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VIVÊNCIAS NA FORMAÇÃO DE ACADÊMICAS FEMINISTAS: EMPODERANDO AS USUÁRIAS DE UMA UBS CONTRA TODA
FORMA DE VIOLÊNCIA
Tainara Prado Parreira (UNIPAR)
Kawana Christina Bevilaqua Quaresma (UNIPAR)
Bárbara Cossettin Costa Beber Brunini (UNIPAR/UEM)
tainara2prado@gmail.com
Resumo
Esta escrita se propõe a descrever as experiências vivenciadas no Estágio Supervisionado Curricular Obrigatório Específico I (ESCO I) do curso de Psicologia da UNIPAR – Universidade Paranaense e apresentou-se como desafio para nossa formação demonstrando a necessidade de problematizarmos questões sobre a violência de gênero durante a formação de psicólogas elencando como referencial teórico leituras de autoras e autores feministas, reflexões pós estruturalistas e toda uma desejada coletânea de vozes femininas que o projeto de estágio referenciou em suas práticas interventivas. Apresentando-se em formato de relato de experiência, o artigo tem o intuito de narrar as vivências de acadêmicas feministas no contexto de unidade básica de saúde do município de Umuarama apresentada por uma escrita qualitativa, implicada com o cuidado com/de/para outras e todas as mulheres usuárias do sistema público de saúde. Palavras-chave: Feminismo; Unidade básica de saúde; Intervenções psicológicas. Introdução
As escritas deste trabalho são representadas pelo direito de escolher, pela
liberdade, ainda tão cara a muitas mulheres, originado da opção de propor
intervenções psi durante a realização dos estágios obrigatórios para a formação em
Psicologia. A proposta de projeto desenvolvido pela professora orientadora
carregava palavras como: atravessamentos, militâncias, conversações afetivas,
relações de poder, e neste instante nos questionávamos, podemos nos construir
mulheres militantes dos feminismos durante a formação em Psicologia?
Afetadas por nossas escolhas e certas de nosso posicionamento ético e
político enquanto futuras profissionais, apresentamos uma proposta de intervenção
junto as mulheres usuária da UBS/CSE (Unidade Básica de Saúde/Centro de Saúde
Escola) localizada no Campus-Sede da Universidade Paranaense – Unipar, Unidade
de Umuarama. Tais intervenções objetivaram combater violência de gênero
buscando desconstruir o papel da subalternidade inscrito nos corpos femininos pela
cultura e formas patriarcas de educação, contribuindo assim, para a garantia de
direitos de saúde integral e humanizada, diretrizes estas respaldadas pela lei
8.080/90 a qual inaugura o Sistema Único de Saúde.
Estar com o corpo inserido neste projeto interventivo, foi mais que um
processo de escolha, foi um movimento de cuidado de si como descreve Michel
Foucault, mesmo porque, contra o instituído por leituras positivistas de Psicologia
desde o início de nossa formação, ouvíamos que não era prudente nos deixar afetar
pelos problemas dos nossos clientes/pacientes/usuários, exigindo uma
“neutralidade” na atuação psi.
Na experiência de ouvir mulheres em suas narrativas sobre violência de
gênero, fomos desconstruídas e desterritorializadas do lugar de saber científico,
como acadêmica e nos permitimos questionar como futura profissional: vamos
conseguir enxergar mulheres tão diferentes de nós? Vamos reconhecer estes outros
corpos tão múltiplos e singulares? Teremos a sensibilidade para valorar cada um
deles e fugir de certa Psicologia também da violência contra a mulher?
Ainda não encontramos respostas para todos estes desassossegos, mas
sentimos que, nas relações que emergiram nas práticas de estágio, já não somos
mais as mesmas, estamos em trânsito, somos mutantes e mutáveis, somos devir
mulher.
A definição de corpo vai além da questão biológica. O corpo é composto por
tudo o que o envolve, seus desejos, suas relações, seus sentimentos, ou seja, tudo
o que o atravessa (COLLING; TEDESCHI, 2015). Pensando assim o corpo é
fabricado socialmente, as representações do que deseja que o corpo feminino seja,
estão enlaçadas a toda mulher, produzidos por discursos sobre o sexo regulado,
normatizado e desenvolvendo verdades sobre esses corpos, onde a mulher é
diminuída nos discursos heteronormativos (LOURO, 2007).
Analisando o poder segundo Foucault (1979), ele não está localizado em algo
ou em uma pessoa, mas o poder ocorre em uma relação de forças, está nas
relações de poder, saber e discursos de verdade. Como Foucault (1988, p. 90) cita,
“onde há poder há resistência”, do mesmo modo que os discursos heteronormativos
regulam e normatizam, também nascem possibilidades de resistência a esses
padrões. Sendo assim é importante que esses corpos criem resistências diante de
relações de violência, linhas de fuga possibilitadas por informações sobre os direitos
de se fazer mulher.
Nestes contextos, o feminismo surge enquanto movimento político, que
reconhece a opressão direcionada às mulheres e questiona as relações de poder e
submissão, propondo uma transformação social em busca da igualdade entre os
gêneros e garantia de direitos. “[...] O feminismo formula o conceito de libertação
que prescinde da ‘igualdade’ para afirmar a diferença – compreendida não como
desigualdade ou complementaridade, mas como ascensão histórica da própria
identidade feminina” (TELES, 1999, p. 10).
Referenciadas por estas vozes teóricas, iniciamos o estágio em Psicologia
dentro da UBS, propondo ações dialogadas e informativas sobre as questões de
gênero e violência. Ações estas que se iniciaram com a entrega de folhetos
informativos, tanto nas ruas, como em atividades dentro da UBS, percebemos as
expressões de surpresa vinda de pessoas abertas a discussão, gerando diálogos
importantes para o combate a violência de gênero.
Durante uma das campanhas de saúde apresentamos um cartaz com o
questionamento “o que é ser mulher?” e estimulamos as usuárias a responderem
deixando escrito em papel manilha, seus sentimentos e sugestões. No início poucas
se sentiram confortáveis em escrever, mas logo algumas começaram e isso
incentivou outras a fazerem o mesmo. Conforme aumentavam o número de
palavras, as mulheres sentiam-se mais encorajadas, o que instigou as funcionárias
do local a participar também, ocasionando um diálogo interessante e proveitoso na
relação entre elas sobre a temática proposta.
Durante a possibilidade de estar com tantas mulheres de diferentes
comportamentos, sentimentos, emoções, mas todas ali implicadas frente um simples
convite de reflexão, nos questionávamos, qual “papel” estamos assumindo enquanto
corpos mulheres que somos e estamos? Quem desejamos e podemos ser?
Questionamentos importantes para ir além do que é imposto na formação
acadêmica, que permitem novas possibilidades de estar no mundo. Afinal quem
somos e nos fazemos é um estado influenciado pelo contexto sócio histórico e
cultural em que fomos inseridas “[...] percurso histórico único e singular de cada
sujeito, sendo construído com emoções, com perdas e ganhos, com crenças, com
juízos e valores, que são agregados ao longo de sua história de vida” (VIEIRA, 2005,
p. 211).
Intervenções quando vivenciadas de modo afetivo e afetado, onde mulheres
ouvem e dialogam com mulheres, onde narrativas sobre qualquer forma de violência
surgem como pedidos de socorro ou fortalecimento de ações, favorecem os
processos de denúncia de violência junto a profissionais de saúde, possibilitando a
notificação destas situações e buscando junto à rede de atenção mecanismos de
proteção e promoção da saúde integral como presa a Lei 8.080/90 (BRASIL, 1990),
da criação dos serviços do SUS (Sistema Único de Saúde).
Com esse projeto foi possível trazer para nossa formação acadêmica olhares
de novas Psicologias, de outros fazeres na saúde pública, proporcionando diferentes
e necessárias reflexões sobre questões de gênero e de violência contra a mulher.
Conhecer o feminismo nos faz vivenciar a necessidade de dialogar sobre a
desigualdade de gênero, de colocar nosso corpo mulher nesses espaços, de militar
a favor de toda mulher nas ações em UBS, e dividir a prática de cuidado de si
enquanto movimento ético, estético e político de nossa profissão. Referências BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Lei Orgânica da Saúde. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Brasília, set. 1990. COLLING, A. M.; TEDESCHI. L. A. (Org.). Dicionário Crítico de Gênero. Dourados-MS: Ed. UFGD, 2015. 682p. FOUCAULT, M. História da Sexualidade I: a vontade de saber. Trad. M.T. C. Albuquerque e J. A G. Albuquerque. Rio de Janeiro: Graal, 1988. FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Organização e tradução de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979. LOURO, G. L. Pedagogias da sexualidade. In LOURO, Guacira Lopes. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 2º ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. TELES, M. A. A. Breve história do feminismo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1999. 181 p. VIEIRA, J. A. A identidade da mulher na modernidade. DELTA, São Paulo, v. 21, n. spe, p. 207-238, 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-44502005000300012&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 16 nov. 2018.
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