalho desse tipo sem conviver com ele, por pelo menos uns 5 dias. A sensação de ter sentido um pouco do que esses trabalhadores sentem, ficou marcada na memória. É importante voltar a dizer da nossa descrença em qualquer metodologia que tente quantificar os sentimentos presentes nessa atividade tão peculiar. Tão peculiar que me fazia sentir estar na Ásia ou África, quando telefonava para casa ou mesmo quando pensava em casa. Não acreditava que, em linha reta, estava em torno de uns 120 Km de casa. O sentimento não era este.
5 No final da dissertação é feita uma referência através de um número dado de forma totalmente aleatória e que visa apenas a dar alguma indicação que ajude a compreender a posição do entrevistado em relaçào à empresa ou em relação à sua formação, sem revelar a sua identidade. Pode-se observar a grande diferença entre o número de entrevistados e o número de referências. Este fato se deve à não indicação formal de cada um dos entrevistados, em função de que nem toda entrevista foi gravada. Ao ser citada a entrevista, ela terá indicada, entre parênteses, o número do entrevistado para obtenção da referência no final da dissertação.
28
embarque. Algumas transcrições de conversas, que não foram gravadas, só
foram descritas quando se tinha absoluta certeza do seu conteúdo, podendo
ter, portanto, pequenas alterações na forma, somente.
8. A etapa seguinte foi a elaboração de um relatório de
pesquisa, intitulado "Documento N° 2 - Embarque às Plataformas; Propostas
de Tese e Intercâmbio Pesquisadores / Petrobrás ( vide anexo ) em Julho de
1993, que serviu de base para duas reuniões ( workshops ), com
representantes de diversos setores da RPSE ( Relações Industriais, Novos
Projetos, Automação Industrial e Treinamento ). Nessas reuniões havia troca
de informações, dentro do intercâmbio proposto pelos pesquisadores à
empresa, objetivando resultados a serem conseguidos por ambas às partes,
independente da apresentação formal para a Universidade, da Dissertação de
Mestrado. Essa etapa proporcionou importantes fontes de análises e de
consultas para o andamento da tese deste pesquisador.
9. A nona etapa consistiu em levantamento e coleta de dados de
arquivo, na seção do Sindicato dos Petroleiros de Campos, na entrevista a
um dos diretores atuantes em Campos. Houve, também, uma entrevista
realizada com um diretor do Sindipetro no Rio de Janeiro, que era o
Secretário Geral do Sindicato e que passou inúmeros dados disponíveis. Esse
diretor já havia sido o responsável, no Sindicato, pelo Departamento de
Saúde, Tecnologia e Meio Ambiente e realizou, inclusive, um Seminário
sobre Novas Tecnologias, Organização do Trabalho e Saúde do Trabalhador.
10. A décima etapa constou da descrição fiel do conjunto de
entrevistas gravadas e na classificação e organização de todo o material
recolhido na fase de pesquisa. Esse material compreende desde os recortes
de jornais, transcrição das fitas de entrevistas, relatório do embarque,
29
material de divulgação institucional da empresa, material de divulgação do
Sindipetro-RJ, ao material conseguido junto a uma série de operadores-
petroleiros, que, sabedores da pesquisa, procuravam este pesquisador para
dar a sua contribuição. Foi a partir daí que se percebeu a relação existente
entre os pontos tratados nesta dissertação.
11. Por fim, procedeu-se à elaboração do texto desta dissertação
em que se procura descrever com fidelidade o que foi visto, ouvido e
vivenciado. Assim ele pode servir tanto para a academia, que busca
compreender a realidade vivida nos mais diferentes setores de trabalho,
dando-lhe uma visão contextualizada, quanto para esses trabalhadores.
Deseja-se que a partir da leitura do que é o seu trabalho, eles possam,
também, dentro de uma visão mais contextualizada ter mais elementos para
uma transformação da realidade desse "peculiaríssimo" tipo de trabalho.
30
Capítulo 2
Os Novos Paradigmas da Produção e Seus Desdobramentos:
Neste final de século constata-se alterações profundas em todos
os processos de trabalho. A revolução tecnológica caracterizada pela
introdução da automação microeletrônica e as novas formas de Organização
do Trabalho nos sistemas produtivos tem provocado grandes mudanças nas
formas de gestão da produção e da força de trabalho, com consequências
significativas para as empresas e para a sociedade.
As transformações também têm acontecido de forma acentuada
na estruturação e na organização do trabalho. As empresas estão sendo
obrigadas a mudar a sua cultura organizacional e a adquirir novos padrões
gerenciais. Velhos paradigmas têm sido substituídos objetivando eficiência e
produtividade do trabalho.
As combinações de pessoas, máquinas e informações têm
gerado processos de trabalho com características quase individuais. Chega-se
a afirmar que a introdução de novas tecnologias tem caráter social sempre
distinto, ou seja, não existe uma relação causal obrigatória entre o uso de
determinadas tecnologias ( base técnica ou organizacional ) e a obtenção de
determinados resultados.
31
Aqui, neste capítulo, será feita uma breve análise dessa
mudança de paradigmas, procurando entender a Qualificação, as Inovações
Tecnológicas e as Mudanças Organizacionais observando suas relações com
as estratégias adotadas pelo setor produtivo para se adaptar a este novo
momento, que tem sido chamado de modernização industrial.
2.1 - O que é Qualificação?
A Qualificação é um conceito extremamente relativo. Nunca
poderá ser entendido como algo absoluto, definitivo, ou seja, não pode ser
visto como definidor de nada. A qualificação, desta forma, estará sempre
relacionada a alguma coisa teórica ( princípio ) ou prática ( tecnologia ).
Além disso, é preciso ter clareza que a Qualificação é um "atributo do
trabalhador" e não do processo. Nesse aspecto, pode-se entender que tanto
no período artesanal como na época atual, em que se utilizou sistemas
altamente automatizados, este atributo do trabalhador ( qualificação ) está
presente.
Se há concordância de que a intervenção humana é essencial em
qualquer processo de trabalho, é necessário compreender que a Qualificação
vem acompanhando o trabalhador nas mais variadas formas de intervenção.
MACHADO, L. reforça a tese de que a Qualificação é um
atributo do trabalhador. Afirma, porém, existir uma qualificação coletiva que
é dada pelas próprias condições da organização da produção social, da qual a
32
qualificação individual não só é pressuposto mas também resultado.
Machado, L. cita ROLLE, para dizer que Qualificação não é um modo de
reconhecimento e de codificação social das qualidades de trabalho, mas uma
maneira de mobilizar, de reproduzir e de adicionar as diversas formas
de trabalho.
ZAMBERLAN, F. L. ( 1987 ), de certa forma, contesta a
posição do Roller quando questiona a qualificação como codificação social
das qualidades de trabalho, ao dizer que a mão-de-obra, mesmo antes da
Revolução Industrial, era classificada por uma determinada escala
hierárquica. Nessa escala, o que era feito ( e permanece até hoje ), nada mais
era do que uma atribuição de qualidades aos trabalhadores, com posterior
ordenação hierárquica. Essa classificação da mão-de-obra, da qual resulta a
noção de Qualificação, vai aos poucos sendo extrapolada para outros setores
da economia, até fazer parte da linguagem cotidiana.
Ao se reconhecer a Qualificação como atributo do trabalhador e
de vê-la dentro do conceito de Marx, que diz ser a Qualificação um conjunto
de condições físicas e mentais que compõe a capacidade de trabalho ou a
força de trabalho despendida em atividades voltadas para a produção de
valores de uso em geral, pode-se entender a visão histórica citada por
Zamberlan. Ele reconhece esse atributo como mercadoria a ser negociada,
cujo valor passa a ser estipulado por uma tabela que vem a ser a escala
hierárquica ( Plano de Cargos e Salários ), apresentada pelo comprador da
força de trabalho em função da oferta do mercado. É regulada pela demanda
desse "atributo", por parte de quem dispõe das instalações e máquinas, e da
quantidade de trabalhadores existentes dentro de uma determinada região ou
da sociedade como um todo.
33
Demonstra-se assim, que reconhecer a Qualificação como
atributo, não é uma experiência recente. É natural que seu conceito venha se
transformando, que tenha níveis diferentes e acompanhe as transformações
do processo de trabalho, sem que se veja nisso um determinismo
tecnológico.
É fundamental ter este entendimento, porque só recentemente, a
partir das inovações tecnológicas, é que a discussão a respeito da
Qualificação volta a ganhar importância. E fica muito claro porque assim
ocorre.
Com as Inovações Tecnológicas, a discussão que se retoma é se
esse atributo continua a todo tempo, hora e circunstância a ser do
trabalhador, ou se ele ( o atributo, a qualificação ) pode estar sendo
transferido para o sistema técnico que passa a ser inteligente, tomando
decisões, escolhendo prioridades, etc., enquanto o operador passa a ser um
elemento passivo, frente a um sistema ativo, que o supervisiona. O sistema
automatizado, na sua função de supervisão, apenas aguarda a ocorrência de
anormalidades para seguir rotinas que garantam a não interrupção do
processo de trabalho.
O ponto de vista contrário ao citado é o de que as habilidades e
o conhecimento, que antes garantiam a produção, continuarão sendo
indispensáveis. Primeiro na projetação, segundo na instalação e, por último,
na manutenção do novo sistema. Para alguns, ainda, até mesmo a operação
demandará um trabalhador com conhecimentos que lhe permitam uma
intervenção segura, sem problemas, não só no sistema, como no próprio
processo que o sistema controla e supervisiona. Assim, a produtividade deste
novo sistema, estará garantida e, em última instância, será medida não só
34
pela redução das interrupções, como da redução do tempo delas, dos tempos
mortos, do retrabalho, etc..
2.2 - As Inovações Tecnológicas
Os procedimentos tomados a partir do desenvolvimento
tecnológico em termos de inovação de processos e procedimentos seguem
trajetórias determinadas, segundo CORIAT, B.6 embora, como diz SOARES,
R.M.S.deM.7, o caráter social da introdução de novas tecnologias é sempre
distinto, ou seja, sem uma relação causal obrigatória entre o uso de
determinada mudança tecnológica e a obtenção de determinados resultados.
Segundo Coriat, são dois os fenômenos que determinam os
rumos dos novos Paradigmas da Produção: 1 - O esgotamento relativo das
técnicas tayloristas e fordistas de Organização do Trabalho como suporte
para obtenção de ganhos de produtividade; 2 - O novo caráter que reveste a
exigência das empresas em épocas de crise: demanda por produtos
estandardizados são substituídos por produtos com séries limitadas e
características cada vez mais específicas.
6 Revista El Movimento Obrero Ante La Reconversión Productiva - México, Janeiro -
1988.
7 Reflexões sobre o Seminário Internacional Mudança Tecnológica, Organização do
Trabalho e Formas de Gestão - IPEA/ IPLAN/CENDEC - 1988.
35
Isso fez surgir a necessidade da Integração e da Flexibilidade
da Cadeia Produtiva. A Integração consiste em obter maior
compactividade da cadeia e diminuir o tempo de trabalho e de operação. De
maneira mais geral, consiste em converter os tempos mortos em tempos
efetivamentes produtivos. A Flexibilidade, na prática, significa ter
mobilidade para mudar o "modus operandi" ( as formas operatórias ), de
maneira a atender à demanda por produtos diferenciados em curtíssimo
espaço de tempo. De preferência isso deve ser feito através da
reprogramação das máquinas ou da planta, em caso de ser um modo de
produção por processo.8
Resumindo, a Flexibilidade e a Integração se traduzem em
alguns objetivos:
1- Reduzir o tempo de resposta às variações do mercado;
2- Estabelecer novos critérios de qualidade como forma de
diferenciar-se frente à concorrência;
3- Reduzir estoques e custos financeiros;
8 O modo de Produção por Processo se caracteriza pela unicidade entre processo e
produto. O processo e o produto representam uma única coisa. Se caracteriza ainda, por
ser um Sistema Integrado onde não há fases, nem peças, só o processo que vai determinar
o produto. Este modo tem ainda a cracterística de só produzir produtos para os quais o
sistema tenha sido projetado, ou seja tem a flexibilidade relativizada à reprogramação do
sistema, só permissível a partir da inserção no mercado dos Controladores Lógicos
Programáveis ( CLPs ).
36
4- Aumentar a taxa de ocupação do equipamento, para que um
investimento em máquinas possa produzir um volume maior de produtos;
5- Aumentar o controle sobre a produção e o trabalho como
forma de procurar manter, relativamente sob vigilância, o conflito social
dentro das empresas.
Conseguem-se esses objetivos através da utilização conjunta da
informática, da automação flexível e de mudanças organizacionais.9
Serão comentados, primeiramente, a informática e a automação,
neste item das Inovações Tecnológicas. Depois, será abordado o aspecto da
Organização do Trabalho e suas relações com a Qualificação e com as
Inovações Tecnológicas.
Sem sombras de dúvida, a grande inovação tecnológica vivida
nas fábricas, já há algum tempo, foi a inserção da automação microeletrônica
através dos equipamentos programáveis, que permitiu incluir instruções para
série alternativas e diferentes de operações.
Equipamentos programáveis são os controladores lógicos
programáveis ( PLCs ou CLPs ) usados em equipamentos isolados ou
diretamente nos processos, operando através de informações que lhe são
fornecidas pelos sensores. Eles são capazes de ativar automaticamente o
programa de operação correspondente a uma peça, em caso de ser uma
9 CORIAT, B. chama de automação o processo que abrange as máquinas e os
procedimentos de execução das operações, e de informatização a gestão automática das
informações necessárias à execução das operações.
37
máquina isolada, ou alterar variáveis de um processo, realizando seu
aprimoramento de controle.
A instalação de diversos desses controladores combinados
permite uma instalação automatizada, com maior ou menor complexidade.
Neste capítulo, procurar-se-á analisar melhor as alterações
provocadas em instalações de plantas industriais que trabalham com
processos contínuos, como é o caso do modo de produção das plataformas,
na qual se inserem mais especificamente os Operadores de Produção, objeto
final desta dissertação.
CASTRO, N. A & GUIMARÃES, A. S., ao estudarem a
inovação tecnológica e sua relação com a organização do trabalho na
petroquímica brasileira, já haviam identificado a escassez de pesquisas, no
Brasil, sobre os impactos de novas tecnologias nas atividades fabris
caracterizadas pelo fluxo contínuo do processo, como é o caso do petróleo e
petroquímica, siderurgia, cimento e outros.
No setor de petroquímica, as transformações tecnológicas de
maior repercussão estão ligadas ao aperfeiçoamento do controle de
processo. Os autores afirmam que isto se dá porque, neste tipo de atividade,
o ritmo de produção não depende do ritmo de trabalho. A produtividade
resulta do rendimento global das instalações e da exata performance dos
equipamentos.
Como se dá então a mudança nesta área? No modo de produção
por processo contínuo, a implantação dos controladores representa o
primeiro passo em direção a automação eletrônica. Os controladores, com a
presença ou não de computadores, realizam a supervisão e o controle através
38
da recepção e do processamento de informações no fluxo de produção. Neste
caso, por exemplo, os sensores avaliam permanentemente a temperatura, ou a
pressão, ou a vazão e transmitem suas informações aos controladores
individualmente, ou diretamente aos computadores, quando estes centralizam
unificadamente o controle e a supervisão de todo ou de parte do sistema.
Dependendo do software deste sistema, através dos
computadores se verifica, por exemplo, se a curva de evolução da
temperatura está dentro do previsto pelo programa teórico. Em caso de
anormalidade, o computador envia instruções ao maquinário automatizado
para realizar a abertura de válvulas, por exemplo, para restabelecer as
condições para um retorno à evolução de temperaturas conforme o previsto
originalmente. ( ibidem Coriat, B.)
Segundo Coriat, B., os dois tipos de equipamentos - os
computadores provêem-se de informações e as tratam e os meios de controle
programável são utilizados, freqüentemente, de forma simultânea. No caso
da produção por processo contínuo, essa utilização se dá promovendo a
intervenção sobre a matéria-prima, não mais através de operações de
manipulação e sim através da supervisão do desenrolar correto das reações
físico-químicas.
Continuando com Coriat, B., ele diz que a engenharia produtiva
consiste no processo de utilizar e otimizar, conjuntamente:
- os recursos disponíveis para a automação da produção,
visando otimizar a gestão dos complexos de micro-tempo de operação/
circulação;
39
- a informatização de tarefas e funções de gestão da produção
- a gestão da produção diz respeito, não à atividade material de fabricação e
transformação da matéria, mas aos intercâmbios de informação entre
diferentes meios de trabalho utilizados simultaneamente com instrumentos
de operação necessários à fabricação.
Em resumo, a informática da produção junta-se à automação
para absorver, na prática, as tarefas. Sendo assim, todo um conjunto de
atividades de regulação - outrora atribuídas ao trabalho vivo e cuja execução
constitui o coração das técnicas de organização do trabalho - passou a ser
desempenhado pela máquina. Dito de uma forma mais clara: a Informática
assegura - parcial ou totalmente - o desempenho de um papel antes atribuído
à Organização do Trabalho.
2.3 - A Organização do Trabalho
O novo papel atribuído à organização do trabalho, a partir das
inovações tecnológicas, não significa dizer que "todas" as recentes mudanças
decorrentes da forma de organizar o trabalho sejam originárias do
desenvolvimento tecnológico. Mas não há como negar que a decisão
gerencial de realizar transformações de base técnica, obriga, num segundo
momento, que se altere a maneira de combinar pessoas, máquinas e
informações para fazer um produto.
40
Isso não significa concordância com a visão do determinismo da
tecnologia, até porque tem sido comum, principalmente no Brasil, a
realização de mudanças organizacionais anteriores à mudança tecnológica,
como forma de se obter ganhos de produtividade10.
Por outro lado, a mudança organizacional que as novas
tecnologias passam a exigir, não se pauta em uma só alternativa.
Continuarão existindo diversas maneiras de se realizar este "novo trabalho".
As relações sociais e de poder continuarão presentes, não sendo, na maioria
das vezes, alteradas pelo novo ambiente tecnológico.
As mesmas condições que determinaram a mudança tecnológica
através da informática e da automação flexível estão presentes na mudança
organizacional. Estas procuram integrar e flexibilizar os sistemas
produtivos. Alguns exemplos: as células de produção, as mini fábricas, o
sistema just in time/kanban e a criação de operários polivalentes.
ZARIFIAN, P., ao questionar as limitações da antiga abordagem
taylorista da produtividade, em que o fundamental era que o trabalhador
aceitasse cumprir os trabalhos prescritos guiado pelas normas impostas pela
empresa, diz que, nos processos técnicos integrados e informatizados, o
conceito de posto de trabalho é alterado pela evolução técnica que produzirá
novas formas de trabalho.
10 Segundo FERRAZ, J.C.: "o fato das novas técnicas organizacionais não requererem, em
geral, grandes investimentos em equipamentos e serem aplicáveis, em muitos casos, a
pequenas escalas de produção torna-as muito apropriadas para a maioria dos setores da
indústria brasileira, onde prevalecem a descapitalização e a produção em pequenos lotes.
41
O posto de trabalho vai sendo substituído pela noção de zona ou
célula. Com isso ocorre o distanciamento entre o sistema técnico e o sistema
de trabalho que passam a ser ligados por um novo sistema chamado por
Zarifian, de "informacional". E mais: ele diz que isto não significa que as
intervenções manuais tenham desaparecido, mas que foram deslocadas para
as tarefas de regulagem, de correção de disfuncionamento e de reparação de
panes no sistema técnico. Prossegue afirmando que o ganho maior não
consiste em abreviar o tempo de reparação de panes, mas sim em prevenir
essas panes e as paralisações de máquinas e/ou de processos. É a nova
lógica da produtividade, é uma lógica de velocidade de ação do sistema
técnico em si. (grifo do autor)
A regra básica de trabalho, neste novo sistema, para garantir a
produtividade, passa a ser: não deixar a máquina/ ou o processo parar. Na
indústria de processo, isso é mais claro. Mesmo antes das inovações
tecnológicas, o ritmo da produção, não dependia do ritmo do trabalho e sim
do rendimento global das instalações. Desta forma, impedir a parada do
processo significa "tender a zero a porosidade" do processo produtivo,
permitindo assim, um resultado próximo da capacidade máxima da instalação
industrial.
Dentro desse contexto, Zarifian, defende que o taylorismo
apenas mudou de roupa. Segundo ele, no taylorismo clássico, os tempos
mortos são aqueles em que o operário não trabalha, não executa as operações
produtivas. Na nova abordagem, ou "o novo taylorismo", tempos mortos são
aqueles em que a máquina não funciona, as operações param. O controle
sobre o trabalho vivo deixa de ser feito diretamente pelo supervisor ou
capataz, e passa a ser realizado indiretamente sobre a equipe de produção,
42
numa intensidade muitas vezes superior, sobre o "tempo morto" da máquina
ou processo, que por sua vez vai determinar a produtividade.
Essa nova condição exige da empresa duas mudanças:
1 - a mudança do enfoque sobre a qualidade dos produtos a
serem fabricados;
2 - a mudança sobre o conceito do papel dos operadores,
reconhecendo a sua subjetividade e a sua capacidade de cooperação.
A primeira mudança leva à tentativa de aumentar a integração e
à certeza de que a qualidade não será conseguida no final do processo e sim
durante o mesmo. A atividade que determina o valor do produto não é a
inspeção, mas a produção. Para isso, torna-se indispensável a ruptura da
rígida concepção, que prevê a divisão entre o operador de produção e a
inspeção da qualidade.
A segunda mudança leva à tentativa de fazer com que os
operadores sejam capazes de reconhecer as variabilidades do novo sistema e
que intervenham rápido e eficazmente para reduzir o tempo de produção e
evitar paradas e panes. Para isso, torna-se necessário reconhecer o saber
operário que, na abordagem clássica do taylorismo, é menosprezado. Esta
abordagem afirmava que a análise científica do trabalho é que determinaria
as normas e os procedimentos a serem seguidos pelos operários, cujo
trabalho deveria ser supervisionado e controlado.
A nova abordagem parte da premissa de que existe um saber
operário e que é mais importante usá-lo, para atender aos novos objetivos da
empresa, do que continuar a retirá-lo e análisá-lo, usando a racionalidade
43
técnica, para depois devolvê-lo sob a forma de rotina, com definições de
novos padrões e estabelecimento de novas regras de controle.
Zarifian diz que, no taylorismo clássico, se excluía, da
atividade operária, a definição de produtividade e o papel desempenhado por
todos os saberes sociais adquiridos no trabalho ou fora dele, bem como a
importantíssima questão da combinação desses saberes. Isto acontecia
porque Taylor reconhecia o Saivoir-faire do operário, mas considerava que
seu conhecimento era muito empírico e aproximado para permitir um
incremento da produtividade. Este foi o motivo que fez com que se retirasse
dos operários o poder e a definição das suas rotinas de trabalho, e se partisse
para a análise científica do trabalho e se criasse a racionalidade técnica que,
naquele momento, segundo Taylor, era a forma de garantir o aumento da
produtividade.
O rompimento com esta visão exigirá novas formas de relações
de trabalho. Relações que passem a ver o trabalhador como parceiro
indispensável para o aumento da produtividade do sistema.
As diversas formas de gestão participativa se encaixam nessa
perspectiva. Como diz Storch, S.,: "a escola gerencial passa a atribuir
maior importância à participação à medida que os administradores se dão
conta do potencial criativo dos trabalhadores".
São diversas as formas, as dimensões, o grau de influência e os
níveis de participação. De todos os "modelos" que estão sendo
implementados, sem sombra de dúvida, os que se baseiam na Teoria do TQC
( Controle de Qualidade Total ), com as diferentes nuances na aplicação, são
os que têm tido maior divulgação.
44
É importante aqui, ressaltar que a Gestão Participativa tem
significado não apenas para a reorganização do trabalho, mas também na
reformulação deste novo ambiente de trabalho em que as Inovações
Tecnológicas necessariamente estão presentes, visando uma melhoria
qualitativa e quantitativa da produção.
O modelo participativo desta forma, prevê uma utilização mais
racional da mão de obra, considerando seu "savoir-faire", otimizando desta
forma a utilização das novas tecnologias instrumentalizadas nas instalações
automatizadas e informatizadas.
Neste cenário, percebe-se a necessidade da participação ter um
amplo escopo, que inclua o pessoal do "chão de fábrica", desde a fase de
projetação destes novos sistemas automatizados, por dois motivos principais.
Primeiro, porque o "saber fazer" operário precisa ser levado em conta e
permitir intervenções desde a fase anterior à instalação destes novos
sistemas, para que efetivamente se tenha um ganho de produtividade.
Segundo, tem-se necessidade que as negociações que surgirão a partir da
adaptação ao novo ambiente de trabalho se dê de uma forma ampla, que
permita o estabelecimento de novas relações de trabalho, que por, sua vez,
poderão levar o trabalhador a melhores condições de trabalho e a uma
participação nos ganhos de produtividade. Esta nova relação quebrará a
resistência dos trabalhadores a estes novos sistemas, por falta de
conhecimento e de participação dos mesmos na elaboração das novas
estratégias.
Se as premissas acima não ocorrem, estará se promovendo uma
grande contradição. Especialmente dentro do modelo do TQC, que prevê a
necessidade de um novo perfil de profissional, adaptável e flexível e com
45
autonomia para agir, para fazer face a um novo paradigma de produção. Para
isso, é preciso organizar máquinas e pessoas de tal forma que se otimize a
produção. A contradição se coloca na visão de se ver a técnica como algo
que preveja a eliminação da intervenção humana.
Dentro deste novo contexto dos sistemas técnicos, que prevê um
rearranjo organizacional é que surge a noção de trabalho polivalente.
2.4 - O QUE É POLIVALÊNCIA ?
Como já foi dito, é num ambiente de inovações tecnológicas e
organizacionais, com a integração e a flexibilidade de homens e máquinas,
que a polivalência aparece no cenário da reestruturação e/ou modernização
industrial.
A polivalência objetiva trazer mobilidade à força de trabalho
cuja atividade deixa de ser específica sobre uma tarefa; visa à redução dos
tempos mortos de determinada máquina ou parte do processo e passa a ser
mais abrangente em função do novo conjunto de atividades que um sistema
informatizado traz à tona. Essa atividade deixa de ser de execução e passa a
ser mais de supervisão e de controle de informações, no fluxo de produção.
Aqui, é preciso fazer uma distinção entre o trabalho polivalente,
implantado em fábricas de produção discreta, cujas atividades de produção
representam em seu final, peças em estruturas que podem ser rígidas (
antigas ) ou flexíveis ( novas ) e a indústria de processo contínuo, que é o
adotado, por exemplo, em uma refinaria.
46
Neste estudo, faz-se uma analogia entre o trabalho realizado
pelo operador, na plataforma, e o trabalho executado em uma indústria de
processo contínuo do tipo de uma refinaria. No caso da plataforma, a matéria
prima é o petróleo bruto extraído dos poços e os produtos finais são o óleo e
o gás separados um do outro, da água e de outras impurezas. No caso da
refinaria, a matéria prima é o óleo, cujo tratamento ou beneficiamento
primário ( separação da água, gás e principais impurezas ), já foi feito na
plataforma e, como produto final, diferentes derivados ( gasolina,
querosene, nafta, óleo diesel, etc. ), de acordo com os objetivos da planta de
processos montada.
O primeiro tipo de Polivalência implantado é aquele em que o
operador passa a controlar duas ou mais máquinas iguais dentro de uma
cadeia de produção. O segundo tipo é o que ocorre quando o operador, além
de operar uma ou duas máquinas, passa também a fazer o controle de
qualidade do seu trabalho. Tanto no primeiro quanto no segundo tipo, a
polivalência quase sempre é vista como uma possibilidade de intensificação
do trabalho, com a ampliação das tarefas que Friedmann, G., chamava de
"job enlargement".
O segundo tipo de Polivalência quase sempre é exercido por
operadores especialistas em determinados setores. Por exemplo, na tornearia,
ocorre a polivalência quando o operador passa a desempenhar também outras
funções de execução como a fresagem, soldagem, prensagem, furação, etc.,
numa organização quase sempre com características de uma célula de
fabricação. As células de fabricação, normalmente, têm a característica de
possuir um pequeno espaço físico com as máquinas bem agrupadas para
facilitar o transporte da peça, reduzir o deslocamento dos operadores e
47
permitir que eles se ajudem mutuamente ( como um trabalho em equipe ) e,
finalmente, que os operadores operem mais de uma máquina.
A Polivalência, nesse caso, está no trabalho em diferentes
máquinas. Também, nesse tipo de estrutura de produção, em um caso mais
avançado, num torno de comando numérico, em que o controle é efetuado
pelo computador. O operador apenas alimenta, aciona e monitora (
supervisiona ) a máquina. Aí a polivalência acaba sendo exercida através da
supervisão do trabalho da máquina que executa uma gama mais variada de
operações.
A polivalência, na indústria de processo contínuo, é
determinada por um rodízio de funções e/ou pelo controle e supervisão de
todo o processo, ou de parte dele.
Essas novas atividades no modo de produção por processo,
mesmo no que tange à supervisão, tendem a se reduzir à medida que a
informatização das linhas ou plantas vai aumentando. A redução acontece
porque a regulação das variabilidades, que são feitas pelos operadores,
tendem também a diminuir, à proporção que o sistema incorpora cada vez
mais e mais informações e seu tratamento, através da programação, permite-
lhe ter uma atuação mais confiável.
A polivalência, a partir da informatização / automação dos
processos de produção, conforme seja realizada esta automação, pode exigir
maior ou menor qualificação dos operadores. Se a automação leva a uma
integração do controle das diferentes etapas de um processo, certamente o
nível de qualificação sobe, porque o operador, que antes conhecia apenas
uma parte do processo, precisa conhecer todas as partes que o controle
48
automático integrou. Por outro lado, se a automação levar apenas a um
diagnóstico dos problemas gerados no processo, com a correção automática
do mesmo, a partir do software que incorporou o saber antes presente nos
operadores, o trabalho realizado pelos mesmos pode estar sendo reduzido a
um cumprimento de rotinas.
Certamente a Polivalência aliada ao processo de
informatização/ automação leva a uma redução de pessoal. Esta redução, em
alguns casos, é desejada pois tarefas pesadas, insalubres e perigosas passam
a ser executadas mecanicamente sem a necessidade da presença do operador.
Em outros casos, a redução pode ser questionada, pois a polivalência, está
levando a uma intensificação do trabalho, que pode gerar, por outro lado, a
uma diminuição da confiabilidade do sistema.
No caso das plataformas, o operador antes especialista e
executor de funções na parte do processamento apenas do óleo, passa a ficar
responsável também pelo gás e vice-versa. Ou na área de utilidades. O
especialista na elétrica assume também a responsabilidade na utilidade de
sistema e vice-versa. Num grau mais avançado se o sistema técnico de
supervisão e controle integrasse, além do controle do óleo e do gás, também
a utilidade de sistema e elétricas, seria exigida uma Polivalência mais ampla.
No caso das plataformas Semi-submersíveis, embarcação onde é
indispensável controle de navegação e lastro, se esse controle e essa
supervisão também se integrassem ao sistema anterior, a polivalência do
operador teria ainda maior abrangência.
Prosseguindo na análise, como o objetivo é integrar o controle e
a supervisão num único ponto, é certo que esses sistemas caminham para
gerar a figura do operador mantenedor. Este seria, pelo que se percebe em
49
termos de estratégia, o objetivo a atingir. Ou seja, um operador que além de
supervisionar e controlar as variabilidades do sistema na operação, também
interceda na manutenção do sistema, parcial ou totalmente, a partir da
indicação dos pontos de defeitos acusados pelo sistema.
Tem-se agora toda uma discussão da implantação e de suas
conseqüências para o trabalho do operador, à medida que, gradativamente, se
implantam estas mudanças.
2.5 - O Tecnocentrismo e o Antropocentrismo:
Partindo do pressuposto de que não é o avanço tecnológico, por
si só, o detonador de todo o processo de transformações pelo qual passa o
mundo da produção e do trabalho, é preciso ver, de forma mais clara, o que
determina essas mudanças e as relações daí decorrentes.
A maioria dos planejadores dos sistemas produtivos tem
seguido a estratégia de eliminar o trabalho humano, considerando-o fonte de
perturbações e custos. Brodner, P., aponta que: "o caminho baseado na
técnica mantém intacta a estrutura básica do processo produtivo e busca os
mesmos objetivos básicos que até agora têm sido empregados: reduzir custo
de pessoal e lograr um melhor controle do processo de produção".
Cada vez mais o sistema técnico se transforma em um meio que
impõe ao trabalho humano formas e normas determinadas.
50
Reforça-se assim, a divisão do trabalho entre os que pensam e
os que operam o sistema. Cada vez mais se projetam sistemas que prevêem
na sua operação pessoas mais desqualificadas.
Essa é a abordagem tecnocêntrica, segundo GARIBALDO, F.,
que tende a tornar o ser humano passivo e o sistema ativo. Dentro dessa
característica se reforça a busca pela integração, principalmente das
informações sobre a produção, de forma a se criar um modelo que pudesse
reconhecer e parametrizar todos os imprevistos e todas as variabilidades da
produção, incorporando-os à base técnica do sistema a caminho de um
controle total do processo.
O outro caminho é o antropocêntrico que, ao definir o homem
como sujeito e não como objeto, reconhece nos recursos humanos e na sua
interação com a máquina a forma de superar os pontos débeis e fortes de um
e de outro. Para se fazer isso é preciso partir de uma imagem adequada de
homem. É conceituar o homem como sujeito pensante e atuante.( Brodner,
P., 1990 )
O Projeto Fast ( explicar ) ao definir a conceituação do sistema
antropocêntrico de produção diz: "o conceito denota aqueles sistemas de
produção cujo princípio inspirador, desde a projetação, se fundamenta não
sobre a substituição da capacidade humana pela tecnologia e sim sobre as
definições de tecnologias e sistemas produtivos que exaltem esta
capacidade". ( Garibaldo, F., 1990 )
Ao se referir a uma forma social de automação atualmente
dominante, FREYSSENET, M., diz que essa automação tem como objetivo
básico a redução de mão de obra como fator de aumento da produtividade, ou
51
seja, deve-se automatizar o máximo para economizar mão de obra e
amortizar custos. E diz ainda, que isto se dá tanto pela cultura técnico-
científica do meio em que se desenvolvem os engenheiros projetistas, que
vêem sempre a solução técnica como a de maior eficiência e a mais
definitiva, quanto pela representação que eles, os projetistas, fazem dos
operários.
Essa é a grande contradição dos tempos atuais, quando se fala
em Qualidade Total, motivação do trabalhador e necessidade de um novo
perfil profissional. Do operário ao gerente, a palavra de ordem é ter um
recurso humano que seja adaptável e flexível. Como disse a diretora do
Sloan Fellows Program do Massachusetts Institute of Technology ( MIT )
dos EUA: "Se eu tivesse que usar duas palavras para descrever o executivo
que as empresas buscarão cada vez mais daqui em diante, eu diria que essa
pessoa terá que ser muito adaptável e muito flexível" 11. Por outro lado,
grande parte dos projetos, prevêem instalações cada vez mais automatizadas
que descartam a participação dos recursos humanos flexíveis.
FREYSSENET, M., ao falar dos novos projetos, insiste: "há
uma grande contradição neste ponto, pois hoje, enquanto os chefes de
oficina e os gerentes de produção, dentro do novo paradigma, intentam
fomentar as formas de organização do trabalho que permitam mobilizar a
inteligência e a competência dos trabalhadores, os projetistas continuam a
projetar máquinas ou sistemas em que sua operação se dê por pessoas
11 Esta afirmação foi feita em uma entrevista ao Jornal Folha de São Paulo de 22 de Maio
de 1994, no caderno de Empregos.
52
desqualificadas. ( ... ) A substituição da ação humana por um automatismo
adequado, se dá não só pela crença de que haverá redução do tempo de
trabalho e sim também pelo aumento da confiabilidade do conjunto ao
eliminar a incertitude que constituiria o operário".
Essa concepção reafirma a visão tecnocêntrica que vê sempre a
técnica como um fator de aumento da produtividade ao contrário do trabalho
humano que acaba sendo considerado fonte de perturbações e custos. Ao
contrário desta concepção e de certa forma defendendo a visão
antropocêntrica, Freyssenet, M. cita, não com um caráter ideológico, mas
como fator determinante para um aumento de produtividade dos sistemas
produtivos: "o operário pode ser fator do aumento da confiabilidade do
sistema técnico, graças a sua capacidade de síntese, interpretação e de
percepção multisensorial".
Esta confiabilidade pode ser a chave mestra que garanta, mesmo
num sistema com maior nível de automação, a produtividade a partir da nova
concepção do taylorismo colocada por Zarifian, quando afirma que a
produtividade está diretamente relacionada a não paralisação da máquina ou
do processo.
53
2.6 - A Polivalência e a Politecnia:
Como já foi falado, a polivalência pode se apresentar sob duas
formas: agregando novas funções para cada trabalhador, ou através da
rotação por diferentes tarefas, dentro de um processo que privilegia o
trabalho por equipes que se responsabilizam por toda uma etapa de
fabricação ou de um processo.
Não resta dúvida: o trabalhador que desempenhar uma dessas
duas formas tenderá a se aproximar mais da concepção anteriormente
colocada, do antropocentrismo, que vê nesse trabalhador um fator essencial,
alicerçado nas novas atribuições exigidas de adaptação e flexibilidade.
Porém, ainda se insere numa concepção que, segundo MACHADO, L., se
apoia no uso cientificista da ciência, sujeitando o trabalhador à mera
instrumentação utilitarista e a processos de adaptação definidos por regras
prescritas com anterioridade.
Essa visão da Polivalência se traduz, na prática, como um
avanço à profunda especialização e segmentação das atividades de trabalho
que o taylorismo clássico apresentava. Em função disso, ele acaba sendo
apresentado como a grande novidade e a principal alternativa de qualificação
que se molda aos requisitos do novo paradigma. Porém, ele ainda se situa ao
nível da dimensão operacional, que é como REZENDE PINTO, A.M., vê o
novo trabalhador polivalente: "o trabalhador portador de boa formação
geral, atento, leal, responsável, com capacidade de perceber um fenômeno
em processo, não dominando, porém, os fundamentos científicos-intelectuais
subjacentes às diferentes técnicas produtivas modernas".
54
A Polivalência é útil e se forja diretamente no trabalho a partir
da demanda que é provocada por mudanças tecnológicas e organizacionais
do ambiente de trabalho. A sua implantação quase sempre cumpre uma
trajetória que se inicia através de um curso em que novas informações são
passadas ao trabalhador polivalente, seja o operador, ou um técnico. Este
detém conhecimentos em determinadas especialidades e a polivalência vem
possibilitar a inserção, muitas vezes de forma insegura em outras áreas do
conhecimento próxima da atuação do operador ou do técnico.
O segundo passo é o treinamento "on job", ou seja, no próprio
local de trabalho. Para a Polivalência, que tem um caráter mais de
informação e algumas vezes de absorção de rotinas, esta parte tem uma
importância fundamental. Os próprios trabalhadores requerem e valorizam
esta etapa, porque a partir da decisão gerencial da implantação da
polivalência, o trabalhador sabe que a responsabilidade de assumir novas
atribuições vai exigir dele, na prática, habilidades e tomadas de decisão que
não permitirão uma elaboração teórica maior. É como se dissesse: vamos
resolver o problema mais urgente, os outros ficam para depois. Muitas vezes
este treinamento "on job" ocorre antes mesmo do treinamento formal de sala
de aula.
Segundo Machado, L., o tipo de habilidades e hábitos
requeridos numa atividade prática de caráter polivalente, possui certas
características específicas, básicas para uma qualificação politécnica, ainda
que insuficientes, tais como: saber transferir e usar de forma versátil
conhecimentos e experiências em diferentes oportunidades e situações; saber
manipular instrumentos básicos úteis a um leque amplo de tarefas ( cuja
expressão cada vez mais banal é a familiaridade com as operações em
55
computadores ) e saber trabalhar em equipes, o que pressupõe hábitos de
organização pessoal e habilidades de comunicação diferenciada. Essas
condições representam um avanço se comparadas com as atividades
taylorizadas e fordistas, pois possuem um caráter mais criativo que
reprodutivo, mais geral que específico, mais mental que físico e mais teórico
que prático. Mas, deixam a desejar, se o objetivo tiver maior amplitude.
A Politecnia em contraposição à Polivalência, pressupõe
segundo FRIGOTTO, G., basicamente 3 elementos: a concepção do homem
omnilateral; o trabalho produtivo e a articulação entre trabalho manual e
intelectual; as bases científico-técnicas, comuns na produção industrial.
Machado, L., reforça essa tese quando diz que a Politecnia representa o
domínio da técnica em nível intelectual e a possibilidade de um trabalho
flexível com a recomposição das tarefas em nível criativo. Pressupõe ainda,
a ultrapassagem de um conhecimento meramente empírico, ao exigir formas
de pensamento mais abstratas. Vai além de uma formação simplesmente
técnica ao requerer um perfil amplo de trabalhador, consciente e capaz de
atuar criticamente em atividades de caráter criador e de buscar com
autonomia os conhecimentos necessários ao seu progressivo
aperfeiçoamento.
Esta concepção, de certa forma, vem ao encontro de uma visão
antropocêntrica que reconhece que o trabalhador apresenta limitações, mas
que a partir da divisão de funções entre o ser humano e a máquina, pode-se
valorizar as capacidades específicas de ambos. A conjugação de atividades
complementares entre o homem e a máquina leva a uma verdadeira
flexibilidade e adaptação aos sistemas produtivos, como diz SEGRE, L.M.:
56
"a automação sem a intervenção do homem não funciona. A flexibilidade dos
sistemas é dada muito mais pelo homem que pelas máquinas".
A possibilidade de uma formação mais integral do trabalhador,
a caminho da politecnia, pode ser algo que atenda não só a ele, que terá
visão mais crítica da realidade e uma atuação mais ativa na sociedade através
do exercício da cidadania, mas também atenderá aos novos paradigmas da
produção que exigem um trabalhador mais criativo, integrado e participante.
Os interesses de classe daí surgidos exigirão negociações. Essa
é a palavra que talvez operacionalize, na prática, os desafios que os novos
paradigmas demandam. De um lado, os detentores dos processos produtivos,
que não conseguem alcançar maior produtividade sem a participação direta e
intensa dos trabalhadores. De outro lado, os trabalhadores que a partir desta
realidade, têm o desafio de avançar nas conquistas que garantam à sua classe
uma participação mais efetiva na tomada de decisões, para além das rotinas
de trabalho. Nesse caminho, os trabalhadores têm condições de exigir a
participação, não só das definições estratégicas de toda a empresa, mas
também numa interferência ainda maior, ampliando o escopo de sua
participação, visando, enquanto classe, interferir nos destinos da sociedade
como um todo.
57
Capítulo 3
A EMPRESA
3.1 - Breve Histórico:
Principais Dados da Situação da Petrobrás:
A Empresa PETROBRÁS surgiu em 3 de Outubro de 1953,
através da Lei N° 2.004 e iniciou suas atividades em 10 de Maio de 1954. É
uma Companhia de capital aberto ( Sociedade de Economia Mista ), cujo
maior acionista é o Governo Federal, que a controla, detendo 81% de seu
capital votante e 51% de seu capital integralizado.
A PETROBRÁS é ligada ao Governo Federal através de um
rígido controle e ampla fiscalização do Governo como:
1 - Aprovação, pelo Congresso Nacional, da programação anual
e plurianual, incluindo-se os orçamentos de investimentos e operações;
2 - Administração, pelo Departamento Nacional de
Combustíveis e Ministério das Minas e Energia, dos preços de venda de
todos os produtos e sua prévia ratificação pelos Ministérios da Fazenda e do
Planejamento;
3 - Coordenação das atividades, pelo Comitê de Coordenação
das Estatais, e exame das contas, pelo Tribunal de Contas da União e pelos
58
Ministérios de Minas e Energia e da Fazenda, sujeita a auditoria externa
independente e a Lei das S/A.
O Brasil depende do petróleo para fornecer 33% da energia que
necessita.
A PETROBRÁS é a 15ª maior companhia de petróleo do
mundo, segundo a publicação "Petroleum Intelligente Weekly". É
considerada como a de maior índice de crescimento desde 1987. Ocupa a
liderança mundial na produção em Águas Profundas e o 10° lugar em
capacidade instalada de refino. Sua produção média de 1992 foi de 653.000
barris por dia ( em Outubro/93, a média foi de 710.000 b/d e em
Fevereiro/94 720.000 b/d ) de óleo, e de 19 milhões de m³ por dia de gás
natural. Suas reservas provadas de petróleo somam 10 bilhões de barris.
Possui aproximadamente 50.000 empregados. Seu faturamento
médio anual é de 14 bilhões de dólares. O total de impostos, taxas e
contribuições gerados em 1992, correspondem a 4,3 bilhões de dólares. Seus
custos de pessoal, assim considerados os salários, vantagens e encargos
sociais, corresponderam em 1992 a 12,4% do faturamento bruto. Seu custo
médio de produção de US$ 3,05 é inferior à média calculada para as 20
companhias mais representativas do setor no mundo, de US$ 4,17 por barril,
não obstante seus poços operados situarem-se, em sua maior parte, no mar e
em lâminas d'água que atingem a 910 metros de profundidade, atual recorde
mundial.
Como todas as grandes corporações petrolíferas, a
PETROBRÁS opera em todas as atividades do setor petróleo, naquelas
monopolizadas ( exploração, perfuração, produção, refino, transporte,
59
importação e comercialização ) e nas que não estão monopolizadas, como a
distribuição.
Hoje, mais de 70% da produção de petróleo se dá no mar. A
Bacia de Campos, objeto deste estudo detinha, em 1993, em torno de 63% da
Produção de Petróleo no Brasil, conforme quadro abaixo:
PRODUÇÃO DE PETRÓLEO NO BRASIL (%)
RIO DE JANEIRO 63,0
RIO GRANDE DO NORTE 12,5
BAHIA 11.0
SERGIPE 7.0
CEARÁ 3.0
ESPÍRITO SANTO 2.0
ALAGOAS 1.0
PARANÁ 0.5
60
3.2 - A BACIA DE CAMPOS:
Em 1968, a Petrobrás deu início aos levantamentos geofísicos
na Bacia de Campos. Nesse ano foi perfurado o primeiro poço submarino,
que conduziu à perfuração de mais oito deles e à descoberta do Campo de
Garoupa em 1974, que coincidiu com um momento de crise no mercado
internacional. Naquela época, o Brasil tinha uma produção que atendia a
apenas 20% de seu consumo. A produção de hidrocarbonetos no Brasil, até
então estava restrita a duas áreas terrestres: a do Recôncavo Baiano e a dos
Estados de Sergipe e Alagoas.
O segundo poço descoberto foi o de Enchova, que começou a
produzir em 1977 em lâmina d'água de 120 metros. Em 1979, o Distrito de
Produção do Sudeste, que tinha sede em Vitória, ES, foi definitivamente
transferido para a cidade de Macaé, RJ e se transformou em Distritos de
Exploração, de Perfuração e de Produção do Sudeste. Em 1982, a Bacia de
Campos já produzia 145.000 barris por dia. Este expressivo volume elevou o
Distrito de Produção do Sudeste à categoria de Região.
As instalações da Petrobrás em Macaé, RJ, na ponta da praia de
Imbetiba, conta com duas áreas básicas: 1- o Distrito de Perfuração do
Sudeste ( DPSE ) que responde ainda pela perfuração nas bacias do Espírito
Santo ( terra e mar ), Paraná e Santos; 2- Região de Produção do Sudeste (
RPSE ). Existem trabalhando nestas áreas básicas, em torno de 7.800
61
trabalhadores, sendo aproximadamente 2.300 off shore e 5.500 on shore.
Destes, 1.800 são de nível superior e 6.000 são de nível técnicos e
elementar. Dos 1.800 de nível superior, aproximadamente 1.000 são
engenheiros.
Segundo Ribeiro, M.M.P., em Macaé está instalado o maior
complexo operacional da Petrobrás em todo o Brasil. A Petrobrás já investiu
o equivalente a US$ 12 bilhões na Bacia de Campos e obteve como receita
cerca de US$ 30 bilhões, referentes ao petróleo e gás produzidos.
A Bacia de Campos ocupa cerca de 100 mil Km², que se
estendem da costa até uma lâmina d'água de 3.000 metros. Nesse imenso
arco, numa área de 5.600 Km², erguem-se plataformas marítimas que distam
de 80 a 100 quilômetros do litoral.
A Bacia de Campos tem 3 pólos, cada qual abrangendo
determinado número de campos produtores onde estão instaladas as
plataformas:
- Pólo Nordeste, que abrange os campos de Pargo, Carapeba e
Vermelho, com um total de 7 Plataformas;
- Pólo Norte, campos de Garoupa e Garoupinha com 1
Plataforma, Cherne cuja 2 Plataformas atendem também aos poços de Bagre,
Parati e Anequim; o Campo de Namorado é atendido por 2 Plataformas e os
Campos de Viola, Corvina, Moréia, Marlim e Albacora, cada qual dotado de
um Sistema de Produção Flutuante ( Plataforma Semi-submersível ).
- Pólo Sul, composto pelos campos de Pampo, com 1
plataforma, Enchova com também 1 Plataforma, e um Sistema de Produção
62
Flutuante; Bicudo, Linguado, Badejo, Trilha, Piraúna e Marimbá cada qual
com uma SS ( Vide no Anexo 4 - Planta da Bacia de Campos ).
Em 13 de Agosto de 1992, a Bacia de Campos comemorou 15
anos de produção. O poço pioneiro foi o EN-1-RJS situado no Campo de
Enchova. Este poço, até esta data, já produziu 33 milhões de barris de óleo e
520 milhões de m³ de gás natural, com receita estimada em US$ 750
milhões.
Nas comemorações dos 15 anos, uma reportagem publicada no
Jornal Folha da Manhã, do dia 14 de Agosto de 1992, conta detalhes
interessantes vividos pelo Engenheiro de Produção, José Everaldo dos
Santos, que participou das comemorações. Havia trabalhado na Região de
Produção do Nordeste ( RPNE ) e estava embarcado na plataforma SS-6,
quando o óleo de Enchova começou a jorrar. Ele descreve esse
acontecimento:
"o poço pioneiro deveria ter entrado em operação no início de agosto de
77, mas um acidente não deixou lançarmos o mangote flutuante para o navio-tanque. À
noite um rebocador passou na área e cortou o mangote que felizmente, não tinha óleo.
Foi preciso comprar outros 500 metros de comprimento no Japão e fretar um avião
para trazê-lo, daí o atraso.
Mais problemas: na véspera do histórico dia, os técnicos resolveram
testar todo o sistema e a bóia de nível dos separadores de água alugados de uma
empresa francesa, não funcionou. Tivemos que improvisar uma bóia com madeira
pintada e recozida no forno da cozinha da plataforma.
O nervosismo era geral, pois os jornais haviam noticiado que o poço
entraria em produção no dia 13.
63
Às seis horas o EN-1-RJS começou a ser aberto, pois era prática iniciar
a operação à luz do dia - fato que hoje ocorre a qualquer hora. A equipe passou a
observar que o poço produzia muita areia e a primeira vez que encheu os tanques de um
navio, a areia decantou nos separadores e eles tiveram que ser abertos para proceder a
retirada de mais de dois metros cúbicos de material sólido".
(...) "em 1977 ainda não havia unidade da Petrobrás em Macaé e os
embarques eram feitos por Campos. As equipes cujos turnos eram de 14x14 dias de
folga, embarcavam em helicóptero em Vitória, que eram reabastecidos em Campos e
seguiam para as plataformas de perfuração e produção".
(...) "Em agosto de 1977, trabalhavam 12 técnicos da Petrobrás, mais os
empregados da Flopetrol... Era tudo pioneiro. No fundo do poço instalamos um BOP (
Blow Out Prevente ) com riser de perfuração e uma árvore de teste, quando atualmente
usamos a árvore de natal molhada, feita especialmente para operar em sistemas de
produção off shore. Na planta de processo, bastante simples, havia apenas um surge-
tank e duas bombas de transferência".
Ainda nesta reportagem, o Engenheiro José Everaldo não
esconde a ironia quando fala daqueles tempos: "A Petrobrás nos informou que
iria construir um conjunto habitacional para seus empregados, mas a realidade foi
outra. As firmas contratadas já estavam instaladas na cidade e o custo de vida era
altíssimo. Para piorar a situação, cortaram os 10% de adicional regional.
A adaptação dos empregados da Petrobrás não se restringia aos usos e
costumes da cidade, mas aos termos náuticos. Termos - través ( quando o vento está
perpendicular à embarcação ); estropo ( pedaço do cabo de aço com dois laços na ponta
); buzina ( nada a ver com o sinal de alerta ); garrar ( quando a âncora não agarra no
seu objetivo ) e solecar ( soltar os cabos ) passaram a ser assimilados pelos petroleiros.
64
O ambiente de trabalho era melhor. Acho que naquela época o pessoal
vibrava mais, fazia as coisas com maior comprometimento. Hoje quando abrimos um
novo poço, metade dos empregados só vai saber pela televisão. O ambiente não está
bom, os salários estão aviltados, o relacionamento empresa-empregado está pior do que
naquela época.
Uma das razões para tanta insegurança é o reflexo dos sucessivos cortes
nos investimentos da Bacia de Campos. Hoje está tudo parado no que diz respeito a
novos projetos, com exceção da fase I de Marlim e o de Marimbá. Com a série de
adiantamentos, em 95 o país não estará produzindo o que consome, quando a Bacia de
Campos poderia responder por 90% da produção nacional. A meta foi adiada para o
ano 2000".
Em Setembro de 1993, foi perfurado, no Campo de Marlim, o
1000° ( milésimo ) poço aberto na Bacia de Campos. Este marco teve a
comemoração dos grandes executivos da Companhia. A Bacia tem em
produção 383 poços e é detentora de 77% das reservas nacionais de óleo, e
de 63% da produção nacional de óleo. Segundo o Superintendente da RPSE,
Paulo Roberto Costa, "somente as reservas já conhecidas de óleo natural
demandarão, no mínimo mais 40 anos de atividades de produção".
Em 4 de Setembro de 1994, atingiu-se novo recorde na Bacia de
Campos: a produção atingiu 501.000 mil barris, chegando a produção
nacional à faixa de 751.000 barris. Essa produção já eleva o percentual de
participação da Bacia de Campos na produção nacional de óleo para 66,7%.
Esse recorde foi batido graças à ativação da nova plataforma Semi-
submersível ( a maior do mundo ) Petrobrás XVIII. Nas comemorações desse
65
novo recorde, o diretor da área Exproper da empresa, João Carlos França de
Luca falou: "se hoje a Bacia de Campos fosse um país estaria em 25° lugar
em produção mundial de óleo, superando países membros da OPEP, como
o Quatar"12.
12 Reportagem Jornal Folha da Manhã, do dia 09-09-94, com o seguinte título: "Recorde
de 500 mil barris é comemorado na Petrobrás.
66
3.3 - O QUE É A PLATAFORMA ?
"... o que é a plataforma ? Não se
sabia nem o que era uma plataforma. Nunca
ninguém tinha operado, então a gente botou o
modelo lá do Mar do Norte, ou até do Golfo do
México, então a gente desconhecia tanto que
considerou que uma plataforma era uma refinaria e
deu poderes para uma plataforma como se fosse
uma refinaria e nestes poderes do chefe da
plataforma, eles fizeram com que... como filosofia, a
maioria deles, que todos os serviços fossem feitos lá
em cima, lá no mar..." ( Ent. 12 )
Operam na Bacia 27 Sistemas de produção, sendo 13 ( treze )
Plataformas Fixas e 14 Plataformas Semi-submersíveis, que são
responsáveis, como já foi dito, por cerca de 66 % da produção nacional de
óleo. Da produção total de óleo da Bacia, 70 % são escoados via dutos e 30%
via navios.
A produção na Bacia de Campos, como já foi dito, se iniciou
através de uma plataforma semi-submersível, a SS-6 no Campo de Enchova.
A produção estava prevista inicialmente para o Campo de Garoupa, o
primeiro a ser descoberto e para o qual estava sendo preparado um sistema
antecipado. Mas, o sistema apresentou problemas e mais tarde a produção do
poço se viabilizou através de uma plataforma fixa.
67
Os dois tipos de plataformas, fixas e semi-submersíveis
( também chamadas de sistemas flutuantes de produção ) têm características
diferentes, que dependem basicamente da lâmina d'água do poço, ou melhor,
dos poços do campo que se está explorando e também da expectativa de
tempo de produção do campo. É impossível ter uma plataforma fixa para
exploração em grandes profundidades.13 Outra grande vantagem do sistema
flutuante é o reduzido prazo entre a descoberta de um poço economicamente
viável e a extração do petróleo. Isso se dá principalmente pela grande
flexibilidade e mobilidade desse sistema que independe da lâmina d'água e
pode ser facilmente remanejado.
Nas bacias marítimas de uma forma geral, da descoberta de uma
nova jazida até a fase de produção comercial, decorre, em média,
aproximadamente seis anos, pois sua construção só pode ser iniciada após a
delimitação do campo e determinação do local de sua instalação (lâmina
d'água).
Normalmente as plataformas fixas são de grande porte, como a
de Pargo, que é a maior, e na realidade, é composta por duas plataformas
interligadas através de duas pontes.
13 Esta é a situação para o atual estágio de desenvolvimento tecnológico. Existem
informações de pesquisas sobre a utilização de amarras que permitiriam a utilização de
plataformas fixas também em águas profundas, com poços com grande capacidade de
produção As plataformas fixas teriam uma relação custo-benefício maior que as semi-
submersíveis.
68
Uma das plataformas de Pargo tem instalada a planta de
processo e a outra contém: o setor de utilidades elétricas e de sistemas, o
setor de acomodações ( refeitório, sala de TV, sala de projeções, quadra de
esportes, sala de ginástica e os camarotes para repouso ) e o setor
administrativo. A geração de Energia Elétrica é de grande porte ( dá para
atender uma cidade maior que Macaé ) e atende, além de Pargo, as demais
plataformas do Polo Nordeste ( Vermelho I,II, e III e Carapeba I e II), que
também são fixas, mas de pequeno porte, por não precisar de geração de
energia e por ter uma planta de processo bem simples.
Existe plataforma SS de grande porte, como é o caso da SS-33,
no Campo de Marlim, que é uma plataforma adaptada para produção. Antes
era um flotel. Ela possui uma grande planta de processo, com produção de
51.000 b/d de óleo. Tem 5 Andares e as seguintes instalações ( cinema, sala
de TV, sauna, piscina ).
Outra plataforma, a Petrobrás VIII ( SS-29 ), iniciou no dia 23
de Junho de 1992. Sua produção tem a previsão de obter 46.000 b/dia de
óleo e 1 milhão, 440 mil m³ de gás natural oriundos dos 13 poços do Campo
de Marimbá e de 12 do Campo de Piraúna. Como a SS-33, funcionava como
um flotel ( hotel flutuante ), em diversas partes do mundo e, ultimamente,
dava apoio aos trabalhadores de outras plataformas da Bacia de Campos.
Nessa plataforma construída em Oslo, na Noruega, em 1976, foi adaptada, no
Estaleiro Mauá, RJ, uma planta de processo para atuar na produção. Ela tem
a altura de um edifício de 13 andares, pesa 22 mil toneladas. Possui 8
âncoras e está instalada a 90 quilômetros da costa. Possui ainda acomodação
para 120 pessoas.
69
No dia 01 de Março de 1994, foi entregue à Petrobrás a
Plataforma Petrobrás XVIII ( SS-44 ) atuando no Campo de Marlim. A
plataforma, cuja estrutura foi construída em Cingapura, terminou sua
montagem ( interligação de cabos e tubos e testes de equipamentos ), no
canteiro de obras da empresa brasileira Tenenge, no Porto de Paranaguá.
Está ancorada em uma área, cuja profundidade é de 910 metros de lâmina
d'água, que representou a quebra de novo recorde mundial de produção em
águas profundas. Esse sistema flutuante é o maior em capacidade de
produção já construído até hoje. São 100 mil barris diários de óleo de
capacidade instalada. A Plataforma mede 85,5 m de boca ( largura ), 98
metros de comprimento, 43,9 metros de pontal ( altura do nível d'água ao
topo ), 23,1 metros de calado, possui 5320 m² de convés principal e
comporta 130 tripulantes. Custou 272 milhões de dólares financiados pela
companhia japonesa Nisso Iwai e sua construção ficou a cargo do consórcio
Tobege-Fels14.
As plataformas fixas têm uma estrutura que é fixada no fundo
do mar. Nesta estrutura se apoia uma jaqueta e sobre ela, a plataforma
propriamente dita, com todos os equipamentos e instalações de apoio.
14 O empréstimo da Petrobrás será amortizado com os recursos gerados pelo petróleo que
a plataforma produzir. Está prevista para dentro de três anos, uma nova plataforma, a P
XIX, que será ligada a 31 poços, também no Campo gigante de Marlim. O Projeto está
sendo finalizado e no momento está se decidindo o formato da licitação para escolher a
firma responsável pela construção. ( Folha da Manhã 25 de Maio de 1994 ).
70
As plataformas semi-submersíveis são ancoradas da mesma
forma que um navio de grande porte. Possuem mecanismo de navegação e
têm um sistema de controle de lastro para compensar a movimentação do mar
e das marés, quando a mesma está ancorada. Nas plataformas mais novas o
controle do lastro é feito automaticamente.
A Bacia de Campos, já contou com um Navio, trabalhando na
Produção, o Prudente de Morais. Em Março de 1993 ( quando do nosso
embarque ), a Petrobrás substituiu definitivamente esse navio, que por um
bom tempo atuou na Bacia, com uma planta de processo garantindo o
aumento de produção na área. Era o único e foi substituído no Campo de
Albacora pela Plataforma Petrobrás XXIV, SS-10. Essa plataforma foi
construída em 1975, já tendo atuado no início da produção da Bacia, no
Campo de Enchova. Ela recebeu uma nova planta de processo com
capacidade de tratar até 60 mil barris diários de petróleo e um milhão de
m³/dia de gás natural.
Na entrevista ( N° 14 ) com um Engenheiro que atua
praticamente desde o início das operações na Bacia, percebe-se, mais uma
vez, que no início das operações off shore existia muito improviso e também
uma diretriz para a implantação do sistema muito diferente da situação atual.
O Engenheiro dizia: "pela minha experiência na Bacia de Campos, eu
embarcava no início em 80 para fazer serviços esporádicos, mas levava bastante tempo,
uma semana, dez dias e nós tínhamos um efetivo no início na Bacia de Campos, eu me
lembro bem... o que é a plataforma? Não se sabia nem o que era uma plataforma.
Nunca ninguém tinha operado, então a gente botou o modelo lá do Mar do Norte, ou
até do Golfo do México, então a gente desconhecia tanto que considerou que uma
plataforma era uma refinaria e deu poderes para uma plataforma como se fosse uma
71
refinaria e nestes poderes do chefe da plataforma, eles fizeram com que... como
filosofia a maioria deles, que todos os serviços fossem feitos lá em cima, lá no mar, é
como se desconsiderasse a terra e fizesse no mar, isto resultou em 200 pessoas de
efetivos. A gente ia para uma plataforma destas, o desconforto, porque você estar
confinado com conforto é uma coisa, agora você estar confinado, quase batendo cabeça
um com outro, quase com cama quente e com muitas pessoas em lugar fechado é
horrível, você tinha que dizer às 11 horas é a primeira turma de almoço, outra às onze
e meia, porque senão não dava. Era horrível. Então hoje, quando eu vou numa
plataforma, posso falar em qualquer plataforma é um conforto imenso em relação a
situação que eu vivi anteriormente. Isto é uma análise... se chega se sente bem... então
eu não vejo por aí, o confinamento existe, mas você tem que dar um conforto máximo
para que aquelas pessoas durante o período que elas estão ali. Você dá comida da
melhor qualidade, você tem tudo do melhor, mas o cara com 10 ou 12 dias, o cara já
está ... essa comida aqui ...eu estou de saco cheio com isso aqui ... isso aqui não
presta... ele não come nem da qualidade do que ele come em casa, mas é só da situação,
do momento em que ele está ali em cima. ( Ent. 14 )
Uma plataforma de petróleo, instalada em alto mar, é como se
fosse uma fábrica e uma pequena vila ao mesmo tempo, com a peculiaridade
de não se poder sair de lá por um período de 14 dias. O trabalho invade e
toma conta da vida dos seres que lá são obrigados a conviver num misto de
relação de trabalho e relações interpessoais. As relações de trabalho impõem
a hierarquia e a organização deste trabalho estabelece os limites da relação.
As relações interpessoais, também chamadas de humanas, se confundem com
as relações de trabalho no meio de uma complexa convivência de pessoas
com diferentes culturas, ideologias, religiões, sentimentos, etc..
72
3.3.1 Características de uma Planta de Processo de
Plataforma:
As plantas de processo diferem de uma para outra plataforma
em função das características dos poços, onde as mesmas estão instaladas,
mas via de regra as mesmas possuem as etapas que serão descritas a seguir.
Nesta descrição das instalações de uma planta de processo será
usada, como referencial, a Plataforma de Namorado-1- PNA-1, uma
Plataforma Fixa e Central, responsável pela exportação da produção de óleo
e gás das plataformas de PCH-1, PCH-2, PNA-2, Poços Satélites e a sua
própria, para Garoupa, que através de oleoduto e gasoduto remete ao
Continente. PNA - 1 também fornece energia elétrica e gás para "gás lift" (
para fazer a surgência de poços, que não o tem, naturalmente ) para PNA-2. (
Vide Anexo - 4 - Planta da Bacia de Campos ).
PNA-1 está localizada a uma distância de 85 Km do litoral. Sua
superfície total é de aproximadamente 12.000 m², distribuídos entre os
seguintes pisos: níveis superiores, "upper deck mezanine", "upper deck",
"main deck mezanine", "main deck" e "cellar deck". A altura entre os pisos é
de 6 m. O "cellar deck" está a uma altura de 15 metros da lâmina d‘agua.
O Sistema de Produção da plataforma é dividido nas seguintes
áreas de operação:
73
ÁREAS DE OPERAÇÃO DO SISTEMA DE PRODUÇÃO DE UMA
PLATAFORMA
PRODUÇÃO DE
ÓLEO
PRODUÇÃO DE
GÁS
UTILIDADES
ELÉTRICAS
UTILIDADES DE
SISTEMAS
Sala de Controle Sala de Controle Sala de Controle
dos Turbo
Geradores
Sala de Controle
Cabeça dos Poços Sala de Controle
dos Turbo
Geradores
Área Externa dos
Turbo Geradores
Sistema de
Combate a
Incêndio
Separadores A,B e
Teste
Turbo
Compressores
Subestações
AT/BT
Bombas de
Incêndio
Bombas de
Transferência
Sistema
Alternativo
Motogerador Sistema de Ar
Comprimido
Sistema Água
Oleosa
Unidade de
Desisdratação e
Regeneração de
Glicol
Sistema de
Captação de Água
do Mar
Caisson EPs Sistema de Diesel
Slop Flare Água Potável
Poços Submarinos Ar Condicionado
e Frigorífico
74
PRODUÇÃO DE
ÓLEO
PRODUÇÃO DE
GÁS
UTILIDADES
ELEÉTRICAS
UTILIDADES DE
SISTEMAS
Manifold
Submarino de
Produção
Geração de
Hipoclorito
Sistema de Injeção
de Gás Lift
Abastecimento de
Produtos
Químicos
Sistema de Água
de Injeção
Sistema de Água
de Refrigeração
75
3.4 - O PROCESSO DE PRODUÇÃO DE PETRÓLEO NAS
PLATAFORMAS:
A produção de petróleo no mar, sob o ponto de vista técnico,
guarda muita semelhança com a produção em terra, com uma diferença
básica. No mar, a cabeça de produção está localizada ou na Plataforma (
Árvore de Natal Seca ), ou submersa ( Árvore de Natal Molhada ). Árvore de
Natal é um conjunto de válvulas de segurança que controla a vazão do poço (
Vide foto no Anexo 6 ). Essas árvores, secas ou molhadas são controladas
por painéis que, através de instrumentos, permitem a leitura de níveis de
pressão, temperatura, vazão, etc..
Existem dois tipos de poços: o surgente ( ou insurgente ) que
produz naturalmente a partir da perfuração do poço e o poço de injeção que
necessita de fluidos para pressionar a saída do óleo. Um poço, em final de
produção, pode passar de poço insurgente a poço de injeção, até deixar de
ser economicamente viável.
O Petróleo, em seu estado natural, passa por linhas de produção
chamadas de "header". Destas vai aos separadores, onde é feita a separação
óleo, gás e água. Ou seja, o separador irá fazer a separação das fases líquida
e gasosa do petróleo produzido. Aqui, nesse ponto, é onde se deixa a fase de
exploração do poço para se entrar na fase de processamento do Petróleo
extraído.
Existem dois tipos de separadores, os separadores de produção e
o separador de teste, sendo que este último flui apenas em um poço, a fim de
testá-lo, enquanto os separadores de produção são vasos de produção
76
coletiva, isto é flui mais de um poço por vaso ( separador ). O gás, que é
separado, vai para os "scrubbers" ( depurador de gás ) onde são retiradas as
gotículas de óleo que foram arrastadas por ele na saída dos separadores. É
então dirigido para a sucção do compressor, sendo logo após refrigerado e
purificado para ser exportado para a terra, podendo também, parte desse gás
ser utilizado para alimentação das turbinas a fim de gerar energia elétrica a
ser utilizada na plataforma.
O óleo que sai dos separadores é dirigido ao "surge-tank" (
tanque pulmão ), onde o restante do gás dissolvido é retirado a uma pressão
próxima da atmosfera, indo para um "scrubber" de baixa pressão. Dali é
enviado para a linha de gás de baixa do queimador ( flare ) existente em
todas as plataformas.
O óleo obtido é exportado pelas bombas de transferência para a
terra, através de oleodutos, diretamente, ou através de outra plataforma, que
centraliza a produção de um conjunto delas, como é o caso de Garoupa e
Enchova, por exemplo. Dependendo do tipo de poço existente na região da
plataforma, parte do óleo produzido poderá também ser utilizado para fazer a
injeção dos mesmos.
A água sofre vários processos. No primeiro estágio, vai para o
separador água/óleo ( "flash drum" ) . Feita a separação o óleo retorna ao
separador ( principal ) e a água vai para tratamento de água oleosa
( "skimmer" ). Nesse tratamento, o óleo volta ao separador principal e a
água vai para o Caisson, onde o óleo existente é bombeado para o "slop"
( tanque ) de reciclagem de óleo, sendo novamente bombeado para os
separadores.
77
Nesse processamento do petróleo, uma série de rotinas são
observadas pelos operadores no sentido de controlar o processo. Além das
atividades de leituras de temperatura, pressão e vazão em pontos diferentes
do processo, novas substâncias são injetadas em determinados pontos do
processo, como a "mistura anti espumante" ( silicone, querosene e diesel ).
Elas têm a função de evitar a formação de espuma que surgiria especialmente
no "surge-tank", e carrearia grande quantidade de óleo para o "scrubber" de
baixa. Outro produto químico injetado é o desemulsificante que tem o
objetivo de quebrar a emulsão óleo-água, permitindo maior eficiência na
separação óleo-água.
O processamento do petróleo sofre algumas diferenças de uma
para outra Plataforma, em função do tipo de poço, do tipo de petróleo e do
tipo de plataforma, que por sua vez obedece a um Planejamento Estratégico
em termos de definição do campo a ser explorado. Essas definições vão
estabelecer o tipo de Plataforma ( Fixa ou Semi-submersível - SS ) e o
estabelecimento de Plataformas centrais como as de Garoupa, Namorado,
Pargo e Enchova. Estas recebem o óleo e o gás exportado de outras
Plataformas satélites, exportando daí para o Continente através de Oleodutos
e Gasodutos. É comum a interligação entre as Plataformas, de forma que uma
complete o processo da outra, como por exemplo, a separação da água do
óleo, quase sempre feita pelas Plataformas Centrais. Outro exemplo, é a
geração de Energia Elétrica que é realizada em uma Plataforma e distribuída
com outras, por exemplo, a Plataforma de Pargo que distribui energia para
alimentar as 5 Plataformas Satélites do Polo Nordeste - Carapeba 1 e 2 e
Vermelho 1, 2 e 3.
78
3.5 - INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS NA BACIA DE
CAMPOS:
As Inovações Tecnológicas no Sistema Off Shore têm
basicamente 3 direções: a primeira visa a desenvolver tecnologias que
permitam a extração de petróleo em águas profundas. A segunda é sobre a
automação industrial, para supervisionar e controlar o processo de produção,
desde a exploração do óleo bruto até à remessa, já em separado, do óleo e do
gás para a terra. A automação já atinge também o setor de utilidades (
produção de água potável, geração de energia elétrica, refrigeração, etc. ) de
segurança, de lastro, etc., ou seja a produção e o apoio deste tipo de
Plataforma.
A terceira via das Inovações Tecnológicas se dá na difusão da
informática como ferramenta de integração das informações e de otimização
dos trabalhos de escritório como elemento de tomada de decisão.
Antes de se entrar na explicação de cada uma delas, deve-se
fazer parênteses para dizer que existem estudos, de longo prazo, que de certa
forma vislumbram a possibilidade de tornar desnecessária a instalação de
Plataformas em alto mar, ou, pelo menos, reduzi-la a um pequeno número,
para viabilizar a exploração do petróleo aí existente.
Basicamente esses estudos caminham no sentido de transferir o
petróleo diretamente para a terra através do que se chama "bombeamento
multifásico" e/ ou da "separação submarina". O primeiro visa à instalação de
bombas multifásicas no fundo do mar, junto com a ANM ( Árvore de Natal
Molhada ). Isso permitiria a remessa para a terra do petróleo bruto extraído,
79
sem a necessidade da separação do óleo, do gás, da água e de outros resíduos
que hoje é feita na plataforma, demandando a montagem de toda uma planta
de processos com grande quantidade de equipamentos ( bombas, válvulas,
vasos, tanques, compressores, etc.), que, desta maneira, poderiam ser
transferidos para a terra, logicamente reduzindo violentamente os custos de
produção.
A outra opção, a "Separação Submarina", é pesquisada como
uma alternativa à primeira. Ou seja, se não se consegue fazer essa remessa
direta até à terra, pode-se pensar em fazer um processamento primário de
separação no fundo do mar, eliminando também a necessidade de se possuir
uma plataforma para instalar essa planta de processo, tendo-se a mesma
instalada no fundo do mar.
Numa entrevista com um Engenheiro da empresa que
acompanha o desenvolvimento dessas novas tecnologias ( Entr. N° 14 ),
indagou-se ao mesmo a opinião sobre estas novas perspectivas:
( P ) Naquele outro caso da pesquisa das bombas multifásicas, que você
não teria as plataformas, neste caso aí, você teria a possibilidade de mandar a
produção, óleo, gás e água tudo misturado para ter o processo em terra. ( E ) Em
terra. ( P ) Esta seria a pesquisa que poderia redundar na desabitação? ( E ) Aí sim.
Aí já é uma outra coisa. ( P ) Parece que... existe alguma coisa a nível de RPSE? ( E
) De que? De bombeio multifásico? ( P ) É. ( E ) Existe. ( P ) O pessoal da DIVAP é
que pensa isto? ( E ) É DIVAP. Isso é um projeto no mundo todo, todo mundo está
pensando nisto. ( P ) Parece que tem um consórcio... ( E ) Aí não seria nem
desabitação, seria desplataformização... aí é o seguinte, é viabilizar a retirada de
óleo, porque você tem muito lugar que você não consegue... mas não é por causa do
número de pessoas é porque você não consegue fazer nem que o óleo saia de lá. Mas
80
aí não tem nada a ver com automação, aí você já está falando de processos, aí já são
problemas operacionais. Por exemplo você tem um reservatório que não tem uma
vazão suficiente para jogar o óleo cá em cima, tá botando... existe um outro projeto
que é a separação no fundo do mar, em vez de pegar aqueles vasos todos, botar o vaso
no fundo do mar, simplesmente para poder viabilizar, então aí não entra nada de
automação.
3.5.1 - Águas Profundas:
Sobre as pesquisas da Tecnologia da produção em águas
profundas, pode-se dizer que a empresa ocupa a liderança mundial neste
tipo de produção. A Petrobrás, inclusive, recebeu, em 1992, o Prêmio
DISTINGUISHED ACHIEVEMENT AWARD' 92 oferecido pela Offshore
Technology Conference, que é patrocinada por 13 associações americanas
ligadas à indústria do petróleo e realizada anualmente em Houston, no
Texas, sendo considerado o maior evento nesse tipo de segmento. Esse
prêmio foi considerado um reconhecimento internacional às importantes
conquistas obtidas no desenvolvimento da tecnologia de produção em águas
profundas. Muitos o consideram equivalente ao "Nobel" da indústria do
petróleo.
Afirmou o Superintendente da RPSE, Paulo Roberto Costa, ao
Jornal "O Fluminense", de 20-05-92, ao ser questionado sobre as atividades
da estatal durante a abertura dos trabalhos no 1° Encontro Ambiental da
Bacia de Campos realizado na Plataforma de Cherne-1: "A Petrobrás não
tinha outra alternativa senão explorar óleo e gás natural em águas cada vez
mais profundas... somente outras duas áreas no mundo possuem pólos em
81
águas mais profundas: o Mar do Norte e o Golfo do México, sendo a
primeira em lâminas d'água nunca superiores a 300 metros e no Golfo do
México um projeto em profundidade de 625 metros que fracassou pelo fato
do reservatório ser antieconômico".
Não resta dúvida: a exploração em águas profundas exige
esforço próprio da empresa e de Centros de Pesquisas nacionais no
desenvolvimento da Tecnologia que vai permitir ao país poder se utilizar das
imensas reservas de petróleo situadas a grande profundidade. O complexo de
Marlim está localizado em lâmina d'água de 400 a 2.000 metros e cobre uma
área de aproximadamente 300 km², com um volume original de óleo
estimado em 13,5 bilhões de barris, que corresponde a 30 % do volume
original de óleo do país.
O sistema Pré-Piloto do Campo de Marlim entrou em produção
no dia 16 de Março de 1991, seis meses após a sua descoberta. Já o sistema
Piloto entrou em produção em Julho de 1992, através da Plataforma
Petrobrás XX, que era um Flotel e foi transformada em unidade estacionária
de produção. Esse sistema teve investimento total da ordem de US$ 260
milhões, sendo que 65% desse total foi utilizado somente na parte
submarina.
As pesquisas são sempre no sentido de se obter materiais e
equipamentos ( robôs ) que permitam o trabalho de instalação de
equipamentos na boca dos poços a estas profundidades. Para se ter uma idéia
do que se tem conseguido em termos de aperfeiçoamento tecnológico nessa
área, podem-se observar os registros de recordes da empresa obtidos nas
operações do Campo de Marlim:
82
" - Operação de uma SS ancorada a 625 metros de lâmina
d'água ( Plataforma Petrobrás XIII );
- Instalação da primeira Árvore de Natal Molhada, sewn
cabos guias ( GLL ) em Lâmina d'água de 721 metros, com navio sonda de
posicionamento dinâmico;
- Instalação e Operação de monobóia a 405 metros de lâmina
d'água;
- Lançamento de duto rígido de 8" em 620 metros de
profundidade;
- Instalação de Árvore de Natal Molhada sem cabos guias (
GLL ) e lançamento de linhas flexíveis a 781 metros de profundidade, no
poço 7 MRL- 9- RJS ". ( * FM 10 -01-93 )
Uma reportagem do Jornal do Brasil de 8-3-92, destacava:
"Petrobrás investe em pesquisas- Cenpes pode ganhar programa para aprimorar
a prospecção de petróleo. O Cenpes ( Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da
Petrobrás ) está propondo a criação de um Programa de Inovação Tecnológica,
com duração de cinco anos e investimentos estimados em US$ 60 milhões
destinados a viabilizar novos avanços na produção e industrialização de
petróleo. Estamos capacitados para atuar até 1.000 metros de lâmina d'água (
distância da superfície ao fundo ). Agora temos que dar um novo salto, da
invenção, explicou o superintendente do Cenpes, Guilherme Estrela".
(...) "Mas o estudo considerado de maior importância dentro do
Cenpes, hoje é a definição das especificações básicas para a produção do Campo
de Albacora, na Bacia de Campos, que deve gerar 200 mil barris/dia até 1995. O
83
departamento de Engenharia Básica responde pelas características técnicas das
duas plataformas semi-submersíveis que ficarão a 900 metros de lâmina d'água,
100 metros a mais do que o recorde atual. Albacora produz hoje cerca de 40 mil
barris/dia, mas nos próximos três anos deverá fornecer junto com o Campo de
Marlim 40 % da produção nacional, cuja meta é chegar a 1 milhão de
barris/dia. No esforço de reduzir custos e aumentar a eficiência nos processos
de exploração de petróleo, o Cenpes também quer mais produtividade no
aproveitamento do óleo. Do petróleo localizado nos poços e no interior das
formações rochosas, aproveita-se atualmente apenas de 30% a 40%, taxa
conhecida como fator de recuperação.
Um grande desafio tem sido ampliar em pelo menos 10 % este
padrão. A reserva do Campo de Marlim soma, por exemplo, dois bilhões de
barris. Com um aproveitamento 10% superior, o país agregaria às suas reservas
estratégicas 200 milhões de barris"15.
15 No dia 2 de Setembro de 1994, o Jornal Folha da Manhã, anunciou em manchete:
"Petrobrás lança a 1ª Bomba Centrífuga Submarina do Mundo". Segundo a mesma
reportagem, este equipamento desenvolvido com o apoio de sete empresas privadas tem
como finalidade ajudar a produção de poços de petróleo, onde o atual sistema de elevação
do óleo - ogás lift - não esteja mais dando os mesmos resultados. Esse equipamento ainda
está em fase de testes. Uma de suas maiores vantagens é que o petróleo vai poder ser
retirado mesmo longe da plataforma. A capacidade é de bombear o óleo a uma distância
de até 25 quilômetros. Isso poderá economizar uma plataforma inteira: o poço vai
produzir sozinho. O percentual de aproveitamento do potencial energético dos poços que
hoje é de 60%, poderá passar para 70% em função do bombeamento de parte do óleo que
ficava no poço, a partir do fim da reserva de gás que permitia a sua extração".
84
O diretor da área Exproper da Petrobrás, João Carlos França de
Lucas, ao comentar sobre o milésimo poço aberto na Bacia de Campos, falou
ao Jornal Folha da Manhã, de 05/ 10/ 93: " O país tem reservas comprovadas
para produzir 1 milhão de barris/ dia de óleo e projeções quase garantidas
para 1,5 milhão b/d, dependendo de novas descobertas que virão do
programa exploratório. Trata-se de uma meta viável e previsível de
investimentos e da vontade política que está relacionada ao avanço da
tecnologia em águas profundas. Nosso limite hoje vai até 1.000 metros, mas
temos certeza de que dentro de três a quatro anos estaremos com o nosso
Procap 2000 pronto e com resultados tão bons quanto o Procap 1000".
Existe na empresa uma divisão que participa do
desenvolvimento dessa tecnologia, assim como coordena as diversas
operações que é a DIVAP ( Divisão Técnica em I nstalação em Águas
Profundas ) ligada ao Departamento de Produção ( DEPRO ). A execução das
atividades em alto mar fica a cargo da Divisão de Engenharia ( DIREN ) no
órgão operacional, neste caso, a Região de Produção Sudeste ( RPSE ).
Os trabalhos em Águas Profundas dependem sempre dos robôs
submarinos como ferramenta indispensável à instalação e manutenção de
equipamentos, já que o trabalho dos mergulhadores fica limitado a uma
profundidade próxima de 300 metros e, mesmo assim, a um alto custo, e
pode-se dizer também, a um alto risco. O CENPES e a COPPE / UFRJ,
através do Programa de Engenharia Oceânica e Engenharia Elétrica há
tempo, vêm pesquisando e desenvolvendo tecnologias que permitam a
utilização cada vez mais precisa dos robôs. Recentemente foi desenvolvido
um sistema que torna viável o posicionamento dinâmico dos ROVs ou VORs
( Veículo submarino de Operação Remota ). Um dos objetivos desse sistema
85
é o de manter o robô submerso praticamente parado diante de um alvo
determinado, minimizando os efeitos das correntes marinhas, através do
acionamento automático de seus propulsores ( posicionamento dinâmico )16.
As Inovações Tecnológicas nessa área são as que possibilitam
ampliar as reservas e a produção de petróleo no país. O desenvolvimento
tecnológico nessa área não traz questionamentos sobre os impactos sociais e
nem de segurança, pois a prospecção de poços em tais profundidades só se
viabilizam através do desenvolvimeto das pesquisas que garantam a
instalação, operação e manutenção de equipamentos em águas profundas.
3.5.2 - O Caminho da Automação nas Plataformas:
A segunda direção das Inovações Tecnológicas, a Automação
Industrial se verifica através da instalação de sistemas de Supervisão e
Controle nas plataformas e tem obedecido a um plano estratégico da
empresa. A decisão de incentivar cada vez mais sua instalação consta do
Plano Estratégico do Sistema Petrobrás, Plano Decenal 1992 - 2001, que
prevê como Objetivos Permanentes relativos ao desempenho do Sistema:
"- Desenvolver a capacitação tecnológica em articulação com a
comunidade científica e tecnológica;
16 Jornal Momento Coppe N° 12, Março de 1994 - pag. 2.
86
- Formar, desenvolver, valorizar seus empregados e integrá-los
ao Sistema Petrobrás;
- Assegurar padrões de saúde ocupacional e de segurança do
pessoal e do patrimônio do sistema".
Ainda no Plano, os chamados Projetos Estratégicos - "que visam
a transformação das orientações estratégicas em ações e resultados"
definem 14 temas a serem implementados, dentre eles a Automação
Industrial. Nesse caso, estão incluídas não só as atividades off shore, mas
todos os tipos de atividades do Sistema Petrobrás.
O processo de Inovação Tecnológica na exploração de Petróleo
off shore na Bacia de Campos, de uma forma geral se inclui em semelhante
trajetória das demais atividades produtivas, principalmente no que diz
respeito à automação de processos, visando à supervisão e ao controle do
mesmo.
Segundo entrevista ao Jornal "Folha da Manhã" de Campos, RJ,
em 18 de Setembro de 1992, o Superintendente da Região de Produção
Sudeste da empresa, Paulo Roberto Costa declara que: "o constante avanço
tecnológico ocorrido nos últimos quinze anos resultou na instalação de
plataformas com diferentes níveis de automação.
Esta falta de padronização das instalações e a necessidade de
reduzir os custos operacionais, forçaram a RPSE a promover um reestudo
dos sistemas instalados, tentando adequá-los e otimizá-los para o atual
momento".
Esses diferentes níveis de automação são assim classificados:
87
1ª Família de Plataformas ( São 7 Plataformas Fixas: Garoupa,
Enchova, Pampo, Cherne 1 e 2, Namorado 1 e 2 ):
As plataformas classificadas nessa primeira família constituem-
se de sistemas baseados em painéis de lógica fixa ou relés, controle
pneumático das malhas de entrada e supervisão através de painéis
semigráficos.
Segundo a empresa, esses sistemas apresentam pouca
flexibilidade e nenhuma possibilidade de integração dentro de um ambiente
de produção de grandes transformações, de acordo com a evolução do campo
petrolífero.
2ª Família de Plataformas ( Pargo e o Polo Nordeste:
Carapeba 1 e 2 e Vermelho 1, 2 e 3 ):
Essas Plataformas se caracterizam por possuírem sistemas que
contemplam a lógica programável e controladores eletrônicos que deram
início à utilização de microcomputadores para supervisão de toda a
plataforma. Nelas o controle continua sendo feito, ou diretamente no
processo ou nos painéis de CLP's. O Computador serve apenas para
supervisão da produção.
3ª Família de Plataformas ( Plataformas Semi-submersíveis
Marlim, Marimbá e Albacora ):
Essa é composta pelos sistemas mais novos, onde se utiliza a
tecnologia dos Controladores Lógicos Programáveis em conjunto com
estações gráficas para supervisão, integrando todas as informações referentes
88
à produção em bancos de dados que permitem confeccionar relatórios e
alimentar os "computadores corporativos" da base terrestre, cujos principais
aplicativos usados são Bancos de Dados de Material, Transporte,
Equipamentos e Informações à Produção.
Há um sistema que faz a integração de Software e Hardware
com a finalidade de ser interface entre o operador e os sistemas de operação,
monitorização e segurança da Plataforma que opera o Projeto Piloto do
Campo de Marlim ( SS-33 ). Esse sistema é chamado de ECOS ( Estação
Central de Operação e Supervisão ).
Segundo a empresa, a implantação desse Sistema vem substituir
o que antes era feito por grandes painéis sinóticos de processo e de
utilidades, constituído por relés e controladores analógicos existentes ainda
nas Plataformas da 1ª Família e também na Plataforma de Pargo da 2ª
Família. Esta possui também um Painel com os CLPs e ainda um
microcomputador que tem a função apenas de Supervisão. Embora já se
conte com esses novos recursos, ainda existe instalado, nesta plataforma, um
grande painel sinótico.
No sistema ECOS, através dos terminais, ligam-se e desligam-
se motores, abrem-se e fecham-se válvulas e também atua-se nas variáveis de
processo ( pressão, nível, temperatura ), alterando-se "set-points" ou
característica de controle ( ganho ou resposta ), fazendo-se intertravamento
de segurança, anunciação de alarmes, detecção de fogo e gás, operação e
controle de turbomáquinas, controle de lastro e amarração da plataforma (
nas SSs ). As telas são divididas entre os diversos sistemas ( processo,
utilidades, segurança, ventilação, lastro, etc. ). Os símbolos dos
equipamentos ( bombas, válvulas, vasos, tanques, etc. ) estão dispostos na
89
forma de fluxogramas e possuem dinâmicas que alertam o operador, através
de mudança de cor e de alarmes, sobre a necessidade de intervenção, para
correção de anormalidades.
São consideradas como vantagens a economia de espaço, peso,
fiação e a facilidade sobretudo da instalação, manutenção, bem como das
expansões e alterações no sistema, pois as telas de computador podem ser
feitas em terra e levadas prontas para atualização imediata na Plataforma.
A Estação Central de Operação e Supervisão está hoje instalada
em Marlim ( SS-33 ), na SS-29 - Campo de Marimbá, na SS-10 Albacora, na
Plataforma de Enchova e na Plataforma que foi ancorada em Abril de 1994,
na Bacia, a SS-44 ( PXVIII ). Praticamente são cinco operando na Bacia de
Campos. Esse sistema é considerado "um estado da arte em automação de
plataformas no Brasil " 17. A ECOS é constituída por um minicomputador
VAX e quatro estações de trabalho ( com quatro terminais coloridos com
dupla CPU - uma operadora e outra em "stand by" - quatro estações gráficas
que permitem a interface entre o operador e a máquina, três estações de
impressão ) instaladas por plataforma e interligados entre si e à RPSE
através de rede.
A filosofia do Sistema ECOS é a de que o operador, a partir do
mesmo ponto ( Sala de Controle ), " tenha acesso, de forma centralizada, às
informações vitais da plataforma de maneira clara e rápida que permita
17 Jornal da Bacia de Campos - Janeiro/ Fevereiro 1993, pag. 7.
90
uma intervenção rápida e correta"18. Também permite a emissão de uma
série de relatórios, que propiciam ao operador observar o comportamento das
variáveis. A partir desses dados é que são emitidos os relatórios gerenciais
da plataforma.19
No Capítulo 5 serão descritos e analisados os Impactos das
Inovações Tecnológicas sobre o trabalho de operação das plataformas.
18 Jornal da Bacia de Campos - Petrobrás, Julho de 1993, pág. 6.
19 BDP- Boletim Diário de Produção (Óleo) e BDG - Boletim Diário de Gás.
91
Capítulo 4
COMO SE VIVE E TRABALHA NA PLATAFORMA ?
As plataformas se dividem quanto ao aspecto da
funcionalidade, ou melhor, dos seus objetivos em 3 tipos:
As Plataformas de Perfuração, de Produção e as Plataformas
que são tanto de Perfuração quanto de Produção.
É importante registrar esta explicação técnica, pois ela irá
determinar o funcionamento da plataforma, ou melhor, o seu dia a dia. As
plataformas que são de perfuração e de produção, são maiores em termos de
espaço físico, porque possuem, além da planta de processo da área de
produção, a sonda de perfuração. As acomodações também deverão ser
maiores para poder alojar todo esse pessoal, da Produção, da Perfuração e da
Manutenção de ambos os setores. Existe ainda o pessoal de apoio
operacional. É o chamado pessoal da hotelaria, responsável tanto pela
preparação dos alimentos, quanto pela limpeza e arrumação dos camarotes,
da área administrativa, do setor de recreação e o de repouso. Esse setor é
todo terceirizado.
O trabalho na plataforma ocorre em 3 tipos diferentes de regime
de trabalho:
Administrativo ( 7h às 11h30min e 13h às 17h 30min ) - para o
pessoal de escritório ou de serviço burocrático;
92
Sobreaviso - para o pessoal de manutenção e para as chefias;
Turno ( normalmente de 12 horas em revezamento ) - pessoal
de produção e perfuração.
Pode-se chegar à plataforma somente de duas formas: pelo ar,
de helicóptero, e pelo mar, normalmente de lanchas. O pessoal da empresa
normalmente viaja de helicóptero. Essa rotina só é alterada em caso de
impossibilidade absoluta de vôo ou quando o petroleiro prefere o embarque
marítimo, por detestar viajar de helicóptero.
Durante a pesquisa feita nas plataformas, alguns depoimentos
colocaram esta questão, inclusive um operador de rádio. Ele voltava a
trabalhar embarcado depois de 5 anos e havia sido transportado para a
plataforma de helicóptero e agora rejeitava a hipótese de voltar neste mesmo
meio de transporte. Ele estava programando seu desembarque.
Alguns têm resistido à troca de plataformas, por não quererem
viajar mais tempo de helicóptero. As viagens de helicóptero têm como base
em terra, o Aeroporto da cidade de Macaé. As plataformas mais próximas do
continente se situam a um tempo de vôo até o continente, em torno de trinta
minutos. As plataformas instaladas em campos mais distante da base do
continente, que são as plataformas dos campos explorados mais
recentemente ( Marlim e Albacora ), se situam em torno de cinqüenta
minutos de vôo.
O pessoal de empreiteira normalmente viaja de lancha. Um
técnico em equipamentos de empreiteira, em uma das plataformas, que
ganhava em torno de 2 Salários Mínimos para trabalhar embarcado, disse que
a viagem de catamarã dura em média 5 horas. Dependendo da distância das
93
plataformas e das condições do mar, a viagem leva de 4 a 6 horas. Ele dizia
ainda: "esta viagem é horrível, muitos passam mal, vomitam, caem ... é o
pessoal todo jogado no chão, sentam nas pernas do sujeito, vem cheirando
limão, molhado do lado de fora, não dorme, treme de frio, parece um bando
de amotinados". Esse técnico disse, ainda, que as pessoas que se sentem
muito mal usam remédios contra enjôo e preferem viajar do lado de fora,
respirando o vento direto. Só que do lado de fora faz muito frio e eles ficam
molhados, porque quando o mar está muito forte respinga água nas pessoas.
Outra reclamação dos trabalhadores de empreiteira é com relação à revista a
que são submetidos no Porto da Petrobrás. Eles têm que chegar entre 22:30 e
23:00 horas para serem revistados e devem sair de lá por volta de uma ou
duas horas da manhã. Segundo ele, ainda, muitos torcem para que o mar
esteja muito ruim; assim a embarcação pode não sair e a viagem ficar para o
dia seguinte, de helicóptero. Acaba sendo uma contradição: se o mar estiver
bravo, mas não tanto a ponto de impedir a saída, a viagem será das piores.
Certamente tem-se aí um outro estudo a fazer: o trabalho das empreiteiras
nas plataformas.
Seja de helicóptero ou de lancha, é impressionante a sensação
que se tem quando se desce na plataforma. Após descer no heliporto,
continua-se a descer as escadas em direção à recepção. Nesta é feita a
identificação e logo após é realizado o "breafing" pelo Técnico de Segurança
do Trabalho. Após o "breafing" e a colocação do cartão no ponto de reunião
determinado para evacuação da plataforma em situação de emergência,
depois de soar o alarme, o petroleiro ou o visitante, no caso de pernoitar na
plataforma, é encaminhado ao camarote.
94
O "breafing"20, as exigências de segurança para abandono da
plataforma, em caso de necessidade e o local de descanso, praticamente no
mesmo local do trabalho, caracterizam a especificidade do confinamento em
alto mar. A divisão da parte administrativa da parte de produção da
plataforma é exatamente a mesma de qualquer empresa instalada no
continente. Aliás, é esta a sensação que se tem quando se percorre a planta
de processo. O barulho dos equipamentos, as tubulações cortando todos os
espaços como em qualquer indústria de processo, poucas pessoas circulando,
a não ser algumas da manutenção executando pequenos reparos durante o
dia... é tudo muito parecido. Mas, na realidade é como se fosse uma fábrica
instalada numa ilha. Sem comunidade ao redor. Uma ilha
antropotecnológica? Nas grandes plataformas fixas, até as colunas que
sustentam a estrutura passam a idéia de um grande galpão comum nas
fábricas do continente. Ninguém olha o mar. É um outro mundo. O tempo
passado neste mundo não parece ser o mesmo do mundo "real", do
continente, onde todas as coisas estão acontecendo simultaneamente. As
notícias deste mundo só chegam lá através da imprensa, TV, jornais, ou
através dos contatos telefônicos.
A adaptação é algo extremamente subjetivo. Identifica-se, nas
entrevistas, os problemas gerados por esse tipo de trabalho. Além da
pesquisa qualitativa realizada a partir de entrevistas, uma pesquisa
quantitativa, cujo resultado completo consta dos anexos, foi realizada entre
20 Breafing são as orientações gerais passadas sobre o comportamento necessário,
principalmente em situações de emergência, quando se está a bordo de uma plataforma.
95
os meses de Dezembro de 1992 e Março de 1993, entre os Operadores de
Produção que, naquele momento, trabalhavam embarcados.
Essa pesquisa do Perfil do Operador de Produção Off Shore,
com relação à adaptação ao trabalho embarcado, aponta que: apenas 19 % se
sente bem adaptado; 65% se considera regularmente adaptado e, 16 % afirma
não conseguir se adaptar. Entre os que não conseguem se adaptar e os que se
consideram regularmente adaptados, 94% atribuíram este fato ao afastamento
do convívio social e familiar, 80% ao confinamento, 45% ao trabalho em
turnos e 38% ao medo e à insegurança devido ao risco da atividade. Com
relação ao trabalho em regime de turnos, 63% diz que se adapta
regularmente, 23% se adapta bem e 14% não consegue se adaptar.
Um operador, numa longa entrevista com este pesquisador,
resumiu essa sensação falando de forma angustiada e impotente, porque ele
não via como resolver a questão. Ele dizia: "O problema aqui é que a gente
não volta para casa, se tivesse uma rua aqui que levasse para casa... o
pessoal de Cabiúnas do turno ganha igual a gente e está todo dia em casa.
O pessoal que trabalha em terra vai resolvendo seus problemas aos poucos,
nós não, interrompemos com 20 dias, largamos tudo e vamos embora". (
Ent. 9 )
Outro operador, ao fazer uma análise do seu trabalho, também
angustiado, falava das privações que o trabalho lhe provocava: "O vizinho
toma a mesma cerveja sua, faz as mesmas coisas e não precisa vir para cá.
Tá saindo muita gente, eles sabem..." ( Ent. 6 )
Certamente esse problema serve como tema para um sério
estudo que poderá ser de grande valia para o mundo da pesquisa e,
96
principalmente, para os trabalhadores. Através dele, poderão ter uma posição
com relação a algo que influencia tanto a sua vida. Essas pessoas devem
desenvolver maneiras diferentes de ver o mundo provocadas pelos longos
períodos de suas vidas, vividos longe da sociedade21.
Para reforçar o que foi dito acima, existe um outro exemplo:
quando acontecem eleições, durante o período de embarque dos petroleiros,
eles ficam sem votar. O trabalho retira deles o direito à cidadania plena, que
certamente passa pelo direito de eleger seus governantes. Na eleição de
1989, de Presidente da República, em diversos países do mundo, os
brasileiros lá residentes puderam manifestar sua opção eleitoral. Já os
petroleiros da Bacia de Campos que estavam no período de trabalho a 100
Km do continente, a aproximadamente 300 Km da famosa cidade do Rio de
Janeiro, não puderam depois de quase 30 anos, votar no Presidente da
República do seu país. Agora, em 1994, com as eleições gerais que o país
viveu, esse fato se repete, gerando novas frustrações e questionamentos
sobre a especificidade de um trabalho que impede o exercício de um dos
direitos sagrados do cidadão, que é o de escolher livremente, através do
voto, seus representantes nos poderes legislativo e executivo22.
21 Esse assunto merece um estudo antropológico. É possível que ele possa
identificar entre esse grupo de pessoas algumas características semelhantes ao dos povos
primitivos.
22 Reportagem do "Jornal do Brasil" de 4 de Outubro de 1994, diz: "Frustação em alto-
mar - Trabalhadores de plataformas não podem votar. Quase quatro mil eleitores
97
As vidas dessas pessoas, devem, de alguma forma, registrar as
marcas oriundas da especificidade desse trabalho. Isso certamente traz
conseqüências, mesmo para aqueles que, de uma forma global, vêem seu
trabalho com um sentimento de satisfação e de prazer, por verificar que, a
partir dele, conseguem o sustento e, ainda, como algo que permite a sua
realização profissional em função da importância estratégica desse tipo de
atividade, para o país.
Esta análise permite que se reafirme o trabalho como algo que
interfere diretamente sobre as vidas das pessoas. Interfere muito, para além
do aspecto físico, da carga de trabalho. Acarreta, principalmente, uma
sobrecarga mental, que deve, por outro lado, também influenciar a
comunidade onde vivem essas pessoas que exercem esse tipo de trabalho23.
brasileiros não votaram nesta eleição por estarem em plataformas em alto mar.
Funcionários da Petrobrás e de empreiteiras que prestam serviços à estatal vão receber
uma carta da empresa com chancela do TRE para, posteriormente, se justificar em sua
zona eleitoral... Eu gostaria de ir às urnas: exercer o voto é exercer a cidadania, ensina o
Engenheiro Paulo Lourenço, chefe da plataforma ( Cheplat ). ( ... ) Entre os quatro mil
homens que não irão votar, estão incluídos os prestadores de serviço do setor privado.
Para eles, situações como a falta de comparecimento às urnas são corriqueiras. Na final da
Copa, só os que estavam fora da escala assistiram à vitória nos pênaltis sobre a Itália".
23 Este é o tema principal da tese de mestrado, já citada no Capítulo 1, da Introdução, ora
em desenvolvimento, de autoria de PIMENTEL, Nelson C. P., também mestrando da
Engenharia de Produção da COPPE/UFRJ.
98
4.1 - O descanso e o lazer nas Plataformas:
O trabalho na plataforma acaba por envolver o petroleiro além
das suas 12 horas da escala. As horas do "não trabalho", trazem à tona, nas
12 horas restantes, a realidade do confinamento. O confinamento na
plataforma, faz com que haja uma contaminação quase que total do trabalho
sobre o tempo livre ( 12 horas ).
As refeições e as atividades de lazer são realizadas em espaços
contíguos aos da produção. Durante esse período se descansa, se dorme e,
complementarmente, realiza-se alguma atividade física ou simplesmente de
lazer ( jogos, TV e vídeo, etc. ).
Na pesquisa do Perfil do Operador Off Shore, a pergunta 8.1
( Vide Anexo -3 ) procurou identificar o uso do tempo livre na plataforma e
o grau de importância que os operadores davam a cada uma deles. A
formulação da pergunta não ficou adequada o que acabou gerando dúvidas no
preenchimento das respostas, acabando por comprometer os resultados na
tabulação desse item.
Porém, eles se manifestaram sobre a qualidade das atividades
em tempo livre na plataforma: 58% consideram regular, 13% ruins, 1%
péssima, 27% boas e 1% ótima.
O lazer, nas Plataformas, fica limitado às condições oferecidas
por cada uma delas. Em todas existem as salas de TV; algumas possuem
ainda uma sala para vídeos, outras chegam a possuir cinema com
99
programação diária. As plataformas fixas maiores possuem quadras
esportivas no tamanho oficial. As menores e algumas Semi-submersíveis
possuem pequenas quadras. Algumas possuem salas de musculação e saunas
( Vide fotos no Anexo 6 ). Quase todas têm salão de jogos, com mesa para
jogo de cartas, ping-pong, sinuca e jogo de bonecos ( totó ). Em algumas
plataformas esse espaço é contíguo à sala de TV.
A quadra e/ou o heliporto são utilizados por muitos para as
caminhadas ou corridas, principalmente durante a noite, entre 19:00 horas e
19:45, antes dos telejornais na TV, principalmente o Jornal Nacional, da
Globo que, às 20:00 horas, é visto em praticamente toda a Bacia.
Os petroleiros se revezam nas diferentes atividades durante as
12 horas de não trabalho. Descansam entre 6 e 9 horas, dependendo da
pessoa e do turno de trabalho. Quando se trabalha no turno da noite, o tempo
gasto dormindo tende a ser maior do que no diurno. Quando se trabalha
durante o dia, o lazer tende a ser mais coletivo, porque une os trabalhadores
que trabalham nos diferentes regimes de trabalho (
administrativo, sobreaviso e turno ).
Os camarotes, dependendo da plataforma, possuem banheiros
próprios e acomodações para duas, quatro ou seis pessoas. O camarote
possui, quase sempre, som ambiente e armários próprios para cada pessoa.
Só os camarotes dos Chefes de Plataforma - Cheplat - e os Chefes de
Manutenção - Cheman ( algumas plataformas fixas de grande porte ) e os
Encarregados da Plataforma ( caso das SSs - espécie de gerente
administrativo da plataforma ) possuem TV.
100
Na pesquisa sobre o Perfil do Operador Off Shore os
Operadores se manifestam sobre as suas acomodações na Plataforma:
Quanto à Limpeza e Arrumação do Camarote: 44% consideram
boa e 39% regular. Em relação à troca e Lavagem de Roupas: 51% afirmam
ser regular e 36% boa. A maioria reclama da divisão do camarote com outros
petroleiros que têm horário de trabalho diferente: 37% reclamou da divisão
do camarote e ainda 24% disse que às vezes isso acontece; 39 % dizem que
isso não ocorre. Também a maioria, 54% considera seu camarote totalmente
inadequado para o descanso. Os operadores consideram a falta de
privacidade e hábitos diferentes entre os ocupantes do camarote como os
principais problemas enfrentados no camarote. 57% reclamam de mudanças
de camarotes entre um embarque e outro.
Sobre a alimentação nas plataformas, 48% consideram regular,
41% Boa e 10% Ruim.
4.2 - Síndrome de Off-shore
Um documento elaborado pelo Engenheiro da Petrobrás Leonel
França, na época Chefe do CORPREO, e entregue à Diretoria da Empresa em
1983, intitulado "SÍNDROME DE OFF-SHORE", já apontava questões
importantíssimas a respeito do que ele chama de ambientação do homem ao
trabalho offshore em regime contínuo.
101
Esse documento, portanto tem 11 anos. Seu autor fala, logo no
início, que no momento da sua elaboração não havia nenhuma previsão de
alteração de local e do regime de trabalho. Isso acabou ocorrendo em 1989,
após a promulgação da Constituição de 1988. Na época a relação entre o
regime de trabalho e de descanso passou de 14 x 14 para 14 x 21. ( Vide
item 4.2.1 ). Diz ainda que as referências relacionadas ao pessoal no
documento se prendia ao pessoal do DEPRO ( Departamento de Produção ).
Essa é exatamente a área - objeto desta pesquisa.
Esse documento, sem dúvida tem grande importância para esta
pesquisa e outras que poderão suceder a esta. Ele será comentado por partes,
procurando-se atualizá-lo com dados obtidos a partir da pesquisa de outros
documentos, do relatório do embarque e das diversas entrevistas com
petroleiros, especialmente os operadores de produção.
Logo no início, ele diz que: "atualmente toda a organização do
Departamento de Produção voltada para a atividade de pré-operação cuida com
satisfatória experiência da parte técnica e do treinamento técnico do pessoal. Porém, a
preparação do pessoal para o novo ambiente de trabalho nas plataformas ainda é
tremendamente falha, para não dizer inexistente" . Nesse aspecto o autor do
documento completa: "para não criar polêmica na área do Serviço de Pessoal da
Companhia, adiantamos que a preparação a que nos referimos envolve aspectos que a
"organização" da Petrobrás está longe ainda de poder realizar de imediato".
Esse comentário a respeito da "organização" da Petrobrás
parece traduzir o sentimento de que, a necessidade da produção de resultados
num curto prazo, impossibilitou um trabalho mais diferenciado para esta
mão de obra que atua num tipo de atividade totalmente diferente de tudo que
já existiu antes.
102
Neste ponto o Eng. Leonel afirma que: "considerar uma plataforma,
tecnicamente, como um misto de um navio ancorado em alto mar e uma refinaria é um
erro até aceitável, já que os enganos daí decorrentes não chegam a comprometer os
serviços".
Essa opinião, à época, do Eng. Leonel não é hoje compartilhada
pelo Engenheiro da Entrevista N° 14, que já foi citada anteriormente. O
mesmo havia afirmado que, no início, não se sabia exatamente o que era uma
plataforma e, desta forma, se considerou, na época, que fosse algo parecido
com uma refinaria, pelo fato de ser uma planta de processos e que seu
funcionamento pleno demandava grandes equipes de apoio e manutenção. A
compreensão que cada plataforma fosse uma refinaria dando pleno poderes
ao chefe da plataforma, para formação da sua equipe e de sua estrutura de
apoio, acarretou erros estratégicos importantes.
Ele diz: "eles fizeram com que... como filosofia a maioria deles, que
todos os serviços fossem feitos lá em cima, lá no mar, é como se desconsiderasse a terra
e fizesse no mar, isto resultou em 200 pessoas de efetivo. A gente ia para uma plataforma
destas, o desconforto, porque você estar confinado com conforto é uma coisa, agora você
estar confinado, quase batendo cabeça um com outro, quase com cama quente e com
muitas pessoas em lugar fechado é horrível, você tinha que dizer às 11 horas é a
primeira turma de almoço, outra às onze e meia, porque senão não dava. Era horrível".
Essa entrevista ( N° 12 ) recente, de Agosto de 1993, dez anos
depois do outro documento, mostra que, mesmo com relação aos serviços
técnicos, essa alternativa não era a melhor. Hoje, novas estratégias
caminham para resolver esse problema, através da mudança da organização
do trabalho na plataforma, com a redução, ao essencial, das atividades a
serem nela executadas. Essa é a forma de reduzir custos e melhor
103
operacionalizar o trabalho da produção off shore. ( Aqui não se faz
referência à redução do número de operadores na produção, assunto que será
tratada em capítulo posterior ).
Em 1983, apontava-se, com muita clareza, os problemas do
trabalho na plataforma: "... sob o ponto de vista de ambiente de trabalho e
esclarecemos que não se trata só de saúde ocupacional, os métodos aplicados pela
Empresa-Mãe têm de ser completamente revisados para os seus "filhotes" nas
plataformas".
Aqui cabem alguns comentários sobre essas palavras. Primeiro,
sobre o fato dos métodos da empresa não acarretarem apenas problemas de
saúde ocupacional. É preciso dizer que os problemas decorrentes da
organização, da jornada e do ritmo de trabalho dizem respeito sim, à saúde
ocupacional. Problemas de saúde ocupacional têm, quase sempre, origem em
equívocos relativos quanto ao método adotado para organizar o trabalho, em
todos os seus aspectos. A organização do trabalho vai influenciar,
principalmente, no aparecimento de problemas de ordem psicológica e
comportamental, que também são problemas de saúde ocupacional.
Segundo, na citação, as expressões "Empresa-Mãe e filhotes",
demonstram uma maneira patriarcal de se pensar a empresa. Esse
comportamento mereceria um estudo maior, inclusive aprofundando-se a
natureza dos problemas psicológicos gerados pelo trabalho off shore, dando
origem a outras teses. Seria da maior importância, não só para os
trabalhadores embora principalmente mas também para a empresa, sob o
ponto de vista estratégico, já que a Bacia de Campos tem uma perspectiva de
atuação de, pelo menos, mais 50 anos. Isso significa mais duas gerações de
trabalhadores. ( Pela legislação atual, o trabalho em ambientes periculosos,
104
tem um tempo mínimo para aposentadoria de 25 anos, seja em uma refinaria
em terra, seja no trabalho em alto mar, confinado. Esse assunto, talvez, já
seja também motivo para um outro estudo ).
A citação "filhotes" também induz a pensar nos cuidados da
mãe com o filho rico. Na época, 1983, a produção da Bacia de Campos - Off
shore tinha apenas 6 anos e representava em torno de 30% da produção de
óleo da Petrobrás. Hoje, esse filhote já produz mais de 66% da produção
nacional. Isso reforça a opinião do autor de que os cuidados dispensados aos
recursos humanos nessa área devem ser maiores.
Esses cuidados, defendidos pelo Eng. Leonel França, já estavam
colocados em seu documento que diz ainda: "não vamos ser ingênuos a ponto de
considerar uma atitude benéfica à companhia o fato de um empregado, trabalhando
insatisfeito na plataforma, pedir demissão. Isto poderia ser até certo ponto, se a
insatisfação fosse isolada, o que não é o caso".
Ele conta uma piada, a mesma que já contara a este pesquisador,
quando dos seus dez dias de embarque. Segundo ele, talvez traduza bem o
sentimento popular sobre o trabalho offshore e trabalho contínuo: "sem
conseguir resolver o problema de superlotação nas penitenciárias, decidiu-se comutar
pela metade todas as penas dos detentos. Perguntou-se, então, como seria feito com os
condenados à prisão perpétua. A resposta veio: isto é fácil, basta embarcá-los 15 por
15!".
Ao comentá-la, ele acrescenta: " Exagerando, este é o sentimento
latente na maioria dos que trabalham em regime que citamos. As perguntas que fazemos
são as seguintes: - está realmente ocorrendo este sentimento ? ; - Se está ocorrendo,
quais são as suas causas e efeitos ? ; - Como fazer para evitar esta síndrome offshore ?
105
Vamos tentar esclarecer o teor dessas indagações aos que aqui se encontram. Está
realmente ocorrendo este sentimento? É claro que sim. A experiência destes anos todos
que possuímos em pré-operação offshore nos permitem respondê-la sem hesitação".
Ao falar das causas, afirma que elas não estão na parte técnica:
"os grandes problemas das plataformas não são técnicos, pois estes são perfeitamente
identificados e delineados... os grandes problemas das plataformas convergem, portanto
para a área das ciências humanas, para o que a Organização da Companhia, de natureza
inteiramente técnica, não possui a devida intimidade, principalmente no que se refere às
atividades offshore.
Quando todos ou alguns daqueles equilíbrios de que falamos são
rompidos, somos desagradavelmente brindados com pessoas apresentando problemas
psíquicos e que via de regra, ficam totalmente inadequadas para o trabalho offshore,
ficando, em muitos casos, inadequadas para qualquer tipo de trabalho. Temos visto
colegas que mesmo após 1 a 2 anos do início da descompensação ( conforme vulgarmente
chamamos em Macaé, a perda de equilíbrio psíquico ) não conseguem recuperar o
equilíbrio original".
Essa insatisfação, presente também nos dias atuais, contribui
para a vontade de trocar de atividade, de largar o trabalho embarcado:
"Está saindo muita gente, não está aguentando...tá saindo muita gente,
eles sabem. Estão começando a se preocupar. Gente indo para as refinarias.... Só fico
aqui por causa de dinheiro. Sairia por menor salário se pudesse morar onde moro,
quero sair deste negócio de embarcado, todo mundo quer sair, ninguém gosta de
trabalhar embarcado, acabam ficando doidos. Conheço um que ficou maluco. Outro
que estava dando entrevista para vocês, eu já peguei dando cabeçada em válvula. Outro
perdeu 4 dedos do pé. Conheço um que abandonou no primeiro dia depois de um quase
106
acidente fatal... Quem quer ficar nestas condições? Você chega em casa até meio
estranho. Tenho um amigo que quando desembarca a filha chora com medo dele, tem
que chegar devagarinho.Ele cheio de saudade e a filha chorando...( Ent. 6 )
Voltando ao documento: " Paralelamente a todos os desequilíbrios, a
síndrome offshore apresenta o sintoma de angústia causada pela falta da perspectiva da
mudança de local e regime de trabalho".
A angústia citada no documento aliada à ansiedade pode ajudar
a compreender uma anotação deste pesquisador durante o embarque já
referido:
Neste momento, na sala dos operadores, no 4° dia de
embarque, uma quinta feira, por volta de 15:30, eu, Roberto, percebo em
mim, um sentimento já expressado pelos operadores, ou melhor pelo
pessoal embarcado e que se concretiza no seguinte comportamento: não
gosto de pensar em casa e no pessoal de casa. Na mesma hora,
automaticamente, faço força para esse pensamento fugir, senão dá
aquela vontade de ir embora e eu sei que não posso. Daí, começa uma
angústia e volto a fazer força para controlar o pensamento, para falar
qualquer coisa, até conseguir. Mas, aquele sentimento "down" fica
perpassando o psiquismo, parece que fica de "stand-by", esperando nova
recaída...
( A observação seguinte foi feita, quando se escreveu o relatório
do embarque: agora, desembarcado, escrevendo este relatório, relembro
perfeitamente aquele sentimento, aquelas sensações. Analisando mais
friamente, penso que o exercício de ter que esquecer as coisas e as pessoas
de casa, repetido muitas vezes no extenso período de 14 dias e por diversos
107
embarques seguidos, certamente vai trazer desdobramentos no
relacionamento familiar e social,de uma maneira geral para essas pessoas -
Conversar sobre isto com psicanalistas - essa será, certamente, outra tese e
acho que uma tremenda tese, principalmente, se junto forem avaliados os
problemas relatados por psicólogos, sobre os filhos dos petroleiros e sua
relação com o afastamento periódico do pai ).
Voltando ao Eng. Leonel França: "esta angústia causa uma queda de
rendimento impressionante em nossos Joões e Josés. A motivação para o trabalho cai a
níveis alarmantes. Para delinear as causas faremos um pequeno exercício para
reconstituir como seria a jornada de trabalho da média entre os milhares de empregados
que lá trabalham. Vamos hipoteticamente chamar de João o nosso trabalhador-padrão-
casado e José o nosso trabalhador-padrão-solteiro.
- João e José Têm que sacrificar o último dia das suas folgas para o
preparo para embarque, principalmente se optarem pelo embarque via marítima, uma
viagem que é um verdadeiro desafio ao estômago. João se despede da mulher e dos
filhos, que ele vê crescer por batelada. A família de João é compreensiva e não faz
drama como as famílias de alguns de seus colegas, quando se despedem.
José passou o último dia de suas folgas com a infalível noiva.
José se despede da noiva e dos pais, que não confiam muito nesse tal de
helicóptero!
Ao embarcar José e João são transportados do mundo exterior para o
mundo da plataforma. Os seus hábitos têm de ser rapidamente adaptados à vida da
plataforma sob pena deles se tornarem alienígenas entre seus pares.
108
A convivência forçada com colegas que possuem os mais variados hábitos
exige equilíbrio social razoável de José e João. Mas ainda, exige um equilíbrio
educacional que muitas vezes eles têm de se esforçar para tê-lo.
José e João passam a se alimentar em quantidade e qualidade no mínimo
2 a 3 vezes superior do que fazem normalmente nas folgas.
Os seus hábitos de lazer passam do sistema de livre escolha nas folgas,
para o sistema de quase escolha dirigida na plataforma.
Portanto, haja equilíbrio para os Joões e Josés: equilíbrio social,
educacional, emocional, alimentar, etc..
Esses novos hábitos e os novos costumes com que eles são
obrigados a conviver, parecem criar uma outra cultura. Alguns rejeitam,
também, a profunda disciplina em que são obrigados a conviver pelos 14
dias. Um petroleiro, que é funcionário da manutenção, disse, quando se
conversava sobre a rotina da plataforma: "quando a gente embarca, se programa
para as refeições, lanches, almoço, jantar, ceia, etc., quando desce toma 1/2 dúzia de
cerveja e 1 conhaque para se desprogramar". Esta nova cultura, fica evidenciada
em outra citação feita já no início desta tese, quando se falava do dentimento
de "falta": "nos tornamos um ser anti-social, quando desembarcamos, ficamos meio
perdidos, não somos chamados para casamentos, festas etc., porque não sabem se
estamos embarcados ou em terra. Comecei enfermagem e depois Educação Física, parei
no 4° período, ficou apertado, filho, família, mas não dá para ficar parado, já falei
para a mulher, vou morrer estudando, agora estou fazendo inglês". ( Entr. N°16 )
O documento continua:
109
"Queremos aqui deixar claro que a motivação do trabalhador offshore não
será reativada e/ou aumentada com iniciativas tipo CCQ, CPA, POUPE".
Existiram alguns comentários de operadores sobre tentativas de
estruturação de grupos de CCQs, que parecem não ter ido à frente. Hoje, ou
melhor, desde o final de 1992, intensificou na Bacia de Campos, na sede
principalmente, a discussão acerca do Controle Total de Qualidade. A
Superintendência da Região contratou a Fundação Cristiano Ottoni, ligada à
Faculdade de Engenharia da UFMG, como consultora desse processo de
implantação e treinamento no âmbito da Qualidade Total.
A síndrome offshore, tal como foi aqui descrita, é uma "doença" coletiva e
progressiva, cujo diagnóstico e terapia a medicina clássica desconhece.
Acreditamos que atualmente o maior remédio que vem mantendo esta
síndrome sob controle é a recessão ainda grande do mercado de trabalho no Brasil. A
necessidade do emprego ainda é o maior fator de pressão que mantém a síndrome no
controle que citamos.
Muitos falam em sair, mas temem a situação de desemprego no
mercado de trabalho. Alguns chegam a afirmar que a empresa tem explorado
esse fato: " ... A empresa precisa contratar gente de Campos, ela está preocupada
com a questão social. Se o cara de Campos não trabalhar aqui ele vai trabalhar aonde?
Para ser fichado agora e ser aprovado no concurso é melhor colocar que é de Campos,
pois lá não tem mercado, então o cara tem que trabalhar aqui mesmo". ( Ent. 6 )
Ou, outras afirmações divulgadas pela Revista de Domingo do
JB, de 17/11/91, do tipo: " Se fosse viver da minha profissão não estaria ganhando
nem Cr$ 300 mil ... aqui como um simples técnico, ganho quase o dobro" (
Arquiteto ); "Eu era professor de cursinho pré-vestibular, dava mais de 30 aulas por
110
semana, minha voz estava sumindo e o dinheiro sempre me faltava" (
Engenheiro Químico ). Nessa mesma revista, o salário parece já não atuar
como fonte de resistência: "Já se foi o tempo em que o salário compensava a
prisão, esse viver numa bomba-relógio que não escolhe a hora para estourar" (
Técnico ).
No entanto, não sejamos ingênuos novamente de pensar que isto é
suficiente. A longo prazo a Petrobrás tem muito a perder se permitir que o pessoal
trabalhe descriminada e ineficientemente com consequências imediatas, como perdas de
produção, avarias em equipamentos e queda dos níveis de segurança .
Paralelamente ao treinamento técnico defendemos a premente necessidade
de uma preparação dos homens que irão trabalhar no mar em regime permanente.
Até as próprias leis e regulamentações trabalhistas aplicadas ao trabalho
off shore apresentam-se com falhas de toda a sorte, o que obriga os gerentes e
advogados da PETROBRÁS a constantes debates para interpretação das mesmas.
Para respondermos a última pergunta é preciso que se faça um trabalho
no sentido de humanizar as plataformas. Não sejamos também descrentes, conforme
pensam alguns, de que humanizar significa contemporização ou concessão desmesurada.
Um dos pontos que precisa ser imediatamente revisto refere-se ao
aproveitamento de mulheres nos serviços offshore. As poucas iniciativas e experiências
conhecidas mostraram excelentes resultados; no entanto, na Petrobrás, continuamos
relutantes no aproveitamento de pessoas do sexo feminino nas plataformas".
Isso, atualmente, já é feito. No embarque, foram encontradas
diversas mulheres trabalhando, inclusive uma chefia de plataforma era
ocupada por uma mulher. Também curioso e interessante, é o caso de uma
111
operadora de produção, que trabalha junto ao marido, também operador, na
mesma plataforma. Sem dúvida, o que o Eng. Leonel apontava em 1983
parece estar correto. A presença da mulher, na plataforma, parece dar ao
ambiente um mínimo de normalidade.( Isso foi dito por algum petroleiro ). É
como se dissesse: isto aqui é um pouco da sociedade, não pode ser tão
diferente assim. A sensação foi de que essa medida ajuda. Num depoimento,
uma operadora embarcada afirmou que não achava o seu trabalho pesado
para mulher. Segundo sabe, há aproximadamente, 10 mulheres trabalhando
como operadoras na Bacia de Campos. Durante o embarque foram vistas
duas como operadoras e no total nas 5 plataformas, durante o embarque, um
total de 5 ou 6, sendo 3 da Petrobrás e as outras de empreiteira.
O documento continua, tratando de questões referentes aos
métodos: "A humanização das plataformas, conforme entendemos, compreende uma
completa reformulação de conceitos e métodos de treinamento e parcialmente de
instalações. Para esta reformulação devem participar psicólogos, médicos,
nutricionistas, sociólogos, etc. além dos técnicos que trabalham offshore. Supomos,
inclusive, que tal reformulação deve também abranger o DIGUAR e a RPNE que
certamente, possuem problemas semelhantes.
A RPSE vem fazendo malabarismos para resolver, com humanidade, os
problemas que vem ocorrendo com frequência preocupante. A posição compreensiva da
Superintendência da RPSE, diretamente envolvida na resolução dos problemas, nos tem
permitido sustentar a situação com palestras aqui e ali.
Aos que nos julgam alarmistas ou pessimistas esclarecemos que a
síndrome está apenas no seu início. Se ela ficar como está, tudo bem, porém, se evoluir,
as perdas de produção e os custos para reparos em equipamentos poderão ser
consideráveis.
112
A tecnologia offshore da PETROBRÁS, que já começa a ser exportada
baseia-se nos seus altos índices de produtividade, do contrário seria ridículo querer
exportá-la.
Não vamos, portanto, querer comprometer os nossos índices de
produtividade fechando os olhos da "organização" a este problema".
Este documento é muito forte e, de certa forma, mesmo depois
de 11 anos de sua apresentação, continua atual. Uma série de aspectos, nele
citados, são identificados no embarque de 10 dias a 5 diferentes plataformas.
Estão presentes, também nas diversas entrevistas realizadas em terra, quando
por exemplo, fala-se da recessão como fator que ainda prende as pessoas a
esse tipo de trabalho, certamente usando o que Dejours ( 1987 ) chama de
ideologia defensiva.
Aliás, parece ser esse o motivo que levou um Operador (Ent. 5)
e um Cheplat a dizer que é preciso ver o perfil das pessoas para saber se elas
têm condições de trabalhar off shore. Ou seja, é preciso sentir se esses
indivíduos têm condições psíquicas para construir uma ideologia defensiva
que lhes permita manter estável sua estrutura mental e psíquica, em troca do
seu trabalho. Para uns, o trabalho representa a sobrevivência, para outros a
satisfação profissional e para alguns outros um peso quase impossível de ser
carregado, mesmo tendo como referência a sobrevivência.
Nesse contexto, sem dúvida, a troca de 14 x 14 para 14 x 21 foi
fundamental para segurar, ou segundo o França, manter a síndrome sobre
113
controle. Essa questão do regime de 14 x 14 e 14 x 21 será tratada no item
4.2.1.
Este documento do Engenheiro Leonel França pode
perfeitamente se constituir, pelo que foi pesquisado, na primeira referência
sobre o trabalho off shore em exploração de petróleo no Brasil.
Volta-se a afirmar, é a primeira referência que levanta questões
sobre o trabalho off shore propriamente dito, porque diversas outras
referências técnicas, sobre as estruturas das plataformas, sobre o processo,
etc. já existiam. Este documento de circulação interna, levantou, há 11 anos,
questões concretas sobre o TRABALHO OFF SHORE.
4.2.1 ( ... ) Com 14 x 14 nem eu estava me
entendendo.
"O que segurou a barra do trabalho embarcado foi a
passagem de 14x14 para 14x21. Com 14x14 nem eu estava me entendendo.
Cheguei a ter dúvidas sobre a minha cabeça. Estou cansado do trabalho".
( Ent. 8 )
"O pessoal não está aguentando o trabalho embarcado. Muita
gente está descendo, os psicólogos vão logo perguntando, quanto tempo
tem de plataforma. Quando se responde 10 anos mais ou menos, eles dizem
é a fase crítica. O pessoal quer ir para terra. O pessoal de Campos
114
principalmente, pois agora depois do horário flexível, eles saem de Campos
às 06:30 retornam às 17:00 horas, chegando em Campos às 18:30 e sexta
feira sai mais cedo, porque todos os minutos que antecedem as 08:00 horas
da manhã é somado e permite sair mais cedo na sexta". ( Ent. 7 )
( P ) Você acha que a mudança de 14 para 21 dias de descanso
foi quase que uma válvula que conseguiu adiar a explosão ?
( E ) Conseguiu adiar, mas não adiou por tanto tempo assim
não, tanto é que você tá vendo o êxodo do pessoal do mar para terra e eu
sinto muito isso, depois do 10° dia como vai ficando difícil a relação da
gente lá, como qualquer discussão é levada para um nível de até quase
porrada do cara ficar... eu estou vendo que isso não vai continuar... eu
mesmo estou tendo um desgaste muito grande, eu tenho discutido demais
com o ATOP...dele não estar querendo ver uma série de problemas que
estão ocorrendo lá, quando vai chegando ao décimo dia, a gente tem
discutido demais e... eu fico chateado com isso, de ver que a gente tinha
uma boa relação de amizade e toda quinzena a gente pega e discute e são
duas, três discussões e aí tem que trabalhar com aquela cara que você
quebrou o pau e tudo mais... Teve uma quinzena até que eu não quis...ele
pegou e quis me punir, me deixar na sala de controle 12 horas, a gente
discutiu quebrou o pau lá, porque ... pela questão da planta que estava
parada e ele queria simplesmente que eu ficasse girando na área, eu disse
vou ficar parado, a planta está parada, não vou ficar ali ... porque tinha
um chefe de terra que estava embarcado, eu falei não tem nada para eu
supervisionar ali, além do mais que tem o sistema Ecos lá, tem a sala de
controle e eu não vou ficar aí rodando simplesmente ... não vou fazer e
115
falei prá ele mesmo, aí então você vai fazer o seguinte, você vai lá para
baixo e vai ficar na sala de controle, poderia ter armado o maior ... mas eu
fui lá para baixo e fiquei lá e a turma toda entrou na discussão, aí o
negócio começou... outro operador quis discutir com ele, aí eu disse espera
aí... foi onde eu falei deixa que eu vou, porque quando eu comecei a
resistir os operadores começaram, um operador particularmente começou
a tomar partido...
( P ) Estava no final do embarque isso?
( E ) Já no final do embarque. Depois do décimo dia fica
difícil. ( Entr. 15 )
Até 1989, um ano depois da Constituição de 1988, que
estabeleceu o tempo máximo de trabalho de 6 horas para turno de
revezamento ou de acordo com negociação ( ver texto da Constituição ), o
Sindipetro-RJ, conseguiu negociar um meio termo. A primeira pretensão era
um regime de 7 x 14 ( sete dias de trabalho para quatorze dias de descanso ),
a segunda pretensão de 10 x 20 dias, que também reduzia o tempo de
embarque, maior desejo dos petroleiros, e a terceira opção que era de 14 x 28
dias. A posição da empresa era a de manter os 14 x 14. Acabou prevalecendo
14 x 21 ( quatorze dias de trabalho para vinte e um dias de descanso).
A relação desejada entre o tempo de trabalho e o de descanso
era de 1 para 2. O que os petroleiros desejavam, em primeiro plano, era a
redução do período de embarque porque, segundo depoimentos quase
unânimes, a pior fase acontece depois do décimo dia. A empresa não aceitou,
argumentando que isso iria aumentar demasiadamente o fluxo de aeronaves,
116
já que o turno seria de apenas 7 dias. Alegou-se ainda, que a relação 7 x 14
implicaria numa implantação de mais 2 equipes por plataforma. Acabou
negociando-se os 14 x 21, ou seja, uma relação entre o tempo de trabalho e o
de descanso de 1 para 1,5. A nova relação manteve o número de embarques e
exigiu o aumento de uma equipe de trabalho, passando de 4 para 5 equipes,
por plataforma.
Essa mudança de 14x14 para 14x21, sem dúvida, aliviou muito
a carga de trabalho em cima dos petroleiros. Os trabalhadores porém,
reinvindicam um período de embarque ainda menor, mesmo que se continue
com a proporção de 1 dia de embarque para 1,5 de folga. É unânime a
reinvindicação do turno de 10 x 20.
A partir de uma pequena conta, pode-se verificar o tempo
vivido por estes trabalhadores nas plataformas. Por exemplo, quem está
trabalhando desde 1983, época da apresentação do documento do França,
"Síndrome Off-shore", há 11 anos, tem aproximadamente 5 anos de trabalho
embarcado. São 5 anos isolado da família, dos amigos, da comunidade e da
vida "normal" do continente. São 5 anos contribuindo para o
desenvolvimento do país, em busca da auto-suficiência em petróleo.
Outros trabalhadores sofrem esse desgaste, como os
marinheiros, os militares ou os profissionais do transporte marítimo. Diz-se
sempre: é preciso gostar muito desse trabalho. Mas pode-se falar que a falta
de opção de emprego para muitos jovens, torna absolutamente necessário
enfrentar condições adversas de trabalho e de vida para superar, enquanto
cidadãos, individualmente, as restrições impostas pela sociedade a alguns
tipos de trabalhadores. A redução do tempo de trabalho para aposentadoria,
25 anos, compensará as perdas para este grupo de trabalhadores ?
117
4.2.2 ( ... ) O problema é só um - o medo de ser
corno. O problema de trabalhar aqui é o chifre...
"O problema aqui é só um - o medo de ser corno. O problema
de trabalhar aqui é o chifre. O cara não agüenta pensar que a mulher dele
está saindo. Um cara pediu demissão pois disse que a filha dele só vivia
doente...pois a mulher dele só vivia na rua ... o principal problema é o
trabalho confinado, porque ele diminui a expectativa de vida. Tem um cara
que largou isto aqui para ser caminhoneiro, como pode? Levar a mesma
vida fora de casa". ( Ent. 5 )
"Está saindo muita gente, não está agüentando. O vizinho
toma a mesma cerveja sua, faz as mesmas coisas e não precisa vir para
cá". "tá saindo muita gente, eles sabem. Estão começando a se preocupar.
Gente indo para as refinarias... o que importa aqui é o dinheiro". (Ent. 6
)
"Eu sou mais casado com o "meu colega de trabalho" do que
com a minha mulher. Quando estou embarcado fico as 24 horas com ele,
as 12 horas do turno e ainda ficamos no mesmo camarote, fazemos quase
sempre as refeições juntos durante os quatorze dias e quando
desembarcamos costumamos nos encontrar. Já com as nossas mulheres
ficamos afastados direto por 14 dias e quando estamos desembarcados
118
temos que fazer uma série de coisas e não ficamos a maior parte do tempo
com elas. Só há uma diferença com a minha mulher eu escolhi para casar
e com o X não, foi uma obrigação imposta pelo trabalho". ( Ent. 12 )
"O problema aqui é que a gente não volta para casa, se
tivesse uma rua aqui que levasse para casa... o pessoal de Cabiúnas do
turno ganha igual a gente e está todo dia em casa. O pessoal que trabalha
em terra vai resolvendo seus problemas aos poucos, nós não,
interrompemos com 20 dias, largamos tudo e vamos embora". ( Ent. 9 )
"Tem que dar autonomia e responsabilidade para nossas
esposas resolverem os problemas. Todos deveriam fazer assim, eu deixei
meu carro para a mulher vender. Quero comprar uma casa em ...".( Ent. 3
)
Esses depoimentos de petroleiros refletem não só a angústia do
trabalho em ambiente confinado, como também as particularidades que ele
gera para além das relações de trabalho. Novos procedimentos acabam sendo
criados nas relações sociais e familiares. É o trabalho invadindo e inundando
a vida dos trabalhadores, mesmo quando está tão distante e parece algo
abstrato, não só aos familiares, mas para a sociedade como um todo.
119
4.2.3 - ( ... ) Eu odeio o amanhecer.
Esse tipo de vida vai criando procedimentos e manias, que
deveriam ser melhor estudadas. Esta entrevista N° 15 aponta algumas causas
e outras conseqüências que o trabalho off shore produz:
( P ) Com relação a questão do embarque mesmo, aquilo que se ouvia
que o cara na véspera de vir embora não dorme direito, acordava de madrugada e eu
tive vários desses sintomas, na véspera de vir embora e isso assusta um pouco... na sua
visão do trabalho embarcado, um negócio que nós conversamos muito lá, uma coisa que
nós achamos interessante é olhar o mar e nós nunca vimos ninguém olhar o mar hora
nenhuma...
( E ) Eu odeio o amanhecer. Eu estava falando isso com a YYY e ela
falou para eu não deixar acontecer com você... existem certas coisas que você se
espanta, porque você pensa que é neurose sua, mas eu estou odiando ver o dia
amanhecer aqui em terra inclusive, porque justamente no mar quando chega 5 horas da
manhã, no verão está amanhecendo, agora no inverno é 6 horas, você já está exausto e
o cara pede pelo radinho prá você descer para colher uma amostra e aí você faz um
serviço, faz outro e tá lá o sol bonito, amanhecendo só que o sol está no seu olho e aí
você tá puto da vida, o sol tá no seu olho tá clareando demais, não precisava ter aquele
sol todo em cima de você... e eu aqui em terra não quero nem mais ver o dia
amanhecer, porque prá mim o dia amanhecer já é sinônimo de eu estar estressado... até
na noite quando eu saio, antes de amanhecer o dia eu já estou indo embora prá casa,
não quero mais ver o dia amanhecer...
120
( P ) No verão é pior ?
( E ) Ah, não quero nem pensar... eu estava conversando isso com um
amigo e é a mesma coisa... eu falando isso com ele e ele também está sentindo a mesma
coisa, não está mais querendo ver ... já está sendo até traumatizante ver o dia
amanhecer, porque você já começa a lembrar um monte de coisa. Outra coisa que a
gente sente demais eu não sei se vocês sentiram é a questão do silêncio. Atualmente a
coisa que eu mais prezo em terra é o silêncio... quando eu entro no meu quarto e
consigo ouvir o silêncio...
( P ) Lá é impossível ?
( E ) É impossível, porque o nível de ruído da SS-10 está ...catastrófico.
A SS-33 tem um isolamento melhor porque era um flotel, era uma outra estrutura, já
preparada para você ter um máximo de conforto e... agora a SS-10 a gente vê... acho
que a última coisa que se levou em conta foi a questão do conforto do pessoal.
...
( P ) E a teoria da chavinha ? Muitos dizem que a solução você tem que
cobrar na terra. Quando embarca você não pode levar problemas...
( E ) Isso é que eu acho mais terrível, porque os próprios médicos da
Petrobrás colocam isso, como se você fosse um equipamento qualquer, como se você
tivesse um by pass e... convence o cara que ele tem que esquecer isso daqui, que ele tem
que deixar de ser o XXX e se tornar um petroleiro, vai se tornar o xxx (
matrícula ). O funcionário que trabalha na Plataforma Y, na equipe X e esquecer que
tem namorada, irmã e uma família toda em terra, tem que esquecer ?...
( P ) Estão com um programa agora de embarque da família, é um pouco
isso aí?
121
( E ) Isso tudo é passado para você de uma forma muito bonita, é tudo
muito bem falado e o sindicato está abrindo espaço para virem falar sobre isso daí, mas
nós vemos que a empresa ganha muito do funcionário da forma como eles colocam as
coisas, é tão cheia de termos técnicos que impressiona, mas as comparações feitas com
os EUA, Mar do Norte, nunca falam de segurança, os helicópteros usados pelo pessoal
no Mar do Norte são helicópteros tri-turbinados, são helicópteros de segurança
máxima, os mais modernos. O que tem os nossos aqui? Os mais modernos têm duas
turbinas. Falhou uma entra outra. O próprio gerente da VOTEC disse que é questão da
Petrobrás querer, só que o valor do contrato subirá muito, devido a necessidade de
importar equipamentos. Aí você ouve falar que aqui não há necessidades devido a
estudos feitos...
( P ) Pelo que consta no Mar do Norte a distância é menor, inclusive
essa distância de 100 Km ou mais não existe...
( E ) Não se discute se o problema é esse. Se fala de como lá se produz,
da automação de lá, da existência de silenciador para válvulas, mas não se tem nada de
concreto, como a questão do transporte marítimo que eles estão estudando há 10 anos,
desde que eu entrei na Petrobrás. Quanto à segurança, quanto à adaptação dos
equipamentos da produção, tudo é em cima de estudos, estudos que nunca se vê
concluídos ou quando são concluídos você não tem uma resposta e quando há resposta
diz-se que não existe viabilidade técnica e financeira, que os custos serão tão altos que
não compensa, que é melhor tirar a plataforma. Eu vejo que depois de 10 anos a
irresponsabilidade com a saúde do trabalhador aumentou. Em Enchova eles fizeram os
módulos de acomodação num lado da plataforma onde o nível de ruído era mínimo, isso
era uma queixa que não existia lá. Quando você entrava no camarote, você tinha
silêncio porque o pessoal de empreiteira ficava em MTA ( Módulo Temporário de
Acomodação ), com a sonda bem do lado, representando maior perigo para eles. Depois
122
com a redução do nosso pessoal, eles começaram a usar nossas instalações. Em SS-10
eu vejo cada vez menos respeito pelo ser humano, de empreiteira então, é terrível. Os
caras são tratados até como um ser inferior, por eles terem menos condições de
reinvindicações e tudo mais... então eles são tratados cada vez com menos respeito na
questão de segurança e tudo mais... e isso acaba refletindo no trabalho, porque a
maioria não sabe o que está fazendo ali. Eles não são informados de nada. Por
exemplo, a marreta que eles usam é de bronze, mas eles acham que é para não
danificar as válvulas ou coisa parecida e não para não causar fagulhas, então, isso é o
mínimo que você pode perceber, a falta de informação é muito grande, mas a maioria
prefere estar embarcado para fugir dos problemas em terra, pela alimentação e eles
admitem isso, que é melhor estar lá do que em terra. Teve um cara da limpeza que ficou
28 dias embarcado. Ele se ofereceu para ficar embarcado, então a realidade desses
caras é terrível, por isso acham aquilo lá excelente. Em parte, o pessoal da Petrobrás
quando vê o desemprego, vê esse quadro todo aqui, acha também que o emprego dele é
uma dádiva... e eu não vou mentir, assim que eu entrei na empresa eu achava isso
também, um salário enorme, eu comecei comprar carro, roupas, viajar, saia e gastava,
mas só que isso não dura muito tempo, você... acaba despertando para a realidade... é
terrível você estar trocando sua saúde por dinheiro, porque no final é isso o que
acontece. Aí começa a síndrome dos 7 anos... às vezes ele percebe antes, mas quando
chega a tomar uma atitude mesmo...(Ent. 15 )
Um aprofundamento sobre essas falas e sobre a especificidade
do trabalho off shore permite não só um estudo antropológico, como já foi
falado anteriormente, mas também um estudo psicológico que contribua para
uma alteração nesse quadro que parece ser de sofrimento.
123
Uma outra entrevista, N° 16, levantou uma questão interessante
a respeito dos problemas gerados pelo confinamento, numa plataforma, que
como se sabe sendo do tipo fixa ou Semi-submersível, está no trabalho de
prospecção de petróleo e fica ancorada num único local:
"( ... ) isso aqui é um ambiente hostil. Você está aqui a cento
e poucas milhas, você está a oitenta minutos da costa, num local que não
tem fuga... você vai cair na água e a água não é nosso meio, então essa
coisa toda normalmente você não consegue relaxar, mais o fato de você ter
14 dias para ficar aqui parado... a gente conversa muito com o pessoal da
Marinha e eles dizem o seguinte: você faz uma viagem para o Japão, você
tem o que? Você tem o ponto de partida e tem uma proposta de chegada,
então você tem um deslocamento e essa sensação de estar se deslocando te
faz bem, agora aqui você não tem essa sensação, você fica parado aqui 14
dias, entendeu?
O próprio caminho passa a rotina, você vai vendo coisas
diferentes, você tem trinta e poucos dias para chegar no Japão, o cara não
vê terra, mas você sabe que vai ter um momento que você vai encontrar
essa terra e você olha, você fica buscando um outro navio que passa, é um
pássaro, um peixe, então essa sensação que você está se deslocando, que
você vai chegar, que faltam tantos dias para você aportar, não sabe onde, o
navio vai fazer uma parada num porto tal, você pode até não pisar em
terra, mas você já chegou num porto... então o pessoal da Marinha
colocam que essa situação nossa de não se deslocar é angustiante... "(
Entr. N° 16 ).
Este tipo de colocação é interessante, sob o ponto de vista da
investigação. Este questionamento levantado, a partir das próprias conversas
124
entre os petroleiros, pode ser referenciais para estudos de maior
complexidade, que apontem atitudes e intervenções que contribuam por
melhorar as condições de trabalho e de vida dos petroleiros.
A empresa demonstra estar atenta a isso, quando estimula um
estudo, cujos resultados encontram-se no documento "Intervenção Clínico -
Institucional - Resumo Gerencial ", da empresa, de autoria de Losicer,
Eduardo Victor & Silva, Valdely Siqueira. Através do que eles chamam de
pesquisa-ação que usa como metodologia as "falas ditas e não ditas",
identificam essa reação ao trabalho em regime de confinamento como
"patologia do confinamento". E dizem ainda: "é a patologia das fronteiras,
é a patologia própria das situações extremas, que gera adaptações forçadas
e igualmente patológicas, mesmo que sem manifestação exterior. Ou
dizendo de outra forma, a fronteira entre o normal e o patológico, não é
uma linha, mas uma ampla faixa em que a psicopatologia ainda não
constitui uma doença caracterizada ou uma patologia específica".
Ainda nesse documento chama-se a psicopatologia do
embarcado de "paciente fronteiriço", que em suma trata-se de: " um sujeito
com profundas fraturas na sua identidade, sem manifestações exteriores
ou com manisfestações clínicas graves e repentinas tais como episódios
delirantes ou melancólicos".
A avaliação psíquica dos trabalhadores embarcados surge como
uma necessidade, seja do ponto de vista humano e ético, seja como uma ação
gerencial que leva em conta a demanda por trabalhadores em perfeitas
condições físicas e mentais, para operar um sistema que convive com fatores
de risco potenciais, de forma constante.
125
Essa preocupação é importante, haja vista o ritmo de trabalho
na plataforma. Lá, o trabalho é ininterrupto durante as 24 horas, embora só a
metade, a cada 12 horas, esteja exercendo suas atividades profissionais. No
turno ( escala ), eles se revezam. O trabalho ininterrupto se caracteriza,
principalmente, por confundir trabalho, descanso e lazer tudo num mesmo
espaço, que é a plataforma. É o confinamento que obriga os trabalhadores a
um convívio forçado durante os 14 dias de embarque. Sua diferença para o
trabalho em ambiente não confinado se pauta, exatamente, pelas atividades
que o trabalhador tem o direito de fazer no momento em que não está
trabalhando.
Aqui, pode-se perceber o quanto a Organização do Trabalho é
importante para esse tipo de atividade. É possível afirmar que o impacto da
Organização do Trabalho sobre os trabalhadores é bem maior do que as
questões tecnológicas. Odiar o amanhecer, desligar-se do "outro mundo"
através de uma chavinha, as diferenças com o pessoal de empreiteiras a
partir da terceirização, tudo isso exerce uma influência enorme sobre os
homens off shore. Conhecer estes problemas de perto possibilitam alterações
na forma de organizar o trabalho que tragam menores consequências na vida
destes seres humanos.
Capítulo 5
O OPERADOR DE PRODUÇÃO OFF SHORE
5.1 - QUEM É O OPERADOR DE PRODUÇÃO ?
126
( Do Praticante de Produção ao Operador Polivalente )
A exemplo do processo de produção que foi descrito em
Capítulo anterior, a figura do Operador de Produção já era conhecida nas
diferentes unidades da Empresa. Tanto nas unidades produtoras em terra,
quanto nas demais unidades de processamento do petróleo, como, por
exemplo, nas diversas refinarias instaladas pelo país, a especificidade é
exatamente o seu trabalho em ambiente confinado, distante da sociedade.
Isso traz desdobramentos que interferem não só no trabalho como na vida
dessas pessoas, com reflexos novamente sobre o trabalho.
O Operador de Produção é o trabalhador que vai atuar
diretamente no processo de exploração do petróleo. Realiza atividades (
operando equipamentos mecânicos e elétricos - válvulas, registros, bombas,
motores, etc. ) que garantem a retirada do óleo de dentro do poço, trazendo-o
à superfície da Plataforma. Nesta, o trabalho prossegue, agora no
acompanhamento do processo em que o óleo, a partir de seu estado natural, é
separado da água e do gás e onde também são retiradas outras impurezas24.
Aqui, neste ponto, pode-se observar a trajetória desse cargo ao longo de,
aproximadamente, 20 anos de atividades na Bacia de Campos.
Um documento elaborado por Petroleiros de 9 Plataformas,
aprovado em Plenária, na Delegacia Sindical de Campos e divulgado no
24 Vide Anexo Exemplos de Atribuições do Operador de Produção.
127
Seminário de Tecnologia, Saúde e Meio Ambiente do Sindipetro-RJ, em
Maio de 1991, faz um breve relato do início da produção off shore e aponta
o movimento da Organização do Trabalho que leva à implantação da
Polivalência:
" O início das atividades de prospecção e produção de petróleo na bacia
de Campos, no começo da década de 70, se caracterizava por termos em atividade 03 (
três ) tipos de unidades: Plataformas Semi-submersíveis, navios-sonda e plataformas
auto-eleváveis. Já havia nesta época, uma diferenciação quanto às atividades ligadas à
manutenção, ou seja, o eletricista cuidando da parte elétrica, o instrumentista
responsável pela instrumentação e assim por diante. No caso da operação, o trabalho
era conjunto para produção de óleo e gás e dava para ser feito sem maiores problemas
devido a três fatores: a ) Simplicidade da planta de produção; b) Espaço físico
reduzido; c) Não aproveitamento do gás produzido, que era todo queimado.
Com a entrada em operação, no início da década de 80, das grandes
plataformas fixas, tais como: Garoupa, Namorado 1 e 2, Enchova, primeiramente
através do sistema antecipado e depois com o sistema definitivo, houve um
redirecionamento na filosofia de trabalho gerada pelos novos desafios que se
apresentavam, tais como a produção de volumes cada vez maiores de óleo e o
aproveitamento crescente do gás natural, que passou a ser totalmente aproveitado, ou
sendo mandado para terra, ou sendo consumido na própria unidade produtora, para
alimentar turbinas de compressores e geradores por exemplo. Paralelamente, a
instalação destes equipamentos de grande porte ( vasos separadores, turbo-
compressores, turbo-geradores), além de novas tecnologias aplicadas ( por exemplo, em
sistemas de injeção d'água ), exigiram espaço físico maior para instalação dos mesmos.
O petroleiro começa a ser responsável também pela parte de utilidades de sistema /
elétrica, com pessoal específico para esta tarefa.
128
Assim, passamos a ter nas plataformas os operadores I / II / III, tal
como nas refinarias. Na área de produção, houve a segmentação, surgindo a produção
de óleo e a produção de gás. Também a manutenção segmentou-se ainda mais, com
cada função tendo mais níveis hierárquicos próprios ( por exemplo, instrumentista de
sistema / instrumentista de elétrica). Logicamente houve uma especialização maior da
mão-de-obra petroleira na plataforma, com as vantagens que tal fato traz a operação da
mesma como um todo. Ficou a empresa satisfeita com esta situação? Sim, até um
determinado momento, a partir do qual começou a alterar radicalmente sua política de
pessoal na plataforma. Aproveitou a entrada em operação das unidades do polo
nordeste ( Pargo, Vermelho I / II / III ) para acelerar esta mudança".
Começou a "Operação-Toalha, com redução de pessoal em todas as
áreas, nas diversas plataformas. Estas, mantendo normais suas rotinas de trabalho e
produção e com um número menor de pessoas a bordo, precisariam que estas pessoas
desempenhassem outras tarefas, a fora as suas já estabelecidas, com um aumento de
responsabilidade. É assim que surge o "operador polivalente". Alegou a empresa que
havia um inchaço em várias unidades. Pode até ser que tal fato se desse, no entanto, a
falta de participação dos trabalhadores nos critérios que definiam se havia ou não
necessidade de redução, deixava claro que a empresa tinha outros objetivos ao
implantar o "operador polivalente".
Além desse documento do Sindicato, as entrevistas realizadas
com diferentes petroleiros, de diversos cargos e formações, dos operadores a
engenheiros e gerentes, pode-se perceber a trajetória do cargo de operador de
produção.
Quando do início das atividades off shore, o nível mais baixo,
dentro da hierarquia, na área de produção, era a de praticante de produção.
Esta era a função que o funcionário admitido exercia durante o período
129
probatório ( estágio ) de cerca de 1 ano. Completado o período ele passava
para a função de Auxiliar de Produção. O nível imediatamente superior era o
Capataz de Produção. Na mesma época, já existia a função do operador de
utilidades de sistemas e de utilidades elétricas. Só que essas duas funções
eram diferenciadas da área de produção propriamente dita ( óleo e gás ),
inclusive na classificação de níveis dentro do Plano de Cargos e Salários. Na
Classificação dos Cargos da função dos operadores de utilidades, os cargos
acima eram de Operador de Utilidades II e, a seguir, o Operador de
Utilidades III. Por volta de 1988, foi feita uma reclassificação que enquadrou
os Auxiliares de Produção e os Operadores de Utilidades I como operadores
de produção, com equiparação dos níveis. Os Capatazes de Produção, assim
como os Operadores de Utilidades II, foram enquadrados como Assistente
Técnico de Operações de Produção - ATOP. Os Operadores de Utilidades III
e alguns Capatazes que passaram por novos Cursos, foram enquadrados
como Técnico de Operações de Produção - TOP. No Organograma da
Plataforma, a hierarquia do Setor de Produção, hoje é o Chefe de Plataforma
- CHEPLAT, depois o TOP, depois o ATOP e por fim o Operador de
Produção.
Mesmo após os enquadramentos, a organização do setor de
operações de produção continuou dividido em 4 distintas áreas de atuação:
produção de óleo, gás, utilidades elétricas e utilidades de sistemas. A
alteração seguinte foi a transformação dos operadores de produção em
operadores polivalentes.
130
5.2 - A Implantação da Polivalência:
A redução de pessoal está ligada à decisão da implantação da
Polivalência que, por sua vez, está relacionada a uma série de
transformações pelas quais passa não só a Bacia de Campos e a empresa
Petrobrás, como todo um contexto de rearranjo organizacional que surgiu
para fazer face aos novos paradigmas da produção, que estão sendo
colocados num quadro de modernização industrial.
Pode-se afirmar que a polivalência nasce de uma determinação
gerencial, provavelmente calcada num conjunto de medidas que visaria à
modernização do trabalho através de alterações em sua organização e que se
completaria com outras ações gerenciais, como a Gestão da Qualidade Total,
os Grupos de CCQ, etc.
Essa implantação começou a se efetivar a partir de 1991. A
transformação apontava para uma perspectiva de se ter todos os operadores
com funções e/ou habilidades capazes de intervir em qualquer das quatro
áreas: óleo, gás, utilidades elétricas e utilidades de sistema.
Nas plataformas, esta implantação começou, como já foi falado
anteriormente, nas plataformas do Polo Nordeste, as Satélites de Pargo. São
plataformas pequenas com processamento de óleo e gás. Seu setor de
utilidades é mais simples que o das grandes plataformas fixas ou Semi-
submersíveis.
Uma série de depoimentos faz referências à implantação da
polivalência:
131
"O que importa aqui é o dinheiro. Operador Polivalente só se for para
ganhar mais. Engenheiro Fiscal não faz nada, chega aqui e nada sabe sobre a
produção, só aprende depois de 8 anos e aí vai para a terra, onde pode passar a ser um
bom administrador".(Ent.6)
( P ) Com relação a questão da Polivalência, qual a sua visão em relação
a isso?
( E ) Eu acho que a Polivalência prá mim foi uma coisa que... como
quase tudo na Petrobrás. Algumas pessoas pensavam e outras achavam uma ótima
idéia, então eles jogaram prá frente, sem um estudo, sem uma elaboração maior. Não
houve um estudo para as consequências disso. Não houve uma elaboração para se fazer
isto daí, simplesmente acharam uma boa idéia e tocou isso para frente. E da parte do
Sindicato, eu acho que foi uma falta de respeito total com ...o trabalho. Não houve pré
informação. Não houve ... Surgiu assim. Eu acho que está sendo implantado o operador
polivalente e quando ... ia se ouvindo falar e ia se fazendo ... é uma total falta de
respeito com todos nós. Você que estava envolvido com aquilo ali não sabia o que
estava acontecendo. Você sabia o que as pessoas informavam. ( Ent. 15 )
"A automação e a polivalência, não sei não. Como operar o computador
e ir para a área fazer as manobras e se sujar todo de óleo? O Engenheiro "X" fala para
eu aprender computador, eu falo para ele que no meu horário não dá, a empresa não
paga para eu aprender". ( Ent. 2 )
Fazendo uma análise da organização e das relações de trabalho
no setor de produção, observa-se que estas têm características muito
132
distintas entre uma e outra plataforma. Pode-se ir mais longe ao afirmar que,
até mesmo entre as diferentes equipes de uma mesma plataforma, estas
características vão sendo moldadas. Essa auto-regulação é mais complexa, se
for levado em consideração o tipo de trabalho em ambiente confinado e o
distanciamento da "vida" propriamente dita do continente.
A organização e as relações de trabalho no setor de produção
têm características muito distintas entre as plataformas. Até mesmo entre as
diferentes equipes numa mesma plataforma. Essa distinção ocorre
principalmente, pelo tipo de Gestão empregado por cada um dos Chefes de
Plataforma - Cheplat ( antigo Engenheiro Fiscal ). Isso pode ser comprovado
no depoimento do operador ( Ent.15 ) ao ser indagado, pelo pesquisador,
sobre o rodízio feito entre os operadores nos diferentes pontos de trabalho de
um operador dentro da área de óleo e gás numa plataforma:
( E ) Olha a minha equipe tem uma metodologia de trabalho. A outra
equipe tem outra metodologia. Isso varia muito com o ATOP, o Cheplat e com o
operador que vai para o final na verdade.
( P ) Qual é a da sua equipe ? Sua equipe faz como ?
( E ) Olha é o seguinte. Parte muito da questão do operador também...
dele mostrar firmeza no que é necessário para ele operar bem e ele bater pé mesmo, que
ele não vai fazer daquela forma, eu preciso fazer desta forma, desta maneira aí você
está... você vai me prejudicar, parte muito por este lado aí... agora particularmente...
As diferenças entre as plataformas começam pelas próprias
instalações das mesmas. Tanto a planta de processo como o setor
administrativo, a área de acomodações ( camarotes ) e área de lazer guardam
profundas diferenças. A comida também é diferente. Os horários de
133
alimentação também são diferentes. Há plataformas em que são servidas seis
refeições. Em outras, esse número chega até a oito. Em algumas plataformas,
os lanches entre o café da manhã e o almoço, entre o almoço e o jantar e
entre o jantar e a ceia, para os operadores, são servidos na própria área, na
sala de controle. Os horários de trabalho também são diferentes de uma
plataforma para outra e estão muito relacionados com a hora de troca da
equipe embarcada. As relações de trabalho são extremamente diferentes
entre as plataformas.
A presença das empreiteiras, seja no serviço de hotelaria, ou em
outras atividades como determinados tipos de manutenção, reforça a questão
das diferenças não só nas relações de trabalho, como principalmente no
convívio dos momentos de não trabalho ( repouso e lazer ). Em Marlim,
penúltima plataforma visitada pode-se perceber claramente isso. Os
diferentes grupos não se juntam nas refeições, nem no lazer. Até numa
reunião da CIPA, realizada no cinema da plataforma com a presença de
todos, funcionários da Petrobrás e das Empreiteiras, que tinha o objetivo de
apresentar questões a serem levadas a uma reunião internacional da OIT, em
Genebra, sobre o trabalho off shore, os funcionários da Petrobrás estavam
sentados nas cadeiras e os de empreiteiras no chão (Vide Foto no Anexo 6).
Principalmente a forma de gerenciar cada plataforma, pela
autonomia que os Chefes de Plataformas possuem, influenciam de forma
proporcional e direta as demais relações existentes na plataforma. Tanto nas
relações de trabalho, quanto em todo tipo de relação. Aliás, é difícil falar em
outro tipo de relação que não seja de trabalho: em função do confinamento o
ambiente e o clima de trabalho perdura e envolve todo o período de
embarque.
134
As plantas de processo não apresentam profundas diferenças
sob o ponto de vista do processo em si, a não ser nas plataformas instaladas
em campos produtores. Nestas, o óleo vem à tona o junto com gases. Na
Plataforma de Pampo, por exemplo, junto do óleo há o gás sulfídrico ( H²S ).
Esse gás é altamente tóxico e inflamável. No caso da presença desse gás, a
planta de processo tem o acréscimo da unidade de MEA, que tem a função de
fazer a dessulfurização, ou seja, a retirada do enxofre que vem misturado ao
gás natural, anteriormente separado do óleo nos separadores. Outra alteração
está relacionada ao número de poços. É isso que vai determinar o tamanho e
a quantidade de equipamentos ( separadores, bombas de transferência ) que a
planta possuirá. Existirá ainda uma nova etapa nas plataformas instaladas em
campos que possuem poços em águas profundas. A profundidade desses
poços faz com que o óleo chegue à superfície com temperaturas
extremamente baixas ( Marlim: -50° C ). Esse fato faz com que as plantas
dessas plataformas tenham a inclusão de fornos no seu processo. Essas
diferenças são percebidas e anotadas pelos operadores que mudam de
plataforma:
( P ) O que você acha desta carga de trabalho do operador do óleo e gás
comparado com o PPMoraes?
( E ) A gente está tendo uma série de dificuldades, além da gente estar
operando equipamentos aos quais a gente não teve um outro contato, não teve
treinamento...
( P ) Com relação ao trabalho que você fazia no PPMoraes e o que você
faz lá, você acha que o trabalho ficou mais simples, mais complicado ou é mais ou
menos a mesma coisa ?
135
( E ) É muito mais complicado. É muito mais complicado mesmo.
( P ) Por quê ?
( E ) Olha, lá nós tínhamos 2 vasos e 2 trens de operação e na SS-10 nós
temos 3 trens de operação...
( P ) Então aumentou a carga ? Ou o trabalho é o mesmo ?
( E ) Não, mas aí nós temos supervisão de 3 vasos. Temos duas caldeiras,
dois fornos é ... tem mais poço, porque... até para você operar você tem que conhecer
todo o sistema. Então a SS-10 é umas quatro, cinco vezes mais equipamentos, mais
linhas, mais válvulas que o PPMoraes e muita SS aí da área.
( P ) Mas o sistema em si aumentou a quantidade de poços, é mais coisa
?
( E ) É, muito mais coisa.
( P ) Mas o serviço em si é mais difícil por ter mais equipamentos ? Você
tem que tomar mais decisões ? Ou é de qualidade diferente ?
( E ) Muito mais decisões. ( Ent. 15 )
Por último, em relação ao processo, existe uma grande diferença
entre as plantas que se relaciona ao tipo de Plataforma, ou seja, se elas são
Fixas ou Semi-submersíveis. Essa talvez seja a diferença que mais influi no
trabalho do operador. Isso ocorre porque as grandes plataformas fixas
tendem a possuir uma grande área física que torna o trabalho mais
desgastante sob o ponto de vista físico. As Plataformas de Pargo e
136
Namorado-1, por exemplo, possuem, pelo menos, 6 andares de planta de
processo.
Todas as especificidades relatadas acabam por provocar uma
grande interferência no trabalho do operador de produção. Isso acontecia
tanto na situação anterior, onde se tinha o operador especialista em óleo, ou
gás, ou utilidades de sistema, ou de elétrica, quanto agora, na condição de
operador polivalente com funções e/ou habilidades para intervir em qualquer
uma das 4 áreas especificadas acima.
Como decorrência desses fatos, fica fácil entender que a
implantação da polivalência, embora decidida pela gerência, tem nuances
diferentes, de acordo com a realidade de cada plataforma.
Na realidade, a Polivalência Completa ainda não se realizou na
Bacia. Basicamente, o que se conseguiu, até hoje, foi transformar o Operador
especialista em óleo ou em gás, em um único operador. Mesmo aí existem
dois casos basicamente. O primeiro pode ser considerado das plantas mais
antigas, da 1ª Família de Plataformas, em que o controle do processo é feito,
ainda, através de painéis de lógica fixa e controle pneumático das malhas,
com supervisão através de painéis sinópticos; ou da 2ª Família de
Plataformas, onde o controle já é eletrônico e baseado na lógica
programável. O segundo é o Sistema ECOS, que verdadeiramente automatiza
o controle do processo e muda radicalmente a supervisão de todo o sistema
que passa a ser feito através dos computadores.
No primeiro caso o trabalho do operador ainda é segmentado no
óleo ou no gás. O que muda, nesse caso, é que a partir da determinação das
chefias passou-se a fazer um rodízio entre os operadores, ora trabalhando na
137
área do óleo, ora na área do gás, ora, ainda, na sala de controle, junto ao
ATOP, na supervisão das duas áreas. Esse rodízio varia de equipe para
equipe e de plataforma para plataforma.
No segundo caso, tem-se um controle e uma supervisão mais
integrada em função da imposição que o próprio o Sistema ECOS impõe. Um
único equipamento, o computador, através das suas interfaces ( tela, mouse e
impressora ) não só possibilita a integração de todas as informações, como
permite um controle direto no processo através da mudanças de variáveis.
Essas alterações podem ser feitas pela ação do Operador ou, em alguns
casos, já previstos na programação específica, o próprio sistema toma
decisões e, através das interfaces, comunica ao operador o que está
acontecendo e qual medida foi tomada para corrigir a anomalia. Nesse caso,
exige-se que o Operador simultaneamente decida ações, tanto na área do óleo
quanto na do gás, através de um mesmo equipamento que realiza a
supervisão e o controle também simultâneo.
Em nenhuma plataforma esse mesmo operador realiza a
supervisão e/ou controle também da área de utilidades de sistema ou de
elétrica. Essa é a perspectiva que o desenvolvimento do sistema aponta, ou
seja, através também do Sistema ECOS poder controlar e supervisionar a
geração e distribuição das cargas elétricas da plataforma, do processo de
potabilização da água, da refrigeração, etc. , relativas a utilidades do sistema
da plataforma.
Essa medida, certamente, exigirá o Operador Polivalente
completo, com condições de intervir, através de um único equipamento
controlador e supervisionador, em qualquer das quatro distintas áreas.
138
A mudança na Organização do Trabalho exige um aumento de
qualificação pois a polivalência será exercida a partir da integração da
supervisão e do controle em mais de uma área, antes segmentada no conjunto
das operações. A integração das quatro áreas de produção: óleo, gás,
utilidades de sistemas e elétrica, em pelo menos duas áreas, óleo/gás e
utilidades de sistemas/elétrica, a partir da automação/informatização do
sistema exigirá uma nova formação para esses operadores.
Será descrito no item 5.6.1, o curso pelo qual o operador passa
para exercer essa polivalência.
Hoje, o sistema Ecos funciona em três plataformas: SS-33-
Marlim, SS-10- Albacora e SS-44 - Petrobrás XVIII - Campo de Marlim.
Uma questão administrativa coloca todo o processo de utilidades ( elétrica e
sistema ) ligado a uma outra estrutura gerencial. A produção na Bacia de
Campos, como já foi mencionado, possui uma estrutura hierárquica própria
através da Superintendência da chamada Região de Produção Sudeste ( RPSE
). A área de utilidades dessas plataformas, em função das diversas atividades
de navegação das SSs ( controle de lastro, etc. ) serem atividades sempre
historicamente ligadas à Perfuração, estão vinculadas, hierarquicamente, ao
Distrito de Perfuração do Sudeste ( DPSE ).
Fica fácil dizer que o processo para unificar o controle e a
supervisão, através de uma única sala e de uma única equipe, dependerá,
ainda, de decisões gerenciais que permitam a unificação das estruturas
administrativas, através de um controle e de uma supervisão total e unificada
que inclua, também, a navegação e o lastro da embarcação ( Plataforma ), em
caso de SS, além do controle do Processamento do óleo, gás, e de utilidades.
139
Até chegar a esse ponto é possível que pelo menos o controle das utilidades
seja unificado ao óleo e ao gás já existente.
A resistência dos operadores em fazer esta unificação total,
incluindo nas atribuições do "polivalente completo" as ações e decisões
acerca principalmente da parte de elétrica, já é muito grande. O operador do
óleo e do gás quase sempre não admite incorporar essa nova
responsabilidade que para ele exigiria uma "formação" completa nessa área.
É comum reações como essas:
"... eu acho o seguinte: eu tenho o curso de eletrotécnica, isso aí já me
ajuda bastante trabalhar com equipamento elétrico. Agora vá lá que o cara não tem
qualif icação elétrica nenhuma, eu noto colegas meus que tem medo até de botar a mão
em um painel... eu fiz um curso que é de 4 anos ... como é que a Petrobrás quer formar
um cara em polivalência em 4 meses?" ( Ent. 1 )
"Nós não aceitamos a polivalência. Quando foi imposto eu estava em
outra plataforma. Falei: pode desembarcar, fazer o que quiser, na elétrica eu não
mexo, acho que tem que ser de quem é da área". ( Ent. 4 )
Essas mudanças trazem profundas reflexões sobre os cuidados
que devem permear as decisões, ao nível dos limites que a automação traz
sob a discussão, da relação disso com o confinamento e, da redução dos
efetivos, com o estabelecimento de um número mínimo e seguro de
operadores em condições de operar todo esse sistema.
A redução dos efetivos, decidida a partir da automação e da
implantação da Polivalência, com a ampliação das tarefas e intensificação do
trabalho, pode estar sendo exagerada, sob o ponto de vista da carga de
trabalho física e mental dos que estão permanecendo embarcados, levando-se
140
em consideração o tempo de embarque e "a crise dos 7/10 anos". Isso não
acontece de forma igual em todas as plataformas. A especificidade, já citada,
de cada plataforma é que determinará a solução ideal para cada caso.
Por exemplo, a redução progressiva, já vista, das grandes
plataformas fixas ( 1ª Família ) traz à tona a discussão do desgaste físico.
Isso se dá pela quantidade de postos de trabalho que exigem para este tipo de
instalação e pela presença quase que constante de operadores. Na medida em
que se reduz o número de operadores, o turno de 12 horas seguidas obriga a
um descer e subir de escadas, pois, como já foi também dito, os setores de
óleo e gás se instalam por 3 ou 4 andares de plataformas. Os operadores,
destas plataformas, quando da pesquisa em seus locais de trabalho,
reclamaram deste desgaste físico que se acentuou enormemente após a
implantação da polivalência e da conseqüente redução do número de
operadores embarcados:
( P ) Quer dizer que quando você desembarca agora você desce muito
mais cansado do que descia antes ? Física e mentalmente ?
( E ) Esse sistema todo cansa a gente mentalmente e fisicamente.
( P ) Doze horas ali no pau, isso nos chamou a atenção, porque não dá
para aliviar um pouco, é meio complicado ...
( E ) Não tem condição mesmo...
( P ) E à noite, quando não tem Cheplat e está tudo funcionando bem,
não dá para descansar um pouquinho... porque durante o dia tem uma porrada de
atividades, trabalho a quente e ...
141
( E ) Não dá. Não existe perspectiva de pelo menos em um ano, de você
ter uma acomodação do sistema para você ficar ali... ( Ent. 15 )
" ...atualmente eu acho o seguinte: está muito cansativo para mim,
porque quem tem família, tem filho, é muito cansativo para mim embarcar. Agora eles
estão acenando para a gente aí porque talvez muita gente está pedindo para ir trabalhar
em terra, mesmo perdendo grana. Porque o problema é os 14 dias, o
confinamento."(Ent.1)
Também ocorre reclamações sobre o isolamento em que o
operador de área fica , quando das suas inspeções. Um operador chega a
afirmar:
"O trabalho aqui na produção não é difícil, trabalhar sozinho é que é
muito complicado."( Ent - 4 )
A partir, também, de diversas falas os operadores chegam a
mencionar certas improvisações que acabam sendo cometidas para poder
garantir a produtividade, que neste tipo de atividade ( indústria de processo )
está diretamente relacionada à redução das interrupções e ao tempo de
interrupções da planta.
"Essa plataforma já operou com quase todo o painel em by-pass, Deus
ajuda muito a não dar problema. A Polivalência? É muita sobrecarga de trabalho,
muito aumento de responsabilidade". ( Ent. 7 )
142
O Sindicato questionou a empresa, sobre uma série de acidentes
que estariam relacionados à redução de efetivos, com o conseqüente aumento
da sobrecarga de trabalho e da improvisação nas ações cotidianas da área de
operação. O documento do Sindicato sobre a polivalência, coloca:
A complexidade do tema nos dá vários aspectos a serem analisados, mas
dentre estes há alguns fundamentais:
1 - Os riscos de acidentes
Parece evidente que o aumento de trabalho, o acumulo de tarefas, além
da maior responsabilidade, trazem aos companheiros um duplo desgaste: O desgaste
físico e o desgaste emocional, este mais grave na medida que traz efeitos colaterais
nefastos à saúde do trabalhador, podendo ocasionar aumento de pressão arterial e
úlceras nervosas, por exemplo. O entendimento da empresa não é este. O próprio
superintendente da RPSE em reunião com o sindicato em 10 de abril último, apresentou
dados quanto aos acidentes em 1990, considerado por ele como bom, pelos poucos
acidentes e a pouca gravidade dos mesmos. Ao que perguntamos: Por isso vamos
desconhecer o que ocorre atualmente na bacia, com os companheiros trabalhando
pressionados e sobrecarregados? Vamos esperar que ocorram acidentes graves para
gritar contra esta situação? Não, não estamos esperando e por isso já estamos
denunciando inclusive na imprensa tal situação.
2 - A não capacitação profissional
É um absurdo colocar por exemplo um operador de produção para fazer
trabalhos que cabem ao operador de utilidades elétricas sem que esteja habilitado para
tal. O risco é muito grande ( ver documento n° 3, acidente ocorrido com petroleiro
ligado à elétrica, imagina se não fosse ). Os cursos que a empresa vem dando ( Vide
item 5.6.1 ), tentando suprir esta falha, deixam muito a desejar e funcionam mais como
143
tentativa de dar um caráter legal à situação. Ainda por cima como mais um elemento de
pressão, incluem a questão da polivalência nos critérios de avaliação ( ver documento
n° 4 ). Os próprios companheiros das plataformas, cientes dos riscos, tem denunciado
a situação em documentos ( ver documento n° 5 ).
3 - A opinião da empresa
Em entrevista ao jornal "Folha da Manhã" do dia 12 / 05 / 91 ( ver
documento n° 6 ) o presidente da empresa Alfeu Valença diz que "a redução de pessoal
é um problema somente de tecnologia ". Será mesmo? Ele não diz por exemplo, que o
avanço tecnológico tem que criar mecanismos capazes de permitir que um operador
faça, com plena condições de segurança, o que antes três faziam. Qualquer situação
que fuja disso não passa de exploração do trabalhador, expondo-o a acidentes graves.
Também não é correto afirmar que "as pessoas que sobram são alocadas em outras
plataformas. Temos hoje grande contingente de companheiros em terra, recebendo sem
adicionais, sacrificando ainda mais suas vidas nos planos pessoal / familiar.
Logicamente que o presidente também não fala em nenhum momento, no acréscimo de
remuneração que se exigiria por um aumento nas responsabilidades do trabalhador.
4 - A reação da categoria
Os petroleiros não aceitam a implantação do operador polivalente.
Entendem a questão política existente, a partir de um projeto que visa adequar a
Petrobrás ao modelo liberalizante do Governo Collor, para a seguir permitir a sua
privatização. E tem denunciado e discutido os fatos nas comissões de base e no
sindicato ( ver documentos 7,8 e 9 ). O setor jurídico do sindicato, em parecer
específico sobre o assunto, deixou claro que é preciso que a categoria resista, de forma
coesa e organizada ao operador polivalente. Vamos continuar denunciando e cobrando
144
providência por parte da empresa e dando à categoria os meios necessários ( ver
documentos 10 e 11 ) para continuar na luta contra a implantação do operador
polivalente ( sinônimo ) de exploração na bacia de Campos".
Uma série de outras declarações de sindicalistas colocam a
questão da redução dos efetivos: - Informativo do Sindipetro-RJ N° 2, Macaé
- 4 de Janeiro de 1991: "Operador Polivalente : Neste ponto a direção da empresa
foi bastante contundente em dizer que a unificação das áreas é um caminho
irreversível. Existiria a figura do OPERADOR DE PRODUÇÃO que ficaria responsável
inclusive pela parte elétrica. Admite apenas que precisa evoluir na questão do
treinamento".
Um informativo do SINDIPETRO- RJ, de 10 de Janeiro de
1989, intitulado SINDICATO DENUNCIA DESVIO DE FUNÇÕES,
questiona a decisão da empresa de insistir com a implantação da figura do
Operador Polivalente. Essa implantação se iniciou nas Plataformas do Polo
Nordeste. O Polo Nordeste é constituído por uma plataforma Central, a de
Pargo, e por cinco pequenas plataformas fixas, chamadas de satélites (
Vermelho I, II e III e Carapeba I e II). Essas plataformas recebem energia
elétrica de Pargo e fazem apenas um processamento primário do óleo bruto
extraído, remetendo-o para Pargo. A grande simplicidade desse processo
levou a empresa a atribuir ao Operador de Produção responsabilidades para
além de uma única especialidade, óleo, gás e utilidades. O informativo
esclarece:
"A diretoria do Sindipetro-RJ está exigindo que a Petrobrás cumpra a
cláusula 74 do Acordo Coletivo de Trabalho deste ano para verificar as condições de
segurança do trabalho de vários companheiros, que estão sendo desviados de suas
funções. 0 objetivo do Sindipetro é fazer com que uma comissão de médicos do trabalho
145
e engenheiros do trabalho, formada por representantes do Sindipetro-RJ, Ministério do
Trabalho e da empresa, visite as plataformas do polo Nordeste e PNA- 1 para
comprovar a denúncia de vários petroleiros, que estão sendo obrigados a exercer
funções para as quais não estão preparados, colocando em risco a sua própria vida e a
de seus companheiros, além de comprometer os equipamentos da empresa, que são
patrimônio do povo brasileiro.
A diretoria do Sindipetro-RJ enviará oficio a empresa exigindo o
cumprimento da cláusula e denunciando a impossibilidade de uma mesma pessoa
exercer as funções de Operador de Utilidades (que inclui a área de Sistema e Elétrica) e
Operador de Produção (que inclui as áreas de óleo e gás) .
Para o Sindipetro-RJ, a direção da Petrobrás está querendo ainda mais
ampliar a sua margem de lucro, ignorando as questões de segurança e o que é pior,
comprometendo a qualidade de nosso trabalho.
Portanto, vamos protestar contra a criação do Cargo de Operador
Polivalente. 0 nosso trabalho exige respeito. A verdade é que a Petrobrás quer
implantar o turno de seis horas contratando menos empregados do que seria
necessário. Vamos denunciar este desrespeito ao nosso trabalho!"
O Informativo traz uma ilustração que reflete bem a visão que o
Sindicato tem da ampliação das tarefas com a implantação da polivalência:
146
Dentre os casos muito citados pelo Sindicato sobre a ocorrência
de acidentes, a partir da implantação da polivalência, inclusive com vítimas
fatais, sem sombra de dúvidas, está o acidente em que morreu o operador
Hélvio. O operador Hélvio tinha 32 anos de idade e 8 anos de empresa.
Acidentou-se no dia 13-05-93, na plataforma SS-5, no Campo de Moréia.
Segundo a Petrobrás:
"Hélvio executava leitura de instrumentos por volta das
três horas do dia 13, quando escorregou sobre a passarela, vindo a cair com diferença
de nível sobre tubulações e acessórios, conforme registros constantes do relatório de
acidente com lesão (RAL), emitido pelo Técnico de Segurança, Marcus Vinícius Galvão
147
da Silva, com informações do próprio acidentado. Consta ainda que ele sofreu luxação
no ombro esquerdo".
Para o sindicato, "a atitude confirma a indiferença da empresa em
relação à saúde dos trabalhadores. Diz ainda que uma das causas desse tipo de acidente
é a saturação do trabalho proveniente dos cortes de escalas, que reduz o contingente de
trabalhadores embarcados".
No Jornal Monitor Campista, de 15-05-93, a delegada do
Sindipetro, Luíza Botelho, diz que "a entidade pretende tomar uma atitude
enérgica sobre o episódio, cobrando a responsabilidade da empresa. Hélvio deslocou a
clavícula por volta de 3h de quinta-feira, quando fazia leitura da planta e acabou
caindo. Segundo Luíza, ele estava sozinho no momento do acidente, e por isso teve que
se arrastar até encontrar um cozinheiro, que acionou um técnico de enfermagem,
porque não havia nenhum médico na SS-5.
Luíza critica a política da Petrobrás em diminuir o número de
funcionários, com a criação do polivalente. Segundo disse o fato de trabalhar sozinho
em determinados setores, gera insegurança para o petroleiro e tripulação".
A morte do Operador Hélvio gerou um "Manifesto dos Colegas
de Trabalho", publicado no informativo do Sindipetro de 17-05-93, no Jornal
Diário de Macaé, de 15-05-93 e veiculado no horário nobre, na repetidora da
TV Globo da região, no dia 14-05-93. ( Vide o Texto do Manifesto abaixo )
Observação: O acidente do operador Hélvio aconteceu na quinta
feira às 3 horas da manhã. Às 17 horas, foi encontrado morto em seu
camarote, quando se imaginava que o mesmo estivesse descansando do
trabalho noturno. A causa da morte gera controvérsias. O laudo aponta como
causa um distúrbio coronariano, gerado por uma crise hipertensiva. Os
148
parentes e o Sindicato questionam essa conclusão quando afirmam não
existir nenhuma relação do acidente com a causa da morte. O enterro de
Hélvio foi realizado no dia seguinte, 15-05-93. Sábado, às 8 horas, seus
companheiros de trabalho elaboraram um manifesto, divulgado pelos Jornais
e pela Televisão, na emissora local, repetidora da Rede Globo, em horário
nobre:
MANIFESTO DOS COLEGAS DE TRABALHO
A fatalidade une nossas crenças e convicções em torno de uma só
palavra: ESPERANÇA. Ela invade e percorre nossa perplexidade diante da fria
constatação: HÉLVIO JÁ NÃO ESTÁ ENTRE NÓS.
Na noite passada, em seu turno de operador solitário, caiu entre válvulas
e tubulações, deixando no ar um grito que a ninguém alcançou.
Hélvio foi medicado, seu braço enfaixado. A medicina distante lhes
prescreveu mais uns dias de observação à bordo. Uma autópsia dirá que faleceu
em tal hora, devido a causas que leremos sem compreender. Para nós só haverá
uma certeza: HÉLVIO MORREU.
149
A esperança que invocamos na gênese deste texto, não nos permite a
busca mesquinha de algo ou alguém para culpar, já é demasiado tarde. Nossa
esperança se renova em outras esperanças que Hélvio tragicamente vem
despertar:
- A esperança de que trabalhadores não farão mais vigílias solitárias;
- A esperança de que trabalhadores acidentados, descerão para exame
clínico acurado, que apure suas condições de trabalho;
- A esperança de que doravante, haverá na plataforma a ficha médica dos
trabalhadores, possibilitando assim diagnósticos e prescrições médicas precisas;
E finalmente a esperança de que pelo menos, alcancem vidas o valor dos
barris de óleo que produzimos.
Por Hélvio, por nós, Bacia de Campos, 13 de maio de 1993.
5.3 - Quantos são os Operadores de Produção?
Tem-se, hoje, em atividade, na função de Operador de
Produção / Utilidades (Polivalente), 1.017 trabalhadores na Bacia de
Campos. O número de Operadores embarcados ( na atividade off shore ) tem
se reduzido drasticamente, principalmente nos últimos anos. Atualmente, em
torno de 700 operadores estão trabalhando embarcados. A redução entre
1989 e 1992 foi de aproximadamente 30 %, como demonstra o quadro abaixo
que mostra a lotação das maiores Plataformas Fixas nesse período:
PLATAFORMA 1989 1990 1991 1992
150
PCH -1 82 83 66 54
PCH - 2 85 78 72 61
PGP - 1 85 87 78 68
PNA - 1 91 80 73 65
PNA - 2 57 56 47 43
PPG - 1 59 75 55 54
PPM 96 90 80 67
NÚMERO DE OPERADORES PRODUÇÃO / UTILIDADES
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
1989 1990 1991 1992
PCH - 1
PCH - 2
PGP - 1
PNA - 1
PNA - 2
PPG - 1
PPM
O Sindipetro-RJ tem reclamado dessa redução como se pode
comprovar no Documento do Seminário de Tecnologia, Saúde e Meio
Ambiente, em maio de 1991, já citado. Ele aponta, inclusive, algumas
conseqüências que podem ter origem nessa redução de pessoal. O documento
diz:
"Começou a "Operação- Toalha", com redução de pessoal em todas as
áreas, nas diversas plataformas. Estes, mantendo normais suas rotinas de trabalho e
produção e com um número menor de pessoas a bordo, precisariam que estas pessoas
151
desempenhassem outras tarefas, a fora as suas já estabelecidas, com um aumento de
responsabilidade. E assim surge o "operador polivalente". Alegou a empresa que
havia um inchaço em várias unidades. Pode até ser que tal fato se desse. No entanto, a
falta de participação dos trabalhadores nos critérios que definiam se havia ou não
necessidade de redução deixavam claro que a empresa tinha outros objetivos ao
implantar o "operador polivalente". Pior que isso a empresa, após uma primeira
redução, a partir de 1986, vem agora com uma nova onda de corte de efetivos, indo
inclusive contra parecer emitido por engenheiros de várias plataformas, que
consideravam que os funcionários que ficaram nas plataformas após os cortes no
período 86/87 eram suficientes para tocá-las dentro dos padrões de segurança.
Esta redução acaba sendo confirmada em reportagem com o
presidente da empresa, Joel Mendes Rennó. Ao exibir os resultados, a partir
do que ele chama de profunda reestruturação, cita, entre outros itens, a
automação nas refinarias e nas plataformas como fatores do aumento da
eficiência da empresa25.
25 Jornal "O Globo" do dia 02-10-94, em matéria intitulada "Petrobrás se prepara para
mudanças", descreve no subtítulo: "Automação chega às plataformas": A reestruturação
passa pela descentralização das atividades com relocação de pessoal. A automação faz
com que as refinarias e plataformas funcionem cada vez com menos funcionários. As
plataformas estão operando com metade do pessoal que tinham há dois anos.
152
5.4 - Sua formação:
Segundo dados obtidos na própria empresa, datado de 27 / 10
/93 , a formação dos Operadores, quanto ao nível de instrução se divide da
seguinte maneira:
ESCOLARIDADE DOS OPERADORES OFF SHORE
NIVEL SUPERIOR COMPLETO 78
NIVEL SUPERIOR INCOMPLETO 38
SEGUNDO GRAU COMPLETO 801
SEGUNDO GRAU INCOMPLETO 20
PRIMEIRO GRAU COMPLETO 71
PRIMEIRO GRAU INCOMPLETO 9
T O T A L 1.017
De acordo com as exigências do Plano de Cargos da empresa, o
desempenho dessa função exige a formação de 2° Grau, acrescida de
153
treinamento específico com duração de até 6 meses. Diz ainda, ser
necessário possuir conhecimentos elementares de informática.
É importante aqui ressaltar, que a própria empresa reconhece a
possibilidade de seu cadastro não estar devidamente atualizado por falta de
informação do empregado, ao concluir um nível de escolaridade. Outro ponto
a ser destacado é a omissão do nível de escolaridade superior. Alguns
Operadores escondem essa informação quando submetidos ao processo
seletivo para o cargo, com receio de represálias. Mas, provavelmente, como
quase todos já passaram dos 3 anos de serviço, tempo mínimo exigido pela
empresa para ter direito a concorrer, através de Concurso Interno, aos Cargos
compatíveis com a sua formação, eles, em sua maioria, já devem ter
atualizado seus cadastros pessoais.
Na Pesquisa do "Perfil do Operador de Produção Off Shore", em
anexo, respondido por mais de 10 % do total de operadores embarcados,
pode-se observar que grande parte possui o 2° Grau Completo e tem a
formação de Técnico com as habilitações preponderantes em Eletrotécnica e
Mecânica.
O fato da Bacia de Campos estar localizada numa região em que
o nível de industrialização é baixo e o fato de existir uma Escola Técnica
Federal na cidade de Campos, distante 100 Km de Macaé, que é responsável
pela formação de uma mão de obra qualificada pouco absorvida, contribuiu
para a contratação maciça desses profissionais. Inicialmente contratava-se
para a área de supervisão e, mais adiante, para a área de operação,
concentrando-se no pessoal recém formado da região. É importante ressaltar
que neste momento inicial, no fim dos anos 70, início da década de 80, essa
mão de obra foi mesclada com outro pessoal de menor nível de formação,
154
mas com uma experiência prática maior, obtida nos campos de produção do
nordeste, especialmente da Bahia e de Sergipe.
A formação dos operadores e, principalmente, seu nível elevado
de informação, acaba produzindo um reflexo positivo nas mudanças
propostas, a partir das reestruturações determinadas pela inserção de novas
tecnologias e das mudanças organizacionais. Veja-se no item 5.6.1 as
informações sobre o treinamento/ formação oferecida pela empresa para o
exercício da Polivalência.
5.5 - Seu Trabalho:
O Trabalho do Operador de Produção embarcado é tenso,
angustiante e penoso. A carga horária é de 12 horas de trabalho por dia,
durante 14 dias, tendo o que eles chamam de "virada", no sétimo dia de
embarque, quando se faz a troca de turno do dia com a noite ou o inverso,
dependendo da plataforma. Nesse dia, uma das duas equipes embarcadas,
logicamente a que está no 14° dia, prepara-se para desembarcar, trocando
com a outra equipe que chega. Para facilitar os horários de quem sai, a
equipe que está virando trabalha em torno de 18 horas neste dia. ( Exemplos
de horários de virada das plataformas visitadas: SS-08 - 1ª Semana: 20:00 ~
07:00; Virada: Sai as 07:00 retorna às 12:00 horas indo até 20:00 horas; 2ª
Semana: 07:00 ~ 19:00 horas, Dia da Saída 07:00~12:00 - Obs.: 1- ) O
sacrifício do dia da virada é para antecipar o desembarque; 2-) Note-se que o
155
horário de chegada é 12:00 horas, havendo até começar, às 20:00 horas, um
tempo para um descanso; 3-) Os horários variam de Plataforma para
Plataforma.
Há sempre duas equipes a bordo e, semanalmente, sempre no
mesmo dia, uma equipe sai e outra chega juntando-se àquela que já está há 7
dias a bordo. O tempo de descanso desembarcado, em terra, é de 21 dias a
partir de 1989, depois da Constituição de 1988.
O dia da semana para embarque varia de plataforma para
plataforma. Segundo informações obtidas junto aos petroleiros, faz-se um
rodízio anual, entre as plataformas, desse dia de embarque. Entre eles há
opiniões divergentes sobre o melhor dia para embarcar e, logicamente, para
desembarcar. Observe-se que o dia da semana é o mesmo, ou seja, se o
embarque ocorre numa segunda, também numa segunda ocorrerá o
desembarque, visto que o tempo de embarque é de exatos 14 dias ). Alguns
preferem a sexta-feira porque o desembarque coincide logo com um final de
semana para curtir. Outros já discordam, porque quando se desembarca
sempre há muita coisa para agir ( providenciar dinheiro para o final de
semana, por exemplo ), e aí deve-se aguardar o início da semana seguinte.
Existe, ainda, o problema dos que moram muito longe de Macaé, que é a
base de apoio para embarque e desembarque da Bacia de Campos.
Por outro lado, existe também a desvantagem do último final de
semana durante a folga, quando vai chegando a hora para o petroleiro se
preparar para embarcar. Da mesma forma que uns criticam e outros elogiam
a sexta-feira, outros o fazem com a segunda.
156
Na hora de embarcar, normalmente, há uma preferência pela
segunda-feira, pois, dessa forma, há tempo de passar o final de semana com
a família e os amigos antes de embarcar. Os que moram longe de Macaé e
embarcam cedo ( 07:00 horas ) devem que sair ainda no domingo de casa. Na
hora do desembarque surge outro sentimento, logo após o final de semana.
De qualquer maneira eles dizem : "sempre se perdem dois finais de semana
" . ( Depois será comentado esse sentimento de "perda" ) Em dez anos
cada um "perdeu", aproximadamente, 4 anos embarcado. Segundo os
operadores offshore, o final de semana é sempre mais duro, como disse um
deles em uma das plataformas visitadas: "melhor dia para desembarcar é quinta-
feira, pois antes do final de semana pega um dia útil para resolver os problemas;
segunda-feira é um dia péssimo para embarcar, pois além de deixar problemas para
serem resolvidos, fica pensando durante o final de semana, amanhã é o dia. Para
embarcar é bom terça e quinta feira, pois passa-se dois dias de cada semana
embarcado. Aqui nos sábados e domingos é uma merda, a gente diz é sábado/ domingo
e a gente trabalhando, quando chega a segunda, aqui a gente fica mais tranquilo. É
mais uma semana para trás".
157
Percebe-se entre eles esse sentimento com relação ao tempo26.
26 Minayo, M. C. in, Os Homens de Ferro, diz que nada tem merecido tanto empenho do
capital na "educação" dos trabalhadores, como a ordenação racional do tempo e do
espaço, uma vez que no cálculo capitalista "tempo é dinheiro". Minayo fala ainda: "com
relação ao espaço, o dia-a-dia do trabalhador passa a ser demarcado por um percurso
que o subordina: o trabalho, a casa e o bairro tomam dimensão de mundo, reforçando,
de um lado as relações de lealdade da vizinhança, mas de outro a dicotomia entre a
empresa e a sociedade civil. ... A questão da ordenação binária do tempo e do espaço (
tempo de trabalho-tempo livre, mina-casa ) aparece bem cristalizada na mentalidade dos
operadores".
Essa dicotomia do tempo "embarcado e desembarcado" parece reproduzir essa mesma
ordenação que Minayo chama de "ordenação binária do tempo e do espaço". No caso da
plataforma está muito claro. A forma de se marcar o tempo com a ampulheta, reflete esse
sentimento parece produzir nos petroleiros a sensação de que, na prática, é como se eles
possuíssem duas vidas, uma profissional ( embarcado ) e a outra pessoal
( desembarcada ). É como se uma retirasse o tempo da outra. Reforça essa idéia o fato da
grande maioria dos familiares e amigos não conhecerem o tipo de trabalho desenvolvido
pelos mesmos. É comum ouvir relatos de petroleiros reclamamando da falta de
compreensão das pessoas que não entendem determinadas necessidades que os petroleiros
sentem quando desembarcam. Querem extravazar as angústias, as ansiedades e o medo
vivenciado intensamente durante os 14 dias de embarque:
"Quando chego em terra, preciso de 3 dias para adaptação. Eu passo na rua vejo um
monte de gente, carro indo prá lá e prá cá, eu fico tontinha. Quero fazer tudo que eu
não pude fazer, quero fazer tudo ao mesmo tempo. Eu tomo remédio para tensão. O
158
Dentro desta linha existe uma afirmação interessante, muito citada pelos
petroleiros e repetida lá dentro das plataformas: "para o petroleiro a semana só
tem dois dias: domingo e segunda. Quando se está embarcado todo dia é segunda-feira
e quando se está desembarcado todo dia é domingo". ( Dá para perceber o
problema aqui é que a gente não volta para casa, se tivesse uma rua aqui que levasse
para casa... o pessoal de Cabiúnas do turno ganha igual a gente e está todo dia em
casa. O pessoal que trabalha em terra vai resolvendo seus problemas aos poucos, nós
não, interrompemos com 20 dias, largamos tudo e vamos embora". ( Ent. 9 )
"Agora eu já comecei a descer o morro" ( afirmação do entrevistado -operador - ao se
referir ao 8° dia de embarque ). ( Ent. 2 )
"A visita da minha esposa à plataforma, no programa de visita de familiares às
plataformas implantado pela Petrobrás, arrumou meu casamento. Ela não esperava que
o meu trabalho fosse tão duro". ( Ent. 12 )
O entrevistado deixava entender que sua esposa ficou orgulhosa de seu trabalho. Isto é
bem provável, pois sem dúvida ele é o cara mais esperto no setor de operação da
plataforma. Conhece o processo como poucos e é respeitado profissionalmente por todos.
"Quando desembarco eu quero me expandir , quero relaxar, quero fazer coisas
diferentes, tomar umas cervejas com os amigos e nem sempre a esposa compreende isto.
Quando estou desembarcado bebo pelo menos 3 cervejas por dia, fora os "porraços"...
depois da visita da minha esposa nossas relações melhoraram muito, ela ficou mais
compreensiva". ( Ent. 12 )
159
sentimento do petroleiro com relação a sua folga, quando diz que qualquer
um desses 21 dias desembarcado é domingo ). Completando a afirmação
acima comentou-se
em uma das plataformas: " aqui se sabe que é domingo, pelo cheiro de churrasco.
Na Bacia inteira, em todas as plataformas, é dia de churrasco". Ou, "A gente aqui
sabe que é domingo porque tem churrasco na cozinha. O Chefe continua a pelar o saco.
O relógio nosso podia ser uma ampulheta".
Em algumas plataformas, a primeira semana de trabalho ocorre
durante o dia e a segunda, durante a noite. Em outras acontece o inverso: a
primeira semana de trabalho é durante a noite e a segunda é durante o dia.
Existem opiniões divergentes para essas preferências. Como é quase unânime
a opinião de que o turno da noite sobrecarrega mais o organismo humano.
Uns preferem enfrentar logo essa dificuldade na chegada à plataforma ( caso
da primeira plataforma visitada por este pesquisador ). Outros preferem
deixá-la para o momento de ir embora. Na última plataforma visitada, Pargo,
a segunda semana de trabalho se dá à noite e o horário, no dia da saída, é das
19 horas às 05:00 horas. Essas duas horas a menos são descontadas do dia da
virada quando se faz duas horas a mais. Outros preferem o trabalho noturno
porque, segundo eles, a carga mental é menor pois, à noite, não existem, na
área, atividades de manutenção que exigem grande preocupação; e não existe
também, trabalho de vistorias e inspeção para emissão das PTs ( Permissão
de Trabalho ) que são emitidas pelo pessoal da operação para autorizar
qualquer serviço ( a quente ou a frio ) em área de risco, principalmente
aquelas que têm a presença de gás.
Na Pesquisa do Perfil do Operador Offshore, 20% dizem que,
freqüentemente, têm dificuldade de sono nos dias em que trabalham à noite;
160
69% costumam sentir vontade de cochilar durante o trabalho noturno. 51%
afirmam que, às vezes, dormem mal durante o repouso quando estão
trabalhando à noite.
Ainda sobre o trabalho do Operador, esta pesquisa revela que o
ruído incomoda 89% dos pesquisados; 78% freqüentemente trabalham em
locais perigosos e sentem cansaço no dia da virada. Sobre o treinamento,
52% disseram que não houve treinamento específico para sua função, no
momento da admissão, e 41 % informam que não houve treinamento
adequado para o trabalho. 58% têm entre 9 e 11 anos de empresa.
Em relação ao trabalho desenvolvido atualmente pelos
Operadores, pode-se dizer que, em termos de conteúdo, ele tem avançado,
principalmente, com o incremento e o aperfeiçoamento dos mecanismos de
controle do processo. A partir do aumento da confiabilidade da leitura feita
nos painéis das salas de controle, a leitura feita diretamente nos
instrumentos tornou-se menos importante. A autonomia do operador, que na
época era chamado Praticante de Produção e depois Auxiliar de Produção,
aumentou, e o mesmo passou a poder realizar manobras para manter a
regularidade do processo. Essas tarefas só eram permitidas ao Capataz de
Produção ( hoje no novo PCS é o ATOP ). Isso pode ser verificado no
depoimento de um Operador: "Antigamente era assim: O ATOP ( Capataz ) chegava
para o Operador ( Auxiliar de Produção ) e dizia: Fica aí vigiando este nível, quando
se alterar me chame. Neste momento o ATOP mandava o Operador executar as tarefas
161
para normalizar a situação: Fechar válvulas, etc.. Hoje até "arrasta balde"27 mexe nos
controles".
Essa evolução já consta das atividades prescritas para o
operador, nas próprias normas estipuladas pela empresa ( vide anexo ). A
partir das observações feitas nas Plataformas e também pelas entrevistas
realizadas com os Operadores, pode-se listar, pela ordem de atuações, que as
atividades desenvolvidas pelos Operadores são:
1 - operar e verificar equipamentos e instalações nas atividades
de operação de produção de petróleo ( extração, processamento, tratamento,
movimentação, recuperação especial e secundária, geração de energia
elétrica, utilidades, completação e avaliação e restauração dos poços);
2 - efetuar leituras de painéis e instrumentos, medir e controlar
as diversas variáveis tais como: pressões, temperaturas, níveis, vazões,
consumo de produtos, etc.;
3 - realizar manobras e rotinas operacionais estabelecidas pela
chefia;
4 - liberar equipamentos e instalações para manutenção e
inspeção, acompanhando, fiscalizando e auxiliando nestes serviços em seus
postos de trabalho;
27 Arrasta Balde - referência que alguns petroleiros fazem aos serventes que trabalham
com baldes na sua atividade de limpeza; para eles a expressão tem um caráter pejorativo
em função dos serventes executarem um trabalho sem nehuma exigência de qualificação.
162
5 - executar tarefas de montagem e desmontagem de
equipamentos nas instalações de produção;
6 - efetuar coletas de amostras para análises de óleo, água, gás e
outras.
Sob o ponto de vista das atividades realmente desempenhadas
na prática, o trabalho do Operador se aproxima muito do trabalho do ATOP,
que hierarquicamente representa o seu chefe. ( Vide em anexo os exemplos
de atribuições do TOP, do ATOP e do Operador ). Essa aproximação
acontece à medida que o trabalho é desenvolvido em equipe. Essa, aliás, é
uma das características do trabalho desenvolvido em indústrias de processos
contínuos.
Existem profundas diferenças na forma de trabalhar entre as
equipes, como já foi falado. Nesse sentido, há plataforma onde não existe o
Engenheiro Chefe de Plataforma. Nesse caso, a Produção é gerenciada pelo
TOP, Técnico de Operações de Produção, que trabalha de sobreaviso. O
turno é comandado pelo ATOP. Diretamente pelos operadores, quando o
ATOP está em férias ou em curso. É também comum, mesmo nas plataformas
que têm Cheplat, a equipe de turno ser comandada por um operador, que
assume o papel do ATOP28.
28 ( P ) Me diz uma coisa em relação a essa questão da polivalência. Lá na SS-YY
quantos são os operadores de óleo e gás ?
( E ) 4 Operadores e 1 ATOP no Turno. Sendo que algumas equipes têm 3 operadores. Eu
mesmo tô saindo agora. Vou ficar liberado e meu grupo deve embarcar com 3 pessoas e
163
não existe nem perspectiva de ter outro operador para me substituir... O Cheplat está
sabendo que eu vou sair. Seria necessário embarcar alguém para treinar e tudo mais... e
não foi mandado ninguém... se não embarcar mesmo, meu grupo vai embarcar com três...
( P ) Então é normal trabalhar 3 ou 4 operadores sem ATOP ?
( E ) É normal. Está sempre acontecendo isso.
( P ) O que você acha desta carga de trabalho de óleo e gás comparado com o PPMoraes?
( E ) A gente está tendo uma série de dificuldades, além da gente estar operando
equipamentos com os quais a gente não teve um outro contato, não teve treinamento... a
gente tá tendo treinamento e ao mesmo tempo operando, então a dificuldade é imensa... e
o tempo todo são 40 mil barris e 40 mil barris e você é responsável por uma das maiores
produções da Bacia... você fica com essa responsabilidade.
(...) ( P ) As equipes lá todas tem Cheplats ?
( E ) É. São 3 Cheplats.
( P ) Tem alguns momentos que não tem Cheplat ?
( E ) Algumas equipes ...duas equipes... eu por exemplo trabalho com um Cheplat só.
( P ) Ele faz o horário do dia ?
( E ) Exato. Tem uma outra equipe que ele trabalha é a equipe que ficou lá. Esta equipe
trabalhou 7 dias com um Cheplat, aí ele desembarcou e trabalhou os outros 7 dias com
outro Cheplat.
( P ) Mas a plataforma fica em algum momento sem Cheplat ?
164
A capacidade dos operadores e o exercício com certa constância
do cargo de ATOP, leva a um descontentamento com relação à diferença
entre os níveis de um e outro29, e à falta de possibilidade para ascensão
funcional. Perde-se a motivação por um melhor desempenho no trabalho. Na
pesquisa de campo nas plataformas, assim como nas entrevistas, muito se
reclamou dos critérios da empresa e dos chefes para as avaliações de
desempenho. Na Pesquisa do Perfil dos Operadores off shore, 63 % disseram
que, freqüentemente, a avaliação anual provoca descontentamento e 56%
( E ) Não. Não fica. Fica um dia no máximo dois, quando o Cheplat desembarca para
fazer uma reunião em terra e embarca novamente.
( P ) Mas tem um projeto da Petrobrás de levar o Cheplat para terra...
( E ) Até agora não. Talvez por ser uma plataforma nova, tem um sistema de produção
particular que é o sistema submarino de águas profundas... então tem uma série de
problemas e eu sinto que eles sentem uma certa tranquilidade quanto a isso, porque eles...
eles acompanharam aquilo desde o início, então, eles estão vendo que eles não vão ter tão
cedo o domínio daquilo dali, eles é que têm domínio daquilo ali... principalmente 2
Cheplats, o outro não. O outro saca muito da planta, ele acompanhou a montagem nos
Estados Unidos, então ele conhece a planta em detalhes...( Ent. 15 )
29 "A diferença Salarial entre o Operador e o ATOP é muito grande. É de mais ou menos
100%( 20 Mil e 40 Mil ). Deveria ser Operador I, II e III. Não há diferença de trabalho.
Eu podia fazer e hoje já faço o trabalho do ATOP. O Fiscal não faz nada . Olha as posses
do ATOP e a nossa". Ao falar sobre satisfação ele diz: "Gosto do Trabalho não gosto é do
salário". ( Ent. 3 )
165
afirmam que existe dificuldade de enquadramento nos 3 níveis de avaliação
( S, M e I ).
5.5.1 - Relações de Trabalho
As relações de trabalho são influenciadas por uma série de
questões já levantadas. É óbvio que não possuem as mesmas características
das relações desenvolvidas, por exemplo, numa fábrica instalada numa
cidade, onde os trabalhadores não são obrigados a conviver com colegas
além das horas relativas ao desempenho de suas atividades, no posto de
trabalho. Em função disso, a Pesquisa sobre o Perfil dos Operadores
procurou classificar a opinião deles sobre essas relações e encontrou os
seguintes dados:
84% consideram como bom o relacionamento com os colegas da
Petrobrás e 77% com os colegas de empreiteira;
61% dizem que raramente/às vezes o relacionamento com a
chefia é bom;
52% dizem que só às vezes têm liberdade para falar de
problemas pessoais com a chefia direta, 33% não têm.
54% dizem que têm liberdade para dar opiniões em assunto de
trabalho e 40 %, às vezes;
166
61% dizem que às vezes participam com a chefia de atividades
de lazer e 33% não participam;
64% dizem que só às vezes sentem-se reconhecidos pelos
colegas;
63% dizem que só às vezes a chefia mantém bom clima no
grupo de trabalho e 23% dizem que a chefia não mantém;
45% dizem que não se dá ao empregado chance de defesa na
aplicação de normas disciplinares e 27% dizem existir rigor na sua
aplicação.
É interessante observar que os problemas do turno, tanto os de
natureza profissional quanto os pessoais, continuam presentes após o turno
de trabalho. É impressionante como se conversa de trabalho nos intervalos
entre o repouso e o lazer e, até mesmo nesse e, principalmente, nas
refeições. Isto se dá em função do confinamento e praticamente da
obrigatoriedade de convivência quase que de 24 horas entre os membros de
uma equipe de trabalho.
Num levantamento mais qualitativo, buscou-se identificar falas
que reproduzem situações ligadas às relações de trabalho acontecidas no
interior das plataformas:
"Quando aqui se chega, se tem muita coisa prá conversar, o que se fez
na terra, onde foi, o que fez e as coisas que comprou. Nos primeiros dias todo mundo te
trata bem, a relação é boa, nos últimos dias ninguém pode brincar mais a brincadeira
dos últimos dias" (Ent. 9)
167
"Eu podia regaçar os poços, botar para produzir tudo... f iscal chegar na
terra e dizer bati o recorde da plataforma, mas deixou tudo estourando, poço, bomba,
etc. a gente aqui se quiser pode botar o fiscal para cima, fazer o nome dele".( Ent. 3
)
"O pessoal da terra não faz nada direito para o embarcado. Tudo cai em
cima do pessoal embarcado, que é quem carrega a empresa. Antes da Coper era melhor
para resolver nossos problemas com DIRGAS ou DIROLEO. Hoje essas divisões só
estão com a parte técnica." ( Ent. 4 )
( ... ) ( E )Aquilo dali em cima de você... existe a questão da disputa
entre grupos... porque... uma equipe é melhor do que a outra...
( P ) Entre turnos ou entre embarques ?
( E ) Entre todas as cinco equipes. Eles ficam fazendo comparações, o
cara fica ...
( P ) E essas comparações, você acha que são estimuladas pela empresa?
( E ) Sem dúvida. O próprio Cheplat faz elogios... eu tenho mais
contatos... e a gente sabe de toda a psicologia que é aplicada na competição. Você está
sempre competindo com o seu colega, melhor do que a outra equipe ... essa equipe é a
melhor... o operador é o melhor...
( P ) É por causa do negócio da avaliação ?
( E ) é avaliação, é ...
( ... )( P ) Mas é comum esse rodízio ? Durante os 14 dias cada dia estar
num lugar ? Um dia na sala de controle, outro dia na área, ou é por embarque?
168
( E ) Olha a minha equipe tem uma metodologia de trabalho. A outra
equipe tem outra metodologia. Isso varia muito com o ATOP, o Cheplat e com o
operador que vai para o final na verdade.
( P ) Qual é a da sua equipe ? Sua equipe faz como ?
( E ) Olha é o seguinte. Parte muito da questão do operador também...
dele mostrar firmeza no que é necessário para ele operar bem e ele bater pé mesmo, que
ele não vai fazer daquela forma, eu preciso fazer desta forma, desta maneira aí você
está... você vai me prejudicar, parte muito por este lado aí... agora particularmente o...
ATOP com quem eu trabalho deixa muito a critério do operador, mas eu vejo que a
outra equipe não tem ... e às vezes eu me meto e acabo discutindo com o ATOP da outra
equipe, aí ele foi grosseiro comigo, aí parte para ameaça mesmo, aí olha, se você
trabalhar na minha equipe a coisa não vai ser assim não... aí eu falei, vamos ver se a
gente trabalha junto aí, vamos ver como é que a gente vai ficar, a gente se acerta aí...
eu procurei também não acirrar não ...
( P ) Essa relação assim com o ATOP meio complicada entre os
operadores... ela não é muito comum... geralmente o ATOP e o operador transam legal
...
( E ) Depois do operador polivalente principalmente acirrou demais. Tem
operador que simplesmente acabou, deteriorou mesmo a relação de amizade, uma boa
relação de trabalho...
( P ) E porque você acha que aconteceu isto ?
( E ) Porque grande parte dos ATOPs aceitaram e repassaram isso para
os operadores e os operadores que estavam na ponta da linha que sentiram mais...
( P ) O trabalho aumentou para eles, não para o ATOP ?
169
( E ) Também para o ATOP não vou dizer que não, mas o ATOP tem um
poder de pressão maior, eu vejo que eles tem um poder de pressão maior, a gente sente
isso aí, então no final foi o operador o que mais sentiu, ele foi o que mais resistiu e aí
ele foi em cima do chefe imediato dele que foi o ATOP e o ATOP simplesmente foi
repassando o que vinha lá de cima ele colocava e dizia que simplesmente não podia
fazer nada... se você quiser pode conversar com o Cheplat ou vai conversar com o TOP
e este por sua vez ia repassar pro Cheplat, ia repassando à medida que você fosse
resistindo ele ia repassando para cima, então houve muito desgaste de relação de ATOP
que aceitou, começou a repassar o serviço para os operadores que tiveram resistência e
eles... ( Entr. 15 ).
Pode-se perceber que existe um relacionamento dentro da
equipe, que está acima da posição hierárquica, porém isso não se dá em
todas as equipes. O fiel da balança quase sempre é o ATOP. Quando o
mesmo fortalece o sentimento de equipe, colocando os desafios como sendo
do grupo e não especificamente dele, o sentimento de solidariedade se
mostra presente e a produtividade parece ser muito melhor. Constatou-se
esse fato durante a visita, por mais de uma vez. Numa plataforma visitada,
ocorreu uma situação de emergência no início de uma madrugada. Toda
equipe atuou, de forma coesa e rápida, sem distinções de funções e
hierarquia.
O depoimento da Entr. 3, acima, diz claramente que quando se
tem interesse, pode-se aumentar a produção para favorecer os chefes de suas
equipes. Aqui, cabe ressaltar, chama-se de equipe, aqueles que trabalham os
14 dias juntos. Duas equipes revezam-se, no trabalho, durante os 14 dias. A
cada 7 dias, uma das equipes desembarca, enquanto a outra troca de turno.
Essas duas equipes são coordenadas por um Cheplat e/ou um TOP. Como já
170
foi dito, em algumas plataformas pequenas não existe Cheplat, sendo seu
trabalho realizado por um Técnico de Operações- TOP.
Há também um mal relacionamento entre o pessoal embarcado e
o pessoal de terra. Muitas reclamações são feitas, principalmente, sobre a
falta de apoio deste pessoal às necessidades daquele trabalhador, pois seu
único contato com a administração da empresa acontece via o trabalho na
plataforma.
Por fim, cabe um comentário sobre o acirramento de ânimos,
quando estremecem as relações no trabalho. Os atritos que devem preocupar
a empresa, em função da necessidade de segurança, são extremamente
traumáticos. Acabam por atingir todos os membros da equipe, aumentando a
ansiedade e a angústia já presentes nas atividades exercidas em um ambiente
confinado e de alto risco.
5.6 - Sua Qualificação:
A Qualificação é um atributo do trabalhador e não algo inerente
ao tipo de atividade que ele desenvolve. Embora o tipo de trabalho exercido
pelo operador apresente necessidades de atribuições ( de qualificação ), não
está por ela, diretamente determinada.
171
Mais ainda, sendo a Qualificação um atributo do trabalhador é
também considerada um conjunto de condições físicas e mentais que compõe
a capacidade de trabalho despendida em atividades voltadas para a produção
de valores de uso. Assim sendo, dentro de uma concepção marxista, o caso
do Operador de Produção pode ser avaliado dentro do tipo de atividade por
ele desenvolvida, como um exemplo de atividade que exige uma condição
mental de desenvolvimento lógico e abstrato, acima da média. Aliás, isso já
pode ser considerado uma característica dos operadores da indústria de
processo contínuo.
Deve-se aqui, fazer uma observação a respeito do processo de
evolução das atividades atribuídas ao Operador, nas atividades off shore. A
capacidade do Operador de Produção, nessas atividades, nem sempre foi
reconhecida. Isso fica evidenciado verificando-se as atribuições que ele
exercia na época em que ainda era classificado como Praticante de Produção.
Na prática, essas atribuições ficavam restritas a atividades que dispensavam
o conhecimento mais profundo do sistema, pois as decisões sempre eram dos
Capatazes de Produção, atuais ATOPs ( Auxiliar Técnico de Operações ).
Um operador descreve essa época: " O ATOP chegava para o
operador e dizia: fica vigiando este nível ( aí reproduziu os gestos de um
operador parado, diante do mostrador, vigiando o nível ). Quando acontecia
alguma coisa o operador falava: Chefe saiu de nível aqui. Aí o ATOP
mandava: então fecha esta válvula lá." ( Ent. 3 )
A evolução na forma de organizar o trabalho do operador, com
a agregação de novas responsabilidades, que reconhecem sua capacidade,
significa um avanço da empresa sob o ponto de vista gerencial, uma vez que
estava-se desperdiçando essa capacidade, como também rotinizando e
172
vulgarizando o trabalho de um profissional, o que também prejudicava a
produtividade.
É interessante observar, quanto ao aspecto da escolarização30,
que os operadores têm, em maioria de 90% ( 917 em 1.017 ), pelo menos, o
Segundo Grau. E mais: segundo a Pesquisa ( em anexo ) do Perfil do
Operador Off Shore, pelo menos 80 % possuem curso de formação
profissional, principalmente o Curso Técnico, mais especificamente o de
Eletrotécnica ou o de Mecânica. Aliás, isso ocorreu porque a própria
empresa preferiu esse tipo de formação quando dos processos seletivos.
Existem quase 10% com curso superior, número que somado ao
de técnicos acaba influenciando a empresa em atribuir atividades e decisões
30Aqui, cabe realçar que a escolarização não guarda uma relação direta com a
Qualificação. Quando a Escolarização vem acompanhada de uma boa formação,
logicamente haverá influência na Qualificação. A partir da concordância de que a
Qualificação é um conceito relativo e que, por isto, sempre está relacionada a algo, (
nesse caso, por exemplo, à tecnologia ). Ainda neste caso do Operador de Produção
Offshore, a Qualificação está diretamente ligada à relação que o operador faz entre os
conceitos que contribuiram para sua formação geral e o entendimento ( de forma mais
facilitada ) do processo de trabalho com o qual lida. Conseqüentemente pode-se deduzir
que a formação geral do Operador guarda uma relação direta com a sua Qualificação para
o trabalho.
173
que exigemem uma maior Qualificação. Isso gera reações contrárias destes
operadores que vêem de forma diferente essa questão31.
Insistindo na tese de que a formação não guarda uma relação
direta com a Qualificação32, pode-se analisar melhor o movimento de
Qualificação do Operador de Produção e também a mudança organizacional
com conseqüente alteração de cargos. Ou seja, a mudança de concepção do
trabalho do Praticante de Produção levou ao surgimento do Auxiliar de
Produção, num primeiro momento e, num passo mais firme, à criação do
Cargo do Operador de Produção. Isso fica mais evidente, observando-se que
31"...Todos na minha família têm curso superior (...) tenho ótimo currículo, já trabalhei
em empresa cheio de status, mas o que conta é dinheiro no bolso, por isso vim para cá ser
peão". "Entrei por baixo pensando em sair por cima (...) não escondi que tinha curso
superior para entrar na empresa". ( Ent. 2)
"Aqui quase todos têm nível superior. A empresa sabe, eu não escondi a formação, a
maioria não esconde. Por que estamos aqui ? Pela grana. Não ganhamos lá fora o que
ganhamos aqui. Eu já fiz Concurso e levei pau para Engenheiro, é muita gente e não tem
vantagem para o pessoal interno. Fiz para Engenheiro de Dutos porque não gosto da
Produção, não se aprende nada. Já disse, todos os Engenheiros que vieram para cá estão
caducos, pararam no tempo. No Concurso concorre-se com gente recém-formada do Brasil
inteiro. Estou há 7 anos, só trabalhei aqui. Fui para duas outras plataformas no início...
depois vim para cá, era para ficar uma semana... aí fiquei, já estava gostando e... o Fiscal
pediu... estou até hoje.
32Aqui deve-se fazer uma distinção entre Escolarização, Informação, Treinamento,
Formação e Qualificação.
174
na área de Utilidades, seja de elétrica, seja de sistemas, já existia a
nomenclatura de operador. Logicamente há uma relação com o tipo de
trabalho, já que desde essa época, a empresa considerava a tarefa na
utilidades como um trabalho mais qualificado. As atividades de operação de
óleo e gás não mereciam o mesmo tratamento, eram consideradas
possivelmente como uma atividade mais rotineira e mais simples.
A mudança seguinte, que ainda está em curso é a transformação
dos Operadores em Operadores Polivalentes. Neste momento, a empresa
passa a reconhecer a necessidade de valorizar e/ou de criar essa nova
capacidade do seu operador. Os novos paradigmas exigem esta decisão.
A empresa passa, a partir daí, a oferecer a todos os seus
operadores o Curso de Operador Polivalente.
5.6.1 - O Curso de Operador Polivalente:
A empresa fez uma programação visando a promover, para
todos os operadores, um Curso de Polivalência, que pudesse habilitar o
conjunto dos operadores, até então especialistas, em operadores
multihabilitados. Esse treinamento tem sido desenvolvido, de forma gradual,
com grupos formados geralmente, por 35 operadores de diferentes
plataformas, com carga horária total de aproximadamente 600 horas em 75
dias úteis ( ± 3 meses ).
175
Esse Curso tem um Programa Básico e um Específico, que
envolvem conteúdos relacionados as quatro áreas da produção; óleo, gás,
utilidades elétricas e utilidades de sistemas (água potável, ventilação, etc.)33.
33O conteúdo do Programa de Treinamento para Operadores Polivalentes é o seguinte:
Programa Básico:
Noções de Plataformas Marítimas ( 8 h ); Noções de Geologia e Reservatórios ( 20 h );
Noções de Perfuração ( 8h ); Noções de Completação ( 24 h ); Manutenção de Poços ( 8 h
); Equipamentos de Completação ( 8h ); Noções de Avaliação de Poços ( 16 h ); Noções
de Processamento de Óleo ( 32 h ); Noções de Processamento de Gás ( 23 h );
Desidratação e Injeção de Inibidor de Hidratos ( 5 h ); Dessulfurização ( 2 h ); Limpeza
de Gasodutos ( 2 h ); Compressores - 1ª Fase ( 7 h ); Medição de Gás ( 4 h ); Amostragem
de Gás ( 3 h); Noções de Mecânica dos Fluidos ( 16 h ); Noções de Utilidades ( 38 h );
Diagramas, Tubulações e Válvulas ( 8 h); Bombas ( 8 h ); Instrumentação ( 22 h ).
Programa Específico:
Planta de Processo de Óleo ( 15 h ); Planta de Processo de Gás ( 15 h ); Compressores de
Gás - 2ª Fase ( 5 h ); Trocadores de Calor ( 4 h ); Tratamento de Gás/ Problemas
Operacionais ( 6 h ); Sistema de Segurança e Lógica Shuntdown ( 16 h ); Sistema de
Utilidades Elétricas - Eletricidade Básica ( 120 h ); Produção Industrial de Energia
Elétrica ( 80 h ); Sistemas Elétricos ( 12h ); Equipamentos Elétricos ( 12 h ); Geração
Auxiliar ( 8 h ); Geração Principal ( 8 h ); Geração de Água Potável ( 5 h ); Tratamento
de Água e Captação e Injeção de Água (7h); Compressores de Ar ( 3 h ); Ventilação e Ar
Condicionado ( 13 h ); Utilidades - Manobras Operacionais (8h).
176
Dentro do conteúdo é também previsto um conjunto de Palestras
sobre Qualidade x Produtividade, Aspectos Humanos e Programas
Participativos da Qualidade e Produtividade. Esse Curso é desenvolvido,
normalmente, em três etapas e locais distintos: na sede da Região de
Produção Sudeste em Macaé, RJ, em um Hotel na cidade de Rio das Ostras
(vizinha de Macaé) e na Escola Técnica Federal de Campos.
Como o Curso está sendo oferecido aos operadores de cada
plataforma de forma paulatina, a mudança organizacional, através da
ampliação das responsabilidades da supervisão, controle e operação de
outras áreas, em quase todas as plataformas, vai ocorrendo independente da
habilitação teórica nas novas áreas. Dessa forma, o treinamento prático
acaba se realizando no próprio trabalho ( "on job" ), no estilo de
acompanhamento, também conhecido como "Cosme e Damião". O Operador
do óleo passa um período acompanhando o trabalho do operador do gás,
depois com o operador de utilidades de sistemas e por fim, com o operador
de utilidades elétricas34.
Obs.: Os operadores ficam isentos de assistirem as aulas das disciplinas refrentes à sua
respectiva área de atuação, embora não fiquem dispensados de prestar avaliação nestas
mesmas disciplinas.
34Nem todos os Operadores treinados nesse curso passaram, antes ou depois, pelo
treinamento prático na plataforma. Desses que passaram, nem todos fizeram treinamentos
nas outras 3 áreas diferentes da sua. Só nas últimas turmas, a partir de solicitações dos
próprios operadores, é que passou a ser obrigatório o estágio após o curso feito em um ou
dois embarques ( também de 14 dias ), preferencialmente em uma plataforma diferente
177
Ao se fazer uma reflexão sobre esse Curso e seu caráter de
formação ou de informação/ treinamento, é importante distinguir o
treinamento polivalente de uma formação politécnica. Segundo Machado,L.,
"a formação politécnica se situa na perspectiva do desenvolvimento de todas
as qualificações humanas no processo de superação das relações sociais de
alienação e exclusão, enquanto a polivalência se apoia no uso cientificista
da ciência, sujeitando o trabalhador à mera instrumentação utilitarista e o
trabalhador a processos de adaptação definidos por regras prescritas com
anterioridade".
Verifica-se que o Curso não apresenta a preocupação com uma
formação básica que permita aos operadores compreenderem as exigências
de sua atividade e uma visão mais abrangente para resolver problemas.
Aliás, essa compreensão mais ampla permitirá, não só uma elaboração mais
criativa nas soluções dos problemas, mas também à possibildade de se
antecipar aos mesmos.
Num tipo de atividade em que o importante para a
produtividade é a não interrupção do processo de trabalho, essa nova e mais
ampla dimensão da formação do novo Operador traz, não só a perspectiva de
maior autonomia de trabalho, de desenvolvimento social do Operador e de
toda a sua equipe, como também permite à empresa, com certeza, um
quinhão a mais de produtividade.
daquela em que o operador atua. Antes dessa decisão ser tomada, outra grande reclamação
dos operadores era de que o Curso tivesse uma parte prática maior. Falam inclusive, que o
ideal seria que o Curso fosse realizado na própria plataforma, com os instrutores
ministrando o mesmo diretamente nos locais de trabalho.
178
De qualquer forma, a perspectiva de se elevar o nível de
formação, visando-se a mais integração no processo de trabalho, pode
representar um avanço, se entender que isso possibilitaria uma visão mais
global e, consequentemente mais crítica de todo esse processo de alienação
que principalmente o trabalho taylorizado, profundamente especializado,
proporciona. É um avanço não muito grande uma vez que se percebe
claramente que o objetivo é de uma "multi-habilitação" ( Frigotto,1992 ),
com a simples transferência de informações, para o operador, das outras 3
áreas desconhecidas.
Observa-se no conteúdo, uma preponderância de temas que
falam de "noções". Conclui-se que o objetivo é um treinamento através de
informações. Não se visa propriamente à formação desse novo operador do
qual se solicitará ou não maior qualificação, conforme a visão, para operar,
com confiabilidade, mais de uma área dentro do processo de produção que as
diferentes plataformas possuem.
O assunto que mais assusta os operadores é a parte de elétrica,
que embora possua uma carga horária grande- 240 horas - ainda é
considerada pequena pelos Operadores35. Esse fato pode estar ligado à forma
35 "( ... ) eu acho o seguinte: eu tenho o curso de eletrotécnica, isso aí já me ajuda bastante
trabalhar com equipamento elétrico. Agora vá lá que o cara não tem qualif icação elétrica
nenhuma, eu noto colegas meus que têm medo até de botar a mão em um painel... eu fiz um curso
que é de 4 anos ... como é que a Petrobrás quer formar um cara em polivalência em 4 meses?" (
Ent. 1 - Começou trabalhando no óleo e hoje atua tanto no óleo quanto no gás. )
179
de representação extremamente abstrata que esse tipo de conhecimento
exige. Esse tipo de raciocínio não é absorvido com muita rapidez. Pela
periculosidade que o trato prático dessa ciência exige, é comportamento
comum as pessoas com pouco conhecimento do assunto rejeitarem qualquer
tipo de experiência prática.
É interessante ressaltar que os TOPs e os ATOPs também têm
passado pelo mesmo treinamento, inclusive mesmo conteúdo, apenas em
turmas diferentes.
Segundo entrevistas, os primeiros Cursos tiveram, na sua etapa
inicial, algumas disciplinas de embasamento teórico como: Matemática,
Física e Química. Ainda, segundo algumas entrevistas, os participantes do
Curso sempre reclamam da insuficiência da Carga Horária para uma
formação mais sólida nos assuntos que exigem um tempo maior para
maturação dos conteúdos.
5.7 - O Operador frente às Inovações Tecnológicas, às
Mudanças Organizacionais e ao movimento de Qualificação:
"Nós não aceitamos a polivalência. Quando foi imposto eu estava em outra plataforma. Falei:
pode desembarcar, fazer o que quiser, na elétrica eu não mexo, acho que tem que ser de quem é
da área". ( Ent. 4 - Começou trabalhando no Gás e hoje atua tanto no óleo quanto no gás.
)
180
As transformações promovidas nas plataformas, tanto de base
técnica quanto organizacional, se enquadram na chamada modernização dos
setores produtivos através da reestruturação e otimização e, principalmente,
integração dos sistemas instalados. O objetivo é provocar fundamentalmente,
uma redução nos custos operacionais e, complementarmente, uma melhor
visualização do processo que possibilite um sistema de supervisão
centralizado de forma total ou parcial.
Esse é o motivo que leva a empresa a necessitar de operadores
que supervisionem o funcionamento do sistema. É necessário, ainda, que os
mesmos tenham habilidades múltiplas para garantir a não paralisação do
processo ( como em todas as indústrias de processo é ele que vai determinar
a produtividade desse sistema ). E, no caso das plataformas, em que a
maioria tem um nível de automação ainda pequeno, é preciso ter operadores
com condições de diagnosticar e oferecer soluções para os problemas de
processo.
Na visita feita às plataformas, observou-se que ocorre hoje, em
praticamente todas elas, a unificação dos setores de óleo e gás e, em poucas,
dos setores de utilidades de sistemas com utilidades elétricas. Isso se dá
mesmo nas plataformas mais antigas ( maioria ), onde as salas de controle
ainda são específicas e em locais diferentes. Nesses casos há um rodízio dia
a dia durante o embarque, ou de um para outro embarque. Esse rodízio não
ocorre entre os operadores de utilidades de elétrica e de sistemas. Os
próprios operadores não acreditam nele, enquanto existirem plataformas com
salas de controle separadas.
181
É interessante observar que, raramente, esse revezamento
ocorre, mesmo entre os que já fizeram o curso de polivalência. A exceção só
se dá para aqueles que já possuíam curso profissionalizante, na área de
elétrica, antes de entrar para a empresa. Isso vale, inclusive, para as
plataformas mais novas, porque mesmo nestas, ainda não se integrou
totalmente o sistema num único equipamento ou mesmo numa única sala de
controle.
A integração dos sistemas através da unificação das salas de
controle e também da criação da polivalência parece não ser o problema. A
questão parece residir na qualificação necessária para a nova função, assim
como na garantia de não haver uma intensificação do trabalho.
Verifica-se uma diferença enorme entre as plataformas, tanto
em termos de idade tecnológica, quanto em termos de gerenciamento. Ela
eleva o nível de complexidade com a qual se reveste toda e qualquer
estratégia de implantação de mudanças a nível global nas atividades off
shore.
Em termos de tecnologia de controle de processo, a divisão das
plataformas nas 3 grandes famílias é a seguinte: a 1ª Família constitui-se de
sistemas baseados em painéis de lógica fixa ou relés, controle pneumático
das malhas e supervisão através de painéis sinópticos; a 2ª Família é
constituída pelos sistemas de lógica programável e dos controladores
eletrônicos; a 3ª Família constitui-se do Sistema ECOS- Estação Central de
Controle e Supervisão. A filosofia desse sistema é a de que o operador, a
partir do único ponto ( sala de controle de processo ), tenha acesso a todos
os dados do processo podendo a partir desses, intervir no mesmo.
182
Percebe-se, a partir daí, a existência de uma estratégia
empresarial, que aponta no seguinte sentido:
1° - É preciso modernizar.
2° - É necessário reduzir custos.
3°- Para realizar as duas ações anteriores é indispensável que
haja uma transformação de base técnica no processo de produção. Isso será
feito através da automação que supervisionará e controlará toda a produção.
4°- Para fazer tudo isso acima, é inevitável que se promovam
mudanças na forma de organizar o trabalho.
5° - É necessário uma nova formação de Recursos Humanos.
Estas estratégias vão ao encontro das diretrizes gerais da
empresa36.
36O Plano Estratégico do Sistema Petrobrás de 1992 define a missão e os objetivos
permanentes relativos às atividades-fim e relativos ao desempenho, onde cita entre outros:
- Desenvolver a capacitação tecnológica do Sistema Petrobrás, em articulação com a
comunidade científica e tecnológica;
- Formar, desenvolver e valorizar seus empregados e integrá-los ao Sistema Petrobrás;
- Assegurar padrões adequados de saúde ocupacional e de segurança do pessoal e do
patrimônio do Sistema Petrobrás;
183
- Preservar e respeitar o meio ambiente no âmbito de suas operações e na qualidade de
seus produtos;
Este mesmo Plano determina ainda as Opções Estratégicas e Objetivos Decenais. Nestes
objetivos define:
- Fazer da qualidade de seus processos, serviços e produtos, da proteção ambiental, da
segurança industrial e da saúde ocupacional fatores de destaque e reconhecimento do
Sistema Petrobrás;
- Ampliar a capacitação gerencial do Sistema Petrobrás;
- Ampliar a capacitação técnica e tecnológica do Sistema Petrobrás;
Como Projetos Estratégicos, que visa, segundo o documento, a transformar as orientações
estratégicas em ações e resultados, foram definidos 14 temas, que não estão listados em
ordem de prioridade: ( os que estão destacados são os que se referem claramente à Bacia
de Campos )
- Exploração e Desenvolvimento da Produção em Águas Profundas;
- Recuperação Avançada de Petróleo;
- Automação Industrial;
- Consolidadação do Processo de Qualidade Total;
- Modernização da Gestão Empresarial;
Nas Orientações para o Curto Prazo ( 1992/1993):
184
Numa posição mais recente, apresentada ao Sindicato pelo
Grupo de Automação da RPSE, com a participação da Superintendência (
portanto posição oficial ), sobre as estratégias futuras da empresa, afirmou-
se que esse processo de modernização é irreversível e que com os novos
estudos de Viabilidade Técnica e Econômica, objetiva-se continuar a
implantação de sistemas de automação, supervisão e controle de processos,
com a instalação do Sistema Ecos, não só nas novas unidades, mas também
através da substituição dos sistemas anteriores, a exemplo do que foi feito
em Enchova e se faz agora em Namorado2.
Dessa forma foram apresentados os quatro pontos do Plano de
Ação, aprovados pela Superintendência:
1- Rankear as plataformas ( pontuar as plataformas em função
de custos, estratégias, etc., para se determinar em qual plataforma deve ser
feito o 2° EVTE- Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica );
2- Definir uma matriz de atribuições que permita a articulação
dos diversos setores envolvidos com os estudos e a implantação dos
sistemas;
3- Criar uma Divisão que seja a responsável por essa
articulação, antes coordenada pela Divisão de Relações Industriais e
instrumentalizada pelo Grupo de Automação provisoriamente formado; (
- Aprimorar a Qualidade da Ação Gerencial;
- Considerar o Processo Petrobrás de Meio Ambiente, Qualidade e Segurança Industrial
Fator Fundamental na Obtenção Imediata das Melhorias Requeridas pela Sociedade;
185
Obs. Já foi criada a DIFAP- Divisão de Facilidades de Produção que é ligada
diretamente à Superintendência de Produção ( SUPROD ).
4- Acompanhar os desdobramentos de Recursos Humanos que
surgirão com o desenvolvimento dos projetos.
5.7.1 - Posição do Sindicato sobre as Inovações
Tecnológicas:
Ao se observar o Capítulo das Inovações Tecnológicas, que
constou do Acordo Coletivo de 199237, entre o Sindipetro e a Petrobrás, as
37ACORDO COLETIVO DE 1992 :
CAPÍTULO VIII - DAS INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS:
Cláusula 86ª - A implantação de novas tecnologias de trabalho terá como objetivo o
aumento da eficiência, da qualidade dos trabalhos, da competitividade, da segurança e
saúde dos empregados .
Parágrafo Único - A implantação de novas tecnologias que tragam alterações substanciais,
será precedida de uma apresentação aos Sindicatos, cujas bases forem abrangidas, dos
objetivos, avanços e ganhos sociais que tais medidas acarretarão.
Cláusula 87ª - A Cia. assegura que, no seu esforço de modernização e dentro de sua
política e busca de inovações tecnológicas, promoverá, quando necessário, a relocação
dos empregados envolvidos, permitindo, ainda, treinamento nas novas funções,
186
propostas do Sindicato nas negociações do Dissídio de 1993/199438, e
finalmente, o Acordo fechado para o período 93/9439, pode-se observar
algumas questões referentes à posição sindical:
respeitadas as respectivas condições específicas, tabelas salariais e regimes de trabalho
dessas novas funções.
Cláusula 88ª - A Cia. asssegura que na implantação de Novas Tecnologias, quando
necessário, serão mantidos programas de treinamento voltados para os novos métodos e
para o exercício das novas funções.
38 PROPOSTAS PARA O ACORDO COLETIVO 93 / 94 DA FEDERAÇÃO ÚNICA
CUTISTA PETROLEIRA: CAPÍTULO VII - DAS INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS:
Carro chefe da campanha reivindicatória: ( Pontos gerais )
- Estabilidade no Emprego; Não à Terceirização; Abertura imediata de Concurso
Público e Trabalho com Segurança e Saúde.
Cláusula 78ª - A Cia., quando adotar inovações no sistema de trabalho, determinando sua
racionalização com modificação da atividade desenvolvida pelo(s) empregado(s), deverá
cumprir as seguintes obrigações:
I - Constituir comissão paritária a nível regional e nacional para discutir o processo de
implantação de novas tecnologias e técnicas gerenciais, visando a garantia no emprego,
das condições de saúde no trabalho, do diagnóstico dos impactos no meio-ambiente e a
garantia de reciclagem dos trabalhadores em programas de treinamento nas novas funções.
II - Garantir emprego e salário durante o período em que a comissão paritária estiver
discutindo os procedimentos a adotar.
187
III - Distribuir os ganhos relativos ao aumento de produtividade entre os trabalhadores da
Cia.
Cláusula 79ª - A Cia. assegura que em busca de inovações tecnológicas, promoverá,
quando necessário, a recolocação dos empregados envolvidos, permitindo ainda
treinamento nas novas funções, respeitadas as respectivas condições específicas, tabelas
salariais, e regimes de trabalho dessas novas funções.
Cláusula 80ª - A Cia. assegura que na implantação de novas tecnologias, quando
necessário, serão mantidas programas de treinamento, voltados para os novos métodos, e
para o exercício das novas funções.
39 ACORDO COLETIVO APROVADO 93 / 94:
CAPÍTULO VIII - DAS INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS:
IMPLANTAÇÃO: Obs.: Repetiu-se o texto do Acordo de 1992.
Cláusula 83 - A implantação de novas tecnologias de trabalho terá como objetivo o
aumento da eficiência, da qualidade dos trabalhos, da competitividade, da segurança e
saúde dos empregados.
Parágrafo Único - A implantação de novas tecnologias que tragam alterações substanciais,
será precedida de uma apresentação aos Sindicatos, cujas bases forem abrangidas, dos
objetivos, avanços e ganhos sociais que tais melhorias acarretarão. = Cláusula 86 ( 1992
)
Cláusula 84 ( Relocação de Pessoal ) = Cláusula 87 ( 1992 )
Cláusula 85 ( Programa de Treinamento ) = Cláusula 88 ( 1992)
188
1 - O Sindicato concorda e explicita, no acordo de 92, que as
Novas Tecnologias terão como objetivo o aumento da eficiência, da
qualidade dos trabalhos, da competitividade, da segurança e saúde dos
empregados e solicita, em troca, a apresentação das alterações mostrando
os seus ganhos sociais. O acordo garante a realocação dos empregados
envolvidos e treinamento para as novas funções respeitando as condições
específicas, tabelas salariais e regimes de trabalho dessas novas funções.
Esse ponto continua praticamente inalterado na Proposta de 1993.
2 - O principal avanço da Proposta de 1993, em relação ao
Acordo Coletivo de 1992, é sem dúvida, a inclusão da proposta de
distribuição dos ganhos relativos ao aumento de produtividade entre os
trabalhadores. ( Esse ponto foi rejeitado no fechamento da negociação )
3 - Outro avanço ocorre na proposta de constituição de
comissão paritária para discutir o processo de implementação de Novas
Tecnologias e técnicas gerenciais . Nesse ponto, inclusive, amplia a
discussão para as técnicas gerenciais. ( Certamente, caberia aqui, a discussão
sobre o TQC, a Polivalência, etc. ) ;( Esse item também foi rejeitado no
fechamento das negociações )
4 - Há uma mudança de enfoque com relação à forma de ver a
introdução das NT ( Novas Tecnologias ): em vez de se abrir o capítulo com
uma cláusula que defina os objetivos da implantação das NT, o Sindicato
propõe o cumprimento, por parte da Cia., de obrigações, quando as
inovações no sistema de trabalho determinar a racionalização através da
modificação das atividades desenvolvidas pelos empregados.
189
5.7.2 - Impacto Sobre os Operadores:
Sobre a atuação dos operadores, pode-se perceber que,
anteriormente, era prevista uma atuação segmentada dos operadores baseada
nas suas especialidades. Hoje, os novos sistemas de produção projetados
demandam conhecimentos integrados e globalizados, pois diversas
especialidades estão presentes no interior desses sistemas, através da
integração das informações, a respeito das variáveis que compõem o
processo de produção e os seus tratamentos. Aliado a isso, tem-se, ainda,
com a automação, a possibilidade de se eliminar as incertezas provenientes
da intervenção humana. É nesse contexto que surge a Polivalência. Num
cenário, onde se prevê na supervisão dos sistemas cada vez mais
sofisticados, trabalhadores com funções cada vez mais passivas e
desqualificadas.
A decisão da criação do operador polivalente é decorrente de
outra decisão que tem como centro a técnica e, como objetivos básicos, a
redução dos custos de pessoal e um melhor controle do processo de
produção. "O caminho baseado na técnica mantém intacta a estrutura básica
do processo produtivo e busca os mesmos objetivos básicos que até agora
tem sido empregados - reduzir custos de pessoal e lograr um melhor
controle do processo de produção" ( Brodner,1990 ).
Observa-se, por parte da empresa, a decisão de se projetar
sistemas cada vez mais automatizados que incorporem os conhecimentos do
processo, até então presentes no operador. Objetiva-se, assim, eliminar
postos de trabalho e relegar a tarefa passiva de supervisão do sistema, que,
por sua vez, passa a ter uma função ativa e determinante da ação dos
operadores.
190
Uma preocupação, nesse ponto, consiste na possibilidade da
perda de conhecimentos que não podem ser incorporados ao sistema
automatizado. Deve haver a incorporação pelo novo sistema, não do trabalho
prescrito, e sim, sobre o trabalho real. Não fica claro se essa questão está
sendo levada em conta.
Também se observa, claramente aí, o movimento de
Qualificação com a transferência do saber dos operadores para os projetistas
e uns poucos da manutenção; num grupo restrito, acumulam conhecimentos,
tornando-se superqualificados. Como afirma Enguita, M., "todo o processo
de desqualificação é por sua vez, um processo de superqualificação, com a
particularidade de que os desqualificados são muitos e os superqualificados
são poucos" .
Aqui, surge naturalmente a pergunta : para esse tipo de
atividade ( exploração de petróleo off shore ) em que o potencial de risco é
grande, pelas condições de trabalho geralmente adversas e pelo
confinamento ( trabalho e descanso no mesmo local durante 14 dias ), a
solução defendida pela Engenharia, apoiada na Higiene do Trabalho, é a do
afastamento do trabalhador do local de risco. Dessa forma, significa dizer
que o incremento da automação visando reduzir os efetivos embarcados é
uma estratégia correta? 40
40A Entrevista N° 14, com um Engenheiro que participa desse processo de automação das
plataformas, oferece uma visão sobre as conseqüências da automação: "agora o que
acontece com a automação? Ela permite que o operador tenha muito mais liberdade
hoje de se locomover, de não se preocupar, do que ele tinha anteriormente. O que
191
E mais, a busca pela integração dos processos de produção
objetivando um controle "fino" das ocorrências é um fator que não só
possibilita a otimização como também a segurança do sistema?
acontece? Você colocava um operador num vaso com um barulho imenso, ele tinha que
ficar olhando o tempo inteiro se as variáveis lá estavam ok. Ele não podia sair um
minuto, se ele quisesse ir no banheiro ele tinha que chamar um cara para substituí-lo.
O que acontece hoje? Através das estações e como elas são quase que inteligentes, no
caso elas alarmam. Elas fazem como se tivesse dizendo, fica você aqui para mim e me
diga pelo rádio se aconteceu alguma coisa. É isto que a estação faz, ela pode estar
alarmando, aí o cara diz tá assim, aí chama o operador para ele ver só aquele
determinado item . Conclusão: os operadores, eles ficam hoje, eles não estão doze horas
na frente de uma estação. Porque não tem um operador só é uma equipe e o que eles
fazem? Existem os operadores que ficam na estação, eu vi ali na SS-33, ficam dois
sempre, eles ficam com o rádio para falar com os outros operadores que estão na área.
Só que eles não estão na área, num daquele vaso específico, preso e eles ficam
revezando entre si, não sei se é de duas em duas horas, ou três horas eu não sei, mas
eles ficam toda hora, tá chegando um ali e o outro sai vai tomar café, vai fazer isto,
porque ele está com rádio e não tem obrigação de estar num determinado equipamento,
então ele tem um conforto de poder fazer outras coisas é só ser chamado nas horas de
necessidades, nas 12 horas que ele trabalha, então mudou em termos de conforto, está
bem melhor para eles. Eu estive na SS-33 e o cara falou: pô eu não vou nunca para
uma instalação que não tenha um sistema automatizado. O cara falou eu quero sair, eu
não gosto de helicóptero, eu quero sair de SS-33 que tem muito tempo de helicóptero
que é na área sul, mas como não tem nada automatizado lá, eu não saio daqui enquanto
não tiver, porque eu estou em outro nível em relação ao nível de conforto. Diga-se de
passagem em SS-33 você tem um nível de conforto maior...".
192
Como contraponto a essas duas perguntas surgem outras: será
que esses sistemas técnicos são tão confiáveis a ponto de permitir a
substituição total do saber, ainda presente nos operadores, sobre um tipo de
atividade com tão pouca experiência acumulada? Será que essa experiência
já permitiu a esses sistemas técnicos a incorporação de todas as variáveis de
um processo extremamente complexo que alia as atividades de exploração
dos poços às de transformação da matéria extraída? As reservas da Bacia
justificam os custos da implantação destes sistemas?
Algumas das respostas já podem ser esboçadas, como por
exemplo a última: as mudanças tecnológicas estão sendo processadas,
apenas, nas novas unidades de produção. Assim, volta-se à questão da
Organização do Trabalho, é possível promover uma mudança geral, com
soluções únicas, para estruturas tão desiguais? Como compatibilizar a
participação dos trabalhadores nessa definição, se as oportunidades criadas
pelo mecanismos de gestão da qualidade, se dão de forma rara sobre
problemas da ponta do sistema e nunca sobre definições de estratégia?
Uma questão importante a ser analisada a partir dessas
mudanças é sobre o número mínimo de operadores de que cada uma das
plataformas vai necessitar com a implantação destes novos sistemas. Esse
número será baseado no mínimo, para operações em condições normais de
operação, para condições de emergência ou para uma média entre estas duas
situações ? Quais serão os critérios ?
193
Como considerar a particularidade de cada plataforma tanto no
que diz respeito ao aspecto físico das instalações41, quanto nas
particularidades das relações de trabalho desenvolvidas por cada equipe?
Como levar em consideração o número de operadores, membro da equipe que
passou por treinamento da polivalência? Como relacionar o trabalho agora
de conteúdo muito mais abstrato com o trabalho confinado na plataforma,
considerando que a tendência é fazer com que o trabalho de 12 horas do
turno se faça na sala de controle? Como fazer para manter a atenção do
operador em um controle automatizado, durante 12 horas seguidas?
Como compatibilizar esse confinamento da sala de controle
durante 12 horas, com o confinamento de 14 dias na plataforma, e ainda com
a mudança radical na forma de trabalhar? O Trabalho fica mais simples, mais
fácil e rotineiro ? Qual o impacto disso perante a confiabilidade do sistema,
considerando a jornada e o novo tipo de trabalho que exige sempre e com
maior velocidade a tomada de decisões ? Ou, se o trabalho não fica mais
simples e, ao contrário, se torna mais complexo, como também
compatibilizar o stress que o tempo de embarque ( 14 dias ) provoca, a partir
dessa nova exigência com o confinamento duplo e a mudança radical da
simbologia do trabalho, que agora passa a ser decifrada através de uma tela
de computador?
Com essas perguntas pretende-se apontar algumas questões que
devem ser levadas em conta, no momento das definições das estratégias
futuras do trabalho off shore, especialmente dos Operadores de Produção.
41 Existe plataforma ( ex.: Pargo e Namorado-1 ) em que a planta de processo se situa em
6 diferentes andares.
194
Capítulo 6
Conclusões e Recomendações
Ao concluir, deve-se reafirmar que essa dissertação tem a
intenção de ser exploratória na análise deste tipo de atividade - o trabalho
195
off shore - assim como ser uma contribuição ao estudo dessa categoria de
análise chamada trabalho.
Pretendeu-se, também, apontar caminhos, a partir do
levantamento de algumas premissas / hipóteses, acerca das transformações
tecnológicas, da reorganização do trabalho e do movimento de qualificação
dos trabalhadores do setor de operação, dessa peculiar atividade de
exploração de petróleo off shore.
A implantação de novas tecnologias é uma operação bastante
complexa, segundo Lipietz e Leborgne, " a implantação de novas
tecnologias implica um processo de aprendizado que concerne ao mesmo
tempo aos equipamentos e seus modos de gestão e que mobiliza uma força de
trabalho qualificada relativamente importante ".
O processo de inovações tecnológicas nesse tipo de atividade,
está ligado, diretamente, à necessidade de aumento da eficiência e da
produtividade. A demanda por informações integradas e globalizadas é cada
vez mais essencial, num sistema de supervisão e controle que possibilita
intervenções rápidas e eficientes. A organização do trabalho, como
conseqüência, acaba também acontecendo de forma ampla.
Neste sentido processaram-se as mudanças no trabalho off
shore. Foram projetadas novas famílias de plataformas, com sistemas
técnicos que permitem cada vez mais integração e controle sobre o processo
(Sistema Ecos), de maneira que se possa, paulatinamente, ir prescindindo da
intervenção humana para sua operação. Como conseqüência dessa primeira
estratégia, surge a necessidade de um novo trabalhador para esse novo
conteúdo do trabalho. Daí surge a polivalência.
196
Na implantação da polivalência, exigida principalmente pelo
novo sistema de supervisão e controle da produção, deve-se ter um grande
cuidado com a redução indiscriminada do número de operadores e,
principalmente, levar em conta as particularidades de cada plataforma.
Deve-se reafirmar a necessidade de um estudo detalhado por
plataforma, para a identificação do número mínimo de operadores, a partir
das mudanças incrementadas. Não se pode ir fazendo experiências práticas a
partir da redução de pessoal para se chegar ao número ideal.
Para esse tipo de atividade complexa e problemática pelas suas
características de potencial de risco e de confinamento, é lógico que a
eliminação total ou parcial da intervenção humana diretamente no processo,
é algo que precisa ser melhor analisado. Junto a isso, precisa-se também
questionar os recursos humanos que poderão ser descartados nessa fase de
adaptação às mudanças. Aqui, é preciso levar em conta o ponto de saturação,
ou, como lá se fala, a "crise dos 7 ou 10 anos" de embarque. Na medida em
que esta é a mão de obra que possui o "savoir-faire" do processo, deve estar
presente a preocupação em se manter o padrão de confiabilidade do sistema,
quando se instala novos mecanismos ( automação ) que são meios para o
controle da produção.
Por tudo isso é preciso pensar, desde a fase de elaboração
dessas estratégias, uma política de reaproveitamento de pessoal. Todas essas
decisões, desde a primeira, deverão ser tomadas com a ampla participação
dos trabalhadores.
A transferência de pessoal do trabalho embarcado para o
trabalho "on-shore", não se dá de uma maneira simples. Muitas vezes esta
197
mudança vem acompanhada de uma alteração parcial e outras vezes de uma
alteração total das atividades desenvolvidas pelo petroleiro. Este
aproveitamento de pessoal que desembarca, é hoje feito de forma quase
aleatória, não existe uma diretriz, um estudo de remanejamento de pessoal.
À medida que as instalações vão se automatizando e também os operadores
vão chegando ao seu ponto de saturação, a operação desembarque, vai se
realizando. Alguns são aproveitados em novos projetos e outros passam a
exercer atividades de apoio ao trabalho de produção nas plataformas.
Não se percebe, por parte da empresa, uma política clara, de
médio e/ou longo prazo, que leve em consideração o potencial deste pessoal
como fator de aumento de produtividade. O alto grau de formação dos
Operadores enseja este questionamento. Não se pode ver este contingente
apenas como um fator de custo que precisa ser reduzido, à medida que os
postos de trabalho atuais vão sendo eliminados.
Uma política de capacitação, de retreinamento, de formação
deste novo perfil de trabalhador, adaptável e flexível, torna-se indispensável,
até porque a empresa não tem como diretriz a dispensa de funcionários. Será
necessário este aproveitamento de pessoal em outras tarefas, que garantam a
produtividade do sistema. A inevitável comparação, entre o número de
operadores embarcados ( a quem são atribuídos os méritos da produção e dos
recordes ) e o número de operadores desembarcados, acaba sendo cada vez
mais questionada, à proporção que esta relação vai se reduzindo. Este
planejamento precisa ser melhor executado, e é fundamental que o mesmo se
dê com a participação dos trabalhadores.
Também fica claro que, para os operadores, a polivalência
interessa na medida em que possa representar um aumento da sua
198
qualificação, da sua criatividade, da sua versatilidade, da sua intervenção no
processo de trabalho que represente maior segurança, da sua participação na
definição e implantação do processo de modernização, da sua autonomia e,
conseqüentemente, da garantia do seu emprego. Essa questão é importante
pois, sabe-se, que nos últimos 5 anos, a produção dobrou e os contingentes
do setor de produção se reduziram a menos da metade.
A polivalência não interessa aos trabalhadores quando
representa uma ampliação das suas tarefas intensificando o trabalho e
aumentando responsabilidades com a incorporação de funções tão distintas
sem nenhuma compensação financeira e num ambiente naturalmente hostil
pela distância da vida social. Ou seja, os trabalhadores querem a "poli" , mas
rejeitam a necessidade do "valente" .
O Curso para Operadores Polivalentes deve ampliar seu caráter
de formação a partir de uma concepção que propicie um aumento: da
capacidade de raciocinar de forma abstrata; do potencial de criatividade; da
capacidade de adaptação e, por último, que o curso possa ampliar a
capacidade de trabalhar em equipe, algo que estes novos sistemas exigem.
Esses cursos não podem ser, simplesmente, o repasse de
conhecimentos de outras áreas de atuação na operação em que serão
integradas. O novo conteúdo do trabalho não é uma soma de cada um deles
isoladamente. Aliás, está longe de ser assim. Nesse caso, 1 + 1 + 1 + 1, não
dão 4. Essa conta é difícil de ser efetuada levando-se em consideração a
especificidade de cada ambiente. A sobrecarga de trabalho sempre deve ser
levada em conta, pois as doze horas contínuas e o ambiente confinado não
mudaram. O curso pode tentar, também, preparar psiquicamente o
199
trabalhador para esse tipo peculiar de trabalho, à medida que adquire-se
melhores conhecimentos sobre a sua particularidade.
Outro ponto a ser considerado, principalmente quando a própria
empresa começa a se preocupar com a resistência dos trabalhadores off shore
a esse tipo de atividade e indaga se os mesmos aguentarão completar os 25
anos de trabalho embarcado necessários para a aposentadoria, é fundamental
compreender que um trabalho de suporte psíquico é necessário para não se
perder o pessoal mais qualificado, principalmente a nível de operação.
A proposta da "Intervenção Clínico-Institucional" que prevê,
numa primeira etapa, atendimentos a urgências tanto clínicas quanto
institucionais através de uma equipe multidisciplinar, com atuação direta nas
plataformas e, num segundo momento, buscando uma "nova concepção de
embarcado enquanto sujeito", tentando criar o que se chamou de "Engenharia
da Subjetividade Off Shore", surge como uma ação necessária e urgente
como os próprios autores dessa proposta a identificaram em termos não só
gerenciais, mas também humanos e éticos.
O atendimento ou o suporte psíquico ao pessoal embarcado, não
é solução definitiva, é preciso uma política de prevenção destes problemas
de desgaste mental no trabalho.
Nesse contexto, sem dúvida, a alternativa de redução do período
de embarque, mesmo guardando a atual proporção de 1 para 1,5, entre o
tempo de trabalho embarcado e o tempo de folga, deve ser uma opção
considerada, junto com as ações citadas acima. Os trabalhadores, de forma
quase unânime, defendem 10 x 20 dias. Essa alternativa esbarra, atualmente,
no aumento do custo de produção por intensificar o transporte, aumentando o
200
número de embarques e desembarques num mesmo período. Esse problema
poderá ser solucionado com a construção de um heliporto ( está em fase
de início de construção ), na praia do Farol de São Tomé, no município de
Campos,RJ. Dessa forma o tempo de vôo até às plataformas será bastante
reduzido, principalmente, para as do polo nordeste e para as das águas
profundas, que são hoje as de maior produção na Bacia.
Deve ser perseguida a redução e uma maior integração entre as
gerências e o nível operacional na produção das plataformas, dentro desse
novo enfoque da Organização do Trabalho, que prioriza o trabalho em
equipe, em detrimento do trabalho individual na busca de uma Qualidade que
se pretende total. Sendo mais explícito, entre o engenheiro responsável pela
produção, o técnico de Operações, o auxiliar técnico de operações ( ATOP )
e principalmente o Operador. Essa ação é fundamental em algumas
plataformas, pois os atritos nas relações acabam acentuando o quadro de
evasão por parte dos operadores.
Por fim, deve-se afirmar que não se questiona a automação, uma
vez que ela serve para retirar o operador da plataforma. Questiona-se sim, os
que estão permanecendo no trabalho embarcado, agora numa nova situação,
embora por si só já fosse justo, sob o ponto de vista ético, preocupar-se com
os seres humanos que estão, literalmente, deixando anos de suas vidas nesse
tipo de trabalho.
Questiona-se ainda se os fatores de risco não tendem a aumentar
quando a redução de operadores se torna excessiva, principalmente nas
plataformas de grande porte, ou quando se observa que os novos sistemas de
supervisão e controle alteram profundamente o trabalho dos operadores,
201
tendendo a se concentrar, cada vez mais, na sala de controle, exigindo-lhes
uma carga mental maior.
São muitas as nuances a serem consideradas Mas, para este
pesquisador ficam claras duas questões, para finalizar:
1ª - A necessidade da participação dos trabalhadores no
acompanhamento desses estudos e na tomada de decisões. Não só nas
decisões em nível operacional, mas principalmennte em um nível estratégico
de atuação no trabalho off shore de uma maneira geral, aí incluídos os novos
projetos;
2ª - De certa forma, reforçando a primeira: o Trabalho Off
Shore, talvez de forma mais clara do que qualquer outro tipo de trabalho,
exige uma análise multidisciplinar, para o seu desbravamento, adotando-se
diferentes enfoques necessários para uma compreensão mais ampla da
questão.
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