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UMA PRÁTICA DE LEITURA: VENDO O MUNDO PELOS OLHOS DA EXCLUSÃO
Autora: Maria Helena Cherubim dos Santos1
Orientadora: Prof. Dr. ª.Maria Aparecida de Fátima Miguel2
RESUMO
Visto que uma das maiores dificuldades do processo ensino aprendizagem se encontra na leitura e principalmente tendo em vista a situação crítica do ensino da literatura, que tem sido discutida em pesquisas, seminários, cursos em geral, este trabalho objetiva a formação de um leitor crítico, ativo, pois na concepção de linguagem assumida pelas Diretrizes Curriculares a leitura é vista como um ato dialógico, interlocutivo. É importante ressaltar a interação entre leitor-texto-autor, pois o texto não acaba em si mesmo. Só havendo essa interação o aluno se posicionará criticamente. Para ler e compreender o que lê, os educandos precisam ser capazes de estabelecer relações entre elementos do próprio texto, ao mundo no qual ele está inserido e a realidade social a que o material faz referência. Infelizmente grande parte dos alunos têm dificuldade em fazer esta relação. Diante deste quadro ficam algumas indagações: Que teoria usar para formar um leitor que seja ativo no processo de leitura? Como trabalhar para que haja a interação leitor, texto e autor? A leitura colabora com o leitor para que possa testar seus sentidos, desenvolver conhecimentos e habilidades e para que este possa internalizar valores úteis a sua tomada de decisões. Ao dominarmos a leitura, abrimos a possibilidade de adquirir conhecimentos, desenvolver raciocínios, participar ativamente da vida social e principalmente ampliar nossa visão de mundo. O trabalho proposto Uma prática de leitura: “Vendo o mundo pelos olhos da exclusão” baseia-se no Método Recepcional organizado por Bordini & Aguiar (1988), pois este atende às perspectivas de Língua Portuguesa e Literatura. Algumas etapas foram desenvolvidas para que o universo do aluno em relação à literatura fosse ampliado. Este trabalho foi desenvolvido na 8ª Série A do período matutino no Colégio Estadual Marcílio Dias.
Palavras-Chave: Leitura; Método Recepcional; Exclusão social; Formação do leitor
1.INTRODUÇÃO
É através da linguagem que o homem se reconhece como humano, pois
pode se comunicar-se com os outros homens e trocar experiências. Existe, porém,
porém uma condição prévia para a manifestação da linguagem: é preciso haver um
grupo humano, no qual o sujeito se confronte com o conjunto e se perceba como
1 Pós-graduada em Educação Especial pela Universidade do Norte do Paraná Campus Bandeirantes; graduada em Letras pela Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Cornélio Procópio; atua como professora de Língua Portuguesa e Ensino Religioso no Colégio Estadual “Marcílio Dias”- Ensino Fundamental, Médio e Normal.2 Doutorando em Educação pela Universidade de São Paulo e professor do Colegiado de Pedagogia da Universidade Estadual do Norte do Paraná – Área de Metodologia do Ensino.
indivíduo. A forma de expressão e comunicação mais utilizada por ele é a linguagem
verbal. O material escrito é um dos documentos em que se registra a expressão do
ser humano por meio da linguagem verbal. É por meio dessa leitura, desse material
que ocorre a ampliação do conhecimento, permitindo ao leitor compreender melhor o
presente e seu papel como sujeito histórico.
Para ler e compreender o que lê, os alunos precisam ser capazes de
estabelecer relações entre elementos do próprio texto e entre este e a realidade
social a que o material faz referência: deduzir informações que não estão escritas,
ou seja, ler nas entrelinhas.
Infelizmente nossos educandos demonstram grande fragilidade nessas
habilidades, e, para desenvolvê-las, além de terem contato com uma diversidade de
gêneros textuais e autores, precisam contar com a mediação dos professores, aos
quais cabe desenvolver estratégias para levá-los a extrair o máximo de informações
do texto e adquirir autonomia nesse.
A literatura deve ser valorizada cada vez mais, tendo em vista sua função
formativa, e, além disso, pelo fato de poder ajudar a formar homens críticos e
reflexivos. A prática da leitura deveria formar o leitor, compreendendo-o não como
um sujeito passivo, mas como alguém que constrói, concordando ou não com o
texto, interpretando-o numa relação de diálogo íntimo com o material que lê.
O método a ser utilizado foi o Recepcional, organizado por Bordini & Aguiar
(1988), pois este atende às perspectivas das Diretrizes Curriculares de Língua
Portuguesa e Literatura. Algumas etapas foram desenvolvidas para que horizonte de
expectativa do aluno, em relação à Literatura, fosse ampliado. Os objetivos desse
método, com relação ao estudante, são: ler, compreender, interpretar e interferir nos
textos; ser aberto a novas leituras, de acordo com o seu universo: analisar os textos
lidos, transformar seu horizonte de expectativa e também dos que o rodeia.
Desse modo, sugerem cinco etapas a serem desenvolvidas:
- Determinação do horizonte de expectativas;
- Atendimento do horizonte de expectativas;
- Ruptura do horizonte de expectativas;
- Questionamento do horizonte de expectativas;
- Ampliação do horizonte de expectativas.
Para que o método seja eficaz e que o aluno alcance uma postura mais
consciente quanto à literatura, os textos selecionados devem referir-se ao universo
do aluno, e em seguida romper com ele. Deve-se desenvolver a reflexão,
transformando o aluno em um agente de aprendizagem, que dará continuidade ao
processo enriquecendo-se intelectualmente.
O objetivo desse trabalho que tem como título: Uma prática de leitura:
Vendo o mundo pelos olhos da exclusão, é desenvolver em nossos alunos o espírito
crítico e a compreensão dos textos literários para que se tornem sujeitos atuantes na
sociedade contemporânea:
No parecer de Bordini e Aguiar (1993, p.10):
O acesso aos mais variados textos, informativos e literários, proporciona assim, a ligação de um universo de informações sobre a humanidade e o mundo que gera vínculos entre o leitor e os outros homens. A socialização do individuo se faz, para além dos contatos pessoais, também através da leitura,quando ele se defronta com produções significantes provenientes de outros indivíduos,por meio do código comum da linguagem escrita. No diálogo que então se estabelece o sujeito se obriga a descobrir sentidos e tomar posições, o que o abre para o outro.
Dentro desta mesma perspectiva, Paulo Freire (2003) afirma que leitura boa
é a leitura que nos empurra para a vida, que nos leva para dentro do mundo que nos
interessa viver. E para que a leitura desempenhe esse papel, é fundamental que o
ato de leitura e aquilo que se lê façam sentido para quem está lendo”.
Ler, assim para Paulo Freire, é uma forma de estar no mundo. O livro A
importância do ato de ler nasceu como uma conferência preparada para um
congresso sobre leitura na cidade de Campinas, em São Paulo. A fala
pernambucana de Paulo Freire prendia a todos. Ele estabelecia com clareza e
profundidade uma relação intima entre leitura e vida, entre saber ler e viver uma vida
melhor.
Paulo Freire entrelaça aqui a discussão sobre a leitura com sua experiência
de vida, de menino que aprendeu ler a ler no quintal de casa, entre bichos, avencas
e mangueiras.
Desde que nascemos, vamos aprendendo a ler o mundo em que vivemos.
Lemos no céu as nuvens que anunciam chuva, lemos na casca de frutas se elas
estão verdes ou maduras, lemos nos sinais de trânsito se podemos ou não
atravessar a rua. E, quando aprendemos a ler livros, a leitura das letras no papel é
outra forma de leitura, do mesmo mundo que já líamos, antes ainda de sermos
alfabetizados.
Essa leitura, mais complexa, ninguém aprende sozinho. Ela representa o
domínio de uma modalidade da linguagem verbal, por meio da qual o imenso e
variado mundo das letras e da escrita passa a fazer parte de nosso mundo.
As Diretrizes Curriculares compreendem a leitura como um ato dialógico,
interlocutivo, que envolve demandas sociais, históricas, políticas, econômicas
ideológicas de determinado momento. Ao ler, o indivíduo busca as suas
experiências, os seus conhecimentos prévios, a sua formação familiar, religiosa,
cultural enfim, as várias vozes que o constituem.
Praticar a leitura em diferentes contextos requer que se compreendam as
esferas discursivas em que os textos são produzidos e circulam, bem como se
reconheçam as intenções e os interlocutores do discurso.
È nessa dimensão dialógica, discursiva que a leitura deve ser vivenciada,
desde a alfabetização. O reconhecimento das vozes sociais e das ideologias
presentes no discurso, tomadas nas teorizações de Bakhtin, ajudam na construção
de sentido de um texto das relações de poder a ele inerentes.
Para Regina Zilberman (1986) a leitura, se estimulada e exercitada com
maior atenção envolve tanto o domínio cognitivo do aluno, como suas emoções e
preferências, já que o livro entra em sintonia com sentidos múltiplos na intimidade de
cada individuo. Enfatiza as relações estreitas entre o domínio da leitura e o da
redação, apropria-se da realidade e delimita o sentido do objeto através do qual ela
se concretiza. O ato de ler traduz uma relação com a linguagem, pois a leitura se
configura como uma relação privilegiada com o real, já que engloba tanto um
convívio com a linguagem, como exercício hermenêutico de interpretação dos
significados ocultos que o texto enigmático suscita. Ela pode ser qualificada como a
mediadora entre cada ser humano e seu presente.
Trabalhar descontraidamente pode servir à recuperação da emoção a da
afetividade. Ler não é decifrar, é a partir de um texto, ser capaz de atribuir-lhe significação, conseguir relacioná-lo a todos os outros textos, reconhecer nele o tipo de leitura que seu autor pretendia e, dono da própria vontade entregar-se a essa leitura ou rebelar-se contra ela, propondo outra não prevista, (LAJOLO, 1986, p.59).
Para Zilberman (1982) é a ação da escola que habilita o indivíduo à leitura.
Ela defende uma parceria entre escola e leitura, pois, uma crise da leitura leva
necessariamente a uma crise da escola.
Sendo a entidade que recebe a incumbência de ensinar a ler, a escola tem
interpretado esta tarefa de um modo mecânico e estático. Ler confunde-se, pois,
com aquisição de um hábito e tem com conseqüência o acesso a um patamar do
qual não mais se consegue regredir; porém, ação implícita no verbo em causa não
torna nítido seu objeto direto: ler, mas ler o quê? Desta maneira, o cerne da leitura
não se esclarece para o aluno que é beneficiário dela. Por conseguinte, sabendo ler
ou não mais perdendo esta condição, a criança não se converte necessariamente
num leitor, já que este se define, em principio, pela assiduidade a uma instituição
determinada a literatura.
Assim como acontece com a alfabetização, a escola pode ou não ficar no
meio do caminho, o que quer dizer: dar oportunidade para que sua tarefa se cumpra
de modo global, transformando então o individuo habilitado à leitura em um leitor, ou
não, o que pode reverter no seu contrário. Neste caso, o aluno afasta-se de qualquer
leitura, mas, sobretudo dos livros, seja por ter sido alfabetizada de maneira
insatisfatória, seja por rever na literatura experiências didáticas que deseja esquecer.
No entendimento de Lajolo (1986), a leitura na escola, ao invés de levar os
alunos a um conhecimento profundo e crítico da realidade, muitas vezes serve de
estudo de normas gramaticais. Assim a leitura passa a ser uma habilidade desligada
do cotidiano do aluno e apresenta-se como uma obrigação imposta pela escola por
não estar associada a diferentes estruturas textuais que fazem parte do seu dia a
dia.
Um dos grandes problemas que interferem na realização de um bom ensino
da leitura na escola deve-se a falta de planejamento de atividades que promovam
práticas dialógicas dos alunos ao trabalhar o texto, pois as atividades propostas não
utilizam recursos que permitem a expansão dos conhecimentos, das habilidades
intelectuais, o debate, à livre discussão e atividades que extrapolam o âmbito da
sala de aula são esquecidos”. Desta forma, o papel do professor, em formar leitores
críticos, fica reduzido apenas formação de um leitor que reproduz o que lê. E não
basta apenas tal atitude, pois o ato de ler não pode ser considerado apenas como
uma relação estabelecida entre leitor e texto em busca de um “sentido”, mas sim em
busca de “significação””. (BORDINI e AGUIAR, 1993)
Para formar leitor competente, que seja ativo no processo de leitura,
complete seu trabalho é preciso basear-se em uma teoria e seguir uma metodologia.
A teoria da Estética da Recepção é uma das correntes que tem oferecido
bom resultado na formação do leitor da literatura, por ampliar o “horizonte de
expectativa” do meio da leitura de obras distantes de sua realidade.
A Estética da Recepção surgiu na década de sessenta por meio de estudos
dos teóricos ligados à Escola de Constança, Centro Universitário Alemão liderado
por Hans Robert Jauss. Esta teoria dá embasamento a propostas de ensino de
literatura que colocam o leitor tanto com ponto de partida, considerando seus
interesses e conhecimentos prévios, quanto de chegada, levando-o à reflexão
acerca da construção de sentidos elaborada a partir do texto, envolvendo o cânone
na construção do conhecimento do aluno. Muitas foram às contribuições trazidas por
esses estudos, dentre elas, idéias hoje firmemente estabelecidas na área dos
estudos literários, inclusive no âmbito escolar. Não se concebe mais a concepção de
uma obra como uma unidade suficiente, um sistema fechado de existência
independente do leitor. De acordo com as Diretrizes Curriculares (DCES) o papel do
leitor deve-se ir além da decodificação e compreensão das informações numa
atitude descritiva. E a preocupação do professor-mediador diante desse desafio é
levar o leitor a apropriar-se sentido texto. A escolha do Método Recepcional para
esse projeto se dá porque na nossa concepção ele atende a uma nova perspectiva
de formação de leitor, não mais passivo diante do ato de ler, mas um leitor que
adentra os meandros do tecido textual, desvendando-lhe os vários discursos
implícitos nas suas entrelinhas.
Utilizando-se do Método Recepcional, proposto por Aguiar e Bordini,
pretende-se partir da leitura de noticias de jornal, canções populares, que são os
gêneros mais presentes no cotidiano dos alunos para se chegar aos textos literários
como poesias, crônicas e contos, com o objetivo de levá-los a repensar os valores e
a refletir sobre as diferenças sociais que tanto distanciam os indivíduos. Faz-se
necessário, ressaltar que no decorrer do projeto a ênfase será dada ao “excluído”,
sendo aquele, que não corresponde ao modelo exigido pela sociedade, permitindo-
nos reflexão:“ Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve
música, quem não acha graça de si mesmo.”(Martha Medeiros, 2000).
2. EXPERIÊNCIAS DA IMPLEMENTAÇÃO
A proposta acima foi implementada com os alunos da 8º série A no período
matutino do Colégio Estadual Marcílio Dias, localizado à rua Antonio Dias, n140, no
município de Itambaracá, jurisdicionado ao Núcleo Regional de Educação de
Cornélio Procópio
Na semana da capacitação do mês de julho, no dia 22/07/2011, foi feita divulgação e
explanação do projeto ao colegiado da escola. Os professores interagiram, gostaram
e deram sugestões para que o projeto viesse a ser trabalhado com outras turmas, já
que o tema é bem abrangente, a receptividade foi positiva.
a) Determinação do Horizonte de Expectativas
Para motivar os alunos a trabalhar com o tema foi apresentado o vídeo “Que
país é esse” e a música Eu te amo meu Brasil, após a apresentação os alunos
fizeram apontamentos sobre os pontos positivos e negativos. Nestes vídeos aparece
o Brasil em contextos sociais diferenciados. Um retrata o Brasil de natureza
exuberante, convidativo e mostra uma juventude alegre, saudável e esperançosa o
que contrasta com o outro retrato onde a pobreza, exclusão, corrupção e a
desigualdade são fortemente evidenciadas. Após a apresentação notou-se que os
alunos estavam preparados para trabalhar o tema exclusão social, pois os vídeos
geraram momentos de discussões, troca de ideias e comentários. Em seguida foi
proporcionado a leitura de texto informativo “A exclusão social nos dias de hoje”, de
forma individual e comentada coletivamente pelos alunos e professor, o texto trouxe
inúmeras informações que eles desconheciam. Após estas atividades e tendo
despertado o interesse pelo assunto foi apresentada a música Eu só quero ser feliz
enfocou-se na canção os direitos e deveres da pessoa humana muitas vezes
desrespeitados sendo causadores da exclusão social. Os alunos perceberam que os
moradores da favela têm os mesmos desejos como eles. Além disso, estas pessoas
têm muito a ensiná-los. Foi pedido aos alunos uma pesquisa dos primeiros
parágrafos da Constituição Brasileira que assegura os direitos e deveres para um
debate na sala de aula. Muitos desconheciam a Constituição, a leitura os ajudou a
tomar ciência desta lei tão importante. Após a apresentação e discussão da
pesquisa os alunos ouviram novamente a música analisando-a com outro olhar.
b) Atendimento do horizonte de expectativas;
Para romper o horizonte de expectativas é proposta a leitura do poema
Mãos do lixo de Thiago Melo, após a leitura e comentários foi proposto aos alunos
um trabalho em grupo com a seguinte tarefa: produzir um texto poético relatando
cena sofrida ou imaginada por eles nas ruas de nossa cidade, focada na exclusão
social. Os alunos notaram que os problemas sociais abordados nos textos
continuam atuais, embora o Brasil tenha apresentado melhoras no Índice de
Desenvolvimento Humano, ainda temos segundo dados estatísticos dezesseis
milhões de brasileiros vivendo em extrema pobreza O trabalho foi realizado com
sucesso os textos foram ilustrados e expostos em sala. Ainda rompendo o horizonte
de expectativa os alunos assistiram ao vídeo O bicho de Manuel Bandeira, a cena
gerou discussões e despertaram sentimentos de indignidade, tristeza e
inconformidade com a situação de abandono de seres humanos, marginalizados
pela sociedade, fazendo das ruas suas casas, sendo vítima de um modelo
excludente da sociedade ao qual o ser humano é submetido. Ao término desta fase
foi apresentada aos alunos a música Brasil verificou-se comentários pertinentes ao
tema em questão..
c) Ruptura do horizonte de expectativas
Na fase do questionamento do horizonte de expectativa foi proposta a
leitura do conto O caso da vara, de Machado de Assis, é um dos contos mais
famosos de Machado de Assis, publicado inicialmente na Gazeta de Notícias, no ano
de 1891, e republicado no livro “Página Amarelas”. Neste conto, Machado enfoca o
drama pessoal de Damião, o protagonista, que deseja abandonar o seminário. Trata
da questão da escravidão e do jogo de poder que a relação encerra, onde a vilania
do protagonista rege seus atos na luta pela autoconservação. O foco narrativo é em
terceira pessoa.
Damião, seminarista sem vocação, fugido do seminário, troca a vara com
que Sinhá Rita irá castigar a negra Lucrecia - pelo trabalho não terminado - pelos
favores que a mesma Sinhá Rita lhe prestará intercedendo junto ao padrinho e, por
este, ao pai, no caso da fuga do seminário. Neste conto, que o autor situa em 1850,
fica claro a relação de favor que caracterizava as relações sociais no século XIX
brasileiro.
Pode-se perceber a intenção do autor em analisar as cruéis relações de
dominação entre seres iguais, todos subjugados por um sistema político e social
marcado pelo autoritarismo, mas que não hesitam em reproduzir e legitimar a
opressão de que são vítimas. O caso da vara é um dos exemplos da crítica
machadiana, sutil, mas repleta de uma ironia amarga. Machado de Assis monta uma
situação que revela algo do mundo interior dos personagens, destacando valores
éticos ou morais. O enredo é o menos importante: o caso da fuga de Damião fica em
aberto, pois é secundário saber se o rapaz voltou ou não para o seminário. O
importante é observar sua conduta moral..
Após a leitura do conto foi apresentado aos alunos à crônica Na escuridão
miserável, de Fernando Sabino, lembrei aos alunos que a crônica muitas vezes é
confundida com o conto. A diferença básica entre os dois é que a crônica narra fatos
do dia a dia, relata o cotidiano das pessoas, situações que presenciamos e já até
prevemos o desenrolar dos fatos. A crônica também se utiliza da ironia e às vezes
até do sarcasmo. Não necessariamente precisa se passar em um intervalo de
tempo, quando o tempo é utilizado, é um tempo curto, de minutos ou horas
normalmente. O texto fala sobre a vida de Teresa, uma menina negra de dez anos,
que trabalha como doméstica em uma casa de família e é muito explorada pela
patroa. A atividade proposta apresentou grandes resultados, os alunos quiseram não
apenas ler, mas dramatizá-la em sala de aula, a emoção e a indignação foram
despertadas em todos, pois o texto retrata o preconceito, injustiça e desamor com
uma criança, novamente lembrou-se a Constituição Brasileira, e principalmente a
importância da educação como forma de emancipação social. Após todo o trabalho
com os textos (de reflexão, compreensão, estudo do vocabulário...), foi feito um
desafio aos educandos para que imaginassem qual seria o futuro de Teresa. Ela Já
teria seus vinte anos, mais ou menos, o que teria acontecido com ela. Os alunos
produziram um texto narrativo apresentando-o espontaneamente à sala. Muitos
acreditaram e defenderam a idéia de que o melhor caminho para a mudança passa
pela educação não há outro. O importante é que perceberam que apesar de terem
sido escritos em épocas bem diferentes, os textos retratam o mesmo problema, que
é o preconceito racial, um dos fatores excludentes tão presentes em nossa
sociedade.
d) Ampliação dos horizontes de expectativas
A última fase do projeto é a ampliação do horizonte de expectativa, ou seja,
a busca de textos literários, foi providenciada a cópia do conto de Nilma Lacerda
intitulado Estrela- de- rabo a bela história de um menino encontrado em um lixão por
aqueles que, mais tarde, se tornariam seus avôs, Rode e Astolfo, moradores do
lixão, batalhadores por natureza e donos de corações enormes. A atividade de
leitura foi realizada em sala e também como atividade extraclasse. Assim foi
proporcionado aos aprendizes uma visão da realidade de muitas crianças.
Percebeu-se que o abandono ainda fala alto na vida de muitos. Como atividade
culminante do projeto, os alunos redigiram um texto sobre como o tema exclusão foi
abordado no conto.
Nesta última etapa, conforme afirmam Bordini & Aguiar (1988), eles
perceberam que os textos literários, não somente literários, por exemplo, a atual
novela das oito nos primeiros capítulos abordou a situação de pessoas no lixão.
Texto é tudo que emite uma mensagem, não é apenas tarefa da vida escolar, assim
estarão conscientes das aquisições feitas e das alterações vividas por meio da
literatura, dessa forma, buscarão outras leituras o que ampliará ainda mais os seus
horizontes.
3. CONCLUSÃO
O mundo está em meio a muitas mudanças tecnológicas e sociais e as nossas es-
colas também sofrem essas mudanças.
O professor necessita trabalhar a leitura e melhorar as estratégias de pensamento,
principalmente de compreensão. O uso de novos métodos pode trazer para nossas
aulas atividades mais atraentes e interessantes e fazer nossos alunos interagirem
com mais facilidade. Portanto ao chegar ao fim do trabalho, desenvolvendo ativida-
des de leitura como a exemplificada, foi possível perceber que os alunos foram ca-
pazes de vencer os obstáculos humanos, que dificultam a interação entre os ho-
mens, por meio da leitura dos textos literários ou não.
Ao compartilhar leitura, discussão, colocando seu ponto de vista aceitando ou refu-
tando idéia, houve uma sociointeração e consequentemente uma ampliação de seu
horizonte de expectativa, justamente o que o Método Recepcional em questão
propõe formar alunos que não temem a ruptura com o estabelecido, mas alunos crí-
ticos e flexíveis em termos de ajustamentos sociais.
Para Silva apud DCES (2005, p. 24) [...] a prática de leitura é um princípio
de cidadania, ou seja, o leitor cidadão, pelas diferentes práticas de leitura, pode ficar
sabendo quais são suas obrigações e também pode defender os seus direitos, além
de ficar aberto às conquistas de outros direitos necessários para uma sociedade jus-
ta, democrática e feliz.
.
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ZILBERMAN, Regina. (Org.). Leitura em crise na escola: alternativas do professor.
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