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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO (MESTRADO E DOUTORADO)
EM BUSCA DE NOVAS POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS:
A INTRODUÇÃO DA ROBÓTICA NO CURRÍCULO ESCOLAR.
Maria do Rosário Paim de Santana
Salvador- Bahia- 2003
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MARIA DO ROSÁRIO PAIM DE SANTANA
EM BUSCA DE NOVAS POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS:
A INTRODUÇÃO DA ROBÓTICA NO CURRÍCULO ESCOLAR.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação. Área de Concentração: Currículo e Novas Tecnologias. Orientadora: Profa Dra Teresinha Fróes Burnham.
Salvador 2003
Este trabalho é dedicado à minha família, pela paciência e compreensão, especialmente a minha mãe (in memoria) por ter me ensinado a aprender e à minha tia Ida, grande fonte de inspiração. Obrigada pelo carinho e amor...
AGRADECENDO....
[...] E aprendi que se depende sempre de tanta, muita diferente gente. Toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de outras tantas pessoas. E é tão bonito quando a gente sente que a gente é tanta gente aonde quer que a gente vá. E é tão bonito quando a gente sente que nunca está sozinho por mais que pense estar E é tão bonito quando a gente pisa firme Nessas linhas que estão nas palmas de nossas mãos E é tão bonito quando a gente vai à vida nos caminhos onde bate bem mais forte o coração [...].
Caminhos do Coração - Gonzaguinha, 1982.
São muitas as pessoas a quem quero agradecer nesse momento:
$ A Profa. Dra. Teresinha Fróes Burnham, minha orientadora, que esteve
sempre presente durante o meu caminhar nessa experiência, ouvindo-me,
aconselhando, encaminhando e, pacientemente, reencaminhando-me.
$ Ao Prof. Alceu Lisboa Filho, diretor geral do Colégio Alfred Nobel, pelo
apoio e compreensão a minha condição de Mestranda, possibilitando a
realização da pesquisa na instituição.
$ A amiga-irmã Maria Arlinda Passos Lisboa, pelo apoio, compreensão,
incentivo... pelos vários momentos em que me substituiu na Coordenação
Pedagógica do ensino fundamental (5a à 8a série), em dias de aula na
Faced, não permitindo que o trabalho sofresse descontinuidade.
$ A Mario Sergio Almeida, professor de Robótica Pedagógica do Colégio
Alfred Nobel, pela santa paciência e colaboração neste trabalho.
$ Ao Prof. MS Paul Burnham, pelas muitas conversas sobre educação e
sobre robôs, pela forma carinhosa como me fazia refletir sobre essas
questões.
$ Aos amigos Eliane Mezzedimi Cunha, Marta dos Santos Sena e Carlos
Eduardo Passos Júnior, pela paciência... paciência... paciência... e
compreensão durante este período e em todos os outros de demonstração
de carinho e amizade.
$ A amiga-irmã Hélia Mascarenhas Macedo, pelo incentivo e por ser meu
eterno suporte musical.
$ Ao Prof. Dr. Edvaldo de Souza Couto , pelas várias sugestões, discussões,
orientações; enfim, pela presença durante esse caminhar.
$ Aos amigos Prof. MS Josemar Rodrigues de Souza e Profa. Dra. Noemi
Salgado, pelas conversas e, principalmente, pelo incentivo e confiança.
$ Ao amigo Prof. Dr. Arivaldo Leão de Amorim, que, pacientemente, me
mostrou caminhos a percorrer, quando resolvi (enfim) escrever o meu
projeto de pesquisa.
$ As amigas Profa. MS Jamile Borges e Profa. MS Lynn Alves, pela leitura
inicial do meu projeto de pesquisa e pela amizade sempre demonstrada.
$ Ao amigo Inácio Nakahata , que, mesmo longe, esteve perto, ajudando,
discutindo, incentivando, descobrindo materiais...
$ Ao Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo, que, mesmo sem me conhecer, não
pode imaginar o quanto foi importante a sua fala paciente e carinhosa na
entrevista de seleção para esse programa de Mestrado.
$ Aos Profs. Drs. Dante Galeffi, Dora Leal Rosa , Maria Inez Carvalho, Miguel
Bordas, Nelson Pretto , Robert Verhine, Theresinha Miranda, Vera Fartes,
meus professores no Mestrado, que muito contribuíram, com as
discussões em suas aulas, fazendo-me refletir sobre minha prática
pedagógica.
$ Aos meus colegas do Mestrado, turma 2001, pelas contribuições
recebidas, especialmente no dia da apresentação do projeto na disciplina
Projeto de Dissertação.
$ A Lucimere Santos, pela ajuda constante durante esses anos em que
estou na Coordenação Pedagógica do ensino fundamental (5a à 8a série).
$ Aos alunos da 5a a 8a série do ensino fundamental do Colégio Alfred
Nobel, que, dia após dia, me ensinam a arte de ensinar.
$ Aos professores de 5a à 8a série do ensino fundamental, a Renata Adélia,
Reginaldo Barros e Armando Júnior pela ajuda e pela compreensão
durante esse processo.
$ A minha família, sempre...sempre...sempre.
$ E a todos aqueles que fizeram e fazem parte da minha história.
A todos vocês, o meu carinho...
Um agradecimento especial....
ð Ao professor Luiz Felippe Perret Serpa (in memoria) por ter acreditado no
meu trabalho, pelos ensinamentos aprendidos e pelas orientações dadas
na apresentação do meu projeto de pesquisa na disciplina Projeto de
Dissertação em 01 de abril de 2002.
É tão estranho Os bons morrem antes Me lembro de você E de tanta gente que se foi Cedo demais. Renato Russo
Nunca deixe que lhe digam Que não vale a pena Acreditar no sonho que se tem Ou que seus planos nunca vão dar certo Ou que nunca vai ser alguém Tem gente que machuca os outros Tem gente que não sabe amar Mas eu sei que um dia a gente aprende Se você quiser alguém em quem confiar Confie em si mesmo Quem acredita sempre alcança. Mais uma vez - Flávio Venturini/Renato Russo, 1987.
RESUMO
Esta dissertação apresenta um estudo sobre a introdução da Robótica
Pedagógica, de forma sistemática, na matriz curricular de 5a à 8a série do
ensino fundamental, de uma escola particular de Salvador – Brasil, tendo o
seu foco voltado para a 5a série. Discute os desafios enfrentados pela
instituição escola frente a uma sociedade permeada pelas tecnologias de
base telemática/informática e introduz a Robótica Pedagógica como uma
possibilidade presente na escola para contribuir com a aprendizagem de
alunos nessa faixa etária. Este estudo não é um manual de inovação via
uma “nova” tecnologia, mas sim uma discussão das possibilidades e limites
trazidos por ela. De fato, é uma memória “viva” das discussões que
ocorreram sobre o uso de uma abordagem teórico-metodológica, à proporção
que ela se tornou uma “nova” disciplina; das dificuldades enfrentadas na
implantação dessa inovação curricular; do progresso realizado; dos
caminhos (re)trilhados e, finalmente, da aprendizagem e crescimento dos
estudantes, professores, supervisores da disciplina e coordenadores da
escola.
Palavras chaves: robótica pedagógica, aprendizagem, processo cognitivo,
tecnologia da informação e comunicação.
ABSTRACT
This dissertation presents a study of the systematic introduction of
Educational Robotics to the junior high curriculum (5th to 8th grade) at a
private school in Salvador, Brazil; the focus of the study being on the 5th
grade. The challenges and opportunities the school has as an institution in a
society permeated by telematics/informatics technologies are discussed, and
Educational Robotics is presented as a real possibility that can make a
contribution to student learning in this age group. This Study is not a
manual for innovation via a "new" technology, but more an examination of
the possibilities and limitations brought about by it. In fact, it is a "living"
memory of the discussions that took place on the use of a theoretical-
methodological approach as it became a "new" subject; of the difficulties
faced in the setting up of a curriculum innovation; the progress made; the
paths taken and retaken and, finally, of the learning and pedagogic growth of
the students, teachers, subject advisors, and the school coordinators.
Key words: educational robotics, learning, cognitive process, information and
communication technologies.
SUMÁRIO
1 PRIMEIRAS PALAVRAS. INTRODUZINDO..................................... 14
2 A ARTE DE SE AVENTURAR NOS CAMINHOS DA EDUCAÇÃO...... 19
3 OS ROBÔS: ESSES “ESTRANHOS” SERES METÁLICOS................ 61
4 A VIDA É COMO UM FILME... OU SERÁ COMO UMA HISTÓRIA?
FICÇÃO OU REALIDADE? EIS A QUESTÃO..................................
104
5 É POSSÍVEL UMA APRENDIZAGEM ATRAVÉS DA ROBÓTICA
PEDAGÓGICA?............................................................................
127
5.1 PROJETOS CONSTRUÍDOS... UMA PEQUENA AMOSTRA DE UM
GRANDE TRABALHO.................................................................
160
6 O FIM. OU SERÁ UM NOVO COMEÇO? AS DESCOBERTAS... NÃO
CONFIRMAÇÕES.........................................................................
195
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................ 198
APÊNDICES................................................................................. 209
ANEXOS...................................................................................... 257
LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Alunos trabalhando no Projeto de Integração Curricular
numa sala de aula de uma escola pública na Cidade de Plano..............................................................................
21 Figura 2 - Alunos trabalhando no Projeto de Integração Curricular
numa sala de aula centrada no aluno (Colégio Nobel)... ..
24 Figura 3 - Mafalda e a solicitação de uma TV.................................. 35 Figura 4 - Mafalda sem TV: um animal raro.................................... 36 Figura 5 - Mafalda e a utilização da TV........................................... 36 Figura 6 - Sam:um robô paciente.................................................... 65 Figura 7 - A Casa do Futuro 257 Figura 8 - Robô industrial de 6 graus de liberdade 71 Figura 9 - Pigmalião e Galatéa........................................................ 79 Figura10 - Frankenstein.................................................................. 81 Figura11 - Dr. Mureau.................................................................... 82 Figura12 - Pinóquio e Gepeto........................................................... 83 Figura13 - O homem de lata, o leão e o espantalho.......................... 84 Figura14 - Emília............................................................................. 84 Figura15 - Relógio de água.............................................................. 86 Figura16 - Crepsidra....................................................................... 87 Fígura17 - Crepsidra....................................................................... 88 Figura18 - Os autômatos de Jaquet-Droz........................................ 91 Figura19 - O pato de Vacauson....................................................... 91 Figura 20- O enxadrista humano e o autômato enxadrista de Von
Kleper.............................................................................
92 Figura 21- Robô PUMA 560............................................................. 94 Figura 22- Robô Assimo................................................................... 95 Figura 23- Robôs SDR-4X II............................................................. 95 Figura 24- Robô Wakamaru............................................................. 96 Figura 25- Robô Átila....................................................................... 98 Figura 26- A atriz Brigitte Helm vestida de robô no filme Metrópolis. 109 Figura 27- A atriz Brigitte Helm como a operária Maria.................... 109 Figura 28- Tima – Robô do animee Metrópolis.................................. 110 Figura 29- Robôs C3PO R2D2.......................................................... 114 Figura 30– O Homem máquina: as peças de reposição..................... 258 Figura 31- Enfoques teóricos à aprendizagem e ensino 129 Figura 32- Conjunto para programação: PC, Transmissor Infra
Vermelho, RCX. RCX com sensores ligados as portas de entrada de informações..................................................
137 Figura 33- Semáforo (carros). 164 Figura 34- Basquete........................................................................ 168 Figura 35- Travessia........................................................................ 173 Figura 36- Radar............................................................................. 175
Figura 37 Robô fabricado pela Manufatura de Brinquedos Estrela
em 1969.........................................................................
260 Figura 38 Robô fabricado pela Manufatura de Brinquedos Estrela
em 1981.........................................................................
260 Figura 39 Robô fabricado pela Manufatura de Brinquedos Estrela
em 1983.........................................................................
261 Figura 40- Professor de Robótica mediando a discussão – Oficina de
brinquedos.....................................................................
190 Figura 41- Organização do sistema nervoso humano....................... 214 Figura 42- Principais divisões do sistema nervoso............................ 214 Figura 43- Célula piramidal do córtex ou do hipocampo................... 219 Figura 44- Estrutura da sinapse nervosa......................................... 220 Figura 45- Rede de conexões dos neurônios..................................... 223 Figura 46- O cérebro visto de cima.................................................. 226 Figura 47- Mosaico das funções cerebrais....................................... 228 Figura 48- Sistema límbico.............................................................. 230 Figura 49- Brinquedo Genius.......................................................... 242 Figura 50- Robô interativo Ir-v......................................................... 243 Figura 51- Cyber combate............................................................... 244 Figura 52- Acrobat Robot................................................................ 244 Figura 53- Talking robô e Space robot............................................. 245 Figura 54- Roger Robot................................................................... 245 Figura 55- Rad Robot...................................................................... 246 Figura 56- Wuvluvs......................................................................... 247 Figura 57- Petzi............................................................................... 248 Figura 58- Furbys........................................................................... 249 Figura 59- Ursos contadores de histórias (1a e 2a versões)................ 249 Figura 60- Cyber animais................................................................ 250 Figura 61- Poo-chi (The Interactive dog) e o Poo-chi friends
(buldog)..........................................................................
250 Figura 62- Super Poo-chi................................................................. 251 Figura 63- Rock Climber................................................................. 252 Figura 64- Yano.............................................................................. 252
LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Atividades preferidas pelos alunos no Projeto de
Integração Curricular..................................................... 253
Tabela 2 - Preferência demonstrada pelos alunos da 5a série 2001 pela disciplina Robótica Pedagógica................................
253
Tabela 3 - Preferência demonstrada pelos alunos da 5a série 2001 pela disciplina SOE.......................................................
253
Tabela 4 - Posição do Brasil em número de hosts (2003)................. 254 Tabela 5 - Canais de TV mais assistidos.......................................... 254 Tabela 6 - Programação preferida.................................................... 255 Tabela 7 - Freqüência de utilização do computador......................... 255 Tabela 8 - Formas de utilização do computador.............................. 255 Tabela 9 - Freqüência com que os alunos jogam.............................. 256 Tabela 10 - Tipos de jogos preferidos................................................. 256 Tabela 11 - Freqüência de utilização da Internet............................... 256 Tabela 12 - Alunos que possuem e-mail próprio................................ 256 Tabela 13 - Alunos que já assistiram filmes com a existência de
personagens robôs.........................................................
256 Tabela 14 - Filmes assistidos/preferidos........................................... 256 Tabela 15 - Classificação Hierárquica das Grandes Estruturas
Neuroanatômicas............................................................ 214
1 Primeiras palavras. Introduzindo...
Eu sei o que hei de expor. Mas não como fazê-lo, por onde começarei e como irei terminar. Na cabeça, não há uma frase pronta sequer. Mas basta-me passar os olhos pelo auditório e proferir um estereotipado: na aula passada paramos no... e as frases voam-me da alma, numa longa fileira. E lá vai a matéria. Falo com incoercível rapidez... apaixonado... e parece uma força capaz de interromper a torrente do meu discurso. Para discorrer bem, isto é, de maneira não enfadonha e com proveito para os ouvintes, é preciso ter, além de talento, habilidade e experiência, a noção mais nítida sobre as próprias forças, sobre aqueles a quem se dá aula e sobre o objeto do discurso. Um bom regente de orquestra, ao transmitir o pensamento do compositor, executa simultaneamente vinte tarefas. O mesmo faço eu, dando aula1.
Anton Tchekhov
Sinto-me assim neste momento. Não porque esteja entrando em
uma sala de aula para falar para meus alunos, mas sim porque preciso
registrar, de forma fidedigna e não “apaixonada”, através da escrita, a
pesquisa que venho realizando sobre uma prática pedagógica que surge
como uma “nova” possibilidade educativa: a utilização da Robótica
Pedagógica no ensino fundamental. O assunto fascina-me e, quando falo
sobre ele... as frases voam-me da alma, numa longa fileira. E é, exatamente,
nesse momento que me dou conta da grande responsabilidade assumida
no diálogo com os leitores. Tenho de ter a habilidade de não enfadá-los,
apresentando um texto envolvente e, ao mesmo tempo, uma noção muito
clara e nítida sobre o que é mais significativo no percurso atravessado
1 Fragmento do texto Uma Estória Enfadonha extraído do Vídeo Aprendizagem Significativa exibido pela TV Escola (s.d).
e percorrido durante os últimos quatro anos, principalmente, durante o
período 2001/2002, quando, enfim, resolvi assumir os olhos de
“investigadora” participante. Nessa hora, comungo do pensamento de
Landowski (2002, p. ix) quando diz: O discurso da pesquisa é apanhado em sua própria
contradição. Para poder dizer o que busca, ser-lhe-ia preciso já o ter encontrado. Se fosse esse o caso, porém, só lhe restaria calar-se, exceto se se tornasse outro, didático, por exemplo, ou, por que não, promocional. Inversamente, se ele fala, e até, se não pára de falar, é porque seu próprio fim, em parte, continua a escapar-lhe. E, é claro, ao buscá-lo, ele está se buscando. É, portanto, duas vezes uma ausência (relativa), a do objeto, sempre a construir ou a reconstruir, e aquela que ele experimenta em relação a si mesmo, que o fundamenta e o motiva.
No entanto, já que assim é a lei do gênero, chega um momento em que ele precisa “se apresentar”: nomear-se mostrando-se, situar-se dizendo do que se ocupa, em suma, alegar o que é, como se conhecesse a própria identidade e soubesse exatamente o que faz, enunciando-se: como se fosse transparente ao próprio olhar e já inteiramente presente diante de si mesmo.
O texto que ora apresento constitui a sistematização e o relato de um
projeto desenvolvido com alunos de 5a a 8a série do ensino fundamental em
uma instituição de ensino privado, na cidade do Salvador-BA: a implantação
e acompanhamento da Robótica Pedagógica como disciplina inclusa de
forma sistemática na sua matriz curricular. Por uma questão organizacional,
dividi o texto em quatro blocos distintos, porém dependentes. No primeiro
bloco, apresento o corpo do trabalho, seus objetivos, pertinência e que
desafios a instituição escola pode estar enfrentando para atender a educação
do século XXI, numa sociedade “permeada” pelas tecnologias
contemporâneas. A metodologia utilizada na pesquisa é explicitada neste
momento. O segundo bloco apresenta um panorama geral sobre a Robótica;
referencio a história dos primeiros autômatos encontrados na Mitologia
Grega, especificamente na historia de Pigmalião2, até os dias atuais,
quando os robôs são utilizados em situações de risco, em operações
médicas, ou quando usados para atravessar as pirâmides do Egito na
descoberta de mistérios ainda não decifrados. Passeio pelas histórias
encontradas na literatura infantil, buscando um pouco do nosso imaginário
2 “Escultor que obteve de Afrodite o dom de dar vida a uma das suas esculturas”. (MATTIUZZI, 2000, p.180).
e pelos filmes de ficção que nos trazem todo o encantamento dos robôs. O
terceiro bloco traz os aportes teóricos para o processo de aprendizagem.
Apoio-me em teorias cognitivistas para entender como se realiza a
aprendizagem. A experiência com a Robótica Pedagógica foi realizada no
Colégio Alfred Nobel e os seus “primeiros” resultados são mostrados nesse
bloco. Cyberbrinquedos são apresentados nesse cenário, como objetos dos
quais as crianças precisam “cuidar”, dar e receber afeto e, através dos quais,
podem aprender. Contribuições da biologia e recentes estudos sobre o
cérebro são contemplados para entendimento do processo de aprendizagem e
apresentados no Apêndice A.
Mesmo tratando-se de uma Dissertação de Mestrado, optei por
escrever um texto leve, repleto de figuras coloridas, tentando retratar o clima
alegre e divertido que se apossa do ambiente nas aulas de Robótica
Pedagógica. Sei o quanto é difícil, mas ainda assim tentarei. Faço minhas as
palavras de Rosa (1998, p. 7), na introdução do seu livro, pois este trabalho [...] não é e não pretende ser nada que se aproxime da idéia de ensinar algo a alguém, seja do ponto de vista teórico, seja do ponto de vista prático. Prefiro pensá-lo como uma oportunidade de diálogo entre pares, como espaço possível de troca de experiências, impressões, perspectivas. Entre “livros” e “professores” há uma característica comum, marcada pelo imaginário social em torno deles: de “livros” e de “professores” espera-se um saber seguro, verdades fundamentais, discursos logicamente articulados, uma coerência tal que obscureça a precariedade inerente às pessoas existentes atrás das denominações de “autor” e “mestre”. [...]
Diria que este trabalho é o resultado de mais um esforço de pensar a prática pedagógica e o papel do educador, a partir das questões que se apresentam no dia-a-dia da sala de aula, no momento vivo do aprender-ensinar, momento em que atuam não alunos e educadores ideais, e sim alunos e professores reais a partir e de dentro da ambigüidade que os caracteriza como seres humanos.[...].
Compreendo assim, porquê, já no ano de 1978, recém-formada no
curso de Magistério, dediquei-me a atuar em educação. Tenho consciência
da forte influência da minha família nessa escolha. Minha mãe e minha tia
trilhavam esse caminho. Quando cursava o ginásio (como era chamado o
ensino fundamental de 5a à 8a série naquele tempo) ajudava minha mãe a
datilografar avaliações para os seus alunos. O velho mimeógrafo à álcool era
bastante utilizado, na minha casa, para duplicar exercícios e avaliações dos
seus alunos. Então, logo ao me “formar” em professora, lá estava eu já
lecionando em uma classe da 3a série do ensino fundamental no Instituto
Nossa Senhora da Salette. Nesse mesmo ano, prestava vestibular para
Pedagogia, iniciando o curso na Universidade Católica do Salvador (UCSal).
Durante três anos, colocava em prática na sala de aula o que aprendia na
Universidade. Era apaixonada pelos meus “pequenos” alunos e insistia em
estar com eles em todos os momentos, incluindo os horários de recreio,
quando podia brincar de pícula, roda e baleado. Logo veio a formatura na
UCSal: Pedagogia com habilitação em Orientação Educacional (1981) e, com
ela, classes de ginásio seguidas de classes de magistério. Em 1984, passei a
trabalhar no Colégio Alfred Nobel, no qual tive a oportunidade de atuar em
setores pedagógicos e administrativos. Essa experiência possibilitou (e tem
possibilitado) recriar o meu fazer pedagógico, dia após dia. Até o ano de
1997, sentia a necessidade de estar acompanhando as discussões relevantes
em educação através de livros e revistas especializadas; participei de
congressos em educação, realizados, principalmente, na cidade de São
Paulo, visitei escolas pelo Brasil e, mesmo fora dele, participei de cursos de
extensão nas diversas áreas de atuação escolar. Em 1997, senti a
necessidade de voltar à universidade. Busquei, então, cursos de
especialização na área de educação na UCSal. O primeiro curso, intitulado
“Aplicações Pedagógicas dos Computadores”, discutia as possibilidades
introduzidas na escola, através das tecnologias. Nesse curso, tive a
oportunidade de dialogar com professores que tiveram forte contribuição na
continuidade dos meus estudos, especialmente os professores MS Josemar
Rodrigues de Souza, coordenador do curso e professor da disciplina Redes de
Computadores e MS Lynn Rosalina Gama Alves, professora de Psicologia da
Educação. Antes mesmo de apresentar a monografia de conclusão do curso,
já estava freqüentando a minha segunda especialização, desta vez na área de
currículo. E a oportunidade do feliz encontro com a Profa Dra. Teresinha
Fróes Burnham, hoje minha orientadora e a Profa. Dra. Regina Celi Oliveira
Cunha, orientadora da monografia Currículo Integrado: sonho ou realidade?,
que inicia os estudos que dão origem a esta pesquisa. Em fase final de
defesa de monografia, freqüentava a terceira especialização na área de
recursos humanos. E hoje encontro-me concluindo a minha Dissertação de
Mestrado (e pensando na continuidade dos meus estudos...) nessa grande,
diversa e apaixonante área que é a EDUCAÇÃO.
2 A Arte de se aventurar: uma necessidade nos caminhos da educação.
A Robótica Pedagógica consiste em um ambiente de aprendizagem
que utiliza kits de montagens compostos por eixos, rodas, roldanas, motores,
sensores e diversos outros tipos de peças ou materiais (mesmo os
sucateados) que possibilitem a construção de modelos mecânicos e
eletrônicos. Os modelos criados são interfaciados ao computador, através de
um software, sendo programados, realizando atividades previstas por quem
os criou.
A presença da Robótica Pedagógica em instituições de ensino, no
Brasil, é relativamente nova. Alguns trabalhos realizados por essas
instituições e divulgados através de suas homes pages, ou em revistas
especializadas3 são feitos em períodos determinados, utilizando-se a
Pedagogia de Projetos4 ou de Oficinas de Trabalho5, não constando na matriz
curricular da instituição. As referências bibliográficas encontradas referem-
3 Mecatrônica Atual. São Paulo: Saber; Mecatrônica Fácil. São Paulo: Saber; dentre outras. 4 “Essa modalidade de articulação dos conhecimentos escolares é uma forma de organizar a atividade de ensino e aprendizagem, que implica considerar que tais conhecimentos não se ordenam para sua compreensão de uma forma rígida, nem em função de algumas referências disciplinares preestabelecidas ou de uma homogeneização dos alunos”. (HERNÁNDEZ & VENTURA, 1998, p. 61). 5 Aqui concebidas como laboratórios onde alunos e professores desenvolvem projetos pré-determinados, com tempo estabelecido, a fim de atingir um objetivo.
se, na sua maioria, à Robótica Industrial, não contemplando o trabalho
pedagógico com crianças e adolescentes. Os livros e manuais destinados à
Robótica Industrial trazem contribuições relevantes, mas que se destinam a
alunos/professores universitários ou profissionais ligados à área, uma vez
que ela é usada, mais freqüentemente, na indústria. Na área educacional, no
entanto, registro de experiências sistemáticas realizadas no Massachussets
Institute of Technology (MIT) e referenciadas por Nicholas Negroponte6 e
Seymourt Papert7 mostra a importância da utilização da Robótica
Pedagógica para o desenvolvimento cognitivo de crianças e adolescentes. A
análise desses resultados e de projetos realizados, anteriormente, pela
instituição impulsionou, de forma positiva, a introdução dessa nova
tecnologia no Colégio Nobel.
O “desafio” de trabalhar com a Robótica Pedagógica
(propriamente dita) teve início no ano 20008. Partiu dos resultados obtidos
com um Projeto de Integração Curricular, realizado durante os quatro anos
anteriores (1996 a 1999), implementado para os alunos de 1a à 4a série do
ensino fundamental, que consistia na integração das diversas disciplinas e
saberes da vida cotidiana do aluno, através de pesquisas desenvolvidas por
esses, utilizando recursos tecnológicos existentes na própria sala de aula,
denominada de “sala de aula centrada no aluno”. O Projeto de Integração
Curricular foi implementado após uma visita minha (como coordenadora
pedagógica) e dos diretores da instituição a escolas públicas, na Cidade de
6 Nicholas Negroponte é professor de Tecnologia da Mídia e um dos fundadores do Laboratório de Multimeios do MIT. 7 Seymourt Papert é matemático, criador da linguagem LOGO, pesquisador participante do Laboratório de Mídia do MIT. 8 Anteriormente, no ano de 1999, foi realizado um projeto experimental com um grupo constituído de 15 alunos voluntários de 1a e 2a séries do ensino médio, sob a responsabilidade do professor de física da instituição.
Plano, no Texas (U.S.A.). Numa das escolas visitadas, tivemos a
oportunidade de ver as crianças trabalhando com o referido projeto; elas
estavam atentas aos seus trabalhos, sem demonstrarem qualquer reação ou
manifestação de curiosidade com a nossa presença, o que, obviamente, me
encantou, pois, até então, essa era uma realidade inexistente em nossas
salas de aula. Mesmo concordando com Domingues (1997, p. 16) quando diz
que alguns trabalhos não se prestam a registros com “[...]imagens estáticas,
as quais impossibilitam experienciar o processo que lhes é inerente [...]”,
opto por mostrar o espaço americano em foto, bem como a sala de aula
construída no Colégio Nobel para vivência do projeto.
Figura 1 – Alunos trabalhando no Projeto de Integração Curricular numa sala de aula de uma escola pública na cidade de Plano (Texas - USA, 1996).
Vi, no projeto americano, desde quando [re]criado para a realidade
brasileira, uma grande possibilidade de iniciar uma “educação tecnológica”
com os alunos desse ciclo, ao mesmo tempo em que poderia trabalhar, de
forma interdisciplinar, as “diversas” disciplinas e seus conteúdos. Os alunos
de 5a à 8a série já utilizavam, no dia-a-dia, softwares e lições de computador
dos conteúdos disciplinares, simuladores, equipamentos em laboratórios de
ciências e química, enfim uma série de ferramentas tecnológicas que
enriqueciam o processo de aprendizagem, tornando-o mais eficaz. Tinha, à
época, a visão do computador como ferramenta para o aluno, ou melhor, a
utilização do computador para o ensino de conteúdos, tornando-os mais
fáceis de serem entendidos. Para Valente, essa é uma das modalidades em
que o mesmo pode ser utilizado. Para o autor (1998, p. 2) “o ensino pelo
computador implica que o aluno, através da máquina, possa adquirir
conceitos sobre praticamente qualquer domínio”. Valente (1998, p. 12)
afirma que:
o computador pode ser usado como ferramenta educacional. [...] o computador não é mais o instrumento que ensina o aprendiz, mas a ferramenta com a qual o aluno desenvolve algo, e, portanto, o aprendizado ocorre pelo fato de estar executando uma tarefa por intermédio do computador.
Essa forma de utilizar o computador foi introduzida no trabalho
com os alunos de 1a à 4a série, quando, no retorno a Salvador, após
inúmeras discussões com os diretores da escola e os professores das séries
envolvidas, foi criado um “ modelo” de projeto que trabalhava os conteúdos
disciplinares, com o auxílio de recursos tecnológicos (colocados sempre à
disposição dos alunos). Foi escolhida a disciplina Ciências Naturais como
gerenciadora do projeto, uma vez que, através dela, poderiam ser
trabalhados os conteúdos previstos para as outras disciplinas componentes
da matriz curricular (Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia,
Artes e Educação Física) e também conceitos físicos e químicos que já faziam
parte do cotidiano do aluno, sendo possível fazer as intercalações
necessárias. A 1a série do ensino fundamental foi a escolhida para
implantação do projeto no primeiro ano (no ano seguinte foi implementado
na 2a, 3a e 4a séries). A partir da escolha da série e da disciplina, foi
selecionada a idéia organizadora adequada à idade e realidade do aluno.
Uma idéia organizadora, segundo Chen (1994, p. 6) é
estruturada como uma pergunta ou declaração que reflete o conceito abrangente e fornece uma estrutura unificadora para as seqüências de experiências de aprendizado relacionadas em diversas disciplinas. A idéia organizadora fornece também a armação para que os alunos manifestem seus traços vitalícios de aprendiz, numa demonstração culminante de aprendizado do mundo real.
Baseado nesse conceito, foi escolhido o tema Seres Vivos, que
congregava novos assuntos, conhecimentos anteriormente adquiridos,
curiosidade, motivação para o desempenho da pesquisa e rigor científico.
Integrar um tema tão instigante nas diversas áreas do conhecimento não
constituiu uma tarefa difícil. Assim, foram definidas as atividades que
poderiam ser propostas nas disciplinas, possibilitando uma integração maior
entre essas. O material didático adotado para a série foi adaptado e, a partir
daí, escolhidos os recursos tecnológicos e os softwares educativos. Foi,
então, montada uma sala de aula específica, composta de recursos
tecnológicos – TV, vídeo, som (toca-fitas/cd/rádio), computadores, fitas de
vídeo com assuntos relativos aos projetos, retroprojetor, tela, livros, blocos
de montar e materiais como massa de modelar, tintas e papéis de tipos
diversificados. Eis a sala criada:
O que surgia de novo nessa proposta era a possibilidade de o
aluno, e/ou equipe, escolher o recurso que iria utilizar para trabalhar os
conteúdos do projeto. Diariamente, o aluno (ou equipe composta de, no
máximo, quatro componentes) tinha o compromisso de entregar à
professora uma nova produção (texto, roteiro do vídeo assistido, história
recontada, construção com blocos, enfim o que o aluno escolhesse)
elaborada na sala. Dentre os recursos existentes nessa sala, encontravam-se
kits de um “brinquedo” (Lego) composto de peças e blocos para montar, que
estavam sendo lançados no mercado com objetivos pedagógicos e eram
comercializados exclusivamente para instituições de ensino. Foram
adotados, para esse Projeto, dois modelos de kits:
♦ ciência e tecnologia na infância – próprio para crianças entre 6 e 8 anos
de idade (1a e 2a séries) – com 99 peças, incluindo engrenagens, alavancas,
Figura 2 – Alunos trabalhando no Projeto de Integração Curricular numa “sala de aula centrada no aluno” (Colégio Nobel, SSA, 1997).
polias, rodas, eixos, estruturas e sete lâminas contendo sugestões de
atividades, com instruções para construção de modelos diferentes;
♦ mecanismos simples e motorizados – próprio para crianças a partir de 8
anos (3a e 4a séries) - contendo 219 peças entre engrenagens, rodas, eixos,
polias, correias, etc. e cartões com sugestões de atividades e instruções para
exploração de conceitos.
A observação e o registro diário do trabalho dos alunos, realizados
pelos professores, e a opinião de 212 alunos envolvidos no projeto, durante o
ano de 1999, indicavam a “aceitação” das peças e blocos de montar para
execução do trabalho. Um levantamento feito sobre o grau de preferência dos
recursos colocados à disposição dos alunos, para a produção individual ou
coletiva, e das atividades, através das quais poderiam “demonstrar”
conhecimentos adquiridos sobre os assuntos estudados no Projeto, apontou
o “brinquedo” composto de peças e blocos para montar (brinquedo LEGO) e o
computador como preferidos pelos alunos (ver Tabela 1, em anexo A).
Durante todo o tempo de execução do Projeto de Integração Curricular, os
alunos foram observados, e essas observações registradas em relatórios. O
fato dos alunos estarem criando modelos motorizados, explicando como
chegavam à compreensão do seu funcionamento e testando suas hipóteses,
percebido através da análise criteriosa dos relatórios, instigou a necessidade
de se buscar um outro caminho para dar continuidade ao trabalho já
desenvolvido com os alunos da 4a série e que estavam sendo “promovidos”
para a 5a série. Surge daí a introdução da Robótica Pedagógica, com a
intenção de incluir o “trabalho mental”, através de um recurso tecnológico
que tem como base a utilização da lógica para funcionamento de modelos
criados, com alunos de 10 a 14 anos.
O primeiro passo para a introdução dessa inovação foi a escolha do
professor (o que não foi uma tarefa fácil!). O segundo, a capacitação desse
professor e das coordenadoras pedagógicas do ciclo (5a à 8a série do ensino
fundamental). Após essa capacitação, foi discutida a melhor forma de
trabalhar com a Robótica Pedagógica. Seria necessário criar um espaço de
aula diferenciado, com uma duração temporal maior do que o dedicado às
outras disciplinas, uma vez que os alunos iriam discutir o modelo a ser
construído, programá-lo, testá-lo e registrar as conclusões a que chegassem.
Para que a carga horária estabelecida na matriz curricular da 5a à 8a série
não diminuísse, a Robótica Pedagógica passou a ser oferecida em horários
do turno oposto ao das aulas das outras disciplinas. No primeiro ano, com
exceção da 5a série, os alunos das 6a, 7a e 8a séries foram divididos em
quinze grupos de, no máximo 24 alunos, independente da série cursada,
uma vez que todos os alunos estavam iniciando o trabalho com a Robótica
Pedagógica. Os alunos da 5a série foram divididos em quatro turmas de 20,
mantidos juntos pela própria especificidade da série. Tornou-se necessária a
construção do laboratório que, além de mobiliário especial e computadores,
necessitava de kits de montar (peças e blocos desmontáveis) que
possibilitassem uma interface com o computador. Um kit (LEGO) composto
de quatro possibilidades iniciais de construção: uma casa, um inseto, um
carro e um sistema de contagem de jogos foi o escolhido. No total, somavam
uma média de 2000 peças, entre eixos, polias, rodas, motores, sensores que
flexibilizavam inúmeras outras construções e um mini- computador
programado (RCX) através de um software instalado (Robolab) num PC que
lhe envia a programação através de um transmissor infravermelho. A partir
daí, foi introduzida formalmente a disciplina Robótica Pedagógica para
todos os alunos do ensino fundamental (5a à 8a série). Para minha surpresa,
já no terceiro bimestre (quinto mês) de trabalho com a Robótica
Pedagógica, os alunos recusavam-se a desenvolver os projetos
preestabelecidos (em manuais ou sugeridos pelo professor) e partiam
para a criação de projetos próprios. No primeiro ano de oferecimento da
disciplina, chamou-me a atenção a forma como os alunos participavam da
aula e a preferência que demonstravam. Mesmo sendo a disciplina oferecida
em turno oposto ao das aulas das outras disciplinas, não existia percentual
significativo de faltas, muito menos registro de questões disciplinares
(comportamentais). Em um levantamento realizado em 2001, através de um
formulário escrito, no qual 76 alunos da 5a série colocaram as disciplinas da
matriz curricular na ordem de preferência, justificando, inclusive, o porquê
da escolha, a Robótica Pedagógica apresentou um percentual elevado
de aceitação, estando localizada entre as três primeiras disciplinas preferidas
(ver Tabela 2, em anexo A). Apenas ultrapassava a Robótica Pedagógica na
preferência dos alunos, a disciplina Serviço de Orientação Educacional (ver
Tabela 3, em anexo A).
Os motivos alegados para a preferência pela Robótica Pedagógica
são variados: gostar do professor, ser uma aula diferente, a possibilidade de
construírem objetos, enfim uma gama de respostas que analisarei no bloco
referente a aprendizagem através da Robótica Pedagógica. Entrevistas
realizadas com os alunos, nesse período, indicavam a mesma aceitação e o
quanto gostavam da disciplina, inclusive, apontando o que aprendiam.
Para ilustrar essa afirmação, apresento uma entrevista9 realizada com um
aluno da 5a série, no ano de 2001. Para preservar a identidade dos
alunos entrevistados, atribuí-lhes nomes fictícios10.
Pesquisadora - O que você mais gosta de fazer em Robótica Pedagógica?
AMX3 - Programar e montar. Pesquisadora - O que você faz na programação? AMX3 - Eu faço o que a gente está pensando em fazer no nosso projeto, como a gente quer que fique, a gente tem que colocar isso na programação, ou seja, eu quero que o robô faça tal coisa, coloco lá na programação, da minha maneira. Pesquisadora - Você trabalhou sempre na mesma equipe? AMX3 - Sempre, sendo que a equipe cresceu e está com sete componentes. Pesquisadora - Por quê? AMX3 - Tem entrado gente na turma de quarta-feira, na turma 1; aí, a nossa equipe era a mais vazia e agora é a mais cheia. Pesquisadora - Você já executou todas as funções11 dentro da equipe? AMX3 - Executei todas as funções. Pesquisadora - Qual o seu último projeto? AMX3 - Nosso último projeto foi corrida com engrenagem. A gente montou um carro com um conjunto de engrenagem e procuramos saber qual a velocidade dele para colocar no relatório. Pesquisadora - E conseguiu que ele funcionasse? AMX3 - Conseguimos que ele funcionasse e descobrimos que nosso carro corria 6km/h. Pesquisadora - Você acha que o que você aprendeu na Robótica Pedagógica lhe ajudou nas outras disciplinas na sala de aula? AMX3 - Me ajudou na parte lógica; o professor fazia algumas coisas na lógica, assim me ajudou tanto na classe como em atividades fora da classe como jogar quebra cabeças; eu raciocíno, coloco aqui, aqui e aqui [o aluno respondeu utilizando os dedos para mostrar como fazia com as peças]12 ou então um jogo, por exemplo, de vídeo-game, RPG, aquilo mais difícil eu raciocino, dá pra fazer isso, isso e isso [novamente mostrando com as mãos]. Pesquisadora - Você conseguiu trabalhar em equipe no laboratório de Robótica Pedagógica? AMX3 - Consegui. Pesquisadora - E você trouxe essa experiência do laboratório de Robótica Pedagógica para a sala de aula, nas outras disciplinas? AMX3 - Trouxe. Pesquisadora - Você acha que ajudou em alguma coisa? AMX3 - Ajudou bastante.
9 Transcrição editada de um fragmento de seqüências de entrevistas registradas em fita cassete, realizadas no período de maio e junho de 2001. 10 Através da probabilidade, utilizei 3 letras e 1 dígito para criação dos nomes fictícios. Segui o modelo de nomes de robôs utilizados em filmes de ficção científica. 11 Os alunos trabalham em equipe na construção dos projetos. Cada um deles assume uma função diferente na equipe em cada aula: coordenador de programação, design virtual, especialista em comunicação, especialista em design físico, especialista em materiais, especialista em informação. Essas funções serão explicitadas no capítulo referente a aprendizagem através da Robótica Pedagógica. 12 Explicação dada pela pesquisadora a fala do entrevistado. Essas explicações, quando necessárias, serão colocadas entre [ ].
Pesquisadora - Qual foi o projeto que você mais gostou de fazer este ano? AMX3 - A corrida de engrenagem.
Nas respostas do aluno, pude verificar a liberdade com que as
atividades se desenvolviam, possibilitando criação, independência e
autonomia. O senso de participação em equipe e necessidade de
conhecimentos oriundos de outras áreas também (como é o caso específico
de velocidade, que não é conteúdo trabalhado de forma sistemática até esta
série). O aluno encontra relações entre o estudo da Robótica Pedagógica e
atividades que realizava em ambientes fora da escola.
Após quatro aulas de Robótica Pedagógica, no primeiro bimestre,
utilizadas para apresentação de conceitos básicos e necessários à construção
dos projetos, foi aplicado um problema de lógica pelo professor, na própria
aula, para as quatro turmas formadas pelos alunos de 5a série, alcançando
resultados não satisfatórios em duas turmas. O grupo 1 obteve 74% de
acerto; o grupo 2, 57% de acerto; o grupo 3, 54% de acerto e o grupo 4, 53%
de acerto . O problema apresentado dizia o seguinte:
Cães amestrados
Lúcio, Márcio e Ricardo são donos, cada qual, de um cachorro amestrado. Cada
cachorro é capaz de realizar um truque com perfeição. Com base nas informações que
fornecemos, tente descobrir o nome de cada cachorro, o truque que cada um deles é
capaz de fazer, o nome de seu dono. Bob sabe fingir-se de morto. O cachorro de
Márcio foi treinado para pular obstáculos. O dono de Bingo não é Márcio nem Ricardo.
Donos: Lúcio, Márcio, Ricardo. Cachorros: Bingo, Bob, Jack. Truques: morto, bola,
pular.
Dono Cachorro Truque Lúcio Márcio Ricardo
No final do segundo bimestre, um novo problema de lógica foi
apresentado aos quatro grupos. O problema era similar e continha a mesma
quantidade de proposições. Eis o segundo problema aplicado:
O rendimento alcançado foi superior a 80%, em todos os grupos.
As condições eram as mesmas: proposto pelo professor, retirados do mesmo
tipo de publicação (revistas Coquetel) aplicado na própria aula de Robótica
Pedagógica e com a possibilidade de responder utilizando uma tabela.
Durante todo o primeiro semestre 2001, observei aulas e conversei
com alunos sobre o que faziam nas aulas de Robótica Pedagógica. No final
do semestre, entrevistei13 o professor. Queria ouvi-lo formalmente:
13 Entrevista realizada em 17 de junho de 2001.
Faça você mesmo!
Diogo, Luís e Ramiro são dessas pessoas extremamente habilidosas. Por isso, em
vez de gastar dinheiro pagando alguém para fazer o que queriam, cada um deles
consultou uma publicação diferente para orientar o trabalho que eles pretendiam
fazer. Com base nas dicas abaixo, tente descobrir que tipo de publicação cada um
consultou e o que cada um pretendia fazer por si mesmo.
1. Diogo leu as instruções de um website para construir um barco.
2. Luís não pretendia fazer seus próprios móveis.
3. Um dos homens consultou uma revista especializada para fazer seu jardim.
Publicação Objetivo
Livro Revista Website Barco Jardim Móveis
Diogo Luís
Nome
Ramiro Barco
Jardim Objetivo
Móveis
Pesquisadora - Como tem sido o desenvolvimento dos alunos de 5a série, no que concerne a: a) Montagem do relatório14 Professor - Eles são bastante exigentes na confecção do relatório e preocupam-se quando algo não ocorre bem durante a execução do experimento. Pesquisadora – b) Montagem das peças/modelos Professor – Em toda montagem que é acompanhada de manual, eles se saem bem; só apresentam dificuldades quando precisam elaborar a construção. Pesquisadora – c) Programação Professor - Por estarem programando seqüencialmente, tarefa por tarefa, as dificuldades são poucas, sempre todos os grupos conseguindo executar os desafios. É preciso cuidar apenas das trocas entre programadores e montadores, pois existe uma forte tendência à acomodação de tarefas. Pesquisadora - Como é a participação, de uma forma geral, nas aulas de Robótica Pedagógica? E a freqüência? Como você controla a freqüência? E o desempenho do aluno, como é acompanhado/registrado? Professor - A participação é excelente, com bastante entusiasmo. Idem para a freqüência. O desempenho é acompanhado no grupo; individualmente apenas quando detectada a acomodação em alguma tarefa ou nas provas. Pesquisadora – Em que fase de programação/tipo de projeto os alunos encontram-se agora? Professor – Programam seqüencialmente (tarefa após tarefa, um máximo de duas tarefas) com condicionais simples de sensores de toque ou tempo. Pesquisadora – Existe diferença de desempenho entre os alunos que já trabalharam com a Robótica Pedagógica no ano anterior15 e os que não trabalharam? Professor – Sim, os que já trabalharam no ano anterior já tiveram acesso às peças e conhecem muito mais recursos de programação. Os novos estão ganhando “bagagem” para que a partir daí possam desenvolver seus projetos. Pesquisadora – Existe diferença no desempenho entre os alunos que usam computador ou mesmo gostam de jogos eletrônicos e os que não os utilizam? Professor – São raros os alunos que apresentam dificuldade por não usarem o computador. Os que costumam jogar têm a característica de experimentar constantemente até atingir o objetivo e, mesmo depois de o atingirem, continuam a fazer alterações nos robôs e nas programações para ver o que acontece. Pesquisadora – O que seus alunos podem fazer agora (já observado por você) e que não podiam fazer no início do curso? Professor – A maior mudança ainda não aconteceu no conteúdo da programação. Hoje eles sabem que o robô vai executar aquilo que for mandado, exatamente como foi escrito no programa. As maiores mudanças aconteceram neles em parar para escutar o colega, em saber que a opinião de todos é importante e na divisão das tarefas.
14 Ao finalizar a construção e programação do robô, o grupo apresenta um relatório escrito narrando o que fez, o que concluiu e como chegou à conclusão e as dificuldades encontradas. 15 Refiro-me aos alunos do ano 2000, quando foi implantada a Robótica Pedagógica. Iniciei o trabalho de pesquisa sistemática quando fui aprovada na seleção para o Mestrado em 2001.
Pesquisadora – Você considera importante os professores das demais disciplinas serem capacitados e entenderem o trabalho que está sendo feito? Professor – Sim. Todas as vezes que converso com os professores, sempre surgem boas idéias para projetos. Embora tenhamos uma infinidade de recursos, é preciso adequar cada projeto ao nível dos alunos. Pesquisadora – Como você avaliaria a disciplina Robótica Pedagógica na matriz curricular? Professor – De grande importância, não só por estar capacitando o aluno para enfrentar um mercado de trabalho muito próximo (há algum tempo o computador era visto como um absurdo), como também nas relações de trabalho, interação, participação, convívio e respeito.
Nas respostas apresentadas, fica clara a participação dos alunos
nas aulas. Os alunos já trabalham utilizando condicionais e sensores de
toque e tempo e a experimentação para atingir os objetivos previstos é
necessária. O trabalho em equipe é citado pelo professor como a
aprendizagem mais importante nesses dois primeiros bimestres,
possibilitando o desenvolvimento de habilidades interpessoais.
Atendendo à sugestão do professor, foi realizada, no final do ano
letivo de 2001, uma oficina com duração de 16h/aula, com os professores de
5a à 8a série do ensino fundamental, das outras áreas do conhecimento, a
fim de fazê-los vivenciar o processo de construção de projetos como se
fossem os alunos. Essa iniciativa desencadeou a discussão de novas idéias
de integração entre os conteúdos estudados nas diversas disciplinas e a
Robótica Pedagógica, possibilitando a construção de modelos com
conteúdos das áreas de Ciências e Matemática.
O estudo sistemático da utilização de um novo instrumento
tecnológico que possibilite a construção do conhecimento por parte dos
alunos faz-se bastante necessário, uma vez que estamos vivenciando um
momento de transição na educação. Um momento em que o passado, o
presente e o futuro andam juntos, entrelaçados. Não deixamos de lado os
conhecimentos provenientes do passado porque eles alicerçam, de alguma
forma, as nossas práticas atuais responsáveis pela formação da geração
futura. Há, pois, a necessidade de se redefinir o papel e a incumbência da
escola na formação de crianças e jovens para lidar com as exigências do
mundo contemporâneo. Para Carbonell (2002, p. 15): A escola está em crise. Na realidade, sempre esteve. Muitas
foram as análises, de diferentes perspectivas, que prognosticaram seu iminente desmoronamento ou uma morte em câmara lenta; mas essa instituição, assim como a Igreja, mantém uma rara e enorme capacidade de sobrevivência, ape sar de suas múltiplas disfunções e de sempre ter ido a reboque das mudanças sociais, tecnológicas e culturais.
Fróes, analisando o contexto científico/tecnológico atual, chama
atenção para o repensar a escola à luz dessas novas configurações. Diz a
autora (2000, p. 284):
A escola – espaço socialmente instituído para promover a educação formal – torna-se alvo de críticas de diversos grupos sociais que alegam não estar a mesma cumprindo o complexo papel que lhe foi consignado, incluindo a socialização do saber historicamente produzido, a construção pessoal do conhecimento, a formação para o trabalho e a produção de identidades coletivas, em especial a de indivíduos que, vivendo em sociedade, (con)formam a cidadania. Descontentes com o vazio político-epistemológico da escola formal [...], diferentes setores da sociedade articulam-se para criar novas alternativas, seja para a educação e a formação inicial de seus membros – na forma de cursos supletivos, escolas comunitárias, profissionalização através do Sistema S (Senai, Senac...) – seja para a sua complementação – oferecendo suporte, preenchendo lacunas, provendo possibilidades de formação continuada através de cursos livres (línguas estrangeiras, informática, música...), atividades desportivas e artísticas (academias, oficinas, clubes...) e, mais recentemente, iniciativas para as faixas etárias mais elevadas, significativamente intituladas universidades (livres, da terceira idade...). Espalhada pelos mais imprevisíveis lugares da sociedade, uma multiplicidade de espaços de aprendizagem (institucionais ou não) começa a ter visibilidade e a se impor como socialmente relevante.
Como [re]inventar essa escola em crise, como fala Carbonell? Como
repensar a escola falada por Fróes, para que “volte” a cumprir o papel de
formação do aluno, tornando-o cidadão do mundo? Questionamentos
referentes à linearidade da ciência e um mundo imerso em tecnologia
tornam necessária a transformação da educação. Muitos educadores
(Sacristán, 1998; Coll, 1997; Gadotti, 2000; dentre outros) têm discutido
novas e diferentes formas de “ensinar e aprender”, de como tornar o
conteúdo trabalhado significativo e próximo da realidade do aluno,
sinalizando-se a necessidade de mudanças/transformações estruturais da
prática pedagógica, principalmente depois da chegada das tecnologias de
base informática/telemática à escola. Por outro lado, as escolas precisam
acompanhar essas discussões, uma vez que seus alunos, normalmente,
vivem em constante interação com “games” e Internet, utilizando
continuamente televisão, vídeo e computadores, dentre outros recursos
midiáticos, a fim de que possam compreender os efeitos trazidos por esses
meios ao processo de aprendizagem e aos novos processos cognitivos que
possam se formar e/ou estejam se formando, modificando a forma como
ensinam e também transformando-se em instituições capazes de aprender.
Surge uma nova era marcada pelo advento da tecnologia
informática, um mundo interligado por meios comunicacionais cada vez
mais poderosos e potentes. Para Toffler (1999, p. 23):
Uma nova civilização está emergindo em nossas vidas e por toda a parte há cegos tentando suprimi-la. Esta nova civilização traz consigo novos estilos de família, modos de trabalhar, amar e viver diferentes; uma nova economia; novos conflitos políticos; e, além de tudo isso, igualmente uma consciência alterada. Fragmentos desta civilização já existem. Milhões de pessoas já estão sintonizando suas vidas com o ritmo de amanhã. Outros, aterrados diante do futuro, estão empenhados numa fuga inútil para o passado e tentam restaurar o mundo moribundo que lhes deu o ser.
A alvorada desta nova civilização é o fato mais explosivo das nossas vidas.
É o evento central – a chave para compreender os anos imediatamente à frente. É um evento tão profundo como a Primeira Onda de mudança, desencadeada há dez mil anos pela descoberta da agricultura, ou o terremoto da Segunda Onda de mudança, provocado pela revolução industrial. Somos os filhos da transformação seguinte, a Terceira Onda.
Estamos tateando à procura de palavras para descrever a potência e o alcance totais desta mudança extraordinária. Alguns falam de uma Idade Espacial, de uma Idade de Informação, de uma Era Eletrônica ou de uma Aldeia Global que se anuncia.
E essa aldeia global tem possibilitado o desabrochar de uma nova
geração completamente diferente da nossa e mais longe da anterior, de
nossos pais. Mafalda, personagem criada por Quino16, na sua total
irreverência, mostra, de forma clara, essa diferença nas suas histórias
contadas através de tiras em quadrinhos:
Figura 3 – Mafalda e a solicitação de uma TV. Fonte: Quino, 1993, p. 4.
E pensar que Mafalda “nasceu” em 1963, na geração intitulada de
Baby Boomer (nascidos entre 1946 e 1964). Para Tapscott, os Baby Boomers
tornaram-se a geração TV. Segundo o autor (1999, p. 17),
16 Quino é desenhista e considerado um dos melhores humoristas argentinos. Mafalda foi criada para uma agência para servir de publicidade “disfarçada” numa propaganda para uma firma de eletrodomésticos. Os protagonistas deveriam pertencer a uma família de classe média e seus nomes deveriam fazer alusão à marca dos eletrodomésticos. Mafalda não foi utilizada na campanha por não ter sido aceita pelo cliente da agência. Foi arquivada e utilizada um ano mais tarde quando “Primeira Plana, na época, o mais importante semanário da Argentina, solicita a Quino uma colaboração regular ‘satírica, mas que não se limite às habituais vinhetas’ Ele retoma então a idéia da menina atrevida, o elemento mais vigoroso do projeto arquivado no ano anterior”. (QUINO,1993, p. X). Hoje, Mafalda ainda é um sucesso.
Os boomers poderiam ser chamados de geração Guerra Fria, geração prosperidade pós guerra, geração economia crescente, ou de acordo com qualquer outro desenvolvimento na sociedade que os afetasse Entretanto, mais do que qualquer outra coisa, foi o impacto de uma revolução nas comunicações – a ascensão da televisão – que moldou essa geração e seu mundo.
A ascensão da TV foi tão rápida e abrangente que não se concebe
alguém que não tenha o referido aparato. Mafalda que o diga...
Figura 4 – Mafalda sem TV: um animal raro. Fonte: Quino, 1993, p. 3.
E Mafalda, enfim, consegue realizar o seu sonho: ter uma TV. Ela
ilustra, de forma bem humorada, a diferença entre essas gerações:
Figura 5 – Mafalda e a utilização da TV. Fonte: Quino, 1993, p. 23.
Ao afirmar que “[...] minha dor é perceber que, apesar de termos
feito tudo o que fizemos ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais
[...]”17 Belchior18 não poderia imaginar a revolução por que passaria essa
nova juventude, que desconhece os hábitos dos avós, ou mesmo, dos pais
considerados ‘ultrapassados’. Nunca foi tão evidente a crise existente entre
duas gerações que se seguem, num espaço temporal relativamente curto: a
nossa geração nascida entre os anos 60 e 70, sob a égide da TV,
protagonista de uma revolução social que valorizava o rock’n’roll, as drogas e
o amor livre - e que hoje assume o comando – e os seus filhos nascidos a
partir dos anos 80, já cercados pela mídia digital, que reconhecem a
informação como forma de poder. Rushkoff (1999, p. 9) ratifica essa posição
ao dizer que:
O grau de mudança a que as três últimas gerações se subm eteram se compara com o de espécies em mutação. O “screenager” moderno – a criança nascida numa cultura mediada pela televisão e pelo computador – interage com seu mundo de maneira tão dramaticamente diferente da de seu avô quanto a primeira criatura dotada de visão com relação ao ancestral cego, ou a criatura alada com relação aos antepassados presos à terra.
Essa modificação na estrutura das gerações é atribuída ao rápido
desenvolvimento tecnológico que vem modificando substancialmente a vida
da sociedade atual. Para Rushkoff (1999, p. 8-9):
[...]Somos todos imigrantes nesse novo país. Nosso mundo está mudando tão rapidamente que não conseguimos notar as diferenças, muito menos enfrentá-las. Seja chamada em espera, MTV, dinheiro digital ou a lógica fuzzy, somos bombardeados todo dia por um número crescente de palavras, artefatos, idéias e acontecimentos que não entendemos. Numa escala mais ampla, as instituições culturais das quais passamos a depender – religião organizada, nossos líderes e heróis, a organização da medicina, empresas que nos empregam, os Estados nacionais e até mesmo a família – parecem ter
17 Fragmento da letra da música Como Nossos Pais composta em 1974 por Antônio Carlos Belchior. 18 Compositor e músico brasileiro.
desmoronado sob o próprio peso e tudo isso no espaço de poucas décadas. Sem sair do lugar, viajamos mais longe que qualquer geração na história.
As transformações pelas quais o mundo vem passando são
irreversíveis. Redes de Computadores, Internet, Correio Eletrônico, Faxes, TV
a cabo estão alterando definitivamente a rotina diária do ser humano. Em
um mundo globalizado, onde as distâncias geográficas deixam de ter
importância, em decorrência do advento de tecnologias comunicacionais,
onde o “arsenal” tecnológico comanda determinados setores da sociedade
‘industrializada’, onde o aumento do desemprego estrutural é uma realidade,
onde a automação em diversos setores já se faz presente e constante, urge
pensar formas de educar que atendam às necessidades e especificidades
dessa nova era. Kenski (2003, p. 24-25) analisa essa era da seguinte forma:
Estamos vivendo um novo momento tecnológico. A ampliação das possibilidades de comunicação e informação, por meio de equipamentos como o telefone, a televisão e o computador, altera a nossa forma de viver e de aprender na atualidade.
Antigamente as pessoas saíam às ruas ou ficavam à janela de suas casas para se informarem sobre o que estava acontecendo nas proximidades, na região e no mundo. A conversa com os vizinhos e os viajantes garantia a troca e a renovação das informações. Na atualidade, a “janela é a tela”. [...]. Pela tela da televisão é possível saber de tudo o que está acontecendo em todos os cantos, desde as mais longínquas partes do mundo até nossas redondezas. De nossa sala, por meio da televisão ou do computador, podemos saber a previsão do tempo e o movimento do trânsito, informarmo-nos sobre as últimas notícias, músicas, os filmes e livros que fazem sucesso e muito mais. Podemos interagir com pessoas e instituições de todo o mundo.
O que é veiculado pelos programas televisivos passou a orientar nossas vidas. Pessoas de todas as idades, condições econômicas e de todos os níveis intelectuais começaram a viver “ligadas na televisão”. Algumas pessoas chegaram no limite: trocaram de lado. Assumiram em suas vidas valores, hábitos e comportamentos copiados dos personagens de televisão. Viraram também “personagens”. Não conseguem mais viver distantes da televisão e assimilam acriticamente de tudo o que é ali veiculado. [...]
[...]Da mesma forma, todas as formas de interação proporcionadas pelos computadores – principalmente quando ligados à Internet – geram transformações explícitas no comportamento dos seus usuários.
As mídias, como tecnologias de comunicação e de informação invadem o cotidiano das pessoas e passam a fazer parte dele. Para seus freqüentes usuários, não são mais vistas como tecnologias, mas como complementos, como companhias, como continuação de seu espaço de vida.
Por meio do que é transmitido pela televisão, ou acessado pelo computador, as pessoas se comunicam, adquirem informações e transformam seus comportamentos. Tornam-se “teledependentes” ou “webdependentes”, consumidoras ativas, permanentes e acríticas do universo midiático.
Blades (1999, p. 35-36) defende a idéia de que as tecnologias do
século XXI trarão um grande efeito para a educação, quando afirma:
O século XXI verá o surgimento de tecnologias que irão desafiar as premissas fundamentais dos nossos atuais sistemas de educação. Dada a resistência da educação em se modificar [...] os sistemas existentes continuarão a aceitar a inovação tecnológica utilizando-se da estratégia de incrementar o que já existe. Esse processo funcionou com relação a algumas inovações como videoteipes, projetores e fotocopiadoras. Mas as tecnologias que surgirão no século XXI trarão um efeito maior para a educação. Neste século, a mudança tecnológica nos forçará a repensar o que significa educar a próxima geração de cidadãos. Se formos incapazes de responder a essas mudanças, criando um novo currículo para o século XXI, a educação irá se desintegrar com a crescente obsolescência. Três tecnologias em particular – ainda virão outras que não podemos prever – forçarão a elaboração desse novo currículo: andróides, clones e computadores.
É necessário preparar essa nova geração que surge para conviver
com essas tecnologias, mesmo tendo consciência de que nem todos os jovens
têm acesso a elas, ou mesmo estão inclusos, e a utilizarão (pelo menos de
imediato). No que se refere à Internet, por exemplo, apesar do Brasil ocupar,
em 2003, o 9o lugar em número de hosts19, (ver Tabela 4, em anexo A) ainda
assim são muitos os “excluídos” tecnológicos, ou melhor, analfabetos
tecnológicos.
Tajra (2002, p. 21), ao analisar a situação do Brasil, estima que em
2000 existiam: 11 milhões de usuários de Internet, o que corresponde a 6,55% do
19 Na prática, [...] qualquer computador que esteja conectado a uma rede e envie informações para outro computador. In.: MINIDICIONÁRIO de informática. São Paulo: Saraiva, 1999.
total da população do País. Dos 11 milhões que possuem acesso à Internet, 4180 milhões pertencem à classe A, 5610 milhões pertencem à classe B e apenas 1210 milhões às classes C, D e E.
A situação fica mais gritante quando se refere às escolas de ensino
fundamental e médio ligadas à rede. A referida autora (2002) afirma,
baseada em dados divulgados pelo Jornal Folha de São Paulo de 12 de
agosto de 2001, que, das 181.594 escolas de ensino fundamental, apenas
6,7% estão conectadas à Internet; das 19.456 escolas de ensino médio, 35%
estão conectadas à Internet. Essas informações estão contidas no livro
verde20 da Sociedade da Informação no Brasil21, capítulo 4, dedicado à
“Educação na Sociedade da Informação” (2000, p.50-51):
A maioria das escolas brasileiras não está ainda conectada à Internet. De acordo com o último censo escolar do MEC, em 1999, apenas 7.695 escolas (3,5% do total de escolas de educação básica) possuíam acesso à rede mundial de computadores, das quais 67,2% são particulares. Ou seja, há conexão com a Internet para alunos de apenas 2.527 das 187.811 escolas públicas brasileiras. O censo revela ainda que cerca de 64 mil escolas do País não tem energia elétrica – 29,6% do total – e que menos de 11 em cada 100 estabelecimentos dispõem de equipamentos para atividades pedagógicas, como laboratórios de ciências ou de informática. Menos de um quarto (23,1%) das escolas possui biblioteca. O mesmo censo aponta que as escolas particulares são muito mais equipadas do que as públicas, seja em presença de computador, conexão à Internet, laboratórios de ciências, bibliotecas ou acesso à energia elétrica e água.
Os números mostram o quanto a educação escolar está afastada
da chamada “Sociedade do Conhecimento ”. Uma preocupação muito maior
refere-se ao grande número de brasileiros analfabetos. “Segundo dados do
MEC, o País tem cerca de 19 milhões de analfabetos absolutos acima de 15
anos e 35 milhões de analfabetos funcionais22, jovens e adultos”23. Na Bahia,
20 Organizado por Tadao Takahaski; tem como objetivo divulgar as ações a serem implementadas pela Sociedade da Informação no Brasil (SOCINFO). 21 Programa Sociedade da Informação - criado em dezembro de 1999 conforme Decreto no 3.294 (Ministério da Ciência e Tecnologia). 22 Pessoas que mesmo sabendo ler e escrever, não desenvolveram a habilidade da compreensão do que lêem, não satisfazendo às demandas do dia-a-dia. 23 EDUCAÇÃO treina alfabetizadores. Jornal A Tarde, Salvador, Bahia, 9 jan. 2003.
“segundo dados preliminares do Censo Escolar de 2002, realizado pela
Secretaria Estadual de Educação, na faixa etária de 25 a 49 anos, 20,5% da
população é formada por analfabetos. Entre as pessoas a partir de 50 anos,
o número sobe para 47,9%”.24 A Bahia ocupa o 6o lugar entre os estados que
não têm acesso ao computador. Segundo dados do censo do IBGE, “apenas
4,61% da população pode ser considerada incluída no mundo da
informática”.25
Por outro lado, a tecnologia não é neutra e pode trazer algumas
conseqüências consideradas graves. Para Tapscott (1999, p. 9):
Poucas tecnologias são isentas de valores. A televisão trazia mensagens fortes que ajudaram a moldar a visão de uma geração a respeito do mundo. Quando os boomers chegaram ao poder, assumiram a mídia e perpetuaram sua própria ideologia. A nova mídia, devido à sua natureza distribuída, interativa e de -muitos-para-muitos, tem maior neutralidade. Um novo conjunto de valores está surgindo à medida que as crianças passam a comunicar-se, brincar, aprender, trabalhar e pensar com a nova mídia. Como nunca ocorreu antes, toda uma geração está começando a aprender. Chame a isso de aprendizado de geração.
Exatamente por não ser neutra, essa geração precisa ser preparada
para ter um olhar crítico sobre a mesma. Blades defende a idéia de que
precisam ser desenvolvidas três habilidades básicas, os 3Rs: Razão, Revolta
e Responsabilidade. Razão como a capacidade de “discernir categorias
lógicas”. Segundo o autor (1999, p. 47-49):
[...] Como novas tecnologias continuam a aparecer, o que as nossas crianças necessitam é discernimento em face das novas posições e reivindicações apresentadas pelas novas tecnologias [...]. [...] Na medida em que aumenta a velocidade da inovação tecnológica, as comunidades precisarão ser ricas no seu entendimento da ciência para examinar e lidar com a tecnologia emergente. Um sistema educacional centrado na razão não apenas iria examinar a lógica de afirmativas verdadeiras associadas à tecnologia, mas também encorajaria os estudantes a adotar uma
24 RAMOS, Cleidiana. Bahia tem 20% de adultos analfabetos. Jornal A Tarde, Salvador-Bahia, 6 jan 2003. 25 BARROS, Manoela. Mundo digital é para menos de 5%. Jornal A Tarde, Local, Salvador, 22 jun. 2003.
postura cética em direção às reivindicações sobre o mundo natural insistindo para que essas reivindicações permaneçam abertas à investigação razoável, científica.
A segunda habilidade, segundo o autor (1999, p. 51-52), a ser
desenvolvida é a revolta:
Através do desenvolvimento da capacidade crítica dos estudantes, a revolta desafia as premissas de maneira que tanto complementa como desafia a razão. Na educação, os professores encorajam a habilidade da revolta, convidando os estudantes a desafiar e interrogar todas as formas de compreensão, incluindo os limites da razão. [...]
O espírito de revolta não somente adota uma postura cética em relação aos discursos totalizadores, mas também possui uma preocupação fundamental em relação à experiência humana. A educação, desta forma, também envolveria dividir essas experiências não receptivas à investigação científica, mas reais.
A terceira habilidade seria a responsabilidade que, para o autor
(1999, p. 55):
[...]significa, literalmente, ‘a habilidade de resposta’. Um sistema educacional concentrado apenas nas habilidades de razão e revolta nos levará a uma geração de graduados frustrados. No final, o conhecimento, criatividade e insights desenvolvidos através da razão e revolta apenas serão válidos se levarem a um resultado concreto e prático.
Não são poucos aqueles que apresentam argumentos contrários a
tecnologia, principalmente a TV, pela grande quantidade de violência
mostrada na sua programação e também pelos produtos divulgados através
de comerciais, de forma apelativa, estimulando o seu consumo
(Postman,1999; Setzer, 2001). A Internet é mencionada como um possível
meio de acessar fotos pornográficas, códigos secretos, violação de leis de
segurança, dispersão da atenção e fuga dos estudos. O depoimento de um
adolescente, divulgado por Bucht e Feilitzen (2002, p.42-43)26 demonstra
claramente um dos aspectos negativos comentados. Diz o depoimento do
adolescente:
26 As autoras citam como fonte do depoimento: http://www.unicef.org.voy (setembro de 2001).
“A mídia, seja em livros, revistas, cartazes ou na TV e agora até mesmo em jornais tem um imenso impacto sobre nossa juventude, especialmente sobre as meninas e jovens. Alguns dos aspectos mais óbvios da maneira como a mídia exerce um efeito negativo em nossas jovens são os anúncios, em que mulheres sedutoras vendem cerveja, spray de cabelo e pastilhas de hortelã. Embora muitas das pessoas mostradas nesses anúncios sejam mulheres adultas, a tendência vem-se alastrando para incluir não apenas adolescentes como também meninas pequenas. Uma das estrelas favoritas de nossa nova geração, Brittany Spears, é tantas vezes mostrada vestindo calças justas e camisetas sem alça que raramente uma garota americana consegue passar dois dias sem vê-la. Durante anos, a Barbie foi vista em roupas justas e sensuais, mas, agora, as bonecas feitas para se parecerem com meninas de 4 ou 6 anos estão usando minissaias e miniblusas! De que tratam os programas de televisão para adolescentes e das revistas para as moças e mulheres, e qual é o assunto do dia entre as garotas das escolas primárias e secundárias? Como arranjar um namorado, como se vestir para os garotos, do que os homens gostam na cama, etc.,etc.,etc. Muita gente se pergunta por que razão temos tantas garotas bulímicas e anoréxicas, por que as meninas agora estão fazendo sexo aos 12 anos, por que temos tantos casos de gravidez adolescente e por que as notas escolares das meninas estão piorando. A mídia não mostra meninas, adolescentes e mulheres inteligentes e não promove a idéia de que ‘uma mulher sem homem é como um peixe sem bicicleta’. De maneira que, se vocês me perguntarem ‘a mídia retrata a juventude de maneira correta?’, eu terei que responder: ‘A mídia não retrata a juventude, é a juventude que retrata a mídia’”. Nancilee Swift, 18 anos, Estados Unidos, 17 de dezembro de 2000.
Para Bucht e Feilitzen (2002, p. 20):
A década de 90 pode ser resumida como a década na qual regiões cada vez maiores do mundo passaram a ser inundadas por aparelhos de TV e canais por satélite, e os jogos eletrônicos e os computadores com CD-ROM e conexão com a Internet se disseminaram pelos domicílios de renda elevada.
Frente a essa realidade, um dos grandes desafios da escola é, como
afirma Kenski (2003, p. 25-26):
[...] Viabilizar-se como espaço crítico em relação ao uso e à apropriação dessas tecnologias de comunicação e informação. Reconhecer sua importância e sua interferência no modo de ser e de agir das pessoas e na própria maneira de se comportarem diante de seu grupo social, como cidadãs [...]. Desenvolver a consciência crítica e fortalecer a identidade das pessoas e dos grupos são desafios atuais a ser enfrentados por todos nós, professores.
Splitter e Sharp (1999, p 10-11) na introdução do livro Uma Nova
Educação, definem as angústias relacionadas à educação nesse novo tempo:
Estamos vivendo tempos difíceis. A ameaça de uma guerra mundial pode ter diminuído, mas apesar disso o mundo está assediado por problemas. Há conflitos e descontentamentos em toda parte, ódios étnico e racial vicejam, a distância entre os que “têm” e os que “não têm” é cada vez maior, e ainda existe um longo caminho a percorrer para assegurarmos uma harmonia sustentada entre conforto material e um ambiente saudável.
E como que para exacerbar uma situação já problemática, parece que as instituições, nas quais a humanidade tem tradicionalmente confiado, vêm sendo cada vez mais questionadas. Diz-se que a família está em crise, a religião organizada não vem conseguindo atrair muitos daqueles a quem antes dava apoio, os habitantes de nossas cidades – sempre espalhadas – procuram em vão por um vestígio de comunidade, e o ideal de um Estado verdadeiramente democrático parece mais ilusório do que nunca.
Levando-se em conta tal histórico, não é de se admirar que nossas escolas, também, estejam sofrendo essa pressão. Dentro de nossos sistemas de educação pelo menos, é dito aos professores que eles são o ponto fraco – que é deles a responsabilidade por produzir gerações de jovens desprovidos das habilidades necessárias para se darem bem em um mundo problemático. Em nossa experiência, esse ataque está fora de propósito: a maior parte dos professores trabalha duro e com habilidade e integridade consideráveis, numa profissão seriamente desvalorizada. O problema, de acordo com nosso ponto de vista, está em “o que” e em “como” ensinar, e nas exigências freqüentemente confusas e insensatas impostas por sistemas mais guiados pela política e pela economia do que por imperativos verdadeiramente educacionais. Costuma-se dizer, por exemplo, que o currículo não satisfaz mais as necessidades e os interesses dos estudantes, que ele não é “relevante” e que precisa fornecer caminhos claros desde a aquisição das habilidades “básicas” até o “mundo do trabalho”. A pressão de agentes públicos continua a polarizar o debate político, com um lado exigindo maior acesso à educação e ênfase no treinamento vocacional, e o outro exigindo “declínio” nos padrões e estimulando a retórica familiar de “transmissão de conhecimentos e valores de uma geração para outra”.
Apoiamos aqueles que vêem conhecimento, valores e bom pensamento como ingredientes essenciais para o processo educacional, mas sustentamos que tais ingredientes não são o tipo de coisa que se possa simplesmente transmitir: eles precisam ser construídos, não apenas por cada pessoa de acordo com seu próprio gosto, mas como resultado de uma investigação sistemática e colaborativa.
É primordial a necessidade de construção de conhecimentos,
valores e bons pensamentos, como pontos essenciais a serem trabalhados
pela instituição escolar, como bem colocado pelos autores, principalmente
pela existência de uma estreita relação entre educação e sociedade, uma vez
que a educação é responsável pela formação dos membros de uma sociedade
e, ao mesmo tempo é, por esta, influenciada através de suas
“normas”. Para Libâneo (2001, p. 10):
O impacto das transformações nos sistemas de ensino e nas escolas é direto: alteração no perfil de formação geral e profissional dos alunos, mudanças nos currículos e nas formas de gestão da escola, reavaliação das funções e responsabilidades do professorado, formas de participação das famílias etc. Ou seja, junto com a reestruturação produtiva vêm as reformas educacionais, pois há suficiente base histórica para sabermos que reajustes na realidade econômica e produtiva incidem em alterações no âmbito social, cultural e até pessoal.
É indiscutível a necessidade de se “pensar” formas de educação
para essa nova geração. Geração tão bem caracterizada por Ignácio Loyola
Brandão na sua crônica Adolescentes do ano 200027:
Elas se telefonam, se bipam, marcam encontros e se reúnem nervosas diante da escrivaninha, cadernos e livros, abertos e espalhados. Não devo dizer escrivaninha, é termo da minha adolescência, e entre a minha e a de minha filha se passaram 47 anos, o Brasil mudou, as palavras mudaram. No entanto, alguma coisa permanece imutável. Percebo ao passar pelo corredor, vendo-as no quarto, deitadas no chão, sentadas à escrivaninha, livros e cadernos compulsados sofregamente. Não, não se diz caderno, e sim fichário. Elas estão ansiosas, inquietas. São dias de prova. O clima é o mesmo da minha adolescência. Na aula a atenção se dirigia pouco ao professor. A menos que fosse criativo e soubesse segurar a classe. Se houvesse, como hoje, jovens professores, as meninas gostariam mais. Por que nossos professores pareciam velhos e sisudos? [...] [...]Agora, ali no quarto, as meninas fazem a mesma coisa. Desespero de última hora. Há diferenças. Eu contava com meu caderno e um livro, o indicado pelo professor. Não existiam pesquisas nem onde pesquisar, a biblioteca municipal era pobre. Agora elas dispõem de apostilas, xerox (um roubo), fascículos, enciclopédias, revistas. Comunicam-se por fax, modem, celular. E internet. Tem prova igualzinha no site. Há uma igualdade. A pouca vontade de estudar nessa idade. Santa preguiça, Divina ausência de concentração. Elas falam dos rapazes (em geral, preferem os mais velhos, os da mesma idade são stracnados ou lesados; quer dizer bobocas; cada grupo tem sua gíria), telefonam, combinam a balada, escolhem um bar [...] e passam os olhos por um ponto. Está difícil, voltam a discutir uma tática, uma forma original de, talvez, colar. Mal sabem elas, nos seus 16 anos, que a estratégia de colar é arte aperfeiçoada por séculos.
[...]Há uma diferença entre essa geração e a minha. A atual não recorre aos poderes superiores. Nunca as vi rezando. Nem pondo
27 Fragmentos da crônica Adolescentes do ano 2000 de autoria de Ignácio Loyola Brandão. In.: CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Texto e interação: uma proposta de produção textual a partir de gêneros e projetos. São Paulo: Atual, 2000, p. 204-205.
sobre a mesa santinhos de Santo Expedito ou São Roque. Contam com elas mesmas. Na minha época, dia de exame final, era uma romaria à igreja. Findos os estudos, a vida seria leve. Como supor que o coração jamais descansa? Os santos recebiam com olhar complacente as promessas que, sabiam, seriam esquecidas. As mães protestavam: sem estudo, o santo não ajuda. Nossa lógica: estudando, dispensamos os santos! A igreja era poderosa, catalisadora! Hoje, precisa das aeróbicas do padre Marcelo. Ah, que bom, que mau! Chegamos ao ano 2000 e nada mudou! Mesmo tudo tendo mudado.[....].
Não só as estratégias mudaram. O material escolar
solicitado/exigido pelos alunos aos seus pais também é outro. Não mais
querem os materiais convencionais usados pela geração anterior: cadernos,
livros, lápis, borracha... solicitam também “equipamentos” tecnológicos.
Carlos Drummond de Andrade retrata, numa de suas crônicas28, essa
intensa necessidade...
Equipamento escolar - Pai! O material não tá completo não. - O que? Se eu já comprei livros, apostilas, cadernos, pasta, caixa
de lápis de cor, lápis preto, esferográfica, borracha mole, borracha dura, régua, compasso, clipe, apontador, tudo novo, novinho, por que o material do ano passado está superado, como é que não está completo?
- Cê esqueceu o gravador. - Esqueci nada, rapaz. Vi o gravador na lista e achei que era piada.
Vocês gostam de brincar com a gente. - Brincadeira tem hora, pai. Tô precisando de gravador. - [...]A tiracolo, pai, com alça. Tem um modelo japonês, levinho,
muito bacana. Também se leva na sacola. - Então você quer aparecer no colégio portando gravador porque
está na moda, pois não? - Cê não entendeu lhufas. Gravador faz parte do equipamento
escolar moderno. - Começo a perceber. O professor fala, você grava. Então vamos
jogar na lixeira esses cadernos, esses lápis, essa parafernália inútil.
- Para...o quê? - Fernália. Uma palavra que não existe mas que se aplica neste
caso. - [...] Mas olha aí. Mesmo com gravador, o material ainda tá
faltando. - Não me diga.
28 Fragmentos da crônica Equipamento escolar de autoria de Carlos Drummond de Andrade. In.: MESQUITA, Roberto melo; MARTOS, Cloder Rivas. Português linguagem e realidade. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 116-117.
- Esqueci de botar na lista a minicalculadora. Faz uma falta desgramada na aula de Matemática. [...].
- Pelo que vejo, o Brasil contará com grandes matemáticos no futuro.
- Tá debochando? Sem calculadora, como é que a gente vai calcular? Resolver um problema ouriçado?
- No meu tempo... - Seu tempo já era. Não tinha calculadora, como é que cês iam
precisar de calculadora? - Talvez você tenha razão. Era um tempo muito mal equipado. Pior:
nem equipado era. - Viu? Gosto quando cê reconhece a verdade. Mas tem mais. Tá
faltando o principal. - Um helicóptero, imagino? - Não. Um minicomputador. Tem aí um modelo escolar que é jóia. - Não pesa muito na mochila, é um barato, vou te contar. Sem
minicomputador não posso aparecer no colégio, fico desmoralizado!
Que necessidades terão esses jovens, no futuro, principalmente no
mundo do trabalho? Pensar uma escola que promova a autonomia do sujeito
e “cumpra” o papel que lhe é consignado/designado, ou melhor, uma escola
que seja realmente construtora de conhecimento implica em quebrar
paradigmas e “aventurar-se” em novos caminhos.
Esses caminhos deverão promover a formação de um indivíduo
crítico, capaz de tomar decisões, solucionar problemas e posicionar-se
eticamente perante a vida em sociedade. Assim, a construção de uma escola
que favoreça a aprendizagem significativa, que desenvolva no aluno a
capacidade de “aprender a aprender”, que o leve a perceber as rápidas
transformações pelas quais está passando o mundo, principalmente em
função das grandes invenções e descobertas, uma escola que favoreça a
formação de um indivíduo empreendedor e preparado para competir em um
mercado de trabalho de alta tecnologia necessita ser pensada. Santaló (1999,
p. 11-12) acredita que:
A missão dos educadores é preparar as novas gerações para o mundo em que terão que viver. Isto quer dizer proporcionar-lhes o ensino necessário para que adquiram as destrezas e habilidades que
vão desempenhar, com comodidade e eficiência, no seio da sociedade que enfrentarão ao concluir sua escolaridade.
Por isso, como o mundo atual é rapidamente mutável, também a escola deve estar em contínuo estado de alerta para adaptar seu ensino, seja em conteúdos como em metodologia, à evolução dessas mudanças, que afetam tanto as condições materiais de vida como do espírito com que os indivíduos se adaptam a tais mudanças. Em caso contrário, se a escola descuida -se e se mantém estática ou com movimento vagaroso em comparação com a velocidade externa, origina-se um afastamento ou divórcio entre a escola e a realidade ambiental, que faz com que os alunos se sintam pouco atraídos pelas atividades de aula e busquem adquirir por outros meios os conhecimentos que consideram necessários para compreender à sua maneira o mundo externo, que percebem diretamente ou através dos meios massivos de comunicação.
Como a educação informal desses meios extra-escolares segue seu curso de maneira cada vez mais forte, se a escola não os leva em consideração e pensa unicamente em uma educação para um mundo ideal que vai-se distanciando da realidade, o resultado é o que tem sido chamado de “o paradoxo de Ícaro”, que consiste em que os alunos se afastam dos ensinamentos do professor para acreditar mais no mundo simplificado da ciência-ficção que encontram nas histórinhas das revistas ou dos filmes de cinema e televisão, com o qual, ao querer atuar na sociedade, se espatifarão assim como Ícaro ao ver derretidas pelo sol suas asas de cera, por falta de base firme de um conhecimento organizado, que precisamente é o que a escola deve proporcionar.
Litto questiona como deve ser a educação do jovem para uma
sociedade de cujo funcionamento não temos certeza, mas que parece ser
diferente das anteriores. Diz o autor (1998, p.15) que “não sabemos [...] as
conseqüências, a curto, médio e longo prazos, das possibilidades da
clonagem humana ou dos resultados do Projeto Genome, que está mapeando
o sistema genético do ser humano [...]”. Pondera, no entanto, que não
devemos ficar imobilizados, e sim buscar novas linhas de ação. Ao seu ver
(1998, p. 16),
[...] a meta principal, de toda a Educação hoje tem que ser preparar o futuro adulto para pensar sistêmica e ecologicamente. Exatamente o oposto da nossa Educação atual, organizada para empurrar os jovens com fatos históricos e científicos potencialmente úteis no futuro, mas a curto prazo aplicáveis apenas no exame vestibular para entrada numa universidade, a nova meta da educação tem que ser não o que pensar, mas, sim, como pensar. Processos e não produtos são importantes no futuro, porque permitem adaptações e atualizações rápidas.
O ensinar a pensar é a mola mestra do processo educativo; essa
aprendizagem poderia ser alcançada com o desenvolvimento de habilidades
tanto cognitivas como afetivas, dando ênfase à idéia de que o homem possui
múltiplas inteligências. As disciplinas consideradas fundamentais na
instituição escolar atual serviriam como “trampolim” para se aprender a
pensar. Litto explica que pensar sistematicamente significa “pensar em
termos de conexões, relações, contexto, interações entre os elementos de um
todo; de ver coisas em termos de redes, teias e comunidades”. Coloca o
referido autor (1998, p. 17) que:
Levar o aluno a saber pensar sistemicamente envolve capacitá-lo a ver “processos” em qualquer fenômeno, de ver mudanças (reais ou potenciais), crescimento e desenvolvimento, de compreender coisas através do conceito de gestalt (um todo é maior do que a soma das suas partes); de reconhecer que as nossas percepções são condicionadas pelos nossos métodos de questionamento e que a objetividade em ciência é muito mais uma meta do que um fato. Ver o mundo em termos de sistemas interconectados envolve conhecimento de cibernética (padrões de controle e comando) e de como lidar com complexidade e com estruturas dinâmicas.
Já Toro aponta a existência de um acordo internacional sobre o
que uma criança deve aprender, ao longo de sua vida, para o século XXI.
Segundo ele (1996, p. 120-121), “o que ela deve aprender não são conteúdos,
mas habilidades, capacidades e competências”. Apresenta sete códigos, a
que chama de Códigos da Modernidade para essa educação. São eles:
1. Altas competências em leitura e escrita. 2. Altas competências em cálculo matemático e em solução de
problemas. 3. Altas competências em expressão escrita, em três aspectos:
precisão para descrever fenômenos e situações; precisão pa ra analisar e comparar e precisão para expressar o próprio pensamento.
4. Capacidade para analisar o ambiente social e criar governabilidade; isso significa formação política e democracia.
5. Capacidade para recepção crítica dos meios de comunicação de massa.
6. Capacidade para planejar, trabalhar e decidir em grupo. 7. Capacidade para localizar, acionar e usar a informação
acumulada.
São muitas as propostas para a educação exigidas no novo século.
Para uma nova geração “criada” à luz das tecnologias contemporâneas e
desse novo mundo interligado pelas tecnologias da informação e
comunicação, como discutido até então, urge promover (ou melhor pensar!)
uma nova educação. Daí a necessidade de estudos dessa natureza que
possibilitem repensar e [re]criar esses novos caminhos. A proposta do
trabalho ora apresentado busca atender a essa necessidade. Assim, são
objetivos dessa pesquisa:
♦ contribuir com as discussões sobre a forma como as tecnologias
contemporâneas estão moldando uma nova cartografia no processo de
aprendizagem;
♦ discutir, de forma ampla, a utilização da Robótica Pedagógica em
instituições de ensino de Educação Básica, prioritariamente no ensino
fundamental (5a à 8a série);
♦ acompanhar a implantação da Robótica Pedagógica na instituição de
ensino pesquisada e avaliar os primeiros resultados obtidos;
♦ analisar que contribuições a Robótica Pedagógica pode agregar ao
processo de aprendizagem, tomando por base o acompanhamento e os
resultados acima referidos;
♦ analisar as interações que se realizam dentro do espaço da sala de aula,
no contexto específico da aprendizagem mediada pela Robótica
Pedagógica, na instituição pesquisada, a partir de registros das
atividades desenvolvidas;
♦ propor, a partir das análises anteriores, estratégias que possibilitem a
integração da Robótica Pedagógica no currículo, pelo seu caráter
eminentemente interdisciplinar29 e multirreferencial30, e sua relação
com outras áreas do conhecimento, na instituição pesquisada.
Escolhi, como participantes da pesquisa, 76 alunos da 5a série do
ensino fundamental, no ano letivo 2001, do Colégio Alfred Nobel, instituição
de ensino privado na Cidade do Salvador, e o acompanhamento sistemático
desses alunos no ano de 2002, como ponto de referência para análise de
projetos, entrevistas e observações.
A escolha deu-se por ser a primeira série de uma nova etapa de
vida que, na opinião da grande maioria dos alunos, trata-se de uma série
difícil. Os depoimentos escritos, apresentados abaixo, confirmam essa
opinião. Quando questionados sobre o que pensavam da 5a série, a partir da
continuidade da frase: Quando eu era aluno(a) da 4a série, imaginava que a
5a série..., afirmaram:
...o máximo. Pensava que na 5a série seria mais independente, mais organizada. Ser do ginásio significava ser adolescente, crescer. Mas tinha medo que não fosse como eu imaginava; as provas fossem muito difíceis, os professores muito rigorosos. Mas ficava muito ansiosa para chegar logo o fim do ano.
ABX2
Ou então...
29 Fazenda coloca não haver um conceito único para a questão, porém diz que “ Em termos de interdisciplinaridade, ter-se-ia uma relação de reciprocidade, de mutualidade, ou melhor dizendo, um regime de co-propriedade, de interação que irá possibilitar o diálogo entre os interessados, dependendo basicamente de um atitude cuja tônica primeira será o estabelecimento de uma intersubjetividade. A interdisciplinaridade depende então, basicamente, de uma mudança de atitude perante o problema do conhecimento, da substituição de uma concepção fragmentária pela unitária do ser humano.” (FAZENDA, 1995, p. 31). 30 “[...] a abordagem multirreferencial propõe-se a uma leitura plural de seus objetos (práticos ou teóricos), sob diferentes pontos de vista, que implicam tanto visões específicas quanto linguagens apropriadas às descrições exigidas, em função de sistemas e referências distintos, considerados, reconhecidos explicitamente como não-redutíveis uns aos outros, ou seja heterogêneos” (ARDOINO, 1998, p. 24).
... um curso mais avançado no qual aprenderia muitas coisas novas. Um pouco mais difícil que a 4a, mas sabia que dominaria bem os assuntos, que os professores dariam os deveres e os estudos.
ACX4
Ou ainda...
... uma série mais difícil, em que eu teria que me esforçar muito mais, afinal eu iria passar para o ginásio, tudo iria mudar no meu colégio. Eu ainda me sentia pequena, mas pensava que, na 5a série, eu ia crescer muito, pensava que ia passar a ser grande.
DTZ2
Muitos outros depoimentos apontavam para a mesma questão:
uma grande inquietação por parte dos alunos para conhecimento da série,
insegurança para enfrentar o novo, grau de dificuldade maior do que o
enfrentado até então e, principalmente, alegria por se tornarem “grandes”.
Para entendimento da pesquisa, acredito ser necessária a
apresentação de alguns dados específicos dos participantes:
♦ Faixa etária – 11 a 12 anos (início da pesquisa).
♦ Características da faixa etária
Orford (1994, p.52) afirma que:
Aos onze anos, a maneira de a da criança pensar muda. Enquanto aos oito ou nove anos a criança é prática e precisa experimentar as coisas para aprender e compreendê -las, aos onze anos começa a pensar e a aprender usando a mente de maneira mais lógica. Nessa idade, a criança recorre à memória para desenvolver um argumento, capacidade esta que aumenta durante a adolescência e prossegue durante toda a vida.
Para Piaget, crianças, a partir de 11 anos, estão iniciando um
estágio denominado de Operações Formais. Nesse período, que se estende
aproximadamente até os 15 anos, as crianças já podem pensar,
usando abstrações. São capazes de formular teorias sobre qualquer assunto
distinto do real. Charles (1975, p. 21-22) explica esse estágio:
Mais ou menos aos onze anos, as crianças começam a passar do estágio das operações concretas para o estágio das operações formais. Este é novamente um ponto muito significativo no decorrer do desenvolvimento intelectual. Nesse período a criança está passando para a maneira adulta de pensar. Isto não significa que ela possa tomar decisõe s tão bem quanto o adulto ou solucionar problemas tão bem ou ser tão equilibrada quanto ele em situações novas. Simplesmente significa que os seus processos de pensamento são semelhantes aos do adulto. Está se tornando capaz de pensar sobre idéias abstratas e de efetuar operações usando abstrações que não têm nenhuma referência concreta, tangível. Esta habilidade de usar abstrações dá à criança poderosos e novos instrumentos para estruturar seu mundo. É capaz de pensar além do mundo real e além do presente. Não necessita mais limitar-se aos símbolos que representam coisas reais [...]. Pode fazer uso efetivo de conceitos de amor, ódio, honestidade e lealdade; de números negativos, forças, velocidades, tempo e partículas atômicas. Com outras palavras, pode pensar sobre o pensamento. Mais ou menos no fim, do estágio das operações formais, que ocorre em média aos quinze anos, a pessoa atingiu maturidade intelectual. Seus trabalhos mentais alcançaram o nível máximo de desenvolvimento. [...].
O referido autor conceitua Operações como as “ações executadas
mentalmente. São componentes necessários do pensamento racional”. Para
ele essas operações incluem:
Conservação. O reconhecimento de que uma propriedade como número, comprimento ou quantidade permanece a mesma apesar de mudanças de posição, forma ou agrupamento. Reversibilidade. O reconhecimento de que qualquer mudança de posição, forma, ordem e outros, pode ser reversível, isto é, retornada à posição, forma ou ordem inicial. (CHARLES, 1975, p. 3-4).
Por outro lado, além das modificações intelectuais, as
características físicas e emocionais e o próprio espaço da sala de aula
também se modificam, como explica Dias-Da-Silva (1997, p. 12) ao afirmar
que...
Entrar numa classe de 5a série é uma experiência peculiar desde o primeiro momento. Um primeiro olhar pela classe já revela um aspecto curioso: fisicamente, o grupo de alunos parece a síntese de todo o 1o grau. As primeiras carteiras revelam crianças miúdas, “baixinhas” mesmo, que mais parecem alunos de 1a ou 2a série. Já as últimas carteiras são sempre preenchidas pelos “perulões”, como dizem as professoras – meninos e meninas de 11 ou 12 anos, mas cuja altura (1,60m até 1,70m) denunciaria alunos do colegial, quase adultos. Também as diferenças entre crianças e “moços” revelam-se na postura, na linguagem e até nos olhares. Destacam-se as meninas: há aquelas que brincam (e brigam) como moleques,
sentam-se de pernas abertas, correm, gargalham e xingam. Há as “moiçolas”, de sorrisos contidos, gestos mais comedidos, batom nos lábios, jeito mais dengoso de menina-moça, que olham languidamente para os meninos da 8a série, ou que “até já têm namorados”.
As características acima apontadas descrevem, de maneira
genérica, a faixa etária estudada. Mas, uma questão surgiu: como esses
alunos lidam e/ou utilizam tecnologias como a televisão e o computador?
Como iniciava uma pesquisa sobre a utilização de uma nova tecnologia, senti
a necessidade de levantar dados específicos sobre a utilização dos
instrumentos tecnológicos. Assim, apliquei um questionário escrito (77
alunos) para levantamento de dados referentes a utilização da TV,
programação, computador, Internet e jogos. Os dados extraídos dessa
pesquisa são apresentados a seguir (as Tabelas demonstrativas dos dados
apresentados encontram-se no anexo A):
+ Com relação a TV: os alunos pesquisados assistem com maior
freqüência à Rede Globo. Apenas 17 alunos não preferem esse canal, o
que corresponde a 22, 1% (ver Tabela 5). Filme é a programação preferida
(32,5%), seguida de novela (20,8%). Chamou-me atenção o fato de
apenas 10 alunos (13%) preferirem desenho animado, principalmente
por muitos desses desenhos tornarem-se “febre” entre as crianças, a
ponto de serem os seus personagens comercializados através de bonecos,
cartas, jogos eletrônicos, enfim produtos dos mais diversos. Programas
humorísticos alcançaram 11,7% na preferência, clips (shows com
bandas/cantores famosos) 9,1% e telejornais, 3,9% (outra surpresa, uma
vez que uma disciplina oferecida na matriz curricular da escola,
denominada Atualidade, discute fatos acontecidos no Brasil e no mundo)
(ver Tabela 6).
+ Com relação ao computador:
a) Freqüência de utilização: 58,4% dos alunos pesquisados utilizam o
computador diariamente (ver Tabela 7). A grande maioria utiliza o
computador para jogar, pesquisar e estudar. Uma pequena parcela
(7,8%) utiliza o computador apenas para salas de bate-papo (ver Tabela
8).
b) Com relação aos jogos: 38,2% dos alunos pesquisados jogam
diariamente; 36,8% apenas nos finais de semana. 28,6% preferem os
jogos de aventura, seguido de jogos de ação (27,3%) (ver Tabelas 9 e 10).
c) Com relação à Internet: 33,8% utilizam a Internet diariamente e 36,4%,
nos finais de semana (ver Tabela 11).
d) Com relação a possuir conta de e-mail: 73,7% dos alunos pesquisados
possuem e-mail próprio (ver Tabela 12).
Os alunos (baseada nos dados analisados) possuem acesso à
tecnologia e fazem uso dessa com grande intensidade, o que possibilitará o
manuseio da máquina, na Robótica Pedagógica, com facilidade. Além da
habilidade no manuseio e no raciocínio lógico apresentado com a utilização
de jogos, por exemplo, outras habilidades cognitivas e afetivas são
desenvolvidas através da Robótica Pedagógica, como demonstrarei no bloco
destinado ao processo de aprendizagem.
Estudar a Robótica Pedagógica em uma área como a educação
fundamental constituiu-se um desafio, principalmente por se tratar de uma
discussão atual. Busquei, então, um referencial teórico-metodológico que me
auxiliasse a entender a complexidade do objeto (Robótica Pedagógica).
Optei pela pesquisa qualitativa , mas especificamente, pelo trabalho de
campo. Sobre a pesquisa qualitativa, Bogdan e Biklen (1999, p.16) afirmam:
[...]. Utilizamos a expressão investigação qualitativa como um termo genérico que agrupa diversas estratégias de investigação que partilham determinadas características. Os dados recolhidos são designados por qualitativos, o que significa ricos em pormenores descritivos relativamente a pessoas, locais e conversas, e de complexo tratamento estatístico. As questões a investigar não se estabelecem mediante a operacionalização de variáveis, sendo, outrossim, formuladas com o objectivo de investigar os fenómenos em toda a sua complexidade e em contexto natural. Ainda que os indivíduos que fazem investigação qualitativa possam a vir a seleccionar questões específicas à medida que recolhem os dados, a abordagem à investigação não é feita com o objectivo de responder a questões prévias ou de testar hipóteses. Privilegiam, essencialmente, a compreensão dos comportamentos a partir da perspectiva dos sujeitos da investigação. As causas exteriores são consideradas de importância secundária. Recolhem normalmente os dados em função de um contacto aprofundado com os indivíduos, nos seus contextos ecológicos naturais.
As estratégias mais representativas de investigação qualitativa, e aquelas que melhor ilustram as características anteriormente referidas, são a observação participante e a entrevista em profundidade.
Para Cruz Neto (1994, p. 59):
A técnica de observação participante se realiza através do contato direto do pesquisador com o fenômeno observado para obter informações sobre a realidade dos atores sociais em seus próprios contextos. O observador, enquanto parte do contexto de observação, estabelece uma relação face a face com os observados. Nesse processo, ele, ao mesmo tempo, pode modificar e ser modificado pelo contexto. A importância dessa técnica reside no fato de podermos captar uma variedade de situações ou fenômenos que não são obtidos por meio de perguntas, uma vez que, observados diretamente na própria realidade, transmitem o que há de mais imponderável e evasivo na vida real.
As observações realizadas nas aulas de Robótica Pedagógica
possibilitaram perceber uma variedade de situações (como coloca Cruz Neto)
que não se estabeleciam normalmente em outras disciplinas da matriz
curricular. Era, realmente, uma aula diferente. Essa diferença detectada fez-
me elaborar as seguintes hipóteses (apesar do que diz Bogdan e Biklen, que
a “abordagem à investigação não é feita com o objectivo de responder a
questões prévias ou de testar hipóteses”):
1. A aprendizagem através da Robótica Pedagógica possibilitava o
desenvolvimento conjunto de habilidades, uma vez que trabalhava com
áreas cerebrais distintas ao mesmo tempo;
2. A aprendizagem dava-se de forma lúdica e num ambiente de completa
descontração;
3. Os alunos trabalhavam em ritmo próprio e em interação com os seus
pares;
4. Não existiam conteúdos exclusivos de uma disciplina sendo trabalhados,
mas sim a necessidade de relações existentes entre diversos
conceitos/conteúdos para construção dos projetos; assim sendo, o
trabalho desenvolvido era, necessariamente, interdisciplinar e multirre-
ferencial;
5. Um novo “currículo” poderia ser estabelecido a partir da Robótica
Pedagógica.
Uma das questões percebidas nas primeiras aulas observadas foi a
facilidade com que os alunos “manejavam” o computador. Surgiu, então, a
necessidade de saber o grau de utilização e interação que tinham com
tecnologias contemporâneas. Apliquei um questionário escrito para
quantificar quantos alunos e com que periodicidade utilizam a televisão e o
computador (resultados já apresentados anteriormente). Neste momento,
utilizei a pesquisa quantitativa . Na opinião de Minayo (1994, p. 22) “o
conjunto de dados quantitativos e qualitativos, porém, não se opõem. Ao
contrário, se complementam, pois a realidade abrangida por eles interage
dinamicamente, excluindo qualquer dicotomia”. A pesquisa quantitativa foi
utilizada, também, para verificar quais os filmes assistidos pelos alunos que
mostravam, através de suas histórias, personagens robôs.
A disciplina (como todas as outras) possui um programa especifico
e plano de aula. O registro escrito das observações era, normalmente,
contrastado com o programa do curso/aula. Em muitos momentos, os
alunos trabalhavam de forma diferente do anteriormente previsto,
mostrando, dessa forma, a natureza flexível do trabalho proposto. Durante o
período das observações, utilizei a outra estratégia da pesquisa qualitativa
identificada por Bogdan e Biklen: a entrevista. Para Cruz Neto (1994, p. 57),
a entrevista:
é o procedimento mais usual no trabalho de campo. Através dela, o pesquisador busca obter informes contidos na fala dos atores sociais. Ela não significa uma conversa despretensiosa e neutra, uma vez que se insere como meio de coleta dos fatos relatados pelos atores, enquanto sujeitos-objeto da pesquisa que vivenciam uma determinada realidade que está sendo focalizada. Suas formas de realização podem ser de natureza individual e/ou coletiva.
Optei pelas entrevistas individuais e semi-estruturadas31,
realizadas com os 77 alunos cursantes da 5a série do ano letivo de 2001 e
com o professor da disciplina. Cruz Neto (1994, p. 58) afirma que as
entrevistas, em geral, podem ser:
31 As entrevistas realizadas com os alunos e com o professor de Robótica Pedagógica encontram-se gravadas em fitas-cassete.
estruturadas e não-estruturadas, correspondendo ao fato de serem mais ou menos dirigidas. Assim, torna-se possível trabalhar com a entrevista aberta ou não-estruturada, onde o informante aborda livremente o tema proposto; bem como com as estruturadas que pressupõem perguntas previamente formuladas. Há formas, no entanto, que articulam essas duas modalidades, caracterizando-se como entrevistas semi-estruturadas.
Algumas aulas e a oficina realizada com os brinquedos tecnológicos
foram filmadas e registradas através de fotografias. Para Cruz Neto (1994, p.
63):
Fotografias e filmagens se apresentam também como recursos de registro aos quais podemos recorrer. Esse registro visual amplia o conhecimento do estudo porque nos proporciona documentar momentos ou situações que ilustram o cotidiano vivenciado.
Durante todo o percurso da pesquisa, o levantamento bibliográfico
foi extremamente necessário. A pesquisa em livros e revistas (científicas ou
não) se fizeram necessárias tal a atualidade do assunto. Programas
televisivos (em canais de TV à cabo) foram assistidos e analisados por
contemplarem o estágio atual da pesquisa Robótica. Os filmes que utilizavam
robôs como personagens principais e secundários foram parte integrante
da pesquisa. Buscou-se relacionar, através deles, o ficcional e o real, bem
como a imagem trazida pelos alunos sobre eles.
Produções textuais e respostas dadas pelos alunos em
instrumentos avaliativos, aplicados na disciplina Língua Portuguesa, foram
analisados para complementar as informações obtidas através das
observações, entrevistas, questionários e exercícios aplicados na aula de
Robótica Pedagógica. O que eles entendiam sobre a Robótica foi revelado
através de um questionário escrito, aplicado no início do ano letivo, onde se
questionava: “Explique com suas palavras o que você entende por Robótica”.
Para CCR3 e AZX2 a Robótica é “uma matéria que ensina a fazer robôs”. PTQ2 explica
que “para mim, é uma matéria que mexe muito com o computador”. PMQ1 diz que é “inventar um
robô”. Já PLQ9 acha que “nós vamos inventar várias coisas como experiência”. Para AVX1 a
Robótica é “montar o lego como um robô e mexer no computador pra que ele ande”. PFQ6 entende
que “mexer com robô é você exercitar sua criatividade”. Já PEQ5 explica que “você tem que criar
seus próprios robores”. PQD4 diz que a Robótica é “movimentar um robô pelo computador”.
CGR6 afirma que é “desenvolver a mente e criar com sua criatividade o que quiser”. Para DBZ2
é uma “matéria que você constrói umas coisas eletrônicas com lego”. PHQ7 afirma que a
Robótica é “mexer com objetos eletrônicos, fazendo robôs e usando técnica e raciocínio para isso”. Ela
espera “aprender o que o curso ensina e poder levar algo para o futuro”. Os alunos entendem a
Robótica Pedagógica como a criação de robôs que são programados através
do computador. Eles envolvem a utilização do raciocínio e da criatividade
para tal fim. Os projetos construídos por eles e os conceitos compreendidos
serão mostrados no capítulo destinado à aprendizagem através da Robótica
Pedagógica.
3. Os robôs: esses “estranhos” seres metálicos...
Cientistas cruzam o Atlântico em ‘aperto de mão virtual’ Cientistas em lados opostos do Oceano Atlântico estão apertando as mãos pela Internet na primeira demonstração pública da mais avançada tecnologia de ‘toque virtual’. Numa experiência conjunta, cientistas em Londres e em Boston estão mostrando como podem apertar mãos e realizar tarefas simples juntos, apesar de estarem separados por mais de 4,8 mil quilômetros. Os participantes podem sentir se os outros estão puxando, empurrando ou manipulando objetos gerados pelo computador num mundo virtual. [...]. Os cientistas participantes da experiência estão usando um computador e um pequeno braço robótico ao invés do tradicional mouse. O braço de robô desenvolvido pela empresa Sensable Tecnologies traz na sua extremidade um aparelho que se assemelha a uma caneta grossa. O participante segura o aparelho para ter a sensação do que está acontecendo no mundo virtual. Ele também transmite os movimentos para os outros participantes. O aparelho conhecido como Phantom, dá aos usuários a sensação do toque ao exercer força precisamente controlada sobre os dedos. Disponível em <http://www.aol.com>. Acesso em: 29 out.2002
Goleada High Tech O mundial será palco para testar robô que reserva hotel, campo com gramado móvel e
bola mais veloz. Não poderia ser diferente. Reconhecido por sua vocação tecnológica, Japão e Coréia do Sul convocaram um arsenal eletrônico para a Copa 2002. Em vez das belas modelos, os anfitriões serão humanóides com pouco mais de meio metro de altura. Os robôs Asimo, da Honda Motors, e SDR-3X, da Sony, vão recepcionar os jogadores e serão uma espécie de guia turístico ambulante. Eles têm capacidade para armazenar informações, se conectar à Internet e fornecer notícias em tempo real. Devem ajudar os participantes a alugar automóveis e fazer reservas em hotéis e restaurantes[...]. Azevedo, Natália. Revista IstoÉ, São Paulo: Três, no 1705, 05/06/2002, p. 70.
Robôs explorarão solo de Marte no início de 2004 Londres – Dois robôs do tamanho de carrinhos de golfe vão percorrer o solo de Marte no início de 2004, anunciou anteontem a Nasa. Com eles, a agência espacial americana vai empreender sua mais ampla exploração em busca de evidências de que Marte já teve água – uma forte indicação de que teria abrigado vida. Os dois robôs rovers (andarilhos) serão lançados separadamente em 22 de maio e 4 de junho de 2003. O primeiro deve chegar em Marte no dia 2 de janeiro de 2004. Eles pousarão em áreas diferentes, ainda não escolhidas. Uma deve ser uma região plana e a outra provavelmente terreno acidentado. Sete vezes mais pesados que o Sejourner (o robô enviado a Marte em 1997), os rovers podem cobrir mais de 90 metros por dia - tanto quando a Sejourner fez em sua vida útil. Eles usarão o mesmo método de pouso suave, quicando sobre o solo dentro de enormes airbags. Os robôs terão cerca de 1,22 metro de altura e pesarão cerca de 113 quilos. Cada um levará dez câmaras e instrumentos para analisar rochas. O custo total da missão é de US$ 600 milhões. Disponível em http://www.estado.estadao.com.br/jornal/00/08/12/news171.html. Acesso em: 15 out.2002
Sendo a Robótica Pedagógica objeto deste estudo, considero de
suma importância mostrar como os robôs surgiram e estão interagindo com
os seres humanos, principalmente porque estão “abrindo” outros espaços de
atuação além dos ocupados em filmes de ficção científica e em trabalhos
industriais, no chão das fábricas. Busca oferecer ao leitor, de forma sucinta,
uma base para a compreensão da Robótica em outras áreas e a possibilidade
da sua introdução no campo da educação, mesmo que difira em seus
objetivos.
Inicio a conversa sobre os robôs reproduzindo algumas notícias
divulgadas através da mídia, pois entendo ser necessário referenciar as
pesquisas atuais da cibernética32. As notícias veiculadas mostram a difusão
dos robôs em diversas áreas, possibilitando a substituição do homem em
operações de grande risco. Para Groover et al. (1988, p.1):
[...] A robótica é um componente promissor da automação fabril que afetará a mão-de-obra humana em todos os níveis, desde operários não especializados até engenheiros profissionais e gerentes de produção. Os futuros robôs poderão encontrar aplicações fora da fábrica, em bancos, restaurantes e até mesmo nos lares. É possível, talvez provável, que a robótica venha a se tornar um campo, como a tecnologia da computação de hoje, difundível por todas as camadas da sociedade [...].
Na Medicina, por exemplo, os robôs (ou braços robóticos) vêm
sendo utilizados para garantir uma maior precisão de intervenção em
procedimentos cirúrgicos de necessária exatidão, ou mesmo, possibilitando
pequenas incisões e menos tempo de internação do paciente. No mês de
agosto de 2002, foi exibido no Programa Medicina do Século XXI33, quatro
episódios demonstrando a utilização da tecnologia como coadjuvante no
32 Cibernética – “Ciência que estuda o mecanismo do sistema nervoso dos organismos vivos, para aplicá-lo na criação de máquinas e dispositivos eletrônicos”. In: MINIDICIONÁRIO de Informática. São Paulo: Saraiva, 1999. 33 Programação exibida nos dias 6, 13, 20 27 de agosto de 2002, às 23:00h, através do canal de TV à cabo Discovery Health.
tratamento de doenças graves/raras. O primeiro episódio, dedicado a
operações robóticas realizadas em hospitais americanos, mostrou três
casos de doenças consideradas potencialmente graves, solucionadas com a
ajuda de robôs. A apresentação traz a seguinte mensagem: “eles foram
projetados para fabricar carros e para construir estações espaciais. Agora os
robôs podem realizar buscas e fazer reparos no interior do corpo
humano".
A utilização dos robôs em salas cirúrgicas foi autorizada pelo
FDA34 em 11 de junho de 2000. Essa notícia é publicada, no Brasil, pelo
jornal O Estado de São Paulo (Estadão) no dia seguinte:
FDA autoriza uso do robô Da Vinci em salas de cirurgia35
Equipamento já está sendo testado em pontes de safena e troca de válvulas cardíacas. Washington – Desde ontem, oficialmente, os robôs em sala de cirurgia deixaram de ser ficção científica. A Food and Drug Administration (FDA) deu a sua aprovação para o uso do Da Vinci Surgical System, um equipamento que facilita a realização de laparoscopias. O Da Vinci, porém, já está sendo testado para utilização em pontes de safena e substituição de válvulas cardíacas, procedimentos que ele é capaz de realizar por meio de três incisões do diâmetro de um lápis. Os especialistas da FDA afirmam que a capacidade do Da Vinci de trabalhar com precisão em áreas reduzidas – sem o risco de tremer como um cirurgião – vai permitir dentro de algum tempo que ele seja empregado em delicadas microcirurgias neurológicas [...].
Essa realidade, no entanto, não é só americana. No Brasil, apesar
de números ainda não significativos, operações dessa natureza estão sendo
realizadas em hospitais. “O Instituto de Cardiologia de Porto Alegre realizou
em dezembro de 2000, a primeira cirurgia cardíaca na América Latina com o
uso de um robô”36.
34 FDA – Food and Drug Administration - Órgão americano que legitima e autoriza a utilização de medicamentos e procedimentos médicos. 35 Disponível em: < http://www.estado.estadao.com.br/editorias/2000/07/12/ger748.html.>. Acesso em 25 agos 2002. 36 Disponível em http://agendasaude.com.br/materias/index.asp?cod+191. Acesso em 25 agos.2002.
Além das máquinas que ajudam em operações, existem modelos
anatômicos que simulam a vida humana, possibilitando que estudantes de
medicina possam aprender praticando em vidas artificiais: esse é o caso de
Simulator Anestesy Machine (SAM). SAM37 é “uma máquina, com aparência
humana, capaz de reproduzir fielmente todas as reações de um paciente
submetido a uma infinidade de possibilidades clínicas ou terapêuticas”.
SAM38:
fala, conversa com os médicos, responde à contração, tem pulso, respira, sua pupila reage à luminosidade; sua temperatura varia de acordo com a situação proposta, assim como a sua pressão arterial. Seu coração [...] bate e tem o ritmo modificado em função do seu quadro clínico ou dos procedimentos executados. E para quem acha que isso ainda é pouco, SAM pode até, como um paciente apreensivo, segurar a mão do médico, ou na pior das hipóteses, morrer. [...] é um manequim do sexo masculino, aparentando uns, digamos, trinta anos de idade e uma saúde de ferro, pode ser configurado para reagir como um frágil senhor de oitenta anos, cardíaco e diabético; ou como um recém-nascido; ou ainda, até mesmo, como uma mulher grávida.
As possibilidades de simulação de SAM são infinitas; basta ser
programado para a situação que se quer treinar e logo ele estará
obedecendo. Dr. Jorge Moll39, médico anestesista, membro da Sociedade
Brasileira de Anestesiologia, diz que o objetivo da utilização de SAM “é
viabilizar o treinamento em inúmeras situações de crise sem oferecer risco a
um paciente real e com a possibilidade de que os procedimentos sejam
revistos ou retomados a partir de qualquer ponto”.
SAM foi desenvolvido pela Eagle, empresa criadora de simuladores
de vôo da NASA e da BOEING; a sua utilização é recente só existindo 40
37 SAM. Um robô que se faz passar por qualquer tipo de paciente. On line. São Paulo, ano VI, no 1, fev/mar. 1999 p.35. 38 Id. 39 Id.
simuladores iguais em todo o mundo. A Figura 6 mostra SAM em
funcionamento.
Figura 6 – SAM: Um robô que se faz passar por qualquer tipo de paciente. Fonte: Revista On line, 1999, p. 35.
Outras áreas, além da Medicina, têm investido recursos e avançam
seus estudos na utilização da Robótica. Na realidade, o homem vive lado a
lado com o robô, mesmo sem ter a devida consciência desse fato. O
desenvolvimento dos robôs não é somente o evidenciado pelos ficcionistas,
com formas humanóides, mas formatados e adaptados às necessidades e
condições de trabalho em todas as áreas. Na indústria de entretenimento,
assistimos a uma ‘invasão’ de robôs nos desenhos animados, jogos, games e
brinquedos eletrônicos (de diversos formatos) que interagem com seus
donos. “Mundos” completamente robotizados já existem. Disney World, um
grande parque situado em Orlando, E.U.A, é um exemplo de utilização da
tecnologia de forma fantasiosa e com intuito de divertir. Seus muitos
visitantes podem se “deleitar” com desfiles de personagens infantis, shows de
bonecos e brinquedos eletrônicos. O EPCOT Center, situado no parque, é na
verdade, um “protótipo experimental da comunidade de amanhã” pois
possibilita a seus visitantes participarem de atividades divertidas mas que
trazem “forte apelo” à aprendizagem quando passeiam por espaços que
mostram desde a origem do oceano até a recriação da história das
comunicações através dos tempos, protagonizada por bonecos mecânicos.
Para funcionamento de todo este aparato tecnológico, a Disney congrega
cientistas, pesquisadores e técnicos em constante trabalho, formando uma
grande rede de pesquisa e desenvolvimento. Outros parques simbolizam
tecnologia. A Lego mantém parques temáticos denominados de Legoland na
Dinamarca, Inglaterra, EUA e na Alemanha. Esses parques exibem cidades
em miniatura completamente robotizadas. Mas esse mundo “imaginário” não
estaria se tornando realidade? Em 29 de agosto de 2002, a CNN divulgou um
projeto desenvolvido por especialistas de Hong Kong (China) para resolver o
problema de sua densidade demográfica. Eis a notícia:
A tecnologia cria a casa dos sonhos40
Hong Kong, China (CNN) – A alta densidade demográfica em Hong Kong nunca será a mesma se um novo modelo de casa do futuro for criado – um lar onde a tecnologia e o meio ambiente andam de mãos dadas. Críticos acusam Hong Kong de ter um sistema habitacional mal planejado e sem qualquer preocupação com o meio ambiente. Agora, o Integer Group – que reúne arquitetos britânicos, especialistas em tecnologia da informação e ambientalistas – espera mudar tudo isso com o sonho de um lar cibernético que mostra o caminho para a casa do futuro. Todo o espaço é conectado, de maneira que tudo está virtualmente ao alcance dos dedos. “Você pode controlar sua temperatura, pode controlar a luz”, diz Donald Hughes, da Hong Kong Housing Society. “Se você tem uma festa e quer controlar o volume do som, você basicamente só terá que pressionar alguns botões em vez de andar pela casa toda”, acrescenta. Nesse lar high-tech, mesmo as torneiras são comandadas, com diferentes controles para diferentes quantidades de água. Sendo assim, o consumo de água é reduzido em 40 por cento. O refrigerador com Internet armazena receitas e prepara uma lista de compras. Mesmo as venezianas das janelas têm tecnologia inteligente. “As venezianas vão se abaixar automaticamente conforme
40 Disponível em http://cnemportugues.com/2002/tec/08/29/casadofuturo/index.html acesso em 24 dez. 2002.
o sol se aproxima do seu prédio”, diz Hughes. Precisa de um quarto extra? Nada de procurar um novo lugar. As paredes desse lar cibernético estão prontas para se desfazer e ser instaladas em áreas diferentes da residência. “Elas podem ser abaixadas em metade de um dia e podem ser feitas por um simples operário. Uma parte pode ser movida para fazer uma sala menor ou, talvez, criar uma sala de jantar separada ou um estúdio separado para as crianças, conforme elas crescem”, acrescenta o arquiteto. Lares inteligentes como esse podem ser construídos 15 por cento mais depressa do que os normais e com cerca de 30 por cento a menos de desperdício, o que favoreceria o meio ambiente, segundo os autores do projeto.
Em dezembro do mesmo ano, a Revista Recreio (publicação de
periodicidade mensal dedicada ao público infantil) apresenta de forma
divertida uma casa do futuro (ver Figura 7, em anexo B).
Mas todo este avanço é fruto de pesquisas recentes. Martins (1993,
p.7) afirma que “os robôs entraram em funcionamento muito recentemente,
por volta de 1962”. Mesmo num espaço curto de tempo, para o referido
autor, “é incrível a crescente popularidade dessas criaturas entre pessoas
de culturas tão diferentes e de todas as idades”. Claramente essa afirmação
pode ser comprovada, se observada a reação das pessoas ante esses seres
mecânicos tão em voga na sociedade. Blades (1999, p. 33) confessa que...
há dias em que eu gostaria de possuir um robô pessoal. Aliás, quem não gostaria de ter um servente mecânico para fazer a comida, jogar o lixo fora, limpar a casa e cuidar das crianças? Um robô pessoal poderia também ser meu motorista particular e, quem sabe, realizar as minhas tarefas profissionais mais rotineiras como professor, como arquivar papéis por exemplo.
Não só Blades, mas os alunos da 5a série também imaginam
resolver alguns problemas utilizando robôs. ADX5 conta como usaria um
robô: O problema41
Um certo dia, estava tudo correndo normalmente em minha casa, até que 41 As produções textuais dos alunos foram reproduzidas em suas formas originais.
faltou luz. Eu achei que era um apagão rotineiro e que logo voltaria. Porém, três horas se passaram impedindo meus pais de trabalharem e a mim e a minha irmã de estudarmos. E tudo isso devido a energia que demorou a chegar. Resolvi, então, tomar providências e liguei para a Coelba (empresa que fornecia energia elétrica) perguntando o porquê da energia estar demorando tanto a chegar, mas em resposta disseram-me que a empresa estava operando normalmente.
Então deduzi que deveria ser um problema na fiação de casa, no qual seria necessário o Gnot (um robô minúsculo e muito ágil em resolver problemas que envolviam fiação elétrica). Peguei o Gnot e ativei-o de maneira que ele encontrasse facilmente o problema (o fio principal estava solto). O pequeno robô entrou em um buraco que o levaria rapidamente ao problema; ao chegar, o robô tirou de dentro de uma pequena caixinha algo que se parecia com uma fita isolante, de maneira que a energia voltasse. Dois dias passaram-se e a tranqüilidade voltou a reinar.
Nunca mais houve nenhum problema com fiação elétrica lá em casa. Além de criativa, a produção escrita do aluno mostra a utilização
da máquina como auxiliar do homem na resolução de problemas simples e
corriqueiros. O aluno miniaturiza a máquina para que possa percorrer
pequenos espaços e utiliza-a da forma convencional: para realizar tarefas de
difícil acesso ao homem. Uma aluna, também utiliza a máquina para um
conserto elétrico. Ela lembra do robô ao sentir falta da luz para ligar um
ventilador. Como no texto de ADX5, ela também miniaturiza a máquina.
Assim, AFX6 conta a sua história...
O pequeno robô
Um dia eu e Janaína estávamos em casa quando escutei um barulho.
Olhei a cozinha, o banheiro, um dos quartos e nada tinha encontrado. Quando me dei conta de que não tinha olhado o outro quarto. Chegando lá, vi uma broca na parede com fios para fora. Fui olhar o resto da casa para ver se estava tudo bem; quando acendi a luz, ela não acendia.
Eu podia não me preocupar, mas é que onde eu moro faz muito calor e sem ventilador eu ia morrer de calor.
Daí eu me lembrei de um pequeno robô-mosquito que tinha nele instalada uma câmara e pequenas garras que podiam aumentar de tamanho de acordo com o tamanho do problema a ser solucionado. Eu introduzi ele no buraco e então ele começou a consertar. Já era noite quando tudo voltou ao normal.
AGX7 traz um elemento novo: a relação amorosa de sua mãe com a
máquina. Ela fala sobre o robô como se estivesse falando de um humano,
embora apresente-o como um objeto de consumo adquirido em
supermercado. Eis o seu texto:
O robô mosquito
Era uma vez um robô chamado Gnot (robô mosquito) que foi criado por Anita Flym. Esse robô estava sendo vendido no supermercado e minha mãe resolveu comprar para ajudar em casa. No começo estava dando tudo certo; ele estava ajudando minha mãe, ela pensava que não havia nada melhor.
Certo dia o robô estava quebrando as coisas e minha mãe resolveu ir conversar com ele. De repente o encanamento do banheiro quebrou e minha mãe foi chamar o Gnot, só que ele não conseguiu. Mas minha mãe pediu para ele tentar de novo. Então quando minha mãe menos esperava, o cano estourou e Gnot foi lá de novo e não conseguiu. Enquanto isso, alagou a casa toda e minha mãe foi chamar o encanador e não conseguiu. Tivemos que nos mudar para a casa de minha avó. E mais uma vez Gnot foi tentar e dessa vez ele conseguiu consertar e nós voltamos para casa e minha mãe passou a amar mais ainda o Gnot.
Mesmo uma criança de 11 anos, (ou pré-adolescente, como
normalmente crianças nesta faixa etária gostam de ser tratadas) deixa claro
no seu discurso a relação amorosa com a máquina. AGX7 mescla a
capacidade da máquina (inclusive a possibilidade de não conseguir executar
a função que lhe é solicitada) com sentimentos que lhe são atribuídos
quando escreve que a mãe foi conversar com o robô ou mesmo que voltou a
amá-lo após ver o seu problema resolvido. Essa simbiose é muito comum
nos tempos de hoje, não só com crianças mas também na relação do adulto
com o seu computador, por exemplo, suscitando, inclusive, algumas
questões éticas sobre a convivência de seres humanos X máquinas
(discutirei esse assunto no bloco referente a ficção). Essa crença da simbiose
homem-máquina, as vezes imperceptível de forma clara para a idade
pesquisada, está embutida nas entrelinhas dos seus discursos.
Os robôs aparecem nas fábricas, nos discursos, na nossa vida,
mas o que é um robô? Como surgiu e qual a sua história? Existem várias
definições para um robô. Asimov (1994, p. 12) define-o como “uma máquina
computadorizada capaz de realizar tarefas complexas demais para qualquer
cérebro vivo, a não ser o do homem, e de um tipo que nenhuma máquina
não computadorizada é capaz de executar”. Para os franceses, um “robô é
um dispositivo automático adaptável a um meio complexo, substituindo ou
prolongando uma ou várias funções do homem e capaz de agir sobre seu
meio” (Martins, 1993, p.13). O autor compara a definição dos franceses ao
pensamento de Marshall McLuhan42 de apontar a tecnologia como
extensão do corpo humano, ampliando ou estendendo os seus sentidos.
Com relação ao robô industrial, Pazos (2002, p.11) aponta como definição
supostamente ‘oficial’ a estabelecida pela Associação das Indústrias da
Robótica (RIA) que diz: “um robô industrial é um manipulador
reprogramável, multifuncional, projetado para mover materiais, peças,
ferramentas ou dispositivos especiais em movimentos variáveis
programados para realização de uma variedade de tarefas”. Martins (1993,
p.14-15) chama a atenção para a exclusão de algumas máquinas, a
exemplo de lavadoras e máquinas de transferência de peças em linhas de
montagens, se considerada essa definição. Romano e Dultra (2002, p. 3)
apresentam uma definição atribuída pela norma ISSO 10218, por
considerarem-na mais completa. Segundo a norma, um robô industrial é
“uma máquina manipuladora, com vários graus de liberdade, controlada
automaticamente, reprogramável, multifuncional, que pode ter base fixa ou
42 Marshall McLuhan – canadense, teórico da comunicação, que na década de 60 formulou o conceito de Aldeia Global. Segundo McLuhan, o mundo seria interligado, através da mídia eletrônica, transformando-se numa aldeia global.
móvel para utilização em aplicações de automação industrial”.
Os robôs industriais podem ser classificados quanto:
: à estrutura mecânica - diz respeito à combinação de elementos
necessários (juntas e elos) para obtenção de configurações
desejadas dando origem aos robôs.
: à geração tecnológica - diz respeito a capacidade de atuação do
robô e seu grau de autonomia, indicando as possibilidades de
execução de tarefas.
: à participação do operador humano – a participação do homem
no processo de controle do robô é “determinado pela
complexidade que o meio de interação apresenta e pelos recursos
disponíveis para o processamento dos dados necessários à
execução das tarefas”. (ROMANO E DULTRA, 2000, p. 10).
Figura 8 – Robô industrial de 6 graus de liberdade. Fonte: Romano, 2002, p.4.
Uma outra classificação é apresentada por Pazos (2002) de acordo
com as diferentes utilidades para as quais os robôs são criados. O referido
autor classifica os robôs em três classes distintas: os robôs manipuladores,
os robôs exploradores e os robôs cujo objetivo é processar determinada
matéria-prima (máquinas-ferramentas).
Um robô industrial normalmente é acoplado a um braço humano,
para registrar em sua memória os movimentos executados por este; só
depois deste treinamento é que ele passará a exercer a sua função. Losano
(1992, p. 9-10) diz que:
o robô industrial é primeiro acoplado ao braço de um pintor perito e, assim, registra em sua memória a seqüência de movimentos que depois executará infatigavelmente. Portanto, o robô é máquina que já não é apenas braço, mas também um pouco mente.
Uma máquina para ser caracterizada como robô necessita atender
aos requisitos: possuir função sensorial que possibilite a coleta de
informações independente de ajuda humana; possuir uma “espécie” de
inteligência que organize as informações coletadas e utilizar essas
informações coletadas e organizadas para atuar de forma programada. Para
Romano e Dultra (2002, p. 10-11),
O projeto de um robô é necessariamente interdisciplinar e envolve a utilização de conhecimentos de várias áreas clássicas (...). Engenharia mecânica: fornece metodologias para o estudo de estruturas e mecanismos em situações estáticas e dinâmicas. Engenharia elétrica e engenharia eletrônica: fornecem técnicas para o projeto e integração de sensores, interfaces, atuadores e controladores. Teoria de controle: formula e avalia algoritmos ou critérios de inteligência artificial que realizam os movimentos desejados e controlam as interações entre o robô e o ambiente. Ciência da computação: propicia ferramentas para a programação de robôs, capacitando-os à realização das tarefas especificadas.
A vasta utilização dos robôs, no entanto, deve-se ao grande
desenvolvimento científico e tecnológico, principalmente na ciência eletrônica
que conseguiu desenvolver estudos e operar milagres aperfeiçoando as
células de luz, sensores, válvulas de grande capacidade, transistores,
chips43, tornando possível e imaginável o que era impossível há 100 anos e
que vem rapidamente modificando o mundo. Feldmann (1988, p. 17-19)
analisa o impacto causado pela automação, ao dizer:
Em função da crescente automatização das atividades, profundas mudanças estão ocorrendo nos métodos de produção de bens, produtos ou serviços, nos mais diversos setores, não só industriais, mas também comerciais, bancários, agrícolas, além de outros. Estas mudanças têm provocado um impacto muito grande sobre as formas de organização do trabalho e consequentemente sobre a própria gestão das empresas [...] [...] Esse fenômeno se deve aos avanços de uma nova tecnologia chamada microeletrônica, que é responsável pela fabricação do principal insumo destes novos equipamentos, isto é, os circuitos integrados, os quais, de certa forma, substituem os transistores que, por sua vez, já haviam substituído as válvulas eletrônicas[...]. [...] As modificações que estão ocorrendo nos métodos de produção seguem um novo padrão, bastante diferente daquele que vigorava até um passado bem recente. A Revolução Industrial caracterizou-se por fragmentar o trabalho, ou seja, enquanto o artesão medieval conhecia perfeitamente tudo aquilo que ele fabricava e todos os métodos e estágios de fabricação, o operário, ao longo dos últimos 200 anos, perdeu substancialmente a noção daquilo que faz. A partir de meados do século XVIII, o processo de produção fabril passou por uma intensificação de especialização e, consequentemente, da divisão técnica do trabalho, que foi acentuado consideravelmente no início do século XX com os estudos e propostas de Taylor, Fayol e Ford. Hoje, com as novas tecnologias, passa a ser possível integrar novamente todo o processo de trabalho, só que, nem sempre, com a necessidade do trabalhador [...]
E essa não necessidade do trabalhador possibilita a introdução de
mecanismos automatizados, ou melhor, a utilização dos robôs em grande
escala, sendo uma das causas do chamado desemprego estrutural. Sobre
esse fenômeno (o desemprego causado pela automação), Rifkin (1995, p. 37)
aponta que:
43 Chip – “Uma unidade semicondutora microscópica composta de transistores interconectados e outros componentes eletrônicos que, em conjunto, compõem a memória de qualquer computador” In. MINIDICIONÁRIO de Informática. São Paulo: Saraiva, 1999.
No passado, quando uma revolução tecnológica ameaçava a perda em massa dos empregos em determinado setor econômico, um novo setor surgia para absorver a mão-de-obra excedente. No início do século, o setor industrial emergente conseguia absorver grande parte dos milhões de trabalhadores agrícolas e fazendeiros que foram deslocados pela rápida mecanização da cultura. Entre meados da década de 1950 e o início da década de 1980, o setor de serviços, que crescia rapidamente, foi capaz de reempregar muitos dos operários demitidos em função da automação. Atualmente, no entanto, à medida que todos esses setores vão sucumbindo, vítimas da rápida reestruturação e da automação, nenhum novo setor “significativo” foi desenvolvido para absorver os milhões que estão sendo demitidos. O único novo setor no horizonte é o do conhecimento, um grupo de indústrias e de especialistas de elite serão responsáveis pela condução da nova economia automatizada da alta tecnologia do futuro. Os novos profissionais – os chamados analistas simbólicos ou trabalhadores do conhecimento – vêm de áreas da ciência, engenharia, administração, consultoria, ensino, marketing, mídia e entretenimento. Embora seu número continue a crescer, permanecerá pequeno se comparado com o número de trabalhadores que serão deslocados pela nova geração de “máquinas inteligentes”.
No Brasil, houve um crescimento considerável de robôs instalados
em industrias. Romano e Dultra (2002, p. 17) afirmam que:
a população mundial instalada de robôs de seis eixos no ano 2000 foi estimada em 790 mil unidades; no Brasil, em torno de 5.500 unidades. Portanto o Brasil contribuiu com aproximadamente 0,7% do número total de robôs industriais instalados no mundo. (...).
As industrias ligadas ao setor automobilístico, como montadoras e fornecedoras de autopeças são as maiores usuárias de robôs industriais no país. Cerca de 1.000 unidades (18%) do total foram empregadas em pequenas e médias industriais.
Um estudo realizado pela Organização das Nações Unidas revela
que o Brasil é o país que possui o maior número de robôs na América Latina.
São cerca de 4000 mil em serviços alocados principalmente em indústrias
ligadas ao setor automobilístico44.
No entanto, mesmo com o crescimento apresentado, os robôs ainda
são sub-utilizados. A falta de capacitação de usuários (falta de treinamento e
conhecimento de programação) é o maior empecilho para sua utilização.
44 Dados divulgados pelo Jornal Nacional, programa exibido pela Rede Globo em 24 de setembro de 2003, às 20:00h.
Normalmente os robôs são usados nas pequenas e médias empresas, para
execução de tarefas repetitivas e são programados para a produção de um
único produto, o que os tornam caros para a empresa (para produzir um
outro produto ou executar uma função diferenciada precisaria ser
reprogramado). Na avaliação do professor Vitor Ferreira Romano, professor
do departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, “seria muito importante que os usuários usufruíssem ao máximo a
capacidade dessas máquinas para a produção de diferentes produtos”45.
Para José Reinaldo Silva, professor do departamento de Mecatrônica da
Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, “poucos robôs são
aplicados na montagem, inserção de chips e outras tarefas menos
convencionais e que alavancam a pequena e média empresa de base
tecnológica”.46
A não flexibilidade de utilização de um robô para produção de
produtos diferentes (normalmente os robôs industriais pertencem a primeira
geração) e o alto custo de cada máquina tem feito empresários da indústria
automobilística (setor que mais utiliza robôs) repensarem o retorno do
homem às suas plataformas, equilibrando tarefas entre humanos e
máquinas, como apresenta a reportagem “A vingança dos humanos”47
Robôs não pedem aumento de salário. Não se filiam a sindicatos. São tão velozes quanto precisos e não se importam em fazer trabalhos sujos, repetitivos e perigosos. São o sonho de qualquer empresário. Uma tecnologia que a indústria, sobretudo as montadoras de veículos, vem explorando ano a ano – para desespero dos operários e seus sindicatos. Hoje, já há linhas de montagem de automóveis totalmente robotizadas, onde os antigos funcionários (os que ainda
45 VIEIRA, Sergio. Mercado de robôs caminha para o “gargalo”. Revista Mecatrônica Atual. São Paulo, ano 2, no 9, abril-maio 2003. 46 Id. 47OLIVEIRA, Darcio. A vingança dos humanos. IstoÉ Dinheiro, edição 3000, p.74-75, 28/05/2003.
restaram) se transformaram apenas em “apertadores” de botão. [...]. Só que as montadoras descobriram, recentemente, que o “brinquedo” pode não ser tão divertido assim. A idéia de que o homem poderia ser substituído completamente no chão de fábrica começou a ruir. E duas palavras explicam a frustração: flexibilidade e custo. Entenda por flexibilidade a prática de produzir na mesma linha de montagem modelos diferentes, em tamanho, formato, peças. É a onda do setor de reduzir custos usando a mesma plataforma. O trabalho do robô nesse sentido vai até determinado ponto, aquele em que todos os carros se assemelham, seja na usinagem dos blocos de motores, na pintura ou na soldagem da parte inferior do veículo. Desta fase em diante, na montagem final, no acabamento, na instalação de acessórios, seria necessário ajustar os robôs para cada veículo. É exatamente aí que entra o segundo problema. [...]O mais barato custa R$ 40 mil, com poucas funções. Os mais vendidos são os de linhas inteiras de montagem. Um exemplo: a de pintura com seis robôs, custa R$ 50 milhões. Some-se a isso os gastos com manutenção e a conta pode sair mais salgada do que o previsto.
Uma outra questão é levantada por Fróes48: a utilização de robôs
não possibilita a criação do conhecimento tácito, que está, segundo Nonaka
e Takeuchi (1997, p. 7) “profundamente enraizado nas ações e experiências
de um indivíduo, bem como em suas emoções, valores ou ideais”. Para os
autores, “o conhecimento tácito pode ser segmentado em duas
dimensões”. São elas:
A primeira é a dimensão técnica, que abrange um tipo de capacidade informal e difícil de definir ou habilidades capturadas no termo “know-how”. Um artesão, por exemplo, desenvolve uma riqueza de habilidades, nas suas “mãos maravilhosas” depois de anos de experiência. Mas, freqüentemente, é incapaz de articular os princípios técnicos ou científicos subjacentes ao que sabe.
Ao mesmo tempo, o conhecimento tácito contém uma importante dimensão cognitiva. Consiste em esquemas, modelos mentais, crenças e percepções tão arraigadas que os tomamos como certos. A dimensão cognitiva do conhecimento tácito reflete nossa imagem da realidade (o que é) e nossa visão do futuro (o que deveria ser). Apesar de não poderem ser articulados muito facilmente, esses modelos implícitos moldam a forma com que percebemos o mundo à nossa volta. (NONAKA & TAKEUCHI, 1997, p. 8).
O conhecimento é hoje considerado o maior ativo das empresas.
Dois tipos de conhecimento criam o conhecimento organizacional: o
48 Conversa entre a pesquisadora e a Profa. Dra. Teresinha Fróes Burnham realizada em 13 julh 2003.
conhecimento tácito e o conhecimento explicito. A diferença entre os dois é
explicada por Nonaka e Takeuchi (1997, p. 8):
O conhecimento explicito pode ser facilmente “processado” por um computador, transmitido eletronicamente ou armazenado em banco de dados. No entanto, a natureza subjetiva e intuitiva do conhecimento tácito dificulta o processamento ou a transmissão do conhecimento adquirido por qualquer método sistemático ou lógico. Pois, para que possa ser comunicado e partilhado dentro da organização, o conhecimento tácito terá que ser convertido em palavras ou números que qualquer um possa compreender. É exatamente durante o tempo em que essa conversão ocorre – de tácito em explicito e, [...], novamente em tácito – que o conhecimento organizacional é criado.
O conhecimento está diretamente relacionado ao saber e à
capacidade de aprendizagem. Para Maturana (2000, p. 88) “aprender não é a
aquisição de algo que está lá, é uma transformação em coexistência com o
outro”. O referido autor explica o saber através de uma comparação com um
robô. Diz Maturana (2000, p. 83):
O que é saber? Há várias maneiras de nos aproximarmos desse tema, [...], escolhi fazê-lo por meio de uma comparação entre um sistema vivo e um robô.
[...]. Estritamente falando, não existe nada que possamos pensar e não possamos fazer, desde que respeitemos as coerências operacionais do campo no qual as pensamos. Bem, isso é terrível e magnífico ao mesmo tempo. Poderemos fazer robôs que falem como falamos? Teoricamente, sim. Se compreendermos quais são as coerências da linguagem, poderemos fazer robôs com linguagem.
Mas qual a diferença entre o robô e o sistema vivo? Para essa comparação poderíamos usar qualquer robô, mas vamos tomar como exemplo um robô bem simples, de uma fábrica de carros, que está frente a uma máquina e a uma esteira rolante. Ele pega uma peça, depois outra e as conecta ou parafusa, ou faz qualquer outra coisa, depois deposita o produto na esteira, que fica ali até que a esteira rolante traga mais duas peças para ele repetir a operação.
Se perguntarmos ao engenheiro como o robô faz isso, ele nos dirá que o robô sabe como fazê-lo, que tem sensores, tem afectores. Assim, ele vai usar um discurso sobre o saber do robô. O robô sabe. Nós não ficaremos surpresos, porque sabemos que isso é uma metáfora. Ela faz sentido, mas, na verdade, não é bem uma metáfora; é algo que chamo de nisófora, é um caso. Mas, num sentido, o saber do robô é um caso do saber dos sistemas vivos. Sabemos que o robô sabe porque ele atua adequadamente nas circunstâncias em que ele está operando.
Mas se tomarmos os sistemas vivos, qualquer que seja ele, por exemplo, um peixe em um tanque: ele nada, respira, come. Ele sabe como fazer isso. Como sabemos que o peixe sabe como fazer isso? Porque ele o faz adequadamente. Se tirarmos o peixe fora do tanque
e o colocarmos sobre uma mesa, ele morre. Ele não sabe como fazer e morre. Se tirarmos o robô da relação com a esteira de transmissão e o colocarmos em outro lugar, ele não vai funcionar adequadamente, porque ele não sabe como funcionar adequadamente.
Qual a diferença? A diferença é histórica. O robô chega sem história. Isso significa que ele chega através de um pacote de informações num tempo seqüencial. Mesmo que conheçamos o engenheiro, o projetista, e saibamos que eles possam ter levado um mês, um ano ou dois para desenhá-lo, o robô chega num tempo seqüencial, tal como está: quando está completo, lá está o robô.
[...] os sistemas vivos surgiram em dado momento da história e se conservaram por três, oito, bilhões de anos. Conservaram-se por reprodução, por um processo continuo de transformação, de vivência e coerência com o meio. Assim, há um sistema vivo e um meio: o sistema vivo e o meio mudam juntos, coerentemente, sem nenhum esforço.
Pensando dessa forma, seria impossível um robô criar
conhecimento para a empresa. Mas, os robôs não surgiram com a aparência
atual, nem eram projetados e fabricados para servir às fábricas e substituir o
homem nas diversas atividades. Este formato resulta de estudos que vêm
ocorrendo há milhares de anos. Eles foram criados, a princípio, porque
desde os tempos pré-históricos, o ser humano sonhava em criar outros seres
semelhantes a sua imagem, porém perfeitos e imortais. Esse desejo é
mostrado através das palavras de Goethe, no clássico Fauto , citadas por
Bittencout ( 2001, p. 19):
“Minha convicção é cada vez mais inabalável; ousarei investigar numa base racional aquilo, que na natureza, era tido como misterioso, e farei cristalizar-se o que ela dispunha segundo suas leis. [...]. No começo um grande projeto parece loucura, mas de agora em diante zombarei do acaso; o cérebro destinado a pensar superiormente, de agora em diante é o pensador que há de criá-lo”.
Explica o autor (2001, p. 19):
As palavras de Wagner, dirigidas a Mefistófeles, ao criar em seu laboratório o homúnculo – um pequeno ser humano, que vive no interior de uma proveta e é capaz de responder a todas as perguntas – resumem a fascinação do ser humano diante da possibilidade de criar uma “inteligência artificial”.
As mais antigas referências à criação de outros seres pelos homens
surgem na Mitologia, com a história de Pigmalião, rei de Chipre:
Pigmalião via tantos defeitos nas mulheres que acabou por abominá-las e resolveu viver solteiro. Era escultor e executou, com maravilhosa arte, uma estatueta de marfim, tão bela que nenhuma mulher de verdade com ela poderia comparar-se. Era, na verdade, de uma perfeita semelhança com uma jovem que estivesse viva e somente o recato impedisse de mover-se. A arte, por sua própria perfeição, ocultava-se, e a obra parecia produzida pela própria natureza. Pigmalião admirou sua obra e acabou apaixonando-se pela criação artificial. Muitas vezes apalpava-a, como para se assegurar se era viva ou não, e não podia mesmo acreditar que se tratasse apenas de marfim [...]. Estava próximo o festival de Vênus, celebrado com grande pompa em Chipre. Vítimas eram oferecidas, os altares fumegavam e o cheiro de incenso enchia o ar. Depois de ter executado sua parte nas solenidades, Pigmalião de pé, diante do altar, disse timidamente: -Deuses, vós que tudo podeis, dai-me por esposa... – não se atreveu a dizer “minha virgem de marfim”, mas acrescentou: ...alguém semelhante à minha virgem de marfim. Vênus que estava presente ao festival, ouviu-o e compreendeu o pensamento que ele não se atrevera a formular, e, como augúrio de sua benevolência, fez a chama do altar erguer-se três vezes no ar. Ao voltar para casa, Pigmalião foi ver a estátua e, debruçando-se sobre o leito, beijou-a na boca. Beijou-a de novo e abraçou-a; o marfim mostrava-se macio sob seus dedos, como a cera de Himeto. Atônito e alegre, embora duvidando e receando que se tivesse enganado de novo, muitas vezes, com o ardor de um amante, toca o objeto de suas esperanças. Estava realmente vivo. (BULFINCH, 2001, p. 78-79)
Pigmalião, vendo o seu desejo tornar-se realidade, batiza a sua
estátua, antes marmórea, de Galatéa e casa-se com ela. Já no canto
XVIII do célebre poema épico Ilíada de Homero, encontra-se registrado a
seguinte passagem:
“Vem até aqui, caro Hefesto, que Tétis deseja falar-te”. Disse-lhe, então, em resposta, o deus coxo de braços possantes: “Acha-se, então, aqui em casa a deidade que estimo e venero, que me acolheu quando tive o infortúnio de cair do alto do Olimpo, por minha mãe imprudente atirado, que, assim, pretendia de mim livrar-se, tão só! Por ser coxo! Teria sofrido imensamente, a não ser recolhido por Tétis e Eurínome – a bela Eurínome, filha do oceano que a terra circunda. – Junto das duas, nove anos, vivi numa gruta escavada, a fabricar-lhes objetos de bronze, fivelas, colares, e braceletes, e brincos. Fluía a corrente do oceano à minha volta, espumosa, com seu incessante murmúrio. Homem nenhum, nenhum deus onde certo eu me achava sabia, a não ser Tétis e Eurínome, as duas que ali me ocultavam. E ora que Tétis, de tranças venustas, vem ver-me em visita, é simplesmente um dever procurar compensar-lhe a bondade. Dons hospitais primorosos apresta-lhe e
Figura 9 – Pigmalião e Galatéa. Fonte: Bulfinch, 2001, p. 79.
mesa abundante, enquanto os foles afasto do fogo e os demais instrumentos”. Alça-se, logo, do banco da incude o disforme ferreiro, a coxear afanoso, nas pernas recurvas e bambas. Tira das chamas os foles, depondo os demais utensílios, com que folgava ocupar-se numa arca de prata maciça. Com uma esponja, depois, limpa o suor e as escórias do rosto, de ambas as mãos, do pescoço robusto, do peito veloso, e pós vestir alva túnica, sai a coxear da oficina, num cetro forte apoiado, ladeado por duas estátuas de ouro, semelhas a moças dotadas de vida, pois ambas entendimento possuíam, alento vital e linguagem, sobre entenderem das obras que aos deuses eternos são gratas. O amo elas duas ladeiam, cuidosas. Coxeando, o ferreiro foi para junto de Tétis, num trono luzente assentou-se. (HOMERO, 2001, p. 293).
Segundo Asimov (1994, p. 12), “durante os tempos antigos e
medievais, muitos homens de saber supostamente criaram seres vivos
artificiais através de artes secretas que eles aprenderam ou descobriram,
artes que lhes permitiam recorrer a poderes divinos ou diabólicos”. Losano
(1992, p. 9) complementa essa afirmação dizendo que “pela história dos
autômatos transitam literatos e políticos, fidalgos e magos, estudiosos e
homens de negócios, belas mulheres e ilusionistas”. O autor (1992, p. 8)
explica “que para superar a insuficiência dos meios técnicos que utilizavam,
seus construtores lançaram mão de todos os recursos, passando das artes
mecânicas às mágicas”. Hartmann, (apud Losano (1992, p. 7), aponta que:
muitas pessoas tecnicamente qualificadas se propuseram a construir homens artificiais que falavam, escreviam e tocavam. Mas esse é um ramo da técnica que, a despeito de todo interesse despertado, não pode ter a pretensão de haver prestado ao homem algum serviço digno de menção. Chegou a construir objetos esteticamente agradáveis ou divertidos mas não criou valores econômicos e culturais duradouros. Sem dúvida, é técnica que encerra qualquer coisa de pouco sério. Em seu conjunto, entretanto, teve importância por favorecer e difundir os procedimentos da mecânica de precisão, que se tornou essencial às ciências naturais, cada vez mais transformadas em ciências experimentais.
Diferente de Hartmann, Bittencourt aponta a importância dos
autômatos para o desenvolvimento tecnológico, especialmente da IA
(Inteligência Artificial). Diz o autor (2001, p. 42):
Os autômatos são interessantes do ponto de vista da IA por partilharem com ela seu objetivo de construir mecanismos capazes de “comportar-se como um ser vivo”. No entanto, este não é o único ponto comum entre ambos; diversas características da história dos autômatos têm analogias com a história da IA. Uma dessas analogias é o fato de os autômatos realizarem coisas surpreendentes, de serem capazes de enganar as pessoas, como alguns dos primeiros programas de IA. Outro ponto comum é que tanto autômatos como programas de IA podem ser vistos como brinquedos fúteis ou como precursores da técnica futura. No caso dos autômatos, estes serviram de “laboratório” para o desenvolvimento dos mecanismos que posteriormente seriam adotados nas máquinas modernas. Em IA, as principais técnicas foram desenvolvidas em experimentos associados a “mundo de brinquedo” (do inglês, “toy world”). Outra analogia ainda é o fato de que certos ramos da tecnologia dos autômatos deram origem a técnicas, como a fabricação de relógios, que se tornaram independentes. Analogamente, a IA deu origem à robótica industrial, ao processamento de imagens e à matemática simbólica por computador, domínios hoje independentes. O estudo “arqueológico” dos autômatos, uma vez que podemos considerá-los extintos, pode servir ainda para esclarecer o processo de desenvolvimento de novas tecnologias e sua transferência para a sociedade.
Algumas histórias de ficção científica e contos infantis retratam a
imensa vontade que tem o homem de “brincar de Deus”. Os ficcionistas
normalmente possuem uma percepção de futuro. E nessa percepção
baseiam as suas obras.
A primeira história de ficção que conta a criação de um ser perfeito
(que se tem conhecimento) foi escrita por Mary Shelley (1797-1851) em
1818: a história de Victor Frankenstein, um anatomista que não aceita a
morte e resolve criar em seu laboratório seres imortais, provenientes de
princípios científicos e restos de cadáveres. Kremer (1998, p. 76) conta como
nasceu a inspiração de Shelley:
Em 1771, o anatomista italiano Luigi Galvani descobriu que músculos de um animal morto (no caso, um sapo), estremeciam violentamente quando submetidos a choque elétrico. Mais tarde, verificou que o mesmo fenômeno ocorria quando, mesmo na ausência de faíscas elétricas, os músculos entravam em contato, simultaneamente, com dois metais diferentes, como ferro e bronze. Em 1800, outro italiano, o Conde Alessandro Volta, demonstrou que dois metais diferentes podem servir como fonte de uma corrente elétrica. Essas descobertas caíram no interesse público e algumas pessoas chegaram a especular sobre a possibilidade de se criar vida Figura 10 –
Frankenstein. Fonte: Skelley, 2001,capa.
através da eletricidade. Tanto que, em 1816, esse assunto virou tema de conversa de três amigos ingleses em férias na Suíça: Lord Byron, Percy Bysshe Shelley e Mary Wollstonecraft Godwin (que no final do ano se casaria com Shelley). Essa conversa inspirou Mary Shelley (...) a escrever Frankestein, or the Modern Prometheus, publicado em 1818. A narrativa trágica do monstro criado pelo Dr. Frankenstein através de choques elétricos aplicados em tecidos mortos, que depois se vira contra seu criador, goza de imensa popularidade até hoje.
A Ilha de Dr. Moreau, escrita por Herbert George Well (1866-1946)
em 1895, retrata a criação de seres humanos, pelo Dr. Moreau, um
geneticista famoso que realizava experiências condenadas pela comunidade
científica. Para Kremer (1998, p. 77):
O inglês Herbert George Wells (...), escritor, sociólogo, historiador e utopista, dedicou boa parte de sua imensa obra à ficção científica. Seu primeiro sucesso, The time machine (1895) foi a primeira narrativa na qual um avanço tecnológico torna possível uma viagem através do tempo. Em The war of the worlds (1895) ele inaugurou o tema das guerras interplanetárias. Outras obras de sucesso foram The island of Dr. Moreau (1896), The invisible man (1897), When the sleeper wakes (1899), The first men in the moon (1901). Sempre interessado mais nas conseqüências que podem advir de uma invenção do que na exatidão com que esta era descrita, ele previu, na obra The world set free (1914), um futuro assustador, assolado por guerras e um artefato que chamou de bomba atômica, com meio século de antecedência.
Outras histórias existem, a exemplo da que é contada por Asimov
(1994, p. 12-14). Segundo ele:
A história medieval a respeito de robôs mais conhecida hoje em dia é a do rabino Loew, passada em Praga, no século XVI. Segundo essa história, o rabino fabricou um ser humano artificial, um robô, usando como matéria-prima o barro, o mesmo material usado por Deus para fazer Adão. Um objeto de barro, por mais que se pareça com um ser humano, é uma “substancia não-formada” (a palavra para isso em hebraico é “golem”), já que não possui os atributos da vida. O rabino Loew, porém deu ao seu golem os atributos da vida fazendo uso do nome sagrado de Deus, e pôs o robô para trabalhar protegendo os judeus dos seus perseguidores.
A história do rabino Leow, no entanto, tem um final trágico: criado
para proteger o povo judeu nos ataques anti-semitas revolta-se contra o seu
criador e termina por exterminar o seu povo.
Figura 11 – Dr. Moreau. Fonte: Vídeo: A Ilha do Dr. Moreau, 1996(capa)
Os famosos clássicos infantis, que mexem com a nossa emoção e
fantasia, também possuem essas criaturas. Pinocchio, escrito por Carlo
Collodi (1826-1890) e imortalizada pelos estúdios Disney, narra a história de
um boneco de madeira construído por um carpinteiro, Gepeto, que sonha vê-
lo como um menino de verdade. Assim, numa noite clara, vê uma estrela
cadente e pede que seu sonho se torne realidade. A Fada Azul, representada
por uma bela criatura, transforma o boneco primeiramente num menino de
madeira, atribuindo-lhe a responsabilidade de ser ‘bom’ para que se torne
definitivamente humano. Para Held (1980, p. 146),
No mundo do conto e da infância o mito Pinóquio, criatura que ganha vida e que se volta maliciosamente contra seu criador, trazendo para o pobre Gepeto, alternadamente, inquietude e alegria, já contém, em germe, toda a dialética do robô tal como vai se desenvolver, em seguida nas grandes histórias de ficção científica. O bonequinho de doce de alguns de nossos contos já não seria – à sua maneira – uma criança robô?
Um outro clássico infantil, O Mágico de Oz, escrito por Lyman
Frank Baum (1856-1919) conta a história da garota Dorothy, que num dia
de temporal, em Kansas, sua cidade natal, vê a janela de sua casa
despencar, batendo-lhe à cabeça. Ao desmaiar, viaja, através de seus
sonhos, pela fantástica terra do “Oz”, um mundo repleto de surpresas e
fantasias. Na sua busca ao Mágico de Oz, que proporcionaria o retorno à sua
casa, Dorothy encontra três criaturas fantásticas, que a acompanham
durante toda a sua trajetória: um espantalho, um homem de lata e um leão.
Cada um deles possui um desejo: o espantalho quer ter um cérebro, o
homem de lata, um coração e o leão, a coragem. O cérebro (razão), o coração
Figura 12 – Pinóquio e seu pai Gepeto. Fonte: Collodi, 1985. (capa)
(emoção) e a coragem (virtude) não seriam atributos humanos? O Mágico de
“Oz” realiza os desejos, tornando-os humanos.
Monteiro Lobato (1882-1948) traz um outro
personagem do imaginário infantil: Emília, a boneca feita
de pano. Nas histórias escritas por Lobato, Emília possui
atributos humanos e convive com D. Benta, Pedrinho,
Narizinho que são personagens humanos.
No entanto, nunca fôra atribuído o nome de robô a esses seres
criados. Este termo só vem a aparecer em 1920, numa peça de ficção
escrita pelo teátrologo tcheco Karel Capek, intitulada Rossum’s Universal
Robots (Robôs universais de Rossum) – R.U.R. A peça contava a história de
um inglês chamado Rossum, fabricante de homens artificiais, que
executavam tarefas consideradas árduas para os humanos. Capek intitulou
essas criaturas de “Robôs” que significava na linguagem tcheca
“trabalhadores forçados” . Na história, os robôs adquirem emoções e se
voltam contra os humanos, exterminando-os. A palavra Robótica é cunhada
por Isaac Asimov, em 1942, na história Impasse/Runaround, publicada na
revista Astounding Science Fiction, quando um personagem diz ao outro:
“Vamos começar com as Três Regras Fundamentais da Robótica”. Asimov
Figura 13 – O homem de lata, o leão e o espantalho. Fonte: Baum, 2001,(capa)
Figura 14 – Emília. Fonte: Lobato, s.d.
(1994, p. 17) conta que as “Três Regras Fundamentais da Robótica” ficaram
conhecidas como “As Três Leis da Robótica de Asimov”. São elas:
1. Um robô não pode fazer mal a um ser humano ou, por omissão, permitir que um ser humano sofra algum tipo de mal.
2. Um robô deve obedecer às ordens dos seres humanos, a não ser que entrem em conflito com a Primeira Lei.
3. Um robô deve proteger a própria existência, a não ser que essa proteção entre em conflito com a Primeira ou Segunda Lei.
Ele já devia “prever” o grande desenvolvimento desses seres
metálicos ao escrever as Leis da Robótica. Romano e Dultra (2002, p. 2)
afirmam que “posteriormente”, Asimov acrescentou a lei zero da robótica:
Lei O. Um robô não deve fazer mal à humanidade, ou permanecer passivo numa situação que prejudique a humanidade.
Contam os historiadores que a Ciência Robótica nasceu na Grécia
Antiga com Achytas de Tarentum que teria construído um pombo mecânico
voador. Asimov (1994, p.12) afirma que:
Como não dispunham de computadores, os antigos tiveram que pensar em outras formas de introduzir qualidades quase humanas em objetos artificiais, usando vagas forças sobrenaturais que não estavam ao alcance do homem comum, mas sim dos deuses.
Duas hipóteses são levados em consideração para explicar a
origem dos robôs: ou são descendentes das inovações técnicas introduzidas
nos mecanismos industriais ao longo do tempo ou são resultados do
desenvolvimento dos primeiros brinquedos mecânicos. Para Losano (1992, p.
7) “os autômatos não são nem ferros velhos do fundo do baú nem
antecipações da robótica moderna – são as raízes de nossa cultura técnica,
inseparáveis das raízes da nossa cultura geral”. Por fazerem parte da nossa
cultura, considero importante voltarmos a eles e entendermos um pouco da
sua grande história. Esse retorno, no entanto, não pretende abranger todos
os autômatos criados pela própria natureza do trabalho e, também, pela
quantidade de registros encontrados.
Bittencourt atribui aos árabes a responsabilidade pela transmissão
cultural da origem dos autômatos. Conta o autor (2002, p. 42):
A origem da engenharia árabe e, por meio dela, da engenharia ocidental, remonta às obras de Ctesíbio (300-270 a.C.) e Filon de Bizâncio (século III a.C). Por volta do século I, Herão de Alexandria em seu livro Pneumatica e o engenheiro e arquiteto romano Vitrúdio em seu livro De architectura registram as principais invenções tecnológicas da escola mecânica grega, em particular os relógios de água, as chamadas clepsidras. De Roma e Alexandria a Bizâncio, de Bizâncio a Pérsia e a Bagdá, os árabes não apenas retransmitiram o saber herdado dos gregos mas o aperfeiçoaram e aplicaram na construção de relógios e máquinas de guerra. Por volta de 800 d.C., três irmãos, Mohamed, Achmed e Hassan Musá (os banú Musá, do árabe “Banú”, irmãos), escreveram o Livro dos mecanismos engenhosos (kitab al-hiyal) que reunia o essencial da ciência mecânica da época. Esta obra, embora só tenha sido traduzida e publicada na Europa no século XX, teve vasta projeção no mundo islâmico e circulou até o século XIV. Três séculos mais tarde, entre 1204 e 1206, Al-Jarazi escreve o Livro do conhecimento dos mecanismos engenhosos, ponto culminante da mecânica árabe medieval. Esta obra chegou até os dias de hoje graças ao matemático e estudioso de línguas orientais, o inglês John Greaves que durante uma viagem ao Egito, por volta de 1630, comprou uma cópia do manuscrito de Al-Jarazi. Após sua morte em 1652, sua biblioteca foi vendida e se dispersou, mas os manuscritos mais importantes foram preservados e adquiridos pela biblioteca de Oxford em 1678. O manuscrito só foi publicado de forma integral em tradução de Ronald Hill em 1975. Embora a principal aplicação dos autônomos no mundo árabe tenha sido a diversão dos grandes senhores, seus princípios não deixam de ser igualmente válidos para aplicações práticas: um mecanismo, movido a força de boi, para elevar a água em um campo e um medidor para o volume de sangue extraído em uma flebotomia são dois exemplos desse tipo de aplicação descritos no manuscrito de Al-Jarazi.
Os primeiros relógios mecânicos foram construídos na Grécia.
Originaram-se de relógios de água – as clepsidras. Pimenta aponta o relógio
criando por Ctesíbio como o primeiro relógio desenvolvido com mecanismo.
Diz o autor:
Cerca de um século antes da nossa era, processa-se uma alteração radical na construção de clepsidras. Isto sucedeu quando Ktesíbio, famoso mecânico da Alexandria, que se dedicava à construção de máquinas de guerra, instrumentos cirúrgicos e outros aparelhos, aperfeiçoou de maneira notável o primitivo relógio de água, agregando-lhe um mecanismo de rodas dentadas, tornando-o portanto um relógio mecano-hidraulico. Foi uma inovação realmente extraordinária para a sua época, constituindo-se também no
Figura 15 – Relógio de água, no tratado de Al jazari, século XIII. Oxford, Bodleian Library. Fonte: Losano, 1992.
primeiro passo que levou à construção dos relógios puramente mecânicos, cujo aparecimento se deu em fins da Idade Média.
Baseados em documentos que descrevem esses relógios mecano-hidráulicos, diversos autores procuraram reconstrui-los, sendo uma das reconstruções mais conhecidas a que foi realizada por Oscar Hulcker [...]. Esse relógio hidráulico de Ktesíbio constituía-se de um recipiente de metal, dentro do qual havia uma bóia que ia subindo conforme se elevava o nível da água, proveniente do gotejamento que partia de um recipiente superior; encimando essa bóia existia uma vareta mantida em posição vertical por duas guias, na extremidade dessa vareta uma pequena figura, com um braço esticado, empunhava uma agulha que indicava as horas em uma coluna graduada. Essa coluna apresentava divisões correspondentes às diversas estações do ano e era giratória, pe rmitindo ao relógio funcionar indicando as horas durante todo o ano. (PIMENTA,1976, p. 42)
Entre as invenções atribuídas a Ctesíbio, que viveu no século III
a.C.: está o uso do ar como força motriz de aparelhos mecânicos, a construção de máquinas hidráulicas, então acompanhadas de autômatos, e por fim, o fabrico de relógios de água. Esses últimos, porém, já deviam ser conhecidos havia tempos, e a contribuição de Ctesíbio consistiria sobretudo em aperfeiçoar mecanismos já existentes. (LOSANO, 1992, p. 24).
Uma clepsidra mais aprimorada atribuída a Ctesíbio, é composta
de uma coluna graduada, movimentada por um sistema de engrenagens,
realizando uma volta durante um ano. Junto a coluna, existia uma figura em
miniatura que vertia água de uma clepsidra comum gotejando para dentro
de uma câmara interna do aparelho. Esse movimento elevava um flutuador
que possuía uma haste sobre a qual outra figura em miniatura indicava as
horas nos círculos existentes, que girava sobre si mesma, mostrando os
dozes meses do ano, através de uma varinha (Pimenta, 1976). Um autômato
pertencente à época de Al-Jazari é apresentado por Losano (1992, p.33):
Cada um dos comensais tem nas mãos uma garrafa e uma taça. O mecanismo faz com que um deles derrame a água ou o vinho na taça do outro, o qual a conduz à boca, esvazia-a e sacode várias vezes a cabeça em sinal de agradecimento. A cena repete-se alternadamente a cada oitavo de hora, enquanto houver líquido no recipiente posto sobre a cúpula do mecanismo. Daí a água desce por meio de um tubo, que conduz uma quantidade predeterminada de
Figura 16 – Clepsidra atribuída a Ctesíbio. Fonte: Pimenta, 1976, p. 43
líquido a um recipiente emborcável. Quando o recipiente está cheio, sua parte anterior inclina-se para baixo, enquanto a posterior desloca o tubo, voltando-o para o outro recipiente emborcável. Essas duas bacias em equilíbrio são visíveis na parte superior do engenho. A água assim conduzida escorre por tubos ocultos nas colunas e chega à garrafa mediante tubos colocados sob as vestes e nos braços dos comensais. Parecendo sair da garrafa, o líquido entra na taça do outro conviva, que o conduz aos lábios e o emborca como se bebesse, quando na realidade o líquido escorre pelo fundo da taça, por meio de tubo escondido no braço e sob as vestes. Quando a água já escoou, o braço se distende, e a cabeça balança várias vezes (...). Desse modo, os dois comensais bebem alternadamente, pelo tempo que os assistentes o desejarem. Terminada a festa, o líquido recolhido no fundo do mecanismo se esvai.
Na Idade Média foram construídos cavaleiros de aço (armaduras
que andam e expelem fogo e gases pelos elmos) movidos a vapor. Com o
surgimento da arte da relojoaria e da mecânica de precisão, foram criados
vários dispositivos mecânicos: ferro voador que flutuava no espaço,
construído por Johan Muller, águia mecânica que planou em cima da cabeça
do Imperador Maximiliano quando este entrou vitorioso em Nuremberg,
figuras mecânicas que se moviam sozinhas para soar as badaladas dos
relógios das grandes catedrais e uma legendária cabeça falante que
respondia “sim” ou “não” quando questionada sobre o passado, presente e
futuro, atribuída ao papa Silvestre II (945-1003). Pazos (2002, p. 6)
acrescenta que:
Na época medieval, relógios montados no topo das igrejas e catedrais tinham uma figura humana de tamanho natural, geralmente a representação de um anjo ou um demônio, que se movimentava para, com um martelo, bater num sino, marcando dessa maneira as horas. Essas figuras, que no início eram simples e com um único movimento de rotação, foram se sofisticando e adquirindo cada vez mais complexidade.
Figura 17 – Clepsidra atribuída a Ctesíbio. Fonte: Pimenta, 1976, p. 40.
Nos seus estudos sobre o corpo humano, Leonardo da Vinci (1452-
1519) encontrou estruturas mecânicas e tentou reproduzi-las em robôs.
Atzingen (2001, p. 157) afirma que “em 1509, o rei Luís XII da França, já
adulto, ganhou um brinquedo feito por Leonardo da Vinci [...]. Era um leão
que andava, parava diante do trono e despejava flores-de-lis”. A referida
autora informa, ainda, que “cem anos depois René Descartes (1596-1650),
filósofo e matemático francês, fabricou um bebê mecânico que chamava de
ma fille Francine (minha filha Francine)”. Losano (1992, p. 50) põe em
dúvida a realidade dos autômatos na Idade Média, ao afirmar:
São freqüentes na literatura medieval as referências a autômatos prodigiosos. É quase impossível dizer se se trata de pura fantasia inspirada em modelos literários antigos de relatos exagerados de autômatos realmente observados ou, ainda, de descrições baseadas em conhecimento indireto sobre os autômatos árabes.
Tais atividades mecânicas eram tidas como próximas da magia e, freqüentemente, como ímpias, pois o homem, criatura, ao produzi-las parecia querer rivalizar com o seu criador, imitando-lhe o comportamento e emulando com ele nos resultados. As histórias dos autômatos medievais estão, portanto, envoltas numa atmosfera de magia, com aparências diabólicas que tantos inconvenientes causaram aos mecânicos da época.
Bittencout concorda com Losano. Para ele (2002, p. 43):
Na literatura da Idade Média existem diversas referências a
autômatos e máquinas prodigiosas, como uma cabeça falante, atribuída ao filósofo Alberto Magno (1192-1280), que respondia perguntas e, conta a lenda, foi destruída por seu discípulo Tomás de Aquino (1225-1274). Ou ainda uma mosca mecânica, construída por um mítico mago Virgílio, bispo de Nápoles, que teria mantido durante oito anos todas as moscas verdadeiras longe da cidade. Nesses relatos é difícil separar realidade de fantasia. As atividades mecânicas eram consideradas ímpias e próximas da magia, pois com ela o homem tentava imitar o criador. Ao lado de figuras mecânicas, os relatos da Idade Média também falam de criaturas movidas por forças alquímicas, como o homúnculo descrito no poema Fausto de Goethe e monstros da tradição hebraica como Golem, Lelapos e Theraphim.
No século XVIII refereciam-se outros autômatos, a exemplo do
boneco de corda criado por Pierre Jacquet Droz (1721-1790); o boneco
pegava uma pena, molhava-a no tinteiro, escrevia uma frase inteira e
continuava a escrever mesmo que a tinta no tinteiro terminasse. Um pato
(de cobre) foi criado pelo francês Jacques de Vaucanson (1709-1782); este
autômato reproduzia fielmente os movimentos de um pato vivo (andava,
nadava, batia as asas, bebia e comia). À Vaucasson também foi atribuída a
construção de um tocador de flauta automatizado. Pazos (2002, p. 6) explica
o funcionamento do autômato: “um cilindro com relevo (uma verdadeira
memória de CD-ROM), ao girar, movimentava uma série de cames que
controlavam pistões de diferentes comprimentos, gerando assim os
diferentes tons de uma flauta”. Em 1769, o Barão Wolfgang von Kemplen
(1734-1804) apresentou na corte de Viena, uma máquina de jogar xadrez em
embates com humanos. Mais tarde foi descoberto que existia um enxadrista
dentro da máquina e que não passava de um truque. Essa máquina, no
entanto, tornou-se verdade em 1997, quando o Deep Blue, um super
computador projetado pela IBM, desafiou um campeão mundial de xadrez
(Garry Kasparov), vencendo-o. Henri Mailladert, em 1805, construiu uma
boneca mecânica capaz de escrever e desenhar. Pazos (2002,p. 6) informa
que a boneca “levava uns cinco minutos para executar uma tarefa, e tinha
vários itens no seu repertório (armazenados numa memória mecânica) que
podiam ser selecionados”
O movimento e som sempre foram os aspectos humanos mais
buscados na criação dos autônomos. Porém todos esses autômatos (apesar
de maravilhosos para a época em que foram criados) não passavam de
engrenagens de relógios sofisticados ou de truques ilusionistas. Asimov
(1994, p.14) assim descreve essa época:
O século XVIII foi a era de ouro dos “autônomos”, máquinas que, a partir de uma fonte de energia como uma mola retesada ou um reservatório de ar comprimido, podiam executar uma série de movimentos complexos. Assim, foram fabricados soldados de brinquedo que marchavam; patos capazes de grasnar, nadar, beber água, comer milho, meninos que mergulhavam uma pena em um tinteiro e escreviam uma carta (sempre a mesma, é claro). Esses autônomos eram exibidos em locais públicos e se tornaram muito populares (além de , às vezes, trazerem bons lucros para os seus inventores). Era uma coisa sem futuro, é claro, mas manteve acesa a idéia de que um dia talvez fosse possível construir máquinas capazes de fazer mais do que repetir uma série de movimentos estereotipados, algo que se parecesse mais com uma criatura viva.
Para Pazos (2002, p. 7), no entanto, as “criações mecânicas de
forma humana devem ser observadas como invenções isoladas que refletem
o gênio de homens que estavam bem à frente do seu tempo”. O referido autor
chama atenção para as invenções mecânicas construídas durante a
revolução industrial “por mentes de igual genialidade, muitas das quais
foram direcionadas para o negócio da produção têxtil” (PAZOS, 2002, p. 7).
Cita como exemplos a fiadeira de fusos múltiplos criada em 1770 por
Hargreaves, a máquina de fiar de Cromptom criada em 1779, o tear mecânico
de Cartwright, em 1785 e o tear de Jacquard criado em 1801.
Figura 18 – Os autômatos de Jaquet-Droz – Fonte: Losano, 1992.
Figura 19 – Pato de Vacauson –Fonte: Losano, 1992.
Até o século XIX, a fonte de energia dos autômatos era apartada
das máquinas. Eles eram impulsionados pela água, vento, cavalo ou o
homem. No século XX, apareceram engenhos mecânicos capazes de realizar
ou não uma tarefa. Em 1902 foi construída uma máquina automática de
fazer chá que só funcionava com a utilização do fósforo para acender sua
lamparina e que talvez tenha sido considerada um verdadeiro robô. Com o
surgimento dos computadores, o sonho antigo dos homens de criar seres à
sua imagem e semelhança, toma um novo impulso.
Em 1948 o matemático Norbert Wiener (1894-1964) lança o livro
Cybernetics: or control and comunication in the animal and the machine
(Cibernética: ou, controle e comunicação nos animais e nas máquinas).
Neste mesmo ano, um inglês W. Grey Walter construiu Elmer, uma tartaruga
Figura 20 – O enxadrista humano e o autômato enxadrista de Von Kempler. Fonte: Losano, 1992.
mecânica. Elmer apoiava-se sobre três rodas e quando suas baterias
estavam carregadas procurava lugares escuros para descansar. Quando
suas baterias descarregavam, procurava lugares com luz. Em 1951, Elwood
Shannon criou um rato robô, um imã com bigodes sensores que em contato
com paredes imantadas girava em ângulo reto.
Para Pazos duas tecnologias foram desenvolvidas e podem ser
consideradas antecedentes imediatos da robótica: o comando numérico e o
telecomando. Segundo o autor (2002, p. 7):
O comando numérico é uma tecnologia desenvolvida no final da década de 40 e início de 50, baseando-se no trabalho original de John Parsons. Esta tecnologia é utilizada para controlar as ações de uma máquina operatriz, a qual é programada por meio de números, que podem ser introduzidos através de um teclado ou pela leitura de um cartão perfurado. Esses números podem especificar, por exemplo, as diferentes posições das ferramentas da máquina para efetuar uma usinagem adequada numa peça. O telecomando trata do uso de um manipulador remoto controlado por um ser humano. O manipulador é um dispositivo, em geral eletro-mecânico, que pode ser uma garra, um braço mecânico ou ainda um carro explorador, que reproduz os movimentos indicados por um operador humano localizado num local remoto. Esses movimentos podem ser indicados pelo operador através de um joystick ou algum outro tipo de dispositivo adequado.
A base dos robôs modernos é formada pela combinação de
telecomando e comando numérico. A dois cientistas é atribuída a
responsabilidade pela confluência dessas duas tecnologias: Cyril Walter
Kenward e George C. Devol. Kenward é um inventor britânico que em 1954
patenteou um dispositivo robótico. Devol é um inventor norte-americano a
quem, segundo Pazos (2000, p. 8),
devem ser creditadas duas invenções que tiveram por conseqüência o desenvolvimento dos robôs tal como os entendemos hoje em dia. A primeira invenção de Devol consiste num dispositivo utilizado para registrar sinais elétricos magneticamente e reproduzi-los para controlar uma máquina. Tal dispositivo data de 1946. A segunda invenção denomina-se “transferência programada de artigos” e data de 1961.
O primeiro protótipo de robô industrial foi criado por Joseph
Engelberger, juntamente com Devol, em 1962: o Unimate . Era utilizado em
aplicações industriais e o primeiro registro de utilização aconteceu na Ford
Motor Company “para descarregamento de uma máquina de fundição sob
pressão” (Pazos, 2002, p. 8). O autor afirma ainda que:
A mesma empresa que criou o Unimate desenvolveu, em 1974, um outro robô chamado PUMA. Este rapidamente se tornou de uso industrial popular e é altamente utilizado até nossos dias. O PUMA é um robô relativamente pequeno, com um braço articulado, cujo projeto estava baseado em estudos de automação de montagem realizados na General Motors. Justamente, PUMA são as iniciais de Programmable Universal Machine for Assembly (isto é, máquina universal programável para montagem). (PAZOS, 2002, p. 9-10)
Experiências cada vez mais sofisticadas têm possibilitado a criação
de robôs com nariz artificial (odor), sensores que identificam o olfato e o
paladar, sentido de visão e pele artificial (tato). Atualmente diversos
protótipos de robôs são apresentados anualmente ao mercado. O P3 da
Figura 21 – Desenho de um robô PUMA 560. Fonte: PAZOS, 2002, capa.
Honda (montadora de carros japonesa), por exemplo, é um avançadissímo
robô bípede, equipado com 30 motores e 4 tipos de sensores. Possui 1,60m
de altura e pesa 130kg. Seu corpo, construído de uma liga de magnésio, é
leve e resistente e é capaz de subir escadas e segurar objetos com suavidade.
A Mistubishi, por sua vez, apresentou o Wakamaru, um robô que
pode se comunicar com o homem, uma vez que possui um vocabulário de 10
mil palavras.
Apresentado na Robodex 2003, o Assimo,
um robô de 1,20m e 54kg, também da
fabricante Honda, realiza maiores proezas:
pode andar em várias direções, atende a
comandos, informa a temperatura e
previsão do tempo (em tempo real).
Outros robôs interessantes foram
apresentados na Robodex2003. A Sony
exibiu os seus robôs dançantes: os SDR-4X
II.
Figura 23 – SDR-4X II da Sony. Fonte: http://www.terra.com.br/ Informatica/galeria/robodex2003/foto_20030404017.htm
Figura 22 – Assimo. Fonte: http://www.terra.com.br/ informatica/galeria/robodex2003/foto_20030404017.htm
Os robôs, hoje, não são mais “esses estranhos seres metálicos”.
Já podem ser construídos de plástico e silício além do velho e nobre “metal”.
E já são capazes de façanhas antes vistas só nos humanos como dançar e
falar (mesmo com voz ainda metálica). O mais contundente, no entanto,
são estudos sobre a estrutura do cérebro para criar uma máquina
inteligente, que possa solucionar problemas, tomar atitudes, sem a
interferência humana, uma máquina dotada de inteligência, ainda que
artificial. Para Clarke49,
Há muito tempo as pessoas se perguntam: máquinas podem pensar? Pensar é a base daquilo que somos. Mesmo um simples computador pensa de um modo limitado pois pensar significa reagir a um ambiente de maneira adequada e não fazer alguma loucura. À medida que forem ficando mais complexos, eles poderão nos superar. Mas a questão é: eles serão conscientes? E isso é bem diferente. Pensar é uma coisa, mas saber que você pensa é algo bem mais complicado. Existe uma enorme discussão sobre isso atualmente: se as máquinas, se os computadores, se tornarão entidades conscientes.
Alan Turing (1912-1954)50 foi o primeiro pesquisador a inquirir
49 Arthur C. Clarke é escritor de ficção científica. Entrevista concedida ao programa Robôs ou Humanos da série Fronteiras da Ciência, exibido pela Discovery Channel em 5 nov 2003, às 5h. 50 Matemático nascido em Londres é considerado por alguns estudiosos como o fundador da Ciência da Computação.Inventou em 1936 a Máquina de Turing. Segundo Lewis & Papadimitriou ( 2000, p. 176) “Uma máquina de Turing consiste em um controle finito, uma fita e um cabeçote que pode ser utilizado para efetuar leituras ou gravações na fita”
Figura 24 Wakamaru. Fonte: http://www.terra.com.br/ informatica/galeria/robodex2003/foto_20030404017.htm
sobre a possibilidade de uma máquina pensar. No seu artigo “Computing
machinery and intelligence” publicado em 1950 no Mind, famoso jornal de
filosofia da Grã-Bretanha, ele propõe considerar a questão: “Can machines
think? Para responder a esta questão ele sugere um game, intitulado
‘imitation game’. Escreve Turing (1950, p. 433-434):
The new form of the problem can be described in terms of a game which we call the ‘imitation game’. It is played with three people, a man (A), a woman (B), and an interrogator (C) who may be of either sex. The interrogator stays in a room apart from the other two. The object of the game for the interrogator is to determine which of the other two is the man and which is the woman. He knows them by labels X and Y, and at the end of the game he says either ‘X is A and Y is B’ or X is B and Y is A’. The interrogator is allowed to put questions to A and B thus: C: Will X please tell me the length of his ou her hair? Now suppose X is actually A, then A must answer. It is A’s object in the game to try and cause C to make the wrong identification. His answer might therefore be ‘My hair is shingled, and the longest strands are about nine inches long’. In order that tones of voice may not help the interrogator the answers should be written, or better still, typewritten. The ideal arrangement is to have a teleprinter communicating between the two rooms. Alternatively the question and answer can be repeated by an intermediary. The object of the game for the third player (B) is to help the interrogator. The best strategy for her is probably to give truthful answer. She can add such things as ‘I am the woman, don’ t listen to him!’ to her answers, but it will avail nothing as the man can make similar remarks. We now ask the question, ‘What will happen when a machine takes the part of A in the game? Will the interrogator decide wrongly as often when the game is played like this as he does when the game is played between a man and a woman? These questions replace our original, ‘Can machines think? ‘ 51
Durante muito tempo, as pesquisas para construção de robôs
centralizavam-se na estrutura do corpo humano. Agora, os cientistas
observam a natureza e, principalmente os animais, como inspiração para
51 O ‘jogo da imitação’ pensado por Turing propõe colocar três pessoas – um homem (A), uma mulher (B) e um interrogador que pode ser de qualquer um dos sexos (C) – em salas separadas. Eles se comunicarão respondendo perguntas feitas pelo interrogador, que deverá ‘acertar’ qual dos dois participantes é a mulher. Se o homem (B) for substituído por uma máquina e esta consiga enganar o interrogador, não possibilitando que ele descubra que está ‘conversando’ com uma máquina, então poderíamos dizer que o computador não é apenas uma máquina de calcular.
seus estudos. Um exemplo desses novos robôs é Átila criado por Rodney
Brooks, cientista do MIT. Kaku (2001, p. 95) afirma que:
Para Brooks, o futuro da inteligência artificial não pertence aos computadores gigantes, que enchem andares inteiros, romantizados em incontáveis filmes de Hollywood. Pertence, isso sim, a minúsculos mas notavelmente ágeis insetos mecânicos como Átila, e a uma maneira original, inteiramente nova de encarar a inteligência artificial e a robótica.
Ao contrário dos robôs moveis tradicionais, que precisam ser alimentados com enormes programas de computador antes de se mover, Átila aprende tudo a partir do zero. Teve até de aprender a andar. Quando foi ligado pela primeira vez, seus pés arrevesaram-se em todas as direções, como os de uma barata embriagada. Aos poucos, porém, depois de muita tentativa e erro, ele aprendeu como mover seis pernas com a coordenação adequada como um inseto. Um simples mecanismo de feedback é tudo de que Átila precisa para aprender a rastejar por todo o Laboratório de IA.
Os robôs dessa nova geração são afetuosamente chamados “insetóides” e “bugbots”.
Átila pesa 1,6kg, move-se a uma velocidade de 2,4 km por hora,
tem a aparência de uma enorme barata com seis pernas feitas de varetas e é
equipada com dez computadores e 150 sensores. Átila, que aparece na
Figura 25, representa um novo conceito de criação de robôs. Ele é
considerado um verdadeiro autômato, capaz de tomar decisões próprias.
Numa breve análise, podemos perceber que os últimos 100 anos
serviram de palco para uma modificação radical e veloz da vida e,
Figura 25 – Robô Átila. Fonte: KAKU, 2001, p. 95.
consequentemente, do comportamento humano. Inventos como o telefone
(1876), a televisão (1926), o computador (1946 – o ENIAC52), dentre outros,
possibilitaram a derrocada de um mundo tradicional e o surgimento de um
mundo tecnologizado. Losano divide a história da técnica em três fases
distintas. Para o autor (1992, p.8-9), a primeira fase corresponde:
a descoberta dos mecanismos e vai da origem de nossa civilização ao século XIX. A grande transformação se inicia no século XVII, mas a tecnologia permanece essencialmente a mesma. Essa extensíssima fase inicial caracteriza-se pelo progressivo aperfeiçoamento dos instrumentos que substituem e incrementam a força muscular do trabalhador individual.
A máquina a vapor abre a segunda fase, que pode ser definida a dos motores; estes, a partir da metade do século XIX, permitem não só substituir mas também multiplicar a força do operário. O trabalho deste contém cada vez menos execução direta e cada vez mais controle sobre a execução empreendida pela máquina. Foi fase breve, pois durou menos de um século, mas produziu mudanças sociais mais incisivas e radicais que os dois milênios anteriores.
A terceira fase abre-se com o fim da Segunda Guerra Mundial, quando as técnicas do processamento eletrônico de dados foram transferidos do âmbito militar para o civil. Em 1945, ninguém podia imaginar que a eletrônica, em poucas décadas, teria levado à extinção de famílias inteiras de produtos mecânicos. A fase da eletrônica distingue-se pela construção de instrumentos que substituem e ampliam não mais o trabalho manual mas o intelectual, em grau cada vez mais amplo e em formas socialmente cada vez mais inquietantes.
Agora estamos a caminho da “nanoera”, onde robôs
miniaturizados poderão percorrer os nossos corpos em busca de células
defeituosas a fim de combater doenças como o câncer e, quem sabe,
proporcionar a eterna juventude. O Dicionário de Tecnologia53 diz:
A nanotecnologia, ou, como algumas vezes se diz, fabricação molecular, é um ramo da engenharia que trata do projeto e produção de circuitos eletrônicos e dispositivos eletrônicos extremamente pequenos construídos no nível molecular da matéria. O Institute of Nanotecnology no Reino Unido a caracteriza como ‘ciência e tecnologia nas quais dimensões e tolerâncias na faixa de 0,1 nanômetro (nm) a 100 nm desempenham uma função importante’. A nanotecnologia é muitas vezes abordada em conjunto com os sistemas microeletromecânicos (MEMS), uma área que geralmente
52 Primeiro computador completamente eletrônico. 53 NANOTECNOLOGIA. In: Dicionário de tecnologia editado por Lowell Thing. São Paulo: Futura, 2003.
inclui a nanotecnologia, mas também pode englobar tecnologias de nível maior do que o molecular. Há um limite para o número de componentes que podem ser construídos sobre uma lâmina semicondutora (semiconductor) ou ‘chip’. Tradicionalmente, os circuitos são gravados sobre os chips pela remoção de material de pequenas áreas. Entretanto, também é teoricamente possível montar chips, átomo (atom) por átomo, obtendo assim dispositivos muito menores do que aqueles que podem ser fabricados por gravação. Nessa abordagem, não haveria átomos supérfluos; cada partícula teria uma finalidade. Condutores elétricos, chamados de nanocabos (nanowires), teriam a espessura de apenas um átomo. Para um logic gate seriam necessários apenas alguns átomos. Um bit de dados poderia ser representado pela presença ou ausência de um único elétron (electron). A nanotecnologia é bastante promissora na busca por computadores e dispositivos de comunicação ainda mais poderosos. Mas as aplicações mais fascinantes (e potencialmente perigosas) são na ciência médica. Os chamados nanorobôs poderiam funcionar como anticorpos programáveis. Como as bactérias e vírus patogênicos sofrem mutações em suas infindáveis tentativas de esquivar dos tratamentos médicos, os nanorobôs poderiam ser reprogramados para localizá-los e destruí-los seletivamente. Outros nanorobôs poderiam ser programados para identificar e matar células cancerosas.
Cientistas médicos realizam pesquisas a fim de utilizar a
nanotecnologia, os melhor, os nanorobôs para vigiar e combater doenças no
corpo humano, a exemplo do que pode ser visto na Tohoku University
(Sendai) e nos projetos da NASA.
O sonho do tratamento microscópio está se tornando realidade. A Universidade de Tohoku, tem um centro de promoção da pesquisa industrial. O professor Masayoshi Esashi está agora desenvolvendo um sensor para o tratamento de vasos sangüíneos no cérebro. Parte de sua pesquisa concentra-se nos aneurismas cerebrais. Aneurisma: esta é uma situação em que os vasos sangüíneos do cérebro ficam dilatados. Se um aneurisma avança, pode se romper causando uma hemorragia subaracnoidia. Até pouco tempo atrás, a única forma de se localizar um aneurisma cerebral era através do Raio X que mostrava apenas seu tamanho e formato. Para fazer uma observação mais precisa de dentro do vaso sangüíneo foi necessário desenvolver um sensor especial. O professor Masayoshi Esashi vem trabalhando para criar um micro sensor que possa penetrar vasos sangüíneos e medir sua pressão: sensor de pressão sangüínea. O sensor feito de silício e outros materiais é embutido na ponta de uma fibra ótica. Ele tem 1/8 de milímetro no diâmetro igual a um fio de cabelo. Ele funciona assim: a extremidade do sensor é programada para retroceder em reação a pressão do fluxo sangüíneo. A fibra ótica transmite um comprimento de onda de luz especifico até a ponta do sensor. Se a ponta retrocede, o comprimento da onda de luz refletida difere daquela da luz original. A análise da diferença permite a medição da pressão sangüínea. O professor Esashi está modificando o sensor para que ele possa medir a pressão sangüínea com precisão, mesmo num vaso sangüíneo retorcido. Ele espera colocá-lo
em prática no futuro próximo. O professor Esashi e sua equipe acreditam que no futuro aneurismas cerebrais serão tratados da seguinte forma: um catetere que se move livremente nos vasos sangüíneos levará o sensor até a área atingida. O microsensor medirá a pressão sangüínea em vários pontos na área do aneurisma. Isso dirá aos médicos qual a pressão exercida em cada ponto. Após analisar os dados, eles vão inserir uma peça estreita de platina no vaso sangüíneo para coagular o sangue e evitar que o aneurisma se rompa.54
A NASA tem investido recursos e tempo no estudo do espaço
interior do corpo humano. Cientistas buscam estratégias para enviar
homens a Marte sem expô-los a riscos e, principalmente, possibilitando a
busca e cura de doenças que possam assolá-los.
Este é o início de uma nova era, a era da nanomedicina. Para manter os astronautas seguros e saudáveis na missão a Marte robôs miniaturizados serão colocados dentro do corpo humano.[...] O que a NASA propõe é algo vindo do mundo da ficção científica. [...] A pílula conterá milhões de máquinas microscópicas. Robôs minúsculos feitos para patrulhar o corpo procurando doenças em estado inicial, trabalhando nessa escala porque a célula viva é onde as doenças primeiro atacam. A célula é a máquina básica composta de muitas peças e componentes menores. [...]. Nós somos feitos de uma multidão de células. Cada uma de nossas células é uma nanomáquina complexa. Somos construídos pelas nanomáquinas da natureza. Elas se dividem e nós crescemos. Essas células individuais se multiplicam formando cada elemento e peça de nosso corpo. [...]. Criado por nanomáquinas chamadas células, o nosso corpo ganha vida. Ao nascermos o nosso corpo é feito por uma miríade de células. A idéia visionária de que cientistas possam criar robôs médicos para trabalhar dentro das células parece ficção científica.55
Os cientistas da NASA dizem que muitas das inspirações para
desenvolvimento das pesquisas e novas possibilidades de proteção à vida
humana são provenientes de filmes de ficção. Ralph Meskle referencia os
filmes ao dizer: Viagem fantástica nos apresentou a idéia de ter pequenos aparelhos viajando pela nossa corrente sangüínea. Mas a abordagem que eles usaram não achamos ser praticável. Encolher submarinos àquela escala não parece algo que vá acontecer. Mas a idéia de ter pequenos aparelhos médicos nessa escala parece possível.56.
54 Extraido programa Nanotecnologia da série Fronteiras da Ciência, exibido pela Discovery Channel em 4 nov 2003, às 5h. 55 Texto extraído do documentário Viagem fantástica pelo corpo humano: em busca da cura. Discovery Health Channel (DVD). Produzido e dirigido por Michael Danks. São Paulo: Playarte Home Vídeo, s.d. 56 Id.
O cientista refere-se ao filme de ficção científica Viagem Fantástica.
Dois filmes de ficção empreendem a mesma jornada: Viagem Fantástica e
Viagem Insólita (1987). O primeiro conta a história de quatro cientistas que
são miniaturizados, juntamente com um submarino, para empreenderem
uma viagem através do corpo humano, rumo ao cérebro, a fim de realizarem
uma complicada operação utilizando raio laser. O segundo narra a história
de um homem que é miniaturizado, juntamente com uma nave espacial,
para ser injetado no corpo de um coelho visando pesquisas científicas, mas
que acidentalmente é injetado num corpo humano e empreende uma viagem
através do mesmo.
Enquanto a NASA e o professor Esashi realizam pesquisas para
utilização de nanorobôs, desde 1994 o professor Paul Swain, médico do
London Hospital, na Inglaterra, já utiliza uma pílula câmera que, instalada
no corpo do paciente, percorre todo o seu trato digestivo, fotografando-o. De
fácil instalação, possibilita um estudo extremamente minucioso realizado
através de um computador:
câmeras endoscópias convencionais usam um tubo conectado para ver dentro do corpo. [...]. O endoscópio oferece uma visão importante do organismo mas causa desconforto e tem uma visão bastante limitada. A pílula de Paul Swain pode ser engolida e ela fotografa sua viagem dentro do corpo do paciente indo até o intestino fino, onde os médicos antes só viam através de uma dolorosa cirurgia. Enquanto o paciente é informado, o equipamento é facilmente instalado.[...]. As câmeras transmitem sinais que passam pela parede abdominal e são capturadas por uma estrutura de 8 antenas. Durante o exame [...] tiramos cerca de cinqüenta mil fotos, cinqüenta mil imagens são armazenadas num poderoso computador amarrado à cintura. [...]. Com cada flash a câmera transmite uma foto. A pílula chega ao estômago após oito segundos, onde fica durante uma hora. Ela segue e durante três ou quatro horas, a câmera transmite fotos claras que o professor Swain pode analisar do seu consultório. Medindo pela nanoescala, a pílula de Paul Swain tem trinta milhões de nanômetros.57
57 Id.
A nanotecnologia não é nova. Ela foi anunciada pela primeira vez
em 1959 em uma palestra realizada no encontro anual da American Physical
Society por um físico norte americano chamado Richard Feymann (1918-
1988) prêmio Nobel da Física em 1965. O assunto só voltou a ser discutido,
no entanto, em 1992, através do Dr. K. Eric Drexler. Pesquisas nesta linha
continuam e como diz Osamu Tezuka, cartunista japonês58
Teremos que enfrentar essa questão que é a co-existência com os robôs. Dizem que o homem tem mais de quatorze bilhões de neurônios. Mas mesmo que um robô com quatorze bilhões de circuitos integrados seja produzido, ele será apenas um pseudo-humano, não um ser humano real. Os pseudo humanos não serão feitos por Deus, mas sim pela tecnologia do homem. E aí está o problema. Porque os humanos que fazem e operam robôs não são cem por cento confiáveis.
Ao que Clarke59 complementa:
Criamos ferramentas que se tornaram cada vez mais complexas e poderosas. Facilitamos a vida, mas não a simplificamos. Há o perigo de que as ferramentas se tornem mais complicadas e ocupem cada vez mais nossas vidas e assim perderemos a alegria e o prazer. Espero que nós e as nossas criaturas possamos interagir de modo mais positivo, numa espécie de simbiose, que nos levará a uma civilização melhor. Mas só o futuro nos dirá.
A história do desenvolvimento do robô, contada de forma sintética
neste capítulo, mostra claramente que ele é uma realidade e que é preciso
preparar essa nova geração para utilizar uma tecnologia que já se faz
presente, de forma racional e humana. O que a Robótica pedagógica
proporciona ao processo de aprendizagem será discutido em capítulo
especifico.
58 Programa Robôs ou Humanos da série Fronteiras da Ciência, exibido pela Discovery Channel em 5 nov 2003, às 5h. 59 Id.
4. A vida é como um filme... ou será como uma história? Ficção ou
realidade? Eis a questão...
Normalmente, quando se fala em robô, logo vem à mente a imagem
de um ser com aparência humana e que age como um humano. Para
Groover at al. (1988, p.7), “esse conceito humanóide foi inspirado e
encorajado por inúmeras histórias de ficção científica”. Gunn e Boucher
(apud Kremer, 1998, p. 75) definem Ficção Cientifica como:
O tratamento ficcional em livros, revistas, filmes, televisão, discos compactos e outros meios, relativo aos efeitos da ciência ou eventos futuros sobre seres humanos. Ficção científica lida com eventos que não aconteceram, poderiam ter acontecido, ou ainda não aconteceram. Considera estes eventos racionalmente e preocupa -se com o impacto da mudança sobre as pessoas. Assuntos comuns da ficção científica incluem o futuro, viagens através do espaço ou do tempo, vida em outros planetas e crises causadas pela tecnologia ou por criatura e ambientes alienígenas.
Para Walty, são muitos os significados atribuídos à palavra Ficção,
mas, normalmente, as pessoas pensam em Ficção Científica. A autora (1999,
p. 12-13) afirma que:
Tem-se como ficção científica as narrativas geralmente verbais ou fílmicas cujo enredo se baseia no desenvolvimento científico e nas situações decorrentes de tal desenvolvimento no tempo e no espaço. Assim, em 1883, quando Júlio Verne escreveu Vinte mil léguas submarinas, ele concebeu o navio Nautilius com características de submarinos que só agora, cem anos depois, se fizeram realidade. Júlio Verne escreve, pois, sobre possíveis conquistas da técnica e da ciência, transformando o seu personagem, Capitão Nemo, em um precursor dos navegadores modernos.
O Nautilius, pensado pelo francês Júlio Verne (1828-1905), possuía
setenta metros de comprimento vezes oito metros de diâmetro, era capaz de
deslocar oito toneladas e possuía um corpo hidrodinâmico. Além de detalhar
a parte externa e capacidade de seu barco, Verne também imaginou o que o
moveria e a sobrevivência da tripulação, mantendo-se, inclusive, respirando
e, se necessário, como poderia essa tripulação sair do barco, mesmo este
estando submerso. Além de idéias para construção do submarino, Júlio
Verne foi mais além. Imaginou que, para voar, haveria necessidade da
construção de uma nave mais pesada do que o ar, mantendo-se nele através
de setenta e quatro pás giratórias. E, assim, surgiu a nave Albatroz, da
História Robur, o conquistador, escrita em 1886 e que lembra os helicópteros
de hoje. Em um outro livro, Da Terra à Lua, escrito em 1865, descreve com
precisão, 104 anos antes, a viagem dos astronautas. Assim como Verne,
outros escritores de ficção científica anteciparam-se no tempo e na história.
O escritor russo Alexander Kazantsev (1906-2002) também “premeditou”
algumas das invenções surgidas posteriormente. Ele acredita
que a ficção cientifica não é apenas diversão, passatempo. É um gênero literário com normas próprias que prevê os avanços da ciência e muitas vezes produz idéias que são aproveitadas pelos cientistas. Além do mais, prepara a humanidade para o futuro e para a implantação de novas tecnologias.60
São muitas os obras em que Kazantsev antecipa o futuro: Anerida,
escrita em 1946, por exemplo, traz uma arma elétrica de alcance
continental, com a qual os seres humanos destruiriam um asteróide que
se aproximava da Terra. Kazantsev diz que “essa idéia, muitos anos mais
tarde, foi explorada pelo cinema, inclusive por Hollywood. Foi então que a
60 Entrevista concedida pelo engenheiro e escritor Alexander Kazantsev a Pablo Villarubia Mauso, publicada pela Revista Superinteressante, edição 186, março 2003, p. 80-81.
prestigiosa Academia Soviética de Ciências adotou o livro para os estudantes
dos seus diversos cursos”61. A Ilha em Chamas, escrito em 1940, é
considerada uma das mais complexas obras do autor. Ele explica o motivo:
É um romance que previa o uso de tecnologias baseadas no princípio da supercondutividade. No livro, o físico Klenov usa essa tecnologia para convertê-la em uma poderosa arma. [...] O livro antecipa também a questão do aquecimento da atmosfera terrestre. Há, no livro, uma ilha no Oceano Pacífico que, na verdade, é um pedaço de um asteróide. Dela, acidentalmente, começa a exalar um perigoso gás violeta que, em contato com o ar, provoca incêndios e combustões com o risco de expandir-se e incendiar toda a atmosfera. Então, aparece um magnata alemão, comerciante de armas, que monopoliza o metal radioativo da ilha. Esse homem começa a armazenar todo o oxigênio líquido do planeta e cria uma empresa destinada a transformar imensas cavernas em zonas habitáveis para salvar uma pequena parte da humanidade. Os cientistas encontram uma solução para evitar um cataclisma em âmbito planetário: disparar uma bomba sobre a ilha e apagar o incêndio, tal como se faz para apagar os incêndios em poços de petróleo. Para tal fim, empregam um composto de supercondutores.62
São muitos os autores que escrevem sobre robôs, viagens
espaciais, alienígenas, viagens no tempo... E algumas dessas histórias não
só “antecipam” situações futuras como são transformadas em filmes. O
cinema é um dos grandes responsáveis por colocar as histórias de
ficção ao alcance de um público maior. São muitos os filmes que trazem
histórias ‘com’ ou ‘sobre’ robôs. Vieira (2003, p. 325) afirma que:
o cinema dos primeiros tempos já é pródigo na representação de seres humanos, artificiais ou não. Thomas Edison é o primeiro a adaptar o clássico Frankestein, de Mary Shelley, em 1910. A criação em laboratório de seres superdotados cuja malevolência só é interrompida graças a algum fenômeno de ordem natural, como um raio, foi desenvolvida no seriado alemão Homúnculos (1916). Nesta linha, existe também um bom número de filmes que giram em torno da criação de seres humanos a partir de animais, criaturas que, a exemplo de Frankenstein, se voltam muito facilmente contra seus criadores, como acontece na primeira adaptação do clássico de H. G. Wells, A ilha do dr. Moreau, intitulada Island of Lost Souls (direção de Erle C. Kenton, 1933).
61 Id. 62 Id
Na opinião de Rodney Brooks, pesquisador do MIT,
Hollywood tem maltratado muito a Robótica e de duas maneiras: uma é que, com os efeitos especiais, você pode fingir que os robôs são capazes de fazer coisas fantásticas; por isso, em comparação com o que Hollywood já mostrou, os robôs não parecem grande coisa. A outra coisa prejudicial introduzida por Hollywood é a necessidade de ter alguém que seja mal nos filmes e os robôs acabam ganhando a injusta fama de serem os bandidos e de se rebelarem contra quem os criou. Não me preocupo muito com isso porque acho que nunca vamos fabricar de propósito robôs que sejam maus assim como não fabricamos aviões para que caiam toda hora; fabricamos aviões que voem e não caiam e vamos fazer robôs que se comportem bem e que não sairão por aí fazendo maldades.63
Não só Hollywood foi responsável por esta questão. As histórias
anteriores, como a de Karel Capek (R.U.R), já assumiam esse papel, como
explica Asimov (1994, p. 16-17):
Eu era um leitor compulsivo de ficção científica na década de 1930 e fiquei cansado da velha história dos robôs que se voltam contra os seus criadores. Eu não encarava os robôs dessa forma. Para mim, eles eram máquinas. Máquinas muito avançadas, é verdade, mas apenas máquinas. Podiam ser perigosos, mas certamente seus criadores poderiam introduzir dispositivos de segurança. Esses dispositivos podiam ser insuficientes, ou falhar em circunstancias imprevistas, mas os fracassos podiam ser sempre usados como uma fonte de experiência para aperfeiçoar os modelos.
Afinal, todas as novidades envolvem riscos. A descoberta da fala introduziu as comunicações... e as mentiras. A descoberta do fogo tornou possível cozinhar os alimentos... e provocar incêndios. A descoberta da bússola facilitou a navegação... e destruiu as civilizações do México e do Peru. O automóvel é extremamente útil... e mata milhares de americanos por ano. Os progressos da medicina salvaram milhões de vidas... e agravaram a explosão populacional.
Em todos esses casos, os abusos poderiam ser citados para demonstrar que “existem coisas que a humanidade não deve conhecer”, mas é claro que não podemos renunciar a tudo que já sabemos e reverter ao estado de australopitecos. Mesmo do ponto de vista teólogico, podemos argumentar que Deus jamais teria dado ao homem o dom do raciocínio se não quisesse que esse dom fosse usado para criar coisas novas, para usá-las com sabedoria, para instalar dispositivos de segurança... e para fazer o melhor que podemos dentro de nossas limitações e imperfeições.
Muitos filmes materializaram os robôs através de suas telas,
sugerindo a simbiose, hoje amplamente discutida do homem-máquina.
A estátua mecânica, dirigido por J. Stuart Blackton, fez sucesso nas telas em
63 Extraído do programa Robôs ou Humanos da Serie Fronteiras da Ciência exibido pela Discovery Channel em 5 nov 2003, às 5h.
1907. Para Vieira (2003, p 326):
Títulos sugestivos como O marido mecânico (1910), A casa automatizada (1915), O homem mecânico (1915) ou mesmo O segredo do inventor (1911), dirigido por Mack Sennett sob a supervisão de D. W. Griffith, apresentando uma garota mecânica, antecipam, de forma eloqüente, o que viria a ser conhecido, nas décadas seguintes, como a era da máquina.
Estendendo-se pela década de 1930, esse período de celebração da máquina fixava o impacto da modernização, das novas tecnologias e dos novos princípios científicos e, principalmente, de uma maior difusão de valores utilitários que começaram a dominar as esferas do comércio e da produção. No campo do conhecimento, tal período resulta numa consciência de uma nova era mecânica, conforme celebrado pelas vanguardas, em especial no contexto revolucionário do construtivismo soviético. Junto com a glorificação dos ideais de velocidade, eficiência e produtividade, trazida pelas máquinas, surge também uma visão mais ambígua e menos celebradora, na qual esses novos ícones de uma sociedade de consumo, afluente, como o carro, o rádio ou a máquina de lavar roupa, também passaram a representar um poder desestabilizador e incontrolável, com promessas de ansiedade. Se existe um fi lme que vai trazer essa visão distópica com força total e propor uma síntese dessa desconfiança é o clássico de Fritz Lang, Metropólis, de 1926.
Metrópolis conta a história do mundo, no ano de 2026, subdivido
em classes (a elite dominante e a classe operária), onde uma operária
chamada Maria é admirada pelos trabalhadores. Essa operária é “raptada”
e substituída por uma operária robô, criada por um cientista, com uma
aparência igual à sua, porém com ideais completamente diferentes. Essa
operária robô é introduzida no meio de operários humanos a fim de provocar
a discórdia. Fritz Lang cria, na sua história, um mundo futuro, separado por
classes sociais, onde os “operários” são condenados a viver, desde a infância,
num mundo subterrâneo, escravos das máquinas que controlam Metrópolis,
e seus “ilustres patrões” na cidade (Metrópolis), num mundo bonito rodeado
de alegria. O filho do dono da cidade, no entanto, se apaixona por Maria. E
aí tem início uma luta de classes. Na época em que foi filmado, não existiam
efeitos especiais e, muito menos, possibilidades para criação de robôs
mecânicos. A atriz que protagonizou o papel de robô (Brigitte Helm) vestiu-se
com uma roupa de aparência metálica, bastante justa.
Para Vieira, o filme Metrópolis é extremamente atual e possibilita
uma discussão dos avanços tecnológicos e das tensões provocadas pelo
mesmo. Diz o autor (2003, p. 327):
Ali está, com certeza, a imagem mais completa jamais concebida de um robô, certamente o mais famoso do período mudo do cinema. E, também de forma ambígua, encontramos no filme de Lang, para além do poder da tecnologia, a investigação das ansiedades e tensões que se escondem por baixo das superfícies sedutoras desse fascínio tecnológico. Perturbador em todos os sentidos, Metrópolis parece sempre falar numa espécie de voz dupla: de um lado as desastrosas conseqüências de uma sociedade completamente submissa às forças da produção e da tecnologia; de outro, o filme encontra muito de seu fascínio e apelo exatamente na visão e na construção dessas forças, ou seja, no poder sedutor das imagens de uma sociedade altamente tecnológica. De discussão inesgotável, Metrópolis até hoje serve de referência tanto pela importância e pelo imediatismo de seus temas – a questão da opressão e das forças econômicas mostradas em suas imagens – como por suas características puramente visuais, de superfície e textura cinematográficas, como a imponência de seu décor futurista , até hoje copiado em exemplos os mais diversos, como Blade runner, o caçador de andróides (1982), ou, ainda, as diversas seqüências de Batman.
Figura 26 -A atriz Brigitte Helm vestida de robô. Fonte: Capa do VHS Metrópolis
Figura 27-A atriz Brigitte Helm como a operária Maria. Fonte Capa do VHS Metrópolis
Em 2001, com um orçamento inicial de US$ 15 milhões e 5 anos
de trabalho, foi lançado o animee Metropólis. Dessa vez, imagens
espetaculares e efeitos especiais narram a história de um mundo industrial,
dividido em classes de humanos e robôs. Tima é a avançada robô construída
por um cientista para o Duke Reid, com objetivos de assumir o trono e
comandar uma cidade. Baseada nos quadrinhos de Osamo Tezuca,
Metropólis é um belo desenho animado que retrata uma sociedade
completamente tecnologizada.
O Dia em que a Terra Parou, exibido em 1951, narra a história de
um ser extra-terrestre (Klaatu) que vem à Terra ensinar aos humanos como
promover a paz e traz consigo, num grande disco voador, um invencível robô
(Gort) guarda-costas, programado para não permitir que os homens se
destruam através de guerras. O robô também não é mecânico, e sim um
artista vestindo um roupa metálica. Goover at al (1988, p. 8) apontam que:
O filme O dia em que a Terra parou, de 1951, mostrava uma missão oriunda de um planeta distante, enviada à Terra num disco voador para tentar estabelecer o alicerce para a paz entre as nações do
Figura 28 - Tima – Robô do animee Metrópolis. Fonte: Capa do DVD Metrópolis.
mundo. A tripulação do disco voador compunha-se de apenas dois membros, um ser parecido com os humanos e um robô onisciente, onipotente, indestrutível, chamado Gort. O robô era um pacifista universal, e, quando um planeta “saia da linha”, a punição era imediata e final. A missão para a Terra não foi um sucesso (obviamente), mas demonstrou o terrível poder destrutivo das futuras armas.
Em 1956, um novo robô aparece nas telas de cinema. Em O
Planeta Proibido (Forbidden planet, direção de Fred McLeod Wilcox), um
artista ence- na Hobie, o robô; Para Vieira (2003, p. 329) o filme é lançado:
num momento tardio da ficção científica, pós Guerra-Fria, período em que invasões alienígenas, mutações e criações também robóticas colocavam em xeque questões políticas bem mais próximas, que dramatizavam problemas do simulacro, do hiper-real. A máquina no pós-guerra torna-se uma figura dócil, não ameaçadora, em geral utilitária, cuja função, pelo menos superficialmente, era relativizar a tecnologia diante das narrativas anteriores, que privilegiavam a devastação atômica, as invasões alienígenas ou as mutações humanas.
No filme, o ator veste-se com uma roupa construída de plástico
formatado e fibra de vidro. Ainda em 1956, mais um robô é representado por
um ator vestido com roupa de gorila e capacete espacial, no filme Monstro-
robô. 2001: uma Odisséia no espaço, de Stanley Kubrick (1928-1999),
inspirado na obra do autor de ficção, Artur C. Clarke, traz HAL, um robô
inteligente e falante que decide os destinos de uma viagem interplanetária. O
filme inicia-se com um belíssimo retorno à pré-história, mostrando o mundo
há quatro milhões de anos, quando os macacos são transformados em seres
carnívoros, iniciando a história da humanidade. Groover et al (1988, p. 9)
afirmam que:
O filme 2001: Uma odisséia no espaço, de 1968, mostrava não só um robô mecânico, mas um computador altamente inteligente, falante, chamado HAL. A tarefa do computador era monitorar e controlar os sistemas a bordo da espaçonave a caminho do planeta Júpiter e ser um amigo e companheiro da tripulação da espaçonave. Durante a viagem, um dos circuitos de HAL falha, e sua personalidade se deteriora. Ele começa a aniquilar os membros da tripulação para proteger-se e somente é detido numa disputa final com o membro remanescente da tripulação.
HAL foi projetado com capacidade para perceber tudo o
que acontecesse na nave. Era um “verdadeiro” companheiro para os
tripulantes, percebendo e conversando com eles sobre os seus medos,
indecisões, enfim... seus sentimentos. Mas possuía uma característica muito
mais importante: não só entendia a fala humana, incluindo a entonação de
como era falada, como conseguia ler o que falavam os tripulantes através
dos seus movimentos labiais. HAL era um computador inteligente, o que lhe
possibilitava tomar decisões e o que o levou a eliminar a quase totalidade
dos tripulantes. O filme termina num grande mistério: o que aconteceu com
HAL para que ele precisasse ser desativado pelo tripulante sobrevivente? E
qual o final desse sobrevivente? Só em 2010, 2a odisséia, exibido em 2001,
esse mistério é esclarecido: HAL recebe duas ordens antagônicas. Como não
foi idealizado para mentir ou desobedecer, opta em aniquilar os tripulantes
da nave. Tavares (1992, p. 67) diz que:
Os computadores vão ficando cada vez mais complexos em espaço cada vez menor: crescem para dentro e não para fora. E se sofisticam. Não são apenas calculadoras-relâmpago dotadas de memória inesgotável: seus pensamentos podem se tornar (pelo menos na fc) tão sutis quanto os de uma pessoa.
O computador SAL-9000, criado por Artur C. Clarke no livro 2010 – 2a odisséia (1982), filmado por Peter Hyams (1984), tem a voz educada de uma jovem hindu: o contato cotidiano com o Dr. Chandra, seu operador, fez com que Sal assimilasse inclusive o seu sotaque. A relação entre os dois é afetuosa e platônica: Chandra se dirige a ela como a uma pessoa viva, e fala do seu “irmão” Hal, de 2001, como de uma pessoa morta. Ele acha que os computadores sentem emoções, e quando dizem “com muito prazer” podemos acreditar tanto na sinceridade quanto na de um ser humano que diga a mesma coisa.
Quando iniciei a pesquisa sobre a aprendizagem através da
Robótica Pedagógica, verifiquei quais os filmes com personagens robôs
tinham sido assistidos pelos alunos. Apliquei, objetivando esse fim, um
questionário escrito. O questionário, aplicado em 2001, afirmava:
Provavelmente você já viu em filmes alguns robôs... 66 dos alunos que
responderam ao questionário confirmaram haver assistido a filmes com a
presença de robôs contra 3 que responderam não (ver Tabela 13 em anexo
A). A segunda questão inquiria: Dos filmes assistidos, qual você mais gostou?
O filme preferido, dentre os assistidos pelos alunos, foi Star Wars com
27,6%, seguido de Robocop (23,4%) e Um Robô em Curto Circuito (16,9) (ver
Tabela 14, em anexo A).
Devido ao sucesso, Star Wars tornou-se uma série, ou melhor, a
principio, uma trilogia: Guerra nas Estrelas, exibido em 1977, O Império
contra ataca, em 1980 e o Retorno de Jedi, em 1983, que rendeu às
bilheterias US$ 2 bilhões. Hoje, já no seu quinto episódio, continua atraindo
a atenção de grandes platéias. O sucesso da série ultrapassou a renda das
bilheterias, gerando uma receita fabulosa em venda de produtos. Um novo
filme que complete a série é esperado. Grover at al (1988, p. 9) contam que:
A série Guerra nas Estrelas (Guerra nas estrelas, 1977; O império contra-ataca, 1980, e o retorno de Jedi, 1983) mostrava robôs como máquinas amistosas, inofensivas. Os robôs, R2D2 e C3PO são capazes de andar de um lado para o outro, são inteligentes e podem comunicar-se com seus senhores humanos. Eles não têm papéis importantes nesses filmes, exceto, na maioria das vezes, como um abrandamento cômico. Entretanto, para as platéias de cinema, eles representam personagens importantes, porque são benevolentes e porque mostram as oportunidades oferecidas pela robótica e outras tecnologias avançadas de serem úteis e não ameaçadoras para os homens.
Os robôs R2D2 e C3PO resolviam questões sem precisar da ajuda
direta dos humanos. Robôs dotados de personalidade e emoções eram
capazes de aprender tanto através das experiências como através de
instruções recebidas. Possuíam funções pré-determinadas como, por
exemplo, auxiliar os humanos nas tarefas diárias. O sentido da audição era
comum aos dois, mas só o C3PO era capaz de se comunicar através da fala
com os humanos. Para Cavelos (1999, p. 65):
O alto está quase sempre preocupado e infeliz, vendo desgraça em toda esquina. O pequeno é aventureiro e determinado, impaciente com o seu companheiro covarde. Ansioso e frustrado, o alto por vezes ataca-o, verbalmente e mesmo fisicamente, chutando o pequeno e batendo-lhe na cabeça. O pequeno contra-ataca estirando-lhe a língua e mesmo quando a desavença se torna forte demais, deixa-o falando sozinho. [...]. Encontramos muitos robôs em filmes de ficção científica, mas nenhum como os inesquecíveis R2-D2 e C-3PO. Antes de mais nada, eles são incríveis criações da tecnologia avançada, capazes de executar uma grande variedade de tarefas. R2 possui sensores que podem detectar sinais distantes de vida em Tatooine bem como detalhes do campo ao seu redor, um projetor holográfico e uma expressiva voz não verbal. Funciona como um componente da nave de batalha X-wing de Luke; é plugado na rede Imperial da estação de batalha Death Star (Estrela da Morte), lê arquivos e ignora controles; carrega uma enorme quantidade de informação e usa da criatividade para completar missões. 3PO não parece ser muito inteligente, ou pelo menos não gosta de admitir que possa seguir as indicações técnicas de R2. É fluente em seis milhões de formas de comunicação, fala a linguagem de humanos e alienígenas e conversa com máquinas, incluindo o trem de carga Falcon. 3PO chama R2 de camarada, o que sugere que trabalham em conjunto.
Jeanne Cavelos, uma cientista entusiasta e fascinada por viagens
espaciais, realizou um estudo surpreendente sobre “A ciência de Star Wars”.
Figura 29 Robôs C3PO R2D2 Fonte: Encarte da trilogia Starwars.
Conta, a cientista, na introdução do seu livro (1999), como tudo começou...
Eu já estava fascinada pela idéia das viagens espaciais e Guerra nas Estrelas incentivou meu interesse na exploração do espaço e na possibilidade de vida alienígena. Contudo, enquanto freqüentava a faculdade estudando astrofísica, me ensinavam ininterruptamente as verdades cientificas que tornavam Guerra nas Estrelas impossível. Não conseguimos viajar mais rápido que a velocidade da luz. A vida na Terra surgiu por meio de uma combinação tão improvável de fatores que a chance de esses fatores existirem em outro planeta capaz de criar vida alienígena é ínfima. Robôs sofisticados, quando conseguimos construí-los, não terão atitudes humanas e emocionais, mas serão lógicos. E a força? Pura fantasia. Ocasionalmente aparecia uma voz discordante, mas na maior parte do tempo os cientistas achavam o universo de George Lucas incompatível com o que conheciam. Para ser honesta, não acho que George Lucas estivesse especialmente preocupado com a ciência quando criou Guerra nas Estrelas. Aquelas palavras de abertura, citadas sobre o som, mais pareciam com o início de um conto de fadas do que com uma saga de ficção científica. E, em vários aspectos, Guerra nas Estrelas parece fantasia, com o poder místico da Força; grandes magos, chamados Cavaleiros Jedi, que a controlam; e grandes potências do bem e do mal travando uma batalha épica. Ao criar a obra parte ficção científica/parte fantasia/parte mito que é Guerra nas estrelas, George Lucas não procurou criar um universo futurista que combinasse perfeitamente com o nosso conhecimento atual de ciência. Se tivesse, ele teria produzido filmes bem lentos. Em vez disso, ele procurou combinar elementos de várias fontes diferentes e transformá-los em algo completamente novo. E conseguiu. Ainda assim, Guerra nas Estrelas contém espaçonaves, alienígenas, planetas bizarros e armas de alta tecnologia – todos os ingredientes da ficção científica. Esses elementos “científicos” fazem o fantástico parecer quase plausível. E o quanto é real, possível essa “galáxia muito, muito distante”? A resposta, quando Uma Nova Esperança foi lançado, foi “absolutamente não”. Mas uma coisa estranha aconteceu nos anos desde que Guerra nas Estrelas foi lançado. A ciência está começando a emparelhar com os passos de George Lucas. Os físicos surgiram com métodos teóricos de rápidas viagens espaciais interestelares. Descobertas recentes sugerem que planetas e vida alienígena são muito mais comuns do qua acreditávamos anteriormente. Muitos especialistas em robótica agora pensam que as emoções podem ser um componente fundamental na criação de robôs inteligentes. E a Força? Alguns cientistas têm teorias que podem incorporá-la. Descobrimos que o universo é um lugar muito, muito mais estranho do que pensávamos, cheio de surpresas e novos mistérios. Hoje você diz que algo é impossível e amanhã estará explicando como pode ser feito. Assim, enquanto George Lucas pode não ter tentado criar um universo cientificamente preciso, a ciência pode estar transformando sua visão em realidade.
Em RoboCop, o segundo filme preferido pelos alunos, existe uma
sinalização aparente de robô. Na realidade, RoboCop é um ciborgue. Para
Couto64:
O primeiro homem, que de uma pedra fez uma arma ou um utensílio doméstico, é o mais antigo ancestral do ciborgue. Na atualidade, quando o mundo é traduzido em informação, tempo real e ciberespaço, o processo simbiótico da cultura está vinculado às tecnologias do virtual. Esse processo é a ciborgização do homem e da cultura contemporâneas. É nesse contexto que emergem os discursos sobre a transformação dos humanos em ciborgues. O conceito ciborgue, na ficção científica, parece surgir de uma história de Arthur Clark, de 1965, intitulada The City and the Stars, designando os organismos cibernéticos. De lá pra cá, a literatura e o cinema exploraram inúmeras vezes as imagens híbridas do homem-máquina. Essas imagens alimentam o nosso imaginário sobre a mixagem do corpo com os equipamentos tecnológicos avançados. A questão do ciborgue, nos estudos da cultura, foi introduzida por Donna Haraway, com o Manifest for Ciborgs. Para Haraway, o ciborgue é um organismo cibernético, um híbrido de máquina e organismo especiais apropriados para os tempos em que vivemos, um composto biológico-técnico: uma parte é dada, outra é construída; uma criatura de realidade social e também ficção.
RoboCop é um policial projetado para defender as ruas da cidade
de Detroit, constantemente assolada pela criminalidade. Peter Weller
interpreta um policial que é morto por uma quadrilha de traficantes. A
policia utiliza seu corpo para transformá-lo num andróide com
superpoderes. O que o distingue basicamente de um robô é sua capacidade
cognitiva, sua memória, que não é apagada. Para Couto (2000, p. 115):
Talvez nenhum filme tenha tratado do tema do homem-máquina de modo tão explícito, como RoboCop. O superpolicial do futuro é uma mesclagem que procura unir o melhor que existe entre os dois mundos, o natural e o artificial, em um único ser, projetado como meio homem, meio máquina.
A vestimenta do “suposto” robô é uma pesada armadura de látex
tratado, criada por Rob Bottin. Vieira (2003, p. 333) diz que:
O primeiro RoboCop apresenta um futuro sombrio em que a necessidade dos indivíduos é mediatizada pela publicidade, bem de acordo com um planejamento corporativo e pós-capitalista, reguladopor uma força privada, computadorizada. Cidadãos e policiais são meros dados econômicos, personagens completamente manipulados tanto pelo submundo do crime como pelo capitalismo corporativo. [...]. Numa versão bem mais complicada para um dilema
64 Couto, Edvaldo de Souza. Ciborgue. Texto inédito.
de identidade, o RoboCop do título é um policial que fica em frangalhos após um acidente e que tem partes de seu corpo, na verdade quase todo o corpo, reconstituídas como matéria restituível, recomposta mecanicamente. Tais partes são substituídas por equipamentos biônicos.
Nesse imblicamento homem-máquina, pode ser citado, também, o
filme O Homem Bicentenário, baseado no conto The Positronic Man, do
escritor Isaac Asimov, que se consagrou como um dos mais brilhantes e
conhecidos autores de ficção cientifica. O Homem Bicentenário foi o
quarto filme preferido pelos alunos. Protagonizado por Robin William,
vestindo uma armadura que pensava 15 quilos para simular a figura de um
robô humanóide, conta a história de um robô (Andrew) diferente, possuidor
de sentimentos. Adquirido em uma firma de construção de robôs e levado
para servir em uma casa, apaixona-se por uma das filhas de seu dono,
‘Menininha’, transferindo, depois, o seu amor para ‘Portia’, filha de
Menininha. Por ser um robô diferente, Andrew era dotado de muitas
habilidades. A mais bela delas, era fabricar utensílios de madeira. A
comercialização dos produtos fabricados tornou-o um robô rico. Ele utilizou
o seu dinheiro, durante longos 200 anos, em pesquisas para fabricação de
órgãos semelhantes aos humanos (próteses) que possibilitassem torná-lo
humano. Desejava ser reconhecido na condição de humano para que
pudesse realizar o seu grande sonho: desposar Portia. O filme mostra, de
maneira romântica, o relacionamento entre um humano e uma máquina.
Vieira (2003, p. 330) aponta que:
Robim William, em o homem bicentenário, também faz o tipo bonzinho e prestativo, além de engraçado e quase mágico, ou seja, tudo o que torcemos para que sejam, efetivamente, nossas criações tecnológicas. Em última instância, ele representa a quintessência do aparelho utilitário doméstico, espécie de etapa final na evolução das tecnologias domésticas. Sempre uma imitação, apesar de ter poderes sobre-humanos, Williams é centrado no ser humano e, efetivamente,
encontra-se sob controle do homem. Duplo dos mais perfeitos, ele almeja a semelhança total com o corpo humano, materializada no filme numa seqüência em que a ênfase recai sobre a mão e a cabeça humanas, comparadas com uma personagem humana diante de um espelho voltado, naturalmente, para o espectador. Ainda assim, como um duplo, ele carregará, sempre, conotações positivas e negativas, insinuando uma sutil ameaça. Como questão radical, fica sempre a sugestão de que, pelo menos, algumas funções humanas já foram substituídas, mas qual será o limite? E, se uma função pode ser substituída, por que não todas? Trata-se de uma presença sempre preocupante por causa da duplicidade, do simulacro que força, diante do espelho, a busca da semelhança. E que traz inquietação ao sugerir, no fundo, a facilidade com que nós podemos ser substituídos por alguma outra coisa ou, talvez, sermos, de verdade, considerados obsoletos, irrelevantes para o funcionamento do mundo. Entre a imagem mais antiga do autômato e essas criações, digamos, pós-modernas, encontra-se a diferença entre a analogia com o humano e a equivalência. O homem bicentenário faz essa passagem, pois é na equivalência que o autômato efetivamente absorveu todo o sentido da diferença e, nesse processo, revela o problema com a fascinação anterior pela imitação.
Um diálogo65, realizado no filme, entre Andrew e um juiz retrata
algumas questões apontadas por Vieira e demostra o que impedia a
realização do sonho de humanidade de Andrew:
- Sr. Martin, quer a aprovação de um projeto de lei declarando que é um ser humano? - Sim, mas especificamente uma licença para me casar com um humano. - Entendo. Devemos encarar o fato de que não importa o quanto se pareça com um humano, não faz parte do círculo humano. Sua espécie é outra. Você é artificial. - Senhor, e quanto às pessoas no círculo humano com o corpo cheio de próteses, muitas das quais eu inventei? O senhor não usa um rim meu? Você também não é artificial em parte? - Em parte, sim. - Então, em parte eu sou humano. - Que parte, Andrew? - Esta aqui, senhor (Andrew aponta o coração). - Entendo. E aqui? (O juiz aponta o cérebro). - Sim, ainda sou equipado com um cérebro positrônico. - E por causa desse cérebro positrônico você é para todos os efeitos imortal. - Sim, senhor. - Andrew, a sociedade tolera robôs imortais, mas não podemos tolerar um humano imortal. Cria muita inveja e muita raiva. Sinto muito, mas esta côrte não pode validar sua humanidade. Assim, encerro este caso. Esta côrte decidiu que Andrew Martin, daqui por diante, continuará a ser considerado um robô... Uma máquina, nada mais. - É um prazer servi-lhe
65 Diálogo extraído do filme O Homem Bicentenário.
Esse diálogo suscita alguns questionamentos: o fato de o homem
utilizar uma prótese o torna artificial? E as questões éticas subjacentes a
essa prática? Os cientistas norte americanos S. Jay Oshlansky, Bruce A
Carnes e Robert N. Butler, através de estudos realizados, chegaram à
conclusão que o corpo humano tem prazo de validade. Os cientistas
afirmam que: “As máquinas vivas que chamamos de corpo deterioram,
porque não foram projetadas para funcionar durante muito tempo e porque
nós a obrigamos a continuar em atividade muito depois de expirada a sua
data de validade”66 Seria natural aumentarmos o tempo de vida dessa
máquina “deteriorada” através da utilização de próteses? Mesmo não sendo
objeto de estudo (pelo menos não foi citado na reportagem lida) dos referidos
cientistas a utilização de próteses para aumento da validade do corpo
humano, considerando-se o estado atual de fabricação dessas, verifica-se a
existência de próteses para substituição ou potencialização de muitas partes
do corpo. Para Couto (2000, p. 220):
O culto ao corpo e a busca de um estilo de vida saudável são prenúncio de uma obsessão denominada por Sfez de “a saúde perfeita”. Por isso, a cada dia somos surpreendidos por novos recursos, terapias, regimes, cirurgias plásticas, implantes e transplantes de órgãos que prometem revolucionar o funcionamento corporal. Somos todos envolvidos por anúncios que garantem a excepcionalidade da perfeição. Torna-se cada vez mais possível superar tudo aquilo que na estrutura física causa amolação, desagrados, constrangimentos. Nenhum segredo pode se preservar-se. Todo o corpo humano é inserido num imperativo absoluto. É preciso que se saiba tudo sobre nós mesmos, desvendar a matéria da qual somos feitos.
Para realizar essas aspirações a tecnociência revira o corpo pelo avesso e o interior é exposto. É preciso cutucar, deslocar, rejuvenescer, potencializar, substituir membros e órgãos que não estão mais de acordo com os desejos dos sujeitos. É urgente desvendar os mistérios alojados em cada gene, construir uma matriz perfeita de cada ser. Com a mixagem entre a biologia e a informática a tendência é construir o ser eletrônico: homo technologicus, imagético, virtual, promovido pela purificação interna de todos os
6 Nascimento, Milton. Corpo humano tem prazo de validade. Jornal Atarde, 24 agos 2003.
males, possíveis doenças e deformidades, instalados no interior das células. Pode-se melhorar a vida e a sua duração por meio de uma terapia genética, garantia da saúde perfeita e da plenitude humana.
A substituição de órgãos “defeituosos” ou uso de próteses para
embelezamento já podem ser realizados, uma vez que já existem. A Figura 30
(em anexo B) mostra essa realidade.
Alguns outros filmes, não citados pelos alunos, trazem a figura do
robô como andróide. Blade Runner (1982), inspirado no conto do autor
americano de ficção científica Philip K. Dick (1928-1982) discute uma
sociedade do futuro, em que vivem serem criados pela engenharia genética,
os replicantes (seres aparentemente humanos fisicamente aprimorados) que
compõem uma nova geração, a Nexus 5. Um ex-policial é encarregado de
eliminar esses andróides e termina por apaixonar-se por Rachel (que ele
descobre ser também replicante). Os replicantes possuíam a capacidade de
aprender através dos erros e acertos, ampliando a sua base de
conhecimentos, o que os tornava quase humanos. A história tem como
cenário a cidade de Los Angeles (EUA), no ano de 2019, envolta em cenas
que mostram um pretenso e ‘horripilante(?)’ futuro. Sobre Blade Runner,
afirma Vieira (2003, p. 332):
Entre os primeiros robôs e estas últimas invenções tecnológicas, transformam-se em narrativas, popularmente, as conquistas da engenharia genética, com a criação de seres programados, completamente semelhantes aos modelos humanos e com a determinação clara de tomar o nosso lugar no mundo exterior, como os replicantes de Blade runner. Estamos já numa fase de aliança crescente do tecnológico com o corpo, baseado no desenvolvimento de próteses mais sofisticadas, partes substituíveis, sistemas mecânicos de apoio, além da inserção definitiva da robótica no trabalho, esta sempre carregando consigo a inquietação da ameaça da substituição
Inteligência Artificial, filme de Steven Spielberg e Stanley Kubrick,
baseado no conto ‘Superbrinquedos duram o verão todo’, de Brian Aldiss,
traz como personagem principal um menino-robô. Conta a história de um
robô de aparência humanóide (um andróide) nascido em um laboratório
sofisticado, e levado por um funcionário desse para casa, em tentativa de
“substituir o filho” doente e congelado à espera da cura para sua doença. A
criança-robô é programada por Mônica, sua suposta mãe, dotando-lhe
capacidade de amar. Obcecado pela idéia de agradar a Mãe, passa a criança-
robô a buscar a Fada Azul (o mito na crença de transformação do sonho em
realidade da história de Pinóquio) a fim de torná-lo verdadeiramente
humano. Através de uma atmosfera poética, o filme leva à reflexão de “por
que a máquina pode amar o homem e o homem não pode amar a máquina”.
Aldiss (2001, p. 7) conta que:
“Superbrinquedos duram o verão todo” é a história de um garotinho que não consegue agrada r à mãe por mais que se esforce. Confuso com a reação dela, o menino não percebe que ele é um andróide, uma construção habilidosa de inteligência artificial, assim como seu único aliado, o ursinho de pelúcia Teddy. Foi essa a história que comoveu Stanley Kubrich e que ele quis tanto transformar em filme. [...] Kubrick estava convencido de que um dia a inteligência artificial tomaria conta do mundo e de que a humanidade seria superada. Os seres humanos não eram confiáveis nem inteligentes o suficiente.
Ainda não fomos superados (Graças a Deus!). Outros filmes
apresentam robôs, no entanto, sem a aparência humanóide, como em
Runaway, ou no início do filme Titanic, quando toda a exploração do navio
afundado é realizado através de um robô.
Os personagens robôs dos filmes são, em sua maioria, humanos
caracterizados. Diferente dos filmes anteriores, o robô de Short Circuit (o
terceiro filme citado pelos alunos) foi projetado mecanicamente. Em 1986
Eric Allard, um design especialista em efeitos especiais, criou o Número
Cinco, um robô simpático, personagem principal do filme. Short Circuit
conta a história de robôs criados para façanhas militares. Durante uma
experiência, um dos robôs, o Número Cinco, transforma-se em “humano(?)”,
após receber uma descarga elétrica. Ele não só cria consciência, como
sentimentos, capacidade de aprendizagem e um fascinante senso de humor.
Os militares o perseguem para devolver-lhe o gênio assassino. Mas Número
Cinco é adotado por uma personagem hilariante, criadora de animais, que
mantém em sua casa um verdadeiro zoológico. Allard utilizou alumínio e
plástico para construção do robô que pesava 68 quilos e consumiu um
período de três meses e meio para sua execução. Para Allard, “era
importante que ele tivesse as ferramentas que um ator tem para ser
expressivo e uma das principais coisas que um ator tem são as
sobrancelhas, para que ele possa parecer triste, possa parecer zangado”67.
Short Circuit foi um sucesso de bilheteria. Isso provocou a sua seqüência.
Em 1988 surge Number Five, ou melhor, Johnny Five (ele próprio batiza-se
no final do primeiro filme). Desta vez, Allard criou um sistema de controle
para o robô por telemetria. Segundo o dicionário de tecnologia68:
A telemétrica é a tecnologia que envolve a medição e transmissão automáticas dos dados de uma fonte remota. O processo de medir os dados na fonte e transmiti-los automaticamente é chamado de telemetria. Os dois termos, telemetria e telemétrica, são usados indistintamente. Originalmente, os dados eram transmitidos por intermédio da fiação, mas agora a telemétrica geralmente se refere à comunicação sem fio. Os aplicativos da telemétrica incluem o monitoramento de vôos espaciais, transmissão de dados meterológicos, videoconferência, controle de vida selvagem, robótica de controle de câmera e oceanografia. [...] Em geral, a telemétrica funciona da seguinte maneira: sensores na fonte medem os dados elétricos (como voltagem e corrente) ou os dados físicos (como
67 Depoimento extraído do programa A Magia do Cinema exibido pelo canal de Tv à Cabo Discovery Channel em 19 de set 2003. 68 TELEMETRICS. In.: DICIONÁRIO de tecnologia editado por Lowell Thing. São Paulo: Futura, 2003.
temperatura e pressão). Esses dados são convertidos para voltagens elétricas especificas e um multiplexador combina as voltagens, com os dados de sincronização, em um único fluxo de dados para transmissão para o receptor distante. Na recepção, o fluxo de dados é separado nos seus componentes originais e os dados são exibidos e processados de acordo com as especificações do usuário.
Allard justifica a utilização da telemetria dizendo: “Artisticamente
nos ofereceria um controle muito melhor e a habilidade de fazer movimentos
muito mais delicados”69.
Muitas outras histórias de ficção serão escritas e inspirarão novos
filmes, impulsionarão a ciência. E não será “coisa” nova, pois Asimov, o
escritor de ficção que mais histórias escreveu sobre robôs, conta como as
suas histórias influenciaram o desenvolvimento tecnológico:
Minhas histórias sobre robôs tiveram uma grande influencia sobre a ficção científica. Eu abordava a questão dos robôs de forma racional: eles eram fabricados por engenheiros, apresentavam problemas de engenharia que precisavam de soluções, e soluções eram encontradas. Eram mais retratos convincentes de uma tecnologia futura que lições de moral. Os robôs eram máquinas, e não metáforas.
Em conseqüência, as velhas histórias de robôs saíram de moda. Os outros autores também passaram a considerar os robôs mais como máquinas do que como metáforas. Os robôs agora eram encarados como criaturas dóceis e benévolas, a não ser quando ocorria algum defeito, e esses defeitos podiam ser eliminados e corrigidos. Os outros autores não mencionavam as Três Leis (elas eram consideradas como exclusividade minha), mas elas estavam implícitas.
Além disso, o que é ainda mais curioso, minhas histórias sobre robôs tiveram um efeito importante fora da ficção científica.
É fato sabido que os primeiros pesquisadores de foguetes foram influenciados pelas histórias de ficção cientifica de H. G. Wells. Da mesma forma, os primeiros pesquisadores de robôs foram influenciados pelas minhas histórias sobre robôs, nove das quais foram reunidas em 1950 em um livro chamado I, Robot/Eu, Robô.
Foi meu segundo livro publicado e permanece no prelo até hoje. Joseph F. Engelberger, que na década de 1950 estudava na
Columbia University, leu o livro e ficou tão empolgado que decidiu dedicar a vida ao estudo dos robôs. Na mesma época, conheceu George C. Devol Jr em uma festa. Devol era um inventor que também se interessava por robôs.
Juntos, os dois fundaram a Unimation, uma firma de robótica. Eles patentearam muitos inventos e, em meados da década de 1970, já haviam projetado modelos de robôs capazes de executar uma
69 Extraído do programa A Magia do Cinema exibido pela Discovery Channel em 19 de set 2003.
grande variedade de tarefas práticas. A única coisa que estava faltando eram computadores compactos e baratos; no momento em que os microcircuitos foram inventados, não faltava mais nada. Daquele momento em diante, a Unimation se tornou a maior companhia de robôs do mundo e Engelberger faturou o que jamais sonhara (ASIMOV, 1994, p. 18-19).
Muitos não acreditam que uma história de ficção possa antever (de
modo genérico, claro) o futuro. Mas o que dizer dessas passagens? Em 1976,
foi publicado um artigo de Asimov intitulado Os Novos Professores. Eis
alguns trechos do artigo...
A porcentagem de velhos no mundo está aumentando e a de jovens está diminuindo. Esta tendência persistirá enquanto a taxa de natalidade continuar a cair e a medicina continuar a contribuir para o aumento da expectativa de vida. Para manter as pessoas idosas em boa saúde física e mental e evitar que se tornem um peso morto para os jovens, tenho recomendado freqüentemente que nosso sistema educacional seja remodelado e a educação passe a ser considerada uma atividade para a vida inteira. Como, porém, isso pode ser feito? Onde vamos conseguir os professores? Quem foi que disse que todos os professores precisam ser feitos de carne e osso? Suponha que, no próximo século, os satélites de comunicações se tornem mais numerosos e sofisticados que os colocados em órbita até agora. Suponhamos que, em lugar de ondas de rádio, passemos a usar ondas luminosas, o que aumentaria enormemente nossa capacidade de comunicações. Nessas circunstâncias, haveria espaço para milhões de canais independentes de voz e imagem; não é difícil imaginar que todos os habitantes da Terra pudessem ter direito a um canal exclusivo de televisão. Cada pessoa (criança ou idoso) teria uma linha particular à qual seria ligada, durante certos períodos de tempo, uma máquina pessoal de ensinar. Seria uma máquina de ensinar muito mais versátil e interativa do que as conhecemos hoje em dia, pois a tecnologia dos computadores já estaria muito mais avançada.[...] Para ser uma máquina pessoal, porém, essa máquina de ensinar não poderia ser muito grande. Talvez lembrasse um receptor de televisão em tamanho e aparência. Um objeto de dimensões tão reduzidas poderia conter informações suficientes para ensinar aos estudantes tudo que quisessem saber a respeito de qualquer assunto para o qual a curiosidade os atraísse? Não, se a máquina de ensinar estivesse isolada do resto do mundo. Quem foi que disse, porém, que ela estaria isolada? Em qualquer civilização em que a ciência da computação tivesse avançado a ponto de tornar possíveis as máquinas de ensinar, certamente haveria bibliotecas centrais totalmente computadorizadas. As próprias bibliotecas poderiam estar ligadas a uma única biblioteca planetária. Todas as maquinas de ensinar teriam acesso a esta biblioteca planetária e portanto poderiam consultar os livros, jornais, gravações
e fitas de vídeo que pertencessem ao acervo da biblioteca. O estudante poderia observar o documento em uma tela ou imprimi-lo em uma impressora para examiná-lo mais tarde.[...] (ASIMOV, 1994, p. 396-397)
E o que dizer do artigo O Futuro Fantástico escrito em 1989?
No passado, três revoluções fundamentais nas comunicações humanas alteraram nosso mundo de forma drástica e permanente. A primeira foi a linguagem falada, a segunda a linguagem escrita e a terceira a linguagem impressa. Hoje nos vemos diante de uma quarta revolução tão importante quanto as três primeiras: o computador. Esta quarta revolução permitirá que os seres humanos sejam mais criativos do que seus antepassados.[...] Para as crianças da próxima geração (e para sociedade que criarem), o maior impacto dos computadores será na área da educação. No momento, nossa sociedade está se esforçando para educar o maior número possível de crianças. Como o número de professores é relativamente pequeno, o ensino precisa ser massificado. Todos os alunos de um bairro, de um estado, de um país aprendem a mesma coisa ao mesmo tempo, mais ou menos da mesma forma. Entretanto, como cada criança tem diferentes interesses e aptidões, a experiência da educação em grupo freqüentemente é desagradável. O resultado é que a maioria dos adultos não quer saber de estudar depois que sai da escola; já está farto do sistema.
O aprendizado pode ser um processo agradável, e mesmo empolgante, se a criança estuda alguma coisa em que esteja genuinamente interessada, no seu próprio ritmo e da forma que mais lhe agrada. [...] [...]As tecnocrianças de amanhã poderão saciar a sua curiosidade à vontade. Aprenderão muito cedo a operar os computadores de modo a obter a listas de materiais de leitura. Quando seu interesse for despertado (e guiado, ao que se espera, pelos professores na escola) aprenderão mais em menos tempo e descobrirão sozinhas novos caminhos para trilhar.
A educação passará a ter um forte componente de automotivação. A possibilidade de seguir um caminho pessoal encorajará a tecnocriança a associar o aprendizado ao prazer e a se transformar em um tecnoadulto ativo: bem informado, curioso, disposto a expandir os horizontes mentais enquanto o cérebro permanecer fisicamente imune as mazelas da velhice.[...]. (ASIMOV, 1994, p. 411-416)
Kazantev70, afirma:
Costumo dizer que não pode existir ciência sem fantasia. Por isso a ficção científica de boa qualidade tem contribuído para estimular a nossa imaginação e a da ciência. O pensamento dos seres humanos é o único que pode conquistar o tempo e o espaço e criar o que jamais existiu, expandindo as fronteiras do conhecimento.
70 Entrevista concedida pelo engenheiro e escritor Alexander Kazantsev a Pablo Villarubia Mauso e publicada na Revista Superinteressante edição 186, março 2003.
Além dos filmes de ficção científica, os desenhos animados e séries
televisivas também apresentam histórias com e sobre robôs. Os Jetsons, um
desenho animado lançado no início dos anos sessenta, tendo como cenário o
século XX, mostra uma empregada doméstica mecânica, Rosie, que, além de
realizar os trabalhos rotineiros de casa, cuidava dos filhos do casal. Jonas,
o robô, Futurama, o Laboratório de Dexter, Jimmy Neutron, Esquadrão do
Tempo, Beast Machines, Medabots, Transformers, Power Rangers, Projeto
Zeta são alguns exemplos de desenhos animados exibidos em televisão que
trazem robôs como personagens principais ou secundários. Pelo sucesso de
audiência, esses personagens logo são transformados em jogos,
cartas, bonecos, álbuns, adesivos, enfim, toda uma linha de produtos que
incentivam o consumo por parte das crianças.
Essa análise dos filmes e desenhos busca mostrar como se
construiu (ou se constrói) a imagem desses seres no imaginário humano.
Normalmente, quando se fala da Robótica Pedagógica, pensa-se de
imediato que o objetivo é a construção de robôs como os mostrados em
desenhos e filmes. Somente quando começam a construir modelos
diferentes, os alunos compreendem que os robôs nem sempre possuem a
forma humanóide, como normalmente são mostrados em filmes, ou a forma
do homem de lata (do Mágico de Oz), como mostrado em desenhos
animados. Os robôs construídos por eles, na verdade, buscam auxiliar o
processo de aprendizagem através do desenvolvimento de habilidades, como
será visto em capítulo especifico.
5. É possível uma aprendizagem através da Robótica Pedagógica?
O Planeta Terra é habitado por todos os tipos de pessoas com todos os tipos de mentes. O cérebro de cada ser humano é único. Algumas mentes são estruturadas para criar sinfonias e sonetos, enquanto outras estão preparadas para construir pontes, rodovias e computadores, projetar aviões e sistemas rodoviários, dirigir caminhões e taxis, ou procurar a cura para o câncer de mama ou a hipertensão. O crescimento de nossa sociedade e o progresso do mundo dependem do nosso compromisso de educar nossas crianças e de respeitar a coexistência desses vários tipos diferentes de mentes. Mel Levine
Muitos foram os educadores que marcaram o século XX com
estudos sobre as diversas dimensões do aprender. Maria Montessori e o
respeito ao crescimento natural da criança; John Dewey e a educação vista
como um processo de melhoria da eficiência individual do aluno e não como
produto; William Heard Kilpatrick e o método de trabalho com projetos; Ovide
Decroly e os centros de interesse; Édouard Claparède e a educação funcional;
A. S. Neill e a educação para a liberdade; Jean Piaget e a construção do
conhecimento; Paulo Freire e a educação como prática de liberdade; Vigotsky
e a interação social. E muitos... muitos outros... E com eles muitas teorias...
Moreira (1999, p. 12) explica que:
De um modo geral, uma teoria é uma tentativa humana de sistematizar uma área de conhecimento, uma maneira particular de ver as coisas, de explicar e prever observações, de resolver problemas.
Uma teoria de aprendizagem, é, então, uma construção humana para interpretar sistematicamente a área de conhecimento que chamamos aprendizagem. Representa o ponto de vista de um autor/pesquisador sobre como interpretar o tema aprendizagem, [...]. Tenta explicar o que é a aprendizagem e porque funciona como funciona.
Apesar das muitas teorias, considero importante citar algumas
delas porque entendo que toda prática pedagógica traz embutida uma
concepção do ensinar e aprender que fundamenta a ação docente e o
processo educativo. E a Robótica Pedagógica não foge a essa realidade; é
necessário, portanto, situá-la nesse contexto. Mizukami (1986, p. 1-4) afirma
que:
Há varias formas de se conceber o fenômeno educativo. Por sua própria natureza, não é uma realidade acabada que se dá a conhecer de forma única e precisa em seus múltiplos aspectos. É um fenômeno humano, histórico e multidimensional. Nele estão presentes tanto a dimensão humana quanto a técnica, a cognitiva, a emocional, a sócio-política e cultural. Não se trata de mera justaposição das referidas dimensões, mas, sim, da aceitação de suas múltiplas implicações e relações. [...].
De acordo com determinada teoria/proposta ou abordagem do processo ensino-aprendizagem, privilegia-se um ou outro aspecto do fenômeno educacional. [...].
O conhecimento humano, pois, dependendo dos diferentes referenciais, é explicado diversamente em sua gênese e desenvolvimento, o que, consequentemente, condiciona conceitos diversos de homem, mundo, cultura, sociedade, educação, etc. Dentro de um mesmo referencial, é possível haver abordagens diversas, tendo em comum apenas os diferentes primados: ora do objeto, ora do sujeito, ora da interação de ambos. [...].
Diferentes posicionamentos pessoais deveriam derivar diferentes arranjos de situações ensino-aprendizagem e diferentes ações educativas em sala de aula, partindo-se do pressuposto de que a ação educativa exercida por professores em situações planejadas de ensino-aprendizagem é sempre intencional. Subjacente a esta ação, estaria presente – implícita ou explicitamente, de forma articulada ou não – um referencial teórico que compreendesse conceitos de homem, mundo, sociedade, cultura, conhecimento, etc
A autora referencia cinco abordagens que direcionam a ação
docente: tradicional, comportamentalista humanista, cognitivista e sócio-
cultural. Cada uma delas aponta diferentes dimensões de homem,
conhecimento, sociedade e da própria educação. As teorias referentes a
essas abordagens são apresentadas por Moreira (1999, p. 18), através de
um esquema conceitual, ligando-as à alguns de seus representantes:
Figura 31 - Enfoques teóricos à aprendizagem e ensino. Fonte: Moreira, 1999, p. 18.
A Robótica Pedagógica insere-se no contexto cognitivista,
tomando-se como referência o significado que lhe atribui Mizukami (1986, p.
59):
Uma abordagem cognitivista implica, dentre outros aspectos, se estudar cientificamente a aprendizagem como sendo mais que um produto do ambiente, das pessoas ou de fatores que são externos ao aluno.
Existe ênfase em processos cognitivos e na investigação científica separada dos problemas sociais contemporâneos. As
emoções são consideradas em suas articulações com o conhecimento.
Consideram-se aqui formas pelas quais as pessoas lidam com os estímulos ambientais, organizam dados, sentem e resolvem problemas, adquirem conceitos e empregam símbolos verbais. Embora se note preocupação com relações sociais, a ênfase dada é na capacidade do aluno de integrar informações e processá-las.
A abordagem cognitivista prevê a construção do conhecimento
através da interação entre o sujeito e o objeto. Moreira aponta no esquema
apresentado alguns teóricos cognitivistas: Piaget, Vygotsky, Ausubel...
Acrescentaria à sua relação, Seymour Papert e a sua teoria construcionista..
Para Papert, o Construcionismo “é aprender a fazer algo [...]. E o que você
aprende no processo de construção tem raízes mais profundas no subsolo da
mente do que qualquer coisa que alguém possa lhe contar”71. A sua teoria
difere do Instrucionismo, porque os conhecimentos não são ditados pelo
outro, e sim pelo prazer no aprender a aprender. Papert (1994, p. 127-128)
aponta que:
As metáforas de transmitir e construir são os temas pervasivos de um movimento educacional maior e mais variado dentro do qual situo o Construcionismo e ressalto isso pelo jogo de palavras em seu nome. Para muitos educadores e para todos os psicólogos cognitivos, minha palavra evocará o termo construtivismo, cujo uso educacional contemporâneo em geral remete à doutrina de Piaget de que o conhecimento simplesmente não pode ser “transmitido” ou “transferido pronto” para uma outra pessoa. Mesmo quando você parece estar transmitindo com sucesso informações contando-as, se você pudesse ver os processos cerebrais em funcionamento, observaria que seu interlocutor está “reconstruindo” uma versão pessoal das informações que você pe nsa estar “transferindo”. O Construcionismo também possui a conotação de “conjunto de construção”, iniciando com conjuntos no sentido literal, como o Lego, e ampliando-se para incluir linguagens de programação consideradas como “conjuntos” a partir dos quais programas podem ser feitos, até cozinhas como “conjuntos” com os quais não apenas tortas, mas receitas e formas de Matemática-em-uso são construídas. Um dos meus princípios matéticos centrais é que a construção que ocorre “na cabeça” com freqüência ocorre de modo especialmente venturoso quando é apoiada pela construção de um tipo mais público “no mundo” – um castelo de areia ou uma torta, uma casa Lego ou uma empresa, um programa de computador, um poema ou uma teoria do universo. Parte do que tenciono dizer com “no mundo” é que o
71 Fala extraída do Vídeo Institucional da Lego Dacta e Projeto Bahia produzido por Flávia Filmes (s.d.).
produto pode ser mostrado, discutido, examinado, sondado e admirado. Ele está lá fora.
Assim, o Construcionismo, minha reconstrução pessoal do Construtivismo, apresenta como principal característica o fato de que examina mais de perto do que outros – ismos educacionais a idéia de construção mental. Ele atribui especial importância ao papel das construções no mundo como um apoio para o que ocorreu na cabeça, tornando-se, desse modo, menos uma doutrina puramente mentalista. Também leva mais a sério a idéia de construir na cabeça reconhecendo mais de um tipo de construção (algumas delas tão afastadas de construções simples como cultivar um jardim) e formulando perguntas a respeito dos métodos e materiais usados.
Piaget, inspirador de Papert nos seus estudos, acredita que “o
conhecimento parte da ação que se exerce sobre os objetos. Mas exercer uma
ação sobre os objetos não é o mesmo que tirar o conhecimento dos próprios
objetos”72. Mesmo porque esse objeto pode ser externo ou interno. Piaget,
citado por Mizukami (1986, p. 64) afirma:
Conhecer um objeto é agir sobre e transformá-lo, apreendendo os mecanismos dessa transformação vinculados com as ações transformadoras. Conhecer é, pois, assimilar o real às estruturas de transformações, e são as estruturas elaboradas pela inteligência enquanto prolongamento direto da ação.
A autora aponta que Piaget admite duas fases relacionadas à
construção do conhecimento: a fase exógena, que é a “fase da constatação,
da cópia, da repetição” e a fase endógena, que corresponde à fase “da
compreensão das relações, das combinações” (MIZUKAMI, 1986, p. 64-65).
Um dos conceitos mais significativos na teoria piagetiana é o de
estágios de desenvolvimento da inteligência. Para Piaget, a inteligência pode
ser compreendida sob dois aspectos: função e estrutura.
Enquanto função, para Piaget, a inteligência é uma adaptação. Os processos da inteligência têm a finalidade do sujeito sobreviver, adaptar-se ao meio, modificar o meio para adaptar-se melhor a ele. Isso é a função da inteligência. E do ponto de vista estrutural, da descrição da inteligência, na verdade, a inteligência é uma organização de processos que permitem, se a organização for
72Fragmento da fala de Piaget extraído do Vídeo Cem anos de Piaget exibido pela TV Escola em 16 de maio de 1977.
complexa, um nível de conhecimento mais complexo, superior, e se for um nível de organização menos complexo, um nível de conhecimento inferior. A inteligência é uma organização. O crescimento da inteligência não se dá tanto por acúmulo de informações, mas sobretudo, por uma reorganização dessa própria inteligência, ou seja, crescer é reorganizar a própria inteligência para ter mais possibilidade de assimilação73.
O desenvolvimento da inteligência, para Piaget, ocorre em estágios,
sempre na mesma seqüência, embora possam diferir em idades. Piaget
trabalha com a noção de quatro estágios de desenvolvimento intelectual,
com linhas limítrofes entre as idades. Papert aponta três:
Bebês, desde que nascem, exploram o mundo ativamente. São dirigidos por interesse próprio, estão no comando e aprendem muito. O terceiro estágio é o que eu e toda pessoa criativa fazemos, seja do homem de negócio, artista ou cientista; estamos o tempo todo aprendendo com nossa paixão e interesse pelas coisas. Seguimos aprendendo o que precisamos saber das coisas que realmente nos interessam. Mas entre um estágio e outro, está o estágio dois, o estágio da aprendizagem escolar. Os jovens exploram o mundo aprendendo a questionar como as girafas vivem, o que há no espaço, como um elefante come, o que não conseguirão responder por exploração direta, tornando-se, assim, dependente dos adultos. Na escola se tornarão dependentes de quem dita as regras, diz o que elas devem saber e nem sempre o que elas querem saber74.
Um outro pensador inspirou Papert nos seus estudos. A noção de
concretude (que apoia a idéia de construir conhecimento concreto) foi
pensada através da palavra francesa intraduzível, segundo Papert, bricolage,
utilizada por Claude Lévi -Strauss (antropólogo nascido em 1908) para:
referir-se a como as sociedades “primitivas” conduzem uma “ciência do concreto”. Ele vê isso como diferente da ‘ciência analítica’ [...]. Esta, assim como a ideologia, embora não necessariamente a prática, da ciência moderna, baseia-se no ideal da generalidade – o único método universalmente correto que funcionará para todos os momentos e para todas as pessoas. Bricolage é uma metáfora para os estilos do antigo João-faz-tudo, que bate de porta em porta oferecendo-se para consertar o que quer que esteja estragado. Face a uma tarefa, o “arrumador” remexe em sua sacola de ferramentas sortidas para encontrar uma que se adaptará ao problema à mão e,
73 Fragmento da fala do Prof. Dr. Yves de La Taille extraído do vídeo sobre a obra de Jean Piaget da coleção Grandes Educadores produzido pela Atta Mídia e Educação. 74 Fala extraída do Vídeo Institucional da Lego Dacta e Projeto Bahia produzido por Flávia Filmes (s.d.).
se a ferramenta não funciona para a tarefa, ele simplesmente tenta uma outra sem jamais se perturbar nem mesmo de leve pela falta de especificidade do instrumento.
Os princípios básicos da bricolage como metodologia para a atividade intelectual são: use o que você tem, improvise, vire-se. E para o verdadeiro bricoleur as ferramentas na sacola terão sido selecionadas durante um longo tempo através de um processo determinado por mais do que a utilidade pragmática. Estas ferramentas mentais serão gastas e confortáveis como as ferramentas físicas do “arrumador” viajante, elas transmitirão uma sensação de familiaridade, de estar à vontade consigo mesmo[...]. Uso aqui o conceito de bricolage para servir como uma fonte de idéias e modelos para melhorar a habilidade de fazer – e de consertar e de melhorar – construções mentais. Afirmo que é possível trabalhar sistematicamente em direção a se tornar um melhor bricoleur [...]. Percebe -se mais diretamente o espirito do verdadeiro bricoleur na história da engenhosidade (e deleite) [...] em usar peças Lego para propósitos que jamais foram imaginados por seus fabricantes: uma roda como sapato, um motor como vibrador. Vê-se também neste uso do Lego-Logo um micromundo fortemente condutor às habilidades de bricolage.(PAPERT, 1994, p. 128-129)
O Lego é apontado por Papert como um bom exemplo do aprender
construindo algo. O cientista introduziu a Robótica Pedagógica, no trabalho
com crianças, utilizando o Lego aliado à linguagem Logo para construção de
modelos motorizados/eletrônicos. Turkle (1997, p. 243-245) conta a
experiência realizada por Papert:
A história intelectual da robótica moderna tem acompanhado a par e passo a da inteligência artificial. A IA tradicional concebia a inteligência como uma operação formal, e a robótica tradicional concebia robots que exigiam planos de acção formais, predeterminados. [...] uma nova escola de investigação em robótica, associada aos trabalhos de Rodney Brooks, do MIT, adoptou a estética informal da IA emergente. Estes dispositivos robóticos são por vezes referidos como “vida artificial real”.
No MIT, foi criada uma versão da “vida artificial real” destinada às crianças. No Media Laboratory, um grupo chefiado por Seymour Papert, usando peças Lego standard, bem como sensores, motores e computadores, montou um kit para construção de robots. Depois de terem construído estes robots, as crianças programam-nos na linguagem de computador Logo e brincam com eles, fazendo-os deslocarem-se pela sala.
Mitchel Resnick, um dos colaboradores de Papert no projeto Lego-Logo, apresentou-o na Primeira Conferência sobre Vida Artificial, realizada em 1987. Resnick referiu que, à partida, as crianças pensam acerca dos seus robots em termos psicológicos, e, em particular, atribuem-lhes uma personalidade e intenções próprias. Acrescentou ainda que as crianças acabam por pensar acerca das criaturas sob muitos prismas diferentes, alternando descrições mecânicas, psicológicas e informacionais.
Resnick, aliás, admitiu que ele próprio se sentia por vezes tentado a alternar entre diferentes perspectivas das suas criações Lego-Logo. Num dado momento, ele era um engenheiro digitando comandos que permitiriam a um robot Lego-Logo percorrer uma linha traçada no chão, e no momento seguinte dava por si a estudar a criatura como se esta fosse um animal sujeito a testes num laboratório de psicologia experimental [...]O projeto Lego-Logo estava intimamente relacionado com a estética emergente da vida artificial. Christopher Langton caracterizaria essa estética como indutivista, paralela e revelando uma determinação local de comportamento. No entanto, era geralmente impraticável pôr a funcionar muitas criaturas Lego-Logo em paralelo. Para explorar comportamentos paralelos, Resnick criou uma nova versão da linguagem Logo, chamada StarLogo, que permitia às crianças controlarem as acções paralelas de muitas centenas de “criaturas” no ecrã do computador. As crianças podiam usar a linguagem StarLogo para reproduzir o comportamento de aves num bando, de formigas numa colónia, de carros num engarrafamento de trânsito.
O uso da linguagem StarLogo familiarizou as crianças com a estética dos sistemas emergentes. Isto ressaltava muito especialmente quando elas, ao referirem-se à programação em StarLogo, sublinhavam um dos traços distintivos dessa estética – a asserção de que o comportamento complexo pode emergir dum número restrito de regras simples. Uma criança disse: “Com esta versão da linguagem Logo, a máquina ultrapassa as ordens que lhe foram dadas”. Outra exprimiu-se assim: “É estranho... Quer dizer, não há assim grande coisa para programar... bastam alguns comandos simples e acontecem logo uma data de coisas”.
O Logo é uma linguagem de programação desenvolvida por
Seymour Papert no MIT (Boston/EUA), a fim de possibilitar a comunicação
com o computador. Papert (1994, p. 34-35) explica como a linguagem
“funciona”:
[...]Você pode pensar nisso como um instrumento de desenho cujo uso mais simples se tornará claro a partir da seguinte cena. Imagine que você está olhando para uma tela de computador. Nela, você vê uma pequena tartaruga, que se move quando você digita comandos numa linguagem, chamada “conversa de tartaruga”, deixando uma linha à medida que anda. O comando PARAFRENTE 50 faz com que a tartaruga se mova para frente em linha reta a uma determinada distância. PARAFRENTE 100 fará com que ela se mova na mesma direção duas vezes mais longe. Logo você capta a idéia de que os números representam a distância que ela se move – eles podem ser pensados como passos de tartaruga. Agora, se você deseja fazê-la andar numa direção diferente, você dá um comando como PARADIREITA 90. Ela permanece no mesmo lugar, mas gira sobre si mesma, voltando-se para o leste se anteriormente estivesse voltada para o norte. Com este conhecimento você poderia fazê-la desenhar um quadrado com facilidade. Se isto é fácil para você, então, pode pensar em como desenhar um círculo; se isto também é fácil, você pode tentar um espiral. Em algum lugar, você encontrará seu nível de dificuldade e, quando o encontrar, eu lhe darei este conselho:
coloque-se no lugar da tartaruga. Imagine se movimentando em um quadrado ou em um círculo ou em um espiral ou seja o que for. Você poderá resistir por um momento porque está tentando arduamente [...]Mas, quando se permitir relaxar, verá que há uma fonte mais rica de conhecimento matemático no seu corpo do que nos livros-texto de sala de aula.
Papert, como bem visto nas citações acima, utiliza o brinquedo
Lego e uma linguagem de programação para possibilitar que as crianças
construam modelos e dêem “vida” aos seus modelos. Agindo dessa forma,
elas poderão aprender através do concreto, do fazer, do construir, da
associação entre os modelos mentais (abstratos) e os modelos reais
(concretos). Os alunos do Colégio Nobel também utilizam, para construção
dos modelos, peças e blocos de montar, pertencentes ao brinquedo Lego. O
Lego é um brinquedo criado em 1949. Atzingen (2001, p.153) explica que são
“tijolinhos de plástico que juntos podiam se transformar em casas, carros e
em tudo o mais que a imaginação permitisse. Para se ter idéia, com seis
tijolinhos pode-se obter 102.981.500 combinações diferentes”. Além da
grande quantidade, existe uma variedade muito grande de peças: polias,
engrenagens, eixos, correias, rodas, conectores, pneus, aros, tubos, blocos,
vigas; enfim, uma infinidade de peças de todos os tamanhos. A amplitude de
possibilidades de construção é tão grande, que a Scania, indústria de
fabricação sueca de caminhões pesados “foi buscar inspiração no Lego, o
brinquedo de montar, para criar um sistema modular de fabricação de
veículos. Juntando as diferentes peças, a Scania pode fazer 6 milhões de
combinações”75. Da construção faz parte uma espécie de tijolo, denominado
RCX, que, na realidade, é um microcomputador autônomo, programável,
75 6 milhões de combinações. Revista IstoÉ, edição 1804, no 21, 28 mai 2003.
que recebe a programação realizada pelos alunos no software Robolab
(instalado num PC), através de um Transmissor Infravermelho (denominado
Torre), ligado ao PC por um cabo serial. Acondicionado aos modelos criados,
após programado, o RCX dá “vida” aos modelos, tornando-os autônomos,
agindo sem o suporte do PC. O RCX funciona como uma espécie de
“cérebro” do robô. Possui três portas de entrada (input) de dados (coleta de
informações) que possibilitam a sua conexão com uma variedade de
sensores: temperatura, toque, luz, rotação, dentre outros. Pelo emissor de
infra vermelho (transmissor/receptor), pode receber até cinco programações
diferentes, que são selecionadas por um botão e identificadas através de um
visor que mostra a numeração de um a cinco. Ao ser apertado o botão de
inicialização, reproduz a programação escolhida. O visor, denominado de
LCD – Janela de Display, mostra as informações referentes ao RCX:
firmware76, o progresso de downloading77 do programa e o programa que
está em funcionamento. Possui três portas de saída de informações (output)
para o meio, que, a depender do projeto construído, possibilitam acionar
lâmpadas, motores e som.
76 ”é programação é inserida na memória programável de leitura apenas (ROM programável), tornando-se assim, uma parte permanente de um dispositivo de computador. Firmware é criado e testado como software (utilizando simulação de microcódigo). Quando pronta, pode ser distribuída como outros softwares e, utilizando uma interface do usuário especial, pode ser instalada na memória programável de leitura apenas pelo usuário. Firmware às vezes é distribuída para impressoras, modems e outros dispositivos de computador” In.: Dicionário de tecnologia editado por Lowwell Thing, 2003. 77 “é a transmissão de um arquivo do sistema de um computador para outro, geralmente para um sistema de computador menor”. In.: Dicionário de tecnologia editado por Lowwell Thing, 2003.
Figura 32 – Conjunto para programação: PC, Transmissor Infra Vermelho, RCX. RCX com sensores ligados as portas de entrada de informações.
O softawre utilizado para programação é o Robolab, desenvolvido
conjuntamente pela Tufts University College of Engineering, em
Massachussetts (EUA), pela National Instruments, em Texas (EUA) e pela
LEGO Dacta.
O professor de Robótica Pedagógica do colégio78 explica a
linguagem utilizada no software:
Professor – A linguagem de programação é uma linguagem icônica. O nome dela é Robolab (Labview), desenvolvida na Inglaterra. É a mesma linguagem que mandou o Sejouner a Marte; é uma linguagem científica, uma linguagem usada não só para Robótica como, por exemplo, para o desenvolvimento de plataformas eletrônicas. Mas essa linguagem chega para os meninos através de ícones. É uma linguagem que dá uma grande flexibilidade para que eles possam programar, não só por ser uma linguagem icônica. As estruturas que eles montam com ícones e que não são feitas através de palavras (como é uma linguagem formal de computador) são criadas, o algoritmo é criado; mesmo o aluno querendo depois partir para uma outra plataforma, a estrutura que foi montada pode ser aproveitada em qualquer situação de programação, inclusive em situações de programação para a Internet.
O professor fala sobre a flexibilidade da linguagem e afirma que,
depois de organizados os ícones para fazer funcionar o modelo construído, os
78 Entrevista realizada em julho de 2002. Para melhor exploração da fala do professor, ela foi editada e será apresentada em fragmentos. A entrevista original encontra-se gravada em fita cassete.
alunos podem utilizar essa estrutura e transferir a programação para outras
linguagens (como o Logo, por exemplo). O software é apresentado com duas
opções de fases: Pilot e Inventor. Cyr, no Guia para o software Robolab (p.
15), explica que:
A programação Pilot é a fase introdutória. Usa uma interface fácil de Clicar & Escolher, num modelo que pode ser modificado de acordo com suas necessidades. Pilot tem 4 níveis, sendo o Nível 1 o mais simples e o Nível 4, o mais flexível. Os 4 níveis estão em seqüência, o que facilita o avanço para o próximo nível, quando o usuário se familiariza com as opções do nível anterior. A programação Inventor é uma seqüência da fase Piloto. A programação é feita por meio de Pegar & Colocar os ícones da paleta para a janela de programa. Arrumando-os em seqüência, você cria seus próprios programas de maneira ilimitada. A programação do Inventor tem 4 níveis, sendo o nível I o mais simples e tendo o Inventor Nível 4 total flexibilidade e possibilidades ilimitadas.
Os alunos da 5a série, por estarem iniciando o trabalho com a
Robótica Pedagógica, realizam, no 1a bimestre, apenas programações
lineares. Após um semestre de aula, já estão utilizando o Inventor, como
explica o professor de Robótica Pedagógica:
Professor – No primeiro bimestre os alunos têm um primeiro contato com o sistema de programação que é o Robolab. Dentro dessa programação eles vão trabalhar em um sistema chamado Piloto que possui quatro níveis Eles avançam com bastante facilidade e rapidez para o piloto 1, 2 e 3; coisa de dez minutos em cada aula, no primeiro bimestre. No Piloto 3 a gente aguarda um pouco para que eles possam adquirir uma base, de tal forma, que ele possa avançar para o Piloto 4 (isso é feito no segundo bimestre). Todo o sistema Piloto é composto de programações lineares, ou seja, são ordens dadas ao robô de tal forma que cada ordem não é executada paralelamente a uma segunda ordem. Então o robô anda para frente, anda para trás, acende uma luz, apaga, pára; mas ele não pisca uma luz ao mesmo tempo em que ele acende uma lâmpada, isso seria uma parte já de tarefas múltiplas. Eles vão trabalhar toda a Robótica 1 com funcionamento de programações lineares. A partir daí, eles vão começar a fazer algumas montagens simples, como por exemplo, acender uma lâmpada ou funcionar motores;
O planejamento da disciplina é elaborado de forma a não
“sobrecarregar” os alunos com muitas informações de uma única vez. Um
ano letivo é divido em quatro bimestres, cada um tem a duração aproximada
de oito semanas de aula. A depender do projeto elaborado, o aluno pode
ocupar-se dele por duas, três ou até mais aulas. O primeiro bimestre é
dedicado à apresentação da Robótica Pedagógica, à introdução de uma
nova linguagem. Os alunos experimentam esses novos conhecimentos em
pequenas construções. É um período de experiências, da aprendizagem de
novas teorias; tudo é novo. A interação com o professor, durante todo o
período, é constante. As indagações são muitas. No segundo bimestre, os
alunos ainda “permitem” (ou aceitam{?}) a sugestão do professor no que
concerne à produção e elaboração dos projetos (ainda que muitos dos
conteúdos específicos da Robótica Pedagógica, tais como peças, montagens
e programação sejam introduzidos nesse bimestre). A partir do 3o bimestre,
não mais aceitam essa interferência, discutindo em equipe o que querem
montar/produzir. O professor relata como se desenvolve esse planejamento:
Professor – O objetivo inicial é que os alunos reconheçam os sistemas robóticos; para isso, eu preciso, também, ide ntificar e conhecer algumas características dos alunos e possibilitar aos mesmos o primeiro contato com programação, com montagem, com travamentos [significa a forma como as peças podem ser encaixadas] que são necessários nas peças. Isso, no entanto, é dividido em bimestres evitando uma sobrecarga de informação ao mesmo tempo. Basicamente no primeiro bimestre eles conhecem o laboratório, aprendem como ligar um computador [significa conhecer o funcionamento da torre e do RCX e como estão conectados ao computador] e como, de modo geral, o trabalho é desenvolvido porque como é o momento em que eles estão chegando, não sabem ainda como essas questões funcionam. Duas aulas são utilizadas para que eles conheçam as tarefas, dividam os grupos. Explico como são organizadas as tarefas e o momento de fazer cada uma delas. Um outro trabalho desenvolvido na primeira unidade é o conhecimento das peças; cada aluno precisa reconhecer cada uma delas, saber para que servem, como vão manusear as peças, como organizá-las para que o próximo grupo encontre o laboratório arrumado. O aluno precisa conhecer, também, como funciona a aula porque é uma aula muito livre, é uma aula em que eles conversam o tempo todo, é uma aula em que eles trocam idéias o tempo todo; para o padrão de aula que se tem, é uma aula bem diferente.
O professor salienta que a Robótica Pedagógica é “uma aula
diferente”. Essa é uma das justificativas apresentadas pelos alunos para
elencarem a disciplina como a segunda preferida (ver dados apresentados no
capítulo 2). Alguns depoimentos comprovam essa preferencia. AVX1 afirma
que na aula de Robótica Pedagógica, “aprende coisas diferentes”. AZX2 diz que “a
aula é legal e o professor também”. AZX2 afirma que “o professor é ótimo, a aula é superanimad a e
adoro essa matéria”. Para AJX3, “a aula é muito interessante e o professor é legal”.DAZ1 diz que
“o professor é engraçado e deixa as aulas superdescontraídas”. DBZ2 gosta das aulas porque “são
criativas e desenvolvem o raciocínio lógico”. AMX3 afirma que “é uma aula divertida, dinâmica e o
professor é legal”. Já DCZ3 apresenta um outro motivo, relacionado à preparação
profissional. Diz o aluno que adora a Robótica “porque nos prepara para a vida
profissional no mundo”. DDZ4 gosta “porque mexe com o Lego e o computador”. DEZ5 diz que “o
professor é legal, explica muito bem e eu gosto de lego”. O aluno acrescenta, em outro
momento, que “melhora a lógica”. DFZ6 diz que a aula é “superlegal, interessante e posso
aprender inúmeras coisas”. DGZ7 afirma que gosta de “aprender mais sobre tecnologia e robôs”.
Para DHZ8 “o professor é muito engraçado, gosto do que ele faz, está sempre disposto e também gosto de
trabalhar em grupo”. DIZ9 diz que a Robótica é uma “coisa nova e diferente”. CBR2 afirma
que “mistura conhecimentos com diversão”. Para CCR3, “é algo divertido e interessante porque você se
torna o construtor da máquina”. DLZ2 chama a atenção que, “nesta aula, eu aprendo me
divertindo”. DJZ1 acrescenta que “desenvolve a criatividade”. DMZ3 afirma que é uma
aula “que desenvolve lógica e criatividade”. Através dos depoimentos, pode-se observar
a relação feita entre diversão, alegria, gostar do professor (que são processos
emocionais) e desenvolvimento da lógica, aprender tecnologia, mexer com
robôs (que são processos mentais). Esses processos emocionais e mentais
estão relacionados às habilidades desenvolvidas através da disciplina
Robótica Pedagógica (serão identificadas nos projetos apresentados no
decorrer deste bloco).
Uma das justificativas para gostar das aulas de Robótica
Pedagógica diz respeito à criatividade. Brunner e Zeltner (1994, p. 64)
apresentam a criatividade:
Com C. se designa a área do pensamento e da atividade imaginativos do ser humano. A C. é considerada o oposto do à pensamento convergente. Uma caracterização mais pormenorizada de C. distingue as áreas: processo criativo, produto criativo e personalidade criativa.
Desde POINCARÉ (1913) são designados como estágios do processo criativo sobretudo: 1. A fase de preparação, 2. A fase de incubação (nela ocorrem as mudanças de estruturação no âmbito das estruturas de problemas), 3. A fase da intuição ou da iluminação e 4. A fase da verificação.
O produto criativo se caracteriza pelo fato de ser novidade e que até então só foi realizado por poucas outras pessoas. Manifesta originalidade e engenhosidade e representa para o indivíduo uma resposta primeira e não convencional ao seu meio ambiente.
Baseada nas afirmações dos autores, a Robótica Pedagógica se
insere nesse contexto de desenvolvimento da criatividade. Os modelos
criados pelos alunos diferem uns dos outros. Eles enriquecem cada modelo,
construído com peças e design sofisticados. Valente e Canhette (1998, p. 79)
afirmam que “[...] a montagem desse objeto envolve idéias de engenharia e
de ‘design’”, possibilitando ao aluno aprender conceitos referentes a essa
área e de engenharia. Para eles:
O objeto construído a partir de dispositivos LEGO, em geral, é um modelo de um objeto real (uma máquina de lavar-roupa ou um carro). Esse modelo, primeiro, deve se comportar de maneira semelhante ao objeto real e, portanto, do ponto de vista da engenharia, ele deve funcionar de maneira semelhante. Assim, tanto a parte mecânica quanto a parte computacional do modelo devem sofrer um tratamento a nível de engenharia. Segundo, o modelo deve ter uma forma semelhante ao objeto real. Do ponto de vista do “design”, o modelo requer o mesmo tratamento que possibilitou o objeto real a ter a forma e a função que ele apresenta. (VALENTE & CANHETTE, 1998, p. 79)
Os modelos criados pelos alunos podem ser semelhantes, mas
possuírem programações para o seu funcionamento completamente
diferentes, e modelos diferentes podem ter programações semelhantes. As
soluções apresentadas para resolução de problemas sociais, sinaleira para
deficientes visuais, por exemplo, mostram modelos nunca anteriormente
pensados ou criados. Goleman, Kaufman e Ray (2000, p. 59) afirmam que
“a criatividade desabrocha quando fazemos as coisas por prazer. Quando
uma criança aprende uma forma criativa, conservar a alegria importa tanto
quanto ‘fazer certinho’ se não mais. O que vale é a satisfação, não a
perfeição”. Antunes (2003, p. 113-115) define os estágios apontados por
Poincaré:
⇒ Preparação A preparação está relacionada ao reconhecimento de que um determinado problema é digno de um estudo e de uma solução criativa, ou de que um determinado tema ou produto é adequado para uma nova construção. É essencial que essa fase seja antecedida de todas as informações disponíveis e dos dados relevantes sobre a matéria que se busca criar. É importante evitar censuras, criticas ou frustrações, e o professor deve abster-se de manifestar sua maneira pessoal de encarar os fatos para ajudar o processo criativo, mostrar caminhos para a ação e jamais impor a elas críticas antecipadas. Em síntese, é essencial que se saiba o que criar. ⇒ Incubação Esta é uma fase delicada, durante a qual o problema ou tema passa a ser considerado no nível inconsciente. Nessa oportunidade, as idéias devem ser “cozinhadas em fogo brando”, di vagando-se e “digerindo-se” tudo o que já se reuniu. O professor não deve intervir muito nessa fase, e sim libertar o aluno de mecanismos conscientes de autocrítica e de autocensura. A incubação é importante porque os “subterrâneos” da mente ou onisciência guardam infinitas coleções de dados, fatos, referências e pensamentos que são inconscientemente freados pelo racional e, através dessa fase, vai-se a esses subterrâneos buscar elementos que auxiliam o ato criador. ⇒ Devaneio Esta é uma fase de curta duração, mas também extremamente significativa. Representa a tentativa de se fugir do assunto, esquecê-lo por alguns instantes, deixá-lo propositadamente de lado para resgatá-lo com maior vigor. Pode ser um período curto em que se ouve uma música, se conta uma pi ada ou até mesmo se faz um pequeno passeio. [...]. ⇒ Inspiração ou iluminação [...]. É o instante em que as idéias novas já definiram o contorno do produto criado. Executá-las é outra história. Essa etapa é
involuntária, e o professor nada pode fazer senão esperar que ocorra – quando isso acontece, a sensação é e que “a idéia surgiu do nada”. Revelada a idéia, chega o momento da etapa final e, nesse caso, é importante que o professor esteja atento para que a mente não se volte ao devaneio. ⇒ Ação É um instante muito especial, mas nem todos os alunos mostram-se apaixonados por ele, pois a mente criativa libera o fluxo da idéia para que as mãos ou o corpo a executem. É o momento em que a idéia necessita ser traduzida em realidade [...].
Na aula de Robótica Pedagógica, os alunos passam por todos
esses estágios criativos. Ao receberem o desafio, discutem como executá-lo,
desenham a idéia no papel e aprimoram essa idéia. Partem para a concepção
e montagem do modelo e pensam a programação para movimentar esse
modelo. Testam o modelo e, se não funciona, partem para a descoberta do
que erraram. Nesse meio tempo, tanto o modelo construído como a
programação são constantemente aprimoradas. A criatividade deixa de ser
individual para ser grupal, possibilitada pelas discussões entre os membros
do grupo, e cada um deles expõe a sua forma de pensar o assunto. O que se
cria na sala é a cultura do pensamento. Para Papert (1994, p. 81) “Não é
usar a regra que resolve o problema; é pensar sobre o problema que promove
a aprendizagem”.
Outra questão apresentada pelo professor de Robótica Pedagógica
refere-se a desafios. A cada aula, os alunos são motivados a resolver um
desafio que vai aumentando de intensidade à medida que eles vão
desenvolvendo habilidades de resolução de problemas, partindo de um nível
fácil para um mais difícil. Segundo o professor:
Eles chegam no laboratório, se acomodam e escutam o que vão fazer no dia, a tarefa que eles têm para fazer que normalmente é um problema desafio e, a partir desse problema desafio, é que eu espero que eles venham a adquirir o conhecimento do dia; a cada aula que eles chegam têm um novo desafio um pouco mais difícil,
apresentando um pouco mais de dificuldades para que eles venham a crescer com isso.
Como bem coloca Papert (1994, p. 49), “quando se está
profundamente envolvido em algo, o ‘estágio’ fácil não é o que se deseja”. O
desafio proposto pelo professor é sempre um exercício de lógica. Esses
desafios, no entanto, devem estar de acordo com as possibilidades de
resolução dos alunos. Deve existir um equilíbrio entre os desafios e as
habilidades necessárias à sua resolução. Hans Henrik Knoop79, estudioso do
processo de desenvolvimento da aprendizagem, explica que, “quando existe
um equilíbrio entre habilidades e desafios, é produzido um senso de
satisfação chamado estado de fluxo, onde a aprendizagem é mais rica”.
Segundo o pesquisador:
Há dois extremos em um estado de fluxo. Um deles é quando os desafios excedem as habilidades fazendo com que se fique ansioso, o que seria desagradável e muito improdutivo na aprendizagem. O outro extremo é quando as habilidades superam os desafios causando sensação de tédio, de não estar efetivamente aprendendo ou o suficiente.
Igualmente esse fluxo é relacionado à criatividade, como colocam
Goleman, Kaufman e Ray (2000, p. 40-41). Explicam os autores:
Quando a criatividade está em plena incandescência, as
pessoas podem experimentar o que os atletas e atores chamam de “momento branco”. Então, tudo dá certo. Suas habilidades respondem tão perfeitamente ao desafio, que você parece mesclar-se com ele. Tudo parece harmonioso, unificado, fácil.
A esse momento branco, os psicólogos costumam dar o nome de “fluxo”. Semelhante condição foi amplamente estudada por Mihalyi Csikszentmihalyi, psicólogo da Universidade de Chicago. No fluxo, as pessoas se encontram em seu ponto máximo. Ele pode ocorrer em qualquer tipo de atividade: pintura, xadrez, sexo, etc. A única exigência é que a capacidade vá tão precisamente de encontro ao desafio que a autoconsciência desapareça por completo.
79 Associate Professor Royal Danish Scholl of Educational Studies. Fragmento estraído do vídeo intitucional Lego Dacta e Projeto Bahia produzido pela Flavia Filmes (s.d.).
Se a sua capacidade de solucionar problemas não está à altura do desafio que tem que enfrentar, você sente ansiedade, não fluxo. É o que acontece quando faz um exame para o qual não estudou ou está prestes a pronunciar um discurso que não preparou. Se a sua capacidade for grande demais para o desafio, você tem a experiência contrária: tédio. [...]
Quando as habilidades e o desafio combinam, há mais probabilidade de surgir o fluxo. Nesse instante, a atenção se volta totalmente para a tarefa a cumprir. Um dos indícios dessa completa absorção é que o tempo parece voar – ou arrastar-se. A pessoa fica tão empenhada no que faz que esquece as distrações.
[...] Estudos neurológicos mostram que, em fluxo, o cérebro na verdade gasta menos energia do que quando nos vemos às voltas com problemas. Uma das razões pode ser o fato de que as partes do cérebro relevantes para a tarefa a cumprir serem mais ativas e as irrelevantes relativamente passivas. Em contrapartida, quando estamos num estado de ansiedade e confusão, não se observa tal diferença nos níveis de atividade entre as partes do cérebro.
A assertiva apresentada pelos autores sobre o equilíbrio necessário
entre os desafios e habilidades, o grau de interesse e o envolvimento nas
atividades determinar o “tempo voar” ou “arrastar-se”, relaciona-se com o
que dizem quatro alunos, ao afirmarem que não gostam da disciplina. CRA1
justifica dizendo: “não gosto de fazer robôs” [o aluno não explica o porquê]. CDR4
diz: “eu não gosto porque eu não gosto de computador”. CRE5 não gosta, “pois as aulas são de
tarde e eu não aprendo nada”. CFR5 justifica não gostar, dizendo “porque não entendo nada”.
Estas questões apresentadas me fazem questionar se os desafios não estão,
no momento em que se apresentam aos alunos, distantes da sua capacidade
de entendimento e, por isso, tornam-se de tal forma difíceis que os fazem
perder o gosto pela disciplina. O que diz CFR5 é muito significativo neste
sentido. CRE5 coloca como um impedimento o “ir a escola no turno da tarde”. Por
não gostar dessa “obrigação”, ele não consegue aprender (ou acha que não
aprende?). CRA1 e CDR4 não gostam dos recursos tecnológicos: nem o
modelo a ser construído, no caso, um robô, nem do instrumento que vai
possibilitar, através de uma programação pensada pelo grupo, atribuir
comportamento a um robô.
Os alunos trabalham em equipes de seis alunos, cada qual
desempenhando uma função. O professor de Robótica Pedagógica detalha
essas funções. Explica o professor:
Um grupo com aproximadamente seis componentes é dividido em programadores e montadores. Três alunos vão ser programadores e três alunos vão ser montadores. Dentre os programadores, cada um tem uma função específica: o design virtual é o aluno que é responsável em trabalhar com o mouse do computador; é ele que vai arrumar a programação e arrumar a idé ia dos componentes do grupo no computador; temos o programador chamado de coordenador da programação, ele é o chefe da programação e temos um aluno que é especialista em comunicação. O especialista em comunicação é colocado dentre os programadores mas ele tem a obrigação, também, de prestar atenção no que está acontecendo na parte de montagem porque, ao final da aula, ele é a pessoa que vai apresentar as idéias do grupo, tenha funcionado ou não, para a sala, para que a partir daí cada grupo possa debater as idéias que tiveram, que sempre são idéias diferentes, e com isso eles possam aprender. Digo concluído ou não, porque muitas vezes o trabalho não é concluído, mas a partir da troca de informações, numa aula seguinte normalmente eles concluem o trabalho. Com isso temos os três programadores. Temos também três montadores: o especialista em design físico que é responsável pela montagem, o especialista em materiais que é o aluno que, embora, montador é também o responsável pela contagem, conferência e arrumação do material ao término da aula bem como é responsável em solicitar alguma peça que esteja faltando ou que o grupo sinta a necessidade. Isso porque os alunos não recebem as peças desarrumadas; eles recebem as peças arrumadas e as peças adequadas às experiências que realizam em primeiro momento. Ao final do curso isso não é mais possível uma vez que estarão montando os trabalhos sozinhos e tendo idéias próprias e eu não conseguiria montar o material necessário para construção do projeto do grupo. Neste instante, eles precisam fazer a solicitação dos materiais e quem faz isso é o especialista em materiais. Especialista em informação é responsável em redigir o relatório exigido ao final de cada trabalho, com ajuda do grupo.
Essas funções são redefinidas a cada aula, como explica o
professor de Robótica Pedagógica:
Os alunos se revezam na execução das seis tarefas, de aula para aula. Então um aluno que foi montador numa determinada aula, passa a ser programador na aula seguinte. Isso quer dizer que o aluno que escreve um relatório hoje, só vai retornar a escrever o relatório seis aulas depois.
São vários os benefícios do trabalho em equipe. Um dos principais,
ao meu ver, é a possibilidade de troca de experiências, possibilitando a
construção do conhecimento através da interação entre os membros. Bonals
(2003, p. 13) afirma que o trabalho em grupo:
em determinadas condições, incrementa a qualidade das aprendizagens e favorece a aquisição de conhecimentos de alunos e de alunas, através da interação entre eles. Somente por essa razão, estaria justificada sua utilização de maneira sistemática nas salas de aula. Não podemos desconsiderar as enormes possibilidades surgidas pela interação entre alunos como fonte de construção de conhecimentos. Muitos autores de prestígio, como Vygotsky, não deixaram de insistir sobre o valor da interação entre pares, estabelecendo as condições adequadas, nas quais os alunos e as alunas podem aprender mais e melhor, se lhes é permitido enfrentar juntos os processos de aprendizagem, sobretudo quando lhes são propostos os objetivos aos quais poderão chegar, trabalhando em equipe.
No primeiro bimestre, quando os alunos já se conhecem e as
formas de relacionamento estão delineadas, embora as relações de amizade
ainda não estejam bem definidas e sedimentadas, aplica-se uma técnica
denominada sociograma para divisão das equipes (não só em Robótica
Pedagógica). Através de um teste sociométrico é possível verificar os alunos
mais integrados e juntá-los, a princípio, num mesmo grupo. Bonals
apresenta três funções do trabalho em grupo: função de regulação das
aprendizagens, função socializadora e função potencializadora do equilíbrio
emocional. Para o autor (2003, p. 15-16):
O trabalho em pequenos grupos favorece a regulação das aprendizagens entre seus componentes. Os próprios grupos se encarregam de organizar-se adequadamente para enfrentar algumas tarefas e para incorporar, de maneira mais ou menos autônoma, determinadas aprendizagens. Os alunos e as alunas aprendem a colocar-se de acordo com os trabalhos que cada um irá realizar, tendo em vista a conclusão da tarefa e a avaliação da mesma: aumentam a capacidade de cumprir as decisões sobre as quais concordam e aprendem a comprovar em que grau conseguiram incorporar os conhecimentos a que se tinham proposto.
A partir de uma dinâmica interna, os alunos colocam seus conhecimentos e as suas estratégias à disposição do grupo, fazendo-se mútuas contribuições, o que lhes permite incorporar novos conhecimentos. Realizam, de forma espontânea, correções sobre conceitos, estratégias e, inclusive, atitudes. Dessa maneira, uma parte importante das contribuições que tradicionalmente estavam
sob a incumbência do professor, agora o grupo as regula de forma autônoma.
[...] A organização da turma em pequenos grupos estabelece uma excelente condição para que os alunos e as alunas melhorem as habilidades sociais e aprendam a compatibilizar sua convivências com as necessidades dos demais. Além do mais, permite aos alunos entender, como conquista valiosa, a apropriação das habilidades sociais mencionadas e as atitudes de boa disposição para com as necessidades do outro. Ao mesmo tempo, essa organização propicia aos alunos ótimas condições para melhorar sua capacidade, para dialogar, para aprender a chegar a acordos por meio do diálogo.
Nas aulas observadas, é evidente o grau de envolvimento dos
alunos nos grupos. O diálogo é primordial para a construção dos projetos,
como é expressado pelo professor quando diz que é uma aula em “que eles
conversam o tempo todo”. Essa possibilidade de troca de idéias possibilita
que a participação seja ativa e que todos dêem sua contribuição. Isso
implica, também, na relação entre os alunos considerados extrovertidos, que
se expressam de maneira mais livre, sem “vergonha de se mostrar” (às vezes
até considerados “líderes”, por possuírem esta característica) e o aluno
tímido: algumas vezes a resolução para o desafio é apresentada pelo aluno
tímido, que sai da sua “redoma” para contribuir positivamente com o grupo,
fazendo-se ouvir por aquele que quer dominar a situação com as suas idéias.
Habilidades sociais são desenvolvidas no trabalho grupal: o respeito à idéia
do outro, a importância atribuída a essa idéia, as discussões surgidas na
análise dessas idéias, a importância individual para o processo grupal. Para
que isso aconteça, é fundamental a atribuição de papéis e responsabilidades.
Como a cada um é dado o “direito” de expressar a sua idéia sobre o
assunto, a habilidade de argumentação é fortemente trabalhada nessa ação.
O relatório escrito, exigido do grupo após finalização do projeto, possibilita a
exposição de idéias de forma lógica, clara e concisa, dentro dos parâmetros
da língua formal (gramática normativa). Elaborar o projeto inicialmente no
papel possibilita a organização das idéias e mostra a necessidade de ações
planejadas, almejando um resultado esperado (que pode, no entanto,
funcionar ou não).
Muitos foram os projetos construídos pelos alunos das 5as séries,
ao longo desses dois anos de pesquisa. Optei em demonstrar, neste espaço,
os projetos apresentados na 1a FACE80 realizada pelo Colégio Nobel, em
setembro de 2002. Cada um dos projetos aqui apresentado foi construído
em três horas de aula, obedecendo ao seguinte esquema:
: discussão do que seria feito (incluindo objetivos do projeto);
: desenho do modelo;
: elaboração de hipóteses para seu funcionamento;
: construção do modelo; programação;
: verificação do funcionamento do modelo;
: relatório final
A discussão do projeto é o primeiro passo para construção do
modelo. Os alunos precisam definir que modelo deve ser criado e o porquê
dessa construção. A partir daí, vem a fase da investigação, da pesquisa sobre
o quer querem construir. Novos conceitos são aprendidos nesse momento
(conceitos de força, velocidade, atrito, energia, por exemplo). Os conteúdos
relacionados, de forma mais direta, às outras disciplinas da matriz curricular
são trabalhados de forma prática na Robótica Pedagógica, aproximando
80 FACE – Feira de Artes e Ciências Exatas – realizada pelo Colégio Nobel em setembro de 2002; contemplou apresentação dos trabalhos elaborados pelos alunos, no decorrer no 3o bimestre, nas disciplinas de Artes, Matemática e Robótica Pedagógica.
esses conteúdos do dia-a-dia do aluno. Questionado sobre o assunto, o
professor de Robótica Pedagógica responde:
Pesquisadora - Como você consegue fazer com que o conhecimento aprendido em outras disciplinas possa se tornar útil para Robótica Pedagógica ou para os projetos de Robótica Pedagógica? Professor – As disciplinas, elas estão na verdade, interligadas intimamente. Então, por exemplo, quando a gente pensa em um projeto, tanto faz, pensar em um projeto de Robótica e as disciplinas se engajarem ou pensar num projeto de uma determinada disciplina, ou uma idéia em qualquer disciplina, e a Robótica se engajar. Tudo isso é possível. Por exemplo, em Física que a Robótica vai estar intimamente ligada também, a gente pode trabalhar com conceitos de inércia, conceitos de velocidade, conceito de aceleração, conceito de força, jogos de engrenagens, roldanas; em Matemática a gente poderia pensar em trabalhos com probabilidade, trabalhos envolvendo MMC, MDC; Matemática possibilita uma infinidade de projetos, devido à estreita correlação que existe entre ambas. Em Português, eles estão a toda aula, criando, montando e redigindo relatórios; em Química, podem ser feitos trabalhos envolvendo separação de materiais, seja por cor, seja por tamanho, seja em classificação. Em Biologia, poderia pensar em trabalhos envolvendo sistemas de músculos, que os robôs usam isso para pegar, agarrar, inclusive, usando princípios que o nosso corpo tem; a gente poderia associar, também, o robô com algumas partes do corpo humano, bem como, pensar em fazer com que ele execute algumas tarefas do corpo humano. Em história, a gente tem projetos, por exemplo, um projeto que existe que os meninos constróem é um robô que foge do labirinto que eles fazem a correlação com o minotauro, inclusive apresentando trabalhos e relatórios sobre isso. Todo o histórico da Robótica é muito debatido: o homem e a máquina, a inteligência artificial, a máquina tomar o lugar do homem, até que ponto isso é feito, até que ponto isso é bom, cada um expressando sua opinião e discutindo o que seria viável ou não. Na Geografia, alguns trabalhos envolvendo posicionamento, estações de meteorologia, ar, densidade de ar. Sem contar com trabalhos que envolvem, por exemplo, cidadania. É muito comum eles trabalharem projetos que tenham como um bem dentro da sociedade, por exemplo, pensar no deficiente físico, construção de cadeiras de roda robotizadas, pensar num sistema de sinaleira que emita um som e que o pedestre cego, no caso, saiba se o sinal está aberto ou fechado, pensar em robôs capazes de guiar cegos também.
Esses assuntos constituem uma pequena parcela da
potencialidade do trabalho com a Robótica Pedagógica. Porém, para que a
discussão seja válida, a pesquisa assume papel preponderante na fase de
preparação do projeto. Para a montagem e funcionamento de modelos há a
necessidade de um estudo prévio de como os já existentes na sociedade
funcionam a fim de recriá-los. Conteúdos de História, Geografia podem ser
transformados em práticas. Conceitos físicos (que ainda não são estudados
na faixa etária observada), mecânicos, matemáticos, eletrônicos (além de
outros) são constantemente pesquisados e compreendidos, atribuindo um
caracter multirreferencial e interdisciplinar à aprendizagem através da
Robótica Pedagógica. As discussões sobre o papel social de cada um na
construção de uma sociedade mais justa pode ser visto como uma incitação
à participação cidadã no mundo. No entanto, tanto as discussões como as
construções imprimem à aula um caráter de autonomia. Para Papert (1994,
p. 61), “os professores que conferem tanta autonomia aos seus alunos estão,
por meio disso, declarando sua crença numa teoria de conhecimento
radicalmente diferente, que requer muito mais trabalho tanto para eles como
para seus alunos”. O autor advoga, também, a idéia de que, “quando o
conhecimento é distribuído em minúsculos pedaços, não se pode fazer nada,
exceto memorizá-lo na aula e escrevê-lo no teste. Quando ele está integrado
num contexto de uso, pode-se ativá-lo e corrigir falhas menores [...]”. Essa
integração entre conhecimentos novos e os já adquiridos possibilita a
construção de um conhecimento significativo, que, na perspectiva
apresentada por Hernández e Ventura (1998, p. 57), é:
[...]para tornar significativo um novo conhecimento, é necessário que se estabeleça algum tipo de conexão com os que o indivíduo já possua, com seus esquemas internos e externos de referência, ou com as hipóteses que possam estabelecer sobre o problema ou tema, tendo presente, além disso, que cada aluno pode ter concepções errôneas que devem ser conhecidas para que se construa um processo adequado de ensino-aprendizagem.
Definido o modelo, elaboram um pré-projeto e desenham o modelo
no papel (ás vezes elaboram o pré-projeto diretamente no computador).
Desenhado o modelo, elaboram e discutem as hipóteses para o seu
funcionamento. Nesse momento, verifica-se o desenvolvimento da habilidade
de argumentação. Habilidade aqui entendida como:
uma capacidade adquirida para se obter um bom desempenho; proficiência. Obs.: O termo com freqüência refere-se a atos motores complexos, finalmente coordenados, que são o resultado de aprendizagem perceptual-motora, [...]. No entanto, o termo também é empregado com referência a partes de atos que são basicamente intelectuais, como, por exemplo, os atos envolvidos na compreensão ou no raciocínio. (HARRIS & HODGES,1999, p. 131).
E, nesse momento, inicia-se o trabalho com a lógica simbólica.
Adoto para o trabalho com a Robótica Pedagógica o conceito de lógica
simbólica, instituído por Pinto (2001, p. 27-28), quando diz que é:
[...] uma ciência que estuda apenas a correção dos argumentos demonstrativos, sem se preocupar com a verdade ou falsidade das sentenças envolvidas. Tal ciência é a Lógica, que pode ser definida como o estudo dos princípios que regem a inferência válida. A palavra ‘Lógica’ vem do grego ‘logos’, que significa, entre outras coisas, ‘palavra’, ‘dito’, ‘argumento’, ‘ordem’, ‘razão’, ‘justificação’. A ciência a que nos referimos tem, pois, este nome porque se refere aos princípios que regem nossa própria racionalidade.
O campo da Lógica é a linguagem, ou, mais exatamente, aquela parte da linguagem na qual estão presentes os argumentos demonstrativos. Seu objetivo principal é efetuar a análise lógica desses argumentos, avaliando a sua correção.
Sobre a lógica trabalhada pelos alunos de 5a série, o professor de
Robótica Pedagógica afirma que:
a lógica começa a ser trabalhada de uma forma bem simples. Primeiro é dada uma questão lógica para eles tentarem resolver em grupo, um ajudando o outro sem que haja um conhecimento prévio ou formal. A partir daí eles vão começar a perceber que existe um porquê das coisas aconteceram ou porquê que acontece daquela maneira.
Os conceitos chaves da lógica (segundo Pinto, 2001) são:
‘argumento’, ‘antecedente’, ‘conseqüente’, ‘inferência’, ‘validade’, ‘sentença’,
‘demonstração’. O referido autor (2001, p. 16) define ‘argumento’,
exemplificando-o:
Suponhamos, [...], que alguém nos dissesse o seguinte:
Os insetos possuem seis patas.
Ora, as abelhas são insetos. Logo, as abelhas possuem seis patas. Essa pessoa estaria tentando provar-nos que as abelhas
possuem seis patas, partindo do fato de que os insetos possuem seis patas e as abelhas são insetos. O que nos assegura isso são duas palavrinhas. A primeira delas, ‘ora’, articula as duas primeiras proposições, configurando-as como ponto de partida. A segunda, ‘logo’, pelo seu caráter conclusivo, estabelece uma espécie de ponto de chegada, configurando a terceira proposição como uma conseqüência das duas anteriores.
Assim, estamos diante de uma estrutura lingüística determinada, à qual poderemos chamar de ‘discurso’, em que a primeira justifique a segunda. Numa primeira aproximação, definiremos o argumento como sendo aquele discurso no interior do qual se extrai uma conseqüência. Neste nível, ‘argumento’ é sinônimo de ‘raciocínio’.
É importante observar aqui que os argumentos podem assumir inúmeras formas na linguagem cotidiana, não existindo regras seguras que nos permitam localizá-los mecanicamente. Todavia, uma coisa é certa quando estamos diante de um argumento: uma dada conseqüência é sempre extraída.
O autor (2001, p. 19) detalha o argumento exemplificado a fim de
mostrar o que é um ‘antecedente’, uma ‘inferência’ e um ‘conseqüente’.
Podemos identificar, com facilidade, três partes fundamentais no mesmo. A primeira delas, através da palavra ‘ora’, articula duas proposições que funcionam como ponto de partida e cujo conjunto recebe o nome de ‘ANTECEDENTE’. A segunda, através da palavra ‘logo’, mostra-nos que a terceira proposição é o ponto de chegada, tendo sido obtida a partir das duas anteriores e recebendo, por isso, o nome de ‘CONSEQUENTE’. A terceira parte é mais sutil e difícil de ser percebida à primeira vista. Trata-se da RELAÇÃO que existe entre antecedente e conseqüente: através dela, vemos que, partindo das duas primeiras proposições, temos que chegar necessariamente à terceira. Algo nos empurra, nos conduz do antecedente ao conseqüente. Este algo, esta relação de caráter imaterial recebe o nome de ‘INFERÊNCIA’. [...].
Quando a relação realmente existe e de fato liga o antecedente ao conseqüente, estamos diante do que se chama ‘INFERÊNCIA VÁLIDA’. Neste caso, o argumento que a expressa é correto. Quando, porém, a relação é apenas aparente, não havendo uma efetiva condução do antecedente para o conseqüente, estamos diante de uma “INFERÊNCIA NÃO VÁLIDA’. Neste caso, o argumento
Os insetos possuem seis patas. Ora, as abelhas são insetos .
ANTECEDENTE
INFERÊNCIA
CONSEQUENTE Logo, as abelhas possuem seis patas.
que a expressa não é correto e constitui aquilo que chamamos uma FALÁCIA.
O professor de Robótica Pedagógica explica, ao ser questionado
pela pesquisadora, como são trabalhadas as estruturas lógicas e os
conectivos:
Pesquisadora - As estruturas [...se...], [...ou...] também são trabalhadas na quinta série? Professor – essas estruturas são trabalhadas na quinta série, sim. Essas estruturas são trabalhadas em níveis diferentes na Robótica 1 e 2. Na Robótica 3 já são experimentos práticos. Vamos imaginar, por exemplo, o que é trabalhado na quinta série. São trabalhadas as questões; isso fica muito no ar, fica muito no abstrato; na sexta série eles montam os circuitos: o circuito [...e...], o circuito [...ou...], o principio básico do funcionamento de computador. Na verdade eles montam, eles constróem, por exemplo, lâmpadas e interruptores através de fios, a gente larga nesse instante um pouco o material da Lego, mas a gente trabalha com experimentos físicos de tal forma que ele entenda que se eu tenho, por exemplo, um circuito [...e...] eles constróem com dois interruptores e uma lâmpada, ou seja, é preciso que os dois interruptores estejam ligados para que a lâmpada funcione; esse mesmo circuito a gente pode montar com o circuito [...ou...]. Ele tem que construir um circuito [...e...], um circuito [...ou...]; constróem, também, um circuito paralelo. Eles constróem isso com fios e com lâmpadas, material simples, preparado para eles, sem usar soldas, apenas com jacarés, garrinhas, fios, cabinhos. Na robótica 3 eles vão trabalhar esses mesmos algoritmos dentro do computador, ou seja, eles vão montar um robô, montar um sistema robótico que atenda a essas necessidades, um sistema que atenda pelo [...e...], um sistema que atenda pelo [...ou...], pelo [se...então], pelo [se...e somente se...] e pelo circuito paralelo. Então, são três fases: a fase que eles conhecem o abstrato, uma fase que eles montam esses circuitos com fios e a fase que eles montam os mesmos circuitos com as próprias peças do robô ou com robôs resolvendo os questionamentos. Pesquisadora - O que você chama de abstrato? Professor - A gente fala no abstrato porque matemática, na verdade, é uma ciência abstrata. Por ser uma ciência abstrata, ela não vai concretizar aquele experimento ainda, ela só vai trabalhar a lógica, a parte mesmo que eles vão analisar se é verdadeiro, porquê que é verdadeiro, se é falso, porque aquilo é falso, porque verdadeiro e falso resulta numa condição falsa; então, eles analisam isso tudo abstratamente. Pesquisadora - Quais são as possibilidades na quinta série, por exemplo, você disse que se uma alternativa é verdadeira e a outra é falsa, torna-se falsa, foi isso? Quais as possibilidades disso na quinta série? Professor - é bem simples de entender, por exemplo, o circuito [...e...]. O circuito [...e...] é como se eu lhe dissesse assim: vamos à praia e ao cinema. Vamos a praia e ao cinema, explica isso. Quando a gente larga essa frase, é uma frase padrão, é uma frase que só é dada depois que eles criaram algum conhecimento sobre o que representa o [...e...] , mas no momento em que você lança essa frase a gente começa a analisar quais são as possibilidades que podem
acontecer. E a gente vai analisar se a pessoa que falou executou aquela possibilidade, atingiu o valor verdadeiro ou falso. Vamos à praia e ao cinema e essa pessoa vai a praia e vai ao cinema então ela falou a verdade; vamos à praia e ao cinema e a pessoa foi à praia mas não foi o cinema, vai resultar numa pessoa ter falado uma mentira, é uma falsidade. Se não vamos à praia mas vamos ao cinema continua sendo falsidade, que ela tinha dito antes que ia a praia e ao cinema. Ou, então, se a pessoa disse vamos a praia e ao cinema e não foi a um nem foi a outro, falso e falso, vai resultar em falso. Então, a análise deles sobre verdadeiro e falso, na verdade, é dado através de experimentos que são feitos nesse contexto. Eles analisam as frases. Da mesma forma, isso vai ser feito com o circuito ou algoritmo ou o conectivo [...ou...], o conectivo [...se...], [...então...] o conetivo [se...e somente se...]. Isso é feito na 5a série com bastante facilidade.
Essas frases exemplificadas pelo professor são argumentos. Pinto
(2001, p. 29) demonstra, no quadro a seguir, todas as combinações
argumentativas possíveis:
ANTECEDENTE CONSEQUENTE INFERÊNCIA 1. verdadeiro Verdadeiro válida 2. verdadeiro Verdadeiro não válida 3. falso Falso válida 4. falso Falso não válida 5. falso Verdadeiro válida 6. falso Verdadeiro não válida 7. verdadeiro Falso não válida 8. verdadeiro Falso válida
Sobre os conectivos falados, Pinto (2001, p. 49-50) afirma que: Quando construímos um argumento, nem todos os termos que nele usamos desempenham os mesmos papéis. Alguns deles possuem a propriedade de designar objetos ou propriedades de objetos, como, por exemplo, ‘casa’, ‘homem’, ‘político’, ‘honestidade’. Os nomes de indivíduos também se incluem aí, pois designam um ser singular. Outros termos, em vez de designar objetos, propriedades ou indivíduos, servem apenas de ligação entre termos, sentenças ou argumentos. O sentido deles está na sua função de complementar o sentido dos primeiros. É o que ocorre, por exemplo, com os termos ‘o’, ‘este’, ‘é’, ‘todo’, ‘nenhum’, ‘alguém’, ‘se...’, ‘então’, ‘ou’, ‘e’. Cada um deles complementa o sentido de outros termos ou articula-os na sentença e no argumento. Assim, se a função dos termos do primeiro grupo é designar coisas, a dos pertencentes ao segundo grupo é ligar palavras. Para distingui-los, denominaremos os da primeira categoria ‘termos descritivos’ e os da segunda, ‘termos lógicos’.[...]. As sentenças complexas são formadas com o auxílio dos termos lógicos, que articulam sentenças simples em todos organizados. Por essa razão, os termos lógicos são também denominados “conectivas sentenciais’. As principais são as seguintes: Não (negação), ...e... (conjunção ou copulativa),
...ou...ou (dijunção), se..., então... (condicional), ...se e somente se... (equivalência ou bicondicional). Elas estabelecem relações lógicas bem definidas entre sentenças, permitindo inclusive a formulação de muitos argumentos com seu auxílio.
Esses conectivos e alguns outros não citados pelo autor [...ou...]
são trabalhados através da linguagem de programação que acompanha os
kits Lego escolhidos para a disciplina, embora sejam priorizados os
conectivos [...e...], [...ou....], [se...então...], [se... e somente se....]. Os
conectivos fazem parte de uma linguagem lógica. No entanto, no caso
especifico do trabalho da disciplina, buscamos não enfatizar a lógica do
senso comum (intuitiva) e sim a lógica das proposições, muito como bem
captada e explicada por Fróes81:
quando a pesquisadora fala da lógica, ela fala de uma outra lógica, é uma outra lógica completamente diferente, não é a lógica linear, formal, seqüencial, dedutiva, não é, é a lógica de proposições, é uma lógica que trabalha com a linguagem e que tem na linguagem a sua forma e quando eu digo a linguagem, é a linguagem enquanto forma de expressão do ler o mundo, de relação com o mundo.
O próximo passo é a construção do modelo já definido e discutido.
Utilizam, neste momento, as várias peças do Lego (pinos, correias, rodas,
sensores...) inclusive o RCX. Habilidades motoras e de catalogação (do
material a ser utilizado) são desenvolvidas nesse momento. A partir daí,
passam a programar o modelo criado. Na programação é utilizada a lógica
matemática, como explica o professor:
Professor - Nesse instante, a gente formaliza, depois que eles têm algo estruturado, depois que eles já viram como as questões funcionam, depois que eles responderam muitas questões, a gente formaliza isso usando a lógica matemática mesmo, armando as proposições, analisando as proposições que são verdadeiras,
81 Fragmento da fala da Orientadora Profa. Dra. Teresinha Fróes Burnham na apresentação do projeto da pesquisadora realizada na disciplina Projeto de Dissertação em 01 de abril de 2002.
analisando o [...se...], todas a s estruturas, o [...e...] , o [...ou....], o se...então...], o [...ou...ou...] [significa o ...ou...exclusivo] que é uma estrutura que não se trabalha quando se fala em vestibular, nem uma estrutura que se trabalha na faculdade, mas pela necessidade de programação o [...ou...ou...] passa a ser importante para eles. A partir daí, eles analisam; na verdade nenhuma questão é mostrada para eles com tabelas prontas, como existe na lógica simbólica. Eles constróem as tabelas. A partir das construções que fazem, passam a deduzir os outros questionamentos. Algumas experiências, inclusive, mostram que depois que eles têm contato com a lógica matemática, eles começam a resolver aquelas mesmas questões que eles resolviam antes, com uma estrutura, com uma forma própria, uma forma organizada para chegar a uma conclusão.
O raciocínio lógico matemático é bastante exercitado nessas
análises. Isso pode ser observado através da resposta de CRF5 ao dizer que
gosta de Robótica “porque a matemática ficou um pouco mais fácil”. O
professor verifica se as análises feitas pelos alunos são verdadeiras através
das seqüências elaboradas no software (Robolab) para movimentar os
modelos pensados. O computador torna-se, nesse caso, um elemento de
mediação na construção de conhecimento, ao ser programado para “dar
vida” a modelos anteriormente estáticos. O erro também é verificado através
da programação realizada. Se o modelo não funciona como foi pensado, os
alunos rediscutem e verificam a seqüência inadequada e reprogramam. Para
Almeida (2000, p. 40-41), programar computadores significa:
representar os passos que podem levar à solução de determinada situação-problema, ou seja, descrever uma seqüência de ações em uma linguagem que o computador possa executar. O programa desenvolvido é executado pelo computador, que fornece uma resposta, diante da qual podem ocorrer duas situações. Na primeira, o resultado fornecido é o esperado, e a atividade está concluída. Na outra, o resultado fornecido pelo computador não corresponde ao esperado e há necessidade de rever todo o processo de representação do problema, tanto em termos da descrição formal das operações como em termos da lógica empregada na solução. Isso promove o desenvolvimento de reflexões que procuram compreender as estratégias adotadas, os conceitos envolvidos, os erros cometidos e as formas possíveis de corrigi-los – o que leva o aluno a depurar o seu programa e a inserir nele novos conceitos ou estratégias. Após terem sido feitas as alterações na descrição do programa, ele é novamente executado e o ciclo se repete até atingir o resultado satisfatório.
O último passo é a elaboração de um relatório escrito, realizado em
grupo, no qual expõem as idéias principais, como realizaram o projeto e as
conclusões obtidas.
Uma outra questão que pode ser levantada é o fato de os alunos
discutirem e elaborarem projetos com a ajuda (mediação) do professor.
Oliveira (1993, p. 58) afirma que, nos estudos sobre o desenvolvimento de
uma criança, realizados por Vygotsky ( apontado como teórico cognitivista no
esquema apresentado por Moreira), se discute o que a criança é capaz de
fazer sozinha (estando preparada para), e o que ela é capaz de fazer com a
ajuda de um professor ou de um colega. A autora explica que:
Normalmente, quando nos referimos ao desenvolvimento de uma criança, o que buscamos compreender é “até onde a criança já chegou”, em termos de um percurso que, supomos, será percorrido por ela. Assim, observamos seu desempenho em diferentes tarefas e atividades, como por exemplo: ela já sabe andar? Já sabe amarrar sapatos? Já sabe construir uma torre com cubos de diversos tamanhos? Quando dizemos que a criança já sabe realizar determinada tarefa, referimo-nos à sua capacidade de realizá-la sozinha. Por exemplo, se observarmos que a criança “já sabe amarrar sapatos”, está implícita a idéia de que ela sabe amarrar sapatos sozinha, sem necessitar da ajuda de outras pessoas.
Esse modo de avaliar o desenvolvimento de um indivíduo está presente nas situações da vida diária, quando observamos as crianças que nos rodeiam, e também corresponde à maneira mais comumente utilizada em pesquisas sobre o desenvolvimento infantil. O pesquisador seleciona algumas tarefas que considera importantes para o estudo do desempenho da criança e observa que coisas ela já é capaz de fazer. Geralmente nas pesquisas existe um cuidado especial para que se considere apenas as conquistas que já estão consolidadas na criança, aquelas capacidades ou funções que a criança já domina completamente e exerce de forma independente, sem ajuda de outras pessoas. [...].
Vygotsky denomina essa capacidade de realizar tarefas de forma independente de nível de desenvolvimento real. Para ele, o nível de desenvolvimento real da criança caracteriza o desenvolvimento de forma retrospectiva, ou seja, refere-se a etapas já alcançadas, já conquistadas pela criança. As funções psicológicas que fazem parte do nível de desenvolvimento real da criança em determinado momento de sua vida são aquelas já bem estabelecidas naquele momento. São resultado de processos de desenvolvimento já completados, já consolidados.
Vygotsky chama a atenção para o fato de que para compreender adequadamente o desenvolvimento devemos considerar não apenas o nível de desenvolvimento real da criança, mas também
seu nível de desenvolvimento potencial, isto é, sua capacidade de desempenhar tarefas com a ajuda de adultos ou de companheiros mais capazes. Há tarefas que uma criança não é capaz de realizar sozinha, mas que se torna capaz de realizar se alguém lhe der instruções, fizer uma demonstração, fornecer pistas, ou der assistência durante o processo.
[...] É a partir da postulação da existência desses dois níveis de desenvolvimento – real e potencial – que Vygotsky define a zona de desenvolvimento proximal como “a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes”.
Esse procedimento de ajuda é constante nas aulas de Robótica
Pedagógica, principalmente nos bimestres iniciais, quando, inclusive, as
equipes elaboram os projetos com a ajuda de manuais. A partir do momento
em que se sentem seguros e capazes de modelar os seus próprios projetos,
abandonam os exemplos. Esse processo pode ser verificado através da
explicação do professor:
Pesquisadora - Quais os projetos existentes? E quais deles vêm acompanhado de manual? Professor - Existe o projeto da casa, que normalmente é trabalhado no primeiro bimestre, em qualquer que seja o nível, uma vez que todo o conhecimento de programação pode ser passado aí. Existe um projeto de um carro; no projeto do carro, eles armam um sistema diferente porque o projeto da casa vem todo feito no manual; então o projeto do carro, na Robótica 1, a gente pede para ele criar o carro; é o momento em que eles começam a criar. Eles vão se desvencilhar, se libertar de ter um manual dizendo a ele como construir, como aconteceu na casa; e a gente passa a ter um móvel construído por eles, que nem sempre vai dar certo, mas eles vão trabalhar a primeira vez, vão trabalhar a segunda vez e vão construir um móvel. Então alguns problemas de alguns conceitos começam a aparecer, por exemplo, o móvel para fazer uma curva começa a ter o problema de atrito porque eles colocam roda na frente, colocam roda no fundo; para resumir, vamos dizer que no momento em que existe o carro, o carro é usado na robótica 2, esse carro vem com manual, a gente usa com outro objetivo, com o objetivo de engrenagens, de jogo de roldanas, de jogo de velocidade, de alterações da velocidade através de engrenagem. Na robótica 1 a gente prefere que eles construam um carro livre, que não fica a desejar do carro pronto. Eles fazem carros bastante criativos, com liberdade. Existem, ainda, o projeto do inseto e o da engenhoca. Manual impresso existe nos quatro projetos. Pesquisadora – O que é que o inseto faz? Professor - Não existe um objetivo no inseto, do que é que ele faz. Existe, na verdade, o que se pede para ele fazer e uma infinidade de trabalhos, uma infinidade de opções: dele trabalhar com o sensor de toque, executar uma curva, que ande em linha reta ou até mesmo condicionar um carrinho bate-volta. Seja o inseto, seja o carro que
eles criam, todos poderiam fazer a mesma coisa; na verdade o projeto montado vai prender um pouco o aluno; em um determinado momento é interessante que eles peguem alguma coisa já com manual mas com certeza eles criam mais, eles aproveitam mais os projetos que atendem às necessidades dos questionamentos que estão sendo feitos
Não desejo “criar” um novo paradigma sobre a aprendizagem
utilizando a Robótica Pedagógica como matriz principal. Mas defendo a
idéia de que muitas habilidades são desenvolvidos e estímulos
enriquecedores são fornecidos ao cérebro através dela, possibilitando a
formação de novas conexões neurais. Houzel explica que o desenvolvimento
de nossas habilidades é decorrente de novas combinações realizadas entre
os componentes do sistema nervoso e a possibilidade de modificação das
sinapses existentes, melhorando a sua eficiência. Diz a autora (2002, p.24-
25):
[...] como então é possível desenvolver nossas habilidades? A resposta está na mais maravilhosa e característica propriedade do sistema nervoso: a capacidade de fazer novas combinações entre seus elementos, e de mudar a eficiência das conexões – as sinapses – já existentes. Quando a eficiência aumenta, a conexão entre dois neurônios fica “fortalecida”; quando diminui, a conexão fica “enfraquecida”. Além do mais, nenhuma conexão é fixa; uma conexão enfraquecida demais pode ser eliminada, e uma nova pode ser feita em outro lugar, com outro neurônio. Fortalecer essas novas conexões, estabilizando-as, é uma maneira de criar novas associações. Os neurocientistas hoje estão convencidos de que essa é a base do aprendizado. Como sempre se pode tirar uma conexão daqui e criar outra ali, será sempre possível fazer mais uma combinação, mais uma associação entre neurônios, e aprender mais alguma coisa.
Essa aprendizagem falada por Houzel pode ser percebida através
dos projetos apresentados a seguir.
5.1.Projetos construídos... uma pequena amostra de um grande trabalho Projeto: Trânsito – Semáforo (Sinaleira)
E Com a palavra os alunos: as diversas explicações escritas (relatórios
finais elaborados pelos grupos) dadas para o mesmo projeto.
Ø 1o grupo: equipe composta de 3 alunas.
Projeto básico: trânsito. Objetivo: sinaleira de carros.
Realização: 1a tarefa – fizemos uma sinaleira de carro onde a luz verde
acenderia por 8 segundos, o amarelo, por 2 segundos e a vermelha por 10
segundos; planejamos uma espera (de segundos) entre as luzes. 2a tarefa –
um teatro onde construímos uma sinaleira para pedestres; quando a gente
aperta o botão fica verde para ele e depois de 10 segundos, fica vermelho e o
carro passa.
Dificuldade de programação: fácil. Dificuldade de construção do modelo:
fácil.
Ø 2o grupo: equipe composta de 4 alunas.
Projeto básico : semáforo. Objetivo: construir um semáforo.
Realização: conseguimos fazer as luzes acenderem e apagarem nos
momentos adequados e, assim, o nosso semáforo ficou pronto, apesar de as
luzes não terem ficado em um lugar perfeito (significa que as luzes não
ficaram localizadas onde os alunos previram no projeto inicial].
Dificuldade de programação: fácil. Dificuldade de construção do modelo:
difícil. Observações: a programação foi a parte fácil, mas o tempo impediu as
luzes de ficarem em um semáforo perfeito.
Ø 3o grupo: equipe composta de 3 alunas e 1 aluno.
Projeto básico: uma sinaleira de carro (semáforo).Objetivo: acender o
semáforo.
Realização: primeiro nós construímos um semáforo e conseguimos fazer a
sinaleira acender por partes: uma de cada vez.
Vermelho = para
Amarelo = atenção
Verde = siga
Quando uma pessoa aperta o botão do sinal de pedestre, o mesmo
abre(verde), depois de 3 segundos, ele volta a ficar vermelho, onde estava
antes do botão ser pressionado.
Dificuldade de Programação: médio. Dificuldade de construção do modelo:
fácil (não teve).
Ø 4o grupo: equipe composta de 2 alunas e 1 aluno.
Projeto básico: semáforo (de pedestres).
Realização: os sinais verde e vermelho foram programados para ficarem
acesos 3 segundos, enquanto o amarelo ficou com 2 segundos. Era necessário
que, ao apertar o botão, depois de um tempo, ele voltasse ao vermelho e
desse um sinal de aviso quando fosse fechar, piscando 4 vezes.
Dificuldade de Programação: média. Dificuldade de construção do modelo:
fácil.
Ø 5o grupo: equipe composta de 3 alunas.
Projeto básico: semáforo. Objetivo: semáforo de carro.
Realização: conseguimos a montagem e não conseguimos a programação pois
o semáforo foi construído corretamente, mas não conseguimos fazer com que
as lâmpadas acendessem corretamente (uma de cada vez)
Dificuldade de Programação: média. Dificuldade de construção do modelo:
fácil.
Ø 6o grupo: equipe composta de 1 aluna e 3 alunos.
Projeto básico: semáforo. Objetivo: montar um semáforo e conseguir acender.
Realização: tentamos acender, mas não conseguimos. Só montamos o poste.
Dificuldade de Programação: difícil. Dificuldade de construção do modelo:
difícil.
$ Com a palavra o professor... Após os projetos concluídos, o professor
avalia:
⇒ Objetivo: construção de uma sinaleira, observando a ordem correta das
lâmpadas, guardando as proporções de tempo.
⇒ Como fazer: o aluno trabalha com montagem própria e deve observar as
leis do trânsito para construção da sinaleira.
⇒ O que é trabalhado: controle de tempo.
⇒ O que aprende: aprende sobre tempo, as leis que regem o trânsito, tráfego
de veículos e pedestres.
Observações do professor: por sugestão dos alunos, esse projeto foi
incrementado com a criação de um semáforo sonoro para pedestres cegos.
Os projetos serão apresentados acompanhados das programações para
funcionamento dos mesmos. Como explicado anteriormente, a linguagem
utilizada é constituída de ícones (Robolab). O significado de cada ícone
utilizado é explicado na decodificação da programação, no Anexo C.
Programação realizada por um grupo de alunos:
O semáforo de pedestres construído pelos grupos tem uma
programação mais complexa. Os alunos utilizam dois comandos diferentes
do semáforo de carros: o sensor de toque e o sinal de interrupção.
@ Com a palavra a pesquisadora: analisando os projetos...
O que se observa no relato de alguns alunos é que o projeto é de
fácil construção e apresenta um grau médio de dificuldade na programação.
Um único grupo considerou a programação com um elevado grau de
dificuldade, o que não possibilitou o término do projeto. A exceção de dois
grupos, que não conseguiram programar o semáforo, os quatro outros
grupos conseguiram fazê-lo. A programação apresentada foi executada pelo
Figura 33 - Semáforo (carros).
1o grupo. Os caminhos para o funcionamento do semáforo (programação) são
diferentes e dependem das variáveis (tempo de funcionamento, tempo de
sinal aberto/fechado...) discutidas pelo grupo. Nesse tipo de programação há
a conectiva sentencial [...e...], ou melhor, a sentença é organizada através de
uma conjunção que adiciona os termos: o vermelho acende e depois de
determinado tempo, obedecendo ordem de um sensor de toque, apaga; o
mesmo acontecendo com o amarelo e o verde. O semáforo para pedestre
possui um grau de complexidade maior, pois há a necessidade do comando
de quem necessita atravessar a rua. Vários conteúdos são trabalhados:
noção de tempo, seqüência de instruções, trânsito, local onde deve ser
instalado o semáforo (visibilidade). Esses conteúdos não estão inclusos
formalmente no programa da 5a série; são importantes os conhecimentos
prévios dos alunos para discussão em sala. É importante observar que o
semáforo faz parte do cotidiano do aluno: não é uma peça inventada. Para
construção do projeto é necessário pesquisar, também, as leis que regem o
trânsito. Algumas habilidades são necessárias à construção do projeto:
pesquisar, observar, conhecer o funcionamento do objeto, compreender esse
funcionamento, demonstrar o objeto, (re)criar um novo objeto, deduzir,
analisar o objeto, provar o seu funcionamento, concluir e relatar.
Projeto: Basquete
E Com a palavra os alunos: as diversas explicações dadas para um mesmo
projeto.
Ø 1o grupo: equipe formada por 7 alunas.
Projeto básico: basquete. Objetivo: colocar a bola na cesta (coador de café)
com uma catapulta.
Realização: tivemos problema com a borracha, pois a força era pouca e
impedia de fazermos a cesta. Colocamos o motor na porta A, com a velocidade
0,5.
Dificuldade de Programação: média. Dificuldade de construção do modelo:
fácil.
Ø 2o grupo: equipe composta por 5 alunos.
Projeto básico: basquete. Objetivo: construir um robô que possa se locomover,
por controle remoto, até a cesta e consiga colocar a bola lá dentro.
Realização: programamos, por controle remoto, o robô para que ele se
locomovesse ao apertarmos o sensor de toque a fim de conseguirmos fazer
uma cesta. A programação foi a seguinte: quando apertamos o primeiro sensor
de toque no controle remoto, o robô andou; quando apertamos o mesmo sensor
novamente, esse parou e, quando apertamos pela 3a vez, ele girou; quando
apertamos pela quarta vez, ele parou novamente e fez tudo novamente com o
loop. O segundo sensor jogou a bola para dentro da cesta.
Dificuldade de Programação: fácil. Dificuldade de construção do modelo:
média.
Ø 3o grupo: equipe composta por 3 alunas e 3 alunos.
Projeto básico: basquete. Objetivo: fazer um robô que jogue a bola na cesta.
Fazer o controle remoto para que possamos guiar o robô.
Realização: montamos o robô para que, através do sensor de toque, ele se
locomovesse em direção à cesta para acertá -la. Ele saiu do quadrado, foi à
procura da cesta para arremessar a bola. Tudo isso, através do controle
remoto, que, quando nós apertamos o sensor de toque, o robô locomoveu-se em
direção à cesta.
Dificuldade de Programação: fácil. Dificuldade de construção do modelo:
difícil.
Ø 4o grupo: equipe composta por 3 alunas e 2 alunos.
Projeto básico: basquete. Objetivo: fazer com que o robô faça a cesta por
controle remoto.
Realização: tivemos uma dificuldade em prender o motor ao RCX; nós
programamos detalhadamente o motor junto ao controle remoto. No do
controle, fizemos com que ele recebesse a mensagem e, toda vez que
apertássemos o sensor de toque, ele executasse a tarefa da programação do
robô que fazia girar o motor e, conseqüentemente, atirar a bola.
Dificuldade de Programação: fácil. Dificuldade de construção do modelo:
média.
Ø 5o grupo: equipe formada por 4 alunas e 2 alunos.
Projeto básico: basquete. Objetivo: fazer 3 cestas seguidas sem errar.
Realização: é um trabalho difícil na hora de montagem, mas, na hora da
programação e de fazer as 3 cestas, é fácil. A única dificuldade foi na hora de
posicionar a superfície no lugar certo.
Dificuldade de Programação: fácil. Dificuldade de construção do modelo:
média.
$ Com a palavra o professor... ⇒ Objetivo: lançar uma bola ao cesto, obtendo 3 acertos consecutivos.
⇒ Como fazer: os alunos trabalham com montagem própria, mas precisam
observar que forças iguais e ângulos diferentes proporcionam alcances
diferentes.
⇒ O que é trabalhado: trajetória/lançamento de objetos.
⇒ O que se aprende: força, velocidade de lançamento de objetos para
alcançar o destino previsto.
Observações do professor: os três acertos consecutivos não dificultam o
projeto, uma vez que o obstáculo consiste em acertar a primeira cesta.
Teoricamente, após o primeiro acerto, o robô não errará as outras duas
investidas. Cabe ao grupo de alunos retirar as interferências (posição fixa de
lançamento: o local precisa ficar firmemente demarcado, não pode haver
alterações nas guias de lançamento nem na força de lançamento) que
possam causar desvios. É necessário que os dados sejam anotados e fixados.
Programação realizada por um grupo de alunos
Figura 34 – Basquete.
@ Com a palavra a pesquisadora: analisando os projetos...
Ao contrário do projeto apresentado anteriormente (semáforo), o
grau de dificuldade encontrado neste foi a construção do modelo. A
programação foi considerada fácil e concluída por todos os grupos, mesmo
utilizando caminhos diferentes. O 2o grupo apresentou um elemento novo: o
loop (executar a ordem várias vezes ou refazer). A programação apresentada
(elaborada pelo 1o grupo) apresenta conectivo sentencial [...e...]. Toda a
programação apresenta sentenças lógicas simples.
O 2o grupo apresentou, na programação realizada, o conectivo
[...ou...]. Isso pode ser observado no relatório dos alunos quando colocam
tarefas que acontecem opcionalmente, podendo o aluno escolher mover o
robô ou lançar a bola. Isso fica claro na determinação dos dois sensores: o 1o
faz o robô se locomover até atingir uma posição determinada (se locomove e
para e gira e para) e o 2o sensor determina o arremesso no momento em que
o aluno quiser. O [ou] separa as tarefas que funcionam independentemente .
Os conteúdos trabalhados não estão inclusos na programação da
5a série: alcance/força/trajetória. Acrescentaria, além das habilidades
necessárias ao projeto anterior, conceituar (principalmente o loop) e
interpretar o seu funcionamento para utilização nesse projeto.
Projeto: Travessia.
E Com a palavra os alunos: as diversas explicações dadas para um mesmo
projeto.
Ø 1o grupo – equipe formada por 3 alunos.
Projeto básico: travessia. Objetivo: salvar o bonequinho.
Realização: um robô andou durante um certo tempo até que abaixamos um
‘elevador’ para pegar o boneco; subimos o ‘elevador’ e fomos até o fim do fio.
Ligamos um motor a uma roldana presa em um fio, até um certo ponto onde
estava um banco com um boneco. Abaixamos uma esteira até o local onde
estava o banco com o boneco, chegamos ele um pouco para frente para pegar o
boneco, subimos a esteira e fomos ao final do fio.
Dificuldade de Programação: média. Dificuldade de construção do modelo:
média.
Ø 2o grupo – equipe formada de 2 alunas.
Projeto básico: travessia. Objetivo: salvar um boneco.
Realização: botamos um sensor de toque na programação para quando
aparecesse tal número ele parasse de andar pela corda e descesse uma
cordinha para que salvasse o boneco que estava em cima da montanha.
Fizemos uma trava embaixo do RCX para se, no caso, ele virasse, aquela
trava não deixasse que o RCX caísse no chão. Botamos uma polia grande para
que o RCX andasse pela corda. Prendemos dois conectores simples com
encaixe, junto com a polia grande para que o segurasse. E botamos, também,
um motor para que fizesse a polia rodar.
Dificuldade de Programação: fácil. Dificuldade de construção do modelo:
fácil.
Ø 3o grupo: equipe formada por 5 alunas e 1 aluno.
Projeto básico: travessia. Objetivo: salvar um boneco.
Realização: andamos até o meio onde se encontrava o boneco. Abaixamos a
cordinha. Subimos a cordinha. Voltamos de onde saiu. Fizemos um bondinho
parecido com o do Pão de Açúcar, com 3 motores: dois para as rodas que
movimentavam e um para subir e descer a corda. Logo tivemos o salvamento
do boneco que estava em cima do banco, colocado no meio da sala.
Dificuldade de Programação: fácil. Dificuldade de construção do modelo:
fácil.
Ø 4o grupo – equipe formada por 4 alunas e 2 alunos.
Projeto básico: travessia. Objetivo: fazer com que o gancho atravesse em uma
linha e salve dois bonecos que estão em lugares diferentes.
Realização: programamos dois controles independentes: um, quando aperta o
botão ele anda e quando aperta de novo ele para. E o outro controle, quando
selecionado, desce a corda de ajuda para o boneco; apertando de novo a
corda sobe.
Dificuldade de Programação: fácil. Dificuldade de construção do modelo:
fácil.
Ø 5o grupo – equipe formada por 3 alunas e 3 alunos.
Projeto básico: travessia.
Realização: controlamos o projeto com um controle remoto e sensor de toque.
Fizemos andar e, em um ponto qualquer, parar através do controle para
resgatar um boneco. Fizemos uma montagem com um motor ligado a uma
polia para encaixar no fio que o robô anda e outro motor para descer o fio do
resgate.
Dificuldade de Programação: média. Dificuldade de construção do modelo:
fácil.
Ø 6o grupo- equipe formada por 4 alunas.
Projeto básico: travessia. Objetivo: salvar o bonequinho.
Realização: na programação utilizamos 2 sensores de toque: 1 para o motor
pequeno e 1 para o motor maior, que não funcionou. Na montagem a
dificuldade foi maior porque não conseguimos fazer uma montagem que
ficasse funcionando no fio. Não conseguimos fazê-lo funcionar.
Dificuldade de Programação: fácil. Dificuldade de construção do modelo:
Médio.
$ Com a palavra o professor...
⇒ Objetivo: um robô percorre um fio suspenso e salva um alpinista.
⇒ Como fazer: o aluno trabalha com montagem própria e deve superar
alguns obstáculos como mover o robô sobre o fio utilizando apenas um
motor. Para que isso ocorra, utiliza engrenagens, aumentando,
diminuindo ou igualando a RPM (Rotação por minuto).
⇒ O que é trabalhado: velocidade, equilíbrio e ajuste de momentos de força.
⇒ O que aprende: força, interpolação (significa: busca do número correto
que complete a equação) nos controles de tempo e cálculo de proporção.
Observações do professor: o aluno precisa ter claro o conceito de força;
embora os segmentos de percurso sejam iguais, o tempo para percorrê-los é
diferente. Outro recurso a ser utilizado pelo aluno é o de varredura [significa:
limpar a área] da suposta área de resgate para garantir que o mesmo
aconteça.
Programação realizada por um grupo de alunos:
@ Com a palavra a pesquisadora: analisando os projetos...
Nestes projetos, novos conceitos são discutidos. Roldanas, polias e
esteiras são utilizados. É necessário, portanto, que os alunos
pesquisem sobre os mesmos. É uma programação mais complexa. O
grupo 4 inova, usando dois bonecos para serem salvos, o que exige
uma programação mais elaborada. São necessárias as habilidades
citadas nos projetos anteriores.
Projeto: Radar
E Com a palavra os alunos: as diversas explicações dadas para um mesmo
projeto.
Ø 1o grupo – equipe formada por 4 alunos.
Projeto básico: barreira eletrônica. Objetivo: medir a velocidade de carros
(robôs) na rodovia.
Figura 35 – Travessia.
Realização: Medir a velocidade de um carro em uma distância de 60 cm.
Acionamos o primeiro sensor de luz (no início) que aciona um contador de
tempo que, no final da pista, aciona outro sensor de luz (exemplo).
60 cm = 30cm/s = 0,30m/s 0u 8,4 km 2 Nossa velocidade limite 90km/h (com tolerância de 3km/h); esse carro não
seria multado.
Dificuldade de Programação: média.. Dificuldade de construção do modelo:
média.
Ø 2o grupo – equipe formada por 2 alunas e 3 alunos
Projeto básico: barreira eletrônica. Objetivo: construir um sistema robótico que
controle a velocidade dos carros.
Realização: Apertamos o sensor de toque e zeramos o temporizador. Depois
apertamos de novo, e o relógio começa a trabalhar. Apertamos o sensor, tempo
inferior a 5 segundos, e a luz verde acende, superior a 5 segundos a luz
vermelha acende.
Dificuldade de Programação: fácil. Dificuldade de construção do modelo:
difícil.
Ø 3o grupo – equipe formada de 4 alunas e 2 alunos.
Projeto básico: radar. Objetivo: construção de uma pista com velocidade
máxima.
Realização: Com 2 sensores, 2 luzes. Quando um trem passa pelo 1o sensor, o
contador de tempo é ativado; quando passa pelo 2o sensor pára a contagem e
vê se for maior que 30 segundos, acende a lâmpada vermelha, se não acende
a lâmpada azul.
Dificuldade de Programação: média. Dificuldade de construção de modelo:
fácil.
$ Com a palavra o professor...
⇒ Objetivo: fotografar o carro, caso ultrapasse a velocidade permitida no
local trafegado.
⇒ O que é trabalhado: é discutida a ética, educação no tráfego, as medidas
de velocidade, possíveis erros de medição.
⇒ O que aprende: unidades de medidas, transformações, cálculo de
velocidade.
Observações do professor: um dos projetos mais elaborados, pois envolve
definições e cálculos de velocidade. Muito interessante é a rigidez que os
alunos têm quanto a flexibilidade da folga dada ao motorista em relação à
ultrapassagem da velocidade máxima permitida pela Lei do Trânsito.
Programação realizada por um grupo de alunos
Figura 36 - Radar
@ Com a palavra a pesquisadora: analisando o projeto
Esse projeto envolve um número maior de conceitos e, conseqüentemente,
de habilidades. Os conceitos de velocidade e tempo são discutidos baseados
nas experiências individuais. Alguns itens da Lei do Trânsito são discutidos
para que sejam modelados projetos que correspondam a esta realidade. Não
existe uma única condição, o que se pode comprovar na existência dos
conectivos [...e...] e [...ou...]. É um projeto que, além de conhecimentos
técnicos de montagem e programação, envolve conceitos físicos e também
questões referentes ao posicionamento do indivíduo no mundo.
Nos questionários aplicados, alguns alunos falam nos seus
depoimentos que, na Robótica Pedagógica, aprendem brincando. O
material utilizado na disciplina também é um brinquedo: o Lego. Atzingen
(2001, p 153) conta a história desse brinquedo...
Em 1932, na Dinamarca, um marceneiro chamado Ole Kirk Christiansen começou um pequeno negócio fabricando tábuas de passar roupa, escadas portáteis e brinquedos de madeira.
Seu filho de 12 anos, Godtfred, o ajudava. Dois anos depois, com seis funcionários, deu à sua empresa o
nome de LEGO, juntando as primeiras letras das palavras Leg Godt que significavam “boa brincadeira”.
Seu lema era “Só o melhor é bom o suficiente”. Em 1949 criou o brinquedo LEGO, tijolinhos de plástico que juntos podiam se transformar em casas, carros e em tudo o mais que a imaginação permitisse. [...]
Ole Kirk Christiansen morreu em 1958 aos 67 anos e seu filho Godtfred assumiu a companhia.
Hoje o grupo LEGO emprega mais de 9400 pessoas em 140 países, ocupando a posição de líder mundial no segmento de brinquedos de montar.
Os brinquedos LEGO atendem a crianças de três meses a dezesseis anos [...].
Utilizando-o na escola, poderia dizer que o lúdico está voltando à
essa e criando um novo espaço de prazer. E aí retomo a questão proposta
por Serpa:
Por que um espaço de prazer? Porque sob o ponto de vista educativo, a aprendizagem é uma coisa lúdica, ou pelo menos ela é precedida por um interesse lúdico. É só olhar/ver como uma criança aprende. [...]. Elas aprendem de uma forma totalmente lúdica, caótica e instável82.
E os brinquedos tecnológicos, será que possibilitam alguma
aprendizagem? Desde os tempos mais remotos, os brinquedos sempre
cativaram e possuíram a magia de inebriar as crianças, fazendo-as viajar
por mundos imaginários. Muitos brinquedos recheiam as prateleiras das
lojas todos os anos. E uma indústria poderosa e rica movimenta esse
mercado. A diferença é que os brinquedos antigos (a bola, o peão, a simples
boneca...) estão cedendo lugar para brinquedos que envolvem tecnologia
avançada. Veríssimo, através de sua crônica A Bola83, mostra essa diferença:
O pai deu uma bola de presente ao filho. Lembrando o prazer que sentira ao ganhar a sua primeira bola do pai. Uma número 5 sem tento oficial de couro. Agora não era mais de couro, era de plástico. Mas era uma bola. O garoto agradeceu, desembrulhou a bola e disse “Legal”. Ou o que os garotos dizem hoje em dia quando gostam do presente ou não querem magoar o velho. Depois começou a girar a bola, à procura de alguma coisa.
- Como é que liga? - Perguntou. - Como, como é que liga? Não se liga.
O garoto procurou dentro do papel de embrulho. - Não tem manual de instrução?
O pai começou a desanimar e a pensar que os tempos são outros. Que os tempos são decididamente outros. - Não precisa de manual de instrução. - O que é que ela faz? - Ela não faz nada. Você é que faz as coisas com ela.
- O que? - Controla, chuta... - Ah, então é uma bola. [...] O garoto agradeceu, disse “Legal” de novo, e dali a pouco o pai o encontrou na frente da tevê, com a bola nova do lado, manejando os controles de um vídeo game. Algo chamado Monster Ball, em que times de monstrinhos disputavam a posse de um bola em forma de blip eletrônico na tela ao mesmo tempo que tentavam se destruir mutuamente. O garoto era bom no jogo. Tinha coordenação e raciocínio rápido. Estava ganhando da máquina.
82 Fragmento da fala do Prof. Felipe Serpa no 1o momento da aula da disciplina Seminário de Pesquisa em Educa-ção ocorrida em 20 de abril de 2001. 83 Fragmento da crônica A Bola de autoria de Luís Fernando Veríssimo. VERÍSSIMO, Luís Fernando. Comédias para se ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 41.
O pai pegou a bola nova e ensaiou algumas embaixadas. Conseguiu equilibrar a bola no peito do pé, como antigamente, e chamou o garoto. - Filho, olha. O garoto disse “Legal” mas não desviou os olhos da tela. [...] Talvez um manual de instrução fosse uma boa idéia, pensou. Mas em inglês, para a garotada se interessar.
A crônica de Veríssimo foi apresentada aos alunos de 5a série, em
uma avaliação parcial (teste) da disciplina Português. Uma das questões
interpretativas dizia: “- Ela não faz nada. Você é que faz as coisas com ela’.
Nessa fala, aparece claramente a diferença no modo de encarar o brinquedo
entre os garotos de antigamente e os de hoje. Explique, com suas palavras,
essa diferença”. Elegi a resposta de cinco alunos para representar o
pensamento grupal. As respostas complementam-se. ANX2 afirma que o
garoto da crônica agiu dessa forma porque, “antigamente, não tinha a sofisticação que
hoje tem. Naquela época era tudo brincadeiras manuais; bola, esconde-esconde, pega-pega, etc.”.
Coincidentemente, ARX6 diz que, “antigamente, tudo era mais na base manual. Hoje existem
brinquedos que, com eletricidade ou pilhas, fazem coisas sozinhos ou brinquedos ainda mais modernos, jogos
eletrônicos. Então, quando uma criança ganha um brinquedo, tem certeza de que é um dos últimos citados”.
APX4 diz que “os garotos de hoje em dia preferem encarar mesmo os jogos de futebol. E os garotos de
antigamente gostavam de jogos livres e bem criativos”. ATX8 afirma que os brinquedos
tecnológicos de hoje são mais interessantes, uma vez que desenvolvem o
potencial da criança, ao responder que, “antigamente, não havia tecnologia e, por isso, os
brinquedos eram mais bobos e, atualmente, os brinquedos são mais tecnológicos e desenvolvem mais o cérebro
da criança”. ASX7 ratifica essas questões ao dizer que “os brinquedos de hoje ligam, têm manual de
instrução e, geralmente, são eletrônicos. Os de antigamente eram simples como o boneco, o peão, etc. Quero
dizer: você fazia o que quisesse com eles, hoje até as bonecas falam sozinhas”. Mas as bonecas não
só falam como são capazes de realizar atividades com a criança. Um exemplo
é uma boneca americana, a Amazing Amy, criada por Judy Shackelfo
(criadora de brinquedos da Playmates)84. Segundo ela, a Amazing Amy é “uma
menina virtual com um relógio interno”. Devido ao sucesso de vendagem
alcançado, está inspirando a criação de uma nova boneca, a Amazing Ally.
“Ela faz várias atividades com a criança, e cada uma vem com um par de
calçados mágicos. Quando ela calça este sapato especial, passa a ter um
vocabulário novo sobre a atividade especifica que realizará com a criança”85.
Para Hirschlowits (Toy Historian) 86, “o desejo pelos brinquedos não muda
com os anos. Na verdade, o brinquedo não muda; o que muda e permite que
ele seja diferente, ao longo das décadas, é a tecnologia”. A boneca é um bom
exemplo do que afirma Hirschowits, pois existe há vários séculos e esteve
presente em todas as civilizações, exercendo, em cada uma delas, um
fascínio diferente. De misticismo à entretimento, dos túmulos de
crianças onde foram encontradas em várias civilizações (egípcia, grega,
etrusca, romana, asteca) aos presépios do século XII, dos modelos
simples de antigamente aos que simbolizam personagens televisivos atuais,
as bonecas fizeram-se (e se fazem) presentes na vida tanto das crianças
quanto dos adultos. E o que dizer das belas e românticas histórias que
envolvem bonecos, como a da bailarina que se apaixona pelo velho e
quebrado soldadinho de chumbo, desprezado e jogado fora por seu dono,
nos contos de Andersen87? Segundo Atzingen (2001, p. 5):
84 Extraído do programa Segredos do Natal exibido pela Discovery Channel em 06 fev de 2003. 85 Id. 86 Id 87 O Soldadinho de Chumbo escrito por Hans Christian Andersen. Coleção Clássicos de Sempre. São Paulo: Siciliano, s.d.
A origem das bonecas se perde no tempo. Possivelmente as primeiras estatuetas de barro tenham sido feitas pelo Homo sapiens sapiens há 40 mil anos, na África e na Ásia, com propósitos ritualísticos. No Museu de História Natural de Viena, na Áustria, encontra-se uma das mais antigas figuras humanas conhecida, a Vênus de Willendorf (25 mil-20mil a.C.), uma pequena estatueta de formas arredondadas, considerada um símbolo de fertilidade.
A transição das bonecas como ídolos para brinquedos provavelmente ocorreu no Egito, há 5 mil anos.
A primeira fábrica de bonecas surgiu em 1413, em Nuremberg, na
Alemanha. Mas elas só chegaram definitivamente às mãos da crianças do
século XVIII, com a Revolução Industrial. No Brasil, as bonecas começaram
a ser fabricadas em série (cópias das bonecas americanas) a partir de 1945.
Hoje existem de todos os tipos: as que choram, falam, fazem xixi. Os bonecos
imitando os super-heróis, também são fabricados e desmistificam a idéia de
que é um brinquedo feminino. Lembrar a infância e as brincadeiras é próprio
do ser humano. Romancistas e poetas brasileiros o fazem com maestria e
poesia: Graciliano Ramos conta, em seu livro de memórias, Infância, suas
lembranças de menino pobre que precisava construir brinquedos de barro
quando tantas outras crianças “abastadas” já possuíam brinquedos
mecânicos; José Lins do Rego, em Menino de Engenho, relembra as suas
peraltices de criança, subindo em árvores e nadando em rios; Carlos
Drummond de Andrade, em sua obra poética A Família Que Me Dei
relembra, no poema Infância, os tempos saudosos que, “sozinho, menino
entre mangueiras, lia a história de Robinson Crusoé, comprida história que
não acaba mais” (Drummond,1999, p. 67); José Mauro de Vasconcelos, em
Meu Pé de Laranja Lima, mostra, através de seu personagem principal, as
aventuras de um menino pobre que realizava os seus sonhos através das
brincadeiras, às vezes um tanto “maldosas”; já Ziraldo, encanta o imaginário
infantil, com as brincadeiras atuais do Menino Maluquinho. São muitos os
poetas e romancistas (uma missão impossível citá-los todos) que trazem a
importância de uma infância feliz cercada de brincadeiras de rua, jogos e
brinquedos. As crianças são as maiores responsáveis pela criação (ou
mesmo transmissão) de uma brincadeira de rua ou o sucesso de um
brinquedo. Isso é deliciosamente mostrado no filme Quero ser Grande,
estrelado por Tom Hanks, que narra a história de um garoto de doze anos
que vê seu pedido de tornar-se adulto atendido por uma estranha máquina
instalada num parque de diversões. Mesmo adulto, carrega consigo não só o
raciocínio, mas as emoções de um menino, o que encanta um “ve lho” dono
de uma fábrica de brinquedos. Logo ganha uma sala especial onde pode
brincar e escolher os brinquedos que farão sucesso. A sua sensibilidade e o
viver infância o fazem acertar nas melhores escolhas para o mercado. Dois
outros filmes trazem, nas entrelinhas, essa mesma sensibilidade: A Revolta
dos Brinquedos, estrelado por Robin Williams, aposta numa história
recheada de emoções, que fala de Leslie, herdeiro da fábrica de brinquedos
de seu pai e, em determinado momento da história, precisa brigar com o
seu tio, um velho general do exército, que assume o comando da fábrica
após a morte do dono, numa luta que arrola brinquedos antigos como
bailarinas, soldadinhos de chumbo, trenzinhos... contra bonecos com
inteligência artificial, caminhões blindados controlados através de
computadores, idealizados com o intuito de formar e treinar um exército
infantil. Neste filme, Leslie tem uma irmã “fabricada” pelo pai: um robô que
fala e sente como os humanos. Em contrapartida, os Pequenos Guerreiros
apresenta uma história contrária: um empresário dono de uma fábrica de
desenvolvimento de chips poderosos (utilizados em armas bélicas) resolve
investir em brinquedos com inteligência artificial. Surgem daí os bonecos do
Comando de Elite e os Gorgonites. Os personagens de desenhos animados
ou os “super-heróis” fabricados pela mídia também são grandes responsáveis
pela produção em massa de brinquedos. Bell Horward, presidente da
Playworks, afirma que: “Devido à importância dos personagens da TV na
vida das crianças e de personagens do cinema, o padrão será brinquedos nos
quais elas projetam suas personalidades e podem agir como os personagens
agiriam”88 O filme Um Herói de Brinquedo, estrelado por Arnold
Schwarzenegger conta, de maneira hilariante, a influência que um super-
herói (Turbo Man), personagem de desenho infantil, exerce sobre o
imaginário de uma criança e sobre o comportamento dos adultos Porém...
histórias são sempre histórias e serão sempre contadas através das pessoas,
de livros e filmes, perpetuando e transmitindo a cultura dos seus povos.
Bonecas, trens, peões ou brincadeiras de pegar, o importante é que o
brincar é considerado pelos estudiosos como um aliado no desenvolvimento
da criança e no seu processo de aprendizagem. Mas o que realmente dizem
os especialistas com relação a arte de brincar?. Para Kishimoto89:
O desenvolvimento da criança deve ser entendido como um processo global, um processo holístico. O que significa isso? No brincar, a criança está andando, correndo, pulando, ou seja, desenvolvendo a sua motricidade paralelamente ao desenvolvimento social, porque ela brinca com parceiros, ela está se integrando e paralelamente na hora que ela brinca, ela usa regras, ela usa informações; na brincadeira está estabelecendo relações cognitivas e também na brincadeira ela discute o que é certo, o que é errado, então está discutindo as questões de moralidade; então, estamos lidando com um ser humano inteiro quando se brinca.
88 Extraído do programa Segredos do Natal exibido pela Discovery Channel em 06 fev de 2003. 89 Resposta da Profa. Tizuco Morchida Kishimoto ao questionamento do Prof Luis Barco: Qual é a importância da brincadeira para o desenvolvimento da criança? Fragmento extraído do vídeo Brincadeiras na educação produzido pela Atta Vídeo.
Se o brincar desenvolve o ser humano sob os seus múltiplos
aspectos, então porque a instituição escola não se apropria mais
profundamente e assume o brincar como um dos seus pressupostos, como
uma possibilidade educativa? Fróes90 aponta a necessidade do prazer, do
lúdico estar presente na escola, lugar que, no entanto, os tem negado:
Uma questão que para nós, na escola e no currículo, é muito importante, que é a questão do prazer, a questão do lúdico, e que a escola sempre negou, sempre reprimiu. A escola estava lá para não deixar as crianças brincarem, para não deixar os adolescentes brincarem, para controlar o corpo.
Kishimoto chama atenção para a forma como o brincar é utilizado
na escola, nem sempre propiciando interações fundamentais para o
desenvolvimento da criança. Segundo ela91 :
O brincar entrou na escola recebendo um significado extremamente diretivo, eliminando a liberdade que faz parte do processo de brincar. Então no âmbito escolar, o que nós observamos são dois momentos: alguns professores usam o brincar de forma livre, espontânea, sem se preocupa que no brincar você necessita de objetivos, de parcerias, necessita de conteúdos. Então esse brincar espontâneo, espontaneísta e que se imagina como qualquer coisa. O nada se brinca. Eu estou entendendo, estou vendo um brincar que não está desenvolvendo a criança e não está levando a aprendizagem da criança. Por outro lado, se a gente entende o brincar como um processo que ajuda o desenvolvimento da criança, a construção do conhecimento, isso implica que a escola tem que se preparar para criar espaço de brincadeira, os objetos, os brinquedos, os materiais, as informações, as regras do brincar. Todo esse conteúdo tem que fazer parte da formação do profissional. Então, se ele não tiver essa formação, dificilmente ele vai usar as brincadeiras como uma forma de desenvolvimento da criança; ele vai usar a brincadeira como uma forma de recreação, de tapa buraco; ele não sabe o que fazer, ele deixa a criança livre para ocupar aquele espaço e não como instrumento de desenvolvimento da criança.
O brincar envolve múltiplas atividades: livres, de correr, jogos... e
envolve, também, de maneira direta, o brinquedo. Normalmente, os termos
jogos, brinquedos e brincadeiras são relacionados a atividades lúdicas e
90 Palavras ditas pela Prof. Dra. Teresinha Fróes Burnham na apresentação do projeto da pesquisadora na disciplina Projeto de Dissertação em 01 de abril de 2002. 91 Extraído do vídeo Brincadeiras na educação produzido pela Atta Vídeo.
prazerosas. Vigotski ( 1998, p. 121) discorda de que a definição do brinquedo
esteja relacionada ao prazer. Para o autor:
Definir o brinquedo como uma atividade que dá prazer à criança é incorreto por duas razões. Primeiro, muitas atividades dão à criança experiências de prazer muito mais intensas do que o brinquedo, como por exemplo, chupar chupeta, mesmo que a criança não se sacie. E, segundo, existem jogos nos quais a própria atividade não é agradável, como por exemplo, predominantemente no fim da idade pré-escolar, jogos que só dão prazer à criança se ela considera o resultado interessante. Os jogos esportivos (não somente os esportes atléticos, mas também outros jogos que podem ser ganhos ou perdidos) são com muita freqüência, acompanhados de desprazer, quando o resultado é desfavorável para a criança.
No entanto, enquanto o prazer não pode ser visto como uma característica definidora do brinquedo, parece-me que as teorias que ignoram o fato de que o brinquedo preenche necessidades da criança, nada mais são do que uma intelectualização pedante da atividade de brincar. Referindo-se ao desenvolvimento da criança em termos mais gerais, muitos teóricos ignoram, erroneamente, as necessidades das crianças – entendidas em seu sentido mais amplo, que inclui tudo aquilo que é motivo para a ação. Freqüentemente descrevemos o desenvolvimento da criança como o de suas funções intelectuais; toda criança se apresenta para nós como um teórico, caracterizado pelo nível de desenvolvimento intelectual superior ou inferior, que se desloca de um estágio a outro. Porém, se ignoramos as necessidades da criança e os incentivos que são eficazes para colocá-la em ação, nunca seremos capazes de entender seu avanço de um estágio do desenvolvimento para outro, porque todo avanço está conectado com uma mudança acentuada nas motivações, tendências e incentivos. Aquilo que é de grande interesse para um bebê deixa de interessar uma criança um pouco maior. A maturação das necessidades é um tópico predominante nessa discussão, pois é impossível ignorar que a criança satisfaz certas necessidades no brinquedo. Se não entendemos o caráter especial dessas necessidades, não podemos entender a singularidade do brinquedo como uma forma de atividade.
Fica claro nas palavras de Vigotski a importância do brinquedo
para o desenvolvimento infantil. Mas o que é um brinquedo? Normalmente
os termos jogo, brinquedo e brincadeira são empregados de forma indistinta,
como se significassem a mesma coisa. Cada um deles, no entanto, traz o seu
próprio significado. Brougère (1995, p. 62-63) apresenta as seguintes
definições para o brinquedo:
Os brinquedos podem ser definidos de duas maneiras: seja em relação à brincadeira, seja em relação a uma representação
social. No primeiro caso, o brinquedo é aquilo que é utilizado como suporte numa brincadeira; pode ser um objeto manufaturado, um objeto fabricado por aquele que brinca, uma sucata, efêmera, que só tenha valor para o tempo da brincadeira, um objeto adaptado. Tudo, nesse sentido, pode se tornar um brinquedo e o sentido de objeto lúdico só lhe é dado por aquele que brinca enquanto a brincadeira perdura. No segundo caso, o brinquedo é um objeto industrial ou artesanal, reconhecido como tal pelo consumidor em potencial, em função de traços intrínsecos (aspecto, função) e do lugar que lhe é destinado no sistema social de distribuição de objetos. Quer seja ou não utilizado numa situação de brincadeira, ele conserva seu caráter de brinquedo, e pela mesma razão é destinado à criança.
O brinquedo é um objeto utilizado como suporte para a brincadeira;
difere, no entanto, do jogo como explica Kishimoto (2001, p. 18):
Diferindo do jogo, o brinquedo supõe uma relação íntima com a criança e uma indeterminação quanto ao uso, ou seja, a ausência de um sistema de regras que organizam sua utilização.
Uma boneca permite à criança várias formas de brincadeiras, desde a manipulação até a realização de brincadeiras como “mamãe e filhinha”. O brinquedo estimula a representação, a expressão de imagens que evocam aspectos da realidade. Ao contrário, jogos, como xadrez e jogos de construção exigem, de modo explícito ou implícito, o desempenho de certas habilidades definidas por uma estrutura preexistente no próprio objeto e suas regras.
Admite-se que o brinquedo represente certas realidades. Uma representação é algo presente no lugar de algo. Representar é corresponder a alguma coisa e permitir sua evocação, mesmo em sua ausência. O brinquedo coloca a criança na presença de reproduções: tudo o que existe no cotidiano, a natureza e as construções humanas. Pode -se dizer que um dos objetivos do brinquedo é dar à criança um substituto dos objetos reais, para que possa manipulá-los.
O brinquedo traz, em seu significado, a impregnação da cultura de
uma sociedade e a reprodução de seus avanços. Hoje são comuns os
brinquedos eletrônicos, próprios de uma sociedade permeada pela
tecnologia. Para Kishimoto (2001, p. 18-19):
Duplicando diversos tipos de realidades presentes, o brinquedo metamorfoseia e fotografa a realidade. Não reproduz apenas objetos, mas uma totalidade social. Hoje os brinquedos reproduzem o mundo técnico e científico e o modo de vida atual, com aparelhos eletrodomésticos, naves espaciais, bonecos e robôs. A imagem representada não é uma cópia idêntica da realidade existente, uma vez que os brinquedos incorporam características como tamanho, formas delicadas e simples, estilizadas ou, ainda, antropomórficas, relacionadas à idade e gênero do público ao qual é destinado.
Os brinquedos podem incorporar, também, um imaginário preexistente criado pelos desenhos animados, seriados televisivos, mundo da ficção científica com motores e robôs, mundo encantado
dos contos de fada, estórias de piratas, índios e bandidos. Ao representar realidades imaginárias, os brinquedos expressam, preferencialmente, personagens sob forma de bonecos, como manequins articulados ou super-heróis, misto de homens, animais, máquinas e monstros. [...] O fabricante ou sujeito que constrói brinquedos neles introduz imagens que variam de acordo com a sua cultura. Cada cultura tem maneiras de ver a criança, de tratar e educar. [...] A imagem de infância é reconstituída pelo adulto por meio de um duplo processo: de um lado, ela está associada a todo um contexto de valores e aspirações da sociedade, e, de outro, depende de percepções próprias do adulto, que incorporam memórias de seu tempo de criança. Assim, se a imagem de infância reflete o contexto atual, ela é carregada, também, de uma visão idealizada do passado do adulto, que contempla sua própria infância. A infância expressa no brinquedo contém o mundo real, com seus valores, modelos de pensar e agir e o imaginário do criador do objeto.
Acompanhando o momento de evolução tecnológica, os
brinquedos eletrônicos estão cada vez mais potentes e capazes de realizar
ações antes só vistas em histórias em quadrinhos e filmes de ficção. Mas
será que eles podem ser considerados auxiliares no processo de socialização
e de aprendizagem? Segundo Turkle (1989, p. 15):
Os computadores despertam sentimentos fortes, mesmo em quem não está em contato directo com eles. As pessoas sentem a presença de algo novo e excitante. Mas receiam a máquina, que consideram poderosa e ameaçadora. Lêem jornais que falam de “viúvas de computadores” e previnem contra o perigo da “viciação em computador” Os pais acham-se divididos no que se refere ao envolvimento dos filhos não só com o computador, mas também com os irmãozinhos dessa máquina, a nova geração de brinquedos electrónicos. Os brinquedos prendem a atenção de crianças que nunca antes se haviam sentado quietas, nem sequer em frente de um ecrã de televisão. Os pais vêem que os brinquedos podem ser educativos, mas receiam o tipo de envolvimento das crianças com eles. “É assustador que os seus companheiros de brincadeiras sejam máquinas”. “Gostava que o meu filho não levasse para a cama o seu ‘Pequeno Professor’. Não me importava se fosse um livro, achava óptimo um bicho de pelúcia, mas provoca-me uma sensação esquisita que ele leve a máquina para a cama”. Estou sentada num banco de jardim, com a mãe de uma garota de seis anos, que joga às perguntas e respostas com um robô controlado por computador. A criança fala com a máquina quando esta a repreende por uma resposta errada ou a felicita por uma certa. “Meu Deus”, diz a mãe, “ela trata aquela coisa como se fosse uma pessoa. Acha que ela pensa que as pessoas são máquinas?”
Boff, ao analisar a sociedade contemporânea, afirma que, apesar
de tantos meios de comunicação, quanto mais pessoas estão
interligadas através da conexão promovida pela Internet, mais solitárias e
incomunicáveis estão. Um dos exemplos citados por ele é um brinquedo
tecnológico. Na realidade, um bichinho virtual, que muito sucesso fez entre a
criançada. Ele analisa o Tamagochi da seguinte forma (1999, p.12-13):
O que é o tamagochi? É uma invenção japonesa dos inícios de 1997. Um chaveirinho eletrônico, com três botões abaixo da telinha de cristal, que alberga dentro de si um bichinho de estimação virtual. O bichinho tem fome, come, dorme, cresce, brinca, chora, fica doente e pode até morrer. Tudo depende do cuidado que recebe ou não de seu dono ou dona.
O tamagochi dá muito trabalho. Como uma criança, a todo momento deve ser cuidado; caso contrário, reclama com seu bip; se não for atendido, corre risco. E quem é tão sem coração a ponto de deixar um bichinho de estimação morrer?
O brinquedo transformou-se numa mania e tem mudado a rotina de muitas crianças, jovens e adultos que se empenham em cuidar do tamagochi, dar-lhe de comer, deixá-lo descansar e fazê-lo dormir. O cuidado faz até o milagre de ressuscitá-lo, caso tenha morrido por falta de atenção e cuidado.
Bem disse um perspicaz cronista carioca: “solidão, seu codinome é tamagochi”. O cuidado pelo bichinho de estimação virtual denuncia a solidão em que vive o homem/a mulher da sociedade da comunicação nascente. Mas anuncia também que, apesar da desumanização de grande parte de nossa cultura, a essência humana não se perdeu. Ela está na forma do cuidado, transferido para um aparelhinho eletrônico, ao invés de ser investido nas pessoas concretas à nossa volta: na vovô doente, num colega de escola deficiente físico, num menino ou menina de rua, no velhinho que vende o pão matinal, nos pobres e marginalizados de nossas cidades ou até mesmo num bichinho vivo de estimação qual seja um hamster, um papagaio, um gato ou um cachorro.
O cuidado serve de crítica à nossa civilização agonizante e também de princípio inspirador de um novo paradigma de convivialidade.
Diferente de Boff, Turkle defende a idéia que existe uma nova
forma de relação, na qual o homem se comunica com objetos
computacionais, através da conversa, assumindo-os como um outro. Essa
relação envolveria os objetos relacionais que incluem o “software ‘afetivo’ e
robôs humanóides, animais de estimação e bonecas digitais”. Para a autora
(2001, p. 391):
Os objetos computacionais não são mais efetivamente “neutros”. As pessoas estão aprendendo a se relacionar com
computadores através de conversação e gestos, estão aprendendo que para se relacionar de forma bem sucedida com um computador devem avaliar seu “estado emocional”, estão aprendendo que quando defrontamos com uma máquina computacional, não perguntamos como ela “funciona” no sentido de qualquer processo subjacente, mas vemos a máquina por seu “valor de interface”, em grande parte como faríamos com outra pessoa.
Talvez mais importante, uma primeira geração de crianças está aprendendo a pensar nos objetos como entidades de quem elas precisam cuidar e alimentar para ser recompensadas. Esses novos paradigmas para o relacionamento com as máquinas levantam muitas novas questões sobre como as pessoas pensam a identidade humana, sobre o que há de especial em ser uma pessoa.
Consideremos os animais de estimação virtuais (como os Tamagoshis) e as bonecas digitais (como as Furbies). O que esses objetos têm e que os objetos computacionais anteriores não tinham é que eles pedem, o cuidado das crianças. Eles pedem que a criança avalie o “estado de espírito” do objeto para desenvolver um relacionamento satisfatório com o objeto. Por exemplo, a fim de crescer e ser saudável, os Tamagoshi precisam ser alimentados, precisam ser limpos e entretidos. As Furbies, um brinquedo mais recente, simulam aprendizagem e amor. Elas são carinhosas, elas falam e participam de jogos com a criança. As Furbies acrescentam elementos da conversação humana e o companheirismo a muitas outras coisas que a criança pode esperar dos objetos computacionais.
O Tamagoshi, falado pelos dois autores, é um bichinho virtual
inventado no Japão por Aki Maita, em 1996. Em meados de 1997, chegou ao
Brasil fazendo um grande sucesso. Lembro-me da época em que os
Tamagoshis viraram “febre” no meio da garotada. Os professores não
sabiam como resolver a questão, pois os brinquedos eram levados às salas e
as aulas interrompidas a cada vez em que o “bichinho” de uma criança
soava o seu “bip”, pedindo comida ou avisando que estava com sono, enfim
dando sinal de que “estava vivo”. Muitas escolas optaram em criar espaços
alternativos onde as crianças deixavam os seus bichinhos virtuais (sob
responsabilidade de alguém da escola) e só se relacionavam com eles na
hora do intervalo. Mas, assim como chegou, a “febre” desapareceu.
São muitos os brinquedos eletrônicos já lançados. E destes, muitos
têm a aparência de robôs. Segundo Atzingen (2001, p. 158), “o primeiro robô
de brinquedo foi o Robby, movido por um motor de relógio, lançado em 1956
pela companhia japonesa Ko-Yoshida, baseado no filme Forbidden
Planet.[...]. Na Casa dos Sonhos, uma espécie de museu montado na Cidade
de São Paulo, pela Manufatura de Brinquedos Estrela, encontram-se
expostos brinquedos da sua coleção. Em 1969, a Estrela já lançava um
brinquedo robô (ver Figura 37, em Anexo B). Com a aparência metálica, não
possuía muitas funções além de andar para frente e para trás e piscar luzes.
Logo vieram robôs mais avançados: o Ar-tur, em 1981 (ver Figura 38, em
Anexo B), que funcionava através de controle remoto e Percival, o genial em
1983 (ver Figura 39, em Anexo B), comandado através de visíveis botões.
Também, nesse período, dois outros brinquedos foram lançados
pela Estrela, porém sem a aparência metálica dos robôs: o Genius (1980) e o
Merlin (1981). Mas, como as crianças interagem com esses brinquedos
eletrônicos? A fim de observar essa interação e discutir a relação (existente!)
entre brinquedos eletrônicos e a disciplina Robótica Pedagógica,
proporcionei, em julho de 2003, uma oficina com vários dos brinquedos
eletrônicos existentes no mercado (muitos outros brinquedos foram lançados
após essa pesquisa, pois a indústria não pára e movimenta cifras
assustadoras). Participaram da oficina 11 alunos com faixa etária variando
entre 11 e 12 anos.
No primeiro momento, as crianças ficaram maravilhadas diante da
variedade de brinquedos tecnológicos (no Apêndice B são descritos os
brinquedos disponibilizados) espalhados pelo laboratório de Robótica
Pedagógica. As meninas AEX1, AHX8, AFX6 e AIX9 escolheram a mesa onde
estavam colocados os bonecos de pelúcia. Os meninos ADX5 e ALX1
escolheram os brinquedos com aparência de robô (estrutura metálica). ANX2
e AOX3 (meninos) escolheram os robôs de controle remoto. APX4 e AQX5
(meninas) mantiveram-se observando. Depois de algum tempo, todos eles
começaram a movimentar-se pelas mesas, experimentando os brinquedos:
como liga, como se movimenta, o que faz. Pareceu-me um momento mágico,
de descobertas. Logo a sala estava completamente tomada pela alegria. O
som próprio de cada um dos brinquedos misturava-se no ar, formando um
grande barulho. Músicas, luzes, tudo era rápido. O mais importante... a
alegria e a surpresa estampada no rosto de cada um. Os brinquedos mais
simples, como o Talking Robot, eram constantemente ligados. De repente, os
brinquedos “solitários” tomaram ares coletivos. Formou-se uma roda com
crianças sentadas no chão, brincando e descobrindo coletivamente. Pouco
tempo depois, a roda se desfez, e cada um deles procurou o brinquedo da
sua preferência. Durante toda a oficina, as crianças não se concentraram
nem levavam muito tempo em um único brinquedo. Essa reação pode ser
explicada pelo que diz Wassermann (1990, p. 14). Segundo ele, as crianças:
Nunca conseguem estar atentas durante muito tempo > - é uma espécie de rótulo, que nós inventamos, para explicar por que razão as crianças pequenas não se mostram interessadas em fazer o que nós achamos que elas deveriam fazer. Raramente se aplica às crianças que estão deliberadamente empenhadas em investigações por sua conta e risco. Basta observar as crianças enquanto brincam para nos apercebemos da sua capacidade inventiva, do seu gosto pela experiência, da sua persistência, da criatividade das soluções que encontram.
Poucas vezes, as crianças buscaram a nossa ajuda. Estavam
presentes a pesquisadora, o professor de Robótica Pedagógica e um
monitor (aluno da 8a série) que se propôs a ajudar; como conhecia o
funcionamento de todos os brinquedos, foi o responsável em ajudar as
crianças na parte da operacionalização. Uma hora depois de iniciarmos a
oficina, foi proposta uma rodada de discussão mediada pelo professor de
Robótica Pedagógica, que iniciou a conversa da seguinte forma:
Professor - Um monte de coisas que a gente estuda aqui na robótica e independente de estudar na robótica, queria ouvir a opinião geral de vocês sobre esses robôs. Existem robôs aqui que por mais que vocês brinquem, vão cada vez mais descobrir coisas sobre eles. Tem robôs que possuem joguinhos embutidos e que para vocês acessarem precisam fazer combinações entre os diversos sensores, e que não dava, nesse espaço de tempo. Nós queremos ouvir somente o que vocês descobriram, o que vocês acham dos brinquedos.
As crianças escolheram o Ir-V (o primeiro robô interativo através da
Internet) para iniciarem a conversa. Logo dois deles indicaram quem era o Ir-
V (o laranja ou o verde). As crianças apontaram muitas das possibilidades
existentes no Ir-V. AOX3 coloca que “ele canta, mexe a orelhinha, se fizer a programação
certa, pode jogar nele”. É interrompido por AEX1, que diz: “toca música, anda, é tipo assim...
com a Internet... sei lá, pode se jogar nele”. AOX3 vai em sua ajuda e complementa, “tipo um
celular”. APX4 e ADX5 não brincaram com o Ir-v. Nenhuma das crianças
conseguiu jogar, AOX3 disse que “quase conseguiu; eu coloquei lá, tinha lá um balãozinho
vermelho, tinha lá um negócio todo atrapalhado, eu quase consegui”.
Todos queriam falar ao mesmo tempo sobre o Millenium Robot;
Figura 40 – Professor de Robótica mediando a discussão coletiva.
foram então completando coletivamente. Descobriram que ele abre e gira a
parte de cima do corpo. Neste momento AEX1 levanta e imita o movimento
do robô, na intenção de mostrar ao professor o que queriam dizer. O
professor questionou como eles poderiam controlar o robô. ANX2 diz,
simplesmente, “é só a gente ligar”. AQX5 disse: “a gente liga e ele vai sozinho e quando desliga
pára”. Na discussão ficou claro que o robô não utilizava controle remoto e que
existia uma programação fixa para executar seus movimentos. AOX3 chama
atenção “que a programação é igual a que a gente faz aqui no robô, de programar para ele andar, fazer
alguma coisa, de acender a luz por três segundos”. O professor pergunta que tipos de
mecanismos devem existir no robô, o que rapidamente é mostrado pelas
crianças. Eles identificam lâmpadas, sensores. AEX1 identificou sensores
nos olhos, o que AOX3 discordou, dizendo que, “quando liga, começa a andar e, quando
desliga, ele não anda mais. Se fosse sensor, não teria o botãozinho atrás e se aproximasse faria igual aquele
robozinho cachorro” referindo-se ao cachorro robô (um pequeno cachorro que tem
um sensor no nariz). AFX6 explica como funcionam os robôs que brigam: “a
gente bota ele no chão e tem dois controles; cada controle é para um robô e os dois ficam lutando; tem
movimento no braço, no ombro; tem o murro, fica andando pra frente e pra trás”. ADX5
complementa dizendo que “o objetivo da luta você tem que acertar como se fosse no coração para
ele parar. Quem fez o outro parar ganha”. O professor pergunta que tipo de sensores ou
elementos robóticos os robôs possuem. ADX5 responde: “uma programação e um
sensor de toque. Assim que você acerta, ele pára e depois volta a funcionar. Quando tomava um murro ele
parava, voltava para trás, para depois continuar. Quando tomava o murro não conseguia controlar”. Com
relação ao Furby, os alunos disseram possuir sensor de luz, fala, arrota,
espirra, mexe a orelha e os movimentos são realizados através de
engrenagens. ADX5 diz que “ele tem sentimentos como nós, humanos, porque ele chora, ele fica
feliz, ele dorme, coisas que nós fazemos”. Quando questionado se a máquina poderia ter
sentimentos, ele responde: “é possível fazer isso se for programado para ter. Conforme a
tecnologia avança, vamos descobrindo cada vez mais coisas e vai chegar um momento em que nós poderemos
fazer qualquer coisa” . E discussão e as descobertas foram realizadas em todos os
brinquedos apresentados. No final da oficina, apliquei um questionário
escrito para saber qual o brinquedo que mais gostaram e como tinham se
sentido participando da mesma. O professor fez o mesmo questionamento,
oralmente, a cada criança para ver como se expressavam. As respostas que
se seguem contemplam as respostas dadas pelas crianças aos dois
questionamentos. Elas foram editadas para uma melhor compreensão:
ANX2 – Eu gostei. Achei que os brinquedos são divertidos, muitos são programados. Brinquei com um monte deles. Gostei mais do “boneco escalador” porque a gente tem objetivo que é chegar lá em cima. Me senti feliz, pois o boneco é divertido. AFX6 – Eu achei legal porque tem vários brinquedos diferentes, legais, bem divertidos. Gostei dos robôs que brigam porque eles brigam. Me senti feliz. Gostei também do Wuvluv porque, além dele ser muito fofo, é divertido pra caramba. AUX9 – Também gostei dos brinquedos. Achei eles interessantes por causa da programação e das funções que eles têm para poder fazer. Achei bem legal. Os brinquedos têm em comum funções e programação. Gostei mais do Furby porque ele fala, pede comida, carinho, pisca o olho, abre e fecha a boca. Me senti feliz. AIX9 – Eu achei interessante e divertido; legal. Brinquei com ADX5 com os robôs que brigam. Gostei mais do boneco que escala porque escala e porque é dificil e cada vez mais você quer chegar lá em cima. AEX1 – Eu gostei. Achei interessante. Tem alguns robôs que servem para ensinar alguma coisa. Achei legal. O boneco que mais gostei foi o rosinha porque além dele ser fofinho, bonitinho, tem um filhinho. De dentro da barriga dele sai um ovinho e aí tem o filhinho. Ele é tipo humano, a gente tem que dar carinho. Me senti feliz. É muito engraçado. AHX8 – A gente brincou e aprendeu ao mesmo tempo porque tem robôs que nos ensinam algumas coisas. Eu gostei mais do Wuvluv porque ele é fofinho, bonitinho, fala, canta e tem um filhinho que o acompanha. AQX5 – Achei muito legal porque a gente aprende sobre os robôs. O brinquedo que mais gostei foi o planetário porque ele faz perguntas e ensina. APX4 – Foi legal porque a gente teve a oportunidade de aprender coisas que a gente nem sabia que existia. A diferença entre a programação e as coias que a gente monta. Acho mais interessante os robôs que a gente monta na robótica. Eu gostei mais do Yano porque conta histórias.. Me senti feliz com as histórias que ele conta, me senti à vontade. Gostei também do Wuvluv porque ele é legal, a gente ouve um monte de coisas que ele fala e faz.
AOX3 – Achei legal porque a gente se divertiu, a gente aprendeu algumas coisas como em robótica. O que tem naquele robô que faz ele movimentar, mexer, fazer tudo assim. Também gostei porque a gente aprendeu a mexer, a gente aprendeu a raciocinar como liga e para mexer em alguns robôs. Gostei mais do bonequinho escalador porque ele sobe um paredão feito de brinquedo. A gente tem que arrumar algum jeito de se posicionar para ele não cair; se ele cair a gente perde o jogo. Eu me senti feliz. ADX5 – Eu achei divertido porque além da gente brincar, a gente aprendeu de maneira que alguns brinquedos eram educativos, uns ensinavam letras, outros contavam histórias, alguns tinham sentimentos. Aprendemos algumas coisas de robótica como sensores de luz e de toque. Gostei mais do tigre (cyber animal) porque ele ruge e anda. Ao brincar com ele me senti feliz pois gosto de tigres e o brinquedo me satisfez Eu gostei, também, do que carrega coisas pois além dele ser útil,, ele pode iluminar algum lugar que esteja escuro e que você queira entrar.. ALX1 – Achei interessante. Gostei mais do Rad porque ele atira e anda.
Não foram entregues manuais às crianças. Embora não
conhecessem os brinquedos, como eles afirmaram, não enfrentaram
dificuldades para ligar, muito menos para descobrir o que faziam. Segundo
eles, em casa, quando recebem um brinquedo novo, agem da mesma
maneira. Só consultam o manual quando o brinquedo é difícil. Isso é
justificado pois
[...] as crianças são os mais empenhados investigadores científicos, gostam de descobrir <como funciona > ou <como aconteceu >. A repetição de experiências está longe de ser aborrecida para elas; a repetição agrada -lhes, e conseguem retirar tanto prazer da semelhança quanto da diferença (dois processos que as encantam). (WASSERMAN, 1990, p. 14).
Muitas questões foram levantadas nas respostas dadas:
mecanismos robóticos, sensores, engrenagens, sentimentos adquiridos pelos
robôs, mas o mais surpreendente foi o fato de, na sua maioria, expressarem
a felicidade como o sentimento vivenciado durante a oficina. O velho slogan
adotado pela escola “criança feliz aprende melhor” é mais uma vez
confirmado.
6. O fim. Ou será um novo começo? As descobertas... Não confirmações....
Terminei. Mas não no que a palavra término traz como significado:
“acabar, por um ponto final”. Na realidade, terminei de tercer esse texto. De
narrar a minha história de pesquisa; ela termina (momentaneamente) e fica
gravada no papel, mas também no meu coração; no cérebro, fica vivamente
registrado o que aprendi, o que ajudei a construir. Foram muitas as
aprendizagens... aprendi com as crianças que um mundo melhor pode ser
construído e que elas são capazes de construir se as deixarmos livres para
criar, lhes dermos a oportunidade de aprender com prazer, se acreditarmos
que são capazes e, acima de tudo, se o ambiente da aprendizagem for
rodeado com uma áurea humana, for um ambiente feliz no qual as crianças
queiram permanecer. Vem à minha mente as palavras de Korczak (1988, p.
16-17), imaginando-se um professor:
Fico imaginando que sou um professor. Reuno uma porção de pessoas e digo:
- É preciso construir uma boa escola. Uma que não seja apertada, para a gente não precisar se empurrar, pisar um no outro, esbarrar.
As crianças chegam à escola, e eu pergunto: - Adivinhem o que vamos fazer? Um responde: - Vamos fazer uma excursão.
Um outro diz: - Vai ter projeção de filmes. Falam isso, falam aquilo. E eu: - Não, não. Tudo isso vamos ter também, mais além disso
teremos coisa mais importante. E só quando tiverem se acalmado anunciarei: - Vou construir uma escola para vocês. Invento, então, diversos obstáculos. Por exemplo: a escola, já
quase pronta, desaba ou pega fogo. Precisa começar tudo de novo; mas só para chatear, construo uma que será melhor ainda.
Sempre imaginei tudo com obstáculos. Quando viajo de navio, há uma tempestade. Se sou o chefe guerreiro, começo sofrendo derrotas, e só no final conquisto a vitória.
Porque, quando tudo sai bem desde o início, a coisa fica chata. Mas então ao lado da escola há uma pista de patinação. Temos
quadros, mapas, instrumentos e aparelhos de ginástica, animais empalhados.
Chegam as férias, mas na porta da escola reúnem-se meninos e meninas que gritam:
- Deixem a gente entrar! Não queremos férias, queremos ir à escola!
O servente fica discutindo com eles, mas não adianta. E eu fico no meu gabinete, não sei de nada, porque estou preenchendo uns papéis. Mas eis que chega o servente. Ele bate na porta, e eu digo:
- Pode entrar. E ele: - Senhor diretor, as crianças se rebelaram, não querem férias. Respondo: - Não se preocupe, vou logo acalmá-las. Chego à porta. Estou sorrindo. Não estou zangado. Explico: - Férias são férias. Os professores precisam descansar. Porque
quando estão cansados, ficam irritados e gritam com as crianças.
Conversa vai, conversa vem, concluímos: eles podem brincar no pátio, mas terão de prometer que não farão bagunça.
Aprendi muito com a minha orientadora; aprendi, principalmente,
que o conhecimento torna a pessoa grande; mas aprendi, também, que a
simplicidade e a humildade de se mostrar sempre aprendiz tornam a pessoa
mais humana. Talvez a criança seja exatamente assim: tem um saber
próprio nem sempre compreendido, mas é um grande aprendiz das coisas
que lhe são importantes. E a cada criança é dado o direito de escrever a sua
própria história. Volto a Korczak. Quando se pergunta o que faria se voltasse
a ser criança, ele diz (1988, p. 18-19):
Se fosse criança de novo, gostaria de me lembrar, de saber, de ser capaz de tudo o que sei agora e de que agora sou capaz. E que ninguém suspeitasse de que já fui grande um dia. Me faria de desentendido. Fingiria que sou um menino igual a todos, que tenho pai e mãe, que vou à escola. Assim seria mais interessante e melhor. Ficaria só observando e acharia engraçado ninguém estar me reconhecendo.
Um dia, então, estou deitado na cama, acordado, e fico pensando: “Se eu soubesse naquela época, nunca teria feito força para
crescer. Ser criança é mil vezes melhor. Os adultos são infelizes. Não é verdade que eles podem fazer o que querem. Tem até menos liberdade do que as crianças. Têm pesadas responsabilidades. Têm mais aborrecimentos. É mais raro terem pensamentos alegres. É verdade que nós, os adultos, não choramos mais; deve ser porque não vale mais a pena chorar. Em vez disso, suspiramos fundo”.
E suspirei.
Aprendi, sobretudo, a gerenciar melhor os processos educativos;
através dos estudos sobre o cérebro, aprendi a respeitar o tempo de
aprendizagem de cada aluno e que cada um deles tem uma maneira própria
de aprender. E aprendi mais ainda com a minha família; vivenciei, de forma
profunda, a arte da paciência, da tolerância, do respeito aos meus momentos
de aflição, nervosismo, questionamentos... E, nisso, aprendi a me conhecer
mais... A minha participação nessa história da aprendizagem através da
Robótica Pedagógica, no entanto, continuará, porque acredito que a
educação, assim como a vida, é um ciclo:
Desde o dia em que ao mundo chegamos Caminhamos ao rumo do sol Há mais coisas pra ver Mais que a imaginação Muito mais pro tempo permitir E são tantos caminhos pra se seguir E lugares pra se descobrir E o sol a girar Sobre o azul desse céu Nos mantém neste rio a fluir É o ciclo sem fim Que nos guiará A dor e a emoção Pela fé e o amor Até encontrar O nosso caminho Neste ciclo, neste ciclo sem fim92.
92 Letra da música de abertura do desenho animado O Rei Leão produzido pela Abril eBuena Vista.
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A ILHA do Dr. Moreau. Direção: John Frankenheimer. Produção Edward R. Pressman. Intérpretes: Marlon Brando; Val Kilmer; David Thewlis; fairuza Balk e outros. Música Gary Chang. EUA, 1996. VHS (100min), color. Produzido por New Line Cinema. Baseado na história de H. G. Wells. A REVOLTA dos Brinquedos. Direção: Barry Levinson. Intérpretes: Robin William; Michael Gambon; Joan Cusack; Robin Wright. EUA, 1992, VHS (122min), color. Produção: Baltimore Pictures. FRANKENSTEIN de Mary Shelley. Direção: Kenneth Branagh. Intérpretes: Kenneth Branagh; Robert De Niro; Helena Bonham Carter; Tom Hulce; Aidan Quinn; Jonh Cleese; Ian Holm. EUA, 1994, DVD (125min), color. Produzido por Columbia TriStar. Baseado na obra de Mary Shelley. INTELIGÊNCIA Artificial. Direção: Steven Spielberg. Intérpretes: Haley Joel Osment; Jude Law; Frances O’Connor; William Hurt; Sam Robards; Jake Thomas; Brendan Gleeson. EUA, DVD. (145min), color. METROPÓLIS. Direção: Fritz Lang. Interpretes: Gustav Fröhlich, Brigitte Helm, Alfred Abel. Roteiro: Theá Von Harbou. USA, 1926. (90 min) preto e branco. VHS. Produzido por Continental Home Vídeo METROPÓLIS. Direção: Rintaro. Direção e supervisão de animação: Yasuhiro Nakura. Música: Toshiyuki Honda. Roteiro: Kalsuhiro Otomo. USA, 2001. (109 min), color. DVD. Tezuka Productions. Baseado na história em quadrinhos de Osamu Tezuka. O DIA em que a Terra parou. Direção: Robert Wise. Intérpretes: Michael Ronnie, Patricia Neal, Hugt Marlowe, Sam Jaffe, Billy Gray. EUA, 1951. (92 min), preto e branco. O GOLEM. Direção: Paul Wegener. Interpretes: Paul Wegener, Albert Sletnkuk, Lyda Salmonova. Roteiro: Paul Wegener e Henrik Galeen. Alemanha, 1920. (68 min), preto e branco. DVD. Produzido por Continental Home Vídeo. O HOMEM bicentenário. Direção: Chris Columbus. Intérpretes: Robim Williams; Sam Neill: Embeth Davidtz; Oliver Platt. EUA, 1999, VHS (131min), color. Produzido por Columbia TriStar. Baseado na obra de Isac Asimov. O MUNDO mágico de oz. Direção: Walter Murch. Interpretes: Nicol Williamson, Jean Marsh, Piper Laurie. Produção: Paul Maslansky. Roteiro: Walter Murch & Gill Dennis. Música: David Shire. (106 min), color. VHS. Walt Disney Pictures. PEQUENOS Guerreiros. Direção: Joe Dante. Intérpretes: Kirsten Dunst; Denis Leary; Gregory Smith; Joe Mohr; Phil Hartman; kevin Dunn; EUA, 1997, VHS (110mim), color. Produzido por CIC e Columbia.
QUERO ser grande. Direção: Penny Marsshall. Intérpretes: Tom Hanks; Elizabeth Perkins; Robert Loggia; John Heard; Jared Rushton; David Moscow; Mercedes Ruelh. EUA, 1988, VHS (102min), color. Produzido por Abril e Fox. ROBOCOP, o policial do futuro. Direção: Paul Verhoeven. Interpretes: Peter Weller, Nancy Allen, Daniel O`Herlihy, Ronny Cox, Kurtwood Smith, Miguel Ferrer, Robert DoQui, Ray Wise, Felton Perry, Paul McCrane. Roteiro: Edward Neumeier e Michael Miner. Música: Basil Poledouris. EUA, 1987. (103 min), color. Produzido por FlashStar. RUNAWAY: fora de controle.Escrito e dirigido: Michael Crichton. Intérpretes:Tom Selleck; Cynthia Rhodes; Gene Simmons; Kirstie Alley; Stan Shaw. Produção: Tri-Star Pictures. EUA, 1984. (100min), color, DVD. SHORT Circuit: o incrível robô. Direção: John Badham. Intérpretes: Ally Sheedy; Steve Guttenberg. EUA, color, DVD. UM HERÓI de brinquedo. Direção: Brian Levant. Intérpretes: Arnold Schwarzenegger; Simbad; Jim Belushi; Rita Wilson; Robert Conrad. EUA, 1996. (105min), VHS. Produzido por Abril e Fox. UM ROBÔ em curto circuito. Direção: Kenneth Johnson. Intérpretes: Fisher Stevens; Michael McKean; Cynthia Gibb; Jack Weston; Tim Blaney. Produção: David Foster; Lawrence Turman; Gary Foster. USA, 1988. (111min), color, DVD. VIAGEM insólita. De: Steven Spielberg. Direção: Joe Dante. Interpretes: Demis Quaid, Martin Short, Meg Ryan, Kevin Mc Carthy. Roteiro: Jeffrey Boam e Chip Proser. Produção: Guber Petters. Warner Bross, EUA, 1987. (120 min), color. VHS. VIAGEM fantástica. Direção: Richard Fleischer. Interpretes: Stephen Boyd, Raquel Welch, Edmond O´Brien, Donaldo Pleasence, Arthur O´Connell, William Redfield, Arthur Kennedy. Roteiro: Harry Klerner. Adaptado: David Duncan. Produção: Saul David. Twentieth Century Fox USA. (1oo min), color. DVD. Vídeos: Aprendizagem significativa. Produção TV Escola. JEAN Piaget. Coleção Grandes Pensadores. Apresentação Yves de La Taille. São Paulo: Atta Midia e Educação. VHS (54min), color. KISHIMOTO, Tizuko. Brincadeiras na educação. São Paulo: Loyola Multimídia, 1998. VHS (21 min), color.
APÊNDICE A - Sistema Nervoso: nossa interação com o mundo interior e exterior.
O cérebro humano é um milagre da evolução. Ele é o objeto mais complexo de que se tem conhecimento. Mas, para entender como ele funciona, precisamos saber como ele evoluiu e de onde ele veio. O cérebro de nossos ancestrais símios era bem pequeno. Seu volume tinha cerca de meio litro. O equivalente ao tamanho [...] do cérebro de um chimpanzé. O cérebro humano é cerca de três vezes maior. [...]. À medida que nossos ancestrais evoluíram foi preciso aprender ações cada vez mais complexas. Eles precisavam de cérebros maiores e melhores. Cérebros mais poderosos e adaptáveis. É difícil explicar como o cérebro humano aumentou tão rapidamente. Dos ancestrais símios ao homem de cérebro grande foram cerca de 2,5 milhões de anos. Pode parecer muito tempo, mas em termos evolucionários isso é incrivelmente rápido. (...) Durante séculos os cientistas têm lutado para entender o que vem a ser, afinal, esse objeto pouco atraente. O filósofo Aristóteles, da antiga Grécia, pensava que o cérebro ajudava a regular a nossa temperatura. Um nariz escorrendo era o líquido refrigerador vazando do cérebro. Ele concluiu que, como o coração bate mais rápido quando nos excitamos, ele deve ser responsável pelos sentimentos e idéias. É fácil rir dele agora; mas, Aristóteles foi o primeiro a pensar seriamente sobre como funciona o corpo humano. Nós progredimos muito desde o século IV a.C. Hoje podemos olhar dentro de um cérebro vivo. Aparelhos provam que o cérebro é de fato onde pensamos e sentimos. (...) Mas, o que na verdade se passa dentro do cérebro? É uma história fascinante mas complicada...
Dr. Robert Wintson93
E assim caminha a humanidade... produzindo e utilizando, cada
vez mais, conhecimentos técnico-científicos. Mas todo conhecimento
produzido e acumulado, até então, só foi possível com o desenvolvimento
93 A história da vida - O corpo humano: a incrível jornada do homem do nascimento à morte. Documentário em DVD apresentado por Dr. Robert Winston.
desse superórgão humano: o cérebro94. Através dele, o homem criou formas
e instrumentos para sobreviver, conquistou o mundo, chegou à lua e hoje
parte para a conquista do universo. Estamos, agora, a caminho de Marte,
terceiro menor planeta do Sistema Solar, com diâmetro de 3800 km, distante
228 milhões de quilômetros do Sol95 Por apresentar uma gravidade 38%
menor do que a da Terra, cuidados especiais devem ser tomados para
garantir a sobrevivência dos astronautas que enfrentarão uma viagem
estimada em três anos de duração, no ano de 2020, quando haverá
alinhamento de planetas. Para isso, cientistas da NASA buscam soluções,
utilizando a nanotecnologia. Se realmente acontecer, é mais um
desenvolvimento técnico-científico possibilitado pelo cérebro humano.
Mas, mesmo sendo capaz de compreender diversos assuntos, o
cérebro não está ainda totalmente conhecido, possuindo muitos mistérios a
serem desvendados; ele é, no entanto, o único órgão consciente da própria
existência. Devido ao seu grau de complexidade, é possível estudá-lo de
forma multirreferencial. Para Lent (2001, p. 3),
Há muitas maneiras de ver o cérebro, como há muitas maneiras de ver o mundo.
[...]Também o sistema nervoso, e o cérebro em particular, pode ser estudado de várias maneiras, todas verdadeiras e igualmente importantes (...). Podemos encará-lo como um objeto desconhecido mas capaz de produzir comportamento e consciência, e assim dedicar-nos a estudar apenas essas propriedades (ditas “emergentes”) do sistema nervoso. É o modo de ver dos psicólogos. Podemos também vê-lo como um conjunto de células que se tocam através de finos prolongamentos, formando trilhões de complexos circuitos intercomunicantes. É a visão dos neurobiólogos celulares. Alternativamente, podemos pensar apenas nos sinais elétricos produzidos pelos neurônios como elementos de comunicação, como fazem os eletrofísiologistas. Ou então nas reações químicas que ocorrem entre as moléculas existentes dentro e fora das células nervosas, como fazem os neuroquímicos. E assim por diante. Como
24Palavra de origem grega que significa: en = dentro, kephalê = cabeça. 95 Estando a Terra há aproximadamente156 milhões de quilômetros do Sol, Marte possui o equivalente a uma vez e meia distância existente entre o Sol e a Terra.
se vê, são muitos os modos (chamados níveis) de existência do sistema nervoso, abordados especialmente pelos diferentes especialistas. E seriam ainda muito mais, se considerássemos os pontos de vista não científicos. [...] Os níveis de existência do sistema nervoso não são uns “conseqüências” dos outros. Coexistem simultaneamente, em paralelo.
Bentley (2002, p. 72) confirma esse caráter multirreferencial ao
colocar:
Psicólogos nos dizem o que os cérebros fazem, neurologistas nos dizem como eles se organizam e os neurocientistas nos dizem do que eles são feitos, embora ninguém saiba exatamente como eles funcionam. Apenas os filósofos tentam unificar essas áreas não relacionadas. E suas tentativas parecem causar muitos debates, embora uma conformidade ainda pareça estar longe de virar realidade.
Mas para todos os especialistas, no entanto, dois pontos parecem
coincidir: sua estrutura anatômica e sua importância. Para estudá-lo é
necessário situá-lo no sistema a que pertence: o sistema nervoso, que é o
responsável em realizar a sua interação com o mundo exterior, através dos
seus órgãos de sentido (visão, audição, olfato, paladar e tato), e possibilitar a
comunicação de todos os órgãos e partes internas entre si. Houzel
acrescenta mais dois sentidos aos já conhecidos: os sentidos do movimento e
do equilíbrio. Diz a autora (2002, p. 43-44):
Os sentidos são a porta de entrada para o cérebro, que sozinho não é capaz de detectar grandes coisas. A gente aprende na escola que os sentidos são cinco: tato, visão, audição, olfato e paladar. Mas na verdade são sete. [...] O sexto e o sétimo sentidos são sentidos verdadeiros, e tão importantes – aliás, muito mais do que os outros cinco – que só percebemos que eles existem quando não funcionam bem. Enquanto os cinco sentidos bem conhecidos cuidam dos sinais que vêm de fora do corpo, os outros dois cuidam dos sinais do próprio corpo: são os sentidos do movimento e do equilíbrio. [...] Quando funcionam normalmente, os sentidos do movimento e do equilíbrio são os grandes responsáveis por conseguirmos ficar de pé eretos, equilibrados, com a cabeça bem alinhada no centro do corpo, e por conseguirmos nos mover sem precisar olhar para onde vai a mão, o pé ou a cabeça, ou mesmo com os olhos fechados. [...] Apenas uma palavra de cautela. Embora o sentido do movimento (também conhecido como propriocepção, para a percepção do próprio corpo) e o do equilíbrio sejam cada vez mais reconhecidos como verdadeiros sexto e sétimo sentidos, os livros didáticos continuam
considerando apenas os cinco sentidos tradicionais. E devem continuar considerando apenas os cinco sentidos por um bom tempo, já que esse é o tipo de mudança que depende de grandes reformas, por influenciar a correção de provas de escola e vestibulares. Por isso, se perguntarem quantos são os sentidos, eles ainda são cinco. Mas você sabe que possui um sexto, e até um sétimo sentido. E não é a intuição...
Diariamente, muitos tipos de informações são recebidas pelo
homem provenientes do meio ambiente e de seu próprio corpo. Essas
informações, chamadas estímulos, são transmitidas ao seu cérebro através
do seu sistema nervoso, que as interpreta nos seus diferentes centros
nervosos, emitindo respostas para as glândulas e músculos através de
impulsos. Essa capacidade de produzir respostas para os estímulos
recebidos é uma característica das células nervosas (neurônios) e denomina-
se irritabilidade ou excitabilidade. Este processo de excitabilidade-resposta
constitui o arco reflexo, mecanismos nervosos mais simples encontrados no
homem. São formados por conexões de células nervosas sensitivas: uma
possuí um receptor na extremidade para que possa receber o estímulo
(aferente) e a outra apresenta uma conexão especial com um neurônio
(eferente). As vias centrípetas, aferentes ou sensitivas conduzem os
estímulos originados nas terminações nervosas da região estimulada até os
centros nervosos localizados no encéfalo ou na medula espinhal, de onde
saem impulsos nervosos conduzidos em sentido inverso através das vias
centrífugas, eferentes ou motoras.
Chama-se de ato reflexo o mecanismo pelo qual a informação é passada pelos receptores sensoriais ao cérebro e à medula espinhal e depois retorna através dos neurônios motores. A contração do joelho é um exemplo conhecido de ato reflexo. Quando o médico bate no joelho do paciente, receptores no joelho estimulam um neurônio sensorial e enviam um impulso à medula espinhal. Este transmite uma mensagem a um neurônio motor, que por sua vez a conduz até os músculos; os músculos se contraem provocando um salto do joelho.[...] A maioria dos atos reflexos envolvem neurônios adicionais
chamados associativos ou intermediários que transmitem os impulsos através da medula espinhal ao neurônio motor. Muitos outros reflexos envolvem milhares de neurônios e são capazes de inibir ou aumentar a resposta do corpo96
O ato reflexo normalmente acontece independente da vontade do
sujeito e de forma instantânea. Não descarta, no entanto, a aprendizagem
uma vez que, se submetido a uma mesma experiência ou similar, o sujeito,
baseado na lembrança, age de maneira a se proteger. No caso de uma
criança encostar o dedo em uma panela de água quente, por exemplo, e
queimar o dedo, ela não repetirá a experiência, pois lembrará a sensação
desagradável que sentiu, o que exemplifica os dois tipos de ato reflexo:
quando encosta o dedo na panela quente, o ato reflexo é incondicionado,
sem intenção; a partir do momento em que não encosta o dedo na panela
porque sabe que vai queimar, o ato passa a ser reflexo condicionado.
Sternberg (2000, p. 44) afirma que “o sistema nervoso é a base
para nossa capacidade de perceber, adaptar-nos e interagir com o mundo ao
nosso redor. É o meio pelo qual recebemos, processamos e, então,
respondemos à informação oriunda do ambiente”. O sistema nervoso é
dividido em sistema nervoso central (SNC) e sistema nervoso periférico
(SNP). Lent (2001, p. 2) diz que:
Sistema nervoso central e Sistema nervoso periférico são as duas principais divisões do sistema nervoso. O primeiro reúne as estruturas situadas dentro do crânio e da coluna vertebral, enquanto o segundo reúne as estruturas distribuídas pelo organismo.
Weiten (2002, p.71) apresenta esquematicamente as relações
existentes entre as partes do sistema nervoso:
96 Vídeo: O Corpo Humano III – O Sistema Nervoso produzido pela Enciclopédia Britannica do Brasil (s.d.).
Sterberg (2000, p. 45) apresenta, na Figura 42, essa divisão,
localizando as partes no corpo humano:
Sistema nervoso
Sistema nervoso central
Sistema nervoso periférico
Medula espinhal Cérebro
Cérebro anterior
Cérebro médio
Formação reticular (que se
estende até o cérebro médio)
Metencéfalo
Grande cérebro
Sistema límbico
Tálamo Hipotálamo
Cerebelo Ponte Bulbo
Sistema nervoso somático
Sistema nervoso autônomo
Nervos
aferentes
Nervos
eferentes
Divisão simpática
Divisão parassimpática
Figura 41 - Organização do sistema nervoso humano. Fonte: Weiten, 2002, p. 71.
Figura 42 - Principais divisões do sistema nervoso. Fonte: Sternberg, 2000, p. 45
O sistema nervoso agrupa muitas funções. Umas mais importantes
do que outras. Para fins de estudo, o sistema nervoso central pode ser
dividido em grandes partes, segundo critérios anatômicos. Lent (2001, p. 9)
apresenta na Tabela um modo de classificação:
Tabela 15 - Classificação Hierárquica das Grandes Estruturas Neuroanatômicas
SNC Encéfalo Medula
Espinhal Cérebro Cerebelo Tronco Encefálico
Telencéfalo Diencéfalo
Córtex Cerebral
Núcleos de Base
Diencéfalo
Córtex Cere-belar
Núcleos profun- dos
Mesencéfalo
Ponte Bulbo
Fonte: Lent, 2001, p. 9.
O autor (2001, p. 8-9) explica as partes definidas na Tabela da
seguinte forma:
Denomina-se encéfalo a parte do SNC contida no interior da caixa craniana, e medula espinhal a parte que continua a partir do encéfalo no interior do canal da coluna vertebral [...]. A medula tem uma forma aproximadamente cilíndrica ou tubular, no centro da qual existe um canal estreito cheio de líquido. Já o encéfalo possui uma forma irregular, cheia de dobraduras e saliências, o que permite reconhecer nele diversas subdivisões. A cavidade interna acompanha as irregularidades da forma do encéfalo, formando diferentes câmaras cheias de líquido, os ventrículos. Essa forma irregular do encéfalo se deve ao enorme crescimento que sofre a porção cranial do tubo neural primitivo (o primórdio embrionário do SNC), muito maior que a porção caudal que formará a medula. Pode -se, então, reconhecer três partes do encéfalo: o cérebro, constituído por dois hemisférios justapostos e separados por um sulco profundo (...); o cerebelo, um “cérebro” em miniatura, também constituído por dois hemisférios, mas sem um claro sulco de separação (...); e o tronco encefálico, estrutura em forma de haste que se estende a partir da medula espinhal, escondendo-se por baixo do cerebelo e por dentro do cérebro (...). No cérebro, a superfície enrugada cheia de giros e sulcos é o córtex cerebral, região em que são representadas as funções neurais e psíquicas mais complexas. Grandes regiões do cérebro, de delimitação às vezes pouco precisas, são os chamados lobos (...): frontal, pariental, occipital, temporal e insular (este último situado profundamente no hemisfério, portanto invisível por fora). No interior dos hemisférios estão os núcleos de base (às vezes chamados impropriamente de gânglios de base) e o diencéfalo, invisíveis ao exame superficial. No cerebelo, a superfície também é enrugada, mas os giros são chamados de “folhas” e os sulcos de “fissuras”. Semelhante ao cérebro, no interior dos hemisférios cerebelares estão os núcleos profundos, invisíveis ao exame de superfície. O tronco encefálico também se subdivide: o mesencéfalo é a parte mais rostral dele, que se continua com o diencéfalo bem no centro do
cérebro; a ponte é uma estrutura intermediária; e o bulbo ou medula oblonga é a parte mais caudal, que se continua com a medula espinhal.
“O trabalho do sistema nervoso humano começa com o neurônio
ou célula nervosa: uma pequena estrutura destinada a receber e enviar
sinais também chamados impulsos”97 Estão localizadas, na sua grande
maioria, no sistema nervoso central, juntamente com seus prolongamentos
e as interações que realizam entre si. Já os nervos, prolongamentos
agrupados em filetes, formando um conjunto de 43 pares, encontram-se,
em sua maioria, no sistema nervoso periférico. Os nervos (espinhais e
cranianos) são os responsáveis pela ligação entre os dois sistemas. Eles
processam e transmitem informações sensitivas, somáticas ou viscerais.
Esse processo de ligação é explicado por Lent (2001, p. 5):
Os nervos, principais componentes do sistema nervoso periférico, podem ser encontrados em quase todas as partes do corpo. Seguindo o trajeto de um nervo qualquer, percebe -se que uma extremidade termina em um determinado órgão, enquanto a extremidade oposta se insere no sistema nervoso central através de orifícios no crânio e na coluna vertebral. Essa constatação permite supor – como fizeram os primeiros anatomistas – que os nervos são “cabos de conexão” entre o sistema nervoso central e os órgãos. No início se pensou – erradamente – que a mensagem nervosa era transmitida pelo fluxo de um líquido no interior dos nervos. Depois se esclareceu que a mensagem consistia em impulsos elétricos conduzidos ao longo dos nervos. Em seu trajeto, alguns filetes nervosos se separam do nervo, outros se juntam a ele. Isso ocorre não porque as fibras nervosas individuais se ramificam ao longo do nervo, mas porque grupos delas saem ou entram no tronco principal. Geralmente perto do sistema nervoso central os nervos são mais calibrosos, pois contêm maior número de fibras. Próximos aos locais de terminação nos órgãos, como muitos filetes vão se separando no caminho, eles ficam mais finos. Nesse ponto é que as fibras nervosas individuais se ramificam profusamente, até que cada ramo termina em estruturas microscópicas especializadas.
Os neurônios são células especializadas que não se renovam,
permanentes e com pequena capacidade de regeneração. Podem, no entanto,
97 Vídeo: O Corpo Humano III – O Sistema Nervoso produzido pela Enciclopédia Britannica do Brasil (s.d).
no decorrer de toda a vida do indivíduo, sofrer mudanças de volume, número
complexidade de seus dendritos e axônios e também das suas conexões
com outras células nervosas. Para Meireles (2001, p. 26-28):
As células do sistema nervoso, os neurônios, têm uma limitação de reprodução que vai desde a formação embrionária até aproximadamente 2 anos de idade. Nesta fase de vida, a influência genética como as próprias condições de vida do indivíduo determinam um sistema nervoso bem formado. E algumas funções ficarão definitivamente comprometidas, casos estas condições não promovam uma organização neuronal apropriada.
São formadas por um corpo celular (compreende a sua porção
central; abriga o núcleo, que através do ADN é responsável pela codificação
dos genes neuronais e o citoplasma, que dentre outras funções, é
responsável pela síntese de proteínas necessárias). Assim, como todas as
outras células que constituem o corpo humano, o neurônio também possui
uma membrana que o envolve a fim de proteger o seu citoplasma e núcleo do
meio ambiente. Essa membrana tem a responsabilidade de controlar o fluxo
de substâncias que entrarão na célula. Diversas substâncias líquidas,
compostas por diferentes sais minerais sob a forma de íons (átomos
carregados de eletricidade), envolvem os neurônios alimentando-os e
possibilitando o seu trabalho.
Os íons são átomos com carga positiva ou negativa e nas células nervosas saudáveis eles estão em equilíbrio. Por causa desses íons, o movimento dos impulsos nervosos através de cada célula nervosa envolve mudanças químicas e elétricas. Antes de transmitir um impulso, a camada externa de um neurônio compõe -se de íons de sódio com carga positiva enquanto sua camada interna é formada por íons de potássio com carga negativa. Quando um neurônio está em repouso não há nenhum movimento de substâncias químicas para dentro ou para fora da célula. Mas, quando um neurônio é estimulado, ocorrem mudanças elétricas e físicas. No ponto estimulado no exterior da célula nervosa se torna negativo e o interior positivo. Os íons de sódio e potássio trocam de lugar. Assim que passa o impulso, o ponto estimulado retorna ao seu estado elétrico e químico original. A propagação do impulso nervoso ao longo da célula provoca mudanças semelhantes em todo o neurônio. Antes que cada parte da célula possa transmitir outro impulso, ela
tende a repousar. Em alguns, esse período de recuperação não ultrapassa um milésimo de segundo.98
O estado de repouso apresentado pela célula nervosa significa que
esta não está enviando sinais, mantendo fechada uma grande parte de
canais responsáveis pela entrada do sódio na célula, enquanto mantém
grande parte de canais responsáveis pela passagem de potássio aberta.
Assicronamente, as moléculas de proteínas que formam o sódio e potássio
trabalham para expulsar o sódio da célula, permitindo a entrada do
potássio.
Os neurônios recebem os sinais (informações) através de
numerosas ramificações curtas, especializadas, chamadas dendritos99 e
longo eixo responsável em transmitir informações, denominado axônio. Na
extremidade mais distante do corpo celular, o axônio apresenta terminais
arborescentes (pequenas e finas ramificações), denominados terminais
pré-sinápticos. Squire e Kandel (2003, p. 41) explicam que:
Os terminais pré-sinápticos estabelecem contato com superfícies receptivas especializadas de outras células, freqüentemente localizadas nos dendritos. Por meio desse contato na sinapse, uma célula nervosa transmite informação sobre sua atividade a outros neurônios ou a órgão, tais como músculos ou glândulas endócrinas.
Os prolongamentos celulares, responsáveis em ligar as células às
outras partes constituintes do sistema nervoso, são envolvidos por uma
substância composta de fibras, chamada mielina, formando uma espécie de
bainha. Essa bainha possibilita que os sinais elétricos produzidos nos
neurônios sejam conduzidos com maior rapidez. Para Izquierdo (2002, p.
12):
98 Id. 99 Palavra de origem grega – dendron - cujo significado é: pequenos ramos de árvore.
Os neurônios têm prolongamentos, às vezes, de vários centímetros, através dos quais estabelecem redes, comunicando-se uns com os outros. Os prolongamentos que emitem informação em forma de sinais elétricos a outros neurônios são denominados axônios. Os prolongamentos sobre os quais os axônios colocam essas informações chamam-se dendritos. A “transferência” de informação dos axônios para os dendritos é feita por substâncias químicas produzidas nas terminações dos axônios, denominadas neurotransmissores. Os pontos onde as terminações axônicas mais se aproximam dos dendritos chamam-se sinapses, e são os pontos reais de intercomunicação de umas células nervosas com as outras. Do lado dendrítico, nas sinapses, há proteínas específicas para cada neurotransmissor, chamadas receptores.
Izquierdo apresenta na Figura 43 a estrutura de um neurônio:
Os neurotransmissores são moléculas fabricadas por neurônios
transmissores, que escolhem entre os vários tipos o que quer fabricar. Forma
uma sinergia completa com o neurônio interlocutor, uma vez que esse
precisa criar estruturas receptoras compatíveis para receber essas
Figura 43 - Célula piramidal do córtex ou do hipocampo. Fonte: Izquierdo, 2003, p. 13.
substâncias fabricadas e encaixá-las em sua membrana.
Sobre as sinapses, Lent (2001, p. 99) afirma que:
A sinapse é a unidade processadora de sinais do sistema nervoso. Trata-se da estrutura microscópica de contato entre um neurônio e outra célula, através da qual se dá a transmissão de mensagens entre as duas. Ao serem transmitidas, as mensagens podem ser modificadas no processo de passagem de uma célula à outra, e é justamente nisso que reside a grande flexibilidade funcional do sistema nervoso.
Há dois tipos básicos de sinapses: as químicas e as elétricas. As sinapses elétricas – chamadas junções comunicantes – são sincronizadores celulares. Com estrutura mais simples, transferem correntes iônicas e até mesmo pequenas moléculas entre células acopladas. A transmissão é rápida e de alta fidelidade; por isso as sinapses elétricas são sicronizadoras da atividade neuronal. [...].
As sinapses químicas são verdadeiros chips biológicos porque podem modificar as mensagens que transmitem de acordo com inúmeras circunstâncias. Sua estrutura é especializada no armazenamento de substâncias neurotransmissoras e neuromoduladoras que, liberadas no exíguo espaço entre a membrana pré e a membrana pós sináptica, provocam nesta última alterações de potencial elétrico que poderão influenciar o disparo de potenciais de ação do neurônio pós sináptico.
A estrutura de uma sinapse nervosa pode ser visualizada através
da Figura 44:
Figura 44 - Estrutura da sinapse nervosa. 1. Bainha de mielina; 2. Botão terminal do axônio; 3. Membrana do axônio (mostrando a inversão da polaridade); 4. Espaço intra-sináptico; 5. Vesículas com o mediador químico; 6. Mediador químico livre no espaço intra-sináptico; 7. Receptores moleculares pós-sinápticos já combinados com o mediador químico); 8. Membrana pós-sináptica. Fonte: Soares, 1999, p. 351.
As sinapses nervosas possuem a seguinte estrutura:
1. Neurônio pré-sináptico – encarregado de transmitir a
informação;
2. Neurônio pós-sináptico – receptor da informação enviada;
3. Impulso nervoso – informação que é recebida pelo neurônio,
propagada dentro dele através de fenômenos elétricos.
4. Fenda pré-sináptica – espaço destinado a separar as
membranas de células transmissoras das receptoras;
5. Neurotransmissores – substâncias químicas fabricadas pelos
neurônios e que são liberados pela membrana pré-sináptica e
se difundem até os neurônios pós-sinápticos.
Carter (2003, p. 42) afirma que “diferentes tipos de células
secretam diferentes neurotransmissores. Cada composto químico cerebral
funciona em locais cerebrais bem espalhados mas relativamente específicos
e pode ter um efeito diferente de acordo com o lugar em que é ativado.” Os
efeitos possibilitados por essas substâncias são apresentados por Meireles
(2001, p. 34-36):
1. As Catecolaminas Aceticolina, adrenalina e noradrenalina São os neurotransmissores da comunicação inicial do organismo com o ambiente que o circunda. Participam na transmissão dos impulsos nervosos e nas funções vegetativas. Suas vias intracerebrais localizam-se a partir das porções mais primitivas do encéfalo dirigindo-se para todo o Sistema Nervoso. 1.1.A Acetilcolina Responsável pelo tônus e contração muscular inclusive nos vasos, do coração, dos rins, dos olhos, etc. Participa também dos processos de aprendizado e memória. 1.2. Adrenalina Produzida em pequena quantidade no cérebro. Tem predominância de produção e liberação pelas células da Medula das Supra-Renais. É o neurotransmissor da sensação do “viver perigosamente”. Liberada em quantidade extra em qualquer situação de ameaça ou perigo. Quando entra na corrente sangüínea, provoca a sensação de “susto”. O coração parece parar para logo em seguida disparar em
batidas frenéticas, um frio percorre o estômago e se espalha pelo corpo deixando as mãos geladas, e neste momento não somos donos de nossa vontade.
Em condições normais, é responsável pela regulação da pressão arterial, velocidade dos batimentos cardíacos e algumas funções metabólicas. 2. A Serotonina [...] Esta substância (um neurohormônio), produzida por neurônios localizados em regiões cerebrais especificas, circula de neurônio para neurônio através das ligações entre seus axônios nestas áreas, em maior quantidade, e em menor quantidade em áreas difusas do cérebro. Ela é responsável pelo estado de satisfação em relação ao alimento, ao sono, ao prazer sexual, à vontade de produzir, de viver, à coragem de enfrentar situações não desejadas e inesperadas. (A Serotonina possui receptores diferentes nas terminações dos axônios que recebem a substância vinda dos outros neurônios que a produzem). 3. A Dopamina É um outro neurotransmissor que está relacionado com as sensações de prazer, de desinibição em extravasar emoções. Ela é também responsável por anular os limites do racional em relação aos instintos e participa também do desencadear do orgasmo. 4. As Endorfinas Há ainda neuromodeladores envolvidos nas sensações e emoções. São as endorfinas. A Betaendorfina tem ação permissiva em relação às sensações de bem-estar e satisfação dadas pela serotonina. Também ela permite um controle do limiar da dor. A atividade física, alguns sons musicais, e o toque na pele têm ação na liberação das endorfinas.
Existem muitas evidências de que as endorfinas atuam também no sistema imunológico, controlando defesas no organismo contra doenças.
Carter (2003, p. 43) cita ainda o Glutamato, que é “o principal
neurotransmissor do cérebro, vital para forjar as ligações entre os neurônios,
que são a base do aprendizado e memória de longo prazo”.
Além dos neurônios, o sistema nervoso também é formado por
células da neuróglia, responsáveis pela sustentação e preenchimento dos
espaços entre os neurônios, no tecido nervoso. Houzel (2000, 26-27) atribui
um papel fundamental às células glias ao afirmar que:
Neurônios são minoria quase insignificante em termos numéricos: apenas 2% a 10% do total de células cerebrais. Os outros 90% a 98% são células gliais, ou glia, para os íntimos. A glia é tradicionalmente considerada um conjunto de células silenciosas, cumprindo funções secundárias, como suporte, “preenchimento de espaço”, eliminação de detritos, isolamento elétrico e fornecimento de nutrientes para os neurônios.
[...] É natural, de fato, pensar que somente os neurônios possam transmitir sinais no sistema nervoso. Neurônios têm ramos de “entrada” e de “saída” distintos, enquanto a glia tem forma geralmente estrelada. Além do mais, células gliais são menores do que os neurônios, e ficam aglomeradas ao seu redor. Daí o nome “glia”, que em grego significa “cola”.
O panorama começou a mudar em 1994, com a descoberta de que as células gliais, até então consideradas “inexcitáveis”, silenciosas, respondem ao glutamato, um importante sinal químico de comunicação entre neurônios. Mais do que isso, a glia também libera glutamato, igualzinho aos neurônios, e esse glutamato é reconhecido pelos neurônios como um sinal igual a outro qualquer. Ou seja: elas têm o potencial de se comunicar com os neurônios, ou ao menos de influenciar a comunicação entre eles.
A glia também envolve as sinapses, os pontos de comunicação entre neurônios, onde eles emitem e reconhecem substâncias como o glutamato. Nesses locais, a função da glia é absorver rapidamente todo excesso de glutamato que “transborda” da sinapse. Se não fizesse isso, o banho de glutamato rapidamente se tornaria tóxico, excitando os neurônios até à epilepsia e depois à morte.
Além de “ajudar” os neurônios a se comunicar, a glia também os mantém vivos: sem ela, os neurônios morrem. Mas parece que a glia faz mais do que passar nutrientes e fatores de crescimento aos neurônios. A equipe de Bem Barres, da Universidade de Stanford, nos EUA, acaba de demonstrar que, sem a glia por perto, os neurônios em desenvolvimento não sabem montar sinapses, sua estrutura mais importante e característica.
São aproximadamente cento e vinte bilhões de neurônios, cada um
deles ligado a outras dez mil células, formando redes de conexões que
conferem ao homem as suas extraordinárias características individuais de
pensamento, sentimentos, preferências, memória, enfim de todos os seus
atributos. As conexões formadas pelos neurônios são visualizadas
através da Figura 45:
Figura 45 Rede de conexões dos neurônios. Fonte:Revista Superinteressante, edição 107, agosto 1996, p. 46-47.
O cérebro, juntamente com o cerebelo e o bulbo, pesa em média
1450g. Dois tipos de tecidos superpostos formam o cérebro: o externo é o
córtex cerebral. O tecido interno, formado por fibras nervosas (uma
substância branca), possibilita a interação entre as células do córtex e os
órgãos dos sentidos e músculos do corpo. Os neurônios e as células gliais,
formam um corpo celular (massa cinzenta), constituindo uma camada de 1 a
3mm, as chamadas circunvoluções. Sternberg (2000, p. 57) afirma que:
Nos seres humanos, as inúmeras circunvoluções do córtex cerebral compreendem três camadas diferentes: os sulcos (do latim, sulcus (singular), sulci (plural) que são pequenas ranhuras ou fendas; as fissuras, que são grandes ranhuras ou fendas; e os giros (do latim, gyrus (singular), gyri (plural) que são protuberâncias entre sulcos ou fissuras adjacentes (...). Essas dobras ou pregas aumentam grandemente a área superficial do córtex (...). A complexidade da função cerebral aumenta com a área cortical. O córtex cerebral humano capacita-nos a raciocinar – planejar, coordenar pensamentos e ações, perceber padrões visuais e sonoros, usar a linguagem, e assim por diante. Sem ele, não seríamos humanos.
Quanto maior o número de circunvoluções existentes no cérebro,
mais extenso será o córtex e, conseqüentemente, mais eficiente e
aperfeiçoado será o mesmo. O modelo de córtex, criado com o
desenvolvimento de protuberâncias e sulcos é individual, o que faz com que
cada indivíduo perceba e pense o mundo de forma diferente. Os giros (ou
protuberâncias) são formados por áreas cerebrais intimamente conectadas,
enquanto os sulcos (ou pregas) resultam de conexões mais fracas. É
protegido por uma caixa óssea chamada crânio. Membranas existentes
dentro da crânio são responsáveis por isolá-lo química e fisicamente. Uma
membrana fina e transparente envolve-o diretamente; outra membrana mais
espessa e resistente envolve a sua superfície. Um líquido derivado do
sangue, existente entre as duas membranas (fluido cérebro-espinhal – FCE),
é responsável por alimentar e proteger o cérebro de danos que possam
atingi-lo, uma vez que uma lesão em qualquer de seus pontos é capaz de
provocar alterações no comportamento intelectual, motor ou afetivo do
indivíduo. O oxigênio e o açúcar são os combustíveis necessários ao cérebro,
que viajam pelo órgão através de uma rede de vasos sangüíneos.
Assim como o corpo humano que possui simetria bilateral100,
o cérebro é dividido em dois hemisférios: esquerdo e direito. Quando o centro
de comando dominante101 é o esquerdo (o lado é mais desenvolvido e o feixe
de nervos que parte dele é mais espesso), o indivíduo é destro e se o centro
de comando é o direito (inverte-se a posição de desenvolvimento), O
indivíduo é canhoto; algumas pessoas realizam atividades com as duas
mãos: são as chamadas ambidestras. Nesse caso, não existe um hemisfério
mais desenvolvido que o outro. Esse fenômeno de divisão bilateral acontece
com todos os movimentos: os hemisférios controlam os movimentos do lado
oposto (o cérebro exerce um comando cruzado). Springer e Deutsch (1998,
p. 18) afirmam, no entanto, que essa simetria bilateral não significa
equivalência de funções. Segundo os autores:
A simetria física esquerdo-direita do cérebro e do corpo, contudo, não implica que os lados direito e esquerdo sejam equivalentes em todos os aspectos. Basta examinarmos as habilidades de nossas duas mãos para notar assimetria de funções. Poucas pessoas são realmente ambidestras; a maioria possui um dominante. (Em muitos casos, a capacidade manual de uma pessoa pode ser usada para prognosticar muita coisa sobre a organização das mais altas funções mentais em seu cérebro. Nos destros, por exemplo, quase sempre veri fica-se que o hemisfério que controla a mão dominante é também o hemisfério que controla a fala).
100 Dividido em duas metades similares. 101 Springer e Deutsch (1998, p. 31) colocam que “A origem da expressão dominância cerebral é obscura, mas ela encerra, de modo primoroso, a idéia de uma metade do cérebro direcionando o comportamento. Excetuam-se os casos de canhotos que foram obrigados a utilizar – treinar – a mão direita, em função de um determinado período da história terem sido considerados como pessoas ‘sinistras’. Hoje ainda encontramos preconceito com relação às pessoas canhotas. O Michaelis – Moderno Dicionário da Língua Portuguesa – traz como um dos significados para a palavra canhoto “desajeitado, pouco hábil”}.
E diferenças nas habilidades de ambas as mãos são apenas uma manifestação de assimetrias básicas nas funções dos dois hemisférios cerebrais. Muitas evidências acumularam-se nos últimos anos, mostrando que o cérebro esquerdo e o direito não são idênticos em suas competências ou organizações.
Os hemisférios não são independentes; são interligados através de
um grosso corpo caloso formado de fibras responsáveis por associar os
centros nervosos que compõem cada hemisfério. Eles possuem, no entanto,
formas diferentes de interpretar o mundo. O hemisfério direito é responsável
pelo pensamento criativo, pelas imagens e sensações, enquanto o esquerdo
pensa o mundo por meio de palavras, responde pelo pensamento lógico. As
partes agem assincronamente na interpretação dos conceitos: o hemisfério
esquerdo pensa uma palavra e logo o direito se encarrega de formar a
imagem pensada. Para Carter (2003, p. 65-66) “o cérebro esquerdo é
analítico, lógico, preciso e sensível ao tempo. O cérebro direito é mais
sonhador, processa as coisas de maneira mais holística do que as
decompondo e está mais envolvido com a percepção sensorial do que com a
cognição abstrata”. Cada um dos hemisférios é formado por quatro pólos,
divididos por várias dobras: frontal (corresponde a testa – pólo anterior), o
occipital (localiza-se na nuca – pólo posterior} o temporal (têmpora – lado
inferior – ao redor das orelhas) e o parietal (parte superior – logo atrás do
frontal). Essa divisão pode ser vista através da Figura 46 :
Figura 46 - O cérebro visto de cima. Fonte: Enciclopédia Conhecer, vol 1, p. 119.
Cada um deles processa diferentes estímulos. A área frontal do
cérebro (o lobo frontal) controla, em geral, as atividades voluntárias: é
responsável pelo processo de aprendizagem, pela formação dos pensamentos
e pelas emoções que sentimos. Já o centro motor (lobo parietal), controla
parte das atividades involuntárias, coordenando os vários movimentos do
corpo e os músculos. As áreas sensorial, paladar, olfato, audição e visão
respondem pelos estímulos recebidos através dos órgãos dos sentidos (a
sensorial através do toque, o paladar e olfato ajudam na identificação dos
sabores e cheiros e a audição além de receber as informações provenientes
do ouvido possibilita reconhecer as diferenças existentes entre um som e
outro; a visão recebe as informações distinguindo-as) e estão concentradas
nos lobos occiptal e temporal. As partes que compõem os hemisférios são
duplicadas, exetuando-se a glândula pineal, que se localiza na base central
do cérebro. Para efeito de estudos, o cérebro foi mapeado e dividido em
áreas. Mesmo tendo essas áreas mapeadas, os cientistas ainda não
conseguiram explicar os mecanismos que agregam as informações recebidas
e como elas são recuperadas. Cada área específica tem uma função
determinada, responde a estímulos diferentes e controla partes definidas do
corpo. Segundo Lent (2001, p. 22), essas regiões não operam isoladamente:
Ao contrário, o grau de interação entre elas é altíssimo, pois o número e a variedade de conexões neurais é muito grande. E é natural que seja assim, pois não há função mental pura, mas uma combinação muito complexa de ações fisiológicas e psicológicas em cada ato que os indivíduos realizam. Um exemplo bastaria para compreender esse aspecto. É só pensar em um professor que fala a seus alunos. Ao mesmo tempo em que articula as palavras, o professor olha e vê seus alunos, ouve o burburinho da sala e as perguntas, modula a respiração de acordo com o seu discurso, pensa no que vai dizer a seguir, lembra-se do que disse antes, busca na memória o que aprendeu durante sua carreira, move os olhos, a cabeça e o corpo em diferentes direções, gesticula de acordo com o
que diz e assim por diante. A lista não termina aqui e poderia ser aumentada indefinidamente.
O referido autor apresenta, na Figura 47, as possíveis áreas de
mapeamento dessas funções. Chama atenção, no entanto, que esta figura
deve ser vista com cautela.
Para Soares (1969, p. 6), “o cérebro é a sede da mente, onde
nascem e se desenvolvem os pensamentos, a inteligência e a memória. Ele é
a central que controla a atividade orgânica e motora do homem. É a própria
vida”. Já Machado (1997, p. 23) discorda de Soares ao afirmar que:
o cérebro torna possível a inteligência, mas dificilmente ele é a ‘sede’ da inteligência. Esta função não é algo consistente, mas alguma coisa que se mobiliza, que se torna possível – é uma faculdade. A inteligência ocorre fora dos limites do ser físico. Evidentemente, a estrutura do cérebro e, mais especificamente, a do sistema límbico e a do neo-córtex tornam possível a inteligência, mas ela não está ali.
Para Squire e Kandel (2203, p. VI), o dito “Cogito ergo sum” –
Figura 47 - - Mosaico das funções cerebrais. Fonte: Lent, 2001, p. 23.
“Penso, logo existo” pode ser considerado errado uma vez que:
Não somos aquilo que somos simplesmente porque pensamos. Somos aquilo que somos porque podemos lembrar aquilo que pensamos. [...] cada pensamento que temos, cada palavra que falamos, cada ação na qual nos engajamos – de fato, o próprio sentido que temos de nós mesmos e nossa conexão com os outros -, tudo isso devemos à memória, à capacidade de nossos encéfalos de registrar e armazenar nossas experiências. A memória é o cimento que une nossa vida mental, o arcabouço que mantém nossa história pessoal e torna possível crescermos e mudarmos ao longo da vida.
Greenspan atribui à emoção importante papel no desenvolvimento
inicial da mente. As trocas emocionais, antes mesmo do registro dos
primeiros pensamentos, são fundamentais para a formação do sujeito: “na
realidade, as emoções, e não a estimulação cognitiva, funcionam como
artífices primários da mente”. Para o autor (1999, p. 15-16):
Valorizar o aspecto cognitivo da mente, em detrimento do emocional, tem origens profundamente enraizadas. Desde a Grécia Antiga, os filósofos priorizam o lado racional da mente em detrimento do emocional, considerando-os entidades distintas. Segundo esse enfoque, a inteligência é necessária para governar e cercear os sentimentos mais passionais. Essa concepção tem exercido uma profunda influência no pensamento ocidental; de fato, moldou algumas de nossas instituições e crenças mais básicas. Psicólogos modernos como Jean Piaget, embora tenham contribuído para a nossa compreensão das interações dinâmicas e estratégias cognitivas empregadas pelas crianças em seu aprendizado e aquisição do ambiente que as cerca, continuam a encarar a inteligência como relativamente independente do afeto ou da emoção. Mesmo Freud, pioneiro em suas observações sobre o papel das emoções na formação da personalidade, também as considerava como distintas e até mesmo antagônicas à inteligência. Para ele, o “cavaleiro” racional, o ego, retém as rédeas do “cavalo” passional, a libido. Devido a essa dicotomia, nossa cultura apresenta um imenso investimento intelectual e institucional, de longa data, na noção de que razão e emoção são entidades distintas, irreconciliáveis, e que, em uma sociedade civilizada, deve prevalecer a primeira.
Mas onde “nascem” e ficam armazenadas as nossas emoções? Em
que parte do encéfalo situa-se tão sublime capacidade? O sistema límbico102
é responsável em dotar o homem de emoção, de sentimentos. Através de
102 A expressão Sistema Límbico foi cunhada por Paul MacLean em 1952. MacLean inspirou-se na expressão originária de Broca, criada em 1878, “lobo límbico”. Do latim limbus, que significa “orla”, “borda”, foi utilizada em decorrência do sistema límbico localizar-se em região fronteira ao Neocórtex.
uma conexão, neuronal liga-se ao córtex frontal, local onde as emoções
são registradas. Carter (2003, p. 55-56) afirma que:
Os módulos que se aninham debaixo do corpo caloso são geralmente conhecidos como o sistema límbico. Essa área é mais antiga que o córtex em termos evolutivos, sendo também conhecida como cérebro mamífero, pois acredita-se que tenha emergido pela primeira vez nos mamíferos. Essa parte do cérebro – e áreas mais antigas deles – é inconsciente, mas tem um profundo efeito sobre nossa experiência, pois está densamente conectada ao córtex consciente acima dela e alimenta constantemente informações para cima.
As emoções são geradas no sistema límbico, juntamente com muitos dos apetites e impulsos que fazem com que nos comportemos de uma maneira que (geralmente) nos ajudam a sobreviver. Mas os módulos límbicos têm muitas outras funções: o tálamo é uma espécie de estação de comutação, direcionando as informações que chegam à parte adequada do cérebro para processamento posterior. Debaixo dele, o hipotálamo [...] é essencial para armazenar memória de longo prazo. A amígdala, na frente do hipocampo, é o local onde é registrado e gerado o medo.
Descendo ainda mais, você chega ao tronco cerebral. [...] é formado dos nervos que sobem pelo corpo via coluna vertebral e conduz informações do corpo para o cérebro. Várias massas compactas de células do tronco cerebral determinam o nível geral de vigilância do cérebro e regulam os processos vegetativos do corpo, como a respiração, os batimentos cardíacos e a pressão arterial.
Além da amígdala (local onde as emoções são registradas) e do
hipotálamo, outras estruturas compõem o sistema límbico, conforme mostra
a Figura 48:
Figura 48 - Sistema límbico. Fonte: Machado, p. 32.
Para Machado (1997, p. 33) o sistema límbico:
compreende o lobo límbico e as estruturas corticais com ele relacionadas. A seguir, mostramos uma relação de estruturas cerebrais cuja inclusão no sistema límbico é aceita pela maioria dos autores: a) giro do cíngulo. “Cingulo” vem do latim “cingulum”, que significa “cintura”, “o que cerca”, “o que rodeia ou forma círculo”. O giro do cíngulo tem recebido terminologia variada como orla de Foville, circunvolução do corpo caloso, girus fornicatus (isto é, “giro abobadado”), giro cingulado, giro caloso marginal. [...] b) istmo do giro do cíngulo (Isthmus gyri cinguli) (“istmo” é uma entrada estreita, e este é o lugar mais estreito entre o giro do cíngulo e o giro parahipocampal); c) – giro parahipocampal. “Giro” é “volta” e “parahipocampal” vem do hipocampo [...] e o prefixo grego “para”, que significa “de...lados”, “junto de”, “ao longo de”, “ao lado de”; d) – hipocampo, que vem do grego hippókampos, “cabalo-lagarta”, “cavalo-marinho”. Esta estrutura cerebral recebe seu nome em virtude da forma que lembra um cavalo marinho; e) – hipotálamo, do grego hypó, “sob” e thálamus, “leito nupcial”, “quarto de dormir”, recebe este nome em virtude de sua localização. O hipotálamo regula a função hormonal; f) – tálamo [...] assim denominado pela semelhança a uma câmara, a um quarto. Do tálamo somente os núcleos anteriores fazem parte do sistema límbico. O tálamo é um ponto de encontro que junta muitos centros cerebrais uns aos outros e serve como modulador de sensações, movimentos, emoções e comportamento; g) epitálamo (do grego epi, “sobre” e thálamos, já visto), exceto a parte endócrina; h) – área septal. O septo, do latim septum, “cerca”, pois “septo” é a parede (membrana ou outro tecido que separa duas cavidades) considerada como sendo a parte mais rostral da formação reticular. “Rostral” refere-se a “rostro”, isto é, saliência em forma de bico ou apêndice de um corpo; e i) – corpo amigdalóide (do grego amyddále, amêndoa e eidos, forma).
O importante nesse sistema são as relações que envolvem as
partes que o compõem, possibilitando uma rede de comunicações. Porém,
mesmo regulando nossas emoções, não é “senhor absoluto” responsável
pelas nossas reações emocionais, conforme Carter (2003, p. 159),
O sistema límbico, [...], não tem soberania sobre nossas reações emocionais. O tráfego emocional entre ele e o córtex é de mão dupla. Assim como os impulsos vindos de baixo moldam nossos pensamentos e comportamentos conscientes, também a maneira como pensamos e nos comportamos pode afetar as reações do cérebro inconsciente. Mas existem mais conexões subindo, do sistema límbico ao córtex, do que aquelas caminhando na outra direção [...] .
O que exatamente é essa coisa que nos informa tão completamente? Pensamos na emoção como sentimento, mas a palavra é enganosa porque descreve apenas metade da fera – a metade que, de fato, sentimos. Essencialmente, as emoções não são de fato sentimentos, mas um conjunto de mecanismos de sobrevivência enraizados no corpo, que evoluíram no sentido de nos
afastar do perigo e nos impulsionar na direção de coisas que podem trazer benefícios. O comportamento mental – o sentimento – é
apenas um sofisticação do mecanismo básico. [...] As emoções humanas são parecidas com as cores: parece haver
um punhado de cores primárias e uma maior gama de preparações mais complexas criadas pela mistura de cores primárias. Vários pesquisadores afirmam ter identificado as emoções primárias, geralmente como aversão, medo, raiva e amor parental. São as respostas que parecem ser exibidas por praticamente todas as coisas vivas de qualquer complexidade. As emoções primárias não exigem consciência – podem precipitar a ação de uma pessoa para fugir ou avançar na completa ausência de sua vontade consciente. Às vezes, [...] o resultado pode ser catastrófico.
As emoções complexas, por outro lado, são constructos cognitivos sofisticados aos quais se chega somente depois de considerável processamento pela mente consciente e uma elaborada troca de informações entre as áreas corticais conscientes do cérebro e o sistema límbico abaixo.[...]
As percepções isoladas que ocasionam emoções são registradas conscientemente no córtex, onde são juntadas em um único conceito multifacetado. Mas isso, por si só, não garante emoção. Desde que seja uma junção puramente cognitiva, será mero conhecimento. [...]
Uma vez que a mente consciente tiver percebido que a situação pede uma certa reação emocional, ela enviará sinais pela linha até o sistema límbico – efetivamente exigindo que seja tomada a medida adequada. O sistema límbico atende ao pedido da maneira habitual – envia mensagens ao corpo (via o hipotálamo) para que faça certas alterações. Os neurotransmissores são liberados e inibidos; os hormônios são bombeados; os processos vitais, como os batimentos do coração e a pressão arterial, são alterados. As alterações são então monitorados pelo hipotálamo e a mensagem volta correndo até o córtex: “Temos emoção”.
A soma entre RAZÃO + EMOÇÃO possibilita a formação do ser
humano. Já as máquinas não possuem (e talvez nunca consigam!) emoção.
Têm, no entanto, um repertório grande de dados sem significado expresso,
como acontece com o ser humano. E, mesmo àquelas que “conseguem”
aprender, ainda que de maneira embrionária, falta uma faculdade
possibilitada apenas ao homem: o bom senso e a responsabilidade da
escolha. Numa situação de risco, por exemplo, um robô não conseguiria
definir que ação deveria ser implementada para resolver a situação. Trefil
(1999, p. 121) diz que “uma função intelectual humana extremamente difícil
de reproduzir em uma máquina (ou, a propósito, de entender) é o salto
intuitivo – a inspiração repentina que lhe permite ‘perceber’. Há muitos
problemas cuja solução depende desse tipo de inspiração”. Mesmo que se
possa equipar uma máquina com um grande repertório de informações (um
robô), ainda assim seria impossível a capacidade de aprendizagem total, uma
vez que não bastam as informações, mas sim as relações que se fazem entre
elas. Os dados não seriam suficientes para possibilitar um diálogo, muito
menos para soluções adequadas. Um determinado conhecimento leva a
outro conhecimento, multiplicando-se como se fosse uma grande árvore
frondosa, cheia de galhos. Utilizarei a palavra aniversário para exemplificar a
formação de uma rede de conhecimentos. Para mim, a palavra aniversário
assume um determinado significado, de acordo com a minha história de
vida, e para uma outra pessoa, assume um significado completamente
diferente, de acordo com sua história, ou mesmo de acordo com a cultura
que permeia a sociedade onde vive. Eis o que o meu cérebro processa :
ANIVERSÁRIO Festa
Salgados
Doces
Bebidas
Bolo
Velas
Família
Pai
Mãe
Irmãos
Cunhados
Sobrinhos
Marido/Mulher
Filhos
Outros parentes
Sentimentos
Alegria
Tristeza
Amigos
Presentes Viagem
Brinquedos
Diversos tipos
Alcóolicas
Não alcóolicas
Livros
CD’ s
Brasil
Exterior Roupas Carro Marcas?
Eletrônicos?
Tipos de música
DVD Show
Filme
E essa “árvore” continuaria crescendo à medida que fosse fazendo
relações de significados. E esses significados não podem ser atribuídos pelas
máquinas porque variam de pessoa para pessoa. E a aprendizagem só pode
acontecer quando existe uma rede de significados construída e com a
interação com o outro. Solé (1997, p. 31) explica essa significação:
Quando falamos de atribuir significado, falamos de um processo que nos mobiliza em nível cognitivo, e que nos leva a revisar e a recrutar nossos esquemas de conhecimento para dar conta de uma nova situação, tarefa ou conteúdo de aprendizagem. Essa mobilização não acaba nisso, mas, em função do contraste entre o dado e o novo, os esquemas recrutados podem sofrer modificações, de leves a drásticas, com o estabelecimento de novos esquemas, conexões e relações em nossa estrutura cognoscitiva.
Muitas vezes, ao lermos sobre o cérebro e sobre computadores,
encontramos uma metáfora relacionando o cérebro a uma máquina em
funcionamento e, principalmente, ao computador. Santaella (1997, p. 34)
atribui esse comportamento às funções possibilitadas pela máquina e à
forma autônoma como funcionam. Diz a autora:
Definir o que são máquinas não é simples. Num sentido muito amplo, a palavra se refere a uma estrutura material ou imaterial, aplicando-se a qualquer construção ou organização cujas partes estão de tal modo conectadas e interrelacionadas que, ao serem colocadas em movimento, o trabalho é realizado como uma unidade. É nesse sentido que se pode comparar o corpo ou o cérebro humanos a máquinas.
Alguns cientistas, no entanto, não concordam com a analogia entre
o cérebro humano e o computador. Ratey (2002, p. 13) é um deles:
O cérebro não se parece em nada com os computadores pessoais que projetou, pois ele não processa a informação nem constrói imagens manipulando fileiras de dígitos como zeros e uns. Pelo contrário, o cérebro é predominantemente composto de mapas, de conjuntos de neurônios que, ao que tudo indica, representam objetos inteiros de percepção ou cognição ou, pelo menos, qualidades sensoriais ou cognitivas integrais desses objetos, tais como textura, cor, credibilidade ou velocidade. A maioria das funções cognitivas envolve a interação simultânea de mapas provenientes de muitas e diferentes partes do cérebro: é a ruína dos cientistas cognitivos o fato de as bananas não estarem localizadas numa só estrutura do cérebro. O
cérebro reúne percepções pela interação simultânea de conceitos inteiros, de imagens inteiras. Em vez de usar a lógica predicativa de um microchip, o cérebro é um processador analógico, o que significa, essencialmente, que ele funciona por analogia e metáfora. Relaciona conceitos completos uns com os outros e procura estabelecer as semelhanças, diferenças ou tipos de ligações existentes entre eles. Não procede à montagem de pensamentos e sentimentos a partir de pequenos fragmentos de dados.
Já Zohar e Marshall (2000) acreditam que os computadores podem
simular determinados tipos de pensamento, mesmo sendo o cérebro humano
mais complexo do que o computador. Para eles, a copilação de pensamentos
seriais e associativos podem ser realizados de maneira uniforme pelo
computador, uma vez que dependem exclusivamente de uma lógica linear,
racional, baseada em regras e reconhecedor de padrões. O que o computador
não pode simular, no entanto, é a capacidade de criar. Além de Zohar e
Marshall, estudiosos como Gardner e Goleman discutem a possibilidade de o
homem possuir mais de uma inteligência. Gardner, através de sua Teoria
das Múltiplas Inteligências, propõe a existência de sete inteligências,
definidas por ele como:
A inteligência lingüística é o tipo de capacidade exibida em sua forma mais completa, talvez pelos poetas. A inteligência lógico-matemática, como o nome implica, é a capacidade lógica e matemática, assim como a capacidade científica. Jean Piaget, o grande psicólogo do desenvolvimento, pensou que estava estudando toda a inteligência, mas eu acredito que ele estava estudando o desenvolvimento da inteligência lógico-matemática. Embora eu cite primeiro as inteligências lingüística e lógico–matemática, não é porque as julgue as mais importantes – de fato, estou convencido de que todas as sete inteligências têm igual direito à prioridade. Em nossa sociedade, entretanto, nós colocamos as inteligências lingüística e lógico-matemática, figurativamente falando, num pedestal. Grande parte de nossa testagem está baseada nessa alta valorização das capacidades verbais e matemáticas. Se você se sai bem em linguagem e lógica, deverá sair-se bem em testes de QI e SATs, e é provável que entre numa universidade de prestígio, mas o fato de sair-se bem depois de concluir a faculdade provavelmente dependerá igualmente da extensão em que você possuir e utilizar as outras inteligências, e é a essas que desejo dar igual atenção.
A inteligência espacial é a capacidade de formar um modelo mental de um mundo espacial e de ser capaz de manobrar e operar utilizando esse modelo.[...] A inteligência musical é a quarta categoria de capacidade identificada por nós [...] A inteligência
corporal-cinestésica é a capacidade de resolver problemas ou de elaborar produtos utilizando o corpo inteiro , ou partes do corpo.[...] Finalmente, eu proponho duas formas de inteligência pessoal – não muito bem compreendidas, difíceis de estuda r, mas imensamente importantes. A inteligência interpessoal é a capacidade de compreender outras pessoas: o que as motiva, como elas trabalham, como trabalhar cooperativamente com elas. [...] A inteligência intrapessoal, um sétimo tipo de inteligência, é a capacidade correlativa, voltada para dentro. É a capacidade de formar um modelo acurado e verídico de si mesmo e de utilizar esse modelo para operar efetivamente na vida.(GARDNER, 1995, p. 15-16)
Gardner advoga que essas inteligências agem, na maior parte dos
homens – com raras exceções –, de maneira conjunta, possibilitando a sua
produção intelectual final. O que ele busca mostrar, prioritariamente,
através do seu estudo, é a pluralidade existente no intelecto, e não um tipo
único, monolítico. Baseado nos estudos apresentados por Gardner,
Golemam procura provar que não só a razão (QI) é responsável pelos nossos
atos, mas a emoção também influencia de maneira direta às nossas
respostas e possui um imenso poder sobre as pessoas. Os seus estudos
levaram-no a conceber a existência de uma Inteligência Emocional, que é
responsável por uma resposta “equilibrada” a situações vivenciadas. O
controle das emoções é fundamental, segundo o cientista, para o sucesso do
indivíduo, ou melhor, para formação da sua inteligência. Para Goleman
(1995, p. 56) “o QI e a inteligência emocional não são capacidades opostas,
mas distintas. Todos nós misturamos acuidade intelectual e emocional”.
Mas a palavra INTELIGÊNCIA suscita várias discussões e
polêmicas. Alguns estudiosos advogam a causa de que ela possa ser medida
através de testes de acuidade verbal e raciocínio lógico-matemático. Na sua
fala, acima citada, Gardner referencia testes de QI e SATs. Os SATs
(Scholastic Aptitude Tests) são testes de aptidão exigidos para ingresso em
universidades americanas. O testes de QI (Quociente Intelectual) foram
propostos pelo psicólogo francês Alfred Binet103.
Os testes de inteligência ainda hoje causam polêmicas uma vez que
se discute o que se pode medir e como é realizada essa medição e,
principalmente, que valor esses testes possuem. Prova dessa polêmica pode
ser confirmada com a discussão imposta pelo livro The Bell Curve (A Curva
do Sino) escrito pelo americanos Charles Murray (psicólogo) e Richard
Hernstein (sociólogo) que sustenta a idéia da superioridade entre raças (a
branca superior à negra)104.
Discussões referentes a como aprendemos também mobilizam os
ientistas que estudam o cérebro. Hoje já é verdadeira a afirmação de que
cada ser humano possui uma forma diferente de aprender. Antunes
(informação verbal)105 afirma que seis ações são definidoras para o processo
de aprendizagem: a memória, a emoção, a linguagem, a atenção, a motivação
e a ação. Já Carbó apresenta cinco fatores (pré-requisitos) segundo os quais
os alunos podem desenvolver a capacidade intelectual, adquirir
aprendizagens e um nível maturacional em suas atitudes. Os pré-
requisitos a que se refere são: atenção, percepção, organização espaço-
temporal, memória e domínio motor manual. Para a referida autora (1996, p.
13):
103A diferença entre os resultados obtidos por crianças no século passado, levou o psicólogo francês Alfred Binet a estudar o fato. “Perguntava-se ele que fatores estariam provocando tão grande número de reprovações entre os estudantes franceses. Tais fracassos não podiam ser interpretados todos da mesma forma, e isso fez com que Binet procurasse determinar em que medida ocorriam diferenças. Não bastava dividir as crianças em dois grupos extremos: aquelas que progrediam na escola e eram, portanto, normais, e aos que fracassavam e podiam ser consideradas deficientes. Isso porque, segundo constatou, a aptidão intelectual varia em escalas diversas, que abrangem desde os poucos dotados até os bem dotados e mesmo brilhantes. A partir dessa concepção, Binet estabeleceu uma série de quesitos que iriam compor uma escala de avaliação, através da qual os diferentes graus de aptidão individual para o aprendizado pudessem ser comparados. A possibilidade de medir e quantificar essas diferenças abriu caminho ao aparecimento dos primeiros testes mentais, cujo aspecto mais importante foi o de estimular adequadamente o aprendizado, na justa e exata medida em que os diversos graus de inteligência pudessem suportar os ensinamentos e assimilá-los”. (Enciclopédia Medicina e Saúde, vol. 9, p. 2176. São Paulo: Abril Cultural) 104 Os autores aplicaram testes de inteligência a indivíduos de raças diferentes e cruzaram, estatísticamente, os resultados obtidos nos testes. 105 Palestra proferida pelo prof Celso Antunes em 22 de setembro de 2003, promovida pela Lego Dacta.
La educación de estos factores sensorio-perceptivo-motrizes, estimulados a lo largo de toda la escolarización posibilita no sólo su desarrollo sino también el que constituyan una base sólida donde se apoye todo el proceso educativo tanto de los factores cognitivos: lenguaje, razonamiento, como de la propia personalidad del niño106.
A autora propõe (1996, p. 12-13):
ATENCIÓN: para poder seleccionar los estímulos e información que recibimos del exterior en función de las necessidades e intereses. PERCEPCIÓN: a fin de poder captar y analizar los estímulos seleccionados. ORGANIZACIÓN ESPACIO-TEMPORAL: para estruturar no sólo el espacio que nos rodea y el tiempo en el que suceden los hechos y acciones sino también como base para una estructuración del próprio sujeto en su globalidad: afectiva, cognitiva y motriz. MEMORIA: a fin de poder almacanar cuanta información se vaya captando, y recuperaria cuando se requiera ya sea a corto o a largo plazo. DOMINIO MOTRIZ MANUAL: como factor necesario y condicionante de la mayoría de las repuestas no verbales, que debe realizar el sujeito durante su vida ya sea en el ambito escolar o profesional107.
Para Squire e Kandel (2003, p. 14) “a memória é o processo pelo
qual aquilo que é aprendido persiste ao longo do tempo. Neste sentido, o
aprendizado e a memória estão conectados de forma inextricável”. Os
autores afirmam que:
a maior parte daquilo que sabemos sobre o mundo não foi construída em nosso encéfalo ao nascer, mas foi adquirida por meio da experiência e mantida pela memória – o nome e o rosto de nossos amigos e das pessoas que amamos, álgebra e geografia, política e esportes, assim como a música de Haydn, Mozart e Bethoven. Como resultado, somos quem somos em grande parte porque aprendemos e lembramos. A memória, porém, não é apenas um registro de experiências pessoais: ela permite que recebamos instrução e é uma poderosa força para o progresso social. Os seres humanos tem a capacidade única de comunicar para outros aquilo que aprenderam, e, assim, podem criar culturas que podem ser transmitidas de geração em geração.
106 A educação destes fatores sensorio-perceptivo-motor, estimulados ao longo de toda a escolarização possibilita não só o desenvolvimento mas também o que constitui uma base sólida onde se apoia todo o processo educativo tanto dos fatores cognitivos: linguagem, razão, raciocínio, como da própria personalidade do aluno (Tradução da pesquisadora). 107 Atenção: para poder selecionar os estímulos e informações que recebemos do exterior em função das necessidades e interesses. Percepção: a fim de poder captar e analisar os estímulos selecionados. Organização espaço-temporal: para estruturar não só o espaço que nos rodeia e o tempo em que se sucedem os feitos e ações mas também como base para uma estruturação do próprio sujeito em sua globalidade: afetiva, cognitiva e motora. Memória: a fim de poder armazenar quanta informação se vá captando e recuperá-la quando se queira seja a curto ou longo prazo. Domínio motor manual: como fator necessário e condicionante da maioria das respostas não verbais que deve realizar o sujeito durante sua vida seja no ambiente escolar ou profissional.
O primeiro psicólogo a realizar estudos experimentais sobre a
memória foi Hermann Ebbinghaus (1850-1909). Através de seus estudos
descobriu que as memórias apresentam diferentes tempos de duração e que
a repetição de exercícios possibilitam a duração mais longa das memórias.
Geor Müller e Alfons Pilzecker inferiram que a memória de pouca duração,
com o passar do tempo, consolida-se. A partir desses dados, William James
(filósofo americano) distinguiu claramente as memórias de curta e de longa
duração. Disse ele (citado por Squire e Kandel, 2003, 16):
Memórias de curta duração [...] duram de segundos a minutos e são essencialmente uma extensão do momento presente, como quando alguém lê um número de telefone e, então, o mantém na mente por alguns instantes. Ao contrário, a memória de longa duração pode resistir durante semanas, meses ou por toda uma vida, e seu acesso dá-se mediante uma consulta ao passado.
A memória é imprescindível ao processo de aprendizagem,
principalmente no que se refere aos conhecimentos prévios, conhecimentos
estes entendidos na perspectiva de Miras (1997, p. 60) como:
entendemos que a aprendizagem de um novo conteúdo é, em última instância, produto de uma atividade mental construtivista realizada pelo aluno, atividade mediante a qual constrói e incorpora à sua estrutura mental os significados e representações relativos ao novo conteúdo. Pois bem, essa atividade mental construtiva não pode ser realizada no vácuo, partindo do nada. A possibilidade de construir um novo significado, de assimilar um novo conteúdo, em suma, a possibilidade de aprender, passa necessariamente pela possibilidade de ‘entrar em contato’ com o novo conhecimento.
Em decorrência do desenvolvimento do encéfalo, o homem
“dominou o mundo”, é capaz de sentir e transmitir seus sentimentos, de
pensar em símbolos abstratos como a matemática e a linguagem e de
aprender e acumular informações, transmitindo-as ao longo das gerações.
Mas para aprender, algumas áreas cerebrais assumem mais importância do
que outras. Squire e Kandel (2003, p. 14) explicam que
podemos adquirir novos conhecimentos acerca do mundo porque as experiências pelas quais passamos modificam nossos encéfalos e, uma vez que aprendemos, é possível mantermos o novo conhecimento em nossa memória por um tempo bastante longo, pois alguns aspectos dessas modificações persistem em nosso encéfalo. Posteriormente, podemos atuar sobre o conhecimento armazenado na memória, agindo e pensando de novas maneiras.
O que o cérebro tem a ver diretamente com a aprendizagem através
da Robótica Pedagógica? Será que se fizéssemos um estudo utilizando as
técnicas de imageamento cerebral não nos surpreenderíamos ao perceber
que diversas áreas são iluminadas à medida que os alunos discutem,
planejam, constróem e programam seus modelos? Pesquisas realizadas por
Marian Diamond, em 1963, demonstram a possibilidade de os neurônios
cerebrais interligados, crescerem e se ramificarem a partir de estímulos
mentais, físicos e sensoriais recebidos de maneira apropriada. A pesquisa
mostrou, também, a não existência de idade para que esse processo ocorra.
Apesar de ser mais fácil acontecer na infância, ainda na idade adulta os
neurônios podem se desenvolver. Diamond (2000, p. 13) aponta que:
A mente da criança está repleta de mágicos, bruxas, fadas madrinhas, varas de condão, escudos, pôneis e sapos mágicos. Dando vida a essas imagens mágicas, invocando-as, estão as células nervosas, como em um emaranhado de árvores e galhos, que se ligam a milhões, bilhões de pontos de contato e convergem para uma rede de consciência viva. Correntes eletroquímicas sussurram através desse campo de neurônios, assim como o vento balança o matagal sombrio. E desse balançar, nascem nossas faculdades mentais: a produção de imagens, pensamentos, palavras, sentimentos, música e a própria crença em gênios e sapos mágicos. Nos anos 90, os pesquisadores fizeram grandes avanços no sentido de compreender o desenvolvimento e o crescimento do cérebro infantil e de como ele produz as habilidades humanas. Ao mesmo tempo, descobriram meios de aumentar a inteligência, estimulando o crescimento do cérebro durante sua fase mais ativa. No passado, via-se o cérebro da criança como algo estático e imutável. Nos dias de hoje, especialistas o vêem como um órgão altamente dinâmico, que é alimentado por estímulos e experiências e responde por meio do surgimento de florestas de neurônios. Essa descoberta nos permite ajudar nossas crianças a alcançarem um desenvolvimento mental pleno e sadio.
Em experiências realizadas com ratos, Diamond demonstrou que
ratos criados em gaiolas com brinquedos e ricas em oportunidade, possuíam
mais neurônios do que ratos criados em ambientes empobrecidos. De posse
dos resultados desses experimentos, concluiu que os seres humanos
também podem ter um aumento significativo de ramificações neuronais
quando têm os cérebros estimulados. Diamond (2000, p. 14) coloca que:
A camada exterior do cérebro pode crescer se uma pessoa ou um animal viver em um ambiente estimulante, mas essa mesma camada pode se atrofiar em um ambiente monótono e pouco desafiador. As conseqüências das descobertas são tão profundas e podem variar desde detalhes moleculares – como, por exemplo, seriam ativadas e afinadas as células nervosas que permitem uma criança escutar e enxergar – até questões sociais e familiares amplas – como, por exemplo, o melhor modo de educarmos as crianças em uma época em que as habilidades diminuem e a tecnologia aumenta.
A Robótica Pedagógica, ao meu ver, é um forte aliado ao ambiente
estimulado e rico de experiências capazes de promover o aprendizado.
APÊNDICE B – Brinquedos Eletrônicos
O Genius é um jogo de memória. Apresenta 3 possibilidades
diferentes (Genius comanda, o jogador inventa e escolha a sua cor). E quatro
níveis de habilidades. Traz na sua apresentação a mensagem:
Eu sou um computador programado para brincar com você. Mas, não tente blefar comigo. Sou espertinho e tenho milhares de seqüências e combinações diferentes para desafiar o seu poder de concentração num jogo para uma, duas ou mais pessoas. Tenho 4 níveis de habilidade que você pode tentar alcançar. Se você tiver dúvidas, eu repetirei a última seqüência ou a seqüência mais longa do nosso jogo.
O Ir-V é considerado o primeiro robô interativo com a Internet.
Figura 49 – Brinquedo Genius
Quando ligado, testa os circuitos e solicita que o seu dono coloque
o dedo numa espécie de scaner e digite um código secreto de identificação.
Ir-v dança, canta, conta piadas, diz curiosidades, possui dados de
enciclopédias, jogos e interage com a Internet. Propõe aventuras on-line,
jogos e atividades, músicas e movimentos. Possui site próprio
(http://www.ir-vonline.com) através do qual recebe informações e pode ser
consertado, caso apresente algum defeito. Utiliza tecnologia Wireless
Interaction Tecnology (W.I.T), tecnologia de interatividade sem fios, que
possibilita receber informações imediatas através do seu site, bastando para
isso ser colocado frente ao computador quando conectado. Na sua tela de
display de cristal líquido aparecem informações importantes como o seu
estado de humor, relógio (mostra o tempo real) indica problema elétrico,
monitor quebrado... Quando acorda, desperta o seu dono com uma frase
famosa: “Ei, tem alguém aí?” Dessa forma, ele anuncia que quer brincar.
O Cyber combate é um brinquedo composto de dois robôs que
brigam entre si, recomendado para crianças acima de cinco anos. Quando
um deles recebe quatro golpes diretos, é desativado. Caminham e giram o
Figura 50 – Robô interativo Ir-v
corpo. Além do receptor infra-vermelho, possui motores para executarem os
movimentos de virar o corpo e mexer os braços. Funcionam com controles
remotos infra-vermelhos (sem fio).
O Acrobat Robot funciona com controle remoto sem fio (tipo
joystic). Mexe o corpo, movimenta as pernas (anda para frente) e os braços.
Toca música ao se movimentar.
Figura 51 – Cyber combate
Figura 52 – Acrobat Robot
O Space robot é um robô pequeno que se movimenta de acordo com
a música tocada. Mexe os olhos, acende as luzes. O Talking robot grava as
frases ditas pelo dono, repetindo-as.
O Roger Robot funciona através de controle remoto (com fio). Anda
para frente e para traz, acende os olhos, abre os braços e pode carregar
objetos.
Figura 53 – Talking robô e Space robot
Figura 54 – Roger Robot
O Rad anda para frente, curva o corpo, abre e fecha os braços,
carrega uma bandeja própria para transportar objetos. Possui em seu corpo,
à altura do peito, um compartimento com três balas que podem ser atiradas.
Funciona através de um controle remoto sem fio. A sua bateria é
recarregável.
O Wuvluvs é um bichinho de pelúcia que fala, canta, sorrir e
simula uma gestação, possibilitando o nascimento de um bebê. Possui
sensores de toque e movimento. Diz as seguintes frases (em seqüência igual):
gosto muito de você; oh, lelé, oh, lalá, hum, hum, tra-la-lá; gosto de abraço;
beijinho (simula o som e um beijo); quer brincar?; feliz...feliz...; hora da
papinha; muito bem!; hora de nanar; quer papar?; amorzinho, tá soninho...;
gosto muito de você. Em determinados momentos, só suspira. Na primeira
vez em que é ligado, após cinco minutos de brincadeira, nasce o bebê (é
possível religar – reset – para que nasça novamente). O bebê está guardado
Figura 55 – Rad Robot
dentro de um ovo plástico na barriga da mãe. Logo ao nascer, recebe um
nome escolhido pela mãe. Para ter interação com a mãe é necessário colocar
o bebê frente a mesma. Comunicam-se através de um sinal de luz emitido
pelas antenas. Além de simularem uma conversa, cantam juntos as músicas
“Atirei o pau no gato” e “pirulito que bate-bate”. Vem acompanhado de uma
certidão de nascimento para que a criança registre o nascimento do bebê.
O Petzi é um bicho de pelúcia falante que interage com seu dono
ensinando letras, números, cores e formas; seqüência de contagem; tempo;
fala, balança o corpo, o coração bate, beija, ri, boceja, ronca, espirra.
Funciona com controle remoto sem fio. Possui, ainda, um piano de oito
teclas e 18 diferentes canções.
Figura 56 – Wuvluvs
O Furby baby é um bichinho de pelúcia que precisa ser cuidado.
Ao ser ligado se apresenta dizendo o nome. Pede que o dono diga se é “papai”
ou “mamãe”. Vem com uma linguagem furbish (acompanhado de um
dicionário) e na “convivência” com o seu dono aprende a falar português.
Pede carinho, diz que está com fome, diz que está doente. Sobre a sua
personalidade o manual de instrução coloca:
Eu falo Furbish, uma língua mágica comum a todos os Furbys. Quando nos conhecermos será a língua que eu falo. Para te ajudar a compreender o que é que eu digo, usa o dicionário que vem comigo dentro da embalagem. Eu gosto que me peguem no colo, que me façam festas e cócegas, e, como todos os bebês, gosto de ser embalado. Sempre que fizeres estas coisas, eu falo e faço barulhos engraçados. É fácil aprenderes a falar Furbish. A certa altura, aprenderei a falar a tua língua além do Furbish. Quanto mais brincares comigo, mas usarei a tua língua. Eu atravesso duas fases de desenvolvimento. A primeira é quando me conheces. Sou brincalhão e quero conhecer-te. Também te ajudo a tomar conta de mim. A minha segunda fase de desenvolvimento é quando começo a falar a tua língua, mas ainda falo um pouco de Furbish. Nesta altura, já nos conheceremos muito bem.
Figura 57 - Petzi
O Web.estrela é um urso interativo. Ele conta histórias que podem
ser renovadas através do seu site na Internet. Na versão anterior, vinha
acompanhado de fitas cassetes, cada uma com uma história diferente. Para
ouvi-las bastava que o dono trocasse as fitas. Já o Web permite que seu
dono escolha entre dois caminhos diferentes para a história. É conectado ao
computador através de um cabo e necessário a instalação de um programa
especifico para fazer o dowload de novas histórias e brincadeiras no site da
Estrela (www.estrela.com.br).
Figura 58- Furbys
Figura 59 – Ursos contadores de histórias (1a e 2a versões).
Os cyber animais apenas se movimentam (andam em uma
direção), acendem luzes nos olhos e fazem um barulho como se estivessem
imitando vozes de animais. Funcionam através de um controle remoto com
fio.
O Poo-chi (The Interactive dog) e o Poo-chi friends (buldog) são dois
animais interativos da estrela Eles demonstram emoções através dos olhos e
abanando as orelhas. Através de tecnologia avançada, eles agem de acordo
como o dono brinca com eles. Eles podem se comunicar entre si, se
colocados frente à frente. A depender da forma como o dono brinca, ele pode
expressar o “seu carinho” através de músicas. Possuem três sensores: toque,
som e luz.
Figura 61 - Poo-chi (The Interactive dog) e o Poo-chi friends (buldog).
Figura 60 – Cyber animais
O super Poo-chi é um cachorro interativo com capacidade de
“aprender”. Além das funções dos seus “irmãos” acima apresentados, ele
aprende a reconhecer a voz do dono e a obedecer aos seus comandos. De
acordo com seu manual de instrução, o cachorro apresenta três estágios de
nutrição: bebê, filhote e adulto. No primeiro estágio (bebê) ele não entende
muito bem os comandos de voz do seu dono; não consegue ficar de pé muito
tempo e canta apenas uma canção. Quando filhote, aprende a fazer truques
através do comando de voz do seu dono. A depender do treinamento dado
pelo dono, pode se tornar um cão adulto preguiçoso, fiel ou talentoso
Interage com Poo-chi (The Interactive dog) e o Poo-chi friends (buldog).
O Rock Climber é um boneco escalador super interessante..
Funciona através de um controle remoto. Vem acompanhado de uma
superficie rugosa a ser presa em lugares altos (preferencialmente uma
porta). Além da destreza e coordenação motora, desenvolve o equilíbrio.
Figura 62 - Super Poo-chi
Yano é um velho contador de histórias. Vem acompanhado de
cartões interativos com histórias diferentes. Possibilita ao seu dono escolher,
a todo momento, o rumo da história. Além disso, possui uma espécie de
bússola mágica, na sua barriga, que oferece desejos a serem realizados.
Figura 63 – Rock Climber
Figura 64 - Yano
ANEXO A - TABELAS
Tabela 1 – Atividades preferidas pelos alunos no Projeto de Integração Curricular.
Séries Atividades/Recursos 1a 2a 3a 4a
Total %
Desenho 2 2 0,9 Brinquedo: peças e blocos para montar/Lego 10 4 25 21 60 28,3 Computador (lições, editor de texto/Internet) 11 22 10 17 60 28,3 Livro 3 4 7 3,3 Massa de modelar 1 1 2 0,9 Pesquisa 3 13 3 27 46 21,7 Som Vídeo 1 2 6 2 11 5,2 Todas as atividades 6 4 12 2 24 11,3
Total 35 47 61 69 212 100 Fonte: SANTANA, 1999, p. 61. Tabela 2 – Preferência demonstrada pelos alunos da 5a série 2001 pela disciplina Robótica Pedagógica.
Ordem de colocação da disciplina Freqüência Percentual
Primeiro 12 15,8 Segundo 18 23,7 Terceiro 14 18,4 Quarto 8 10,5 Quinto 4 5,3 Sexto 3 3,9 Sétimo 3 3,9 Oitavo 4 5,3 Nono 4 5,3 Décimo 6 7,9
Total 76 100 Tabela 3 – Preferência demonstrada pelos alunos da 5a série 2001 pela disciplina SOE.
Ordem de colocação da disciplina Freqüência Percentual
Primeiro 36 47,4 Segundo 19 25 Terceiro 11 14,5 Quarto 4 5,3 Quinto 3 3,9 Sexto 1 1,3 Sétimo Oitavo 1 1,3 Nono 1 1,3 Décimo
Total 76 100
Tabela 4 - Posição do Brasil em número de hosts (2003).
País Janeiro/2003 10 Estados Unidos* 120.571.516 20 Japão (.jp) 9.260.117 30 Itália (.it) 3.864.315 40 Canadá (.ca) 2.993.982 50 Alemanha (.de) 2.891.407 60 Reino Unido (.uk) 2.583.753 70 Austrália (.au) 2.564.339 80 Holanda (.nl) 2.415.289 90 Brasil (.br) 2.237.527 100 Taiwan (.tw) 2.170.233 11o França (.fr) 2.157.628 120 Espanha (.es) 1.694.601 130 Suécia (.se) 1.209.266 14o Dinamarca (.dk 1.154.053 15o Filândia (.fi) 1.140.838 160 México (.mx) 1.107.795 17o Bélgica (.be) 1.052.706 18o Polônia (.pl) 843.475 19o Áustria (.at) 838.026 200 Suíça (.ch) 723.243 21o Noruega (.no) 589.621 22o Argentina (.ar) 495.920 23o Rússia (.ru) 477.380 24o Nova Zelãndia (.nz) 432.957 25o Coreia (.kr) 407.318 Fonte: Comitê Gestor da Internet no Brasil. Disponível em <www.cg.org.br/indicadores/brasil-mundo.htm>. Acesso em 25 março 2003.
Tabela 5 - Canais de TV mais assistidos
Canal de TV Freqüência Percentual Globo 23 29,9
Globo + SBT + MTV 1 1,3 Globo + TV por assinatura 12 15,6
Globo + SBT + TV por assinatura 1 1,3 MTV + TV por assinatura 2 2,6
Globo + MTV + TV por assinatura 4 5,2 Globo + Bandeirantes 3 3,9
SBT 1 1,3 MTV 3 3,9
TV por assinatura 10 13,0 Globo + MTV 10 13,0 Globo + SBT 5 6,5
SBT + TV por assinatura 1 1,3 Globo + SBT + Bandeirantes + MTV 1 1,3
Total 77 100
Tabela 6 – Programação preferida
Telejornal Filme Novela Desenho animado
Programa humorístico
Show Ordem de preferência
F % F % F % F % F % F % Primeiro 3 3,9 25 32,5 16 20,8 10 13 9 11,7 7 9,1 Segundo 3 3,9 23 29,9 13 16,9 8 10,4 11 14,3 8 10,4 Terceiro 11 14,3 7 9,1 7 9,1 16 20,8 16 20,8 8 10,4 Quarto 9 11,7 10 13 12 15,6 12 15,6 8 10,4 13 16,9 Quinto 16 20,8 2 2,6 9 11,7 6 7,8 14 18,2 16 20,8 Sexto 18 23,4 1 1,3 8 10,4 13 16,9 11 14,3 12 15,6 Sétimo 5 6,5 1 1,3 2 2,6 2 2,6 Oitavo 1 1,3 1 1,3 Não responderam
9 11,7 10 13,0 9 11,7 8 10,4 11 14,3
Total 77 100 77 100 77 100 77 100 77 100
Tabela 7 – Freqüência de utilização do computador
Utilização Freqüência Percentual Diária 45 58,4 Dias determinados 12 15,6 Finais de semana 16 20,8 Dias determinados + finais de semana 3 3,9 Não responderam 1 1,3
Total 77 100
Tabela 8 – Formas de utilização do computador
Formas de Utilização Freqüência Percentual Estudo 2 2,6 Pesquisa e jogos eletrônicos 10 13 Estudo, pesquisa e jogos eletrônicos 5 6,5 Estudo e salas de bate-papo 2 2,6 Pesquisa e salas de bate-papo 3 3,9 Pesquisa, salas de bate-papo e chats 1 1,3 Pesquisa e chats 4 5,2 Estudo, pesquisa, jogos eletrônicos, salas de bate-papo
5 6,5
Estudo e jogos eletrônicos 3 3,9 Estudo, pesquisa e chats 2 2,6 Pesquisa 3 3,9 Jogos eletrônicos, chats e salas de bate papo
3 3,9
Estudo, pesquisa, jogos eletrônicos, salas de bate-papo e chats
1 1,3
Pesquisa, jogos eletrônicos, salas de bate-papo e chats
1 1,3
Jogos eletrônicos 12 15,6 Estudo, pesquisa e salas de bate-papo 1 1,3 Estudo e pesquisa 5 6,5 Salas de bate-papo 6 7,8 Pesquisa, jogos eletrônicos e salas de bate-papo
8 10,4
Total 77 100
Tabela 9 – Freqüência com que os alunos jogam Utilização Freqüência Percentual
Diária 29 37,7 Dias determinados 11 14,3 Finais de semana 28 36,4 Dias determinados + finais de semana 8 10,4 Não responderam 1 1,3
Total 77 100
Tabela 10 – Tipos de jogos preferidos
Simuladores Ação Aventura Ficção RPG Ordem de preferência F % F % F % F % F %
Primeiro 15 19,5 21 27,3 22 28,6 5 6,5 14 18,2 Segundo 9 11,7 18 23,4 24 31,2 12 15,6 2 2,6 Terceiro 17 22,1 15 19,5 13 16,9 14 18,2 4 5,2 Quarto 15 19,5 8 10,4 7 9,1 19 24,7 10 13 Quinto 10 13 3 3,9 2 2,6 13 16,9 30 39 Sexto 1 1,3 Não responderam
11 14,3 11 14,3 9 11,7 14 18,2 17 22,1
Total 77 100 77 100 77 100 77 100 77 100
Tabela 11 – Freqüência de utilização da Internet
Utilização Freqüência Percentual Diária 26 33,8 Dias determinados 16 20,8 Finais de semana 28 36,4 Não utiliza 7 9,1
Total 77 100
Tabela 12 – Alunos que possuem e-mail próprio Utilização Freqüência Percentual
Sim 56 72,7 Não 19 24,7 Não responderam 2 2,6
Total 77 100
Tabela 13 – Alunos que já assistiram filmes com a existência de personagens robôs.
Utilização Freqüência Percentual Sim 66 85,7 Não 3 3,9 Não responderam 8 10,4
Total 77 100 Tabela 14 – Filmes assistidos/preferidos
Filme Freqüência Percentual Robocop 18 23,4 Star Wars 21 27,3 O Homem Bicentenário 10 13 Blade Runner e Robocop 1 1,3 Um Robô em Curto Circuito 13 16,9 Outros 1 1,3 Não responderam 13 16,9
Total 77 100
ANEXO B - FIGURAS
Figura 7 – A Casa do Futuro. Fonte: Revista Recreio, Edição 146, p. 8-9.
Figura 30 – O Homem máquina: as peças de reposição. Fonte: Revista IstoÉ, n. 1489, 11 março 1998.
Figura 37 – Robô fabricado pela Manufatura de Brinquedos Estrela em 1969. Exposto na Casa do Sonhos – São Paulo, S.P.
Figura 38 – Robô fabricado pela Manufatura de Brinquedos Estrela em 1981. Exposto na Casa do Sonhos – São Paulo, S.P.
Figura 39 – Robô fabricado pela Manufatura de Brinquedos Estrela em 1983. Exposto na Casa do Sonhos – São Paulo, S.P.
As marcas e ilustrações utilizadas no decorrer desta Dissertação são usadas unicamente para fins didáticos, sendo estas propriedade de suas respectivas companhias.
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