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Cartografia da perda O ensaio fotográfico apresentado por Túlio Travaglia nos mostra fragmentos de uma pintura em ruínas feitas sobre a superfície de um muro, o qual não conseguimos mensurar com precisão o tempo de tal produção. Esses fragmentos poderiam ser denominados de “cartografia da perda”, um mosaico complexo, composto por uma composição caleidoscópica irregular e colorida, que se constituiu vagarosamente. O próprio tempo é a grande matéria prima das superfícies apresentadas pelas imagens. Sobre a superfície deste muro formam-se mapas, registros da passagem do tempo, que se tornam mais evidentes pelas cores desta pintura que desconhecemos em sua totalidade. Labirintos de linhas, pinceladas coloridas e bem marcadas e arestas de concretos disputam espaço nas superfícies fotografadas. Um misto de cor, volume, rugosidade ou lisura criam massas de elementos pictóricos, agregados de matéria. Através desta série Túlio transforma a fotografia em arte plástica. Fotografia expandida, onde a foto flerta muito com a pintura. Suas fotografias fazem lembrar o movimento artístico denominado Expressionismo Abstrato, que tinha como forte característica a liberdade e espontaneidade. Nessas imagens propriedades agrupadas ordenadamente surgem na ausência de projetos; conjuntos interessantes podem simplesmente surgir de algumas relações entre o

Cartogarfia da perda

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Cartografia da perda

O ensaio fotográfico apresentado por Túlio Travaglia nos mostra fragmentos de

uma pintura em ruínas feitas sobre a superfície de um muro, o qual não conseguimos

mensurar com precisão o tempo de tal produção.

Esses fragmentos poderiam ser denominados de “cartografia da perda”, um

mosaico complexo, composto por uma composição caleidoscópica irregular e colorida,

que se constituiu vagarosamente. O próprio tempo é a grande matéria prima das

superfícies apresentadas pelas imagens.

Sobre a superfície deste muro formam-se mapas, registros da passagem do

tempo, que se tornam mais evidentes pelas cores desta pintura que desconhecemos em

sua totalidade. Labirintos de linhas, pinceladas coloridas e bem marcadas e arestas de

concretos disputam espaço nas superfícies fotografadas. Um misto de cor, volume,

rugosidade ou lisura criam massas de elementos pictóricos, agregados de matéria.

Através desta série Túlio transforma a fotografia em arte plástica. Fotografia

expandida, onde a foto flerta muito com a pintura. Suas fotografias fazem lembrar o

movimento artístico denominado Expressionismo Abstrato, que tinha como forte

característica a liberdade e espontaneidade.

Nessas imagens propriedades agrupadas ordenadamente surgem na ausência de

projetos; conjuntos interessantes podem simplesmente surgir de algumas relações entre

o muro, suas rachaduras e quebras, a pintura e o desgaste da mesma e das partes que

interagem. Tudo isso captado e fragmentado pelo olhar sensível de Túlio Travaglia.

Algumas das superfícies fotografadas por Túlio podem nos remeter a algumas

pinturas coloridas de Franz Kline e outros quadros mais geometrizados de Wilhelm De

Kooning

A ausência de um foco único faz o olhar percorrer por toda a composição. O

olho reveste uma função tátil. Aqui não há horizonte, fundo, nem perspectiva. Tudo está

perto. A pintura parece estar mais na superfície, o que nos interessa aqui não é a

profundidade de campo ou algo parecido. Todos os significados passam a se concentrar

na superfície reificada da imagem.

O que se busca aqui não é revelar a autoria ou a identidade do pintor, ou mesmo

o que esta pintura em sua totalidade quer significar, mas agentes de transfiguração,

deformação e mesmo apagamento do traço. A história da fotografia está repleta de

exemplos de fotos cujo referente, pelas mais variadas razões técnicas e expressivas, não

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pode ser identificado, nem sequer genericamente. Neste curso perdeu-se o traço, embora

tenha permanecido a fotografia com toda a sua eloqüência icônica e simbólica.