View
217
Download
2
Category
Preview:
DESCRIPTION
hhjrethjdgfg
Citation preview
O ENSINO DA LITERATURA: DESVIOS E RUMOS MARIA MADALENA RESINA (PUC). Resumo RESUMO A proposta deste estudo expor as idias da pesquisadora Cyana LeahyDios, em que se percebe a realizao de um trabalho rduo e competente, fundamentado em pesquisas empricas, sobre o ensino da literatura. Suas colocaes so pertinentes com a prtica docente e, de certa forma, impactantes, uma vez que faz do cotidiano de inmeros professores um retrato de sua prtica pedaggica, levando a uma reflexo profunda acerca dela, e exigindo, outrossim, um pensamento analtico e interrogador, que envereda por questes de polticas pblicas. Percorrendo a tessitura de seu texto, sentimos o quo necessrio no s rever nossos conceitos e a transmisso do trabalho literrio a partir da reproduo de textos, tanto no ensino fundamental quanto no mdio, bem como a percepo da disciplina pelos sujeitos envolvidos no processo de educao literria. Assim, far parte da primeira etapa do estudo ressaltar o objetivo da pesquisa, a importncia da educao literria e as polticas escolares. Alm disso, sero expostos os sistemas educacionais escolares no Brasil e na Inglaterra. A segunda etapa procurar reproduzir as abordagens metodolgicas levantadas pela estudiosa. As ltimas etapas trazem a educao literria em escolas brasileiras com a amostragem de trs escolas, com seus respectivos modos de ensinar e aprender. Palavras-chave: ensino, literatura, sociedade.
INTRODUO
A proposta deste estudo expor as idias da pesquisadora Cyana Leahy-
Dios, em que se percebe a realizao de um trabalho rduo e competente,
fundamentado em pesquisas empricas, sobre o ensino da literatura. Suas
colocaes so pertinentes com a prtica docente e, de certa forma, impactantes,
uma vez que faz do cotidiano de inmeros professores um retrato de sua prtica
pedaggica, levando a uma reflexo profunda acerca dela e exigindo, outrossim,
um pensamento analtico e interrogador, que envereda por questes de polticas
pblicas. Percorrendo a tecetura de seu texto, sentimos o quo necessrio no s
rever nossos conceitos e a transmisso do trabalho literrio a partir da reproduo
de textos, tanto no ensino fundamental quanto no mdio, bem como a percepo
da disciplina pelos sujeitos envolvidos no processo de educao literria. Assim,
far parte da primeira etapa do estudo ressaltar o objetivo da pesquisa, a
importncia da educao literria e as polticas escolares. Alm disso, sero
expostos os sistemas educacionais escolares no Brasil e na Inglaterra. A segunda
etapa procurar reproduzir sumariamente as abordagens metodolgicas levantadas
pela estudiosa. As ltimas etapas trazem a educao literria em escolas brasileiras
com a amostragem de trs escolas, com seus respectivos modos de ensinar e
aprender.
1. LITERATURA E AS POLTICAS ESCOLARES
Nesse trabalho, Cyana Leahy-Dios (2004) trata da questo da leitura e
interpretao literrias praticadas no ensino mdio, quando a educao formal
deixa de ser obrigatria. O objetivo de sua pesquisa investigar como se d a
transmisso do trabalho literrio com textos na educao fundamental, para uma
prtica formal no ensino mdio.
Seu estudo adquire tamanha importncia, porque investiga a educao
literria como representao cultural de sociedades. Estudar literatura primordial
ao processo de educar sujeitos sociais, visto que envolve um tringulo
interdisciplinar composto de estudos da lngua, estudos culturais e sociais.
A pesquisadora descreve, analisa e interpreta dois paradigmas da educao
literria. O primeiro o modelo ingls que tenta inculcar nos estudantes uma gama
de valores superiores e no apresenta metodologia clara para o ensino da
literatura; os objetivos e teorias so obscuros e nas perguntas dos textos literrios
so obtidas quase sempre respostas pessoais. Trata-se de um modelo que visa
construo de uma subjetividade cultural literria.
O segundo o modelo brasileiro, o qual se ampara no paradigma positivista
calcado na historiografia literria, um modelo sistematizado e descritivo, que exige
o domnio de grandes quantidades de contedo.
Apesar disso, Cyana (2004) defende a tese de que h semelhanas em
certas prticas pedaggicas, viso do aluno e produto final desejado entre os dois
pases.
A literatura no Brasil e na Inglaterra um assunto estudado no ensino
mdio, posto que a disciplina mais vasta, variada e indefinida, por isso, os
departamentos de literatura produzem crtica e teoria e no literatura.
No Brasil, a disciplina sempre foi matria obrigatria, enquanto na Inglaterra
eletiva, mas, em ambos os casos, o perfil educacional da literatura na escola
requer, alm da interao social e individual dos leitores, o alcance de resultados
mensurveis. Nesse sentido, os objetivos considerados relevantes tm sido de
carter utilitrio: ensinam-se tcnicas lingsticas e comunicativas ou valores
morais e hereditrios.
Os resultados esperados com o ensino da literatura nos dois pases no se
preocupam com o carter esttico ou sociocultural, apenas lidam com um carter
didtico e pedaggico, dotado de um perfil estabelecido para os exames.
Em um dado momento, a investigadora coloca em discusso a finalidade de
se estudar a literatura segundo a viso de alguns estudiosos: a de construir uma
pessoa melhor, segundo F.R. Leavis (apud Cyana, 2004); de levar ao conhecimento
puro e simples de texto, levando ao domnio da linguagem escrita, como tambm a
viso de fatos histricos, polticos e sociais, segundo os marxistas.
Cyana (2004) tambm questiona o motivo de se ensinar leitores a gostar de
ler literatura e para que se l, estuda e analisa literatura. Se a educao literria
seria apenas um fator de entretenimento ou exerceria papel relevante no
desenvolvimento poltico e no autocrescimento de sujeitos sociais.
Vale dizer que o encontro mediado pela escola entre a criana e a obra
literria feito de forma bem diferente da mediao feita entre o adolescente e o
texto literrio. Para o jovem, a experincia escolar se detm no aprender, ficando
cada vez mais distanciado o prazer e a criatividade literria, com nfase nos
aspectos formais e menos desafiadores da educao, pois na escola os estudantes
so encaminhados a produzirem ensaios crticos nas salas de aula inglesas e, no
Brasil, respondem a exerccios de compreenso memorizada.
Seu interesse especfico a contribuio da literatura na proposta por um
currculo melhor, assim como o papel da disciplina na construo de um saber
relevante para sujeitos sociais, indivduos participantes em uma sociedade
valorativa.
1.1 SISTEMAS DE EDUCAO ESCOLAR
Houve um tempo em que a experincia escolar foi descrita como um campo
de treinamento para pontualidade, silncio, ordem, obedincia, campainhas,
horrio, respeito pela autoridade, rotina, punio, falta de incentivo e freqncia
regularizada a um local de trabalho. Nesse contexto, a literatura tinha um papel
voltado para as narrativas particulares.
Cyana (2004) observa que, apesar de as rotinas e normas de
comportamento impostas pela escola constiturem um aspecto importante de
socializao, na educao literria, o currculo de livros didticos, a palavra do
professor e os planos de aula que desempenham a funo bsica direta de
influenciar alunos.
No entanto, ela coloca que os alunos no so internalizadores passivos de
mensagens preestabelecidas, pelo contrrio, contribuem com as suas vises
pessoais para a complexidade de transao pedaggica. Dessa maneira, a lacuna
maior a ser preenchida nas aulas de literatura seria a descoberta de possibilidades
atravs do exerccio de capacidades crticas na leitura literria. (LEAHY-DIOS,
2004: XXXII).
Outro fator constatado em sua pesquisa que tanto os grupos observados
no Brasil quanto na Inglaterra apresentavam interesses acadmicos e pretendiam
ingressar na universidade. A maioria dos estudantes de literatura em ambas as
naes era de mulheres no-brancas de classe trabalhadora. Os referidos
estudantes observados lutavam por um futuro melhor, colocando suas esperanas
de ascenso social na aquisio futura de um diploma.
Os sujeitos escolhidos para este estudo so de classe trabalhadora tanto na
Inglaterra quanto no Brasil. Representam uma parcela da produo em situao de
excepcionalidade, ou seja, estudando alm da educao compulsria - idade entre
quatorze anos no Brasil e dezesseis na Inglaterra.
A pesquisadora relatou uma experincia bem sucedida num projeto de que
participou entre os anos de 1986 e 1992, em trs escolas de ensino fundamental
estaduais, baseado em pedagogias alternativas e usando textos literrios como
instrumento de autocrescimento pessoal e social e de construo de processos
democrticos nos anos iniciais da escolarizao. O texto literrio foi tratado como
elemento importante para o auto-reconhecimento de cada indivduo na biblioteca,
ajudando a descobrir e valorizar os papis social e poltico de cada pessoa em
contextos imediatos e mais amplos. Todavia, depois que os alunos deixam as sries
iniciais do ensino fundamental, o modelo positivista de reforo cognio
quantitativa nos estudos literrios dirige o foco de interesse para as estruturas
formais do texto, colocando o aluno leitor num plano secundrio.
Cyana (2004) visitou salas de aula na Inglaterra, tentando apreender
hbitos pessoais e profissionais, alm de ideologias institucionais. Ao voltar para o
Brasil, depois de um ano e meio de afastamento, em maro de 1995, adquiriu um
olhar de estranhamento. Seu olhar estrangeiro lhe foi muito importante,
permitindo ver atos pedaggicos por meio de processos narrativos.
Aps a reflexo de vrias linhas de pensamento e fundamentao terica,
percebeu que os paradigmas propostos educao literria foram construdos por
meio de uma perfeio lgica, mas raramente so postos em prtica em situaes
de sala de aula, oferecendo um exemplo claro de dicotomia entre pesquisa e
docncia.
2. ABORDAGENS METODOLGICAS
A autora, com um olhar amplo e tangvel realidade que nos circunda, discorre
sobre as abordagens metodolgicas para concretizar sua pesquisa a partir da
tentativa de responder a trs questes que permeiam o assunto. So elas:
Para que se ensina e se estuda literatura?
Qual o papel social atual da educao literria nas escolas?
Como podemos fortalecer sujeitos sociais nas salas de aula de literatura?
Primeiramente foi constatado que, tanto no Brasil quanto na Inglaterra, a
disciplina literatura aponta para uma interseco com outras disciplinas, ou seja,
abarcam mais aspectos pedaggicos, crtica literria e estruturas filosficas e
histricas do que propriamente aspectos literrios, desfocando, portanto, sua
especificidade. inegvel, atravs da percepo que temos de prticas
pedaggicas, que no Brasil as aulas de literatura so estudos calcados numa teoria
histrico-biogrfica sobre questes literrio-pedaggicas. Ao passo que na
Inglaterra, privilegiado o aspecto pragmtico, forando o estudante a encontrar a
resposta autntica. Segundo a autora, preciso uma reflexo acerca do
conhecimento para poder aplicar a teoria prtica com proficuidade.
Os focos de interesse da pesquisa nos levaram a pensar que a educao
literria se apresentou como uma possibilidade de anlise de representaes
culturais de nossa sociedade, que consequentemente so parmetros para analisar
a formao e comportamentos dos sujeitos sociais.
2.1. A PRODUO DE DADOS
A autora entrevistou um total de quatorze professores de diversos espaos
socioculturais. Passou por duas escolas pblicas e uma da rede privada no Brasil e
seis colgios, sendo a maioria no subrbio, na Inglaterra. Observou maior liberdade
e flexibilidade quanto a sua atuao e horrios nos colgios da Inglaterra.
As questes foram planejadas de modo que emergisse hbitos de cada
professor, caractersticas de suas origens e conseqentes hbitos de leitura em
razo da escolha profissional.
A fim de efetuar uma pesquisa emprica o mais factual possvel, foi
necessria uma anlise dos contedos, atravs de plano de aulas, e atitudes em
sala, observando se havia um comprometimento ideolgico e um engajamento
poltico, o que tornaria as aulas mais substanciais.
2.2. ENTREVISTANDO PROFESSORES
O perfil das questes feitas aos professores revelou intenes interligadas
bem definidas: constatar, atravs da observao dos hbitos dos docentes, se
possuem uma formao consistente, tanto conteudista quanto poltica, para
adequar teorias sua prtica pedaggica, a fim de transmitir ao seu alunado uma
viso social, poltica, ideolgica, e, sobretudo, crtica do mundo ao seu redor
atravs do conhecimento literrio.
As respostas obtidas revelaram que esses professores, escolhidos como
representantes da classe, adquiriram o gosto pela leitura na infncia. Esquivam-se
da teoria para ministrar suas aulas, no tm uma postura politizada, portanto, no
relacionam assuntos de interesse social ao estudo da literatura. Sentem-se
insatisfeitos com a falta de conhecimento e estmulo dos alunos.
2.3. ENTREVISTANDO ALUNOS
As questes para alunos brasileiros e ingleses foram um pouco diferentes,
levando em considerao que a disciplina literatura eletiva na Inglaterra e
compulsria no Brasil e as diferenas curriculares. As perguntas objetivaram revelar
a reao dos alunos literatura como disciplina de estudo, aos mtodos
pedaggicos experimentados, suas preferncias acadmicas, sugestes para o
ensino da literatura, e verificar sua participao na agenda poltica do pas.
As respostas mostraram que os estudantes ingleses no davam a devida
importncia disciplina, considerando-a menos difcil e mais divertida que as
outras. Estavam desapontados com o excesso de contedo e metodologias
apassivadoras. Se fossem professores, utilizariam mtodos mais dinmicos e
incluiriam textos mais interessantes.
As respostas dos alunos brasileiros apontam para uma grande semelhana
de posies ideolgicas com os estudantes ingleses, bem como as prticas
pedaggicas e metodolgicas do sistema educacional. A literatura simplesmente
no era a disciplina favorita dos alunos, devido ao mtodo cansativo e os contedos
memorizveis. Os alunos brasileiros declararam a inteno de cursar uma
universidade, mas reconheceram suas chances escassas de passar em uma, o que
deixa evidente a discrepncia econmica em relao a um pas do primeiro mundo,
em que o ensino superior uma realidade mais tangvel. Quanto aos vestibulares,
se decepcionaram menos com o contedo calcado na histria e na lngua que com a
carga horria reduzida para tanta matria, a leitura dos cnones exigidos pelos
programas das universidades e metodologia apassivadora.
3.2. O NOVO OLHAR SOBRE O SISTEMA
Cyana volta com um novo olhar aps um ano e meio na Inglaterra; se
depara com a crise da educao, que se agravara em virtude dos salrios dos
docentes, mais baixos do que nunca, e com a proposta do governo de aumentar o
tempo mnimo de trabalho para aposentadoria dos professores. Ameaados, muitos
deles pediram aposentadoria antes que a nova lei entrasse em vigor, fazendo com
que os salrios fossem ainda mais reduzidos e os investimentos com a educao
das massas fossem ainda mais limitados.
Ela visitou trs escolas aqui no Brasil, s quais chamou de Escola A, Escola
B e Escola C. A primeira era uma escola estadual, cujo turno da manh era,
basicamente, formado por alunos egressos de escolas particulares, e turno da noite
freqentado por alunos de baixa renda.
A Escola B era um colgio vocacional de habilitao para o magistrio de
ensino fundamental. O alunado era semelhante aos alunos da Escola A em relao
ao nvel socioeconmico, porm, o que diferia era o perfil do corpo docente e das
alunas.
A escolha da Escola C, uma instituio da rede privada muito bem
conceituada, foi motivada pela necessidade de se conhecer as razes pelas quais
tantos alunos eram aprovados nos vestibulares das universidades federais.
Frente a essa investigao nas trs escolas, conclui-se que havia mais
semelhanas que diferenas entre as Escolas A e C. A diferena se constitua no
mbito cultural e socioeconmico, e, muito pouco, no intelectual ou acadmico.
Havia tambm a questo do status social: manter um filho na escola particular
garantia de melhor qualidade de ensino e uma grande possibilidade de ingresso nas
universidades, situao que a escola pblica no garante..
4. ESCOLA A
Fundada em 1835, no centro histrico da cidade, a escola mantm a
imagem tradicional de ensino pblico no Estado, dotada de um perfil voltado
orientao acadmica. Os alunos, num passado no to remoto, procuravam obter
um desempenho acima da mdia nos vestibulares para universidades pblicas, e os
professores de uma total seriedade e competncia profissional. Nessa poca, a
escola sofria de uma crise de investimentos imposta pelo governo estadual
educao em geral.
A situao ainda se agravava, por no ter tido nos ltimos dez anos,
coordenao de lngua e literatura. Cyana (2004) observou que os alunos do turno
da manh trabalhavam com um livro didtico, enquanto tarde, a ciso entre
professores era visvel na utilizao de diferentes materiais, inclusive apostilas de
outros colgios. Os professores da noite apenas liam e estudavam textos esparsos
com os discentes, reflexo das diferenas socioeconmicas entre o alunado dos trs
turnos.
Foi possvel perceber que no era alcanado nenhum consenso entre os
professores em relao aos materiais didticos, devido falta de comunicao, no
porque se negavam a isso, mas por trabalharem em turnos diferentes.
Ela percebeu grandes diferenas de contedo e estratgias de ensino de
literatura. Em seis aulas observadas, um dos professores utilizou textos esparsos
para compreenso textual, mesclando teoria da comunicao com anlise sinttica,
figuras de discurso e lingstica, sem muita conexo entre os textos e o material
escolhido, apresentado de forma linear, generalizada e superficial.
Nas aulas de outra professora, seguia-se fielmente o livro didtico, sem
variao do programa. Explanou acerca das caractersticas da prosa e da poesia do
sculo XIX, oferecendo apenas as informaes contidas no livro. Certo momento,
uma aluna discordou da resposta dada a uma das questes de interpretao de
texto e ficou evidente o seu despreparo tcnico-cientfico; a professora no foi
capaz de mencionar outro autor, muito menos utilizar referencial terico-literrio, a
fim de estimular a discusso e levantar outros pontos.
Ambos os professores mostraram-se inseguros quanto ao desempenho
tcnico-pedaggico e conhecimento lingstico-literrio. O primeiro tratava seus
alunos como aprendizes passivos, cujas vozes so desnecessrias. A segunda dava
explicaes claras e lineares com diversos exemplos, mantendo conexes entre os
textos, perodos, e gneros literrios, porm, mastigava as informaes para
facilitar a apreenso do conhecimento pelos alunos.
Os alunos permaneciam silenciosos, semi-adormecidos e passivos. Durante
a entrevista, a professora disse ser uma profissional dedicada, tentando dar o
melhor de si. Acredita que ensinar um ato de amor maternal que dispensa
engajamento poltico.
Os professores observados na Escola A em geral manifestaram a angstia
perante os salrios baixos, as dificuldades materiais, as instalaes fsicas, e a
pobreza generalizada de recursos. Por outro lado, outros professores mostravam
certo alvio pedaggico com o retorno das classes mdias s escolas pblicas, j
que possuam um nvel cultural mais elevado que facilitava suas prticas docentes.
Nessa escola, as turmas observadas comportavam, em todas as salas, mais
alunas que alunos, forte indicador de hegemonia no aspecto gnero.
Segundo os professores, a composio socioeconmica dos alunos era de 60
a 70% pertencentes classe mdia, egressos de escola privada. No
entanto, h uma confuso, visto que, durante as entrevistas, ficou
claro que 4/5 do alunado morava em bairros perifricos de baixa
renda.
Para a estudiosa, a explicao que os docentes cada vez mais carentes
tendiam a supervalorizar o poder aquisitivo dos estudantes, classificando-os como
economicamente privilegiados.
Nas entrevistas, os alunos em geral lastimavam a ausncia de interao nas
aulas, pois somente se limitavam a responder s perguntas formais feitas pelo
professor. Dessa maneira, percebe-se a insatisfao dos alunos, que rejeitam a
superficialidade dos contedos no problematizados e declaram enfadonho o
simples copiar do quadro nos cadernos.
4.1. ESCOLA B
A escola B um curso tradicional de formao de professoras primrias, que
at os anos sessenta atendia s classes mdias da populao local, todavia, nas
dcadas recentes, passou a receber uma clientela de classe trabalhadora.
O programa se caracterizava por treinamento pedaggico tecnicista e
pragmtico. A nfase era voltada para as qualidades pessoais, como a paixo pelas
criancinhas, instinto maternal, ou seja, predominncia de abordagens sensorial e
emocional da palavra e do universo social, em detrimento da produo de
conhecimento cognitivo mais profundo.
Nessa escola, a educao literria oferecida, de acordo com os
entrevistados, refora a ausncia de discusso acerca da educao literria, o que
reduz a apropriao dos instrumentos crticos-tericos que possibilitariam s
alunas-mestras a responsabilidade por sua prpria educao.
Todos os anos, centenas de alunas da Escola B so formadas como
professoras de ensino fundamental, contudo repetem o mesmo modelo aprendido,
utilizando a pedagogia acrtica com outra gerao. Trata-se de professoras
primrias com pouca leitura, alienadas do compromisso profissional com a justia
social.
O programa, to vasto quanto o da Escola A, refora a ausncia de
criticidade e engajamento poltico. Os professores seguiam o contedo de acordo
com o programa guiados pelo livro didtico, somente uma se permitia abordar
literatura infantil, fora do componente curricular, porm sem profundidade, pouco
crtica e superficial devido a carncia de fundamentao terica.
Embora os trs professores entrevistados fossem bem intencionados,
transmitiam o contedo de forma tradicional, superficial e desinteressante para os
alunos, que no encontravam sentido nas atividades propostas por eles, e,
portanto, no se envolviam.
Os trs professores atriburam culpa de suas dificuldades profissionais ao
baixo nvel cognitivo das alunas para proficincia de leitura e experincia literria.
A pesquisadora julga o esforo dos professores insuficiente para substituir o
aparente descomprometimento sociopoltico.
Por fim, a estudiosa julga as alunas extremamente imaturas, ignorantes da
problematizao social, reprodutoras do modelo de memorizao de contedos e
incapazes de olhar e ver, ler e refletir, criar ou discutir conhecimentos conceituais.
4.2. ESCOLA C
Uma das poucas diferenas entre a escola da rede privada e da rede
pblica eram os salrios pagos aos professores, a assiduidade e pontualidade
destes, bem mais rigorosas na escola particular e, conforme j dito, o perfil social,
cultural e econmico dos alunos.
O programa de literatura da escola particular era mais extenso, detalhado,
com reflexes pedaggicas e filosficas. Porm, a prtica pedaggica s vinha a
confirmar que teoria e prtica eram dissociveis at mesmo numa instituio
conceituada e cara como aquela.
As aulas seguiam o contedo do livro didtico, sem problematizaes,
seguindo-se desde leitura silenciosa at exerccios de fixao. O aspecto bio-
histrico em relao aos perodos histricos era ainda mais incisivo que nas escolas
A e B.
Um professor, que tambm trabalhava na rede pblica, comentou sobre
algumas adversidades encontradas e o esforo em atender as necessidades de
acordo com cada clientela. Acerca da viso poltica dos alunos do ensino mdio,
nesse caso, da escola pblica, disse que tentava prepar-los para aprofundar
conceitos literrios, mas sabia que era incua qualquer tentativa de transformao
ideolgica, uma vez que alguns se consideravam alvos de preconceitos raciais e
socioculturais. Duas outras professoras, comparando seus alunos da Escola A e da
C, constataram que estes apresentavam uma viso poltica radical e unilateral dos
problemas sociais, enquanto os da Escola A eram mais flexveis.
Essas mesmas professoras foram indagadas quanto a uma possvel
mudana no ensino de literatura. Elas sugeriram um comprometimento cultural
maior, uma transmisso de conscincia da sua importncia atravs de um ano para
iniciar essas questes de relao.
Em relao s queixas, elas no diferiam em quase nada: as dificuldades
de adaptar teorias literrias s prticas pedaggicas devido aos limites de tempo
para to vasto contedo, a preguia dos alunos, o desinteresse geral, a
resistncia leitura. No entanto, no levavam em considerao que suas aulas
cansativas, passivas, desinteressantes, testemunhadas por Cyana, eram o que
desencadeavam a displicncia dos alunos.
Uma delas, inclusive, fez uso de uma justificativa colonialista: faltava a
competncia de leitura, o saber literrio e o interesse em ler os clssicos por
serem, antes e acima de tudo, cidados de Terceiro Mundo (LEAHY-DIOS, 2004:
68).
Conceitos como esses, arraigados na mentalidade de muitos professores,
impedem que reconheam sua prtica como reflexo das polticas educacionais,
cujas competncias vo alm de prticas docentes, pois carregam consigo o poder
transformador dentro de uma sociedade, determinando quo polticos e ativos
sero os sujeitos inseridos nela.
5. CONSIDERAES FINAIS
A pesquisadora conclui sua investigao tecendo algumas consideraes
sobre as prticas observadas e as vantagens e desvantagens do livro didtico,
principal e nico instrumento didtico do professor. Ela afirma que facilita a prtica
dos professores, contribuindo para que os alunos sejam menos dependentes de sua
palavra, que outrora se fazia detentor total do saber; entretanto, certo e visvel
que enfraquece interesses e limita investigaes, decepando a autonomia tanto do
professor, quanto do aluno.
Ademais, o sistema educacional fruto de polticas pblicas pouco
eficientes, que no privilegia e estimula a criatividade e a liberdade, mudanas
nesse aspecto seriam fundamentais para gerir um sistema educacional preocupado
de fato com a formao do ser humano como um todo.
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
LEAHY-DIOS, Cyana. Educao literria como metfora social desvios e
rumos. So Paulo: Martins Fontes, 2004.
Recommended